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phtls7a_edicao-160111212803

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Inclui DVD<br />

em portuguê<br />

Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado<br />

PHTLS<br />

MOSBY<br />

American College of Surgeons<br />

COMMITTEE<br />

TRAUMA<br />

NAEMT<br />

Comité do PHTLS da National Association of Emergency Medical Technicians (NAEMT)<br />

em cooperação com o Comité de Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões


PREFÁCIO<br />

na América Latina, e no mundo inteiro,<br />

o trauma é uma causa importante de morbidade, em<br />

NaArgentina,<br />

decorrência de colisões automobilísticas, violência e<br />

acidentes de trabalho, entre outras causas<br />

Uma resposta a essa situação foi iniciada na Argentina<br />

em 1954, através do capítulo local do Colégio Americano de<br />

Cirurgiões. Decorreriam mais 35 anos até ser feito o primeiro<br />

curso ATLS, em *1989.<br />

Durante os anos seguintes, o atendimento ao doente traumatizado<br />

tornou-se vital, devido ao crescente número de<br />

vítimas e ao treinamento inadequado em atendimento préhospitalar.<br />

Os milhares de pessoas mortas ou permanentemente in¬<br />

capacitadas na Argentina custaram muito ao país, tanto so¬<br />

cial quanto economicamente. Assim, em 1996, o programa<br />

PHTLS foi iniciado na Argentina pelos docentes interna¬<br />

cionais Norman McSwain, Will Chapleau e Greg Chapman.<br />

Foram treinados setenta instrutores e o país foi dividido em<br />

oito regiões, englobando 23 províncias. Desde o início, o<br />

curso expandiu-se por todo o país, tornando-se um signifi¬<br />

cativo marco na criação de respostas integradas pré-hospitalares<br />

e hospitalares nas esferas pública e privada.<br />

Desde aquela época, este curso treinou médicos, enfer¬<br />

meiros, bombeiros, grupos de resgate, equipes militares e<br />

brigadas industriais da Argentina até países latinoamericanos<br />

fronteiriços. Até hoje, o programa PHTLS em nosso<br />

país organizou Conferências Internacionais e Seminários de<br />

Atualização em Trauma nas sucessivas edições deste livro.<br />

Realizamos essas atividades com o apoio do escritório in¬<br />

ternacional do PHTLS, dirigido por Will Chapleau e Corine<br />

Curd, e com a generosa colaboração de outros coordenado¬<br />

res latinoamericanos de México, Colômbia, Brasil e Bolí¬<br />

via, além de diversos instrutores dos Estados Unidos. Além<br />

disso, o programa PHTLS da Argentina contribui e coorde¬<br />

nou a implementação do programa em países como Bolívia,<br />

Uruguai, Chile, Peru e, agora, Equador.<br />

Pessoalmente, na qualidade de médico especializado em<br />

emergência com mais de 30 anos de experiência clínica e<br />

científica em sociedades académicas que lidam com o do¬<br />

ente crítico, devo ressaltar o desenvolvimento contínuo do<br />

programa que, com seu sentido estrito baseado em evidência<br />

científica, faz do PHTLS um curso universalmente adolado<br />

em mais de 40 países, tanto na área civil quanto na área<br />

militar.<br />

Passaram-se 15 anos desde o primeiro curso em nosso<br />

país. Treinamos mais de 7.500 alunos. No mundo inteiro,<br />

educamos mais de meio milhão de socorristas. Nada disso<br />

teria sido possível sem os esforços diários de pessoas como<br />

Norman McSwain, Will Chapleau, Jeff Salomone e outros<br />

de grande valor, como Scott Frame, que não estão mais conosco,<br />

e centenas de diretores e instrutores nos outros 50<br />

países que trabalham dia após dia ensinando e aplicando os<br />

conceitos e as práticas do programa em seus doentes.<br />

Alualmente, na Argentina, o tratamento inicial ao doente<br />

traumatizado tem um único protocolo, "a maneira PHTLS".<br />

E uma honra compartilhada por todos nós, que trabalha¬<br />

mos no pré-hospitalar, sentirmo-nos parte dessa filosofia de<br />

trabalho e termos o sentimento de pertencer a ela. Sentimos<br />

muito orgulho quando um bombeiro, um médico, um sol¬<br />

dado ou um brigadista diz: "Sou do PHTLS", e quando esta¬<br />

mos trabalhando com as vítimas de um acidente, sinto que<br />

esses 15 anos de treinamento deram frutos e eu percebo que<br />

"eles estão fazendo a diferença".<br />

Lembrarei sempre de uma frase que Norrnan McSwain<br />

disse na Argentina: "Se um de nós puder salvar novamente<br />

uma vítima, você pode mudar o mundo." Assim, superando<br />

qualquer barreira geopolítica, o PHTLS é uma ponte de co¬<br />

nhecimento sobre o mundo.<br />

Oswaldo Rois, MD<br />

Presidente, Fundacion EMME<br />

Diretor, PHTLS Argentina<br />

xvii


APRESENTAÇÃO<br />

devem aceitar a responsabilidade de pres¬<br />

tar atendimento ao doente de uma forma que seja o<br />

Ossocorristas<br />

mais próximo possível da perfeição absoluta. Isso não<br />

pode ser realizado com conhecimentos insuficientes sobre o<br />

assunto. Devemos lembrar que o doente não escolheu estar<br />

envolvido em uma situação traumática. Por outro lado, o so¬<br />

corrista fez a escolha de estar ali para cuidar do doente. O<br />

socorrista está obrigado a empregar 100% de seus esforços<br />

durante o conlalo com cada doente. O doente teve um mau<br />

dia; o socorrista não pode ter também um mau dia. Ele deve<br />

estar sempre atento e preparado na competição entre o doente<br />

e a morte e a enfermidade.<br />

0 doente é a pessoa mais importante na cena de uma emer¬<br />

gência. Não há tempo para pensar na sequência em que a ava¬<br />

liação do doente deve ser realizada ou que tratamentos devem<br />

ter prioridade sobre os outros. Não há tempo para praticar<br />

uma técnica antes de a utilizar em um determinado doente.<br />

Não há tempo para pensar em que lugar o equipamento ou<br />

os suprimentos necessários ao atendimento estão guardados<br />

na mochila. Não há tempo para pensar para onde a vítima<br />

deve ser transportada. Todas essas informações e outras mais<br />

devem estar armazenadas na mente do socorrista, e todos os<br />

suprimentos e equipamentos devem estar na mochila quando<br />

o socorrista chega à cena. Sem o conhecimento ou o equi¬<br />

pamento apropriado, o socorrista pode esquecer-se de fazer<br />

coisas que poderiam potencialmente aumentar as possibili¬<br />

dades de sobrevivência do doente. As responsabilidades do<br />

socorrista são grandes demais para permitir a ocorrência de<br />

tais erros.<br />

Todos aqueles que prestam atendimento pré-hospitalar são<br />

membros da equipe de atendimento ao traumatizado, tanto<br />

quanto os enfermeiros ou médicos do pronto-socorro, do cen¬<br />

tro cirúrgico, da unidade de terapia intensiva, da enfermaria<br />

eda unidade de reabilitação. Os socorristas devem estar bem<br />

treinados, para poderem, de maneira rápida e eficiente, retirar<br />

o doente do local do incidente e transportá-lo para o hospital<br />

apropriado mais próximo.<br />

POR QUE O PHTLS?<br />

Filosofia Educacional do Curso<br />

0 PHTLS enfatiza princípios, não em preferências. Ao enfa¬<br />

tizar os princípios do bom atendimento ao traumatizado, o<br />

PHTLS estimula o raciocínio crítico. O Comité Executivo da<br />

Divisão PHTLS da National Association of Emergency Medi¬<br />

cal Technicians (NAEMT) acredita que, tendo uma boa base<br />

de conhecimento, os socorristas são capazes de tomar as de¬<br />

cisões adequadas no atendimento do doente. A memorização<br />

mecânica de processos mnemónicos é desencorajada. Além<br />

disso, não existe um "método PHTLS" para a execução de<br />

determinada técnica. Ensina-se o princípio que está por trás<br />

da técnica e, em seguida, é apresentado um método aceitável<br />

de executar a técnica, que esteja de acordo com o princípio.<br />

Os autores entendem que nenhum método único pode ser<br />

aplicado às inúmeras situações concretas encontradas no préhospitalar.<br />

Informação Atualizada<br />

O desenvolvimento do programa PHTLS começou em 1981,<br />

imediatamente depois do início do programa Advanced<br />

Trauma Life Support (ATLS) para médicos. Como o curso<br />

ATLS é revisado a cada 4 ou 5 anos, as alterações pertinentes<br />

são incorporadas à edição seguinte do PHTLS. Esta 7- edição<br />

do programa PHTLS foi revisada com base no curso ATLS de<br />

2008, assim como em publicações subsequentes na literatu¬<br />

ra médica. Embora siga os princípios do ATLS, o PHTLS está<br />

voltado especificamente para as necessidades próprias do<br />

atendimento ao traumatizado no pré-hospitalar. Foram acres¬<br />

centados novos capítulos, enquanto outros foram amplamente<br />

revisados. Novos capítulos incluem informação sobre a Arte<br />

e Ciência da Medicina. Também foi incluído um DVD com<br />

videoclipes das técnicas e questões práticas. Observe, ao lon¬<br />

go do livro, as referências ao símbolo , indicando que mais<br />

informações podem ser encontradas no DVD.<br />

Base Científica<br />

Os autores e editores adotaram uma abordagem "baseada em<br />

evidências", que inclui referências da literatura médica que<br />

apoiam os princípios fundamentais. Além disso, são citados,<br />

quando aplicável, outros documentos publicados por organizações<br />

nacionais, que marcam sua posição sobre determinado<br />

assunto. Foram acrescentadas muitas referências, para permi¬<br />

tir que os socorristas com mente inquisidora leiam os dados<br />

científicos que amparam nossas recomendações.<br />

Ajuda à NAEMT<br />

A NAEMT fornece a estrutura administrativa para o programa<br />

PHTLS. Nenhuma verba originária do programa PHTLS (taxas<br />

ou royalties do livro e dos materiais audiovisuais) vai para os<br />

editores ou autores deste trabalho ou para o Comité de Trauma<br />

do Colégio Americano de Cirurgiões, ou para qualquer outra<br />

organização médica. Todos os lucros do programa PHTLS são<br />

redirecionados para a NAEMT, para prover recursos para as¬<br />

suntos e programas de importância fundamental para os proxix


XX<br />

APRESENTAÇÃO<br />

fissionais dos SME, como conferências educacionais e lobby<br />

junto ao Poder Legislativo, em prol dos interesses dos socor¬<br />

ristas.<br />

0 PHTLS é um Líder Mundial<br />

Devido ao sucesso inédito das edições anteriores do PHTLS, o<br />

programa tem continuado a crescer em grande velocidade. Os<br />

cursos do PHTLS continuam a proliferar através dos Estados<br />

Unidos, e os militares americanos adotaram-no, ensinando o<br />

programa ao pessoal das Forças Armadas americanas em mais<br />

de 100 centros de treinamento pelo mundo inteiro. O PHTLS<br />

foi exportado para mais de 50 países, e muitos outros expres¬<br />

sam interesse em levar o PHTLS para o seu país, num esforço<br />

para melhorar a qualidade do atendimento pré-hospitalar ao<br />

traumatizado.<br />

Os socorristas têm a responsabilidade de assimilar este co¬<br />

nhecimento e estas técnicas, para os utilizarem em benefício<br />

dos doentes pelos quais são responsáveis. Os editores e au¬<br />

tores deste material e o Comité Executivo da Divisão PHTLS<br />

da NAEMT esperam que você incorpore estas informações<br />

na sua prática e que diariamente se dedique ao atendimento<br />

daqueles que não podem cuidar de si mesmos - os doentes<br />

traumatizados.<br />

Jeffrey P. Salomone, MD, FACS, NREMT-P<br />

Peter T. Pons, MD, FACEP<br />

Editores<br />

Norman E. McSwain, Jr., MD, FACS, NREMT-P<br />

Editor-Chefe, PHTLS<br />

Will Chapleau, EMT-P, RN, TNS, CEN<br />

Gregory Chapman, EMT-P, RRT<br />

Jeffrey S. Guy, MD, MSc, MMHC, FACS, EMT-P<br />

Editores Associados


SUMÁRIO<br />

DIVISÃO 1 Introdução<br />

1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro,1<br />

2 Prevenção de Trauma, 15<br />

DIVISÃO 2<br />

Avaliação e Tratamento<br />

3 A Ciência e a Arte dos Cuidados Pré-hospitalares: Princípios, Preferências e Pensamento Crítico, 33<br />

4 Biomecânica do Trauma, 43<br />

5 Avaliação Local, 87<br />

6 Avaliação e Atendimento do Doente, 109<br />

7 Controle da Via Aérea e Ventilação, 133<br />

8 Choque, 179<br />

DIVISÃO 3<br />

Lesões Específicas<br />

9 Lesão Cerebral Traumática, 217<br />

10 Trauma Vertebromedular, 245<br />

11 Trauma Torácico, 291<br />

12 Trauma Abdominal, 317<br />

13 Trauma Musculoesquelético, 333<br />

14 Lesões por Queimadura, 355<br />

15 Trauma Pediátrico, 377<br />

16 Trauma no Idoso, 403<br />

DIVISÃO 4<br />

Resumo<br />

17 Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado, 421<br />

DIVISÃO 5<br />

Vítimas em Massa e Terrorismo<br />

18 Atendimento a Desastres, 431<br />

19 Explosões e Armas de Destruição em Massa, 447<br />

DIVISÃO 6<br />

Considerações Especiais<br />

20 Trauma Ambiental I:Calor e Frio,477<br />

21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude, 521<br />

22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos, 561<br />

23 Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis (SMEOT), 579<br />

Glossário, 591<br />

índice, 605<br />

XXI


TÉCNICAS ESPECÍFICAS<br />

DIVISÃO 2<br />

Avaliação e Tratamento<br />

7 Tração da Mandíbula no Trauma, 158<br />

7 Tração da Mandíbula no Trauma Alternativa, 158<br />

7 Elevação do Mento no Trauma (Dois Socorristas), 159<br />

7 Cânula Orofaríngea (Método de Introdução com Elevação da Língua e da Mandíbula), 160<br />

7 Cânula Orofaríngea (Método de Introdução com Abaixador de Língua), 161<br />

7 Cânula Nasofaríngea, '162<br />

7 Ventilação com Bolsa-Valva-Máscara (Dois Socorristas), 164<br />

7 Combitube, 166<br />

7 Cânulas King, 168<br />

7 Máscara Laríngea, 170<br />

7 Intubação Orotraqueal do Traumatizado sob Visão Direta, 172<br />

7 Intubação Orotraqueal Face a Face, 174<br />

7 Cricotirotomia por Agulha e Ventilação Transtraqueal Percutânea, 176<br />

8 Acesso Vascular Intraósseo, 213<br />

8 Aplicação de Torniquete: Bandagem Israelense, 215<br />

DIVISÃO 3<br />

Lesões Específicas<br />

10 Colar Cervical: Tamanho e Colocação, 267<br />

10 Rolamento em Bloco/Posição Supina, 269<br />

10 Rolamento em Bloco/Doente em Decúbito Ventral ou Semipronação, 271<br />

10 Colocação da Prancha Longa com o Doente em Pé (Três ou mais Socorristas), 273<br />

10 Colocação da Prancha Longa com o Doente em Pé (Dois Socorristas), 275<br />

10 Imobilização Sentada (Dispositivo para Retirada, do Tipo Colete), 277<br />

10 Retirada Rápida (Três ou mais Socorristas), 280<br />

10 Retirada Rápida (Dois Socorristas), 283<br />

10 Assento para Crianças, 284<br />

10 Dispositivo para Imobilização de Crianças, 286<br />

10 Remoção de Capacete, 288<br />

11 Descompressão por Agulha, 314<br />

_<br />

xxii


PHTLS—PASSADO, PRESENTE E FUTURO<br />

ATLS<br />

Como acontece com frequência na vida, uma experiência<br />

pessoal originou as mudanças no atendimento de emergência<br />

que resultaram no nascimento do curso ATLS (e, no fim,<br />

no programa PHTLS). O ATLS começou em 1978, dois anos<br />

depois da queda de um avião particular em uma área rural<br />

do estado de Nebraska. O curso ATLS surgiu a partir daquela<br />

massa de metal retorcido, dos feridos e dos mortos.<br />

0 piloto, um cirurgião ortopédico, a sua mulher e os quatro<br />

filhos estavam voando em seu bimotor, quando o avião caiu.<br />

A esposa morreu instantaneamente. Os filhos ficaram grave¬<br />

mente feridos. Eles ficaram esperando pela chegada de ajuda<br />

pelo que pareceu ser uma eternidade, mas o o socorro nunca<br />

chegou. Depois de cerca oito horas, o cirurgião andou cerca<br />

de um quilómetro por uma estrada de terra até chegar a uma<br />

rodovia, e fez sinal para um carro parar, depois de dois cami¬<br />

nhões terem passado direto. Foram com o carro até o local da<br />

queda do avião e puseram as crianças no carro, levando-as até<br />

hospital mais próximo, alguns quilómetros ao sul do local do<br />

acidente.<br />

Quando chegaram à porta do pronlo-socorro desse hospital<br />

rural, viram que a ela eslava trancada e tiveram que bater para<br />

entrar. Pouco depois, chegaram os dois médicos desta peque¬<br />

na comunidade rural. Um deles pegou uma das crianças fe¬<br />

ridas pelos ombros e pelos joelhos e levou-o para a sala de<br />

raio-x. Mais tarde, ele voltou e informouque não havia fratura<br />

de crânio. Não se preocupou com a coluna cervical. Começou<br />

então a suturar a laceração. Finalmente, o piloto telefonou<br />

para o seu sócio médico, contou-lhe o que linha acontecido<br />

e disse-lhe que precisavam ir para o Hospital Lincoln o mais<br />

rápido possível.<br />

Os médicos e a equipe nesse pequeno hospital tinham pou¬<br />

ca ou nenhuma preparação para esse tipo de situação. Havia<br />

uma falta evidente de treinamento para triagem e tratamento<br />

apropriado.<br />

As pessoas cansaram-se das críticas ao tratamento recebido<br />

na região rural do acidente. A queixa não era sobre o atendi¬<br />

mento em uma instituição qualquer em particular, mas sobre<br />

a falta generalizada de um sistema de atendimento para tratar<br />

o traumatizado na fase aguda, na área rural. Eles decidiram<br />

que queriam ensinar aos médicos da área rural uma forma sis¬<br />

temática de tratar os traumatizados, escolheram um formato<br />

semelhante ao ACLS e chamaram-no ATLS.<br />

Foi criado um programa, que foi organizado de uma forma<br />

lógica para abordar e tratar o traumatizado. Foi desenvolvida<br />

a metodologia de "tratar à medida que vai andando". Foram<br />

desenvolvidos os ABCs do trauma para organizar a ordem<br />

de avaliação e tratamento segundo prioridades. O protótipo<br />

foi testado no campo, em Auburn, Nebraska, em 1978, com<br />

o auxílio de diversos profissionais. O curso foi apresentado<br />

à Universidade de Nebraska e, posteriormente, ao Comité de<br />

Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões.<br />

Desde aquele primeiro curso em Auburn, Nebraska, três<br />

décadas já se passaram e o ATLS continua se disseminando e<br />

crescendo. O que foi inicialmente planejado como um curso<br />

para a área rural do Nebraska lornou-se um curso para o mun¬<br />

do inteiro, em todos os tipos de cenários de trauma, e serviu<br />

como base para o PHTLS.<br />

PHTLS<br />

Como o Dr. Richard H. Carmona, antigo General Surgeon dos<br />

Estados Unidos, declarou em sua introdução à sexta edição<br />

deste livro: "Alguém disse que nos apoiamos nos ombros de<br />

gigantes em muitos sucessos aparentes, e o PHTLS não é di¬<br />

ferente. Com grande visão e paixão, do tamanho dos desafios,<br />

um pequeno grupo de<br />

líderes foi persistente e<br />

desenvolveu o PHTLS<br />

há mais de um quarto<br />

de século."<br />

Frequentemente<br />

chamado de "Pai dos<br />

SMEs", o Dr. Joseph<br />

D. "Deke" Farrington,<br />

FACS (1909-1982), es¬<br />

creveu o artigo "Morte<br />

em Uma Vala", que<br />

muitos acreditam ser<br />

o ponto de virada dos<br />

modernos SMEs nos<br />

Estados Unidos. Em<br />

1958, ele convenceu<br />

o Departamento do Corpo de Bombeiros de Chicago a trei¬<br />

nar seus profissionais para tratar os doentes de emergência.<br />

Trabalhando com o Dr. Sam Banks, Deke iniciou o Programa<br />

de Treinamento de Trauma em Chicago. Milhares de bom¬<br />

beiros foram treinados seguindo as diretrizes desenvolvidas<br />

nesse programa de referência. Deke continuou a trabalhar em<br />

lodos os níveis dos SMEs, desde a cena, passando pela edu¬<br />

cação e pela legislação, assegurando que os SMEs crescessem<br />

até se tornarem a profissão em que trabalhamos hoje. Os prin¬<br />

cípios estabelecidos por seu trabalho formam parle do núcleo<br />

do PHTLS, e seus ombros estão entre aqueles sobre os quais<br />

nos apoiamos.<br />

O primeiro presidente do comité ad hoc do ATLS do<br />

Colégio Americano de Cirurgiões e Presidente do Subcomitê<br />

de Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado do Colégio<br />

xxiii<br />

-


xxiv<br />

PHTLS — PASSADO, PRESENTE E FUTURO<br />

Americano cie Cirurgiões, Dr. Norman E. McSwain. Jr. FACS,<br />

sabia que aquilo que eles haviam iniciado com o ATLS teria<br />

um profundo efeito na evolução dos doentes traumatizados.<br />

Além disso, ele tinha um forte sentimento de que um efeito<br />

ainda maior poderia resultar se esse tipo de treinamento crí¬<br />

tico fosse levado para os socorristas. O Dr. McSwain, membro<br />

fundador do conselho diretor da NAEMT, obteve apoio do pre¬<br />

sidente da Associação, Gery Labeau, e começou a planejar uma<br />

versão pré-hospitalar do ATLS. O presidente Labeau instruiu<br />

o Dr. McSwain e Robert Nelson, NREMT-P, para determinarem<br />

a viabilidade de um programa do tipo ATLS para socorristas.<br />

Na qualidade de professor de cirurgia da Faculdade de<br />

Medicina da Universidade de Tulane, em New Orleans,<br />

Louisiana, o Dr. McSwain recebeu o apoio da universidade<br />

na elaboração de um esboço do programa daquilo que viria<br />

a tornar-se o Atendimento Pré-Hospitalar ao Traumatizado<br />

(PHTLS). Criado esse esboço, foi estabelecido um comité<br />

do PHTLS em 1983. Esse comité continuou a aperfeiçoar o<br />

programa e, no hm do mesmo ano, foram feitos cursos-piloto<br />

em Lafayette e New Orleans, Louisiana, no Marian Health<br />

Center em Sioux City, Iowa, na Faculdade de Medicina de<br />

Yale em New Haven, Connecticut, e no Hospital Norwalk, em<br />

Norwalk, Connecticut. ./<br />

Richard W. "Rick" Vomacka (1946-2001) foi parte da força-tarefa<br />

que desenvolveu o curso PHTLS com base no pro¬<br />

grama ATLS do Colégio Americano de Cirurgiões. O PHTLS<br />

lornou-se a sua paixão à medida que o curso tomava fornia,<br />

e ele viajou por todo o país no início dos anos 1980 fazendo<br />

cursos-piloto e seminários com os instrutores regionais, e tra¬<br />

balhou com o Dr. McSwain e os outros membros originais da<br />

força-tarefa para fazer ajustes finos no programa. Rick foi a<br />

chave para o íntimo relacionamento que se estabeleceu entre<br />

o PHTLS e as Forças Armadas dos Estados Unidos, e tam¬<br />

bém trabalhou nos primeiros locais de cursos internacionais<br />

do PHTLS. Ele foi uma parte importante dos primórdios do<br />

PHTLS e será sempre lembrado com gratidão por seu traba¬<br />

lho árduo e dedicação à causa de melhorar o atendimento aos<br />

traumatizados.<br />

A disseminação em âmbito nacional foi iniciada com três<br />

seminários intensivos em Denver, Colorado, em Bethesda,<br />

Maryland e em Orlando, Flórida, entre setembro de 1984 e<br />

fevereiro de 1985. Os graduados destes primeiros cursos for¬<br />

maram os chamados "Barnstormers" (Cabos Eleitorais),instru¬<br />

tores nacionais e regionais que viajaram pelo país formando<br />

outros instrutores, anunciando que o PHTLS linha chegado..<br />

Alex Butman, juntamente com Rick Vomacka, trabalhou<br />

com diligência, frequentemente pondo dinheiro do próprio<br />

bolso, para a realização das duas primeiras edições do pro¬<br />

grama PHTLS. Sem sua ajuda e trabalho, o PHTLS nunca teria<br />

começado.<br />

Os cursos iniciais eram direcionados ao suporte avançado<br />

de vida (SAV). Em 1986, desenvolveu-se um curso que abran¬<br />

gia o suporte básico de vida (SBV). O curso cresceu de forma<br />

exponencial. Começando com esse pequeno grupo de instru¬<br />

tores entusiasmados, inicialmente dúzias, depois centenas e<br />

atualmenle milhares de socorristas participam anualmente<br />

em cursos PHTLS no mundo inteiro.<br />

À medida que o curso cresceu, o comité do PHTLS se tornou<br />

uma divisão da NAEMT. A demanda pelo curso e a necessi¬<br />

dade de manter a continuidade e a qualidade do mesmo obriga¬<br />

ram à formação de uma rede de instrutores afiliados, estaduais,<br />

regionais e nacionais. Existem coordenadores nacionais para<br />

cada país e, em cada país, existem coordenadores regionais e<br />

estaduais juntamente com instrutores afiliados, para assegurar<br />

que o conhecimento seja disseminado e os cursos sejam consis¬<br />

tentes, não importando se o socorrista faz o curso em Chicago<br />

Heights, Illinois,ou em Buenos Aires, Argentina.<br />

Durante todo o processo de crescimento, foi feita supervi¬<br />

são médica pelo Comité de Trauma do Colégio Americano de<br />

Cirurgiões. Por quase 20 anos a parceria entre o Colégio Ame¬<br />

ricano de Cirurgiões e a NAEMT garantiu que os participantes<br />

do curso recebessem a oportunidade de oferecer aos doentes<br />

traumatizados, em qualquer lugar do mundo, a melhor chance<br />

de sobrevida.<br />

Mais recentemente, o Dr. Scott B. Frame, FACS, FCCM<br />

(1952-2001) foi o Diretor Médico Associado do programa<br />

PHTLS. Sua ênfase principal consistiu no desenvolvimento<br />

dos recursos audiovisuais do PHTLS e sua promulgação em<br />

âmbito internacional. Na ocasião de sua morte precoce, ele ti¬<br />

nha assumido a responsabilidade de coordenar a quinta edição<br />

do curso PHTLS. Isso incluía a revisão não apenas do texto,<br />

mas também do manual do instrutor e de todos os materiais<br />

auxiliares de ensino. Ele aceitara a indicação de se tornar o<br />

Diretor Médico do curso PHTLS quando a quinta edição fosse<br />

publicada. Ele publicou capítulos e artigos sobre SME e trauma<br />

nos principais livros e revistas científicas.<br />

O programa PHTLS cresceu tremendamente sob a liderança<br />

de Scott e sua continuação no futuro deve-se ao que Scott fez e<br />

à parte de sua vida que emprestou ao PHTLS e a seus doentes.<br />

É sobre os ombros destes indivíduos, e de muitos outros,<br />

numerosos demais para serem mencionados, que o PHTLS se<br />

apoia e continua a crescer.<br />

O PHTLS nas Forças<br />

Armadas<br />

Desde 1988, as Forças Armadas americanas começaram a<br />

treinai- sistematicamente os seus socorristas usando PHTLS.<br />

Coordenado pelo Defense Medical Readiness Training Institute<br />

(DMRTI) em Fort Sam, Houston, no Texas, o programa PHTLS<br />

é ensinado em todos os Estados Unidos, Europa, Ásia e em<br />

qualquer localidade onde as forças armadas americanas este¬<br />

jam presentes. Em 2001, o programa 91WB do Exército padro¬<br />

nizou o treinamento de mais de 58.000 socorristas do Exército<br />

nos moldes do PHTLS. Foi acrescentado um capítulo militar<br />

na quarta edição. Após a publicação inicial da quinta edição,<br />

criou-se uma forte relação entre a organização do PHTLS e o


PHTLS — PASSADO, PRESENTE E FUTURO<br />

xxv<br />

recém-criado Comilê de Atehdimento a Vítimas em Combate<br />

Tático. O primeiro fruto dessa relação foi um capítulo mili¬<br />

tar completamente revisado na quinta edição (revisado) e em<br />

2004 foi publicada uma versão militar do livro. Essa colabo¬<br />

ração levou à criação de diversos capítulos militares para a<br />

sexta edição do livro PHTLS militar. O PHTLS foi ensinado<br />

diversas vezes "no teatro das operações" durante as guerras do<br />

Afeganistão e do Iraque, lendo contribuído para o mais baixo<br />

índice de mortalidade em todos os conflitos armados da histó¬<br />

ria dos Estados Unidos.<br />

O PHTLS Internacional<br />

Os sólidos princípios do atendimento pré-hospitalar ao trau¬<br />

matizado enfatizados no curso PHTLS levaram socorristas e<br />

médicos de fora dos Esalados Unidos a solicitar a importação<br />

do programa para os seus diversos países. Os instrutores do<br />

ATLS que participam de cursos ATLS no mundo inteiro deram<br />

suporte a essa iniciativa. Essa rede proporciona a orientação<br />

médica e a continuidade do curso.<br />

À medida que o PHTLS se disseminou pelos Estados Unidos<br />

epelo mundo afora, fomos confrontados com as diferenças cul¬<br />

turais e climáticas e também com a similaridade das pessoas<br />

que devotam suas vidas a cuidar dos enfermos e dos traumati¬<br />

zados. Todos nós, que fomos abençoados com a oportunidade<br />

de ensinar no exterior, experimentamos o companheirismo de<br />

nossos parceiros internacionais e sabemos que somos um só<br />

povo no esforço de cuidar daqueles que mais necessitam de<br />

atendimento. A família PHTLS continua a crescer com<br />

quase um milhão de alunos treinados em 50 países. Por ano,<br />

são dados mais de 2.600 cursos, com 34.000 alunos.<br />

As nações da crescente família PHTLS (até a publicação des¬<br />

ta edição) incluem: Argentina, Austrália, Áustria, Barbados,<br />

Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, China e Hong Kong,<br />

Colômbia, Costa Rica, Chipre, Dinamarca, França, Geórgia,<br />

Alemanha, Grécia, Granada, Irlanda, Israel, Itália, Lituânia,<br />

Luxemburgo, México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Omã,<br />

Panamá, Peru, Filipinas, Polónia, Portugal, Arábia Saudita,<br />

Escócia, Espanha, Suécia, Suíça, Trinidad e Tobago, Emirados<br />

Árabes, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela.<br />

Foram feitos cursos de demonstração na Bulgária, Macedónia<br />

e, em breve, na Croácia, na esperança de estabelecer equipes<br />

de instrutores nesses países. Japão, Coreia, África do Sul,<br />

Equador, Paraguai e Nigéria esperam juntar-se à família num<br />

futuro próximo.<br />

Traduções<br />

Nossa crescente família internacional tem criado traduções do<br />

texto. Atualmente o livro está disponível em inglês, espanhol,<br />

grego, português, francês, holandês, georgiano, chinês e italia-<br />

no. Estão em curso negociações para publicação do texto em<br />

outros idiomas. Com essa finalidade, existem legendas em di¬<br />

versas línguas no DVD que acompanha este livro.<br />

A Visão para o Futuro<br />

A visão para o futuro do PHTLS é a família. O pai do PHTLS,<br />

Dr. McSwain, continua sendo a base da crescente família que<br />

proporciona treinamento vital e contribui com conhecimento<br />

e experiência para o mundo. O primeiro simpósio de Trauma<br />

do PHTLS internacional ocorreu próximo a Chicago, Illinois,<br />

em 2000. Em 2010, realizou-se o primeiro encontro europeu<br />

do PHTLS. Esses programas unem o trabalho dos socorristas e<br />

pesquisadores em lodo o mundo para determinar o padrão de<br />

atendimento ao traumatizado para o novo milénio.<br />

O apoio da família PHTLS em lodo o mundo, todos doando<br />

voluntariamente incontáveis horas de suas vidas, permite que<br />

a liderança do PHTLS mantenha o crescimento do programa.<br />

Essa liderança consiste em:<br />

Conselho Executivo do<br />

PHTLS<br />

Presidentes do PHTLS Internacional<br />

Will Chapleau, EMT-P, RN, TNS<br />

1996- presente<br />

Elizabeth M. Wertz, RN, BSN, MPM 1992-1996<br />

James L. Paturas<br />

,s 1991-1992<br />

John Sinclair, EMT-P . 1990-1991<br />

David Wuertz, EMT-P 1988-1990<br />

James L. Paturas 1985-1988<br />

Richard Vomacka, REMT-P *1983-1985<br />

Diretor Médico do PHTLS Internacional<br />

Norman E. McSwain, Jr., Dr., FACS,<br />

1983-presente<br />

NREMT-P<br />

Diretores Médicos Associados do PHTLS<br />

Jeffrey S. Guy, Dr., FACS, EMT-P<br />

2001-presente<br />

Peter T. Pons, Dr., FACEP<br />

2000-presente<br />

Jeffrey Salomone, Dr., FACS, NREMT-P 1996-20*10<br />

Scott B. Frame, MC, FACS, FCCM "1994-2001<br />

Membros do Comilê Executivo<br />

Augie Bamonli, EMT-P<br />

Gregory Chapman, EMT-P, RRT, Assoc. Chair, PHTLS<br />

Frank K. Butler, Dr<br />

Michael J. Hunter, EMT-P<br />

Craig Jacobus, EMT-P, DC<br />

Steve Mercer, EMT-P, MEd<br />

Dennis Rowe, EMT-P


xxvi<br />

PHTLS — PASSADO, PRESENTE E FUTURO<br />

Enquanto continuamos desenvolvendo o potencial do<br />

curso PHTLS e da comunidade de socorristas em todo o<br />

mundo, devemos lembrar-nos de nosso compromisso com:<br />

s<br />

e<br />

S3<br />

s<br />

Avaliação rápida e precisa<br />

Identificação de choque e da hipoxia<br />

Início das intervenções corretas no momento adequado<br />

Transporte oportuno da vítima para o local adequado<br />

Cabe também lembrar a declaração de nossa missão, re¬<br />

digida durante uma longa sessão na conferência da NAEMT<br />

realizada em '1997. O PTHLS continua a ler a missão de pro¬<br />

porcionar o mais alto padrão de qualidade educacional em<br />

atendimento pré-hospitalar ao traumatizado a todos os que<br />

desejarem usufruir dessa oportunidade. A missão do PHTLS<br />

também realça a missão da NAEMT. O programa PHTLS está<br />

comprometido com melhora de qualidade e desempenho.<br />

Para tal, o PHTLS está sempre atento aos avanços da tecno¬<br />

logia e dos métodos para prestar atendimento pré-hospitalar,<br />

que possam ser utilizados para melhorar qualidade clínica e o<br />

serviço deste programa.<br />

National Association<br />

of Emergency Medical<br />

Technicians - NAEMT<br />

A NAEMT representa os interesses dos socorristas no mundo<br />

inteiro.<br />

A NAEMT foi fundada com a ajuda do National Registry of<br />

EMTs (NREMT), em 1975. Desde a sua fundação, a associação<br />

tem trabalhado para promover o status profissional dos socor¬<br />

ristas, desde o primeiro socorrista até o administrador. Os seus<br />

programas educacionais começaram como um modo de ofere¬<br />

cer educação continuada consistente aos socorristas de todos<br />

os níveis, e lornaram-se o padrão de educação pré-hospitalar<br />

continuada em todo o mundo.<br />

A NAEMT mantém uma relação de reciprocidade com de¬<br />

zenas de organizações americanas e internacionais, agências<br />

federais e particulares, que influenciam cada aspecto do aten¬<br />

dimento pré-hospitalar. A participação da NAEMT assegura<br />

que a voz do atendimento pré-hospitalar seja ouvida na deter¬<br />

minação do futuro da nossa profissão.<br />

A MISSÃO DA NAEMT<br />

A missão da National Association of Emergency Medical Technicians, Inc. (NAEMT) é ser uma<br />

organização de representação profissional para receber e representar os pontos de vista e opi¬<br />

niões dos socorristas e influenciar o futuro dos SMEs, como profissão aliada à saúde. A NAEMT<br />

proporciona a seu quadro de participantes programas educacionais, atividades de ligação, de¬<br />

senvolvimento de padrões nacionais e reciprocidade, além do desenvolvimento de programas<br />

para beneficiar os profissionais da área. *<br />

Com essa missão claramente definida e desempenhada com paixão, a NAEMT continuará 'a<br />

oferecer liderança nessa especialidade de atendimento pré-hospitalar, que está em constante<br />

evolução na direção do futuro.


DIVISÃO UM<br />

Introdução<br />

CAPÍTULO 1<br />

PHTLS: Passado,<br />

Presente e Futuro<br />

OBIETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a<br />

Reconhecer a magnitude do problema causado pelas lesões traumáticas, em<br />

termos humanos e financeiros.<br />

Entender a história e a evolução do atendimento pré-hospitalar ao trauma.<br />

/ Identificar e reconhecer os componentes e a importância da pesquisa pré-hospitalar<br />

e sua literatura.


2 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Introdução<br />

Nossos doentes não nos escolhem. Nós os escolhemos. Pode¬<br />

ríamos ler escolhido outra profissão, mas não o fizemos. Aceita¬<br />

mos a responsabilidade de cuidar de doentes e, algumas vezes,<br />

nas piores condições: quando estamos cansados ou com frio;<br />

quando está chuvoso e escuro; quando não podemos prever<br />

que condições iremos encontrar. Devemos aceitar essa respon¬<br />

sabilidade ou desistir dela. Devemos oferecer a nossos doen¬<br />

tes o que há de melhor em nós- não sonhando acordados, não<br />

com equipamento sem prévia conferência, não com suprimentos<br />

incompletos e não com um conhecimento ultrapassado. Sem ler<br />

e aprender todos os dias, não poderemos saber qual o conheci¬<br />

mento médico mais atualizado, nem estar prontos para tratar de<br />

nossos doentes. O curso de Atendimento Pré-hospitalar ao Trau¬<br />

matizado (PHTLS) contribui para enriquecer o conhecimento do<br />

socorrista e, ainda mais importante, beneficia o indivíduo que<br />

precisa de nós- o doente. Ao fim de cada jornada de trabalho,<br />

devemos sentir que nosso doente recebeu o melhor que temos a<br />

oferecer.<br />

Filosofia do PHTLS<br />

O PITTLS traz conhecimentos que incluem a compreensão de<br />

anatomia e fisiologia, habilidades relacionadas ao atendimento<br />

do doente e às limitações de tempo e perda de sangue, além<br />

da necessidade de encaminhar o doente ao centro cirúrgico o<br />

mais rápido possível. Essa filosofia permite, e também requer,<br />

que o socorrista raciocine de forma crítica, tomando decisões<br />

e agindo de modo a aumentai' a sobrevida do doente que sofreu<br />

um trauma. O PHTLS não treina os socorristas para usar protoco¬<br />

los durante o atendimento do doente. Protocolos são abordagens<br />

robóticas, que não permitem a consideração propicia alternativas<br />

mais adequadas. Em vez disso, o PHTLS propicia a compreensão<br />

do atendimento médico e o raciocínio crítico para a obtenção des¬<br />

ses objetivos. Cada contato enfie o socorrista e o doente envolve<br />

um conjunto único de circunstâncias. Se o socorrista entender as<br />

bases do atendimento médico e as necessidades de cada doente,<br />

decisões únicas podem ser tomadas, que deem a este indivíduo a<br />

maior chance de sobrevida.<br />

No sistema educacional PHTLS, acredita-se que os profis¬<br />

sionais não são socorristas que executam instruções vindas "de<br />

cima", mas possuem uma boa base de conhecimentos, são pen¬<br />

sadores críticos e conhecem as técnicas adequadas para atender,<br />

com excelência, seus doentes. O PHTLS não "diz" ao socorrista<br />

o que fazer, mas dá a ele o conhecimento e as habilidades ade¬<br />

quadas para o uso do raciocínio crítico, de modo a o melhor<br />

atendimento ao(s) doente(s) com trauma.<br />

A oportunidade de um socorrista ajudar outra pessoa é<br />

maior no atendimento de vítima de trauma do que no de qual¬<br />

quer outro doente. O número de doentes vítimas de trauma é<br />

maior que grande parte de outros tipos de doentes, e a chance<br />

de sobrevivência de um doente traumatizado, que recebe um<br />

tratamento hospitalar adequado, é provavelmente maior do que<br />

a de qualquer outro tipo de doente em estado grave. O socor¬<br />

rista pode aumentar a quantidade de anos vividos de doentes<br />

traumatizados e beneficiar a sociedade por meio do atendimento<br />

prestado. Dessa forma, o socorrista, por meio de um atendi¬<br />

mento adequado da vítima, tem uma influência importante na<br />

sociedade.<br />

Entender, aprender e praticar os princípios do PHTLS pro¬<br />

porciona ao doente mais benefícios que qualquer outro pro¬<br />

grama educacional.1 Os fatos que se seguem levaram à revisão e<br />

à expansão do Capítulo 2, que trata de prevenção de trauma.<br />

0 Problema<br />

Trauma é a causa de morte mais comum entre 1 ano de vida<br />

a 44 anos de idade." Aproximadamente 80% das mortes em<br />

adolescentes e 60% na infância são decorrentes de trauma; nos<br />

idosos, aparece como a sétima causa de óbito. Quase três vezes<br />

mais americanos morrem anualmente vítimas de trauma do que<br />

aqueles que morreram em combate em toda a guerra do Vietnã<br />

e do Iraque até 2008. 1 A cada 10 anos, mais americanos mor¬<br />

rem de trauma do que em todos os conflitos militares somados<br />

na história dos Estados Unidos. Apenas na quinta década de<br />

vida, as causas de morte por neoplasias e doenças cardiovas¬<br />

culares competem com o trauma. A cada ano. morrem aproxi¬<br />

madamente 70 vezes mais doentes em decorrência de trauma<br />

fechado ou penetrante nos Estados Unidos do que o número de<br />

fatalidades anuais na guerra do Iraque até 2008.<br />

Cuidados pré-hospitalares podem melhorar pouco a sobre¬<br />

vida de doentes oncológicos. No entanto, em vítimas de trauma,<br />

os cuidados pré-hospitalares podem fazer a diferença entre a<br />

vida e a morte; entre uma sequela temporária, grave ou perma¬<br />

nente; ou entre uma vida produtiva e uma destituída de bem-estar.<br />

Nos Estados Unidos ocorrem, eifi média, 60 milhões de trau¬<br />

mas a cada ano; destes, 40 milhões' necessitam de atendimente<br />

de emergência; 2,5 milhões destes doentes são hospitalizados<br />

e 9 milhões apresentam sequelas. Cerca de 8,7 milhões de víti¬<br />

mas estarão com sequelas temporárias e 300 mil, com sequelas<br />

permanentes.4,5<br />

O custo no tratamento de doentes com trauma é assombroso.<br />

Bilhões de dólares são gastos no tratamento de doentes vítimas<br />

de trauma, não incluindo perdas com honorários, seguros, cus¬<br />

tos administrativos, dano à propriedade e custos empregatícios.<br />

O National Safety Council dos Estados Unidos estima que, nc<br />

ano de 2007, o impacto económico gerado por traumas fatais c<br />

não fatais tenha sido de aproximadamente 684 bilhões de dóla¬<br />

res. (><br />

A perda de produtividade de doentes com sequelas poi<br />

trauma é equivalente a 5,1 milhões de anos e a um custo de 65<br />

bilhões de dólares anualmente. Para os doentes que morrem<br />

5,3 milhões de anos são perdidos (34 anos perdidos por pes¬<br />

soa) e a um custo que ultrapassa 50 bilhões de dólares. Compa¬<br />

rativamente, o custo (em dólares e em anos de vida perdidos!<br />

para câncer e doenças cardiovasculares é muito inferior, come<br />

ilustrado na Figura 1-1. Como exemplo: a proteção adequada è<br />

coluna cervical fraturada pode fazer a diferença entre uma quadriplegia<br />

vitalícia e uma vida produtiva e sem restrições em sue<br />

alividade física. Socorristas encontram vários outros exemploí<br />

quase diariamente.


CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 3<br />

400<br />

300-<br />

.30-1<br />

« 200-<br />

s<br />

o<br />

Trauma Câncer Doença<br />

cardiovascular<br />

Trauma Câncer Doença<br />

cardiovascular<br />

FIGURA 1-1 A: Custos comparativos anuais, em milhares de dólares, para vítimas de trauma, câncer e doença cardiovascular nos<br />

Estados Unidos. B: Número comparativo de anos perdidos como resultado de trauma, câncer e doença cardiovascular.<br />

Os dados a seguir são do projeto Global Burden of Disease<br />

da OMS, 2004:<br />

Lesões provocadas por acidentes de trânsito constituem um<br />

enorme problema de saúde pública e desenvolvimento-<br />

Ocorrências de trânsito matam 1,3 milhão de pessoas todos<br />

os anos, com uma média de 3.242 indivíduos ao dia. Por<br />

ano, esses incidentes provocam lesões temporárias ou per¬<br />

manentes em 20 a 50 milhões de pessoas. As ocorrências<br />

de trânsito são a nona principal causa de morte, sendo res¬<br />

ponsáveis por 2,2% das fatalidades "em lodo o mundo.<br />

A maioria das lesões provocadas por acidentes de trânsito<br />

afeta indivíduos de países de renda baixa ou mediana,<br />

principalmente jovens do sexo masculino e usuários vul¬<br />

neráveis-Noventa por cento das mortes em incidentes de<br />

trânsito ocorrem em países de renda baixa ou mediana"<br />

(Fig. 1-2).<br />

O impacto das lesões passíveis de prevenção é mundial.<br />

Embora os eventos que provocam tais lesões e mortes possam<br />

apresentar diferentes etiologias em cada país, as consequências<br />

são as mesmas. O trauma é um problema mundial.Nós, que traba¬<br />

lhamos com traumas, temos a obrigação para com nossos doentes<br />

de prevenir as lesões, não apenas tratá-las após sua ocorrência.<br />

Uma história bastante contada sobre a medicina de emergên¬<br />

cia ilustra este ponto. Em uma estrada montanhosa, havia uma<br />

curva em que os carros derrapavam e caíam no precipício, 30<br />

metros abaixo. A comunidade decidiu colocar uma ambulância<br />

na parte baixa da área perigosa, para atender os doentes que se<br />

acidentavam. A melhor alternativa teria sido colocar cercas de<br />

segurança na curva, para PREVENIR a ocorrência de incidentes.<br />

O atendimento ao trauma é dividido em três etapas: préevento,<br />

evento e pós-evento. O socorrista tem responsabilidade<br />

nas três etapas.<br />

Fase Pré-evento<br />

Trauma não é acidente, embora frequentemente seja assim cha¬<br />

mado. Um acidente é definido como "um evento ocorrido por<br />

acaso ou oriundo de causas desconhecidas" ou "um aconteci¬<br />

mento desastroso por falta de cuidado, atenção ou ignorância".<br />

A maior parte das mortes e lesões por trauma se enquadra nessa<br />

segunda definição, mas não na primeira, e pode ser prevenida.<br />

Incidentes traumáticos se enquadram em duas categorias -<br />

intencionais e não intencionais.<br />

A fase pré-evento envolve as circunstânciaÿ que provocam<br />

inna lesão traumática. Os esforços nessa fase. concentram-se,<br />

essencialmente, na prevenção do trauma. Ao trabalhar na preven¬<br />

ção do trauma, o socorrista deve educar o público incentivando o<br />

uso de cinto de segurança nos veículos, promover meios de dimi¬<br />

nuir o uso de armas em atividades criminais e estimular resolu¬<br />

ções pacíficas para conflitos. Além dos cuidados com a remoção<br />

da vítima traumatizada, toda a equipe tem a responsabilidade de<br />

diminuir o número de vítimas. Atualmente, a violência e o trauma<br />

não intencional levam a um número maior de óbitos do que todas<br />

as doenças juntas. A violência é responsável por um terço des-<br />

Países com<br />

renda baixa<br />

Países com<br />

renda alta<br />

FIGURA 1-2<br />

Africa Américas Sudeste Europa Mediterrâneo Pacífico<br />

asiático oriental ocidental<br />

Distribuição mundial de mortes por acidentes de trânsito a cada população de 100.000 indivíduos.


ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Suicídio<br />

Desconhecido<br />

1%®<br />

Queimaduras<br />

Outras<br />

Veículos<br />

motorizados<br />

Quedas<br />

Homicídio<br />

70%<br />

Trauma<br />

não intencional<br />

Afogamentos<br />

Armas de fogo<br />

FIGURA 1-3 O trauma não intencional é responsável por mais<br />

mortes do que quaisquer outras causas de morte por trauma<br />

combinadas. (Dados do National Center for Injury Prevention and Control: Wisqars<br />

leadindcauses of death reports, 1999-2006.Centers for Disease Control and<br />

Prevention.)<br />

ses óbitos (Fig. 1-3). Veículos motorizados e armas de logo estão<br />

envolvidos em mais da metade de lodos os óbitos por trauma, dos<br />

quais a maioria é passível de prevenção (Fig. 1-4).<br />

A legislação que torna obrigatório o uso de capacetes para<br />

motociclistas é um exemplo de ação que previne mortes por<br />

trauma. Em 1966, o Congresso americano concedeu ao Departa¬<br />

mento de Transportes a autoridade para que os estados legislas¬<br />

sem sobre o uso obrigatório de capacetes. Com o uso do capacete<br />

em quase 100%,o índice dos casos de óbitos por acidentes com<br />

motocicletas diminuiu drasticamente. Em 1975, o Congresso<br />

rescindiu essa autoridade. Mais da metade dos estados america¬<br />

nos revogou ou modificou as leis existentes. ConCome os estados<br />

reinstituíam ou não essas leis, as taxas de mortalidade foram<br />

alteradas. Recentemente, mais estados repeliram, em vez de ins¬<br />

tituir, tais leis, resultando em um aumento nas laxas de morta¬<br />

lidade cm 2006 e 2007. 9 As mortes decorrentes de colisões com<br />

motocicletas estão aumentando, ao passo que as decorrentes de<br />

colisões com automóveis diminuem. A elevação do número de<br />

mortes por incidentes envolvendo motocicletas foi de 11% em<br />

2006. 10 A causa mais provável para esse dramático aumento de<br />

mortalidade é a redução do uso de capacetes por motociclistas.<br />

Apenas 20 estados norte-americanos possuem leis universais<br />

regulamentando o uso de capacetes. Nos estados em que é obri¬<br />

gatório, o capacete é utilizado por 74% dos motociclistas; em<br />

estados que não possuem lais leis, a taxa de uso é de 42%. U<br />

O menor número de estados norte-americanos que possuem<br />

tal legislação é o principal fator responsável pela queda no uso<br />

geral de capacetes, de 71% em 2000 para 51% em 2006. Como<br />

exemplo, em um estado norte-americano, a Flórida, a alteração<br />

da lei, em 2002, elevou a taxa de mortalidade 24% a mais do<br />

que o aumento esperado dado o número de licenciamentos.<br />

Em agosto de 2008, a Secretária norte-americana de Transpor¬<br />

tes, Mary Peters, relatou uma diminuição do número de mor¬<br />

tes em rodovias provocadas por automóveis, ao mesmo tempo<br />

que houve um aumento das fatalidades em colisões envolvendo<br />

Envenenamento<br />

FIGURA 1-4 Traumas por veículos motorizados e armas de fogo<br />

são responsáveis por quase metade das mortes causadas por lesão<br />

traumática. (Dados do National Center for Injury Prevention and Control: Wisqars leadind<br />

causes of death reports, 1999-2006. Centers for Disease Control and Prevention.)<br />

motocicletas. Houve uma grande melhora em todos os aspectos<br />

da segurança veicular, à exceção das motocicletas.1"<br />

Outro exemplo de óbito por trauma que pode ser prevenido<br />

relaciona-se com o motorista alcoolizado.1,1Como consequência<br />

da pressão para mudança nas leis estaduais sobre o nível de<br />

embriaguez ao dirigir, e por meio de atividades educacionais<br />

de organizações, como MADD (Mothers Against Drunk Drivers<br />

- Mães contra Condutores Embriagados), o número de motoris¬<br />

tas alcoolizados envolvidos em colisões fatais tem diminuído I<br />

constantemente desde 1989.<br />

Outra forma de prevenir trauma é pelo uso de assentos de I<br />

segurança para crianças. Muitos centros de trauma, a polícia e I<br />

os serviços médicos de emergência (SME) desenvolvem progra- 1<br />

mas para instruir os pais sobre a instalação e o uso correto de I<br />

assentos de segurança para crianças.<br />

Outro componente da fase pré-evento é o preparo, pelos I<br />

profissionais responsáveis pelos atendimentos de vítimas de I<br />

trauma, para eventos que não podem ser prevenidos. O pre- 1<br />

paro inclui instrução adequada e completa, com informações I<br />

atualizadas acerca do tratamento médico aluai. Tão importanteI<br />

quanto atualizar seu conhecimento das práticas médicas é a I<br />

atualização de seu computador doméstico ou palm top com a I<br />

mais nova versão de software disponível. Além disso, é neces¬<br />

sário revisar o equipamento da unidade de resposta no início<br />

de cada turno, e rever, com seu parceiro, quais as responsabili¬<br />

dades individuais e quais as expectativas sobre quem realizará<br />

determinada função. Tão importante quanto revisar a conduta<br />

de atendimento ao chegar ao focal do trauma é decidir quem irá<br />

dirigir e quem ficará na parle de trás com o doente.<br />

Fase do Evento<br />

Esta íáse é o momento do trauma real. As ações realizadas naI<br />

fase de pré-evento podem influenciar o resultado final da faseI<br />

do evento. Isso se aplica não apenas aos nossos doentes, masI<br />

também a nós mesmos. Ao dirigir um veículo particular ou|<br />

veículo de emergência, os socorristas devem estar protegidos eI


CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 5<br />

dar o exemplo. Sempre devem dirigir com cuidado, obedecer às<br />

leis de trânsito, não se distrair em atividades como usai' o tele¬<br />

fone celular para conversar ou enviar mensagens de texto e usar<br />

todos os equipamentos de segurança disponíveis, como cinto de<br />

segurança na cabine do motorista e na cabine do passageiro ou<br />

de atendimento ao doente.<br />

Fase Pós-evento<br />

Obviamente, o pior desfecho possível após um evento traumá¬<br />

tico é a morte do doente. O Dr. Donald Trunkey descreveu uma<br />

categorização trimodal para óbitos em trauma.1'1 A primeirofase<br />

de óbitos ocorre desde poucos minutos até uma hora após o<br />

evento. Essas mortes ocorreriam mesmo com o pronto atendi¬<br />

mento médico. A melhor forma de combater esses óbitos é com<br />

a prevenção do trauma e estratégias de segurança. A segunda<br />

fase de mortes ocorre nas primeiras horas após o incidente.<br />

Esses óbitos podem ser prevenidos com um bom atendimento<br />

pré-hospitalar e hospitalar. A terceira fase ocorre desde alguns<br />

dias até várias semanas após o trauma. Esses óbitos geralmente<br />

ocorrem por falência de múltiplos órgãos. Muito ainda precisa<br />

ser aprendido no atendimento e na prevenção da falência de<br />

múltiplos órgãos; no entanto, uma abordagem precoce e agres¬<br />

siva do choque na fase pré-hospitalar pode prevenir alguns des¬<br />

ses óbitos (Fig. '1-5).<br />

O Dr. R. Adams Cowley - fundador do MIEMS (íylaryland<br />

Institute of Emergency Medical Services), um dos primeiros<br />

centros de trauma dos Estados Unidos- descreveu e definiu o<br />

que chamou de "Hora de Ouro".10 Com base em suas pesqui¬<br />

sas, Cowley concluiu que os doentes que receberam tratamento<br />

definitivo e precoce dos traumas tiveram um índice de sobre¬<br />

vivência muito maior do que aqueles que passaram por atraso<br />

no atendimento. Um dos motivos para o aumento da sobrevida<br />

é a preservação da capacidade clo corpo em produzir energia e<br />

manter as funções dos órgãos. Para a equipe de socorristas, isso<br />

se traduz em manter oxigenação e perfusão e providenciai' uma<br />

remoção para um centro especializado, preparado para conti¬<br />

nuar o processo de reanimação, usando sangue e plasma (Rea¬<br />

nimação com Controle de Danos) e sem elevar, artificialmente, a<br />

pressão arterial (


6 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

[ J Tempo de resposta dos SME<br />

I<br />

| Tempo no locai<br />

[ ~1 Tempo de transporte dos SME<br />

I 1 Resposta do cirurgião<br />

1 I Resposta da equipe do CC<br />

Tempo até o CC/tratamento definitivo<br />

(em minutos)<br />

B<br />

25<br />

50<br />

75<br />

i<br />

100<br />

_i_<br />

Centro<br />

de<br />

trauma<br />

Hospital<br />

mais<br />

próximo<br />

FIGURA 1-6 Em locais nos quais há disponibilidade de centros de trauma, quando se evita o transporte do doente para hospitais que não<br />

possuem serviço de atendimento ao doente traumatizado, melhora-se significativamente o atendimento ao doente. Para doentes vítimas<br />

de trauma com ferimentos graves, o atendimento final geralmente ocorre no centro cirúrgico (CC). Um período extra de 10 a 20 minutos<br />

gasto no trajeto até um hospital com um cirurgião de plantão e com pessoal de CC de plantão reduzirá significativamente o tempo até o<br />

atendimento final no CC. (Azul, Tempo de resposta dos SME. Roxo, Tempo no local. Vermelho, Tempo de transporte dos SME. Laranja,<br />

Resposta cirúrgica de fora do hospital. Amarelo, Resposta da equipe do CC de fora do hospital.)<br />

em uma relação de 1:1, para repor o sangue perdido, tem gerado<br />

resultados impressionantes em militares norte-americanos em<br />

ação no Iraque e no Afeganistão, e agora na população civil.<br />

Esses fluidos não estão disponíveis para uso no campo de com¬<br />

bale e são outra razão para o rápido transporte ao hospital. A<br />

reanimação equilibrada a caminho do hospital (ver o capítulo<br />

sobre Choque) provou ser importante. Nem sempre se consegue<br />

fazer a hemostasia (controle da hemorragia) em ambiente préhospitalar<br />

ou na sala de emergência; geralmente, ela é conse¬<br />

guida no centro cirúrgico. Portanto, ao determinar um hospital<br />

adequado, para o qual o doente deve ser transportado, o socor¬<br />

rista deve considerar o tempo de remoção a um local determi¬<br />

nado e a capacidade de atendimento desse hospital no processo<br />

de raciocínio crítico.<br />

Um centro de trauma que possui cirurgião disponível antes<br />

ou logo após a chegada do doente, uma equipe de medicina de<br />

emergência bem-lreinada e com experiência em trauma e uma<br />

equipe cirúrgica prontamente disponível pode fazer com que o<br />

doente portador de hemorragia com risco de vida seja encami¬<br />

nhado ao centro cirúrgico em 10 a 15 minutos após sua chegada<br />

e fazer, então, a diferença entre a vida e a morte.<br />

Por outro lado, um hospital que não possui tais capacida¬<br />

des cirúrgicas deve aguardar a chegada do cirurgião e da equipe<br />

cirúrgica antes de transportar o doente do pronto-socorro ao<br />

centro cirúrgico. Mais tempo, então, pode se passar antes que a<br />

hemorragia seja controlada, aumentando a taxa de mortalidade<br />

(Fig. 1-6). A sobrevida é significativamente aumentada quando<br />

se evita o uso de instituições não especializadas em trauma e<br />

se encaminham todos os doentes portadores de lesões graves a<br />

centros de trauma.22'29<br />

Além do treinamento inicial em cirurgia e trauma, a expe¬<br />

riência é muito importante. Estudos mostram que, em um cen¬<br />

tro de trauma com grande número de atendimentos, cirurgiões<br />

mais experientes conseguem resultados melhores do que cole¬<br />

gas com menor experiência.30,31<br />

História do Atendimento<br />

de Trauma nos SME-<br />

Serviços Médicos de<br />

Emergência<br />

Os estágios e o desenvolvimento do manejo do doente vítima de<br />

trauma podem ser divididos em quatro períodos, como descrito<br />

por McSwain na Oração de Scudder do American College of<br />

Surgeons em 1999. 32 Este texto, o curso PHTLS e o atendimento<br />

ao doente traumatizado são baseados nos princípios desenvol¬<br />

vidos e ensinados pelos pioneiros do atendimento pré-hospitalar.<br />

A lista destes inovadores é longa; no entanto, alguns em<br />

especial merecem reconhecimento.<br />

Período Antigo<br />

Todo o atendimento médico realizado no Egito, na Grécia, em<br />

Roma e pelos israelitas, até o tempo de Napoleão, é classificado<br />

como SME pré-moderno. Há muito a ser aprendido aqui, mas a<br />

maior parte do atendimento médico era realizada em algum tipo<br />

de instituição especializada. Pouco era realizado a campo, por<br />

profissionais pré-hospitalares.<br />

Período de Larrey<br />

No fim do século XVIII, o Barão Dominick Jean Larrey, cirurgião-chefe<br />

militar de Napoleão, reconheceu a necessidade de<br />

um pronto atendimento pré-hospitalar. Em 1797, Larrey decla¬<br />

rou que "o estado obsoleto de nossas ambulâncias impede que<br />

os feridos recebam a atenção requisitada. Fui autorizado a cons¬<br />

truir uma carruagem que chamei de ambulância voadora".33 Ele


CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 7<br />

desenvolveu essas "ambulâncias voadoras", puxadas a cavalo,<br />

para retirar rapidamente soldados feridos do campo de batalha,<br />

e adotou a premissa de que os homens que trabalhavam nessas<br />

"ambulâncias voadoras" deveriam ter treinamento em cuidados<br />

médicos para dar assistência no local e no transporte desses<br />

doentes.<br />

No início do século XIX, Larrey estabeleceu a teoria de aten¬<br />

dimento pré-hospitalar utilizada até hoje:<br />

s<br />

b<br />

h<br />

h<br />

b<br />

s<br />

b<br />

a ambulância "voadora"<br />

treinamento adequado dos profissionais médicos<br />

movimentação em campo durante batalhas, para aten¬<br />

dimento e remoção de doentes<br />

controle a campo de hemorragias<br />

transporte a um hospital próximo<br />

atendimento durante transporte<br />

desenvolvimento de hospitais em frentes de batalhas<br />

Larrey também desenvolveu hospitais próximos às fren¬<br />

tes de batalha (como os militares de hoje em dia) e enfatizou<br />

a necessidade de rápido transporte dos doentes entre o campo<br />

e o local de atendimento médico. O Barão Larrey é atualmente<br />

reconhecido como o pai dos SME da era moderna.<br />

Infelizmente, o tipo de atendimento desenvolvido por Lar¬<br />

rey não foi usado, 60 anos mais tarde, no início da Guerra enfie<br />

Estados, pelo Exército da União, nos Estados Unidos. Na Pri¬<br />

meira Batalha de Bull Run, em agosto de '1861, os feridos fica¬<br />

ram deitados no campo — 3.000 por três dias, 600 por até uma<br />

semana.33,34 Jonathan Letterman foi designado cirurgião geral<br />

e criou uma corporação médica separada, com atendimento<br />

médico mais bem organizado. Na Segunda Batalha de Bull Run,<br />

um ano mais tarde, 300 ambulâncias e atendentes recolheram<br />

10.000 feridos em 24 horas.34<br />

Emagosto de 1864,a Cruz Vermelha Internacional foi criada,<br />

na Primeira Convenção de Genebra.29 A convenção reconheceu<br />

a neutralidade dos hospitais, dos doentes e feridos, de todos<br />

os profissionais envolvidos e das ambulâncias, garantindo a<br />

passagem livre das ambulâncias e dos profissionais médicos<br />

para transporte de feridos. Esse foi o primeiro passo do que é<br />

utilizado hoje, pelos militares, como Código de Conduta. Este<br />

código é um importante componente do Curso de Atendimento<br />

a Feridos em Combates Táticos, que hoje é parte integral do pro¬<br />

grama PHTLS.<br />

Hospitais, Militares e Necrotérios<br />

Em 1865, a primeira ambulância particular dos Estados Uni¬<br />

dos foi criada em Cincinnati, Ohio, no Hospital Geral daquela<br />

cidade.34 Nos Estados Unidos, diversos sistemas de SME foram<br />

logo desenvolvidos: Bellevue Hospital Ambulance34, em Nova<br />

Iorque, em 1867; Grady Hospital Ambulance Service (o mais<br />

antigo sistema de ambulâncias de base hospitalar ainda em ope¬<br />

ração), em Atlanta, na década de 1880; Charity Hospital Ambu¬<br />

lance Services, criados em 1885 por um cirurgião, Dr. A. B.<br />

Miles, em Nova Orleans; e muitas outras instituições. Até 1950,<br />

esses serviços de ambulância eram basicamente administrados<br />

por hospitais, militares ou necrotérios.32<br />

Algumas alterações no atendimento médico ocorreram<br />

durante diversas guerras, até o final da Segunda Guerra Mun¬<br />

dial, mas, de modo geral, o sistema e o tipo de atendimento<br />

prestado antes da chegada da estação de Auxílio a Batalhões<br />

(Echelon II) ou na porta traseira de hospitais civis permanece¬<br />

ram iguais até meados da década de 1950.<br />

-Nas cidades grandes, que possuem hospitais-escolas, muitas<br />

ambulâncias eram conduzidas por residentes em seu primeiro<br />

ano de treinamento. O último serviço de ambulâncias a reque¬<br />

rer médicos em suas jornadas foi o Charity Hospital, de Nova<br />

Orleans, na década de 1960. Apesar da presença de médicos, a<br />

maior parte do atendimento a vítimas de trauma era primitiva.<br />

O equipamento e os suprimentos não eram diferentes daqueles<br />

utilizados na Guerra entre Estados.32<br />

Era de Farrington<br />

A era do Dr. J. D. "Deke" Farrington teve início em 1950. Dr. Far¬<br />

rington, o pai dos SME nos Estados Unidos, estimulou o desen¬<br />

volvimento da melhoria no atendimento pré-hospitalar com seu<br />

histórico artigo "Death in a Ditch"15 ("Morte em uma Vala"). No<br />

final da década de 1960, Farrington e colaboradores, como o Dr.<br />

Oscar Hampton e Dr. Curtis Arts, trouxeram os Estados Unidos<br />

para a era moderna dos SME e atendimento pré-hospitalar.41 O<br />

Dr. Farrington era ativamente envolvido em todos os aspectos do<br />

atendimento em ambulâncias. Seu trabalho como presidente dos<br />

comités que produziram três dos primeiros documentos que esta¬<br />

beleceram a base dos SME — a lista de equipamentos essenciais<br />

para ambulâncias do American College of Surgeons (ACS),31' as<br />

especificações de projeto de ambulâncias KKK 1822 do Depar¬<br />

tamento de Transportes dos Estados Unidos3 / e o primeiro pro¬<br />

grama de treinamento básico de paramédicos — também contri¬<br />

buiu para propagar a ideia e o desenvolvimento do atendimento<br />

pré-hospitalar. Além dos esforços do Dr. Farrington, outros auxi¬<br />

liaram, ativamente, a promoção da importância do atendimento<br />

pré-hospitalar a vítimas de trauma. O Dr. Robert Kennedy foi o<br />

autor de "Early Care of the Sick and Injured Patient" (em tradu¬<br />

ção livre, "Primeiros Socorros a Doentes e Feridos").3" O Dr. Sam<br />

Banks, juntamente com o Dr. Farrington, ministrou o primeiro<br />

curso de treinamento pré-hospitalar no Corpo de Bombeiros de<br />

Chicago, em 1957, que iniciou o atendimento adequado de doen¬<br />

tes vítimas de trauma.<br />

Um texto de 1965, editado e compilado pelo Dr. George J.<br />

Curry, um dos dirigentes do ACS e seus Comités sobre Trauma,<br />

relatava:<br />

"Traumas sofridos em acidentes afetam todas as partes do<br />

corpo humano. Abrangem desde simples abrasões e contusões<br />

a lesões múltiplas complexas envolvendo vários tecidos do<br />

corpo. Isso demanda atendimento inicial e cuidados inteligen¬<br />

tes, de forma individual, antes do transporte. É óbvio que os<br />

serviços do pessoal de ambulância treinado são essenciais. E,<br />

se esperamos a eficiência máxima deles, um curso específico de<br />

treinamento deve ser elaborado."3"<br />

Embora o atendimento pré-hospitalar fosse rudimentar<br />

quando Curry escreveu esse texto, as palavras se mantêm verda¬<br />

deiras, visto que os socorristas tratam de necessidades do doente<br />

vítima de trauma a campo. A publicação do trabalho "Accidental<br />

Death and Disability: the Neglected Disease of Modern Society"<br />

(em tradução livre, "Morte e Deficiência Acidental: A Doença<br />

Negligenciada da Sociedade Moderna"), em .1967, foi um marco<br />

e acelerou esse processo.39 A National Academy of Sciences/<br />

National Research Council publicou este trabalho apenas um<br />

ano após o clamor de Curry.


8 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Era Moderna do Atendimento Pré-hospitalar<br />

A era moderna do atendimento pré-hospitalar foi iniciada com<br />

o relatório de Dunlap e Associados ao SME do Departamento<br />

de Transportes, em 1968. definindo o currículo do Treinamento<br />

em Ambulância de socorristas. Esse treinamento é, hoje, deno¬<br />

minado Básico.<br />

Nos Estados Unidos, o Conselho Nacional de Paramédicos<br />

(NREMT) foi estabelecido em 1970 e desenvolveu os padrões<br />

para exame e registro de profissionais treinados, como aconse¬<br />

lhado pelo artigo da NSF/ACS. Rocco Morando foi o líder do<br />

NREMT por muitos anos, tendo trabalhado com os Drs. Farrington,<br />

Hampton e Artz.<br />

O apelo de Curry por treinamento especializado para o<br />

"pessoal de ambulância" em Irauma foi atendido, a princípio,<br />

por meio do uso do programa educacional desenvolvido pelos<br />

Drs. Farrington e Banks, com a publicação do "livro laranja"<br />

pela American Academy of Orthopedic Surgeons (cuja primeira<br />

edição é do Dr. Walter IToyt), pelos programas de treinamento<br />

em Primeiros Socorros da National Highway Traffic Safety<br />

Administration (NHTSA), do Departamento de Transportes<br />

dos Estados Unidos, e pelo programa de treinamento PHTLS,<br />

durante os últimos 25 anos. As primeiras tentativas de treina¬<br />

mento eram primitivas, mas progrediram significativamente em<br />

pouco tempo.<br />

O primeiro livro-lexlo dessa era foi Emergency Care and<br />

Transportation of the Sick and Injured (ein tradução livre, Aten¬<br />

dimento de Emergência e Transporte de Doentes e Feridos). Este<br />

livro é fruto do trabalho do Dr. Walter A. IToyt Jr. e foi publicado<br />

em 1971 pela American Association of Orthopedic Surgeons.32<br />

Hoje, está em sua nona edição.<br />

Durante esse mesmo período, a Escala de Coma de Glas¬<br />

gow foi desenvolvida em Glasgow, Escócia, pelo Dr. Graham<br />

Teasdale e pelo Dr. Bryan Jennett, com fins de pesquisa. O Dr.<br />

Howard Champion (o autor do capítulo sobre Explosões na ver¬<br />

são militar desse livro-lexlo) levou essa escala aos Estados Uni¬<br />

dos e a incorporou no atendimento do doente vítima de trauma,<br />

para avaliar, de forma contínua, a condição neurológica do indi¬<br />

víduo.'"1 A Escala de Coma de Glasgow é um indicador muito<br />

sensível da melhora ou piora desses doentes.<br />

Em 1973, a legislação federal dos SME foi criada. O Dr.<br />

David Boyd era o responsável por este sistema. O Dr. Boyd<br />

dividiu os componentes do atendimento a vítimas de trauma<br />

em 15 segmentos. Um destes segmentos era a educação. Isso<br />

se tornou a base do desenvolvimento do atendimento Básico,<br />

Intermediário e Paramédico em todos os Estados Unidos. O cur¬<br />

rículo foi inicialmente definido pela NHTSA do Departamento<br />

de Transportes daquele país, passando a ser conhecido como<br />

Currículo-Padrão Nacional ou currículo DOT. A Dra. Nancy<br />

Caroline definiu os padrões e o currículo do primeiro programa<br />

Paramédico e escreveu o primeiro livro-texto usado no treina¬<br />

mento de socorristas.<br />

A Estrela Azul da Vida foi projelada pela American Medical<br />

Association (AMA) como o símbolo do "Alerta Médico", indi¬<br />

cando que um doente apresentava uma alteração médica impor¬<br />

tante que deveria ser percebida pelo paramédico. Esta estrela foi<br />

dada ao NREMT pela AMA como logotipo daquela organização<br />

de registro e exame. Já que a Cruz Vermelha norle-americana<br />

não permitiu que o logotipo da "Cruz Vermelha" fosse utilizado<br />

em ambulâncias como símbolo de emergência, Lew Schwartz<br />

(chefe do ramo socorrista da NHTSA) requisitou ao Dr. Farring¬<br />

ton, que era o presidente da diretoria do NREMT, permissão<br />

para que a NHTSA usasse o emblema em ambulâncias. A per¬<br />

missão foi concedida pelo Dr. Farrington e por Rocco Morando<br />

(direlor-executivo do NREMT). Desde então, a estrela se tornou<br />

o símbolo internacional dos Serviços Médicos de Emergência.32<br />

Ainda nos Estados Unidos, a National Association of EMTs<br />

(Associação Nacional de Socorristas) foi desenvolvida em 1975,<br />

por Jeffrey Harris, com apoio financeiro do NREMT.<br />

As conquistas desses grandes médicos, socorristas e organi¬<br />

zações têm grande destaque; no entanto, há muitos outros — e<br />

não conseguiríamos mencionar todos aqui — que contribuíram<br />

para o desenvolvimento dos SME. A todos eles, somos extrema¬<br />

mente gratos.<br />

Nos Estados Unidos,a era moderna dos SME pode ser essen¬<br />

cialmente dividida em quatro períodos321<br />

£ Pegar e correr<br />

Ausência de atendimento — seja em campo ou a cami¬<br />

nho do hospital, frequentemente sem ninguém no com¬<br />

partimento de atendimento ao doente — era o sistema<br />

utilizado antes da década de 1950.<br />

Manejo e atendimento a campo<br />

Esse período foi iniciado com a publicação do currículo-padrão<br />

nacional, em 1969, e confinou até cerca de<br />

1975.<br />

S3 Ficar e fazer<br />

3 De 1975 até meados da década de 1980, o doente<br />

vítima de trauma e o doente cardiopala eram tratados<br />

exatamente da mesma forma, ou seja, com tentativas de<br />

estabilização do doente a campo, muitas vezes por lon¬<br />

gos períodos.<br />

£3 Ausência de retardo no atendimento de doentes vítimas de<br />

trauma.<br />

Em meados da década de 1980, ficou claro que os doentes<br />

vítimas de traumas eram diferentes dos doentes cardiopatas.<br />

Cirurgiões especializados em Irauma, como o Dr. Frank Lewis<br />

e o Dr. Donald Trunkey, perceberam que, diferentemente do<br />

observado em doentes cardiopatas, em que todas ou quase todas<br />

as ferramentas necessárias ao restabelecimento do débito cardí¬<br />

aco- RCP, desfibrilação externa e medicação de suporte — esta¬<br />

vam â disposição de socorristas adequadamente treinados em<br />

campo,as mais importantes ferramentas para doentes vítimas de<br />

traumas — controle cirúrgico de hemorragias internas e reposi¬<br />

ção de sangue — não eram encontradas a campo. A importância<br />

do transporte rápido do doente ao hospital correio passou a ser<br />

notada por socorristas e diretores médicos. Isso inclui uma ins¬<br />

tituição com equipe de atendimento de traumas bem-lreinada,<br />

composta por médicos de pronto-socorro, cirurgiões, enfermei¬<br />

ros treinados, equipe de centro cirúrgico, banco de sangue, pro¬<br />

cessos de registro e certificação de qualidade e todas as etapas<br />

necessárias para o tratamento do doente. Todos esses recursos<br />

aguardam a chegada do doente, com a equipe cirúrgica a pos¬<br />

tos para levá-lo diretamente ao centro cirúrgico. Com o tempo,<br />

esses padrões foram modificados, de modo a incluir conceitos<br />

como a hipotensão permissiva (Dr. Ken Maltox) e a transfusão<br />

de hemácias: plasma (1:1) (Dr. John Holcomb). A base da rápida<br />

disponibilidade de um centro cirúrgico bem-equipado, porém,<br />

não foi alterada.<br />

s


CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 9<br />

O tratamento rápido ao doente com trauma depende de um<br />

serviço de atendimento pré-hospitalar que ofereça fácil entrada<br />

no sistema. Esse acesso é oferecido por um número telefónico<br />

único (p. ex., 911, nos Estados Unidos, "192 o 193, no Brasil, e<br />

outros números em outros países), um bom sistema de comuni¬<br />

cação para despachar a unidade de emergência médica e socor¬<br />

ristas bem-preparados e treinados. Muitos dizem que a rápida<br />

abordagem e a reanimação cardiopulmonar precoce salvam<br />

a vida dos doentes com parada cardíaca. O trauma pode ser<br />

abordado da mesma forma. Os princípios anteriormente men¬<br />

cionados são a base para o bom atendimento do doente; a esses<br />

princípios básicos, foi acrescentada a importância do controle<br />

da hemorragia interna, que não pode ser realizado fora do cen¬<br />

tro de trauma e do centro cirúrgico. Assim, a avaliação rápida, a<br />

colocação adequada de curativos e o pronto encaminhamento do<br />

doente a uma instituição que possua centro cirúrgico de disponi¬<br />

bilidade imediata passaram a ser princípios adicionais, que não<br />

eram compreendidos até meados da década de 1930.<br />

Estudo da Literatura de<br />

SME<br />

Um objetivo importante do PHTLS foi assegurar que as reco¬<br />

mendações práticas apresentadas neste texto representassem<br />

com precisão as melhores evidências médicas disponíveis<br />

no momento da publicação em apoio a essas recomendações.<br />

Para isso, o PHTLS começou esse processo com a 6U edição e o<br />

-expandiu na 7a edição. Continuamos a adicionar, como Referên¬<br />

cias e Leituras Sugeridas, os manuscritos, as fontes e os recursos<br />

que são componentes fundamentais de cada capítulo e de cada<br />

recomendação. (Consulte as Leituras Sugeridas no final deste<br />

capítulo para obter informações adicionais sobre a avaliação da<br />

literatura de SME.) Todo médico e profissional de saúde devem<br />

obter, ler e avaliar criticamente as publicações e as fontes que<br />

constituem a base de lodos os componentes da prática diária.<br />

Para que isso seja obtido, uma compreensão do que exatamente<br />

constitui a literatura médica e de como interpretar as<br />

várias fontes de informações é essencial. Em muitos casos, a pri¬<br />

meira fonte em que são buscadas as informações sobre um tópico<br />

específico é um livro-texto médico.À medida que aumenta nosso<br />

nível de interesse e de sofisticação, é feita uma pesquisa para<br />

encontrar as referências específicas que são citadas nos capítulos<br />

do livro ou para verificar quais estudos primários de pesquisa,<br />

caso existam, foram realizados e publicados. Depois, após revi¬<br />

sar e analisar as várias fontes, pode-se discernir a qualidade e<br />

a consistência das evidências que conduzirão nossa tomada de<br />

decisão e as intervenções no atendimento ao doente.<br />

Tipos de Evidências<br />

Há vários sistemas diferentes para classificar a qualidade e a<br />

consistência de evidências médicas. Independentemente do<br />

sistema de classificação específico utilizado, várias avaliações<br />

comuns podem ser encontradas entre eles. A fonte de maior<br />

qualidade que leva à recomendação mais forte sobre o trata¬<br />

mento que está sendo examinado é o estudo duplo-cego contro¬<br />

lado,randomizado. Estudos desse tipo são normalmente citados<br />

como evidências de Classe I. Esse tipo de estudo é considerado<br />

o melhor porque todos os doentes que entraram no estudo são<br />

randomizados (o que significa que cada doente tem uma proba¬<br />

bilidade igual de inserir-se em qualquer um dos tipos de trata¬<br />

mento que está sendo estudado); os pesquisadores, bem como<br />

os doentes, não sabem qual tipo de tratamento o indivíduo está<br />

recebendo (duplo-cego)] e os investigadores controlam, dentro<br />

do possível, os muitos outros aspectos do estudo. Esses falores<br />

minimizam as probabilidades de que qualquer influência seja<br />

introduzida no estudo ou afete os resultados ou a interpretação<br />

dos resultados.<br />

Evidências de Classe //geralmente incluem os outros tipos<br />

de estudos que podem ser encontrados na literatura médica,<br />

abrangendo estudos não randomizados e não cegos, séries<br />

retrospectivas de controle de caso e estudos de coorte.<br />

Finalmente, evidências de Classe IIIconsistem em estudos<br />

de casos, relato de casos, documentos de consenso, material<br />

de livro-texto e opinião médica. As evidências de Classe III<br />

'constituem a fonte mais fraca de evidências, embora, frequen¬<br />

temente, a mais fácil de se obter.<br />

Infelizmente, se a literatura relacionada com os cuidados<br />

pré-hospitalares for revisada criticamente, a maioria se quali¬<br />

fica como evidências de Classe III. Houve consideravelmente<br />

pouca pesquisa que pudesse classificá-la como Classe I. Muito<br />

da prática da medicina que foi aplicada ao ambiente pré-hospi¬<br />

talar foi adotada e adaptada ao ambiente extra-hospitalar a par¬<br />

tir do atendimento inlra-hospitalar de doentes de emergência.<br />

O resultado é que a maior parte dos cuidados pré-hospitalares<br />

fornecidos hoje se baseia em evidências de Classe III. Mais e<br />

mais estudos de Classe Ie II relacionados ao atendimento préhospitalar,<br />

porém, estão sendo conduzidos. Infelizmente, nos<br />

Estados Unidos, os estudos de Classe Isão limitados pelas rígi¬<br />

das regulamentações de consentimento informado. Especifica¬<br />

mente, com raras exceções, a prática médica do atendimento<br />

pré-hospitalar se baseia na opinião do "especialista" normal¬<br />

mente encontrada em capítulos de livros-lextos, nas credenciais<br />

e nas qualificações do indivíduo que oferece aquela opinião, e<br />

no peso e "volume" que dá àquela opinião.<br />

Recentemente, parece crescer o consenso de utilização de<br />

um sistema de graduação da qualidade da evidência e a força<br />

da recomendação à prática clínica resultante, conhecido como<br />

The Grades of Recommendation, Development and Evaluation<br />

(GRADE, em tradução livre Graus de Recomendação, Desenvol¬<br />

vimento e Avaliação). Este sistema avalia a qualidade da evi¬<br />

dência à disposição e os benefícios em comparação aos riscos da<br />

intervenção e, então, julga a força de uma dada recomendação<br />

ou intervenção terapêutica. As evidências são classificadas em<br />

quatro categorias: de qualidade alta, moderada, baixa ou muito<br />

baixa. Com base na qualidade da evidência e da avaliação de<br />

risco'/beneficio, a recomendação resultante é categorizada como<br />

forte ou fraca. 1,4~,4:j<br />

Etapas na Avaliação<br />

Todo profissional médico deve ler a literatura médica e ava¬<br />

liar criticamente lodo estudo publicado que possa alterar suas<br />

decisões de tratamento, a fim de distinguir as informações e as<br />

terapias úteis daquelas inúteis ou, até mesmo, potencialmente<br />

prejudiciais. Como, então, fazer para ler e avaliar criticamente<br />

a literatura médica?


"<br />

10 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 1-7<br />

Revistas Médicas Sugeridas para Revisão<br />

Academic Emergency Medicine<br />

American Journal of Emergency Medicine<br />

Annals of EmergencyMedicine<br />

Journal of Emergency Medicine<br />

Journal of Trauma<br />

PrehospitalEmergency Care<br />

A primeira etapa nesse processo é desenvolver uma lista de<br />

revistas médicas que formará a fundação de uma revisão regular<br />

da literatura. Essa lista deve compreender não apenas aquelas<br />

revistas médicas com a especialidade desejada no título, bem<br />

como as publicações que abordam especialidades ou tópicos<br />

relacionados e que têm grande probabilidade de também publi¬<br />

car estudos aplicáveis (Fig. 1-7).<br />

Uma alternativa à revisão de várias revistas médicas é a<br />

realização de uma pesquisa computadorizada na literatura se<br />

houver um tópico de interesse específico. O uso de mecanismos<br />

de busca computadorizados como o Medline ou Ovid permite<br />

que o computador pesquise uma base de dados gigantesca de<br />

várias revistas médicas e desenvolva automaticamente uma<br />

lista de estudos e publicações sugeridas (Fig. 1-8).<br />

A etapa seguinte é revisar o título de cada artigo no índice<br />

de cada uma das revistas médicas selecionadas, para reduzir<br />

as escolhas de artigos àqueles que claramente tenham relação<br />

com o tópico de interesse. Seria impossível ler cada uma des¬<br />

sas revistas médicas selecionadas do princípio ao fim, e nem é<br />

necessário. Ao revisar o índice, os artigos que não apresentarem<br />

interesse podem ser imediatamente descartados.<br />

Após a seleção ter sido reduzida,ainda há várias ações preli¬<br />

minares que devem ser feitas antes da leitura do texto do artigo.<br />

Procure nos autores listados nos artigos algum que já seja conhe¬<br />

cido por seu trabalho nessa área. A seguir, leia o sumário ou o<br />

resumo do artigo para ver se essa visão geral do artigo preenche<br />

as expectativas geradas quando o título foi visto pela primeira<br />

vez. Depois, verifique o local no qual o esludo foi realizado<br />

para avaliar as similaridades, as diferenças e a aplicabilidade<br />

ao quadro em que os resultados do esludo possam ser subse¬<br />

quentemente aplicados. Deve-se enfatizar que somente a leitura<br />

do resumo não é suficiente. Ela serve apenas como "motivação"<br />

para determinar se o artigo lodo deve ser lido. A prática médica<br />

nunca deve ser alterada com base no resumo.<br />

Após a avaliação desses pontos iniciais, o texto completo do<br />

artigo é agora lido e avaliado criticamente. Ao fazê-lo, é impor¬<br />

tante que sejam determinadas várias questões específicas. A pri¬<br />

meira questão é avaliar o estudo e a randomização dos doentes<br />

que participaram do estudo. Todo doente deve ter tido a mesma<br />

probabilidade de receber qualquer um dos tratamentos ou inter¬<br />

venções que são comparados no esludo, e aquela probabilidade<br />

deve ser conhecida antecipadamente. O método para a designa¬<br />

ção de doentes ao seu tratamento deve ser descrito e deve ser<br />

similar à disputa de cara ou coroa com uma moeda.<br />

A seguir, a população de doentes que participou do estudo<br />

é avaliada para determinar as similaridades ou as diferenças com<br />

a população-alvo na qual as conclusões do estudo serão imple¬<br />

mentadas. Para fazê-lo, devem ser fornecidas informações ade-<br />

FIGURA 1-8<br />

Realização de uma Pesquisa<br />

Computadorizada da Literatura<br />

0 Medline pode ser acessado através do Site da National<br />

Library of Medicine no seguinte endereço: www.ncbi.nlm.nih.<br />

gov/pubmed.<br />

Para realizar uma pesquisa em revistas médicas em busca<br />

de artigos e estudos, é necessário inserir termos de pesquisa<br />

no Medline que serão usados como palavras-chave para<br />

encontrar artigos adequados. Quanto mais específicos formos<br />

em relação aos termos, maior a probabilidade de encontrarmos<br />

artigos que preencham nossa expectativa. No entanto, se<br />

formos muito específicos, poderemos, ocasionalmente, excluir<br />

artigos que talvez também se apliquem. Portanto, uma boa<br />

estratégia a ser seguida é realizar, primeiro, uma pesquisa<br />

usando termos muito específicos e, depois, fazer uma pesquisa<br />

de acompanhamento com termos mais genéricos. Por<br />

exemplo, caso estejamos interessados em achar artigos sobre<br />

cricotireoidostomia no ambiente pré-hospitalar, nossa pesquisa<br />

inicial pode ser feita usando os termos "cricotireoidostomia" e<br />

"pré-hospitalar". A pesquisa seguinte seria realizada usando<br />

os termos "manutenção da via aérea" e "serviços médicos de<br />

emergência", reconhecendo que "manutenção da via aérea"<br />

pode gerar como resultados artigos que incluem não somente<br />

cricotireoidostomia, mas também outras formas de manutenção<br />

da via aérea.<br />

quadas no texto descrevendo a constituição clínica e sociodemográfica<br />

da população do estudo. O ideal é que os estudos que<br />

serão usados para alterar o atendimento prestado no ambiente<br />

pré-hospitalar sejam realizados neste mesmo ambiente. Como o<br />

Dr. Dan Spaile declarou, "Evidências fortes da eficácia de uma<br />

intervenção não significam que esta será eficaz quando aplicada<br />

a campo".44<br />

A questão seguinte a ser considerada é a medida do resul¬<br />

tado final selecionada pelos autores. Todos os resultados finais<br />

que sejam clinicamente relevantes devem ser considerados e<br />

relatados no estudo. Por exemplo, estudos sobre parada car¬<br />

díaca podem descrever endpoints ou resultados finais como<br />

conversão do ritmo cardíaco, retorno da circulação espontânea,<br />

sobrevida até a internação no hospital ou sobrevida até a alta<br />

do hospital.<br />

A análise da seção dos resultados também requer uma revi¬<br />

são crítica. Da mesma forma que é importante avaliar a popula¬<br />

ção do estudo e os critérios de participação, é igualmente essen¬<br />

cial verificar se lodos os doentes que participaram no começo do<br />

estudo estão representados no final do estudo. Especificamente,<br />

os autores devem descrever qualquer critério utilizado para<br />

a exclusão de doentes da análise do estudo. A simples soma<br />

feita pelo leitor dos vários grupos ou subgrupos de tratamento<br />

confirmará rapidamente se todos os doentes estão presentes.<br />

Os autores também devem descrever ocorrências que possam<br />

influenciar os resultados. Por exemplo, os autores devem relatar<br />

contratempos, como doentes de controle qiie recebem aciden¬<br />

talmente o tratamento ou doentes do estudo que recebem outros<br />

diagnósticos ou intervenções.<br />

Além disso, o significado clínico, bem como estatístico, dos<br />

resultados é um dado importante a ser considerado. Embora<br />

possa ser difícil entender a análise estatística, uma compreen-


CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 11<br />

são básica da seleção e da utilização do teste estatístico irá vali¬<br />

dar os testes estatísticos realizados. Igualmente e, talvez, mais<br />

importante do que o significado estatístico de um resultado,<br />

é o significado clínico do resultado relatado. Por exemplo, na<br />

avaliação do efeito de uma nova medicação anti-hipertensiva, a<br />

análise estatística pode mostrar que o novo fármaco causa uma<br />

diminuição estatisticamente significativa na pressão arterial<br />

de 4 mmHg. Clinicamente, no entanto, a diminuição relatada é<br />

insignificante. Dessa forma, o profissional de saúde deve avaliar<br />

não apenas o significado estatístico do resultado, mas também<br />

o significado clínico.<br />

Se todas as questões anteriores tiverem sido respondidas<br />

satisfatoriamente, a última questão tem relação com a imple¬<br />

mentação dos resultados e da conclusão do estudo no sistema<br />

de saúde do leitor. Paia determinar a praticidade da aplicação<br />

da terapia, é preciso que os autores descrevam o tratamento com<br />

detalhes suficientes, a intervenção ou a terapia deve estar dispo¬<br />

nível para uso, e ela deve ser clinicamente sensível na situação<br />

planejada.<br />

Existem algumas diferenças na avaliação de afirmativas de<br />

consenso, visões gerais e capítulos de livro-texto. Idealmente, a<br />

afirmativa ou a visão geral deve abordar uma questão específica<br />

focalizada. Os autores devem descrever os critérios utilizados'<br />

para selecionar os artigos incluídos como referências, e o leitor<br />

irá determinar a conveniência desses critérios. Isso, porsua vez,<br />

irá ajudar a determinar a probabilidade de que estudos impor¬<br />

tantes tenham sido incluídos e não foram perdidos. Além disso,<br />

a lista de referências deve ser revisada em busca de estudos<br />

conhecidos que deveriam ter sido incluídos.<br />

Uma visão geral ou uma afirmativa de consenso incluirá<br />

uma discussão do processo pelo qual a validade dos estudos<br />

incluídos foi estimada. A avaliação da validade deve ser repro¬<br />

dutível, independentemente de quem realmente fez a avaliação.<br />

Além disso, múltiplos estudos com resultados similares ajudam<br />

a apoiar as conclusões e a decisão final sobre se se deve ou não<br />

alterar a prática atual.<br />

Similarmente à revisão de estudos individuais, a revisão<br />

e a avaliação de afirmativas de consenso, as visões gerais e<br />

os capítulos de livros-texlos incluem determinar se todos os<br />

resultados finais clinicamente relevantes foram considerados<br />

e discutidos, bem como se os resultados podem ser aplicados<br />

ao padrão geral de atendimento ao doente do leitor. Isso tam¬<br />

bém inclui uma análise dos benefícios versus os riscos e os<br />

prejuízos potenciais.<br />

A etapa final na avaliação é determinar quando uma publi¬<br />

cação deve produzir uma mudança na prática médica diária.<br />

Idealmente, qualquer mudança na prática médica resultará de<br />

'um estudo da maior qualidade, especificamente um estudo<br />

duplo-cego, controlado e randomizado. A conclusão desse<br />

estudo será baseada nos resultados que luram avaliados critica¬<br />

mente, que lenham significado tanto estatístico quanto clínico<br />

e que tenham sido revisados e considerados válidos. O estudo<br />

deve ser a melhor informação disponível atualmente sobre o<br />

assunto. Além disso, a mudança na prática deve ser "factível"<br />

no sistema em que se planeja fazer a mudança, e o benefício de<br />

efetuar a mudança deve-se sobrepor aos riscos.<br />

Toda a prática médica no ambiente extra-hospitalar deve<br />

ser baseada em evidências de Classe I, de alta qualidade, que<br />

apoiem a prática. Como observado, no entanto, a maior parte da<br />

literatura de SME se qualifica como evidências de Classe III.<br />

RESUMO<br />

O trauma é a principal causa de morte em doentes com menos<br />

de 44 anos de idade. Uma abordagem organizada e sistemática<br />

ao cuidado desses doentes pode aumentai' sua sobrevida. Essa<br />

abordagem organizada é iniciada por esforços para a prevenção<br />

da ocorrência de lesões. Em caso de trauma, a resposta orga¬<br />

nizada e sistemática de toda a equipe médica, começando no<br />

ambiente pré-hospitalar, auxilia a redução da morbidade e da<br />

mortalidade decorrentes de lesão traumática.<br />

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12 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

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September 2008.


CAPÍTULO 1 PHTLS: Passado, Presente e Futuro 13<br />

Leituras Sugeridás<br />

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useful from useless or even harmful therapy. Can Med<br />

Assoc } 124:1156, 1981.


OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Construir uma Matriz de Haddon para um tipo específico de trauma<br />

Relacionar a importância da observação precisa e atenta do incidente e da<br />

documentação de dados pelos prestadores de SME para o sucesso de iniciativas<br />

na prevenção de trauma.<br />

Prestar assistência no desenvolvimento, na implementação e na avaliação de<br />

programas de prevenção de trauma da sua comunidade ou organização de SME,<br />

Descrever e defender o papel do SME na prevenção de traumas, incluindo:<br />

Individual<br />

Familiar<br />

Em comunidade<br />

Profissional<br />

Organizacional<br />

Coalizões de organizações<br />

Identificar estratégias possíveis de os profissionais do atendimento pré-hospitalar<br />

implementarem que reduzirão os riscos de lesões.


I<br />

16 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

m<br />

PTfl<br />

ÿ<br />

—.....<br />

,\\(\\\WV\vn»\yynjiruffYjj,,<br />

José e Gwen estão guardando seus equipamentos após atender um acidente de trânsito que resultou em três mortes,<br />

incluindo um bebé e uma criança. "José, não consigo parar de pensar como tudo teria sido diferente se esta mulher tivesse<br />

colocado seus filhos em cadeirinhas de criança. Ela poderia ter sobrevivido se tivesse usado o cinto de segurança de três<br />

pontos e também o protetor de nuca."<br />

"Concordo com você, Gwen. Alguém precisa fazer alguma coisa pela obrigatoriedade por lei do uso do cinto de segu¬<br />

rança e das cadeirinhas infantis por aqui."<br />

"Você acha que é só desconhecimento do perigo ou é por uma questão económica, José?"<br />

"Bom, acho que comprar as cadeirinhas pode ser uma questão económica, mas o motorista que não usa o cinto de segu¬<br />

rança toma uma decisão consciente ao não colocá-lo. Deve haver uma forma de mostrar isso."<br />

A prevenção é uma abordagem realista na prevenção de lesões e mortes e em outros tipos de trauma?<br />

Existem evidências de que a obrigatoriedade de uso do cinto de segurança e das cadeirinhas infantis tem impacto na<br />

prevenção de lesões e mortes?<br />

Como profissionais de saúde, o que podemos fazer para prevenir esses tipos de mortes e lesões?<br />

Ornais<br />

importante estímulo no desenvolvimento de siste¬<br />

mas de serviços médicos de emergência (SME) modernos<br />

foi a publicação, em 1966, do relatório público da NAS/<br />

NRC (National Academy of Sciences/National Research Coun¬<br />

cil) intitulado Accidental Death and Disability: The Neglected<br />

Disease of Modern Society. O artigo apontava falhas na con¬<br />

duta de traumas nos Estados Unidos e ajudou a lançar um sis¬<br />

tema formal de cuidado no local e de transporte rápido para<br />

pacientes feridos em decorrência de "acidentes". Essa iniciativa<br />

educacional contribuiu para a criação de um sistema mais efi¬<br />

ciente a fim de propiciar cuidados pré-hospitalares aos doentes<br />

e feridos.1<br />

A morte e a invalidez decorrentes de traumas nos Estados<br />

Unidos diminuíram desde a publicação do artigo." Apesar desse<br />

progresso, o trauma ainda é um grande problema de saúde<br />

pública. Mais de '179 mil americanos morrem por trauma todo<br />

ano e outros milhões são afetados de algum modo.'1 Trauma é<br />

também um problema global. Mais de 5 milhões de pessoas<br />

morreram de trauma no mundo inteiro em 2002, o que repre¬<br />

senta 9% das mortes em todo o mundo. O trauma ainda lidera a<br />

causa de morte em todas as faixas etárias. Para algumas faixas<br />

etárias, sobretudo crianças, adolescentes e jovens adultos, os<br />

traumas são a principal causa de morte.<br />

O desejo de cuidar de pacientes acometidos por traumas<br />

atrai muitas pessoas para o campo de SME. O curso PHTLS<br />

(Prehospital Trauma Life Support) ensina os socorristas a serem<br />

eficientes e eficazes no atendimento ao trauma. A necessidade<br />

de socorristas bem treinados para cuidar de pacientes trauma¬<br />

tizados sempre existirá; no entanto, a melhor maneira de ser<br />

eficiente e eficaz é, em primeiro lugar, prevenir que o trauma<br />

aconteça. Os socorristas em todos os níveis devem desempe¬<br />

nhar um papel alivo na prevenção de traumas para alcançar os<br />

melhores resultados, não só para a comunidade de forma geral,<br />

mas também para si mesmos.<br />

Já em 1966,os autores dorelatório do NAS/NRC reconheciam<br />

a importância da prevenção ao trauma, quando afirmaram:<br />

A solução de longo prazo para o problema do trauma é a prevenção... A<br />

prevenção de acidentes envolve o treinamento em casa, na escola e no<br />

trabalho, reforçado por constantes apelos por segurança na mídia,cursos<br />

de primeiros-socorros e reuniões públicas, além de inspeções e fiscaliza¬<br />

ções por agências reguladoras.'<br />

O pessoal de atendimento pré-hospitalar pode facilmente<br />

desempenhar um papel ativo, se riao em todas, ao menos<br />

na maioria das atuais recomendações para a prevenção de<br />

traumas.<br />

A prevenção de algumas doenças, como a raiva, tem sido<br />

tão eficiente que a ocorrência de um único caso lransforma-se<br />

em notícia de primeira página. As autoridades de saúde pública<br />

agora reconhecem que a prevenção resulta na maior recompensa<br />

para a redução de doenças. O currículo de técnicos em medi¬<br />

cina de emergência (TME) há muito inclui instruções formais<br />

sobre segurança no local e equipamentos de proteção individual<br />

como forma de prevenção de ferimentos para o TME. Para esti¬<br />

mular os sistemas de atendimento a desempenharem um papel<br />

mais ativo, a Emergency Medical Services (EMS) Agenda for the<br />

Future, desenvolvida pela e para a comunidade dos SME, lista<br />

a prevenção como um dos 14 atributos a serem mais desenvol¬<br />

vidos com o intuito de "melhorar a saúde da comunidade e otimizar<br />

o uso mais apropriado dos limitados recursos da saúde".3<br />

É com esse fim que o currículo de paramédico do Departamento<br />

de Transportes dos EUA (DOT) e o Currículo Básico Nacional de<br />

SME agora incluem o treinamento para prevenção.<br />

Os sistemas de SME estão se transformando de uma disci¬<br />

plina estritamente reacionária para uma disciplina mais ampla<br />

e eficiente que inclui mais ênfase na prevenção. Este capítulo<br />

foi elaborado para apresentai1 os conceitos-chave da prevenção<br />

de traumas ao socorrista.


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 17<br />

Abrangência do Problema<br />

A morte decorrente de trauma é um grande problema de saúde<br />

no mundo inteiro, resultando em quase 14 mil mortes diárias<br />

(Fig. 2-1). Na maioria dos países, independentemente do nível de<br />

desenvolvimento, os traumas aparecem entre as cinco principais<br />

causas de morte.*1 Embora os tipos de morte por trauma variem<br />

pouco entre os países, existe uma grande variabilidade entre os<br />

tipos que afeiam grupos específicos de faixa etária. Em virtude de<br />

questões económicas, sociais e de desenvolvimento, a causa das<br />

FIGURA 2-1 Estatísticas Relacionadas com o Trauma em Todo o Mundo, 2004<br />

TRAUMAS EM GERAL<br />

c As oito principais causas de mortalidade relacionada com<br />

trauma foram:<br />

1. Traumas em estradas<br />

2. Violência autoinfligida<br />

3. Violência interpessoal<br />

4. Afogamento<br />

5. Envenenamento<br />

6. Guerra<br />

7. Quedas<br />

8. Incêndios<br />

e Estima-se que 5 milhões de pessoas morrem em todo o<br />

mundo em decorrência de traumas.<br />

b Os traumas são responsáveis por 9% das mortes no mundo.<br />

e Em indivíduos dos 5 aos 44 anos de idade, seis das principais<br />

causas de morte são relacionadas a lesões.<br />

b Espera-se que os custos indiretos das doenças decorrentes de<br />

traumas, particularmente traumas por ocorrências em estradas,<br />

aumentem drasticamente por volta do ano 2020.<br />

e Morrem duas vezes mais homens do que mulheres em<br />

consequência de traumas; as mortes relacionadas com o fogo<br />

formam uma exceção notável.<br />

b Os homens na África têm as maiores taxas de mortalidade<br />

relacionada com traumas.<br />

e Mais de 90% de todas as mortes relacionadas a lesões ocorrem<br />

em países de renda baixa ou média.<br />

e 0 trauma é responsável por 12% da "perda total de anos de<br />

vida", tanto por morte prematura quanto por invalidez.<br />

TRAUMAS EM ESTRADAS<br />

ÿ Estima-se que 1,2 milhão de pessoas tenha morrido em<br />

consequência de traumas causados por ocorrências nas<br />

estradas, e mais 50 milhões de indivíduos sofreram lesões ou<br />

foram incapacitados.<br />

a Lesões em acidentes de trânsito são a principal causa de morte<br />

em crianças e jovens de 10 a 24 anos de idade.<br />

b A mortalidade em ocorrências nas estradas para homens é<br />

quase três vezes maior do que para mulheres.<br />

ÿ 0 Sudeste Asiático é responsável pela maior porcentagem de<br />

mortes decorrentes de traumas causados por ocorrências nas<br />

estradas.<br />

QUEIMADURAS RELACIONADAS COM O FOGO<br />

b 300.000 queimaduras provocadas por fogo foram observadas.<br />

b As mulheres do Sudeste Asiático têm as maiores taxas de<br />

mortalidade por queimaduras relacionadas ao fogo.<br />

b Crianças com menos de 5 anos de idade e pessoas idosas têm<br />

as maiores taxas de mortalidade relacionadas ao fogo.<br />

b 0 Sudeste Asiático é responsável por quase 50% das mortespor<br />

queimaduras relacionadas ao fogo.<br />

AFOGAMENTO<br />

450 mil pessoas se afogaram em 2000.<br />

h Das mortes por afogamento, 97% ocorreram em países de renda<br />

baixa e média.<br />

Entre as faixas etárias, as crianças abaixo de cinco anos de<br />

idade têm as maiores taxas de mortalidade por afogamento e<br />

são responsáveis por mais de 50%.<br />

Os homens na África e no Pacífico Ocidental têm as maiores<br />

taxas de mortalidade por afogamento.<br />

QUEDAS<br />

« 283 mil pessoas morreram em consequência de quedas em<br />

2000.<br />

a Um quarto de todas as quedas fatais ocorreu em países de<br />

renda elevada.<br />

Em todas as regiões do mundo, os adultos acima de 70 anos<br />

de idade, particularmente mulheres, têm a maior taxa de<br />

mortalidade por quedas.<br />

A Europa e o Pacífico Ocidental combinados são responsáveis<br />

por quase 60% do número total de mortes relacionadas com<br />

quedas.<br />

ENVENENAMENTO<br />

K Estima-se que 315 mil pessoas tenham morrido por<br />

envenenamento em todo o mundo.<br />

s<br />

Mais de 94% dos envenenamentos fatais ocorrejam em países<br />

de renda baixa e média.<br />

sã A taxa global de envenenamento entre homens na Europa é<br />

aproximadamente três vezes maior do que a taxa em qualquer<br />

um dos sexos em qualquer outra região do mundo.<br />

si A região europeia é responsável por mais de 1/3 de todas as<br />

mortes por envenenamento em todo o mundo.<br />

VIOLÊNCIA INTERPESSOAL<br />

s Estima-se que 520 mil pessoas tenham morrido em todo o<br />

mundo em consequência da violência interpessoal.<br />

ci Dos homicídios, 95% ocorreram em países de renda baixa e<br />

média.<br />

Bi As maiores taxas de violência interpessoal são encontradas nas<br />

Américas entre homens com idade de 15 a 29 anos.<br />

Bi Entre as mulheres, a África tem a maior taxa de mortalidade<br />

decorrente de violência interpessoal.<br />

SUICÍDIO<br />

815 mil pessoas em todo o mundo cometeram suicídio.<br />

e De todos os suicídios, 86% ocorreram em países de renda baixa<br />

e média.<br />

e As mulheres na China têm uma taxa de suicídio que é<br />

aproximadamente o dobro da taxa de mulheres em outras<br />

partes do mundo.<br />

si Mais de 50% dos suicídios ocorrem em pessoas com 15 a<br />

44 anos de idade.<br />

Todos os dados (oram compilados de resultados da Organização Mundial da Saúde.


18 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Outros<br />

Guerra<br />

26%<br />

23%<br />

7% 7%<br />

Violência<br />

interpessoal<br />

16%<br />

9%<br />

Violência<br />

autoinfligida<br />

Traumas<br />

em estrada<br />

3% Envenenamento<br />

Quedas<br />

4%<br />

5% Incêndios<br />

Afogamento<br />

FIGURA 2-2 Distribuição da mortalidade global por trauma<br />

segundo a causa, 2000.<br />

(De World Health Organization: The Injury Chart Book, Geneva, 2002, WHO.)<br />

mortes relacionadas com traumas varia de um país para outro e<br />

mesmo de uma região para outra dentro de um mesmo país.<br />

Nos países de renda média e baixa do Pacífico Ocidental,<br />

por exemplo, as principais causas de morte relacionadas com<br />

trauma são acidentes de trânsito, afogamento e suicídio. Na<br />

África, as causas principais são acidentes de trânsito, guerra e<br />

violência entre pessoas. Nos países americanos de alta renda, a<br />

principal causa de morte em pessoas entre "15 e 29 anos são os<br />

traumas causados por acidentes de trânsito. Nos países de baixa<br />

e média renda do continente americano, a causa principal é a<br />

violência entre pessoas de mesmo grupo etário.'1 A Figura 2-2<br />

demonstra que o trauma desempenha um papel preponderante<br />

no ónus global de doenças.<br />

Nos Estados Unidos, o trauma é a quinta maior causa de<br />

morte, depois de doenças cardiovasculares e neoplasia, e é res¬<br />

ponsável por mais de *179 milmortes anuais3 (Fig. 2-3). O trauma<br />

é um problema particularmente sério para os jovens dos Estados<br />

Unidos,e das nações mais industrializadas do mundo. Traumas<br />

matam mais crianças e jovens adultos norte-americanos do que<br />

todas as doenças combinadas (mais de 32 mil em 2006).•'<br />

Infelizmente, as mortes decorrentes de trauma são apenas<br />

a ponta do iceberg. O "triângulo do trauma" fornece uma visão<br />

mais completa do impacto de traumas na saúde pública (Fig.<br />

2-4). Nos Estados Unidos, em 2006, além das *167 mil pessoas<br />

que morreram em decorrência de traumas, outro 1,9 milhão<br />

foi hospitalizado por traumas não fatais. Os traumas também<br />

provocaram mais de 31 milhões de atendimentos no prontosocorro.3<br />

O impacto em uma nação pode ser mais bem entendido ao<br />

examinar o número de anos de vida potencial perdida (AVPP)<br />

decorrentes de trauma. O AVPP é calculado subtraindo a idade<br />

em que ocorreu a morte de uma determinada idade fixada rela¬<br />

tiva a um grupo, geralmente 65 ou 70 anos ou a expectativa<br />

de vida do grupo em questão. Os traumas matam ou acometem<br />

pessoas de todas as idades inutilmente, mas afetam de forma<br />

desproporcional as crianças, os jovens e os adultos jovens, em<br />

especial nas nações industrializadas. Uma vez que os traumas<br />

são a principal causa de mortalidade de norte-americanos entre<br />

*1 e 44 anos, eles são responsáveis por mais AVPP do que qual¬<br />

quer outra causa. Em 2006, os traumas ceifaram um número<br />

estimado em 3,68 milhões de anos de suas vítimas, comparado<br />

com '1,8 milhão de anos das vítimas de câncer, apesar de o cân¬<br />

cer tirar mais vidas do que os traumas.3<br />

Uma outra medida da gravidade dos traumas pode ser<br />

demonstrada em dólares gastos. Os custos dos traumas vão<br />

muito além do paciente ou da sua família imediata. Todos os<br />

membros da sociedade sentem o efeito, já que os custos dos<br />

traumas são arcados por instituições federais e outros órgãos,<br />

programas de seguros particulares que transferem as despesas<br />

para os outros dependentes e empregadores, assim como para<br />

os pacientes. Como resultado, todos pagam quando um indiví¬<br />

duo sofre um trauma grave. As estimativas dos custos do trauma<br />

chegam a USS 325 bilhões anuais, incluindo o custo direto da<br />

assistência médica e o custo indireto, tal como lucros cessan¬<br />

tes.1' Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam<br />

que as ações preventivas são um bom investimento.<br />

FIGURA 2-3 Classificação das Causas de Mortes Relacionadas a Lesões por Faixa Etária, 2006<br />

Lesão não<br />

intencional<br />

(número de<br />

mortes)<br />

Faixa Etária<br />

1 1-4 5-9 10-14 15-24 25-34 35-44 45-54 55-64 65<br />

5a<br />

(1.147)<br />

Principal<br />

(1.610)<br />

Principal<br />

(1.044)<br />

Principal<br />

(1.214)<br />

Principal<br />

(16.229)<br />

Principal<br />

(14.954)<br />

Principal<br />

(17.534)<br />

3a<br />

(19.675)<br />

4a<br />

(11.446)<br />

9a<br />

(36.689)<br />

Todas as<br />

idades<br />

(número<br />

de<br />

mortes)<br />

5a<br />

(121.599)<br />

Lesão<br />

intencional<br />

Suicídio<br />

Homicídio<br />

14a<br />

4a<br />

19a<br />

4a<br />

4a<br />

3a-<br />

3a<br />

2a<br />

2a<br />

3a<br />

4a<br />

6a<br />

5a<br />

13a<br />

8a<br />

17a<br />

18a<br />

11a<br />

(33.300)<br />

15a<br />

(18.573)<br />

"Dados não aplicáveis ou não disponíveis.<br />

Extraído de National Vital Statistics System, National Center for Health Statistics, CDC, Office of Statistics and Programming, National Center for Injury Prevention and Control, CDC: Ranking of Causes of ,<br />

Injury-Related Deaths by Age Groups, 2006.


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 19<br />

Mortes<br />

167.184<br />

Altas hospitalares<br />

1,9 millhão<br />

Consultas no serviço de emergencia<br />

31 milhões<br />

Episódios relatados de trauma<br />

66 milhões<br />

FIGURA 2-4 Triângulo do trauma.<br />

(Dados de US Deparlmenl of Health and Human Services, Centers for Disease Control and<br />

Prevention, National Center for Health Statistics. Injury in the United Slates 2007 Charlbook.]<br />

Cada dólar norte-americano investido em capacetes<br />

para motociclistas resulta na economia de US$ 32 em<br />

custos médicos.<br />

O uso de cintos de segurança reduz entre 40% e 65%<br />

o risco de ejeção e a ocorrência de lesões graves ou<br />

fatais.<br />

0 preço de traumas é excessivo em termos de morbidade,<br />

mortalidade e estresse económico:<br />

As lesões sempre lorani uma ameaça ao bem-estar público, mas, até a<br />

metade do século XX, as doenças infecciosas obscureciam a terrível<br />

contribuição de traumas para a morbidade c a mortalidade humanas. O<br />

sucesso da saúde pública em outras áreas transformou o trauma em uma<br />

grave preocupação da saúde pública, que tem sido chamada de "epidemia<br />

negligenciada".1'<br />

A sociedade está fazendo um apelo a todos os segmentos da<br />

comunidade médica para aumentar as suas atividades de pre¬<br />

venção. Com mais de 600 mil socorristas somente nos Estados<br />

Unidos, os sistemas de SME podem dar uma enorme contribui¬<br />

ção para os esforços comunitários na prevenção de traumas.<br />

Lesões nos SME<br />

A definição de umquadro claro do impacto do trauma nos socor¬<br />

ristas dos SMEs é difícil, pois não há um processo nacional uni¬<br />

ficado de obtenção de dados do setor. Mesmo a determinação da<br />

quantidade de socorristas que aluam nos Estados Unidos é feita<br />

por estimativa, entre 600 mil e 832 mil. No entanto, vários estu¬<br />

dos e publicações buscam uma resposta para essa pergunta.<br />

Os socorristas dos SME são inquestionavelmente expostos<br />

a uma ampla variedade de situações que podem resultar em<br />

acidentes profissionais. Eles vão a lugares em que há pessoas<br />

feridas e doentes. Algumas vezes, os locais são inseguros, ape¬<br />

sar dos esforços dos socorristas de SME e dos policiais, pois as<br />

situações envolvem pessoas em crise emocional e física. A pró¬<br />

pria natureza do trabalho dá ensejo à ocorrência de lesões. Só o<br />

fato de dirigir um veículo de socorro até o local da ocorrência<br />

é arriscado. Carregar pesos, expor-se aos riscos ambientais e a<br />

doenças infecciosas e estressar-se, como a atividade exige, tam¬<br />

bém interferem no surgimento de lesões.<br />

De 1992 a 1997, estima-se que tenham ocorrido 12,7 mor¬<br />

tes por 100 mil profissionais ao ano nos SME.'1" Esse número<br />

é comparado a uma taxa de mortalidade nacional média de 5<br />

mortes por 100.000 para lodos os trabalhadores ao longo do<br />

mesmo período. Mais de 58% dessas mortes nos SME envolve¬<br />

ram acidentes com ambulâncias; 9% envolveram agressões ou<br />

homicídios. Do mesmo modo que ocorre com as mortes, esti¬<br />

mar o número de lesões não fatais também é tarefa difícil. No<br />

entanto, foi documentada uma lesão séria, incapacitante, com<br />

hospitalização para cada 31.616 saídas para atendimento reali¬<br />

zadas por socorristas.0<br />

Esses números revelam um fato preocupante. "Os momen¬<br />

tos mais perigosos para os socorristas dos SME ocorrem quando<br />

eles estão dentro da viatura em movimento, ou quando estão<br />

trabalhando em local de acidente automobilístico próximo a<br />

outros veículos em movimento".1" É essencial que os socorris¬<br />

tas dos SME saibam e compreendam os conceitos de lesão e<br />

prevenção de lesão, de forma que os riscos inerentes aos SME<br />

possam ser identificados e corrigidos. Praticamente desde o pri¬<br />

meiro dia na formação dos SME, ensina-se aos estudantes que<br />

ninguém é mais importante no local de uma ocorrência do que<br />

o socorrista dos SME, de modo que a sua segurança deve vir em<br />

primeiro lugar. O uso do cinto de segurança na ambulância é o<br />

primeiro passo para a segurança.<br />

Conceitos de Trauma<br />

Definição de Trauma<br />

A discussão sobre a prevenção de traumas deveria começar<br />

com uma definição do termo trauma. A ampla variedade das<br />

causas de trauma representa inicialmente um grande obstáculo<br />

ao estudo e à sua prevenção. Por exemplo, o que um quadril<br />

fraturado em decorrência da queda de uma pessoa idosa tem<br />

em comum com um ferimento de arma de fogo autoinfligido à<br />

cabeça de um jovem adulto? Todas as causas de trauma, desde<br />

colisões de veículos, passando por ferimentos por arma branca e<br />

suicídios, até os afogamentos, têm um falor em comum: a trans¬<br />

ferência de energia. O trauma é hoje definido como um evento<br />

nocivo que advém da liberação de formas específicas de energia<br />

ou de barreiras físicas ao fluxo normal de energia.11<br />

Em geral, a energia existe em cinco formas físicas: mecâ¬<br />

nica, química, térmica, por irradiação ou elétrica.<br />

a<br />

A energia mecânica é a energia que um objeto con¬<br />

tém quando está em movimento. A mais comum<br />

causa de lesões, ela é transferida durante uma colisão


20 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

s<br />

Q<br />

de veículos, por exemplo, do veículo a um motorista<br />

sem cinto de segurança que colide com o para-brisa.<br />

A energia química é a resultante da interação de uma<br />

substância química com o tecido humano exposto."<br />

Por exemplo, a energia química ocorre quando uma<br />

criança curiosa ingere amónia encontrada em um<br />

armário destrancado na cozinha.<br />

/I energia térmica é a energia associada a altas tem¬<br />

peraturas e ao calor. A energia térmica, por exemplo,<br />

causa traumas quando um cozinheiro borrifa combus¬<br />

tível fluido em carvão que esteja queimando em uma<br />

churrasqueira ao ar livre, e é atingido na lace.<br />

A energia por radiação consiste em qualquer onda<br />

eletromagnética que trafega em raios (como os raios<br />

X) e não possui massa. Ela produz queimaduras sola¬<br />

res na pele de adolescentes à procura de um bronze¬<br />

ado dourado no verão.<br />

A energia elétrica ó resultante da movimentação de<br />

elétrons entre dois pontos. Está associada à lesão<br />

direta e à lesão térmica; por exemplo, ela destrói a<br />

pele, os nervos e os vasos sanguíneos de um socor¬<br />

rista que não consegue lazer uma avaliação apro¬<br />

priada antes de locai- um veículo que bateu em um<br />

poste de luz.<br />

O corpo requer elementos básicos, como oxigénio e calor,<br />

para produzir a energia interna necessária para funcionar ade¬<br />

quadamente. Se surgem condições que impedem o corpo de usar<br />

esses elementos necessários, o resultado pode ser um trauma. A<br />

asfixia e a hipotermia são traumas físicos que resultam de uma<br />

interrupção do fluxo normal de energia do corpo.<br />

Qualquer forma de energia física em quantidade suficiente<br />

pode causar danos ao tecido. O corpo pode tolerar transfe¬<br />

rência de energia dentro de certos limites; entretanto, ocorre<br />

um trauma se esse limiar for ultrapassado. Uma bala disparada<br />

de uma pistola, à queima-roupa, atravessa facilmente a pele e o<br />

tecido mole, causando um grande trauma. Se a vítima de des¬<br />

tino estiver longe o suficiente, teoricamente basta ela colocar a<br />

mão na frente para que a bala atinja sua palma e caia no chão, do<br />

maneira inofensiva. A energia da bala se dissipa no ar durante<br />

sua trajetória, de modo que ela não tem energia de impacto sufi¬<br />

ciente para ultrapassar o nível de tolerância do corpo.<br />

Energia Fora de Controle<br />

As pessoas dominam e usam diariamente todas as cinco formas<br />

de energia em diversos empreendimentos produtivos. Nesses<br />

casos, a energia está sob controle e não se permite que ela afeie o<br />

corpo de forma nociva. A habilidade de uma pessoa em manter<br />

o controle da energia depende de dois fatores: o desempenho e<br />

a exigência da tarefa.12 Enquanto a habilidade de uma pessoa<br />

em desempenhar a tarefa for maior que a exigência da tarefa, a<br />

energia será liberada de forma controlada e administrável.<br />

Noentanto, em três casos, a exigência pode exceder o desem¬<br />

penho e levar a uma liberação descontrolada de energia:<br />

1. Quando a dificuldade da tarefa de repente excede<br />

a habilidade do desempenho de um indivíduo. Por<br />

exemplo, um socorrista pode dirigir uma ambulância<br />

de forma segura durante condições normais de con-<br />

Agente<br />

FIGURA 2-5<br />

(HOSPEDEIRO)<br />

Homem<br />

Ambiente<br />

Tríade epidemiológica.<br />

dução, mas perde o controle caso o veículo passe em<br />

um trecho coberto por uma camada fina de gelo. O<br />

aumento abrupto das exigências da tarefa ultrapassa<br />

a capacidade de desempenho do socorrista e leva a<br />

uma colisão.<br />

- 2. Quando o nível de desempenho de um indivíduo cai<br />

abaixo da exigência da tarefa. Uma pessoa que ador¬<br />

mece ao volante de um veículo ao dirigir em uma<br />

estrada secundária experimenta uma queda repentina<br />

de desempenho sem alteração alguma na exigência<br />

da tarefa, provocando uma colisão.<br />

3. Quando ambos osfatores se alteram simultanea¬<br />

mente. Falar ao celular ao dirigir pode reduzir a<br />

concentração do motorista na via. Se surge um ani¬<br />

mal de repente na frente do veículo, a exigência da<br />

tarefa aumenta de forma brusca. Sob circunstâncias<br />

normais, o motorista pode ser capaz de lidar com<br />

o aumento das exigências da tarefa. Uma queda de<br />

concentração no exato momento em que a habilidade<br />

adicional é solicitada pode gerar uma colisão.<br />

Dessa maneira, as lesões podem ocorrer quando há liberação<br />

de energia de maneira descontrolada cm locais próximos às<br />

vítimas.<br />

0 Trauma como Doença<br />

O processo da doença íbi estudado durante anos. Sabe-se agora<br />

que três fatores devem estar presentes e interagir simultanea¬<br />

mente para que uma doença ocorra: (1) um agente causador da<br />

doença, (2) um "hospedeiro" no qual o agente possa residir,<br />

(3) um ambiente apropriado no qual o agente e o hospedeiro<br />

possam interagir. Assim que as autoridades de saúde pública<br />

reconheceram essa "tríade epidemiológica", descobriram como<br />

combater a doença (Fig. 2-5). A erradicação de determinadas<br />

doenças tem sido possível graças à vacinação do hospedeiro, à<br />

destruição dos agentes com antibióticos, à redução da transmis¬<br />

são no ambiente com o melhoramento das condições sanitárias<br />

ou à combinação dessas três medidas.<br />

Apenas desde o final da década de 1940 há uma pesquisa<br />

significativa sobre o processo de lesão. Os pioneiros no estudo<br />

do trauma demonstraram que, apesar dos resultados obviamente<br />

distintos, a doença e o trauma se comportam de modo similar.<br />

Ambos requerem a presença dos três elementos da tríade epide¬<br />

miológica e, por isso, são tratados da mesma forma:


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 21<br />

1. Para que um trauma"ocorra, deve haver um hospedeiro<br />

(ou seja, o ser humano). Na doença, a suscetibilidade<br />

do hospedeiro não é constante de um indivíduo para<br />

outro, ela varia como resultado de fatores internos e<br />

internos incluem a inteligência, o<br />

externos. Os feitores<br />

sexo e o tempo de reação. Os feitores<br />

externos incluem<br />

o nível de sobriedade, a raiva e as crenças. A suscetibi¬<br />

lidade também varia com o passar do tempo em uma<br />

mesma pessoa.<br />

2. Como anteriormente descrito, o agente do trauma é a<br />

energia. A velocidade, a forma, o material e o tempo<br />

de exposição ao objeto que libera a energia agem para<br />

que o nível de tolerância do hospedeiro seja, ou não,<br />

ultrapassado.<br />

3. 0 hospedeiro e o agente devem se juntar em um<br />

ambiente que lhes permita interagir. É comum que<br />

o ambiente seja dividido em componentes físicos e<br />

sociais. Os iãtores ambientais físicos podem ser vistos<br />

e tocados. Os fatores ambientais sociais incluem ati¬<br />

tudes, crenças e julgamentos. Por exemplo, os adoles¬<br />

centes têm mais probabilidade de se engajar em com¬<br />

portamentos arriscados do que outros grupos etários,<br />

pois têm um maior sentimento de invencibilidade (o<br />

componente social).<br />

As características do hospedeiro,, do agente e do ambiente<br />

mudam com o tempo e com a circunstância:<br />

Para ilustrar, pense nos componentes da Tríade Epidemiológica como<br />

rodas cm movimentoconstante. Dentro de cada roda,existem seções cm<br />

forma de falias de pizza, uma para cada variável circunstancial possível<br />

- boa e má. As três rodas giram em velocidades diferentes; portanto,<br />

características diferentes interagem (encontram-se) em momentos dife¬<br />

rentes e em combinações diferentes. Algumas combinações preveem<br />

que não ocorrerá nenhuma lesão, outras predizem o desastre.0<br />

No caso de trauma, o hospedeiro pode ser uma criança curiosa<br />

de 2 anos capaz de se locomover; o agente do trauma pode ser<br />

uma piscina cheia de água com uma bola de praia que flutua<br />

próximo à margem; o ambiente pode ser uma grade de acesso à<br />

piscina que foi deixada aberta enquanto a babá corre até o inte¬<br />

rior da casa para atender o telefone. Com o hospedeiro, o agente<br />

g o ambiente interagindo, um trauma não intencional - neste<br />

caso, o afogamento- poderá ocorrer.<br />

A Matriz de Haddon<br />

0 Dr. William J. Haddon Jr. é considerado o pai da ciência de<br />

prevenção ao trauma. Ao trabalhar com o conceito da tríade epi¬<br />

demiológica, na metade da década de 1960, percebeu que um<br />

trauma pode ser desdobrado em três fases temporais:<br />

1. Pré-evento:antes do trauma.<br />

2. Evento: o momento em que a energia nociva é<br />

liberada.<br />

3. Pós-evento: as consequências do trauma.<br />

Ao examinar os três fatores da tríade epidemiológica<br />

durante cada fase temporal, Haddon criou uma matriz de nove<br />

células "fatores:fases" (Fig. 2-6). Essa tabela ficou conhecida<br />

como matriz de Haddon. Ela fornece um meio de mostrar gra¬<br />

ficamente os eventos ou as ações que aumentam ou diminuem<br />

as possibilidades de ocorrência de um trauma. Também pode<br />

ser usada para identificar estratégias de prevenção. A matriz de<br />

Haddon demonstra que múltiplos fatores podem levai1 a uma<br />

lesão e que, portanto, existem oportunidades múltiplas para<br />

prevenir ou reduzir sua gravidade. A matriz desempenhou um<br />

papel importante para dissipar o mito de que o trauma é conse¬<br />

quência de uma única causa, do azar ou do destino.<br />

A Figura 2-6 apresenta a matriz de Haddon para uma colisão<br />

de ambulância. Os componentes em cada célula da matriz são<br />

diferentes dependendo do trauma em análise. A fase do préevento<br />

inclui fatores que contribuem para a probabilidade de<br />

uma colisão; no entanto, a energia ainda está sob controle. Essa<br />

fase pode durar de alguns segundos ou mesmo vários anos. A<br />

fase do evento mostra os fatores que influenciam a gravidade do<br />

trauma. Durante esse período, energia descontrolada é liberada<br />

e um trauma ocorre quando a transferência de energia excede a<br />

tolerância do corpo. A fase do evento é, em geral, muito curta;<br />

pode durar uma fração de segundo, mas raramente dura mais<br />

que alguns minutos. Os fatores da fase pós-evento afetam o<br />

prognóstico assim que o trauma tenha ocorrido. Dependendo<br />

do tipo de evento, o pós-evento pode durar de alguns segundos<br />

até o período restante da vida do hospedeiro (Cap. 1).<br />

Os programas de saúde pública adotaram a terminologia de<br />

Prevenção Primária, Secundária e Terciária. A prevenção pri¬<br />

mária tem o objetivo de evitar a lesão antes que ela ocorra. A<br />

prevenção secundária se refere às ações tomadas para impedira<br />

progressão de uma lesão - por exemplo, evitando a ocorrência<br />

de hipoxia ou hipotensão após uma lesão cerebral traumática. A<br />

prevenção terciária é direcionada à minimização da ocorrência<br />

de mortes e sequelas relacionadas à lesão (òu doença) após o<br />

evento.<br />

Modelo do Queijo Suíço<br />

O psicólogo britânico James Reason propôs outra forma de pen¬<br />

sar em como os acidentes ocorrem,1'1 comparando o processo<br />

ao queijo suíço. Em toda situação, existe o risco de lesões ou de<br />

ocorrer um erro. Geralmente há uma série de proteções ou bar¬<br />

reiras que impedem a ocorrência de lesões ou erro. Reason suge¬<br />

riu que cada uma dessas barreiras ou proteções representam um<br />

pedaço de queijo suíço. Os orifícios do queijo são falhas ou defi¬<br />

ciências que aumentam a possibilidade de ocorrência de uma<br />

situação de perigo ou erro que provoque uma lesão. Essas falhas<br />

podem ser resultantes de deficiências organizacionais ou admi¬<br />

nistrativas, da superintendência do sistema (condições laten¬<br />

tes), ou podem ser provocadas por atos de omissão ou comissão<br />

(falhas ativas). Reason argumentou que todo risco possui uma<br />

trajetória, o que significa que, de modo geral, observa-se uma<br />

série de falhas antes do malefício subsequente; além disso, essa<br />

trajetória deve cruzar os orifícios ou as falhas alinhadas, impe¬<br />

dindo o funcionamento das barreiras e permitindo a ocorrência<br />

das lesões (Fig. 2-7)."'


If<br />

22<br />

ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

i<br />

FIGURA 2-6<br />

Matriz de Haddon para um Acidente de Ambulância<br />

Tríade Epidemiológica<br />

Fase Hospedeiro Agente Ambiente<br />

Pré-evento Acuidade visual do motorista Manutenção dos freios, pneus etc. Riscos de visibilidade<br />

Experiência e avaliação Equipamentos defeituosos Curvatura e gradiente da rodovia<br />

Quantidade de tempo na ambulância Centro de gravidade alto da Coeficiente de ficção da superfície<br />

por plantão ambulância Acostamento estreito na estrada<br />

Nível de fadiga Velocidade Sinais de tráfego<br />

Nutrição adequada Facilidade de controle Limites de velocidade<br />

Nível de estresse<br />

Adesão às leis de trânsito da cidade e<br />

às políticas da empresa<br />

Qualidade dos cursos de formação do<br />

motorista<br />

Evento Uso de cinto de segurança Capacidade de velocidade Ausência de grades de proteção<br />

Condicionamento físico Tamanho da ambulância Barreiras entre as pistas<br />

Limiar de trauma Limitadores automáticos Distância entre as pistas e objetos<br />

Ejeção Superfícies de contato duras ou imóveis<br />

agudas<br />

Limites de velocidade<br />

Consistência ou forma dos itens Outros tráfegos<br />

no interior do veículo (p. ex., Atitudes sobre 0 uso de cinto de<br />

pranchetas e lanternas)<br />

segurança<br />

Coluna de direção<br />

Manter uma via de escape<br />

Prática e hábito de direção<br />

Não fazer suposições sobre a<br />

defensiva: velocidade, uso de segurança de um ambiente (p. ex.,<br />

faróis e sirenes, ultrapassagens, "parte boa da cidade", casa de gente<br />

cruzamentos, distância do veículo rica)<br />

da frente<br />

Prática de bons hábitos de<br />

camaradagem nas ruas: prestar<br />

atenção no tráfego, não obstruir<br />

cruzamentos<br />

Estacionar com segurança<br />

»<br />

Pós-evento Idade Integridade do sistema de Capacidade de comunicação de<br />

Condicionamento físico combustível emergência<br />

Tipo ou extensão da lesão Engavetamento Distância e qualidade da resposta do<br />

SME<br />

Treinamento do pessoal do SME<br />

Disponibilidade de equipamento de<br />

salvamento<br />

Sistema de atendimento de trauma da<br />

comunidade<br />

Programas de reabilitação da<br />

comunidade<br />

Clima<br />

Classificação do Trauma<br />

Um método comum de subclassificar os traumas é basear-se na<br />

intenção. O trauma pode decorrer de causas intencionais 011 não<br />

intencionais. Embora esta seja uma forma lógica de considerar<br />

os traumas, salienta a dificuldade dos esforços para a prevenção<br />

do trauma.<br />

O trauma intencional está associado a um ato de violência<br />

interpessoal ou autodirecionado. Problemas como homicídio,<br />

suicídio, violência conjugal e guerras enquadraiTb-se nessa cate¬<br />

goria. Antes, a prevenção dos traumas intencionais era conside¬<br />

rada responsabilidade exclusiva da justiça criminal e dos siste¬<br />

mas de saúde mental. Embora essas instituições sejam essenciais<br />

para a redução de mortes violentas, a melhor maneira de prevenir<br />

os traumas intencionais é mediante uma abordagem multidisci¬<br />

plinar ampla que inclui o profissional da medicina.<br />

Antigamente, os traumas não intencionais eram chamados<br />

de "acidentes". Os autores do relatório público do NAS/NRCso<br />

referiram a eles, de forma adequada, como morte e deficiência<br />

"acidentais", porque era a terminologia da época.1 Ao compreen¬<br />

der que fatores muito específicos precisam se juntar para que<br />

ocorra uma lesão, prestadores de assistência de saúde passaram<br />

a entender que o termo acidental não descreve uma lesão não<br />

intencional decorrente de colisões de automóveis, afogamentos,<br />

quedas e choques elétricos. Os sistemas de SME acolheram esse<br />

conceito usando preferencialmente colisões de veículo automo-


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 23<br />

Por causa da variabilidade de hospedeiros, agentes e<br />

O<br />

ambientes em qualquer momento, os prestadores de cuidados<br />

de saúde nem sempre podem prever ou evitar todo e qualquer<br />

trauma individual. Contudo, eles podem identificar populações<br />

(que incluem os prestadores de SME), produtos e ambientes de<br />

alto risco. Os esforços de prevenção voltados para grupos ou<br />

cenários de alto risco influenciam a maior gama possível da<br />

sociedade. Os prestadores de cuidados de saúde podem bus¬<br />

car prevenção de diversas formas. Já está provado que algu¬<br />

mas estratégias foram bem-sucedidas nos Estados Unidos e<br />

no mundo. No entanto, outras estratégias funcionam em uma<br />

dada região, mas não em outra. Antes de implementar qualquer<br />

estratégia de<br />

FIGURA<br />

prevenção de traumas, os esforços devem<br />

2-7 0 modelo<br />

se con¬<br />

do queijo suíço.<br />

centrar em saber se ela funcionará. Embora não seja necessário<br />

tor em lugar de "acidentes de veículo automotor". Entretanto, a "reinventar a roda", os prestadores de cuidados de saúde talvez<br />

percepção pública mudou muito mais lentamente. Os repórteres tenham que modificar a estratégia de prevenção para melhorar<br />

de noticiários ainda falam de pessoas feridas em "acidentes de suas chances de sucesso. Os métodos para isso são examinados<br />

automóvel" ou "disparos acidentais". O termo acidente sugere na seção seguinte.<br />

que uma pessoa foi ferida como resultado do destino, da inter¬<br />

venção divina ou de má sorte. Isso implica que a lesão foi alea¬<br />

tória e, portanto, inevitável. Enquanto essa concepção errónea<br />

persistir, a implementação de medidas corretivas será difícil.<br />

Conceitos de Prevenção ao<br />

Trauma<br />

Prevenção como Solução<br />

Objetivo<br />

Prevenir um trauma é mais importante até do que tratar um O objetivo dos programas de prevenção aos traumas é propiciar<br />

trauma. Quando o trauma é evitado, o paciente e sua família uma transformação no conhecimento, na atitude e no compor¬<br />

são poupados de sofrimento e apuros económicos. O National tamento por parte de um segmento da sociedade previamente<br />

Center for Injury Prevention and Control (NCIPC) dos Centers identificado. Simplesmente fornecer informação a vítimas<br />

for Disease Control and Prevention (CDC) estima que:<br />

em potencial não é suficiente para prevenir traumas. Deve-se<br />

implementar um programa de modo a influenciar a atitude da<br />

ÿ<br />

USS 1empregado em detector de fumaça economiza<br />

sociedade e, mais importante, a mudar o compprtamento.<br />

USS<br />

Qual¬<br />

69.<br />

quer mudança de comportamento será em longo prazo. Essa é<br />

ÿ<br />

USS 1empregado em capacetes para ciclistas econo¬<br />

uma tarefa monumental, mas não inalcançável.<br />

miza USS 29.<br />

ÿ<br />

USS 1empregado em assentos de segurança para<br />

crianças economiza USS 32.<br />

Oportunidades de Intervenção<br />

ÿ<br />

USS 1empregado em faixas sinalizadoras no centro e<br />

na lateral das estradas economiza<br />

As<br />

USS 3 somente em<br />

estratégias de prevenção podem ser organizadas de acordo<br />

custos médicos.<br />

com o seu efeito no evento do trauma. Elas coincidem com<br />

ÿ<br />

USS 1empregado em<br />

as<br />

aconselhamento por pediatras<br />

fases temporais da matriz de Haddon. As intervenções no<br />

para prevenir traumas economiza USS 10.<br />

pré-evento, conhecidas como intervenções primárias, buscam<br />

ÿ<br />

evitar<br />

USS 1empregado em serviços de centros de controle que o trauma aconteça. Ações com o objetivo de man¬<br />

de envenenamento economiza USS 7<br />

ter<br />

em<br />

motoristas<br />

despesas<br />

embriagados fora da estrada, manter limites de<br />

médicas.'1<br />

velocidade mais baixos e instalar semáforos são tomadas para<br />

prevenir a ocorrência de colisões. As intervenções na fase do<br />

Além disso:<br />

evento têm a finalidade de reduzir a gravidade do trauma e<br />

aliviar o impacto das lesões que ocorrem. O uso de cintos de<br />

ÿ<br />

Um estudo de avaliação<br />

segurança, a instalação<br />

patrocinado pelos Centers<br />

de painéis acolchoados e air bags nos<br />

veículos e o cumprimento de leis<br />

for Disease Control and<br />

que tratam de assentos de<br />

Prevention de um sistema<br />

segurança para crianças têm o objetivo de reduzir a gravidade<br />

regional de tratamento de trauma em Portland,<br />

das colisões. As intervenções do pós-evento propiciam um<br />

Oregon, observou uma diminuição de 35% do risco meio de aumentar a probabilidade de sobrevivência daqueles<br />

de morte nos indivíduos feridos gravemente que que estão traumatizados. Incentivar a boa forma física, desen¬<br />

foram tratados pelo sistema.15<br />

volver sistemas de combustível para veículos que não explodam<br />

com o impacto e implementar sistemas de SME de alta<br />

ÿ<br />

Um programa de distribuição de detectores de<br />

fumaça em Oklahoma reduziu o trauma relacionado a qualidade têm o propósito de reduzir o tempo de recuperação<br />

queimaduras em 83%. 17 das pessoas que foram feridas.


24 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

i<br />

FIGURA 2-8<br />

Estratégias<br />

Evitar a criação inicial de<br />

riscos<br />

Reduzir a quantidade de<br />

energia contida no risco<br />

Evitar a liberação de um<br />

risco já existente<br />

Modificar a taxa ou<br />

distribuição espacial<br />

do risco<br />

Estratégias Básicas para Contramedidas aos Traumas*<br />

Contramedidas possíveis<br />

Não produzir fogos de artifício, veículos de três rodas para todos os tipos de terreno ou vários venenos<br />

Eliminar colisões intencionais no futebol do colégio<br />

Limitar a potência dos motores dos veículos<br />

Embalar fármacos tóxicos em quantidades menores, mais seguras<br />

Obedecer ou reduzir os limites de velocidade<br />

Obrigar melhorias no transporte público para reduzir o número de veículos nas estradas<br />

Reduzir a temperatura dos aquecedores de água domésticos<br />

Limitar a velocidade de saída dos projéteis do cano das armas<br />

Limitar a quantidade de pólvora nos fogos de artifício<br />

Guardar armas de fogo em recipientes trancados ou usar travas<br />

Fechar piscinas e praias quando não houver salva-vidas no local<br />

Usar superfícies antiderrapantes em banheiras e boxes de chuveiro<br />

Recipientes "à prova de crianças" para todos os fármacos e substâncias químicas perigosas que se guardam<br />

em casa<br />

Restringir o uso de telefone celular em veículos ou utilizar modelos com viva-voz<br />

Exigir escudos de proteção no maquinário agrícola giratório<br />

Aperfeiçoar a dirigibilidade do veículo<br />

Usar cinto de segurança e cadeirinhas infantis adequadas<br />

Fornecer um sistema antibloqueio das rodas<br />

Usar travas curtas em chuteiras de futebol, de modo que os pés possam rodar em vez de transmitir uma força<br />

súbita para os joelhos<br />

Exigir air bags para os veículos<br />

Fornecer para-choques hidráulicos para os veículos<br />

Fornecer redes de segurança para proteger os trabalhadores de quedas<br />

Usar uniforme antichamas<br />

Separar no tempo ou no Instalar passarelas sobre cruzamentos de grande movimento<br />

espaço o fator de risco Manter as margens das estradas livres de postes e árvores<br />

daquele que deve ser Não criar áreas de lazer próximas a corpos de água desguarnecidos<br />

protegido Instalar ciclovias „<br />

Aspergir pesticidas quando não houver pessoas por perto<br />

Instalar calçadas<br />

Direcionar caminhões que carregam material de risco para estradas de pouco movimento<br />

Utilizar detectores de fumaça em casa<br />

Separar o fator de risco<br />

daquele que deve ser<br />

protegido por uma<br />

barreira física<br />

Modificar a natureza<br />

básica do risco<br />

Tornar o que precisa<br />

ser protegido mais<br />

resistente ao acaso<br />

Instalar cercas em todos os lados da piscina<br />

Utilizar óculos de proteção contra riscos em atividades esportivas e no trabalho<br />

Construir canteiros centrais nas autoestradas<br />

Construir escudos de proteção em torno de maquinários perigosos<br />

Instalar grades de proteção entre calçadas e estradas<br />

Instalar painéis reforçados nas portas dos veículos<br />

Exigir que as pessoas que trabalham com saúde coloquem agulhas usadas diretamente em recipientes<br />

específicos<br />

Uso de capacetes por motociclistas, ciclistas e indivíduos que realizam atividades esportivas de alto risco<br />

Fornecer air bags em veículos motorizados<br />

Fornecer colunas de direção flexíveis<br />

Fornecer postes de fácil fragmentação<br />

Fazer as fendas da grade lateral dos berços bem estreitas para que não possam estrangular o bebé<br />

Adotar bases de fácil fragmentação no beisebol<br />

Remover tapetes soltos em residências de idosos<br />

Encorajar a ingestão de cálcio para reduzir a osteoporose<br />

Encorajar o condicionamento musculoesquelético em atletas<br />

Proibir a venda e o consumo de álcool próximo a áreas aquáticas de recreação<br />

Tratar condições médicas como a epilepsia para evitar episódios que possam produzir queimaduras,<br />

afogamentos e quedas<br />

Verificar os códigos de construção sobre resistência a terremotos em áreas suscetíveis


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 25<br />

FIGURA 2-8, cont.<br />

Estratégias<br />

Começara contabilizar o<br />

dano já produzido pelo<br />

risco<br />

Estabilizar, reparar e<br />

reabilitar o objeto do<br />

dano<br />

Contramedidas possíveis<br />

Fornecer atendimento médico de emergência<br />

Empregar sistemas para direcionar as pessoas feridas para socorristas pré-hospitalares treinados<br />

adequadamente<br />

Desenvolver protocolos escolares para responder aos ferimentos de urgência<br />

Treinar residentes para procedimentos de primeiros-socorros<br />

Instalar sistemas automáticos de chuveiros de incêndio<br />

Desenvolver planos de reabilitação em um estágio inicial do tratamento dos ferimentos<br />

Utilizar a reabilitação profissional para pacientes paraplégicos<br />

'Os exemplos listados têm propósitos ilustrativos e não necessariamente compõem recomendações oficiais do PHTLS, da National Association of EMTs dos Estados Unidos ou do<br />

American College of Surgeons Committee.<br />

NEGRITO = oportunidades para os profissionais dos SME de educar pacientes e exercer papel de liderança.<br />

Os sistemas pré-hospitalares tradicionalmente limitaram<br />

seu envolvimento à fase pós-evento. Inúmeras vidas foram sal¬<br />

vas como resultado disso. No entanto, por causa das limitações<br />

inerentes ao procedimento de esperar que o trauma ocorra, os,<br />

melhores resultados possíveis não foram alcançados. Os SME<br />

elevem pensar em entrar no ciclo do trauma antes dele. Usando<br />

a matriz de Haddon, os sistemas de SME podem identificar<br />

oportunidades para colaborar com outras organizações de saúde<br />

e de segurança pública a fim de prevenir que traumas ocorram<br />

ou de amenizar o seu impacto.<br />

Estratégias Potenciais<br />

Nenhuma estratégia única propicia a melhor abordagem para<br />

a prevenção de trauma. A opção ou as opções mais eficientes<br />

dependem do tipo de trauma estudado. No entanto, Haddon<br />

desenvolveu uma lista de 10 estratégias genéricas planejadas<br />

com a intenção de quebrar a cadeia de eventos que produzem um<br />

trauma em numerosos pontos (Fig. 2-8). Essas estratégias repre¬<br />

sentam meios que previnem ou pelo menos reduzem a liberação<br />

de energia descontrolada para níveis que o corpo pode tolerar<br />

melhor. A Figura 2-8 apresenta contramedidas que podem ser<br />

tomadas nas fases de pré-evento, evento e pós-evento e são direcionadas<br />

ao hospedeiro, ao agente ou ao ambiente. Essa lista não<br />

deve ser considerada completa, mas pode servir como um ponto<br />

de partida para ajudar a determinar as opções mais eficientes<br />

para um problema particular que está sendo estudado.<br />

A maioria das estratégias para prevenção de traumas é ativa<br />

ou passiva. As estratégias passivas requerem pouca ou nenhuma<br />

ação por parte do indivíduo. Os sistemas de chuveiros automá¬<br />

ticos para combate a incêndio e os air bags são alguns exem¬<br />

plos. As estratégias ativas exigem a cooperação da pessoa que<br />

está sendo protegida; exemplos incluem cintos de segurança<br />

manuais e a escolha de usar um capacete para motocicleta ou<br />

bicicleta. As medidas passivas são, em geral, mais eficientes<br />

porque as pessoas não têm que fazer algo conscientemente para<br />

tirar proveito da proteção. Mesmo assim, elas são mais difíceis<br />

de serem implementadas, pois podem ser caras ou exigir ações<br />

legislativas ou reguladoras. As vezes, uma combinação de estra¬<br />

tégias passivas e ativas é a melhor opção.<br />

Implementação das Estratégias<br />

As três abordagens comuns para implementar estratégias de<br />

prevenção a traumas são conhecidas como os "Três 'Es' da Pre¬<br />

venção de Trauma" - Educação, Execução e Engenharia.<br />

Educação<br />

As estratégias de educação têm a intenção de informar. Para ser<br />

eficiente, o público-alvo deve acolher o novo conhecimento com<br />

entusiasmo suficiente para alterar o comportamento da maneira<br />

designada pelo programa. ]á que o público é solicitado a fazer<br />

algo, a educação é uma contramedida ativa. O público-alvo pode<br />

se constituir de indivíduos que se envolvam com alividades de<br />

alto risco, criadores de políticas que tenham a autoridade de<br />

mais tarde instituir legislação ou regulamentação adicionais de<br />

prevenção ou, ainda, socorristas que estejanv aprendendo a se<br />

tornar participantes ativos na prevenção de traumas. O relatório<br />

do NAS/NRC é um exemplo de iniciativa educacional.<br />

A educação já foi o principal meio de implementação de<br />

programas de prevenção, porque a sociedade acreditava que a<br />

maioria dos traumas era resultado de erro humano. Mesmo que<br />

isso seja verdade até certo ponto, as pessoas não conseguiam per¬<br />

ceber o papel que a energia e o ambiente desempenham na ocor¬<br />

rência da lesão. Ainda assim, a educação é comumente usada e<br />

é talvez, das três, a estratégia mais fácil de implementar.<br />

As estratégias de educação não têm conseguido grande<br />

sucesso por várias razões. O público-alvo pode nunca ouvir<br />

a mensagem. Se a mensagem for ouvida, alguns podem rejei¬<br />

tá-la por inteiro ou não acolhê-la e mudar seu comportamento.<br />

Aqueles que a acolhem podem fazê-lo esporadicamente ou com<br />

entusiasmo cada vez menor à medida que o tempo passa.10 No<br />

entanto, a educação ainda pode ser útil na redução de lesões em<br />

quatro áreas:<br />

1. Ensinar a crianças comportamento e habilidades bási¬<br />

cas de segurança que permanecerão com elas em suas<br />

vidas. Exemplos podem incluir o que fazer quando um<br />

detector de fumaça dispara um alarme, como ligar para<br />

193 solicitando ajuda em uma emergência ou como<br />

usar cintos de segurança.


26 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

2. Ensinar sobre determinados tipos e causas de trauma<br />

para grupos etários específicos. A educação pode ser a<br />

única estratégia disponível para esses grupos.<br />

3. Alterar a percepção pública do risco, bem como<br />

do risco tolerável para mudar normas e atitudes<br />

sociais. Isso já foi leito em relação a beber e dirigir<br />

e, atualmente, trata do uso de capacetes ao andar de<br />

bicicleta, motocicleta, skates ou patins.<br />

4. Promover mudança de políticas e educar consumidores<br />

para exigir produtos mais seguros.7<br />

Como abordagem única para prevenir traumas, os progra¬<br />

mas educacionais têm lido resultados decepcionantes. Assim<br />

como muitos medicamentos, a educação deve ser novamente<br />

"dosada" após um certo período de tempo, para continuar a ter<br />

efeito. No entanto, quando combinada com outras formas de<br />

implementação de estratégias, a educação pode ser uma ferra¬<br />

menta valiosa. Ela frequentemente serve de ponto de partida<br />

para facilitar as estratégias de execução e engenharia.<br />

Execução<br />

A execução procura canalizar o poder persuasivo da lei para<br />

garantir a adesão a estratégias de prevenção simples, mas efica¬<br />

zes. Certas instituições governamentais têm o poder de aprovar<br />

estatutos, regulamentos e leis no esforço de promover a saúde<br />

pública, a segurança e o bem-estar geral, mesmo quando essas<br />

ações restringem a autonomia individual até certo ponto. Em<br />

geral, os tribunais tendem a manter leis de prevenção de trau¬<br />

mas que impõem uma carga mínima a indivíduos, desde que<br />

elas sejam executadas de forma justa e que o benefício à saúde<br />

pública seja significativo.<br />

Dispositivos estatutários podem tanto exigir como proibir<br />

e podem ser direcionados ao comportamento individual (pes¬<br />

soas), a produtos (coisas) ou a condições ambientais (lugares):<br />

B3 São exigências legais que se aplicam a pessoas o uso<br />

obrigatório de cinto de segurança, de proteção (assen¬<br />

tos) para crianças e as leis de uso de capacetes.<br />

® São proibições que se aplicam a pessoas as leis sobre o<br />

consumo de álcool e direção, sobre limites de veloci¬<br />

dade e as leis que criminalizam as agressões.<br />

e São exigências legais que se aplicam a coisas os<br />

padrões de desenho e realização, bem como o código<br />

de Normas Federais para a Segurança dos Veículos<br />

Automotores.<br />

a São proibições que se aplicam a coisas as restrições a<br />

animais perigosos e a tecidos inflamáveis.<br />

a São exigências legais que se aplicam a lugares a insta¬<br />

lação de postes de sinalização de fácil fragmentação ao<br />

longo das rodovias e de cercas ao redor de piscinas.<br />

o São proibições que se aplicam a lugares tornar ilegal<br />

o uso de estruturas rígidas ao longo das rodovias e o<br />

porte de armas de fogo em aeroportos.<br />

s São regulamentações que se aplicam a grupos-alvo e<br />

locais específicos as leis federais que determinam que<br />

os profissionais responsáveis pela saúde' pública e<br />

pelos atendimentos de emergência utilizem roupas de<br />

alta visibilidade em locais de acidentes com trânsito<br />

intenso.1'<br />

A execução também é uma contramedida aliva, porque ;<br />

pessoas têm que obedecer à lei para se beneficiarem dela.<br />

legislação tem ampla aplicação, já que as leis se aplicam a lodi<br />

os membros da sociedade dentro de uma determinada juriscl<br />

ção. A eficiência das iniciativas de execução depende da b<<br />

vontade da sociedade em obedecer e da viabilidade e visibil<br />

dade de seu cumprimento. O público-alvo pode ficar mais rei<br />

tante cm obedecer se achar que o código restringe a liberda<<br />

pessoal, se houver pouca chance de ser flagrado ou se não sofr<br />

consequências ao violar a lei.<br />

Já que a sociedade como um todo tende a obedecer às le<br />

ou pelo menos a agir próximo dos seus limites, a execução sei<br />

pre é mais eficiente do que a educação. A execução coadjuvai<br />

com a educação parece produzir resultados melhores do que<br />

realização separada de cada uma.<br />

As leis que obrigam o uso de capacetes por motociclist<br />

representam um estudo de caso interessante acerca do pap<br />

de sanções legais na prevenção de lesões. Nos estados nort<br />

americanos em que as leis de obrigatoriedade do uso do cap<br />

ceie foram repelidas pelos motociclistas, a taxa de ocorrênciai<br />

lesões graves e mortes aumentou. lu,19,2l)<br />

Engenharia<br />

Em geral, os meios de prevenção de traumas mais eficientes si<br />

aqueles nos quais a liberação de energia destrutiva é perm<br />

nentemente separada do hospedeiro. Contramedidas passiv<br />

alcançam esse objetivo com pouco ou nenhum esforço por par<br />

do indivíduo. Estratégias de engenharia procuram inserir a pr<br />

venção de traumas em produtos ou ambientes de forma que<br />

hospedeiro não tenha que agir diretamente para ser protegid<br />

As estratégias de engenharia ajudam as pessoas que de fa<br />

precisam delas e assim o fazem sempre que necessário. Met<br />

das como sistemas automáticos de chuveiros contra incêndi<br />

cascos flutuantes em barcos e sistemas de SME provaram qi<br />

podem salvar vidas com pouco ou nenhum esforço por par<br />

do hospedeiro.<br />

A engenharia parece ser a resposta perfeita para a prevençi<br />

de traumas. Ela é passiva, eficiente e, em geral, a menos probl<br />

mática dos três "Es". Infelizmente, ela é com frequência a ma<br />

cara de ser implementada. Inserir segurança em um produto<br />

torna mais caro e pode demandar a criação de normas ou reg<br />

lamentações. O preço pode ser maior do que o produtor quei<br />

investir ou do que o cliente esteja disposto a pagar. A sociedai<br />

dita quanta segurança quer em um produto e quanto está di<br />

posta a pagar.<br />

Iniciativas educacionais devem preceder estratégias de ex<br />

cução e engenharia. Finalmente, as contramedidas mais eficie<br />

tes podem ser aquelas que incorporam todas as três estratégi<br />

de implementação.<br />

Abordagem da Saúde Pública<br />

Muito já se aprendeu sobre trauma e prevenção de traumas. Inl<br />

lizmente, existe uma grande discrepância entre o que se sa<br />

sobre traumas e o que está sendo feito em relação a isso." (<br />

sistemas de SME são fundamentais para preencher essa lacur<br />

O trauma é um problema complexo em todas as sociedades i<br />

mundo. Uma única pessoa ou instituição não pode preveni-]<br />

Uma abordagem pela saúde pública tem alcançado sucesso e<br />

lidar com outras doenças e também obtém progresso com a pi


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 27<br />

venção de traumas. Os órgãos de SME que uniram forças com<br />

outras organizações públicas e privadas foram capazes de obter<br />

resultados superiores aos que conseguiriam isoladamente. Par¬<br />

cerias reúnem toda a capacidade da comunidade para cuidar de<br />

um assunto complexo e intrincado.<br />

Uma abordagem conduzida pela saúde pública cria uma<br />

coalizão de base comunitária para combater uma doença de<br />

base comunitária, por meio de um processo de quatro etapas:<br />

1. Vigilância<br />

2. Identificação do fator de risco<br />

3. Avaliação da intervenção<br />

4. Implementação<br />

A coalizão consiste em especialistas de diversas áreas, tais<br />

como epidemiologia, comunidade médica, escolas e institui¬<br />

ções de saúde pública, programas de apoio a comunidades, eco¬<br />

nomia, sociologia o justiça criminal comunitária. Os sistemas<br />

de SME têm um papel importante dentro de uma ação da saúde<br />

pública para a prevenção de traumas. Participar de um esforço<br />

conjunto para melhorar a segurança no pátio de recreação pode<br />

não ter o efeito imediato de prover assistência no local de uma<br />

terrível colisão de veículo, mas os resultados podem ser bem<br />

mais abrangentes.<br />

Vigilância<br />

A vigilância é o processo de colelar dados. A colela de dados da<br />

população da comunidade em questão ajuda a descobrir a ver¬<br />

dadeira magnitude e o efeito do trauma na comunidade. Comu¬<br />

nidade pode ser um bairro, uma cidade, um município, um<br />

estado ou até mesmo o serviço de ambulâncias. Apoio ao pro¬<br />

grama, alocução adequada de recursos e inclusive saber quem<br />

incluir na equipe multidisciplinar dependem da compreensão<br />

do alcance do problema.<br />

A seguir, há várias fontes de informações disponíveis para<br />

uma comunidade:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Dados de mortalidade<br />

Estatísticas de admissões e altas hospitalares<br />

Relatórios médicos<br />

Registros de traumas<br />

Ocorrências policiais<br />

Prontuários de SME<br />

Relatórios de seguros<br />

Dados de vigilância exclusivamente coletados para o<br />

estudo em questão<br />

Identificação do Fator de Risco<br />

Depois que um problema é identificado e pesquisado, é neces¬<br />

sário saber quem corre riscos para direcionar uma estratégia de<br />

prevenção para a população correia. Abordagens mullidirecionadas<br />

de prevenção de traumas têm menos sucesso do que as<br />

mais direcionadas. A identificação das causas e dos fatores de<br />

risco determina quem está traumatizado, que tipos de traumas<br />

são sofridos e onde, quando e por que esses traumas ocorrem.22<br />

Às vezes, o fator de risco é óbvio, como a presença de álcool<br />

em colisões fatais de veículos. Outras vezes, é necessária uma<br />

pesquisa para descobrir os verdadeiros fatores de risco envolvi¬<br />

dos em eventos de trauma. Os sistemas de SME podem servir<br />

como olhos e ouvidos da saúde pública no local da ocorrência<br />

dos traumas para identificar os fatores de risco que ninguém<br />

mais pode descobrir. Fatores de riscos podem ser enquadra¬<br />

dos na matriz de Haddon à medida que são adequadamente<br />

identificados.<br />

Avaliação da Intervenção<br />

À medida que os fatores de risco se tornam claros, as estratégias<br />

de intervenção começam a emergir. A lista de Haddon das 10<br />

estratégias de prevenção de traumas serve como um ponto de<br />

partida (Fig. 2-8). Apesar de as comunidades terem caracterís¬<br />

ticas diferentes, com algumas modificações, uma iniciativa de<br />

prevenção de trauma de uma comunidade pode funcionar em<br />

outra. Após a escolha de uma intervenção potencial, um programa-pilolo<br />

que utiliza um ou mais dos três "Es" pode apontar<br />

para o sucesso da implementação completa.<br />

Implementação<br />

O passo final na abordagem pela saúde pública é a implementa¬<br />

ção e a avaliação da intervenção. Os procedimentos detalhados<br />

da implementação são preparados de forma que outros interes¬<br />

sados na implementação de programas similares tenham um<br />

guia para seguir. A colela de dados da avaliação mede a eficiên¬<br />

cia de um programa. Três questões podem ajudar a determinar o<br />

sucesso de um programa:<br />

1. As atitudes, as habilidades e a percepção mudaram?<br />

2. O comportamento mudou?<br />

3. A mudança comportamental leva a um resultado<br />

favorável?1 1<br />

A abordagem pela saúde pública propicia um meio vali¬<br />

dado para combater um processo de doença. TJm esforço multi¬<br />

disciplinar baseado na comunidade pode identificai- "quem, o<br />

que, onde, quando e por que" ocorre um problema de trauma e<br />

desenvolver um plano de ação. Os sistemas de SME precisam<br />

desempenhar um papel mais substancial em ajudar a preencher<br />

a lacuna entre o que se sabe sobre traumas e o que se faz a res¬<br />

peito. Essa abordagem pode ser considerada uma alça contínua.<br />

A vigilância contínua ocorre após a implementação de uma<br />

estratégia de controle de lesões. Estes dados são, então, usados<br />

na modificação ou na alteração da estratégia. Os sucessos na<br />

prevenção de lesões podem ser expandidos a popidações maio¬<br />

res e suscetíveis.<br />

Evolução do Papel dos<br />

SME na Prevenção de<br />

Traumas<br />

Tradicionalmente, o papel dos socorristas nos cuidados de<br />

saúde concenlra-se, quase de maneira exclusiva, no tratamento<br />

pós-evento e personalizado do indivíduo. Pouca ênfase é colo¬<br />

cada na compreensão das causas dos traumas ou no que um<br />

socorrista poderia ter feito para preveni-los. Como resultado,


28 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

os pacientes podem retornar ao mesmo ambiente e sofrer trau¬<br />

mas outra vez. Além disso, informações que poderiam ajudar<br />

no desenvolvimento de um programa de prevenção para toda a<br />

comunidade, a fim de evitar que outros sofram traumas, podem<br />

não ser documentadas, por isso não estão disponíveis a outros<br />

selores da saúde pública.<br />

A saúde pública aborda os cuidados de saúde de uma pers¬<br />

pectiva mais proativa. Ela procura determinar como alterar o<br />

hospedeiro, o agente e o ambiente com o intuito de prevenir<br />

traumas. Por meio de coalizões que conduzem investigações<br />

e implementam intervenções, a saúde pública trabalha para<br />

desenvolver programas de prevenção para toda a comunidade.<br />

A EMS Agenda for the Future visualiza laços mais fortes entre<br />

os sistemas de SME e a saúde pública que tornariam mais efi¬<br />

cientes esses dois setores de cuidados de saúde.5<br />

Os socorristas podem desempenhar um papel mais ativo no<br />

desenvolvimento de programas de prevenção de traumas para<br />

toda a comunidade. Os sistemas de SME gozam de uma posição<br />

singular na comunidade. Com mais de 600 mil agentes só nos<br />

Estados Unidos, os socorristas básicos e avançados estão distri¬<br />

buídos por toda a comunidade. Eles gozam de boa reputação na<br />

comunidade, tornando-se modelos destacados. Além disso, são<br />

prontamente recebidos nos lares e nas empresas. Todas as fases<br />

da abordagem da saúde pública para a prevenção de traumas<br />

se beneficiarão da presença de um socorrista de atendimento<br />

pré-hospitalar.<br />

Intervenções Personalizadas<br />

Os sistemas de SME não devem abandonar sua abordagem per¬<br />

sonalizada de cuidados ao paciente para conduzir intervenções<br />

valiosas para a prevenção de trauma. A abordagem personali¬<br />

zada torna os sistemas de SME capazes de conduzir iniciativas<br />

de prevenção de traumas de forma única. Os socorristas podem<br />

trazer mensagens de prevenção de trauma diretamente a indi¬<br />

víduos de alto risco. Um dos indicadores de um programa edu¬<br />

cacional bem-sucedido é quando a informação é recebida com<br />

entusiasmo suficiente para alterar comportamentos. Os socor¬<br />

ristas podem usar seu status de modelo de conduta para passar<br />

importantes mensagens de prevenção. Sem dúvida, as pessoas<br />

buscam modelos de conduta, escutam o que têm para dizer e<br />

imitam o que fazem.<br />

Aconselhamento sobre prevenção fornecido no local tira<br />

proveito de um "momento instrutivo". Um momento instrutivo<br />

é quando o paciente que não necessita de intervenção médica<br />

crítica ou os membros da família podem estar em um estado que<br />

os deixa mais suscetíveis ao que um modelo de conduta propõe.<br />

O socorrista pode considerar o tempo passado no local como<br />

desperdiçado quando fica aparente que pouca ou nenhuma<br />

intervenção médica será necessária. No entanto, esse pode ser o<br />

melhor momento para ensinar prevenção básica.23<br />

Nem toda chamada permite aconselhamento de prevenção<br />

de traumas. Chamadas sérias e com riscos de vida exigem con¬<br />

centração em cuidados imediatos. No entanto, o número de cha¬<br />

madas sem risco de vida chega a 95% dos casos. Uma proporção<br />

significativa de chamadas de SME exige mínimo ou nenhum<br />

tratamento. O aconselhamento personalizado de prevenção<br />

pode ser apropriado durante essas chamadas não críticas.<br />

As interações com o paciente, em geral, consistem em<br />

encontros curtos, especialmente aqueles que exigem pouco ou<br />

nenhum tratamento. No entanto, propiciam tempo suficiente<br />

para discutir e/ou demonstrar ao paciente e aos membros c<br />

família as práticas que podem prevenir traumas no futuro. C<br />

socorristas responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar estã<br />

em uma posição única, já que são os únicos profissionais da áre<br />

médica que adentram o ambiente do paciente, visualizandi<br />

assim, situações que podem predispor a ocorrência de lesõe<br />

Um modelo de conduta que discute a importância de substitu<br />

uma lâmpada queimada e de remover um tapete escorregadi<br />

em um corredor mal iluminado pode prevenir a queda de ui<br />

morador idoso. Os socorristas têm um público alento durante<br />

percurso até o hospital. A prevenção é um tópico mais valioí<br />

para discutir do que o tempo ou o time local de futebol. Mornei<br />

tos instrutivos levam de um a dois minutos e não interferem n<br />

tratamento ou no transporte.<br />

Programas educacionais foram desenvolvidos para ensin;<br />

socorristas a aconselhar sobre prevenção de lesões no local c<br />

ocorrência.24 Esses tipos de programas têm de ser desenvolv<br />

dos e avaliados mais profundamente, para descobrir quais sã<br />

os mais valiosos e, portanto, apropriados para serem incluídc<br />

na educação básica de um socorrista de atendimentos pn<br />

hospitalares.<br />

Intervenções que Abrangem Toda a<br />

Comunidade<br />

A abordagem pela saúde pública da prevenção de traumas<br />

baseada na comunidade e envolve uma equipe multidisciplina<br />

O pessoal de SME tem conhecimento necessário para se torn.<br />

um valioso membro dessa equipe. Estratégias de prevenção pai<br />

toda a comunidade dependem de dados que permitam abord;<br />

de forma adequada o "quem, o que, quando, onde e por que" c<br />

um problema de trauma. Como foi descrito antes, diversas foi<br />

tes de informação fornecem os dados necessários. Os socorri<br />

tas, talvez mais do que qualquer o,piro membro da equipe, têm<br />

oportunidade de ver um paciente,interagir com o seu ambien<br />

no momento do trauma. Isso pode permitir a identificação c<br />

um indivíduo de alto risco, de uma atitude ou de um compo<br />

lamento de alto risco que não estão presentes no momento ei<br />

que o paciente chega ao pronto-socorro.<br />

O socorrista pode usar a documentação com informaçí<br />

adquirida a caminho de um hospital ou clínica médica de dui<br />

maneiras:<br />

'1. Ela pode ser imediatamente usada pelos emergencistas<br />

que recebem o paciente. Médicos e enfermeiros<br />

da emergência também são solicitados a melhorar e a<br />

aumentar o seu papel na prevenção de traumas. Seu<br />

"momento instrutivo" pode reforçar e suplementar o<br />

conselho dado pelo socorrista no local da ocorrência,<br />

caso já saibam o que foi discutido ou demonstrado.<br />

2. Outros agentes da saúde pública podem usar dados<br />

sobre traumas fornecidos pelos socorristas de forma<br />

retrospectiva para ajudar a desenvolver um programa<br />

de prevenção de traumas completo que abranja toda a<br />

comunidade.<br />

Os socorristas geralmente não criam documentação pa<br />

ajudar a construir um programa de prevenção para toda a com'<br />

nidade. Saber o que incluir e quando documentar informaçõi


CAPÍTULO 2 Prevenção de Trauma 29<br />

úteis ao desenvolvimento de"programas de prevenção para toda<br />

a comunidade exige um diálogo com outros membros da equipe<br />

de saúde pública. Líderes do sistema de SME precisam criar<br />

uma aliança com a saúde pública para desenvolver políticas<br />

que promovam a completa documentação de traumas.<br />

Os SME podem ser a ponta-de-lança para programas efica¬<br />

zes e viáveis de prevenção de lesões que tenham um impacto<br />

profundo na comunidade. Os programas foram criados a partir<br />

do desejo de um pequeno grupo de profissionais dos SME para<br />

evitar mortes na infância.25,20 Os serviços em Louisiana, Fló¬<br />

rida, no estado de Washington, em Oregon e no' Havaí foram<br />

reconhecidos por seus esforços no projeto, na coordenação e<br />

na execução de programas de prevenção de lesões através do<br />

Prémio Nicholas Rosecrans para as melhores práticas em pre¬<br />

venção de lesões em SME.27,28<br />

Embora haja momentos em que os profissionais responsá¬<br />

veis pelo atendimento pré-hospitalar podem educar os pacien¬<br />

tes, um estudo de DavidJaslow e colaboradores sugere que pou¬<br />

cos aproveitam os momentos instrutivos. Esses pesquisadores<br />

descobriram que apenas 33% dos socorristas educam, de forma<br />

rotineira, seus pacientes sobre como modificar comportamentos<br />

de risco para a ocorrência de lesões, e somente '19% dão infor¬<br />

mações rotineiramente sobre o uso adequado de equipamentos<br />

de proteção.211<br />

Prevenção de Traumas para os Socorristas<br />

de SME<br />

"Quem é a pessoa mais importante no local de um incidente?"<br />

Essa pergunta sempre é feita aos alunos socorristas no início<br />

.do treinamento, para fazê-los pensar sobre a própria segurança.<br />

Invariavelmente um ou dois alunos dirão "o paciente", que é<br />

exatamente o que o instrutor queria ouvir. Este é um momento<br />

propício para que o instrutor comece a reforçai* a diretriz princi¬<br />

pal do curso de que a prevenção das lesões dos próprios socor¬<br />

ristas é o serviço mais valioso que um socorrista pode prestar.<br />

Ambientes hostis produzidos por atividades terroristas ou<br />

por derramamento de materiais perigosos infelizmente são notí¬<br />

cias frequentes. No entanto, as atividades do dia a dia dos socor¬<br />

ristas pré-hospitalares geram oportunidades suficientes para o<br />

fim da carreira ou da vida do socorrista em função de lesões. O<br />

Bureau of Labor Statistics traça um quadro preciso dos perigos<br />

"normais" em SME:<br />

Socorristas e paramédicos trabalham em ambientes fechados e abertos, em<br />

todos os tipos de condições climáticas. Eles precisam ajoelhar-se, incli¬<br />

nasse e carregar grandes pesos com frequência. Esses trabalhadores apre¬<br />

sentam risco de desenvolver perda auditiva induzida por ruído de sirenes e<br />

lesões nas costas por carregarem pacientes. Além disso, socorristas e para¬<br />

médicos podem ser expostos a doenças como a hepatite 13 e AIDS, além<br />

da violência por vítimas de overdose de drogas ou pacientes mentalmente<br />

instáveis. O trabalho não somente é extenuante, mas também estressante, e<br />

envolve situações de vida ou morte e pacientes em sofrimento.""<br />

Os socorristas podem se tornar complacentes com os perigos<br />

diários do trabalho. Complacência é uma sensação de confiança<br />

ou segurança diante de um perigo potencial desconhecido. Os<br />

componentes da situação são o idealismo e a invencibilidade<br />

da juventude típicos cle alguns socorristas.30 E necessário um<br />

gerenciamento para criar uma cultura de prevenção de lesões<br />

ao instituir uma política de prevenção, ao observar os proce¬<br />

dimentos e ao premiar o desempenho positivo. E preciso que<br />

os próprios socorristas estejam igualmente comprometidos com<br />

os princípios da prevenção de lesões. O insucesso do gerencia¬<br />

mento ou dos socorristas pode ter efeitos devastadores.<br />

Outros fatores a serem considerados são a experiência e a<br />

fadiga dos profissionais. É importante assegurar que os moto¬<br />

ristas sejam adequadamente preparados e treinados para dirigir<br />

veículos de forma segura, e que os profissionais sejam monito¬<br />

rados, certificando-se de que dormem o suficiente para garantir<br />

a segurança das operações. Emum estudo focado nos fatores em<br />

comum apresentados por profissionais dos SME envolvidos em<br />

colisões de ambulâncias, foi observada a maior probabilidade<br />

de que os motoristas envolvidos nesses acidentes fossem jovens<br />

ou relatassem problemas de sono.<br />

"<br />

Em serviços pré-hospitalares, os empregados não são apenas<br />

o patrimônio mais valioso, mas também o mais dispendioso. O<br />

serviço, a comunidade e, mais importante, o empregado (TME)<br />

se beneficiam quando este permanece livre de traumas. Um<br />

esforço dentro da própria instituição pode ser uma excelente<br />

decisão para conduzir um programa de prevenção de traumas<br />

através de uma abordagem pela saúde pública. Se a comuni¬<br />

dade (p. ex., o serviço de ambulância) for pequena, há acesso<br />

integral a ela e a investigação é mais fácil, já que o serviço de<br />

ambulância tem acesso a muitas das fontes de dados de que ela<br />

pode precisai*. A identificação dos fatores de risco é simplifi¬<br />

cada, pois o público-alvo são os colegas de trabalho. A obtenção<br />

de informação de análise pode ser quase imediata. A coleta de<br />

dados dos resultados também pode estar ã disposição de forma<br />

imediata.<br />

Kinnane e colaboradores mencionam programas de pre¬<br />

venção internos que utilizam estratégias de implementação de<br />

educação, execução e engenharia.2,1A ampla variedade dos pro¬<br />

gramas demonstra os perigos envolvidos nos sistemas de SME e<br />

a necessidade de iniciativas de prevenção. Demonstra também<br />

a variabilidade entre as comunidades de SME. Apesar de todas<br />

as empresas de SME serem similares, empresas individuais<br />

(comunidades) têm fatores de risco e prioridades de prevenção<br />

diferentes.<br />

Os programas educacionais descritos anteriormente enfa¬<br />

tizam o bem-estar, a prevenção de traumas recorrentes e o<br />

aumento do reconhecimento do potencial em pacientes vio¬<br />

lentos. Programas de execução introduzem programas obriga¬<br />

tórios de boa forma física e a criação de protocolos para lidar<br />

com pacientes violentos. Iniciativas de engenharia lidam com a<br />

intensificação do uso de cinto de segurança no compartimento<br />

do paciente na ambulância após avaliar a posição do equipa¬<br />

mento e a localização do assento, além de lidarem com a redu¬<br />

ção de traumas recorrentes por meio da seleção de triagem e do<br />

fortalecimento físico.<br />

Um programa de prevenção de lesões de pequena escala<br />

dentro da própria instituição pode colher frutos, além dos<br />

resultados óbvios e mais importantes de saúde melhorada dos<br />

empregados. Pequenos sucessos abrem caminho para uma par¬<br />

ticipação em empreendimentos maiores e mais complicados.<br />

Eles propiciam uma ferramenta valiosa de aprendizado no<br />

emprego para a prevenção de traumas em todos os funcionários.<br />

Além disso, programas internos de prevenção propiciam uma<br />

introdução dos SME a outras instituições de Saúde Pública na<br />

comunidade que ajudam na implementação e na avaliação de<br />

programas internos.


30 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

ÿ<br />

'W ' ma<br />

im<br />

José e Gwen perguntaram ao supervisor sobre educar o<br />

público a respeito dos perigos da não utilização do cinto de<br />

segurança e da importância do transporte adequado de bebés<br />

e crianças em veículos. O supervisor contatou o centro local<br />

de traumas e conseguiu sua participação no treinamento da<br />

comunidade e na inspeção de cadeirinhas para transporte de<br />

bebés e criancas. José e Gwen foram ativamente envolvi¬<br />

dos na educação da comunidade e na inspeção de veículos,<br />

garantindo o transporte seguro de bebés e crianças. Após<br />

trabalharem nestes programas durante um ano, observaram<br />

um maior número de motoristas utilizando o cinto de segu¬<br />

rança e de bebés e crianças em cadeirinhas de transporte<br />

adequadas nos acidentes que atenderam.<br />

RESUMO<br />

O trauma é atualmente a epidemia mais negligenciada - o<br />

sistema de saúde não foi capaz de reduzir de maneira signi¬<br />

ficativa a incidência de lesões.<br />

Os socorristas ocupam uma posição única na influência das<br />

taxas de morbidade e mortalidade, através"de esforços pre¬<br />

ventivos. Existem muitas oportunidades para esses profis¬<br />

sionais educarem a população e desempenharem papéis de<br />

liderança.<br />

O avanço dos sistemas de SME na prevenção de lesões<br />

depende da adoção deste novo papel por cada profissional<br />

responsável pelo atendimento pré-hospitalar.<br />

Armado com o comprometimento e o esforço para ter habi¬<br />

lidades e conhecimentos sobre os tipos de lesões, o socor¬<br />

rista poderá ajudar a prevenir mortes e sequelas em suas<br />

comunidades.<br />

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technicians involved in ambulance crashes. Prehosp Disaster Med<br />

23(5):432-437, 2008.javascript:PopUpMenu2_Sel(Menul9189612);<br />

Leitura Sugerida<br />

American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced<br />

Trauma Life Support for Doctors, Student Course Manual, ed 7,<br />

Chicago, 2004, ACS.<br />

5


DIVISÃO DOIS<br />

Avaliação e Tratamento<br />

A Ciência e a Arte dos Cuidados<br />

Pré-hospitalares: Princípios,<br />

Preferências e Pensamento Crítico<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a<br />

/ Descrever a diferença entre princípios e preferências.<br />

/ Discutir como os princípios e as preferências se relacionam com a tomada de<br />

decisões no campo.<br />

/ Em uma cena de trauma, discutir os princípios dos cuidados ao trauma e a escolha<br />

da preferência para a situação específica, considerando as condições, o nível de<br />

conhecimento e capacidade e o equipamento disponível.<br />

/ Em uma cena de trauma, utilizar técnicas de pensamento crítico para determinãr<br />

o método preferido para o cumprimento dos princípios dos cuidados nas<br />

emergências traumáticas.


34 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

Você e seu parceiro chegam ao local em que um único automóvel se chocou contra uma árvore em uma estrada rural<br />

localizada em área florestal. O tempo está limpo e escuro (2h da manhã). O tempo que o transporte terrestre leva até o<br />

centro de emergência traumatológica é de 35 minutos. Um helicóptero pode ser requisitado pelos socorristas com aprovação<br />

do controle médico. O tempo para a partida do motor do helicóptero é de cinco minutos e o tempo de viagem é de 15<br />

minutos; existe um hospital com heliponto, a 15 minutos de distância, que não é um centro de trauma.<br />

O doente respira com dificuldade com uma frequência respiratória de 30 incursões por minuto, sua frequência cardíaca<br />

é de 110, a pressão arterial, de 90 mmHg por palpação e a ECG é 11 (E3V3M5). Ele tem 20 e poucos anos, não estava<br />

usando cinto de segurança e está posicionado contra o painel, afastado do air bag do lado do motorista. Sua perna direita<br />

está deformada no meio da coxa e apresenta uma fratura exposta no tornozelo esquerdo, com hemorragia significativa.<br />

Existe cerca de 1 litro de sangue no assoalho do veículo, próximo ao tornozelo.<br />

Você e seu parceiro trabalham juntos há dois anos. Ambos são certificados pelo NREMT-P (National Registry of Emergency<br />

Medical Technicians - Paramedic). A última atualização de treinamento de uso de equipamento endotraqueal ocorreu há um<br />

ano. A última vez que você utilizou um tubo ET foi há dois meses, e seu parceiro, há um mês. Você não está autorizado a<br />

utilizar drogas paralisantes para a inserção do tubo ET, mas pode lançar mão de sedação, caso necessário. Você acabou de<br />

receber treinamento em controle de hemorragia com o uso de torniquetes e agentes hemostáticos.<br />

Você possui o equipamento completo de técnicas de emergências médicas, checado por você mesmo no início de<br />

seu turno de trabalho. Seu equipamento inclui tubos ET, laringoscópios, torniquetes, outros equipamentos e suprimentos,<br />

como indicado pela lista de equipamentos do ACS/ACEP (American College of Surgeons/American College of Emergency<br />

Physicians). Você tem à disposição todas as- drogas apropriadas, incluindo agentes hemostáticos.<br />

Que decisões de julgamento você tem de tomar, com base na ciência (Princípios), e como você toma essas decisões — a<br />

arte da medicina (Preferências)?<br />

Introdução<br />

Já há muitos anos se entende e aceita que a medicina não é<br />

uma ciência exata e que existe muita arte em sua prática. Isso<br />

inclui todos os aspectos da medicina e todos os profissionais,<br />

desde as equipes aliadas à saúde até os enfermeiros e médicos.<br />

Nas últimas décadas, a tecnologia tem avançado rapidamente<br />

junto com o desenvolvimento da eletrônica, e as pesquisas têm<br />

permitido um melhor entendimento acerca dos cuidados aos<br />

doentes. A prática da medicina tem se tornado cada vez mais<br />

uma ciência e cada vez menos uma arte. No entanto, a arte<br />

permanece, e a medicina ainda está muito distante de ciências<br />

exalas como a matemática ou física.<br />

Na iúndação da Tulane Medical School, em 1834, os alu¬<br />

nos foram matriculados na sua primeira aula da escola de<br />

medicina em janeiro de 1835 e se formaram em junho de 1836.<br />

Não havia muito conhecimento disponível para ser passado, e<br />

esse breve currículo não era incomum para a educação médica<br />

naquele tempo. Muitos estudantes simplesmente se empre¬<br />

gavam como aprendizes de um médico por vários meses ou<br />

alguns anos e depois seguiam a carreira por conta própria.<br />

A medicina tem mudado muito desde a famosa pintura de<br />

1.891, por Sir Luke Fildes, que retratava a preocupação e a frus¬<br />

tração de um médico sentado à beira da cama de uma criança<br />

doente. Naquela época, não havia antibióticos oú um mínimo<br />

conhecimento, não apenas sobre as doenças da infância, mas<br />

sobre todas as doenças e enfermidades. Os procedimentos<br />

cirúrgicos eram rudimentares, e a maioria das medicações<br />

consistia em remédios herbais. Houve uma grande mudança]<br />

em direção ao lado científico da medicina.<br />

Até a década de 1950, não se pensava haver qualquer]<br />

benefício no treinamento daquelessque prestassem socorro ao<br />

doente antes da chegada à sala de emergência, a qual era lite¬<br />

ralmente uma "sala", geralmente situada nos fundos do hos¬<br />

pital, normalmente trancada até que alguém viesse abri-la. A<br />

base de conhecimentos fornecida ao socorrista pré-hospitalar<br />

tem avançado de forma significativa desde então. Junto cora<br />

esse crescimento, vem uma grande responsabilidade para que<br />

cada socorrista pré-hospitalar esteja atualizado com relaçàoj<br />

aos mais recentes conhecimentos e para que suas técnica<br />

estejam bem aprimoradas. O conhecimento é obtido a<br />

de leitura e de aulas de educação médica continuada (EMC).eJ<br />

as técnicas podem ser aperfeiçoadas por meio de experiênciae|<br />

críticas, como as de um cirurgião ou um piloto de avião. Assin<br />

como um piloto não voa sozinho após um único voo, o técnic<br />

em emergência médica (TEM) não amadurece utilizando a I<br />

nica uma vez ou em uma única situação.<br />

A ciência dos cuidados pré-hospitalares e o discernimenj<br />

para a tomada de decisões totalmente correias ao tratar<br />

doente incluem um conhecimento prático de 1) anatomia-]<br />

órgãos, ossos, músculos, artérias, nervos e veias (talvez nen<br />

todos os nomes, mas certamente sua localização no doente];]<br />

2) fisiologia — incluindo como o organismo produz e mantén<br />

calor, a Lei de Starling para o coração (o aumento da pré-carj<br />

aumenta o volume sistólico) e o princípio de Ficke; e 3) farma¬<br />

cologia, as ações fisiológicas produzidas pelas diversas droga<br />

e as interações entre as drogas dentro do corpo.


CAPÍTULO 3 A Ciência e a Arte dos Cuidados Pré-hospitalares: Princípios, Preferências e Pensamento Crítico 35<br />

Um dos principais aperfeiçoamentos na ciência da medi¬<br />

cina tem ocorrido na área de componentes técnicos e no<br />

equipamento diagnóstico disponível. A capacidade de diag¬<br />

nosticar e tratar um doente tem evoluído muito com as técni¬<br />

cas de imagem dos exames de TC, ultrassonografia e RM; com<br />

laboratórios sofisticados que podem medir qualquer elelrólito,<br />

hormônio ou substância metabolicamente produzidas;<br />

com a sofisticação dos medicamentos complexos produzidos<br />

pela indústria farmacêutica; com os avanços técnicos em<br />

cirurgia, medicina e radiologia invasiva; no campo de SME,<br />

com os aperfeiçoamentos nas comunicações e equipamentos<br />

logísticos como o GPS, que melhoram o acesso ao doente; e<br />

com os cuidados avançados que podem ser proporcionados<br />

por médicos e membros de SME trabalhando conjuntamente,<br />

como parte de uma mesma equipe de cuidados médicos. A<br />

ciência da medicina tornou-se muito mais avançada.<br />

Não obstante, com lodos esses avanços, é a arte da medi¬<br />

cina que continua a contar com os provedores de cuidados<br />

médicos, usando seus conhecimentos e técnicas de pensa¬<br />

mento crítico para fazer julgamentos e tomar decisões apro¬<br />

priadas a fim de identificar o equipamento diagnóstico correto,<br />

a medicação adequada ou os procedimentos de SME<br />

mais eficazes para o benefício do doente. Para os profissio¬<br />

nais de cuidados pré-hospitalares, isso consiste em determi¬<br />

nar qual doente apresenta lesão potencialmente grave, qual<br />

necessita de transporte rápido e para qual hospital, quanto<br />

deve ser feito no local do acidente versus o que fazer durante<br />

o transporte, quais técnicas devem ser utilizadas para realizar<br />

as intervenções necessárias e qual é o melhor equipamento<br />

para a situação em particular. Isso tudo é a arte da medicina,<br />

ou a preferência. Que técnica, procedimento ou equipamento<br />

o profissional de SME tem em seu instrumental que, em suas<br />

mãos, se adaptará às necessidades do doente em uma situa¬<br />

ção real, naquele instante? Qual o método preferido?<br />

Princípios e Preferências<br />

A ciência da medicina provê os princípios dos cuidados<br />

médicos. Para simplificar, princípios consistem naquilo que<br />

deve estar presente, que deve ser realizado ou assegurado<br />

pelo profissional de cuidados médicos com a finalidade de<br />

otimizar a sobrevida e o prognóstico do doente. A forma pela<br />

qual esses princípios são implementados por cada profissio¬<br />

nal para proporcionar um tratamento mais eficiente ao doente<br />

durante o atendimento depende das preferências, baseadas<br />

na situação real naquele instante específico, na condição clí¬<br />

nica do doente, no treinamento e nas técnicas individuais,<br />

bem como no equipamento disponível. Essa é a forma pela<br />

qual a Ciência e a Arte da medicina se unem para o bem do<br />

atendimento ao doente.<br />

A importância de e a diferença entre princípio e pre¬<br />

ferência podem ser ilustradas tomando como exemplo o<br />

tratamento da via aérea. O princípio consiste em que o ar,<br />

contendo oxigénio, deve passar através da via aérea para os<br />

pulmões a fim de fornecer oxigenação às células vermelhas<br />

quando elas passam pelos pulmões no caminho para as célu¬<br />

las teciduais. Este princípio é verdadeiro para lodos os doen-<br />

FIGURA 3<br />

Princípios versus Preferências<br />

Princípio — o que é necessário para o paciente melhorar<br />

ou sobreviver<br />

Preferência — como o princípio é atingido no tempo<br />

necessário e pelo socorrista disponível<br />

A preferência utilizada para atingir o princípio depende de<br />

quatro fatores:<br />

a Situação existente<br />

« Condição do paciente<br />

h Base de conhecimento dos socorristas<br />

a Equipamento disponível<br />

tes. A preferência consiste no modo pelo qual o tratamento<br />

das vias aéreas é conduzido em cada doente em particular. Em<br />

alguns casos, os doentes cuidarão disso sozinhos; em outros,<br />

o socorrista lerá de decidir quais dispositivos devem ser uti¬<br />

lizados, se a ventilação assistida é necessária ele. Em outras<br />

palavras, qual a melhor maneira de assegurar que as vias para<br />

a passagen de ar estejam abertas para levar o oxigénio até os<br />

pulmões e, secundariamente, permitir a saída do dióxido de<br />

carbono. A arte consiste no modo pelo qual o socorrista exe¬<br />

cuta e atinge a sua mela respeitando o princípio.<br />

As preferências de como respeitar os princípios dependem<br />

de quatro fatores (Fig. 3-1).<br />

A filosofia do programa PITTLS é que cada situação e cada<br />

doente são diferentes. O PITTLS ensina a importância de dis¬<br />

por de um extenso conhecimento sobre o assunto e sobre as<br />

técnicas disponíveis para realizar as intervenções necessárias.<br />

Os julgamentos e a tomada de decisão no local devem ser indi¬<br />

vidualizados para as necessidades de um doente específico<br />

que está sendo tratado em uma ocasião e uma situação espe¬<br />

cíficas. Protocolos não são a resposta final e são inflexíveis à<br />

variabilidade do evento. O socorrista deve conhecer o local, a<br />

situação, a capacidade da equipe envolvida e o equipamento<br />

disponível. O entendimento do que pode e deve ser realizado<br />

para um doente em particular baseia-se nessas informações.<br />

Compreendendo os princípios envolvidos e utilizando o pen¬<br />

samento crítico, as decisões adequadas poderão ser tomadas.<br />

As preferências são a melhor forma de o socorrista respeitar o<br />

princípio, que não será executado da mesma forma para cada<br />

sitiíação ou para cada condição de cada doente. Nem lodos os<br />

socorristas são capacitados para a prática de todas as técnicas<br />

disponíveis. Os equipamentos para a prática dessas técnicas<br />

não estão necessariamente disponíveis nos locais de todas as<br />

emergências. O fato de um instrutor, palestrante ou diretor<br />

médico preferir uma técnica não significa que ela seja a melhor<br />

para ser posta em prática por cada socorrista em cada situação.<br />

O ponto importante é repeitar o princípio. Como é leito e como<br />

o atendimento é proporcionado ao doente, isso depende dos<br />

quatro fatores relacionados na Figura 3-1 e descritos com mais<br />

detalhes na seção a seguir.


36 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Situação<br />

Em uma cena, a situação envolve todos os fatores que pos¬<br />

sam afetar a escolha do atendimento a ser dado ao doente.<br />

Esses fatores incluem, mas certamente não se limitam a ris¬<br />

cos 110 local, número de doentes envolvidos, localização do<br />

doente, posição do veículo, contaminação ou preocupação<br />

com materiais perigosos, incêndio (ou probabilidade de),<br />

condições climáticas, controle e segurança da cena com a<br />

presença da polícia, tempo/distância aos cuidados médicos<br />

(incluindo as qualificações do hospital mais próximo e do<br />

centro de trauma, caso sejam estabelecimentos distintos),<br />

número de profissionais de SME e outros possíveis ajudan¬<br />

tes no local, curiosos, transporte disponível no local, outros<br />

meios de transporte disponíveis à distância (p. ex., helicóp¬<br />

teros e ambulâncias adicionais) e muitos outros fatores. Para<br />

o socorrista militar, a situação da cena incluirá a presença<br />

ou não de combate em progresso, a localização do inimigo, a<br />

situação do combate e que proteção está disponível para abri¬<br />

gar o ferido. Todas essas condições podem mudar constante¬<br />

mente, tanto no cenário civil como no militar. Esses fatores<br />

e muitos outros irão variar da forma como você, no papel de<br />

socorrista pré-hospilalar, poderá responder às necessidades<br />

do doente.<br />

Na cena de acidente que iniciou este capítulo, a situação<br />

era a seguinte: um automóvel se chocou contra uma árvore em<br />

uma estrada rural localizada em área florestal. O tempo está<br />

limpo e escuro (são 2h da madrugada). O tempo de transporte<br />

terrestre até o centro de trauma é de 35 minutos. Um helicóp¬<br />

tero pode ser requisitado pelos socorristas com aprovação do<br />

controle médico. O tempo para o acionamento do helicóptero<br />

é de cinco minutos e o tempo de viagem, de 15 minutos. Existe<br />

um hospital sem setor de emergência em trauma, com heliponlo,<br />

a 15 minutos do local da ocorrência.<br />

Alguns exemplos de como a situação afeta procedimentos,<br />

tais como imobilização da coluna, incluem:<br />

Situação 1:<br />

h Acidente automobilístico<br />

es Parabrisa estilhaçado em olho-de-boi<br />

Ei Dia quente e ensolarado<br />

si Estrada sem tráfego<br />

Conduta:<br />

Ei Doente é examinado no interior do veículo<br />

® Colar cervical aplicado<br />

H Prender doente à prancha curta<br />

a Girá-lo para prendê-lo à prancha longa<br />

s Doente removido do automóvel<br />

ta Colocado na maca<br />

0 Avaliação física completa<br />

0 Transporte para o hospital<br />

Situação 2:<br />

e Idêntica à acima, mas há vazamento de gasolina do<br />

e<br />

tanque<br />

Preocupação com incêndio<br />

Conduta-.<br />

e Utilizar técnicas de remoção rápida<br />

£3 _ Doente removido para longe do veículo<br />

tf Avaliação física completa<br />

El Transporte para o hospital<br />

Situação 3:<br />

is<br />

Ei<br />

Casa totalmente em chamas<br />

Doente incapaz de se mover<br />

Conduta:<br />

is Não fazer avaliação<br />

is Doente retirado do incêndio<br />

El Doente colocado na prancha longa<br />

Ei Doente levado para longe do incêndio<br />

s Avaliação completa do doente<br />

Ei Doente transportado rapidamente ao hospital,<br />

dependendo de suas condições<br />

Situação 4:<br />

is Situação de combate com criminoso ou inimigo nas<br />

proximidades, atirando ativamente (ação policial ou<br />

militar)<br />

S3 Policial (ou soldado) com ferimento por arma de fogo<br />

no joelho e grande sangramento<br />

Conduta:<br />

S3 Avaliação a distância (binóculo)<br />

S3 Presença de outros ferimentos<br />

S3 Capacidade de ainda disparar sua arma<br />

ia Dizer para ele aplicar um torniquete na coxa<br />

S3 Dizer para ele se colocar em local protegido<br />

s Fazer o resgate quando as condições permitirem<br />

Condição do Doente<br />

*<br />

Este componente do processo de tomada de decisão se rela¬<br />

ciona à condição médica do doente. A principal pergunta que<br />

afetará a tomada de decisão é: "Quão grave é o doente?" Alguns<br />

exemplos de pontos que ajudarão nessa determinação incluem i<br />

a causa da condição médica, a idade do doente, os fatores]<br />

fisiológicos que afetam a produção de energia (pressão arte¬<br />

rial, pulso, frequência respiratória, temperatura da pele etc.), I<br />

a etiologia do trauma, a condição do doente anteriormente ao<br />

evento, a medicação que o doente está utilizando, o uso de]<br />

drogas ilícitas e de álcool, entre muitos outros.<br />

Novamente, na cena inicial, a condição era: o doente res- ]<br />

pira com dificuldade à razão de 30 inspirações por minuto,<br />

com frequência cardíaca de 110 e pressão arterial de 90 mmHg<br />

por palpação e ECG de 11 (E3V3M5). Ele tem 20 e poucos anos<br />

de idade, não estava usando cinto de segurança e está posicio¬<br />

nado contra o painel, longe do air bag do lado do motorista.Aj<br />

perna direita está deformada no meio da coxa e se observa ur<br />

fralura exposta no tornozelo esquerdo, com grande hemorra¬<br />

gia. ITá cerca de 1litro de sangue no assoalho do veículo, pró-]<br />

ximo ao tornozelo.<br />

Base de Conhecimento do Socorrista<br />

A base de conhecimento do socorrista provém de várias fon¬<br />

tes, incluindo treinamento inicial, cursos recentes de EMC,


CAPÍTULO 3 A Ciência e a Arte dos Cuidados Pré-hospitalares: Princípios, Preferências e Pensamento Crítico 37<br />

experiência em campo, experiência em uma condição espe¬<br />

cífica e a capacidade de realizar os procedimentos de que o<br />

doente pode necessitar.<br />

Por exemplo, consideremos o controle da via aérea. O<br />

nível de conhecimento do socorrista tem um impacto signifi¬<br />

cativo sobre a escolha das técnicas disponíveis. As interven¬<br />

ções autorizadas na via aérea dependem do nível de conhe¬<br />

cimento do socorrista no local. Além disso, a habilidade de<br />

realização de uma intervenção específica e o conforto em rea¬<br />

lizá-la dependem bastante da frequência com que ela tem sido<br />

realizada. Na qualidade de socorrista, você pode considerar:<br />

qual foi a última vez em que você teve de ativamente realizar<br />

um procedimento na via aérea? Que equipamento foi usado?<br />

Qual foi a última vez que você realizou, uma enlubação? Até<br />

que ponto você está confortável com o laringoscópio? Quantas<br />

vezes você realizou uma cricotireoidostomia em um doente<br />

vivo ou mesmo em um modelo animal de treinamento? Sem<br />

a capacidade e a experiência apropriada, seria melhor para o<br />

doente (e o socorrista ficaria mais confortável) a escolha do<br />

uso da via oral com máscara e bolsa com reservatório, em vez<br />

de uma intervenção mais avançada, como a enlubação endotraqueal<br />

ou um procedimento cirúrgico, como preferência de<br />

tratamento.<br />

De volta à cena inicial: você e seu parceiro trabalham jun¬<br />

tos há dois anos. Ambos são certificados pelo NRÉMT-P. O<br />

treinamento e a alualização mais recentes sobre o uso de equi¬<br />

pamento endotraqueal foram realizados há um ano. A última<br />

vez que você fez uso de um tubo ET foi há dois meses; 110<br />

caso de seu parceiro, há um mês. Você não está autorizado a<br />

utilizar drogas paraiisanles para a inserção do tubo ET, mas<br />

pode usar sedação, se for necessário. Você acabou de receber<br />

treinamento em controle de hemorragia utilizando torniquetes<br />

e agentes hemostáticos.<br />

Equipamento Disponível<br />

A experiência de qualquer socorrista com o equipamento mais<br />

sofisticado do mundo torna-se inútil se o equipamento não<br />

estiver disponível. O socorrista deve utilizar o equipamento<br />

e os suprimentos que estiverem à mão. Por exemplo, o san¬<br />

gue pode ser o melhor fluido de reanimação para vítimas de<br />

trauma, mas não está disponível na cena; portanto, o fluido<br />

de reanimação disponível (cristalóide) é a melhor escolha,<br />

dependendo da situação. Outra consideração a fazer é se a rea¬<br />

nimação hipotensiva (hipotensão permissiva) seria a melhor<br />

escolha em função da natureza dos ferimentos do doente. Esse<br />

assunto em particular é discutido em maiores detalhes no<br />

capítulo sobre choque.<br />

Por fim, novamente o cenário de abertura: o equipamento<br />

completo de TEM está disponível e foi verificado no início de<br />

seu turno. Ele inclui tubos ET, laringoscópios, torniquetes e<br />

outros equipamentos e suprimentos indicados pela relação de<br />

equipamentos do ACS/ACEP. Você tem à disposição todas as<br />

drogas adequadas, incluindo agentes hemostáticos.<br />

A base do PHTLS é ensinar o socorrista a tomar decisões<br />

apropriadas relativas ao tratamento das vítimas com base em<br />

conhecimento, não em protocolos. A meta dos cuidados ao<br />

doente é alcançar o princípio. Como este é alcançado e a deci¬<br />

são tomada pelo socorrista para tratar o doente baseiam-se pre¬<br />

ferencialmente na situação, na condição do doente, nos conhe¬<br />

cimentos e nas práticas no equipamento disponível na ocasião<br />

— os quatro componentes relacionados anteriormente.<br />

Fazer referência novamente ao exemplo de tratamento de<br />

via aérea e à escolha do equipamento ajudará no entendimento<br />

desses conceitos. Quando se encontra uma vítima sem respirar,<br />

o princípio é desobstruir a via aérea e enviar oxigénio para os<br />

pulmões. A preferência escolhida depende daqueles quatro<br />

fatores descritos anteriormente; alguém na cena do acidente<br />

com treinamento em RCP pode realizar ventilação boca-máscara;<br />

o técnico básico de TEM pode escolher uma cânula orofaríngea<br />

e ventilação com bolsa-máscara; o paramédico de TEM<br />

pode escolher a colocação de um tubo endotraqueal ou decidir<br />

pelo uso da bolsa-máscara com transporte rápido: o militar em<br />

combate pode escolher uma cricotireoidostomia 011 não fazer<br />

nada, se o fogo inimigo for muito intenso; e o médico, no setor<br />

de emergência, pode optar por drogas paralisantes ou pela<br />

colocação de um tubo ET orientado por fibra óptica. Nenhuma<br />

das escolhas é errada em um ponto específico do tempo para<br />

um dado doente (situação, condição do doente, base de conhe¬<br />

cimento, experiência/capacidade, equipamento disponível)<br />

e, da mesma forma, nenhuma delas está sempre correia pelas<br />

mesmas razões.<br />

Esteconceito de princípio e preferência para o atendimento<br />

de um doente de trauma tem sua aplicação mais dramática na<br />

situação de combate, nas forças armadas. Por esse motivo, o<br />

Tactical Combat Casualty Care Committee (TCCC) escreveu<br />

a parte relativa às aplicações militares do programa PHTLS.<br />

Embora essa diferença crítica na situação levando a alterações<br />

da preferência nos cuidados ao doente seja mais aparente nas<br />

forças armadas, existem considerações sifriilares no âmbito<br />

civil para socorristas de situações táticas ê para os profissio¬<br />

nais que trabalham em ambientes de risco, como incêndios.<br />

Por exemplo, no meio de uma casa tomada por um incêndio,<br />

um médico que vai socorrer uma vítima não pode parar para<br />

verificar os princípios básicos de avaliação do doente, como<br />

vias aéreas e débito cardíaco. O primeiro passo é remover a<br />

vítima para longe do perigo imediato do incêndio e só então<br />

verificar a via aérea e o pulso.<br />

Para o médico militar potencialmente envolvido em com¬<br />

bate, o processo dos quatro passos para atendimento a vítimas<br />

desenvolvido pelo TCCC consiste no tratamento em meio a um<br />

tiroteio (Cuidados Sob Tiroteio), no tratamento após o fim do<br />

tiroteio, mas ainda na existência de perigo (Cuidados Táticos<br />

de Campo), em mover a vítima para longe do local de risco<br />

(evacuação da vítima ou CASEVAC) e, por fim, em transporlá-la<br />

de um hospital de nível inferior (Nível IInas forças arma¬<br />

das) para um de nível mais alto (Nível IIIou superior), ou rea¬<br />

lizar evacuação médica (MEDEVAC). Enquanto os princípios<br />

de cuidados a doentes não se alteram, as preferências podem<br />

ser dramaticamente diferentes devido a um ou mais fatores<br />

relacionados anteriormente. Para outras discussões, detalhes<br />

e esclarecimentos, consulte a versão militar do PHTLS. Essas<br />

diferenças situacionais são descritas em maiores detalhes no<br />

capítulo sobre avaliação de situação.


38 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FiGURA 3-2<br />

Etapas do Pensamento Crítico<br />

AVALIAÇÃO<br />

0 que está ocorrendo? 0 que precisa ser feito? Quais são os<br />

recursos para atingir a meta? A análise envolverá o exame do<br />

local, a identificação de qualquer perigo para o paciente ou para<br />

o socorrista, as condições do paciente, a rapidez necessária para<br />

a resolução, a localização do atendimento (no campo, durante o<br />

transporte e após a chegada ao hospital), o número de pacientes<br />

no local, o número de veículos necessários para o transporte, a<br />

necessidade de transporte mais rápido (transporte aeromédico) e<br />

o destino do paciente para o atendimento apropriado.<br />

ANÁLISE<br />

Cada uma das condições descritas acima necessita ser analisada<br />

individual e rapidamente,comparada com a base de conhecimentos<br />

do socorrista e com os recursos disponíveis, e os passos para<br />

oferecer os melhores cuidados devem ser definidos.<br />

CONSTRUÇÃO DE UM PLANO<br />

0 plano para a obtenção dos melhores resultados para o paciente<br />

é desenvolvido e revisado criteriosamente. Algum passo está em<br />

falso? Todos os passos planejados são alcançáveis? Os recursos<br />

disponíveis permitirão que o plano siga adiante? Eles, com maior<br />

probabilidade, levarão a um resultado bem-sucedido?<br />

AÇÃO<br />

0 plano é aprovado e posto em ação. Isso é realizado decisivamente<br />

e com voz de comando por quem está no comando e por quem<br />

quem toma as decisões, de forma a não ocorrer dúvida nem<br />

hesitação, por parte de qualquer um dos indivíduos envolvidos,<br />

quanto às necessidades a serem cumpridas. Caso as decisões<br />

sejam incorretas, incompletas ou estejam causando dificuldades<br />

ou complicações, o profissional no comando deve realizar as<br />

alterações necessárias.A informação que determina uma alteração<br />

pode se originar de observações de quem está no comando ou de<br />

outras fontes disponíveis.<br />

REAVALIAÇÃO<br />

0 processo está fluindo corretamente? A situação no local se<br />

modificou? Qual é a condição do paciente? Como o plano de<br />

tratamento alterou as condições do paciente? Alguma coisa na<br />

ação do plano necessita ser alterada?<br />

ALTERAÇÕES AO LONGO DO CAMINHO<br />

Quaisquer alterações que sejam identificadas pelo comando são<br />

avaliadas e analisadas como indicado acima, e as alterações<br />

adequadas são realizadas para continuar com o melhor atendimento<br />

possível ao paciente. Tomadas de decisão e reavaliação do<br />

paciente devem ser realizadas sem a seguinte preocupação: "Se<br />

eu fizer uma alteração, isso é um sinal de fraqueza ou de decisão<br />

errada no planejamento inicial?" Tais alterações baseadas nas<br />

necessidades do paciente não significam fraqueza, e sim força.<br />

Uma vez tomada a decisão, à medida que o processo continua e<br />

ocorre resposta da situação e do paciente, o socorrista faz uma<br />

reavaliação e as alterações apropriadas às necessidades a fim de<br />

fornecer os melhores cuidados possíveis ao paciente.<br />

Pensamento Crítico<br />

A fim de executar o princípio necessário para um doente<br />

em particular e para a escolha da melhor preferência para<br />

a aplicação desse princípio, as técnicas de pensamento crí¬<br />

tico são tão importantes quanto — podendo ser ainda mais<br />

importantes do que — as técnicas manuais que serão utiliza¬<br />

das para a realização da intervenção. O pensamento crítico<br />

em medicina é um processo pelo qual o socorrista avalia<br />

a situação, o doente e todos os recursos disponíveis. Essa<br />

informação então é rapidamente analisada e integrada para<br />

proporcionar o melhor cuidado possível para o doente. Isso<br />

requer que o profissional desenvolva um plano de ação,<br />

inicie-o, faça uma reavaliação à medida que o processo de<br />

cuidados ao doente avança e faça ajustes à medida que a<br />

condição do doente muda, até que a fase de cuidados esteja<br />

completa (Fig. 3-2). O pensamento crítico é uma habilidade<br />

aprendida que se aperfeiçoa com o uso e com a experiên¬<br />

cia, como ocorre com as técnicas.1 Se os estudantes tiverem<br />

de agir com sucesso na função de socorristas, devem então<br />

estar equipados com o aprendizado de uma vida e com as<br />

técnicas de pensamento crítico necessárias para obter e pro¬<br />

cessar informações em um mundo de mudanças rápidas e<br />

constantes.-<br />

Para o socorrista, esse processo se inicia com as informa¬<br />

ções iniciais fornecidas na hora pelo despacho e continua até<br />

a entrega do doente ao hospital, que é o próximo componente<br />

da cadeia de atendimento. Inicialmente, esse processo de pen¬<br />

samento crítico requer que o socorrista avalie e reavalie a situ¬<br />

ação na qual o doente foi encontrado. A seguir, a condição do<br />

doente deve ser avaliada e frequentemente reavaliada durante<br />

o tempo de permanência no local e enquanto está a caminho do<br />

melhor (ou do mais apropriado) local de atendimento. O pen¬<br />

samento crítico também está envolvido na seleção do melhor/<br />

mais apropriado local para o atendimento do doente, nos<br />

recursos disponíveis e na equipe de transporte para os vários<br />

estabelecimentos na vizinhança. Todas essas decisões críticas<br />

são baseadas na situação, na condição do doente, na base de<br />

conhecimentos do socorrista e no equipamento disponível.<br />

Pela utilização, pela análise e pela integração de todas as<br />

informações, o socorrista desenvolverá um plano inicial para<br />

cuidar da vítima de trauma e seguir adiante com esse plano.<br />

Para cada etapa ao longo do caminho, o socorrista deve rea¬<br />

valiar exatamente como o doente tem respondido a esse pro¬<br />

cesso. Socorristas pré-hospitalares devem continuar o plano de


CAPÍTULO 3 A Ciência e a Arte dos Cuidados Pré-hospitalares: Princípios, Preferências e Pensamento Crítico 39<br />

tratamento ou planejar mudanças à medida que informações<br />

adicionais se tornam disponíveis. Tudo isso depende da téc¬<br />

nica de pensamento crítico usada pelos socorristas para exe¬<br />

cutar suas responsabilidades. O pensamento crítico se baseia<br />

em não aceitar nada pela aparência e sempre perguntar "por<br />

quê?", como ensinado por Sócrates e de acordo com a teoria de<br />

refutabilidade de Popper. J<br />

0 processo do pensamento crítico não pode ser dogmá¬<br />

tico nem ingénuo, mas deve ter a mente aberta e ceticismo.4<br />

0 socorrista deve questionar a precisão científica de todas as<br />

abordagens. Essa é a razão pela qual o socorrista deve ter uma<br />

base sólida e bem fundamentada de conhecimentos que possa<br />

ser utilizada para tomar as decisões apropriadas. Entretanto,<br />

isso não pode ser levado muito adiante. Aristóteles sugeriu que<br />

não se deve exigir mais certeza do que ó assunto permite.3<br />

Em outras palavras, o pensamento crítico engloba o melhor<br />

modo de prover os princípios dos cuidados ao doente com base<br />

nascircunstâncias aluais observadas peloprofissional de saúde.-<br />

Ele utiliza a base de cuidados médicos apropriados defendida<br />

pelo PHTLS: "Julgamento baseado no conhecimento". Robert<br />

Carroll descreveu o pensamento crítico baseado em conceitos<br />

e princípios, e não em regras rígidas ou procedimentos passo<br />

a passo.'1 A ênfase em todo o treinamento PHTLS é de que os<br />

protocolos envolvendo recalls mecanizados não trazem bene¬<br />

fícios ao tratamento do doente. As diretrizes para os cuidados<br />

aos doentes devem ser flexíveis. O pensamento crítico requer<br />

essa flexibilidade. Os protocolos devem simplesmente servir<br />

como diretrizes para auxiliar o socorrista no alinhamento do<br />

processo imaginado. As etapas não são processos fundamen¬<br />

tais que não podem ser violados por uma análise cuidadosa e<br />

criteriosa da situação, e sim a aplicação dos passos adequados<br />

para garantir os melhores cuidados possíveis ao doente em<br />

cada situação em particular.<br />

Além disso, lodos os socorristas apresentam tendências<br />

que podem afetar o processo do pensamento crítico e a tomada<br />

de decisão sobre os doentes. Essas tendências devem ser reco¬<br />

nhecidas e não se deve permitir que elas afeiem o processo<br />

de atendimento ao doente. Elas geralmente surgem a partir de<br />

experiências prévias, resultando em um impacto positivo ou<br />

negativo relevante. Estando ciente das tendências e controlando-as,<br />

todas as condições são levadas em consideração e<br />

aação é baseada na recomendação "suponha que a pior lesão<br />

possível está presente e prove que ela não esta lá", assim como<br />

"não causa nenhum mal adicional". O plano de tratamento do<br />

doente é designado independentemente das atitudes do socor¬<br />

rista acerca das condições "aparentes" que podem ter acarre¬<br />

tado as circunstâncias atuais. Por exemplo, a impressão inicial<br />

de que um motorista se encontra alcoolizado pode ser correia,<br />

mas outras condições também podem existir. Descobrir que a<br />

vítima está alcoolizada não significa que ela não esteja tam¬<br />

bém ferida. A vítima estar alcoolizada e com alteração do nível<br />

de consciência não significa que parte dessa deficiência não<br />

seja causada por lesão cerebral ou por diminuição da perfusão<br />

cerebral em decorrência do choque.<br />

Frequentemente, as respostas a esses tipos de questões não<br />

podem ser obtidas até o doente chegar ao hospital (ou talvez<br />

vários dias após); portanto, o pensamento crítico e a resposta<br />

do socorrista devem ser baseados na pior hipótese. Os julga¬<br />

mentos devem ser feitos com base nas melhores informações<br />

disponíveis. O pensador crítico está constantemente procu¬<br />

rando "outras informações" à medida que elas se tornam dis¬<br />

poníveis, é atua com base nelas. Isso é sinal de um bom pensa¬<br />

dor crítico. O processo do pensamento crítico deve continuar<br />

por toda a avaliação do doente, da situação e das condições. O<br />

cérebro do pensador crítico está sempre buscando novas infor¬<br />

mações, fazendo e revisando julgamentos, e planejando duas a<br />

três etapas além da atividade presente.<br />

O SME é um campo de ação rápida e de confiança na habi¬<br />

lidade inata do socorrista em responder decisivamente a apre¬<br />

sentações variadas e a doenças diversas. Essas ações rápidas<br />

necessitam da técnica do pensamento crítico e da capacidade<br />

de decidir, baseada no conhecimento aluai, em quais passos<br />

fornecem a melhor chance para a sobrevivência do doente —<br />

preferência, e não rigidez.<br />

O pensamento crítico no local de uma emergência deve ser<br />

rápido, completo, flexível e objetivo. O profissional do SME no<br />

local de uma emergência pode ter apenas alguns segundos para<br />

avaliar a situação, a condição do(s) doenle(s) e os recursos, a<br />

fim de tomar as decisões e iniciar o atendimento ao doente.<br />

Isso engloba os processos de discernimento, análise, avalia¬<br />

ção, julgamento, reavaliação e tomadas de novas decisões, até<br />

que, finalmente, o doente chegue ao hospital. O processo de<br />

pensamento crítico de um administrador pode, por outro lado,<br />

permitir que ele trabalhe por vários dias, semanas ou mesmo<br />

meses em um processo de decisão. No SME, uma base forte de<br />

conhecimento adquirida pelo profissional e a habilidade para<br />

expressar esses julgamentos com força e convicção a todos os<br />

envolvidos no atendimento ao doente constituem os funda¬<br />

mentos do pensamento crítico.<br />

Como ensinado no capítulo sobre avaliação, as informa¬<br />

ções são reunidas utilizando todos os sentidos do profissional<br />

do SME — visão, oliato, lalo,audição — e simultaneamente ali¬<br />

mentando o "computador" do cérebro com elas. O socorrista<br />

analisa, então, os dados obtidos, com base em prioridades pre¬<br />

determinadas de inspeção primária (vias aéreas, ventilação e<br />

circulação), ressuscilação e transporte rápido para o recurso<br />

médico apropriado, a fim de selecionar os passos correios do<br />

tratamento para as necessidades individuais daquele doente<br />

em particular. O processo de avaliação de um doente de trauma<br />

começa, em geral, com as prioridades ABCDE. Entretanto, caso<br />

o doente esteja em choque devido a uma grave hemorragia<br />

externa contínua, a aplicação de um curativo compressivo (e<br />

torniquete, caso o curativo não funcione) acima do local da<br />

hemorragia é o primeiro passo apropriado. O pensamento crí¬<br />

tico é o reconhecimento de que seguir a prioridade ABCDE<br />

padrão pode levar um doente a ter uma via aérea mas que<br />

agora está exsanguinado; portanto, em vez de cuidar da via<br />

aérea, o controle do sangramento foi o passo inicial adequado.<br />

O,pensamento crítico é o processo de reconhecimento de que,<br />

caso a pressão direta e o curativo de pressão não estejam fun¬<br />

cionando, algo mais necessita ser feito, e a aplicação de um<br />

torniquete é o melhor próximo passo para estancar a hemorra¬<br />

gia. O modo pelo qual o cérebro do socorrista funcionalmente<br />

chegou a esta conclusão consiste no pensamento crítico. Ele<br />

se baseia na avaliação da situação, nas condições do doente,<br />

na base de conhecimento e na habilidade do socorrista, e no<br />

equipamento disponível. "Pensamento crítico é uma técnica<br />

difundida que envolve examinar, diferenciar e avaliar infor¬<br />

mações, e refletir sobre as informações reunidas, a fim de rea¬<br />

lizar julgamentos e informar decisões clínicas.


40 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

A arte e a ciência da medicina, o conhecimento dos princí¬<br />

pios e a aplicação apropriada das preferências levam à anteci¬<br />

pação dos resultados com os melhores cuidados possíveis para<br />

as vítimas nas circunstâncias em que eles são proporcionados,<br />

Existem, essencialmente, quatro passos no processo de atendi¬<br />

mento a doentes com lesões agudas: (1) a fase pré-hospilalar,<br />

(2) a fase inicial (de reanimação) no hospital, (3) a fase de esta¬<br />

bilização e cuidados definitivos, e (4) a resolução e reabilitação<br />

em longo prazo para devolver o doente a seu estado funcional.<br />

Todas essas fases utilizam os mesmos princípios de cuidados<br />

aos doentes em cada passo. Todos os profissionais de cuidados<br />

médicos devem utilizar o pensamento crítico em todas as fases<br />

do atendimento ao doente. Os passos do pensamento crítico<br />

continuam desde o momento das lesões até o momento em que<br />

o doente retorna para casa. Cada passo do pensamento crítico<br />

ao longo do caminho varia de acordo com os recursos dispo¬<br />

níveis para fornecer esse cuidado e com a condição do doente<br />

durante cada passo individual. Portanto, entender os princí¬<br />

pios do tratamento, as opções disponíveis, fazer reavaliações<br />

à medida que a situação e as condições variam e modificar o<br />

plano de tratamento durante o atendimento da vítima reque¬<br />

rem a utilização do processo do pensamento crítico.<br />

Os profissionais de SME estão diretamente envolvidos na<br />

fase inicial (pré-hospitalar) de cuidados, mas devem utilizar o<br />

pensamento crítico e devem estar cientes de lodo o processo,<br />

a fim de produzir atendimento consistente ao doente à medida<br />

que ele é conduzido através do sistema. O socorrista deve pen¬<br />

sar, além da situação atual, na direção das necessidades dos<br />

cuidados definitivos e dos resultados finais do doente. A meta<br />

é o tratamento das lesões do doente de forma que elas se curem<br />

e ele possa ser liberado do hospital nas melhores condições<br />

possíveis.<br />

SUMARIO<br />

Princípios ou ciência<br />

O que o doente deve ter para otimizar resultados e<br />

sobrevivência<br />

Preferência ou arte<br />

Métodos para atingir os princípios<br />

Considerações para escolha do método<br />

Situação que existe alualmenle<br />

® Condição do doente<br />

Conhecimento e experiência<br />

Equipamento disponível<br />

Pensamento crítico<br />

Avaliação de todas as preocupações e componentes<br />

do evento traumático disponíveis<br />

Utilização de lodos os sentidos para realizar a<br />

avaliação<br />

Pensamento crítico (continuação)<br />

Revisão da necessidade de informações adicionais,<br />

de equipamento e de pessoal<br />

Identificação de hospitais na vizinhança e suas<br />

capacidades<br />

s Desenvolver um plano de ação e tratamento<br />

Reavaliação da situação, do doente e da resposta ao<br />

plano de ação<br />

Correção(ões) durante o curso do tratamento, quando<br />

necessária(s)<br />

rs<br />

A meta é o tratamento bem-sucedido<br />

ss Pensamento crítico NÃO é seguir protocolos<br />

Pensamento crítico E rápido, flexível e objelivo


CAPÍTULO 3 A Ciência e a Arte cios Cuidados Pré-hospitalares: Princípios, Preferências e Pensamento Crítico 41<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

,W\<br />

A resposta para a questão do tratamento do doente requer<br />

pensamento crítico e deve ser baseada em lidar com os quatro<br />

componentes do tratamento do doente: situação, condição,<br />

conhecimento e experiência e equipamento disponível:<br />

As perguntas sobre a situação que você terá que analisar<br />

incluem:<br />

1. Em quanto tempo o doente será retirado do<br />

veículo?<br />

2. Você tem recursos adequados no local, como<br />

iluminação suficiente, itens para a retirada do<br />

veículo e resgate, pessoal etc.?<br />

As perguntas sobre a condição do doente que você terá<br />

de analisar incluem:<br />

1. O doente necessita de intervenção na via aérea?<br />

2. 0 que foi feito para controlar a hemorragia?<br />

3. O uso de pressão controlou a hemorragia?<br />

4. Caso você aplique um torniquete e o doente seja<br />

encaminhado a um hospital que não tenha centro de<br />

trauma, por quanto tempo o torniquete permanecerá<br />

ajustado neste estabelecimento até o tratamento<br />

definitivo?<br />

5. 0 doente apresenta necessidade urgente de<br />

reposição de um fluido carreador de oxigénio<br />

(sangue)?<br />

6. Caso afirmativo, o doente obterá o sangue mais<br />

rápido no centro de trauma que está mais distante,<br />

ou em outro hospital mais próximo sem unidade de<br />

trauma?<br />

. -<br />

As perguntas sobre conhecimento e experiência que você<br />

terá de analisar incluem:<br />

1. Como a via aérea será tratada com a equipe<br />

disponível no local?<br />

2. Caso estiver disponível, o doente deverá ser<br />

submetido à entubação endotraqueal ou deverá ser<br />

mantido com ventilação assistida através de um<br />

dispositivo bolsa-máscara?<br />

3. Quem é o profissional mais experiente disponível<br />

para o tratamento da via aérea e quando foi a<br />

última vez em que ele ou ela realizou esse tipo de<br />

procedimento?<br />

As perguntas sobre os recursos e equipamentos que você<br />

terá de analisar incluem:<br />

1. Caso você leve o doente de imediato em sua<br />

ambulância, quanto tempo levará para chegar ao<br />

centro de trauma?<br />

2. Caso você peça um helicóptero, quanto tempo<br />

levará para o doente chegar ao centro de trauma?<br />

3. Você deve se encontrar com o helicóptero no heliponto<br />

do centro sem setor de trauma?<br />

4. Você deve levar primeiramente o doente a um cen¬<br />

tro sem setor de trauma?<br />

ts<br />

O pensamento crítico é muito importante. As decisões<br />

devem ser tomadas com base no conhecimento do incidente<br />

por inteiro, pelo modo como você o visualiza. As respostas<br />

são suas. A situação é única. A responsabilidade é sua. O<br />

doente poderá viver ou morrer com base no que você fará.<br />

Referências<br />

1. Hendricson VVD, Andrieu SC, Chadwick DG, ct al: As<br />

educational strategics associated with development of problemsolving,<br />

critical thinking, and self-directed learning. / Dent Educ<br />

70(9):925-930, 2006.<br />

2. Colter A): Developing critical-thinking skills. EMSMag 36(7):B6,<br />

2007.<br />

3. Wang SY. Tsai )C, Chiang HC, el al: Socrates, problem-based<br />

learning and critical thinking—a philosophic point of view.<br />

Kaohsiung f Mad Sci 24(3 Suppl):S6-'13, 2008.<br />

4. Carroll, RT: Becoming a Critical Thinker: A Guide for the New<br />

Millenium, ed 2, 2005, Pearson Custom Publishing, Boston,<br />

'MA.<br />

5. Aristotle: Nichomachean Ethics, (Book I, part 3). Translation<br />

by YV.D. Ross, The Internet Classics Archive, 1994-2000, http://<br />

classics.mil.edu//Aristolle/nicomachaen.hlml.<br />

6. Banning M: Measures that can be used to instill critical-thinking<br />

skills in nurse prescribers. Nurse Educ Pract 6(2):98-105, 2006.


CAPÍTULO 4<br />

Biomecânica<br />

do Trauma<br />

QBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final do capítulo, o leitor estará apto a<br />

Definir energia como causa de lesão.<br />

Descrever a associação entre as leis da energia cinética e a biomecânica do<br />

trauma.<br />

Descrever a relação entre velocidade, transferência de energia e lesão<br />

Discutir a transferência de energia e a formação de cavitação<br />

Dada a descrição de uma colisão automobilística, usar a biomecânica para preyer<br />

o tipo provável de lesão em ocupante não contido.<br />

Associar os princípios da transferência de energia com a fisiopatologia das lesões<br />

de cabeça, coluna, tórax, abdome e extremidades.<br />

Descrever lesões específicas e suas causas em função do dano ao interior e ao<br />

exterior do veículo.<br />

Descrever a função dos sistemas de contenção de ocupantes de veículos<br />

Relacionar as leis do movimento e da energia com os mecanismos de<br />

trauma que não os das colisões automobilísticas (p. ex., explosões,<br />

quedas).<br />

Descrever as cinco fases das injúrias por impacto e as lesões<br />

correspondentes. 1<br />

Descrever as diferenças nas lesões com<br />

armas de baixa, média e alta energia.<br />

Discutir a relação entre a superfície frontal de um<br />

objeto impactante, a transferência de energia e a<br />

lesão correspondente.<br />

ÿ<br />

Aplicar os princípios da biomecânica do<br />

' W:<br />

trauma à avaliação do doente. Uj .


I<br />

44 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

\\\\\ > 1 1<br />

j i fn pnifUi) f<br />

Você e seu parceiro são enviados para atender uma colisão entre dois carros. O dia está quente e ensolarado. Quando vocês<br />

chegam, a polícia está no local do acidente.<br />

Ao chegar, você confirma que há apenas dois carros envolvidos no acidente. O primeiro carro está na vala, do lado direito<br />

da rodovia, e bateu a porta do passageiro em uma árvore. Há buracos de bala na porta dianteira esquerda. Você vê pelo<br />

menos três buracos, e há duas pessoas no veículo.<br />

O outro carro atravessou para o lado esquerdo da rodovia e bateu em um poste, entre os dois faróis. Há duas pessoas<br />

naquele carro. É um veículo velho, sem airbags. A direção está dobrada e o para-brisa, quebrado na forma de alvo, do lado<br />

do motorista. Ao olhar o carro pelo lado do passageiro, você encontra uma intrusão na porção inferior, na batida do lado do<br />

passageiro. Nenhum dos passageiros dos dois carros usava cinto de segurança. Você está lidando com quatro feridos - dois<br />

em cada carro - e todos ainda estão nos veículos.<br />

Você é o paramédico sénior no local. É sua responsabilidade avaliar os doentes e determinar a prioridade de transporte.<br />

Pegue os doentes, um de cada vez, e descreva-os com base na cinemática.<br />

Como você descreveria cada doente, com base na cinemática?<br />

Quais lesões você espera encontrar?<br />

Lesões<br />

traumáticas inesperadas são responsáveis por<br />

mais de 169 mil mortes por ano nos Estados Unidos.1<br />

Colisões automobilísticas foram responsáveis por 37<br />

mil mortes e mais de quatro milhões de pessoas feridas em<br />

2008. 2 Este problema não se restringe aos Estados Unidos;<br />

outros países apresentam frequências similares de trauma<br />

veicular, embora os veículos possam ser diferentes. Os feri¬<br />

mentos penetrantes por armas de fogo têm uma incidência<br />

muito elevada nos Estados Unidos. Em 2006, houve quase 31<br />

mil mortes por armas de fogo. Destas, mais de 13 mil foram<br />

homicídios.1 Em 2008. foram relatadas mais de 78 mil lesões<br />

não fatais por armas de logo.2 As lesões por impacto são uma<br />

causa importante de lesões em muitos países, ao passo que<br />

as lesões penetrantes por armas brancas são proeminentes<br />

em outros. O manejo eficaz dos doentes vítimas de traumas<br />

depende da identificação das lesões, ou das possíveis lesões,<br />

e do uso de boas habilidades de avaliação. Com frequência,<br />

é difícil determinar a lesão exata produzida, mas a compre¬<br />

ensão da possibilidade de ocorrência de lesão e de perda de<br />

sangue significativa permite o processo de pensamento crí¬<br />

tico do profissional, reconhecendo esta probabilidade e deci¬<br />

dindo a triagem, o manejo e o transporte.<br />

O manejo de qualquer doente começa (após a ressuscitação<br />

inicial) com o histórico da lesão do doente. No trauma, o histó¬<br />

rico se refere a como o impacto ocorreu e à troca de energia dele<br />

resultante.'1A compreensão do processo de troca de energia leva<br />

à suspeita de 95% das possíveis lesões.<br />

Quando o socorrista, em qualquer fase do atendimento, não<br />

compreende os princípios da biomecânica ou os mecanismos<br />

envolvidos, as lesões podem passar despercebidas. A compre¬<br />

ensão desses princípios aumentará o nível de suspeita, com<br />

base no padrão das lesões provavelmente associadas ao exame<br />

do local da ocorrência, logo ao chegar. Estas informações e as<br />

lesões suspeitadas podem ser usadas na avaliação adequada do<br />

doente no local do acidente e podem ser transmitidas aos médi¬<br />

cos e às enfermeiras no pronto-socorro. No local da ocorrência<br />

e no trajeto até o hospital, essas lesões suspeitadas podem ser<br />

tratadas de modo a oferecer o atendimento adequado ao doente<br />

e "não causar mais dano". s<br />

Lesões não tão evidentes podem ser fatais se não forem trata¬<br />

das no local nem a caminho do centro de trauma ou do hospital<br />

apropriado. Saber onde examinar e como avaliar se há ou não<br />

lesões é tão importante quanto saber o que fazer depois que as<br />

lesões forem encontradas. Um histórico completo e preciso do<br />

evento traumático, bem como a interpretação adequada dessas<br />

informações, pode fazer com que o socorrista antecipe a maioria<br />

das lesões antes de examinar o doente.<br />

Este capítulo discute os princípios gerais e os princípios<br />

mecânicos envolvidos na biomecânica do trauma: as seções<br />

sobre os efeitos regionais do trauma contuso e dos ferimen¬<br />

tos penetrantes abordam a lísiopatologia das lesões locais. Os<br />

princípios gerais são as leis da física que governam a trans¬<br />

ferência de energia e os efeitos gerais dessa transferência. Os<br />

princípios mecânicos abordam a interação do corpo humano<br />

com os componentes da colisão no trauma contuso (p. ex.,<br />

veículos motorizados, veículos com três e duas rodas e que¬<br />

das), nos ferimentos penetrantes e nas explosões. Colisão é<br />

a transferência de energia que ocorre quando um objeto com<br />

energia, normalmente sólido, colide com' o corpo humano.<br />

Não se trata apenas da colisão de um veículo motorizado,<br />

mas também da colisão de um corpo em queda contra o chão,<br />

do impacto de um projétil de arma de logo nos tecidos do<br />

corpo e da onda de pressão e dos estilhaços de uma explosão.<br />

Todos esses eventos envolvem transferência de energia, todos


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 45<br />

resultam em lesões, lodos"envolvem condições potencial¬<br />

mente falais e todos exigem um atendimento pré-hospitalar<br />

correto por um socorrista bem preparado e criterioso.<br />

Princípios Gerais<br />

Um evento traumático é dividido em três fases: pré-colisão,<br />

colisão e pós-colisão. O termo colisão não se refere necessa¬<br />

riamente à colisão de veículo automotor. Tanto a colisão de<br />

um veículo automotor com um pedestre quanto a colisão<br />

de um projétil com o abdome ou de um trabalhador de cons¬<br />

trução com o asfalto, ao cair, são exemplos de colisões. Em<br />

todos os casos, ocorre transferência de energia entre o objelo<br />

em movimento e o tecido da vítima ou entre a vítima em movi¬<br />

mento e o objeto parado.<br />

A fase pré-colisão inclui lodos os eventos que precedem<br />

o incidente. Condições anteriores ao incidente, e que são<br />

importantes no tratamento das lesões do doente, também<br />

fazem parte da fase pré-colisão. Elas incluem doenças agudas<br />

ou preexistentes (e medicações para tratá-las), ingestão de<br />

substâncias "recreativas" (ilegais e medicamentos prescritos,<br />

álcool ele.) ou o estado mental do doente. Em geral, doentes<br />

traumatizados jovens não são portadores de doenças crónicas.<br />

Entretanto, em doentes mais velhos, doenças existentes antes<br />

do trauma podem levar a complicações graves no tratamento<br />

pré-hospitalar do doente e influenciar a evolução final. Por<br />

"exemplo, um senhor idoso, motorista de um carro que coli¬<br />

diu com 11111 poste, pode apresentar dor torácica indicativa de<br />

infarto do miocárdio (ataque cardíaco). O motorista colidiu<br />

com o poste e, em seguida, teve um ataque cardíaco, ou sofreu<br />

o ataque cardíaco e por isso bateu no poste? O doente faz uso<br />

de alguma medicação (p. ex., belabloqueador) que impeça o<br />

aumento da frequência cardíaca no choque? A maioria dessas<br />

condições não somente influencia diretamente a avaliação e<br />

as estratégias de atendimento discutidas nos Capítulos 4 e 5,<br />

mas também é importante no atendimento global do doente,<br />

mesmo que não influencie necessariamente a biomecânica da<br />

colisão.<br />

A fase cie colisão começa no momento do impacto entre<br />

um objelo em movimento e um segundo objeto. O segundo<br />

objeto pode estar em movimento ou ser estacionário, e pode<br />

ser um objelo ou um ser humano. Na maioria dos traumas,<br />

ocorrem três impactos: (1) o impacto entre dois objetos, (2)<br />

o impacto dos ocupantes com o veículo, (3) o impacto dos<br />

órgãos dentro dos ocupantes. Por exemplo, quando um auto¬<br />

móvel colide com uma árvore, o primeiro impacto é a colisão<br />

do veículo na árvore. O segundo impacto é o ocupante do veí¬<br />

culo atingir o volante ou o para-brisa. Se o doente estiver con¬<br />

tido, ocorre impacto entre o ocupante e o cinto de segurança.<br />

0 terceiro impacto ocorre entre os órgãos internos do doente<br />

ea parede torácica, abdominal ou o crânio. (Em uma queda,<br />

apenas os segundo e terceiro impactos são observados.)<br />

As direções em que ocorre a transferência de energia, a<br />

quantidade de energia transferida e os efeitos que essas for¬<br />

ças têm sobre o doente são considerações importantes para o<br />

socorrista.<br />

Durante a fase pós-colisão, o socorrista usa a informação<br />

colhida durante as fases de colisão e pré-colisão para avaliar e<br />

tratar um doente. Essa fase começa tão logo a energia da coli¬<br />

são seja absorvida e o doente seja traumatizado. O início das<br />

complicações do trauma que ameaçam a vida pode ser lento ou<br />

rápido (ou essas complicações podem ser prevenidas ou redu¬<br />

zidas significativamente), dependendo, em parle, das medidas<br />

tomadas pelo socorrista. Na fase pós-colisão, o entendimento<br />

da biomecânica do trauma, o índice de suspeita a respeito das<br />

lesões e a boa avaliação tornam-se cruciais para a evolução final<br />

do doente.<br />

De modo simples, a fase pré-colisão é de prevenção. A fase<br />

de colisão é a parte do evento traumático que envolve troca de<br />

energia ou cinemática (mecânica da energia). Por fim, a fase póscolisão<br />

é de atendimento do doente.<br />

Para compreender os efeitos das forças que causam lesão no<br />

organismo, o socorrista deve compreender dois componentes<br />

- troca de energia e anatomia humana. Em uma colisão automo¬<br />

bilística, por exemplo, como se apresenta o local do incidente?<br />

Quem atingiu o quê, e com que velocidade? Qual foi o tempo<br />

de parada? As vítimas estavam utilizando os dispositivos ade¬<br />

quados, como cintos de segurança? O airbag foi acionado? As<br />

crianças estavam adequadamente seguras em cadeirinhas para<br />

crianças, ou não estavam seguras e foram arremessadas dentro<br />

do veículo? Ocupantes foram ejelados do veículo? Eles colidi¬<br />

ram com objetos? Se o foram, com quantos objetos e qual era a<br />

natureza desses objetos? Essas e muitas outras questões devem<br />

ser respondidas para que o socorrista entenda a transferência de<br />

forças que ocorreu e traduza essas informações em previsão de<br />

lesões e tratamento adequado do doente.<br />

A avaliação do local do incidente para determinar que for¬<br />

ças e movimentos estavam envolvidos e que lesões possam ter<br />

resultado dessas forças é chamado de análise da biomecânica<br />

do trauma. Como a biomecânica se baseia em princípios funda¬<br />

mentais da física, é necessária a compreensão das leis da física<br />

pertinentes.<br />

Energia<br />

O componente inicial na obtenção do histórico é a avaliação dos<br />

eventos que ocorreram no momento da colisão (Fig. 4-1), para<br />

estimar a energia que foi trocada com o corpo humano e fazer<br />

uma suposição das condições específicas resultantes.<br />

Leis da Energia e do Movimento<br />

A primeira lei de Newton sobre o movimento diz que um corpo<br />

em repouso permanece em repouso e que um corpo em movi¬<br />

mento permanece em movimento a não ser que haja uma força<br />

externa. O esquiador mostrado na Figura 4-2 eslava parado até<br />

que a energia da gravidade o movesse rampa abaixo. Uma vez


46 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-1 A avaliação do local do incidente é extremamente<br />

importante. Informações como direção do impacto, intrusão do<br />

compartimento de passageiros e quantidade de troca de energia<br />

indicam as possíveis lesões sofridas pelos ocupantes. Embora<br />

este veículo seja de um modelo antigo, esta fotografia mostra o<br />

conceito do mecanismo da lesão.<br />

FIGURA 4-3<br />

O veículo para, subitamente, em um aterro.<br />

FIGURA 4-2 O esquiador estava parado até que a energia<br />

da gravidade o movesse para baixo. Uma vez em movimento,<br />

embora o esquiador saia do chão, o momentum o mantém<br />

em movimento até que colida em algo ou retorne ao solo, e<br />

a transferência de energia (por fricção ou uma colisão) o faça<br />

parar.<br />

em movimento, embora saia do chão, o esquiador permanecerá em<br />

movimento até que atinja algo ou retorne ao chão e pare.<br />

Como anteriormente mencionado, em qualquer colisão,<br />

quando o corpo de um possível doente está em movimento,<br />

existem três colisões: 1) o veículo bate em um objeto que está em<br />

movimento ou parado; 2) o possível doente bate no interior do<br />

veículo, colidindo com um objeto, ou é atingido pela energia de<br />

uma explosão; e 3) os órgãos internos interagem com as paredes<br />

de um compartimento corpóreo ou são soltos de suas estruturas<br />

de apoio. Um exemplo é o indivíduo sentado no banco da frente<br />

de um veículo. Quando o veículo bate em uma árvore e para, o<br />

indivíduo sem cinto de segurança continua em movimento na<br />

mesma velocidade, até que atinja a coluna da direção, o painel<br />

e o para-brisa. O impacto com estes objelos interrompe o movi¬<br />

mento para a frente do tronco ou da cabeça, mas os órgãos inter- |<br />

nos do indivíduo permanecem em movimento até atingirem o i<br />

interior da parede torácica, da parede abdominal ou do crânio,<br />

interrompendo o movimento para a frente.<br />

A lei cia conservação cia energia, combinada com a segunda i<br />

lei cio movimento de Newton, descreve que a energia não pode |<br />

ser criada nem destruída, mas pode mudar de forma. O movi¬<br />

mento do veículo é uma forma de energia. Para dar a partida em<br />

um veículo, a gasolina explode dentro cio cilindro do motor. Isto<br />

faz os pistões se moverem. O movimento dos pistões é transfe¬<br />

rido por um conjunto de engrenagens até as rodas, que aderem<br />

à estrada à medida que vão girando e fazem com que o veículo<br />

se movimente. Para parar o veículo, a energia de seu movimento<br />

deve ser alterada para outra forma, como o aquecimento dos<br />

freios ou a colisão com um objeto e a deformação do chassi, j<br />

Quando o motorista freia o carro, a energia do movimento é con- |<br />

vertida em calor da fricção (energia térmica) pelas "pastilhas" i<br />

no tambor/disco dos freios e pelos pneus na estrada. O carro<br />

desacelera.<br />

Assim como a energia mecânica de um carro que bate em<br />

uma parede é dissipada pela deformação da estrutura e de J<br />

outras parles do veículo (Fig. 4-3), a energia do movimento de j<br />

órgãos e estruturas internas do corpo deve ser dissipada quando<br />

sua movimentação para a frente for interrompida. Os mesmos<br />

conceitos se aplicam ao corpo humano parado que entra em í<br />

contato e interage com um objeto em movimento, como uma<br />

faca, uma bala ou um taco de beisebol.<br />

'<br />

A energia cinética é uma função da massa e da velocidade<br />

de um objeto. Embora não seja exatamenté igual, o peso da i<br />

vítima é usado para representar sua massa. Da mesma forma, a j<br />

velocidade é usada para representar a velocidade (que, na ver¬<br />

dade, corresponde à velocidade e à direção). A relação entre<br />

peso e velocidade afetando a energia cinética é a seguinte:


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 47<br />

Energia cinética = Metade da massa vezes o quadrado da<br />

velocidade<br />

EC = V2mv2<br />

Assim, a energia cinética de uma pessoa de 70 kg que está a<br />

50 km/k é calculada como:<br />

EC = — x 502<br />

2<br />

EC = 87.500 unidades<br />

Para os objetivos desta discussão, nenhuma unidade de<br />

medida física específica (como cm/kg ou joules) é dada. A fór¬<br />

mula é usada apenas para ilustrar a mudança na quantidade de<br />

energia. Conforme mostrado, uma pessoa de 70 kg a 50 km/h<br />

possui 87.500 unidades de energia cinética que têm de ser<br />

convertidas em outra forma de energia quando ela para. Essa<br />

mudança assume a forma de dano no veículo e lesão na pes¬<br />

soa que está dentro dele, a menos que a energia possa assumir<br />

alguma forma menos prejudicial, como ser dissipada pelo cinto<br />

de segurança ou pelo aivbag.<br />

Qual fator da fórmula, porém, tem o maior efeito sobre a<br />

quantidade de energia cinética produzida: massa ou veloci¬<br />

dade? Considere a adição de 5 kg ao indivíduo de 70 kg que<br />

trafega a 50 km/h no exemplo anterior, fazendo agora com que a<br />

massa seja igual a 75 kg:<br />

«-¥ x 50'<br />

EC = 93.750 unidades<br />

Assim, à medida que a massa aumenta, a quantidade de<br />

energia cinética é elevada.<br />

Por fim, retornando a este mesmo exemplo de um indivíduo<br />

de 70 kg, em vez de aumentar a massa em 10 kg, elevemos a<br />

velocidade em 10 km/h, e a energia cinética será a seguinte:<br />

70 o<br />

EC = — x 60<br />

EC = 126.000 unidades<br />

Esses cálculos mostram que o aumento da velocidade gera<br />

um aumento da energia cinética maior do que o aumento da<br />

massa. Ocorre maior transferência de energia (portanto, haverá<br />

mais dano ao ocupante, ao veículo ou a ambos) em uma colisão<br />

em alta velocidade do que em uma colisão em baixa velocidade.<br />

A velocidade é exponencial e a massa, linear; isto é importante<br />

mesmo quando há uma grande disparidade de massa entre dois<br />

objetos.<br />

Massa x aceleração = força = massa x desaceleração<br />

A força (energia) é requerida para que as estruturas entrem<br />

em movimento. Esta força (energia) é necessária à criação de<br />

uma velocidade específica. A velocidade concedida é depen¬<br />

dente do peso (massa) de uma estrutura. Quando esta energia<br />

é transmitida à estrutura, que é colocada em movimento, o<br />

movimento continua até que a energia acabe (primeira lei do<br />

movimento de Newton). Esta perda de energia coloca outros<br />

componentes em movimento (partículas teciduais) ou é per¬<br />

dida como calor (dissipado nos discos de freio das rodas). Um<br />

exemplo deste processo é a arma de fogo e o doente. Na câmara<br />

da arma, está um cartucho que contém pólvora. Caso esta pól¬<br />

vora entre em ignição, ela se queima rapidamente, criando<br />

energia que empurra a bala para fora do cano, em grande<br />

velocidade. Esta velocidade é equivalente ao peso da bala e<br />

à quantidade de energia produzida pela queima da pólvora,<br />

ou força. Para ter sua velocidade diminuída (primeira lei do<br />

movimento de Newton), a bala deve transferir sua energia à<br />

estrutura que atinge. Isto produz uma explosão no tecido, que<br />

é igual à explosão ocorrida na câmara da arma de fogo quando<br />

a velocidade inicial foi conferida à bala. O mesmo fenómeno<br />

ocorre no automóvel em movimento, em um doente que cai<br />

de um prédio ou na detonação de dispositivo explosivo (DE)<br />

improvisado.<br />

Outro fator importante em uma colisão é a distância de<br />

parada. Quanto menor a distância de parada e quanto mais<br />

rápida a taxa de parada, mais energia será transferida para o<br />

doente e mais danos ou lesões são infligidos ao indivíduo. Um<br />

veículo que para contra uma parede de concreto ou que para<br />

quando os freios são aplicados dissipa a mesma quantidade<br />

de energia, só que de forma diferente. A taxa de troca de ener¬<br />

gia (ao corpo do veículo ou aos discos de frenagem) é dife¬<br />

rente e em diferentes distâncias e tempo. No primeiro caso, a<br />

energia é absorvida em uma distância e tempo muito curtos,<br />

deformando a estrutura do veículo. No último caso, a energia<br />

é absorvida por distância e tempo maiores," pelo aquecimento<br />

dos freios. O movimento para a frente do ocupante do veículo<br />

(energia) é absorvido no primeiro caso pelas lesões de partes<br />

moles e ossos do ocupante. No segundo caso, a energia é dissi¬<br />

pada pelos freios, juntamente com a energia do veículo.<br />

Essa relação inversa entre distância de parada e lesão tam¬<br />

bém se aplica às quedas. A pessoa tem maior probabilidade de<br />

sobreviver a uma queda se cair em uma superfície compressí¬<br />

vel, como uma camada espessa de neve fina. A mesma queda<br />

em superfície dura, como o concreto, pode causar lesões mais<br />

graves. O material compressível (p. ex., a neve) aumenta a dis¬<br />

tância de parada e absorve pelo menos parte da energia, em<br />

vez de permitir que toda ela seja absorvida pelo corpo. O resul¬<br />

tado é uma diminuição da lesão no corpo. Esse princípio também<br />

se aplica a outros tipos de colisões. Além disso, o motorista não<br />

contido é mais gravemente traumatizado que o motorista contido,<br />

porque o sistema de contenção, mais do que o corpo, absorve uma<br />

porção significativa da energia transferida.<br />

Portanto, uma vez que um objeto esteja em movimento e<br />

possua uma energia na forma de movimento, para que ele pare<br />

completamente, deve perder Loda a sua energia, convertendo-a<br />

em outra forma de energia ou transferindo-a para outro<br />

objeto. Se, por exemplo, um automóvel atingir um pedestre, o<br />

pedestre é arremessado para longe (Fig. 4-4). Embora a velo¬<br />

cidade do veículo seja de certa forma reduzida pelo impacto,


48 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

r<br />

FIGURA 4-4 A troca de energia entre um veículo em<br />

movimento e um pedestre esmaga os tecidos e confere<br />

velocidade e energia à vítima, que é ejetada. A lesão pode<br />

ocorrer no ponto de impacto quando o pedestre é atingido pelo<br />

veículo e arremessado ao chão ou em direção a outros veículos<br />

FIGURA 4-5 O punho absorve mais energia colidindo com a<br />

densa parede de tijolos do que com o travesseiro de plumas,<br />

menos denso, que dissipa a força.<br />

a maior força do veículo Iransmile bem mais aceleração ao<br />

pedestre, que é mais leve, do que a velocidade que o veículo<br />

perde, dada a diferença de massa entre os dois. As partes<br />

mais moles do corpo do pedestre contra as partes mais duras<br />

do corpo do veículo também implicam mais danos ao pedes¬<br />

tre do que ao veículo.<br />

Transferência de Energia entre um Objeto<br />

Sólido e o Corpo Humano<br />

Quando o corpo humano colide com um objeto sólido, ou<br />

vice-versa, o número de partículas do tecido atingidas pelo<br />

impacto determina a quantidade de transferência de energia<br />

que ocorre. Essa transferência de energia produz a quanti¬<br />

dade de dano resultante ao doente. O número de partículas<br />

do tecido atingidas é determinado (1) pela densidade (par¬<br />

tículas por volume) do tecido e (2) pelo tamanho da área de<br />

conlato no impacto.<br />

Densidade<br />

Quanto mais denso o tecido (medido em partículas por volume),<br />

maior o número de partículas atingidas por um objeto em<br />

movimento e, portanto, maior a laxa e a quantidade total de<br />

energia trocada. Dar um soco em um travesseiro de penas e<br />

fazer o mesmo, com a mesma velocidade, em uma parede de<br />

tijolos produz efeitos diferentes na mão. O punho absorve mais<br />

energia ao colidir com a parede de tijolos, mais densa, do que<br />

com o travesseiro de penas, menos denso (Pig. 4-5).<br />

De modo simplista, o corpo tem tecidos com três tipos dife¬<br />

rentes de densidade: do ar (a maior parte do pulmão e parte<br />

do intestino), da água (músculo e a maforia dos órgãos sólidos,<br />

como fígado e baço) e de sólidos (ossos). Portanto, a quantidade<br />

de energia transferida (e a lesão resultante) dependerá do tipo<br />

de órgão que sofre impacto.<br />

Área de Contato<br />

O vento exerce pressão sobre a mão quando ela está estendida<br />

fora da janela do carro em movimento. Quando a palma da<br />

mão está paralela à rua ou paralela à direção do fluxo do vento,<br />

alguma pressão para trás é exercida na frente da mão (dedos), à<br />

medida que as partículas do ar atingem a mão. Girando a mão<br />

90", para a posição vertical, uma área maior fica posicionada<br />

contra o vento: assim, mais partículas de ar fazem contato com<br />

a mão, aumentando a intensidade da força sobre ela.<br />

Em eventos traumáticos, a energia concedida e o dano<br />

resultante podem ser modificados por qualquer alteração no<br />

tamanho da superfície da área de impacto. Exemplos deste<br />

efeito no corpo humano incluem a frente de um automóvel,<br />

um bastão de beisebol, uma bala de rifle ou um tiro de arma de<br />

fogo. A superfície frontal do automóvel entra em contato com<br />

uma extensa porção da vítima. Um bastão de beisebol entra em<br />

contato com uma área menor, e a bala entra em contato com<br />

uma área muito pequena. A quantidade de troca de energia


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 49<br />

FIGURA 4-6 A. A energia da bola branca é transferida a cada uma das outras bolas. B. A troca de energia empurra as bolas e as<br />

separa, criando a cavidade.<br />

que produz dano em um doente depende, então, da energia do<br />

objeto e da densidade do tecido na via da troca de energia.<br />

Se toda a energia de impacto é direcionada a uma área<br />

pequena e esta força excede a resistência da pele, o objeto é<br />

inserido através do tecido. Esta é a definição do trauma pene¬<br />

trante. Se a força é disseminada por uma área maior e a pele não<br />

é penetrada, então o evento se encaixa na definição de trauma<br />

contuso. Em qualquer um dos casos, a cavidade formada no<br />

doente é criada pela força do objeto impactante. Mesmo com<br />

algo como uma bala, a superfície da área de impacto pode ser<br />

diferente, dados alguns lãtores, como o tamanho da bala, seu<br />

movimento no interior do corpo, a deformação ("cogumelo")<br />

e a fragmentação.<br />

Cavitação<br />

A mecânica básica da transferência de energia é relativamente<br />

simples. O impacto sobre as partículas do tecido acelera essas<br />

partículas, afastando-as do ponto de impacto. Os próprios<br />

tecidos podem se tornar objelos em movimento e colidir com<br />

outras partículas de tecido, produzindo um "efeito dominó".<br />

Um jogo comum que fornece um efeito visual da cavitação é o<br />

jogo de sinuca.<br />

A bola branca é impulsionada ao longo do comprimento<br />

da mesa de sinuca pela força dos músculos do braço. A bola<br />

branca colide com as bolas coloridas na outra extremidade da<br />

mesa. A energia do braço sobre a bola branca é transferida para<br />

cada uma das bolas coloridas (Fig. 4-6). A bola branca trans¬<br />

mite sua energia às outras bolas. As outras bolas começam a se<br />

mover, enquanto a bola branca, que perdeu sua energia, tem<br />

sua velocidade diminuída ou mesmo para de se mover. As<br />

outras bolas absorvem esta energia, na forma de movimento,<br />

e se distanciam do ponto de impacto. Uma cavidade é criada<br />

onde estava o conjunto de bolas. O mesmo tipo de troca de<br />

energia ocorre quando a bola de boliche rola pela pista e bate<br />

nos pinos, colocados na outra extremidade. O resultado desta<br />

troca de energia é uma cavidade. Este tipo de troca de energia<br />

é observado nos traumas penetrantes e contusos.<br />

Da mesma fornia, quando um objeto sólido atinge o corpo<br />

humano, ou quando o corpo humano está»em movimento e<br />

atinge um objeto estacionário, as partículas de tecido do corpo<br />

humano são deslocadas de sua posição normal, criando um<br />

orifício ou uma cavidade. Por isso, esse processo é chamado<br />

de cavitação.<br />

São criados dois tipos de cavidades:<br />

1. A cavidade temporária é causada pela distensão dos<br />

tecidos, que ocorre no momento do impacto. Devido às<br />

propriedades elásticas dos tecidos corpóreos, parte ou<br />

todo o conteúdo da cavidade temporária retorna à sua<br />

posição anterior. O tamanho, o formato e as porções<br />

da cavidade que se tornam parte do dano permanente<br />

dependem do tipo de tecido, de sua elasticidade e da<br />

capacidade de recuperação tecidual. A extensão desta<br />

cavidade geralmente não é visível quando o responsável<br />

pelo atendimento pré-hospitalar ou hospitalar examina o<br />

doente, mesmo segundos após o impacto.<br />

2. A cavidade permanente é deixada após o colapso da<br />

cavidade temporária e é a porção visível da destruição<br />

tecidual. Além disso, há uma cavidade de esmagamento<br />

produzida polo impacto direto do objeto no tecido. Estas<br />

duas cavidades podem ser observadas durante a avaliação<br />

do doente1' (Fig. 4-7).


50 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

r<br />

Cavidade<br />

permanente<br />

Cavidade<br />

temporária —<br />

Tecido lacerado e<br />

afastado pela<br />

passagem do projétil<br />

FIGURA 4-7 O dano tecidual é maior do que a cavidade permanente criada pelo projétil. Quanto mais rápido ou pesado for o<br />

projétil, maior a cavidade temporária e a zona de dano tecidual.<br />

A quantidade de cavidade temporária que permanece como<br />

cavidade permanente está relacionada à elasticidade (capaci¬<br />

dade de distensão) do tecido acometido. For exemplo, ao gol¬<br />

pear com muita força um tambor de aço com um taco de bei¬<br />

sebol, produz-se um entalhe, ou uma "cavidade", na sua parte<br />

lateral. Golpeando, com a mesma força e o mesmo taco de bei¬<br />

sebol, uma massa de espuma de borracha, do mesmo tamanho<br />

e formato do tambor de aço, não se produzirá entalhe quando<br />

o taco for removido (Fig. 4-8). A diferença é a elasticidade- a<br />

FIGURA 4-8 A. Bater com um bastão de beisebol em um<br />

tambor de aço cria uma cavidade lateral. B. Bater com um<br />

bastão de beisebol em um indivíduo geralmente não deixa uma<br />

cavidade visível, já que a elasticidade do tronco faz o corpo<br />

retornar a seu formato normal.<br />

espuma de borracha é mais elástica do que o tambor de aço. O<br />

corpo humano é mais semelhante à espuma do que ao tambor<br />

de aço. Se golpear com o punho o abdome de outra pessoa,<br />

você sente o punho comprimir o abdome. Porém, quando você<br />

retira o punho, não ficará entalhe. Do mesmo modo, um taco<br />

de beisebol que golpeia o tórax não deixará cavidade evidente<br />

na parede torácica, mas causará lesão. A história do incidente<br />

e a sua interpretação permitirão ao socorrista determinar o<br />

tamanho aproximado da cavidade temporária no momento<br />

do impacto. Os órgãos ou estruturas acometidos predizem as<br />

lesões.<br />

Quando o gatilho de uma arma carregada é puxado, ele<br />

atinge a cápsula de percussão e produz uma explosão no car¬<br />

tucho. A energia criada por essa explosão é transferida para<br />

o projétil, que sai em velocidade pela boca do cano da arma.<br />

O projétil agora tem energia, ou força (aceleração x massa =<br />

força). Após a transmissão dessa força, o projétil não pode<br />

desacelerar até sofrer a ação de uma força externa (primeira lei<br />

do movimento de Newton). Para que o projétil pare dentro do<br />

corpo humano, deve ocorrer nos tecidos uma explosão equiva¬<br />

lente à explosão ocorrida na arma (aceleração x massa = força<br />

= massa x desaceleração) (Fig. 4-9). Essa explosão é o resultado<br />

da transferência de energia que acelera as partículas de tecido<br />

para fora de sua posição normal, criando uma cavidade.<br />

Trauma Contuso e Penetrante<br />

O trauma é geralmente classificado como contuso ou pene¬<br />

trante. No entanto, a troca de energia e a lesão produzida são<br />

similares em ambos os tipos de trauma. A cavitação é obser¬<br />

vada em ambos; somente o tipo e a direção são diferentes. A<br />

única diferença real é a penetração da pele. Se toda a ener¬<br />

gia do objeto for concentrada em uma pequena área de pele,<br />

esta provavelmente será lacerada e o objeto entrará no corpo,<br />

criando uma troca de energia mais concentrada ao longo da<br />

via. Isto pode resultar em maior poder destrutivo em uma área.<br />

Um objeto maior, cuja energia é dispersa por uma área cutânea<br />

muito maior, pode não penetrar a pele. O dano é distribuído<br />

por uma área maior do corpo e o padrão lesionai é menos loca¬<br />

lizado. Um exemplo é a diferença do impacto de um caminhão<br />

grande em um pedestre versus o impacto de um tiro de arma<br />

de fogo (Fig. 4-10).


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 51<br />

Massa x aceleração<br />

7 ' _i<br />

Força<br />

Massa x desaceleração<br />

FIGURA 4-9 A medida que a bala segue sua trajetória, sua energia cinética é transferida ao tecido com o qual ela entra em<br />

contato, acelerando-o e distanciando-o da bala.<br />

No trauma contuso, a cavitação é, de modo geral, formada<br />

apenas pela cavidade temporária, e se distancia do ponto de<br />

impacto. O trauma penetrante cria uma cavidade permanente e<br />

uma cavidade temporária. A cavidade temporária que é criada<br />

se distancia da trajetória deste projétil, em direções frontal e<br />

lateral.<br />

WBBSt<br />

FIGURA 4-10 A força da colisão de um veículo com um<br />

indivíduo é geralmente distribuída sobre uma grande área,<br />

enquanto a força da colisão entre a bala e o indivíduo é<br />

localizada em uma área muito pequena, levando à penetração<br />

do projétil no corpo e nas estruturas subjacentes.<br />

Trauma Contundente<br />

Princípios Mecânicos<br />

Esta seção está dividida em duas parles principais. Primeira¬<br />

mente, são discutidos os eleitos mecânicos e estruturais no<br />

veículo envolvido em um acidente e, a seguir, os efeitos inter¬<br />

nos nos órgãos e estruturas corpóreas. Tais efeitos são impor¬<br />

tantes e devem ser compreendidos para a avaliação adequada<br />

dos doentes vítimas de traumas e das possíveis lesões obser¬<br />

vadas após a colisão.<br />

No trauma contuso, as observações feitas a campo das pro¬<br />

váveis circunstâncias que levaram à colisão fornecem indica¬<br />

ções da gravidade das lesões e dos possíveis órgãos envolvi¬<br />

dos. Os fatores a serem avaliados são (1) a direção do impacto,<br />

(2] o dano externo ao veículo (tipo e gravidade), e (3) os danos<br />

internos (p. ex., intrusão do compartimento interno do carro,<br />

deformação da coluna da direção, quebra do para-brisa em<br />

forma de alvo, danos nos espelhos e impactos do joelho no<br />

painel).<br />

No trauma contuso, duas forças estão envolvidas no<br />

impacto: cisalhamento e compressão; ambas podem provocar<br />

cavitação. Cisalhamento é o resultado de um órgão ou estru¬<br />

tura (ou parte de um órgão ou estrutura) que muda de veloci¬<br />

dade mais rápido do que outros órgãos ou estruturas (ou parte<br />

de um órgão ou estrutura). Esta diferença na aceleração (ou<br />

desaceleração) leva à separação das paries e ao cisalhamento.<br />

Compressão ó o resultado de um órgão ou estrutura (ou parte<br />

de um órgão ou estrutura) diretamente comprimido entre<br />

outros órgãos ou estruturas. A lesão pode ser resultante de<br />

qualquer tipo de impacto, como acidentes de trânsito (veículo<br />

ou motocicleta), colisões entre pedestres e veículos, quedas,<br />

lesões esportivas ou lesões por impacto. Todos estes mecanis¬<br />

mos áão discutidos separadamente, seguidos pelos resultados<br />

desta troca de energia na anatomia específica em cada uma das<br />

regiões corpóreas.<br />

Como anteriormente discutido neste capítulo, três colisões<br />

ocorrem no trauma contundente. A primeira é a colisão de<br />

um veículo em outro objelo. A segunda é a colisão que ocorre<br />

quando o possível doente bate no interior do compartimento<br />

interno do carro, no chão ao final de uma queda ou quando<br />

é atingido pela força criada em uma explosão. A terceira é<br />

quando as estruturas no interior das diversas regiões do corpo


52 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-11 Assim que o veículo atinge o poste, sua<br />

dianteira para, mas a traseira continua a se mover para a frente,<br />

provocando a deformação.<br />

(cabeça, lórax, abdome ele.) batem na parede daquela região<br />

ou perdem (devido à lorça de cisalhamento) suas inserções<br />

neste compartimento. A primeira destas colisões é discutida<br />

conforme sua relação com acidentes de trânsito, quedas e<br />

explosões. Os dois últimos são discutidos conforme as regiões<br />

específicas envolvidas.<br />

Colisões Automobilísticas<br />

Existem muitos tipos de trauma contundente, mas as colisões<br />

de veículos motorizados-incluindo colisões de motocicletas<br />

- são as mais comuns. Nos Estados Unidos, em 2008, 80% das<br />

vítimas fatais eram ocupantes de veículos. Os 14% restantes<br />

eram pedestres, ciclistas e outros não ocupantes, como rela¬<br />

tado por U. S. National Highway Traffic Safety Administration<br />

(NHTSA).0<br />

As colisões automobilísticas podem ser divididas em cinco<br />

tipos:<br />

1. Impacto frontal<br />

2. impacto posterior<br />

3. Impacto lateral<br />

4. Impacto angular<br />

5. Capotamento'<br />

Embora existam variações em cada padrão, a identifica¬<br />

ção cuidadosa dos cinco padrões facilitará a compreensão de<br />

outros tipos semelhantes de colisões.<br />

Um método para estimar a possibilidade de ocorrência de<br />

uma lesão no ocupante é a inspeção do veículo e a determi¬<br />

nação de qual dos cinco tipos de colisões ocorreu, a troca de<br />

energia envolvida e a direção do impacto. O ocupante recebe o<br />

mesmo tipo de força que o veículo, na mesma direção deste. A<br />

quantidade de força trocada com o ocupante, porém, pode ser<br />

ligeiramente reduzida pela absorção da energia pelo veículo.<br />

Impacto Frontal<br />

Na Figura 4-11, por exemplo, o centro do carro bateu contra<br />

um poste. O ponto de impacto interrompeu seu movimento<br />

para frente, mas o resto do carro continuou indo para frente<br />

até a energia ser absorvida pela deformação do carro. O mesmo<br />

tipo de movimento ocorre com o motorista e resulta em lesão.<br />

A coluna rígida da direção é impactada pelo tórax, talvez no<br />

centro do esterno. À medida que o carro continua se movendo<br />

adiante, deformando, de modo significativo, a frente do veí¬<br />

culo, o tórax do motorista também vai para a frente. A medida<br />

que o esterno interrompe seu movimento para a frente contra<br />

o painel, a parede posterior do lórax continua, até a energia ser<br />

absorvida pela flexão e por possível fralura das costelas. Este<br />

processo também esmaga o coração e os pulmões, que são<br />

aprisionados entre o esterno, a coluna vertebral e a parede<br />

torácica posterior.<br />

A intensidade do estrago no carro indica sua velocidade<br />

aproximada no momento do impacto. Quanto maior o afunda¬<br />

mento da frente do veículo, maior a velocidade no momento<br />

do impacto. Quanto maior a velocidade do veículo, maior a<br />

transferência de energia e maior a probabilidade de que os<br />

ocupantes tenham lesões graves.<br />

Embora no impacto frontal o veículo pare de repente, o<br />

ocupante continua a se mover e segue um dos dois caminhos<br />

possíveis: por cima ou por baixo.<br />

O uso do cinto de segurança e o acionainenlo do airbag,<br />

ou sistema de restrição, absorve parte da ou toda a energia,<br />

reduzindo assim a ocorrência de lesões na vítima. Para que<br />

a discussão seja mais clara e simples, nestes exemplos, assume-se<br />

que o ocupante do veículo não esteja usando o cinto de<br />

segurança.<br />

Trajetória por Cima. Nesta sequência, o movimento do corpo<br />

para a frente leva-o para cima, sobre Ojvolanle (Fig. 14-12). A<br />

cabeça é geralmente a parte do corpo .que colide com o para-<br />

-brisa, com sua borda ou com o teto. A cabeça então interrompe<br />

o movimento para a frente. O tronco continua em movimento<br />

até que sua energia/força seja absorvida pela coluna. A coluna<br />

cervical é o segmento menos protegido da coluna. O tórax ou<br />

o abdome, dependendo da posição do tronco, colidem com a<br />

coluna de direção. O impacto do tórax sobre a coluna de dire¬<br />

ção produz lesões da caixa torácica, do coração, dos pulmões c<br />

da aorta (ver Efeitos Regionais do Trauma Contuso). O impacto<br />

do abdome sobre a coluna de direção pode comprimir e esma¬<br />

gar os órgãos parenquimalosos, causar lesões por hiperpressão<br />

(especialmente no diafragma) e romper órgãos ocos. Os<br />

rins, o baço e o fígado também sofrem lesões por cisalhamento<br />

quando o abdome colide com o volante e para abruptamente.<br />

Um órgão pode ser separado de seus ligamentos e tecidos de<br />

sustentação (Fig. 4-13). For exemplo, a continuação do movi¬<br />

mento dos rins, depois que a coluna vertebral já parou, leva ao<br />

esgarçamento da fixação desses órgãos no pedículo dos vasos.<br />

A aorta e a veia cava são aderidas tão firmemente à parede<br />

abdominal posterior e à coluna vertebral que o movimento<br />

contínuo dos rins para a frente pode estirar os vasos renais<br />

até o ponto de ruptura. O mesmo pode acontecer com a aorta


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 53<br />

Parede<br />

abdominal<br />

Baço<br />

Deslocamento<br />

de fígado, baço<br />

e intestino<br />

Ligamento<br />

FIGURA 4-12 A configuração do banco e a posição do<br />

ocupante podem direcionar a força inicial à porção superior do<br />

tronco, sendo a cabeça a ponta principal.<br />

Mesentério Intestino grosso<br />

FIGURA 4-13 Os órgãos podem ser separados de seus<br />

pontos de inserção na parede abdominal. O baço, o fígado e o<br />

intestino delgado são particularmente suscetíveis a estes tipos<br />

de forcas de cisalhamento.<br />

torácica, na transição entre o arco aórtico, que é mais solto, e a<br />

aorta descendente, firmemente aderida à coluna (Fig. 4-14).<br />

Trajetória por Baixo. Na trajetória por baixo, o ocupante conti¬<br />

nua a se mover para baixo em direção ao assento e para a frente<br />

em direção ao painel ou à coluna da direção (Fig. 4-15). A<br />

importância de compreender a biomecânica pode ser ilustrada<br />

pelo que acontece com o joelho nesse trajeto. Uma vez que<br />

muitas lesões são de difícil identificação, uma compreensão<br />

do mecanismo de trauma é muito importante.<br />

0 pé pode torcer, se estiver apoiado no assoalho ou no<br />

pedal do freio, e, se o joelho estiver estirado, enquanto o movi¬<br />

mento continuado do tronco causa a torção e a fratura da arti¬<br />

culação do tornozelo. Na maioria dos casos, entretanto, os joe¬<br />

lhos já estão dobrados e a força não é direcionada ao tornozelo.<br />

Por isso, eles se chocam contra o painel.<br />

0 joelho possui dois possíveis pontos de impacto contra<br />

o painel: o fémur e a tíbia (Fig. 4-16A). Se a tíbia colidir com o<br />

painel e parar primeiro, o femur permanece em movimento<br />

e ultrapassa a tíbia. Isso resulta em luxação do joelho, com<br />

ruptura dos ligamentos, tendões e outras estruturas de sus¬<br />

tentação. Como a artéria poplítea está intimamente ligada à<br />

articulação do joelho, a luxação da articulação com frequência<br />

provoca a lesão desse vaso. A artéria poplítea pode se romper<br />

completamente ou pode haver lesão apenas no revestimento<br />

interno (íntima) da artéria (Fig. 4-16B). Em qualquer um dos<br />

casos, pode-se formar um coágulo no vaso lesado, o que leva à<br />

redução significativa do fluxo sanguíneo nos tecidos da perna<br />

abaixo do joelho. O reconhecimento precoce da possibilidade<br />

de lesão da artéria poplítea alertará os médicífis para a necessi¬<br />

dade de avaliar esse vaso.<br />

A identificação e o tratamento precoces de uma lesão da<br />

artéria poplítea diminuem significativamente as complicações<br />

decorrentes da isquemia distal do membro. A perfusão dessa<br />

área deve ser restabelecida no período de cerca de seis horas.<br />

Pode ocorrer atraso, seja porque o socorrista não reconheceu<br />

a biomecânica da lesão, seja porque não percebeu indícios<br />

importantes durante a avaliação do doente.<br />

Embora a maioria desses doentes apresente evidência de<br />

lesão no joelho, uma marca no painel no lugar de impacto do<br />

joelho é o principal indicador de que energia significativa foi<br />

focalizada nessa articulação e em estruturas adjacentes (Fig.<br />

4-17). No hospital, uma investigação mais detalhada é neces¬<br />

sária, para melhor eliminar a possível ocorrência de lesões.<br />

Quando o fémur é o ponto de impacto, a energia é absor¬<br />

vida na diálise do osso, que pode se quebrar (Fig. 4-'18). A con¬<br />

tinuação do movimento da pelve para a frente, sobre o fémur<br />

que permanece intacto, pode fazer com que a bacia ultrapasse<br />

a cabeça desse osso, causando a luxação posterior da articula¬<br />

ção do acetábulo (Fig. 4-19).<br />

Após o impacto dos joelhos, a parte superior do corpo vem<br />

para a frente em direção à coluna da direção ou ao painel.


54 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Artéria carótida<br />

comum esquerda<br />

Artéria subclávia esquerda<br />

Arco aórtico<br />

Pseudoaneurisma<br />

Aorta<br />

descendente<br />

Coluna<br />

Arco aórtico<br />

Artéria carótida<br />

comum esquerda<br />

j<br />

mm<br />

Artéria subclávia esquerda<br />

Aorta<br />

descendente<br />

FIGURA 4-14 A. A aorta descendente é uma estrutura fixa que se move com a coluna torácica. O arco aórtico, a aorta e o<br />

coração se movimentam livremente. A aceleração do tronco no impacto de uma colisão lateral ou a rápida desaceleração do<br />

tronco no impacto frontal produz uma taxa diferente de movimento entre o complexo arco-coração e a aorta descendente. Este<br />

movimento pode resultar na laceração do revestimento interno da aorta, que é contida em sua camada mais externa, produzindo<br />

um pseudoaneurisma. B. Lacerações na junção entre o arco aórtico e a aorta descendente também podem levar à ruptura completa<br />

e à imediata exsanguinação torácica. C e D. Fotografia intraoperatória e desenho da laceração do arco aórtico.<br />

(A de McSwain NE Jr, Paturas JL: The Basic EMT: Comprehensive Prehospital Patienl Care, ed 2, St. Louis, 2001, Mosby.)<br />

A vítima que não usa cinto de segurança pode, então, sofrer<br />

muitas das lesões descritas anteriormente para a trajetória por<br />

cima.<br />

O reconhecimento dessas lesões potenciais e a transmissão<br />

dessas informações para os médicos do pronto-socorro podem<br />

trazer benefícios a longo prazo para o doente.<br />

Impacto Posterior<br />

As colisões com impacto posterior ocorrem quando um veí¬<br />

culo em movimento lento ou parado é atingido por trás por<br />

um veículo com maior velocidade. Para facilitar a compre¬<br />

ensão, o veículo que se move mais rapidamente é chamado<br />

"veículo-projélil" e o veículo mais lento ou parado é chamado<br />

"veículo-alvo". Nessas colisões, a energia do veículo-projétil<br />

no momento do impacto é convertida à aceleração do veículo-<br />

'<br />

alvo, e há danos em ambos. Quanto maior for a diferença entre<br />

a velocidade dos dois veículos, maior será a força do impacto<br />

inicial e maior será a energia disponível para provocar o dano<br />

e a aceleração.<br />

Durante o impacto traseiro, o veículo-alvo, em frente, é ace¬<br />

lerado adiante. Tudo o que estiver ligado á sua estrutura tam¬<br />

bém será movido para a frente, à mesma velocidade, incluindo<br />

os assentos dos ocupantes. Os objetos soltos no interior do<br />

veículo, incluindo os ocupantes, só começarão o movimento<br />

para frente depois que alguma coisa em contalo com o chassi<br />

começar a transmitir a energia do movimento do chassi a


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 55<br />

FIGURA 4-15 O ocupante e o veículo se movimentam para a<br />

frente, juntos. O veículo para e, sem o cinto de segurança, o<br />

ocupante segue adiante até que algo interrompa o movimento.<br />

FIGURA 4-17 O ponto de impacto do joelho no painel indica<br />

a existência de uma trajetória descendente e a significativa<br />

absorção da energia pelo membro inferior.<br />

Artéria<br />

poplítea<br />

FIGURA 4-16 A. Em um acidente automobilístico, o joelho<br />

possui dois possíveis pontos de impacto: o fémur e a tíbia.<br />

B. A artéria poplítea repousa próximo à articulação, intimamente<br />

ligada ao fémur, acima, e à tíbia, abaixo. A separação desses<br />

dois ossos distende, retorce e lacera a artéria.<br />

FIGURA 4-18 Quando o fémur é o ponto de impacto, a<br />

energia é absorvida pelo corpo do osso, que pode, então, ser<br />

fraturada.<br />

esses objetos ou ocupantes. Como exemplo, o tronco é acele¬<br />

rado pela parte de trás do assento depois de parte da energia<br />

ter sido absorvida pelas molas do assento. Se o descanso de<br />

cabeça estiver incorretamente posicionado, atrás e abaixo da<br />

porção occipital da cabeça, esta inicia sua movimentação para<br />

a frente após o tronco, levando à hiperextensão do pescoço. O<br />

cisalhamento e a distensão de ligamentos e outras estruturas<br />

de apoio, principalmente na porção anterior do pescoço, pode<br />

resultar em lesão (Fig. 4-20A).<br />

Se o encosto da cabeça estiver posicionado adequada¬<br />

mente, a cabeça se moverá praticamente ao mesmo tempo que<br />

o tronco, não ocorrendo hiperextensão (Figs. 4-20B e 4-21). Se<br />

o veículo-alvo puder se mover para a frente sem interferência<br />

até parar, o ocupante provavelmente não sofrerá lesões signifi¬<br />

cativas, porque a maior parte do movimento do corpo é supor-<br />

FIGURA 4-19 O movimento contínuo para a frente da pelve em<br />

direção ao fémur pode ultrapassar a cabeça do osso, resultando<br />

no deslocamento posterior da articulação coxofemoral.


56 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA.4-22 O impacto lateral empurra todo o veículo em<br />

direção ao passageiro sem cinto de segurança. O passageiro<br />

que usa o cinto se move lateralmente, acompanhando o veículo,<br />

FIGURA 4-20 A. Uma colisão traseira força o tronco para a<br />

frente. Caso o encosto esteja inadequadamente posicionado, a<br />

cabeça será hiperestendida sobre a porção superior da estrutura.<br />

B. Se o encosto estiver para cima, a cabeça se move com o<br />

tronco, e a ocorrência de uma lesão no pescoço é prevenida.<br />

lada pelo assento, à semelhança do que acontece quando um<br />

astronauta é lançado em órbita.<br />

Entretanto, se o carro colidir com outro veículo ou objelo,<br />

ou se o motorista pisar no freio e o carro parar abruptamente,<br />

os ocupantes serão arremessados para a frente, seguindo os<br />

padrões característicos da colisão com impacto frontal. Por¬<br />

tanto, a colisão envolve dois impactos, o posterior e o frontal.<br />

O duplo impacto aumenta a probabilidade de lesão.<br />

Impacto Lateral<br />

Os mecanismos do impacto lateral ocorrem quando o veículo<br />

se envolve em uma colisão em um cruzamento (em formato de<br />

"T") ou quando o veículo sai da pista e bate em um poste, uma<br />

árvore ou em outro obstáculo nas margens da estrada. Caso a<br />

colisão ocorra em um cruzamento, o veículo-alvo é impulsio¬<br />

nado pelo impacto na direção oposta à força gerada pelo veículo-projétil.<br />

A lateral do veículo ou a porta é empurrada contra<br />

o ocupante. Os ocupantes podem sofrer lesões ao serem des¬<br />

locados lateralmente (Fig. 4-22) ou com a deformação interna<br />

do compartimento do passageiro pela intrusão da porta (Fig.<br />

4-23). As lesões causadas pelo movimento do veículo serão<br />

menos graves se o ocupante estiver contido e se movimentar<br />

junto com o veículo."<br />

Cinco regiões do corpo podem sofrer lesão no impacto<br />

lateral:<br />

a<br />

1. Clavícula. A clavícula pode ser comprimida e fraturada<br />

quando forçada contra o ombro (Fig. 4-24).<br />

2. Tórax. A compressão da parede torácica pode causar<br />

fratura de costelas, contusão pulmonar ou lesão por<br />

compressão de órgãos sólidos abaixo da caixa torácica,<br />

além de lesões por hiperpressão (p. ex., pneumotórax)<br />

FIGURA 4-21<br />

Encosto de Cabeça<br />

Nos Estados Unidos, se puder ser provado que o descanso<br />

de cabeça da vítima não estava corretamente posicionado<br />

quando a lesão no pescoço ocorreu, algumas cortes<br />

consideram a redução da responsabilidade de uma das<br />

partes no acidente, com base no fato de que a negligência da<br />

vítima contribuiu para a ocorrência das lesões (negligência<br />

contribuinte). Medidas similares têm sido consideradas<br />

em casos de inutilização dos equipamentos de segurança.<br />

Doentes idosos apresentam maior frequência de lesão.35 FIGURA 4-23 A intrusão dos painéis laterais no<br />

compartimento do passageiro é outra fonte de lesão.


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 57<br />

Impacto<br />

Impacto<br />

Impacto<br />

FIGURA 4-24 A. A compressão do ombro contra a clavícula provoca fraturas medianas no ponto médio desse osso. B. A<br />

compressão contra a porção lateral do tórax e a parede abdominal pode fraturar costelas e lesionar o baço, o fígado e o rim<br />

subjacente. C. O impacto lateral no fémur empurra a cabeça do osso através do acetábulo ou provoca fraturas pélvicas.<br />

(Fig. 4-24B). Lesões da aorta por cisalhamento podem ser<br />

causadas por aceleração lateral (25% das lesões da aorta<br />

por cisalhamento ocorrem em colisões com impacto<br />

lateral). 10,11,12<br />

3. Abdome e pelve. A intrusão comprime e fratura a<br />

bacia e empurra a cabeça do fémur contra o acetábulo<br />

(Fig. 4-24C). Os ocupantes do lado do motorista são<br />

vulneráveis a lesões de baço, porque o baço esta do lado<br />

esquerdo do corpo, ao passo que os ocupantes do lado<br />

do passageiro têm maior probabilidade de sofrer lesão de<br />

fígado.<br />

4. Pescoço. Nas colisões laterais, o tronco pode se mover,<br />

deixando de ficar debaixo da cabeça, como ocorre nos<br />

impactos posteriores. O ponto de fixação da cabeça é<br />

posterior e inferior ao centro de gravidade da cabeça;<br />

portanto, o movimento da cabeça em relação ao pescoço é<br />

deflexão lateral e rotação. O lado contralateral da coluna<br />

é aberto (distração) e o ipsilateral, comprimido. Isso pode<br />

fraturar as vértebras ou, com maior probabilidade, levar à<br />

sobreposição de facetas articulares e possíveis luxações,<br />

bem como lesões no cordão medular (Fig. 4-25).<br />

5. Cabeça. A cabeça pode sofrer impacto contra a estrutura<br />

da porta.<br />

Impactos no lado mais próximo produzem mais lesões do<br />

que impactos no lado distante.<br />

Impacto Rotacional<br />

Colisões com impacto rotacional ocorrem quando um canto<br />

do carro atinge um objeto imóvel, o canto de outro veículo ou<br />

um veículo em movimento mais lento ou na direção oposta ao<br />

primeiro veículo. Seguindo a primeira lei do movimento de<br />

Newton, esse canto do carro para, enquanto o restante do carro<br />

continua seu movimento para a frente até que sua energia seja<br />

totalmente transformada.<br />

*<br />

Colisões com impacto rotacional resultam em lesões que<br />

são uma combinação daquelas observadas em colisões com<br />

impacto frontal e lateral: a vítima continua a se mover para a<br />

frente e, depois, é atingida pela face lateral do carro (como se<br />

fosse uma colisão lateral), à medida que o carro roda ao redor<br />

do ponto de impacto (Fig. 4-26). Lesões mais graves são obser¬<br />

vadas na vítima mais próxima do ponto de impacto.<br />

Capotamento<br />

Durante um capotamento, o carro pode sofrer muitos impactos<br />

em vários ângulos diferentes, assim como o corpo e os órgãos<br />

dos ocupantes não contidos (Fig. 4-27). Podem ocorrer trau¬<br />

matismos e lesões em cada um desses impactos. Em colisões<br />

com capotamento, um ocupante contido frequentemente sofre<br />

lesões do tipo cisalhamento por causa das forças significativas<br />

criadas pelo veículo no momento do capotamento. As forças<br />

são semelhantes às de um carrossel. Embora os ocupantes este¬<br />

jam seguros por dispositivos de contenção, os órgãos internos<br />

ainda se movem e podem ser lacerados nas áreas de tecido<br />

conjuntivo. Lesões mais graves ocorrem como resultado da<br />

falta de contenção. Na maioria dos casos, os ocupantes são ejetados<br />

do veículo enquanto ele capota e/ou são esmagados à<br />

medida que o veículo capota em cima deles, ou sofrem lesões<br />

pelo impacto com o chão. Se os ocupantes forem ejetados para


58 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Flexão<br />

Centro da gravidade<br />

Rotação<br />

Impacto<br />

FIGURA 4-25 O centro de gravidade do crânio é anterior e superior ao pivô formado pelo crânio e pela coluna cervical. Durante<br />

um impacto lateral, quando o torso é rapidamente acelerado e distanciado da cabeça, esta se vira em direção ao ponto de impacto,|<br />

em ângulos lateral e anteroposterior. Tal movimentação separa os corpos vertebrais do lado oposto ao impacto, rotacionando-os e<br />

separando-os. Transposição de facetas e ligamentos, lacerações e fraturas laterais por compressão podem ser observadas.<br />

FIGURA 4-26 Em uma colisão com impacto rotacional, a vítima primeiro se move para a frente e, depois, para a lateral, conforme<br />

o veículo rodopia ao redor do ponto de impacto.<br />

FIGURA 4-27 Durante um capotamento, o ocupante sem cinto<br />

de segurança pode ser completa ou parcialmente ejetado do<br />

veículo ou bater no interior do carro. Esta ação produz múltiplas<br />

lesões, imprevisíveis e, de modo geral, graves.<br />

a pisla, podem ser atingidos por outro veículo. A NHTSA<br />

relata que, em acidentes com morte, no ano de 2008, 77% dos<br />

ocupantes que foram completamente ejetados de um veículo<br />

faleceram.13<br />

Incompatibilidade de Veículos<br />

Os tipos de veículos envolvidos na colisão têm um papel<br />

importante no potencial para a ocorrência de lesões e de morte j<br />

dos ocupantes. Por exemplo, em um impacto lateral entre dois '<br />

carros sem airbags, os ocupantes do carro atingido na lateral<br />

têm probabilidade 5,6 vezes maior de morrerem do que os do<br />

veículo que atinge esse carro. Isso, em grande parte, pode sor !<br />

explicado pela ausência relativa de proteção da lateral de um<br />

carro, comparada com a grande quantidade de deformação<br />

que pode ocorrer na parte dianteira de um veículo antes que<br />

haja intrusão no compartimento de passageiros. No entanto,<br />

quando o veículo atingido (por um carro) em uma colisão late¬<br />

ral for um veículo utilitário esportivo (SUV), um furgão ou<br />

uma caminhonete, e não um carro, o risco de morte dos ocu¬<br />

pantes será quase o mesmo para todos os veículos envolvidos.<br />

Desse modo, SUV, furgões e caminhonetes fornecem proteção<br />

adicional aos seus ocupantes, pois o compartimento de passa¬<br />

geiros situa-se em posição mais elevada em relação ao solo do<br />

que o dos carros e os ocupantes recebem um impacto direto<br />

menor em uma colisão lateral.<br />

Foram documentadas lesões mais graves e um grande<br />

aumento do risco de morte dos ocupantes de um carro atingido<br />

na lateral por uma caminhonete, SUV ou furgão. Em uma coli¬<br />

são com impacto lateral entre uma caminhonete e um carro,


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 59<br />

FIGURA 4-28 O cinto de segurança adequadamente colocado<br />

se localiza abaixo da crista ilíaca anterossuperior de cada lado,<br />

acima do fémur, e é firme o suficiente para se manter nesta<br />

posição. A pelve em formato de bacia protege os delicados<br />

órgãos intra-abdominais.<br />

os ocupantes do carro atingido na lateral têm probabilidade<br />

13 vezes maior de morrerem do que os da caminhonete. Se<br />

o veículo que atinge for um furgão ou um SUV, os ocupan¬<br />

tes do carro atingido na lateral têm uma probabilidade 25-30<br />

vezes maior de morrerem do que os do furgão ou do SUV. Essa<br />

disparidade incrível é causada pelo centro de gravidade mais<br />

elevado e pela maior massa da caminhonete, do SUV ou do fur¬<br />

gão.0conhecimento dos tipos de veículos nos quais os ocupan¬<br />

tes estavam em uma colisão pode fazer com que os socorristas<br />

tenham um índice de suspeição maior para lesões graves.<br />

Sistemas de Proteção e Restrição dos Ocupantes<br />

Cintos de Segurança. Nos padrões de trauma previamente<br />

descritos, assumiu-se que as vítimas não estavam contidas. A<br />

NHTSA relatou que, em 2008, apenas 17% dos ocupantes não<br />

usavam o cinto de segurança, em comparação a 67%, no rela¬<br />

tório de 1999 da NHTSA.1'1 A ejeção de veículos foi responsá¬<br />

vel por, aproximadamente, 25% das 44 mil mortes veiculares<br />

em 2002. Cerca de 77% dos passageiros ocupantes de veículos<br />

que foram completamente ejetados faleceram:1'1 uma em cada<br />

13 vítimas de ejeção sofre fratura de coluna. Depois de ejetado<br />

do veículo, o corpo é submetido a um segundo impacto, ao<br />

atingir o solo (ou outro objeto) fora do carro. Esse segundo<br />

impacto pode resultar em lesões mais graves do que as causa¬<br />

das pelo impacto inicial. O risco de vida das vítimas ejetadas<br />

éseis vezes maior do que o das vítimas não ejetadas. Definiti¬<br />

vamente, os cintos de segurança salvam vidas.'<br />

Nos Estados Unidos, a NHTSA relata que 49 estados e o dis¬<br />

trito de Columbia possuem legislação acerca do uso de ciutos<br />

de segurança. Entre 2004 e 2008, mais de 75 mil vidas foram<br />

salvas pelo uso destes dispositivos de restrição. ir' A NHTSA<br />

estima que mais de 255 mil vidas foram salvas, apenas nos<br />

FIGURA 4-29 O cinto de segurança incorretamente<br />

posicionado, acima da borda pélvica, permite que os órgãos<br />

abdominais sejam aprisionados pela parede posterior em<br />

movimento e o cinto. Em decorrência disso, há lesões no<br />

pâncreas e em outros órgãos retroperitoneais, assim como<br />

rupturas por explosão do intestino delgado e do cólon.<br />

Estados Unidos, desde 1975. Além disso, a NHTSA relata que<br />

mais de 13 mil vidas foram salvas pelos cintos de segurança,<br />

nos Estados Unidos, em 2008 e que, se todos os ocupantes os<br />

utilizassem, o total de vidas salvas seria superior a 17 mil.<br />

Mas o que acontece quando as vítimas estão contidas? Se<br />

o cinto de segurança estiver posicionado adequadamente, a<br />

pressão do impacto é absorvida pela pelve e pelo tórax, resul¬<br />

tando em nenhuma ou em poucas lesões graves (Fig. 4-28). O<br />

uso apropriado dos dispositivos de contenção transfere a força<br />

do impacto do corpo do doente para o cinto de segurança e<br />

o sistema de contenção. Com a utilização de dispositivos de<br />

contenção, a probabilidade de sofrer lesões com risco de vida<br />

diminui consideravelmente.7,15'10<br />

Para que sejam eficientes, os dispositivos de contenção<br />

devem ser usados adequadamente. Um dispositivo de conten¬<br />

ção usado inadequadamente pode não proteger na eventuali¬<br />

dade de colisão, podendo até mesmo provocar lesão. Quando<br />

os cintos são utilizados e deixados frouxos, ou são posiciona¬<br />

dos acima da pelve, podem ocorrer lesões por compressão de<br />

órgãos intra-abdominais parenquimatosos. Lesões de órgãos<br />

intra-abdominais parenquimatosos (baço, fígado e pâncreas)<br />

ocorrem em consequência da compressão entre o cinto de segu¬<br />

rança e a parede abdominal posterior (Fig. 4-29). O aumento<br />

da pressão intra-abdominal pode produzir ruptura diafragmática<br />

e herniação de órgãos abdominais. Cintos de dois pontos<br />

também não devem ser usados de modo isolado, mas combi¬<br />

nados à restrição do ombro. Fraturas por compressão anterior<br />

da coluna lombar podem ser observadas à medida que as par¬<br />

tes superiores e inferiores do tronco são rotacionadas sobre o<br />

cinto de dois pontos e à medida que a décima segunda vérte¬<br />

bra torácica (T12), a primeira lombar (Ll) e a segunda lombar<br />

(L2) são restritas. Muitos ocupantes de veículos ainda colocam


60 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-30<br />

Airbags<br />

Os airbags localizados em frente ao banco dianteiro do<br />

passageiro são comprovadamente perigosos para crianças e<br />

adultos de porte pequeno, principalmente quando as crianças<br />

são colocadas neste assento em posições incorretas ou em<br />

cadeirinhas mal instaladas. Crianças com menos de 12 anos<br />

de idade sempre devem utilizar os equipamentos de segurança<br />

indicados e devem ser transportadas no banco de trás. Pelo<br />

menos um estudo mostrou que quase 99% dos pais analisados<br />

não sabia como instalar corretamente os sistemas de segurança<br />

para crianças.<br />

Os motoristas devem sempre estar a pelo menos 25 cm da<br />

capa do airbag, e os passageiros sentados no banco da frente<br />

devem estar a pelo menos 45 cm de distância. Na maioria dos<br />

casos, quando as disposições nos assentos e as distâncias são<br />

adequadas, as lesões causadas por airbags são limitadas a<br />

simples abrasões.<br />

Airbags são atualmente encontrados em muitos veículos,<br />

nas laterais e sobre as portas.<br />

FIGURA 4-32 A expansão do airbag em óculos produz<br />

abrasões.<br />

(De McSwain NE Jr, Paturas JL: The Basic EMT: Compreensive Prehospitalar Patiente Care, ed2, |<br />

2001,St Louis, Mosby.)<br />

FIGURA 4-31 Abrasões no antebraço são secundárias à rápida<br />

abertura do airbag quando as mãos seguram o volante com<br />

firmeza.<br />

(De McSwain NE Jr, Paturas JL: The Basic EMT: Compreensive Prehospitalar Patiente Care, ed 2,<br />

2001, St Louis, Mosby.)<br />

a lira diagonal sob o braço, e não sobre o ombro, possibilitando<br />

a ocorrência de lesões graves.<br />

À medida que foram promulgadas leis de uso obrigatório<br />

do cinto de segurança, a gravidade geral das lesões diminuiu<br />

e o número de colisões fatais tem apresentado uma redução<br />

significativa.<br />

Airbags. Airbags devem ser sempre usados em combinação<br />

com cintos de segurança para fornecer proteção máxima ao<br />

ocupante do veículo. Originalmente, os sistemas de a/ròa«|<br />

para o motorista e o passageiro do banco da frente foram projelados<br />

para amortecer o movimento para a frente apenas dos<br />

ocupantes desses bancos. Os airbags absorvem lentamente<br />

a energia, aumentando a distância de parada do corpo. São j<br />

muito eficientes na primeira colisão de impactos frontais<br />

quase frontais (65%-70% das colisões que ocorrem dentro dej<br />

30 graus dos faróis). Entretanto, muitos airbags desinflam logol<br />

após o impacto e, por isso, não são eficientes em colisões com<br />

impactos múltiplos nem em colisões posteriores. Um airbag<br />

infla e desinfla dentro de 0,5 segundo. Se o carro desviar para]<br />

a trajetória de outro carro que vem em sua direção, ou sair i<br />

estrada em direção a uma árvore, o airbag não protege mais. Os<br />

airbags laterais aumentam a proteção dos ocupantes.<br />

Quando os airbags são acionados, podem produzir lesõespequenas,<br />

porém perceptíveis, que devem ser tratadas pelo!<br />

socorrista (Fig. 4-30). Essas lesões incluem abrasões de braços,<br />

tórax e face (Fig. 4-31), corpo estranho na face e nos olhos, e<br />

lesões causadas pelos óculos do ocupante (Fig. 4-32). Mesmo!<br />

os airbags que não foram acionados podem ser perigosos para<br />

a vítima e para o socorrista. Os airbags devem ser desalivados<br />

por um especialista treinado para fazê-lo da maneira adequada<br />

e segura. Essa desativação não deve retardar o atendimento i<br />

vítima nem a retirada de vítima grave.<br />

Os airbags são significativamente perigosos para bebés e<br />

crianças sem cinto de segurança ou colocados em cadeirinha!)<br />

infantis viradas para trás no assento do passageiro da frente,<br />

Das mais de 290 mortes provocadas pelo aciònamento de «ir-:<br />

bags, quase 70% foram de passageiros no banco da frente, doíj<br />

quais 90% eram bebés ou crianças.


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 61<br />

Fraturas<br />

bilaterais do fémur<br />

FIGURA 4-33 A posição de um motociclista está acima do<br />

ponto de contato da roda da frente quando a motocicleta atinge<br />

um objeto de frente.<br />

FIGURA 4-34 O corpo segue para a frente e sobre a<br />

motocicleta, levando ao impacto das coxas e dos fémures nos<br />

guidões. O motorista também pode ser ejetado.<br />

Colisões de Motocicleta<br />

Colisões de motocicleta são responsáveis por um número sig¬<br />

nificativo de mortes lodo o ano. Embora as leis da física para<br />

colisões de motocicleta sejam as mesmas, o mecanismo de<br />

trauma é diferente do mecanismo das colisões automobilísti¬<br />

cas. Essas variações ocorrem nos seguintes tipos de impacto:<br />

frontal, angular ou com ejeção. Outro fator que aumenta a<br />

ocorrência de mortes, deficiências e lesões é a ausência de<br />

estrutura ao redor do motociclista, que está presente em outros<br />

veículos motorizados.<br />

Impacto Frontal<br />

A colisão frontal contra um objeto sólido interrompe o movi¬<br />

mento da motocicleta (Fig. 4-33). Uma vez que seu centro de<br />

gravidade se encontra acima e atrás do eixo da frente, que é o<br />

ponto fixo nessa colisão, a motocicleta tomba para a frente e<br />

o motociclista colide com o guidão. O motociclista pode sofrer<br />

lesões no crânio, no tórax, no abdome ou na pelve, depen¬<br />

dendo da parte do corpo que colidir com o guidão. Se os pés<br />

do motociclista permanecerem nos pedais e as coxas colidirem<br />

com o guidão, o movimento para a frente será absorvido pela<br />

diálise do fémur, resultando, frequentemente, em fratura bila¬<br />

teral de fémur (Fig. 4-34). Fraturas pélvicas em "livro aberto"<br />

são um resultado comum da interação entre a pelve do moto¬<br />

ciclista e o guidão.<br />

Impacto Angular<br />

Na colisão com impacto angular, a motocicleta atinge o objeto<br />

em ângulo. A motocicleta cai sobre o motociclista, ou prensa-o<br />

entre o veículo e o objeto que foi atingido. Podem ocorrer<br />

lesões nos membros superiores ou inferiores, o que resulta em<br />

fratura e lesão extensa de partes moles. (Fig. 4-35). Em conse¬<br />

quência da transferência de energia, podem ocorrer lesões de<br />

órgãos da cavidade abdominal.<br />

Impacto com Ejeção<br />

Por não estar contido, o motociclista pode ser ejetado. Ele<br />

continua voando até que sua cabeça, braços, tórax, abdome ou<br />

pernas atinjam outro objeto, como um veículo motorizado, um<br />

poste ou o chão. A lesão ocorre no ponto de impacto e se irra¬<br />

dia para o resto do corpo à medida que a energia é absorvida.7<br />

Prevenção de Lesão<br />

Muitos motociclistas não utilizam proteção adequada. Os equi¬<br />

pamentos para proteção do motociclista incluem botas, roupas<br />

de couro e capacetes. Dentre esses três dispositivos, o capa¬<br />

cete oferece a melhor proteção. Ele é construído à semelhança<br />

do crânio: é forte, e protetor externamente e capaz de absor¬<br />

ver energia na face interna. A estrutura do capacete absorve<br />

grande parte do impacto e reduz, assim, a lesão de face, crâ¬<br />

nio e cérebro. A não utilização do capacete tem mostrado um<br />

aumento nas lesões do crânio em mais de 300%. O capacete<br />

oferece pouca proteção para a região cervical, mas não provoca<br />

trauma cervical. As leis que obrigam a usar capacete funcio¬<br />

nam. No estado da Louisiana, nos primeiros seis anos após a<br />

promulgação da lei do capacete, houve redução de 60% nos<br />

traumas de crânio. Muitos estados que promulgaram lei seme¬<br />

lhante tiveram também redução do número de incidentes com<br />

motocicletas.<br />

"Deitar a motocicleta" é manobra de proteção usada pelos<br />

motociclistas com o intuito de separá-los da motocicleta<br />

quando uma colisão é iminente (Fig. 4-36). Nessa manobra,<br />

o condutor deita a motocicleta de lado e arrasta a face lateral<br />

da perna no chão. Tal manobra reduz mais a velocidade do<br />

motociclista do que a da motocicleta, de tal forma que a moto¬<br />

cicleta e o condutor se separam. O motociclista desliza sobre<br />

o pavimento, mas não fica preso entre a motocicleta e o objeto<br />

que é atingido. Esses motociclistas geralmente sofrem abrasões<br />

("queimaduras do asfalto") e pequenas fraturas, porém evitam<br />

lesões graves associadas a outros tipos de impacto, a não ser<br />

que atinjam, diretamente, outro objeto (Fig. 4-37).


62 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-35 A. Se a motocicleta não bater de frente com o objeto, colapsa como uma tesoura. B. Este colapso prende o<br />

membro inferior do motociclista entre o objeto que foi atingido e a motocicleta.<br />

mtmm.<br />

FIGURA 4-36 Para impedir ser aprisionado entre dois pedaços<br />

de aço (a motocicleta e o veículo), o motociclista "deita a<br />

moto", dissipando a lesão. Isto geralmente provoca abrasões<br />

("queimaduras de asfalto") à medida que a velocidade do<br />

indivíduo é reduzida no chão.<br />

Atropelamentos<br />

Existem três etapas distintas na colisão entre pedestre e veí¬<br />

culo motorizado. Cada etapa possui seu padrão de lesão:<br />

1. O impacto inicial é nas pernas e às vezes nos quadris (Fig.<br />

4-38A).<br />

2. O tronco rola sobre o capô do carro (e pode bater no parabrisa)<br />

(Fig. 4-38B).<br />

3. A vítima cai do carro no asfalto, geralmente de cabeça,<br />

com possível trauma da coluna cervical (Fig. 4-38C).<br />

FIGURA 4-37 Queimaduras por abrasão, após um acidente<br />

com motocicleta sem o uso de roupas protetoras.<br />

As lesões produzidas por atropelamentos variam de acordt<br />

com o peso da vítima e a altura do veículo (Fig. 4-39). Os poi<br />

tos de impacto em uma criança e em um adulto de frente p<br />

um carro apresentam diferentes estruturas anatómicas. Poi]<br />

serem mais baixas, as crianças são, a princípio, atingidas em]<br />

áreas mais superiores do corpo do que os adultos (Fig. 4-40A),l<br />

O primeiro impacto ocorre, em geral, quando o para-choque]<br />

atinge as pernas (acima dos joelhos) ou a pelve da criança e<br />

lesa o fémur ou a cintura pélvica. O segundo impacto ocorre<br />

quase imediatamente depois: quando a frente do capô do<br />

veículo continua a se mover para a frente, atingindo o tórax


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 63<br />

C<br />

MMMHS<br />

HM<br />

FIGURA 4-38 A. Fase 1. Quando um pedestre é atingido por um veículo, o impacto inicial ocorre nas pernas e, às vezes, nos<br />

quadris. B. Fase 2. O tronco do pedestre rola sobre o capô do veículo. C. Fase 3. O pedestre cai do veículo e atinge o chão.<br />

0<br />

FIGURA 4-39<br />

veículo.<br />

As lesões resultantes de colisões entre veículos e pedestres variam de acordo com o peso da vítima e a altura do


64 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-40 A. Em uma criança, o impacto inicial ocorre<br />

quando o veículo golpeia a porção superior ou a pelve. B. O<br />

segundo impacto ocorre quando a cabeça e a face da criança<br />

atingem a frente ou o capô do veículo. C. A criança pode não<br />

ser arremessada do veículo, mas pode ser aprisionada e tragada<br />

por ele.<br />

da criança. O crânio e a face colidem com a frente ou a parte<br />

superior do capô do veículo (Fig. 4-40B). Em consequência.<br />

do menor tamanho e do menor peso da criança, ela pode não<br />

ser atirada longe do veículo, como em geral acontece com o<br />

adulto. Em vez disso, a criança pode ser arrastada, licando<br />

com uma parte do corpo sob a frente do carro (Fig. 4-40C). Se a<br />

criança cair de lado, os membros inferiores também podem ser<br />

atropelados pelas rodas da frente. Se a criança cair de costas<br />

e ficar completamente sob o carro, pode sofrer quase qualquer<br />

tipo de lesão (p. ex., ser arrastada, atingida por saliências ou<br />

atropelada por uma roda).<br />

Se os pés estiverem fixados no chão no momento do<br />

impacto, a criança recebe uma transferência de energia na<br />

parte superior da perna, nos quadris e no abdome. Isso faz<br />

com que os quadris e o abdome sejam afastados do ponto de<br />

impacto. A parte superior do tronco vem depois, bem como os<br />

pés, que estão fixados. A troca de energia movendo o tronco,<br />

mas não os pés, fratura a pelve e provoca o cisalhamento do<br />

fémur, produzindo grave angulação no ponto de impacto e<br />

também uma possível lesão medular.<br />

Para complicar ainda mais essas lesões, a criança prova¬<br />

velmente se vira para o carro por curiosidade, expondo a parte<br />

anterior do corpo e a face às lesões, ao passo que o adulto tenta<br />

escapar e é atingido nas costas ou de lado.<br />

Os adultos são geralmente atingidos primeiro pelo parachoque,<br />

na porção inferior das pernas, fraturando a tíbia ea<br />

fibula. A colisão continua pela pelve e pelo tórax, conforme<br />

a vítima é atingida. Quando a vítima é atingida pelo capô da<br />

frente do veículo, dependendo da altura do capô, o abdome e o<br />

tórax são atingidos por seu topo e pelo para-brisa. Este segundo<br />

golpe importante pode resultar em fraturas da porção supe¬<br />

rior do fémur, da pelve, das costelas e da coluna, produzindo<br />

esmagamento e cisalhamento intra-abdominal ou intratorácico.<br />

Se a vítima bater a cabeça no capô ou continuar a subi-lo, de<br />

modo a atingir o para-brisa, podem ocorrer lesões faciais, cefá¬<br />

licas e na coluna cervical e torácica. Caso o veículo apresente<br />

uma grande área frontal (caminhões e SUV), o doente poderá ser<br />

atingido inteiramente.<br />

O terceiro impacto ocorre com a vítima arremessada do veí¬<br />

culo e batendo no asfalto. A vítima pode receber um impacto<br />

significativo em um lado do corpo, apresentando lesões nos<br />

quadris, ombros e cabeça. A lesão cefálica ocorre frequente¬<br />

mente quando a vítima atinge o veículo ou o asfalto. Da mesma<br />

forma, uma vez que os três impactos produzem movimentos<br />

súbitos e violentos no tronco, no pescoço e na cabeça, uma<br />

fratura instável da coluna pode ser observada. Após a queda,<br />

a vítima pode ser atingida por um segundo veículo que trafega<br />

próximo ao primeiro ou atrás dele.<br />

A semelhança dos adultos, qualquer criança atropelada<br />

por um carro em geral sofre trauma cranioencefálico. Em con¬<br />

sequência das forças violentas e repentinas que atuam sobre<br />

crânio, pescoço e tronco, o socorrista deve presumir que a<br />

criança apresenta instabilidade da coluna.<br />

O conhecimento da sequência específica dos vários impac¬<br />

tos do atropelamento e o entendimento das múltiplas lesões<br />

que eles podem causar são os pontos mais importantes para<br />

a realização da avaliação inicial e a determinação do atendi¬<br />

mento adequado da vítima.<br />

Quedas<br />

Vítimas de queda também podem sofrer lesões causadas por<br />

impactos múltiplos. Estimar a altura da queda, avaliar a super¬<br />

fície sobre a qual a vítima caiu e a parte do corpo atingida<br />

primeiro são importantes fatores a serem determinados, já que<br />

indicam a energia envolvida e, assim, a troca de energia ocor¬<br />

rida. Vítimas que caem de grandes alturas apresentam maior<br />

incidência de lesão, porque a velocidade da queda aumenta à<br />

medida que elas caem. De modo geral, quedas de altura supe¬<br />

rior a três vezes a altura da vítima são consideradas graves. O<br />

tipo de superfície sobre a qual a vítima caiu e o grau de com<br />

pressibiliclade (capacidade de se deformar pela transferência<br />

de energia) também influenciam a distância de parada.


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 65<br />

O tipo de trauma em queda na qual os pés são a primeira<br />

parte do corpo da vítima a atingir o solo é chamado de sín¬<br />

drome de Don Juan. No entanto, só nos filmes é que o per¬<br />

sonagem Don Juan pula de uma sacada alta, cai em pé e sai<br />

andando sem dor. Na vida real, muitas vezes essa síndrome<br />

associa-se à lratura bilateral do calcâneo (osso do calcanhar],<br />

a fraturas por compressão ou cisalhamento do tornozelo, ou a<br />

fraturas distais da tíbia e da fibula. Depois que os pés tocam<br />

o chão e param de se mover, as pernas são as próximas estru¬<br />

turas do corpo a absorver energia. Fraturas no plalô da tíbia,<br />

em ossos longos e no quadril podem ser observadas. Como a<br />

cabeça e o tronco ainda se encontram em movimento, o corpo<br />

é forçado a se fletir, podendo ocorrer fralura por compressão<br />

da coluna torácica e lombar. Em cada dobra da forma de "S" da<br />

coluna ocorre hiperflexão, podendo haver lesão. Pode-se dizer<br />

que a vítima tende a quebrar o seu "S".<br />

Se a vítima cair para a frente sobre as mãos espalmadas, o<br />

resultado pode ser compressão bilateral e fraturas em flexão (de<br />

Colles) dos pulsos. Se a vítima não cair em pé, o socorrista deve<br />

avaliara parte do corpo que colidiu primeiro, bem como o trajeto<br />

de dissipação de energia e determinar o padrão de lesão.<br />

Se a vítima cair de cabeça, com o corpo quase alinhado,<br />

como acontece em geral em lesões por mergulho em água<br />

rasa, toda a força e o peso do tronco, da bacia e das pernas em<br />

movimento comprimem a cabeça e a coluna cervical. Em geral,<br />

pode ocorrer fratura da coluna cervical, como na trajetória por<br />

cima da colisão com impacto frontal.<br />

Lesões por Atividades Esportivas<br />

Muitos esportes ou atividades recreativas, como esqui, mer¬<br />

gulho, beisebol e futebol americano, podem provocar lesões<br />

graves. Essas lesões podem ser causadas por forças de desace¬<br />

leração súbita ou por compressão excessiva, torção, hiperextensão<br />

ou hiperflexão. Nos últimos anos, uma grande variedade<br />

de atividades esportivas passou a ser exercida por um grande<br />

número de participantes ocasionais, que praticam esporte<br />

como recreação e que em geral não possuem treinamento e<br />

condicionamento necessários nem equipamento de proteção<br />

apropriado. Esportes e atividades recreativas incluem partici¬<br />

pantes de todas as idades. Esportes como esqui na montanha,<br />

esqui aquático, ciclismo e patinação são atividades que podem<br />

envolver alta velocidade. Outros, como ciclismo em trilhas,<br />

passeios com veículos para todo o terreno [all-teirain vehicle-<br />

ATV) e com veículos para a neve (snowmobile), podem causar<br />

desaceleração, colisões e impactos semelhantes aos que ocor¬<br />

rem nas colisões de motocicletas ou de carros.<br />

A vítima que sofre colisão em alta velocidade e é ejetada de<br />

um patim, de um snowmobile ou de uma bicicleta pode apre¬<br />

sentar lesões semelhantes às da pessoa ejetada de um automó¬<br />

vel com a mesma velocidade, pois a quantidade de energia é a<br />

mesma. Os mecanismos específicos das colisões de carro e de<br />

motocicleta já foram descritos neste capítulo.<br />

Os possíveis mecanismos associados aos vários tipos de<br />

esporte são muito numerosos para serem listados em detalhe.<br />

Os princípios gerais, entretanto, são os mesmos das colisões.<br />

automobilísticas. Ao avaliar o mecanismo de lesão, o socor¬<br />

rista deve considerar as seguintes questões para auxiliar a<br />

identificação das lesões:<br />

s Que forças atuaram na vítima e como?<br />

Q Quais são as lesões aparentes?<br />

b Para que objeto ou parte do corpo a energia foi<br />

transmitida?<br />

s Que outras lesões provavelmente foram causadas por essa<br />

transferência?<br />

e Foi utilizado equipamento de proteção?<br />

0 Houve compressão, desaceleração ou aceleração súbitas?<br />

0<br />

Que movimentos causadores de lesão ocorreram (p. ex.,<br />

hiperflexão, hiperextensão, compressão ou inclinação<br />

lateral excessiva)?<br />

Quando o mecanismo de lesão envolve a colisão em alta<br />

velocidade entre dois esportistas, como na colisão entre dois<br />

esquiadores, muitas vezes é difícil reconstruir a sequência<br />

exata de eventos pelas informações de testemunhas oculares.<br />

Em tais colisões, as lesões apresentadas por um dos esquia¬<br />

dores são pistas para o exame do outro esquiador. Em geral, o<br />

socorrista precisa saber que região atingiu o quê, e que lesão<br />

resultou da transferência de energia. Por exemplo, se uma<br />

vítima apresenta fratura por impacto do quadril, uma parte do<br />

corpo do outro esquiador deve ter batido com força substan¬<br />

cial e, portanto, deve ter sofrido lesão semelhante, de grande<br />

impacto. Se a cabeça do segundo esquiador atingiu o quadril<br />

do primeiro, o socorrista deve suspeitar de lesão cranioencefálica<br />

potencialmente grave e de instabilidade da coluna.<br />

Equipamento quebrado ou danificado também é um impor¬<br />

tante indicador de lesão e deve ser incluído na avaliação do<br />

mecanismo de trauma. O capacete esportivo quebrado é evi¬<br />

dência da força com que foi atingido. Como os esquis são feitos<br />

com material altamente resistente, um esqui quebrado indica<br />

que uma força localizada extrema agiu, mesmo quando o meca¬<br />

nismo de lesão parece inexpressivo. A frente muito amassada<br />

do snowmobile indica a força com que a árvore„Foi atingida. A<br />

presença de um taco quebrado, após briga durante um jogo de<br />

hóquei no gelo, levanta a dúvida sobre o corpo que quebrou o<br />

taco, como e, especificamente, que parte do corpo da vítima foi<br />

atingida pelo taco ou caiu sobre ele.<br />

Vítimas de colisões significativas que se queixam de dores<br />

sem lesões aparentes devem ser avaliadas como se existissem<br />

lesões graves. Estas são as etapas a serem seguidas:<br />

1. Avaliar se a vítima tem lesões com risco de vida.<br />

2. Identificar o mecanismo de lesão. (O que e como exatamente<br />

isso aconteceu?)<br />

3. Determinar se as forças que causaram lesão em uma<br />

vítima podem ter afetado alguma outra pessoa.<br />

4. Determinar se foi utilizado algum equipamento de pro¬<br />

teção (que já pode ter sido removido antes da chegada do<br />

socorrista).<br />

5. Identificar o estrago no equipamento de proteção. (Quais<br />

são as implicações desse estrago em relação ao corpo da<br />

vítima?)<br />

6. Avaliar a vítima, procurando possíveis lesões associadas.<br />

Colisões, queda em alta velocidade e quedas de altura<br />

sem lesão grave são comuns em muitos esportes de contato.<br />

A capacidade de os atletas suportarem colisões e quedas<br />

incríveis, sofrendo apenas pequenas lesões, o que se deve em<br />

grande parte a equipamentos de absorção de impacto, pode


66 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Fratura de crânio<br />

Osso e fragmentos<br />

penetrando no cérebro<br />

Hemorragia<br />

FIGURA 4-41 O para-brisa quebrado em forma de "alvo" é a<br />

principal indicação de impacto no crânio e de troca de energia<br />

ao crânio e à coluna cervical.<br />

FIGURA 4-42 Assim que o crânio atinge um objeto móvel,<br />

pedaços de ossos são fraturados e empurrados para a superfície<br />

cerebral.<br />

confundir a avaliação do socorrista. O socorrista pode não per¬<br />

ceber o potencial de lesão em pessoas que praticam esportes.<br />

Aplicando os princípios da biomecânica e considerando cui¬<br />

dadosamente a sequência exala e o mecanismo de trauma, o<br />

socorrista pode avaliar melhor as colisões relacionadas com<br />

esportes em que houve envolvimento de força maior que o<br />

habitual. A biomecânica é uma ferramenta essencial para iden¬<br />

tificar possíveis lesões subjacentes e determinar quais doentes<br />

necessitam de melhor avaliação e tratamento no hospital.<br />

Efeitos Regionais do Trauma Contuso<br />

O corpo pode ser dividido em várias regiões: cabeça, pescoço,<br />

tórax, abdome, pelve e extremidades. Cada região do corpo<br />

é subdividida em (1) parte externa do corpo, composta por<br />

pele, ossos, parles moles, vasos e nervos: e (2) parte interna do<br />

corpo, em geral os órgãos internos vitais. As lesões que ocor¬<br />

rem em consequência de forças de cisalhamento, cavitação e<br />

compressão são usadas para dar uma visão global das possí¬<br />

veis lesões em cada componente e região.<br />

Cabeça<br />

A única indicação externa de que pode ter ocorrido lesão de<br />

crânio por compressão ou cisalhamento pode ser a presença<br />

de lesão de partes moles ou contusão no couro cabeludo, ou o<br />

para-brisa quebrado em "olho de boi" (bull's eye) ou alvo (Fig.<br />

4-41).<br />

Compressão. Quando o corpo se move para frente, abrindo<br />

caminho com a cabeça, como na colisão frontal de um veículo<br />

ou na queda "de cabeça", a cabeça é a primeira a receber o<br />

impacto e a transferência de energia. O momentum continu¬<br />

ado do tronco, então, comprime a cabeça. A transferência ini¬<br />

cial de energia ocorre no couro cabeludo e na cabeça. O crânio<br />

pode ser comprimido e ffaturado, empurrando os fragmentos<br />

ósseos quebrados da calota craniana para dentro do cérebro<br />

(Fig. 4-42).<br />

Cisalhamento. Quando a calota craniana interrompe seu movi¬<br />

mento para frente, o cérebro continua em movimento, sendo<br />

comprimido contra a calota craniana, intacta ou fraturada,<br />

sofrendo concussão, contusões ou lacerações. O cérebro é mole<br />

e compressível; portanto, seu comprimento diminui. A parte<br />

posterior do cérebro pode continuai- seu movimento para a frente<br />

e se afastar da calota craniana que já parou de se mover. Assim,<br />

o cérebro separa-se da calota craniana, estirando ou rompendo<br />

(cisalhando) quaisquer vasos da região (Fig. 4-43). O resultado<br />

pode ser hemorragia nos espaços epidural, subdural ou subaracnóideo,<br />

assim como lesão axonal difusa no cérebro. Se o cérebro<br />

se separar da medula espinal, é mais provável que isso ocorra ao<br />

nível do tronco cerebral.<br />

Pescoço<br />

Compressão. A calota craniana é bastante forte e pode absor¬<br />

ver o impacto de uma colisão: entretanto, a coluna cervical<br />

é muito mais flexível. A pressão continuada do momento do<br />

tronco em direção à calota craniana estacionária produz angulação<br />

ou compressão (Fig. 4-44). Hiperextensão ou hiperflexão<br />

do pescoço frequentemente resultam em fratura ou desloca¬<br />

mento de uma ou mais vértebras e lesão da medula espinhal.)<br />

O resultado pode ser o deslocamento de facetas, fraturas, com¬<br />

pressão da medula espinhal ou fraturas instáveis do pescoço:<br />

(Fig. 4-45). Compressões coaxiais esmagam os corpos verte-<br />

1<br />

brais. Tanto a angulação como a compressão coaxial podem:<br />

resultar na instabilidade da coluna.<br />

Cisalhamento. O centro de gravidade da calota craniana localiza-se<br />

anterior e superiormente ao ponto de articulação entre o]<br />

crânio e a coluna cervical. Portanto, um impacto lateral sobre!<br />

o tronco, quando o pescoço não está contido, produz flexão<br />

lateral e rotação do pescoço (Fig. 4-25). Flexão ou hiperexten¬<br />

são extrema também podem causar lesões por estiramento das<br />

partes moles do pescoço.


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 67<br />

FIGURA 4-43 Com a interrupção da movimentação do crânio<br />

para a frente, o cérebro continua seguindo adiante. A parte<br />

do cérebro mais próxima do impacto é comprimida, sofre<br />

hematomas e talvez até mesmo lacerações. A porção mais<br />

distante do impacto é separada da calota craniana, com ruptura<br />

e lacerações dos vasos envolvidos.<br />

Compressão. Se o impacto de uma colisão estiver centrado na<br />

face anterior do tórax, o esterno receberá a transferência inicial<br />

de energia. Quando o esterno para de se mover, a parecle torá¬<br />

cica posterior (músculos e coluna torácica) e os órgãos na cavi¬<br />

dade torácica continuam a se mover para frente até os órgãos<br />

atingirem o esterno e serem comprimidos contra ele.<br />

0 movimento continuado para a frente do tórax posterior<br />

dobra as costelas. Se a força tênsil das costelas for ultrapas¬<br />

sada, pode ocorrer fratura de costelas e afundamento de tórax<br />

(Fig. 4-46). O processo é semelhante ao que ocorre quando um<br />

carro para abruptamente contra um barranco de terra (Fig. 4-3).<br />

0 chassi do veículo fica amassado, o que absorve uma parle<br />

da energia. A parte de trás do veículo continua a se mover<br />

para frente até que o chassi amassado absorva toda a energia.<br />

Da mesma maneira, a parede torácica posterior continua a se<br />

mover até que as costelas absorvam toda a energia.<br />

FIGURA 4-45 A coluna pode ser comprimida diretamente,<br />

em seu próprio eixo, ou em ângulo, em hiperextensão ou<br />

hiperflexão.<br />

FIGURA 4-44 O crânio interrompe sua movimentação para a<br />

frente, mas o tronco, não. Com a compressão do cérebro pelo<br />

crânio, o tronco continua seguindo adiante, até que sua energia<br />

seja absorvida. Neste movimento, a parte mais fraca é a coluna<br />

cervical.<br />

FIGURA 4-46 As costelas deslocadas para o interior da<br />

cavidade torácica pela compressão externa são, de modo geral,<br />

fraturadas em diversos locais, produzindo a condição clínica<br />

conhecida como tórax instável.


68 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Epiglote<br />

fechada<br />

Traqueia<br />

Pulmões<br />

Efeito saco de<br />

papel nos pulmões<br />

FIGURA 4-47 A compressão do pulmão contra a glote fechada, pelo impacto na porção anterior ou lateral da parede torácica,<br />

produz um efeito similar ao da compressão de um saco de papel quando sua abertura é fechada firmemente com as mãos. O saco<br />

de papel se rompe, assim como o pulmão.<br />

A compressão da parede torácica é comum nos impactos<br />

frontal e lateral e produz um fenómeno interessante chamado<br />

efeito do suco de papel, que pode resultar em pneumotórax.<br />

A vítima instintivamente toma um fôlego profundo e segura<br />

a respiração bem antes do impacto. Isso fecha a glote, o que<br />

impede a saída de ar dos pulmões. Com a transferência de<br />

energia no impacto e a compressão da parede do tórax, os pul¬<br />

mões podem explodir, como quando se estoura um saco de<br />

papel cheio de ar (Fig. 4-47). Os pulmões também podem ser<br />

comprimidos e contundidos, o que prejudica a ventilação.<br />

As lesões por compressão das estruturas internas do tórax<br />

também podem incluir contusão cardíaca, que ocorre quando<br />

o coração é comprimido entre o esterno e a coluna e pode levar<br />

a arritmias significativas. Talvez a lesão mais frequente seja<br />

a compressão dos pulmões, levando à contusão pulmonar.<br />

Embora as consequências clínicas possam se desenvolver<br />

com o passar do tempo, pode ser observada a perda imediata<br />

da capacidade de ventilação adequada. A contusão pulmo¬<br />

nar pode ter consequências na cena, para o socorrista, e para<br />

os médicos durante a ressuscitação após a chegada ao hospi¬<br />

tal. Nas situações em que grandes períodos de transporte são<br />

necessários, isto pode ocorrer durante o trajeto.<br />

Cisalhamento. O coração, a aorta ascendente e o arco da aorta<br />

ficam relativamente soltos dentro do tórax. Entretanto, a aorta<br />

descendente está firmemente aderida à parede torácica pos¬<br />

terior e à coluna vertebral. O movimento resultante da aorta<br />

é similar ao de balançar, de um lado para o outro, a cabeça<br />

acústica do estetoscópio, segurando os tubos flexíveis logo<br />

abaixo dos tubos rígidos provenientes das estruturas que dão<br />

no ouvido. Quando a estrutura esquelética para abruptamente<br />

em uma colisão, o coração e o segmento inicial da aorta con¬<br />

tinuam seu movimento para frente. As forças de cisalhamento<br />

produzidas podem romper a aorta na junção da porção que<br />

possui movimento livre com a porção firmemente aderida<br />

(Fig. 4-14).<br />

A ruptura da aorta pode resultar em transecção total ime¬<br />

diata, seguida por rápida exsanguinação. Algumas rupturas<br />

aórticas são só parciais, e uma ou mais camadas de tecido per¬<br />

manecem intactas. Entretanto, essas camadas remanescentes<br />

ficam submetidas à grande pressão, e frequentemente se desen¬<br />

volve aneurisma traumático muito semelhante à bolha que sei<br />

pode formar na parte fraca de um pnêu. O aneurisma pode se |<br />

romper em minutos, horas ou dias após a lesão original. Apro¬<br />

ximadamente 80% dessas vítimas morrem no local do trauma<br />

no momento do impacto inicial. Dos 20% remanescentes, 1/3<br />

morre em seis horas, 1/3 em 24 horas e 1/3 vive três dias ou<br />

mais. O socorrista deve reconhecer o potencial para tais lesões<br />

e transmitir essas informações à equipe hospitalar.<br />

Abdome<br />

Compressão. Os órgãos internos, quando prensados pela coluna<br />

vertebral contra o volante ou o painel durante uma colisão<br />

com impacto frontal, podem se romper. O eleito disso aumenta<br />

repentinamente a pressão e é semelhante ao efeito que se obtém<br />

quando se atinge com um martelo o mesmo órgão preso a uma<br />

bigorna. Em geral, os órgãos parenquimatosos lesados dessa |<br />

maneira são o pâncreas, o baço, o fígado e os rins.<br />

A lesão também pode resultar do aumento de pressão noI<br />

abdome. O diafragma é um músculo de 5 mm de espessura]<br />

localizado transversalmente na porção superior do abdome,<br />

que separa a cavidade abdominal da cavidade torácica. A sua |<br />

contração faz com que a cavidade pleural se expanda para<br />

ocorrera ventilação. A parede abdominal anterior contém duas|<br />

camadas de fáscias e um músculo muito forte. Lateralmente,<br />

três camadas de músculos com fáscias associadas, a colunai<br />

lombar e os músculos a ela associados garantem resistência


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 69<br />

Diafragma<br />

Pulmões<br />

Órgãos<br />

abdominais<br />

Diafragma<br />

rompido<br />

FIGURA 4-48 Com a maior pressão no interior do abdome, o<br />

diafragma pode se romper.<br />

Lobo direito<br />

do fígado<br />

Ligamento teres<br />

Lobo esquerdo do fígado<br />

FIGURA 4-49 O fígado não é sustentado por nenhuma<br />

estrutura fixa. Seu principal suporte vem do diafragma, que se<br />

move livremente. O corpo segue pela trajetória descendente,<br />

assim como o fígado. Quando o tronco para, mas o fígado<br />

não, este último continua seguindo para baixo, em direção<br />

ao ligamento redondo, lacerando o órgão. Este processo é<br />

semelhante ao uso de um fio cortante em um pedaço de queijo.<br />

à parede abdominal posterior. O diafragma é a mais fraca de<br />

todas as paredes e estruturas que circundam a cavidade abdo¬<br />

minal. Ele pode ser lacerado ou se romper quando a pressão<br />

intra-abdominal aumenta (Fig. 4-48). Essa lesão tem quatro<br />

consequências que são frequentes:<br />

1. Perde-se o efeito de "pressão negativa" normalmente<br />

criado pelo diafragma e a ventilação é afetada.<br />

2. Os órgãos abdominais podem entrar na cavidade torácica<br />

e reduzir o espaço disponível para a expansão dos<br />

pulmões.<br />

3. Os órgãos deslocados podem se tornar isquêmicos em<br />

consequência da compressão do seu suprimento sanguíneo.<br />

4. Se houver hemorragia intra-abdominal, esse sangue tam¬<br />

bém pode causar hemotórax.<br />

Outras lesões causadas pelo aumento da pressão intra¬<br />

abdominal é o súbito fluxo sanguíneo retrógrado em dire¬<br />

ção à aorta e contra a valva aórtica. A força dirigida contra a<br />

valva pode rompê-la. Embora essa lesão seja rara, ela existe. A<br />

lesão ocorre quando o impacto com a coluna de direção ou o<br />

envolvimento em outro tipo de incidente (p. ex., desmorona¬<br />

mento de túnel ou fosso) causam aumento rápido da pressão<br />

abdominal. Esse aumento rápido da pressão abdominal leva<br />

ao aumento abrupto da pressão do sangue dentro da aorta. O<br />

sangue é empurrado para trás (retrogradamente) contra a valva<br />

aórtica, com pressão suficiente para causar ruptura das suas<br />

cúspides.<br />

Cisalhamento. A lesão dos órgãos abdominais ocorre nos pontos<br />

de fixação no mesentério. Durante a colisão, o movimento do<br />

corpo para a frente cessa, porém os órgãos mantêm esse movi¬<br />

mento, causando rupturas nos pontos de fixação na parede<br />

abdominal. Se o órgão estiver preso por um pedículo (haste<br />

de tecido), a ruptura pode ocorrer onde o pedículo se une ao<br />

órgão, onde se une à parede abdominal ou em qualquer lugar<br />

ao longo do pedículo (Fig. 4-13). Os órgãos que podem sofrer<br />

essa lesão por cisalhamento são os rins, o intestino delgado, o<br />

intestino grosso e o baço.<br />

Outro tipo de lesão que ocorre durante a desaceleração é<br />

a laceração do fígado, causada pelo impacto com o ligamento<br />

redondo. O fígado está suspenso pelo diafragma, mas apenas<br />

frouxamente lixado ao abdome posterior, proximo às vértebras<br />

lombares. O ligamento redondo une-se à jiarede abdominal<br />

anterior na cicatriz umbilical e ao lobo esquerdo do fígado na<br />

linha média do corpo. (O fígado não é uma estrutura locali¬<br />

zada na linha média. Fica mais para o lado direito do que para<br />

o lado esquerdo do corpo.) A irajetória por baixo nas colisões<br />

com impacto frontal ou as quedas em pé fazem com que o<br />

fígado traga o diafragma junto com ele, à medida que desce<br />

pelo ligamento redondo (Fig. 4-49). O ligamento redondo fratura<br />

ou secciona o fígado em duas partes, como um cortador<br />

fatia um queijo.<br />

As fraturas de bacia resultam de trauma sobre a parte<br />

externa do abdome e podem provocar lesões da bexiga ou<br />

lacerações dos vasos sanguíneos da cavidade pélvica. Apro¬<br />

ximadamente 10% dos doentes com fratura de bacia também<br />

apresentam lesões genitourinárias.<br />

As fraturas pélvicas resultantes da compressão lateral,<br />

geralmente devidas à colisão com impacto lateral, apresentam<br />

dois componentes. Um é a compressão do fémur proximal na<br />

pelve, empurrando a cabeça do fémur através do próprio acelábulo.<br />

Isto frequentemente produz fraturas radiais, que envol¬<br />

vem toda a articulação. A maior compressão do fémur e/ou das<br />

paredes laterais da pelve produz fraturas por compressão dos<br />

ossos pélvicos ou do anel da pelve. Uma vez que o anel tende a<br />

não ser 1'raturado em apenas um lugar, em geral há duas fratu¬<br />

ras no anel, embora algumas possam acometer o acetábulo.


70 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

As fraturas por cisalhamento geralmente envolvem o ílio<br />

e a área sacral. Esta força cie cisalhamento abre a articulação.<br />

Uma vez cpie articulações em anel, como a pelve, são geral¬<br />

mente fraturadas em dois locais, pode haver outra fratura<br />

pélvica.<br />

Os demais tipos de fratura por compressão ocorrem ante¬<br />

riormente, quando a força de compressão é exercida diretamente<br />

sobre a sínfise púbica. Isto pode partir a síniise, tracionando-a<br />

para os dois lados, ou quebrar um lado e empurrá-lo<br />

em direção à articulação sacroilíaca. Abre-se-, assim, a articula¬<br />

ção, produzindo a chamada "fratura em livro aberto".<br />

Para informações mais detalhadas sobre as fraturas pélvi¬<br />

cas, Andrew Burgess e seus coautores discutiram estes meca¬<br />

nismos de lesão.1'<br />

FIGURA 4-50<br />

Balas Expansíveis<br />

Uma fábrica de munições em Dum Dum, na índia, produziu<br />

uma bala que se expandia ao atingir a pele. Especialistas em<br />

balística reconheceram que este projétil causava mais danos<br />

do que o necessário em guerras; o uso dele foi, assim, proibido<br />

em conflitos militares. A Declaração de Petersburgo, de 1868,<br />

e a Convenção de Haia, em 1899, firmaram este princípio,<br />

denunciando as "dum-dum" e outros projéteis expansíveis,<br />

como pontas de prata, pontas rasas e cartuchos ou jaquetas de<br />

chumbo, assim como balas de cápsulas parciais, banindo seu<br />

uso em guerras.<br />

Ferimentos Penetrantes<br />

A Física dos Ferimentos Penetrantes<br />

Os princípios físicos discutidos no início deste capítulo tam¬<br />

bém são importantes quando se lida com ferimentos penetran¬<br />

tes. Como já discutido, a energia cinética que o objeto em movi¬<br />

mento transfere ao atingir os tecidos do corpo é representada<br />

pela seguinte fórmula:<br />

EC = 'Amy2<br />

A energia não pode ser criada nem destruída, mas pode ser<br />

transformada. Esse princípio é importante para a compreensão<br />

dos ferimentos penetrantes. Por exemplo, embora o projétil de<br />

chumbo esteja dentro do cartucho metálico cheio de explosivo<br />

em pó, a bala não tem força. Mas quando a espoleta explode, o<br />

pó é queimado, produzindo gases rapidamente expansíveis que<br />

são transformados em força. A bala, então, sai da arma e vai em<br />

direção ao alvo.<br />

De acordo com a primeira lei do movimento de Newton,<br />

depois de essa força ter aluado sobre o projétil, a bala conti¬<br />

nua com a mesma velocidade e força até sofrer a ação de uma<br />

força externa. Quando o projétil colide com alguma coisa, como<br />

o corpo humano, essa força atinge as células do organismo. A<br />

energia (velocidade e massa) do movimento do projétil é trans¬<br />

formada em energia que esmaga as células, afastando-as (cavitação)<br />

do caminho da bala.<br />

Massa x aceleração = força = massa x desaceleração<br />

Fatores que Afetam o Tamanho da Área Frontal<br />

Quanto maior a área frontal do projétil em movimento, maior o<br />

número de partículas atingidas; portanto, maior a troca de ener¬<br />

gia que ocorre e maior a cavidade criada. O tamanho da área de<br />

superfície frontal do projétil é influenciado por três fatores: per¬<br />

fil, rolamento e fragmentação. A transferência de energia ou a<br />

possibilidade de transferência de energia podem ser analisadas<br />

com base nesses fatores.<br />

Perfil. O perfil descreve o tamanho inicial de um objeto e se<br />

esse tamanho muda no momento do impacto. O perfil, ou área<br />

frontal, de um picador de gelo é muito menor do que o de um<br />

taco de beisebol, que, por sua vez, é muito menor do que o de<br />

um caminhão. A bala com ponta oca achata-se e espalha-se<br />

ao impacto (Fig. 4-50). Essa modificação alarga a área frontal,<br />

fazendo com que ela atinja mais partículas de tecido e produza I<br />

maior transferência de energia. Como resultado, uma cavidade]<br />

maior se forma e ocorrem mais lesões.<br />

De modo geral, a bala deve permanecer muito aerodinâmica ]<br />

ao cruzar o ar até chegar ao alvo. A baixa resistência ao cru¬<br />

zar o ar (bater na menor quantidade de partículas possível) éj<br />

uma boa coisa, pois permite a manutenção da maior parle de<br />

sua velocidade. Para isso, a área frontal é mantida pequena, em<br />

formato cónico. O excesso de resistência é ruim. O bom design<br />

de um projétil reduz a resistência à passagem de ar, mas ainda<br />

mais a resistência à passagem em tecidos corpóreos. Se este pro- 1<br />

jétil atingir a pele e se deformai', cobrindo uma área maior e<br />

criando mais resistência, haverá, então, uma troca de energia<br />

muito maior. A bala ideal, portanto, é projetada para manter seu<br />

formato enquanto estiver no ar e apenas se deformar durante o]<br />

impacto.<br />

Rolamento. O rolamento descreve a rotação contínua do objeto,]<br />

que assume um ângulo diferente, dentro do corpo, daquele assu¬<br />

mido à entrada; isto cria mais resistência no interior do corpo]<br />

do que no ar. O centro de gravidade da bala cuneiforme está<br />

localizado mais perto de sua base do que de sua ponta. Quando<br />

a ponta da bala bate em algo, sua velocidade diminui rapida¬<br />

mente. O momento continua a empurrar a base da bala para a<br />

frente, com o centro de gravidade procurando se tornar o ponto<br />

da frente da bala. Um formato ligeiramente assimétrico provocai<br />

rotação de 360 graus, ou rolamenLo. À medida que a bala rola,<br />

seus lados, normalmente em posição horizontal, tornam-se a ]<br />

extremidade da frente, colidindo, portanto, com muito mais|<br />

partículas do que quando bala estava no ar (Fig. 4-51). Ocorre<br />

maior transferência de energia e. portanto, mais lesão tecidual. |<br />

Fragmentação. A fragmentação descreve a quebra do objeto, pro¬<br />

duzindo múltiplas partes e, assim, maior resistência e troca dei]<br />

energia. Existem dois tipos de fragmentação: 1) a fragmentaç<br />

ao deixar a arma (p. ex., balas de arma de fogo) (Fig. 4-52);


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 71<br />

FIGURA 4-51<br />

a 90 graus.<br />

O rolamento de um projétil maximiza seu dano<br />

2) a fragmentação após a entrada no corpo. Esta fragmentação<br />

pode ser ativa ou passiva. A fragmentação ativa ocorre em balas<br />

com explosivos, que detonam após a entrada na pele. Balas de<br />

ponta macia ou com cortes verticais na ponta e balas de segu¬<br />

rança que contêm muitos fragmentos pequenos e aumentam a<br />

lesão no corpo ao se fragmentar no momento do impacto são<br />

exemplos de fragmentação passiva. Os fragmentos produzidos<br />

geram uma área frontal maior do que a da bala única sólida, e<br />

a energia é rapidamente espalhada pelos tecidos. Se o projétil<br />

se fragmentar, ele se espalha sobre uma área maior, produzindo<br />

dois resultados: (1) maior número de partículas de tecido é atin¬<br />

gido pela maior área frontal; (2) as lesões são distribuídas sobre<br />

uma porção maior do corpo, porque mais órgãos são atingidos<br />

(Fig. 4-53). Os vários pedaços do tiro da espingarda produzem<br />

resultados semelhantes. Ferimentos de espingarda são exem¬<br />

plos excelentes de modelo de lesão por fragmentação.<br />

Lesão e Níveis de Energia<br />

0 trauma causado pelos ferimentos penetrantes pode ser esti¬<br />

mado pelo socorrista, classificando os objetos penetrantes em<br />

três categorias, de acordo corn o nível de energia que possuem<br />

-armas de baixa, média e alta energia.<br />

Armas de Baixa Energia<br />

Armas de baixa energia são as usadas com a mão, como uma<br />

faca e um picador de gelo. Essas armas produzem lesão somente<br />

com as pontas afiadas ou com as bordas cortantes. Uma vez que<br />

as lesões são de baixa energia, estão geralmente associadas a<br />

trauma menor secundário [i.e., ocorre menor cavitação). A lesão<br />

nas vítimas pode ser prevista analisando a trajetória da arma<br />

no corpo. Se a arma tiver sido removida, sempre que possível o<br />

socorrista deve identificar o tipo de arma usada.<br />

0 sexo do agressor é um fator importante na determinação<br />

da trajetória de uma Inca. Homens tendem a segurar a lâmina<br />

no lado do polegar e fazem movimentos para cima e para baixo,<br />

enquanto as mulheres tendem a segurá-la do lado do dedo<br />

mínimo e fazer movimentos para baixo (Fig. 4-54).<br />

0 agressor pode esfaquear a vítima e girar a faca dentro<br />

do corpo. Um ferimento de entrada simples pode, portanto,<br />

dar falsa sensação de segurança ao socorrista. O ferimento de<br />

entrada pode ser pequeno, mas a lesão interna pode ser extensa.<br />

A extensão de movimento da lâmina inserida representa a área<br />

de provável lesão (Fig. 4-55).<br />

É importante a avaliação do doente à procura de lesões assodadas.<br />

Por exemplo, durante a expiração profunda, o diafragma<br />

FIGURA 4-52 Os maiores danos causados peÿla fragmentação<br />

estão relacionados com tiros de armas de fogo.<br />

Artéria<br />

subclávia<br />

direita<br />

Fragmentos<br />

do projétil<br />

FIGURA 4-53 Quando o projétil se quebra em partículas<br />

menores, a fragmentação aumenta sua área frontal e a<br />

distribuição de energia.<br />

(De McSwain NE Jr: Pulmonary chest trauma. In Moylan JA, editor: Principles of Trauma, New<br />

York, 1992, Gower.)


72 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-54 O sexo do agressor determina a trajetória do ferimento em incidentes com armas brancas. Agressores do sexo<br />

masculino tendem a fazer movimentos ascendentes e os do sexo feminino, descendentes.<br />

pode chegar até o nível da linha do mamilo. O ferimento à laca<br />

na porção inferior do tórax pode lesionar estruturas intra-abdominais<br />

e intratorácicas, e uma ferida na porção superior do<br />

abdome também pode acometer o tórax inferior.<br />

O trauma penetrante pode ser resultante do empalamento,<br />

por objetos como grades e placas de rua em colisões de veículos<br />

e quedas, bastões de esqui em esportes de neve e guidões em<br />

ciclistas.<br />

Armas de Média e Alta Energia<br />

As armas de fogo dividem-se em dois grupos-média e alta ener¬<br />

gia. As armas de média energia são os revólveres e alguns rifles,<br />

cuja velocidade é de 300 m/s. A cavidade temporária criada por<br />

esta arma é três a cinco vezes o calibre da bala. Em armas de alta<br />

energia, as velocidades são superiores a 600 m/s, e a energia é<br />

FIGURA 4-55 O dano produzido por uma faca depende do<br />

movimento da lâmina no interior da vítima.<br />

significativamente maior. Estas armas criam uma cavidade tem¬<br />

porária 25 ou mais vezes maior do que o calibre da bala. E óbvioj<br />

que, com o aumento da quantidade de pólvora no cartucho e<br />

tamanho da bala, a velocidade e a massa e, portanto, a energii<br />

cinética são elevadas (Fig. 4-56A-B). A massa de uma bala é um<br />

componente importante, mas menor EC = Entretanto,<br />

massa da bala não deve ser descontada. Na Guerra de Secessão,<br />

nos Estados Unidos, o rifle Kentucky Long, calibre 0,55, Minis<br />

Ball tinha quase a mesma energia que o moderno M16. A mass<br />

de um projétil passa a ser mais importante quando é conside¬<br />

rado o dano produzido por um tiro de arma de fogo de calibre<br />

12 em curta distância ou por um dispositivo explosivo (<br />

Mais informações podem ser encontradas no capítulo sobre<br />

explosões da edição militar do PHTLS.<br />

De modo geral, armas de média e alta energia danificam nãj<br />

apenas o tecido diretamente na trajetória do projétil. mas tam¬<br />

bém o tecido acometido na cavidade temporária, de cada lads<br />

da trajetória. As variáveis do perfil do projétil, do rolamentos<br />

da fragmentação influenciam a rápida troca de energia e, por¬<br />

tanto, a extensão e a direção da lesão. A força das partícula<br />

teciduais descoladas da trajetória direta do projétil comprimes<br />

distende o tecido adjacente (Fig. 4-57).<br />

Armas de alta energia descarregam projéteis de alta energis<br />

(Fig. 4-58A-B). O dano tecidual é muito mais extenso com<br />

penetração de um objeto de alta energia do que com a entrai<br />

de um projétil de energia média. O vácuo criado na cavidads<br />

resultante deste projétil de alta velocidade pode puxar roupas.<br />

bactérias e outros debris da superfície para o ferimento.<br />

Outra consideração na avaliação das lesões decorrentesi<br />

ferimentos por arma de fogo é o raio ou a distância de onde<br />

arma (tanto de média como de alta energia) foi disparada.!<br />

resistência do ar diminui a velocidade da bala; portanto, aumen<br />

tando a distância, diminui-se a energia no momento do impado<br />

o que produz menos lesão. A maioria dos disparos de revolva<br />

ocorre a curta distância, de modo que a probabilidade de oco:


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 73<br />

FIGURA 4-56 A. Armas de energia média geralmente apresentam tambores curtos e cartuchos menos potentes. B. Armas de<br />

alta energia.<br />

(DeMcSwain NE Jr: Paturas JL: The Basic EMT: Comprehensive Prehospital Patient Care, ed 2, St Louis, 2001, Mosby.)<br />

rência de lesões graves está relacionada à anatomia envolvida e<br />

à energia da arma, em vez da perda de energia cinética.<br />

Armas de Alta Energia<br />

Cavitação. Fackler e Malinowski descreveram o incomum<br />

padrão lesionai de um AK-47. Devido à sua excentricidade,<br />

•abala tomba e segue quase em ângulo reto à área de entrada.<br />

Durante esta ação de rolamento, a rotação a mantém, de modo<br />

que existem duas, ocasionalmente três cavitações (dependendo<br />

de quanto tempo a bala permanece no corpo)."1 Uma troca de<br />

energia muito alta produz a cavitação e uma quantidade signi¬<br />

ficativa de dano.<br />

O tamanho da cavidade permanente é associado à elastici¬<br />

dade do tecido atingido pelo projétil. Por exemplo, se a mesma<br />

bala, na mesma velocidade, penetra o músculo e o fígado, os<br />

resultados são muito diferentes. O músculo é mais elástico,<br />

se expande e se contrai em uma cavidade permanente relati¬<br />

vamente menor. Por outro lado, o fígado é pouco elástico, de<br />

modo que desenvolve linhas de fratura e cavidade permanente<br />

muito maiores do que as observadas na mesma troca de energia<br />

ocorrida no músculo.19,20<br />

nal de Dum Dum, na índia).21 A Declaração de São Petersburgo,<br />

de 1868, proibiu o uso de projéteis explosivos de menos de 400<br />

gramas de peso. A isto seguiu-se a Convenção de Haia,em 1899,<br />

que baniu o uso das balas dum-dum em guerras.<br />

Anatomia<br />

Orifícios de Entrada e de Saída<br />

A lesão tecidual ocorre no local de entrada do projétil no corpo,<br />

ao longo da via de penetração do objeto, e na saída do corpo.<br />

O conhecimento da posição da vítima e do agressor e da arma<br />

utilizada auxilia a determinação da trajelória áa lesão. Caso os<br />

ferimentos de entrada e de saída possam ser identificados, as<br />

estruturas anatómicas que provavelmente estiverem nesta trajetória<br />

podem ser aproximadas.<br />

A avaliação dos locais dos ferimentos fornece informações<br />

valiosas para guiar o atendimento do doente e orientar o hos¬<br />

pital que receberá a vítima. Dois orifícios no abdome da vítima<br />

Recuperação pelo tecido elástico<br />

Cavidade<br />

temporária<br />

Fragmentação. A combinação de uma arma de alta energia com a<br />

fragmentação pode produzir danos significativos. Se um projétil<br />

de alta energia se fragmentar durante o impacto (o que muitos<br />

não fazem), o sítio de entrada inicial pode ser muito grande e<br />

causar lesões significativas em tecidos moles. Por outro lado, se<br />

abala apenas se fragmentar quando atingir uma estrutura sólida<br />

no corpo (como um osso), grande cavitação ocorre neste ponto<br />

de impacto e os fragmentos ósseos passam a ser parte do com¬<br />

ponente produtor de danos. A destruição significativa dos ossos<br />

edos órgãos e vasos adjacentes pode ser observada.10<br />

Emil Theodor Kocher, um cirurgião que viveu no final çlo<br />

século XIX, era extremamente ativo na compreensão da balís¬<br />

tica e do dano produzido por armas. Kocher era um forte defen¬<br />

sor da não utilização da bala "dum-dum" (produzida pelo arse-<br />

Cavidade<br />

permanente<br />

ÍDireção do trajeto<br />

Compressão e<br />

esmagamento<br />

FIGURA 4-57 Em sua trajetória, a bala esmaga diretamente,<br />

os tecidos. A cavidade é criada no trajeto da bala. A porção<br />

esmagada é permanente. A expansão temporária também pode<br />

produzir lesão.


74 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-58 A. Ferimento provocado por abrasão no couro cabeludo, por um projétil disparado por uma arma de alta<br />

velocidade. O crânio não foi fraturado. B. Ferimento por arma de alta velocidade em membro inferior, mostrando a grande cavidade<br />

permanente.<br />

*<br />

indicam que um único projétil entrou e saiu ou ainda que dois<br />

projéteis entraram no corpo? O projétil cruzou a linha média<br />

(em geral provocando lesões mais graves) ou permaneceu no<br />

mesmo lado da entrada? Qual a direção do projétil? Que órgãos<br />

provavelmente se encontram no trajeto da bala?<br />

Os ferimentos de entrada e saída geralmente, mas não sem¬<br />

pre, produzem padrões lesionais passíveis de identificação nos<br />

tecidos moles. A avaliação da aparente trajetória de um objeto<br />

penetrante é de grande valia para o clínico. Esta informação<br />

deve ser dada aos médicos do hospital. Por outro lado, os res¬<br />

ponsáveis pelo atendimento pré-hospitalar (e a maioria dos<br />

médicos) não têm a experiência ou o conhecimento de um pato¬<br />

logista forense; sua avaliação, portanto, sobre qual ferimento é.<br />

o de entrada e qual é o de saída é incerta. Tal informação serve<br />

somente ao manejo do doente, na tentativa de descobrir o cali¬<br />

bre do projétil, e não tem fins legais, determinando aspectos<br />

específicos do incidente. Estas duas questões não devem ser<br />

confundidas. O socorrista deve ter o maior número possível de<br />

informações, para determinar quais lesões podem ter ocorrido e<br />

decidir o manejo do doente. É melhor deixar as questões legais<br />

relacionadas a detalhes dos ferimentos de entrada e. saída para<br />

outros profissionais. O ferimento de entrada do projétil de arma<br />

de fogo é feito contra o tecido subjacente, mas o ferimento de<br />

saída não tem sustentação. O primeiro ferimento é tipicamente<br />

redondo ou oval, e o último é geralmente estrelado (explosão<br />

em estrela) (Fig. 4-59). Como o projétil está girando em torno<br />

de seu eixo, quando penetra na pele, deixa uma pequena area<br />

de abrasão (1 a 2 mm de tamanho), que é rósea (Fig. 4-60). Não<br />

existe abrasão no orifício de saída. Se a boca da arma de fogo foi<br />

colocada diretamente contra a pele no momento do disparo,Oil<br />

gases em expansão penetram no tecido e produzem crepitação<br />

ao exame físico (Fig. 4-61). Se o bocal da arma tiver entre 5 eJj<br />

cm. os gases aquecidos expelidos queimam a pele; a 5 a 15 cm,ti<br />

fumaça adere à pele; em 25 cm, as partículas tatuam a pele com<br />

pequenas (1 a 2 mm) áreas de queimaduras (Fig. -62).<br />

Efeitos Regionais dos Ferimentos<br />

Penetrantes<br />

Nesta seção são discutidas as lesões que ocorrem nas várias pail<br />

tes do corpo nos ferimentos penetrantes.<br />

Cabeça<br />

Depois que o projétil penetra na calota craniana, sua energia;<br />

distribuída dentro de um espaço fechado. As partículas acela<br />

radas para longe do projétil são empurradas contra a calota era<br />

niana rígida, que não pode se expandir como a pele, o múseul


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 75<br />

FIGURA 4-59 O ferimento de entrada apresenta formato<br />

redondo ou oval e o de saída tem forma de estrela ou é linear.<br />

FIGURA 4-61 Gases quentes oriundos do bocal da arma<br />

posicionado próximo à pele geram queimaduras cutâneas de<br />

segundo e terceiro graus.<br />

Orifícios de<br />

entrada e saída<br />

Esgarçamento<br />

/<br />

Entrada<br />

m/rmtaw*<br />

H:<br />

Saída<br />

Queimadura<br />

Tatuagem<br />

Ruptura<br />

FIGURA 4-60 A borda com abrasão indica que a bala seguiu<br />

de uma posição superior direita a uma inferior esquerda.<br />

FIGURA 4-62 A rotação e a compressão da entrada de uma<br />

bala produz orifícios redondos ou ovais. Na saída, o ferimento<br />

apresenta bordas evertidas.<br />

ou mesmo o abdome. Portanto, o tecido cerebral é comprimido<br />

contra a face interna da calota craniana, produzindo mais lesão<br />

do que se ela pudesse se expandir livremente. É como colocar<br />

fogos de artifício em uma maçã e, depois, colocar a mão em uma<br />

lata de metal. Quando os fogos de artifício explodem, a maçã é<br />

destruída contra a parede da lata. Se as forças forem suficien¬<br />

temente fortes, a calota craniana pode explodir de dentro para<br />

fora (Fig. 4-63).<br />

Se entrar em determinado ângulo e não tiver força para sair, a<br />

bala pode seguir a curvatura do interior da calota craniana. Essa<br />

trajetória pode produzir lesões importantes (Fig. 4-64). Esse tipo<br />

de lesão é característico de projéteis de calibre pequeno e média<br />

velocidade, como as pistolas calibre 22 e 25, que por essa razão<br />

foram chamadas de "armas assassinas". Esles projéteis atingem<br />

o cérebro e transferem a ele toda sua energia.<br />

Tórax<br />

Existem três grupos importantes de estruturas dentro da cavi¬<br />

dade torácica: os pulmões, o sistema vascular e o trato gastroin¬<br />

testinal. Isto não inclui os ossos e músculos da parede torácica<br />

e da coluna. Uma ou mais estruturas anatómicas destes sistemas<br />

podem ser lesionados pela penetração do objelo.<br />

Pulmões. O tecido pulmonar é menos denso do que o sangue,<br />

os órgãos sólidos ou os ossos; um objeto penetrante, portanto,<br />

atinge menos partículas, troca menos energia e provoca menos


76 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 4-63 Apos a penetração de um projétil no crânio, sua<br />

energia é distribuída em um espaço fechado. É como colocar<br />

fogos de artifício em um recipiente fechado. Se as forças forem<br />

potentes o suficiente, o recipiente (o crânio) pode explodir de<br />

dentro para fora.<br />

FIGURA 4-64 A bala pode seguir a curvatura do crânio.<br />

(De McSwain NE Jr, PalurasJL: The Basic EMT: Compreensive Prehospitalar Palienle Care, ed2,<br />

2001, St Louis, Mosby.)<br />

dano ao lecido pulmonar. Os danos pulmonares podem ser cli¬<br />

nicamente significativos (Fig. 4-65), mas a exploração cirúrgica<br />

é necessária em menos de 15% dos doentes.22<br />

Sistema Vascular. Pequenos vasos não aderidos à parede torá¬<br />

cica podem ser empurrados lateralmente sem que sofram lesão<br />

importante. Vasos maiores, porém, como a aorta e a veia cava,<br />

são menos móveis, por serem aderidos à coluna ou ao coração.<br />

Estes vasos não podem se mover para os lados com tanta facili¬<br />

dade e são mais suscetíveis a lesões.<br />

Quando a bala atravessa o miocárdio (formado quase que<br />

totalmente por músculo), ocorre distensão seguida de contração,<br />

deixando um pequeno defeito. A espessura do músculo<br />

pode controlar um ferimento penetrante de baixa energia, como<br />

os causados por faca ou por bala pequena, de energia média<br />

e calibre 22. Este fechamento pode impedir a exsanguinação<br />

imediata e dar tempo para transportar a vítima a um hospital<br />

adequado.<br />

Trato Gastrointestinal. O esôfago, segmento do trato gastrointesti¬<br />

nal que atravessa a cavidade torácica, pode ser perfurado dei¬<br />

xando vazar seu conteúdo para a cavidade. Os sinais e sintomas<br />

dessa lesão podem demorar várias horas ou vários dias para<br />

aparecer.<br />

Abdome<br />

O abdome contém estruturas de três tipos: preenchidas por ar,<br />

sólidas e ósseas. A penetração por projétil de baixa energia pode<br />

não causai- lesão importante; somente 30% dos ferimentos por<br />

arma branca na cavidade abdominal requerem exploração cirúr- ;<br />

gica para corrigir lesões. Lesão de média energia (p. ex., feri¬<br />

mento por revólver) produz mais lesão-85%-95% necessitara<br />

de tratamento cirúrgico. Entretanto, em lesões provocadas por<br />

projéteis de média energia, o dano às estruturas sólidas e vascu¬<br />

lares geralmente não causam exsanguinação imediata. Isso per¬<br />

mite ao socorrista transportar o doente para o hospital a tempo<br />

de ser submetido à intervenção cirúrgica eficiente.<br />

Extremidades<br />

Ferimentos penetrantes de extremidades podem causai- lesões<br />

.ósseas, musculares dos nervos ou vasculares. Quando os ossos<br />

são atingidos, seus fragmentos tornam-se projéteis secundários<br />

que laceram tecidos vizinhos (Fig. 4-66). Os músculos são afas¬<br />

tados do trajeto do projétil, ocorrendo hemorragia. Os vasos<br />

sanguíneos podem ser perfurados pelo projétil ou, quando o<br />

projétil passa de raspão, ele pode lesar o revestimento interno<br />

do vaso, provocando coagulação e obstrução, que podem ocor¬<br />

rer em minutos ou horas.


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 77<br />

FIGURA 4-65 Lesão pulmonar produzida pela cavitação<br />

distante do ponto de impacto.<br />

FIGURA 4-66 Os fragmentos ósseos se tornam projéteis<br />

secundários, produzindo lesões pelo mesmo mecanismo do<br />

objeto penetrante original.<br />

Ferimentos por Espingardas<br />

Embora espingardas não sejam armas de alta velocidade, são<br />

armas de alta energia e, em curta distância, podem ser mais<br />

letais do que alguns rifles de alta energia. As armas de mão e<br />

os rifles usam predominantemente ranhuras (sulcos) dentro do<br />

cano da arma, o que faz girar um projétil único que voa em dire¬<br />

ção ao alvo. Em contraste, a maioria das espingardas possui um<br />

cano cilíndrico liso que impulsiona um determinado número<br />

de projéteis na direção do alvo. Dispositivos conhecidos como<br />

estranguladores e desviadores podem ser acoplados à ponta do<br />

cano de uma espingarda para moldar e formar uma coluna de<br />

projéteis em padrões específicos (p. ex., cilíndricos ou retangulares).<br />

Independentemente disso, quando uma espingarda é dis¬<br />

parada, um grande número de projéteis é ejetado em um deter¬<br />

minado padrão de dispersão, ou em spray. Os canos podem ser<br />

encurtados ("serrados") para que essa dispersão ocorra mais<br />

precocemente.<br />

Embora as espingardas possam usar muitos tipos de muni¬<br />

ção, a estrutura da maioria dos cartuchos de espingarda é similar.<br />

Um cartucho de espingarda típico contém pólvora, bucha e pro¬<br />

jéteis. Com o disparo, todos esses componentes são impelidos<br />

pela boca do cano e podem causar lesões na vítima. Certos tipos<br />

de pólvora podem marcara pele ("tatuar") se o disparo ocorrer¬<br />

em curta distância. A bucha, que é normalmente feita de papel,<br />

fibras ou plástico, é usada para separar os projéteis da carga de<br />

pólvora e pode ser outra fonte de infecção do ferimento, caso<br />

não seja removida. Os projéteis podem ler tamanho, peso e com¬<br />

posição variados. Há uma grande disponibilidade de projéteis,<br />

desde pós-metálicos comprimidos até "chumbinhos" (pequenas<br />

bolinhas metálicas), munição para caça (bolas metálicas maio¬<br />

res), zagalote (um único projétil metálico) e, mais recentemente,<br />

variantes de plástico e de borracha. O cartucho é carregado com<br />

28,35 a 42,52 gramas de carga. Os enchimentos que são coloca¬<br />

dos com a carga (grânulos de polietileno ou de polipropileno)<br />

podem penetrar nas camadas superficiais da pele.<br />

Um cartucho médio de "chumbinho" pode conter 200 a<br />

2.000 bolinhas, ao passo que um cartucho para caça pode con¬<br />

ter somente 6 a 20 bolinhas (Fig. 4-67). É importante observar<br />

que, à medida que o tamanho das bolinhas aumenta, elas se<br />

aproximam das características dos ferimentos produzidos por<br />

projéteis de calibre 0,22, quanto ao alcance efetivo e à transfe¬<br />

rência de energia. Há, ainda, cartuchos maiores, ou "magnum".<br />

Esses cartuchos podem conter mais carga e'ÿmaior quantidade<br />

de pólvora, ou apenas maior carga de pólvora, para aumentar a<br />

velocidade de saída do disparo pela boca do cano.<br />

O tipo de munição usado é importante ao graduar as lesões,<br />

mas o alcance (a distância) em que o doente foi atingido for¬<br />

nece a variável mais importante quando se avalia uma vítima<br />

de lesão por espingarda. Espingardas ejetam um grande número<br />

de projéteis, a maioria deles esférica. Esses projéteis são espe¬<br />

cialmente suscetíveis aos efeitos da resistência do ar, que rapi¬<br />

damente torna mais lento o projétil à medida que ele sai da boca<br />

do cano (Fig. 4-68). O efeito da resistência do ar sobre os pro¬<br />

jéteis diminui o alcance efetivo da arma e altera as característi¬<br />

cas básicas dos ferimentos que causa. Assim, os ferimentos por<br />

espingarda foram classificados em quatro categorias principais:<br />

de contato, curta distância, distância intermediária e longa dis¬<br />

tância (Fig. 4-69).<br />

Os ferimentos de contato ocorrem quando a boca do cano<br />

encosta no doente no momento em que a arma é descarregada.<br />

Isso produz tipicamente ferimentos de entrada circulares, que<br />

podem ou não ter fuligem ou a impressão da boca do cano (Fig.<br />

4-61). O chamuscamento ou a queimadura das bordas do feri¬<br />

mento são comuns, secundariamente às altas temperaturas e à<br />

expansão dos gases quentes quando os projéteis saem pela boca<br />

do cano. Alguns ferimentos de contato podem ter aparência<br />

mais estrelada (forma de estrela), em razão dos gases supera-


ÿ<br />

78 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

: -h<br />

FIGURA 4-67 A. Em média, uma cápsula de uma espingarda pequena pode conter entre 200 a 2.000 chumbinhos. B. Uma<br />

cápsula de espingarda pode conter apenas de 6 a 20 balas de chumbo.<br />

quecidos que escapam do tecido. Os ferimentos de contato nor¬<br />

malmente produzem lesão tecidual disseminada e estão asso¬<br />

ciados à mortalidade elevada. O comprimento do cano de uma<br />

espingarda-padrão dificulta o suicídio com essa arma, uma vez<br />

que é difícil alcançar e puxar o gatilho. Tentativas de suicídio<br />

com espingardas normalmente produzem uma fenda na face<br />

sem que o tiro chegue ao cérebro.<br />

Os ferimentos de curta distância (menos de dois metros),<br />

embora ainda sejam tipicamente caracterizados por ferimentos<br />

de entrada circulares, têm maior probabilidade de apresentar<br />

evidências de fuligem, pólvora ou manchas salpicadas ao redor<br />

das bordas do ferimento do que os ferimentos de contato. Além<br />

disso, podem ser encontradas abrasões e marcas do impacto da<br />

bucha que coincidem com os ferimentos dos projéteis. Os feri-<br />

Metros<br />

18 20<br />

Maioria dos ferimentos humanos graves<br />

Distância efetiva em jogo<br />

FIGURA 4-68 0 diâmetro da disseminação da coluna de tiro<br />

se expande com o aumento da distância.<br />

(De DeMulh WE: The mechanism of gunshot wounds. J Trauma 11:219, 1971.)<br />

mentos de curta distância também causam lesão significativa no<br />

doente; projéteis disparados a essa distância ainda retêm ener¬<br />

gia suficiente para penetrar estruturas profundas e apresentar<br />

um padrão de dispersão ligeiramenteTnais amplo. Isso aumenta<br />

a extensão das lesões à medida que os projéteis atravessam as<br />

partes moles.<br />

Os ferimentos de distância intermediária são caracterizados<br />

por apresentarem pequenos orifícios satélites, em torno de um<br />

ferimento de entrada central. Esse padrão é causado por peque¬<br />

nos projéteis que se espalham a partir da coluna principaldo tiro<br />

e, de modo geral, ocorrem em distância de 2 a 6 metros. Essas<br />

lesões são uma mistura de ferimentos penetrantes profundose|<br />

ferimentos e abrasões superficiais. Em função dos componentes!<br />

penetrantes profundos dessa lesão, no entanto, as vítimas ainda!<br />

podem ter uma taxa de mortalidade relativamente alta.<br />

Os ferimentos de longa distância raramente são fatais.<br />

Esses ferimentos são tipicamente caracterizados pela dispersão<br />

clássica de pequenos projéteis e são provocados em distânds<br />

superior a seis metros. No entanto, mesmo nessas velocidades<br />

mais lentas, os projéteis podem causar danos significativos a<br />

determinados tecidos sensíveis (p. ex., olhos). Além disso, pro¬<br />

jéteis maiores de munição para caça podem reter velocidade<br />

suficiente para causar lesão em estruturas profundas, mesmo à<br />

longa distância. O socorrista também deve considerai' os efeitos<br />

cumulativos de muitos ferimentos por pequenos projéteis e suas<br />

localizações, concentrando-se nos tecidos sensíveis. A exposi¬<br />

ção adequada é fundamental na avaliação de todos os doentes<br />

traumatizados, e as lesões por espingardas não são exceção.


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 79<br />

FIGURA 4-69 Padrões de Lesões Provocadas por Armas de Fogo<br />

Tipo Aparência<br />

•<br />

do Ferimento Lesão Mortalidade<br />

Contato<br />

Dano tecidual disseminado 85%-90%<br />

m<br />

Próximo Penetração além da fáscia profunda 15-20%<br />

Intermediário<br />

Penetração do tecido subcutâneo e da fáscia<br />

profunda<br />

0-5%<br />

Grande Distância Penetração superficial da pele 0%<br />

(Modificado de Sherman RT, Parrish RA: Management of shotgun injuries: a review of 152 cases.J Trauma 18:236, 1978.)<br />

Essascaracterísticas variáveis precisamser levadas em conta<br />

quando se avaliam padrões de lesão em doentes com ferimentos<br />

por espingardas. Por exemplo, um único ferimento circular por<br />

espingarda pode representar uma lesão de contato ou de curta<br />

distância com "chumbinho" ou munição para caça em que os<br />

projéteis mantiveram uma coluna estreita ou agrupada. Inversa¬<br />

mente, também pode representar um ferimento a uma distância<br />

intermediária ou longa com projétil único. Somente o exame<br />

detalhado do ferimento permitirá a diferenciação dessas lesões<br />

que provavelmente envolvem danos importantes às estruturas<br />

internas, apesar das características completamente diferentes<br />

dos projéteis.<br />

Os ferimentos de contato e em curta distância do tórax<br />

podem provocar lesões extensas, visualmente impressionantes,<br />

resultando em pneumotórax aberto; no abdome, o intestino pode<br />

eviscerar através da ferida. Algumas vezes um único fragmento<br />

de um ferimento a uma distância intermediária pode penetrar<br />

profundamente a ponto de perfurar o intestino,causando, even¬<br />

tualmente, peritonite, ou pode lesar uma artéria importante,<br />

provocando o comprometimento vascular de uma extremidade.<br />

Alternativamente, um doente que apresenta pequenos feri¬<br />

mentos múltiplos dispersos pode ter dezenas de ferimentos de<br />

entrada. No entanto, nenhum dos projéteis pode ter retido ener¬<br />

gia suficiente para penetrar através da fáscia, muito menos para<br />

produzir lesão significativa nas estruturas internas.<br />

Embora o atendimento imediato do doente deva sempre<br />

ser prioritário, qualquer informação (tipo de cartucho, distân¬<br />

cia provável do doente em relação à arma, número de disparos<br />

efetuados) que o socorrista possa colher do local e transmitir ao<br />

hospital pode ajudar na avaliação diagnostica e no tratamento<br />

adequado do doente com lesão por espingarda. Além disso, o<br />

reconhecimento dos vários tipos de ferimentos pode ajudar<br />

os socorristas a manter um alto índice de suspeição quanto a<br />

lesões internas, independentemente da impressão inicial do<br />

ferimento.<br />

Lesões por Impacto<br />

Lesões Causadas por Explosões<br />

Dispositivos explosivos são as armas mais frequentemente usa¬<br />

das em combates e por terroristas. Estes dispositivos provocam<br />

lesões em humanos por meio de diversos mecanismos, sendo<br />

que alguns deles são excessivamente complexos. Para os clí¬<br />

nicos, os maiores desafios, em lodos os níveis do atendimento<br />

após uma explosão, são o grande número cle mortes e as múlti¬<br />

plas lesões penetrantes (Fig. 4-70). 2:1<br />

Física da Explosão<br />

Explosões são reações físicas, químicas ou nucleares que levam<br />

à liberação, quase que instantânea, de grande quantidade de<br />

energia altamente comprimida na forma de calor e gás, em<br />

rápida expansão e capaz de projetar fragmentos em velocidade<br />

extremamente elevada. A energia associada a uma explosão<br />

pode ter diversas formas: cinética e térmica na "onda de cho¬<br />

que"; cinética, dos fragmentos formados pela quebra da cápsula<br />

e pelos detritos adjacentes; e elelromagnética.<br />

As ondas da explosão podem trafegara mais de 5.000 metros/<br />

segundo e são compostas por componentes estáticos e dinâmi¬<br />

cos. O componente estático ("superpressão da explosão") cerca<br />

os objetos no campo de fluxo de uma explosão, carregando-os, de<br />

todos os lados, por uma elevação descontínua de pressão, deno¬<br />

minada "frente de choque" ou "onda de choque", até o "pico de<br />

superpressão". Seguindo a frente de choque, a superpressão é<br />

reduzida à pressão ambiental e, então, um vácuo parcial é for¬<br />

mado, como resultado de o ar ser sugado de volta (Fig. 4-7*1). O<br />

componente dinâmico ("pressão dinâmica") é direcional e sen¬<br />

tido como o "vento" da explosão. O significado primário deste<br />

deslocamento de ar é a propulsão de fragmentos em velocidades<br />

acima de vários milhares de metros por segundo (mais rápido<br />

do que projéteis balísticos comuns, como balas e cápsulas).2'1


80 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Valor de pico<br />

Fase de impulso positivo<br />

(alteração da superpressão<br />

com o passar do tempo)<br />

FIGURA 4-70 Doente com diversos ferimentos provocados<br />

por fragmentos da explosão de uma bomba.<br />

co<br />

Tempo de chegada<br />

/<br />

Fim da fase positiva<br />

t<br />

Fase negativa<br />

Tempo<br />

FIGURA 4-71 História de pressão e tempo de uma onda de<br />

choque. Este gráfico mostra a súbita e intensa elevação da<br />

pressão (superpressão da explosão) seguida por redução da<br />

pressão e fase de pressão negativa.<br />

(De Bowen e Bellamy, RF, editors, Emergency War Surgery, Washington, DC, 1988, United<br />

States Government Printing Office.)<br />

Enquanto a faixa eficaz de pressão estática e dinâmica é medida<br />

em dezenas de metros, os fragmentos acelerados pela pressão<br />

dinâmica rapidamente ultrapassam a onda de explosão, pas¬<br />

sando a ser a causa dominante da lesão, a milhares de metros.<br />

Interação das Ondas de Explosão com o<br />

Corpo<br />

Ondas de explosão interagem com o corpo e as demais estru¬<br />

turas através da transmissão da energia da onda de explosão à<br />

estrutura. Esta energia provoca o fenómeno da deformação, de<br />

maneira dependente da força e do período natural de oscilação<br />

da estrutura que está sendo afetada. A alteração das interfaces<br />

de densidade em uma estrutura provoca complexas deforma¬<br />

ções, convergências e acoplamentos das ondas de explosão<br />

transmitidas. Isto é observado principalmente em interfaces de<br />

densidade alta, como do tecido sólido ao ar ou a líquidos (p. ex.,<br />

pulmão, coração, fígado e intestino).<br />

Lesões Relacionadas a Explosões<br />

Lesões provocadas por explosões são geralmente classificadas<br />

como primárias, secundárias, terciárias, quaternárias e quinlenárias<br />

após a taxonomia de lesões descrita pela Diretiva<br />

6025.2 IE2'1 do Departamento de Defesa dos Estados Unidos<br />

(Fig. 4-74). A detonação de um dispositivo explosivo inicia<br />

uma cadeia de interações com os objelos e indivíduos em seu<br />

caminho.23 Se um indivíduo estiver próximo, a onda de choque<br />

inicial aumenta a pressão no corpo, causando estresse e cisalhamenlo,<br />

principalmente em órgãos preenchidos por gás, como<br />

os ouvidos, os pulmões e (raramente) os intestinos (Fig. 4-73).<br />

Estas lesões primárias por impacto são mais prevalentes quando<br />

a explosão ocorre em um ambiente fechado, já que a onda de<br />

choque é refletida por superfícies, aumentando assim o poder<br />

destrutivo das ondas de pressão.25 A morte imediata por baro¬<br />

trauma pulmonar (explosão do pulmão) ocorre com maior fre- 1<br />

quência em espaços fechados do que em espaços abertos. 2I,,2/'26 1<br />

A maioria (95%) das lesões por explosão observadas no Iraque<br />

e no Afeganistão ocorreram em atentados em espaços abertos.29<br />

A forma mais comum de lesão primária por explosão é a rup¬<br />

tura do tímpano.311,31 Ela, que pode ser observada em pressões<br />

baixas, de até 5 psi, 32,33 é geralmente a única lesão significativa<br />

por superpressão observada. A segunda lesão mais importanteI<br />

ocorre a menos de 40 psi, um limiar conhecido por ser asso¬<br />

ciado a lesões pulmonares, incluindo pneumotórax, embolia<br />

aérea, enfisema intersticial e subcutâneo, e pneumomediastino.3'1<br />

Dados de soldados queimados da Operação Iraque Livre, [<br />

dos Estados Unidos, confirmam que a ruptura do tímpano não<br />

prediz a ocorrência de lesão pulmonar.<br />

A frente de choque de uma onda de explosão é rapidamente<br />

dissipada e seguida pelo deslocamento de ar, que propele frag¬<br />

mentos e cria diversas lesões penetrantes. Embora estas lesões<br />

sejam denominadas secundárias, geralmente são o agente pre¬<br />

dominante dos ferimentos.23 O deslocamento de ar também |<br />

propele objetos grandes em direção a pessoas ou pessoas em<br />

direção a superfícies duras (translocação total ou parcial do<br />

corpo), criando lesões contundentes (terciárias); esta categoria I<br />

de lesão também inclui as lesões por esmagamento causadas<br />

pelo colapso estrutural.3'1 Calor, chamas, gás e fumaça gerados<br />

durante as explosões produzem lesões quaternárias, incluindo<br />

queimaduras, lesões por inalação e asfixia.25 As lesões quintenárias<br />

são produzidas quando bactérias, substâncias químicas<br />

ou materiais radioativos são adicionados ao dispositivo explo¬<br />

sivo e liberados à detonação.<br />

Lesões Causadas por Fragmentos<br />

Armas explosivas convencionais são projetadas para maximizar<br />

os danos causados por fragmentos. Com velocidades iniciais de


CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 81<br />

FIGURA 4-72<br />

Categorias de Lesões Provocadas por Explosões<br />

Categoria Definição Características<br />

Primária<br />

Produzida por contato da onda de choque com o corpo<br />

Ondas de estresse e cisalhamento em tecidos<br />

Reforço/reflexão das ondas em interfaces de densidade tecidual<br />

Órgãos preenchidos por gás (pulmões, orelhas etc.) são mais<br />

suscetíveis<br />

Ruptura da membrana timpânica<br />

Explosão do pulmão<br />

a Lesões oculares<br />

h Concussão<br />

Ruptura da membrana timpânica<br />

Secundária<br />

Lesões balísticas produzidas por:<br />

Fragmentos primários (pedaços do explosivo)<br />

Fragmentos secundários (fragmentos ambientais, como o vidro)<br />

! Risco de lesão por fragmentos se estende além da onda de choque<br />

Lesões penetrantes<br />

Amputações traumáticas<br />

Lacerações<br />

Terciária<br />

A onda de choque ejeta os indivíduos em direção a superfícies/<br />

objetos ou os objetos em direção a indivíduos, provocando<br />

translocação completa do corpo<br />

Lesões por esmagamento causadas por dano estrutural e colapso de<br />

edifícios<br />

Lesões contundentes<br />

Síndrome de esmagamento<br />

Síndrome de compartimentação<br />

Quaternária Outras lesões, doenças ou distúrbios relacionados com explosão Queimaduras<br />

Lesões por inalação de gases<br />

tóxicos e outras substâncias<br />

Lesão por contaminação<br />

ambiental<br />

Quinária<br />

Lesões resultantes de aditivos específicos, como bactérias e<br />

radiação ("bombas sujas")<br />

(DeNAEMT: PTHLS Prehospital Trauma Life Support: Military edition, ed 7, St Louis, 2001, Mosby.)<br />

muitos milhares de metros por segundo, a distância em que os<br />

fragmentos podem ser propelidos de uma bomba de 23 kg é bem<br />

superior a 0,3 km, enquanto o raio mortal da superpressão da<br />

explosão é de, aproximadamente, 15 melros. Os profissionais<br />

que desenvolvem armas militares e os terroristas, portanto, projetam<br />

armas para maximizar a ocorrência de lesão por fragmen¬<br />

tação, de modo a elevar, de modo significativo, o raio de danos<br />

de uma explosão em campo aberto.<br />

Pouquíssimos dispositivos explosivos provocam lesão por<br />

meio, apenas, da superpressão de explosão, e a ocorrência de<br />

uma lesão primária grave é relativamente rara quando compa¬<br />

rada aos números predominantes de lesões secundárias e terci¬<br />

árias. Assim, poucos doentes apresentam lesões apenas provo¬<br />

cadas por efeitos primários. Toda a gama de lesões relacionadas<br />

a explosões é com frequência denominada conjuntamente de<br />

"lesões por impacto", causando grande confusão com o que<br />

constitui uma lesão por explosão. Uma vez que a energia da<br />

onda de explosão se dissipa rapidamente, a maioria dos dispo¬<br />

sitivos explosivos é construída cle modo a causar danos atribu¬<br />

ídos, primariamente, aos fragmentos. Estes podem ser primá¬<br />

rios, gerados pela ruptura da cápsula ao redor do explosivo, ou<br />

secundários, criados por detritos do ambiente adjacente. Inde¬<br />

pendentemente da criação de fragmentos a partir de cápsulas<br />

de munição, detritos ejetados ou objelos que os terroristas colo¬<br />

cam em bombas caseiras, a distância atingida e a letaliclade dos<br />

Possibilidade<br />

de ruptura da<br />

membrana<br />

timpânica 15 m<br />

Ruptura da<br />

membrana<br />

timpânica 15 m<br />

Explosão em espaço aberto<br />

Limiar do desvio<br />

temporário 40 m<br />

Mortos:<br />

Explosão primária<br />

e fragmentos<br />

Mortos:<br />

fragmentos<br />

Feridos:<br />

fragmentos<br />

Peso da carga 100 kg<br />

Ausência de lesão por fragmentos = ausência<br />

FIGURA 4-73 Morbidade e mortalidade como função da<br />

distância em detonação em espaço aberto de um explosivo de<br />

100 kg.<br />

explosivos são exponencialmente elevadas, sendo a principal<br />

causa de lesões relacionadas à explosão.<br />

Lesões de Múltiplas Etiologias<br />

Além dos efeitos diretos de uma explosão, os profissionais<br />

de saúde devem conhecer outras causas de lesões associadas<br />

a ataques explosivos. Um DE direcionado a um veículo, por


82 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

exemplo, pode provocar danos mínimos a seus ocupantes. Se<br />

o veículo em si, porém, puder ser deslocado verticalmente ou<br />

em vetor diferente, os ocupantes podem sofrer traumas confu¬<br />

sos, por ficarem de cabeça para baixo durante o deslocamento<br />

vertical ou por rolarem, por exemplo, durante a queda em um<br />

aterro ou um canal. Nestas circunstâncias, os ocupantes sofrem<br />

lesões conforme os mecanismos anteriormente descritos para<br />

traumas conlusos. No ambiente militar, os ocupantes de umveí¬<br />

culo podem ser relativamente protegidos da lesão contundente<br />

devido ao uso de fardas com proteção. Alem disso, os ocupantes<br />

de um veículo desativado após a detonação de um DE podem<br />

ser atacados a tiros ao sair do carro, e são sujeitos a emboscadas,<br />

podendo se tornar vítimas de lesões penetrantes.<br />

O Uso da Biomecânica na<br />

Avaliação<br />

A avaliação do doente traumatizado deve envolver o conhe¬<br />

cimento da biomecânica. Por exemplo, um motorista que se<br />

choca com o volante (trauma contuso) terá uma grande cavij<br />

dade no seu tórax no momento do impacto. No entanto, o tór.<br />

retorna rapidamente à sua forma original, ou quase, quando!<br />

se afasta do volante. Se dois socorristas - um que entendes]<br />

biomecânica e outro que não - examinarem o doente sep<br />

radamente, o que não tem conhecimento de biomecânica sei<br />

ocupará apenas da abrasão visível no tórax do doente. O socor¬<br />

rista que conhece a biomecânica reconhecerá a presença dei<br />

uma grande cavidade no momento do impacto; que as costelas<br />

foram deformadas para que se formasse a cavidade; e que o<br />

coração, os pulmões e os grandes vasos foram comprimidosl<br />

pela formação da cavidade. Portanto, o socorrista preparado<br />

suspeitará de lesões do coração, dos pulmões, dos grandes<br />

vasos e da parede torácica. O outro socorrista nem se preocu¬<br />

pará com essas possibilidades.<br />

O socorrista competente, caso suspeite de lesões intratoráci¬<br />

cas mais graves, avaliará as lesões, cuidará do doente e iniciará<br />

o transporte com mais rapidez em vez de tratar o que parece ser!<br />

apenas uma pequena contusão de partes moles. Identificação prc-l<br />

coce, compreensão adequada e tratamento apropriado da lesãol<br />

subjacente influenciarão significativamente para a sobrevidaouj<br />

morte do doente.<br />

RESUMO<br />

A integração dos princípios da cinemática do trauma à ava¬<br />

liação de vítimas é essencial para a descoberta de possíveis<br />

lesões graves ou possivelmente fatais.<br />

Até 95% das lesões podem ser previstas pelo entendi¬<br />

mento da troca de energia que ocorre no corpo humano no<br />

momento de uma colisão. O conhecimento da biomecânica<br />

do trauma permite que lesões que não são imediatamente<br />

aparentes sejam identificadas e tratadas de forma correta.<br />

Lesões insuspeitas, não detectadas e, portanto, não trata¬<br />

das contribuem de modo significativo para a morbidade e a<br />

mortalidade resultantes do trauma.<br />

A energia não pode ser criada ou destruída, pode apenas ter<br />

sua forma alterada. A energia cinética de um objeto, expressa<br />

em função da velocidade e da massa (peso), é transferida a<br />

outro objeto durante o contato.<br />

Danos a objetos ou tecidos corpóreos impaclados não apenasé<br />

uma função da quantidade de energia cinética aplicada,<br />

mas também da capacidade do tecido de tolerar as forças<br />

nele aplicadas.<br />

Trauma contuso<br />

e A direção do impacto determina o padrão e a possibilidade<br />

de ocorrência de uma lesão: frontal, lateral, traseira, rotacio¬<br />

nal, capotamento ou angular.<br />

e A ejeção de um carro reduz a proteção da vítima ao<br />

impacto.<br />

t-í<br />

a<br />

Dispositivos protetores que absorvem energia são muito<br />

importantes. Dentre eles, incluem-se os cintos de segurança,<br />

os airbags, motores drop-down (que caem durante a colisão,<br />

sem invadir o compartimento dos ocupantes) e partes dos<br />

veículos absorvedoras de energia, como para-choques, colu¬<br />

nas de direção passíveis de colapso, painéis e capacetes. Na<br />

chegada, o dano ao veículo e a direção do impacto indicam<br />

quais vítimas apresentam maior probabilidade de terem<br />

sofrido lesões graves.<br />

Em pedestres, as lesões variam de acordo com a parte do<br />

corpo que entrou em contato direto com o veículo e como<br />

peso da vítima.<br />

Quedas<br />

A distância percorrida antes do impacto afeta a gravidade<br />

da lesão sofrida.<br />

ta A capacidade de absorção de energia da superfície ao final<br />

da queda (concreto versus neve macia) afeta a gravidade da<br />

lesão.<br />

£3 As partes do corpo da vítima que atingem a superfície e a<br />

troca de energia através do indivíduo são -importantes.<br />

Trauma penetrante<br />

s<br />

A energia varia de acordo com o agente primário da lesão:<br />

Baixa energia - equipamentos cortantes segurados com as<br />

mãos


ÿ ÿu,mj<br />

CAPÍTULO 4 Biomecânica do Trauma 83<br />

Energia média — maioria dos revólveres<br />

Aila energia- rifles potentes, armas de assalto ele.<br />

A distância entre vítima, agressor e os objetos que a bala<br />

possa ler atingido afeiam a quantidade de energia no<br />

momento do impacto com o corpo e, portanto, a energia dis¬<br />

ponível para ser dissipada pelo doente, produzindo lesões.<br />

Os órgãos próximos à trajetória de penetração do objeto<br />

determinam as possíveis condições de risco de morte.<br />

A trajetória do trauma penetrante é determinada pelo feri¬<br />

mento de entrada e pelo ferimento de saída.<br />

Explosões<br />

Em uma explosão, são observados cinco tipos de lesões:<br />

e<br />

h<br />

a<br />

Primária — pressão descendente<br />

Secundária — projéteis (as fontes mais comuns de lesões<br />

provocadas por explosões)<br />

Terciária- propulsão do corpo em outro objeto<br />

Quaternária- calor e fogo<br />

Quinária- radiação, substâncias químicas, bactérias<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

TP»<br />

Doente ns 1: Motorista do veículo com colisão lateral. Dois<br />

projéteis atravessaram a porta do carro. O doente apre¬<br />

senta dois ferimentos por arma de fogo do lado esquerdo,<br />

um abaixo e outro acima das costelas. A pressão arterial<br />

do doente é baixa; as prováveis lesões torácicas, portanto,<br />

incluem pneumotórax, hemotórax e penetração cardíaca, e<br />

possivelmente dos grandes vasos. Abaixo das costelas, a<br />

penetração da cavidade abdominal pode acometer qualquer<br />

órgão e ser associada a hemorragias.<br />

Doente n2 2: Lado do passageiro do veículo com colisão<br />

lateral. Dada a troca de energia entre a porta e o ocupante,<br />

você deve suspeitar da presença de lesões nas quatro áreas<br />

de impacto - o ombro (a clavícula), a parede torácica e a<br />

cavidade torácica, a cavidade abdominal e a pelve. Nestas<br />

áreas, as possíveis lesões incluem 1) fratura da clavícula, 2)<br />

fratura de costelas (possível tórax instável), 3) contusões<br />

pulmonares, 4) ruptura da aorta, 5) pneumotórax, 6) abdome<br />

..... ------ """""<br />

(fratura de fígado ou baço), 7) lesão renal por desaceleração,<br />

8) fratura de pelve, 9) lesão rotacional da coluna cervical.<br />

Doente n2 3: Motorista do veículo. Com a deformidade<br />

da coluna da direção, você suspeita de trajetória ascendente<br />

no momento da colisão com o poste, com impacto frontal<br />

do tórax no volante e da cabeça no para-brisa. Dentre as<br />

possíveis lesões, são observados 1) contusão do miocárdio,<br />

2) pneumotórax, 3) tórax instável, 4) contusão pulmonar, 5)<br />

lesão abdominal por superpressão, 6) fratura de fígado ou<br />

baco, 7) fratura da coluna cervical, 8) lesão cerebral.<br />

Doente n2 4: Você suspeita de trajetória ascendente: 1)<br />

fratura dos membros inferiores (tornozelo fémur, fratura de<br />

pelve), 2) lesões faciais e 3) lesões da coluna cervical.<br />

Outra importante questão a ser considerada: como o pri¬<br />

meiro carro foi atingido por balas? Você procurou por armas<br />

entre os ocupantes?<br />

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rs


CAPITULO 5<br />

Avaliação<br />

Local<br />

OBJETIVO DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

/ Identificar ameaças potenciais à segurança do doente, dos circunstantes e do<br />

pessoal de emergência, que são comuns a todas as cenas de emergência.<br />

ÿ/ Identificar ameaças potenciais específicas de um determinado cenário, como em<br />

uma colisão automobilística.<br />

/ Integrar a análise da segurança, da situação da cena e da biomecânica na<br />

avaliação do doente traumatizado, a fim de estabelecer as decisões terapêuticas.<br />

/ Descrever as etapas adequadas que devem ser seguidas para minimizar as<br />

ameaças potenciais à segurança.<br />

/ Considerando um incidente com múltiplas vítimas (p. ex., incidente com material<br />

perigoso, armas de destruição em massa), integrar o uso de um sistema de<br />

triagem no manejo do local e tomar decisões de triagem com base nos achados<br />

da avaliação.


88 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

I<br />

•m<br />

CENÁRIO<br />

w ITNisÿ<br />

Você é enviado ao local de um acidente envolvendo um caminhão-tanque. Ao iniciar o trabalho, você percebe que começou a<br />

nevar. A central informa que há relatos de que o motorista do caminhão está inconsciente e apresenta uma extensa laceração<br />

no couro cabeludo, com sangramento. Além disso, uma testemunha declara que o líquido transportado pelo veículo está<br />

vazando na rua. Ao chegar ao local, quais considerações são importantes antes de fazer contato com o doente?<br />

Quais as suas preocupações a respeito dessa cena?<br />

0socorrista tem três prioridades ao chegar ao local:<br />

1. A primeira prioridade para todos os envolvidos em um<br />

incidente de trauma é a avaliação da cena. Avaliação<br />

da cena significa assegurar-se de que a cena seja segura<br />

e considerar cuidadosamente a natureza exata da<br />

situação. Além de garantir a segurança do doente e dos<br />

paramédicos, é necessário determinar qual alteração no<br />

manejo do doente é indicada nas condições-atuais. A<br />

avaliação da segurança e da situação da cena é iniciada<br />

no trajeto até o local com base em informações fornecidas<br />

pela central. A avaliação continua quando a unidade do<br />

serviço de emergências médicas chega ao local e quando<br />

os socorristas se aproximam do doente. Os aspectos<br />

identificados nessa avaliação devem ser considerados antes<br />

do início da avaliação individual dos doentes. Em algumas<br />

situações, como em combate ou em situações táticas, isso<br />

se torna ainda mais crítico e pode alterar a forma de aplicar<br />

os princípios de atendimento do doente.<br />

2. Uma vez realizada a avaliação da cena, deve-se voltar a<br />

atenção para a avaliação de cada doente. O Capítulo 6<br />

discute essa avaliação detalhadamente. A avaliação da cena<br />

inclui uma forma resumida inicial de triagem, de modo<br />

que os doentes mais graves sejam avaliados primeiro. A<br />

ênfase em ordem de prioridades deve ser: (a) condições<br />

que possam resultai- em perda da vida; (b) condições que<br />

possam resultar em perda de membros; (c) todas as outras<br />

condições que não ameacem a vida nem os membros.<br />

3. Se a cena envolver mais de um doente, a situação é<br />

classificada como incidente com várias vítimas ou como<br />

incidente com múltiplas vítimas (desastre). Em uma<br />

situação de desastre, a prioridade muda: em vez de dirigir<br />

todos os recursos para o doente mais grave, deve-se<br />

dirigi-los para o salvamento do maior número possível de<br />

vítimas; isto é, fazer o melhor pelo maior número. Na parte<br />

final deste capítulo é abordado o processo da triagem.<br />

Avaliação da Cena<br />

A avaliação do doente inicia-se bem antes de o socorrista che¬<br />

gai- até ele. O despacho inicia o processo e fornece informação<br />

acerca do incidente e do doente, com base em relatos das teste¬<br />

munhas ou em informações fornecidas pela segurança pública<br />

ou outras unidades que chegaram antes ao local. O processo<br />

de obtenção de informações no local começa imediatamente à<br />

chegada. Antes de fazer contato com o doente, o socorrista pode<br />

avaliar a cena (1) obtendo uma impressão geral da situação e<br />

garantindo a segurança do focal, (2) verificando a causa e os<br />

resultados do incidente e (3) observando familiares e testemu¬<br />

nhas. Grande parte das lesões pode ser prevista com base na<br />

compreensão da biomecânica e seus efeitos sobre os doentes.<br />

Dedicar algum tempo para se preparar mentalmente para um<br />

chamado e praticar princípios básicos de comunicação enlrc<br />

colegas pode fazer a diferença entre uma ocorrência bem con¬<br />

duzida e uma confrontação hostil (ou uma agressão física). Boa<br />

observação, percepção e capacidade de comunicação são as<br />

melhores ferramentas. A aparência do focal cria uma impres¬<br />

são que influencia toda a avaliação. Por isso, é fundamental<br />

avaliai- a cena corretamente. Há uma profusão de informações<br />

a ser colhida simplesmente olhando,«ouvindo e processando o<br />

máximo de informações possíveis, incluindo os mecanismos de<br />

trauma, a situação aluai e o grau geral de segurança. Da mesma<br />

forma que as condições do doente podem melhorar ou se dete¬<br />

riorar, o mesmo pode ocorrer com as condições da cena. Quando<br />

se avalia a cena inicialmente e depois não se verifica se houve<br />

alguma alteração, podem ocorrer sérias consequências para o !<br />

socorrista e para o doente.<br />

A avaliação da cena inclui os dois principais componentes<br />

seguintes:<br />

1. Segurança. A primeira preocupação, ao se aproximar de<br />

qualquer cena, é a segurança da equipe. Ninguém deve<br />

tentar um salvamento a menos que esteja treinado para<br />

fazê-lo. Quando o socorrista se torna uma vítima, ele não<br />

estará mais apto a atender outras pessoas e aumentará o<br />

número de vítimas, diminuindo o número de socorristas.<br />

O atendimento ao doente deve ser adiado até que a cena<br />

esteja segura.<br />

A segurança da cena não diz respeito apenas à segurança<br />

do socorrista, mas também à do doente. Todo doente<br />

em situação perigosa deve ser transportado para uma<br />

área segura antes do início da avaliação e do tratamento.<br />

Os riscos para a segurança de doentes ou socorristas<br />

incluem fogo, fios elétricos caídos, explosivos, materiais<br />

perigosos incluindo sangue ou fluidos corporais, tráfego do


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 89<br />

veículos, inundações, arriias (revólveres, facas) e condições<br />

ambientais. Além disso, pode haver ainda um agressor<br />

no local, que pode interferir ameaçando o doente, os<br />

socorristas ou outras pessoas.<br />

As preferências empregadas no atendimento ao doente<br />

podem ser drasticamente alteradas pelas condições do local.<br />

Explosões industriais ou vazamentos de produtos químicos,<br />

por exemplo, podem produzir condições perigosas para os<br />

socorristas, que têm precedência e alteram os métodos de<br />

manejo do doente. (Para maiores informações acerca de prin¬<br />

cípios versus preferências, consulte o Cap. 3.)<br />

2. Situação. A avaliação da situação vem depois da avaliação<br />

da segurança. Muitas questões devem ser avaliadas, com<br />

base na situação específica:<br />

ÿ<br />

O que realmente aconteceu?<br />

ÿ<br />

Por que foi solicitada ajuda?<br />

ÿ<br />

Qual foi o mecanismo de trauma (biomecânica) e que<br />

forças e energias provocaram as lesões nas vítimas?<br />

(Cap. 4.)<br />

b<br />

Quantas pessoas estão envolvidas e qual a idade de<br />

cada uma delas?<br />

ÿ<br />

São necessárias mais unidades para tratamento ou<br />

transporte?<br />

b E necessária ajuda mútua? São necessários outros<br />

recursos ou mais pessoal (p. ex., polícia, bombeiros,<br />

companhia elétrica)?<br />

b E necessário equipamento especial para salvamento ou<br />

retirada das ferragens?<br />

- b É necessário transporte aéreo?<br />

b E necessário um médico para ajudar na triagem ou rea¬<br />

lizar atendimento no local?<br />

b O fator que levou ao trauma pode ler sido um problema<br />

clínico (p. ex., uma colisão de veículos resultante de<br />

um ataque cardíaco do motorista)?<br />

Questões relacionadas com a segurança e com a situação<br />

sobrepõem-se bastante; muitos tópicos de segurança também<br />

são específicos para certas situações, e certas situações trazem<br />

vários riscos de segurança. Essas questões serão discutidas com<br />

mais detalhes nas seções seguintes.<br />

FIGURA 5-1 A maioria dos socorristas que sofre lesões ou<br />

morre em serviço está envolvida em incidentes relacionados a<br />

veículos automotivos.<br />

eiro) e o traçado da rodovia (p. ex., estradas de acesso limitado<br />

ou estradas rurais) não podem ser alterados, mas o socorrista<br />

deve estar ciente da existência dessas condições e deve aluar de<br />

forma apropriada para minimizar a situação.2<br />

Condições Climáticas/Iluminação<br />

Muitos atendimentos de socorristas a CVMs ocorrem em condi¬<br />

ções climáticas adversas e à noite. Essas condições climáticas<br />

variam de acordo com a localização geográfica e com o período<br />

do ano. Profissionais de muitas áreas lidam copi o problema do<br />

gelo e da neve durante os meses de inverno, ao passo que as<br />

áreas costeiras e montanhosas geralmente se defrontam com<br />

nevoeiro. Tempestades são comuns na maioria das áreas e tem-<br />

Questões de Segurança<br />

Segurança no Trânsito<br />

A maioria dos socorristas mortos ou feridos anualmente está<br />

envolvida em incidentes relacionados com veículos motoriza¬<br />

dos (Fig. 5-1). 1 Embora a maior parte desses incidentes esteja<br />

relacionada com colisões diretas de ambulâncias durante a ocor¬<br />

rência, um subconjunto dessas fatalidades e lesões acontece<br />

durante a atuação na cena de uma colisão com veículos motori¬<br />

zados (CVM). Nos Estados Unidos, as CVMs foram responsáveis<br />

por mais de 1,9 milhão de chamadas de emergência em 2003.<br />

Muitos fatores podem fazer com que os socorristas sejam feri¬<br />

dos ou mortos na cena de uma CVM (Fig. 5-2). Alguns fatores,<br />

como as condições climáticas (p. ex., neve, gelo, chuva, nevo-<br />

FIGURA 5-2 Um número significativo de profissionais<br />

responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar que sofre lesões<br />

ou morre em serviço estava trabalhando no local de um<br />

acidente com veículos motorizados.


90 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

pestades de areia a1'etam outras regiões. Os motoristas dos car¬<br />

ros que passam no local podem não ver 011 não conseguir parar<br />

a tempo de evitar os veículos de emergência ou os profissionais<br />

parados no local do acidente.<br />

Traçado das Estradas<br />

As estradas de alta velocidade com acesso limitado tornaram<br />

possível a movimentação de um grande volume de tráfego de<br />

forma eficiente, mas, quando ocorre uma colisão, o engarrafa¬<br />

mento resultante e a curiosidade dos motoristas criam situações<br />

perigosas para os socorristas. As autoridades policiais normal¬<br />

mente relutam em interromper o tráfego em uma autoestrada e<br />

leniam manter o fluxo de veículos. Embora isso pareça trazer<br />

mais perigo aos socorristas, pode evitar colisões traseiras cau¬<br />

sadas por engavetamento de veículos.<br />

Estradas rurais apresentam outros problemas. Embora o<br />

volume de tráfego seja bem menor do que nas rodovias urba¬<br />

nas, as curvas sinuosas, a via estreita e montanhosa e os ven¬<br />

tos nessas estradas diminuem a visibilidade dos motoristas<br />

que se aproximam do local de uma CVM. Estradas rurais tam¬<br />

bém podem não ter uma manutenção tão adequada quanto as<br />

de áreas urbanas, mantendo a pista escorregadia muito tempo<br />

depois de uma tempestade, o que pode pegar os motoristas<br />

desprevenidos. Áreas isoladas de neve, gelo ou nevoeiro que<br />

causaram a CVM original ainda podem estar presentes antes<br />

da chegada da equipe de emergência e podem criar condições<br />

ruins para os motoristas que se aproximam.<br />

Estratégias para Minimizar os Incidentes<br />

Seria mais seguro prestar socorro às CVMs somente à luz do<br />

dia e em dias claros; infelizmente, os socorristas precisam<br />

aluar em todas as horas do dia e em qualquer condição cli¬<br />

mática. No entanto, podem ser adoladas medidas para redu¬<br />

zir os riscos de se tornar uma vítima quando se atua em uma<br />

CVM. A melhor fornia é não estar lá, especialmente em estra¬<br />

das de acesso limitado. O número de pessoas no local em um<br />

determinado momento deve ser o estritamente necessário para<br />

cumprir as tarefas imediatas. Por exemplo, quando existem três<br />

ambulâncias e o veículo do supervisor em um local com ape¬<br />

nas um doente, aumenta-se dramaticamente o risco de que um<br />

socorrista seja atingido por um veículo que esteja passando.<br />

Embora muitos protocolos cie centrais cie emergência exijam<br />

uma resposta com várias ambulâncias em caso de acidente em<br />

autoestraclas de acesso limitado, com exceção da ambulância<br />

inicial, todas as outras devem estar paradas em uma rampa de<br />

acesso nas proximidades, a menos que sejam imediatamente<br />

necessárias.<br />

A localização dos equipamentos dentro da ambulância tam¬<br />

bém tem um papel importante na segurança. Os equipamentos<br />

devem ser colocados de forma que não seja necessário adentrar<br />

no fluxo de tráfego para alcançá-los. O lado do passageiro de<br />

uma ambulância fica normalmente voltado para as grades de<br />

proteção. A colocação dos equipamentos usados com maior fre¬<br />

quência em CVMs nesses compartimentos mantém os socorris¬<br />

tas fora do fluxo de tráfego.<br />

Uniformes Refletores<br />

Na maioria dos casos em que os socorristas são atingidos por<br />

veículos próximos, os motoristas afirmam que não viram o<br />

socorrista na estrada. A National Fire Protection Association<br />

e a Occupational Safely and Health Administration (OSHA)<br />

dos Estados Unidos recomendam padronizações para os trajes<br />

refletores usados em estradas. A OSHA tem três níveis de pro¬<br />

teção para trabalhadores em estradas, e o nível mais elevado<br />

(nível 3) é usado à noite em uma estrada de alta velocidade. Nos<br />

EUA, a Federal Highway Administration determinou que todos<br />

os profissionais, incluindo os de segurança pública e os socor¬<br />

ristas. usem vestimentas com refletores de Classe 2 ou Classe<br />

3 do American National Standards Institute (ANSI) durante a<br />

resposta a um incidente em estradas patrocinadas com recursos<br />

federais. O bom-senso determina que os profissionais respon¬<br />

sáveis pelo atendimento pré-hospitalar usem, como medida de<br />

segurança, vestimentas com refletores em todas as colisões de<br />

veículos. Os padrões do ANSI podem ser observados pela colo¬<br />

cação de material reflelor no colete externo ou pela utilização<br />

de coletes refletores aprovados.<br />

Posicionamento do Veículo e Dispositivos de<br />

Sinalização<br />

O posicionamento do veículo 110 local de uma CVM é de funda¬<br />

mental importância. O comandante do atendimento ou o poli¬<br />

cial encarregado deve assegurar que os veículos de atendimento<br />

estejam colocados nas melhores posições para proteger os socor¬<br />

ristas. É importante que os primeiros veículos de emergência<br />

"assumam a pista" do acidente ao chegarem ao local (Fig. 5-3).<br />

Embora o posicionamento da ambulância atrás do local não<br />

facilite a remoção do doente, protege os socorristas e doentes do<br />

tráfego local. À medida que mais veículos de emergência che¬<br />

gam ao local, eles devem se posicionar, em princípio, do mesmo<br />

lado da estrada que o incidente. Esses veículos devem ser posi¬<br />

cionados bem afastados do incidente para que sejam percebidos<br />

com antecedência pelos carros que estiverem passando.<br />

Os faróis dianteiros, especialmente o farol alto, devem ser<br />

desligados a fim de não cegar os motoristas que passam, exceto<br />

se forem utilizados para iluminar o local. O número de luzes<br />

FIGURA 5-3<br />

Posicionamento correto do veículo de emergência.


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 91<br />

mm<br />

iÊÊÍuíSSSSS<br />

m.: I HS «i<br />

FIGURA 5-4<br />

Colocação de cones de trânsito.<br />

de sinalização na cena deve ser avaliado; muitas luzes servem<br />

apenas para confundir os motoristas. Muitos lugares usam<br />

sinais de aviso com os dizeres "acidente adiante" para avisar<br />

os motoristas do ocorrido coin bastante antecedência. Podem<br />

ser colocadas tochas para sinalizar e dirigir o fluxo de tráfego;<br />

no entanto, deve-se tomar cuidado com seu uso no tempo seco,<br />

para não atear fogo à vegetação. Cones rellelores são bons dis¬<br />

positivos para afastar o fluxo de tráfego da pista ocupada pelo<br />

atendimento de emergência (Fig. 5-4).<br />

Caso o direcionamento do tráfego seja necessário, ele deve<br />

ser feito por policiais ou por profissionais com treinamento<br />

especializado em controle de tráfego. Dar instruções confusas<br />

ou contraditórias aos motoristas só aumenta os riscos de segu¬<br />

rança. As melhores situações são aquelas em que o tráfego não<br />

fica impedido e o fluxo normal pode ser mantido em torno do<br />

atendimento de emergência. Locais em obras constituem um<br />

bom exemplo de fluxo de tráfego em torno de obstruções. Essas<br />

questões relacionadas ao tráfego em locais de acidente podem<br />

ser gerenciadas praticamente do mesmo modo; os socorristas<br />

podem observar locais em obras para aprenderem como o fluxo<br />

de tráfego pode funcionar melhor em uma CVM.<br />

Violência<br />

Cada chamado pode levar o socorrista a um ambiente emocio¬<br />

nalmente carregado. Nos Estados LJnidos, algumas agências<br />

paramédicas seguem uma política que requerer a presença da<br />

polícia antes que os socorristas entrem em um local violento<br />

ou com possibilidade de violência. Mesmo um local que parece<br />

pacífico pode vir a se tornar violento, de modo que os socorristas<br />

devem estar sempre alertas a sinais sulis de alterações da situ¬<br />

ação. 0 doente, a família e as demais testemunhas podem não<br />

ter a capacidade de enfrentar a situação racionalmente. Esses<br />

indivíduos podem achar que o tempo de resposta da equipe foi<br />

muito longo, podem estar muito sensíveis a palavras ou ações<br />

e podem compreender mal a abordagem "normal" da avaliação<br />

do doente. Uma atitude segura e profissional, que demonstra ao<br />

mesmo tempo respeito e preocupação, é importante para ganhar<br />

a confiança do doente e assumir controle da cena.<br />

E importante que os profissionais dos SMEs aprendam a<br />

"observar" a cena, e não apenas a "olhar" para ela. Aprendam<br />

a perceber o número de pessoas e onde elas estão quando che¬<br />

gam à cena, o movimento dos espectadores que entram ou saem<br />

da cena, os indicadores de estresse ou de tensão, as reações ines¬<br />

peradas ou anormais à presença dos SME; aprendam a desen¬<br />

volver outras "intuições" sobre o que pode estar ocorrendo ao<br />

redor, a observar as mãos das pessoas, a buscar volumes incomuns<br />

em bolsas, roupas "fora de moda", como casacos pesados<br />

em tempos quentes, ou roupas grandes demais que poderiam<br />

facilmente esconder uma arma.<br />

Caso perceba uma ameaça em potencial, comece imediata¬<br />

mente a se preparar para deixar a cena. Pode ser que uma ava¬<br />

liação ou um procedimento deva ser finalizado na ambulância.<br />

A segurança dos socorristas é prioritária. Considere a seguinte<br />

situação: você e seu colega estão na sala de estar da casa do<br />

doente. Enquanto o seu colega verifica a pressão arterial do<br />

doente, um indivíduo aparentemente intoxicado entra na sala<br />

vindo dos fundos da casa. Ele aparenta estar furioso e você per¬<br />

cebe o que parece ser a coronha de um revólver sair de sua cin¬<br />

tura. Seu colega não percebe a entrada desta pessoa na sala, pois<br />

está concentrado no doente. A pessoa suspeita começa a ques¬<br />

tionar sua presença, e seu uniforme e crachá fazem com que ela<br />

fique extremamente agitada. Coloca e retira as mãos da cintura<br />

várias vezes. Ele vem em sua direção e resmunga. Como você e<br />

seu parceiro podem se preparar para este tipo de situação?<br />

Ação em Locais Violentos<br />

Antes do início do dia de atendimento de emergências, os<br />

parceiros precisam discutir e concordar quqnlo aos métodos<br />

de conduta com doentes violentos ou agitadps. A tentativa de<br />

desenvolver um procedimento durante o evento não é a aborda¬<br />

gem correta. A equipe pode utilizar a estratégia hand-on/hundoff<br />

(i.e., enquanto um atua, o outro fica livre), bem como usar<br />

palavras-código e gestos manuais combinados para situações de<br />

emergência.<br />

h<br />

e<br />

O papel do socorrista que atua é assumir a avaliação do<br />

doente, dando-lhe a atenção necessária. O socorrista livre<br />

fica de fora (enquanto não for necessário) para observar a<br />

cena, interagir com a família ou com os curiosos, coletar as<br />

informações necessárias e criar as melhores condições de<br />

acesso e de saída. Em princípio, o socorrista que está livre<br />

monitora a cena e "cobre" a retaguarda do colega.<br />

Uma palavra-código e sinais manuais pré-combinados<br />

permitem que a equipe se comunique sobre uma possível<br />

ameaça, sem alertar outras pessoas sobre o falo. Em muitas<br />

situações, a tensão e a ansiedade são reduzidas imediata¬<br />

mente quando um socorrista atencioso começa a interagir<br />

com o doente e avaliá-lo.<br />

Se os dois socorristas tiverem sua atenção focada no doente, a<br />

cena pode se tornar rapidamente ameaçadora e alguns sinais pre¬<br />

coces (além da oportunidade de retirada) podem ser perdidos.<br />

Existem vários métodos para lidar com uma situação que se<br />

tornou perigosa:


92 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

1. Fique fora. Ao atender a uma cena sabidamente violenta,<br />

fique em um local seguro até que a cena seja considerada<br />

segura pelos policiais e o atendimento seja liberado.<br />

2. Retire-se do local. Caso existam ameaças ao chegar ao<br />

local, retorne à viatura e saia do local. Permaneça em um<br />

lugar seguro e avise os profissionais adequados.<br />

3. Quebre a tensão. Caso a cena fique perigosa durante o<br />

atendimento, utilize técnicas de comunicação verbal para<br />

reduzir a tensão e a agressividade do ambiente (enquanto<br />

so prepara para deixar o local).<br />

4. Defenda-se. Como último recurso, o socorrista pode achar<br />

necessário deiender-se. É importante que o objetivo seja<br />

desvencilhar-se e sair do local. Não tente perseguir ou<br />

dominar a parte agressora. Assegure-se de que as forças<br />

policiais tenham sido avisadas e de que estejam a caminho.<br />

Novamente, a segurança dos socorristas é prioritária.<br />

Patógenos Adquiridos pelo Sangue<br />

Antes do reconhecimento da síndrome da imunodeficiência<br />

adquirida (AIDS) no início dos anos 1980, os profissionais de<br />

saúde estavam pouco preocupados com a exposição ao sangue<br />

e aos fluidos corporais. Embora se saiba há muito tempo que o<br />

sangue transmite determinados vírus da hepatite, socorristas<br />

e outros profissionais envolvidos no atendimento médico de<br />

emergência frequentemente encaravam o contato com o sangue<br />

de um doente como um aborrecimento e não como um risco<br />

ocupacional. Por causa da alta laxa de mortalidade associada<br />

à AIDS e da descoberta de que o vírus da imunodeficiência<br />

humana (HIV), o agente etiológico da AIDS, podia ser transmi¬<br />

tido pelo sangue, os profissionais de saúde ficaram bem mais<br />

alentos ao doente como um vetor de doença. Órgãos federais<br />

americanos, como Centers for Disease Control and Prevention<br />

(CDC) e OSHA, desenvolveram direlrizes e protocolos para<br />

que os profissionais de saúde minimizem a exposição a pató¬<br />

genos transmitidos pelo sangue, incluindo o HIV e o vírus da<br />

hepatite. As infecções primárias transmitidas pelo sangue são<br />

as provocadas pelos vírus da hepatite B (HBV), da hepatite<br />

C (HCV) e pelo HIV. Embora esta questão lenha gerado preo¬<br />

cupação por causa do HIV, é importante notar que a infecção<br />

pelo vírus da hepatite é muito mais facilmente contraída do<br />

que a infecção pelo HIV, requerendo menor inoculo. A taxa de<br />

mortalidade por hepatite também é alta e não há tratamento<br />

específico.<br />

Dados epidemiológicos demonstram que os profissionais de<br />

saúde têm uma probabilidade bem maior de contrair doenças<br />

adquiridas pelo sangue de seus doentes do que os doentes têm<br />

de contrair doenças dos profissionais de saúde. A exposição ao<br />

sangue pode ser perculânea ou mucocutânea. A exposição percutânea<br />

ocorre quando um indivíduo se pica ou se corta com<br />

um objelo perfurocortante contaminado, como uma agulha ou<br />

um bisturi, e o risco de transmissão está diretamente relacio¬<br />

nado tanto com o agente contaminante quanto com o volume de<br />

sangue infectado introduzido na lesão. A exposição mucocutâ¬<br />

nea tipicamente tem menor probabilidade de causar transmis¬<br />

são e inclui a exposição de sangue à pele não íntegra, como uma<br />

lesão de partes moles (p. ex., abrasão, laceração superficial) ou<br />

uma patologia cutânea (p. ex., acne), ou a exposição de sangue<br />

a mucosas (p. ex., conjuntiva ocular).<br />

FIGURA 5-5<br />

Hepatite<br />

As manifestações clínicas da hepatite virai são dor no quadrante<br />

superior esquerdo, fadiga, perda de apetite, náusea, vómito e<br />

alteração da função hepática.A icterícia,uma coloração cutânea<br />

amarelada, é resultante da maior concentração de bilirrubina<br />

na corrente sanguínea. Embora a maioria dos indivíduos com<br />

hepatite se recupere sem problemas graves, uma pequena<br />

porcentagem de doentes desenvolve insuficiência hepática<br />

aguda fulminante e pode vir a óbito. Um número significativo<br />

daqueles que se recuperam desenvolve o estado de portador,<br />

em que seu sangue é capaz de transmitir o vírus.<br />

Como na infecção pelo HBV, a infecção pelo HCV pode<br />

variar da progressão lenta e assintomática à insuficiência<br />

hepática e à morte. 0 período de incubação do HCV é um pouco<br />

menor do que o do HBV, geralmente de seis a nove semanas. As<br />

infecções crónicas por HCV são muito mais comuns do que as<br />

por HBV, e cerca de 80% a 85% dos indivíduos que contraíram o<br />

HCV desenvolvem alterações persistentes na função hepática,<br />

predispondo a ocorrência de carcinoma hepatocelular. A hepa¬<br />

tite C é transmitida principalmente pelo sangue, enquanto a<br />

hepatite B também pode ser adquirida pelo contato sexual. Cerca<br />

de 2/3 dos usuários de drogas intravenosas são infectados pelo<br />

HCV.Antes da realização rotineira da detecção de HBV e HCV em<br />

sangues doados, astransfusões eram as principais responsáveis<br />

pela transmissão da hepatite.<br />

Hepatite Virai<br />

A hepatite pode ser transmitida aos profissionais de saúde por<br />

agulhas e exposições mucocutâneas na pele não intacta.<br />

Embora tenham sido identificados diversos vírus da hepatite,<br />

o HBV e o HCV são os vírus que mais preocupam os profissionais<br />

de saúde que soltem exposição ao sangue. A hepatite virai causa<br />

inflamação aguda do fígado (Fig. 5-5). O período de incubação da<br />

exposição à manifestação dos sintomas é geralmente de 60 a 90<br />

dias. Até 30% das pessoas infectadas pelo HBV podem apresen¬<br />

tar uma evolução assintomática.<br />

Uma vacina derivada do antígeno de superfície da hepatite<br />

B (AgHBs) pode imunizar os indivíduos contra o HBV.1 Antes<br />

do desenvolvimento dessa vacina, mais de 10 mil profissionais<br />

de saúde se infectavam com HBV anualmente, e várias cente¬<br />

nas morriam todo o ano em decorrência de hepatite grave ou<br />

de complicações da infecção crónica pelo HBV. Alualmente, a<br />

OSHA exige nos Estados Unidos que os empregadores ofereçam<br />

vacina para HBV para os trabalhadores que atuam em ambientes<br />

de alto risco. Todos os socorristas devem ser imunizados contra<br />

o HBV. Quase todos os que completam a série de três doses da<br />

vacina desenvolvem anticorpos (Ac) contra o AgHBs e a imu¬<br />

nidade pode ser determinada testando o sangue quanto à pre¬<br />

sença anti-FIBs. Caso um profissional de saúde seja exposto a<br />

sangue de um doente potencialmente infectado por HBV antes<br />

de desenvolver imunidade (i.e., antes de completar a série de<br />

doses da vacina), pode-se conferir proteção passiva contra HBV<br />

através da administração de imunoglobulina da hepatite D<br />

(HBIG).


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 93<br />

FIGURA 5-6 ' Vírus da Imunodeficiência Humana<br />

Dois sorotipos cie HIV foram identificados. 0 W/l/- / é responsável<br />

por praticamentetodos os casos de AIDS nos Estados Unidosena<br />

Africa equatorial, e o HIV-2é encontrado quase exclusivamente<br />

na Africa Ocidental. Embora as primeiras vítimas de HIV fossem<br />

homens homossexuais, usuários de drogas intravenosas ou<br />

hemofílicos, a doença causada pelo HIV é hoje encontrada em<br />

muitas populações heterossexuais adolescentes e adultas, e<br />

é a sua incidência em comunidades de minorias étnicas que<br />

cresce com maior rapidez. 0 exame para detecção do HIV é<br />

muito sensível, e resultados falso-positivos são ocasionalmente<br />

observados.Todos os resultados positivosdevem ser confirmados<br />

por uma técnica mais específica (p. ex., eletroforese por Western<br />

blot).<br />

Após uma infecção por HIV,quando os doentes desenvolvem<br />

infecções oportunistas ou tumores, fazem a transição entre<br />

serem HIV-positivos e terem AIDS. Na última década, houve<br />

avanços significativos no tratamento da doença causada pelo<br />

HIV, principalmente com relação ao desenvolvimento de novas<br />

drogas para combater seus efeitos. Isto resultou no fato de<br />

que muitos indivíduos infectados por HIV são capazes de levar<br />

vidas relativamente normais, já que a progressão da doença foi<br />

dramaticamente reduzida.<br />

Embora os profissionais de saúde geralmente estejam mais<br />

preocupados com a contração do HIV, dado seu prognóstico<br />

uniformemente fatal, eles estão mais suscetíveis à infecção por<br />

HBVouHCV.<br />

No momento, não existe imunoglobulina nem vacina para<br />

proteger os profissionais de saúde da exposição ao ITCV, o que<br />

enfatiza a necessidade da utilização das precauções-padrão.<br />

Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)<br />

Após a infecção, o HIV dirige-se ao sistema imune do seu novo<br />

hospedeiro. Com o tempo, o número de certos tipos de leucó¬<br />

citos cai dramaticamente e deixa o doente vulnerável ao desen¬<br />

volvimento de infecções raras ou cânceres (Fig. 5-6).<br />

Somente cerca de 0,3% (aproximadamente 1em cada 300<br />

casos) das exposições à picada de agulha com sangue HIVpositivo<br />

causa infecção, comparado com laxas de infecção de<br />

23% a 62% (1:4 a 1:2) com exposição a agulhas infectadas com<br />

HBV. A infecção por HCV possui uma incidência intermediária<br />

entre estas duas taxas (1,8%: 1:50). A provável explicação para<br />

a variação das taxas de infecção é a concentração relativa de<br />

partículas virais encontrada no sangue infectado. Em geral, o<br />

sangue HBV-positivo contém de 100 milhões a 1bilhão de partí¬<br />

culas virais por mL, ao passo que o sangue ITCV-posilivo contém<br />

1milhão de partículas/mL e o sangue HIV-positivo contém de<br />

100 a 10.000 partículas/mL. O risco de infecção parece maior<br />

com exposição a uma quantidade maior de sangue, exposição ao<br />

sangue de um doente com um estágio mais avançado da doença,<br />

uma lesão percutânea profunda ou uma lesão com uma agulha<br />

cheia de sangue. O HIV é transmitido essencialmente através<br />

de sangue ou sémen infectado, mas secreções vaginais e fluidos<br />

pericárdicos, periloneais, pleurais, amnióticos e cefalorraquidianos<br />

podem ser considerados potencialmente infectados. A<br />

menos que haja a presença evidente de sangue, as lágrimas, a<br />

S/<br />

FIGURA 5-7 O equipamento de proteção pessoal dos<br />

profissionais responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar deve<br />

ser composto por luvas, máscara e óculos, no mínimo.<br />

(De Chapteau W: Emergency First Responder. St Louis, 2004, Mosby.)<br />

urina, o suor, as fezes e a saliva são geralmente considerados<br />

não infecciosos.<br />

Precauções-padrão<br />

Considerando que o exame clínico não pode identificar de<br />

forma confiável todos os doentes que sejam uma ameaça poten¬<br />

cial aos profissionais de saúde, foram desenvolvidas as Precau¬<br />

ções-padrão para evitar que os profissionais de saúde entrem<br />

em conlalo direto com o sangue ou com o fluido corporal de um<br />

doente (p. ex., saliva, vómito). A OSHA desenvolveu regras que<br />

obrigam os empregadores e seus empregados a observarem as<br />

Precauções-padrão no local de trabalho. As Precauções-padrão<br />

consistem em barreiras físicas ao sangue, aos fluidos corporais e<br />

à exposição, além de práticas de manipulação segura para agu¬<br />

lhas e outros objelos perfurocortantes. Uma vez que os doentes<br />

traumatizados com frequência têm hemorragia externa e o san¬<br />

gue é um fluido corporal de risco elevadíssimo, devem ser utili¬<br />

zados dispositivos de proteção no atendimento aos doentes.<br />

Barreiras Físicas<br />

Luvas.As luvas devem ser utilizadas para locar a pele não íntegra,<br />

as mucosas ou as áreas contaminadas por sangue ou outros flui¬<br />

dos corporais. No atendimento ao doente, é comum a ocorrência<br />

de perfurações nas luvas; portanto, elas devem ser examinadas<br />

regularmente em busca de defeitos e devem ser trocadas imedia¬<br />

tamente caso seja observado qualquer problema (Fig. 5-7).<br />

MáscaraseProtetoresFaciais.As máscaras servem para proteger<br />

as mucosas oral e nasal do profissional de saúde da exposição<br />

a agentes infecciosos, especialmente em situações em que há<br />

conhecimento ou suspeita da presença de patógenos de trans¬<br />

missão aérea. Caso as máscaras ou os protetores lãciais fiquem<br />

úmidos ou sujos, eles devem ser trocados imediatamente.<br />

Proteção Ocular. A proteção ocular deve ser utilizada sempre<br />

que houver a possibilidade de respingos de gotículas de fluido


94 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 5-8<br />

Prevenção de Lesões Perfurocortantes<br />

Os profissionais responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar<br />

são bastante suscetíveis a lesões provocadas por agulhas e<br />

outros objetos perfurocortantes. Dentre as estratégias para<br />

redução da ocorrência destas lesões, incluem-se:<br />

a Uso de dispositivos de segurança, como agulhas com<br />

proteções ou retrateis e bisturis e lancetas de retração<br />

automática.<br />

a Uso de sistemas "sem agulhas", que permitem a injeção de<br />

medicamentos em acessos, sem agulhas.<br />

o Evitar recolocar a capa protetora em agulhas e outros<br />

materiais perfurocortantes.<br />

b Descartar imediatamente as agulhas contaminadas em<br />

recipientes rígidos, e não colocá-las sobre a mesa ou dá-las<br />

a outra pessoa, para que esta as descarte.<br />

b Usar seringas de medicamento previamente preparadas, em<br />

vez de obter a droga de uma ampola.<br />

h Fazer um plano de controle de exposição, por escrito, e<br />

certificar que todos os profissionais tomem conhecimento dele.<br />

h Manter um registro de lesões com artigos perfurocortantes.<br />

infectado, como ocorre ao entubar um doente que tenha sangue<br />

na orofaringe. Os óculos comuns não são considerados adequa¬<br />

dos, pois não fornecem proteção lateral.<br />

Aventais. Aventais descartáveis com forros plásticos impermeá¬<br />

veis oferecem a melhor proteção, mas podem ser extremamente<br />

desconfortáveis e pouco práticos no ambiente pré-hospitalar.<br />

Aventais ou outras roupas devem ser trocados imediatamente<br />

caso estejam sujos.<br />

Equipamento de Reanimação. Os profissionais de saúde devem<br />

ter acesso à bolsa-máscara (também chamada de "ambu": air¬<br />

way maintenance breathing unit) ou a bocais para protegê-los<br />

do contato direto com a saliva, o sangue e o vómito do doente.<br />

Lavagem das Mãos<br />

A lavagem das mãos é um princípio fundamental para o con¬<br />

trole de infecção. As mãos devem ser lavadas com sabão e água<br />

corrente sempre que ocorrer contaminação grosseira com san¬<br />

gue ou fluido corporal. Antissépticos à base de álcool são úteis<br />

para evitar a transmissão de muitos agentes infecciosos, mas<br />

não são adequados quando as mãos estiverem muito sujas; no<br />

entanto, podem limpar e proporcionar um efeito protetor em<br />

situações em que não há água corrente ou sabão. Após a remo¬<br />

ção das luvas, as mãos devem ser lavadas com água e sabão ou<br />

com um antisséptico à base de álcool.<br />

Prevenção de Lesões Perfurocortantes<br />

Como observado anteriormente, a exposição percutânea ao san¬<br />

gue ou ao fluido corporal de um doente constitui uma forma<br />

importante de transmissão de infecções virais para os profissio¬<br />

nais de saúde. Muitas exposições percutâneas são produzidas<br />

por lesões decorrentes de picadas com agulhas contaminadas<br />

ou outros objetos perfurocortantes. Elimine agulhas e materiais<br />

perfurocortantes desnecessários, nunca tente recolocar a tampa<br />

de uma agulha usada e implemente dispositivos de segurança<br />

sempre que possível (Fig. 5-8).<br />

Gerenciamento da Exposição Ocupacional<br />

Nos Estados Unidos, a OSHA exige que toda organização que<br />

presta atendimento médico tenha um plano de controle para<br />

gerenciamento de exposições ocupacionais de seus funcioná¬<br />

rios ao sangue e aos fluidos corporais. Cada exposição deve ser<br />

cuidadosamente documentada, incluindo o tipo de lesão e a<br />

estimativa do volume inoculado. Caso um profissional de saúde<br />

tenha exposição mucocutânea ou percutânea ao sangue, ou<br />

apresente uma lesão produzida por um objeto perfurocortante,<br />

devem ser tomadas medidas para evitar infecção bacteriana,<br />

incluindo tétano e infecção por HBV e HIV. Atualmente, não<br />

há nenhum tratamento profilático aprovado ou disponível que<br />

evite a infecção por HCV. A Figura 5-9 descreve um protocolo<br />

típico para exposição ao sangue e ao fluido corporal.<br />

Materiais Perigosos<br />

Entender o risco do socorrista de exposição a materiais peri¬<br />

gosos não é tão simples quanto reconhecer os ambientes com<br />

potencial evidente para exposição a um material perigoso. Os<br />

materiais perigosos são comuns no mundo moderno; veículos,<br />

construções e até mesmo residências possuem materiais poten¬<br />

cialmente perigosos. Por isso, lodos os socorristas devem ser<br />

treinados para manterem um nível mínimo de alerta.<br />

Existem quatro níveis de treinamento em materiais perigosos;<br />

a<br />

fa<br />

ta<br />

E3<br />

Alerta: Este é o primeiro dos quatro níveis de treinamento<br />

disponíveis para os socorristas e é destinado a fornecer<br />

nível básico de conhecimento.<br />

•*<br />

Operações: Os socorristas são treinados para estabelecer<br />

perímetros e zonas de segurança, limitando a propagação<br />

do evento. Enquanto o alerta representa o nível mínimo de<br />

treinamento, o nível de operações seria útil para todos os<br />

socorristas, além de fornecer o treinamento para ajudar a<br />

controlar o evento.<br />

Técnico: Os técnicos são treinados para trabalhar em áreas<br />

perigosas e interromper a liberação de materiais perigosos.<br />

Especialista: Esse nível avançado permite que o socorrista<br />

tenha capacidade de comando e de apoio em um evento<br />

com materiais perigosos (hazmat,HazMat).<br />

Os socorristas concordam que a segurança da cena é a pri¬<br />

meira parte da abordagem a todo doente e a toda cena. Uma<br />

parte importante da determinação da segurança da cena é a ava¬<br />

liação do potencial de exposição a materiais perigosos. A avalia¬<br />

ção dos perigos potenciais deve começar na central. As informa¬<br />

ções fornecidas pela central podem estabelecer um alto índice<br />

de suspeição. Informações adicionais podem ser solicitadas no<br />

trajeto até o local, caso os socorristas tenham preocupações ou<br />

perguntas sobre a cena.<br />

Quando se determina que uma cena possa ter envolvimento<br />

de materiais perigosos, o foco deve mudar para a segurança da<br />

cena e é preciso solicitar ajuda para isolar a área envolvida,<br />

remover e descontaminar os doentes. A regra geral é simples:


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 95<br />

FIGURA 5-9<br />

Exemplo de Protocolo de Exposição<br />

Após uma exposição percutânea ou mucocutânea a sangue ou<br />

outros fluidos corpóreos possivelmente infectados, a realização de<br />

ações adequadas e a instituição da profilaxia pós-exposição (PPE)<br />

apropriada pode auxiliar a minimizar o risco de aquisição de hepatite<br />

ou infecção por HIV. As etapas adequadas incluem:<br />

1. Prevenção de infecções bacterianas.<br />

b Limpe meticulosamente a pele exposta com sabão<br />

germicida e água; as membranas mucosas expostas<br />

(boca, olhos) devem ser irrigadas com grandes<br />

quantidades de água.<br />

a Administre um reforço de toxoide tetânico, se este não<br />

tiver sido dado nos últimos cinco anos.<br />

2. Devem ser realizados exames laboratoriais basais no<br />

profissional de saúde exposto e no doente-fonte, se este<br />

for conhecido.<br />

s Profissionais de saúde:Anticorpo de superfície para<br />

hepatite B (HBsAb), exames para detecção de vírus da<br />

hepatite C (HCV) e do vírus da imunodeficiência humana<br />

(HIV).<br />

a Doente-fonte:Sorologia para hepatites B e C e exame<br />

para detecção de HIV.<br />

3. Prevenção da infecção pelo vírus da hepatite B (HBV).<br />

o Se o profissional de saúde não tiver sido imunizado<br />

contra a hepatite B, a primeira dose da vacina<br />

contra o HBV é administrada concomitantemente à<br />

imunoglobulina da hepatite B (HBIG).<br />

h Caso o profissional de saúde já tenha começado, mas<br />

ainda não tenha terminado a série de vacinas contra<br />

o HBV, ou ainda se completou todo o protocolo de<br />

imunização contra o vírus, a HBIG é administrada se<br />

o exame para detecção de HBsAb não demonstrar a<br />

presença de anticorpos protetores e se os exames do<br />

doente-fonte mostrarem a infecção ativa pelo HBV. A<br />

HBIG pode ser administrada em até sete dias após a<br />

exposição e ainda ser eficaz.<br />

4. Prevenção da infecção pelo HIV.<br />

h A PPE depende da via de exposição (percutânea versus<br />

mucocutânea) e da probabilidade e da gravidade da<br />

infecção pelo HIV no doente-fonte. Caso este seja<br />

reconhecidamente negativo, a PPE não é indicada,<br />

independentemente da via de exposição. l\lo passado,<br />

quando recomendada, a PPE era em geral realizada<br />

com dois medicamentos. Com o desenvolvimento de<br />

numerosas medicações antirretrovirais, o número<br />

de combinações terapêuticas aumentou. Além<br />

disso, o tratamento com três drogas é também<br />

indicado em casos específicos, que envolvem alto<br />

risco de transmissão. Recomenda-se, portanto, que<br />

um profissional responsável pelo atendimento préhospitalar<br />

seja avaliado por um especialista, que<br />

determina o protocolo de PPE mais adequado dadas as<br />

circunstâncias desta exposição em particular.<br />

"se a cena não for segura, torne-a segura". Se o socorrista não<br />

for capaz de tornar a cena segura, deve solicitar auxílio. O livro<br />

Emergency Response Guidebook (ERG), elaborado pelo Depar¬<br />

tamento de Transporte dos EUA, pode ser usado para identificar<br />

perigos potenciais (Fig. 5-10). O livro utiliza um sistema sim¬<br />

ples que permite a identificação de um material por seu nome<br />

ou seu número afixados. O texto, então, remete o leitor a uma<br />

página-guia que fornece informações básicas sobre distâncias<br />

seguras para os socorristas, riscos de vida e de incêndio e as<br />

queixas prováveis do doente. Devem ser utilizados binóculos<br />

para a leitura dos rótulos; se os rótulos puderem ser lidos sem<br />

dispositivos de visualização, é provável que o socorrista esteja<br />

exposto.<br />

Em uma cena de materiais perigosos, a segurança deve ser<br />

garantida: "ninguém entra, ninguém sai". A área de posiciona¬<br />

mento da equipe deve ser estabelecida contra o vento e montada<br />

a uma distância segura do perigo. A entrada e a saída da cena<br />

devem ser impedidas até a chegada dos especialistas em mate¬<br />

riais perigosos. Na maioria dos casos, o atendimento ao doente<br />

começa quando o doente descontaminado é liberado para o<br />

socorrista.<br />

É importante que o socorrista entenda o sistema e a estru¬<br />

tura de comando das zonas de trabalho em uma operação com<br />

materiais perigosos. As operações de controle de materiais peri¬<br />

gosos são estabelecidas por zonas.<br />

ÿ<br />

QUENTE — A "zona quente" é a área de maior<br />

contaminação e somente trabalhadores especialmente<br />

2008 Emergency<br />

Response<br />

Guidebook<br />

A GUIDEBOOK<br />

FOR FIRST RE5PONDERS<br />

OURING THE INITIAL PHASE<br />

OF A DANGEROUS GOODS'<br />

HAZARDOUS MATERIALS<br />

TRANSPORTATION INCIDENT<br />

FIGURA 5-10 O Emergency Response Guidebook produzido<br />

pelo Departamento de Transporte dos Estados Unidos traz<br />

informações importantes acerca de locais de um possível<br />

incidente envolvendo materiais perigosos.


96 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ÿ<br />

treinados e protegidos podem entrar nessa área. Caso os<br />

doentes estejam nessa área. a equipe de materiais perigosos<br />

irá levá-los para fora dela.<br />

MORNA — Um corredor de redução de contaminação se<br />

desenvolve através da zona seguinte, chamada de "zona<br />

morna", na qual os doentes terão sido descontaminados<br />

pela equipe de materiais perigosos. Daqui serão levados à<br />

"zona fria".<br />

FRIA — A zona fria é a área livre de contaminação.<br />

As atividades de atendimento dos doentes geralmente<br />

ocorrem fora da zona quente. O posto de comando e as<br />

áreas de tratamento e de triagem ficam fora da zona quente.<br />

(Consulte o Cap. 19 para considerações adicionais sobre<br />

materiais perigosos.)<br />

Questões Relacionadas<br />

com a Situação<br />

Cenas de Crime<br />

Infelizmente, um percentual considerável de doentes traumati¬<br />

zados atendidos por muitos socorristas, especialmente em áreas<br />

urbanas, é ferido intencionalmente. Além de tiros e facadas, os<br />

doentes podem ser vítimas de outros tipos de crimes violentos,<br />

incluindo agressões com os punhos ou com objetos contunden¬<br />

tes e tentativas de estrangulamento. Em outros casos, as víti¬<br />

mas podem ser intencionalmente atingidas por um veículo ou<br />

empurradas de um prédio, sofrendo uma queda significativa.<br />

Mesmo uma CVM pode ser considerada uma cena de crime,<br />

caso se suspeite que um dos motoristas esteja sob a influência<br />

de álcool ou outras drogas, dirigindo de forma imprudente 011<br />

acima do limite de velocidade (Fig. 5-1*1).<br />

No atendimento a esse tipo de doentes, os socorristas intera¬<br />

gem com autoridades policiais. Embora os SME e as autoridades<br />

mmtll/EOO//Of cifOSS Stíffílft ilUf DO NOT CROSS<br />

FIGURA 5-11 O profissional responsável pelo atendimento<br />

pré-hospitalar frequentemente precisa remover doentes de uma<br />

cena de crime e colaborar com os policiais, preservando provas<br />

forenses.<br />

policiais tenham como objetivo proteger a vida, ocasionalmente<br />

suas obrigações em uma cena de crime podem ser conflitantes.<br />

Os profissionais dos SME estão concentrados na necessidade de<br />

avaliar a vítima em busca de sinais de vida e de viabilidade, ao<br />

passo que os policiais estão preocupados em preservar as pro¬<br />

vas da cena do crime 011 prender um possível suspeito.<br />

Quando estão preocupados com a abordagem das autorida¬<br />

des policiais em uma cena de crime, os socorristas podem não<br />

apenas ajudar o doente, mas também cooperar com a atividade<br />

policial, ajudando na captura do autor do crime.<br />

Na cena de um crime maior (homicídio, morte suspeita,<br />

estupro, morte em acidente de trânsito), a maioria das forças<br />

policiais colela e processa provas. Os policiais normalmente<br />

cumprem as seguintes tarefas:<br />

a Inicialmente, examinam cuidadosamente a cena para<br />

identificar todas as provas, incluindo armas e cartuchos de<br />

armas de"fogó.'<br />

13 Fotografam a cena.<br />

e Desenham um esboço da cena.<br />

0 Relacionam todos que entraram na cena.<br />

n<br />

b<br />

Realizam uma busca mais detalhada de toda a cena, procu¬<br />

rando todas as provas potenciais.<br />

Procuram e coletam indícios de provas, que variam de<br />

impressões digitais a itens que podem conter provas de<br />

DNA (p. ex., pontas de cigarro, fios de cabelo, fibras).<br />

Os investigadores policiais acreditam que todos os que<br />

entram em uma cena de crime trazem algum tipo de evidência<br />

para a cena e inconscientemente removem algumas provas da<br />

cena. Para solucionai- o crime, o objetivo do detetive é iden¬<br />

tificar as provas deixadas e removidas pelo autor. Para atingir<br />

seu objetivo, os investigadores consideram qualquer indício de<br />

prova deixado ou removido por outros pSliciais, profissionais<br />

dos SME e cidadãos que possam ter entrado na cena. Um com¬<br />

portamento descuidado dos socorristas em uma cena de crime<br />

pode alterar, destruir ou contaminar provas vitais, dificultando<br />

a investigação criminal.<br />

Eventualmente, os socorristas chegam a uma cena de crime<br />

potencial antes das autoridades policiais. Se a vítima estiver<br />

obviamente morta, os socorristas podem sair cuidadosamente<br />

do local sem tocar em nenhum item e esperar pela chegada da<br />

polícia. Embora prefiram que uma cena de crime não seja alte¬<br />

rada, os investigadores sabem que, em algumas circunstâncias,<br />

os socorristas precisam virar um corpo ou mover objetos em<br />

uma cena de crime para avaliar a vítima e determinar sua via¬<br />

bilidade. Se os socorristas tiverem que transportar o doente ou<br />

mover um corpo ou outros objetos no local antes da chegada da<br />

polícia, os investigadores normalmente verificam os seguintes<br />

pontos:<br />

0 Quando o local foi alterado?<br />

0 Qual a finalidade das alterações?<br />

e Quem fez as alterações?<br />

A que horas a morte da vítima foi constatada pelos<br />

socorristas?<br />

Se os socorristas entrarem em uma cena de crime antes das<br />

autoridades policiais, os investigadores podem querer entrevis-


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 97<br />

tar e tomar um depoimento formal dos socorristas a respeito<br />

de suas ações ou observações. Os socorristas nunca devem se<br />

alarmar ou ficar preocupados em relação a essa solicitação. A<br />

finalidade da entrevista não é criticar as ações dos socorristas,<br />

mas obter informações que possam ser úteis para que o investi¬<br />

gador solucione o caso. Os investigadores também podem tomar¬<br />

as impressões digitais do socorrista se algum item na cena de<br />

crime tiver sido tocado ou manipulado pela equipe sem o uso<br />

de luvas.<br />

A manipulação correia da roupa do doente pode preservar<br />

provas valiosas. Se a roupa do doente tiver que ser removida,<br />

os policiais e médicos legistas preferem que os socorristas não<br />

a cortem através dos orifícios de projéteis ou de facas. Se a<br />

roupa estiver cortada, os investigadores poderão perguntar que<br />

alterações foram feitas, quem as fez e os motivos dessas altera¬<br />

ções. Qualquer roupa que seja removida deve ser colocada em<br />

um saco de papel (e não de plástico) e deve ser entregue aos<br />

investigadores.<br />

Uma questão final importante que envolve as vítimas de cri¬<br />

mes violentos é o valor de qualquer afirmação feita pelo doente<br />

ao ser atendido pelos socorristas. Alguns doentes, percebendo o<br />

estado crítico de suas lesões, podem dizer aos socorristas quem<br />

foi o autor das lesões. Essa informação deve ser documentada e<br />

passada para os investigadores. Se possível, os socorristas devem<br />

informar os policiais sobre o estado crítico das lesões do doente<br />

a fim de que um oficial juramentado possa estar presente se o<br />

doente for capaz de fornecer alguma informação a respeito do<br />

agressor: uma "declaração no leito de morte".<br />

Armas de Destruição em Massa<br />

0 atendimento prestado em uma cena que envolve materiais<br />

perigosos, como discutido anteriormente, inclui cuidados de<br />

segurança e outras preocupações semelhantes aos de uma cena<br />

que envolva uma arma de destruição em massa (ADM).<br />

Toda cena que envolva muitas vítimas ou que supostamente<br />

foi causada por uma explosão deve suscitar duas questões: (1)<br />

havia uma ADM envolvida e (2) poderia haver um segundo<br />

dispositivo com intenção de ferir os socorristas? Em particu¬<br />

lar, quando muitas vítimas se queixam de sintomas similares ou<br />

apresentam lesões similares, a presença de uma ADM deve ser<br />

considerada. (Veja mais detalhes no capítulo 19.)<br />

0 socorrista deve abordar essas cenas com extremo cuidado<br />

eresistirà tendência de correr para prestar atendimento à vítima<br />

mais grave. Essa resposta natural dos socorristas serve apenas<br />

para aumentar o número de vítimas. Em vez disso, o socorrista<br />

deve abordar a cena do lado contrário ao do vento e, por um<br />

momento, parar, olhar e prestar atenção às pistas que irão aler¬<br />

tar a equipe sobre a possível presença de uma ADM. Respingos<br />

evidentes de material úmido ou seco, vapores visíveis e fumaça<br />

devem ser evitados até que a natureza do material lenha sido<br />

verificada. Nunca se deve entrar em espaços fechados sem o<br />

equipamento de proteção individual (EPI) adequado.<br />

Quando uma ADM for considerada uma causa possível,<br />

o socorrista precisa adotar todas as medidas adequadas para<br />

autoproleção. Essas medidas incluem o uso de EPI adequado<br />

à função específica do socorrista individual. A informação de<br />

que se está diante de um incidente com ADM deve ser transmi¬<br />

tida à central, para alertar os profissionais dos diversos serviços<br />

que estão a caminho da cena. Devem ser estabelecidas áreas de<br />

posicionamento.para equipamento adicional, socorristas e heli¬<br />

cópteros do lado contrário ao do vento e a uma distância segura<br />

do local.<br />

A cena deve ser isolada e devem ser designadas zonas que<br />

indicam áreas quentes, mornas e frias. Os locais para descon¬<br />

taminação também devem ser determinados. Após a determi¬<br />

nação da natureza do agente (químico, biológico ou radiativo),<br />

devem ser feitas solicitações específicas do antídoto ou de<br />

antibióticos.<br />

Zonas de Controle da Cena<br />

Para limitar a disseminação de um material perigoso ou de uma<br />

ADM, o National Institute of Occupational Safely and Health<br />

(NIOSH) e a Environmental Protection Agency (EPA) dos Esta¬<br />

dos Unidos desenvolveram e advogam o uso de zonas de con-<br />

. trole. O objetivo desse conceito é realizar atividades específicas<br />

em zonas específicas. A observação de tais princípios reduz a<br />

probabilidade de disseminação da contaminação e de lesão nas<br />

equipes de resgate e nos circunstantes.<br />

As zonas consistem em três círculos concêntricos (Fig. 5-12).<br />

A zona mais interna, a zona quente, é a região imediatamente<br />

adjacente ao incidente com materiais perigosos ou ADM. A<br />

tarefa das equipes de resgate nessa região é evacuar os doentes<br />

contaminados feridos, sem preocupação com o atendimento.<br />

Para tanto, de modo geral, o maior nível de EPI deve ser utili¬<br />

zado. A zona seguinte, a zona morna, é onde ocorre a desconta¬<br />

minação de vítimas, profissionais e equipamentos. Nessa zona,<br />

o único atendimento prestado aos doentes é a avaliação primá¬<br />

ria e a imobilização da coluna. A zona mais externa, a zona<br />

fria, é onde os equipamentos e os profissionais ficam posiciona¬<br />

dos. Após a evacuação do doente para a zona fria, os socorristas<br />

podem prestar o atendimento definitivo. A Figura 5-13 lista as<br />

distâncias seguras de evacuação para ameaça? de bomba.<br />

Se um doente proveniente de uma cena de materiais perigo¬<br />

sos ou ADM for transferido para o hospital ou para uma estação<br />

de apoio, é mais prudente reavaliar se ele foi descontaminado e<br />

seguir os conceitos dessas zonas (Fig. 5-12).<br />

Descontaminação<br />

Se o incidente envolver uma situação de materiais perigosos<br />

ou uma ADM, frequentemente pode ser necessária a descon¬<br />

taminação da pessoa exposta. A descontaminação é a redução<br />

ou a remoção de agentes químicos, biológicos ou radioativos peri¬<br />

gosos. A maior prioridade do socorrista no atendimento a um<br />

doente exposto, como em qualquer emergência, é a segurança<br />

pessoal e da cena. Se houver dúvidas sobre um risco de expo¬<br />

sição continuada, a primeira prioridade consiste em assegurar<br />

a segurança pessoal. Quando isso não é feito, cria-se mais uma<br />

vítima (o socorrista), e os que já sofreram lesão ficam privados<br />

dos conhecimentos do socorrista. A descontaminação do doente<br />

é a prioridade seguinte: isso minimiza o risco de exposição do<br />

socorrista durante a avaliação e o tratamento do doente e evita<br />

a contaminação do equipamento. Desse modo, evila-se o risco<br />

de exposição de outros indivíduos a equipamento e veículos<br />

contaminados.<br />

A OSHA fornece diretrizes reguladoras para o EPI usado<br />

por socorristas durante o atendimento de emergência às vítimas


98 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

VENTO<br />

Area de<br />

posicionamento<br />

Apoio<br />

(zona fria)<br />

Zona de redução de<br />

contaminação (morna)<br />

Zona de exclusão (quente)<br />

Pontos de controle de acesso<br />

Corredor de redução<br />

de contaminação<br />

Linha quente<br />

Linha de controle de contaminação<br />

Linha de controle da multidão<br />

Posto de comando<br />

FIGURA 5-12 O local de um incidente com ADM ou produtos tóxicos é geralmente dividido em zonas quente, morna e fria.<br />

(De Chapleau W: Emergency First Responder..SI Louis, 2004, Mosby.)<br />

FIGURA 5-13<br />

Descrição da Ameaça<br />

IÍI<br />

Ameaças a Bomba: Distâncias Seguras de Evacuação<br />

Bomba caseira<br />

Bomba em maleta<br />

ou mala<br />

Capacidade de Explosivos<br />

(Capacidade de TNT) (kg)<br />

Distância de Evacuação<br />

da Edificação (m)<br />

Distância de Evacuação<br />

em Área Aberta (m)<br />

2 21 260<br />

25 45 560<br />

P& Sedã compacto 225 100 460<br />

m<br />

m<br />

Caminho<br />

Sedã não compacto 450 125 535<br />

Van de passageiros<br />

ou carga<br />

de mudanças, ou<br />

entregas, de pequeno porte<br />

1.800 200 840<br />

4.500 260 1.145<br />

Caminhão de mudanças,<br />

caminhão-tanque pequeno<br />

13.000 380 1.990<br />

ÿ Caminhão de carga 27.000 480 2.135<br />

(Modificado de Messier DM: Explosive Prospects: terrorists bombings present multifaceted response challenge. HomelandResponse 2(1), 2004.)


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 99<br />

em um ambiente potencialmente perigoso. Os indivíduos que<br />

prestam atendimento médico em ambientes de risco desconhe¬<br />

cido devem ter um mínimo de treinamento apropriado e devem<br />

ser equipados e treinados com proteção de nível B. A proteção<br />

de nível B consiste em roupas com proteção contra respingos,<br />

resistentes a substâncias químicas e fontes autónomas de res¬<br />

piração. O treinamento prévio em caso de necessidade de uso<br />

deste nível de EPI é requerido.<br />

Caso o doente esteja consciente e capaz de cooperar, é<br />

melhor solicitar sua cooperação e pedir que faça o máximo<br />

de descontaminação possível para reduzir a probabilidade<br />

de contaminação cruzada dos socorristas. Remova cuida¬<br />

dosamente roupas e jóias do doente, e coloque-as em sacos<br />

plásticos. Transfira as roupas removidas cuidadosamente para<br />

não disseminar qualquer material particulado ou respingar<br />

qualquer líquido sobre profissionais ou superfícies não conta¬<br />

minadas. Escove o material particulado retirando-o do doente<br />

e depois irrigue copiosamente com água. A lavagem com água<br />

dilui a concentração do material potencialmente perigoso e<br />

remove qualquer agente restante. Um axioma comum é: "a solu¬<br />

ção para a poluição é a diluição". Uma descontaminação bemsuccdida<br />

requer grandes quantidades de água. Um erro comum<br />

cometido por socorristas inexperientes é irrigar o doente com<br />

água somente até que o líquido comece a derramar no chão, o<br />

que normalmente ocorre após 11111 ou dois litros de irrigação.<br />

Essa prática traz dois problemas: a área de contaminação cor¬<br />

poral é aumentada e o agente agressor não é diluído suficien¬<br />

temente a ponto de tornar o agente inofensivo. Quando não se<br />

faz um escoamento e uma drenagem do fluido de lavagem, pode<br />

ocorrer lesão em áreas do corpo previamente não expostas, já<br />

que há acúmulo do líquido contaminado da lavagem. Normal¬<br />

mente, evilam-se agentes neutralizantes em queimaduras quí¬<br />

micas. No processo de neutralização, os agentes geralmente<br />

liberam calor em uma reação exotérmica. Portanto, um socor¬<br />

rista bem intencionado pode criar uma queimadura térmica<br />

acima de uma queimadura química. A maioria das soluções<br />

de descontaminação disponíveis comercialmente é feita com a<br />

finalidade de descontaminar equipamentos, não pessoas.<br />

Dispositivos Secundários<br />

Poucos meses após o atentado a bomba nos Jogos Olímpicos<br />

deVerão de Atlanta, em 1996, a área metropolitana da cidade<br />

sofreu mais dois atentados a bomba. Esses alentados, em uma<br />

clínica de abortos e em uma casa noturna, apresentaram bom¬<br />

bas secundárias implantadas e representaram a primeira vez,<br />

em 17 anos, nos Estados Unidos, em que foram usadas bombas<br />

secundárias, presumivelmente para matar ou ferir as equipes<br />

de resgate que atuaram após a primeira explosão. Infelizmente,<br />

na clínica de abortos, o dispositivo secundário não foi detec¬<br />

tado antes de sua detonação, e seis pessoas morreram. Em<br />

muitos países, dispositivos secundários têm sido usados por<br />

terroristas. Todos os profissionais responsáveis pelo atendi¬<br />

mento pré-hospitalar precisam estar atentos quanto à possível<br />

presença de um dispositivo secundário. Após estes incidên¬<br />

cias, a Emergency Management Agency do estado da Geórgia,<br />

nos Estados Unidos, desenvolveu as seguintes orientações para<br />

profissionais de resgate e de atendimento pré-hospitalar que<br />

atendem um atentado a bomba em que um segundo dispositivo<br />

pode ter sido colocado:<br />

1. Evite o uso de dispositivos eletrônicos. As ondas sono¬<br />

ras de telefones celulares e de rádios podem provocai- a<br />

detonação do dispositivo secundário, especialmente se<br />

usados perto da bomba. O equipamento usado pelos<br />

meios de comunicação também pode desencadear uma<br />

detonação.<br />

2. Estabeleça limites de demarcação suficientes para a<br />

cena. A zona potencial de perigo (zona quente) deve se<br />

estender por cerca de 300 metros em todas as direções<br />

(inclusive verticalmente) a partir do local da explosão<br />

original. Com a criação de bombas mais poderosas,<br />

os estilhaços podem alcançar uma distância maior. A<br />

explosão da bomba inicial pode danificar a infraestrutura,<br />

incluindo canos de gás e cabos de energia, que<br />

podem pôr em risco a segurança das equipes de res¬<br />

gate. A entrada e a saída da zona quente devem ser<br />

cuidadosamente controladas.<br />

3. Faça a evacuação rápida das vitimas da cena e da<br />

zona quente. Uma vez que a cena de uma explosão<br />

de bomba é considerada insegura, a triagem das víti¬<br />

mas não deve ser feita na zona quente. Um posto de<br />

comando dos SME (ou área de triagem) deve ser esta¬<br />

belecido entre 600 e 1.200 metros do local do atentado<br />

inicial. As equipes de resgate podem evacuar rapi¬<br />

damente as vítimas do local do alentado, com inter¬<br />

venções mínimas, até que as vítimas e as equipes de<br />

resgate estejam fora da zona quente.<br />

4. Colabore com as autoridades policiais na preservação<br />

e na recuperação de provas. Locais de atentados a<br />

bomba constituem uma cena de crime, e as equipes de<br />

resgate só devem alterar a cena no que for necessário<br />

para evacuar as vítimas. Qualquer prova potencial que<br />

seja removida inadvertidamente da cena com uma<br />

vítima deve ser documentada e entregue às autoridades<br />

policiais, para garantir que seja protegida de forma<br />

adequada. Os socorristas devem documentar exatamente<br />

em que local da cena entraram e em que objetos<br />

tocaram.<br />

Estrutura de Comando<br />

Uma ambulância que responde a um chamado normalmente<br />

transporia uma pessoa responsável (o comandante do inci¬<br />

dente) e outra que o ajuda, formando uma estrutura rudimentar<br />

de comando de incidente. A medida que as proporções do inci¬<br />

dente aumentam e mais socorristas de vários órgãos de segu¬<br />

rança e de outros órgãos comparecem à cena, a necessidade de<br />

um sistema e de uma estrutura formal para coordenar e contro¬<br />

lar o atendimento lorna-se cada vez mais importante.<br />

Comando do Incidente<br />

O sistema de comando de incidente (SCI) desenvolveu-se ao<br />

longo dos anos como desdobramento dos sistemas de planeja¬<br />

mento usados por unidades de bombeiros para atendimentos<br />

que envolviam múltiplos serviços em incêndios de grandes<br />

proporções. O programa obteve aceitação especialmente a par¬<br />

tir da experiência de bombeiros em incêndios florestais em<br />

várias frentes de combate, com o emprego de dezenas de órgãos<br />

diferentes. O conhecimento adquirido coletivamente com essas<br />

experiências resultou no FIRESCOPE, ou Firefighting Resour-


100 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ces of California Organized for Potential Emergencies (Orga¬<br />

nização dos Recursos de Combate a Incêndios da Califórnia<br />

para enfrentar Possíveis Emergências). Além disso, o Serviço<br />

de Bombeiros de Phoenix, nos Estados Unidos, desenvolveu o<br />

Fire Ground Command System (Sistema de Comando Terrestre<br />

em Incêndios). Embora existam muitas semelhanças entre essas<br />

duas abordagens, há também diferenças, e foram feitas tentati¬<br />

vas de combinar os dois sistemas em uma estrutura de comando<br />

abrangente.<br />

Em 1987, a National Fire Protection Association (NFPA)<br />

publicou o NFPA Standard 1561, o Standard on Fire Department<br />

Incident Command Management System (Norma para o Sistema<br />

de Gerenciamento de Comando de Incidentes para os Serviços de<br />

Bombeiros). O NFPA 1561 foi mais tarde revisado e intitulado<br />

Standard on Emergency Services Incident Management (Norma<br />

para Gerenciamento de Incidentes para os Serviços de Emergên¬<br />

cia). Essa versão pode ser implementada e ajustada para qual¬<br />

quer tipo ou tamanho de evento por qualquer órgão que gerencie<br />

um incidente. Nos anos 1990, foi criado o National Fire Inci¬<br />

dent Management System (IMS, Sistema Nacional de Gerencia¬<br />

mento de Incidentes em Incêndios), que aperfeiçoou ainda mais<br />

a abordagem de gerenciamento único de incidentes.<br />

O gerenciamento de qualquer incidente,grande ou pequeno,<br />

é aprimorado pela estrutura de comando precisa representada<br />

pelo SCI. O núcleo do SCI consiste no estabelecimento de um<br />

comando centralizado na cena e na subsequente divisão de res¬<br />

ponsabilidades. A primeira unidade a chegar ao local estabe¬<br />

lece o centro de comando, e as comunicações são estabelecidas<br />

através do comando para o planejamento do atendimento. Os<br />

cinco elementos fundamentais do sistema de comando de inci¬<br />

dente são:<br />

1. O comando, que é responsável pelo controle global<br />

do evento e pelas comunicações que irão coordenai' o<br />

movimento de recursos que entram e de doentes que<br />

saem da cena do incidente.<br />

2. As operações, que incluem divisões para cuidar das<br />

necessidades tálicas do evento. Combate ao fogo, SME<br />

e resgate são exemplos de divisões operacionais.<br />

3. O planejamento, que é um processo contínuo de<br />

avaliação imediata e de necessidades potenciais do<br />

incidente e do planejamento do atendimento. Durante<br />

lodo o evento, esse elemento será utilizado para avaliar<br />

a eficácia das operações e lazer as alterações sugeridas<br />

no atendimento e na abordagem tática.<br />

4. A logística, que cuida da tarefa de adquirir recursos e<br />

fazê-los chegar aonde forem necessários, o que inclui<br />

pessoal, abrigo, veículos e equipamentos.<br />

5. O setor de finanças, que controla o dinheiro.<br />

Socorristas de todas as agências envolvidas, assim<br />

como empreiteiros, pessoal e vendedores envolvidos<br />

no incidente, são controlados para que o custo do<br />

evento possa ser calculado e esse pessoal seja pago por<br />

mercadorias, suprimentos, equipamentos e serviços<br />

prestados.<br />

Comando Unificado<br />

Uma expansão do SCI é o sistema unificado de comando. Essa<br />

expansão leva em conta as necessidades de órgãos de coorde¬<br />

nação que ultrapassam os limites de jurisdição. Os aspectos<br />

técnicos inerentes à união de recursos de várias comunidades,<br />

condados e estados são cobertos por essa estrutura de coorde¬<br />

nação adicional.<br />

Sistema Nacional de Gerenciamento de Incidentes<br />

Em 28 de fevereiro de 2003, o presidente dos Estados Unidos,<br />

George W. Bush, determinou que o Secretário de Segurança<br />

Nacional, através da Diretriz Presidencial HSPD-5, criasse o<br />

National Incident Management System (NIMS), que estabe¬<br />

leceria uma abordagem consistente, de abrangência nacional, j<br />

para que os governos federal, estaduais e locais trabalhassem<br />

eletivamente em conjunto para preparar, responder e se recu¬<br />

perar de incidentes domésticos, independentemente da causa,<br />

cla dimensão ou da complexidade. O Department of Homeland<br />

Security instalou o NIMS em 1° de março de 2004, após cola¬<br />

boração estreita com grupos de trabalho de funcionários dos<br />

governos estaduais e locais e com representantes da National<br />

Association of Emergency Medical Technicians (NAEMT), Fra¬<br />

ternal Order of Police (FOP), International Association of Fire<br />

Chiefs (IAFC) e International Association of Emergency Mana'-<br />

gers (IAEM), além de uma ampla gama de outras organizações<br />

de segurança pública.<br />

O NIMS concentra-se nas seguintes características de geren¬<br />

ciamento de incidentes:<br />

Terminologia comum<br />

Organização modular<br />

Gerenciamento por objetivos<br />

Fundamentação em um planejamento de ação em<br />

incidentes<br />

Amplitude de controle variável<br />

Designação prévia da localização e instalação de "cenhos<br />

de mobilização em incidentes" *<br />

Gerenciamento abrangente de recursos<br />

Integração das comunicações<br />

Estabelecimento da transferência de comando<br />

Cadeia e unidade de comando<br />

Comando unificado<br />

Controle de recursos e de pessoal<br />

Posicionamento estratégico<br />

Gerenciamento de informações e de inteligência<br />

Os elementos fundamentais do NIMS são os seguintes:<br />

1. SCI<br />

2. Gerenciamento de comunicações e informações<br />

3. Prontidão<br />

4. Sistemas de informação unificados (informação pública<br />

consistente)<br />

5. Centro Nacional de Integração de Gerenciamento de<br />

Incidentes (NIC)<br />

Comando<br />

O comando compreende o comandante do incidente (CI) e a<br />

equipe cle comando. Os cargos de responsabilidade dentro da<br />

equipe de comando são criados de acordo com o tamanho e a<br />

natureza do evento e podem incluir um oficial de informações


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 101<br />

públicas (OIP), um oficial de segurança (OS) e um oficial de<br />

ligação. Podem ser criados outros cargos, a critério do Cl.<br />

Como descrito anteriormente,o comando unificado é um apri¬<br />

moramento do comando de incidente em situações que envolvam<br />

várias jurisdições. Em uma situação de comando único, o Cl é<br />

o único responsável pelo gerenciamento do incidente. Em uma<br />

estrutura de comando unificado, os indivíduos que representam<br />

as várias jurisdições determinam de forma conjunta objetivos,<br />

planos e prioridades. O sistema unificado de comando busca<br />

resolver os problemas que envolvam diferenças nos padrões de<br />

comunicação e de operação (Fig. 5-14).<br />

Um elemento não incluído no SCI que é acrescentado com<br />

o comando unificado e o NIMS é a inteligência. Com base na<br />

dimensão do evento, a reunião de dados de inteligência e de<br />

informações relacionados com a segurança nacional também<br />

pode incluir avaliação do gerenciamento de risco, inteligência<br />

médica, informações climáticas, projelo estrutural de edifica¬<br />

ções e informações sobre contenção tóxica. Embora essas funções<br />

sejam tipicamente realizadas pela seção de planejamento, em<br />

certas situações o Cl pode separar a colela de informações do<br />

planejamento.<br />

No NIMS, o Cl pode distribuir inteligência e informações da<br />

seguinte forma:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Dentro da equipe de comando<br />

Como uma unidade da seção de planejamento<br />

Como um setor de operações<br />

Como uma função separada<br />

Planos de Ação Incidente<br />

Os planos de ação incidente (PAIs) incluem os objetivos glo¬<br />

bais do incidente e as estratégias estabelecidas pelo Cl ou pelo<br />

comando unificado. A seção de planejamento desenvolve e<br />

documenta o PAI. O PAI também define os objetivos táticos e<br />

apoia as atividades para o período operacional, que geralmente<br />

éde 12 a 24 horas. A seção de planejamento também é respon¬<br />

sável por um processo de crítica contínua, ou de "lições apren¬<br />

didas", para garantir que a resposta atenda às necessidades do<br />

evento.<br />

Em incidentes de grandes dimensões, podem ser criadas<br />

várias organizações de SC1. Pode ser definido um comando de<br />

área para gerenciar diversas organizações de SC1. O comando<br />

de área não tem responsabilidades operacionais, mas cumpre<br />

as seguintes tarefas:<br />

1. Estabelecer prioridades globais relacionadas com o<br />

incidente para determinado órgão.<br />

2. Alocar recursos cruciais de acordo com as prioridades<br />

estabelecidas.<br />

3. Garantir que os incidentes sejam gerenciados<br />

adequadamente.<br />

4. Assegurar a eficiência das comunicações.<br />

5. Garantir que os objetivos do gerenciamento do incidente<br />

sejam alcançados e não entrem em conflito uns com os<br />

outros ou com as políticas dos diversos órgãos.<br />

G. Identificar a necessidade de recursos críticos, relatando-a<br />

ao(s) Cenlro(s) de Operações de Emergência.<br />

7. Garantir que a recuperação de curto prazo da emergên¬<br />

cia seja coordenada, para ajudar na transição até as<br />

operações de recuperação total.<br />

8. Criar condições para o controle de pessoal e para que o<br />

ambiente de operações seja seguro.<br />

Informações detalhadas e programas de treinamento do<br />

Incident Command System e do National Incident Management<br />

System podem ser encontradas no website da Federal Emer¬<br />

gency Management Agency (Fig. 5-15).<br />

Avaliação e Triagem de Doentes<br />

Após todas as questões mencionadas anteriormente terem sido<br />

solucionadas, pode-se iniciar o verdadeiro processo de avalia¬<br />

ção e tratamento dos doentes. O maior desafio surge quando o<br />

socorrista está diante de várias vítimas.<br />

Os incidentes com múltiplas vítimas (IMV) podem ter<br />

dimensões muito variáveis. A maioria das eqidpes de resgate já<br />

respondeu a incidentes com mais de uma vítima, mas eventos<br />

em larga escala, com centenas a milhares de vítimas, são raros.<br />

Triagem é um termo derivado do francês, que significa "esco¬<br />

lher". A triagem é o processo que será utilizado para determinar<br />

a prioridade de tratamento e transporte. No pré-hospitalar, a<br />

triagem é usada em dois contextos diferentes:<br />

1 Quando há disponibilidade de recursos suficientes<br />

para atender a todos os doentes. Nessa situação de<br />

triagem, os doentes com lesões mais graves são tratados<br />

e transportados primeiro e os doentes com lesões<br />

menos graves são tratados e transportados depois.<br />

2. Quando o número de doentes excede a capacidade<br />

imediata dos recursos no local. Nessa situação,<br />

o objetivo da triagem é assegurar a sobrevida do<br />

maior número possível de vítimas. Os cloentes<br />

são classificados em categorias para atendimento.<br />

Em um IMV, o atendimento aos doentes deve ser<br />

racionalizado, pois o número de doentes excede os<br />

recursos disponíveis. Relativamente poucos socorristas<br />

já passaram por um IMV com 50 a 100 ou mais vítimas,<br />

mas muitos se envolverão em IMV com 10 a 20 vítimas,<br />

e a maioria dos socorristas mais experientes já gerenciou<br />

um incidente com 2 a 10 vítimas.<br />

Incidentes com equipes de resgate e recursos médicos sufi¬<br />

cientes permitem que os doentes mais graves sejam tratados e<br />

transportados primeiro. Em um IMV de larga escala, os recursos<br />

limitados exigem que o tratamento e o transporte dos doentes<br />

tenham como prioridade salvar as vítimas com a maior chance<br />

de sobrevida. Essas vítimas devem ter prioridade no tratamento<br />

e no transporte (Fig. 5-16).<br />

O objetivo do gerenciamento de doentes na cena de um IMV<br />

é fazer o melhor possível para a maioria dos doentes com os<br />

recursos disponíveis. E responsabilidade do socorrista tomar<br />

decisões sobre quem deve ser atendido primeiro. As regras<br />

habituais sobre salvar vidas são diferentes em IMV. A decisão<br />

é sempre salvar a maioria das pessoas; no entanto, quando os<br />

recursos disponíveis não são suficientes para as necessidades<br />

de todas as vítimas, esses recursos devem ser usados para os<br />

doentes que têm maior chance de sobreviver. Na escolha entre


102 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Onde o SCI está operando?<br />

Jurisdição única<br />

Órgão único<br />

Jurisdição única<br />

Vários órgãos<br />

Operação de Pequena Escala<br />

SCI<br />

Comandante<br />

do incidente<br />

Várias jurisdições<br />

Vários órgãos<br />

Seção de<br />

logística<br />

Seção de<br />

planejamento<br />

Seção de<br />

finanças<br />

Seção de<br />

operações<br />

Operações de Larga Escala<br />

Comandante<br />

do incidente<br />

Oficial de<br />

segurança<br />

Oficial de<br />

informações<br />

públicas<br />

Oficial de<br />

ligação<br />

Seção de<br />

logística<br />

Seção de<br />

planejamento<br />

Seção de<br />

finanças<br />

Seção de<br />

operações<br />

FIGURA 5-14 A estrutura de comando em incidentes é flexível e pode ser expandida ou reduzida com base no número de<br />

doentes e na complexidade do evento. As funções operacionais de cada uma das seções sob o comando são os ramos. O Ramo<br />

de Serviços Médicos é o componente operacional responsável pela coordenação e pelo fornecimento dos serviços médicos<br />

necessários para atender os objetivos táticos do incidente. Isto inclui equipamento policial e policiais, triagem, comunicação com<br />

instituições médicas e transporte.<br />

um doente com uma lesão catastrófica, como um trauma cere¬<br />

bral grave, e um doente com hemorragia intra-abdominal, a con¬<br />

duta correia em um IMV é atender primeiro o doente que pode<br />

ser salvo — a vítima com a hemorragia abdominal. Se o doente<br />

com trauma craniano grave for tratado primeiro, provavelmente<br />

ambos os doentes irão morrer: o doente com trauma craniano,<br />

porque seu caso era irreversível, e o doente com hemorragia<br />

abdominal, porque o tempo, o equipamento e o pessoal gastos<br />

no atendimento ao doente anterior impediram que ele recebesse<br />

o atendimento simples necessário para sobreviver até a realiza¬<br />

ção do tratamento cirúrgico definitivo.<br />

Na triagem em um IMV, a vítima com lesões catastróficas<br />

deve ser considerada como de "prioridade menor", e o seu<br />

tratamento deve ser adiado até que haja disponibilidade de<br />

mais auxílio e equipamento. Essas são decisões e circunstân¬<br />

cias difíceis, mas um socorrista deve responder rápida e ade¬<br />

quadamente a elas. Uma equipe de atendimento médico não<br />

deve se esforçar para reanimar um doente em parada cardíaca<br />

traumática com pouca ou nenhuma chance de sobrevivência,<br />

enquanto outros três doentes morrem por comprometimento de<br />

via aérea ou hemorragia externa. O "esquema de classificação"<br />

usado com maior frequência divide os doentes em cinco cate¬<br />

gorias, com base na necessidade de atendimento e na chance<br />

de sobrevida:<br />

1. Imediato — Doentes cujas lesões são críticas, mas só<br />

precisam de um mínimo de tempo ou de equipamento<br />

para serem tratados, e que têm bom prognóstico de<br />

sobrevida. Um exemplo é o doente com comprometimento<br />

de via aérea ou com hemorragia externa maciça.<br />

2. Pode aguardar — Doentes cujas lesões são graves,<br />

mas que não necessitam de atendimento imediato


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 103<br />

Operação de Larga Escala<br />

Comandante<br />

do incidente<br />

Oficial de<br />

segurança<br />

Oficial de<br />

informações<br />

públicas<br />

Oficial de<br />

ligação<br />

V<br />

Seção de<br />

logística<br />

V<br />

Seção de<br />

Seção de<br />

finanças<br />

Seção de<br />

operações<br />

Setor de<br />

serviços<br />

Unidade de<br />

recursos<br />

Unidade de<br />

• tempo<br />

Setores<br />

Seção de<br />

apoio<br />

Unidade de<br />

situação<br />

Unidade de<br />

captação<br />

Divisões<br />

Unidade de<br />

documentação<br />

Unidade de<br />

custos<br />

Grupos<br />

Equipe de<br />

ataque<br />

Força-tarefa<br />

Recurso<br />

único<br />

FIGURA 5-14, cont.<br />

FIGURA 5-15<br />

Recursos do Treinamento em Comando de Incidentes<br />

Federal Emergency Management Agency (FEMA, EUA):Treinamento em Sistema de Comando de Incidentes (ICS):<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ICS-100.a, Introdução ao ICS (http://training.fema.gov/EMIWEb/IS/IS100A.asp)<br />

ICS-200.a, ICS Básico (http://training.fema.gov/EMIWEb/IS/IS200A.asp)<br />

ICS-700.a, Introdução ao NIMS (http://training.fema.gov/EMIWEb/IS/IS700A.asp)<br />

ICS-800.a, Estrutura Nacional de Resposta, uma Introdução (http://training.fema.gov/EMIWEb/IS/IS800A.asp)<br />

Treinamento do National Management System (NIMS) e da FEMA:<br />

ÿ<br />

Nos Estados Unidos, contate a Emergency Management Agency ou o Emergency Management Institute e a National Fire Academy,<br />

Emmitsburg, no estado de Maryland. Diversas correspondências e cursos online estão à disposição (http://training.fema.gov/IS/<br />

crslist.asp).<br />

Para mais informações sobre o NIMS, contate o NIMS Integration Center: www.dhs.gov.


ÿ<br />

104 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

r<br />

Nauio<br />

Injurias<br />

ireatmunl<br />

Triage Tag<br />

MDR N? 55749<br />

Porsonnl Property Receipt<br />

Evidonco Tag<br />

Doatinatlon.<br />

Via-<br />

TRIAGE P<br />

TAG<br />

UDIIIlIIlillllIlllillI<br />

-285G105-<br />

iEllBIIIilllUIIIilO<br />

-2855105-<br />

ns CL DU GD DG DE CM<br />

SllnXn UlIMMo DUiuMCl Danu Bno-T VMUI<br />

AUTO INJECTOR TYPECl_ -<br />

ÿ1 D2 G3<br />

ÿ1 D2 G3<br />

AUTO INJECTOR TYPEi<br />

PrtWfjr Ovcoí<br />

Uceea»rfO*zon<br />

ÿ MALE<br />

INITIAL<br />

SECONDARY<br />

HOSPNAL<br />

MIEMSS<br />

ÿfemale<br />

TIME<br />

TRIAGE TAG<br />

DO HOT REMOVE<br />

PATIENT NUMBER<br />

YELLOW<br />

Head ln|ury C-Splno<br />

Blunt Trauma<br />

Ponotratlng ln|ury<br />

Burn Fracturo<br />

Laceration Amputation<br />

IÉWÉ1ÉBII<br />

QREEH<br />

IWd<br />

Deceased<br />

Ninno -- .<br />

Ainlmlnncu No..<br />

4th Priority<br />

Otlicr<br />

(Male<br />

VITAL SIGNS<br />

UFfrfnaki<br />

Rcsgmton<br />

Medical.<br />

Cardiac Roaplrotory<br />

Diabolic OB/GYN<br />

Hoz-Mnt Expoauro<br />

County, i<br />

MDR N? 55749<br />

Deceased 4th Priority<br />

Delayed<br />

Secondary<br />

mirn<br />

3rd Priority<br />

r* • xjxjiio<br />

2nd Priority<br />

ÿnig Solu'.on ||||H||:<br />

MORGUE<br />

íiEiiBiiniiiiiinniE<br />

•2B55105-<br />

MORGUE<br />

iiinnimiiiuin<br />

-2056105-<br />

iiiÉniíusaíii<br />

"mm<br />

ÉtíllÉ<br />

n Í 17 117 7<br />

'205GI05'<br />

-2856105-<br />

ÿMALE ÿFEMALE<br />

liSSitcicti<br />

coun.mr<br />

PATIENT NUMBER<br />

•21156106<br />

-285G105-<br />

TRIAGE STATUS<br />

YELLOW<br />

GREEN<br />

'2856105-<br />

-2856105-<br />

FIGURA 5-16<br />

Exemplos de etiquetas de triagem.


CAPÍTULO 5 Avaliação Local 105<br />

para preservai- a vida ou um membro. Um exemplo é o<br />

doente com fralura de um osso longo.<br />

3. Leve — Doentes, frequentemente chamados "feridos<br />

que deambulam", que têm lesões menores, que podem<br />

aguardar tratamento ou que podem até mesmo ajudar<br />

nesse ínterim, confortando outros doentes ou ajudando<br />

a carregar macas.<br />

4. Expectante — Doentes cujas lesões são tão graves que<br />

têm uma chance de sobrevida mínima. Um exemplo<br />

é o doente com uma queimadura de terceiro grau em<br />

90% do corpo e lesão pulmonar pelo calor.<br />

5. Mortos Doentes que não respondem, não têm pulso<br />

e não respiram. Em uma situação de desastre, os<br />

recursos raramente permitem a reanimação de doentes<br />

em parada cardíaca.<br />

As Figuras 5-17 a 5-19 descrevem um esquema de triagem<br />

comumente usado, conhecido como START, que emprega ape¬<br />

nas quatro categorias: Imediato, Tardio, Leve e Morto. (Para<br />

mais informações, consulte o Capítulo 18.)<br />

As Figuras 5-20 e 5-21 descrevem o sistema de triagem SALT<br />

recém-publicado.'1<br />

FIGURA 5-17<br />

Triagem START<br />

Em 1983,a equipe médica do Hoag Memorial Hospitale os bombeiros<br />

e paramédicos do Newport Beach Fire Department criaram um<br />

processo de triagem para os socorristas, denominado Simple Triage<br />

and Rapid Treatment (START,Triagem Simples e Tratamento Rápido;<br />

Fig. 5-18). Este processo de triagem foi projetado para identificar<br />

doentes com lesões graves, de modo fácil e rápido. 0 START não<br />

estabelece o diagnóstico médico, mas permite que o processo<br />

de triagem seja rápido e simples. Ele usa três avaliações simples<br />

para identificar as vítimas com maior risco de morte, dadas suas<br />

lesões. De modo geral, o processo leva de 30 a 60 segundos por<br />

vítima. 0 START não requer ferramentas, equipamentos médicos<br />

especializados ou conhecimentos especiais.<br />

COMO 0 START FUNCIONA?<br />

A primeira etapa é pedir a qualquer um que possa andar para se<br />

dirigir a uma área designada. Se as vítimas podem caminhar e<br />

obedecer comandos, seu estado é considerado "leve", e podem<br />

ser atendidas e receber as etiquetas de triagem após a chegada de<br />

mais socorristas. Agora, há um grupo menor, composto por vítimas<br />

com lesões supostamente mais graves, que serão submetidas<br />

à triagem pelos socorristas. 0 mnemónico "30-2-podem fazer"<br />

é usado no início da triagem START (Fig. 5-19). "30" se refere à<br />

frequência respiratória do doente, "2" ao preenchimento capilar<br />

e "podem fazer" à capacidade de obedecer comandos. Qualquer<br />

vítima que apresente menos de 30 respirações por minuto,<br />

preenchimento capilar inferior a dois segundos e seja capaz<br />

de obedecer a comandos verbais e andar é categorizada como<br />

"leve". Quando as vítimas atendem estes critérios, mas não são<br />

capazes de andar, são categorizadas como "podem aguardar". As<br />

vítimas que estão inconscientes ou apresentam rápida frequência<br />

respiratória, ou ainda as que apresentam preenchimento capilar<br />

tardio ou ausência de pulso radial são categorizadas como<br />

"imediatas". Ao lado da vítima, duas medidas básicas, que salvam<br />

vidas, podem ser realizadas: a abertura da via aérea e o controle<br />

da hemorragia externa. Nas vítimas que não respiram, o socorrista<br />

deve desobstruir a via aérea e, se a respiração for reiniciada, o<br />

doente é categorizado como "imediato". A ressuscitação cardiopulmonar<br />

(RCP) não deve ser tentada. Se a vítima não voltar a<br />

respirar, é categorizada como "morta". Testemunhas ou "feridos<br />

que estejam andando" podem ser solicitados pelo socorrista, a<br />

auxiliar a manutenção da via aérea e o controle da hemorragia.<br />

A realização de uma nova triagem é também necessária caso a<br />

falta de transporte prolongue a estada das vítimas no local. Usando<br />

os critérios START, vítimas que apresentam lesões significativas<br />

podem ser categorizadas como "podem aguardar". Quanto<br />

mais tempo permanecerem sem tratamento, maior a chance de<br />

deterioração de seu estado. A repetição da avaliação e da triagem,<br />

portanto, é justificada depois de dado período de tempo.


106 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Todos os feridos que deambulam<br />

LEVE<br />

TRIAGEM START<br />

Respiração<br />

Não<br />

Sim<br />

Posicionar via aérea<br />

Não Sim Abaixo<br />

Acima<br />

de 30/min<br />

MORTO<br />

IMEDIATO<br />

IMEDIATO<br />

Perfusão<br />

Pulso radial presente<br />

Pulso radial ausente<br />

ou<br />

Enchimento capilar<br />

Acima de<br />

dois segundos<br />

Abaixo de<br />

dois segundos<br />

Controle do<br />

sangramento<br />

IMEDIATO<br />

Nível de consciência<br />

Não obedece<br />

a ordens<br />

simples<br />

IMEDIATO<br />

Obedece<br />

a ordens<br />

simples<br />

PODE AGUARDAR<br />

Respirações 30<br />

Perfusão 2<br />

Nível de<br />

consciência<br />

PODE<br />

FAZER<br />

FIGURA 5-19 Algoritmo de triagem START.<br />

(Courtesy of Newport Beach Fire Department, Newport Beach, Cat.)


ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

CAPÍTULO 5 Avaliação Local 107<br />

FIGURA 5-20<br />

Triagem SALT<br />

Este sistema é iniciado pelo uso de um processo de triagem<br />

global:pedir para osdoentes andarem ouacenarem(obedecerem<br />

comandos). Os doentes que não respondem são, então, avaliados<br />

quanto a riscos de vida e subsequentemente categorizados em<br />

imediatos, "podem aguardar", leves ou mortos (Fig. 5-21).<br />

Triagem SALT emTragédias<br />

Andar<br />

Avaliar 3o<br />

Etapa 1-Triagem<br />

Triagem global<br />

Acenar/Movimento proposital<br />

Avaliar 2o<br />

Etapa 2- Avaliação<br />

Avaliação individual<br />

Imóvel/Óbvio risco de morte<br />

Avaliar 1o<br />

LSI:<br />

Controle de hemorragias intensas<br />

Desobstrução de vias aéreas<br />

(se criança, considere<br />

duas respirações)<br />

Compressão do tórax<br />

Autoinjetor de anticorpos<br />

Respiração —>-<br />

Sim<br />

Morto<br />

Não<br />

•Obedece a comandos ou realize<br />

movimentos propositais?<br />

•Apresenta pulso periférico<br />

• Não está em desconforto<br />

respiratório?<br />

• Controle da hemorragia intensa<br />

Qualquer não<br />

Sim<br />

para<br />

Todos<br />

Somente<br />

lesões<br />

menores<br />

Não<br />

Em aguardo<br />

Sim<br />

— ÿ Mínimo<br />

Sobrevida provável<br />

dados recursos atuais<br />

Sim<br />

-> Imediato<br />

Não<br />

Expectante<br />

FIGURA 5-21<br />

Algoritmo dq triagem SALT.


108 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

A avaliação da cena revela muitos riscos potenciais, e as<br />

condições ambientais são o risco mais evidente. A neve<br />

não dificulta apenas a visão, mas também torna as rodovias<br />

escorregadias e aumenta as distâncias de frenagem. Ficar<br />

no chão, exposto ao frio e à neve, pode predispor o doente<br />

à hipotermia. Fazer o atendimento médico de emergência<br />

em acostamentos de estradas é uma das situações mais<br />

perigosas encontradas pelos profissionais responsáveis<br />

pelo atendimento pré-hospitalar. Se este incidente tivesse<br />

acontecido à noite, a escuridão teria aumentado este risco,<br />

fazendo com que o uso de vestimentas com refletores fosse<br />

obrigatório. As autoridades policiais são essenciais para o<br />

controle do tráfego na cena. Derramamento de combustíveis, |<br />

cargas químicas ou outros fluidos veiculares podem criar uma<br />

situação de risco. Os bombeiros podem isolar ou neutralizar<br />

os fluidos, ao mesmo tempo em que monitoram o local<br />

quanto à ocorrência de incêndios. Além disso, doentes com<br />

hemorragias expõem os socorristas a riscos de infecções<br />

transmitidas por sangue, e estes devem utilizar barreiras<br />

físicas, incluindo luvas, máscaras e óculos de proteção.<br />

RESUMO<br />

Como parte da avaliação do local para segurança do socor¬<br />

rista, em todos os contatos com doentes, é importante veri¬<br />

ficar a presença de riscos de qualquer tipo. Dentre eles, são<br />

incluídos questões de trânsito, preocupações ambientais,<br />

violência, patógenos de transmissão sanguínea e materiais<br />

perigosos.<br />

A avaliação do local garante o não comprometimento<br />

de socorristas e seus equipamentos, impedindo sua uti¬<br />

lização, e garante que os demais profissionais de saúde<br />

estejam protegidos de perigos que não foram isolados ou<br />

removidos.<br />

Ocasionalmente, os materiais perigosos serão rapidamente<br />

removidos, mas, se não forem procurados, não serão per¬<br />

cebidos, e é isso que pode ser perigoso.<br />

ÿ<br />

Certas situações, como cenas de crime ou atos intencio- |<br />

nais, incluindo o uso de armas de destruição em massa,<br />

afetam o modo de o profissional lidar com o local e os<br />

doentes ali presentes.<br />

Os incidentes são conduzidos conforme a estrutura do<br />

Sistema de Comando em Incidentes, e o serviço médico I<br />

de emergência é um dos componentes desta estrutura. 0s I<br />

profissionais devem conhecer e compreender o sistema I<br />

SCI e seu papel dentro deste sistema.<br />

Referências<br />

1. Maguire BJ, Hunting KL, Smith GS, et al. Occupational fatalities<br />

in emergency medical services. Ann Emerg Med40(6):625, 2002.<br />

2. SchaelTer J. Prevent run downs: best practices for roadside incident<br />

management,2002. http://www.jems.com/jems/news02/0903a.html.<br />

Accessed September 2002.<br />

3. Poland GA, Jacobson RM. Prevention of hepatitis B with the<br />

hepatitis B vaccine. NEnglJ Med 351:2832, 2004.<br />

4. Lerner EB, Schwartz RB, Coule PL, et al. Mass casualty triage: An<br />

evaluation of the data and development of a proposed national<br />

guideline. Disaster Med Public Health Prep 2:S25-S34, 2008.<br />

Leituras Sugeridas<br />

Centers for Disease Control and Prevention: See website for infor¬<br />

mation on Standard Precautions and postexposure prophylaxis,<br />

www.cdc.gov.<br />

Rinnerl KJ: A review of infection control practices, risk reduction,<br />

and legislative regulations for blood-borne disease: Applications<br />

for emergency medical services, Prehosp Emerg Care 2('1):70,<br />

1998.<br />

Rinnert KJ, O'Connor RE, Delbridge T: Risk reduction for exposure<br />

to blood-borne pathogens in EMS: National Association of EMS<br />

Physicians, Prehosp Emerg Care 2('1):62, 1998.


açao e<br />

imento<br />

oente<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Ilustrar a importância da avaliação no contexto global do atendimento do doente<br />

traumatizado.<br />

Sistematizar as etapas distintas envolvidas no processo de avaliação e<br />

atendimento do doente traumatizado em um processo organizado e racional.<br />

A partir de um determinado cenário, adaptar a avaliação global de 15 segundos e<br />

a avaliação primária às particularidades da situação.<br />

Empregar um processo de questionamento crítico a fim de associar o exame físicb<br />

e os achados da cena às suas prováveis causas e consequências.


110 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

,i mpip.<br />

ÿ<br />

-<br />

Você é acordado às 4h da manhã de um.sábado para atender a uma ocorrência na qual um indivíduo caiu da varanda do<br />

terceiro andar. Ao ir para a ambulância, você percebe que a temperatura é de 10°C. De acordo com o despacho, relata-se<br />

que o doente perdeu a consciência, mas agora está alerta. Ao chegar e avaliar a cena, você não percebe riscos à segurança.<br />

Testemunhas informam que o indivíduo estava em uma festa, no apartamento acima, e havia consumido álcool. De acordo<br />

com as testemunhas, parece que o indivíduo caiu em pé, no solo, e perdeu a consciência por "vários minutos". Ao abordar<br />

o doente, um homem jovem, você se ajoelha ao lado de sua cabeça, observando que ele está consciente. Você posiciona<br />

suas mãos, estabilizando a coluna cervical. Em resposta ao seu questionamento, você descobre que a queixa principal dele<br />

é dor nos pés e nas costas. Suas perguntas têm duplo propósito: obter a queixa do doente e também observar seu esforço<br />

respiratório. Não detectando dispneia, você continua a fazer perguntas, enquanto seu parceiro verifica os sinais vitais do<br />

doente. As respostas às suas questões são adequadas, mostrando que o doente está orientado em relação às pessoas, ao<br />

local e ao evento.<br />

Com base na cinemática relatada deste incidente, quais possíveis lesões você espera encontrar durante sua avaliação?<br />

Quais são suas próximas prioridades? Como você atenderá este doente?<br />

Aavaliação é a pedra fundamental para o melhor trata¬<br />

mento do doente. Para o doente traumatizado, bem<br />

como para outros doentes de emergência, a avaliação<br />

é a base para todas as decisões de atendimento e transporte.<br />

A primeira meta na avaliação é determinar a condição atual<br />

do doente. Ao Inzer isso, consegue-se uma impressão geral<br />

sobre o estado global do doente e as condições basais de seus<br />

sistemas respiratório, circulatório e neurológico. Condições<br />

que ameacem a vida são rapidamente avaliadas, e a interven¬<br />

ção de urgência e reanimação são iniciadas. Quaisquer outras<br />

condições que requeiram atenção são identificadas e tratadas<br />

antes da remoção do doente. Caso haja tempo, realiza-se uma<br />

avaliação secundária, para identificar lesões que ameacem os<br />

membros ou que não estão comprometendo a vida. De modo<br />

geral, essa avaliação ocorre durante o transporte do doente.<br />

Todas essas etapas são realizadas de forma rápida e eficiente,<br />

com o objetivo de minimizar o tempo gasto no local. Doentes<br />

críticos não devem permanecer no local, a não ser que estejam<br />

encarcerados 011 existam outras complicações que impeçam o<br />

transporte rápido. Ao aplicar os princípios aprendidos neste<br />

curso, o tempo gasto no local pode ser reduzido, e os doentespodem<br />

ser rapidamente encaminhados à instituição médica<br />

adequada. A avaliação e a intervenção eficazes requerem um<br />

vasto conhecimento sobre a fisiologia do trauma e um plano<br />

de tratamento bem-desenvolvido, que seja executado de modo<br />

rápido e eficaz.<br />

Em toda a literatura sobre atendimento ao trauma é feita<br />

menção constante da necessidade de levar o doente trauma¬<br />

tizado para tratamento cirúrgico definitivo em um mínimo<br />

de tempo, após a instalação da lesão. Isso porque um doente<br />

traumatizado grave que não responde ao tratamento inicial está<br />

provavelmente com hemorragia interna. Essa perda de sangue<br />

continua até que a hemorragia possa ser controlada. Com exceção<br />

dos casos de hemorragia externa mais simples, o controle da<br />

hemorragia só pode ser conseguido no centro cirúrgico.<br />

As principais preocupações para avaliação e atendimento<br />

do doente traumatizado são as seguintes, em ordem de impor¬<br />

tância: (1) via aérea; (2) ventilação; (3) oxigenação; (4) controle<br />

da hemorragia; (5) perfusão; (6) função neurológica. Essa sequ¬<br />

ência protege a capacidade do organismo de ser oxigenado e<br />

a habilidade das hemácias em distribuir oxigénio para os teci¬<br />

dos. O controle da hemorragia, que é temporário na cena, mas<br />

permanente no centro cirúrgico, depende de transporte rápido<br />

pelos socorristas e da presença de uma equipe de trauma ime¬<br />

diatamente disponível na chegada ao hospital.<br />

O Dr. R. Adams Cowley desenvolveu o conceito da "Hora de<br />

Ouro" no trauma. Ele acreditava que era crucial o tempo decor¬<br />

rido entre a ocorrência do trauma e o tratamento definitivo.<br />

Durante esse período, quando a hemorragia não está controlada<br />

e ocorre oxigenação tecidual inadequada por causa da perfusão<br />

diminuída, ocorre lesão em todo o corpo. Se a hemorragia não<br />

for controlada e a oxigenação restaurada dentro de uma hora<br />

após o trauma, as chances de sobrevivência do doente dimi¬<br />

nuem muito.<br />

A Hora de Ouro é atualmenle chamada "Período de Ouro", j<br />

já que o tempo crítico não é, necessariamente, igual a uma hora. j<br />

Alguns doentes têm menos de uma hora para ser atendidos, I<br />

que outros podem aguardar mais tempo. Um profissional res¬<br />

ponsável pelo atendimento pré-hospitalar deve reconhecer a j<br />

urgência de uma dada situação e transportar o doente, o mais!<br />

rápido possível, a uma instituição em que o tratamento defi¬<br />

nitivo possa ser instituído. O transporte do doente ao hospi¬<br />

tal depende da rápida identificação de lesões que possam ser 1<br />

fatais; somente o tratamento essencial, necessário à manutenção<br />

da vida, deve ser proporcionado na cena e, a seguir, o doente<br />

deve ser imediatamente encaminhado ao hospital. Em muitos


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 111<br />

FIGURA 6-1<br />

PHTLS<br />

Avaliação da cena<br />

Exame primário<br />

Exame secundário<br />

Terminologia de Avaliação<br />

Monitoramento e reavaliação<br />

Padrões Norte-americanos<br />

deSME<br />

Dimensionamento da cena<br />

Avaliação primária<br />

Avaliação secundária<br />

Avaliação continuada<br />

sistemas pré-hospitalares urbanos, o tempo médio entre a ocor¬<br />

rência da lesão e a chegada ao local é de oito a nove minutos.<br />

Geralmente, outros oito a nove minutos serão gastos no trans¬<br />

porte do doente ao hospital. Se o tempo na cena é mantido em<br />

apenas 10 minutos, terão passados 30 minutos do "Período de<br />

Ouro" até o momento em que o doente chegue ao serviço de<br />

emergência. Cada minuto a mais gasto na cena é tempo adicio¬<br />

nal em que o doente está sangrando, e tempo valioso é tirado<br />

do "Período de Ouro". Para direcionar essa questão do aten¬<br />

dimento ao trauma grave, a avaliação, o atendimento rápido e<br />

eficiente do doente deve ser o objetivo principal. O tempo na<br />

cena não deve exceder 10 minutos. Na verdade, quanto menor,<br />

melhor. Quanto mais o doente é mantido na cena, maior é a<br />

probabilidade de perda sanguínea e morte. Esses parâmetros de<br />

tempo mudam com remoção demorada, transporte retardado e<br />

outras circunstâncias inesperadas.<br />

Este capítulo aborda os princípios da avaliação e atendi¬<br />

mento iniciais do doente na cena e baseia-se na abordagem<br />

ensinada aos médicos no programa de Advanced Trauma Life<br />

Support (ATLS, em tradução livre, Suporte Avançado à Vida<br />

em Casos de Trauma).1 Os princípios básicos descritos aqui são<br />

idênticos àqueles aprendidos no programa de treinamento ini¬<br />

cial para socorristas básicos ou avançados, embora uma termi¬<br />

nologia diferente possa ser usada ocasionalmente. Por exemplo,<br />

a frase "avaliação primária" é usada nos programas de ATLS<br />

e Prehospital Trauma Life Support (PHTLS, em tradução livre,<br />

Suporte Pré-hospitalar à Vida em Casos de Trauma) para descre¬<br />

ver a atividade de avaliação do doente conhecida como "exame<br />

primária" nos parâmetros educacionais norte-americanos dos<br />

Sistemas Médicos de Emergência. O que é chamado de "exame<br />

secundário" neste curso é essencialmente a mesma atividade<br />

que o socorrista aprendeu como "avaliação secundária" do<br />

doente traumatizado. Na sua grande maioria, as atividades rea¬<br />

lizadas em cada fase são exatamente as mesmas, os vários cur¬<br />

sos apenas usam terminologias diferentes (Fig. 6-1).<br />

Estabelecimento de<br />

Prioridades<br />

Existem três prioridades na chegada à cena:<br />

1 A primeira prioridade para todos envolvidos em um inci¬<br />

dente de trauma é a avaliação da cena. O Capítulo 5 dis¬<br />

cute esse assunto detalhadamente.<br />

2. Reconhecimento da existência de incidentes de múltiplas<br />

vítimas e desastres. Em um desastre, a prioridade muda; em<br />

vez de destinar todos os recursos aos doentes mais graves,<br />

deve-se dirigi-los para o salvamento do maior número de<br />

doentes (fazer o melhor para o maior número). O Capítulo 5<br />

também discute triagem.<br />

3. Uma vez que uma avaliação sucinta da cena seja realizada,<br />

deve-se voltar à atenção para a avaliação de cada doente.<br />

Deve-se iniciar a avaliação e o atendimento do doente ou<br />

dos doentes que tenham sido considerados mais graves,<br />

conforme os recursos permitirem. Deve-se dar ênfase nessa<br />

sequência: (a) condições que possam resultar em perda<br />

da vida; (b) condições que possam resultai- em perda de<br />

membros; (c) todas as outras condições que não ameacem<br />

a vida ou os membros. Dependendo da gravidade da lesão,<br />

do número de doentes e da proximidade do hospital, as<br />

condições que não ameacem a vida ou os membros nunca<br />

devem ser abordadas.<br />

Este capítulo está centrado nas habilidades de pensamento<br />

crítico necessário para conduzir uma avaliação apropriada,<br />

interpretar os achados e determinar as prioridades para o trata¬<br />

mento adequado do doente.<br />

Avaliação Primária<br />

(Avaliação Inicial)<br />

No doente traumatizado multissistêmico grave, a prioridade<br />

máxima é a identificação e o atendimento rápidos de condições<br />

com risco de vida (Fig. 6-2). Mais de 90% dos doentes trauma¬<br />

tizados têm somente ferimentos simples que envolvem apenas<br />

um sistema (p. ex., uma fralura isolada de membro). Para esses<br />

doentes, há tempo para lazer tanto a avaliação primária quanto<br />

a secundária completas. Para doentes traumatizados graves, o<br />

socorrista nunca pode fazer mais que uma avaliação primária. A<br />

ênfase é na avaliação rápida, no início da reanimação e no trans¬<br />

porte ao hospital. Isso não exclui a necessidade do atendimento<br />

FIGURA 6 2<br />

Doente Traumatizado Multissistêmico<br />

versus de Sistema Único<br />

0 doente traumatizado multissistêmicotem lesões que<br />

afetam mais de um sistema do corpo, incluindo os sistemas<br />

pulmonar, circulatório, neurológico, gastrointestinal,<br />

musculoesquelético e tegumental Um exemplo seria um<br />

doente envolvido em uma colisão automobilística com lesão<br />

cerebral traumática, contusões pulmonares, uma lesão<br />

esplénica com choque e uma fratura de fémur.<br />

0 doente traumatizado em um único sistema tem lesões<br />

apenas em um sistema do corpo. Um exemplo seria<br />

um doente com uma fratura simples do tornozelo, sem<br />

evidências de perda sanguínea ou de choque.


112 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

pré-hospitalar, isso significa:faça-o mais depressa, faço-o mais<br />

eficientemente e faça-o a caminho do hospital.<br />

Deve ser rotina estabelecer as prioridades e realizar a ava¬<br />

liação inicial das lesões com risco de vida. Portanto, as etapas<br />

das avaliações primária e secundária devem ser memorizadas<br />

e a progressão lógica da avaliação e tratamento com base nas<br />

prioridades, compreendida. O socorrista deve pensar na fisiopatologia<br />

das lesões e nas condições do doente; não se pode<br />

perder tempo tentando lembrar quais prioridades são mais<br />

importantes.<br />

A base das lesões com risco de vida mais comum é a falta<br />

de oxigenação adequada do tecido, que leva ao metabolismo<br />

(produção de energia) anaeróbio (sem oxigénio). A produção<br />

de energia diminuída que ocorre com o metabolismo anaeró¬<br />

bico é conhecida como choque. Três componentes são neces¬<br />

sários para o metabolismo normal: (1) oxigenação dos glóbulos<br />

vermelhos no pulmão; (2) oferta dos glóbulos vermelhos para<br />

as células teciduais por todo o corpo; (3) entrega de oxigénio<br />

aos tecidos. As atividades envolvidas na avaliação primária<br />

são dirigidas à identificação e à correção dos dois primeiros<br />

componentes.<br />

Impressão Geral<br />

A avaliação primária começa com uma visão simultânea ou<br />

global dos estados respiratório, circulatório e neurológico do<br />

doente para identificar quaisquer problemas externos significa¬<br />

tivos óbvios, com respeito à oxigenação, à circulação, à hemor¬<br />

ragia ou a deformidades flagrantes. Ao se aproximar do doente,<br />

o socorrista observa se ele está respirando efetivamente, acor¬<br />

dado ou sem resposta, se consegue sustentar-se e se apresenta<br />

movimentação espontânea. Uma vez ao lado do doente, o socor¬<br />

rista pode perguntar ao doente "o que aconteceu". Se o doente<br />

der uma explicação coerente através de frases completas, o<br />

socorrista poderá concluir que o doente está com a via aérea<br />

permeável, apresenta função respiratória suficiente que permite<br />

a fala, perfusão cerebral adequada e funcionamento neurológico<br />

razoável; ou seja, provavelmente não há um risco de vida ime¬<br />

diato para o doente.<br />

Se o doente for incapaz de dar uma resposta como essa,<br />

uma avaliação primária para identificar problemas potencial¬<br />

mente fatais deve ter início. Ao prosseguir com as perguntas<br />

(p. ex., "Onde você se machucou?"), a liberação da via aérea<br />

é mais uma vez avaliada, e a função respiratória é observada.<br />

Uma verificação rápida do pulso radial permitirá ao socor¬<br />

rista avaliar presença, qualidade e frequência (muito rápida,<br />

muito lenta ou normal) da atividade circulatória. O socorrista<br />

pode sentir simultaneamente a temperatura e umidade da pele<br />

enquanto verifica cor da pele e enchimento capilar. A resposta<br />

verbal do doente indica o nível de consciência e a atividade<br />

mental. Em seguida, o socorrista realiza uma rápida avaliação<br />

do doente, da cabeça aos pés, procurando sinais de hemorragia<br />

enquanto coleta lodos os dados preliminares para a avaliação<br />

primária. Ao fazer isso, o socorrista já terá dado uma olhada<br />

geral rápida no doente, fazendo nos primeiros momentos um<br />

exame global de sua condição e uma avaliação da possibilidade<br />

de risco de vida. A informação obtida auxilia a determinação<br />

do prioridades, a categorização da gravidade das lesões e da<br />

condição do doente e a identificação de quais lesões ou con¬<br />

dições precisam ser tratadas em primeiro lugar. Em 15 a 30<br />

segundos, consegue-se uma impressão geral do estado global<br />

do doente.<br />

A impressão geral estabelece se o doente está na iminência<br />

ou já se encontra em uma condição crítica, e rapidamente avalia<br />

a sua condição sistémica global. A visão global e a impressão<br />

geral frequentemente fornecem todas as informações necessárias<br />

de que o socorrista precisa para determinar se podem ser neces¬<br />

sários recursos adicionais de suporte avançado para atender o<br />

doente. Se for apropriado transporte por helicóptero para um<br />

centro de trauma, em geral esse é o momento para tomar a deci¬<br />

são de solicitá-lo. Atrasos na decisão de quais recursos adicionais<br />

são necessários apenas estende o tempo no local do incidente.<br />

A tomada de decisão precoce encurtará o tempo na cena. Uma<br />

vez que essa impressão geral da condição do doente tenha sido<br />

determinada, a avaliação primária pode ser completada imedia<br />

tamente, a menos que haja uma complicação que requeira mais<br />

cuidado ou avaliação.<br />

A avaliação primária deve continuar muito rapidamente. A<br />

discussão seguinte abordará os componentes específicos da ava¬<br />

liação primária e a ordem de prioridades para um atendimento<br />

ideal do doente.<br />

As cinco etapas envolvidas na avaliação primária e sua<br />

ordem de prioridade são as seguintes:<br />

/I - Atendimento da via aérea e controle da coluna cervical<br />

B - Ventilação (breathing)<br />

C -Circulação (hemorragia e perfusão)<br />

D- Disfunção neurológica (disability)<br />

E- Exposição e ambiente<br />

ÿ<br />

Etapa A - Atendimento da Via Aérea e<br />

Controle da Coluna Cervical<br />

Via Aérea<br />

A via aérea do doente é rapidamente checada, para garantir<br />

que esteja permeável (aberta e limpa) e que não existe perigo<br />

de obstrução. Em caso de comprometimento da via aérea, esta<br />

precisa ser aberta, inicialmente por métodos manuais (eleva¬<br />

ção do mento no trauma ou tração da mandíbula no trauma)<br />

e, se necessário, remoção de sangue, substâncias orgânicas e<br />

corpos estranhos (Fig. 6-3). Por fim, com disponibilidade de<br />

equipamento e tempo, o controle da via aérea pode progre¬<br />

dir a medidas mecânicas (tubos oro ou nasofaríngeos, dispo<br />

sitivos supraglóticos ou, ainda, intubação endotraqueal) ou<br />

métodos transtraqueais (ventilação perculânea transtraqueal)<br />

(Cap. 7).<br />

Controle da Coluna Cervical<br />

Conforme aprendido no programa de treinamento inicial, para<br />

cada doente traumatizado com um mecanismo significativo<br />

trauma, deve-se suspeitar de lesão na medula espinhal até que


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 113<br />

Embora seja frequentemente empregado o termo "frequência<br />

respiratória", mais correto é frequência ventilatória. Ventilação<br />

refere-se ao processo de inalação e exalação, enquanto respira¬<br />

ção descreve melhor o processo fisiológico de trocas gasosas<br />

entre as artérias e os alvéolos. Estetexto utiliza otermo frequência<br />

ventilatória em vez de frequência respiratória.<br />

FIGURA 6-3 Caso haja suspeita de comprometimento da<br />

via aérea, ela deve ser liberada ao mesmo tempo em que se<br />

protege a coluna.<br />

lenha sido finalmente excluída. (Consulte o Capítulo 10 para<br />

a lista completa de indicações para a imobilização cervical.)<br />

Portanto, quando permeabilizar a via aérea, a possibilidade de<br />

lesionara coluna cervical deve ser considerada. O movimento<br />

excessivo pode tanto causar quanto agravai- lesões neurológicas,<br />

porque pode ocorrer compressão óssea da medula espinhal se<br />

a coluna estiver fralurada. A solução é ler certeza de que o pes¬<br />

coço foi manualmente mantido em posição neutra durante a<br />

abertura da via aérea e a realização da ventilação necessária.<br />

Isso não significa que os procedimentos de manutenção da<br />

via aérea descritos não podem ou não devem ser conduzidos.<br />

Pelo contrário, significa que os procedimentos devem ser lei¬<br />

tos enquanto se protege a coluna de movimento desnecessário.<br />

Uma vez que se lenha imobilizado o pescoço a fim de proteger<br />

a coluna cervical, deve-se, então, imobilizar toda a coluna do<br />

doente. Logo, lodo o corpo do doente deverá ser alinhado e<br />

imobilizado.<br />

Etapa B-Ventilação<br />

0 primeiro passo é administrar oxigénio eficazmente aos pul¬<br />

mões do doente para ajudar a manter o processo metabólico<br />

aeróbico. A hipoxia é resultante de ventilação inadequada dos<br />

pulmões e leva à falta de oxigenação nos tecidos do doente. Uma<br />

vez que a via aérea está permeável, a qualidade e quantidade da<br />

ventilação do doente devem ser avaliadas como se segue:<br />

1. Verifique se o doente está ventilando.<br />

2. Se o doente não estiver respirando (apneia), inicie imedia¬<br />

tamente ventilação assistida com máscara facial associada<br />

a um balão dotado de válvula unidirecional com oxigénio<br />

suplementar antes de continuar a avaliação.<br />

3. Assegure-se de que a via aérea do doente esteja permeável,<br />

continue a ventilação assistida e prepare a inserção de tubo<br />

oro ou nasofaríngeo, dispositivo supraglótico, intubação, ou<br />

outros meios de proteção mecânica da via aérea.<br />

4. Se o doente estiver ventilando, estime a adequação da<br />

frequência e da profundidade ventilatória para determinar<br />

se o doente está movimentando ar suficiente e avalie a<br />

oxigenação. Assegure-se de que o ar inspirado contenha ao<br />

menos 85% de oxigénio.<br />

5. Observe rapidamente a elevação do tórax e, se o doente<br />

estiver consciente, capaz de falar, ouça-o para observar se é<br />

capaz de falar uma frase inteira sem dificuldade.<br />

A frequência ventilatória pode ser dividida em cinco níveis:<br />

1. Apneici. O doente não está ventilando.<br />

2. Lenta. Uma frequência ventilatória muito lenta pode indi¬<br />

car isquemia (suprimento deficiente de oxigénio) cerebral.<br />

Caso a frequência ventilatória se reduza a menos de 12<br />

movimentos/minuto (bradipneia), é necessário auxiliar<br />

a respiração do doente ou assumi-la completamente,<br />

empregando bolsa-valva-máscara. O suporte ventilatório<br />

assistido ou total, com bolsa-valva-máscaraÿdeve incluir<br />

oxigénio suplementar, de modo a se obter uma concen¬<br />

tração de oxigénio de 85% ou mais, ou uma iração de<br />

oxigénio inspirada (Fi02) de 0,85 ou mais (Fig. 6-4).<br />

FIGURA 6-4 Atendimento da Via Aérea com base na<br />

Frequência Ventilatória Espontânea<br />

Frequência Ventilatória<br />

(ventilações/minuto)<br />

Lenta (< 12)<br />

Normal (12-20)<br />

Muito rápida (20-30)<br />

Atendimento<br />

Ventilação assistida ou total com<br />

> 85% de oxigénio (Fi02 > 0,85)<br />

Observação; considerar oxigénio<br />

suplementar<br />

Administração > 85% de oxigénio<br />

(Fi02 > 0,85)<br />

Anormalmente rápida (> 30) Ventilação assistida (Fi02 > 0,85)<br />

F/02, Fração inspirada de oxigénio.


114 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

3. Normal. Se a frequência ventilatória está entre 12 e 20<br />

ventilações por minuto [eupneia, uma frequência normal<br />

para um adulto), o socorrista deve observar o doente com<br />

atenção. Embora o doente aparente estabilidade, oxigénio<br />

suplementar deve ser considerado.<br />

4. Rápida. Se a frequência ventilatória está entre 20 e 30<br />

incursões por minuto (taquipneia). o doente deve ser<br />

observado de perto, para verificar se está melhorando<br />

ou piorando. O estímulo para o aumento da frequência<br />

ventilatória é o maior acúmulo de dióxido de carbono<br />

(C02) ou a redução do nível de oxigénio (02) no sangue.<br />

Quando um doente apresenta frequência ventilatória<br />

anormal, o motivo deve ser investigado. Uma frequência<br />

rápida indica que não há aporte suficiente de oxigénio no<br />

tecido. A falta de oxigénio inicia metabolismo anaeróbio<br />

(Cap. 7) e, consequentemente, aumento no C02. O sistema<br />

de detecção do organismo reconhece o nível elevado<br />

de C02 e alerta o sistema ventilatório para aumentar a<br />

frequência e exalar esse excesso. Logo, uma frequência<br />

ventilatória aumentada pode indicar que o doente<br />

necessita de melhor perfusão ou oxigenação, ou ambas. A<br />

administração de oxigénio suplementar com concentração<br />

de 85% ou maior (Fi02 de 0,85 ou maior) é indicada para<br />

esse doente, no mínimo até que seu estado geral seja<br />

determinado. Deve-se suspeitar da sua<br />

capacidade em manter ventilação adequada e permanecer<br />

alerta a qualquer deterioração na sua condição geral.<br />

5. Muito rápida. Uma frequência ventilatória acima de<br />

30 ventilações por minuto (taquipneia severa) indica<br />

hipoxia, metabolismo anaeróbio ou ambos, com resultante<br />

acidose. A ventilação com oxigénio suplementar deve ser<br />

imediatamente assistida com bolsa-valva-máscara (BVM),<br />

conseguindo uma concentração inspirada de oxigénio de<br />

85% ou mais (Fi02 de 0,85 ou maior). A busca para uma<br />

causa da frequência ventilatória elevada deve ser iniciada<br />

o mais rápido possível, para verificar se a etiologia é um<br />

problema de oxigenação ou da entrega pelos glóbulos<br />

vermelhos. Após a identificação da causa, a intervenção<br />

deve ser imediata, para corrigir o problema.<br />

Em um doente com ventilação anormal, deve-se expor,<br />

observar e palpar o tórax rapidamente. Em seguida, auscul¬<br />

tar os pulmões para identificar murmúrio vesicular anormal,<br />

diminuído ou ausente. Lesões que podem impedir a ventila¬<br />

ção incluem pneumotórax hipertensivo, lesão raquimedular ou<br />

lesão cerebral traumática. Essas lesões devem ser identificadas<br />

durante a avaliação primária, e o suporte ventilatório, iniciado<br />

de imediato.<br />

Na avaliação do estado ventilatório do doente traumatizado,<br />

tanto a profundidade quanto a frequência ventilatória devem<br />

ser abordadas. Um doente pode respirar com uma frequência<br />

normal de 16 vezes por minuto, mas com grande diminuição<br />

de profundidade. Em contrapartida, um doente pode ter uma<br />

profundidade normal, porém com grande aumento ou diminui¬<br />

ção da frequência ventilatória. A profundidade e a frequência<br />

ventilatória combinam-se para produzir o volume corrente do<br />

doente (Capítulo 7).<br />

Etapa G-Circulação (Hemorragia e<br />

Perfusão)<br />

A avaliação do comprometimento ou da falência do sistema<br />

circulatório é a próxima etapa no cuidado com o doente. A oxi<br />

genação dos glóbulos vermelhos sem que sejam encaminhados<br />

às células do tecido não traz nenhum benefício ao doente. Na<br />

avaliação inicial do doente traumatizado, deve-se identificar e<br />

controlar a hemorragia externa. Em seguida, pode-se obter uma<br />

estimativa global adequada do débito cardíaco e do estado de<br />

perfusão.<br />

Controle da Hemorragia<br />

Deve-se identificar e tratar a hemorragia externa na avaliação<br />

primária. O controle da hemorragia é incluído na circulação<br />

porque, se uma grande hemorragia não for controlada de ime¬<br />

diato, o potencial de morte do doente aumenta considerável<br />

mente. Há três tipos de hemorragia externa:<br />

1. Hemorragia capilar é causada por escoriações que lesiona<br />

minúsculos capilares imediatamente abaixo da superfície<br />

da pele. Em geral, a hemorragia capilar terá diminuído ou<br />

mesmo cessado antes da chegada da equipe pré-hospitalar.<br />

2. Hemorragia venosa provém de camadas mais profundas<br />

do tecido e, em geral, é controlado mediante uma pressão<br />

direta moderada no local. Em geral, não ameaça a vida,<br />

a não ser que a lesão seja grave ou a hemorragia não seja<br />

controlada.<br />

3. Hemorragia arterial é causada por lesão a uma artéria. Essa<br />

é a hemorragia mais importante e também a mais difícil de<br />

ser controlada. É caracterizada por um sangue vermelho<br />

vivo que jorra da ferida. Mesmo uma-sferida perfurante<br />

pequena em uma artéria pode produzir uma hemorragia<br />

que ameace a vida.<br />

O controle da hemorragia é prioritário, pois cada hemácia<br />

é importante. O rápido controle da perda sanguínea é um dos<br />

objetivos mais importantes no atendimento de um doente trau¬<br />

matizado. A avaliação primária só pode prosseguir após o con¬<br />

trole da hemorragia.<br />

Em casos de hemorragia externa, a aplicação de pressão<br />

direta controla a hemorragia maior até que o responsável pelo<br />

atendimento pré-hospitalar possa transportar o doente a um<br />

hospital em que haja um centro cirúrgico (CC) e equipamento<br />

adequado. O controle da hemorragia é iniciado durante a avalia¬<br />

ção primária e mantido durante o transporte. O socorrista pode<br />

precisar de ajuda para manter a ventilação e controlar a hemor¬<br />

ragia simultaneamente.<br />

Pode-se controlar a hemorragia de acordo coin as seguintes<br />

etapas:<br />

1. Pressão direta. Controle da hemorragia por pressão<br />

direta é exatamente o que o termo implica- aplicar<br />

pressão no local da hemorragia. Consegue-se isso apli¬<br />

cando um curativo (com uma gaze) ou uma compressa<br />

cirúrgica diretamente sobre a lesão e aplicando pressão


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 115<br />

manual. A aplicação e manutenção de pressão direta<br />

exigem a atenção total de um socorrista; logo, ele fica<br />

indisponível para participar de outros aspectos do<br />

atendimento do doente. Entretanto, caso não lenha<br />

ajuda, o socorrista pode improvisar um curativo de<br />

pressão a partir de uma compressa de gaze e de uma<br />

bandagem elástica. Se a hemorragia não estiver<br />

controlada, não importa quanto oxigénio ou fluido o<br />

doente receba, a perfusão não melhorará na presença<br />

de hemorragia ativa.<br />

2. Torniquetes. Em geral, os torniquetes são descritos como<br />

a técnica do "último recurso". A experiência militar<br />

no Afeganistão e no Iraque, somada ao uso rotineiro e<br />

seguro de torniquetes pelos cirurgiões,<br />

levou-nos a reconsiderar essa posição. 2,3,4 Não se reco¬<br />

menda o uso de "elevação" e pressão sobre pontos<br />

de pressão", em função da insuficiência de dados que<br />

apoiem sua eficácia.5,0 Os torniquetes são muito eficazes<br />

no controle de hemorragia grave e devem ser usados<br />

caso a pressão direta ou um curativo de pressão não<br />

consigam controlar a hemorragia de uma extremidade.<br />

Em caso de suspeita de hemorragia interna, o tórax e o<br />

abdome são expostos, para a rápida inspeção e palpação à pro¬<br />

cura de sinais de lesão. A pelve também é palpada, já que fraturas<br />

pélvicas são fontes importantes de hemorragia intra-abdo¬<br />

minal. Fraturas pélvicas são tratadas com transporte imediato,<br />

uso de calça pneumática antichoque (PASG), caso disponível, e,<br />

em caso de possível instabilidade pélvica, rápida reposição de<br />

fluidos aquecidos por via intravenosa (IV).<br />

Muitas causas de hemorragia são de difícil controle fora do<br />

hospital. O tratamento pré-hospitalar consiste em transporte<br />

rápido do doente a um serviço médico equipado e com equipe<br />

disponível para controle cirúrgico da hemorragia (p. ex., se dis¬<br />

ponível, um Centro de Trauma).<br />

Perfusão<br />

Pode-se obter uma avaliação geral do estado circulatório do<br />

doente ao se verificar pulso, cor, temperatura e umidade da pele<br />

e o tempo de enchimento capilar.<br />

Pulso.Éavaliado pela presença, qualidade e regularidade. A pre¬<br />

sença de pulso periférico palpável também fornece uma estima¬<br />

tiva da pressão arterial. Essa verificação rápida mostrará se o<br />

doente tem taquicardia, bradicardia ou ritmo irregular. Também<br />

pode revelar informação sobre a pressão arterial sistólica. Se o<br />

pulso radial não for palpável em uma extremidade não lesionada,<br />

o doente provavelmente entrou na fase descompensada de cho¬<br />

que, um sinal tardio da condição grave. Na avaliação primária,<br />

não é necessária a determinação da frequência de pulso exala.<br />

Em vez disso, uma estimativa aproximada é rapidamente obtida,<br />

e o exame prossegue para outras avaliações preliminares. A fre¬<br />

quência de pulso real será calculada mais tarde no processo. Se<br />

o doente não possui pulso carotídeo ou femoral, então está em<br />

parada cardiorrespiratória (ver discussão a seguir).<br />

Pele<br />

Cor. Perfusão adequada produz coloração rosada na pele. A pele<br />

torna-se pálida quando o sangue é desviado de alguma área.<br />

Coloração pálida está associada à perfusão deficiente. Colora¬<br />

ção azulada indica oxigenação incompleta. A coloração azulada<br />

é causada pela falta de sangue ou de oxigénio naquela região do<br />

corpo. Pele pigmentada torna, em geral, essa determinação difí¬<br />

cil. O exame da cor do leito ungueal e das mucosas serve para<br />

superar esse desafio porque as mudanças de coloração apare¬<br />

cem inicialmente nos lábios, nas gengivas ou nas extremidades<br />

dos dedos.<br />

Temperatura. Assim como outras partes da avaliação da pele, a<br />

temperatura é influenciada por condições ambientais. Pele fria<br />

indica perfusão diminuída, independentemente da causa. O<br />

socorrista geralmente avalia a temperatura da pele tocando o<br />

doente com o dorso da mão; logo, uma determinação apurada<br />

pode ser difícil por estar calçando luvas. A temperatura normal<br />

da pele é morna ao loque, nem fria, nem quente. Em geral, os<br />

vasos sanguíneos não estão dilatados e, portanto, não trazem o<br />

calor do corpo à superfície da pele.<br />

Umidade. Pele seca indica boa perfusão. Pele úmida está asso¬<br />

ciada a choque e a perfusão diminuída. Essa queda na perfu¬<br />

são é atribuída ao desvio do sangue por meio da vasoconstrição<br />

periférica para órgãos centrais do corpo.<br />

Tempo de Enchimento Capilar. A verificação do tempo de enchi¬<br />

mento capilar é realizada pressionando-se o leito ungueal. Isso<br />

remove o sangue do leito capilar visível. A taxa de retorno do<br />

sangue aos leitos capilares (tempo de enchimento) é uma ferra¬<br />

menta útil para estimar o fluxo sanguíneo através dessa parte<br />

mais distai da circulação. Tempo de enchimento capilar maior<br />

que dois segundos indica que os leitos capilares não recebem<br />

perfusão adequada. Entretanto,o tempo de enchimento capilar é<br />

um mau indicador do estado de choque por si só, pois é influen¬<br />

ciado por muitos outros fatores. Por exemplo, doença vascular<br />

periférica (arteriosclerose), temperaturas baixas, uso de vasodi¬<br />

latadores ou vasoconstritores farmacológicos ou presença de<br />

choque neurogênico podem distorcer o resultado. Nesses casos,<br />

torna-se uma verificação menos útil da função cardiovascular.<br />

O tempo de enchimento capilar tem lugar como método para<br />

avaliar a adequação circulatória, mas deve sempre ser usado em<br />

conjunto com outros achados do exame físico, da mesma forma<br />

como se usam outros indicadores (como pressão arterial).<br />

Etapa D-Disfunção Neurológica<br />

Tendo avaliado e corrigido, na medida do possível, os fatores<br />

envolvidos no transporte do oxigénio aos pulmões e na sua cir¬<br />

culação pelo corpo, a próxima etapa da avaliação primária é a<br />

avaliação da função cerebral, que é uma medida indireta da oxi¬<br />

genação cerebral. O objetivo é determinar o nível de consciên¬<br />

cia do doente e inferir o potencial de hipoxia.


116 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Abertura Ocular<br />

Pontos<br />

Abertura ocular espontânea 4<br />

Abertura ocular sob comando verbal 3<br />

Abertura ocular com estímulo doloroso 2<br />

Sem abertura ocular 1<br />

Melhor Resposta Verbal<br />

Respostas adequadas (orientado) 5<br />

Respostas confusas 4<br />

Respostas inadequadas 3<br />

Sons ininteligíveis 2<br />

Sem resposta verbal 1<br />

Melhor Resposta Motora<br />

Obedece a comandos 6<br />

Localiza estímulos dolorosos 5<br />

Retirada do estímulo doloroso 4<br />

Responde com flexão anormal aos<br />

estímulos dolorosos (decorticação) 3<br />

Responde com extensão anormal aos<br />

estímulos dolorosos (descerebração) 2<br />

Sem resposta motora 1<br />

FIGURA 6-5<br />

Total<br />

'-1<br />

Escala de Coma de Glasgow.<br />

Um doente agressivo, combativo ou que não coopera deve<br />

ser considerado em hipoxia até que se prove o contrário. A<br />

maioria dos doentes solicita ajuda quando suas vidas estão ame¬<br />

açadas. Se o doente recusa ajuda, o motivo deve ser questio¬<br />

nado. O doente se sente ameaçado pela presença do socorrista<br />

no local? Se sim, o socorrista deve fazer algo para estabelecer<br />

uma relação em que o doente confie nele. Caso nada pareça<br />

ameaçador nessa situação, a fonte do comportamento deve ser<br />

considerada fisiológica, e condições reversíveis devem ser iden¬<br />

tificadas e tratadas. Durante a avaliação, a história pode ajudar<br />

a determinar se o doente ficou inconsciente em algum momento<br />

desde a ocorrência da lesão, quais substâncias tóxicas podem<br />

estar envolvidas e se o doente apresenta alguma doença pree¬<br />

xistente que possa reduzir o nível de consciência ou provocar o<br />

comportamento aberrante.<br />

Um nível de consciência diminuído deve alertar o socor¬<br />

rista para quatro possibilidades:<br />

1. Oxigenação cerebral diminuída (por causa da hipoxia<br />

e/ou hipoperfusão)<br />

2. Lesão do sistema nervoso central (SNC)<br />

3. Intoxicação por drogas ou álcool<br />

4. Distúrbio metabólico (diabetes, convulsão, parada<br />

cardíaca)<br />

A Escala de Coma de Glasgow é uma ferramenta utilizada<br />

para determinar o nível de consciência.7 É um método sim¬<br />

ples e rápido para determinar a função cerebral e é predilivo da<br />

sobrevida do doente, especialmente a melhor resposta motora.<br />

Também, fornece a função cerebral basal para avaliações neurológicas<br />

seriadas. A Escala de Coma de Glasgow é dividida<br />

em três seções: (1) abertura ocular; (2) melhor resposta verbal;<br />

(3) melhor resposta motora (OVM). Pontua-se o doente em um<br />

escore de acordo com a melhor resposta para cada componente<br />

da OVM (Fig. 6-5). Por exemplo, se o olho direito de um doenle<br />

está Ião edemaciado que ele não consegue abri-lo, mas o olho<br />

esquerdo abre espontaneamente, então o doente recebe um "4"<br />

para a melhor abertura ocular. Se o doente não abre esponta¬<br />

neamente os olhos, o socorrista deve usar um comando verbal<br />

("Abra os olhos!"). Se o doente não responde ao estímulo ver¬<br />

bal, um estímulo doloroso pode ser aplicado, como compres¬<br />

são do leito ungueal com uma caneta ou um beliscão no tecido<br />

axilar.<br />

A resposta verbal deve ser avaliada usando-se uma questão<br />

como "O que aconteceu com você?". Se o doente estiver orien¬<br />

tado, responderá coerentemente. De outro modo, a resposta<br />

pode ser confusa, inapropriada, ininteligível ou pode não<br />

haver resposta. Se o doente está intubado, a Escala de Coina<br />

de Glasgow possui apenas a abertura ocular e resposta motora,<br />

e um "T" é acrescentado para assinalar a incapacidade de ava¬<br />

liar a resposta verbal (isto é, "8T").<br />

O terceiro componente é o escore motor. Deve ser dada<br />

uma ordem clara e simples para o doente, como "Mostre<br />

dois dedos!" ou "Faça positivo!". Caso o doente responda<br />

ao comando, a nota maior, igual a 6. é conferida. Um doente<br />

que torce ou agarra os dedos do examinador pode apenas<br />

estar demonstrando um reflexo de "agarrar" e não seguindo<br />

um comando propositalmenle. Se o doente não segue um<br />

comando, pode-se usar um estímulo doloroso como já des¬<br />

crito, e a melhor resposta motora do doenle é anotada. Se ele<br />

tenta afastar a mão que provoca o estímulo, considera-se que<br />

"localiza" a dor. Outras respostas à dor possíveis são retira¬<br />

das ao estímulo, Ilexão anormal [postura de decorticação) ou<br />

extensão (postura de descerebraçõo) da extremidade superior,<br />

ou ausência de função motora. Evidências recentes indicam<br />

que o componente motor da Escala de Coma de Glasgow isola¬<br />

damente é essencialmente tão bom na avaliação de um doente<br />

quanto o escore inteiro."<br />

O escore máximo na Escala de Coma de Glasgow é 15, indi¬<br />

cando um doenle sem dano neurológico, e o menor escore, de 3,<br />

é, em geral, 11111 sinal de péssimo prognóstico. Um escore menor<br />

que 8 indica uma lesão grave; 9 a 12, lesão moderada; e 13 a<br />

15, lesão mínima. U111 escore igual ou inferior a 8 é indicação<br />

para consideração de tratamento ativo da via aérea do doente. 0<br />

socorrista pode calcular facilmente o escore e deve incluí-lo no<br />

relato verbal no hospital, bem como no prontuário do doente.<br />

Se o doente não está acordado, orientado ou capaz de obe¬<br />

decer a comandos, devem ser rapidamente avaliadas as pupilas.<br />

As pupilas estão iguais e redondas, folorreagentes? As pupilas<br />

são iguais entre si? Cada pupila está redonda e com aparência<br />

normal, e reage apropriadamente à luz, se contraindo, ou está<br />

sem resposta e dilatada? Um escore menor que 14 na Escalade<br />

Coma de Glasgow, combinado com um exame pupilar anormal,<br />

pode indicar a presença de uma lesão cerebral potencialmente<br />

letal (Capítulo 9).


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 117<br />

FIGURA 6-7<br />

Evidências Forenses<br />

FIGURA 6-6 As roupas devem ser removidas rapidamente<br />

cortando-se conforme indicado pelas linhas pontilhadas.<br />

O acrónimo AVDI, que significa A (Alerta), V (responde a<br />

estímulo Verbal), D (responde a estímulo de Dor), I(Incons¬<br />

ciente) é em geral utilizado para descrever o estado de consciên¬<br />

cia. Essa abordagem, embora muito simples, não informa como<br />

o doente responde especificamente aos estímulos verbais ou<br />

dolorosos, Em outras palavras, se o doente responde aos ques¬<br />

tionamentos verbais, ele está orientado, confuso ou murmura<br />

palavras incompreensíveis? Da mesma forma, quando o doente<br />

responde aos estímulos dolorosos, ele tenta retirar o estímulo,<br />

ou apresenta uma postura de decorticação ou descerebração?<br />

Por ser pouco preciso, o uso do acrónimo AVDI caiu em desuso.<br />

Embora a Escala de Coma de Glasgow seja mais difícil de ser<br />

memorizada do que o AVDI, a prática acaba tornando essa ava¬<br />

liação útil, um hábito.<br />

Etapa E- Exposição e Ambiente<br />

Uma etapa inicial no processo cle avaliação é tirar as roupas<br />

do doente porque sua exposição é fundamental para que sejam<br />

encontradas todas as lesões (Fig. 6-6). O dito que "a parte do<br />

corpo que não está exposta será a parte mais gravemente ferida"<br />

pode não ser sempre verdade, mas é verdadeiro o suficiente<br />

para justificar o exame total do corpo. Também, o sangue pode<br />

acumular-se dentro da roupa e ser absorvido por ela, e assim<br />

passar despercebido. Quando todo o corpo do doente tiver sido<br />

visto, o doente deve ser coberto para conservar o calor corpo¬<br />

ral. Embora seja importante expor todo o corpo da vítima para<br />

completar a avaliação correta, a hipotermia é um problema<br />

grave no tratamento do doente traumatizado. Somente as partes<br />

necessárias do doente devem ser expostas quando ele estiver no<br />

ambiente externo. Uma vez dentro da unidade cie emergência<br />

aquecida, pode-se completar o exame e recobrir o doente o mais<br />

rápido possível.<br />

A quantidade de roupa do doente que deve ser retirada<br />

durante uma avaliação irá variar dependendo das condições ou<br />

das lesões encontradas. A regra geral é remover o tanto de roupa<br />

necessário para determinai- a presença ou a ausência de uma<br />

Infelizmente, alguns doentes traumatizados são vítimas de<br />

crimes violentos. Nessas situações, é importante fazer todo<br />

o possível para preservar evidências para as autoridades<br />

policiais. Ao cortar as roupas da vítima de um crime, devemos<br />

ter cuidado para não cortarmos através de orifícios feitos<br />

por balas (projéteis), facas ou outros objetos, pois isso pode<br />

comprometer provas forenses valiosas. Caso a roupa da vítima<br />

de um crime potencial tenha que ser removida, ela deve ser<br />

colocada em um saco de papel (e não de plástico) e entregue às<br />

autoridades policiais na cena, antes de o doente ser removido.<br />

Qualquer arma, droga ou pertence pessoal encontrado durante<br />

a avaliação do doente também deve ser entregue às autoridades<br />

• policiais,além de ser cuidadosamente documentado no relatório<br />

do socorrista. Se a condição do doente exigir a sua remoção<br />

antes da chegada das autoridades policiais, esses itens serão<br />

levados com o doente até o hospital, e o departamento de<br />

polícia é contatado e informado sobre o hospital de destino.<br />

condição ou lesão. O socorrista não deve ter medo de remover<br />

a roupa se este for o único meio pelo qual a avaliação e o trata¬<br />

mento podem ser apropriadamente completados. O doente pode<br />

ter sofrido vários mecanismos de lesão, como uma colisão auto¬<br />

mobilística após ter sido baleado. Lesões potencialmente letais<br />

podem passar despercebidas se o doente não for bem examinado.<br />

Lesões não podem ser tratadas se não forem primeiro reconheci¬<br />

das. Devemos Ler atenção especial ao cortar e remover as roupas<br />

da vítima de um crime, de modo a não destruir provas de forma<br />

inadvertida (Fig. 6-7).<br />

Reanimação<br />

A reanimação descreve as etapas de tratamento para corrigir<br />

problemas com risco de vida identificados na avaliação primá¬<br />

ria. A avaliação do PHTLS é baseada em uma filosofia de "trate<br />

à medida que encontrai*", na qual o tratamento é iniciado assim<br />

que cada ameaça à vida é identificada, ou, então, o mais cedo<br />

possível (Fig. 6-8).<br />

Intervenção Limitada na Cena<br />

Problemas na via aérea são tratados com prioridade máxima.<br />

Caso a via aérea esteja desobstruída, mas o doente não esteja<br />

respirando, o suporte ventilatório é iniciado. O suporte ventilatório<br />

inclui a administração imediata de altas concentrações<br />

de oxigénio (> 85%; Fi02 ÿ 0,85). Caso o doente exiba sinais<br />

de desconforto respiratório e menores níveis de troca de ar, a


118 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 6-9<br />

O Doente Traumatizado Grave<br />

FIGURA 6-8<br />

Avaliação Simultânea<br />

Na discussão do processo de avaliação do doente, tratamento<br />

e tomada de decisões, as informações devem ser apresentadas<br />

em formato sequencial (ou seja, a etapa A seguida pela etapa<br />

B, seguida pela etapa C etc.). Embora a apresentação das<br />

informações desta maneira facilite a explicação e, talvez,<br />

melhore a assimilação dos conceitos pelos alunos, não é<br />

assim que o mundo real funciona. Na verdade, essas etapas<br />

são realizadas de modo quase simultâneo. 0 cérebro de um<br />

socorrista é como um computador, que pode receber,ao mesmo<br />

tempo, estímulos de fontes diversas (multitarefas cerebrais). 0<br />

cérebro pode avaliar os dados de modo simultâneo e priorizar<br />

as informações de todas as fontes, separando-as de modo a<br />

permitir a tomada ordenada de decisões.<br />

0 cérebro pode conseguir a maior parte dos dados em cerca<br />

de 15 segundos. 0 processamento simultâneo desses dados<br />

e a priorização correta dessas informações pelo socorrista<br />

podem identificar o componente que deve ser tratado primeiro.<br />

Embora a abordagem ABCDE descrita neste capítulo possa<br />

não necessariamente ser a ordem em que o socorrista coleta<br />

ou recebe as informações, ela serve para estabelecimento de<br />

prioridades no atendimento.<br />

A avaliação primária trata das condições que podem levar<br />

ao óbito. A avaliação secundária identifica lesões possivelmente<br />

graves em membros,assim como outros problemasde significado<br />

menor.<br />

Limite sua presença na cena a 10 minutos ou menos em qualquer<br />

uma das seguintes situações de risco de vida:<br />

1. Via aérea inadequada ou em risco<br />

2. Ventilação comprometida, demonstrada por:<br />

s Frequência ventilatória anormalmente rápida ou lenta<br />

Hipoxia (SpOz < 95%, mesmo com oxigénio suplementar)<br />

0 Dispneia<br />

a Pneumotórax aberto ou tórax instável<br />

® Suspeita de pneumotórax<br />

3. Hemorragia externa significativa ou suspeita de<br />

hemorragia interna<br />

4. Estado neurológico anormal<br />

Escore na Escala de Coma de Glasgow ÿ 13<br />

sa Convulsão<br />

13 Déficit sensitivo ou motor<br />

5. Trauma penetrante na cabeça, no pescoço ou no tronco,<br />

ou proximal ao cotovelo e ao joelho<br />

6. Amputação ou quase amputação proximal aos dedos dos<br />

pés ou das mãos<br />

7. Qualquer trauma na presença de:<br />

i3 História de condições clínicas graves (p. ex., doença<br />

coronariana, doença pulmonar obstrutiva crónica,<br />

distúrbio da coagulação)<br />

s Idade acima de 55 anos<br />

S3 Hipotermia<br />

0 Queimaduras<br />

0 Gravidez<br />

assistência respiratória é necessária, mediante utilização de<br />

bolsa-valva-máscara. A parada cardíaca é identificada durante<br />

a avaliação da circulação, e, se necessário, as compressões torá¬<br />

cicas são iniciadas. A hemorragia com exsanguinação é também<br />

controlada nesta etapa. Em um doente com via aérea e ventila¬<br />

ção adequadas, a hipoxia e o choque (metabolismo anaeróbico),<br />

caso presentes, podem ser rapidamente corrigidos.<br />

Transporte<br />

Se alguma condição de risco de vida é identificada durante a<br />

avaliação primária, o doente deve ser rapidamente imobili¬<br />

zado para transporte após o início da intervenção na cena. O<br />

transporte de vítimas traumatizadas graves para o hospital mais<br />

adequado e mais próximo deve ser iniciado logo que possível<br />

(Fig. 6-9). Exceto por circunstâncias excepcionais, o tempo de<br />

permanência na cena deve ser limitado a 10 minutos ou menos<br />

para esses doentes. Deve ser entendido que limitar o tempo em<br />

cena e iniciar o transporte rapidamente ao hospital mais ade¬<br />

quado e mais próximo, de preferência um centro de trauma,<br />

são aspectos fundamentais da reanimação do trauma no atendi¬<br />

mento pré-hospitalar.<br />

Reposição Volêmica<br />

Outra etapa importante na reanimação é a restauração do sis<br />

tema cardiovascular por meio de um volume adequado de per¬<br />

fusão tão logo possível. Como o sangue geralmente não está dis¬<br />

ponível no ambiente pré-hospitalar, a solução preferencial para<br />

reanimação no trauma é o Ringer lactato. Além de sódio e de<br />

cloro, a solução de Ringer lactato contém pequenas quantidade.'<br />

de potássio, cálcio e lactato e é um expansor efetivo de volume<br />

Entretanto, soluções cristalóides, como o Ringer lactato, não<br />

recuperam a capacidade de carregar oxigénio das hemácias per<br />

didas, nem as plaquetas necessárias para a coagulação e o con¬<br />

trole da hemorragia. Logo, o transporte rápido do doente grav<br />

ao hospital adequado é absolutamente necessário.<br />

Nocaminho para o hospital,devem ser instituídos dois aces<br />

sos venosos calibrosos (calibre 14 ou 16) em veias do antebraçc<br />

ou prega do cotovelo, se possível. Em geral, punções profundar<br />

ou cateteres centrais (subclávia, femoral ou jugular interna) nã:


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 119<br />

são adequados para o tratamento no local do trauma das víti¬<br />

mas. A velocidade da reposição volêmica depende do estado<br />

clínico, principalmente se a hemorragia do doente foi ou não<br />

controlada quando a infusão endovenosa foi iniciada ou se o<br />

doente apresenta evidências de lesão do SNC. O Capítulo 8<br />

apresenta diretrizes para a reanimação volêmica.<br />

Instituir punção venosa na cena só prolonga o tempo de per¬<br />

manência no local e atrasa o transporte. Como explicado neste<br />

capítulo, o tratamento definitivo do doente traumatizado só pode<br />

ser completado no hospital. Por exemplo, um doente com lesão<br />

esplénica que perde 50 ml de sangue por minuto continuará a<br />

sangrar nessa velocidade a cada minuto adicional que demo¬<br />

rar para chegar ao centro cirúrgico. Puncionar a veia do doente<br />

na cena em vez de transportá-lo o mais rápido possível não só<br />

aumenta o volume perdido de sangue, como também diminui<br />

as chances de sobrevivência do doente. Existem exceções, como<br />

vítima presa em ferragens, em que o doente simplesmente não<br />

pode ser movido de imediato. Também deve ser lembrado que a<br />

reposição contínua e agressiva de fluido não é substituto para o<br />

controle manual da hemorragia sempre que possível.<br />

Atendimento Básico<br />

Quanto ao atendimento básico, as etapas-chave na reanimação<br />

do doente traumatizado grave incluem: (1) controle imediato de<br />

hemorragia externa importante: (2) acondicionamento rápido<br />

do doente para iniciar o transporte; (3) transporte rápido, porém<br />

seguro, do doente para o lugar apropriado mais próximo. Se o<br />

tempo de transporte for prolongado, pode ser necessário acionar<br />

apoio de suporte avançado para encontro no caminho. Eva¬<br />

cuação por helicóptero pode ser outra opção. Tanto o suporte<br />

avançado quanto o transporte aéreo serão capazes de prover o<br />

tratamento definitivo da via aérea, o suporte ventilatório ou a<br />

reposição volêmica precoce.<br />

Avaliação Secundária<br />

(Histórico e Exame Físico<br />

Detalhados)<br />

A avaliação secundária é a avaliação da cabeça aos pés do<br />

doente. Este exame somente é realizado após o término da<br />

avaliação primária com identificação e tratamento de todas as<br />

lesões que ameacem a vida e o início da reanimação (Fig. 6-10).<br />

0 objetivo da avaliação secundária é a identificação cle lesões<br />

ou problemas não observados durante a avaliação primária.<br />

Uma vez que uma avaliação primária bem executada identifica<br />

todas as lesões que ameacem a vida, a avaliação secundária, por<br />

definição, trata de problemas com menor gravidade. Portanto,<br />

um doente vítima de trauma em estado crítico é transportado<br />

assim que possível após o término da avaliação primária, e não<br />

mantido na cena para instituição do acesso IV ou realização da<br />

avaliação secundária.<br />

Na avaliação secundária, a abordagem "ver, ouvir e sentir" é<br />

usada para avaliar a pele e tudo que ela contém. Mais que olhar o<br />

corpo inteiro cle uma vez, retornar para auscultar e, finalmente,<br />

palpar todas as áreas, o corpo é "explorado" pelo socorrista. As<br />

lesões são identificadas, e os achados físicos são correlaciona¬<br />

dos região por região, começando pela cabeça e prosseguindo<br />

pelo pescoço, tórax e abdome até as extremidades, concluindo-se<br />

com um exame neurológico detalhado. As seguintes fra¬<br />

ses captam a essência do processo inteiro de avaliação:<br />

Veja, não apenas olhe.<br />

Ouça, não apenas escute.<br />

Sinta, não apenas toque.<br />

A definição da palavra veré "perceber com o olho" ou "des¬<br />

cobrir", ao passo que olhar é definido como "exercitar o poder<br />

da visão". Escutar é definido como "monitorar sem participa¬<br />

ção", e ouvir é definido como "escutar com atenção". Enquanto<br />

se examina o doente, deve-se usar todas as informações dis¬<br />

poníveis para formular um plano de atendimento ao doente.<br />

Um socorrista tem de fazer mais do que somente dar ao doente<br />

transporte ao hospital; ele deve fazer tudo que possa ser feito<br />

para assegurar a sua sobrevivência.<br />

Ver<br />

0 Examine toda a pele de cada região.<br />

0 Esteja atento para hemorragia externa ou sinais de hemor¬<br />

ragia interna, como distensão do abdome, tensão exagerada<br />

em uma extremidade ou hematoma expansivo.<br />

h Observe a presença de lesões de pele, como escoriações,<br />

queimaduras, contusões, hematomas, lacerações e ferimen¬<br />

tos penetrantes.<br />

0 Observe se há alguma massa, inchaço ou deformidade de<br />

ossos.<br />

0 Observe se a pele tem entalhes anormais, bem como a sua<br />

cor.<br />

0 Observe se há qualquer coisa que não "pareça certa".<br />

Ouvir<br />

0 Observe se há algum som incomuin quando o doente ins¬<br />

pira ou expira.<br />

0 Observe se há algum som anormal na ausculta do tórax.<br />

ra Verifique se o murmúrio vesicular é igual e normal em<br />

ambos os pulmões.<br />

0 Faça ausculta nas carótidas e em outros vasos.<br />

0 Observe qualquer som incomum (sopros) nos vasos, o que<br />

pode indicar lesão vascular.<br />

Sentir<br />

e Mova cuidadosamente cada osso na região. Observe se isso<br />

produz crepitação, dor ou movimento incomum.<br />

Q Palpe com firmeza todas as partes da região. Verifique<br />

se há alguma coisa movendo que não deveria fazê-lo, ou<br />

se sente algo "mole e úmido", se o doente se queixa de<br />

dor, onde são sentidos os pulsos, se há alguma pulsação<br />

que não deveria estar lá, e se todas as pulsações estão<br />

presentes.<br />

Sinais Vitais<br />

Deve-se reavaliar constantemente a qualidade do pulso e a<br />

frequência ventilatória e os outros componentes da avaliação<br />

•s


120 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Garantir via<br />

aérea' quando<br />

necessário<br />

AVALIAÇÃO<br />

Avaliar a cena<br />

• Segurança<br />

• Situação<br />

São necessários recursos? SIM —>- Avisar os órgãos<br />

I<br />

adequados<br />

Jo<br />

Precauções padronizadas<br />

ÿNÃO<br />

I<br />

Avaliar o doente<br />

Via aérea<br />

T<br />

- Permeável?<br />

I<br />

SIM<br />

I<br />

ÿRespirando<br />

r<br />

FV< 10 FV 12-20<br />

\<br />

Ventilação assistida<br />

I<br />

T<br />

Auscultar os mumúrios<br />

vesiculares2<br />

Circulação<br />

-<br />

02 para manter<br />

Sp02 > 95%<br />

T<br />

Hemorragia externa?<br />

I<br />

NÃO<br />

I<br />

Avaliar a<br />

possibilidade de choque'<br />

I<br />

Disfunção neurológica<br />

(Escala de Goma de Glasgow, pupilas)<br />

I<br />

I<br />

Continuar quando seguro<br />

"1<br />

FV > 20<br />

I<br />

Ãuscultar os mumúrios vesiculares2<br />

|<br />

1<br />

Considerar ventilação<br />

assistida (|Vt)<br />

SIM<br />

Controlar da<br />

forma adequada<br />

FIGURA 6-10<br />

Algoritmo de avaliação.<br />

Observações para o Algoritmo de Avaliação<br />

1 Seguir o Algoritmo de Controle da<br />

Via Aérea (p. 141).<br />

2Considerar a descompressão torácica apenas<br />

se TODOS abaixo estiverem presentes:<br />

• Murmúrio vesicular diminuído ou ausente<br />

• Esforço respiratório aumentado ou dificuldade<br />

de ventilar com bolsa-valva-máscara<br />

• Choque descompensado/hipotensão<br />

(PA sistólica < 90 mmHg)<br />

"Considerar descompressão bilateral do tórax<br />

somente se o doente receber ventilação<br />

com pressão positiva.<br />

3Controle da hemorragia externa:<br />

• Pressão direta/curativo de pressão<br />

• Torniquete<br />

'Considerar agente hemostático tópico para<br />

transporte prolongado.<br />

4Choque: taquicardia; pele fria, úmida e pálida;<br />

ansiedade; pulsos periféricos ausentes ou<br />

diminuídos.<br />

primária porque mudanças significativas podem ocorrer rapi¬<br />

damente. Deve ser feita medição quantitativa dos sinais vitais e<br />

avaliação motora e sensitiva nas quatro extremidades assim que<br />

possível, embora isso, em geral, não seja concluído até o final<br />

da avaliação primária. Dependendo da situação, um segundo<br />

socorrista pode obter os sinais vitais enquanto o primeiro com¬<br />

pleta a avaliação primária a fim de não haver demora adicional.<br />

Contudo, "valores" exatos de frequência de pulso, ventilação ou<br />

pressão arterial não são cruciais no tratamento inicial do trau¬<br />

matizado grave. A determinação dos valores exatos pode sei<br />

retardada até a finalização das principais etapas-da reanimação<br />

e estabilização.<br />

O conjunto completo de sinais vitais inclui pressão arte¬<br />

rial, frequência e qualidade do pulso, frequência ventilatórií<br />

(incluindo murmúrio vesicular), temperatura e cor da pele<br />

Deve ser obtido e registrado um conjunto completo de sinais


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 121<br />

r<br />

SIM<br />

I<br />

Imobilização da coluna6r*—<br />

conforme indicado<br />

I<br />

Considerar PASG7<br />

I<br />

Tempo na cena := 10 minutos8<br />

I<br />

Iniciar o transporte; reavaliar<br />

a avaliação primária<br />

I<br />

Reposição volêmica9<br />

1<br />

Centro de Trauma,<br />

se disponível<br />

Exposição/ambiente5<br />

I<br />

Risco<br />

de vida?<br />

SIM<br />

NAO<br />

Avaliar os sinais vitais;<br />

história SAMPLA10;<br />

avaliação primária<br />

Reavaliar a<br />

avaliação primária<br />

Risco de vida?<br />

NÃO<br />

Tratamento definitivo<br />

no local"<br />

Imobilização da coluna,<br />

conforme indicado0<br />

Observações para o Algoritmo de Avaliação<br />

5Verificar rapidamente outras condições potencialmente<br />

fatais; cobrir o doente para manter a temperatura corporal.<br />

6Ver indicações para Algoritmo de Imobilização da<br />

Coluna (p. 257).<br />

7Considerar PASG para suspeita de fratura pélvica<br />

instável com hipotensão.<br />

80 tempo da cena deve se limitar a 10 minutos ou menos<br />

para doentes com lesões com risco de vida; exceto em<br />

condições excepcionais.<br />

90 transporte não deve ser retardado para iniciar a<br />

reposição volêmica; iniciar dois acessos venosos<br />

calibrosos; consulte o Algoritmo para Atendimento da<br />

Reanimação Volêmica (p. 208).<br />

,0SAMPLA: sintomas, alergias, medicações, história<br />

médica/cirurgia pregressa, líquidos e alimentos<br />

ingeridos e ambiente e eventos que causaram a lesão.<br />

11 Imobilizar as fraturas e colocar curativos, se necessário.<br />

Transporte<br />

Hospital<br />

mais próximo<br />

FIGURA 6-10, cont.<br />

Veja as legendas na página anterior.<br />

vitais a cada 3 a 5 minutos, tanto quanto possível, ou a cada<br />

mudança na condição ou problema clínico. Mesmo quando há<br />

um aparelho automático não invasivo para o monitoramento da<br />

pressão arterial, a medida inicial da pressão arterial deve ser<br />

feita manualmente. Aparelhos automáticos podem ser impreci¬<br />

sos em doentes muito hipotensos.<br />

Histórico SAMPLA<br />

Deve ser obtido um histórico rápido do doente. Essas infor¬<br />

mações devem ser documentadas no prontuário e repassadas<br />

à equipe médica no hospital. O método mnemónico SAMPLA<br />

serve como lembrança de seus componentes-chave.<br />

Sintomas: De que o doente se queixa? Dor? Dificuldade<br />

respiratória? Dormência? Formigamento?<br />

Alergias: Principalmente a medicamentos.<br />

Medicações: Medicamentos prescritos ou não que o doente<br />

usa regularmente.<br />

Passado médico e antecedente cirúrgico: Problemas clíni¬<br />

cos importantes para os quais o doente recebe tratamento;<br />

inclui cirurgias prévias.<br />

n<br />

s<br />

Líquido e alimentos: Muitos doentes traumatizados neces¬<br />

sitarão de cirurgia, e alimentação recente pode aumentar o<br />

risco de vómito e aspiração durante a indução da anestesia.<br />

Ambiente: Eventos que levaram ao trauma.<br />

Cabeça<br />

O exame visual da cabeça e da face revelará contusões, abra¬<br />

sões, lacerações, assimetria óssea, hemorragia, defeitos ósseos<br />

da face e da caixa craniana e anormalidades do olho, das pálpe¬<br />

bras, ouvido externo, da boca e da mandíbula. Os itens a seguir<br />

devem ser incluídos durante o exame da cabeça:<br />

h<br />

h<br />

H<br />

Palpar todo o couro cabeludo na busca de qualquer lesão<br />

de partes moles.<br />

Checar as pupilas para reatividade à luz, tamanho, igual¬<br />

dade, acomodação ou formato irregular.<br />

Palpar cuidadosamente os ossos da face e do crânio para<br />

identificar crepitação, desvios, depressão ou mobilidade<br />

anormal (é muito importante na avaliação não radiográfica<br />

de lesões da cabeça). A Figura 6-11 revisa a anatomia óssea<br />

do crânio.


122 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CRÂNIO<br />

Osso frontal<br />

Osso parietal<br />

Osso temporal<br />

FACE<br />

Órbita<br />

Osso nasal<br />

Osso occipital<br />

Osso zigomático<br />

Maxilar<br />

Mandíbula<br />

FIGURA 6-11<br />

Estrutura anatómica normal da face e do crânio.<br />

Pescoço<br />

O exame visual do pescoço para identificar contusões, abrasões,<br />

lacerações e deformidades alertarão o socorrista sobre a possibili¬<br />

dade de lesões subjacentes. A palpação pode revelai- enfisema sub¬<br />

cutâneo de origem laríngea, traqueal ou pulmonar. Crepitação da<br />

laringe, rouquidão e enfisema subcutâneo compõem a tríade clás¬<br />

sica indicadora de fratura da laringe. A ausência de dor na coluna<br />

cervical pode ajudar a descartai- fraturas cervicais (combinado com<br />

critérios estritos), ao passo que dor à palpação pode ajudar fre¬<br />

quentemente a identificar a presença de fratura, luxação ou lesão<br />

ligamentar. Tal palpação deve ser realizada com cuidado, tendo<br />

certeza de que o pescoço permanece em posição linear neutra.<br />

A Figura 6-12 mostra a estrutura anatómica normal do<br />

pescoço.<br />

Tórax<br />

O tórax é muito forte, flexível e elástico; por esse motivo, pode<br />

absorver uma quantidade significativa de trauma. O exame<br />

visual minucioso para identificar deformidades, áreas de movi¬<br />

mento paradoxal,contusões e abrasões é necessário para encon¬<br />

trar lesões subjacentes. Outros sinais para os quais o socorrista<br />

deve ficar especialmente atento são posições de defesa contra<br />

dor, excursão torácica bilateral desigual e saliência ou retração<br />

intercostal, supraesternal ou supraclavicular.<br />

O trauma fechado sobre o esterno, por exemplo, pode ser<br />

a única indicação de um trauma fechado miocárdico. Um feri¬<br />

mento perfurante perto do esterno pode indicar tamponamento<br />

cardíaco. Uma linha traçada anteriormente a partir do quarto<br />

espaço intercostal, lateralmente ao sexto espaço intercostal e<br />

posteriormente até o oitavo espaço intercostal define a excur-<br />

são para cima do diafragma na expiração completa (Fig. 6-13)<br />

Um ferimento penetrante que ocorre abaixo dessa linha ou<br />

trajetória poderia lê-lo levado para baixo dessa linha deve<br />

considerado como tendo atravessado tanto a cavidade torácica<br />

como a abdominal.<br />

Com exceção dos olhos e das mãos, o estetoscópio é o instru¬<br />

mento mais importante que o socorrista pode usar para o exame<br />

do tórax. O doente estará mais frequente na posição supina,<br />

de modo que somente as faces anterior e lateral do tórax<br />

disponíveis para ausculta. É importante reconhecer o murmú¬<br />

rio vesicular normal e diminuído com o doente nessa posição.<br />

Uma pequena área de fratura de costela pode indicar um trauma<br />

fechado pulmonar subjacente grave. Qualquer tipo de lesão por<br />

compressão do tórax pode resultar em pneumotórax (Fig. 6-14).<br />

Murmúrio vesicular diminuído ou ausente indica um possível<br />

pneumotórax simples ou hipertensivo, ou hemotórax. Crepita¬<br />

ções ouvidas posterior (quando o doente é rodado em mono¬<br />

bloco) ou lateralmente podem indicar trauma fechado pulmonar.<br />

O tamponamento cardíaco é caracterizado por bulhas abafadas;<br />

no entanto, isso pode ser difícil de determinar em virtude da<br />

movimentação na cena ou ruído do transporte. Deve-se ainda<br />

palpar o tórax para perceber enfisema subcutâneo.<br />

Abdome<br />

O exame abdominal inicia-se com a avaliação visual, assim como<br />

com as outras parles do corpo. Abrasões e equimoses indicam<br />

a possibilidade de lesão subjacente. A área abdominal perto do<br />

umbigo deve ser examinada cuidadosamente à procura de um<br />

trauma fechado característico, localizado transversalmente no<br />

abdome, indicando que o posicionamento incorreto do cinto de


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 123<br />

Seios paranasals<br />

Cornetos<br />

Amígdala faríngea<br />

(adenóide)<br />

Nariz<br />

Faringe<br />

Laringe<br />

Língua<br />

Esôfago<br />

Traqueia<br />

Glândula tireóide<br />

FIGURA 6-12 Anatomia normal do pescoço.<br />

Visão Lateral da Posição do Diafragma<br />

Pneumotórax<br />

Costelas fraturadas<br />

4° espaço<br />

intercostal<br />

Esterno<br />

Margem superior<br />

do diafragma<br />

8o espaço<br />

intercostal<br />

Diafragma<br />

(Posterior)<br />

(Anterior)<br />

FIGURA 6-13 Visão lateral da posição do diafragma em<br />

expiração completa.<br />

FIGURA 6-14 Uma lesão por compressão do tórax pode<br />

causar fratura de costela e subsequente pneumotórax.<br />

segurança pode ter causado lesões subjacentes. Quase 50% dos<br />

doentes com esse sinal apresentam lesões de vísceras ocas no<br />

abdome. Fraturas da coluna lombar também podem estar asso¬<br />

ciadas ao "sinal do cinto de segurança".<br />

0 exame do abdome também inclui palpação de cada qua¬<br />

drante para verificai- se há dor, posição de defesa do músculo<br />

abdominal ou massas. Quando palpar, verifique se o abdome está<br />

mole e se existe rigidez ou posição de defesa. Não há necessidade<br />

de continuar a palpar o abdome depois que a sensibilidade ou a<br />

dor tiverem sido identificadas. Nenhuma informação adicional<br />

altera o atendimento pré-hospitalar, e o exame abdominal conti¬<br />

nuado provoca mais desconforto ao doente e atraso no transporte<br />

ao centro de trauma. De maneira análoga, a ausculta do abdome<br />

não adiciona quase nada à avaliação do doente traumatizado.


124 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Pelve<br />

A pelve é avaliada mediante observação e palpação. Deve-se<br />

primeiramente procurar abrasões, contusões, lacerações, lraturas<br />

expostas e sinais de distensão. Fraturas pélvicas podem pro¬<br />

duzir hemorragia interna maciça, o que resulta em deterioração<br />

rápida da condição do doente.<br />

A pelve deve ser palpada uma só vez, à procura de instabi¬<br />

lidade, durante a avaliação secundária. Já que a palpação pode<br />

agravar a hemorragia, não se deve repelir essa etapa do exame.<br />

A palpação é realizada fazendo-se pressão suave anteroposte¬<br />

rior na sínfise púbica e, então, pressão medial nas cristas ilía¬<br />

cas bilateralmente, avaliando-se a dor e o movimento anormal.<br />

Deve-se suspeitar de hemorragia se for encontrada alguma evi¬<br />

dência de instabilidade.<br />

Dorso<br />

A região posterior do tronco deve ser examinada para evidência<br />

de lesão. O exame é realizado quando o doente é lateralizado<br />

em bloco para realizar o rolamento para a prancha longa. Procede-se<br />

à ausculta do murmúrio vesicular na face posterior do<br />

tórax, e a coluna deve ser palpada para identificar sensibilidade<br />

e deformidade.<br />

Extremidades<br />

O exame das extremidades deve ser iniciado na clavícula na<br />

extremidade superior e na pelve na extremidade inferior e pros¬<br />

seguir em direção à porção mais distai de cada membro. Cada<br />

osso e articulação individuais devem ser avaliados por exame<br />

visual à procura de deformidade, hematomas ou equimose, e<br />

por palpação para determinar se há crepitação, dor, sensibili¬<br />

dade ou movimento incomum. Se houver qualquer suspeita de<br />

fratura, deve-se imobilizar a extremidade até que seja possível a<br />

confirmação radiográfica da presença ou ausência dessa fratura.<br />

A verificação da circulação e da função dos nervos motores e<br />

sensitivos também deve ser realizada na parte distai de cada<br />

extremidade. Se uma extremidade estiver imobilizada, pulsos,<br />

movimento e sensibilidade devem ser novamente verificados<br />

após a imobilização.<br />

Exame Neurológico<br />

A avaliação neurológica na avaliação secundária, como as<br />

outras avaliações já descritas, é conduzida muito mais detalha¬<br />

damente do que na avaliação primária. Deve-se incluir o cálculo<br />

do escore da Escala de Coma de Glasgow, a avaliação da função<br />

motora e sensitiva e a observação da resposta pupilar. Ao exa¬<br />

minar a pupila do doente, é necessário verificar a igualdade da<br />

resposta e do tamanho. Uma parte pequena, porém significativa,<br />

da população tem pupilas de tamanhos diferentes como con¬<br />

dição normal (anisocoría). Entretanto, mesmo nessa situação,<br />

as pupilas devem reagir à luz de modo semelhante. As pupilas<br />

que reagem em velocidades diferentes à exposição da luz são<br />

consideradas desiguais. Pupilas desiguais no doente traumati¬<br />

zado inconsciente podem indicar aumento de pressão intracra-<br />

D<br />

FIGURA 6-15 A, Pupilas normais. B, Pupilas dilatadas.<br />

C, Pupilas contraídas. D, Pupilas desiguais.<br />

niana ou pressão no terceiro nervo intracraniano, causada tanto<br />

por edema cerebral como por hematoma intracraniano que se<br />

expande rapidamente (Fig. 6-15). Trauma direlo no olho tam¬<br />

bém pode fazer com que as pupilas fiquem desiguais.<br />

O exame preliminar da capacidade*e resposta sensitiva<br />

determina a presença ou ausência de fraqueza ou perda da<br />

sensação nas extremidades e identifica áreas que necessitam<br />

de exame mais detalhado. O doente deve ser totalmente imo¬<br />

bilizado, no início em toda a extensão da coluna, e, então, no<br />

restante do corpo. E necessário o uso de prancha longa, colar<br />

cervical, coxim para a cabeça e cintos. A imobilização apenas<br />

da cabeça e do pescoço é inadequada à obtenção da imobili¬<br />

zação necessária. Se o corpo não estiver imobilizado, qualquer<br />

mudança na posição por elevação ou movimento da ambulân¬<br />

cia causará movimento do corpo e não da cabeça, que foi imo¬<br />

bilizada, potencializando o risco de lesão adicional à medula<br />

espinal. A proteção integral da medida espinal é necessária em<br />

todas as situações.<br />

Tratamento Definitivo no<br />

Local do Trauma<br />

As tarefas de acondicionamento, transporte e comunicação<br />

estão incluídas na avaliação e no atendimento. O tratamento<br />

definitivo é a lase final do atendimento ao doente. São exemplos<br />

de tratamento definitivo:


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 125<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Para o doente com parada cardíaca, o tratamento definitivo<br />

é a desfibrilação que resulta em ritmo normal; a reanima¬<br />

ção cardiopulmonar (RCP) é só uma forma de manutenção<br />

até que a desfibrilação possa ser realizada.<br />

Para o doente diabético em coma hipoglicêmico, o trata¬<br />

mento definitivo é glicose endovenosa e o retorno da gli¬<br />

cose sanguínea a níveis normais.<br />

Para o doente com a via aérea obstruída, o tratamento defi¬<br />

nitivo é o alívio da obstrução, que pode constiguido por<br />

meio da tração da mandíbula e da ventilação assistida.<br />

Para o doente com hemorragia grave, o tratamento defini¬<br />

tivo é o controle da hemorragia e a reanimação volêmica<br />

do choque.<br />

Em geral, o tratamento definitivo para muitas das lesões<br />

apresentadas por um doente traumatizado só pode ser realizado<br />

no centro cirúrgico. Qualquer coisa que atrase a realização do<br />

tratamento definitivo do traumatizado irá reduzir sua chance<br />

de sobrevivência. O tratamento dado ao doente traumatizado<br />

na cena é o mesmo que a RCP para o doente com parada car¬<br />

díaca. Mantém o doente vivo até que algo definitivo possa ser<br />

feito. Para o doente traumatizado, o tratamento dado ná cena é<br />

geralmente temporário - ganhando-se minutos adicionais para<br />

se chegar ao centro cirúrgico.<br />

Acondicionamento<br />

Conforme discutido anteriormente, deve-se suspeitar da pre¬<br />

sença de trauma de coluna em todos os doentes traumatizados.<br />

Portanto, quando indicada, a estabilização da coluna deve ser¬<br />

um componente integral do acondicionamento do doente trau¬<br />

matizado. Se houver tempo, é necessário:<br />

Estabilizar cuidadosamente as fraturas de extremidades<br />

usando talas específicas.<br />

Se o doente estiver em condição grave, todas as fraturas<br />

devem ser imobilizadas enquanto ele está sendo estabili¬<br />

zado na prancha longa (prancha de "trauma").<br />

No momento oportuno e dependendo da necessidade,<br />

curativos devem ser feitos nas lesões.<br />

Transporte<br />

O transporte deve começar tão logo o doente esteja dentro da<br />

ambulância e estabilizado. Conforme discutido neste capítulo,<br />

o atraso para instalar o acesso venoso ou para completar a ava¬<br />

liação secundária só estende o período de tempo antes que o<br />

controle da hemorragia possa ser efetuado e a administração de<br />

.sangue possa,começar no hospital. A reavaliação continuada<br />

e a reanimação necessária devem ser realizadas a caminho do<br />

hospital. Para alguns doentes críticos, o início do transporte é o<br />

aspecto mais importante do tratamento definitivo no local.<br />

Um doente cuja condição não é grave pode receber atenção<br />

para lesões individuais antes do transporte, mas mesmo este<br />

doente deve ser transportado rapidamente, antes que uma lesão<br />

oculta se torne grave.<br />

Escore de Trauma Revisado<br />

O Escore de Trauma (TS, Trauma Score), desenvolvido origi¬<br />

nalmente pelo cirurgião Howard Champion et ai, é um bom<br />

índice de sobrevida para doentes vítimas de trauma fechado.<br />

O Escore de Trauma Revisado (RTS, Revised Trauma Score),<br />

publicado em 1989, eliminou dois componentes do antigo<br />

Escore de Trauma e é igualmente útil como írfdice de sobrevida<br />

para lesões graves.'1 O RTS é composto da Escala de Coma de<br />

Glasgow, pressão arterial sistólica e frequência ventilatória (Fig.<br />

Escore Início doTransporte Final doTransporte<br />

A. Frequência ventilatória 10-29/min 4<br />

>29/min 3<br />

6-9/min 2<br />

1-5/min 1<br />

0 0<br />

B. Pressão arterial sistólica >89 mmHg 4<br />

76-89 mmHg 3<br />

50-75 mmHg 2<br />

1-49 mmHg 1<br />

Sem pulso 0<br />

C. Escore na Escala de Coma 13-15 4<br />

de Glasgow 9-12 3<br />

6-8 2<br />

4-5 1<br />

3 0<br />

Escore de trauma total: A + B + C<br />

FIGURA 6-16 Escore de trauma revisado (RTS). Um escore de trauma pode ser calculado numericamente a caminho do hospital.<br />

Essa informação é extremamente útil na preparação do atendimento ao doente. (Modificado de Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, et al:A revision of<br />

lhetrauma score, J. Trauma 29(5):624, 1989.)


126 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

6-'16). Cada um dos três componentes recebe notas que variam<br />

de 4 (melhor) a 0 (pior). O escore combinado indica a condição<br />

do doente. A menor combinação possível, 0, é obviamente a<br />

mais crítica; a maior, 12, a menos crítica. O escore combinado<br />

é valioso para analisar o tratamento dado ao doente, mas não é<br />

necessariamente uma ferramenta de triagem pré-hospitalar. Em<br />

muitos sistemas, o escore é calculado e anotado no hospital com<br />

base nas informações repassadas pelo rádio, mas não se espera<br />

dos socorristas que o computem antes da chegada ao hospital.<br />

Esquema de Triagem no Campo<br />

O Esquema de Decisão de Triagem publicado pelo Comité de<br />

Trauma do American College of Surgeons, é mais útil que o<br />

RTS nas decisões de triagem pré-hospitalar (Fig. 6-17). 10 Em<br />

alguns sistemas, o Esquema de Decisão de Triagem é utilizado<br />

no processo de determinação do hospital mais adequado e mais<br />

próximo para receber o doente traumatizado. No entanto, como<br />

qualquer decisão esquemática, deve ser usado como um guia de<br />

orientação e não substitui um bom julgamento. O Esquema de<br />

Decisão de Triagem divide a triagem em três etapas de priori¬<br />

dade que ajudarão na decisão de quando é o melhor momento<br />

de transporte do doente ao centro de trauma, se disponível: (1)<br />

critério fisiológico; (2) critério anatómico; (3) mecanismo de<br />

trauma (cinemática). A utilização desse esquema resulta em<br />

sobretriagem (nem todos os doentes levados ao centro de trauma<br />

realmente necessitam ser atendidos lá), mas esse resultado é<br />

melhor que subtriagem (doentes que necessitam de centros de<br />

trauma levados a outros hospitais menores). Diretores médicos<br />

ou juntas diretoras devem estabelecer protocolos locais para<br />

familiarizar o seu pessoal com os centros de trauma. O esquema<br />

de decisão de triagem de campo na página 127 foi revisado<br />

por um painel de especialistas representantes de serviços de<br />

emergência médica, medicina de urgência, cirurgia de trauma<br />

e saúde pública.11 O painel foi convocado pelos Centers for<br />

Disease Control and Prevention (CDC) com o apoio da National<br />

Highway Traffic Safety Administration (NHTSA). O resultado<br />

do painel representa as recomendações dos participantes, e não<br />

necessariamente a visão oficial dos CDC e a da NHTSA.<br />

Duração do Transporte<br />

O lugar de atendimento adequado para o qual o doente é trans¬<br />

portado deve ser escolhido de acordo com a gravidade do<br />

trauma. Em termos simples, o doente deve ser transportado ao<br />

hospital apropriado mais próximo - ou seja, o hospital mais<br />

perto capaz de atender à combinação particular dos problemas<br />

do doente. Se as lesões do doente são graves ou indicam a pos¬<br />

sibilidade de hemorragia continuada, ele deve ser levado ao<br />

hospital que realizará o tratamento definitivo tão rápido quanto<br />

possível, isto é, um centro de trauma, se disponível.<br />

Por exemplo, se uma ambulância responde em oito minutos<br />

e a equipe de socorristas gasta seis minutos no local do inci¬<br />

dente para acondicionar apropriadamente o doente e colocá-lo<br />

na unidade de transporte, 14 minutos do "Período de Ouro"<br />

terão se passado. O hospital mais próximo fica a cinco minutos<br />

e o centro- de trauma, a 14 minutos. Na chegada ao centro de<br />

trauma, o cirurgião está no serviço de emergência junto com |<br />

um médico de emergência e toda a equipe de trauma. O centro |<br />

cirúrgico está com a equipe completa e pronta. Após 10 minutos<br />

no serviço de emergência para reanimação e radiografias neces¬<br />

sárias, coleta de sangue para tipagem e dosagens, o doente é<br />

levado para o centro cirúrgico. O tempo total é de 38 minutos.<br />

Em comparação, o hospital mais próximo tem um médico de<br />

emergência disponível, mas o cirurgião e a equipe de centro<br />

cirúrgico estão em casa. Os 10 minutos do doente no serviço de<br />

emergência podem aumentar para 45 minutos até o momento<br />

em que o cirurgião venha de casa e examine o doente. Outros<br />

30 minutos terão decorrido enquanto se espera a chegada da<br />

equipe do centro cirúrgico, depois que o cirurgião tiver exami¬<br />

nado o doente e decidido chamá-la. O tempo total é de 94 minu¬<br />

tos, ou 2,5 vezes mais longo. Os nove minutos economizados<br />

pelo caminho curto da ambulância na verdade terão custado 57<br />

minutos, durante os quais o atendimento cirúrgico poderia ter<br />

começado, e o controle da hemorragia, sido realizado.<br />

Em uma comunidade rural, o tempo de transporte para uma<br />

equipe de trauma de plantão pode ser de 45 a 60 minutos ou<br />

mais. Nessa situação, o hospital mais próximo com uma equipe<br />

de trauma de plantão é o hospital apropriado.<br />

Método de Transporte<br />

Outro aspecto do problema do transporte é o método de trans¬<br />

porte. Alguns sistemas oferecem a opção de transporte aéreo<br />

como uma alternativa. Serviços aeromédicos podem oferecer<br />

melhor nível de atendimento médico do que unidades terres¬<br />

tres. O transporte aéreo também pode ser mais rápido e suave do<br />

que o transporte terrestre em algumas circunstâncias. Conforme<br />

mencionado neste capítulo, se o transporte aéreo disponível na<br />

comunidade for adequado à situação específica, quanto antes,<br />

no processo de avaliação, for tomada a decisão de solicitação<br />

de transporte aéreo, maior será a probabilidade de beneficiar o<br />

doente.<br />

Monitoramento e<br />

Reavaliação (Avaliação<br />

Continuada)<br />

Depois de terminar a avaliação primária e o atendimento inicial,<br />

é necessário continuar a monitorar o doente, reavaliar os sinais<br />

vitais e repetir a avaliação primária, várias vezes no caminho<br />

para o hospital, ou no local do trauma se o transporte demo¬<br />

rar a ser realizado. A reavaliação contínua dos componentes da |<br />

avaliação primária ajuda a assegurar que problemas que ainda<br />

não foram reconhecidos comprometam as funções vitais sem|<br />

uma identificação. Deve-se prestar atenção particular a qual¬<br />

quer mudança significativa na condição do doente e reavaliar j<br />

o atendimento se as condições dele mudarem. Além disso, o


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 127<br />

Medir sinais vitais e nível de consciência<br />

Etapa 1<br />

Escala de Coma de Glasgow<br />

Pressão arterial sistólica<br />

Frequência ventilatória<br />


128 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

moniloramenlo continuado do doente ajuda a revelar condições<br />

ou problemas que podem não ter sido percebidos ou não estão<br />

aparentes durante a avaliação primária. Em geral, a situação do<br />

doente não é óbvia, e muitas informações são obtidas olhando-o<br />

e ouvindo-o atentamente. O modo como as informações são<br />

coleladas não é tão importante quanto ter certeza de que todas<br />

as informações foram reunidas. A reavaliação deve ser condu¬<br />

zida o mais rápido possível e de maneira completa. O moniloramento<br />

durante uma situação de transporte prolongado será<br />

descrito posteriormente.<br />

Comunicação<br />

A comunicação com o controle médico e com o serviço de emer¬<br />

gência deve começar tão logo quanto possível. As informações<br />

transmitidas acerca da condição do doente, do tratamento e do<br />

tempo estimado de chegada da ambulância dão tempo ao hospi¬<br />

tal que o recebe para se preparar. A transmissão de informações<br />

acerca do mecanismo de trauma, das características do local do<br />

incidente, do número de doentes e outros latos pertinentes per¬<br />

mite à equipe hospitalar coordenar melhor seus recursos para<br />

atender à necessidade de cada doente.<br />

Igualmente importante é o Relatório de Atendimento Pré-<br />

Hospilalar (RAPH) por escrito. Um bom RAPH é valioso por<br />

duas razões:<br />

1. Fornece à equipe do hospital um entendimento global<br />

dos eventos que ocorreram e as condições do doente, se<br />

surgir alguma pergunta depois que os socorristas deixam o<br />

hospital.<br />

2. Ajuda a assegurar o controle de qualidade de todo o<br />

sistema pré-hospitalar, fazendo com que seja possível fazer<br />

revisão de caso.<br />

Por essas razões, o RAPH deve ser preenchido de maneira<br />

acurada e completa e fornecido ao hospital que cuidará do<br />

doente. O relatório deve ficar junto ao doente: não é tão útil se o<br />

relatório for entregue horas ou dias após a chegada do doente.<br />

O RAPH frequentemente torna-se parle do registro médico<br />

do doente. É um registro legal sobre o que foi encontrado e o que<br />

foi leito, e pode ser usado como parle de uma ação judicial. O<br />

relatório é considerado um registro completo das lesões encon¬<br />

tradas e da ação tomada pelos socorristas. "Se não estiver no<br />

relatório, não foi feito" é um bom ditado para se lembrar. Tudo o<br />

que o socorrista sabe, viu e fez para o doente deve ser registrado<br />

no relatório. Outra razão importante para deixar uma cópia do<br />

RAPH no hospital é que muitos serviços mantêm um "registro<br />

de trauma", o banco de dados de todos os doentes admitidos. A<br />

informação pré-hospitalar é um aspecto importante desse banco<br />

de dados e pode contribuir em pesquisas valiosas.<br />

O socorrista deve também transferir verbalmente a responsa¬<br />

bilidade pelo doente ("assinar", "relatar" ou "transferir") para o<br />

médico ou enfermeiro que assumirá o seu cuidado no serviço de<br />

emergência do hospital. Esse relatório verbal é mais detalhado<br />

do que o reJatório por rádio e menos detalhado que o registro<br />

escrito, mas fornece uma visão geral do histórico importante<br />

do incidente, da ação tomada pelos socorristas e da resposta do<br />

doente a essa ação. O relatório deve ressaltar quaisquer mudan¬<br />

ças significativas na condição do doente que podem ler aconte¬<br />

cido desde a transmissão do relatório por rádio. A transferência<br />

de informação pré-hospitalar importante enfatiza ainda mais o<br />

conceito de equipe no atendimento do doente.<br />

Considerações Especiais<br />

Parada Cardiorrespiratória Traumática<br />

A parada cardiorrespiratória decorrente de trauma difere da<br />

causada por problemas clínicos em três pontos significativos,<br />

quais sejam:<br />

1. A maioria das paradas cardíacas resulta de um problema<br />

respiratório como, por exemplo, uma obstrução da via<br />

aérea por corpo estranho ou uma arritmia cardíaca que<br />

os socorristas podem tratar definitivamente no local. A<br />

parada cardíaca em doentes traumatizados frequentemente<br />

é causada por exsanguinação ou, com menor frequência,<br />

uma condição incompatível com a vida, como uma lesão<br />

cerebral ou medular grave, e o doente não pode ser reani¬<br />

mado adequadamente no local.<br />

2. As tentativas de estabilização de vítimas de paradas cardía¬<br />

cas por problemas clínicos que não trauma têm melhores<br />

resultados quando feitas na cena (p. ex., remoção do corpo<br />

estranho da via aérea, desfibrilação).J'or outro lado, no<br />

caso de uma parada cardiopulmonar traumática, o melhora<br />

fazer é transportar imediatamente o doente para um hospital<br />

que ofereça cirurgia de emergência o sangue.<br />

3. Por causa das diferenças em lermos de etiologia e con¬<br />

duta, os doentes com parada cardiopulmonar traumática<br />

no ambiente pré-hospitalar têm uma probabilidade de<br />

sobrevida extremamente baixa. Menos de 4% dos doentes<br />

traumatizados que precisam de RCP no ambiente préhospitalar<br />

sobrevivem até receberem alta do hospital, com<br />

grande parle dos estudos relatando que as vítimas de trauma<br />

penetrante têm uma chance de sobrevida ligeiramente maior<br />

em relação aos de trauma conluso. Da pequena percentagem<br />

de doentes que recebem alta do hospital com vida, muitos<br />

apresentam déficit neurológico grave.<br />

Além da laxa de sobrevida extremamente baixa, as tentati¬<br />

vas de reanimação cm doentes com probabilidade de sobrevida<br />

extremamente baixa expõem os socorristas ao sangue, aos tini¬<br />

dos corporais e às lesões que podem ocorrer em colisões automo¬<br />

bilísticas durante o transporte. Essas tentativas de reanimação<br />

malsucedidas podem desviar recursos de doentes ainda viá¬<br />

veis e com maior probabilidade de sobrevida. Por essas razões,<br />

deve-se avaliai' criteriosamente a decisão de iniciar tentativas de<br />

reanimação para vítimas de parada cardiopulmonar traumática.


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 129<br />

A Associação Nacional de Médicos de SME dos Estados<br />

Unidos colaborou com o Comité de Trauma da ACS no desen¬<br />

volvimento de diretrizes para suspender ou terminar a RCP<br />

no ambiente pré-hospitalar. As vítimas de afogamento, raios<br />

ou hipotermia e doentes nos quais o mecanismo de lesão não<br />

tem correlação com a situação clínica (o que sugere uma causa<br />

não traumática) merecem uma consideração especial antes de<br />

ser tomada a decisão sobre suspender ou terminar a reani¬<br />

mação. Um doente encontrado em parada cardiopulmonar na<br />

cena de um evento traumático pode ter sofrido ã parada em<br />

função de um problema clínico (p. ex., infarto do miocárdio),<br />

especialmente se for idoso e as evidências de trauma forem<br />

mínimas.<br />

Suspensão da Reanimação Cardiopulmonar<br />

Se, durante a avaliação primária, os doentes preencherem os<br />

critérios seguintes, a RCP pode ser suspensa, e o doente, decla¬<br />

rado morto:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Para vítimas de trauma conluso, os esforços de reanima¬<br />

ção devem ser suspensos caso o doente não tenha pidso e<br />

esteja apneico na chegada dos socorristas.<br />

Para vítimas de trauma penetrante, os esforços de reanimação<br />

podem ser suspensos caso não existam sinais de vida (sem<br />

rellexos pupilares, sem movimentos espontâneos, nenhum<br />

ritmo cardíaco organizado no ECG > 40 batidas/min).<br />

Os esforços de reanimação não são indicados quando o<br />

doente apresenta uma lesão obviamente fatal (p. ex., deca¬<br />

pitação) ou quando há evidências de lividez, rigor mortis e<br />

decomposição.12<br />

Suporte Básico à Vida<br />

As diretrizes para a conduta diante de uma parada cardiopul¬<br />

monar foram recentemente revisadas e publicadas pela Ame¬<br />

rican Heart Association.1"1 Após liberar a via aérea com tração<br />

da mandíbula, o esforço ventilalório é avaliado. Caso o doente<br />

esteja apneico, o socorrista aplica duas ventilações de emergên¬<br />

cia. Essas ventilações são feitas lentamente para evitar insufla¬<br />

ção gástrica. Toda hemorragia grave óbvia deve ser controlada. O<br />

pulso carotídeo é, então, avaliado por até 10 segundos. Caso não<br />

haja pulso, iniciam-se as compressões do tórax. São aplicados<br />

ciclos de compressões e ventilações, com uma breve pausa nas<br />

compressões para aplicar as duas ventilações. Quando o doente<br />

já estiver inlubaclo, as compressões são aplicadas a uma taxa de<br />

100por minuto, sem pausas para ventilações; as ventilações são<br />

administradas em uma frequência de 8 a 10 por minuto. A pes¬<br />

soa que aplica as compressões torácicas é trocada a cada dois<br />

minutos para evitara fadiga. Caso haja um desfibrilador externo<br />

automático (DEA), o ritmo cardíaco do doente é avaliado e a<br />

desfibrilação é efetuada caso exista librilação ventricular.<br />

Suporte Avançado de Vida<br />

Avia aérea é mantida permeável enquanto, ao mesmo tempo,<br />

ó feita a estabilização alinhada da coluna cervical. O murmúrio<br />

vesicular deve.ser auscultado e deve-se excluir a possibilidade<br />

de haver um pneumotórax hipertensivo. Pode haver pneumo¬<br />

tórax hipertensivo quando se observa uma diminuição clo mur¬<br />

múrio vesicular, com excursão inadequada do tórax durante a<br />

ventilação. Caso haja dúvidas sobre a presença de um pneumo¬<br />

tórax hipertensivo, é feita a descompressão do tórax. Só devem<br />

ser realizadas descompressões bilaterais do tórax se o doente<br />

estiver recebendo ventilação com pressão positiva.<br />

E obtido um acesso venoso de grande calibre, e se adminis¬<br />

tra uma solução de cristalóide isotônico através de uma infusão<br />

aberta caso o choque hipovolêmico seja uma causa possível da<br />

parada cardíaca. É estabelecido o monitoramento eletrocardiográlico<br />

(ECG) e o ritmo cardíaco é avaliado. As seguintes arrit¬<br />

mias podem ser observadas:<br />

h<br />

e<br />

s<br />

Alividacie olétrica sem pulso (AESP). Um doente encon¬<br />

trado em AESP deve ser avaliado quanto à presença de<br />

hipovolemia, hipotermia, pneumotórax hipertensivo e tamponamenlo<br />

cardíaco. Fluidos, aquecimento e descompres¬<br />

são torácica devem ser realizados, se indicados. Epinefrina<br />

e atropina podem ser administradas.<br />

Bradissistolici. Um doente coin esse ritmo deve ser ava¬<br />

liado quanto â presença de hipoxia e hipovolemia graves.<br />

A intubação adequada do doente deve ser confirmada,<br />

e a reanimação volêmica iniciada. Epinefrina e atropina<br />

podem ser administradas.<br />

Fibrilação ventricular/taquicardia ventricular sem pulso. O<br />

tratamento primário para essas arritmias é a desfibrilação.<br />

Se o desfibrilador disponível for bifásico, é aplicado um<br />

choque de 120 a 200 joules. Se monofásico, é usado um<br />

choque de 360 joules. Epinefrina, antiarrítmicos (amiodarona<br />

ou lidocaína) e magnésio podem sei5 utilizados no<br />

tratamento desse ritmo.<br />

Término da Reanimação Cardiopulmonar<br />

O término das medidas de RCP e de suporte avançado de vida<br />

deve ser avaliado no ambiente pré-hospitalar nas seguintes cir¬<br />

cunstâncias: 1) doentes traumatizados com uma parada cardio¬<br />

pulmonar testemunhada por SME e 15 minutos de reanimação<br />

e RCP malsucedidas; e 2) doentes com parada cardiopulmonar<br />

traumática que necessitam de mais de 15 minutos de transporte<br />

até chegar a uma sala de emergência ou a um centro de trauma.<br />

Analgesia<br />

A analgesia é usada frequentemente no ambiente pré-hospitalar<br />

para a dor da angina ou do infarto do miocárdio. Tradicional¬<br />

mente, a analgesia tem papel limitado no tratamento de doen¬<br />

tes traumatizados, sobretudo pela preocupação de que efeitos<br />

colaterais (diminuição do esforço respiratório e vasodilatação)<br />

de narcóticos possam agravar a hipoxia e a hipotensão pree¬<br />

xistentes. Essa preocupação tem feito com que alguns doentes<br />

com indicação apropriada, como lesões isoladas de membros ou<br />

lesões de medula, não recebam a analgesia. O socorrista deve<br />

considerar a analgesia nessas situações, particularmente em


I<br />

130 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

tempo de transporte prolongado, uma vez que não haja sinais<br />

de comprometimento ventilatório ou choque.<br />

O Capítulo "13 dedica uma seção à analgesia relativa a<br />

lesões isoladas de membros ou fraturas. O sulfato de morfina<br />

é o agente de escolha típico e deve ser administrado via intra¬<br />

venosa em doses sucessivas de 1 a 2 mg até que seja obtida<br />

alguma resposta analgésica ou ocorra alguma modificação nos<br />

sinais vitais do doente. A oxiinelria de pulso e os sinais vitais<br />

devem ser monitorados se qualquer narcótico for administrado<br />

ao doente traumatizado. A sedação com agentes como benzodiazepínicos<br />

deve ser reservada para situações excepcionais,<br />

como um doente intubado e combativo, porque a combinação<br />

de narcóticos e benzodiazepines pode resultar em parada res¬<br />

piratória. O pessoal pré-hospitalar deve interagir com seu con¬<br />

trole médico a fim de estabelecer protocolos apropriados.<br />

Abuso<br />

O socorrista é quase sempre a primeira pessoa na cena, o que<br />

permite a ele observar uma situação potencial de abuso. Uma<br />

vez dentro da casa, toda a cena pode ser observada e relatada ao<br />

hospital a fim de que as autoridades possam ser notificadas. O<br />

socorrista é, geralmente, a primeira e, às vezes, a única pessoa<br />

treinada clinicamente de estar em uma posição para observar,<br />

suspeitar e relatar a situação sobre esse perigo silencioso.<br />

Qualquer um em qualquer idade pode ser a vítima ou o<br />

agressor. Mulheres grávidas, bebés, crianças, adolescentes,<br />

adultos jovens, de meia-idade ou idosos, lodos estão sob risco<br />

de abuso. Existem diversos tipos de abuso, incluindo físico,<br />

psicológico (emocional) e financeiro. O abuso pode ser doloso,<br />

em que um ato propositado resulta em lesão (agressão física ou<br />

sexual), ou por omissão (abandono de um dependente). Esta<br />

seção não discutirá os tipos de abuso; seu propósito é intro¬<br />

duzir as características gerais e alertar o socorrista sobre a sus¬<br />

peita de abuso.<br />

As características principais do agressor potencial incluem<br />

a desonestidade, a "história" não correspondente às lesões,<br />

uma atitude negativa e rispidez com o pessoal pré-hospitalar.<br />

Características gerais do doente vítima de abuso incluem silên¬<br />

cio, negativa em descrever detalhes do ocorrido, olhar constan¬<br />

temente fixo ou fuga do olhar de qualquer um da cena e mini¬<br />

mização de suas lesões. O abuso, o agressor e a vítima podem<br />

apresentar-se de diferentes maneiras, e deve-se manter alta sus¬<br />

peição se a cena e a história não tiverem correlação. Deve ser<br />

comunicada toda suspeita de abuso às autoridades.<br />

Transporte Demorado<br />

Embora a maior parle dos transportes de emergência urbanos<br />

ou suburbanos dure 30 minutos ou menos, muitos socorristas<br />

em áreas rurais e de fronteira frequentemente cuidam de doen¬<br />

tes por períodos bem mais longos durante o transporte. Além<br />

disso, os socorristas são chamados para cuidar de doentes<br />

durante transferência de um hospital para outro, por via terres¬<br />

tre ou aérea. Essas transferências podem levar até várias horas.<br />

São necessários preparativos especiais quando os socor¬<br />

ristas se envolvem no transporte prolongado de um doente<br />

traumatizado. As questões a serem levadas em conla antes de<br />

realizar um transporte com essas características podem ser divi¬<br />

didas entre aquelas relacionadas com o doente, com a equipe<br />

pré-hospitalar e com o equipamento.<br />

Questões Relacionadas com o Doente<br />

É essencial que o ambiente de transporte do doente seja aque¬<br />

cido, seguro e protegido. A maca deve ser fixada adequada¬<br />

mente à ambulância, e o doente fixado à maca. Como foi enfa¬<br />

tizado ao longo deste texto, a hipotermia é uma complicação!<br />

potencialmente mortal em um doente traumatizado, e o com¬<br />

partimento do doente deve estar suficientemente aquecido. 0|<br />

doente deve ser fixado em uma posição que permita o livre<br />

acesso a ele, especialmente às áreas feridas. Antes do trans¬<br />

porte, a segurança de quaisquer dispositivos colocados na|<br />

via aérea deve ser garantida, e os materiais auxiliares (p. ex.,<br />

monitores, cilindros de oxigénio) devem ser fixados, a fim dei<br />

que não se transformem em projéleis no caso de a ambulância<br />

fazer uma manobra brusca ou se envolver em um acidente auto¬<br />

mobilístico. Os materiais auxiliares não devem ficai- sobre o<br />

doente, pois podem ser criadas úlceras de pressão durante ura<br />

transporte demorado. Durante o transporte, todos os acessos<br />

endovenosos e cateteres devem ser seletivamente fechados,<br />

prevenindo a perda do acesso.<br />

O doente deve receber avaliações seriadas da avaliação priÿ<br />

ÿ<br />

mária e dos sinais vitais em intervalos regulares. A oximetriõl<br />

de pulso e o ECG são monitorados continuamente em prati¬<br />

camente todos os doentes, além do C02 expirado, se disponí l<br />

vel, em um doente intubado. Os socorristas que acompanham!<br />

o doente devem ter um nível de treinamento adequado parai<br />

as necessidades previstas do doente. Doentes gravemente feri¬<br />

dos geralmente devem ser acompanhados por socorristas com<br />

treinamento avançado. Caso haja a previsão de que o doente<br />

possa precisar de transfusão sanguínea durante o transportei<br />

deve estar presente um profissional habilitado a realizar esseI<br />

procedimento; nos Estados Unidos, geralmente isso exige um|<br />

enfermeiro formado.<br />

Devem ser feitos dois planejamentos. O primeiro, um|<br />

.planejamento médico, é desenvolvido para tratar de proble¬<br />

mas esperados ou inesperados com o doente durante o trans¬<br />

porte. Equipamentos, medicamentos e suprimentos necessáriodevem<br />

estar disponíveis. O segundo planejamento envolve a|<br />

identificação do Irajeto mais rápido até o hospital de destina<br />

Condições climáticas, condições das estradas (p. ex., obras) e|<br />

preocupações com o tráfego devem ser identificadas e prevê®<br />

nidas. Além disso, os socorristas devem saber a localização d-<br />

unidades hospitalares ao longo do trajeto, caso surja um pro¬<br />

blema que não possa ser administrado no transporte para o des-|<br />

tino principal.


CAPÍTULO 6 Avaliação e Atendimento do Doente 131<br />

Equipe<br />

A segurança da equipe do SME é Ião importante quanto a do<br />

doente. A equipe pré-hospitalar deve ter os dispositivos de segu¬<br />

rança adequados, como cintos de segurança, e deve permanecer<br />

contida na ambulância durante o transporte, a menos que um<br />

problema relacionado com o doente impeça isso. Os membros<br />

da equipe devem utilizar precauções universais e se certificar<br />

deque haja quantidade suficiente de luvas e de outros equipa¬<br />

mentos de proteção individual (EPI) para todo o percurso.<br />

Equipamentos<br />

As questões relacionadas com os equipamentos durante o trans¬<br />

porte prolongado envolvem ambulância, suprimentos e medi¬<br />

camentos, monitores e comunicações. A ambulância deve estal¬<br />

em bom estado de funcionamento e ler uma quantidade ade¬<br />

quada de combustível e um pneu reserva. A equipe deve asse¬<br />

gurar que exista uma quantidade suficiente de suprimentos e<br />

medicamentos para o transporte, incluindo gaze e compressas<br />

para curativos de reforço, fluidos endovenosos, oxigénio e anal¬<br />

gésicos. O suprimento de fármacos baseia-se nas necessidades<br />

previstas e incluem sedativos, agentes paralisanles, analgésicos<br />

e antibióticos. Um princípio básico é abastecer a ambulância<br />

com aproximadamente 50% a mais de suprimentos e medica¬<br />

mentos do que a necessidade prevista, caso haja um atraso sig¬<br />

nificativo. O equipamento de atendimento ao doente deve estar<br />

em bom estado de funcionamento, incluindo monitores (com os<br />

alarmes funcionando), reguladores de oxigénio e aparelhos de<br />

aspiração. Além disso, o sucesso de um transporte demorado<br />

pode depender de um bom sistema de comunicações, como a<br />

capacidade de se comunicar com outros membros da equipe,<br />

com uma central médica e com o hospital de destino.<br />

O atendimento a lesões específicas durante o transporte pro¬<br />

longado será discutido nos capítulos seguintes.<br />

RESUMO<br />

As chances de sobrevida para um doente com lesões<br />

traumáticas dependem da identificação e do alívio, imedia¬<br />

tos, das condições que interferem com a perfusão tecidual.<br />

A identificação dessas condições requer um processo<br />

sistemático, prioritário e lógico de coleta de informações e<br />

ações. Este processo é denominado avaliação do doente.<br />

A avaliação do doente é iniciada pela avaliação da cena e<br />

inclui a formação de uma impressão geral do doente, ava¬<br />

liação primária e, quando permitido pelo estado geral do<br />

doente e pela disponibilidade de socorristas, uma avaliação<br />

secundária.<br />

A informação obtida neste processo é analisada e usada<br />

como base para o tratamento do doente e decisões acerca de<br />

seu transporte.<br />

Durante o tratamento do doente vítima de trauma, um pro¬<br />

blema não observado é uma oportunidade perdida de pos¬<br />

sivelmente auxiliar a sobrevida de um indivíduo.<br />

Após a determinação simultânea da segurança da cena e<br />

da impressão geral sobre a situação, o foco está nas priori¬<br />

dades da avaliação do doente-a desobstrução da via aérea,<br />

o estado ventilatório e o estado circulatório. Esta avalia¬<br />

ção primária segue o formato ABCDE para avaliação da<br />

via aérea, ventilação e circulação do doente, além de veri¬<br />

ficar- a existência de deficiências (exame neurológico ini¬<br />

cial) e a exposição do indivíduo (remoção de suas roupas<br />

para descoberta de outras lesões significativas). Embora<br />

a sequência natural da linguagem limito? a capacidade de<br />

descrição simultânea destas ações, a avaliação primária<br />

do doente é um processo de ações que ocorrem, essencial¬<br />

mente, ao mesmo tempo.<br />

Riscos imediatos à vida do doente são rapidamente corrigi¬<br />

dos segundo o modo "encontre e conserte". Após o socorrista<br />

ter realizado o controle da via aérea e da ventilação e contro¬<br />

lado a hemorragia com exsanguinação, acondicina-o e inicia<br />

o transporte, sem instituição de outras medidas terapêuticas<br />

no local. As limitações do tratamento de traumas na cena<br />

requerem o encaminhamento rápido e seguro do doente à<br />

instituição responsável pelo tratamento definitivo.


132 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

BBfiiT<br />

Você esteve na cena por um minuto e ainda assim obteve uma<br />

boa quantidade de informações para conduzir a continuidade<br />

da avaliação e do tratamento da doente. Nos primeiros 15<br />

segundos de contato, desenvolveu uma impressão geral da<br />

doente, determinando não ser necessária a reanimação. Com<br />

poucas e simples ações, você avaliou o A, B, C e D da avaliação<br />

inicial. O doente falou com você sem dificuldade, indicando<br />

que sua via aérea está aberta e a ventilação não apresenta<br />

sinais de dificuldade. Ao mesmo tempo, com uma apreciação<br />

do mecanismo de trauma, você estabilizou a coluna cervical.<br />

Não observou hemorragia óbvia, seu parceiro avaliou o pulso<br />

radial, e você observou cor, temperatura e umidade da pele.<br />

Esses achados indicam que não há ameaças imediatas ao seu<br />

estado circulatório. Não encontrou também evidências iniciais<br />

de disfunção neurológica, porque o doente está consciente,<br />

alerta e responde corretamente às perguntas. Esses dados,<br />

juntamente com as informações sobre a queda, ajudarão na<br />

determinação da necessidade de recursos adicionais, do tipo<br />

de transporte indicado e para qual tipo de hospital deverá ser<br />

levado o doente.<br />

Agora que você completou essas etapas, e nenhuma<br />

intervenção salvadora de vida é necessária, continuará com<br />

a etapa E da avaliação primária no processo de avaliação e<br />

então obterá os sinais vitais. Exporá o doente na busca de<br />

lesões adicionais e hemorragia que possa ter sido ocultada<br />

pelas roupas, e, então, cobrirá o doente para protegê-lo<br />

do ambiente. Durante esse processo, fará um exame mais<br />

detalhado, observando lesões menos graves. As próximas<br />

etapas serão acondicionar o doente, incluindo imobilização de<br />

lesões de extremidades e da coluna e curativos em ferimentos<br />

se o tempo permitir; iniciar o transporte e comunicar-se com<br />

a central de operações e com o hospital de destino. Durante<br />

o trajeto ao hospital, continuará a reavaliar e a monitorar<br />

o doente. Seu conhecimento de biomecânica e a perda de<br />

consciência testemunhada do doente conduzirão a um alto<br />

índice de suspeita de lesão cerebral traumática, lesões de<br />

extremidades inferiores e lesões da coluna. Em um sistema<br />

de suporte avançado de vida, seria realizado acesso venoso<br />

a caminho do hospital.<br />

Referências<br />

1. Advanced Trauma LifeSupport (ATLS) Subcommittee,Commiltce<br />

ou Trauma: Initial assessment and management. In Advanced<br />

Trauma Life Support Coursefor Doctors, Student CourseManual,<br />

ed 7, Chicago. 2004, ACS.<br />

2. Kragh JF, Littrel ML, Jones JA, et al: Battle casualty survival with<br />

emergency tourniquet use to stop limb bleeding. / Emerg Med<br />

2009, epub (in press).<br />

3. Beekley AC, Sebesta JA, Blackbourne LH, el al: Prehospital<br />

tourniquet use in Operation Iraqi Freedom: Effect on hemorrhage<br />

control and outcomes. / Trauma 64:S28-S37, 2008.<br />

4. Doyle GS, Taillac PP: Tourniquets: A review of current use with<br />

proposals for expanded prehospital use. Prehosp Emerg Care<br />

12:241-256, 2008.<br />

5. First Aid Science Advisory Board: First aid. Circulation<br />

112(111):115, 2005.<br />

6. Swan KG Jr, Wright DS, Barbagiovanni SS, el al: Tourniquets<br />

revisited. / Trauma 66:672-675, 2009.<br />

7. Teasdale G, Jennett B: Assessment of coma and impaired<br />

consciousness: A practical scale. LanceL 2:81, 1974.<br />

8. Healey C, Osier TM, Rogers FB, el al: Improving the Glasgow<br />

Coma Scale score: Motor score alone is a belter predictor. /<br />

Trauma 54:671, 2003.<br />

9. Champion HR, Sacco WJ, Copes WS, et al: A revision of the<br />

Trauma Score. / Trauma 29(5):623, 1989.<br />

10. Committee on Trauma: Resources for optimal care of the injured<br />

patient: 1999, Chicago, 1998, Americafi College of Surgeons.<br />

11. Centers for Disease Control and Prevention: Guidelines for field<br />

triage of injured patients: Recommendations of the national<br />

expert panel on field triage. MMWR 58: 1-35, 2009.<br />

12. Hopson LR, I-lirsh E, Delgado J, el al: Guidelines for withholding<br />

or termination of resuscitation in prehospital traumatic cardio¬<br />

pulmonary arrest. Prehosp Emerg Care 7:141, 2003.<br />

13. American Heart Association: 2005 guidelines for cardio-pulmonary<br />

resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation<br />

112(IV):1, 2005.<br />

Leitura Sugerida<br />

American Heart Association: Cardiac arrest associated with trauma.<br />

Circulation 112(IV):146, 2005.


CAPÍTULO 7<br />

Controle da Via Aérea<br />

e Ventilação<br />

OBJETIVOS DO CAPÍTULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Relacionar os princípios da ventilação e da troca de gases com a fisiopatologia do<br />

trauma, a fim de identificar os doentes com perfusão inadequada.<br />

Relacionar os conceitos de volume minuto e oxigenação com a fisiopatologia do<br />

trauma.<br />

Explicar os mecanismos pelos quais a suplementação de oxigénio e o suporte<br />

ventilatório são benéficos para o doente traumatizado.<br />

Em um cenário que envolva um doente traumatizado, selecionar os meios mais *<br />

efetivos de assegurar a permeabilidade da via aérea de acordo com a necessidade<br />

do doente.<br />

Em um cenário com um doente traumatizado que necessite de suporte<br />

ventilatório, selecionar os meios mais efetivos disponíveis para tratar o problema<br />

do doente.<br />

Dadas situações com diferentes doentes traumatizados, formular uma estratégia<br />

para controle da via aérea e da ventilação.<br />

Considerando a pesquisa atual, compreender a relação custo/benefício quando se<br />

discutem novos procedimentos invasivos.<br />

1 Wm<br />

'ÿ í -


134 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

wm-wniini<br />

CENÁRIO<br />

Você e seu parceiro são enviados para atender um pedestre que foi atropelado por um veículo. Você descobre que o doente<br />

foi jogado 10 metros à frente do ponto de impacto. O carro apresenta danos na grade dianteira e uma marca em teia de<br />

aranha no para-brisa. O motorista do carro está fora do veículo, parado a seu lado. O pedestre está sendo atendido por um<br />

policial, que está mantendo aberta a sua via aérea. O doente parece ter cerca de 30 anos e pesa aproximadamente 125 kg.<br />

O policial inseriu uma cânula orofaríngea (COF) e está administrando oxigénio por meio de uma máscara facial. Ele relata que,<br />

desde sua chegada, o doente está inconsciente. Você percebe que há hemorragia do couro cabeludo e angulação do fémur<br />

direito. Vocês estão a oito minutos, de ambulância, do centro de trauma.<br />

O que indica, neste doente, que a via aérea está comprometida? Que outras informações procuraria obter, se possível,<br />

com testemunhas ou com o policial? Descreva a sequência de procedimentos que faria para tratar desse doente antes e<br />

durante o transporte. -<br />

0controle da via aérea ocupa necessariamente-um lugar de<br />

destaque no atendimento do doente traumatizado. A sua<br />

importância é muito mais reconhecida atualmente do que<br />

no passado. Quando não se mantém a oxigenação e a ventila¬<br />

ção, ocorre uma lesão cerebral secundária, o que agrava a lesão<br />

cerebral primária causada pelo trauma inicial. Assegurar a per¬<br />

meabilidade da via aérea e manter a oxigenação e a ventilação<br />

de suporte do doente, quando necessário, são etapas cruciais na<br />

redução da lesão cerebral global e no aumento da probabilidade<br />

de um bom prognóstico.<br />

A oxigenação cerebral e a oferta de oxigénio para os demais<br />

órgãos, proporcionada pelo controle adequado da via aérea e da<br />

ventilação, continuam a ser um dos aspectos mais importantes<br />

do atendimento pré-hospitalar. Em virtude do surgimento de<br />

novas técnicas e equipamentos e da sua contínua evolução, é<br />

importante manter-se constantemente a par dessas mudanças.<br />

O sistema respiratório desempenha duas funções primárias:<br />

1. Fornece oxigénio às hemácias, que o carregam para todas<br />

as células do organismo.<br />

2. Remove o dióxido de carbono (C02) do organismo.<br />

A incapacidade de o sistema respiratório fornecer oxigénio<br />

às células ou de as células usarem o oxigénio fornecido resulta<br />

no metabolismo anaeróbio e pode levar rapidamente à morte.<br />

A falha em eliminar o dióxido de carbono pode levar ao coma<br />

e à acidose.<br />

sas- processo pelo qual o oxigénio entra na corrente sanguínea<br />

e o dióxido de carbono é removido.<br />

Via Aérea Superior<br />

A via aérea superior compreendem as cavidades nasal e oral<br />

(Fig. 7-2). O ar que enLra na cavidade nasal é aquecido, umidificado<br />

e filtrado para remoção das impurezas. Em continuidades<br />

a essas cavidades, fica uma área conhecida como faringe, que<br />

se estende da parte posterior do palatoÿnole até a porção supe¬<br />

rior do esôfago. A faringe é composta por músculos revestidos<br />

internamente por membrana mucosa. Divide-se em três porções<br />

distintas conhecidas como: nasofaringe (porção superior), orofaringe<br />

(porção intermediária) e hipofaringe (porção distai ou<br />

inferior).<br />

Abaixo da faringe fica o esôfago, que vai até o estômago, e<br />

a traqueia, na qual se inicia a via aérea inferior. Acima da tra¬<br />

queia está a laringe (Fig. 7-3), que contém as cordas vocais e os<br />

músculos que as fazem funcionar, abrigados em uma resistente<br />

caixa cartilaginosa. As cordas vocais são pregas de tecido que<br />

se juntam na linha média. As falsas cordas vocais, ou pregas<br />

vestibulares, impedem a livre passagem do ar, obrigando-o a<br />

passar através das cordas vocais. As cordas vocais verdadei¬<br />

ras são sustentadas posteriormente pela cartilagem aritenoide.<br />

Logo acima da laringe, há uma estrutura em forma de folha<br />

chamada epiglote. Funcionando como um portão, a epiglote<br />

direciona o ar para dentro da traqueia e os sólidos e líquidos<br />

para o esôfago.<br />

Anatomia<br />

O sistema respiratório compreende as vias aéreas superior e<br />

inferior, que inclui os pulmões (Fig. 7-1). Cada parte do sistema<br />

desempenha um papel importante para garantir as trocas gaso-<br />

Via Aérea Inferior<br />

A via aérea inferior compreendem a traqueia, os seus ramos e os<br />

pulmões. Na inspiração, o ar passa da via aérea superior para a<br />

inferior, antes de atingir os alvéolos, em que ocorrem as trocas<br />

gasosas. A traqueia bifurca-se em dois brônquios principais, o


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 135<br />

Cavidade nasal<br />

Faringe<br />

Laringe<br />

Trato respiratório superior<br />

Traqueia<br />

POTMB<br />

Brônquio<br />

principal<br />

Pulmão direito<br />

Pulmão esquerdo<br />

Trato respiratório<br />

inferior<br />

Diafragma<br />

Da artéria<br />

pulmonar<br />

Dueto alveolar<br />

alveolares<br />

terminais<br />

Para as veias<br />

. pulmonares<br />

Brônquio<br />

principal<br />

Brônquio<br />

secundário<br />

Brônquio<br />

terciário<br />

Lobo<br />

superior<br />

Capilares<br />

Alvéolos<br />

Lobo<br />

inferior<br />

FIGURA 7-1 Órgãos do sistema respiratório: trato respiratório superior e trato respiratório inferior.<br />

(Modificado de Herlihy B, Maebius WK: The Human Body in Health and Disease, Philadelphia, 2000, Saunders.)


136 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Cornetos<br />

Narina<br />

Palato duro<br />

Cavidade oral<br />

Língua<br />

Nasofaringe<br />

Palato mole<br />

Úvula<br />

Tonsila<br />

:oo0»<br />

Orofaringe<br />

Epiglote<br />

Hipofaringe<br />

Laringe —<br />

Corda<br />

Cartilagem tireóide<br />

cricoide<br />

Esôfago<br />

FIGURA 7-2<br />

Traqueia<br />

Corte sagital pela cavidade nasal e faringe, visto pelo lado medial.<br />

Epiglote<br />

Traqueia<br />

Base da língua<br />

Cordas vocais<br />

direito e o esquerdo. Cada brônquio principal subdivide-se em<br />

vários outros brônquios e, finalmente, em bronquíolos. Os bronquíolos<br />

(tubos brônquicos muito pequenos) terminam nos alvé¬<br />

olos, que são minúsculos sacos de ar circundados por capilares.<br />

E nos alvéolos que ocorrem as trocas gasosas e os sistemas, res¬<br />

piratório e circulatório, se encontram.<br />

Traqueia<br />

Cartilagem<br />

aritenoide<br />

Cordas vocais<br />

Cartilagem<br />

aritenoide<br />

FIGURA 7-3 Cordas vocais vistas de cima, mostrando sua<br />

relação ao par de cartilagens da laringe e da epiglote.<br />

(Cuslom Medicai Stock photo, modificado de Thibodeau GA: Structure andFunction, ed 9, St<br />

Louis, 1992, Mosby.)<br />

Fisiologia<br />

A via aérea forma o trajeto que leva ar atmosférico através do<br />

nariz, da boca, da faringe, da traqueia e dos brônquios até os<br />

alvéolos. A cada respiração, um adulto médio inspira cerca de<br />

500 ml de ar. O sistema da via aérea aprisiona até 150 ml de ar<br />

que nunca realmente chega aos alvéolos para participar do crí¬<br />

tico processo de troca gasosa. O espaço em que este ar é mantido<br />

é conhecido como espaço morto. O ar no interior deste espaço<br />

morto não é usado na oxigenação do corpo, por nunca atingir<br />

os alvéolos.<br />

A cada respiração, o ar entra nos pulmões. Quando o ar<br />

atmosférico chega aos alvéolos, o oxigénio passa dos alvéolos,<br />

através da membrana alveolocapilar, para as hemácias. O sis¬<br />

tema circulatório, então, leva as hemácias carregadas de oxigê-


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 137<br />

nio para as células tio organismo, nas quais o oxigénio é usado<br />

como combustível para o metabolismo.<br />

Enquanto o oxigénio é transferido dos alvéolos para as<br />

hemácias, o dióxido de carbono é trocado na direção oposta, do<br />

plasma para os alvéolos. O dióxido de carbono, transportado no<br />

plasma, não nas hemácias, passa da corrente sanguínea, através<br />

da membrana alveolocapilar, para os alvéolos, de onde pode ser<br />

eliminado na expiração (Fig. 7-4). Ao final dessa troca, as hemá¬<br />

cias ricas em oxigénio e o plasma com baixa quantidade de gás<br />

carbónico retornam para o lado esquerdo do coração de onde<br />

são bombeados para todas as células do organismo.<br />

Unia vez nas células, as hemácias liberam o oxigénio, que as<br />

células utilizam no metabolismo aeróbio. O dióxido de carbono,<br />

um subproduto do metabolismo aeróbio, é liberado no plasma.<br />

As hemácias pobres em oxigénio retornam para o lado direito<br />

do coração. O sangue é bombeado para os pulmões, onde é rea¬<br />

bastecido com oxigénio, e o dióxido de carbono é eliminado'<br />

por difusão.<br />

Os alvéolos devem ser constantemente reabastecidos com<br />

ar fresco, que contenha quantidade adequada de oxigénio. Essa<br />

renovação de ar, conhecida como ventilação, é essencial para<br />

a eliminação do dióxido de carbono. A ventilação é mensurá¬<br />

vel. O volume de cada ventilação, chamado de volume corrente,<br />

multiplicado pela frequência venlilatória por minuto é denomi¬<br />

nado volume minuto:<br />

Volume minuto = Volume corrente<br />

x Frequência ventilatória por minuto<br />

Durante a ventilação normal em repouso, chegam aos pul¬<br />

mões cerca de 500 ml de ar. Como mencionado anteriormente,<br />

parte desse volume, 150 ml, fica na via aérea como espaço morto<br />

e não participa da troca gasosa. Se o volume corrente de cada<br />

ventilação for 500 ml e a frequência ventilatória for 14 venti¬<br />

lações/minuto, então o volume minuto pode ser calculado da<br />

seguinte forma:<br />

Volume minuto = 500 ml x 14 ventilações/minuto<br />

Volume minuto = 7.000 ml/minuto, ou 7 litros/minuto<br />

Portanto,em repouso, cerca de 7 litros de ar precisam entrar<br />

esair dos pulmões a cada minuto para manter a eliminação de<br />

dióxido de carbono e a oxigenação adequadas. Se o volume<br />

minuto reduzir-se abaixo do normal, a ventilação do doente será<br />

inadequada, condição chamada de hipovenlilação. A hipoventilação<br />

leva ao acúmulo de dióxido de carbono no organismo.<br />

A hipoventilação é comum quando traumatismos cranianos ou<br />

torácicos provocam alterações no padrão respiratório ou inca¬<br />

pacidade de movimentar adequadamente a parede torácica.<br />

Por exemplo, um doente com fraturas de costelas que respira<br />

superficial e rapidamente por causa da dor em decorrência da<br />

lesão pode ler um volume corrente de 100 ml e uma frequência<br />

ventilatória de 40 ventilações/minuto. O volume minuto desse<br />

doente pode ser calculado assim:<br />

Volume minuto = 100 ml x 40 ventilações/minuto<br />

Volume minuto = 4.000 ml/minuto, ou 4 litros/minuto<br />

Células teciduais<br />

WH<br />

/ vW<br />

Alvéolos<br />

FIGURA 7-4 O oxigénio (02l move-se para as hemácias, vindo<br />

dos alvéolos. O 02 é transferido ao tecido celular pela molécula<br />

de hemoglobina. Após deixar a molécula de hemoglobina, o 02<br />

trafega pelo tecido celular. O dióxido de carbono (C02) segue na<br />

direção inversa, mas não na molécula de hemoglobina, e sim,<br />

no plasma.<br />

Visto que são necessários 7 litros/minuto para permitir<br />

uma troca gasosa adequada em uma pessoli não traumatizada,<br />

em repouso, então 4 litros/minuto está muito abaixo do que o<br />

organismo necessita para eliminar eficientemente o dióxido de<br />

carbono, o que indica hipoventilação. Além disso, são necessá¬<br />

rios 150 ml de ar para preencher o espaço morto. Se o volume<br />

corrente for 100 ml, o ar oxigenado nunca chegará aos alvéolos.<br />

Se não tratada, esta hipoventilação rapidamente levará à insufi¬<br />

ciência respiratória grave e, no final, à morte.<br />

No exemplo anterior, o doente está hipoventilando apesar<br />

de sua frequência ventilatória ser de 40 ventilações/minuto.<br />

Tanto a frequência como a profundidade da ventilação devem<br />

ser consideradas quando se avalia a capacidade de o doente rea¬<br />

lizar a troca gasosa. Um erro comum é admitir que qualquer<br />

doente com frequência ventilatória rápida esteja hiperventilando.<br />

Uma medida melhor do estado ventilatório é quantificar<br />

a eliminação de dióxido de carbono, o que pode ser feito com a<br />

utilização de monitores de C02. O efeito da eliminação do dió¬<br />

xido de carbono sobre o metabolismo é discutido juntamente<br />

com o princípio de Fick e o metabolismo aeróbio e anaeróbio,<br />

no Capítulo 8.<br />

A avaliação pré-hospitalar da função ventilatória sempre<br />

inclui uma avaliação da capacidade de o doente inalar, difun¬<br />

dir e liberar o oxigénio. Se não houver aporte e processamento<br />

adequados do oxigénio, ocorrerá metabolismo anaeróbio. Além<br />

disso, a ventilação deve ser eficiente. O doente pode ter venti¬<br />

lação adequada, hipoventilar ou nem ventilar. A avaliação e o


138 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

[<br />

tratamento agressivo dos problemas de oxigenação e ventilação<br />

são prioritários para se conseguir um resultado bem-sucedido.<br />

Oxigenação e Ventilação do Traumatizado<br />

O processo de oxigenação no organismo humano envolve três<br />

fases:<br />

1. Respiração externa é a transferência das moléculas de<br />

oxigénio da atmosfera para o sangue. Todo o oxigénio<br />

alveolar existe como gás livre; portanto, cada molécula<br />

de oxigénio exerce pressão. O aumento da percentagem de<br />

oxigénio no ar inspirado aumentará a tensão de oxigénio<br />

alveolar. O ar contém 21% de oxigénio; o restante é<br />

composto, principalmente, por nitrogénio. Durante a<br />

administração de oxigénio suplementar, a percentagem<br />

deste gás em cada inspiração aumenta, elevando sua<br />

quantidade em cada alvéolo.<br />

2. Distribuição do oxigénio é o resultado da transferência de<br />

oxigénio da atmosfera para as hemácias durante a venti¬<br />

lação e seu transporte por estas até os tecidos, pelo sistema<br />

cardiovascular. Este processo envolve primeiramente o<br />

débito cardíaco, a concentração de hemoglobina e a saturação<br />

de oxienroglobina. A quantidade do oxigénio consumido<br />

pelo corpo em um minuto é conhecida como consuino de<br />

oxigénio. De fato, podemos descrever as hemácias como os<br />

"caminhões-tanque de oxigénio" do organismo. Esses<br />

caminhões-tanque movem-se ao longo das "rodovias" do<br />

sistema vascular para "descarregar" o oxigénio nos diversos<br />

pontos de distribuição do organismo, os leitos capilares.<br />

3. Respiração interna (celular) é o movimento, ou difusão, do<br />

oxigénio das hemácias para as células teciduais.<br />

Normalmente, o metabolismo ocorre via glicólise e ciclo<br />

de Krebs para produzir energia. Visto que a verdadeira troca<br />

de oxigénio, entre as hemácias e os tecidos, ocorre através<br />

das finas paredes capilares, qualquer fator que<br />

interrompa o suprimento de oxigénio paralisa o ciclo.<br />

A administração de oxigénio suplementai- pode suplantar<br />

alguns destes fatores. Os tecidos não são capazes de<br />

consumir oxigénio de maneira adequada caso a<br />

concentração do gás seja insuficiente.<br />

A oxigenação adequada depende das três fases. Embora a<br />

capacidade de avaliar a oxigenação tecidual no atendimento<br />

pré-hospitalar esteja melhorando rapidamente, todo trauma¬<br />

tizado deve receber suporte ventilatório apropriado com oxi¬<br />

génio suplementar, para corrigir ou reverter completamente a<br />

hipoxia.<br />

Fisiopatologia<br />

O trauma pode comprometer a capacidade de o sistema respi¬<br />

ratório fornecer oxigénio adequadamente e eliminar dióxido de<br />

carbono das seguintes formas:<br />

1. A hipoventilação pode resultai- da falta de estímulo do cen¬<br />

tro respiratório, em geral por depressão neurológica, mais<br />

frequente após uma lesão cerebral traumática.<br />

2. A hipoventilação pode ser causada por obstrução da via<br />

aérea superior ou inferior.<br />

3. A hipoventilação pode ocorrer em virtude da diminuição<br />

da expansão pulmonar.<br />

4. A hipoxemia (diminuição do nível de oxigénio no sangue)<br />

pode ser decorrente da diminuição da difusão de oxigénio<br />

através da membrana alveolocapilar.<br />

5. A hipoxia (oxigenação deficiente dos tecidos) pode ocor¬<br />

rer por causa da diminuição do fluxo sanguíneo para os<br />

alvéolos.<br />

6. A hipoxia pode ocorrer por causa da incapacidade do ai¬<br />

de chegar aos capilares, geralmente porque os alvéolos estão<br />

repletos de líquido ou detritos.<br />

7. A hipoxia pode ocorrer em nível celular por hipofluxo san¬<br />

guíneo para os tecidos.<br />

As três primeiras formas envolvem hipoventilação decor¬<br />

rente da redução do volume minuto. Se não tratada, a hipoven¬<br />

tilação causa acúmulo de dióxido de carbono, acidose e, por<br />

fim, morte. O tratamento consiste no aumento da frequência<br />

e da profundidade da ventilação pela correção de quaisquer<br />

problemas de via aérea e de ventilação assistida conforme<br />

apropriado.<br />

As seções a seguir discutem as duas primeiras causas de<br />

ventilação inadequada: a depressão da função neurológica e<br />

a obstrução mecânica. A terceira causa, a redução do volume<br />

minuto decorrente da diminuição da expansão pulmonar, é dis¬<br />

cutida no Capítulo 10. As quatro últimas causas são discutidas<br />

no Capítulo 3.<br />

Depressão da Função Neurológica<br />

A redução do volume minuto pode ser consequência de duas<br />

condições clínicas relacionadas com o comprometimento da<br />

função neurológica — o relaxamento da língua e o rebaixamento<br />

do nível de consciência.<br />

O relaxamento da língua, associado ao rebaixamento do<br />

nível de consciência, permite que a língua caia conforme a<br />

gravidade (em direção à região mais inferior do corpo). Se o<br />

doente estiver em posição supina, a base da língua cai para trás<br />

e obstrui a hipofaringe (Fig. 7-5). Essa complicação frequen¬<br />

temente se apresenta como roncos durante a respiração. Para<br />

prevenir que a língua oclua a hipofaringe, o socorrista deve<br />

manter aberta a via aérea de todos os doentes com diminuição<br />

do nível de consciência que estiverem em posição supina, inde¬<br />

pendentemente da existência de qualquer sinal de dificuldade<br />

ventilatória. Tais doentes também podem precisar de aspiração<br />

periódica da via aérea, pois secreções, saliva, sangue ou vómito<br />

podem acumular-se na orofaringe. O rebaixamento do nível<br />

de consciência também compromete o estímulo ventilatório e<br />

reduz a frequência ventilatória, a profundidade da ventilação,<br />

ou ambos. Estaredução do volume minuto pode ser temporária<br />

ou permanente.<br />

Obstrução Mecânica<br />

Outra causa de redução do volume minuto é a obstrução mecâ¬<br />

nica da via aérea. A causa dessa obstrução pode ser influenciada<br />

por alteração neurológica ou ser de natureza puramente mecâ-


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 139<br />

modo meticuloso-, a via aérea antes das demais lesões. Durante<br />

o exame da via aérea, na avaliação primária, devem ser observa¬<br />

dos os fatores a seguir.<br />

FIGURA 7-5 Em um doente inconsciente, a língua perdeu<br />

seu tônus muscular e caiu na hipofaringe, ocluindo a via aérea<br />

e impedindo a passagem de oxigénio para a traqueia e os<br />

pulmões.<br />

nica. Agressões neurológicas que alterem o nível de consciência<br />

podem interromper os "controles" que normalmente mantêm a<br />

língua em posição anatomicamente neutra (não obstrutiva). Se<br />

esses "controles" forem comprometidos, a língua cai para trás e<br />

oclui a hipofaringe (Fig. 7-5).<br />

Corpos estranhos na via aérea podem ser objetos que esta¬<br />

vam na boca do doente no momento do trauma, como, por<br />

exemplo, próteses dentárias, goma de mascar, tabaco, dentes<br />

eosso. Materiais externos, como vidro do para-brisa quebrado<br />

ou qualquer objeto que esteja próximo à boca do doente no<br />

momento do trauma, podem pôr em risco a permeabilidade<br />

da via aérea. A obstrução das vias aéreas superior e inferior<br />

também pode ser causada por fralura óssea ou por colapso de<br />

cartilagem, resultante de fratura de laringe ou traqueia, pela<br />

avulsão da mucosa da língua ou hipofaringe ou por trauma de<br />

face, no qual sangue e fragmentos ósseos ou de tecido podem<br />

causar obstrução.<br />

0 tratamento das obstruções mecânicas da via aérea pode<br />

lornar-se um desalío. Corpos estranhos na cavidade oral podem<br />

alojar-se e criar oclusões na hipofaringe ou na laringe. Podem<br />

ocorrer lesões por esmagamento na laringe e edema das cordas<br />

vocais. Doentes com lesões faciais apresentam duas das mais<br />

comuns obstruções por corpo estranho: sangue e vómito. O<br />

tratamento desses problemas tem como objetivos o reconheci¬<br />

mento imediato da obstrução e as medidas que devem ser toma¬<br />

das para assegurar a permeabilidade da via aérea.<br />

Avaliação da Via Aérea e<br />

Ventilação<br />

A capacidade de avaliação da via aérea é necessária para seu<br />

tratamento eficaz. E certo que fazemos muitos aspectos da ava¬<br />

liação da via aérea sem mesmo pensar neles. Um doente que<br />

está alerta e conversa conosco quando entramos pela porta<br />

apresenta via aérea aberta e desobstruída. Mas quando o nível<br />

de consciência do doente é reduzido, é essencial avaliar, de<br />

Posicionamento da Via Aérea e do Doente<br />

Ao fazer contato visual com o doente, observe seu posiciona¬<br />

mento. Os doentes em posição supina são suscetíveis à obs¬<br />

trução da via aérea pela queda da língua sobre essas estrutu¬<br />

ras. A maioria dos doentes vítimas de trauma é colocada em<br />

posição supina, na prancha longa, para imobilização da coluna.<br />

Qualquer doente que apresente sinais de redução do nível de<br />

consciência deve ser constantemente reexaminado quanto à<br />

ocorrência de obstrução da via aérea e colocação de disposi¬<br />

tivo para assegurar que estas sejam mantidas abertas. Doentes<br />

com via aérea aberta quando em decúbito lateral podem vir a<br />

apresentar obstrução ao serem colocados em posição supina,<br />

na prancha longa. Indivíduos com extensos traumas faciais e<br />

hemorragia ativa podem precisar ser mantidos na posição em<br />

que foram encontrados: sua colocação em posição supina, na<br />

maca, pode provocar obstrução da via aérea e possível aspira¬<br />

ção de sangue. Nestes casos, se o doente estiver mantendo sua<br />

própria via aérea, o melhor curso de ação pode ser permitir sua<br />

continuidade.<br />

Emanação de Sons da Via Aérea Superior<br />

A emanação de ruídos da via aérea superior nunca é um bom<br />

sinal. Estes sons frequentemente podem ser ouvidos ao se apro¬<br />

ximar do doente e tendem a ser causados pela obstrução parcial<br />

da via aérea, seja pela língua, pelo sangue ou,por corpos estra¬<br />

nhos em sua porção superior. Estridores indicam a obstrução<br />

parcial da via aérea superior. Esta obstrução pode ser anatómica,<br />

como, por exemplo, pela língua caída sobre a via aérea, ou pelo<br />

edema de glote ou da própria via aérea. Pode também ser provo¬<br />

cada por corpos estranhos. O edema, ou inchaço, da via aérea é<br />

uma situação de emergência, que demanda ações rápidas para<br />

prevenção de sua obstrução total. Devem-se iniciar, imediata¬<br />

mente, as etapas de alívio das obstruções e manutenção da aber¬<br />

tura da via aérea.<br />

Exame da Via Aérea para Detecção de<br />

Obstruções<br />

Procure, na boca do doente, qualquer material estranho óbvio<br />

ou malformação anatómica macroscópica. Remova os corpos<br />

estranhos encontrados.<br />

Elevação do Tórax<br />

A elevação limitada do tórax pode ser um sinal de obstrução<br />

da via aérea. O uso de músculos acessórios e o aparente maior<br />

esforço respiratório devem levar a um alto índice de suspeita de<br />

comprometimento da via aérea.


140 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Há indicação de controle da via aérea<br />

I<br />

Estabilização manual da coluna cervical<br />

I_<br />

TÉCNICAS ESSENCIAIS<br />

Desobstrução manual da via aérea<br />

Manobras manuais<br />

•Tração da mandíbula no trauma<br />

• Elevação do mento no trauma<br />

Aspiração<br />

Complementos básicos<br />

• Cânula orofaríngea<br />

• Cânula nasofaríngea<br />

T<br />

Técnicas avançadas?<br />

I :<br />

Não<br />

I<br />

Ventilações assistidas FiO,> 0,85<br />

I<br />

Avaliação primária completa<br />

I<br />

Transporte rápido<br />

f<br />

Não<br />

I<br />

Cânula supraglótica<br />

}<br />

Sim<br />

\<br />

Sabe intubar?<br />

. I<br />

Ventilações assistidas FiO,> 0,85<br />

I<br />

Avaliação primária completa<br />

I<br />

Transporte rápido<br />

Sim<br />

• Considere os i<br />

benefícios e riscos<br />

de uma intubação traqueal<br />

Orotraqueal1<br />

• Nasotraqueal2<br />

versus métodos alternativos como<br />

ML ou dispositivos supraglóticos<br />

I<br />

Bem-sucedidaJ<br />

f 3<br />

Sim<br />

I<br />

Ventilações assistidas<br />

Fi02 > 0,85<br />

I<br />

Avaliação primária completa<br />

I<br />

Transporte rápido<br />

Observações:<br />

'Pode ser feita intubação face a face se a posição do doente<br />

não for favorável para a intubação orotraqueal tradicional;<br />

a intubação com ajuda farmacológica pode ser usada para<br />

facilitar a intubação orotraqueal, desde que adequadamente<br />

treinada e autorizada.<br />

2A intubação nasotraqueal às cegas só pode ser feita em doentes<br />

com ventilação espontânea.<br />

3A intubação só deve ser tentada três vezes, e a posição correia<br />

do tubo deve ser confirmada.<br />

•'Deve ser tentada a ventilação usando-se as técnicas básicas em<br />

combinação bolsa-valva-máscara.<br />

5Pode ser feita intubação retrógrada, se adequadamente treinada<br />

e autorizada.<br />

eA intubação digital só deve ser tentada em doentes inconscientes<br />

e apneicos.<br />

7Ventilação percutánea transtraqueal (VPT) com cateter; pode ser<br />

realizada uma cricotireoidoscomia cirúrgica, se adequadamente<br />

treinada e autorizada.<br />

Não VIA AEREA<br />

DIFÍCIL<br />

\<br />

Consegue ventilar?'1<br />

f<br />

Sim<br />

I<br />

Opções<br />

•Técnicas essenciais<br />

• Cânula supraglótica<br />

• Máscara laríngea<br />

• Intubação retrógrada5<br />

• Intubação digital6<br />

I<br />

\ r<br />

Avaliação primária completa Sim<br />

\<br />

Transporte rápido<br />

Ventilações assistidas FiOa > 0,85<br />

V<br />

Não<br />

I<br />

Opções<br />

• Máscara laríngea<br />

• Cânula supraglótica<br />

i<br />

I<br />

Consegue ventilar?<br />

_ I<br />

"1<br />

Não<br />

I<br />

VPT7<br />

T<br />

Ventilações assistidas Fi02 > 0,85<br />

i<br />

Avaliação primária completa<br />

I<br />

Transporte rápido<br />

FIGURA 7-6<br />

Algoritmo para controle da via aérea.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 141<br />

Tratamento<br />

Controle da Via Aérea<br />

Assegurar via aérea permeável é a primeira prioridade no tra¬<br />

tamento e reanimação do traumatizado. Nada é mais crucial<br />

durante o tratamento pré-hospitalar da via aérea do que a sua<br />

avaliação adequada (Fig. 7-6). Independentemente da técnica de<br />

abordagem da via aérea, o socorrista deve ter em mente a possi¬<br />

bilidade de lesão cervical. O uso de qualquer uma das técnicas<br />

de controle da via aérea necessita de estabilização simultânea<br />

da coluna cervical em posição neutra até que o doente tenha<br />

sido completamente imobilizado (Cap. 9).<br />

Técnicas Essenciais<br />

0 controle da via aérea em doentes traumatizados é prioritário<br />

em relação a todos os outros procedimentos, pois sem uma via<br />

aérea adequada não se obtém um prognóstico positivo. O con¬<br />

trole da via aérea pode ser desafiador, mas, na maioria dos doen¬<br />

tes, inicialmente, procedimentos básicos podem ser suficientes.1<br />

Mesmo socorristas que tenham sido treinados em técnicas mais<br />

avançadas devem manter seu treinamento nas técnicas básicas,<br />

uma vez que estas são alternativas aceitáveis, quando as técni¬<br />

cas avançadas falharem. Os socorristas treinados em técnicas<br />

avançadas sempre consideram a relação custo/benefício desses<br />

procedimentos altamente invasivos. Além disso, são necessá¬<br />

rios treinamentos constantes em técnicas avançadas, garantia<br />

de qualidade e supervisão próxima pelo diretor médico.<br />

. Desobstrução Manual da Via Aérea. O primeiro passo no tratamento<br />

da via aérea deve ser uma rápida inspeção visual da orofaringe.<br />

Corpos estranhos (como pedaços de alimentos) ou dentes que¬<br />

brados e sangue podem ser encontrados dentro da boca de um<br />

traumatizado. Os socorristas devem usai- luvas para retirar esse<br />

material da boca, ou, no caso de sangue ou vómito, ele pode ser<br />

aspirado. Além disso, o posicionamento do doente em decúb¬<br />

ito lateral, quando não conlraindicado por um possível trauma<br />

medular, permite que a gravidade auxilie a eliminação de<br />

secreções, sangue e vómito.<br />

Manobras Manuais. No doente inconsciente, a língua íica flácida,<br />

cai para trás e obstrui a hipofaringe (Fig. 7-5). A língua é a causa<br />

mais comum de obstrução da via aérea. Os socorristas podem,<br />

facilmente, usar os métodos manuais para remover esse tipo de<br />

obstrução, porque a língua está presa à mandíbula (queixo) e<br />

move-se anteriormente com ela. Qualquer manobra que mova<br />

anteriormente a mandíbula afasta a língua da hipofaringe:<br />

h Tração da mandíbula no trauma. Quando há suspeita de<br />

traumatismo craniano, cervical ou facial, o socorrista deve<br />

manter a coluna cervical alinhada em posição neutra.<br />

A manobra de tração da mandíbula no trauma permite<br />

ao socorrista abrir a via aérea com pouco ou nenhum<br />

movimento da cabeça e da coluna cervical (Fig. 7-7). A<br />

mandíbula é empurrada anteriormente posicionando os<br />

polegares nos arcos zigomáticos (osso da bochecha) e os<br />

indicadores e dedos médios no ângulo da mandíbula do<br />

mesmo lado, empurrando a mandíbula para a frente.<br />

® Elevação do mento no trauma. A manobra de elevação do<br />

mento no trauma é utilizada para aliviar uma variedade<br />

de obstruções anatómicas da via aérea em doentes que<br />

respiram espontaneamente (Fig. 7-8). O queixo e os<br />

incisivos inferiores são apreendidos e elevados para puxar<br />

a mandíbula anteriormente. O socorrista deve usar luvas<br />

para se proteger da contaminação com secreções.<br />

Ambas as técnicas resultam na movimentação da mandí¬<br />

bula anteriormente (para cima) e ligeiramente caudalmente (em<br />

direção aos pés), puxam a língua para frente, para fora da via<br />

aérea, e abrem a boca. A tração da mandíbula empurra a man¬<br />

díbula para a frente, ao passo que a elevação do mento puxa a<br />

mandíbula. A tração da mandíbula no trauma e a elevação do<br />

mento no trauma são modificações da tração da mandíbula e da<br />

elevação do queixo convencionais. As modificações protegem a<br />

coluna cervical do doente, ao mesmo tempo em que abrem a via<br />

aérea ao deslocar a língua da faringe posterior.<br />

Aspiração. A vítima de trauma pode não ser capaz de eliminar<br />

de maneira eficiente o acúmulo de secreções, vómito, sangue ou<br />

FIGURA 7-7 Tração da mandíbula no trauma. O polegar é<br />

posicionado sobre cada osso zigomático, com o indicador e o<br />

dedo médio no ângulo da mandíbula, que é puxada para cima.<br />

FIGURA 7-8 Elevação do mento no trauma. A elevação do<br />

queixo tem função similar à tração da mandíbula. Esta técnica<br />

puxa a mandíbula para a frente, levando junto a língua.


142 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

corpos estranhos da traqueia. A aspiração é uma etapa impor¬<br />

tante na manutenção da permeabilidade da via aérea.<br />

A complicação mais importante é que a aspiração prolon¬<br />

gada pode levar à hipoxia, que pode manifestar-se como alte¬<br />

rações cardíacas (p. ex., taquicardia). A pré-oxigenação do<br />

doente ajuda na prevenção da hipoxemia. Além disso, durante<br />

um período prolongado de aspiração, podem ocorrer arritmias<br />

cardíacas por causa da hipoxemia arterial, que leva à hipoxe¬<br />

mia miocárdica ou estimulação vagai secundária à irritação<br />

traqueal. A estimulação vagai intensa pode causar bradicardia<br />

grave e hipotensão.<br />

O doente traumatizado que ainda não foi inlubado pode pre¬<br />

cisar de uma aspiração agressiva da via aérea superior. Quan¬<br />

tidades bem maiores de sangue e vómito podem localizar-se<br />

na via aérea na chegada do socorrista, acima da capacidade<br />

da unidade de aspiração do socorrista. Quando isso ocorre, o<br />

doente deve ser colocado de lado, mantendo-se a estabilização<br />

da coluna cervical; com isso, a força da gravidade irá ajudar a<br />

limpeza da via aérea. Prefere-se uma sonda de aspiração rígida<br />

para limpar a orofaringe. Embora uma aspiração prolongada<br />

possa causar hipoxia, via aérea totalmente obstruída impede a<br />

troca gasosa. E feita uma aspiração agressiva e um posiciona¬<br />

mento correio do doente, até que a via aérea esteja pelo menos<br />

parcialmente desobstruída. Nesse momento, pode ser feita uma<br />

hiperoxigenação seguida por aspirações repetidas. A hiperoxigenação,<br />

assim como a pré-oxigenação, pode ser conseguida<br />

com uma máscara que impeça a reinalação, com alto fluxo de<br />

oxigénio, ou com bolsa-valva-máscara, a "15 litros por minuto. O<br />

objetivo da hiperoxigenação é manter a SaO-, igual ou superior<br />

a 95% no nível do mar.<br />

Para aspirar um doente inlubado por meio de um tubo<br />

endotraqueal (ET), deve-se utilizar sonda de aspiração feita de<br />

material flexível para diminuir o trauma na mucosa traqueal e<br />

minimizar a resistência durante o deslizamento. A sonda deve<br />

ser suficientemente longa para ultrapassar a ponta do tubo (50 a<br />

55 cm) e ter ponta arredondada para não traumatizar a mucosa.<br />

A sonda flexível provavelmente não será eficaz na aspiração<br />

de grandes quantidades de corpos estranhos ou líquidos da<br />

faringe de um doente traumatizado; nesse caso, o melhor será<br />

usar sonda com ponta em formato de amígdala (chuveirinho) ou<br />

Yankauer. Em nenhuma circunstância, uma ponta de amígdala<br />

ou Yankauer de sucção rígida deve ser colocada na extremidade<br />

do tubo endotraqueal.<br />

Para aspirar um doente inlubado, é fundamental que o pro¬<br />

cedimento seja feito com técnica estéril que inclui as seguintes<br />

etapas:<br />

agir para estabelecer e manter a abertura da via aérea. Após o<br />

estabelecimento básico da via aérea, por meio de manobras<br />

manuais, como a tração da mandíbula no trauma, é necessá¬<br />

rio usar um equipamento acessório, para mantê-las em posição<br />

aberta. Um equipamento próprio deve ser escolhido, com base<br />

no nível de treinamento e proficiência do socorrista. Este deve,<br />

então, ser incluído em uma análise de risco/benefício do uso<br />

de diversos tipos de equipamentos e técnicas. A escolha deste<br />

equipamento deve ser direcionada segundo o doente, ou seja,<br />

"qual a melhor via aérea para este indivíduo, nesta situação".<br />

Durante o treinamento, assim como no processo de educação<br />

continuada, socorristas de diversos níveis são expostos a dife¬<br />

rentes equipamentos acessórios para manutenção da abertura<br />

da via aérea. A quantidade de treinamento está diretamente<br />

relacionada à dificuldade de colocação do equipamento. Os<br />

socorristas de nível mais básico são treinados na colocação de<br />

cânulas oro e nasofaríngeas. Na outra extremidade do espec¬<br />

tro, profissionais mais experientes são treinados na colocação<br />

de equipamentos avançados, e alguns protocolos permitem a<br />

realização de procedimentos cirúrgicos.<br />

Em habilidades como a intubação, quanto mais vezes a<br />

tarefa é realizada, maiores as chances de sucesso. Um socorrista<br />

de nível avançado novo, que somente realizou intubações em<br />

centros cirúrgicos, tende a ter menor chance de realizar o pro¬<br />

cedimento em um doente difícil do que um veterano com 10<br />

anos de carreira e centenas de intubações no currículo. Quanto<br />

maior o número de etapas em um procedimento, mais difícil é<br />

seu aprendizado e maior a chance de insucesso. Com o aumento<br />

de dificuldade, os requerimentos educacionais também são<br />

Técnicas Supraglótica Intubação<br />

essenciais<br />

FIGURA 7-9<br />

ISR/IFA<br />

Cirúrgica<br />

Técnicas relacionadas à via aérea.<br />

1. Pré-oxigenar o doente com 100% de oxigénio (Fi02 de<br />

1,0).<br />

2. Preparar o equipamento e manter a esterilidade.<br />

3. Introduzir o cateter sem aspirar. Aspirar continuamente<br />

por 15 a 30 segundos durante a retirada do cateter.<br />

4. Oxigenar novamente o doente e realizar pelo menos<br />

cinco ventilações controladas.<br />

5. Repetir, se necessário, dando tempo para que ocorra<br />

reoxigenação entre os procedimentos.<br />

Seleção do Equipamento Acessório<br />

Caso quaisquer problemas sejam encontrados na via aérea<br />

durante a avaliação primária, o socorrista deve, imediatamente,<br />

Técnicas Supraglótica Intubação ISR/IFA<br />

essenciais<br />

FIGURA 7-10<br />

Cirúrgica<br />

Habilidades educacionais necessárias.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 143<br />

maiores, tanto no treinamento inicial quanto na manutenção<br />

das habilidades já adquiridas (Figs. 7-9, 7-10). De modo geral,<br />

quanto mais difícil é o procedimento, maior a chance de insu¬<br />

cesso. Nos procedimentos envolvendo a via aérea, essa é uma<br />

grande verdade. A avaliação cuidadosa da via aérea antes da<br />

seleção dos equipamentos acessórios, em qualquer indivíduo, é<br />

essencial ao melhor resultado clínico.<br />

Acessórios Básicos. Quando as técnicas manuais falham ou<br />

quando é necessária a manutenção contínua da via aérea, o<br />

próximo passo é a utilização de via aérea artificial.<br />

Cânula Orofaríngea. O recurso artificial mais comumente utili¬<br />

zado é a cânula orofaríngea (COF) (Fig. 7-11). A COF pode ser<br />

inserida de forma direta ou invertida.<br />

Indicações<br />

ÿ Doentes incapazes de manter a via aérea permeável.<br />

ÿ<br />

Para prevenir que um doente intubaclo morda o tubo<br />

traqueal.<br />

Contraindicações<br />

h Doentes conscientes ou semiconscientes.<br />

Complicações<br />

h Pelo fato de a cânula estimular o reflexo do vómito, o uso<br />

da COF pode desencadear tosse, vómito e laringospasmo<br />

em doentes conscientes.<br />

Cânula Nasofaríngea. A cânula nasolaríngea (CNF) é um disposi¬<br />

tivo flexível, como borracha (látex), que é inserido através de<br />

uma das narinas e ao longo da curvatura da parede posterior da<br />

nasofaringe e orofaringe (Fig. 7-12).<br />

Indicações<br />

h Doentes incapazes de manter a via aérea permeável.<br />

Contraindicações<br />

e Não haver necessidade de acessórios para a via aérea.<br />

Complicações<br />

® A introdução da cânula pode provocar hemorragia.<br />

Cânulas Supraglóticas. As cânulas supraglóticas oferecem aos<br />

socorristas uma alternativa funcional para a intubação traqueal<br />

(Figs. 7-13 e 7-14). Em muitos lugares, a lei permite o uso des¬<br />

ses recursos por causa do pouco treinamento necessário para ser<br />

FIGURA 7-13<br />

Cânulas Supraglóticas Comuns<br />

a King LT®<br />

a Combi-Tube'" <<br />

a<br />

a<br />

Máscara laríngea (ML)<br />

ML para intubação<br />

FIGURA 7-11 Cânulas orofaríngeas.<br />

(DeMcSwain NE Jr: The Basic EMT: Comprehensive PrehospitalPatient Care, ed 2, St<br />

kws.2001, Mosby.)<br />

FIGURA 7-12 Cânulas nasofaríngeas.<br />

(DeMcSwain NE Jr: The Basic EMT: Comprehensive Prehospital Patient Care, ed 2, St<br />

lais,2001, Mosby.)<br />

FIGURA 7-14<br />

Cânulas supraglóticas.


144 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 7-16<br />

Equipamentos para Intubação<br />

Endotraqueal<br />

FIGURA 7-15<br />

Tubo endotraqueal<br />

capaz de usá-los. Estes tipos de equipamento são inseridos sem<br />

visualização direta das cordas vocais. São também uma ótima<br />

segunda opção quando as tentativas de intubação endotrqueal<br />

são infrutíferas, mesmo quando estas foram realizadas em<br />

sequência rápida, ou quando, após a meticulosa avaliação da<br />

via aérea, o socorrista sente que a chance de colocação satisfa¬<br />

tória é maior do que a da intubação endotraqueal. A vantagem<br />

primária das cânulas supraglóticas é a possibilidade de inser¬<br />

ção independente da posição do doente, o que pode ser muito<br />

importante em vítimas de traumas com dificuldades de acesso<br />

e extricação ou em caso de suspeita de lesão cervical. Alguns<br />

fabricantes desenvolveram cânulas supraglóticas em tama¬<br />

nho pediátrico. Os socorristas devem garantir que o tamanho<br />

seja adequado, de acordo com as especificações do fabricante<br />

quanto ao uso desses equipamentos em doentes pediátricos.<br />

Indicações<br />

0 Socorristas cle nível básico. Se o socorrista for treinado<br />

e autorizado, esse é o primeiro recurso para controle da<br />

via aérea em traumatizados inconscientes que perderam o<br />

reflexo de vómito e estão apneicos ou com frequência<br />

ventilatória menor do que 10 ventilações/minuto.<br />

s Socorristas de nível avançado. Esse é um recurso alternativo<br />

para controle da via aérea quando o socorrista for incapaz<br />

de fazer a intubação traqueal e não puder ventilar<br />

facilmente o doente com bolsa-valva-máscara nem com a<br />

COF ou a CNF.<br />

Contraindicações<br />

h Reflexo de vómito presente<br />

h Ausência de jejum (refeição recente)<br />

s Doença esofágica conhecida<br />

E3 Ingestão recente de substâncias cáusticas<br />

Complicações<br />

e Tosse e vómito, se o reflexo de vómito estiver presente<br />

e Aspiração<br />

b Lesão de esôfago<br />

s I-Iipóxia, se ventilar usando o lúmen incorreto<br />

Como em qualquer técnica de suporte avançado à vida, os<br />

socorristas precisam possuir os equipamentos adequados. Os<br />

componentes de um kit padrão para intubação devem incluir:<br />

s Laringoscópio com lâminas curvas e retas de tamanhos<br />

adultos e pediátricos<br />

a Pilhas e lâmpadas de reserva<br />

b Equipamento de aspiração, incluindo cateteres rígidos e<br />

flexíveis<br />

h Tubos endotraqueais de tamanhos adultos e pediátricos<br />

e Bisturi<br />

ss Fio-guia flexível de Bougie<br />

s Seringa de 10 ml *<br />

h Lubrificante hidrossolúvel<br />

0 Pinça de Magill<br />

s Dispositivo de detecção corrente final (ETDD) para detecção<br />

de dióxido de carbono<br />

ra Capnógrafo de onda<br />

S3 Dispositivo para fixação de tubo<br />

Intubação Traqueal<br />

A intubação traqueal é o método preferível para se conseguir<br />

o controle máximo da via aérea em doentes traumatizados que<br />

estejam tanto apneicos quanto necessitando de ventilação assistida<br />

(Figs. 7-15 e 7-16). Estudos recentes, no entanto, mostra¬<br />

ram que em um ambiente urbano, doentes traumatizados era<br />

estado grave com intubação traqueal não apresentavam ura<br />

melhor prognóstico do que os doentes transportados com bol¬<br />

sa-valva-máscara e COF.1 A decisão de realizar a intubação<br />

endotraqueal ou usar um equipamento alternativo deve ser .<br />

feita após a avaliação da via aérea, para determinar a difi¬<br />

culdade de intubação. O risco de hipoxia causada pelas ten- ,<br />

lativas prolongadas de intubação de um doente de via aérea


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 145<br />

FIGURA 7-17<br />

Fatores que Contribuem para a<br />

Dificuldade de Intubação<br />

h Recuo do queixo<br />

h Pescoço curto<br />

' Língua grande<br />

ÿ<br />

Abertura pequena da boca<br />

'<br />

Imobilização cervical ou rigidez do pescoço<br />

ÿ<br />

Trauma facial<br />

ÿ Hemorragia na via aérea<br />

b Vómito ativo<br />

0 Acesso ao doente<br />

difícil precisa ser comparado à necessidade de inserção do<br />

tubo endolraqueal.<br />

Previsão da dificuldade potencial de intubação endotraqueal. É<br />

extremamente importante que, antes da intubação endolraqueal,<br />

a dificuldade de realização do procedimento seja determinada.<br />

Existem muitos fatores que podem dificultar a intubação de<br />

doentes vítimas de traumas (Fig. 7-17). Alguns desses fatores são<br />

diretamentc relacionados aos traumas sofridos pelo indivíduo,<br />

enquanto outros se devem a anomalias anatómicas da face e da<br />

via aérea superior.<br />

0 mnemónico LEMON foi desenvolvido para auxiliar a ava¬<br />

liação da relativa dificuldade de uma dada intubação (Fig. 7-18).<br />

Embora nem lodos os componentes do mnemónico LEMON<br />

possam ser aplicados a doentes vítimas de traumas em campo,<br />

sua compreensão pode auxiliar o socorrista a se preparar para<br />

a intubação difícil. Procedimentos ou equipamentos alterna¬<br />

tivos podem ser selecionados caso a dificuldade seja conside¬<br />

rada grande. O tempo de transporte pode também ser um fator<br />

importante na decisão da modalidade adequada; um exemplo é<br />

odoente mantido, com sucesso, com COF, bolsa-valva-máscara,<br />

apouca distância do centro de trauma. O socorrista pode escornão<br />

intubar, mas transportar a vítima mantendo a via aérea<br />

por meio de técnicas de suporte básico. Os socorristas precisam<br />

avaliar os riscos e benefícios ao decidir a realização de procedi-<br />

|mentos de nível avançado na via aérea.<br />

Apesar disso, intubação traqueal é o método preferido para<br />

I controle da via aérea por:<br />

fi Isolara via aérea<br />

Permitir ventilação com oxigénio a 100% (Fi02 de 1,0)<br />

Eliminara necessidade de manter a máscara perfeitamente<br />

ajustada à face<br />

Diminuir significativamente o risco de aspiração (vómito,<br />

corpo estranho ou sangue)<br />

Facilitara aspiração profunda da traqueia<br />

Prevenir a insuflação gástrica<br />

Permitir uma via adicional (embora limitada) de adminis¬<br />

tração de medicamentos<br />

Indicações - -<br />

h<br />

Doente incapaz de proteger a via aérea.<br />

Doente com problema grave de oxigenação, que necessita<br />

de administração de altas concentrações de oxigénio.<br />

Doente com problema ventilalório sério, que necessita de<br />

ventilação assistida<br />

Contraindicações<br />

Falta de treinamento na técnica<br />

Falta de indicação precisa<br />

a Proximidade do hospital de destino (contraindicação<br />

relativa)<br />

Alta probabilidade de falência da via aérea<br />

Complicações<br />

:i ITipoxemia pelas tentativas prolongadas de intubação<br />

"a Estimulação vagai, provocando bradicardia<br />

ta Trauma de via aérea com consequente hemorragia e edema<br />

a Intubação do brônquio principal direito<br />

a Intubação esofágica<br />

a Vómito que leva à aspiração<br />

a Dentes soltos ou quebrados<br />

a Lesões de cordas vocais<br />

a Conversão de lesão de coluna cervical sem comprome¬<br />

timento neurológico em lesão com comprometimento<br />

neurológico<br />

Pesquisas comprovaram que a prática aumenta a probabi¬<br />

lidade de sucesso da intubação. Embora não tenha sido com¬<br />

provada uma correlação entre a laxa de sucesso e o tempo de<br />

experiência como socorrista em nível avançado, há uma corre¬<br />

lação entre o número de doentes intubados pelo socorrista e a<br />

taxa de sucesso. A experiência com o procedimento aumenta a<br />

probabilidade de um bom desempenho."<br />

Como ocorre com todos os procedimentos, o socorrista,<br />

juntamente com o diretor do sistema médico, faz uma avalia¬<br />

ção de custo/benefício quando utiliza qualquer procedimento<br />

avançado. A realização de um procedimento apenas porque "o<br />

protocolo permite" é incorreta. Considere os benefícios possí¬<br />

veis e os possíveis riscos, e formule um planejamento com base<br />

no melhor para o doente em determinada situação. As situa¬<br />

ções diferem drasticamente com base no tempo de transporte,<br />

localização (urbana versus rural) e segurança, e experiência do<br />

socorrista na realização de certo procedimento.<br />

Métodos de Intubação Endotraqueal. O socorrista pode escolher um<br />

entre vários métodos alternativos para fazer a intubação tra¬<br />

queal. O método de escolha depende de uma série de fatores,<br />

como as necessidades do doente, o grau de urgência (orotraqueal<br />

versus nasolraqueal), a posição do doente (face a face) ou<br />

o treinamento e o nível do socorrista (intubação farmacologi¬<br />

camente assistida). Seja qual for o método escolhido, a cabeça<br />

e o pescoço do doente devem ser mantidos estabilizados em<br />

posição neutra durante o procedimento e até que a coluna cervi¬<br />

cal seja imobilizada. De forma geral, o socorrista não deve tentar<br />

intubar mais do que três vezes. Nesse momento, deve ser consi¬<br />

derado o uso de técnica alternativa.


146 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 7-18<br />

Avaliação LEMOM da Intubação Difícil<br />

L= Localização Externa: Procure características que sabidamente<br />

dificultam a intubação ou a ventilação.<br />

E = Estimativa da Regra 3-3-2 (veja a seguir): Para permitir o<br />

alinhamento dos eixos: faríngeo, laríngeo e oral e, assim,<br />

a intubação ser fácil, as seguintes relações devem ser<br />

observadas:<br />

o A distância entre os dentes incisivos do doente deve ser de,<br />

pelo menos, 3 dedos (3)<br />

a A distância entre o osso hioide e o queixo deve ser de, pelo<br />

menos, 3 dedos (3)<br />

A distância entre a incisura tireóide e o assoalho da boca<br />

deve ser de, pelo menos, 2 dedos (2)<br />

M= Mallampati (veja a seguir): A hipofaringe deve ser adequada¬<br />

mente visualizada. Isto pode ser realizado da forma tradicional,<br />

usando a classificação de Mallampati.<br />

e.;<br />

Quando possível, pede-se para o doente sentar-se, ereto,<br />

abrir a boca completamente e protrair a língua o máximo<br />

possível. 0 examinador, então, olha a boca, usando a<br />

lanterna, para determinar o grau de hipofaringe visível. Em<br />

doentes em posição supina, a pontuação de Mallapamti pode<br />

ser estimada pedindo para o doente abrir a boca e protrair<br />

a língua; a luz do laringoscópio, então, é incidida sobre a<br />

hipofaringe, por cima.<br />

Regra 3-3-2. Para permitir o alinhamento dos eixos: faríngeo,<br />

laríngeo e oral e, assim, a intubação fácil, as seguintes relações<br />

devem ser observadas: A. A distância entre os dentes incisivos<br />

do doente deve ser de, pelo menos, 3 dedos, B. A distância<br />

entre o osso hioide e o queixo deve ser de, pelo menos, 3<br />

dedos, e C. A distância entre a incisura tireóide e o assoalho<br />

da boca deve ser de, pelo menos, 2 dedos(s)<br />

Modificado com permissão de: Reed, MJ, Dunn MJG, McKeown DW. Can an airway assessment score predict difficulty at intubation in the emergency department? Emerg MedJ 2005;22:99-102. (In<br />

American College of Surgeons:Advanced Trauma Life Support for Doctors, Chicago, 2008, American College of Surgeons.)<br />

Intubação Orotraqueal. A intubação orotraqueal consiste em colo¬<br />

car o tubo traqueal dentro da traqueia através da boca. O doente<br />

não traumatizado frequentemente é intubado em hiperextensão<br />

cervical (posição de "cheirador") para facilitar a intubação.<br />

Nessa posição, a coluna cervical lica em hiperexlensão no nível<br />

de C1-C2 (o segundo local mais comum de fraturas cervicais em<br />

doentes traumatizados) e em hiperflexão no nível de C5-C6 (local<br />

mais comum de fraturas cervicais em doentes traumatizados). Pot<br />

isso, não deve ser usada em doentes traumatizados (Fig. 7-19).<br />

Intubação Nasotraqueal. Em doentes traumatizados conscientes<br />

ou nos que têm reflexo de vómito preservado, os socorristas<br />

podem ter dificuldade na intubação traqueal. Se houver venti¬<br />

lação espontânea, o socorrista pode tentar a intubação nasotral


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 147<br />

FIGURA 7-18, cont.<br />

0 = Obstrução: Qualquer condição que provoque obstrução da<br />

via aérea dificulta a laringoscopia e a ventilação. Dentre tais<br />

condições, estão a epiglotite, o abscesso peritonsilar e os<br />

traumas.<br />

N = Mobilidade do Pescoço: Este é um requerimento vital para<br />

o sucesso da intubação. A mobilidade do pescoço pode ser<br />

facilmente avaliada pedindo ao doente para colocar o queixo<br />

sobre o peito e depois esticar o pescoço, como se estivesse<br />

olhando para o teto. Doentes com colar cervical obviamente<br />

não são capazes de mover o pescoço e, assim, sua intubação<br />

é mais difícil.<br />

Classe I: palato mole, úvula,<br />

porção posterior da cavidade<br />

oral e pilares visíveis<br />

Classe II: palato mole, úvula<br />

e porção posterior da<br />

cavidade oral visíveis<br />

Classe III: palato mole e<br />

base da úvula visíveis<br />

Classe IV: apenas o<br />

palato duro é visível<br />

Classificação de Mallampati: Usada na visualização da hipofaringe. Classe I: palato mole, úvula, porção posterior da cavidade oral<br />

e pilares visíveis. Classe II: palato mole, úvula e porção posterior da cavidade oral visíveis. Classe III: palato mole e base da úvula<br />

visíveis. Classe IV: apenas o palato duro é visível.<br />

(De NAEMT:ATLS)<br />

queal às cegas (INTC), mas apenas se os benefícios superarem<br />

os riscos. Embora a intubação nasolraqueal seja frequentemente<br />

mais difícil de ser realizada do que a visão direta e intubação<br />

oral, relatou-se uma laxa de sucesso de 90% em doentes trau¬<br />

matizados. Durante a INTC, o doente deve estar respirando para<br />

que o socorrista possa garantir que o tubo passe mais facilmente<br />

através das cordas vocais. Muitos textos sugerem que a INTC<br />

está conlraindicada na presença de trauma ou fraluras na por¬<br />

ção média da face, mas uma pesquisa detalhada na literatura<br />

não revela nenhuma comprovação de penetração de um tubo<br />

traqueal na cavidade craniana. Apneia é uma contraindicação<br />

específica para INTC. Em geral, não se utiliza fio-guia durante<br />

a INTC.


148 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ÿsobre este método de controle da via aérea têm sido<br />

geralmente positivos, com taxas de sucesso de intubação<br />

ao redor de 90%. No entanto, poucos estudos avaliaram<br />

de maneira crítica se o prognóstico do doente é ou não<br />

afetado.'1 Um centro publicou sua experiência com ISR<br />

no campo e documentou que doentes com lesão cerebral<br />

traumática submetidos à ISR apresentaram um prognóstico<br />

pior do que os que não necessitaram de ISR."' A análise<br />

subsequente mostrou que a hipervenlilação não detectada,<br />

levando à bipocarbia, e a hipoxia não percebida foram as<br />

principais causas do prognóstico ruim.15<br />

FIGURA 7-19 A colocação da cabeça do doente na posição<br />

do "cheirador" permite a visualização ideal da laringe através da<br />

boca. Tal posição, porém, hiperestende o pescoço do doente<br />

em C1 e C2 e o hiperflexiona em C5 e C6. Estes são os dois<br />

pontos mais comuns de fratura da coluna cervical.<br />

Intubação Face a Face. A intubação lace a face é indicada quando<br />

as técnicas de intubação padrão no trauma não puderem ser<br />

usadas por causa da impossibilidade de o socorrista se posi¬<br />

cionar na cabeceira do doente. Essas situações podem incluir,<br />

embora sem ser exclusivas:<br />

s<br />

h<br />

Vítima presa em ferragens<br />

Vítima soterrada em escombros<br />

Intubação Farmacologicamente Assistida (IFA). A intubação com a<br />

utilização de agentes farmacológicos pode, ocasionalmente, ser<br />

necessária para facilitar o posicionamento do tubo traqueal em<br />

doentes traumatizados. Em mãos habilidosas, esta técnica pode<br />

facilitar o controle eliciente da via aérea, quando outros méto¬<br />

dos falharem ou, então, não forem aceitáveis. Para maximizar a<br />

eficácia deste procedimento e garantir a segurança do doente, os<br />

profissionais que usam drogas para proceder à intubação devem<br />

estar familiarizados com os protocolos locais de aplicabilidade,<br />

medicações e indicações para o uso desta técnica. O uso de dro¬<br />

gas para auxiliar a intubação, particularmente a intubação de<br />

sequência rápida (ISR), não está isento de riscos. A intubação<br />

farmacologicamente assistida é um procedimento de necessi¬<br />

dade, não de conveniência. Ela engloba duas categorias:<br />

1. Intubação usando sedativos ou narcóticos. Medicações<br />

como diazepam, midazolam, fentanil ou morfina são<br />

usadas, isoladamente ou em combinação, com o objetivo<br />

de relaxar o doente o suficiente para permitir a intubação,<br />

mas não abolir os reflexos de proteção nem a respiração.<br />

A eficácia de um agente farmacológico único, como, por<br />

exemplo, midazolam, é bem documentada.3<br />

2. Intubação de sequência rápida (ISR), usando curares<br />

(Fig. 7-20). O doente é curarizado após ter sido sedado.<br />

Isto proporciona paralisia completa dos músculos, mas<br />

retira todos os reflexos de proteção e causa apneia. Estudos<br />

Entretanto, a intubação farmacologicamente assistida de<br />

qualquer tipo precisa de tempo para ser feita. Em Lodo doente<br />

traumatizado em que o socorrista considere essa alternativa, ele<br />

deve pesar cuidadosamente os benefícios de ter uma via aérea<br />

segura, contra o tempo a mais gasto no local para realizar o<br />

procedimento.<br />

Indicações<br />

s Qualquer doente que necessite de via aérea definitiva, se<br />

a intubação estiver difícil porque o doente não colabora<br />

(como nos casos de hipoxia, traumatismo craniano, hipo¬<br />

tensão ou intoxicação)<br />

Contraindicações relativas<br />

s Disponibilidade de método alternativo (p. ex., duplo lúmen)<br />

e Trauma facial grave que dificultaria ou impediria a<br />

intubação com sucesso<br />

S3 Deformidade no pescoço ou edema que complique ou<br />

impeça a realização de via aérea cirúrgica<br />

® Alergia conhecida às medicações utilizadas<br />

a Problemas clínicos que impeçam o uso das medicações<br />

indicadas *<br />

a Incapacidade de intubar<br />

Complicações<br />

d Incapacidade de introduzir o tubo traqueal em doente<br />

sedado ou curarizado, que não consegue proteger sua<br />

via aérea ou respirar espontaneamente; doentes que são<br />

medicados, e depois não podem ser intubados, necessitam<br />

de ventilação prolongada com máscara, até que a medicação<br />

seja eliminada<br />

S3 Desenvolvimento de hipoxia ou hipercapnia durante<br />

tentativas prolongadas de intubação<br />

ia Aspiração<br />

13 Hipotensão; quase todas as drogas têm como efeito<br />

colateral a diminuição da pressão arterial<br />

Doentes que estão leve ou moderadamente hipovolêmicos,<br />

porém compensados, podem apresentar uma queda significa¬<br />

tiva da pressão arterial associada à administração intravenosa<br />

dessas drogas. Deve-se tomar cuidado sempre que se considerar<br />

o uso dessas medicações para intubação (Fig. 7-2'l).<br />

Verificação do Posicionamento do Tubo Traqueal. Uma vez feita a<br />

intubação, deve ser feito todo o esforço para garantir que o tubo<br />

esteja adequadamente posicionado na traqueia. Um tubo traqueal<br />

inadequadamente posicionado, se não reconhecido, mesmo que


j<br />

CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 149<br />

FIGURA 7-20<br />

Exemplo de Protocolo para Intubação de Sequência Rápida (ISR)<br />

Assegurar a disponibilidade do equipamento necessário.<br />

a. Fonte de oxigénio.<br />

b. Bolsa-valva-máscara de tipo e tamanho adequados.<br />

c. Máscara de fluxo unidirecional.<br />

d. Laringoscópio com lâminas.<br />

e. Tubos traqueais (TT).<br />

f. Fio-guia flexível de Bougie.<br />

Equipamento de via aérea cirúrgica e alternativa<br />

Medicações para ISR.<br />

Materiais ou dispositivos para manter o tubo traqueal<br />

posicionado.<br />

I- Equipamento de aspiração.<br />

2. Garantir pelo menos um (mas preferencialmente dois) acesso<br />

venoso ativo.<br />

3. Pré-oxigenar o doente, usando máscara sem reinalação<br />

ou bolsa-valva-máscara com 100% de oxigénio. A préoxigenação<br />

deve ser realizada por 3 a 4 minutos.<br />

4. Instalar monitor cardíaco e oxímetro de pulso.<br />

5. Nos doentes conscientes, considerar fortemente o uso de<br />

agentes sedativos.<br />

6. Considerar a administração de agentes sedativos e lidocaína,<br />

caso haja suspeita ou confirmação de lesão cerebral<br />

traumática (LCT).<br />

7. Após a administração de agentes paralisantes, fazer a<br />

manobra de Sellick (pressão na cricoide) para diminuir o risco<br />

de aspiração.<br />

8. Confirmar a localização do tubo imediatamente após a<br />

intubação. A monitoração cardíaca contínua e a oximetria de<br />

pulso são necessárias durante e após a ISR. A localização do<br />

tubo deve ser verificada periodicamente durante o transporte<br />

e sempre que o doente for movimentado.<br />

9. Podem ser necessárias doses repetidas de sedação e<br />

agentes paralisantes para manter a curarização.<br />

PROCEDIMENTO<br />

1. Preparar o equipamento necessário.<br />

2. Assegurar a permeabilidade dos acessos venosos.<br />

3. Pré-oxigenar o doente com oxigénio 100% por<br />

aproximadamente 3 a 4 minutos, se possível.<br />

4. Instalar monitor cardíaco e oxímetro de pulso.<br />

5. Administrar um sedativo, como midazolam, caso necessário.<br />

6. Na presença de suspeita ou confirmação de LCT, administrar<br />

lidocaína (1,5 mg/kg) 2 a 3 minutos antes da administração de<br />

um agente paralisante.<br />

7. Em doentes pediátricos, administrar atropina (0,01-0,02 mg/kg)<br />

1 a 3 minutos antes da curarização para minimizar a resposta<br />

. vagai à intubação.<br />

8. Administrar um agente paralisante endovenoso de curta<br />

duração, como, por exemplo, succinilcolina. Devem ocorrer<br />

paralisia e relaxamento muscular no prazo de 30 segundos. A<br />

manobra de Sellick pode ser utilizada.<br />

a. Adulto: 1 a 2 mg/kg<br />

b. Crianças: 1 a 2 mg/kg<br />

9. Introduzir o tubo traqueal. Se as tentativas iniciais forem<br />

malsucedidas, as novas tentativas devem ser precedidas por<br />

pré-oxigenação.<br />

10. Confirmar a localização do tubo.<br />

11. Se tentativas sucessivas de intubação traqueal não tiverem<br />

sucesso, considerar a colocação de uma via aérea cirúrgica<br />

ou alternativa.<br />

12. Usar doses de agentes paralisantes de longa duração, como,<br />

por exemplo, vecurônio, para manter a curarização:<br />

a. Dose inicial: 0,1 mg/kg EV em bolo *<br />

b. Doses subsequentes: 0,01 mg/kg a cada 30-45 minutos<br />

13. Repetir as doses de sedação conforme necessário.<br />

Observação:As exigências são variáveis para cada doente.<br />

por um curto período de tempo, pode resultar em hipoxia grave<br />

que leve à lesão cerebral (encefalopatia hipóxica) e até mesmo à<br />

morte. Portanto, o socorrista deve esforçar-se bastante para asse¬<br />

gurar que a cânula esteja adequadamente posicionada. Técnicas<br />

para verificar a intubação incluem o uso da avaliação clínica e<br />

| medidas complementares'. A avaliação clínica compreende:<br />

Visão direta da passagem do tubo através das cordas vocais<br />

Presença de murmúrio vesicular bilateral (auscultar bila¬<br />

teralmente abaixo da axila) e ausência de sons aéreos no<br />

epigástrio<br />

Visão da elevação e descida do tórax durante a ventilação<br />

Embaçamento (condensação de vapor de água) no tubo tra¬<br />

queal, na expiração<br />

Infelizmente, nenhuma dessas técnicas é por si só totalnente<br />

segura para verificar a localização adequada do tubo; por<br />

[isso, é prudente que, na prática, se possível, haja preocupação<br />

com a avaliação e documentação de lodos os achados clínicos.<br />

Em raras ocasiões, por causa da anatomia difícil, pode não ser<br />

possível ver o tubo passando através das cordas vocais. Em um<br />

veículo em movimento (terrestre ou aéreo), o barulho do motor<br />

pode tornar quase impossível a ausculta do murmúrio vesicu¬<br />

lar. Obesidade e doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)<br />

podem interferir na capacidade de visualizar a movimentação<br />

torácica durante a ventilação.<br />

Os recursos de monitoração incluem os seguintes:<br />

Q Monitor de dióxido de carbono no ar expirado<br />

(capnografia)<br />

0 Detector esofágico<br />

3 Detector colorimétrico de dióxido de carbono<br />

s Oximetria de pulso<br />

Assim como a avaliação clínica, nenhum desses recursos é<br />

100% seguro em todos os doentes. Emum doente com pulsação,


150 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 7-21<br />

Medicações mais Usadas na Intubação com Ajuda Farmacológica<br />

Medicação Dose (Adulto) Dose (Pediátrica) Indicações<br />

Oxigénio<br />

Alto fluxo; Ventilações<br />

assistidas, quando<br />

necessárias para<br />

atingir saturação de<br />

oxigénio de 100%, se<br />

possível<br />

PRÉ-TRATAMENTO<br />

Alto fluxo; Ventilações<br />

assistidas, quando<br />

necessárias para<br />

atingir saturação de<br />

oxigénio de 100%, se<br />

possível intubação<br />

Todos os doentes serão<br />

submetidos com ajuda<br />

farmacológica<br />

Complicações/<br />

Efeitos Colaterais<br />

Lidocaína 1-1,5 mg/kg 1,5 mg/kg EV Lesão cerebral Convulsões<br />

Atropina<br />

Midazolam (Dormonid®)<br />

0,1-0,15 mg/kg até<br />

-0,3 mg/kg EV<br />

0,01-0,02 mg/kg EV<br />

(dose mínima: 0,1 mg)<br />

INDUÇÃO DA SEDAÇÃO<br />

0,1-0,15 mg/kg até<br />

0,3 mg/kg EV<br />

Intubação pediátrica,<br />

prevenção de<br />

bradicardia e excesso<br />

de secreções<br />

Sedação<br />

Taquicardia<br />

Depressão respiratória/<br />

apneia, hipotensão<br />

Fentanil 2-3 mcg/kg EV 1-3 mcg/kg EV Sedação Depressão respiratória/<br />

apneia, hipotensão,<br />

bradicardia<br />

Etomidato 0,2-0,3 mg/kg EV Não aprovado para<br />

crianças com menos<br />

de 10 anos de idade<br />

Sedação, anestesia<br />

induzida<br />

Apneia, hipotensão e<br />

vómitos<br />

PARALISIA QUÍMICA<br />

Succinilcolina (Quelicin"1'] 1-2 mg/kg EV 1-2 mg/kg EV Relaxamento muscular<br />

e paralisia (curta<br />

duração)<br />

Vecurônio (Norcuron®) 0,1 mg/kg 0,1 mg/kg Relaxamento muscular<br />

e paralisia (duração<br />

intermediária)<br />

Pancurônio (Pavulon®) 0,04-0,1 mg/kg 0,04-0,1 mg/kg Relaxamento muscular<br />

e paralisia (longa<br />

duração)<br />

Hipercalemia,<br />

fasciculações<br />

rfiusculares<br />

Hipotensão<br />

Taquicardia, hipertensão<br />

e salivação<br />

o monitor de dióxido de carbono expirado (capnógrafo) serve<br />

como um "padrão ouro" para determinar a localização traqueal<br />

da cânula na sala de cirurgia. Essa técnica pode ser usada como<br />

parâmetro no pré-hospitalar, se estiver disponível. Doentes em<br />

parada cardiorrespiratória não produzem dióxido de carbono e,<br />

portanto, nem os detectores colorimétricos nem a capnografia<br />

podem ser úteis em doentes cpie não têm ritmo cardíaco que<br />

permita perfusão tecidual.<br />

Pelo fato de nenhuma dessas técnicas ser totalmente confiável,<br />

devem ser verificados todos os dados clínicos previamente<br />

descritos, a menos que não seja possível, e deve-se seguir pelo<br />

menos um dos recursos complementares. Se qualquer uma das<br />

técnicas usadas para verificar o posicionamento adequado suge¬<br />

rir que o tubo pode não estar bem posicionado, ele deve ser ime¬<br />

diatamente removido e reintroduzido, verificando-se outra vez<br />

seu posicionamento. Todas as técnicas utilizadas para verificar<br />

o posicionamento do tubo devem ser anotadas no relatório de<br />

atendimento.<br />

Fixação do Tubo Traqueal. Uma vez feita a intubação traqueal, o<br />

tubo deve ser manualmente mantido na posição correia, e seu<br />

posicionamento adequado, verificado; deve ser anotada a pro¬<br />

fundidade de inserção do tubo com relação aos dénles incisivos<br />

(dentes anteriores). Em seguida, o tubo traqueal deve ser fixado<br />

no local. O método mais usado é aplicar uma fita adesiva no<br />

tubo e na face do doente. Infelizmente, secreções e sangue em<br />

geral dificultam a aderência da fita, o que permite o movimento<br />

e eventual deslocamento do tubo traqueal. Existem no comércio


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 151<br />

diversos produtos para proporcionar fixação adequada da via<br />

aérea definitiva. O ideal, se houver um número suficiente de<br />

pessoas, é que alguém assuma a tarefa de segurar com a mão o<br />

tubo na posição adequada para garantir que ele não se mova.<br />

A oximelria de pulso contínua deve ser considerada obrigalóría<br />

para todos os doentes que necessitem de intubação traqueal.<br />

Qualquer queda na leitura da oximelria de pulso (SaO.,),<br />

ou o aparecimento de cianose, deve alertar imediatamente o<br />

socorrista para verificar se o tubo permanece na traqueia. Além<br />

disso, o tubo traqueal pode, também, ser deslocado durante<br />

qualquer movimentação do doente. A localização do tubo deve<br />

ser verificada após qualquer movimentação do doente, como no<br />

rolamento em bloco para colocá-lo sobre a prancha longa ou<br />

durante o transporte do doente para descer uma escada.<br />

•it:<br />

% $<br />

V,<br />

.Ç;V Ç *<br />

•<br />

'--V<br />

Técnicas Alternativas<br />

Caso o socorrista não tenha conseguido posicionar adequada¬<br />

mente o tubo traqueal após três tentativas, ele deve reavaliar<br />

a possibilidade de controlar a via aérea utilizando as técnicas<br />

básicas descritas anteriormente, ventilando o doente com bolsavalva-máscara.<br />

Se o hospital cie destino estiver perto, essas téc¬<br />

nicas podem ser a opção mais prudente para o controle da via<br />

aérea, diante de um transporte de curta duração. Se o hospital<br />

apropriado mais próximo estiver mais distante, então pode ser<br />

considerada uma das técnicas alternativas descritas a seguir.<br />

Intubação Digital. A intubação digital, ou látil, foi precursora clo<br />

usoatual do laringoscópio para intubação traqueal. Basicamente,<br />

os dedos do profissional atuam de maneira muito semelhante<br />

]_ à lâmina do laringoscópio, manipulando a epiglote e aluando<br />

j como guia para o posicionamento correio do tubo traqueal.<br />

Indicações<br />

| ÿ Doentes nos quais a intubação traqueal não foi possível,<br />

mas que podem ser ventilados com bolsa-valva-máscara<br />

| b Falta equipamento de intubação ou ele não funciona<br />

j n Via aérea não visível ou obstruída por grande quantidade<br />

a<br />

de sangue ou vómito<br />

Doente preso em ferragens ou escombros, com<br />

impossibilidade de intubação face a face<br />

\_Contraindicações<br />

Qualquer doente que não esteja em coma e possa morder<br />

os dedos do profissional (pode ser usado um bocal ou<br />

outro objeto para morder, para manter a boca do doente<br />

aberta)<br />

|_ Complicações<br />

a Intubação esofágica<br />

| a Laceração ou esmagamento dos dedos do socorrista<br />

1<br />

1 Hipoxia ou hipercapnia durante o procedimento<br />

b Lesão das cordas vocais<br />

Máscara Laríngea. A máscara laríngea (ML) é mais uma alterna-<br />

[tiva para controle da via aérea em doentes infantis e adultos<br />

nconscientes ou com depressão acentuada do nível de cons-<br />

| ciência. O dispositivo consiste em um anel de silicone inflá-<br />

| vel conectado diagonalmente a um tubo de silicone (Fig. 7-22).<br />

| Quando em posição, o anel proporciona uma vedação de baixa<br />

FIGURA 7-22<br />

Máscara laríngea.<br />

pressão entre a ML e a abertura da glote sem que haja a inserção<br />

direta do dispositivo na laringe.<br />

Vantagens da ML:<br />

1. O dispositivo foi desenvolvido para introdução às cegas.<br />

Não é necessária a visão direta da traqueia ou cias cordas<br />

vocais.<br />

2. Com limpeza e conservação adequadas, a ML pode ser<br />

reutilizada várias vezes.<br />

3. Já estão disponíveis ML descartáveis.<br />

4. A ML está disponível em vários tamanhos, o que permite<br />

que sirva tanto para doentes pediátricos quanto para adultos.<br />

•í<br />

Até agora, o uso pré-hospitalar da ML tem sido maior na<br />

Europa do que nos Estados Unidos. Uma modificação recente<br />

é o aparecimento da "ML para intubação". Esse dispositivo é<br />

introduzido como a ML original, mas é passado através dela um<br />

tubo traqueal flexível, que intuba a traqueia; isso garante a via<br />

aérea sem a necessidade de visão das cordas vocais.<br />

Indicações<br />

s Dispositivo para usar quando não for possível fazer a<br />

intubação traqueal e o doente não puder ser ventilado com<br />

bolsa-valva-máscara<br />

Contraindicações<br />

na Possibilidade de fazer a intubação traqueal<br />

h Treinamento insuficiente<br />

Complicações<br />

h Aspiração, pois ela não evita completamente a regurgitação<br />

nem protege a traqueia<br />

b Laringospasmo<br />

Ventilação Percutânea Transtraqueal. Em raras situações, a obstru¬<br />

ção da via aérea de um doente traumatizado pode não ser resol¬<br />

vida pelos métodos já descritos. Nesse caso, pode ser feita uma<br />

traqueostomia por punção, usando-se a técnica de ventilação


152 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

através de cateter perciilâneo translraqueal. Comprovou-se que<br />

uma oxigenação adequada pode ser obtida com o uso de ven¬<br />

tilação percutânea translraqueal (VPT), com a manutenção de<br />

níveis aceitáveis de CO-, por 30 minutos."<br />

Vantagens da ventilação percutânea translraqueal (VPT):<br />

1. Acesso fácil (pontos de referência facilmente<br />

reconhecíveis)<br />

2. Fácil realização<br />

3. Necessidade mínima de equipamento<br />

4. Não há necessidade de incisões<br />

5. Necessidade mínima de treinamento<br />

Indicações<br />

ÿ<br />

Quando as outras técnicas alternativas de tratamento da<br />

via aérea falham ou são impraticáveis e o doente não pode<br />

ser ventilado com bolsa-valva-máscara<br />

Contraindicações<br />

e Treinamento insuficiente<br />

h Falta de equipamento adequado<br />

0 Possibilidade do manter a via aérea permeável com outra<br />

técnica descrita previamente ou de ventilar com<br />

bolsa-va1va-máscara<br />

e Doentes com lesões laringolraqueais<br />

ss Crianças abaixo de 10 anos<br />

h Doentes com doença laríngea de origem traumática ou<br />

infecciosa<br />

® Treinamento insuficiente<br />

Complicações<br />

e Procedimento demorado<br />

h Hemorragia<br />

® Aspiração<br />

£ Falso trajelo ou colocação do tubo em local errado<br />

ia Lesões de estruturas do pescoço ou vasos sanguíneos<br />

e Perfuração de esôfago<br />

Melhora Contínua da Qualidade (MCQ)<br />

Com a literatura questionando a eficácia da intubação pré-hospi¬<br />

talar de doenles vítimas de traumas, é importante que o diretor<br />

médico do serviço de emergência, ou alguém por ele designado,<br />

revise, de modo individual, todas as intubações ou técnicas<br />

invasivas relacionadas à via aérea realizadas fora do hospital.<br />

Isso é ainda mais importante em caso de uso de medicamentos<br />

para facilitar a tentativa de intubação. Os pontos específicos a<br />

serem considerados incluem:<br />

Complicações<br />

a Hipercapnia por uso prolongado (a eliminação do dió¬<br />

xido de carbono não é elicaz como nos outros métodos de<br />

ventilação)8<br />

s Lesão das estruturas vizinhas, incluindo laringe, glândula<br />

tireóide, artérias carótidas, veias jugulares e esôfago<br />

Cricotireoidostomia Cirúrgica. A cricolireoidostomia cirúrgica con¬<br />

siste na realização de uma abertura cirúrgica na membrana cricotireoidea,<br />

que se localiza entre a laringe e a cartilagem cricoide.<br />

Na maioria dos doentes, a pele é mais fina nesse local,<br />

o que torna mais fácil o acesso imediato à via aérea.9 Deve ser<br />

usada como "último recurso" no tratamento pré-hospitalar da<br />

via aérea.<br />

O uso da via aérea cirúrgica no ambiente pré-hospitalar é<br />

controverso. Técnicas eficientes de intubação traqueal deveriam<br />

minimizar inclusive a necessidade de pensar na sua utilização.<br />

A cricotireoidostomia cirúrgica nunca deve ser o método inicial<br />

de controle da via aérea. Os dados existentes até o momento são<br />

insuficientes para recomendar que a cricotireoidostomia cirúr¬<br />

gica seja estabelecida como padrão de rotina, em nível nacio¬<br />

nal. no controle da via aérea no atendimento pré-hospitalar. A<br />

cricotireoidostomia cirúrgica deve ser orientada por protocolos<br />

locais.<br />

Indicações<br />

Trauma facial extenso impossibilitando o uso de bolsavalva-máscara<br />

h Incapacidade de controlar a via aérea com manobras<br />

menos invasivas<br />

h Hemorragia traqueobrônquica persistente<br />

Contraindicações<br />

e Qualquer doente que possa ser intubado com segurança,<br />

tanto através da boca quanto por via nasal<br />

e<br />

h<br />

e<br />

e<br />

Adesão a protocolos e procedimentos<br />

Número de tentativas<br />

Confirmação da colocação do tubo e os procedimentos usa¬<br />

dos em sua verificação<br />

Resultados e complicações<br />

Indicações adequadas para uso de agentes de indução, se<br />

administrados<br />

Documentação adequada das doses e vias de administração<br />

de drogas e monitorainento do doente durante e após a<br />

intubação<br />

Um programa eficaz de melhoria contínua da qualidade<br />

(MCQ) do controle da via aérea não deve ser visto como "puni¬<br />

ção", mas sim como uma oportunidade educacional para socor¬<br />

ristas, atendenles e o diretor médico. Uma vez que a maioria<br />

destes programas é de aulorrelato, quaisquer resultados usados<br />

para disciplinar um dado profissional pode levar a incorreções.<br />

O programa de MCQ deve ser diretamente ligado ao programa<br />

de educação continuada de uma organização. Após a identifi¬<br />

cação de um problema no desempenho desta função, um com¬<br />

ponente educacional deve ser desenvolvido, para resolver as<br />

questões levantadas. Avaliações de acompanhamento devem<br />

• ser realizadas, para determinar se o componente educacional<br />

foi eficaz.<br />

Dispositivos para Ventilação<br />

Todo traumatizado deve receber suporte ventilatório apropriado<br />

com oxigénio suplementar para garantir que a hipoxia seja cor¬<br />

rigida ou completamente prevenida. Ao decidir que método<br />

ou equipamento utilizar, os socorristas devem considerar os<br />

seguintes dispositivos e as concentrações de oxigénio que cada<br />

um pode fornecer (Fig. 7-23).


j<br />

j<br />

CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 153<br />

Máscaras<br />

Seja qual for a máscara escolhida para dar suporte venlilatório<br />

ao doente traumatizado, a máscara ideal deve ler as seguintes<br />

características:<br />

1. Ter um bom ajuste.<br />

2. Estar equipada com válvula unidirecional.<br />

3. Ser feita de material transparente.<br />

4. Ter entrada para aporte de oxigénio.<br />

5. Estar disponível em tamanhos para bebés, crianças e<br />

adultos.<br />

A ventilação boca-máscara bem realizada fornece volumes<br />

correntes satisfatórios, pois proporciona uina vedação facial<br />

bem adequada mesmo quando utilizada por quem não o faz com<br />

muita frequência.<br />

Bolsa-Valva-Máscara<br />

0 balão autoinflável com dispositivo de fluxo unidirecional<br />

pode ser usado associado a dispositivos artificiais de suporte da<br />

via aérea, tanto básicos (COF, CNF] quanto avançados (cânula<br />

| endotraqueal, nasotraqueal). A maioria dos balões comerciali¬<br />

zados tem um volume de 1.600 ml e proporciona uma concen-<br />

| tração de oxigénio em torno de 90% a 100%. Alguns modelos<br />

têm um detector colorimétrico de dióxido de carbono acoplado.<br />

Entretanto, um socorrista que tente ventilar o doente sozinho<br />

com bolsa-valva-máscara poderá fornecer volumes correntes<br />

baixos, porque é muito difícil manter uma vedação facial ade¬<br />

quada e ao mesmo tempo pressionar o balão adequadamente. O<br />

socorrista deve praticar sempre esse método para garantir que<br />

a sua técnica seja a mais eficiente possível, para que o doente<br />

traumatizado receba suporte ventilatório adequado.<br />

Dispositivos com Válvula de Demanda de Oxigénio<br />

com Controle Manual<br />

Os dispositivos com válvula de demanda de controle manual<br />

podem fornecer oxigénio a 100%. Já que o socorrista não pode<br />

sentir a complacência pulmonar durante a ventilação, ele deve<br />

ser cauteloso para não hiperinsuflar os pulmões. É fácil man¬<br />

ter uma vedação facial adequada com esse dispositivo, pois ele<br />

| requer apenas uma das mãos para ser utilizado. As complicaj<br />

ções incluem: distensão gástrica, hiperinsuflação pulmonar,<br />

| barotrauma e ruptura pulmonar. Esses dispositivos não devem<br />

: ser usados no atendimento pré-hospitalar, salvo em circunstân-<br />

[ cias muito especiais.<br />

Respiradores de Pressão Positiva<br />

spiradores de volume de pressão positiva durante um trans-<br />

| porte prolongado há muito são utilizados no transporte aeronédico.<br />

No entanto, uma maior quantidade de unidades terres-<br />

[ três adota a utilização de ventilação mecânica como um meio<br />

| de controlar a frequência, profundidade e volume minuto em<br />

[doentes traumatizados. Deve-se ressaltar que só devem ser usai<br />

respiradores ciciados a volume com alarmes adequados e<br />

ontrole/alívio de pressão. Esses respiradores não precisam ser<br />

[ião sofisticados quanto os que são usados nos hospitais e têm<br />

| apenas alguns modos simples de ventilação:<br />

FIGURA 7-23 Dispositivos de Ventilação e<br />

Concentração de Oxigénio<br />

Dispositivo<br />

Fluxo em<br />

Litros (l/min)<br />

SEM OXIGÉNIO SUPLEMENTAR<br />

Boca a boca N/A 16%<br />

Boca-máscara N/A 16%<br />

Bolsa-máscara N/A 21%<br />

COM OXIGÉNIO SUPLEMENTAR<br />

Concentração<br />

de Oxigénio*<br />

Cânula nasal 1-6 24%-45%<br />

Boca-máscara 10 50%<br />

•Máscara facial<br />

simples<br />

Bolsa-máscara sem<br />

reservatório<br />

Bolsa-máscara com<br />

reservatório<br />

Máscara sem<br />

reinalação com<br />

reservatório<br />

8-10 40%-60%<br />

8-10 40%-60%<br />

10-15 90%-100%<br />

10-15 90%-100%<br />

Válvula de demanda N/A 90%-100%<br />

Respirador N/A 21%-100%<br />

"As percentagens indicadas são aproximadas.<br />

N/A, Não se aplica.<br />

Controle Assistido (C/A). A ventilação com C/A é provavelmente o<br />

modo de ventilação mais utilizado no transporte pré-hospitalar<br />

da cena até o setor de emergência. O ajuste C/A libera ventila¬<br />

ções em uma frequência e volume corrente pré-ajustados. Caso<br />

o doente inicie uma respiração espontânea, é liberada uma ven¬<br />

tilação adicional de volume corrente completo, que pode levar<br />

à respiração excessiva e à superinflação dos pulmões.<br />

Ventilação Mandatória Intermitente (VMI). A VMI libera uma fre¬<br />

quência e um volume corrente definidos. Caso o doente inicie<br />

uma respiração espontânea, somente a quantidade que ele real¬<br />

mente inspira será liberada.<br />

Pressão Expiratória Final Positiva (PEEP). A PEEP fornece um nível<br />

elevado de pressão ao final da expiração, mantendo, dessa<br />

maneira, os sacos alveolares e a pequena via aérea aberta e preen¬<br />

chida de ar por um tempo maior. Essa intervenção fornece maior<br />

oxigenação. No entanto, ao aumentar a pressão expiratória final<br />

e, portanto, a pressão intratorácica global, a PEEP pode diminuir<br />

o retorno venoso ao coração. Em doentes hemodinamicamente<br />

instáveis, a PEEP pode diminuir ainda mais a pressão arterial. A<br />

PEEP também deve ser evitada em doentes com lesões cerebrais<br />

traumáticas. O aumento da pressão torácica pode causar uma ele¬<br />

vação da pressão intracraniana.


154 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

E3<br />

Aumento da pressão intratorácica, provocando pneumotó¬<br />

rax simples ou até bipertensivo<br />

Concentração de Oxigénio. A concentração de oxigénio deve sei<br />

ajustada para manter a saturação em 95% ou mais, ao nível do<br />

mar, em doentes vítimas de traumas.<br />

FIGURA 7-24<br />

Oxímetro de pulso.<br />

Ajustes Iniciais das Ventilações Mecânicas<br />

Frequência. A princípio, a frequência é ajustada para 10 a 12 res¬<br />

pirações por minuto em doentes adultos em apneia. No hospi¬<br />

tal, a frequência é aumentada ou diminuída, dependendo dos<br />

níveis de C02 no sangue arterial (PaC02). Deve-se notar que,<br />

em doentes vítimas de traumas com lesões mullissistêmicas,<br />

a leitura final corrente de C02 pode não ser correlacionada às<br />

leituras reais. Por isso, o aumento ou redução da frequência,<br />

baseada estritamente na ETC02, deve ser feito com cautela. A<br />

ETCO., deve ser usada combinada a outras leituras e aos sinais<br />

vitais, determinando a melhor ação para o doente. A ETCO, que<br />

foi correlacionada à gasomelria arterial, porém, pode ser usada<br />

como tendência da PaC02 real. Isso pode ser observado durante<br />

o transporte inter-hospitalar destes doentes.<br />

Volume corrente (vc). O volume corrente deve ser ajustado em 5 a<br />

7 ml/kg do peso corpóreo ideal do doente. Esses valores devem<br />

ser usados como guia, podendo necessitar de ajustes em doen¬<br />

tes vítimas de traumas.<br />

PEEP<br />

A pressão positiva ao final da expiração deve ser inicialmente<br />

ajustada a 5 cm H20. Este valor mantém o que é conhecido<br />

como PEEP fisiológico. Esta é a quantidade de PEEP normal¬<br />

mente presente na via aérea antes da intubação. Após a intubação,<br />

essa pressão positiva é removida. Embora maiores níveis<br />

de PEEP possam ser necessários em caso de piora da lesão<br />

traumática, isso raramente ocorre nas primeiras horas após o<br />

trauma. O socorrista pode encontrar doentes que necessitem de<br />

altos níveis de PEEP durante a transferência entre hospitais. A<br />

equipe hospitalar, antes da transferência, estabelece esses níveis<br />

de PEEP. Deve-se ter cuidado caso a PEEP seja elevada, pois<br />

complicações adversas podem ser observadas, como:<br />

ej<br />

s<br />

Redução da pressão arterial secundária ao menor retorno<br />

venoso torácico<br />

Aumento da pressão intracraniana<br />

Alarme de Alta Pressão/ Válvula Pop-Off. O alarme de alta pressão e<br />

a válvula de liberação da pressão excessiva [pop-ofj] devem ser<br />

ajustados a, no máximo, .10 cm IT20 acima da pressão necessá¬<br />

ria à ventilação normal do doente (pico da pressão inspirató¬<br />

ria). Deve-se ter cuidado quando o alarme é ajustado acima de<br />

40 cm H20. Níveis mais elevados produzem barotrauma e são<br />

associados ao maior risco de desenvolvimento de pneumotórax,<br />

Caso seja necessária uma pressão superior a 40 cm PI20 para<br />

administração do volume corrente adequado, a via aérea deve<br />

ser reavaliada, e o volume corrente, pré-ajustado. A redução do<br />

volume corrente e o aumento da frequência para manutenção<br />

da mesma ventilação alveolar por minuto podem ser medidas<br />

prudentes. Como com qualquer alarme, caso este continue a ser |<br />

ativado por mais do que algumas respirações, o doente deve<br />

ser desconectado do respirador e ventilado manualmente atra¬<br />

vés de bolsa-valva-máscara, enquanto o circuito do ventiladorI<br />

e o tubo endotraqueal são avaliados. O doente deve também ser<br />

reavaliado quanto ao aumento de complacência. Tal aumento<br />

de complacência ou resistência pode ser causado por muitos<br />

fatores. O primeiro e mais comum destes fatores, observado<br />

em doentes vítimas de traumas, é pneumotórax bipertensivo<br />

ou melhora do nível de consciência, levando à "resistência" ao<br />

tubo. O pneumotórax bipertensivo deve ser tratado por meio<br />

da descompressão torácica, como indicado. O maior nível de<br />

consciência deve ser tratado, se possível, por meio da admi- j<br />

nistração de um agente sedativo. Outros possíveis problemas !<br />

incluem deslocamento ou obstrução d0stubo. De modo algum o<br />

socorrista deve simplesmente continuar a elevar o limite supe¬<br />

rior da pressão.<br />

Alarme de Baixa Pressão.O alarme de baixa pressão alerta o socor¬<br />

rista de que houve desconexão entre o doente e o ventilador ou<br />

de que há perda de um volume significativo por vazamento no<br />

circuito, Na maioria dos ventiladores de transporte, este alarme<br />

é predefinido e não pode ser ajustado.<br />

Monitoração<br />

Oximetria de Pulso<br />

Nos últimos anos, aumentou o uso da oximetria de pulso no<br />

ambiente pré-hospitalar. A utilização adequada dos oxímetros<br />

de pulso permite aos socorristas detectai' precocemente o com- 1<br />

prometimento pulmonar e a deterioração cardiovascular, antes ,<br />

que os sinais clínicos sejam evidentes. Os oxímetros de pulso<br />

são úteis no atendimento pré-hospitalar graças a sua alta confiabilidade,<br />

portabilidade, facilidade de utilização e utilidade em<br />

todas as idades e raças (Fig. 7-24).<br />

Os oxímetros de pulso fornecem medidas pontuais da satu-|<br />

ração da oxiemoglobina arterial (Sa02) e da frequência cardíaca.<br />

A SaO., é determinada pela medida da razão de absorção da luz<br />

vermelha e infravermelha que passa através dos tecidos. Um


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 155<br />

pequeno microprocessador correlaciona alterações na absorção<br />

da luz causada pela pulsação sanguínea através dos leitos vas¬<br />

culares para determinar a saturação arterial e a frequência de<br />

pulso. A Sa02 normal silua-se entre 93% e 95% no nível do mar.<br />

Quando a Sa02 é menor que 90%. na maioria das vezes há com¬<br />

prometimento grave da oxigenação lecidual. Em grandes altitu¬<br />

des, os níveis aceitáveis de Sa02 são de 90%. Nessas condições,<br />

o bom senso clínico deve ser usado para determinar quais níveis<br />

são aceitáveis.<br />

Para garantir leituras confiáveis do oxímetro.de pulso, é<br />

importante que os socorristas sigam as seguintes regras:<br />

1. Usar sensores de tamanho e tipo adequados.<br />

2. Garantir o alinhamento adequado do sensor de luz.<br />

3. Garantir que a fonte de luz e o folodeleclor estejam limpos,<br />

secos e em bom estado de conservação.<br />

4. Evitar colocar o sensor em locais muito edemaciados.<br />

FIGURA 7-25<br />

Detector portátil de dióxido de carbono<br />

expirado.<br />

Problemas comuns que podem interferir nas medidas da<br />

SaO,:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

b<br />

b<br />

B<br />

Movimentação excessiva<br />

Umidade nos sensores de Sa02<br />

Aplicação e localização inadequada dos sensores<br />

Perfusão ruim ou vasoconstrição decorrente de hipotermia<br />

Anemia<br />

Envenenamento por monóxido de carbono<br />

Em um doente traumatizado grave, a oximetria de pulso<br />

pode não ser confiável por causa da perfusão periférica ruim.<br />

Assim, o oxímetro de pulso é apenas um valioso instrumento<br />

adicional para compor a "caixa de ferramentas" do socorrista,<br />

quando associado a um conhecimento completo da fisiopatologiado<br />

trauma e sólidas técnicas de avaliação e intervenção.<br />

Capnografia<br />

0 capnógralo, ou monitor de dióxido de carbono expirado<br />

(ETC02), vem sendo usado em unidades de terapia intensiva<br />

há muitos anos. Avanços recentes na tecnologia permitiram a<br />

produção de unidades menores e mais resistentes para uso préhospitalar<br />

(Fig. 7-25). O capnógralo mede a pressão parcial de<br />

dióxido de carbono (PC02 ou ETC02) em uma amostra de gás.<br />

Se esta amostra for obtida ao final da expiração, aproxima-se<br />

muito da medida da PC02arterial (PaC02).<br />

A maioria das unidades hospitalares de tratamento intensivo<br />

estabeleceu o uso da técnica da via principal da fluxo. Essa téc¬<br />

nica posiciona o sensor diretamente dentro da principal rota do<br />

gás exalado. Nos doentes que estão sendo ventilados com bolsavalva,<br />

o sensor é posicionado entre ele e a cânula traqueal. No<br />

doente grave, a PaC02 é geralmente 2 a 5 mmHg mais alta que a<br />

ETC02. (A leitura normal de ETC02 em um doente traumatizado<br />

grave está entre 30 e 40 mmHg.) Embora essas leituras possam<br />

não reflctir totalmente a PaC02 dos doentes, a sua manutenção<br />

dentro dos níveis normais será, na maioria dos casos, benéfica<br />

para o doente.<br />

Embora haja uma correlação muito próxima da capnografia<br />

com a PaC02, certas condições causarão variações na sua pre¬<br />

cisão. Essas condições ocorrem comumenle no ambiente pré-<br />

hospitalar e incluem hipotensão grave, pressão intratorácica<br />

alta e qualquer aumento no espaço morto venlilatório, tal como<br />

ocorre na embolia pulmonar. Portanto, o acompanhamento dos<br />

níveis de ETCO., pode ser mais importante do que se concentrar<br />

em leituras específicas. A capnografia contínua é outra ferra¬<br />

menta no tratamento pré-hospitalar do doente traumatizado e<br />

deve ser correlacionada a todas as outras informações sobre o<br />

doente. As decisões iniciais sobre o transporte baseiam-se nas<br />

condições físicas c ambientais. Por exemplo, não é conveniente<br />

perder tempo preparando a moniloração do doente se ele estiver<br />

perdendo sangue. A capnografia deve ser utilizada como uma<br />

ferramenta para monitorar o posicionamento do tubo traqueal e<br />

também monitorar continuamente o estado dq doente durante<br />

o transporte. Uma queda súbita do C02 expirado pode ser cau¬<br />

sada por deslocamento do tubo traqueal ou por diminuição da<br />

perfusão, e deve induzir a uma reavaliação imediata da posição<br />

do tubo traqueal e do estado do doente.111<br />

Transporte Prolongado<br />

O controle da via aérea de um doente antes e durante um trans¬<br />

porte prolongado exige um processo complexo de tomada de<br />

decisão por parte do socorrista. A intervenção para controlar<br />

e liberar a via aérea, especialmente com técnicas avançadas,<br />

depende de vários fatores, incluindo as lesões do doente, as<br />

habilidades clínicas do socorrista, o equipamento disponível e<br />

a distância e o tempo de transporte até o local do tratamento<br />

definitivo. Os riscos e benefícios de Iodas as opções disponíveis<br />

para o controle da via aérea devem ser considerados antes de se<br />

tomar uma decisão final sobre o controle da via aérea. Uma dis¬<br />

tância e um tempo de transporte mais longos diminuem o limiar<br />

de segurança da intubação traqueal. Para transportes de 15 a 20<br />

minutos, as técnicas básicas, incluindo a ventilação com cânula<br />

orofaríngea e bolsa-valva-máscara, podem ser suficientes. A uti¬<br />

lização de transporte aeromédico também diminui o limiar para<br />

a realização de intubação traqueal, já que um ambiente confi-


156 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

nado e barulhento dificulta a avaliação contínua e o controle<br />

da via aérea.<br />

Todo doente que necessita de controle da via aérea ou de<br />

suporte ventilatório deve ser submetido a uma avaliação contí¬<br />

nua. A oximetria de pulso contínua deve ser realizada em todos<br />

os doentes traumatizados durante o transporte, e a capnografia<br />

deve ser fortemente considerada para todos os doentes intubados.<br />

A perda do CO., corrente final (ETCO.,) indica desconexão<br />

do circuito de respirador ou, mais grave, deslocamento do tubo<br />

traqueal, 011 diminuição significativa da perfusão do doente.<br />

Todas essas causas possíveis exigem uma ação imediata. Os<br />

sinais vitais seriados também devem ser registrados em doentes<br />

que necessitam de intervenções ventilatories ou na via aérea.<br />

A confirmação da intubação traqueal, como descrita anterior¬<br />

mente, deve ser feita cada vez que o doente é movido ou reposi¬<br />

cionado. Também é uma boa ideia confirmar frequentemente a<br />

segurança de qualquer dispositivo na via aérea.<br />

Todo doente que precise de aumento da Fi02 ou PEEP a fim<br />

de manter a oxigenação deve ser cuidadosamente reavaliado.<br />

Possíveis etiologias incluem o desenvolvimento de pneumo¬<br />

tórax ou piora das contusões pulmonares. A presença ou sus¬<br />

peita de pneumotórax deve ser monitorada de perto quanto<br />

ao desenvolvimento de um pneumotórax hipertensivo, e, caso<br />

ocorra comprometimento hemodinâmico, deve ser realizada a<br />

descompressão pleural. Os doentes queimados devem recebei<br />

oxigénio suplementar para manter SaOv maior ou igual a 95%;<br />

ao passo que os doentes sabidamente ou com suspeita de enve-j<br />

nenamento por monóxido de carbono devem receber oxigénio<br />

a 100%. Lembre-se de que a ventilação com pressão positiva<br />

pode converter um pneumotórax simples em um pneumotórax<br />

hipertensivo. Caso o doente apresente um pneumotórax aberto<br />

selado, o curativo deve ser aberto para liberar qualquer pressão<br />

que possa ter-se acumulado. Antes de embarcar em 11111 trans¬<br />

porte prolongado de 11111 doente, as necessidades potenciais de<br />

oxigénio devem ser calculadas, e quantidades suficientes de oxi¬<br />

génio devem estar disponíveis para o transporte. Uma boa regra<br />

prática é levar 50% a mais de oxigénio do que o previsto.<br />

A sedação intermitente de um doente intubado agitado pode<br />

ser necessária. A sedação também pode diminuir o esforço res¬<br />

piratório e de qualquer "luta contra o respirador", quando se<br />

usa ventilação mecânica. Pequenas doses de benzodiazepines<br />

devem ser tituladas por via endovenosa. O uso de bloqueadores<br />

neuromusculares também pode ser considerado caso o doente<br />

esteja muito agitado e a via aérea esteja assegurada com 11111 tubo<br />

traqueal, e o socorrista tenha treinamento adequado e seja cre¬<br />

denciado para tal procedimento.<br />

RESUMO<br />

O doente traumatizado está sujeito a várias lesões que podem<br />

prejudicar a ventilação e as trocas gasosas. Lesões torácicas,<br />

obstrução de via aérea, lesão do sistema nervoso central e<br />

hemorragia podem resultar em perfusão tecidual inadequada.<br />

O atendimento adequado do doente vítima de trauma requer<br />

que o socorrista entenda ou saiba realizar:<br />

a<br />

Integrar os princípios da ventilação e troca gasosa à fisiopatologia<br />

do trauma, identificando doentes com perfusão<br />

inadequada.<br />

Relacionar os conceitos de volume minuto e oxigenação à<br />

fisipatologia do trauma.<br />

Explicar os mecanismos em que a administração suple¬<br />

mentar de oxigénio e o suporte ventilatório são benéficos<br />

para o doente vítima de trauma.<br />

Dadas as situações que envolvem diversos doentes víti¬<br />

mas de traumas, formular um plano de controle da via<br />

aérea e ventilação.<br />

Dadas as pesquisas atuais, entender os riscos e benefícios<br />

durante a discussão de novos procedimentos invasivos.<br />

Determinar, durante o exame do doente, a relativa difieul- 1<br />

dade da intubação endotraqueal.<br />

Dado um cenário, desenvolver um plano de controle da<br />

via aérea em um determinado doente, em um determi¬<br />

nado local.<br />

O controle da via aérea não é isento de riscos. Ao aplicar<br />

certas técnicas e modalidades, o risco deve ser comparado ao<br />

possível benefício para aquele doente em particular. O que<br />

pode ser a melhor escolha para um doente em uma determi¬<br />

nada situação pode não ser para outro, com quadro similar.<br />

Decisões críticas concretas devem set usadas na determina¬<br />

ção do que é melhor para o doente vítima de trauma.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 157<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

As evidências físicas da cena sugerem que o motorista sofreu<br />

ação de forças cinéticas capazes de gerar lesões com risco<br />

de vida. A posição em que foi encontrado o doente aponta a<br />

existência de múltiplos impactos.<br />

0 doente apresenta vários sinais de comprometimento da<br />

via aérea e insuficiência ventilatória. A ventilação é ruidosa<br />

e irregular, tem alteração do nível de consciência e necessita<br />

de aspiração constante da via aérea. A hemorragia nasal e<br />

dos ouvidos, somada ao aparecimento precoce dos "olhos de<br />

guaxinim", sugere a presença de fratura de base de crânio. A<br />

avaliação primária indica uma rápida deterioração do doente,<br />

que necessita de intervenção agressiva para controle da via<br />

aérea e transporte rápido para o hospital.<br />

A primeira equipe que chegou ao local já estava adminis¬<br />

trando oxigénio e ventilando com bolsa-valva-máscara, sem<br />

dificuldade. A assistência ventilatória contínua e a imobilização<br />

da coluna cervical devem ser mantidas enquanto se procede à<br />

avaliação para verificar a dificuldade em proceder à intubação<br />

«i.T\Y<br />

traqueal. Os socorristas devem ser cuidadosos, a fim de garan¬<br />

tir que a via aérea permaneça permeável e as ventilações<br />

manuais sejam eficientes.<br />

Após a avaliação da via aérea do doente quanto à dificuldade<br />

da intubação, você percebe que esta não será simples. Você<br />

decide que, dados os 4 minutos necessários ao transporte,<br />

a provável dificuldade de intubação do doente e a facilidade<br />

com que as ventilações com bolsa-valva-máscara estão<br />

sendo administradas, manterá a ventilação com a bolsavalva-máscara<br />

juntamente com a COF. Você estabelece o<br />

acesso intravenoso durante o transporte ao centro de trauma.<br />

Você tem cuidado para manter a eficácia da imobilização e<br />

sempre reavalia o estado geral do doente. Para garantir a<br />

ativação adequada da resposta do centro trauma, você o<br />

notifica durante o transporte. Ao chegar à instituição, você,<br />

concisamente, fornece todas as informações pertinentes<br />

acerca do incidente, do doente e das intervenções médicas<br />

ao médico receptor ou integrante da equipe de trauma. ÿ<br />

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Weitzel N,Kendal J, Pons P. Blind nasotraachealintubationfor patients<br />

with penetrating neck trauma, / Trauma 56(5):'1097, 2004.


158 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Técnicas de Controle da Via Aérea e de Ventilação<br />

Tração da Mandíbula no Trauma d<br />

Princípio: Abrir a via aérea sem movimentar a coluna cervical.<br />

Tanto na tração da mandíbula no trauma como na elevação do queixo no trauma, enquanto é mantida a imobilização da cabeça e I<br />

do pescoço alinhados em posição neutra, a mandíbula é movida anteriormente (para a frente). Esta manobra move a língua para |<br />

frente, tirando-a da hipofaringe, e mantém a boca ligeiramente aberta.<br />

Posicionado na cabeceira do doente, o socorrista coloca as<br />

mãos uma de cada lado da cabeça do doente, com os dedos<br />

apontando caudalmente (em direção aos pés do doente).<br />

Dependendo do tamanho das mãos do socorrista, os dedos são<br />

colocados sobre a face e ao redor do ângulo da mandíbula do<br />

doente.<br />

Cuidadosamente com esses dedos, aplica-se a pressão de<br />

modo simétrico, movendo a mandíbula do doente anteriormente<br />

(para frente) e ligeiramente para baixo (em direção aos pés do<br />

doente).<br />

Tração da Mandíbula no Trauma Alternativa d<br />

Princípio: Abrir a via aérea sem mover a coluna cervical.<br />

A tração da mandíbula no trauma também pode ser realizada<br />

com o socorrista posicionado ao lado do doente, olhando de<br />

frente na direção da cabeça do doente. Os dedos apontam para<br />

a posição cefálica (para a parte de cima da cabeça do doente).<br />

Dependendo do tamanho das mãos do socorrista, os dedos<br />

são espalhados pela face e envolvem o ângulo da mandíbula.<br />

Cuidadosamente, é aplicada pressão, de forma simétrica, por<br />

esses dedos, para mover a mandíbula anteriormente (para<br />

a frente) e discretamente para baixo (em direção aos pés do<br />

doente).


ÿ<br />

CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 159<br />

n<br />

.<br />

Elevação do Mento no Trauma ÿ<br />

Princípio: Abrir a via aérea sem movimentar a coluna cervical.<br />

Com um socorrista posicionado na cabeceira do doente, a cabeça e o<br />

pescoço são alinhados em posição neutra, e é mantida a estabilização<br />

manual. Um segundo socorrista posiciona-se ao lado do doente entre<br />

os ombros e os quadris, olhando para a cabeça do doente. Com a mão<br />

mais próxima dos pés do doente, prende os dentes ou a arcada dentária<br />

inferior entre o polegar e os dois primeiros dedos, colocados abaixo do<br />

queixo. 0 socorrista, então,traciona o queixo do doente anterioriormente<br />

-e discretamente para baixo, elevando a mandíbula e abrindo a boca.<br />

Cânula Orofaríngea<br />

Princípio: Recurso usado para manter mecanicamente aberta a via aérea de um doente que está sem o reflexo do vomito.<br />

Acânula orofaríngea (COF) é desenhada para manter a língua do doente posicionada anteriormente,fora da faringe. Está disponível<br />

em vários tamanhos, devendo ser escolhido o tamanho adequado para cada doente, a fim de garantir a permeabilidade da via<br />

aérea. 0 uso da COF é contraindicado em doentes que tenham o reflexo do vómito presente.<br />

*<br />

Há duas maneiras eficientes de inserir a COF: o método de inserção com elevação da mandíbula e da língua, e o método de<br />

inserção com abaixador de língua. Seja qual for o método utilizado, um socorrista deve estabilizar a cabeça e o pescoço alinhados<br />

i posição neutra, enquanto um segundo socorrista mede e introduz a COF.


160 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Método de Introdução com Elevação da Língua e da<br />

Mandíbula<br />

Um socorrista mantém a cabeça e o pescoço do doente<br />

alinhados em posição neutra enquanto abre a via aérea com<br />

a manobra da tração da mandíbula no trauma. Um segundo<br />

socorrista escolhe e mede apropriadamente a COF. A distância<br />

do canto da boca do doente até o lóbulo da orelha é uma boa<br />

estimativa do tamanho adequado.<br />

A via aérea do doente é aberta com a manobra de elevação do<br />

mento. A COF é virada de forma que a sua extremidade distai<br />

aponte para o topo da cabeça do doente (a extremidade com a<br />

aba fica virada para o lado da cabeça do doente) e introduzida<br />

na boca.<br />

A COF é introduzida na boca do doente e rodada para seguir o<br />

contorno anatómico do doente.<br />

A COF é rodada até que a sua curvatura interna esteja em contato<br />

direto com a língua, afastando-a da parte posterior da faringe. As<br />

abas da COF devem apoiar-se na superfície externa dos dentes<br />

do doente.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 161<br />

ÿ—***ÿ<br />

HRi<br />

Método de Introdução com o Abaixador de Línguad<br />

Aintrodução com o abaixador de língua é provavelmente um método mais seguro, pois elimina a possibilidade de rasgarou perfurar<br />

acidentalmente as luvas ou a pele do socorrista, por dentes quebrados, pontiagudos ou afiados. Este método também afasta a<br />

possibilidade de o socorrista ser mordido por um doente cujo nível de consciência não esteja tão rebaixado como previamente<br />

avaliado ou que venha a ter convulsão.<br />

bkb. IWS<br />

0 primeiro socorrista coloca a cabeça e o pescoço do doente<br />

ÿk Ájí alinhados em posição neutra e mantém a estabilização enquanto<br />

ÿt|ÿ w* abre a via aérea com a manobra detração da mandíbula notrauma.<br />

Im Um segundo socorrista escolhe e mede a cânula orofaríngea de<br />

Jfc. -<br />

tamanho adequado.<br />

0 segundo socorrista traciona o queixo do doente, abrindo a boca,<br />

e posiciona o abaixador de língua dentro dela, de forma a mover a<br />

língua para a frente e a manter a via aérea aberta.<br />

0 dispositivo é inserido com a extremidade de abas da cânula<br />

apontando para os pés do doente e a outra extremidade para<br />

dentro da boca, seguindo a curvatura da via aérea.<br />

A COF é avançada até que a extremidade com abas se apoie na<br />

superfície externa dos dentes do doente.


162 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Cânula Nasofaríngea d<br />

Princípio: Recurso usado para manter mecanicamente aberta a via aérea de um doente com ou sem reflexo de vómito.<br />

A cânula nasofaríngea (CNF) é um recurso simples que proporciona uma maneira eficiente de manter permeável a via aérea em<br />

um doente que ainda tem o reflexo de vómito presente. Quando a CNF tem tamanho adequado, a maioria dos doentes é capaz de<br />

tolerá-la. As CNF estão disponíveis em uma grande variedade de diâmetros (diâmetro interno de 5 a 9 mm); o comprimento varia<br />

conforme o diâmetro. As CNF geralmente são feitas de material flexível, como borracha. Não se recomenda o uso de CNF rígidas<br />

no pré-hospitalar.<br />

0 primeiro socorrista posiciona a cabeça e o pescoço do doente<br />

alinhados em posição neutra e mantém a estabilização enquanto<br />

abre a via aérea com a manobra da tração da mandíbula no trauma.<br />

Um segundo socorrista examina as narinas do doente com uma<br />

lanterna e escolhe a que for mais larga e menos desviada ou obstruída<br />

(geralmente a narina direita).0 segundo socorrista escolhe otamanho<br />

da CNF adequado à narina, um tamanho com diâmetro um pouco<br />

menor que o tamanho da abertura da narina (geralmente o diâmetro<br />

do dedo mínimo do doente).<br />

0 comprimento da CNF também é importante. A CNF deve ser<br />

longa o bastante para proporcionar uma passagem de ar entre a<br />

língua e a parte posterior da faringe. A distância entre o nariz e o<br />

lóbulo da orelha é uma boa estimativa do tamanho adequado.<br />

A ponta distai (sem abas) da CNF é bem lubrificada com geleia<br />

hidrossolúvel.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 163<br />

v...... W/WW<br />

Hl<br />

I||<br />

ÿ<br />

N| •<br />

A CNF é lentamente inserida na narina escolhida. A introdução<br />

deve ser na direção anteroposterior, ao longo da base da<br />

cavidade nasal, e não em direção superoinferior. Se for<br />

encontrada resistência na extremidade posterior da narina,<br />

uma movimentação cuidadosa para trás e para a frente, com a<br />

CNF entre os dedos, geralmente ajudará na passagem através<br />

dos ossos turbinados da cavidade nasal sem danos. Caso a<br />

CNF mesmo assim ainda encontre resistência, não deverá ser<br />

forçada sua passagem pela obstrução; ela deve ser retirada,<br />

novamente lubrificada e inserida através da outra narina.<br />

0 segundo socorrista continua a introdução até que a extremidade<br />

com abas da CNF esteja próxima à entrada da narina ou que o<br />

doente apresente reflexo de vómito. Se o doênte apresentar<br />

reflexo de vómito, a CNF é retirada parcialmente.


164 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

•v.'V<br />

Ventilação com Bolsa-Valva-Máscara<br />

Princípio: O método preferido de ventilação assistida.<br />

A ventilação usando o sistema bolsa valva-máscara apresenta vantagens sobre outros sistemas de suporte ventilatório po:<br />

permitir que o profissional responsável pelo atendimento pré-hospitalar perceba a pressão no balão, indicando a complacênciil<br />

do pulmão. Isso garante o sucesso das ventilações; em caso de alteração, há indicação de perda do selamento da máscaras»<br />

presença de patologias na via aérea ou de problemas torácicos, interferindo com o sucesso das ventilações. Essa percepção eé|<br />

possibilidade de controle também fazem com que a bolsa-valva-máscara seja adequada à ventilação assistida. Sua portabilidad<br />

e a possibilidade de uso imediato tornam a combinação bolsa-valva-máscara um equipamento útil à ventilação logo apóssj<br />

identificação de sua necessidade.<br />

Sem oxigénio suplementar, porém, a bolsa-valva-máscara fornece oxigénio em concentração de apenas 21%, ou uma fraçãij<br />

de oxigénio inspirado (Fi02) igual a 0,21; assim que possível, um reservatório de oxigénio, com alta concentração suplementi<br />

deve ser conectado. Quando o oxigénio é conectado sem um reservatório, a Fi02 é limitada a 0,50 ou menos; com o reservatório<br />

a Fi02 é igual ou superior a 0,85.<br />

Se o doente sendo ventilado está inconsciente, sem reflexo do vómito, uma cânula orofaríngea de tamanho adequado devi<br />

ser inserida antes da tentativa de ventilação com bolsa-valva-máscara. Caso o reflexo do vómito esteja intacto, uma cânulíj<br />

nasofaríngea, de tamanho adequado, deve ser inserida antes das tentativas de ventilação.<br />

Existem diversos tipos de bolsa-valva-máscara, incluindo descartáveis, de uso único,que são relativamente baratas. Diferenli<br />

marcas apresentam modelos variáveis de balão, válvula e reservatório. Todas as partes usadas devem ser do mesmo modelos<br />

marca, pois geralmente não são intercambiáveis de modo seguro.<br />

As unidades de bolsa-valva-máscara são encontradas em tamanhos adultos, pediátricos e neonatais. Em uma emergênoísj<br />

embora um balão de tamanho adulto possa ser usado com uma máscara pediátrica, o emprego do balão de tamanho corretor<br />

recomendado, como medida de segurança. Em doentes adultos, ventilações adequadas são conseguida? com a administraçãodsj<br />

no mínimo, 800 ml/ventilação (de preferência, 1.000-1.200 ml/ventilação).<br />

Durante a ventilação com qualquer equipamento de pressão positiva, a insuflação deve ser interrompida após a elevaçs:]<br />

máxima do tórax. Durante o uso da bolsa-valva-máscara, o tórax deve ser monitorado quanto à insuflação máxima e qualquel<br />

aumento expressivo da resistência do balão deve ser reconhecido, indicando a expansão pulmonar máxima. É preciso aguarde]<br />

o período necessário à expiração (relação entre o tempo de inalação e o tempo de expiração igual a 1:3). Se isso não for feito,sij<br />

ventilações são "curtas, interrompidas", com maior volume de inspiração do que de expiração. As ventilações curtas produza<br />

pouca troca aérea e geram hiperinsuflação, maior pressão, abertura do esôfago e distensão gástrica.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 165<br />

Método com Dois Socorristas<br />

A realização da ventilação com bolsa-valva-máscara por dois socorristas é mais fácil do que a realizada com apenas um<br />

profissional. 0 primeiro socorrista pode prestar atenção na manutenção do selamento adequado da máscara, enquanto o segundo<br />

pode administrar um bom volume de ar, usando as 'duas mãos para apertar (desinflar) o balão.<br />

0 primeiro socorrista se ajoelha acima da cabeça do doente e a<br />

estabiliza, manualmente, junto com o pescoço, em alinhamento<br />

neutro.<br />

A máscara facial é colocada sobre o nariz e a boca do doente<br />

e mantida em posição com os polegares colocados em sua<br />

porção lateral, enquanto traciona a mandíbula em direção ao<br />

equipamento. Os demais dedos são usados na estabilização<br />

manual e manutenção da abertura da via aérea.<br />

0 segundo profissional se ajoelha ao lado do doente e pressiona<br />

o balão com ambas as mãos, insuflando os pulmões.


166 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

Cânulas Supraglóticas<br />

Nota: O Combitube® e a via aérea King são usados nas ilustrações a seguir apenas com fins de demonstração. Outras marcasó<br />

cânulas supraglóticas podem ser usadas, conforme a preferência local.<br />

Combitube<br />

Princípio: Dispositivo mecânico usado para abrir e manter a via aérea quando for impossível fazer a intubação.<br />

As cânulas supraglóticas fornecem aos socorristas uma alternativa funcional para controle da via aérea. 0 dispositivo éi<br />

recurso aceitável para uso no pré-hospitalar e requer pouco treinamento para uso de forma eficiente. A grande vantagem desi<br />

cânula é que pode ser introduzida independentemente da posição em que o doente se encontra (introduzida às cegas), o que<br />

importante em doentes traumatizados com alto índice de suspeita de lesão cervical. As indicações para o uso da cânula supraglóS<br />

são as mesmas para a utilização de qualquer cânula - a necessidade de manter a via aérea permeável. Cada fabricante de cânula<br />

supraglóticas especifica idade e tamanho aplicáveis a cada tipo de cânula. 0 socorrista deverá seguir as instruções dos fabrican<br />

para a escolha do tamanho, contraindicações e procedimentos específicos para uso.<br />

Como com qualquer outro método invasivo, antes da introdução da cânula supraglótica, o doente deve ser pré-oxigenadoco<br />

altas concentrações de oxigénio, usando-se um dispositivo básico ou manobras manuais de abertura da via aérea.<br />

Como com qualquer outro equipamento médico, antes da introdução, a cânula supraglótica deve ser testada, e cada pari<br />

verificada. A ponta distai da cânula deve ser lubrificada com lubrificante hidrossolúvel.<br />

0 socorrista interrompe as ventilações e remove qualquer<br />

dispositivo auxiliar da via aérea. 0 doente está em posição<br />

supina, a língua e o queixo são elevados e tracionados para a<br />

frente com uma das mãos (elevação do mento).<br />

A ponta distal do tubo é inserida (deve-se tomar cuidado<br />

para não rasgar o balão ao inserir a cânula através de dentes<br />

quebrados).<br />

0 Combitube® é introduzido até a linha anelar que marca a<br />

posição dos dentes do doente.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 167<br />

Utilizando-se uma seringa grande, o balão faríngeo é insuflado<br />

com 100 ml de ar, e, em seguida, a seringa é retirada. 0 dispositivo<br />

fica posicionado na parte posterior da faringe logo atrás do<br />

palato duro.<br />

Utilizando-se uma seringa menor, o balão distai é insuflado com<br />

15 ml de ar, e, em seguida, a seringa é retirada. Comumente,<br />

o balão ficará posicionado (insuflado) no esôfago do doente. 0<br />

socorrista inicia a ventilação com o tubo esofágico (em geral,<br />

marcado com 1).<br />

Se a ausculta revelar murmúrio vesicular e não ocorrer distensão<br />

gástrica, o socorrista continua ventilando pelo tubo esofágico.<br />

Se a ausculta não mostrar murmúrio vesicular e ocorrer<br />

insuflação gástrica, o socorrista imediatamente deve ventilar<br />

com o tubo traqueal, mais curto (em geral, marcado com 2), e<br />

auscultar outra vez o murmúrio vesicular e o epigástrico para<br />

confirmar o posicionamento apropriado do tubo. 0 socorrista<br />

continua ventilando o doente e inicia o transporte imediato para<br />

o hospital.<br />

| Todas as cânulas esofagianas exigem que o doente não tenha o reflexo de vómito. Se o doente recuperar a consciência e começar<br />

atossir ou vomitar, o socorrista deve remover imediatamente o dispositivo. A retirada das cânulas esofagianas frequentemente<br />

causa vómito ou regurgitação. Desse modo, o equipamento para aspiração deve estar prontamente disponível quando o dispositivo<br />

for removido. Devem ser observadas as precauções universais.


168 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

:<br />

'<br />

:<br />

ÿ<br />

Cânulas King d<br />

Princípio: A cânula de lúmen único King LT é um dispositivo de inserção às cegas usado na ventilação de doentes vítimas i<br />

traumas.<br />

Este equipamento pode ser usado em doentes com mais de 1,2metro de altura e naqueles em que o risco de aspiração é considerado<br />

baixo. 0 King LT® é um tubo de lúmen único, com cuffs distal e oral (proximal). Diferentemente das cânulas de lúmen duplo, há<br />

apenas um tubo ventilatório e uma porta de insuflação com cuff. Isso simplifica o procedimento de inserção deste dispositivo]<br />

Deve ser notado que o King LT não protege contra a aspiração. Na verdade, seu fabricante lista a ausência de jejum como uma i<br />

contraindicações de seu uso, assim como "situações em que pode haver conteúdo gástrico, incluindo, mas não limitado a... lesões!<br />

múltiplas ou extensas, lesão abdominal ou torácica aguda...". É, portanto, necessário muito cuidado para evitar a aspiração durante)<br />

o uso deste equipamento em tais situações. . ,<br />

Escolha o tamanho correto do King LT, com base na altura do<br />

doente. Testar o sistema de cuff através da injeção do volume<br />

máximo recomendado de ar no cuff.<br />

Aplique um lubrificante hidrossolúvel na ponta distai em bisel e na<br />

parte posteriordotubo.Realize a pré-oxigenação. Segure o King<br />

LT com a mão dominante. Com a outra mão, mantenha a boca<br />

do doente aberta e eleve o queixo, mantendo a estabilização da<br />

coluna cervical.<br />

Introduza a ponta do equipamento na boca do doente e avance,<br />

atrás da base da língua. Faça uma rotação do tubo de volta<br />

à linha média quando a ponta atingir a parede posterior da<br />

faringe.


CAPÍTULO 7<br />

Controle da Via Aérea e Ventilação<br />

Avance o dispositivo até que a base do conector fique alinhada<br />

aos dentes.<br />

Insufle os cuffs. Os volumes de insuflação recomendados são<br />

os seguintes:<br />

Tamanho 3 45-60 mL<br />

Tamanho 4 60-80 mL<br />

Tamanho 5 70-90 mL<br />

Conecte a bolsa-valva ao King LT®. Durante a ventilação do<br />

doente, avalie-a, e, simultaneamente, retire a . cânula até que o<br />

processo seja fácil e tenha fluxo livre (grande volume corrente<br />

com pressão mínima da via aérea). Na extremidade proximal do<br />

King LT®, há marcas de referência, que, quando alinhadas aos<br />

dentes superiores, indicam a profundidade de inserção.<br />

Confirme o posicionamento adequado, através da ausculta e da<br />

movimentação do tórax e verifique a concentração de C02 por<br />

capnografia.<br />

Reajuste a insuflação do cuff a 60 cm H20<br />

selamento).<br />

Prenda o King LT® ao doente, usando esparadrapo ou outra forma<br />

aceita. Um mordedortambém pode ser utilizado, caso desejado.<br />

*Adaptado das instruções do fabricante de King LT®.<br />

(ou ao volume de


170 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Máscara Laríngea d<br />

Princípio: Dispositivo mecânico usado para manter a via aérea aberta sem visualização direta.<br />

A máscara laríngea (ML) é um dispositivo- que pode ser inserido pelo socorrista sem necessidade de visualização direta<br />

cordas vocais. Esta técnica de inserção às cegas tem vantagens sobre a intubação endotraqueal, já que os requerimentos dei<br />

treinamento inicial são menores, e seu aprendizado é mais fácil. A desvantagem da ML é que, embora forme um selo ao redorda<br />

abertura glótica, este não é tão oclusivo quanto o obtido com o tubo endotraqueal. A aspiração permanece como um problema<br />

em potencial. Outro possível problema é que a inserção da ML depende da colocação dos dedos do socorrista na boca do doente.<br />

Isso restringe o uso da ML a doentes completamente inconscientes. Como na colocação de qualquer dispositivo para via aérea|<br />

em doentes vítimas de traumas, a estabilização cervical deve ser mantida durante todo o procedimento.<br />

Esvazie o cuff da máscara e aplique um lubrificante de base<br />

aquosa em sua superfície posterior. Segure a ML com a mão<br />

dominante, entre o polegar e os demais dedos, na junção entre<br />

o cuff e o tubo.<br />

Segure a mandíbula com a outra mão e abra a boca do doente.<br />

Insira a ML na boca e pressione a ponta do cuff para cima,<br />

contra o palato duro, e achate-a contra ele.<br />

Guie (sem forçar) a ML pela boca e avance-a pela faringe.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 171<br />

_ -- - —- — -<br />

s .<br />

mssss<br />

Continue a avançar a ML através da hipofaringe, até sentir uma<br />

resistência definitiva. Segure a extremidade do tubo, retirando<br />

seus dedos da boca do doente.<br />

Insufle o cuffcom ar suficiente para manter o selamento. Nunca<br />

o insufle de modo excessivo, evitando a ocorrência de danos às<br />

estruturas da via aérea.<br />

Conecte a bolsa-valva-máscara ao tubo e confirme a existência<br />

de sons respiratórios durante a ventilação.


172 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

-<br />

Intubação Orotraqueal do Traumatizado sob Visão Direta d<br />

Princípio: Garantir via aérea definitiva sem movimentara coluna cervical.<br />

A intubação orotraqueal sob visão direta em doentes traumatizados é realizada com a cabeça e o pescoço do doente alinhados e<br />

imobilizados em posição neutra. A intubação orotraqueal com estabilização e alinhamento cervical necessita de mais treinamento e<br />

prática do que os necessários para intubação de doentes nãotraumatizados. Comotodas astécnicas,otreinamento requer observação,<br />

avaliação e certificação inicial, bem como reavaliação bianual pelo diretor médico do serviço ou por quem ele designar.<br />

Em doentes traumatizados hipóxicos que não estejam em parada cardíaca, a intubação não deve ser a manobra inicial de<br />

controle da via aérea. Antes de realizar a intubação, o socorrista deve pré-oxigenar o doente com altas concentrações de oxigénio,<br />

utilizando um dispositivo auxiliar ou manobras manuais de abertura da via aérea. 0 contato com a parte inferior da faringe durante<br />

a intubação em doentes com hipoxia grave, sem pré-oxigenação, pode, facilmente, produzir estímulo vagai, levando à bradicardia,<br />

que pode ser perigosa.<br />

0 socorrista não deve interromper a ventilação por mais de 20 segundos enquanto intuba o doente. A ventilação nunca deve<br />

ser interrompida por mais de 30 segundos por nenhum motivo.<br />

A intubação orotraqueal sob visão direta é muito difícil em doentes conscientes ou com o reflexo de vómito presente. 0 socorrista<br />

deve considerar o uso de anestesia tópica, ou de curares, após treinamento específico, seguindo o protocolo desenvolvido e<br />

aprovado pelo diretor médico do seu serviço.<br />

Para o socorrista principiante, o uso de lâmina reta tende a produzir menos força de rotação (empurrar a cabeça para a<br />

"posição de cheirador") do que a produzida quando se usa a lâmina curva. Entretanto, visto que a taxa de sucesso da intubação<br />

está frequentemente relacionada com a experiência do socorrista com um determinado material, a escolha do tipo de lâmina deve<br />

ser uma questão de preferência individual.<br />

Nota: 0 colar cervical limita a movimentação anterior da mandíbula e a abertura completa da boca. Por isso, depois<br />

garantida a imobilização adequada da coluna, o colar cervical pode ser removido, sendo a estabilização da coluna cervical<br />

mantida manualmente enquanto se faz a intubação. Após a intubação, o colar é recolocado.<br />

Antes de tentar a intubação, o socorrista deve preparar e testar<br />

todo o equipamento e seguir as precauções padrão. 0 primeiro<br />

socorrista ajoelha-se diante da cabeça do doente e ventila com<br />

bolsa-valva-máscara, com altas concentrações de oxigénio.<br />

0 segundo socorrista, ajoelhado ao lado do doente, mantém a<br />

estabilização manual da cabeça e do pescoço.<br />

Após a pré-oxigenação, o primeiro socorrista interrompe as<br />

ventilações, pega o laringoscópio com a mão esquerda e o<br />

tubotraqueal (TT) (com a seringa conectada à válvula do balão)<br />

com a mão direita. Se for usado fio-guia, ele deve ser inserido<br />

durante a preparação e teste do equipamento. A extremidade<br />

distal do fio-guia deve ser posicionada bem perto da abertura<br />

da extremidade distal do TT.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 173<br />

A lâmina de laringoscópio é introduzida pelo lado direito da boca<br />

do doente até a profundidade correta, passando em direção ao<br />

centro, enquanto são observadas as referências apropriadas.<br />

Após identificar as referências apropriadas, o TT é inserido<br />

através das cordas vocais até a profundidade adequada. 0<br />

laringoscópio é, então, removido, enquanto o tubo é segurado<br />

no lugar, anotando-se a marca da profundidade na lateral do<br />

tubo. Se tiver sido usado fio-guia flexível, ele deve ser removido<br />

nesse momento.<br />

Aválvulado balãoé insuflada comarsuficiente para completaroselo<br />

com a traqueia do doente (geralmente 8 a 10 ml de ar), e a seringa é<br />

desconectadadaválvula.Oprimeirosocorristaconectaabolsa-valva<br />

com reservatório na extremidade proximal do TT, e a ventilação<br />

é retomada enquanto se observa a elevação do tórax do doente a<br />

cadaventilação.Aestabilizaçãomanual da cabeça e do pescoçodo<br />

doente deve ser mantida durante todo o procedimento.A presença<br />

de murniúrio vesicular bilateral e a ausência de sons aéreos no<br />

epigástrio, associadas aos outros indicadores de posicionamento<br />

adequado do TT (como descrito na seção anterior, intitulada<br />

Verificação do Posicionamento de Tubo Endotraqueal, página<br />

148), incluindo a capnografia em onda são checadas. Assim<br />

que a intubação é confirmada, o TT é fixado no lugar. Embora o<br />

uso de fita adesiva ou outros dispositivos comerciais disponíveis<br />

seja adequado em situações controladas, em que o doente não é<br />

movimentado, a melhormaneira de impedira extubação do doente<br />

no pré-hospitalar é segurar o tubo o tempo todo.


174 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Intubação Orotraqueal Face a Face<br />

Princípio: Um método alternativo de garantir via aérea definitiva quando a posição do doente impede o uso dos métodos<br />

tradicionais.<br />

No pré-hospitalar, podem ocorrer situações que impeçam que o socorrista se posicione atrás da cabeça do doente para fazer a<br />

intubação traqueal da maneira tradicional. A intubação face a face é uma opção viável nessas situações. Os conceitos básicos<br />

de intubação também se aplicam à intubação face a face: pré-oxigenação com bolsa-valva-máscara e altas concentrações<br />

de oxigénio antes da tentativa de intubação, manutenção da estabilização manual da cabeça e do pescoço; não interrompera<br />

ventilação por mais de 20 a 30 segundos de cada vez, durante a intubação.<br />

Enquanto mantém a estabilização manual da cabeça e do<br />

pescoço do doente em posição alinhada e neutra, o socorrista<br />

posiciona-se na frente do doente, "face a face". 0 laringoscópio<br />

é segurado na mão direita, com a lâmina encostada na língua<br />

do doente. A lâmina empurra a língua para baixo e para fora,<br />

em vez de para cima e para fora. A via aérea do doente é aberta<br />

com a mão esquerda, e o laringoscópio, posicionado dentro da<br />

via aérea. Após o posicionamento da lâmina do laringoscópio<br />

na via aérea, são encontradas as referências desejadas. A<br />

visão é melhor ao se olhar a via aérea aberta de cima.


CAPÍTULO 7 Controle da Via Aérea e Ventilação 175<br />

Após a identificação das referências apropriadas, o TT é<br />

introduzido através das cordas vocais até a profundidade<br />

desejada, com a mão esquerda. 0 balão é insuflado com ar, para<br />

vedação, e a seringa, desconectada. Conecta-se a bolsa-valva<br />

e confirma-se a localização do tubo.<br />

Após a confirmação da localização do TT, o doente é ventilado<br />

enquanto o tubo é segurado na posição eémantidÿa estabilização<br />

manual da cabeça e do pescoço alinhados. 0 TT deve, então, ser<br />

fixado.<br />

Um método alternativo para a intubação face a face é<br />

segurar o laringoscópio com a mão esquerda e posicionar o<br />

tubo com a mão direita. Esse método pode impedir a visão da<br />

via aérea inferior enquanto o TT é posicionado.


~<br />

176 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

sÉsÉsã&sís<br />

ÿ<br />

n1': v?\C?' ÿ, .<br />

1 is.- ss .v- àKfÉl<br />

>.•_ ., i Hl ....<br />

Cricotireoidostomia com Agulha e Ventilação Transtraqueal Percutânea o<br />

Princípio: Método de oxigenação do doente que não pode ser intubado nem ventilado com bolsa-valva-máscara.<br />

Todos os materiais, exceto a agulha, o cilindro e o fluxômetro, devem ser modificados conforme a necessidade, pré-montadosi<br />

acondicionados para estarem imediatamente disponíveis no local. Quando essa técnica for necessária, o tempo é crucial.l<br />

equipamento deve estar pronto para uso, necessitando apenas conectar o fluxômetro e a agulha. 0 socorrista pode utilizar I<br />

disponíveis comercialmente que contêm todo o equipamento necessário. Se não dispuser deles, os equipamentos necessários são:!<br />

B3 Seringa: 10 a 30 ml<br />

a Para permitir a insuflação e a saída de ar dos pulmões na<br />

presença de fluxo constante de oxigénio, é necessário algum<br />

tipo de desvio (bypass). Dois exemplos:<br />

1. Um orifício de aproximadamente 40% da circunferência<br />

dotubo de oxigénio, feito na lateral, que pode ser ocluído<br />

pelo polegar<br />

2. Um conector plástico em "T" (torneirinha) ou "Y" (duplavia)<br />

de tamanho compatível com o tubo de oxigénio, com<br />

o comprimento-padrão universal do tubo de oxigénio<br />

s Um pequeno pedaço de tubo que será conectado à<br />

extremidade inferior do "T" ou "Y" e fixado firmemente<br />

ao canhão da agulha. (Isto deixa uma das aberturas do<br />

conector em "T" ou em "Y" livres, sem nada conectado.)<br />

0 Um cilindro de oxigénio com uma válvula reguladora que<br />

tenha uma saída de 50 psi de pressão e um bico de oxigénio<br />

suplementar<br />

s Tiras de esparadrapo de 1 cm<br />

0 doente deve estar em posição supina, mantendo-se a estabi¬<br />

lização manual com alinhamento.


CAPÍTULO 7<br />

Controle da Via Aérea e Ventilação<br />

IH<br />

«Iw<br />

A laringe e a traqueia são estabilizadas com os dedos de uma<br />

das mãos. A agulha, conectada à seringa, é posicionada na<br />

linha média sobre a membrana cricotireoidea ou diretamente<br />

dentro da traqueia com um ângulo ligeiramente caudal. Assim<br />

que a agulha for inserida dentro da traqueia, o êmbolo da seringa é<br />

puxado para criar uma pressão negativa. Quando a agulha entrar<br />

na traqueia, é aspirado ar pela seringa, confirmando que a ponta<br />

da agulha está apropriadamente posicionada. Avança-se, então,<br />

a agulha 1 cm e desconecta-se a seringa da agulha. Remove-se<br />

o mandril da agulha, deixando-se o cateter no lugar. 0 socorrista<br />

rapidamente envolve a agulha ou o canhão do cateter com a fita<br />

adesiva e fixa as pontas no pescoço do doente para fixar a via<br />

aérea. 0 socorrista deve tomar cuidado ao fixar o cateter, para<br />

evitar dobrá-lo.<br />

0 tubo de oxigénio é conectado ao canhão da agulha enquanto<br />

a outra mão que estava estabilizando a traqueia passa a segurar<br />

a agulha no lugar. Ventila-se ocluindo o orifício do tubo com o<br />

polegar por um segundo. 0 tórax do doente pode ou não subir,<br />

indicando se está ocorrendo insuflação. Para interromper<br />

o fluxo de oxigénio para os pulmões, retira-se o polegar da<br />

abertura.<br />

IVoía:0 processo passivo da expiração leva três ou quatro vezes mais tempo que a insuflação, na via aérea normal. Neste processo,<br />

aexpiração necessitará de um período maior, em virtude de a abertura ser pequena.<br />

Odoente é oxigenado pela alternância entre o fechamento do orifício, para fornecer fluxo positivo de oxigénio para insuflação, e a<br />

abertura do mesmo orifício, para interromper o fluxo de oxigénio e permitir a saída do ar. 0 tempo apropriado para a sequência de<br />

manobras é um segundo de oclusão do orifício para a insuflação e quatro segundos de liberação da abertura para a saída passiva<br />

doar. Esse processo deve ser continuado até que seja estabelecida uma via aérea mais definitiva.<br />

Depois de 45 a 60 minutos de ventilação percutânea transtraqueal (VPT), essa técnica pode levar a elevados níveis de PaC02 por<br />

causa da retenção de dióxido de carbono em virtude da restrição da expiração. Portanto, o doente deve ter uma via aérea mais<br />

definitiva estabelecida assim que possível.<br />

Atenção: Doentes ventilados por VPT podem continuar hipóxicos e instáveis. Os socorristas devem iniciar sem demora o transporte<br />

para o hospital apropriado, porque o doente precisa urgentemente de um procedimento cirúrgico transtraqueal mais definitivo<br />

cricotireoidostomia) para ventilação e oxigenação adequadas.


CAPITULO 8<br />

Choque<br />

Definir choque.<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a<br />

Explicar como a pré-carga, a pós-carga e a contratibilidade afetam o débito<br />

cardíaco.<br />

Classificar o choque com base em sua etiologia.<br />

Explicar a fisiopatologia do choque, incluindo a sua progressão por etapas<br />

Relacionar o choque à produção de energia, à etiologia, à prevenção e ao<br />

tratamento.<br />

Descrever os achados de exame físico do doente em choque.<br />

Diferenciar clinicamente os vários tipos de choque.<br />

Discutir as limitações do tratamento do choque do trauma.<br />

Identificar os doentes que necessitam de transporte rápido e de tratamento<br />

precoce definitivo nas várias formas de choque.<br />

Aplicar os princípios de tratamento do choque no doente traumatizado.


180 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

rmmmwnirr;:. "ÿíS<br />

Você e seu parceiro são enviados ao local de um tiroteio com diversas vítimas. O local fica em meio a uma rua escura.A<br />

polícia já está presente e declara que a cena está segura. Você encontra o primeiro indivíduo, com diversos ferimentos!1<br />

bala nas partes superiores e inferiores das costas. Ele respira rapidamente, de modo que é possível ver o ar se movendo pai!<br />

dentro e fora dos ferimentos torácicos. Este indivíduo está sobre uma mulher de idade similar (20 e poucos anos). Vocêo<br />

retira de cima dela e percebe que ele também apresenta vários ferimentos no abdome. Um desses ferimentos é localiza<br />

na parte anterior do abdome, e há protrusão de uma alça intestinal. Seu pulso é fraco e muito rápido. O indivíduo protegeu<br />

a mulher com seu corpo, que apresenta apenas alguns ferimentos por projétil nas pernas. Você percebe que há uma grande<br />

quantidade de sangue no asfalto, de um dos ferimentos das pernas, à altura do joelho.<br />

Quais lesões você espera observar nestes doentes? Como você pode tratá-los no local? Você está a 15 minutos de<br />

distância do centro de trauma mais próximo. Como isso altera seus planos de tratamento?<br />

Emborao choque em consequência de trauma seja recon¬<br />

hecido há mais de três séculos, as definições, em 1872,<br />

de Samuel Gross como "um desarranjo grosseiro da<br />

maquinaria da vida"1, e de John Collins como "uma pausa<br />

momentânea no ato da morte"2, enfatizam seu papel central<br />

contínuo como causa importante de morhidade e mortalidade<br />

no doente traumatizado. Um diagnóstico imediato, as mano¬<br />

bras de reanimação e o tratamento definitivo de choque resultante<br />

de trauma são Calores essenciais para a determinação do prog¬<br />

nóstico de um doente. O socorrista enfrenta desafios impor¬<br />

tantes em todas essas ações essenciais para o tratamento do<br />

choque. Para aumentar a sohrevida após o choque, é essencial<br />

uma compreensão exata da sua definição, da fisiopatologia e<br />

das características clínicas.<br />

No ambiente pré-hospitalar, o desafio terapêutico imposto<br />

pelo doente em choque é composto pela necessidade de avaliar<br />

e tratar lais indivíduos em um ambiente relativamente primi¬<br />

tivo e, ocasionalmente perigoso, no qual sofisticadas ferramentas<br />

de diagnóstico e tratamento são indisponíveis ou de aplicação<br />

impraticável. Este capítulo define e classifica o choque e des¬<br />

creve as alterações fisiopatológicas presentes nele, auxiliando o<br />

direcionamento das estratégias de tratamento. A importância da<br />

produção de energia e da preservação do metabolismo aeróbico<br />

nesta síntese é enfatizada, por ser a chave da vida.<br />

Definição de Choque<br />

Embora tenha muitas definições, o choque é quase sempre con¬<br />

siderado um estado de hipoperfusão celular generalizada no<br />

qual a liberação de oxigénio no nível celular é inadequada para<br />

atender às necessidades metabólicas. Com base nessa definição,<br />

o choque pode ser classificado em termos dos determinantes da<br />

perfusão e oxigenação celulares. Uma compreensão das altera¬<br />

ções celulares que surgem desse estado de hipoperfusão,<br />

como dos efeitos endócrinos, microvasculares, cardiovascujS<br />

res, teciduais e nos órgãos-alvo, também irá ajudar na escolhi<br />

das estratégias de tratamento.<br />

É provável que a melhor definição hoje existente para<br />

crever o devastador impacto deste processo sobre o doente éad!j<br />

Samuel Gross. Definições mais recentes tendem a se preocupa<br />

com a identificação do mecanismo de choque e os efeitos sobre<br />

a homeostase do doente. São mais específicas e, talvez, forma<br />

um quadro melhor das disfunções fisiopatológicas observada:.<br />

Este é o princípio básico do atendimento pré-hospitalar, já que<br />

o choque não é definido pela baixa pressão arterial, pelo pulso<br />

rápido e pela pele fria e úmida; estas são apenas manifestações<br />

sistémicas de lodo o processo patológico denominado choque.<br />

A definição correta de choque é a ausência de perfusão lecitina<br />

(oxigenação) em nível celular, levando ao metabolismo anaerá<br />

bico e à perda da produção de energia necessária à vida.<br />

Para o socorrista, ou qualquer outro profissional de saúde,<br />

entender essa condição anormal e ser capaz de desenvolver<br />

um plano terapêutico para prevenção ou reversão do choquo|<br />

importante conhecer e compreender o que ocorre no organismo<br />

em nível celular. As respostas fisiológicas normais usadas pelo<br />

corpo para se proteger do desenvolvimento de choque devem<br />

ser entendidas, reconhecidas e interpretadas. Somente, então<br />

é possível desenvolver uma abordagem racional ao tratamento<br />

dos problemas apresentados pelo doente em choque. A palavra<br />

importante é "entender".<br />

O choque pode matar o doente na cena, no pronto-socono,<br />

no centro cirúrgico ou na unidade de terapia intensiva. Embora<br />

a morte real possa ser retardada por várias horas a vários dia;<br />

ou mesmo semanas, sua causa mais comum é a falha da reanh<br />

mação inicial. A ausência de perfusão das células por sangue<br />

oxigenado resulta em metabolismo anaeróbico e diminuição d;<br />

função necessária à sohrevida do órgão. Mesmo quando algumas<br />

células são inicialmente poupadas, a morte pode ocorrer mais<br />

tarde, já que as células restantes são incapazes de desempenhar


CAPÍTULO 8 Choque 181<br />

indefinidamente, a função daquele órgão. Este capítulo explica<br />

este fenómeno e apresenta métodos para sua prevenção.<br />

Fisiologia<br />

Metabolismo: 0 Motor Humano<br />

0 corpo humano é composto por mais de 100 milhões de célu¬<br />

las, e cada uma destas células requer oxigénio para funcionar e<br />

produzir energia. As células retêm o oxigénio e o metabolizam<br />

por meio de um complicado processo fisiológico que produz<br />

energia. O metabolismo da célula requer energia, e as células<br />

devem ter combustível - glicose-para desempenhar esse pro¬<br />

cesso. Como em qualquer evento de combustão, um metabólilo<br />

também é produzido. No corpo, oxigénio e glicose são metabo¬<br />

lizados, produzindo energia, água (H.,0) e dióxido de carbono<br />

(C02).<br />

Este processo é similar ao que ocorre em um motor de carro:<br />

gasolina e ar são misturados e queimados para produzir ener¬<br />

gia, e o monóxido de carbono [CO) é criado como metabólilo.<br />

0 motor move o carro, o ar-condicionado regula a temperatura<br />

para o motorista e a eletricidade gerada é usada para acender os<br />

faróis, que mostram a estrada, tudo devido à queima de gaso¬<br />

lina, que produz energia.<br />

0 metabolismo aeróbico descreve o uso de oxigénio pelas<br />

células. Esta forma de metabolismo é o principal processo de<br />

combustão do corpo. A energia é produzida, usando oxigénio,<br />

ediante um complicado processo conhecido como ciclo de<br />

Kiebs. As células possuem uma fonte energética alternativa.<br />

0 metabolismo anaeróbico ocorre sem o uso de oxigénio. E o<br />

sistema energético de reserva do organismo, usando a gordura<br />

armazenada no corpo como fonte.<br />

Comparativamente, fontes alternativas de combustível tam¬<br />

bém existem para automóveis: na indisponibilidade de gaso¬<br />

lina ear, é possível dirigir um carro usando apenas a bateria e o<br />

motor elétrico de arranque. O automóvel somente pode se mover<br />

enquanto houver energia armazenada na bateria. Este movimento<br />

émuitomais lento e bem menos eliciente do que proporcionado<br />

porgasolina e ar. De certa forma, porém, funciona, embora a bate¬<br />

ria logo acabe e não haja mais energia para mover o carro, mesmo<br />

houver nova disponibilidade de ar e gasolina. No corpo, os<br />

problemas da utilização do metabolismo anaeróbico como fonte<br />

de energia são similares às desvantagens do uso da bateria para<br />

mover o automóvel: sua duração é curta, a produção de energia é<br />

menor e há produção de metabólitos que são tóxicos para o orga¬<br />

nismo, cujos danos podem ser irreversíveis.<br />

0 principal metabólito do metabolismo anaeróbico é a<br />

excessiva quantidade de ácido. Além disso, a produção de ener¬<br />

gia é reduzida em 15 vezes. Se o metabolismo anaeróbico não<br />

for revertido rapidamente, as células não conseguem continuar<br />

funcionando e morrem. Em caso de morte de um número elede<br />

células em qualquer órgão, o funcionamento deste é<br />

interrompido. Se muitas células de um órgão morrem, mas não<br />

suficiente para matá-lo, sua função será significativamente<br />

íuzida, e as células restantes terão de trabalhar ainda mais<br />

manter o funcionamento. Estas células sobrecarregadas<br />

podem ou não ser capazes de suportar toda a função do órgão.<br />

Mesmo com algumas células restantes, o órgão ainda pode mor¬<br />

rer. Um exemplo é um doente que sofreu um ataque cardíaco.<br />

0 fluxo sanguíneo e o oxigénio são desviados a uma porção do<br />

miocárdio (músculo do coração), e algumas células cardíacas<br />

morrem, reduzindo o débito cardíaco e o suprimento de oxigé¬<br />

nio ao restante do coração. Este, por sua vez, reduz ainda mais<br />

a oxigenação das células cardíacas restantes. Na ausência de<br />

células restantes em número suficiente, ou se estas não forem<br />

suficientemente fortes para assumir toda a função do coração<br />

para atender as necessidades de fluxo sanguíneo do corpo, pode<br />

haver insuficiência cardíaca. A não ser que haja uma melhora<br />

expressiva no débito cardíaco e na oxigenação, o doente, por<br />

fim, não sobrevive.<br />

Outro exemplo desse processo mortal ocorre nos rins. Em<br />

caso de lesão renal ou interrupção do suprimento adequado de<br />

sangue oxigenado, algumas das células renais começam a morrer,<br />

e a função deste órgão é reduzida. Outras células podem ser com¬<br />

prometidas, embora continuem a trabalhar por um tempo antes<br />

de morrer. Se muitas células morrerem, o menor nível de função<br />

renal leva à eliminação inadequada de metabólitos tóxicos, exa¬<br />

cerbando, ainda mais, a morte celular. Caso tal deterioração sisté¬<br />

mica continue, mais e mais órgãos morrem e, por fim, lodo o orga¬<br />

nismo (o indivíduo) morre. Dependendo do órgão inicialmente<br />

envolvido, a progressão da morte celular à morte do organismo<br />

pode ser rápida ou mais lenta. Podem se passar 2 ou 3 semanas<br />

antes que o dano causado pela hipoxia ou pela hipoperfusão nos<br />

primeiros minutos pós-trauma leve à morte do doente. A eficá¬<br />

cia das ações do socorrista na reversão ou prevenção da hipoxia<br />

(ausência de quantidade suficiente de oxigénio para atender os<br />

requerimentos celulares) e da hipoperfusão (ausência de quan¬<br />

tidade adequada de sangue passando pelas células do tecido)<br />

no crítico período pré-hospitalar pode não ser imediatamente<br />

aparente. Porém, essas medidas de reanimação são inquestiona¬<br />

velmente necessárias à sobrevida do doente. Tais ações iniciais<br />

são um componente crítico da "hora de ouro" do atendimento a<br />

traumas, como declarado pelo Dr. R. Adams Cowley.<br />

A sensibilidade das células à ausência dq oxigénio e a uti¬<br />

lidade do metabolismo anaeróbico é variável entre os sistemas<br />

orgânicos. Essa sensibilidade é denominada isquemia (ausência<br />

de oxigénio) e é maior no cérebro, no coração e nos pulmões.<br />

Pode levar apenas 4 a 6 minutos de metabolismo anaeróbico<br />

antes que um ou mais destes órgãos vitais sofram lesões que<br />

não possam ser reparadas. A pele e o tecido muscular apresen¬<br />

tam sensibilidade isquêmica significativamente maior - até 4<br />

a 6 horas. Os órgãos abdominais geralmente ficam entre estes<br />

dois grupos e são capazes de sobreviver por 45 a 90 minutos de<br />

metabolismo anaeróbico (Fig. 8-1).<br />

FIGURA 8-1<br />

Órgão<br />

Coração, cérebro, pulmões<br />

Rins, fígado, trato<br />

gastrointestinal<br />

Músculos, ossos, pele<br />

Tolerância Orgânica à Isquemia<br />

Tempo de Isquemia Quente<br />

4-6 minutos<br />

45-90 minutos<br />

4-6 horas<br />

(American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced trauma life<br />

support for doctors, student course manual, ed 7, Chicago, 2004, ACS.)


182 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

A sobrevida em longo prazo de cada órgão e do corpo como<br />

um todo requer o suprimento de importantes nutrientes (oxigé¬<br />

nio e glicose) às células. Outros nutrientes são também impor¬<br />

tantes, mas, já que a reposição destes outros materiais não é<br />

um componente do sistema de atendimento pré-hospitalar, não<br />

serão discutidos aqui. Embora esses fatores sejam importantes,<br />

estão além do escopo da atuação e dos recursos do socorrista. O<br />

principal item a ser suprido é o oxigénio.<br />

Princípio de Fick<br />

O princípio de Fick é a descrição dos componentes necessários<br />

à oxigenação das células do corpo. De Forma simples, estes três<br />

componentes são:<br />

1. Carregamento de oxigénio pelas hemácias no pulmão.<br />

2. Distribuição de hemácias pelas células teciduais.<br />

3. Descarregamento de oxigénio das hemácias para as células<br />

teciduais.<br />

Uma parte crucial de todo esse processo é que o doente<br />

deve possuir hemácias suficientes para Fornecer quantidades<br />

adequadas de oxigénio às células teciduais de todo o corpo, de<br />

modo que essas células possam produzir energia. Além disso,<br />

a via aérea do doente deve estar desobstruída, e a ventilação<br />

deve ser Feita em volume e proiundidade adequadas. (Cap. 7).<br />

O tratamento pré-hospitalar do choque é dirigido de Forma<br />

a garantir que os componentes críticos do princípio de Fick<br />

sejam mantidos, com o objetivo de impedir ou reverter o meta¬<br />

bolismo anaeróbico, assim evitando a ocorrência de morte<br />

celular e, por fim, morte do doente. Esses componentes devem<br />

ser bastante enFatizados pelo socorrista e são implementados<br />

no tratamento dos doentes vítimas de trauma por intermédio<br />

das seguintes ações:<br />

a<br />

s<br />

Manutenção de via aérea e ventilação adequadas, Forne¬<br />

cendo, assim, a quantidade correta de oxigénio às hemácias<br />

Uso criterioso de suplementação com oxigénio como parte<br />

da ventilação do doente<br />

Manutenção da circulação adequada, perFundindo, assim,<br />

as células teciduais com sangue oxigenado<br />

O primeiro componente (oxigenação dos pulmões e das<br />

hemácias) é discutido no Capítulo 7. O segundo componente<br />

do princípio de Fick envolve a perFusão, ou seja, a distribui¬<br />

ção de sangue às células teciduais. Uma analogia interessante<br />

usada na descrição da perFusão é pensar nas hemácias como<br />

veículos de transporte, os pulmões como armazéns de oxigénio,<br />

os vasos sanguíneos como estradas e as células teciduais como<br />

o destino do oxigénio. Um número insuficiente de veículos de<br />

transporte, obstruções nas estradas e/ou a baixa velocidade dos<br />

veículos podem contribuir na redução da distribuição do oxigé¬<br />

nio, levando à morte das células teciduais.<br />

O componente Fluido do sistema circulatório-sangue- con¬<br />

tém não apenas hemácias, como Fatores que combatem inFecções<br />

(leucócitos e anticorpos), plaquetas e Fatores que atuam na coa¬<br />

gulação em casos de hemorragia, proteínas para a reconstrução<br />

celular, nutrição, sob a Forma de glicose, e outras substâncias<br />

necessárias ao metabolismo e à sobrevida.<br />

Classificação do Choque<br />

Os determinantes principais da perFusão celular são: o coração<br />

(que alua como a bomba ou o motor do sistema), o volume díl<br />

líquidos (que atua como o Fluido hidráulico), os vasos sanguí- f<br />

neos (que servem como os condutos ou encanamentos) e, li<br />

mente, as células do corpo. Com base nesses componentes do|<br />

sistema de perFusão, o choque pode ser classificado nas seguin- 1<br />

tes categorias:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

Hipovolêmico, essencialmente hemorrágico no doente trau¬<br />

matizado, relacionado com a perda de volume sanguíneol<br />

circulante. É a causa mais comum de choque no doente|<br />

traumatizado.<br />

Distributivo (ou vasogênico), relacionado com as alterações |<br />

do tônus vascular decorrentes de várias causas diFerentes.<br />

Cavdiogênico, relacionado com a interFerôncia na função de|<br />

bombeamento do coração.<br />

A hemorragia é, sem dúvida, a causa mais comum de cho¬<br />

que no doente traumatizado, e a conduta mais segura dianteI<br />

de um doente traumatizado em choque é considerar a causa do|<br />

choque como hemorrágica, até prova em contrário.<br />

Descrições mais detalhadas desses diferentes tipos decho-l<br />

que serão apresentadas após uma discussão sobre a anatomiae|<br />

fisiopatologia relevantes do choque.<br />

Anatomia e Fisiologia<br />

Respostas Cardiovasculares, Hemodinâmicase<br />

Endócrinas<br />

Coração<br />

O coração consiste em duas câmaras que recebem o líquido (o;<br />

átrios) e duas câmaras que predominantemente o bombeiam (os<br />

ventrículos). A função dos átrios é receber e acumular o san¬<br />

gue, de tal modo que os ventrículos possam ser preenchido!<br />

rapidamente, minimizando a demora no ciclo de bombeamento<br />

Veia cava superior<br />

Artéria pulmonar ,\<br />

_<br />

•j<br />

Artéria pulmonar<br />

Átrio direito<br />

Veia<br />

Valva tricúspide 1<br />

* 11 A' A ÿ pulmonar<br />

Ventrículo direito<br />

Veia cava inferior<br />

FIGURA 8-2 Em cada contração do ventrículo direito, o sanguí<br />

é bombeado através dos pulmões. O sangue que volta dos<br />

pulmões penetra no lado esquerdo do coração e é bombeado<br />

pelo ventrículo esquerdo para o sistema vascular sistémico.


CAPÍTULO 8 Choque 183<br />

Veia<br />

pulmonar"<br />

Valva<br />

aórtica<br />

Aorta<br />

Veias<br />

pulmonares<br />

Átrio esquerdo<br />

Valva mitral<br />

Ventrículo esquerdo<br />

FIGURA 8-3 O sangue que volta dos pulmões é bombeado<br />

para fora do coração através da aorta para o resto do corpo<br />

pela contração do ventrículo esquerdo.<br />

O átrio direito recebe o sangue das veias de todo o corpo e o<br />

bombeia para o ventrículo direito. Cada vez que ocorre uma<br />

contração do ventrículo direito (Fig. 8-2), o sangue é bombeado<br />

através dos pulmões para a recarga de oxigénio das hemácias<br />

(Fig. 8-3).<br />

O sangue oxigenado vindo dos pulmões retorna ao átrio<br />

esquerdo e é bombeado para o ventrículo esquerdo. As hemá¬<br />

cias, então, são bombeadas pelas contrações ventriculares atra¬<br />

vés das artérias até os tecidos (Fig. 8-4).<br />

Embora seja um órgão único, o coração na verdade tem dois<br />

subsistemas. O átrio direito, que recebe o sangue da circulação<br />

sistémica, e o ventrículo direito, que bombeia o sangue para os<br />

pulmões, são chamados de "coração direito". O átrio esquerdo,<br />

que recebe o sangue oxigenado dos pulmões, e o ventrículo<br />

esquerdo, que bombeia o sangue para a circulação sistémica,<br />

são chamados de "coração esquerdo" (Fig. 8-5). A pré-carga<br />

(volume de sangue que entra no coração) e a pós-carga (pres¬<br />

são contra a qual o sangue tem de interagir ao ser comprimido<br />

para fora do ventrículo) dos sistemas de bombeamento do lado<br />

direito do coração (pulmonar) e do lado esquerdo do coração<br />

(sistémica) são importantes conceitos a serem compreendidos.<br />

O sangue é forçado pelo sistema circulatório através da con¬<br />

tração do ventrículo esquerdo. Este súbito aumento de pressão<br />

produz uma onda de pulso para empurrar o sangue através do<br />

sistema. O pico de aumento de pressão é a pressão sistólica e<br />

,Alvéolos<br />

CO, y/<br />

FIGURA 8-4 Em uma posição relaxada (diástole), o ventrículo<br />

enche-se de sangue oriundo das contrações do átrio. Nesse<br />

período, o sangue flui gradualmente através dos grandes vasos,<br />

à medida que a pressão diminui. Durante a contração ventricular<br />

(sístole), uma grande quantidade de sangue passa para o sistema<br />

vascular, aumentando a pressão. A ação cardíaca e o fluxo<br />

sanguíneo estão ilustrados em A, e a onda de pulso é vista em B.<br />

Células teciduais<br />

FIGURA 8-5 Embora o coração pareça ser um órgão único,<br />

funciona como se fossem dois. O sangue não oxigenado é<br />

recebido no "coração direito", vindo das veias cavas superior<br />

e inferior, e é bombeado através da artéria pulmonar até os<br />

pulmões, nos quais é oxigenado, retorna ao coração através da<br />

veia pulmonar e é bombeado pelo ventrículo esquerdo.


184 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

representa a força da onda de pulso produzida pela conlração<br />

ventricular (sístole). A pressão em repouso nos vasos, entre as<br />

contrações ventriculares é a pressão diastólica e representa a<br />

força que persiste nos vasos sanguíneos e continua a mover<br />

o sangue através deles, enquanto o ventrículo é novamente<br />

enchido para o próximo pulso de sangue {diástole}. A diferença<br />

entre as pressões sistólicas e diaslólicas é chamada pressão de<br />

pulso. Esta é a pressão do sangue ao ser empurrado na circula¬<br />

ção. É a pressão sentida com a ponta do de.do na checagem do<br />

pulso.<br />

Outro termo usado na discussão do tratamento do choque,<br />

mas frequentemente não enfatizada no ambiente pré-hospitalar<br />

é a pressão arterial média (PAM). Este número permite<br />

uma avaliação mais realista da pressão total que produz o<br />

fluxo sanguíneo, em vez das pressões sistólicas ou diaslólicas<br />

isoladamente.<br />

A PAM é a pressão média do sistema vascular e é calculada<br />

da seguinte forma:<br />

PAM = Pressão diastólica + V3 Pressão de pulso<br />

Por exemplo, a PAM de 11111 doente com pressão arterial de<br />

120/80 mmHg é calculada da seguinte forma:<br />

lico. Se a. pressão de enchimento do coração for muito alta,;<br />

fibras musculares cardíacas são superdistendidas e podem:<br />

incapazes de prover 11111 volume sistólico satisfatório.<br />

A resistência ao fluxo sanguíneo que o ventrículo esquerdo]<br />

deve superar para bombear sangue para o sistema arterial é cha-1<br />

mada pós-carga, ou resistência vascular sistémica (RVS). Comi<br />

o aumento da vasoconstrição arterial periférica, a resistência ao|<br />

IIuxo sanguíneo é elevada, e o coração tem que gerar mais força<br />

para bombear o sangue para o sistema arterial. Por outro lado.a]<br />

vasodilatação periférica disseminada reduz a pós-carga.<br />

A circulação sistémica contém mais capilares e uma exten¬<br />

são maior de vasos sanguíneos do que a circulação pulmonar, I<br />

Portanto, o sistema do coração esquerdo trabalha com maior<br />

pressão e suporta uma carga de trabalho maior do que o coração<br />

direito. Do ponto de vista anatómico, a musculatura do ventrí¬<br />

culo esquerdo é mais espessa e mais forte do que a musculatura<br />

do ventrículo direito.<br />

Vasos Sanguíneos<br />

Os vasos sanguíneos contêm o sangue e levam-no para as várias<br />

áreas e células do organismo. São as "rodovias" do processo<br />

fisiológico da circulação. O único grande tubo de saída do cora¬<br />

ção, a aorta, não pode servir cada célula individual do organismo<br />

e, por isso, divide-se em vários vasos de tamanho decrescente:<br />

PAM = 80 + ([120 - 8Q]/3)<br />

= 80 + (40/3)<br />

= 80 + 13,3<br />

= 93,3, arredondado para 93<br />

Muitos equipamentos automáticos e não invasivos calcu¬<br />

lam, automaticamente, a PAM, além das pressões sistólicas e<br />

diastólicas.<br />

O volume de fluido bombeado no sistema a cada conlração<br />

do ventrículo é chamado volume sistólico, e o volume de san¬<br />

gue bombeado no sistema em um minuto é denominado débito<br />

cardíaco. A fórmula para cálculo do débito cardíaco (DC) é a<br />

seguinte:<br />

Débito cardíaco (DC) =<br />

Frequência cardíaca (FC) x Volume sistólico (VS)<br />

O débito cardíaco é relatado em litros por minuto (LPM,<br />

ou l/min). O débito cardíaco não é medido 110 ambiente préhospitalar.<br />

A compreensão do débito cardíaco e de sua relação<br />

ao volume sistólico, porém é importante para o entendimento<br />

do tratamento do choque. Para que o coração trabalhe de forma<br />

elicaz, um volume de sangue adequado deve estar presente na<br />

veia cava e nas veias pulmonares, para encher os ventrículos.<br />

A lei de Starling do coração é um importante conceito que<br />

explica o funcionamento desta relação. Esta pressão que enche<br />

o coração [pré-carga) distende as libras musculares miocárdicas.<br />

Quanto maior o enchimento dos ventrículos, maior a força<br />

de conlração do coração, até o ponto de superdistensão. Hemor¬<br />

ragias significativas ou a relativa hipovolemia reduzem a précarga<br />

cardíaca, de modo que o volume de sangue é menor e as<br />

fibras não são muito distendidas, diminuindo o volume sistó¬<br />

Carótida interna<br />

Carótida externa<br />

Carótida comum direita<br />

Tronco braquicefálico<br />

Axilar<br />

Coronária direi<br />

Braquial<br />

Mesentérica<br />

superior<br />

Ilíaca comum<br />

Ilíaca interna<br />

I laca<br />

externa<br />

Femoral<br />

Poplitea<br />

Tibial<br />

anterior<br />

Fibular<br />

Tibial<br />

posterior<br />

Arqueada<br />

Metatarsica<br />

dorsal<br />

FIGURA 8-6<br />

Facial<br />

Carótida comum esquerda<br />

Subclávia esquerda<br />

Arco da aorta<br />

Pulmonar<br />

Coronária esquerda<br />

Aorta<br />

Celíaca<br />

Esplénica<br />

Renal<br />

Mesentérica inferior<br />

Radial<br />

Ulnar<br />

Dorsal do pé<br />

Principais artérias do corpo.<br />

Digital


CAPÍTULO 8 Choque 185<br />

os menores são os capilares (Fig. 8-6). Um capilar pode ter ape¬<br />

nas a largura de uma célula; assim, o oxigénio e os nutrientes<br />

transportados pelas hemácias e pelo plasma são capazes de se<br />

difundir para as células através da parede dos capilares (Fig.<br />

8-7a). Todas as células têm um revestimento membranoso cha¬<br />

mado de membrana celular. O líquido intersticial está locali¬<br />

zado entre a membrana celular e a parede do capilar. A quanti¬<br />

dade de líquido intersticial varia muito. Quando existe pouco<br />

líquido intersticial, a membrana celular e a parede do capilar<br />

estão próximas e o oxigénio pode dil'undir-se facilmente entre<br />

elas (Fig. 8-8). Quando há fluido extra (edema) forçado neste<br />

espaço (tal como ocorre na reanimação, com a administração<br />

excessiva de fluidos cristalóides), as células dislanciam-se ainda<br />

mais dos capilares, fazendo com que a transferência de oxigénio<br />

e nutrientes seja menos eficaz (Fig. 8-7b).<br />

0 tamanho do continente vascular é controlado por mús¬<br />

culos lisos na parede das artérias e das arleríolas e, em menor .<br />

extensão, das vênulas e das veias. Esses músculos respondem a<br />

sinais que partem do cérebro, pelo sistema nervoso simpático,<br />

aoshormônios circulantes adrenalina e noradrenaline e a outras<br />

substâncias químicas, lais como o óxido nítrico (NO). Depen¬<br />

dendo de sua estimulação para contrair ou a permissão de rela¬<br />

xamento, essas Fibras musculares, nas paredes dos vasos, levam<br />

à constrição ou dilatação dos vasos sanguíneos, alterando,<br />

assim, o tamanho do compartimento do sistema cardiovascular<br />

eafetando a pressão sanguínea do doente.<br />

Existem três compartimentos fluidos: o fluido intravascu¬<br />

lar (no interior dos vasos), o fluido intracelular (no interior das<br />

células) e o fluido intersticial (entre as células e os vasos). O<br />

fluido intersticial em quantidade superior à normal produz<br />

edema, fazendo com que a pele lique esponjosa e úmida quando<br />

comprimida com o dedo.<br />

Sangue<br />

0 componente Unido do sistema circulatório- o sangue- con¬<br />

tém não apenas hemácias, como também fatores que combalem<br />

infecções (leucócitos e anticorpos), plaquetas e fatores essen-<br />

ciais à coagulação do sangue em caso de lesão vascular, prote¬<br />

ínas para a reconstrução celular, nutrientes, como a glicose e<br />

outras substâncias necessárias para o metabolismo e a sobrevi¬<br />

vência. O volume de fluido no interior do sistema vascular deve<br />

ser igual à capacidade dos vasos sanguíneos, para que o com¬<br />

partimento seja preenchido e a perfusão, mantida. Qualquer<br />

variação no volume do compartimento do sistema vascular em<br />

relação ao volume de sangue ali presente afeia o fluxo sanguí¬<br />

neo, positiva ou negativamente.<br />

O corpo humano é constituído por 60% de água, que é a<br />

base de todos os fluidos orgânicos. Uma pessoa de 70 kg tem<br />

aproximadamente 40 litros de água. A água do organismo está<br />

presente em dois compartimentos- intracelular e extracelular.<br />

Conforme mencionado anteriormente, cada tipo de líquido tem<br />

Líquido intersticial<br />

02 e nutrientes<br />

C02 e dejetos<br />

Membrana celular/<br />

Capilar<br />

FIGURA 8-8 O oxigénio e os nutrientes difundem-se<br />

espargem das hemácias através da parede capilar, do líquido<br />

intersticial e da membrana celular para dentço da célula. A<br />

produção de ácido é um subproduto da produção de energia<br />

celular durante o ciclo de Krebs. Por meio do sistema tampão<br />

do organismo, esse ácido é convertido em dióxido de carbono<br />

e circula com as hemácias e no plasma, sendo eliminado do<br />

sistema circulatório pelos pulmões.<br />

A água representa 60%<br />

do corpo humano<br />

Líquido<br />

intracelular,<br />

45%<br />

FIGURA 8-7 A, Se as células dos tecidos estiverem próximas<br />

ao capilar, o oxigénio pode espargir-se facilmente até elas, e o<br />

dióxido de carbono pode difundir-se em sentido contrário. B, Se<br />

as células dos tecidos estiverem afastadas das paredes capilares<br />

por aumento do edema (líquido intersticial), a difusão do<br />

oxigénio e do dióxido de carbono se tornará muito mais difícil.<br />

Líquido intersticial, 10,5%<br />

Líquido intravascular, 4,5%<br />

ÿ\ Líquido<br />

lextracelular,<br />

J 15%<br />

FIGURA 8-9 A água representa 60% do peso corpóreo. Ela<br />

está dividida em líquidos intracelular e extracelular. O líquido<br />

extracelular divide-se ainda em intersticial e intravascular.


186 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

propriedades específicas e importantes (Fig. 8-9). Ofluido intra¬<br />

celular, situado dentro das células, corresponde a quase 45% do<br />

peso do corpo. O fluido extracelular, localizado fora das célu¬<br />

las, pode, ainda, ser classificado em dois subtipos - intersti¬<br />

cial e intravascular. O fluido intersticial, que fica em volta das<br />

células e inclui também o líquido cerebrospinal (encontrado no<br />

sistema nervoso central e no canal espinal) e o fluido sinovial<br />

(encontrado nas articulações), corresponde a aproximadamente<br />

10,5% do peso do corpo. O fluido intravascular, que se encon¬<br />

tra dentro dos vasos e carrega os elementos'figurados do sangue<br />

bem como o oxigénio e outros nutrientes vitais, corresponde a<br />

aproximadamente 4,5% do peso do corpo.<br />

Para se entender como os líquidos operam no corpo, é útil<br />

revisar alguns conceitos fundamentais. Além do movimento de<br />

líquidos através do sistema vascular, há dois tipos principais<br />

de movimento de líquidos: (1) o movimento entre o plasma e<br />

o líquido intersticial (através dos capilares); e (2) o movimento<br />

entre os compartimentos intracelular e intersticial (através das<br />

membranas celulares).<br />

O movimento de líquidos [fluxo) através dos capilares é<br />

determinado: (1) pela diferença entre a pressão hidrostática den¬<br />

tro do capilar (que tende a empurrar líquido para fora) e a pres¬<br />

são hidrostática fora do capilar (que tende a empurrar líquido<br />

para dentro); (2) pela diferença na pressão oncótica decorrente<br />

da concentração de proteína dentro do capilar (que mantém o<br />

líquido dentro do capilar) e a pressão oncótica fora do capilar<br />

(que puxa o líquido para fora do capilar); e (3) pelo "extrava¬<br />

samento" ou permeabilidade do capilar (Fig. 8-10). A pressão<br />

hidrostática, a pressão oncótica e a permeabilidade capilar são<br />

afetadas pelo estado de choque propriamente dito, bem como<br />

pelo tipo e volume de líquido usado na reanimação, o que causa<br />

alterações no volume sanguíneo circulante, na hemodinâmica e<br />

no edema tecidual ou pulmonar.<br />

A movimentação de líquidos entre os espaços, intracelular e<br />

intersticial, ocorre através de membranas celulares e é determi¬<br />

nada pelos efeitos oncóticos. A osmose é o processo pelo qual os<br />

solutos separados por uma membrana, à qual são impermeáveis,<br />

governam o movimento de água através daquela membrana<br />

semipermeável com base na concentração do soluto. A água<br />

move-se do compartimento de menor concentração de soluto<br />

para o de maior concentração a fim de manter o equilíbrio osmó]<br />

tico através da membrana semipermeável (Fig. 8-11).<br />

Sistema Nervoso<br />

O sistema newoso autónomo dirige e controla as funções invo-1<br />

luntárias do organismo, tais como a respiração, a digestão e a<br />

função cardiovascular. Divide-se em dois subsistemas: o sis¬<br />

tema nervoso autónomo simpático e o parassimpático. Muitas ;<br />

vezes, esses sistemas têm atividade antagónica, para manterem]<br />

equilíbrio os sistemas vitais do organismo.<br />

O sistema nervoso simpático produz a resposta do "lute ou<br />

fuja". Esta resposta leva simultaneamente ao aumento da frequ¬<br />

ência e da força de contração do coração e da frequência ventilatória,<br />

além de constrição dos vasos sanguíneos de órgãos não<br />

essenciais (pele e trato gastrointestinal) e dilatação e aumento<br />

do fluxo sanguíneo nos músculos. O objetivo desta resposta é<br />

manter quantidade suficiente de sangue oxigenado circulando<br />

nos órgãos vitais, de modo que o indivíduo possa respondera<br />

uma situação de emergência, enquanto desvia o sangue das áreas<br />

não essenciais. Por outro lado, o sistema parassimpático dimi¬<br />

nui a frequência cardíaca e a ventilatória e aumenta a atividade<br />

gastrointestinal.<br />

Nos doentes que apresentam hemorragia após sofrerem<br />

trauma, o corpo lenta compensar a perda de sangue. O sistema<br />

cardiovascular é regulado pelo centro vasomotor, na medula.<br />

Em resposta à queda transitória da pressão arterial, o estímulo<br />

segue até o cérebro através dos nervos cranianos IX e X, vindo do<br />

receptores de distensão no seio carotídeo e no arco aórtico. Isso<br />

eleva a atividade do sistema nervoso simpático, aumentando a<br />

resistência vascular periférica através da constrição arteriolar e<br />

aumento do débito cardíaco, devido à maior frequência e força<br />

da contração cardíaca. O maior tônus<br />

venoso<br />

aumenta o volume<br />

de sangue na circulação. Dessa forma, o sangue é desviado dos<br />

membros, dos intestinos e dos rins para áreas mais vitais -o<br />

coração e o cérebro -, em que, sob intensa estimulação simpá¬<br />

tica, a contração dos vasos é muito pequena. Essas respostas<br />

fazem com que os membros fiquem frios e cianóticos, além de<br />

reduzir a produção de urina e a perfusão intestinal.<br />

Pressão<br />

capilar<br />

Pressão coloidosmótica<br />

plasmática<br />

Pressão do líquido<br />

intersticial<br />

Pressão<br />

coloidosmótica do<br />

líquido intersticial<br />

FIGURA 8-10 Forças que dirigem o fluxo de líquidos através<br />

dos capilares.<br />

(Fonte: De Guyton AC., Hall, JE.: Textbook ofmedicalphysiology, ed 10, Philadelphia, 2000,<br />

Saunders.)<br />

FIGURA 8-11 Um tubo em "U", no qual as duas metades<br />

estão separadas por uma membrana semipermeável, contém<br />

quantidades iguais de água e de partículas sólidas. Se um<br />

soluto que não pode difundir-se pela membrana semipermeável<br />

for adicionado a um dos lados, mas não ao outro, haverá<br />

fluxo de líquido através da membrana para diluir as partículas<br />

acrescentadas. A diferença de pressão correspondente à altura<br />

do líquido no tubo em "U" é chamada de pressão osmótica.


CAPÍTULO 8 Choque 187<br />

A redução da pressão de enchimento do átrio esquerdo, a<br />

queda da pressão arterial e as alterações na osmolalidade plas¬<br />

mática levam à liberação de hormônioanlidiurético (ADH), pela<br />

hipófise, e de aldosterona, das glândulas adrenais, que aumen¬<br />

tam a retenção de sódio e água pelos rins. Isso também ajuda<br />

a expandir o volume intravascular; no entanto, muitas horas<br />

são necessárias para que esse mecanismo influencie o quadro<br />

clínico do doente.<br />

Tipos de Choque<br />

Existem três tipos de choque:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Choque hipovolêmico<br />

ÿ<br />

Volume vascular menor do que o espaço vascular normal<br />

h Perda de fluido e eletrólilos<br />

ia Desidratação<br />

h Perda de sangue e fluido<br />

s Choque hemorrágico<br />

Choque distributivo<br />

ÿ<br />

O espaço vascular é maior do que normal<br />

h "Choque" neurogênico (hipotensão)<br />

s Choque psicogênico<br />

ÿ Choque séptico<br />

a Choque anafilático<br />

Choque cardiogênico<br />

ÿ<br />

Insuficiência de bombeamento<br />

Choque Hipovolêmico<br />

A perda aguda de volume sanguíneo, seja por desidratação<br />

(perda de fluido e eletrólitos) ou hemorragia (perda de plasma<br />

e hemácias), . provoca um desequilíbrio na relação entre o<br />

volume de fluido e o tamanho do compartimento. O compar¬<br />

timento mantém seu tamanho normal, mas o volume de fluido<br />

é diminuído. O choque hipovolêmico é a causa mais comum<br />

de choque observado no ambiente pré-hospitalar, e a perda de<br />

sangue é, de longe, a causa mais comum de choque em doentes<br />

vítimas de trauma e a mais perigosa para o indivíduo.<br />

Quando há perda de sangue da circulação, o coração é esti¬<br />

mulado a aumentar o débito cardíaco, elevando a frequência e a<br />

força de contração. Isto é causado pela liberação de adrenalina<br />

pelas adrenais. O sistema nervoso simpático libera noradrena¬<br />

line, desencadeando a constrição dos vasos sanguíneos para<br />

reduzir o tamanho do compartimento e torná-lo mais propor¬<br />

cional ao volume restante de fluido. A vasoconstrição leva ao<br />

fechamento dos capilares periféricos, reduzindo a distribuição<br />

de oxigénio e forçando, em nível celular, a transição do meta¬<br />

bolismo aeróbico ao anaeróbico.<br />

Esses mecanismos de defesa compensatórios são eficazes até<br />

certo ponto. Quando os mecanismos de defesa não podem mais<br />

compensar a redução volumétrica, a pressão arterial do doente<br />

é reduzida. A diminuição da pressão arterial marca a mudança<br />

do choque compensado ao choque descompensado - um sinal<br />

de morte iminente. O doente que apresenta sinais de compen¬<br />

sação, como taquicardia, já está em choque, não "entrando em<br />

choque". A não ser que a reanimação agressiva seja iniciada, o<br />

doente que entra em choque descompensado tem apenas mais<br />

um estágio a seguir- o choque irreversível, levando à morte.<br />

Choque Hemorrágico<br />

O choque hemorrágico (choque hipovolêmico decorrente da<br />

perda de sangue) pode ser dividido em quatro classes, depen¬<br />

dendo da gravidade da hemorragia (Fig. 8-12):<br />

1. A hemorragia classe / representa uma perda de até 15% do<br />

volume sanguíneo no adulto (até 750 ml). Este estágio tem<br />

poucas manifestações clínicas. A taquicardia geralmente é<br />

FIGURA 8-12<br />

Classificações do Choque Hemorrágico<br />

CLASSE 1 CLASSE II CLASSE III CLASSE IV<br />

Perda de sangue (ml) Até 750 750-1.500 1.500-2.000 >2.000<br />

Perda de sangue (%<br />

do volume sanguíneo)<br />

Até 15% 15%-30% 30%-40% >40%<br />

Pulso 140<br />

Pressão arterial Normal Normal Diminuída Diminuída<br />

Pressão de pulso<br />

(mmHg)<br />

Normal ou aumentada Diminuída Diminuída Diminuída<br />

Frequência ventilatória 14-20 20-30 30-40 >35<br />

Débito urinário (ml/h) >30 20-30 5-15 Imperceptível'<br />

SNC/Estado mental Ansiedade discreta Ansiedade branda Ansiedade, confusão Confusão, letargia<br />

Reposição de fluidos Cristalóides Cristalóides Cristalóides e sangue Cristalóides e sangue<br />

íDeAmerican College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced trauma life support for doctors, student course manual, ed 8, Chicago, 2008 ,ACS.)


188 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

mínima, e não ocorrem alterações mensuráveis da pressão<br />

arterial, da pressão de pulso ou da frequência ventilatória.<br />

A maior parte dos doentes sadios que apresenta essa perda<br />

de sangue apenas requer reanimação com fluidos, desde que<br />

não ocorra mais perda sanguínea. Os mecanismos de com¬<br />

pensação do organismo restauram a relação entre o conteúdo<br />

intravascular e o volume de fluido, auxiliando a manuten¬<br />

ção da pressão arterial.<br />

2. A hemorragia classe IIrepresenta uma perda de 15% a 30%<br />

do volume sanguíneo (750 a 1.500 ml). A maioria dos adul¬<br />

tos consegue compensar essa perda de sangue ativando o<br />

sistema nervoso simpático, que manterá a pressão arterial.<br />

Os achados clínicos incluem aumento da frequência respi¬<br />

ratória, taquicardia e menor pressão de pulso. As indicações<br />

clínicas desta fase são taquicardia, taquipneia e pressão arte¬<br />

rial sistólica normal. Uma vez que a pressão arterial é nor¬<br />

mal, este é o "choque compensado": o doente está em cho¬<br />

que, mas, por enquanto, é capaz de compensá-lo. O doente<br />

frequentemente apresenta ansiedade ou medo. A produção<br />

de urina é ligeiramente menor, ficando entre 20 e 30 ml/<br />

hora em adultos, embora geralmente não seja medida no<br />

pré-hospitalar. Ocasionalmente, estes doentes podem reque¬<br />

rer transfusão de sangue; caso a hemorragia seja controlada<br />

nesta etapa; no entanto, a maioria responde bem à infusão<br />

de cristalóides.<br />

3. A hemorragia classeIIIrepresenta uma perda de 30% a 40%<br />

do volume sanguíneo (1.500 a 2.000 ml). Quando a perda<br />

de sangue atinge este nível, a maioria dos doentes não con¬<br />

segue compensar a perda de volume, e ocorre hipotensão.<br />

Ficam evidentes os sinais clássicos de choque, que incluem<br />

taquicardia (frequência cardíaca > 120 batimentos/minuto),<br />

taquipneia (frequência ventilatória de 30 a 40 ventilações/<br />

minuto) e ansiedade ou confusão acentuadas. O débito uri¬<br />

nário cai para 5 a 15 ml/hora. Muitos desses doentes neces¬<br />

sitam de transfusão de sangue e intervenção cirúrgica para<br />

reanimação e controle da hemorragia.<br />

4. A hemorragia classe IV representa uma perda de mais de<br />

40% do volume sanguíneo (mais de 2.000 ml). Este estágio<br />

de choque grave é caracterizado por taquicardia acentuada<br />

(frequência cardíaca > 140 batimentos/minuto), taquipneia<br />

(frequência ventilatória > 35 ventilações/minuto), confusão<br />

grave ou letargia e queda acentuada da pressão arterial sis¬<br />

tólica, em geral na faixa de 60 mmHg, Na realidade, esses<br />

doentes têm apenas poucos minutos de vida. A sobrevida<br />

depende do controle imediato da hemorragia (cirurgia,<br />

se a hemorragia for interna) e de reanimação agressiva,<br />

incluindo transfusão de sangue e plasma com mínimo de<br />

solução cristalóide.<br />

A rapidez com que um doente desenvolve choque depende<br />

da velocidade de perda de sangue da circulação. Bernoulli, um<br />

matemático suíço, desenvolveu uma fórmula que calcula a taxa<br />

de perda de fluido de um tubo para o exterior. Os detalhes não<br />

são necessários à compreensão da perda de sangue e da produ¬<br />

ção do choque, mas os princípios básicos são. Em uma aborda¬<br />

gem simplificada, o Princípio de Bernoulli declara que a taxa<br />

de perda de fluido de um tubo é diretamente proporcional ao<br />

tamanho do orifício em sua parede e à diferença entre a pressão<br />

intraluminal e a extraluminal. Este mesmo princípio se aplica]<br />

aos vasos sanguíneos.<br />

Imagine os vasos sanguíneos como encanamentos no intc-l<br />

rior de uma casa, e o sangue no interior dos vasos como água nos<br />

canos. Caso haja um vazamento, a quantidade de água perdida<br />

é diretamente relacionada ao tamanho do orifício, e diferença<br />

de pressão no interior e no exterior do cano. Por exemplo, se<br />

o orifício tiver 2,5 cm de diâmetro e a pressão no interior do<br />

encanamento for de 100 psi, o vazamento de água é maior do<br />

que se o orifício tiver 2,5 cm de diâmetro e a pressão no inte¬<br />

rior do encanamento for igual a 50 psi. Da mesma maneira, o<br />

fluxo sanguíneo de um ferimento em um vaso é proporcional<br />

à diferença entre o tamanho do orifício na parede do vaso ea<br />

diferença entre as pressões intraluminal (no interior do vaso)e<br />

extraluminal (no exterior do vaso).<br />

O tratamento definitivo do déficit de volume consiste em<br />

parar a perda e repor o líquido perdido. Um doente desidratado<br />

necessita de reposição de fluido, com água e sal, ao passo cpie<br />

vítimas de trauma que perderam sangue requerem a interrupção<br />

da fonte de perda de sangue e, caso esta tenha sido significativa,<br />

reposição do sangue perdido. A desidratação branda a mode¬<br />

rada pode ser tratada por meio da administração de uma solu¬<br />

ção de eletrólitos, que um doente consciente é capaz de inge¬<br />

rir. Um doente inconsciente ou gravemente desidratado dove<br />

receber a reposição por via intravenosa. A reposição de sangue<br />

geralmente não pode ser realizada no ambiente pré-hospitalar;<br />

os doentes vítimas de traumas com choque hemorrágico devem,<br />

portanto, ser submetidos a medidas que controlem a perda de<br />

sangue externa, receber quantidades mínimas de solução eletrolílica<br />

por via intravenosa e ser rapidamente transportados ao<br />

hospital, no qual sangue, plasma e fatores de coagulação podem<br />

ser administrados e as etapas cirúrgicas de emergência necessá¬<br />

rias ao controle da perda de sangue podem ser realizadas.<br />

A pesquisa sobre choque mostrou qfie a razão de reposição<br />

deve ser de três litros de solução elelrolíLica para cada litro de<br />

sangue perdido. Esta proporção é devida ao fato de que apenas<br />

cerca de V-i— '/a do volume de uma solução isotônica de crista¬<br />

lóides permanece no espaço intravascular 30-60 minutos após<br />

a infusão. A administração de um volume limitado de solução<br />

eletrolítica antes da reposição de sangue é a abordagem correia<br />

durante o transporte ao hospital. O resultado da superinfusão de<br />

cristalóides é a maior quantidade de fluido intersticial (edema),<br />

resultando em menor transferência de oxigénio às hemácias res¬<br />

tantes e às células teciduais. O objetivo NÃO é elevar a pressão<br />

arterial a níveis normais, mas fornecer somente a quantidade<br />

de fluido necessária à manutenção da perfusão e continuar o<br />

suprimento de hemácias oxigenadas ao coração, ao cérebro e aos<br />

pulmões. A melhor solução de cristalóides para tratamento do<br />

choque hemorrágico é o Ringer lactato. O soro fisiológico nor¬<br />

mal é outra solução isotônica de cristalóides que pode ser usada<br />

na reposição volumétrica, mas sua utilização pode produzir<br />

hipercloremia (grande aumento da concentração sanguínea do<br />

cloreto), que leva à acidose.<br />

Novas pesquisas4,5 mostraram que, em caso de perda signifi¬<br />

cativa de sangue, o fluido de reposição deve ser o mais parecido<br />

possível com o sangue total. A primeira etapa é a administra¬<br />

ção de concentrado de hemácias e plasma, em razão de 1:1ou<br />

1:2. Este concentrado somente é encontrado em hospitais civis.<br />

Plaquetas, crioprecipitado e outros fatores de coagulação são


CAPÍTULO 8 Choque 189<br />

adicionados conforme necessário. O plasma contém um grande<br />

número de fatores de coagulação e outros componentes necessá¬<br />

rios ao condole da perda de sangue de pequenos vasos. Existem<br />

13 fatores na cascata de coagulação. Em doentes com grande<br />

perda de sangue, que requerem grandes volumes de reposição,<br />

a maioria dos fatores foi perdida. A transfusão de plasma é uma<br />

boa fonte de muitos destes fatores. Em caso de perda intensa<br />

de sangue, o controle da hemorragia dos grandes vasos requer<br />

tratamento cirúrgico ou, em alguns casos, a colocação endovascular<br />

de molas ou esponjas de coagulação.<br />

Choque Distributivo (Vasogênico)<br />

Ocorre choque distributivo, ou vasogênico, quando o conti¬<br />

nente vascular aumenta sem aumento proporcional do volume<br />

de líquido. Embora a quantidade de fluido intravascular não<br />

tenha sido alterada, há relativamente menos fluido para o tama¬<br />

nho do compartimento. Assim, o volume de fluido disponível<br />

para o bombeamento cardíaco (pré-carga) é menor, reduzindo<br />

o débito cardíaco. Na maioria dos casos, não foi o sistema vas¬<br />

cular que perdeu fluido. Esta forma de choque não é a causa da<br />

hipovolemia, em que o fluido foi perdido através de hemorra¬<br />

gia, vómito ou diarreia. Ao contrário, o problema é o tamanho<br />

do compartimento, que agora é maior do que a quantidade de<br />

fluido disponível para enchê-lo. Por esse motivo, esta situação<br />

às vezes é chamada de hipovolemia relativa. Embora alguns<br />

sinais e sintomas lembrem muito os sinais e sintomas do cho¬<br />

que hipovolêmico, a etiologia das duas situações é diferente.<br />

No choque distributivo, há diminuição na resistência ao<br />

fluxo de sangue por causa do tamanho relativamente maior dos<br />

vasos sanguíneos. Esta diminuição da resistência leva à queda<br />

da pressão arterial diastólica. Quando ocorre também dimi¬<br />

nuição da pré-carga, e consequentemente do débito cardíaco,<br />

o resultado final é a queda tanto da pressão arterial sistólica<br />

quanto da diastólica. A oxigenação tecidual pode permanecer<br />

adequada na forma neurogênica do choque, e fluxo sanguíneo é<br />

normal embora a pressão seja baixa (hipotensão neurogênica).<br />

Além disso, a produção de energia ainda é adequada na hipo¬<br />

tensão neurogênica.<br />

0 choque distributivo pode ocorrer em virtude da perda do<br />

controle do sistema nervoso autónomo sobre a musculatura lisa<br />

que controla o tamanho dos vasos sanguíneos ou da liberação<br />

de substâncias químicas que causam vasodilatação periférica.<br />

Essa perda de controle pode ser causada por trauma de medula<br />

espinhal, simples desmaio, infecções graves ou reações alérgi¬<br />

cas. O tratamento- do choque distributivo visa melhorara oxige¬<br />

nação do sangue e melhorar ou manter o fluxo sanguíneo para o<br />

cérebro e os outros órgãos vitais.<br />

"Choque" Neurogênico<br />

O choque neurogênico ou, mais apropriadamente, a hipotensão<br />

neurogênica, ocorre quando uma lesão medular interrompe a<br />

via do sistema nervoso simpático. Isso geralmente ocorre em<br />

doentes com lesões na área toracolombar. Por causa da perda da<br />

inervação simpática, que controla a musculatura lisa na parede<br />

vascular, os vasos periféricos abaixo do nível de lesão ficam<br />

dilatados. A diminuição acentuada da resistência vascular sis¬<br />

témica e a vasodilatação periférica que ocorre, aumentando o<br />

continente sanguíneo, causam hipovolemia relativa. O doente<br />

não fica de fato hipovolêmico, mas o volume sanguíneo normal<br />

é insuficiente para encher o continente, que está aumentado.<br />

Essa diminuição da pressão arterial não compromete a produ¬<br />

ção de energia e, portanto, não é choque, já que a produção<br />

de energia não é alterada. Entretanto, uma vez que há menor<br />

resistência ao fluxo sanguíneo, as pressões sistólica e diastó¬<br />

lica são menores.<br />

O choque hipovolêmico descompensado e o choque neuro¬<br />

gênico reduzem a pressão arterial sistólica. Porém, outros sinais<br />

vitais e clínicos, bem como o tratamento de cada um destes cho¬<br />

ques, são diferentes (Eig. 8-13). O choque hipovolêmico é carac¬<br />

terizado por diminuição das pressões sistólica e diastólica e<br />

por estreitamento da pressão de pulso. No choque neurogênico<br />

também ocorre diminuição das pressões sistólica e diastólica,<br />

mas a pressão de pulso é mantida dentro da faixa normal ou<br />

elevada. A hipovolemia faz com que a pele fique Iria, úmida,<br />

pálida ou cianótica e causa aumento do tempo de enchimento<br />

capilar. No choque neurogênico, a pele fica quente e seca,<br />

principalmente abaixo da área de lesão. No choque hipovolê¬<br />

mico, o pulso é fraco, fino e rápido. No choque neurogênico,<br />

por causa da atividade parassimpática sobre o coração, ocorre<br />

normalmente bradicardia, em vez de taquicardia, mas o pulso<br />

pode ser fraco. A hipovolemia leva ao rebaixamento do nível<br />

de consciência ou, pelo menos, à ansiedade e, muitas vezes, à<br />

agitação. Se não tiver lesão cerebral traumática, o doente com<br />

choque neurogênico fica geralmente alerta, orientado e lúcido<br />

na posição supina (Fig. 8-14).<br />

Os doentes com choque neurogênico em geral podem ter<br />

lesões associadas que levem à hemorragia intensa. Por isso, um<br />

doente com choque neurogênico e sinais de hipovolemia, como<br />

FIGURA 8-13<br />

Sinais Associados aos Tipos de Choque<br />

Sinais Vitais Hipovolêmico Neurogênico Séptico Cardiogênico<br />

Temperatura da pele Fria, pegajosa Quente, seca Fria, pegajosa Fria, pegajosa<br />

Coloração da pele Pálida, cianótica Rosada Pálida, rendilhada Pálida, cianótica •<br />

Pressão arterial Diminuída Diminuída Diminuída Diminuída<br />

Nível de consciência Alterado Lúcido Alterado Alterado<br />

Enchimento capilar Retardado Normal Retardado Retardado


190 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

a taquicardia, eleve receber tratamento adequado como se apre¬<br />

sentasse perda de sangue.<br />

"Choque" Psicogênico (Vasovagal)<br />

O choque psicogênico é mediado pelo sistema nervoso paras¬<br />

simpático. A estimulação do décimo nervo craniano (o vago)<br />

provoca bradicardia. O aumento da atividade parassimpática<br />

também pode levar à vasodilatação periférica e hipotensão tran¬<br />

sitórias. Se a bradicardia e a vasodilatação forem suficientemente<br />

acentuadas, o débito cardíaco cai muito e causa insuficiência do<br />

fluxo sanguíneo cerebral. Quando o doente perde a consciên¬<br />

cia, dizemos que ocorre uma síncope vasovagal (desmaio). No<br />

choque psicogênico, os períodos de bradicardia e vasodilatação<br />

geralmente são muito breves e limitados a não mais que poucos<br />

minutos, ao passo que no choque neurogênico podem durar até<br />

vários dias. No choque psicogênico, os doentes recuperam rapi¬<br />

damente a pressão arterial normal quando colocados na posição<br />

horizontal. Por causa do seu caráter autolimitado, é imprová¬<br />

vel que um episódio vasovagal leve ao "choque", e o organismo<br />

rapidamente se recupera antes que ocorra comprometimento<br />

significativo da perfusão sistémica.<br />

Choque Séptico<br />

O choque séptico, observado em doentes com infecções possi¬<br />

velmente fatais, é outra condição em que há dilatação vascular.<br />

Citocinas, liberadas em resposta à infecção, provocam danos<br />

nas paredes dos vasos sanguíneos, além de vasodilatação peri¬<br />

férica e extravasamento de fluido dos capilares para o espaço<br />

intersticial. Assim, o choque séptico possui características de<br />

choque distributivo e choque hipovolêmico. A pré-carga é redu¬<br />

zida, devido à vasodilatação e à perda de fluido, e a hipotensão<br />

ocorre quando o coração deixa de ser capaz de compensar. O<br />

choque séptico quase nunca é observado nos primeiros minutos<br />

após a ocorrência de uma lesão; o socorrista, porém, pode ser<br />

chamado para atender um doente vítima de trauma em choque<br />

séptico durante a transferência inter-hospitalar ou quando um<br />

doente sofreu uma lesão no trato gastrointestinal e não buscou,<br />

imediatamente, auxílio médico.<br />

Choque Anafilático<br />

O choque anafilático é uma grave reação alérgica, com risco de<br />

morte, que envolve diversos sistemas orgânicos. Quando um<br />

indivíduo é exposto a um alérgeno pela primeira vez, é sensi-<br />

FIGURA 8-14<br />

Choque Neurogênico versus Choque<br />

Medular<br />

Como vimos neste capítulo, o termo choque neurogênico referese<br />

a um desarranjo do sistema nervoso simpático, normalmente<br />

em consequência de lesão medular, que produz dilatação<br />

acentuada das artérias periféricas. Se não tratado, pode levar<br />

ao comprometimento da perfusão tecidual. Essa condição não<br />

deve ser confundida com choque medular, um termo que se<br />

refere a uma lesão medular causada por perda temporária.<br />

bilizado a ele. Caso seja, mais tarde, novamente exposto a este<br />

mesmo alérgeno, há uma resposta sistémica. Além dos sinto¬<br />

mas mais comuns das reações alérgicas, como eritema cutâneo,<br />

desenvolvimento de urticária e prurido, outros achados graves<br />

são observados, incluindo desconforto respiratório, obstrução<br />

da via aérea e vasodilatação, levando ao choque. O controle<br />

ativo da via aérea pode, em alguns casos, ser necessário. O tra¬<br />

tamento envolve a administração de adrenalina, anti-histamínicos<br />

e corticosleroides no hospital.<br />

Choque Cardiogênico<br />

O choque cardiogênico, ou falha na atividade de bombeamento<br />

do coração, resulta de causas que podem ser classificadas como<br />

intrínsecas (resultado de lesão direta do próprio coração) ou<br />

extrínsecas (relacionadas com problema fora do coração).<br />

Causas Intrínsecas<br />

Lesão do Músculo Cardíaco. Qualquer processo que cause fraqueza<br />

do músculo cardíaco afetará o débito cardíaco. A lesão pode<br />

resultar da interrupção aguda do fluxo sanguíneo do próprio<br />

coração (como no infarto do miocárdio decorrente de doença<br />

coronariana) ou de lesão direta do músculo cardíaco (como na<br />

lesão contusa de coração). Pode ocorrer um círculo vicioso -a<br />

hipoxigenaçâo leva à diminuição da contratilidade, que resulta<br />

em redução do débito cardíaco e, por isso, redução da perfu¬<br />

são sistémica. A diminuição da perfusão leva à redução ainda<br />

mais acentuada da oxigenação, com a manutenção do ciclo.<br />

Como ocorre com qualquer músculo, o miocárdio não trabalha<br />

de forma eficiente quando sofre lesão ou trauma fechado.<br />

Arritmia. Uma arritmia cardíaca pode afetar a eficiência das contrações<br />

e causai- o comprometimento daÿperlusão sistémica. A<br />

hipoxia pode levai- à isqueinia do miocárdio e causar arritmias,<br />

como batimentos prematuros e taquicardia. Uma vez que o<br />

débito cardíaco é o resultado do volume ejetado a cada contração<br />

(volume sistólico), qualquer arritmia que reduza a fre¬<br />

quência de contrações (bradicardia) ou diminua o tempo de<br />

enchimento do ventrículo esquerdo (taquicardia) pode reduzir |<br />

o volume sistólico e o débito cardíaco. A lesão contusa de cora¬<br />

ção também pode causar arritmias; a mais frequente é a ocorrên¬<br />

cia de taquicardia leve persistente.<br />

Disfunção Valvular. Uma pancada súbita e forte que comprima o |<br />

tórax ou o abdome (Capítulo 4) pode lesionar as valvas cardí¬<br />

acas. A lesão valvular grave leva à regurgitação aguda, e umal<br />

quantidade significativa de sangue volta para a câmara da qual<br />

acabou de ser bombeado. Esses doentes geralmente desenvol¬<br />

vem insuficiência cardíaca congestiva, que se manifesta por I<br />

edema pulmonar e choque cardiogênico. A presença de nova|<br />

bulha cardíaca é um sinal importante para este diagnóstico.<br />

Causas Extrínsecas<br />

Tamponamento Pericárdico. A presença de líquido no saco pericárdico<br />

não deixa que o coração se encha completamenteI<br />

durante a diástole (fase de relaxamento). No caso do trauma, o<br />

sangue extravasa para o interior do saco pericárdico, impedindo


CAPÍTULO 8 Choque 191<br />

a expansão completa das parèdes do ventrículo. Além disso, o<br />

enchimento inadequado faz com que o músculo cardíaco não<br />

seja distendido, levando à diminuição da força de contração do<br />

coração. No caso de trauma cardíaco penetrante, mais sangue<br />

pode ser comprimido para fora do ferimento e entrar no saco<br />

pericárdico a cada contração, comprometendo, ainda mais, o<br />

débito cardíaco. Em pouco tempo, pode haver desenvolvimento<br />

de grave choque e morte.<br />

Pneumotórax Hipertensivo. Quando a cavidade torácica é preen¬<br />

chida por ar sob pressão, há colapso pulmonar, impedindo a<br />

reentrada de ar, vindo do exterior, e reduzindo o fluxo sanguíneo<br />

para os pulmões. Se o volume de ar e a pressão no interior do<br />

tórax lesionado forem bastante grandes, o mediastino é distan¬<br />

ciado do lado da lesão. Com o desvio do mediastino,há compres¬<br />

são edobramento das veias cavas superior e inferior e aumento<br />

drástico da resistência vascular pulmonar, impedindo o retorno<br />

venoso ao coração, produzindo uma significativa queda na précarga.<br />

Devido ao enchimento reduzido, o coração perde sua efi¬<br />

ciência como bomba, e há rápido desenvolvimento de choque.<br />

Complicações do Choque<br />

Várias complicações podem ser observadas em doentes com<br />

choque persistente ou inadequadamente reanimados; é por isso<br />

que o reconhecimento precoce e o tratamento agressivo do cho¬<br />

que são essenciais. A qualidade do atendimento prestado no<br />

ambiente pré-hospitalar pode alterar a evolução do doente no<br />

hospital e seu prognóstico. O não reconhecimeplo do choque,<br />

levando à não instituição do tratamento adequado no ambiente<br />

pré-hospitalar, pode estender o tempo de internação do doente<br />

ou levá-lo a óbito. As complicações do choque listadas a seguir<br />

não são comumente observadas no ambiente pré-hospitalar,<br />

mas são resultados do choque na cena e no pronto-socorro.<br />

Além disso, podem ser observadas durante a transferência interhospitalar<br />

dos doentes. O conhecimento da progressão do pro¬<br />

cesso de choque auxilia a compreensão de sua gravidade, da<br />

importância do rápido controle da hemorragia e da reposição<br />

adequada de fluidos.<br />

Insuficiência Renal Aguda<br />

A hipoperfusão renal, decorrente do choque prolongado, pode<br />

resultar em insuficiência renal, que pode ser temporária ou<br />

permanente. As células dos túbulos renais são mais sensíveis à<br />

isquemia e podem morrer se não tiverem oferta adequada de oxinio<br />

por mais de 45 a 60 minutos. Esta necrose tubular aguda<br />

(NTA) pode fazer com que os rins parem de funcionar. Quando<br />

os rins não funcionam, o excesso de líquido não é excretado,<br />

> pode ocorrer sobrecarga de volume. Os rins perdem ainda a<br />

capacidade de excretar metabólilos ácidos e eletrólitos, o que<br />

causa acidose metabólica e hipercalemia (aumento de potássio<br />

no sangue). Muitas vezes, esses doentes precisam fazer diálise<br />

por semanas ou meses. A maior parte dos doentes que desen¬<br />

volve NTA decorrente do choque geralmente recupera a função<br />

renal normal, se sobreviver.<br />

Síndrome da Angústia Respiratória Aguda<br />

Asíndrome da angústia respiratória aguda (SARA) é o resultado<br />

Idedanos ao revestimento dos capilares pulmonares e da menor<br />

produção de energia para manter o metabolismo dessas células.<br />

Isso leva ao extravasamento de fluido nos espaços intersticiais<br />

e alvéolos pulmonares, dificultando muito a difusão cle oxigé¬<br />

nio pelas paredes alveolares e capilares, e, assim, sua ligação às<br />

hemácias. Embora esses doentes apresentem edema pulmonar,<br />

este não é causado pela insuficiência cardíaca, como na insufi¬<br />

ciência cardíaca congestiva (edema pulmonar cardiogênico). A<br />

SARA representa o edema pulmonar não cardiogênico e, a prin¬<br />

cípio, seu tratamento é de suporte, não envolvendo a terapia<br />

diurética. Muitos fatores foram associados ao desenvolvimento<br />

de SARA, incluindo choque, sobrecarga de fluido, aspiração e<br />

infecção grave. A SARA é associada a uma taxa de mortalidade<br />

de aproximadamente 40%, e o doente que sobrevive a ela pode<br />

necessitar de ventilação mecânica por muitos meses.<br />

insuficiência Hematológica<br />

O termo coagulopaliu refere-se à alteração da capacidade nor¬<br />

mal de coagulação do sangue. Ela pode ser decorrente tanto de<br />

hipotermia (diminuição da temperatura do corpo) e da diluição<br />

dos fatores de coagulação pela transfusão de líquidos quanto<br />

da depleção de fatores de coagulação, por serem eles gastos no<br />

esforço para controlar a hemorragia (coagulopatia de consumo).<br />

A cascata da coagulação normal envolve várias enzimas e, por<br />

fim, leva à formação de moléculas de fibrina que servem como<br />

matriz que engloba as plaquetas e as hemácias e forma um manchão<br />

na parede de um vaso. Essas enzimas funcionam melhor<br />

em uma estreita faixa de temperatura (ou seja, na temperatura<br />

normal do organismo). Quando a temperatura central do orga¬<br />

nismo e a produção de energia diminuem, a coagulação san¬<br />

guínea também diminui e causa hemorragia descontrolada. Os<br />

fatores de coagulação também podem ser consumidos à medida<br />

que formam coágulos em um esforço para diminuir e controlar<br />

a hemorragia. A diminuição da temperatura cprpórea piora os<br />

problemas de coagulação, o que agrava a hemorragia, reduzindo<br />

mais ainda a temperatura do organismo. Assim, se a reanimação<br />

não for adequada, inslala-se um ciclo que leva à piora progres¬<br />

siva. Diversos estudos relataram poucas dificuldades relaciona¬<br />

das à coagulopatia, dado o maior aumento do uso de plasma na<br />

reanimação.'1<br />

Insuficiência Hepática<br />

A lesão hepática grave não é tão frequente no choque prolon¬<br />

gado. A insuficiência hepática manifesta-se por hipoglicemia<br />

persistente (níveis baixos de açúcar no sangue), acidose lác¬<br />

tica persistente e icterícia. Uma vez que é o fígado responsável<br />

pela produção de muitos dos fatores de coagulação necessários<br />

para a hemostasia, a insuficiência hepática pode acompanhar<br />

coagulopatia.<br />

Infecção Grave<br />

Há maior risco de desenvolvimento de infecção associada ao<br />

choque grave. Acredila-se que isso se deva a diversas causas:<br />

a) Umagrande redução do número de leucócitos, predispondo<br />

o doente em choque ao desenvolvimento de infecções, é<br />

outra manifestação da insuficiência hematológica.<br />

b) A isquemia e a redução na produção de energia pelas célu¬<br />

las da parede do intestino, no doente em choque, podem


192 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

permitir o extravasamento de bactérias paia a cavidade<br />

peritoneal.<br />

c) O funcionamento do sistema imunológico é reduzido cm<br />

caso de isquemia e perda da produção de energia.<br />

Falência de Múltiplos Órgãos<br />

Caso não seja tratado com sucesso, o choque pode causar a<br />

disfunção de um órgão, seguido por vários órgãos simultanea¬<br />

mente, sendo a sepse uma associação comum, que leva à sín¬<br />

drome de disfunção múltipla de órgãos.<br />

A falência de um dos principais sistemas orgânicos (como<br />

os pulmões, os rins, a cascata da coagulação ou o fígado) está<br />

associada à mortalidade de cerca de 40%. Quando um sistema<br />

orgânico entra em falência, o estado de choque piora ainda<br />

mais. Quando há falência de quatro sistemas, a mortalidade é de<br />

praticamente 100%. 11 A falência cardiovascular, quando decor¬<br />

rente de choque cardiogênico ou séptico, só raramente pode.ser<br />

revertida.<br />

Avaliação<br />

Como anteriormente discutido, o choque é resultante da menor<br />

perfusão e produção de energia, podendo levar à morte. Se não<br />

for rapidamente tratada, essa ausência de produção de energia<br />

pode ser irreversível. A perda da produção de energia, quando<br />

o organismo passa do metabolismo aeróbico para o anaeróbico,<br />

diminui em 15 vezes a produção de ATP e da energia necessária<br />

à manutenção do metabolismo aeróbico em todas as células do<br />

corpo. Este responde à menor produção de energia reduzindo,<br />

de modo seletivo, a perfusão em áreas não essenciais do orga¬<br />

nismo e aumentando a função cardiovascular, para compensar<br />

e melhor perfundir outras regiões, mais críticas.<br />

Quando há desenvolvimento de choque, a resposta fisioló¬<br />

gica provoca sinais clínicos que indicam que o organismo está<br />

tentando compensá-lo.<br />

A resposta do corpo é identificada pela redução da perfusão<br />

a órgãos não vitais, como a pele, que fica fria e rendilhada, redu¬<br />

ção do pulso em membros, cianose fria nas extremidades, com<br />

redução do tempo de preenchimento capilar, e redução do nível<br />

de consciência, dado o declínio na perfusão de sangue oxige¬<br />

nado para o cérebro. A acidose derivada do metabolismo ana¬<br />

eróbico aumenta a frequência ventilatória, já que o corpo tenta<br />

expelir o dióxido de carbono produzido. A menor produção de<br />

energia é identificada pela inatividade orgânica, pela pele fria<br />

e pela menor temperatura corpórea. O doente pode apresentar<br />

calafrios, em uma tentativa de manter o corpo aquecido.<br />

A avaliação da presença de choque deve incluir a busca<br />

de sutis evidências precoces desse estado de hipoperfusão.<br />

No ambiente pré-hospitalar, isso requer a avaliação de órgãos<br />

e sistemas que estão imediatamente acessíveis. Os sinais de<br />

hipoperfusão manifestam-se como mau funcionamento desses<br />

órgãos ou sistemas passíveis de avaliação. Tais sistemas são o<br />

cérebro e o sistema nervoso central (SNC), o coração e o sistema<br />

cardiovascular, o sistema respiratório, a pele e os membros e os<br />

rins. Os sinais de menor perfusão e produção de energia e da<br />

resposta orgânica incluem:<br />

Redução do nível de consciência, ansiedade, desorienta¬<br />

ção, agressividade, comportamento bizarro (cérebro e!<br />

Taquicardia, redução da pressão sislólica e de pulso (c<br />

ção e sistema cardiovascular)<br />

Respiração rápida e superficial (sistema respiratório)<br />

Pele fria, pálida, úmida, diaforética ou mesmo cianótica,<br />

com redução do tempo de preenchimento capilar (pelee<br />

extremidades)<br />

Diminuição do débito urinário (rins), raramente identifi¬<br />

cada no ambiente pré-hospitalar ou em situações de trans¬<br />

porte prolongado ou retardado, quando há colocação de<br />

sonda vesical<br />

Uma vez que a hemorragia é a causa mais comum de chtj<br />

que em doentes vítimas de trauma, todo choque deve ser i<br />

siderado hemorrágico até que se prove o contrário. A primein<br />

prioridade é o exame de fontes externas de hemorragia e :<br />

controle, da forma mais rápida e completa possível. Isso po<br />

envolver técnicas como a aplicação de curativos compressivo<br />

torniquetes ou colocação de talas em membros fralurados. Cas|<br />

não haja evidência de hemorragia externa, deve-se suspeitarc<br />

presença de hemorragia interna. Embora o tratamento definitiç]<br />

da hemorragia interna não seja possível no ambiente pré-1<br />

talar, a identificação de uma fonte interna determina o rápid<br />

transporte à instituição onde o tratamento será realizado.;<br />

hemorragia interna pode ocorrer no tórax, no abdome, na pehi<br />

ou no retroperitônio. Evidências de lesões torácicas conlus<br />

ou penetrantes, com diminuição do murmúrio vesicular e mad<br />

cez à percussão, sugerem a existência de uma fonte torácica.!<br />

abdome, a pelve e o retroperitônio podem ser a fonte da liemo;<br />

ragia, com evidências de trauma fechado (p. ex., equimose)!<br />

trauma penetrante, distensão ou sensibilidade abdominal, in<br />

tabilidade pélvica, desigualdades no cqmprimento das perna<br />

dor na área pélvica agravada pela movimentação, equimo<br />

perineal e presença de sangue no meato uretral. Como re<br />

geral, doentes que preenchem os critérios 1e/ou 2 do Nation<br />

Trauma Triage Protocol (NTTP) devem ser rapidamente enca<br />

nhaclos ao centro de trauma mais próximo (Fig. 8-15).<br />

Se a avaliação não sugerir a hemorragia como causa<br />

choque, etiologias não hemorrágicas devem ser suspeitas. De<br />

tre estas, incluem-se tamponamento cardíaco e pneumotón<br />

hiperlensivo (ambos evidenciados pela distensão das veias i<br />

pescoço, que, no choque hemorrágico, apresentam colapso);<br />

choque neurogênico. Redução dos sons respiratórios e hipe<br />

ressonância do lado acometido pela lesão torácica, desconfoil<br />

respiratório (laquipneia) e desvio traqueal (raramente<br />

na cena) sugerem a presença de pneumotórax hiperlensivo. Al<br />

observação destes sinais indica a necessidade de descompressão!<br />

imediata com agulha. Diferentes fontes de choque cardiogênico j<br />

são suspeitas em traumas torácicos conlusos ou penetrantes;ol<br />

abafamento dos sons cardíacos sugere tamponamento cardíaco!<br />

(de difícil detecção no barulhento ambiente pré-hospitalar),e|<br />

as arritmias e o choque neurogênico são associados a sinais dei<br />

traumas medulares, com bradicardia e aumento da temperatura!<br />

dos membros. A maioria dessas características, se não todas,<br />

podem ser detectadas pelo socorrista habilidoso, que pode<br />

determinar a causa do choque e a necessidade de intervenção]<br />

adequada quando esta é possível no local.


CAPÍTULO 8 Choque 193<br />

ESQUEMA DETRIAGEM A CAMPO: PROTOCOLO<br />

NACIONAL DETRIAGEM DETRAUMA<br />

Avaliação dos sinais vitais 0 do nível de consciência I<br />

Escala do coma da Glasgow < 14 ou<br />

Pressão arterial sistólica < 90ou<br />

Frequência ventilatória < 10 ou > 29 ( 6 metros (um andar ó igual a 3 metros)<br />

• Crianças: > 3 metros ou 2-3 vozes a altura da criança<br />

Acidonte automobilístico de alto risco<br />

• Intrusão: > 30 cm do banco do passageiro,> 45 cm em<br />

qualquer local<br />

• Ejeção (parcial ou completa) do automóvel<br />

• Morte no mesmo compartimento do passageiro<br />

• Dados da telemetria do veículo inconsistente com o<br />

alto risco do losão<br />

Carro vs. podestro/ciclista: arromosso, atropelamento ou<br />

impacto significativo (> 30 km/h)<br />

Acidento com motocicleta > 30 km/lt<br />

Transporto 00 contro do traumo mais próximo,| Determinar considerações<br />

que, dependendo do sistema, não procisa ser espaciais relacionadas ao<br />

o do nivot mais olovado<br />

doonto ou ao sistema<br />

Idade<br />

• Adultos mais velhos: risco de morte por lesão<br />

aumenta após os 55 anos<br />

• Crianças: devem ser tríadas, preferencialmente, a<br />

centros do trauma com sotor pediátrico<br />

Anticoaguloçno o distúrbios homorrágicos<br />

Quoimaduras<br />

• Ausência do outro mecanismo do trauma:<br />

encaminhado à unidade do queimados<br />

• Com mecanismo de trauma: encaminhado a contro<br />

do trauma<br />

Lesão om mombros com agravamento decorrente do<br />

(ator tampo<br />

Nofropatia terminal necessitando de diàliso<br />

Gravidez > 20 samBnas<br />

Avaliação do socorrista<br />

[SIM<br />

Contato com controle médico e considerar<br />

transporte a centro de trauma ou hospital com<br />

recursos específicos<br />

Transporto de acordo com o<br />

protocolo<br />

Em caso de dúvida, transportar para o centro de trauma<br />

Para mais intonnaçOes sotuo o esquema, acosse www.cdc.QoWFicldTriago<br />

FIGURA 8-15 Esquema de Triagem a Campo: Protocolo<br />

Nacional de Triagem de Trauma dos Estados Unidos.<br />

(D: US Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention.)<br />

As áreas de. avaliação do doente incluem o estado da via<br />

aérea, a ventilação, a perfusão, a cor e a temperatura da pele, o<br />

tempo de preenchimento capilar e a pressão arterial. Aqui, cada<br />

uma destas áreas é apresentada separadamente, 110 contexto da<br />

avaliação primária (inicial) e da avaliação secundária (focada<br />

na história e no exame físico). A avaliação simultânea ó uma<br />

parte importante da avaliação do doente, permitindo a coleta<br />

de informações de várias fontes ao mesmo tempo. Mesmo que<br />

lodos os sistemas estejam funcionando normalmente, o alarme<br />

não é desligado.<br />

Avaliação Primária<br />

Lorde Kelvin disse: "Quando você pode medir o que está falando<br />

e expressá-lo em números, sabe algo a respeito, e quando você<br />

não pode expressá-lo em números, seu conhecimento é escasso<br />

e insatisfatório." Embora isso corresponda ao que sentimos em<br />

relação aos sinais vitais, a primeira etapa na avaliação do doente<br />

é conseguir uma impressão geral, o mais rápido possível, do<br />

estado do indivíduo. Somente após essa impressão geral é que se<br />

tem tempo para coletar os números necessários a uma avaliação<br />

mais específica. Os seguintes sinais identificam a necessidade<br />

de suspeitar da presença de condições possivelmente fatais:<br />

h Ansiedade leve, que progride para confusão ou alteração<br />

do nível de consciência<br />

o Taquipneia leve, que evolui para ventilação rápida e<br />

dificultos<br />

s Taquicardia leve, que evolui para taquicardia acentuada<br />

El Pulso radial fraco, que desaparece<br />

a Pele pálida ou cianótica<br />

a Aumento do tempo de preenchimento capilar<br />

® Perda do pulso em extremidades<br />

a Hipotermia<br />

O socorrista deve tratar imediatamente qualquer problema<br />

de via aérea, ventilação ou circulação antes de prosseguir.<br />

As etapas a seguir são descritas em uma ordem sequencial:<br />

todas essas avaliações, porém, são realizadas de modo quase<br />

simultâneo.<br />

Via Aérea<br />

A avaliação deve incluir a permeabilidade da via aérea<br />

(Cap. 7).<br />

Ventilação<br />

Como já vimos, o metabolismo anaeróbio decorrente da dimi¬<br />

nuição da oxigenação celular leva a aumento da produção de<br />

ácido láctico. Os íons hidrogénio (H+), acumulados por causa<br />

da acidose e da hipoxia, provocam a estimulação do centro res¬<br />

piratório que aumenta a frequência e a profundidade da ven¬<br />

tilação. Assim, a taquipneia é geralmente um dos sinais mais<br />

precoces de choque. Na avaliação primária, não se perde tempo<br />

contando a frequência ventilatória; em vez disso, estima-se se<br />

as respirações estão lentas, normais, rápidas ou muito rápidas.<br />

Uma frequência ventilatória lenta associada ao choque em geral<br />

indica que o doente está em choque profundo e pode estai- a


194 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

apenas alguns segundos de uma parada cardíaca. Uma frequên¬<br />

cia ventilatória rápida é sempre preocupante e deve servir como<br />

estímulo para pesquisar a causa do choque. Um doente que<br />

tenta retirar a máscara de oxigénio, sobretudo se estiver ansioso<br />

e agitado, está mostrando mais um sinal de isquemia cerebral.<br />

Ele tem "fome de ar" e sente necessidade de respirar mais. A<br />

presença de uma máscara sobre o nariz e a boca cria a sensação<br />

psicológica de restrição ventilatória. Essa atitude deve dar ao<br />

socorrista a dica de que o doente não está respirando adequa¬<br />

damente, e que está em hipoxia. A oximetriá de pulso confirma<br />

essa suspeita. Qualquer leitura de um oxímetro de pulso abaixo<br />

de 95% ao nível do mar é preocupante e deve servir como um<br />

estímulo para identificar a causa da hipoxia.<br />

Circulação<br />

Existem dois componentes na avaliação da circulação:<br />

h<br />

e<br />

Hemorragia<br />

Perfusão com sangue oxigenado<br />

s Corpórea total<br />

a Regional<br />

Os dados obtidos durante a avaliação cardíaca auxiliam na deter¬<br />

minação inicial rápida do volume sanguíneo total -e. do estado de<br />

perfusão do doente e, secundariamente, analisam regiões espe¬<br />

cíficas do corpo. Ao checar o tempo de preenchimento capilar,<br />

o pulso, a cor da pele e a temperatura dos membros inferiores,<br />

por exemplo, pode-se observar comprometimento da perfusão,<br />

enquanto os mesmos sinais podem ser normais nos membros<br />

superiores. Isso não significa que os sinais sejam imprecisos,<br />

apenas que uma região do organismo está diferente da outra.<br />

A questão a ser imediatamente respondida é "POR QUE?". E<br />

importante checai1 esses achados circulatórios e de perfusão em<br />

mais de uma região corpórea, e lembrar que a avaliação do orga¬<br />

nismo como um todo não deve ser baseada em uma única área.<br />

Hemorragia. A avaliação da circulação começa com a rápida pes¬<br />

quisa da presença de hemorragia externa significativa. O doente<br />

pode estar deitado sobre a fonte principal de hemorragia, ou<br />

esta pode estar escondida por suas roupas. Os esforços em<br />

restaurar a perfusão são muito menos eficazes na presença de<br />

hemorragia. O doente pode perder um volume de sangue signi¬<br />

ficativo de lacerações no couro cabeludo, dada a alta concentra¬<br />

ção de vasos sanguíneos nesta área, ou de ferimentos que dani¬<br />

ficam vasos sanguíneos importantes (subclávio, axilar, braquial,<br />

radial, ulnar, carotídeo, femoral ou poplíteo). Examine todo o<br />

corpo, para identificar fontes hemorrágicas externas.<br />

Pulso. O próximo aspecto importante para a avaliação da per¬<br />

fusão é o pulso. A avaliação inicial do pulso determina se ele<br />

está presente na artéria que se está examinando. Em geral, o<br />

desaparecimento do pulso radial indica hipovolemia grave (ou<br />

lesão vascular do braço), particularmente se os pulsos centrais,<br />

como o carotídeo ou o femoral, forem fracos, filiformes e muito<br />

acelerados, indicando a condição do sistema circulatório cor¬<br />

póreo total. Se o pulso for palpável, sua forma e força devem,<br />

então, ser examinadas:<br />

E .- O pulso é forte ou fraco e filiforme?<br />

s Está normal, muito rápido ou muito lento?<br />

s É regular ou irregular?<br />

Embora muitos profissionais envolvidos no atendimento de]<br />

doentes traumatizados se concentrem na pressão arterial, não]<br />

se deve perder um tempo precioso durante a avaliação primária]<br />

para se medir a pressão arterial. Na avaliação primária, o nível]<br />

exato da pressão arterial é muito menos importante do que o;<br />

demais sinais. Podem ser obtidas informações importantes a par¬<br />

tir da frequência e das características do pulso radial. Em uma<br />

série de doentes traumatizados, um pulso radial caracterizado]<br />

por socorristas como "fraco" estava associado a uma pressão<br />

arterial que em média era 26 mmHg mais baixa do que a de um<br />

pulso considerado "normal". Fato importante: doentes trauma¬<br />

tizados com um pulso radial fraco apresentaram uma probabili¬<br />

dade 15'vezes maior de morrer do que os com um pulso normal*<br />

Embora seja geralmente obtida no início da avaliação secundária,<br />

a pressão arterial pode ser palpada ou auscultada mais cedo na<br />

avaliação, caso haja assistência suficiente, ou logo após o término]<br />

da avaliação primária e quando as condições potencialmentj<br />

íátais estiverem sendo tratadas durante o transporte.<br />

Nível de Consciência<br />

O estado mental é parte da avaliação da disfunção neurológica,]<br />

mas sua alteração pode representai1 menor perfusão cerebral,<br />

Isso indica a avaliação da perfusão em um órgão terminal. Ura<br />

doente ansioso e agressivo deve ser considerado acometido<br />

por isquemia cerebral e metabolismo anaeróbico até que outra<br />

causa seja identificada. A overdose de drogas e de álcool e o<br />

trauma fechado cerebral são condições que não podem ser trata¬<br />

das rapidamente, mas a isquemia cerebral pode. Portanto, todos I<br />

os doentes nos quais possa haver isquSmia devem ser tratados<br />

como se ela estivesse presente.<br />

Coloração da Pele. A pele rosada indica que o doente está<br />

oxigenado, sem metabolismo anaeróbio. A pele azulada (cianó-]<br />

tica) ou rendilhada indica hemoglobina não oxigenada e<br />

de oxigenação periférica adequada. A pele pálida, rendilhai!<br />

ou cianótica tem fluxo sanguíneo inadequado, que pode resultarJ<br />

de uma das três causas:<br />

1. Vasoconstrição periférica (mais frequentemente associadaà|<br />

hipovolemia).<br />

2. Diminuição do número de hemácias (anemia aguda).<br />

3. Interrupção do fluxo sanguíneo para aquela região do orga-1<br />

nismo, como pode ocorrer em fraturas ou lesão de um vaso]<br />

sanguíneo que supre aquela parte do corpo.<br />

A palidez cutânea pode ser um achado localizado ou gene-]]<br />

ralizado com diferentes implicações. Outros achados, con<br />

taquicardia, devem ser usados para esclarecer essas diferençai]<br />

e determinar se a palidez cutânea é uma condição localizad<br />

regional ou sistémica. Além disso, pode não haver cianose i<br />

doentes hipóxicos que perderam um número significativo<br />

suas hemácias por hemorragia. Em doentes de pele escara,!<br />

cianose pode ser observada nos lábios, nas gengivas e na pairai]<br />

das mãos.


CAPÍTULO 8 Choque 195<br />

Temperatura da Pele. À medida que o organismo desvia sangue<br />

da pele para suas partes mais importantes, a temperatura da<br />

pele cai. Uma pele fria ao toque inclica perfusão cutânea redu¬<br />

zida e diminuição da produção de energia e, portanto, choque.<br />

Devem-se tomar medidas para preservar a temperatura corpó¬<br />

rea do doente, já que uma quantidade significativa de calor<br />

pode ser perdida durante a fase de avaliação.<br />

Um bom sinal de reanimação adequada pode ser um dedo<br />

quente, seco e rosado. As condições ambientais em que a deter¬<br />

minação é realizada podem afetar os resultadps, como uma<br />

lesão isolada pode afetar a perfusão.<br />

Tempo de Enchimento Capilar. A capacidade do sistema cardiovas¬<br />

cular de encher os capilares depois que o sangue foi "removido"<br />

deles representa um sistema importante de suporte. A análise do<br />

nível de função deste sistema de suporte, comprimindo os capi¬<br />

lares para remover todo o sangue, e depois medindo o tempo<br />

de preenchimento, dará ao socorrista uma ideia da perfusão do<br />

leito capilar avaliado. Geralmente, o organismo desvia primeiro<br />

a circulação das parles mais distais do corpo e restaura a circu¬<br />

lação nesses locais por último. A avaliação do leito ungueal do<br />

Mux ou do polegar fornece a indicação mais precoce possível<br />

deque pode estar ocorrendo hipoperfusão. Além disso, dá ao<br />

socorrista uma boa indicação de quando a reanimação está com¬<br />

pleta. Contudo, como acontece com muitos outros sinais que o<br />

doente pode apresentar, diversas condições, tanto ambientais<br />

quanto fisiológicas, podem alterar os resultados. O teste do<br />

enchimento capilar avalia o tempo necessário para reperfundir<br />

apele e, por isso, é uma medida indireta da perfusão naquela<br />

parte do corpo. Não é diagnóstico de nenhuma doença ou lesão<br />

específica.<br />

0 tempo de preenchimento capilar foi descrito como o pior<br />

teste para detecção do choque. Este, porém, não é um exame<br />

para detecção do choque, mas sim um teste da perfusão do leito<br />

capilar sendo analisado. Associado a outros exames e compo¬<br />

nentes da avaliação, é um bom indicador da perfusão e suges¬<br />

tivo da presença de choque.<br />

0 choque pode ser causado pela má perfusão e retardo do<br />

preenchimento capilar, mas existem outras causas, tais como:<br />

interrupção de artérias por fraturas, ferimentos por projéteis de<br />

armas de fogo em vasos, hipotermia e, até mesmo, arterioscle¬<br />

rose. Outra causa do mau preenchimento capilar é a redução do<br />

débito cardíaco pela hipovolemia (e não pela hemorragia).<br />

0 tempo de preenchimento capilar é um valioso sinal diag¬<br />

nóstico, que também pode ser usado no monitoramento do pro¬<br />

gresso da reanimação.<br />

Estado Neurológico<br />

Um sistema que pode ser prontamente avaliado no local é a fun¬<br />

ção cerebral. No doente traumatizado, pelo menos cinco con¬<br />

dições podem levar à alteração do nível de consciência ou de<br />

comportamento (o doente pode ficar combativo ou agitado):<br />

1. Hipoxia.<br />

2. Choque com alteração da perfusão cerebral.<br />

3. Lesão cerebral traumática.<br />

4. Intoxicação por álcool ou outras drogas.<br />

5. Alterações metabólicas, como diabetes, convulsão ou<br />

eclampsia.<br />

Dessas cinco, a mais fácil de tratar - e a única que pode<br />

matai- rapidamente o doente se não for tratada - é a hipoxia.<br />

Todo doente com alteração do nível de consciência deve ser<br />

tratado como se a causa fosse a diminuição da oxigenação cere¬<br />

bral. A alteração do nível de consciência é, em geral, um dos<br />

primeiros sinais observados no choque. A lesão cerebral pode<br />

ser considerada primária (causada por trauma direto ao tecido<br />

cerebral) ou secundária (causada pelos efeitos de hipoxia, hipo¬<br />

perfusão, edema, perda de produção de energia etc.). Não há<br />

tratamento eficaz no atendimento pré-hospilalar para a lesão<br />

cerebral primária, mas a lesão cerebral secundária pode, essen¬<br />

cialmente, ser evitada ou reduzida substancialmente ao se man¬<br />

ter a oxigenação e a perfusão.<br />

A capacidade de funcionamento do cérebro diminui à<br />

medida que caem a perfusão e a oxigenação e se instala a isquemia.<br />

Essa diminuição da função passa por diversas etapas à<br />

medida que diferentes partes do cérebro vão sendo aletadas.<br />

Ansiedade e agitação geralmente são os primeiros sinais, segui¬<br />

dos por pensamento lento e por diminuição das funções motora<br />

e sensitiva. O nível de função cerebral é um sinal de choque<br />

importante e mensurável no pré-hospitalar. Um doente agitado,<br />

combativo, ansioso ou com nível de consciência rebaixado deve<br />

ser tratado como tendo hipoxia e hipoperfusão cerebral, até que<br />

se ache outra causa para essas alterações. Hipoperfusão e hipo¬<br />

xia cerebral frequentemente acompanham a lesão cerebral e<br />

pioram ainda mais o prognóstico a longo prazo. Mesmo breves<br />

períodos de hipoxia e choque podem piorar a lesão cerebral ini¬<br />

cial e o prognóstico do doente.<br />

Exposição do Corpo/Ambiente<br />

O corpo do doente é exposto para avaliar locais menos óbvios<br />

de perda externa de sangue e indicações de hemorragia interna.<br />

A possibilidade de hipotermia é também considerada. Esta<br />

exposição é mais bem realizada no compartimento traseiro da<br />

ambulância, para proteger o doente do ambiente e dos olhares<br />

curiosos do público.<br />

Avaliação secundária<br />

Em alguns casos, as lesões apresentadas pelo doente podem ser<br />

graves demais para que uma avaliação secundária adequada<br />

possa ser completada No pré-hospital, se houver tempo, essa<br />

avaliação pode ser feita durante o transporte ao hospital, caso<br />

não existam outras questões a ser resolvidas.<br />

Sinais Vitais<br />

A aferição de um conjunto preciso de sinais vitais é uma das<br />

priiYieiras etapas na avaliação secundária ou, após reavaliar a<br />

avaliação primária, quando há alguns minutos disponíveis<br />

durante o transporte.<br />

Frequência Ventilatória. Uma frequência de 20 a 30 ventilações por<br />

minuto é limítrofe e indica a necessidade de suplementação de<br />

oxigénio. Uma frequência acima de 30 respirações por minuto<br />

indica choque avançado e necessidade de ventilação assistida.<br />

O impulso fisiológico para a maior frequência ventilatória é a<br />

acidose causada pelo choque, mas geralmente é associada à<br />

redução do volume corrente. Estas duas frequências ventilató-


196 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

rias indicam a necessidade de procurar por possíveis fontes de<br />

menor perfusão.<br />

Pulso. Na avaliação secundária, a frequência do pulso deve ser<br />

avaliada com mais precisão. No adulto, a faixa normal para o<br />

pulso é de 60 a 100 batimentos por minuto. Com frequência<br />

baixa, excelo em indivíduos atléticos, deve-se suspeitar de<br />

isquemia de miocárdio ou de uma situação patológica tal como<br />

bloqueio completo de ramo. Um pulso na faixa de 100 a 120<br />

batimentos por minuto indica que o doente está em fase ini¬<br />

cial de choque, com uma resposta cardíaca inicial tendendo à<br />

taquicardia. Um pulso acima de '120 batimentos por minuto é<br />

um sinal definitivo de choque, a menos que seja em virtude de<br />

dor ou medo, e um pulso acima de 140 batimentos por minuto é<br />

considerado extremamente crítico e quase terminal.<br />

Pressão Arterial. A pressão arterial é um dos sinais de choque<br />

menos sensíveis. A pressão arterial não começa a reduzir-se até<br />

que o doente apresente hipovolemia profunda (seja pela perda<br />

de fluido verdadeira ou pela relativa hipovolemia relacionada<br />

ao aumento do volume do compartimento). A redução da pres¬<br />

são arterial indica que o doente não é mais capaz de compensar<br />

a hipovolemia e a hipoperfusão. Em doentes saudáveis, a perda<br />

de sangue deve ser superior a 30% do volume sanguíneo antes<br />

da falência dos mecanismos de compensação e a redução da<br />

pressão arterial sistólica abaixo de 90 mmHg. Por esse motivo,<br />

as frequências ventilatória e cardíaca e a apresentação do pulso,<br />

o tempo de preenchimento capilar e o nível de consciência são<br />

indicadores mais sensíveis da hipovolemia do que a pressão<br />

arterial.<br />

Quando a pressão do doente começa a cair,a situação é extre¬<br />

mamente crítica, requerendo intervenção rápida. No ambiente<br />

pré-hospitalar, um doente hipotenso já perdeu um volume de<br />

sangue significativo, e é provável que a perda de sangue seja<br />

contínua. O desenvolvimento de hipotensão como primeiro<br />

sinal de choque indica que sinais mais precoces podem ter sido<br />

negligenciados.<br />

A gravidade da situação e o tipo adequado de intervenção<br />

variam conforme a causa do choque. A baixa pressão arterial,<br />

por exemplo, associada ao choque neurogênico, não é tão crítica<br />

quanto a baixa pressão arterial provocada pelo choque hipovolêmico.<br />

A Figura 8-'16 mostra os sinais usados na avaliação do<br />

choque hipovolêmico compensado e descompensado.<br />

Uma importante armadilha a ser evitada envolve equacio¬<br />

nar a pressão arterial sistólica ao débito cardíaco e à perfusão<br />

tecidual. Como enfatizado neste capítulo, a perda de sangue sig¬<br />

nificativa é geralmente observada antes que o doente apresente<br />

hipotensão (hemorragia de Classe III). Assim, os doentes apre¬<br />

sentarão menor débito cardíaco e oxigenação tecidual quando<br />

perderem 15% a 30% de seu volume sanguíneo, apesar de<br />

apresentarem pressão arterial sistólica normal. Em condições<br />

ideais, o choque deve ser reconhecido e tratado em estágios<br />

iniciais, antes que haja descompensação.<br />

As lesões cerebrais não provocam hipotensão até que o cére¬<br />

bro comece a sofrer herniação através da incisure e do forame<br />

magno. Um doente com lesão cerebral e hipotensão, portanto,<br />

deve ser considerado hipovolêmico (geralmente por perda de<br />

sangue) por apresentar outras lesões, e não uma lesão cerebral.<br />

FIGURA 8-16 Avaliação do Choque Hipovolêmico<br />

Compensado e Descompensado<br />

Sinal Vital Compensado Descompensado<br />

Pulso<br />

Aumentado;<br />

taquicardia<br />

ti<br />

Muito aumentado;<br />

taquicardia<br />

acentuada que<br />

pode evoluir para<br />

bradicardia<br />

Pele Pálida, fria e úmida Pálida, fria e cerosa<br />

Pressão arterial Normal Baixa<br />

Nível de<br />

consciência<br />

Inalterado<br />

Alterado, indo da<br />

desorientação ao<br />

coma<br />

Bebés pequenos (com menos de 6 meses de vida) são a cxce-l<br />

ção a esta regra, porque podem apresentar hemorragia cefálidl<br />

interna durante o choque hipovolêmico, dadas as suturas efon-|<br />

tanelas abertas.<br />

Lesões Musculoesqueléticas<br />

A hemorragia interna significativa pode estar associada a fratu-j<br />

ras (Fig. 8-17). As fraturas do fémur e da pelve são as mais p<br />

cupantes. Uma única fratura femoral pode estar associada a ali<br />

2 a 4 unidades (1.000-2.000 ml) de perda de sangue pela coxa;<br />

Esta lesão, isoladamente, pode resultar na perda de 30% a 40ÿ<br />

ao choque hi<br />

do volume sanguíneo de um adulto,Jevando<br />

volêmico descompensado. Fraturas pélvicas, principalmenteasj<br />

causadas por quedas significativas ou mecanismos de esmaga¬<br />

mento, podem ser associadas à hemorragia interna expressiva<br />

no espaço retroperitoneal. A vítima de trauma fechado pode<br />

apresentar diversas fraturas e choque de Classe III ou IV, mas<br />

não evidência de perda de sangue externa, hemotórax, hemorragia<br />

intra-abdominal ou fratura pélvica. Um pedestre adulto<br />

atingido por um veículo, por exemplo, sofrendo fratura em qua¬<br />

tro costelas, no úmero, no fémur e fraturas bilaterais em tibiae<br />

fibula, pode apresentar hemorragia interna de 3.000 a 5.500<br />

de sangue. Essa possível perda de sangue é suficiente paraquoo<br />

doente morra devido ao choque, caso este não seja reconhecidi<br />

e adequadamente tratado.<br />

Fatores de Confusão<br />

Numerosos fatores podem confundir a avaliação, já que oh<br />

curecem os sinais comuns de choque nos doentes vítimas (I<br />

traumas.<br />

Idade<br />

Doentes nos extremos da vida - muito jovens (neonatos) e ido¬<br />

sos - apresentam menor capacidade de compensação da perda<br />

de sangue aguda e de outros estados de choque. Assim, nes<br />

tes indivíduos, uma lesão relativamente pequena pode levar ao


CAPÍTULO 8 Choque 197<br />

FIGURA 8-17 Perda Sanguínea Interna Aproximada<br />

Associada às Fraturas<br />

Tipo de Fratura<br />

Costela 125<br />

Rádio ou ulna 250-500<br />

Úmero 500-750<br />

Tíbia ou fibula 500-1.000<br />

Fémur 1.000-2.000<br />

Pelve<br />

Perda Sanguínea Aproximada (ml)<br />

1.000-intensa<br />

.desenvolvimento de choque descompensado. Por outro lado.<br />

crianças e adultos jovens apresentam tremenda capacidade de<br />

compensação da perda de sangue, e podem parecer relativa¬<br />

mente normais à avaliação rápida. A investigação mais meticu¬<br />

losa pode revelar sinais sutis de choque, tais como taquicardia<br />

itaquipneia leves, palidez cutânea com menor tempo de pre¬<br />

enchimento capilar, e ansiedade. Em razão dos seus potentes<br />

necanismos compensatórios, as crianças em choque descom¬<br />

pensado representam grandes emergências. Indivíduos idosos<br />

podem ser mais suscetíveis a determinadas complicações do<br />

choque prolongado, como a insuficiência renal aguda.<br />

Condição Atlética<br />

Atletas bem-condicionados tendem a apresentar maiores capa¬<br />

cidades de compensação. Em muitos, a frequência cardíaca em<br />

repouso varia entre 40 e 50 batimentos/minuto. Assim, a fre¬<br />

quência cardíaca de 100 a 110 batimentos/minuto ou a hipoten¬<br />

são pode ser um sinal de alerta, indicando a ocorrência de hemor¬<br />

ragias significativas em atletas de bom condicionamento físico.<br />

Gravidez<br />

Durante a gravidez, o volume sanguíneo pode aumentar 45%<br />

a 50%. A frequência e o débito cardíaco também aumentam<br />

durante a gravidez. Por causa disso, a gestante pode não apre¬<br />

sentar sinais de choque até que perca mais de 30% a 35% do<br />

seu volume sanguíneo total. Além disso, bem antes de a mãe<br />

demonstrar sinais de hipoperfusão, o feto pode ser afetado, já<br />

ia circulação placentária é mais sensível aos efeitos de vasoonstrição<br />

das catecolaminas liberadas em resposta ao estado<br />

de choque. Durante o terceiro trimestre, o útero gravídico pode<br />

comprimir a veia cava inferior, diminuindo consideravelmente<br />

i retorno venoso e causando hipotensão. A elevação do lado<br />

direito da doente já imobilizada em prancha longa pode melho¬<br />

rar essa situação. Se a gestante permanecer hipotensa apesar<br />

dessa manobra, é sinal de que houve perda de sangue passível<br />

de causar risco de vida.<br />

Doenças Preexistentes<br />

Os doentes portadores de doenças graves, como coronariopalias<br />

edoença pulmonar obstrutiva crónica, têm menor capacidade de<br />

compensara perda de sangue e o choque. Esses doentes podem<br />

ter angina quando a frequência cardíaca aumenta na tentativa<br />

de manter a pressão arterial. Os doentes com marca-passo, por<br />

sua vez, não conseguem realizar taquicardia para manter a pres¬<br />

são arterial.<br />

Uso de Medicamentos<br />

Vários medicamentos interferem nos mecanismos de compen¬<br />

sação do organismo. Betabloqueadores e inibidores de canais<br />

de cálcio, utilizados para tratar a hipertensão, podem impedir<br />

que o indivíduo desenvolva taquicardia compensatória, que<br />

contribuiria para manter a pressão arterial. Além disso, o uso<br />

cle anli-inflamalórios não hormonais, próprios para tratamento<br />

de artrite e de dor osteomuscular, pode interferir na alividade<br />

plaquetária e na coagulação sanguínea, levando a aumento da<br />

hemorragia.<br />

Tempo Decorrido entre o Trauma e o Atendimento<br />

.Em situações nas quais o tempo de resposta dos socorristas é<br />

pequeno, os doentes podem apresentar hemorragia interna pos¬<br />

sivelmente fatal, mas ainda não terem perdido sangue a ponto<br />

de manifestarem choque grave (hemorragia de Classe IIIou IV).<br />

Mesmo doentes com ferimentos penetrantes na aorta, na veia<br />

cava ou nos vasos ilíacos podem chegar ao hospital com pres¬<br />

são arterial sistólica normal caso a resposta dos socorristas e o<br />

período no local do incidente e o tempo de transporte sejam<br />

breves. Considerar que o doente que "parece bem" não apre¬<br />

senta hemorragia interna é um erro comum. Este doente pode<br />

"parecer bem" por apresentar choque compensado ou porque<br />

ainda não houve tempo suficiente para manifestação dos sinais<br />

de choque. Os doentes devem ser meticulosamente avaliados<br />

para detecção dos mais sutis sinais de choque, e a hemorragia<br />

interna deve ser considerada presente até ser definitivamente<br />

descartada. Esta é uma das razões que fazem com que a reavalia¬<br />

ção contínua de doentes vítimas de trauma seja essencial.<br />

Tratamento<br />

As seguintes etapas compõem o tratamento do choque:<br />

1) Garantia da oxigenação (via aérea e ventilação adequadas).<br />

2) Identificação de hemorragias (controle de hemorragias<br />

externas).<br />

3) Transporte ao centro de atendimento definitivo.<br />

4) Administração de Unidos durante o transporte, conforme<br />

adequado.<br />

Além de assegurar a via aérea e fornecer ventilação para<br />

manter a oxigenação, os objetivos principais do tratamento do<br />

choque incluem a identificação da fonte ou causa, o tratamento<br />

da causa o mais especificamente possível e o suporte da cir¬<br />

culação. No atendimento pré-hospitalar, as fontes externas de<br />

hemorragia frequentemente devem ser identificadas e imediata e<br />

diretamente controladas. As causas internas de choque normal¬<br />

mente não podem ser tratadas definitivamente no ambiente préhospitalar;<br />

portanto, a conduta consiste em transferir o doente<br />

rapidamente para o centro de tratamento definitivo, mantendo a<br />

circulação da melhor forma possível.<br />

No pré-hospitalar, a reanimação inclui:


198 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Melhoria da oxigenação das hemácias nos pulmões, por<br />

meio de:<br />

Controle adequado da via aérea; e<br />

Fornecimento de suporte ventilatório, com bolsa-valvamáscara<br />

e administração de alta concentração de oxigé¬<br />

nio suplementar (Fi02> 0,85).<br />

Controle da hemorragia externa e interna, na medida do<br />

possível, no ambiente pré-hospitalar. Todas as hemácias<br />

são importantes.<br />

Melhora da circulação, para distribuição mais eficiente de<br />

hemácias oxigenadas aos tecidos sistémicos, aumentando a<br />

oxigenação e a produção de energia em nível celular.<br />

Manutenção da temperatura corpórea.<br />

Chegada ao local de atendimento definitivo assim que<br />

possível, para controle da hemorragia e reposição de hemá¬<br />

cias, plasma, fatores de coagulação e plaquetas perdidas.<br />

Sem as medidas adequadas, o estado do doente continua a<br />

se deteriorar rapidamente, até chegai- à "estabilidade" final - o<br />

óbito.<br />

As quatro questões a seguir precisam ser resolvidas durante<br />

a decisão das opções terapêuticas para o doente em choque:<br />

1. Qual a causa do choque deste doente?<br />

2. Qual o tratamento definitivo para o choque deste doente?<br />

3. Que local poderá prestar melhor esse tratamento?<br />

4. Qual tratamento de suporte pode ser administrado e<br />

como o choque pode ser atendido durante o transporte ao<br />

hospital?<br />

Embora possa ser difícil de responder à primeira pergunta<br />

com alto grau de precisão diagnostica no campo, a identificação<br />

da possível fonte de choque auxilia a definição de qual institui¬<br />

ção é mais adequada às necessidades do doente e quais medidas<br />

podem ser necessárias durante o transporte para aumentar as<br />

chances de sobrevivência do indivíduo.<br />

Via Aérea<br />

Inicialmente, deve ser avaliada a via aérea de todos os doentes.<br />

Os doentes que necessitam de cuidados imediatos quanto à via<br />

aérea são os seguintes, em ordem de importância:<br />

1. Os que não estão respirando.<br />

2. Os que apresentam comprometimento evidente de via<br />

aérea.<br />

3. Os que têm frequência ventilatória acima de 20 ventilações<br />

por minuto<br />

4. Os que têm respiração ruidosa.<br />

Podem ser necessárias técnicas avançadas no ambiente<br />

pré-hospitalar para assegurar a via aérea e manter a ventilação,<br />

como apresentado no Capítulo 7, mas não se deve subestimai- a<br />

importância das técnicas essenciais para a via aérea, especial¬<br />

mente durante transportes rápidos.<br />

Ventilação<br />

Com a via aérea permeável, os doentes em choque ou em risco<br />

de choque (o que inclui quase todos os doentes traumatizados)<br />

devem receber oxigénio suplementar com FÍO2 o mais próximo<br />

possível de 1,0 (oxigénio a 100%). Este nível de oxigenação<br />

somente pode ser conseguido com o uso de dispositivos com<br />

reservatório acoplado a uma fonte de oxigénio. Tubos nasais ou<br />

máscaras faciais simples não atendem a este requerimento. /I<br />

saturação de oxigénio (SaOJ deve ser monitorada pelo oxímeÿ \<br />

Iro de pulso em praticamente lodos os doentes vítimas de íraumas,<br />

sendo mantida acima de 95% (no nível do mar).<br />

O doente que não está respirando, ou que respira de forma I<br />

superficial, em frequência inadequada, precisa de assistencial<br />

ventilatória, com uso imediato de bolsa-valva-máscara. A hiperventilação<br />

durante a ventilação assistida produz uma resposta I<br />

fisiológica negativa, principalmente em doentes com choque<br />

hipovolêmico. A ventilação muito profunda e rápida pode pro¬<br />

vocar alcalose. Esta resposta química aumenta a afinidade da<br />

hemoglobina pelo oxigénio, reduzindo a distribuição de oxi¬<br />

génio aos tecidos. Além disso, a hiperventilação pode elevara I<br />

pressão intratorácica, prejudicando o retorno venoso ao coração<br />

e, assim, causando hipotensão. Dados de experimentos condu¬<br />

zidos com animais, utilizando o modelo de choque hipovolê¬<br />

mico, sugerem que frequências ventilatórias normais ou eleva¬<br />

das em indivíduos com hemorragia moderada prejudicavam o I<br />

funcionamento hemodinâmico,como mostrado pela redução da<br />

pressão arterial sislólica e do débito cardíaco.7 " O aumento da I<br />

pressão intratorácica pode resultar tanto de grandes volumes<br />

correntes ('10-12 ml/kg peso corpóreo) como da criação de uma |<br />

"auto-PEEP" (pressão positiva ao final da expiração) quando a [<br />

ventilação é muito rápida (expiração inadequada, com aprisio¬<br />

namento de ar nos pulmões). Em doentes adultos, a administra- 1<br />

ção de volume corrente razoável (350-ÿ00 ml), em frequência<br />

de 10 ventilações/minuto, provavelmente é suficiente. Caso |<br />

disponível, o monitoramento da concentração final corrente 1<br />

dióxido de carbono (ETCO,) pode ser associado à oximetria de I<br />

pulso, para manutenção do doente em estado eucapneico (nível |<br />

sanguíneo de C02 normal), com oxigenação satisfatória.<br />

Circulação: Controle da Hemorragia<br />

O controle da óbvia hemorragia externa ocorre imediatamente I<br />

após o controle da via aérea e a instituição da oxigenoterapia e<br />

do suporte ventilatório ou é realizada simultaneamente a estas<br />

etapas em caso de presença do número adequado de socorristas.<br />

Se a hemorragia for claramente uma ameaça à vida, e a rápida<br />

avaliação inicialrevelar que o doente estárespirando, os esforços<br />

de controle da hemorragia podem ser prioritários. O reconheci¬<br />

mento precoce e o controle da hemorragia externa em doentesI<br />

vítimas de trauma auxiliam na preservação do volume sanguí¬<br />

neo e das hemácias destes indivíduos,garantindo a manutençãoI<br />

da perfusão aos tecidos. Até mesmo uma pequena hemorragia<br />

pode provocar uma perda de sangue substancial caso ignorada<br />

por longos períodos. Assim, em doente vítima de trauma muitissislêmico,<br />

nenhuma hemorragia é insignificante, e todas ús\<br />

hemácias são importantes 11a manutenção da perfusão contínua|<br />

dos tecidos corpóreos.


CAPÍTULO 8 Choque 199<br />

As etapas de controle dè hemorragias externas no ambiente<br />

pré-hospitalar incluem:<br />

h Pressão manual direta<br />

0 Curativos compressivos<br />

s Bandagens elásticas<br />

s Talas infláveis<br />

ÿ<br />

Torniquetes - membros<br />

n Agente hemostático- tronco<br />

0 controle da hemorragia externa deve ocorrer por etapas, que<br />

progridem caso as primeiras medidas de tratamento não sejam<br />

eficazes.<br />

Compressão<br />

A compressão direta pela mão aplicada sobre o local da hemor¬<br />

ragia é a técnica inicial empregada para o controle de hemorra¬<br />

gia externa. A capacidade do corpo para responder e controlar<br />

uma hemorragia em um vaso lacerado é em função (i) do tama¬<br />

nho do vaso, (2) da pressão dentro do vaso, (3) da presença de<br />

fatores da coagulação e (4) da possibilidade de o vaso lesionado<br />

entrarem espasmo. Os vasos, especialmente as artérias, que são<br />

completamente seccionados (que têm corte transverso), frequen¬<br />

temente se retraem e entram em espasmo. Em geral, há menos<br />

hemorragia na ponta de uma extremidade com uma amputação<br />

completa do que em uma extremidade com trauma grave, com<br />

vasos sanguíneos danificados, mas não completamente seccio¬<br />

nados. Para vasos sanguíneos danificados, a taxa de perda san¬<br />

guínea está diretamente relacionada com o tamanho do orifício<br />

no vaso sanguíneo e com a pressão transmural (diferença entre<br />

a pressão dentro do vaso e a pressão fora do vaso). Conforme<br />

discutido anteriormente neste capítulo, essa relação foi des¬<br />

crita pela primeira vez em uma equação desenvolvida por Ber¬<br />

noulli. Os detalhes da equação não são tão importantes quanto<br />

a compreensão do princípio básico - o tamanho de um orifício<br />

a a pressão transmural relacionados com a hemorragia -, e a<br />

compressão direta (manual ou com bandagem) controla a perda<br />

sanguínea.<br />

A compressão direta sobre o local da hemorragia aumenta<br />

a pressão extraluminal e, portanto, reduz a pressão transmural<br />

(interna versus externa), ajudando a diminuir ou parar a hemor¬<br />

ragia. A compressão direta também tem uma segunda função<br />

igualmente importante. Diferentemente dos canos em uma casa<br />

discutidos anteriormente, os vasos sanguíneos são compressí¬<br />

veis. A compressão das laterais do vaso lesionado reduz o tama¬<br />

nho (área) da abertura e reduz ainda mais o fluxo sanguíneo<br />

que sai do vaso. Mesmo se a perda sanguínea não for comple¬<br />

tamente interrompida, ela pode diminuir até o ponto em que o<br />

sistema de coagulação do sangue possa cessar a hemorragia. É<br />

por isso que a compressão direta é quase sempre bem-sucedida<br />

no controle de hemorragias. Vários estudos sobre hemorragia<br />

em locais de punção da artéria femoral após cateterização car¬<br />

díaca documentaram que a compressão direta é uma técnica<br />

eficaz.9'12<br />

Seguindo a analogia do tubo com vazamento, caso haja<br />

um pequeno orifício, a simples colocação do dedo sobre este<br />

é capaz de interromper, temporariamente, a perda de líquido.<br />

Pode-se, então, colocai' uma fita ao redor do tubo, parando,<br />

em curto prazo,, o vazamento. O mesmo conceito se aplica ao<br />

doente hemorrágico. A pressão direta sobre o ferimento aberto é<br />

seguida pela colocação de uma bandagem.<br />

Em outras palavras, a taxa de perda de fluido é controlada<br />

por vários fatores: pressão no interior do lúmen, pressão fora do<br />

lúmen e tamanho do orifício na estrutura tubular.<br />

Da perspectiva vascular e do doente, isso significa que a<br />

pressão arterial média (intraluminal) e a pressão no tecido adja¬<br />

cente ao vaso (extraluminal) são diretamente relacionadas ao<br />

controle da taxa de perda de sangue do vaso, assim como ao<br />

tamanho do orifício neste localizado.<br />

É importante notar que, quando a pressão arterial do doente<br />

foi reduzida pela perda de sangue, não se deve aumentá-la a<br />

níveis normais, mas permitir sua permanência em um nível no<br />

qual a perfusão é mantida, mas a perda de sangue não é contí¬<br />

nua. Isso geralmente ocorre quando a pressão arterial sislólica<br />

do doente sitúa-se entre 80 e OOmmHg. Isso significa evitar a<br />

superinfusão de fluidos por via IV.<br />

As etapas clo tratamento da hemorragia são, portanto, (1)<br />

aumentar a pressão externa (bandagem com pressão manual),<br />

reduzindo o tamanho do orifício no lúmen do vaso sanguíneo e<br />

a diferença entre as pressões interna e externa, que contribuem<br />

para o retardo do fluxo sanguíneo para fora do vaso lesionado;<br />

e (2) o uso da técnica de reanimação hipotensiva, garantindo a<br />

não elevação extensa da pressão intraluminal.<br />

Três pontos adicionais sobre a compressão direta devem ser<br />

enfatizados. Primeiro, quando se cuida de um ferimento com<br />

um objelo empalado, a pressão deve ser aplicada em um dos<br />

lados do ohjeto, e não sobre o objeto. Objetos empalados não<br />

devem ser removidos no local, pois ele pode ter lesionado um<br />

vaso, e o próprio objeto pode estar tamponando a hemorragia.<br />

A remoção do objeto causaria uma hemorragia interna incon¬<br />

trolável. Segundo, caso as mãos sejam usadas para a realização<br />

de outras tarefas vitais, pode ser criado um curativo de pressão<br />

(compressão) usando chumaços de gaze e uma bandagem elás¬<br />

tica ou com a utilização do manguito do esfigmomanômetro,<br />

inflando-o até que a hemorragia pare. Esse curativo é colocado<br />

diretamente sobre o local de hemorragia. Terceiro, a aplicação<br />

de compressão direta em uma hemorragia de vulto é prioritá¬<br />

ria com relação à realização de acessos venosos e reanimação<br />

volêmica. Seria um erro grave entregar um doente vítima de<br />

trauma com curativos bem colocados e dois acessos IV inse¬<br />

ridos e bem presos com esparadrapo, mas que está morrendo<br />

devido à hemorragia provocada por um ferimento que loi sub¬<br />

metido apenas à colocação de curativos simples, sem aplicação<br />

de pressão direta.<br />

Torniquetes<br />

No passado, era dada ênfase à elevação de uma extremidade e<br />

à compressão sobre um ponto de pressão (proximal ao local da<br />

hemorragia) como etapas intermediárias no controle de hemor¬<br />

ragias. Não foi publicada nenhuma pesquisa sobre se a eleva¬<br />

ção de uma extremidade com sangramento diminui ou não a<br />

hemorragia. Caso um osso em uma extremidade esteja fraturado,<br />

essa manobra poderia potencialmente transformar uma fratura


200 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

fechada em uma aberta ou aumentar uma hemorragia interna.<br />

Da mesma lorma, o uso de pontos de pressão para controle de<br />

hemorragias não foi estudado. Dessa forma, na ausência de<br />

dados convincentes, essas intervenções não são mais recomen¬<br />

dadas para situações nas quais a compressão direta, ou um cura¬<br />

tivo compressivo, não conseguiram controlar a hemorragia.<br />

Caso uma hemorragia externa em uma extremidade não<br />

possa ser controlada por pressão, a aplicação de um torniquete<br />

é a etapa lógica seguinte para controle da hemorragia (Fig. 8-18).<br />

Os torniquetes foram deixados de lado por'conta da preocupa¬<br />

ção quanto a complicações potenciais, incluindo lesão dos ner¬<br />

vos e vasos sanguíneos e perda potencial do membro, caso o<br />

torniquete seja deixado por um tempo prolongado. Nada disso<br />

foi provado e, na verdade, durante as guerras do Iraque e do Afe¬<br />

ganistão, foi demonstrado justamente o contrário13,1'1 Embora<br />

haja um pequeno risco de que uma parte ou todo o membro seja<br />

sacrificado, considerando a escolha de perder um membro ou<br />

salvar a vida do doente, a decisão óbvia é preservar a vida. Os<br />

dados da experiência militar sugerem que torniquetes aplicados<br />

adequadamente potencialmente poderiam evitar 7 de cada 100<br />

mortes em combate.13,11' O controle da hemorragia com exsanguinação<br />

com uso de torniquete é 80% melhor, ou mais. Torni¬<br />

quetes que ocluem o influxo arterial têm sido amplamente usa¬<br />

dos na sala de cirurgia por cirurgiões durante muitos anos com<br />

resultados satisfatórios. Usadosÿadequadamente, os torniquetes<br />

não são apenas seguros, como também salvam vidas, 1 '<br />

Em casos de hemorragia derivada de locais não passíveis<br />

da colocação de torniquetes, como o trunco ou o pescoço, agen¬<br />

tes hemostáticos podem ser utilizados. Desde sua publicação, o<br />

US Army Surgical Research Institute recomenda a utilização de<br />

Combat Gauze® como o produto de terceira geração preferido.<br />

Com o passai' do tempo, esta orientação pode ser alterada. Para<br />

obter informações atualizadas, o leitor deve consultar o website<br />

do PITTLS (phtls.org).<br />

Opções de-Dispositivos. Tradicionalmente, o torniquete foi projelado<br />

a partir de uma gravata dobrada em uma largura de cerca<br />

de 10 cm e emulada duas vezes em torno da extremidade -o<br />

"cabresto espanhol". É feito um nó na bandagem, e um bastão<br />

de metal ou de madeira é colocado sobre o nó, sendo feito um<br />

segundo nó. O bastão é torcido até que a hemorragia cesse, e<br />

é fixado no lugar. Devem ser evitados torniquetes estreitos e<br />

em faixa. Torniquetes mais largos são mais eficazes no controle<br />

de hemorragias, uma vez que controlam a hemorragia em uma<br />

pressão mais baixa. ITá uma relação inversa entre a largura do<br />

torniquete e a pressão necessária para ocluir o fluxo arterial.<br />

Além disso, uma faixa muito estreita também tem maior proba¬<br />

bilidade de causar danos às artérias e aos nervos superficiais.<br />

O manguito do esfígmomanômelro representa uma alternativa<br />

e pode ser usado como torniquete, embora o ar possa vazar do<br />

cuff, reduzindo sua eficácia.<br />

Em função do interesse dos militares americanos em um tor¬<br />

niquete eficaz de fácil utilização (especialmente um que um sol¬<br />

dado pudesse aplicar com uma das mãos caso a outra estivesse<br />

ferida), foram desenvolvidos e colocados no mercado muitos<br />

torniquetes comerciais. Três produtos eram 100% eficazes para<br />

ocluir o fluxo sanguíneo arterial distai em um estudo de labo¬<br />

ratório: o Torniquete de Aplicação em Combate (C-A-T, Phil<br />

Durango, Golden Colorado), o Torniquete Militar de Emergência<br />

(EMT, Delfi Medical Innovations, Vancouver. Canadá) e o Torni¬<br />

quete Tálico da Força de Operações Especiais (SOFTT, Tactical<br />

Medical Solutions, Anderson, Carolina do Sul).1" O Committee<br />

on Tactical Combat Casualty Care (COTCCC) recomenda o uso<br />

do C-A-T. Novamente, essa recomendação pode mudar com o<br />

passar do tempo, e as atualizações do COTCCC e do PITTLS serão<br />

mostradas no website desta última instituição.<br />

ÿs<br />

Local de Aplicação. O torniquete deve ser.aplicado imediatamente<br />

proximal ao ferimento hemorrágico. Caso um torniquete não<br />

interrompa, completamente, a hemorragia, então, outro deve<br />

ser colocado, imediatamente proximal ao primeiro. A seguir,<br />

o local do torniquete não deve ser coberto, para que possa ser<br />

facilmente visualizado e monitorado quanto a recidivas da<br />

hemorragia.<br />

Força da Aplicação. O torniquete deve ser apertado o suficiente<br />

para bloquear o fluxo arterial e ocluir o pulso distai. Um tor¬<br />

niquete que oclua apenas a saída do fluxo venoso do membro<br />

irá, na verdade, aumentar a hemorragia causada pelo ferimento.<br />

Há uma relação direta entre a intensidade da pressão necessá¬<br />

ria para controlar a hemorragia e o tamanho do membro. Dessa<br />

maneira, na média, o torniquete terá de ser colocado mais aper¬<br />

tado na perna para se controlar a hemorragia do que no braço.<br />

FIGURA 8-18 Lesões graves nos membros inferiores sofridas<br />

por um pescador atropelado por um barco a motor. Sua vida<br />

foi salva por torniquetes aplicados em ambas as coxas por<br />

profissionais que prestaram os primeiros socorros.<br />

Limite de Tempo. Torniquetes arteriais podem ser usados com<br />

segurança por até 120 a 150 minutos na sala de cirurgia, sem<br />

lesões nervosas ou musculares significantes.' Até mesmo em<br />

ambientes suburbanos ou rurais, muitas vezes o tempo de trans¬<br />

porte do doente até o hospital é bem menor do que esse período.<br />

Em geral, um torniquete colocado no atendimento pré-hospitalar<br />

deve permanecer até que o doente chegue ao local do trata¬<br />

mento definitivo no hospital mais próximo. Estudos militares


CAPÍTULO 8 Choque 201<br />

não mostraram a ocorrência de deterioração significativa asso¬<br />

ciada ao uso prolongado.111 Caso seja necessária a aplicação de<br />

um torniquete, provavelmente o doente precisará de uma cirur¬<br />

gia de emergência para controlar a hemorragia. Desse modo, o<br />

hospital que for receber esse doente eleve ler instalações cirúrgi¬<br />

cas. O torniquete pode ser doloroso para um doente consciente,<br />

e o controle da dor deve ser considerado desde que o doente não<br />

tenha sinais de choque Classe III ou IV (Capítulo 13). A Figura<br />

8-19 mostra um protocolo para aplicação de torniquete. Outro<br />

estudo conduzido por militares norte-americanos.no Iraque e<br />

no Afeganistão mostrou uma diferença significativa na sobrevida<br />

quando o torniquete foi colocado antes que o doente apre¬<br />

sentasse choque descompensado do que apenas após a queda<br />

•<br />

ma pressão arterial.19<br />

Agentes Hemostáticos Tópicos<br />

A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos<br />

aprovou o uso de diversos agentes hemostáticos tópicos. Tais<br />

agentes são projetados para serem aplicados topicamente,<br />

aumentando a coagulação e promovendo o controle de hemorra¬<br />

gias possivelmente fatais que não podem ser interrompidas pela<br />

aplicação direta de pressão em áreas do corpo não passíveis da<br />

colocação de torniquetes. Esses agentes geralmente apresentam<br />

duas formas: 1) um pó, colocado sobre o ferimento: ou 2) uma<br />

gaze impregnada com o material hemostático, que é aplicada ao<br />

ferimento ou usada como curativo. É importante notar que esses<br />

agentes elevem ser usados simultaneamente à aplicação de pres¬<br />

são direta sobre o local de hemorragia. Agentes hemostáticos<br />

também são relacionados a diversas complicações, incluindo<br />

rações geradoras de calor, que provocam queimadura, bem<br />

como embolia de grânulos hemostáticos na circulação sistémica<br />

em casos de lesões vasculares abert as.<br />

FIGURA 8-19<br />

Protocolo para Aplicação de Torniquete<br />

1. Tentativas de controle da hemorragia por pressão direta<br />

ou com curativo compressivo não obtiveram sucesso.<br />

IAplica-se um torniquete fabricado comercialmente, o<br />

manguito do esfigmomanômetro ou o torniquete em<br />

"cabresto espanhol" na extremidade, imediatamente<br />

proximal ao local de origem da hemorragia.<br />

3. O torniquete é ajustado até que a hemorragia cesse, e,<br />

então, é fixado no lugar.<br />

4. A hora em que o torniquete foi aplicado é escrita em um<br />

pedaço de esparadrapo, que é colocado no torniquete ("TQ<br />

21h45" indica que o torniquete foi aplicado às 9h45 da noite)<br />

5. O torniquete deve ficar descoberto para que o local possa<br />

ser monitorado quanto a uma recidiva da hemorragia.<br />

Caso a hemorragia continue após a colocação e ajuste<br />

do torniquete, um segundo torniquete pode ser aplicado,<br />

imediatamente acima do primeiro.<br />

6. Deve-se avaliar o uso de medicações analgésicas, a<br />

menos que o doente esteja em choque Classe III ou IV.<br />

7. O ideal é que o doente seja transportado para um hospital<br />

com instalações cirúrgicas. .<br />

t<br />

Durante a elaboração deste capítulo, a Combat Gauze" era<br />

o produto recomendado para uso pela COTCCC, com base em<br />

pesquisas realizadas pela Marinha norte-americana e pelo labo¬<br />

ratório de pesquisa cirúrgica do Exército deste mesmo país.<br />

Hemorragia Interna<br />

Deve-se lembrar, também, da hemorragia interna nos locais de<br />

fratura. A manipulação de uma extremidade lesionada sem o<br />

devido cuidado pode não só transformar uma fratura fechada<br />

em fratura exposta, como também aumentar muito a hemorragia<br />

interna das extremidades ósseas, do tecido muscular adjacente<br />

ou de vasos lesionados. Todas as extremidades com suspeita de<br />

fratura devem ser imobilizadas, em um esforço para minimizar a<br />

hemorragia. Deve gastar-se algum tempo para imobilizar separa¬<br />

damente as diversas fraturas, se o doente não apresentar evidên¬<br />

cia de lesões com risco de vida. Contudo, se a análise primária<br />

mostrar que o doente corre risco de vida, ele deve ser rapida¬<br />

mente imobilizado em prancha longa, imobilizando-se, assim,<br />

todas as extremidades de uma forma anatómica, e transportado<br />

para o hospital. Para doentes com suspeita de hemorragia intra¬<br />

abdominal ou uma suspeita de fratura pélvica, o PASG (Fig.<br />

8-20) comprovadamente tampona hemorragias internas, assim<br />

como outros curativos compressivos controlam hemorragias.<br />

Ataduras pélvicas atuam como talas e aproximam fraturas do<br />

osso pélvico, mas não foi realizado nenhum estudo mostrando<br />

que, no ambiente pré-hospitalar, seu uso altera o prognóstico.<br />

Disfunção Neurológica<br />

Não há intervenções exclusivas e específicas para o estado men¬<br />

tal alterado que ocorre no doente em choque. §e o estado neu¬<br />

rológico anormal do doente for causado por hipoxia cerebral e<br />

perfusão deficiente, os esforços paia restaurai1 a perfusão por<br />

todo o corpo devem produzir uma melhora do estado mental.<br />

Na avaliação do prognóstico de um doente após lesão cerebral<br />

traumática, o escore inicial na escala de coma de Glasgow é tipi¬<br />

camente considerado aquele feito após reanimação adequada<br />

e restauração da perfusão cerebral. A avaliação do escore da<br />

escala de coma de Glasgow quando o doente ainda está em cho¬<br />

que pode induzir a um prognóstico excessivamente ruim.<br />

Exposição e Controle do Ambiente<br />

E importante manter a temperatura corpórea do doente dentro<br />

do normal. A hipotermia é resultante da exposição a ambien¬<br />

tes mais frios, por convecção, condução e outros meios físicos<br />

(Capítulo 21), e da perda de produção de energia pelo metabo¬<br />

lismo anaeróbico. A hipotermia é prejudicial e piora a disfunção<br />

miocárdica, a coagulopatia, a hipercalemia, a vasoconstrição e<br />

diversos outros problemas que afeiam, negativamente, a chance<br />

de sobrevida de um doente."' Embora temperaturas frias preser¬<br />

vem, por um curto período, o tecido, a queda de temperatura<br />

deve ser muito rápida e baixa para que haja preservação. No<br />

doente em choque decorrente de trauma, uma alteração rápida<br />

não é comprovadamente eficaz.


202 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 8-20<br />

Vestimenta Pneumática Antichoque<br />

A PASG ainda é umdos dispositivos maiscontroversos introduzidosno<br />

atendimento pré-hospitalar. Um estudo de grande porte, conduzido<br />

em Houston, Texas, não foi capaz de demonstrar a existência de<br />

benefícios relacionados ao uso da PASG em doentes vítimas de<br />

trauma com hipotensão em ambiente urbano, com tempo curto de<br />

transporte a centros de trauma com cirurgiões especializados.20 A<br />

PASG é, principalmente, um equipamento para controle da perda de<br />

sangue, e não de reanimação.<br />

FISIOLOGIA<br />

A pressão aplicada pela PASG aos membros inferiores e ao abdome<br />

é transmitida, diretamente, através da pele, do tecido adiposo, dos<br />

músculos e de outrostecidos moles aos próprios vasos sanguíneos.<br />

Este efeito controla a hemorragia de maneira similar a outros<br />

dispositivos de compressão ou bandagens.<br />

USO NO CHOQUE HEMORRÁGICO<br />

Nas seguintes três condições, a PASG pode ser bastante benéfica<br />

em doentes com choque causado pela perda de sangue:<br />

1. Suspeita de fraturas pélvicas com hipotensão (pressão<br />

arterial sistólica de 90 mmHg). As fraturas pélvicas podem<br />

provocar graves hemorragias nos tecidos moles da pelve e<br />

no espaço retroperitoneal. A insuflação de toda a PASG reduz<br />

o volume da pelve e leva ao tamponamento da hemorragia<br />

associada.21<br />

2. Suspeita de hemorragia intraperitoneal com hipotensão.<br />

A insuflação de toda PASG comprime os órgãos<br />

intraperitoneais. Isso pode reduzir ou interromper a<br />

hemorragia (tamponamento) dos órgãos sólidos, como<br />

fígado e baço, e dos vasos mesentéricos. Diversos estudos<br />

mostraram aumento da sobrevida em animais submetidos<br />

ao uso da PASG em modelos de hemorragia intra-abdominal<br />

descontrolada.22<br />

3. Suspeita de hemorragia retroperitonealcom hipotensão.<br />

A insuflação de todo o equipamento comprime os órgãos<br />

retroperitoneais. Em razão da maior pressão, o dispositivo<br />

pode tamponar hemorragias advindas dos rins, da aorta e da<br />

veia cava.23<br />

É provável que a PASG seja significativamente menos eficaz do que<br />

a pressão direta ou com gaze e bandagem elástica para controle<br />

da hemorragia externa nos membros.<br />

Contraindicações<br />

E3<br />

Trauma torácico penetrante. A aplicação e a insuflação da<br />

PASG aumentam a taxa de hemorragia dos vasos sanguíneos<br />

lesionados na metade superior do corpo (fora dos limites do<br />

equipamento), conforme a pressão arterial do doente aumenta<br />

de modo significativo. No estudo conduzido em Houston, em<br />

doentes hipotensos com traumas torácicos penetrantes, a<br />

taxa de mortalidade era claramente maior quando a PASG era<br />

usada.24<br />

ra Tala em fraturas em membros inferiores.A PASG deve ser<br />

pensada como uma grande tala inflável, e seu uso foi sugerido<br />

na imobilização de fraturas do fémur, tíbia e fibula. A tala com<br />

tração é um dispositivo de imobilização muito melhor para<br />

fraturas do terço médio do fémur, por reduzir as extremidades<br />

ósseas ao alinhamento anatómico e tratar a dor, combatendo o<br />

grave espasmo muscular que se desenvolve nas coxas. A PASG<br />

foi associada ao desenvolvimento de síndromes compartimentais<br />

na panturrilha, principalmente na presença de fraturas. 0 uso<br />

da PASG apenas como tala, em fraturas isoladas em membros<br />

inferiores, na ausência de choque, não é recomendado.<br />

Evisceração de órgãos abdominais<br />

Ei Objetos empalados no abdome<br />

a Gravidez<br />

si Parada cardiorrespiratória traumática<br />

Coexistência de doenças<br />

Insuficiência cardíaca congestiva (ICC)<br />

k Edema pulmonar<br />

DESINSUFLAÇÃO<br />

A desinsuflação pré-hospitalar da PASG não deve ser realizada,<br />

exceto em circunstâncias críticas, como evidência de ruptura<br />

diafragmática. A aplicação e a insuflação do equipamento levamà<br />

herniação de órgãos abdominais na cavidadetorácica, provocando |<br />

intenso desconforto respiratório. Esse desconforto mimetiza o I<br />

desenvolvimento de pneumotórax hipertensivo; a deterioração do |<br />

estado geral do doente, porém, ocorre quase imediatamente<br />

a insuflação do equipamento.<br />

A decisão de desinsuflar a PASG deve ser feita sob consulta!<br />

com orientação médica online. Exceto em circunstâncias incomuns, 1<br />

em que a insuflação do dispositivo resultou na rápida deterioração]<br />

do estado geral do doente, a PASG não deve ser desinsufladai<br />

não ser que os sinais vitais do doente estejam dentro dos limites]<br />

normais. Mesmo assim, o volume sanguíneo do doente ainda<br />

estar significativamente reduzido. A insuflação da PASG<br />

ter reduzido o tamanho dos compartimentos (vasos) do doente,]<br />

de modo a se equiparar ao volume sanguíneo disponível. Come]<br />

desinsuflação da PASG, o tamanho do compartimento aumen<br />

A não ser que uma quantidade suficiente de fluido tenha sid<br />

infundida, a pré-carga cardíaca e a RVS podem reduzir-se de i<br />

dramático, resultando em grave hipotensão e choque profundo.


j<br />

CAPÍTULO 8 Choque 203<br />

No pré-hospitalar, pode ser muito difícil aumentar a tem¬<br />

peratura central depois que é instalada a hipotermia, por isso<br />

[devem ser tomadas todas as medidas possíveis já no local para<br />

sorvar a normolermia. Uma vez exposto e examinado, o<br />

[doente deve ser protegido contra hipotermia, e a temperatura<br />

!seu corpo deve ser mantida. Devem ser retiradas as roupas<br />

bolhadas, incluindo as ensopadas de sangue, porque a roupa<br />

olhada aumenta a perda de calor. O doente deve ser coberto<br />

[com cobertores aquecidos. Uma alternativa é cobrir o doente<br />

| com plásticos, como sacos de lixo de plástico grosso e pesado.<br />

| São baratos, fáceis de estocar, descartáveis e efetivos em reler<br />

| calor. 0 uso de oxigénio úmido aquecido, so possível, pode aju-<br />

| dar a manter a temperatura do organismo, principalmente em<br />

Ldoentes intubados.<br />

Após ser avaliado e imobilizado, o doente em choque deve<br />

| ser levado para o compartimento aquecido da unidade de rese.<br />

0 ideal é que o compartimento da ambulância seja man-<br />

[Gdo a 29°C ou mais durante o transporte de doentes graves. A<br />

[toa de perda de calor para um ambiente frio é muito elevada.<br />

[As condições devem ser as ideais para o doente, não para os<br />

orristas, porque o doente é a pessoa mais importante em<br />

[qualquer emergência. Uma boa regra a seguir é que, se o socor-<br />

| rísta estiver confortável no compartimento de transporte, está<br />

Intuito frio para o doente.<br />

Transporte do Doente<br />

Um doente em choque hemorrágico grave precisa de transfusão<br />

dosangue e de um cirurgião com acesso a um centro cirúrgico.<br />

| Como geralmente nenhum dos dois está disponível na ambu-<br />

[lância, é importante que o doente seja transportado rapidabente<br />

para um hospital que tenha recursos para tratar as suas<br />

'lesões. Transportar rapidamente não significa deixar de fazer<br />

i negligenciar as intervenções que são mais importantes no<br />

udimento do doente (fazendo o antigo "carregar e correr").<br />

Significa, no entanto, que o socorrista deve fazer rapidamente<br />

[os procedimentos fundamentais, que podem salvar a vida do<br />

[doente, como cuidar da via aérea e da ventilação e controlar a<br />

norragia externa. Não se deve perder tempo em avaliações<br />

apropriadas nem em imobilizações desnecessárias. Ao cuidar<br />

[de doentes muito graves, muitos procedimentos, como aquecer<br />

o doente, reposição volêmica e mesmo a avaliação secundária,<br />

são feitos na ambulância, já a caminho do hospital.<br />

Posição do Doente<br />

[Em geral, os doentes traumatizados em choque devem ser<br />

hsportados em decúbito dorsal horizontal, imobilizados em<br />

ncha longa. Posições especiais, como a posição de Trendenburg<br />

(posição inclinada, com os pés elevados acima do nível<br />

[da cabeça) ou a posição de "choque" (decúbito dorsal horizon¬<br />

tal com elevação das pernas), embora usadas há 150 anos, não<br />

são comprovadamente eficazes. A posição de Trendelenburg<br />

pode piorar a função ventilatória já alterada, por colocar o peso<br />

_dos órgãos abdominais sobre o diafragma, e aumentar a pressão •<br />

acraniana em doentes com lesão cerebral traumática. Além<br />

ílisso, os doentes com choque hipovolêmico grave geralmente<br />

esentam vasoconstrição máxima. 26,27<br />

Acesso Venoso<br />

Via Intravenosa<br />

O acesso venoso é obtido no doente traumatizado com lesões<br />

graves, conhecidas ou suspeitadas, a fim de poder iniciar a<br />

reposição volêmica, se apropriado. Tirando-se as situações<br />

excepcionais em que o doente precisa ser retirado das ferragens,<br />

ou quando se espera a chegada de helicóptero, o acesso venoso<br />

deve ser obtido com o doente já na ambulância, a caminho do<br />

hospital apropriado mais próximo, já que isso não retarda o<br />

transporte do doente gravemente ferido ao hospital.<br />

Embora faça sentido imaginar que a reposição de volume<br />

seja benéfica para o doente traumatizado em choque, nenhuma<br />

pesquisa conseguiu ainda demonstrar melhora da sobrevida<br />

nos doentes traumatizados graves que receberam fluidos intra¬<br />

venosos no pré-hospitalar. Na verdade, um modelo fisiológico<br />

computadorizado da administração intravenosa de fluidos no<br />

ambiente pré-hospitalar constatou que o fluido intravenoso<br />

só é benéfico quando existem três condições: (1) o doente está<br />

sangrando a uma taxa de 25 a '100 ml/minuto; (2) a taxa de<br />

administração intravenosa de fluidos é igual à taxa de hemor¬<br />

ragia; e (3) o tempo de atendimento no local e o tempo do trans¬<br />

porte excedem os 30 minutos.28 Por isso, nunca se eleve retar¬<br />

dar o transporte do traumatizado para obter acesso venoso.<br />

Um estudo mostrou que a administração de fluidos por via<br />

IV, antes do controle da hemorragia, não é benéfica.29 Infe¬<br />

lizmente, não há boas pesquisas randomizadas acerca do uso<br />

da reposição de fluidos em doentes com hemorragia descon¬<br />

trolada ou controlada. Todos estes estudos foram conduzidos<br />

com ambos os tipos de doentes. Até que tais pesquisas sejam<br />

realizadas, o uso de estudos empíricos e mistos é a base da prá¬<br />

tica recomendada.<br />

Nos doentes em choque ou naqueles que pôdem ler lesões<br />

graves, devem ser inseridos, por punção percutânea, dois cate¬<br />

teres curtos (2 a 3 cm de extensão), de grosso calibre (14 ou 16).<br />

A taxa de administração de líquidos é diretamente proporcional<br />

à quarta potência do raio do cateter e inversamente proporcio¬<br />

nal ao seu comprimento (isto é, passa mais líquido rapidamente<br />

por um cateter curto de diâmetro grande do que por um cateter<br />

mais longo de diâmetro menor). O local preferido são as veias<br />

do antebraço. Alternativamente podem ser usadas as veias da<br />

fossa antecubital, da mão e do braço (veia cefálica). Na criança,<br />

depois de duas tentativas de acesso periférico sem sucesso, deve<br />

ser considerada a via intraóssea. O acesso venoso central e a dis¬<br />

secção de veia, em princípio, não são considerados alternativas<br />

apropriadas de acesso venoso no pré-hospitalar e raramente são<br />

necessários.<br />

Via Intraóssea<br />

Em adultos, outra opção de acesso vascular é a via intraóssea.<br />

2o,3c ÿ vja jntra(jssea dg administração de fluidos não é nova,<br />

e foi descrita pelo Dr. Walter E. Lee em 1941. Este método de<br />

acesso vascular pode ser conseguido de diversas formas. A<br />

inserção pode ser feita pela técnica estemal, usando equipa¬<br />

mentos projetados adequados31,32 (p. ex., F.A.S.T.l, Pyng Medi¬<br />

cai Corporation, Richmond, Colômbia Britânica). Dispositivos<br />

especialmente projetados, como o Bone Injection Gun® ("BIG",<br />

WaisMed, Houston, Texas) e o EZ-IO® (Vidacare Corp., San Anto-


204 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

nio, Texas) podem também ser usados 110 estabelecimento do<br />

acesso em locais como a tíbia distai acima do tornozelo (Fig.<br />

8-21).:i;i Essas técnicas estão começando a ser usadas mais comumente<br />

no ambiente pré-hospitalar, mas o foco deve ser o rápido<br />

transporte, e não na administração IV de fluidos. No transporte<br />

retardado ou prolongado ao hospital, o acesso vascular intraósseo<br />

pode ser usado em adultos vítimas de trauma.<br />

Reanimação volêmica<br />

Existem cinco estratégias de reanimação coin fluidos que forain|<br />

usadas nos últimos 50 anos no tratamento de doentes vítimas de [<br />

trauma. Estas são a administração de:<br />

53 Sangue<br />

s Sangue total<br />

FIGURA 8-21 A, Dispositivo EZ IO. B, Agulha IO para inserção manual. C, Local de inserção no esterno, no manúbrio, abaixo da<br />

incisura supraesternal. D, Local de inserção na tíbia distai, acima do tornozelo. E, Local de inserção na tíbia proximal, abaixo do<br />

joelho.


CAPÍTULO 8 Choque 205<br />

b Sangue tolal reconstituído com hemoderivados<br />

Grandes volumes de cristalóides<br />

Solução hipertônica<br />

b Salina a 7%<br />

b Salina a 3%<br />

0 Soluções coloides<br />

Fluido hipotensor ou restrito<br />

Substitutos de sangue (apenas uso investigativo)<br />

Cada uma dessas estratégias tem vantagens e desvantagens.<br />

Sangue<br />

Graças à sua capacidade de transportar oxigénio, o sangue, assim<br />

como vários hemoderivados, ainda é o fluido de escolha para a<br />

reanimação dos doentes em choque hemorrágico grave. Infeliz¬<br />

mente, é difícil utilizar sangue no pré-hospitalar, por causa dos<br />

problemas relacionados com a tipagem e porque, assim como<br />

seus subcomponentes, o sangue é perecível se não mantido sob<br />

refrigeração ou congelamento até o momento do uso.<br />

Soluções Intravenosas<br />

As soluções alternativas podem ser agrupadas em quatro cate¬<br />

gorias: (1) cristalóides isotônicas, (2) cristalóides hiperlônicas,<br />

(3) coloides artificiais (sintéticas) e (4) substitutos do sangue.<br />

Soluções Cristalóides Isotônicas. São soluções salinas balanceadas<br />

com eletrólitos (substâncias que, quando em solução, decom-<br />

-põem-se em íons carregados). Funcionam como expansores<br />

plasmáticos efetivos por um curto período cle tempo, mas não<br />

possuem capacidade de transportar oxigénio. Imediatamente<br />

após a administração, os cristalóides enchem o território vas¬<br />

cular que foi esvaziado pela perda de sangue, melhorando a<br />

pré-carga e o débito cardíaco. O Ringer lactato permanece como<br />

solução cristalóide isotônica de escolha para tratamento do cho¬<br />

que porque sua composição eletrolítica é a mais semelhante à<br />

do plasma. Contém quantidades específicas de íons de sódio,<br />

potássio, cálcio, cloreto e lactato. O soro fisiológico (solução de<br />

cloreto de sódio a 0,9%) é uma alternativa aceitável, embora<br />

possa ocorrer hipercloremia (aumento acentuado do nível de<br />

cloretos no sangue) quando se administram grandes quantida¬<br />

des de soro fisiológico. As soluções glicosadas não são bons<br />

expansores do plasma e não devem ser usadas na reanimação<br />

do traumatizado.<br />

Trinta a 60 minutos após a administração da solução de cris¬<br />

talóides, apenas '/.i a Vá de seu volume permanece no sistema<br />

cardiovascular. O restante é desviado para o espaço intersticial,<br />

porque tanto a água quanto os eletrólitos da solução atravessam<br />

livremente as membranas capilares. O fluido perdido compõe<br />

oedema nos tecidos moles e órgãos do corpo. Este fluido extra<br />

dificulta o carregamento e a liberação de oxigénio das hemácias.<br />

Aregra prática (a regra dos 3:1) é que a maioria dos doentes com<br />

choque hemorrágico, para ser adequadamente reanimada, pre¬<br />

cisa receber 300 ml de solução cristalóide para cada 100 ml de<br />

sangue perdido. Se possível, os líquidos para uso intravenoso<br />

devem ser aquecidos a 39°C antes de serem administrados. A<br />

administração de grandes quantidades de líquidos frios ou em<br />

temperatura ambiente contribui para hipotermia e aumento do<br />

hemorragia.<br />

Soluções Cristalóides Hipertônicas. Soluções cristalóides hiper¬<br />

lônicas apresentam altíssimas concentrações de eletrólitos<br />

quando comparadas ao plasma. O modelo experimental mais<br />

comumente usado é a salina hipertônica, uma solução de NaCl<br />

a 7,5%, oito vezes superior à concentração de cloreto de sódio<br />

encontrada no soro fisiológico. Esta solução é um eficaz expansor<br />

plasmático, principalmente porque a infusão de um volume<br />

pequeno, de 250 ml, tende a produzir o mesmo efeito que a infu¬<br />

são de 2 a 3 litros de solução isotônica de cristalóides.3'1'35 Uma<br />

análise de vários estudos acerca da solução salina hipertônica<br />

falhou em demonstrar que esta solução está relacionada a maio¬<br />

res taxas de sobrevida do que os cristalóides isotônicos.31' Nos<br />

Estados Unidos, esta solução não é aprovada pela EDA para uso<br />

'em doentes. Concentrações menores, como a de 3%, são aprova¬<br />

das e frequentemente usadas em unidades de terapia intensiva.<br />

Soluções Coloides Sintéticas.Proteínas são grandes moléculas pro¬<br />

duzidas pelo organismo e que consistem em aminoácidos. Têm<br />

inúmeras funções; um tipo de proteína encontrada no sangue, a<br />

albumina, ajuda a manter o líquido no espaço intravascular. A<br />

administração endovenosa de albumina humana é cara e pode<br />

associar-se à transmissão de doenças infecciosas, como a hepa¬<br />

tite. Quando administradas a um doente em choque hemorrá¬<br />

gico, as soluções coloides sintéticas puxam líquido dos espaços<br />

intersticial e intracelular para o espaço intravascular, e causam,<br />

assim, expansão do volume plasmático. À semelhança do que<br />

acontece com as soluções cristalóides, as coloides também não<br />

transportam oxigénio.<br />

O gelofusine é uma solução de gelatina a 4%, produzida a<br />

partir de proteína bovina, usada ocasionalmente na Europa e na<br />

Austrália para reanimação volômica. Seu custo é elevado e pode<br />

provocar reações alérgicas severas. Uma pequena quantidade de<br />

gelofusine produz expansão do volume intravascular por várias<br />

horas.<br />

O hetastarch (Hespan®) e o dextran (Gentran®) são coloides<br />

sintéticos criados pela polimerização de numerosas molécu¬<br />

las de amido (amilopectina) ou de dextrose, até ficarem com<br />

tamanho semelhante ao da molécula de albumina. Estas solu¬<br />

ções também são um pouco caras, comparadas aos cristalóides,<br />

e têm sido associadas a reações alérgicas e alteração da tipagem<br />

sanguínea.<br />

O uso de cristalóides versus coloides tem sido controverso<br />

na conduta em doentes traumatizados.1' Um estudo recente<br />

sobre' aproximadamente 7 mil doentes admitidos em unidades<br />

de tratamento intensivo não demonstrou qualquer diferença em<br />

termos de resultado final quando os doentes foram reanimados<br />

com coloide (albumina) ou soro fisiológico normal.'1" Um único<br />

estudo apresentado no encontro de 2009 da American Associa¬<br />

tion for the Surgery of Trauma (AAST) identificou que a sobre¬<br />

vida é maior com o uso de Hextend® do que de salina; mais<br />

informações, porém, são necessárias antes que seu uso de rotina<br />

possa ser recomendado. O Hextend'"' é uma solução coloide<br />

que tem sido usada, em situações militares, como expansor de<br />

volume. Seus benefícios são a embalagem menor e mais leve, de


206 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

transporte mais fácil, a melhoria da perfusão sem sobrecarregar<br />

o doente com cristalóides e sua aparente maior eficácia.<br />

Existe pouca pesquisa a respeito do uso dessas soluções<br />

coloides sintéticas no pré-hospitalar, e os dados a respeito de<br />

seu uso intra-hospitalar não mostram que elas sejam superiores<br />

às soluções cristalóides. Não se recomenda o uso dessas solu¬<br />

ções para o tratamento pré-hospitalar do choque.<br />

Substitutos do Sangue. O sangue apresenta vários problemas, como<br />

a necessidade de tipagem e prova cruzada, o'tempo curto de estocagem,<br />

a perda quando não mantido sob refrigeração, potencial<br />

para transmitir doenças infecciosas e o número de doadores cada<br />

vez menor. Isso levou a uma intensa pesquisa por substitutos do<br />

sangue, nas duas últimas décadas. Osmilitares tiveram um papel<br />

central nessas pesquisas, pois um substituto do sangue que não<br />

necessite de refrigeração nem de tipagem pode ser levado até o<br />

campo de batalha e rapidamente administrado para tratar o cho¬<br />

que de um soldado ferido.<br />

Os perfluorocarbonos (PFC) são compostos sintéticos que<br />

apresentam elevada solubilidade para o oxigénio. Esses com¬<br />

postos inertes podem dissolver cerca de 50 vezes mais oxigé¬<br />

nio do que o plasma sanguíneo. Não contêm hemoglobina nem<br />

proteína, são completamente isentos de elementos biológicos<br />

(diminuindo, assim, muito o risco de veicularem agentes infec¬<br />

ciosos) e transportam oxigénio dissolvido na porção plasmática.<br />

Os PFC de primeira geração não foram muito úteis por causa de<br />

uma série de problemas, incluindo uma meia-vida muito curta<br />

e a necessidade de se administrar Fi02 muito elevadas. Os PFC<br />

mais novos corrigiram esses problemas, mas o seu papel como<br />

transportadores de 02 ainda não está determinado.<br />

A maior parte dos transportadores de oxigénio com base<br />

na hemoglobina (TOBH) usa a mesma molécula carregadora de<br />

oxigénio (a hemoglobina), que se encontra nas células sanguí¬<br />

neas humanas, bovinas ou suínas. A principal diferença entre<br />

os TOBH e o sangue humano é que a hemoglobina dos TOBH<br />

não é contida por membrana celular. Isso elimina a necessidade<br />

de estudar a tipagem e a prova cruzada, já que não existe risco<br />

de reação antígeno-anticorpo. Além disso, muitos desses TOBH<br />

podem ser estocados por longos períodos de tempo, o que faz<br />

deles a solução ideal para situações de catástrofes com múlti¬<br />

plas vítimas. Os primeiros problemas com as soluções de TOBH<br />

incluem a toxicidade pela própria hemoglobina. Até 2010,<br />

nenhuma destas soluções experimentais foi considerada segura<br />

ou eficaz em seres humanos.<br />

Líquidos Intravenosos Aquecidos. Qualquer líquido IV adminis¬<br />

trado em um doente em choque deve estar aquecido, e não em<br />

temperatura ambiente nem fria. A temperatura ideal para os<br />

líquidos é de 39°C. A maioria das ambulâncias não possui aque¬<br />

cedores de líquido rápidos convencionais, mas há outros meios<br />

para manter os líquidos em uma temperatura adequada. Uma<br />

área de eslocagem conveniente para fluidos é em uma caixa no<br />

compartimento do motor. Embrulhar as bolsas ou frascos em<br />

embalagens de aquecimento também pode aquecer os líquidos.<br />

Unidades de aquecimento de líquidos disponíveis comercial¬<br />

mente no compartimento do doente fornecem um meio fácil e<br />

confiável para manter os líquidos na temperatura correia. Essas<br />

unidades são caras, mas são justificáveis em caso de transporte<br />

prolongado.<br />

Conduta com Relação à Reanimação Volêmica<br />

Como observado anteriormente, há grande controvérsia<br />

relação à administração de líquidos a um doente traumatizad<br />

em choque. Assim que o Prehospital Trauma Life Suppo<br />

(PHTLS) básico e avançado foi introduzido nos Estados Unidos,|<br />

os socorristas adotaram a conduta usada pelos médicos e cirurgi¬<br />

ões de emergência na maioria dos hospitais e centros de trauma:I<br />

administrar uma solução IV de cristalóide até que os sinais<br />

vitais retornassem ao normal (normalmente, pulso 100 mmHg). Quando<br />

um volume suficiente de solução de cristalóides é infundido]<br />

para restaurar a normalidade dos sinais vitais, a perfusão i<br />

doente deve ser melhorada. Os especialistas acreditavam quel<br />

essa rápida intervenção poderia eliminar o ácido láctico e res- 1<br />

taurar a produção de energia pelas células do organismo,<br />

de reduzir o risco de desenvolvimento de choque irreversível e ]<br />

insuficiência,renal. Entretanto, nenhum estudo conduzido com<br />

doentes vítimas de traumas no ambiente pré-hospitalar mostrou<br />

que a administração de fluidos por via IV reduz a ocorrência de|<br />

complicações e a taxa de mortalidade.<br />

Uma grande contribuição do PHTLS nas últimas duas déca¬<br />

das foi estabelecer a alteração conceituai de que, no doente|<br />

traumatizado em estado crítico, o transporte nunca deve ser<br />

retardado enquanto são feitos os acessos venosos e os líquido: ||<br />

são administrados. Essas ações podem ser realizadas na parte<br />

de trás da ambulância durante o trajelo até o hospital mais<br />

próximo. O doente traumatizado em estado crítico em choque<br />

geralmente necessita de sangue e de intervenção cirúrgica para<br />

o controle da hemorragia interna, e nada disso pode ser feitor<br />

local do trauma.<br />

A pesquisa, essencialmente em modelos experimentais de j<br />

choque, mostrou que a reanimação volêmica IV pode ter efeitos<br />

colaterais prejudiciais quando administrada antes do controle]<br />

cirúrgico da fonte da hemorragia. Em animais experimenta<br />

a hemorragia interna frequentemente continua até que o<br />

mal esteja hipotenso, quando, então, a hemorragia torna-se mais]<br />

lenta e tipicamente se forma um coágulo sanguíneo (trombo)i<br />

local da lesão. Por um lado, essa hipotensão é protetora, ume]<br />

vez que está associada a uma drástica redução ou interrupção!<br />

da hemorragia interna. Quando líquidos IV eram administra¬<br />

dos de forma agressiva aos animais em uma tentativa de res¬<br />

taurai- a perfusão, a hemorragia interna começava novamente,<br />

e o trombo se rompia. Além disso, as infusões de cristalóides |<br />

também podem diluir os fatores da coagulação. Esses animais<br />

frequentemente apresentavam um resultado final pior, compa-j' —<br />

rácios aos animais que receberam reanimação volêmica após o|<br />

controle cirúrgico do local da lesão.39"" Em um modelo animal<br />

similar, foi observada uma maior sobrevida com "reanimação I<br />

hipotensiva", na qual a pressão arterial foi mantida proposi¬<br />

tadamente baixa, até que a hemorragia fosse controlada, e, só]<br />

então, ocorria a reanimação.'12"1'1<br />

Claramente, esses estudos têm implicações potenciais sobrei]<br />

a reanimação volêmica no ambiente pré-hospitalar. Teorica¬<br />

mente, uma reanimação volêmica agressiva poderia fazer com]<br />

que a pressão arterial voltasse ao normal. Isso, por sua vez, pod;<br />

deslocar os coágulos sanguíneos que se formaram nos locais<br />

de hemorragia para a cavidade peritoneal ou para outro local<br />

e pode causar um ressurgimento da hemorragia que não pod:


CAPÍTULO 8 Choque 207<br />

ser controlada até que o doente chegue ao centro cirúrgico.<br />

Por outro lado, retardar a administração IV de líquidos em um<br />

doente em choque profundo só produz mais hipoxia lecidual e<br />

deficiência da produção de energia. Um único estudo clínico<br />

realizado em um ambiente pré-hospitalar urbano demonstrou<br />

um resultado final pior em doentes traumatizados que recebe¬<br />

ram soluções de cristalóide antes do controle cla hemorragia<br />

interna (taxa de mortalidade de 62% vs. 70% no grupo com tra¬<br />

tamento retardado).-1' Os achados desse único estudo não foram<br />

reproduzidos em outros sistemas pré-hospitalares,.e os achados<br />

não podem ser generalizados para sistemas de SME rurais. Em<br />

uma pesquisa entre cirurgiões de trauma, menos de 4% optaram<br />

por uma abordagem que envolvia o retardo da administração de<br />

líquidos IV a um doente em choque Classe III. Quase dois terços<br />

dos cirurgiões recomendaram que esse doente fosse mantido em<br />

um estado relativamente hipotensivo durante o transporte. 1:1<br />

0 volume da reanimação pré-hospitalar deve ser adaptado à<br />

situação clínica (Fig. 6-22 A, B).<br />

Hemorragia Descontrolada. Para doentes com suspeita de hemor¬<br />

ragia interna no tórax, abdome ou retroperitônio (pelve), uma<br />

quantidade suficiente de cristalóides IV deve ser administrada<br />

para manter uma pressão arterial sislólica em um intervalo de<br />

la 90 mmHg ou pressão arterial média de 60 a 65 mm Hg. Isso<br />

devo manter uma perfusão adequada aos rins, com menos risco<br />

do piora da hemorragia interna. Um bolo de líquidos não deve<br />

seradministrado, uma vez que isso pode "ir além" do intervaloalvoda<br />

pressão arterial e causar hemorragia intratorácica, intra¬<br />

abdominal ou retroperitoneal recorrente.<br />

A atual filosofia de administração restrita de cristalóides no<br />

ambiente pré-hospitalar e durante o atendimento hospital ini¬<br />

cial recebeu diversos nomes, incluindo hipotensão permissiva,<br />

reanimação hipotensiva e reanimação "equilibrada", indicando<br />

que deve haver um equilíbrio entre a quantidade de fluido admi¬<br />

nistrada e o grau de elevação da pressão arterial. Após a chegada<br />

do doente ao hospital, a administração de fluido é continuada,<br />

com plasma e sangue (com relação 1:1), até que a hemorragia<br />

seja controlada. A pressão arterial é, então, retornada aos valo¬<br />

res normais, mantendo a transfusão com relação 1:1 (plasma e<br />

sangue), com administração restrita de cristalóides, na maioria<br />

dos centros de trauma.<br />

lesões do Sistema Nervoso Central.A hipotensão foi associada a um<br />

aumento da mortalidade no quadro de lesão cerebral traumática<br />

(LCT). Doentes com certas condições (por exemplo, LCT) pare¬<br />

cem se beneficiar de uma reanimação volêmica mais agressiva.'"'<br />

Diretrizes publicadas pela Brain Trauma Foundation recomen¬<br />

dam manter a pressão arterial sislólica (PAS) acima de 90 mm<br />

Hg em doentes com suspeita de LCT.'17 Diretrizes consensuais<br />

sobrea conduta diante da lesão aguda da medula espinhal tam¬<br />

bém recomendam evitar a hipotensão (pressão arterial sislólica<br />


208 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Reanimação Volêmica<br />

Hemorragia nao controlada'<br />

Choque Classe Iou<br />

Líquido IV na<br />

velocidade para MVA2<br />

Choque Classe III ou IV<br />

T<br />

Administrar líquido IV para manter<br />

pressão arterial sistólica de 80-90 mmHg<br />

(pressão arterial média 60-65 mmHg)<br />

Suspeita de lesão no SNC<br />

Administrar fluido IV<br />

I<br />

Manter pressão arterial sistólica ÿ 90 mmHg3<br />

Hemorragia controlada1'<br />

l \<br />

Choque Classe 1 Choque Classe II, III ou IV<br />

> f ><br />

'<br />

Líquido IV na ..<br />

velocidade para MVA2<br />

Líquido IV 1-2 litros<br />

em bólus5<br />

A<br />

Resposta rápida6<br />

Administrar fluido IV<br />

I<br />

Manter sinais<br />

vitais normais7<br />

Resposta transitória,8 resposta<br />

mínima ou sem resposta9<br />

T~<br />

Administrar fluido IV<br />

Manter pressão arterial sistólica<br />

de 80-90 mmHg (pressão<br />

arterial média 60-65 mmHg)<br />

FIGURA 8-22<br />

A, Algoritmo para reanimação volêmica.<br />

'Suspeitar de hemorragia intratorácica, intra-abdominal ou retroperitoneal<br />

2MVA = manter a veia aberta (cerca de 30 ml/h)<br />

3Considerar PAM 85-90 mmHg para lesão da medula espinhal<br />

ÿ'Hemorragia externa controlada com curativo compressivo, agente<br />

hemostático tópico ou torniquete<br />

5Solução cristalóide aquecida (se possível, 39°C)<br />

GResposta rápida = os sinais vitais normalizam<br />

7FC < 120/minuto; PAS > 90 mmHg para adulto<br />

"Resposta transitória = os sinais vitais melhoram no início e, em<br />

seguida, se deterioram<br />

9Resposta mínima ou sem resposta = pequena ou nenhuma mudança<br />

nos sinais vitais<br />

que o doente apresentou uma queda acentuada da perfusão.<br />

Caso o doente apresente hipotensão, um pneumotórax hipertensivo<br />

suspeito é descomprimido, ou o equipamento é man¬<br />

tido ao lado da maca para utilização caso necessário.<br />

A compressão direta pela mão é impraticável durante um<br />

transporte prolongado; portanto, uma hemorragia externa signi¬<br />

ficativa deve ser controlada com curativos compressivos. Caso<br />

essas medidas não obtenham sucesso, aplica-se um torniquete.<br />

Quando se aplica um torniquete e se estima que o tempo de<br />

transporte ultrapasse quatro horas, devem ser feitas tentativas<br />

de remover o torniquete após a realização de tentativas mais<br />

agressivas de controle da hemorragia local. O torniquete dei<br />

ser lentamente afrouxado, enquanto se observa o curativoi<br />

busca de sinais de hemorragia. Caso não ocorra novameníej<br />

hemorragia, o torniquete é completamente afrouxado, masi<br />

xado no lugar para o caso de a hemorragia ocorrer novamcn<br />

A conversão de um torniquete em um curativo não devei<br />

tentada nas seguintes situações: (1) presença de choque Cia<br />

IIIou IV; (2) amputação completa; (3) incapacidade de obsen<br />

o doente quanto a outras hemorragias; e (4) torniquete aplic<br />

há mais de seis horas.13 O controle de hemorragia internai<br />

ser otimizado pela imobilização de todas as fraturas e aplic


CAPÍTULO 8 Choque 209<br />

ALGORITMO DE TRATAMENTO DE CHOQUE<br />

í<br />

Sim<br />

I<br />

Aplicar pressão direta<br />

I<br />

Controlada?<br />

f<br />

Não<br />

i<br />

Torniquete'<br />

1<br />

Sim<br />

FIGURA 8-22—cont.<br />

Hemorragia externa?<br />

}<br />

Não<br />

I<br />

»- Avaliar perfusão2<br />

I<br />

Evidência de choque?<br />

f<br />

Sim<br />

I<br />

Administrar 02<br />

Assegurar SaO, >""95%<br />

I<br />

Considerar usar PASG3<br />

I<br />

Imobilizar a coluna,<br />

se indicado'1<br />

I<br />

Conservar a temperatura corpórea<br />

I<br />

Iniciar o transporte<br />

(hospital apropriado<br />

mais próximo)<br />

I<br />

Iniciar tratamento<br />

com líquido IVs<br />

B, Algoritmo para tratamento do choque.<br />

Não<br />

I<br />

Completar a<br />

avaliação primária<br />

I<br />

Imobilizar<br />

as fraturas<br />

I<br />

Reavaliar a<br />

avaliação primária<br />

I<br />

Iniciar o<br />

transporte<br />

+<br />

Tratamento com<br />

líquidos IV, se indicado<br />

Notas:<br />

s<br />

1Um torniquete, o manguito do esfigmomanômetro ou uma gravata devem ser aplicados em posição proximal<br />

ao local de hemorragia, apertando até que esta pare. O horário de aplicação deve ser anotado no torniquete.<br />

2 A avaliação da perfusão inclui: presença, qualidade e localização dos pulsos; cor da pele, temperatura e umidade;<br />

e tempo de reenchimento capilar.<br />

3A utilização da PASG deve ser considerada no choque descompensado (PAS < 90 mmHg) e na suspeita de<br />

hemorragia da pelve, do peritônio e do retroperitônio e em doentes com hipotensão grave (PAS < 60 mmHg).<br />

O uso da PASG está contraindicado em trauma penetrante do tórax, evisceração abdominal, gravidez,<br />

empalação de objetos no abdome, em parada cardiorrespiratória por trauma e para imobilizar fraturas dos<br />

membros inferiores.<br />

4Consultar algoritmos para Indicações de Imobilização da Coluna (p. 235).<br />

5Cateterizar duas veias de grosso calibre (cateteres 14 ou 16) a caminho do hospital. Consulte o algoritmo<br />

para reanimação volêmica (p. 188).<br />

do PASG ou de bandagem pélvica, como indicado para hemor-<br />

;iaintra-abdominal ou retroperitoneal.<br />

Técnicas para a manutenção da temperatura corporal noril,<br />

conforme descritas previamente, são ainda mais impor¬<br />

tantes em casos de transporte prolongado. Além de um comrtimento<br />

aquecido para o doente, ele deve ser coberto com<br />

bertores ou materiais que preservem o calor do corpo; até<br />

i grandes sacos plásticos de lixo podem ajudar a evitar a<br />

perda de calor. Os líquidos intravenosos devem ser aquecidos<br />

ales de serem administrados.<br />

Durante o transporte prolongado, o acesso vascular para a<br />

administração de líquidos pode ser crucial, e devem ser estabe¬<br />

lecidos dois acessos venosos de grosso calibre. Tanto para crian¬<br />

ças quanto para adultos, a não obtenção de um acesso vascular<br />

venoso perculâneo pode exigir o uso da via inlraóssea até mesmo<br />

em adultos, como descrito previamente. Para doentes com sus¬<br />

peita de hemorragia contínua, manter a pressão arterial sistólica<br />

entre 80 e 90 mmHg, ou a pressão arterial média entre 60 e<br />

65 mmHg, geralmente pode permitir que se alcance o objetivo de<br />

manter a perfusão para os órgãos vitais, com menos risco de pro-


210 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

vocar nova hemorragia interna. Os doentes com suspeita de lesão<br />

cerebral traumática ou uma lesão de coluna vertebral devem ter a<br />

pressão arterial sistólica entre 90 e 100 mmHg.<br />

Os sinais vitais devem ser reavaliados frequentemente para<br />

monitorar a resposta à reanimação. Os seguintes dados devem<br />

ser documentados em intervalos seriados: frequência ventilatória,<br />

frequência do pulso, pressão arterial, coloração e tempe¬<br />

ratura cutâneas, enchimento capilar, escala de coma de Glas¬<br />

gow, saturação de 02 e CO., medido no tubo endolraqueal, se<br />

disponível.<br />

Durante o transporte rápido, embora geralmente não seja<br />

necessária uma sonda vesical, o moniloramenlo do débito uri¬<br />

nário é uma ferramenta importante que pode ajudar a tomar<br />

decisões a respeito da necessidade de aumentar a reposição<br />

volêmica durante o transporte prolongado. Deve ser consi¬<br />

derada a possibilidade de passar uma sonda vesical para moni¬<br />

torar o débito urinário, caso tal procedimento seja permitido<br />

pelos protocolos locais. O débito urinário adequado: 0,5 ml/kg/<br />

hora para o adulto, 1ml/kg/hora para a criança e 2 ml/kg/hora<br />

para o lactente no primeiro ano de vida. Débito urinário abaixo<br />

desses valores pode ser um indicador claro de que o doente pre¬<br />

cisa de mais volume.<br />

Se o -tempo e os protocolos locais para transporte prol<br />

gado permitirem, deve-se considerar a possibilidade de pa<br />

uma sonda nasogástrica (SNG) em todos os doentes inlubados,<br />

menos que haja suspeita de fratura de face ou de base do crânii<br />

Nesta situação, deve-se passar sonda orogástrica (SOG). Adi<br />

tensão gástrica pode ser causa de hipotensão inexplicada e<br />

arritmias, especialmente em crianças. A passagem de SNG<br />

SOG também pode diminuir o risco de vómito e aspiração.<br />

Durante o transporte prolongado, a avaliação do estado cí¬<br />

nico do doente e da resposta à reanimação é fundamental<br />

determinar o resultado final. Há relatos promissores que apoia<br />

o uso do Life Support for Trauma and Transport (LSTAT, Integra<br />

led Medical Systems) para a monitoração de doentes trauma!<br />

zados em estado crítico durante o transporte. Essa "UTI móvel<br />

mostrou resultados promissores no ambiente militar paraotran;<br />

porte de doentes traumatizados em estado crítico, bem como<br />

transferência de doentes traumatizados em estado crítico napra<br />

tica civil."1'1As desvantagens da utilização desses dispositivosá<br />

o custo e o peso. Caso esses obstáculos sejam superados, poà<br />

haver uma aplicação mais ampla desses dispositivos quando<br />

necessário o transporte prolongado do doente traumatizado s<br />

estado crítico.<br />

nrcTT\/IíSÈ.<br />

IvCjCÿLIÍVIU<br />

lâafes í>aSÈ •<br />

-<br />

O choque provoca um estado de hipoperfusão generali¬<br />

zada, resultando em hipoxia celular, metabolismo anaeró¬<br />

bico, perda de produção de energia, acidose láctica, hipo¬<br />

termia e óbito caso não adequadamente tratado.<br />

Em doentes vítimas de trauma, a hemorragia é a causa<br />

mais comum do choque.<br />

O atendimento a um doente em choque ou que possa<br />

entrar em choque começa pela avaliação adequada e com¬<br />

pleta, iniciando com a história do evento e o rápido exame<br />

visual do indivíduo, à procura de sinais óbvios de choque<br />

e perda de sangue.<br />

O objetivo primário do tratamento é a identificação da pro¬<br />

vável fonte de hemorragia e, se possível, seu tratamento<br />

específico. Noambiente pré-hospitalar,esta abordagem é mais<br />

eficaz quando a fonte de hemorragia é externa. A hemor¬<br />

ragia interna somente pode ser tratada de modo definitivo<br />

no hospital, de modo que o rápido transporte do doente à<br />

instituição adequada é essencial.<br />

A hemorragia externa deve ser controlada com pressão<br />

direta, seguida pela aplicação de curativo compressivo.<br />

Se isso for ineficaz, um lorniquéle pode ser aplicados<br />

membro, próximo ao local da hemorragia. No tronco,i<br />

agente hemostático tópico pode ser usado.<br />

Em alguns casos, fontes não hemorrágicas de choquei<br />

doentes vítimas de trauma (p. ex., pneumotórax hiperte<br />

sivo) podem ser temporariamente corrigidas.<br />

Todos os doentes vítimas de trauma em choque, alémi<br />

manutenção da oxigenação adequada, requerem rápiáj<br />

remoção e transporte à instituição de tratamento deli<br />

tivo, na qual a causa do choque pode ser especificameí<br />

identificada e resolvida.<br />

O transporte não deve ser retardado para instituiçãoi<br />

medidas como acesso IV e infusão de volume. Essas intf<br />

venções devem ser realizadas na ambulância, durante}<br />

transporte.<br />

A infusão superagressiva de fluidos deve ser evitada,mi<br />

mizando ainda mais a hemorragia e a formação de eden<br />

em doentes com choque hemorrágico após trauma.


CAPÍTULO 8 Choque 211<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

wb&pw -i<br />

ÿirÿniiTnTrrimnrr<br />

Com base no mecanismo, você deve ter um alto grau de<br />

suspeita de lesões torácicas e abdominais que provocaram<br />

o choque hemorrágico no doente do sexo masculino e signi¬<br />

ficativa perda de sangue do membro inferior da doente do<br />

sexo feminino. Nestes doentes, a imobilização da coluna<br />

cervical não é necessária. Você aplica curativos com pressão<br />

manual na perna da mulher e prevê o uso de um torniquete<br />

caso a hemorragia não seja controlada. Um curativo oclusivo<br />

é colocado sobre os ferimentos soprantes visíveis no tórax do<br />

homem e um curativo umedecido em solução salina sobre o<br />

intestino eviscerado. Estes dois doentes devem ser levados<br />

à ambulância e transportados, o mais rápido possível, ao<br />

centro de trauma. Se houver tempo, o acesso venoso deve ser<br />

estabelecido durante o transporte. O transporte não deve ser<br />

retardado para instituição do acesso IV. Altas concentrações<br />

de oxigénio devem ser administradas, por meio do equipamento<br />

mais adequado à via aérea, com base no nível de consciência<br />

e na capacidade de manutenção da permeabilidade após a<br />

aspiração dessa via.<br />

O foco principal da conduta é a remoção e o transporte<br />

rápidos até o centro de trauma, no qual o controle definitivo<br />

da hemorragia evitaria a progressão dos estágios de choque,<br />

levando à morte ou a complicações decorrentes da hipoperfusão,<br />

tais como insuficiência renal, insuficiência respiratória e<br />

síndrome de falência múltipla dos órgãos. ÿ<br />

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CAPÍTULO 8 Choque 213<br />

Acesso Vascular Intraósseo<br />

Princípio: Estabelecer um local de acesso vascular para administração de fluidos e medicamentos quando a obtenção do acesso<br />

IV tradicional não é possível.<br />

Esta técnica pode ser realizada em doentes adultos e pediátricos, usando diversos equipamentos comercialmente disponíveis.<br />

Monte o equipamento, que inclui a seringa para infusão IO,<br />

uma seringa com, pelo menos, 5 ml de solução salina estéril,<br />

antisséptico,fluido para administração IV,equipo e esparadrapo.<br />

Garanta o isolamento adequado da área contra infecções.<br />

Coloque o doente em posição supina.<br />

0 local de escolha para inserção pode ser a tíbia face anterior,<br />

em crianças ou adultos, ou o esterno, usado apenas em adultos.<br />

Em doentes adultos, a inserção na tíbia geralmente é feita na<br />

porção distal anterior-medial do osso. Em doentes pediátricos, o<br />

local de inserção é a tíbia proximal na face anterior-medial, logo<br />

abaixo da tuberosidade do osso. 0 socorrista deve identificar<br />

o local de inserção e os pontos de referência. Caso a tíbia seja<br />

o local escolhido, o membro inferior é estabilizado por outro<br />

profissional. Limpe a área de inserção com um antisséptico.<br />

Segurando a broca e a agulha em ângulo de 90 graus em relação<br />

ao osso selecionado, ative a broca e insira a agulha em rotação<br />

através da pele e do córtex ósseo. Um "pop" é sentido durante<br />

a entrada na camada cortical do osso.<br />

iin<br />

Ao sentir a ausência de resistência da agulha, libere o gatilho<br />

da broca. Segurando a agulha, remova a broca.


214 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

—<br />

V<br />

111 c k ÉMI 1 ' í<br />

Libere e remova o trocarte (mandril) do centro da agulha.<br />

Conecte a seringa com solução salina ao canhão da agulha.<br />

Aspire, puxando,delicadamente, o êmbolo da seringa,procurando<br />

por fluido da cavidade medular que se mistura à solução salina.<br />

Punções "secas" não são incomuns.<br />

A seguir, injete 5 ml de solução salina, verificando a presença<br />

de sinais de infiltração. Na ausência desses sinais, remova a<br />

seringa do canhão da agulha, conecte o equipo do soro e ajuste<br />

gotejamento. Prenda a agulha e o cateter.


CAPÍTULO 8 Choque 215<br />

Aplicação de Torniquete: Bandagem Israelense<br />

Princípio: Conferir pressão mecânica circunferencial e colocar curativo em um ferimento aberto em membro com hemorragia<br />

descontrolada.<br />

Garanta a proteção adequada contra infecções e coloque um<br />

curativo sobre o ferimento.<br />

Enrole a bandagem elástica ao redor do membro, pelo menos<br />

uma vez.<br />

Faça uma alça com a bandagem elástica, ao redor da barra.


216 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Enrole firmemente a bandagem ao redor do membro ferido, em<br />

direção oposta, aplicando pressão suficiente ao controle da<br />

hemorragia.<br />

Continue enrolando a bandagem no membro.<br />

Prenda a extremidade distai da bandagem, mantendo a pressão<br />

para controlar a hemorragia.


DIVISÃO TRÊS<br />

Lesões Específicas<br />

CAPITULO 9<br />

Lesão Cerebral<br />

Traumática<br />

OBIETIVOS DO CAPÍTULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Relacionar a biomecânica do trauma com a potencial lesão cerebral traumática<br />

(LCT).<br />

Incorporar o reconhecimento das manifestações fisiopatológicas e dos dados<br />

significativos do histórico para LCT na avaliação da vítima de trauma, a fim de<br />

obter compreensão do que aconteceu na cena.<br />

Formular um plano de intervenção na cena, tanto para os transportes de curta<br />

duração como para os de longa duração, para vítimas de LCT.<br />

;<br />

Comparar e contrastar a fisiopatologia, o tratamento e as possíveis consequências<br />

da LCT primária e da lesão cerebral secundária.<br />

Identificar os critérios para decisão de condutas para o doente com LCT com<br />

relação ao modo de transporte, ao nível de condutas no pré-hospitalar e aos<br />

recursos necessários do hospital de destino para o tratamento adequado do<br />

doente com LCT.<br />

/ Entender o papel da hiperventilação no doente com LCT.


218 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

Você e seu parceiro são chamados a uma rua estreita, na qual um homem de 30 anos de idade foi encontrado inconsciente.<br />

com uma hemorragia na cabeça. Testemunhas afirmam que ele foi atacado por outro indivíduo, que fugiu após agredi-lo<br />

com um pedaço de madeira de 0,5 x 1 metro. Segundo as testemunhas, o homem ficou inconsciente por cerca de cinco<br />

minutos, mas agora está acordado. A cena parece segura. A análise primária revela que o doente não apresenta problemas<br />

com a via aérea e respira normalmente. Há uma laceração de 8 cm no couro cabeludo do lado direito que está sangrando<br />

continuamente, mas é rapidamente controlada por compressão direta e curativo compressivo. Sua frequência cardíaca;<br />

de 116 batimentos por minuto, e sua pele é quente, rosada e apresenta boa perfusão. Ele abre os olhos espontaneamente<br />

e obedece a comandos; no entanto, não se recorda dos eventos que levaram ao ataque. Mostra-se um pouco confuso a;<br />

tentar responder algumas perguntas (escore na escala de coma de Glasgow de 14). Você fornece oxigénio com máscarade<br />

fluxo unidirecional. Durante a imobilização da coluna, ele passa a falar palavras incompreensíveis e, agora, só abre os olhos<br />

e retrai os membros em resposta aos estímulos dolorosos (escore na escala de coma de Glasgow de 9).<br />

Que outras condutas você tomaria para esse doente com base no rebaixamento do nível de consciência? Que tipo de<br />

lesão é mais compatível com esses sinais? Quais as prioridades no tratamento nesse momento? Que medidas você precisa]<br />

tomar para evitar o aumento da pressão intracraniana e manter a perfusão cerebral durante um transporte prolongado?<br />

(PS) dos Estados Unidos, ocorrem, a<br />

cada ano, aproximadamente 1,4 milhão de consultas rela¬<br />

Nosprontos-socorros<br />

cionadas a lesões cerebrais traumáticas (LCT).1 Embora<br />

80% desses doentes sejam classificados como portadores de<br />

lesões de baixa gravidade, cerca de 235 mil desses indivíduos são<br />

anualmente hospitalizados, e perlo de 50 mil vão a óbito devido à<br />

LCT.1 A LCT contribui significativamente para a morte de cerca<br />

de 50% de todas as vítimas de trauma. As lesões cerebrais modera¬<br />

das a graves ocorrem em cerca de 100mil vítimas de trauma anual¬<br />

mente. As taxas de mortalidade das lesões moderadas e graves são<br />

de 10% e 30%, respectivamente. Daqueles que sobrevivem a essas<br />

lesões, entre 50% e 99% apresentam algum grau de déficit neu¬<br />

rológico permanente.<br />

Colisões automobilísticas continuam sendo a principal causa<br />

de LCT em pessoas com idade entre 5 e 65 anos, e as quedas são<br />

a principal causa dessas lesões em doentes pediátricos de até 4<br />

anos e em pessoas idosas. A cabeça é a região do corpo mais fre¬<br />

quentemente lesionada em doentes com trauma multissistêmico.<br />

A incidência de lesão cerebral por ferimentos de arma de fogo<br />

tem aumentado nos últimos anos nas áreas urbanas, e mais de<br />

60% dessas vítimas morrem em decorrência dessa lesão.<br />

Dos doentes vítimas de trauma, aqueles com LCT são os que<br />

impõem maior desafio para o tratamento. Podem estar agressivos,<br />

e a tentativa de intubação pode ser muito difícil em razão de enrijecimento<br />

dos músculos da mandíbula (trismo) e vómitos. A into¬<br />

xicação por drogas e álcool ou a presença de choque em virtude de<br />

outros traumas podem dificultara avaliação neiuológica. Às vezes,<br />

pode haver lesões intracranianas graves com evidência externa<br />

mínima de trauma. O atendimento e o cuidado pré-hospitalar ade¬<br />

quado têm como foco principal garantir um aporte apropriado de<br />

oxigénio e nutrientes ao cérebro e a identificação rápida dos doen¬<br />

tes com risco de herniações e com pressão intracraniana elevada.<br />

Essa abordagem pode não só diminuir a taxa de mortalidade decor¬<br />

rente de LCT como também se traduzir em diminuição do déficit<br />

neurológico permanente.<br />

Anatomia<br />

O conhecimento da anatomia do crânio e do encéfalo é essencial<br />

para a compreensão da fisiopatologia da LCT. O couro cabeludo<br />

é a camada mais externa que recobre a cabeça e proportion;<br />

certa proteção ao crânio e ao encéfalo. O couro cabeludo com¬<br />

preende várias camadas, incluindo a pele, o tecido conjuntivo<br />

a gálea aponeurótica e o periósteo do crânio. A gálea é impor¬<br />

tante, pois fornece o apoio estrutural ao couro cabeludo eé fun¬<br />

damental para sua integridade. O couro cabeludo e os tecidos<br />

moles que recobrem a face são intensamente vascularizados.<br />

O crânio é composto por vários ossos que se fundem em um;<br />

única estrutura durante o desenvolvimento da criança. Várias<br />

pequenas aberturas [forames) na base do crânio permitem a pas¬<br />

sagem de vasos sanguíneos e nervos cranianos. Uma abertura<br />

maior denominada forame magno está localizada na porção pos¬<br />

terior da base do crânio e serve de passagem do tronco cerebral<br />

para a medula espinhal (Fig. 9-1). Em bebés, fontanelcis podem<br />

ser identificadas entre as estruturas ósseas. O bebé não possui<br />

proteção óssea sobre essa porção do cérebro até a fusão dos ossos,<br />

o que ocorre, geralmente, até os 2 anos idade.<br />

Embora a maior parte dos ossos que formam o crânio sej><br />

espessa e forte, as regiões temporais e etmoidais são especii<br />

mente finas, portanto mais suscetíveis a fraturas. O crânio for¬<br />

nece proteção ao encéfalo, mas a superfície interna da based:<br />

crânio é dura e irregular (Fig. 9-1). Quando submetido a traunu<br />

contuso, o encéfalo pode deslizar sobre essas irregularidades;<br />

produzir contusões ou lacerações cerebrais.<br />

Três membranas distintas, denominadas meninges, reco¬<br />

brem o encéfalo (Fig. 9-2). A membrana mais externa, chamad;<br />

dura-múter, é composta por um tecido fibroso resistente;<br />

reveste a abóbada craniana (o crânio). Normalmente, o espaço<br />

entre a dura-máter e o interior do crânio, o espaço epidural<br />

não existe; é um espaço virtual. A dura-máter é aplicada no crâ¬<br />

nio como em um laminado. As artérias meníngeas médias<br />

localizadas em sulcos nos ossos temporais em ambos os lado;


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 219<br />

Canal óptico<br />

Osso frontal<br />

Processo clinoide anterior<br />

Placa cribiforme<br />

Fossa hipofisária<br />

Osso esfenoide<br />

Forame oval<br />

Forame lácero<br />

Meato acústico interno<br />

Osso temporal<br />

Osso parietal<br />

Canal hipoglosso<br />

Forame magno<br />

Osso occipital<br />

FIGURA 9-1<br />

Visão interna da base do crânio.<br />

Crânio<br />

Periósteo<br />

Uma camada funcional<br />

Dura-máter J<br />

Membrana aracnoide<br />

Pia-máter (diretamente aderida<br />

à superfície cerebral, não passível<br />

de remoção)<br />

Vasos no<br />

espaço<br />

subaracnoide<br />

Espaço epidural<br />

Espaço subdural<br />

subaracnoide<br />

FIGURA 9-2<br />

Meninges: revestimentos meníngeos do cérebro.


220 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

da cabeça, fora da dura-máter. Um impacto nessa região de<br />

ossos finos pode produzir fratura e romper as artérias meníngeas<br />

médias, sendo a causa mais comum do hematoma epidural.<br />

Diferentemente do espaço epidural, que é um espaço vir¬<br />

tual, o espaço subdural é um espaço real, entre a dura-máter e o<br />

cérebro. Esse espaço é atravessado por veias em certos lugares,<br />

o que cria uma comunicação vascular entre o crânio e o cérebro.<br />

A ruptura traumática dessas veias frequentemente cria hemato¬<br />

mas subdurals, os quais, ao contrário dos hematomas epidurals,<br />

são venosos, de baixa pressão e com frequência estão associados<br />

à lesão cerebral. A lesão dessas veias comunicantes é responsá¬<br />

vel pela morbidade dos hematomas subdurals.<br />

O cérebro localiza-se do outro lado do espaço subdural e é<br />

coberto intimamente por duas camadas meníngeas adicionais, a<br />

aracnoide e a pia-máter. A pia-máterestá intimamente aderida ao<br />

cérebro, também como um laminado, e é o revestimento final do<br />

cérebro. Por cima da pia-máter, existem vasos sanguíneos cere¬<br />

brais que emergem da base do cérebro e cobrem sua superfície.<br />

Por cima desses vasos, está a membrana aracnoide, aderida frou¬<br />

xamente ao cérebro e a seus vasos sanguíneos, dando a aparência<br />

de "papel celofane" em torno do cérebro quando ele é visto a<br />

partir do espaço subdural. Quando não existia o papel celofane,<br />

acredifavá-se que esse revestimento fosse parecido com uma leide<br />

aranha, daí o nome "aracnoide". Uma vez que os vasos san-f<br />

guíneos cerebrais têm seu trajeto sobre a superfície cerebral, mail<br />

abaixo da membrana aracnoide, sua ruptura (normalmente era<br />

decorrência de trauma ou por ruptura de um aneurisma cerebral]<br />

produzirá hemorragia no espaço subaracnoide, causando uma<br />

hemorragia subaracnoide. Esse sangue normalmente não pene¬<br />

tra no espaço subdural, mas fica contido abaixo da aracnoide;j<br />

durante a cirurgia, ele pode ser visto como uma fina camada dei<br />

sangue sobre a superfície do cérebro, contida abaixo dessa mem¬<br />

brana translúcida. Ao contrário dos hematomas epidurals e sub-}<br />

durais, o sangue subaracnoide normalmente não cria um efeito<br />

de massa, mas pode ser um sintoma de outras lesões cerebrais!<br />

sérias.<br />

O liquor é produzido no sistema ventricular do cérebro,!<br />

circunda o encéfalo e a medula espinhal e funciona como um<br />

amortecedor dos impactos sobre o encéfalo. Localiza-se no!<br />

espaço subaracnoide.<br />

O encéfalo ocupa cerca de 80% do espaço intracranianoel<br />

divide-se em três segmentos principais- o cérebro, o cerebelo<br />

e o tronco cerebral (Fig. 9-3). O cérebro é constituído por um<br />

hemisfério direito e um esquerdo, que podem ser subdividia<br />

Lobo frontal<br />

Sulco central<br />

Lobo parietal<br />

Lobo<br />

occipital<br />

Anterior<br />

Posterior<br />

Sulco lateral<br />

Lobo temporal<br />

Cerebelo<br />

Tronco cerebral<br />

Ponte<br />

Bulbo<br />

CEREBELO<br />

Controla a coordenação e o equilíbrio.<br />

CÉREBRO<br />

0 cérebro é composto pelos hemisférios direito e esquerdo. 0<br />

hemisfério dominante é aquele que contém o centro da linguagem.<br />

Esse é o hemisfério esquerdo em todos os indivíduos destros e em<br />

aproximadamente 85% dos canhotos. 0 cérebro é composto dos<br />

seguintes lobos:<br />

Frontal. Contém os centros das emoções, da função motora<br />

e da expressão da fala no lado dominante.<br />

s Parietal. Responsável pela função sensitiva e pela orientação<br />

espacial.<br />

® Temporal. Regula algumas funções da memória; contém a área<br />

para recepção e integração da fala em todos os indivíduos<br />

destros e na maioria dos canhotos.<br />

ta Occipital. Contém o centro da visão.<br />

TRONCO CEREBRAL<br />

Mesencéfalo e ponte. Contêm o sistema de ativação reticular,<br />

responsável pelo nível de consciência.<br />

Bulbo. Contém os centros cardiorrespiratórios.


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática ' 221<br />

dos em vários lobos. O cérebro é responsável pelas funções<br />

sensitivas, motoras e intelectuais superiores, como a inteli¬<br />

gência e a memória. O cerebelo está localizado na lossa pos¬<br />

terior do crânio, atrás do tronco cerebral e abaixo do cérebro,<br />

e coordena o movimento. O tronco cerebral contém a medula,<br />

área que controla diversas funções vitais, incluindo a respira¬<br />

ção e a frequência cardíaca. Muito do sistema reticular alivador<br />

(SRA), região do cérebro responsável pelo nível de cons¬<br />

ciência, também é encontrado no tronco cerebral. Um trauma<br />

fechado pode lesionar o SRA, levando à perda temporária da<br />

consciência. A tenda do cerebelo, uma porção da dura-máter,<br />

localiza-se entre o cérebro e o cerebelo e possui uma abertura,<br />

aincisura da tenda, no nível do mesencéfalo.<br />

Os 12 pares de nervos cranianos originam-se no cérebro e no<br />

tronco cerebral (Fig. 9-4). O nervo oculomotor, terceiro nervo cra¬<br />

niano, controla a constrição da pupila e propicia uma ferramenta<br />

importante na avaliação do doente com suspeita de trauma de<br />

crânio.<br />

Fisiologia<br />

Fluxo Sanguíneo Cerebral<br />

É fundamental que os neurónios do cérebro recebam um fluxo<br />

sanguíneo constante a fim de fornecerem oxigénio e glicose.<br />

Esse fluxo sanguíneo constante é mantido assegurando-se de<br />

que haja: (1) uma pressão adequada (pressão de perfusão cere¬<br />

bral) para forçar o sangue para dentro da cabeça e (2) um meca¬<br />

nismo regulador (autorregulação) que garanta um iluxo sanguí¬<br />

neo constante pela variação da resistência ao fluxo sanguíneo, à<br />

medida que a pressão de perfusão se altera.<br />

Pressão Arterial Média<br />

O coração é uma bomba cíclica e, dessa forma, a pressão criada<br />

por ele é representada como duas pressões: a pressão diastólica,<br />

pressão basal que é mantida no interior do sistema circulatório<br />

quando o coração descansa e não bombeia, e a pressão sistólica,<br />

que é a pressão máxima gerada no pico da contração cardíaca.<br />

Por ser difícil de trabalhar com essa caracterização dinâmica<br />

das pressões geradas pelo coração, a fim de tratar da pressão de<br />

perfusão cerebral, usamos uma pressão média para o ciclo car¬<br />

díaco, a pressão arterial média (PAM) para caracterizar a pres¬<br />

são que leva o sangue à cabeça.<br />

O cálculo da PAM pressupõe que a contração cardíaca (sís¬<br />

tole) ocupe um terço do ciclo cardíaco e que os dois terços res¬<br />

tantes do ciclo, a pressão sistémica, permaneçam no nível basal<br />

(diástole). A PAM é, portanto, calculada através (1) da média<br />

da pressão adicional acrescentada ao sistema durante a contra¬<br />

ção cardíaca, ou sístole, ao longo de todo o ciclo cardíaco e (2)<br />

do acréscimo dessa média à pressão diastólica. Isso é feito pelo<br />

cálculo da pressão adicional acrescentada ao sistema durante a<br />

ANTERIOR<br />

Bulbo olfatório (entrada<br />

dos nervos olfatórios [I])<br />

Cérebro<br />

Nervo óptico (II)<br />

Nervo oculomotor (III)<br />

Nervo troclear (IV)<br />

Nervo trigêmeo (V)<br />

Nervo abducente (VI)<br />

Trato olfatório<br />

Quiasma óptico<br />

Hipófise<br />

(glândula pituitária)<br />

Ponte<br />

Nervo facial (VII)<br />

Nervo vestibulococlear (VIII)<br />

Nervo glossofaríngeo (IX)<br />

Nervo vago (X)<br />

Medula espinhal<br />

Nervo hipoglosso (XII)<br />

Nervo acessório (XI)<br />

Medula oblonga<br />

Cerebelo<br />

FIGURA 9-4<br />

POSTERIOR<br />

Superfície inferior do cérebro mostrando as origens dos pares cranianos.


222 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

sístole, a pressão de pulso, dividindo-a por três, e adicionando<br />

esse número à pressão diastólica, da seguinte forma:<br />

Pressão de pulso = Pressão sisfólica —<br />

Pressão diastólica<br />

PAM = Pressão diastólica+ V3 Pressão de pulso<br />

A maioria dos monitores da pressão arterial mostra a PAM<br />

com um método de cálculo bem mais preciso que utiliza a real<br />

variação da onda da pressão arterial. Já que a percentagem de<br />

tempo que o coração gasta na sístole aumenta à medida que<br />

a frequência cardíaca se eleva, o pressuposto de que a sístole<br />

ocupa um terço da diástole torna-se cada vez menos preciso à<br />

medida que o doente Uca mais taquicárdico. Portanto, o moni¬<br />

tor da pressão arterial, na maioria de doentes transportados por<br />

lesão neurológica, representa de forma mais fidedigna a PAM<br />

do que o cálculo explicado anteriormente. O aprendizado do<br />

cálculo é útil para entender a natureza da PAM.<br />

Pressão de Perfusão Cerebral<br />

A pressão de perfusão cerebral corresponde à pressão necessá¬<br />

ria à circulação de sangue pelo órgão e, assim, à "manutenção<br />

do fluxo sanguíneo e do suprimento de oxigénio e glicose às<br />

exigentes células cerebrais. Esta pressão é diretamente relacio¬<br />

nada àquela existente na caixa craniana, a pressão intracraniana<br />

(PIC). Já que o espaço no interior do crânio é imutável, qualquer<br />

coisa que ocupe espaço na caixa craniana faz com que a PIC seja<br />

elevada. Com o aumento da PIC, a quantidade de pressão neces¬<br />

sária à circulação do sangue pelo cérebro é também elevada.<br />

Se a PAM não puder ser compatível ao aumento da PIC ou se o<br />

tratamento para redução desta última não for rapidamente insti¬<br />

tuído, o fluxo sanguíneo pelo cérebro será reduzido, levando ao<br />

desenvolvimento de lesões cerebrais isquêmicas. Isto é expresso<br />

pela seguinte fórmula:<br />

Pressão de perfusão cerebral (PPC) é a pressão arterial média<br />

(PAM) subtraída da pressão intracraniana (PIC), ou<br />

PPC = PAM - PIC<br />

A pressão arterial média normal varia de 85 a 95 mmHg, e a<br />

pressão intracraniana é considerada normal abaixo dos 15 mmHg.<br />

Portanto, a pressão de perfusão cerebral (PPC) está normalmente<br />

entre 70 e 80 mmHg.<br />

Autorregulação do FSC<br />

O fator mais importante para o cérebro, porém, não é a PPC<br />

em si, mas o fluxo sanguíneo cerebral (FSC). O cérebro trabalha<br />

muito para manter seu fluxo sanguíneo constante frente a uma<br />

ampla gama de condições mutáveis. Este processo é conhecido<br />

como autorregulação. A autorregulação é cruciai à função cere¬<br />

bral normal.<br />

Para compreendermos a autorregulação, temos que lembrar<br />

que, para qualquer sistema de fluxo:<br />

Pressão = Fluxo x Resistência<br />

No caso do-cérebro, isso se traduz em:<br />

Pressão de perfusão cerebral =<br />

Fluxo sanguíneo cerebral x Resistência<br />

vascular cerebral<br />

PPC = FSC x RVC<br />

Uma vez que o FSC é a principal preocupação do cérebro, é útil<br />

reescrever essa equação como:<br />

FSC = PPC/RVC<br />

Ao se olhar para essa equação, fica clara a forma como o cérebro<br />

mantém o fluxo sanguíneo constante. Se uma pessoa deitada fica<br />

de pé, a PPC cai. A única forma de manter o FSC constante é tam¬<br />

bém diminuir a' resistência vascular cerebral (RVC). O cérebro<br />

obtém essa diminuição na RVC dilatando a vasculatura cerebral.<br />

O processo de alteração do calibre dos vasos sanguíneos cerebrais<br />

para ajustar a RVC para compensar alterações na PPC é a forma<br />

encontrada pelo cérebro para manter sua autorregulação.<br />

Em pessoas que se levantam muito rapidamente e desmaiam,<br />

seus mecanismos autorreguladores simplesmente não reagem<br />

suficientemente rápido à alteração da posição, causando uma<br />

perda temporária, mas expressiva, do fluxo de sangue no cérebro<br />

e, consequentemente, da função cerebral.<br />

Para funcionar normalmente, o mecanismo autorregulador<br />

deve ter alguma pressão mínima. Evidentemente, com uma<br />

pressão de 0 mmHg não há vasodilatação que seja suficiente<br />

para manter o fluxo sanguíneo, e há limites para a dilatação dos<br />

vasos sanguíneos na cabeça. Portanto, com uma PPC de cerca<br />

de 50 mmHg ou menos, os mecanismos autorreguladores já não<br />

conseguem compensar a diminuição da PPC, e o FSC começa a<br />

diminuir. À medida que o FSC começaxi cair, a função cerebral<br />

declina e o risco de lesão cerebral permanente em consequência<br />

de isquemia aumenta.<br />

Para piorar a situação, cérebros lesionados frequentemente<br />

necessitam de uma PPC acima do normal para ativar os meca¬<br />

nismos autorreguladores e manter um FSC adequado. Embora o<br />

limiar da PPC acima do qual o FSC é adequado seja específico<br />

para cada doente, não há meios de determinar esse limiar na<br />

cena. Portanto, a melhor estimativa de uma PPC adequada<br />

60 a 70 mmHg.<br />

Infelizmente, as melhores maneiras de mensuração do FSC<br />

não são muitoconvenientes;a PPC,portanto,é usada para estimai<br />

a adequação do FSC. A medida da PPC requer tanto um monitoi<br />

da pressão arterial quanto um monitor da PIC. Na ausência de<br />

um monitor da PIC, a melhor prática é simplesmente tentar e<br />

manter uma PAM normal elevada. Uma vez que a maior parle da<br />

literatura sobre resultados finais nos casos de LCT utiliza a pres¬<br />

são arterial sistólica (PAS), em vez da PAM para medir a pressão<br />

arterial, a PAS é o valor utilizado para monitorar a adequaçãoi<br />

da perfusão cerebral nos casos em que não há monitoramento<br />

da PIC. Evidências indicam que uma PAS acima de 90 mmHgé!<br />

desejável para doentes com lesões cerebrais.2'5'<br />

Hiperventilação<br />

A hiperventilação reduz a PIC, mas também repercute no FSC. I<br />

Na verdade, há dados que sugerem que a hiperventilação reduz


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 223<br />

deforma mais confiável o FSC do que a PIC. A hiperventilação<br />

reduz a PIC pela redução da pressão parcial arterial de dióxido<br />

de carbono (PaC02) mediante aumento da taxa na qual o C02 é<br />

expirado dos pulmões. Essa PaC02 reduzida (hipocapnia) altera<br />

o equilíbrio acidobásico no cérebro, o que causa vasoconstri¬<br />

ção. A vasoconstrição cerebral reduz o volume intravascular do<br />

cérebro, diminuindo o volume sanguíneo cerebral e, portanto,<br />

frequentemente a PIC.'-"<br />

Em condições normais, a autorregulação assegura um FSC<br />

adequado e garante que a RVC esteja correta para a PPC disponí¬<br />

vel a fim de manter um FSC apropriado. É importante observar<br />

que a hiperventilação do doente evita a autorregulação. Por¬<br />

tanto, a hiperventilação produz vasoconstrição cerebral, o que<br />

pode reduzir o volume sanguíneo cerebral a ponto de reduzir a<br />

PIC,mas também aumenta a RVC, esteja a PPC adequada 011 não<br />

para manter o FSC. Consequentemente, a hiperventilação pode<br />

reduzir o FSC, causando um risco de lesão isquêmica para o<br />

abaixo de 35 mmHg aumenta<br />

acima da faixa<br />

normal de 35 a 45 mmITg (hipercapnia) leva à dilatação das<br />

arteríolas cerebrais, aumentando, dessa forma, o FSC e poten¬<br />

cialmente a PIC. (A conduta de hiperventilação será abordada<br />

posteriormente.)<br />

cérebro lesionado. Uma PaC02<br />

o risco de isquemia cerebral, e uma PaC02<br />

Fisiopatologia<br />

A LCT pode ser dividida em duas categorias: primária e<br />

secundária.<br />

Lesão Cerebral Primária<br />

A lesão cerebral primária é o trauma direto no encéfalo asso¬<br />

ciado a estruturas vasculares que ocorrem no momento da<br />

agressão inicial. Ela inclui contusões, hemorragias, lacerações e<br />

outras lesões diretas ao cérebro, seus vasos e membranas. Como<br />

otecido neural praticamente não se regenera, há uma expecta¬<br />

tiva mínima de recuperação da perda da estrutura e função em<br />

decorrência da lesão primária. Além disso, há pouca possibili¬<br />

dade de correção.<br />

Lesão Cerebral Secundária<br />

A lesão cerebral secundária refere-se aos processos contínuos<br />

de lesão desencadeados pela lesão primária. No momento da<br />

são, iniciam-se os processos fisiopatológicos que continuam a<br />

saro cérebro por horas, dias e semanas após a agressão inicial.<br />

0 foco primário da conduta diante da LCT é identificar e limitar<br />

íinterromper esses mecanismos de lesão secundária.<br />

Antes da existência da tomografia computadorizada (TC), o<br />

principal mecanismo de lesão secundária consistia em "hemorintracranianas<br />

não identificadas". A literatura chamava<br />

de doentes que "conversam e morrem", ou doentes que inicial¬<br />

mente estavam lúcidos após uma lesão traumática, mas subita¬<br />

mente entravam em coma e morriam em consequência da expansáodeum<br />

hematoma intracraniano não identificado, produzindo<br />

1herniação fatal. Evidentemente, nesses casos, se o processo<br />

ológico inicial fosse interrompido, a vida do doente poderia<br />

ter sido salva.0'11 Os mecanismos patológicos relacionados com<br />

o efeito de massa intracraniana, a elevação da PIC e a herniação<br />

ainda preocupam como causas de lesão secundária, mas seu tra¬<br />

tamento foi revolucionado pela TC, pelo monitoramenlo da PIC<br />

e pela cirurgia imediata. No ambiente pré-hospitalar, a identifi¬<br />

cação dos doentes de alto risco para herniação em decorrência<br />

do efeito de massa e seu transporte rápido até um hospital com<br />

condições técnicas para solucionar esses problemas ainda são<br />

as prioridades fundamentais.<br />

Com o advento da TC, tornou-se mais fácil identificar e tra¬<br />

tar esses hematomas. No entanto, ficou também evidente que<br />

outros mecanismos estavam presentes e continuavam a lesionar<br />

o cérebro após o trauma. Grandes estudos no fim dos anos 1980<br />

demonstraram que a hipoxia e a hipotensão não detectadas e<br />

não tratadas eram tão prejudiciais ao cérebro lesionado quanto a<br />

PIC elevada. Observações subsequentes mostraram que a oxige¬<br />

nação 011 o fornecimento de substrato de energia (por exemplo,<br />

glicose) insuficiente aò cérebro lesionado tem um impacto bem<br />

mais devastador do que no cérebro normal. Portanto, além do<br />

hematoma, duas outras fontes de lesão secundária são a hipoxia<br />

e a hipotensão.5'"-12"1'1<br />

Pesquisas em andamento em laboratórios revelam uma<br />

quarta classe de mecanismos de lesão secundária, que ocorrem<br />

ao nível celular. Estudos identificaram múltiplos mecanismos<br />

de destruição celular que são iniciados pelas lesões. A capaci¬<br />

dade de entender, manipulai- e interromper esses mecanismos<br />

pode levar a novos tratamentos para limitar a lesão cerebral,<br />

talvez até mesmo um "coquelel" pré-hospitalar. No momento, o<br />

estudo desses mecanismos está limitado aos laboratórios.<br />

Os mecanismos de lesão secundária incluem:<br />

1. Eleito de massa e subsequente elevação da PIC e movimen¬<br />

tação mecânica do cérebro, que podem causar herniação<br />

e aumento acentuado da morbidade e mortalidade se não<br />

tratados.<br />

2. Hipoxia, causada pela oxigenação inadequada do cérebro<br />

lesionado em consequência de insuficiência ventilatória ou<br />

circulatória ou pelo efeito de massa.<br />

3. Hipotensão e FSC inadequado, que podem causar uma<br />

oxigenação insuficiente do cérebro. A diminuição do FSC<br />

também reduz a liberação de substrato (por exemplo, gli¬<br />

cose) ao cérebro lesionado e resulta em insuficiência de<br />

substrato (por exemplo, glicose).<br />

4. Mecanismos celulares, incluindo insuficiência de energia,<br />

inflamação e cascatas "suicidas", que podem ser desen¬<br />

cadeadas ao nível celular e podem levar à morte celular,<br />

chamada apoptose.<br />

Causas Intracranianas<br />

Efeito de Massa e Herniação. Os mecanismos da lesão secundária<br />

reconhecidos com maior frequência são aqueles relacionados<br />

com o efeito de massa. Esses mecanismos resultam de interações<br />

complexas descritas pelo dogma de Monro-Kellie.15 Após<br />

o fechamento das fontanelas, o cérebro fica "encaixotado" em<br />

um espaço de tamanho fixo, e todo o espaço dentro do crânio é<br />

ocupado pelo cérebro, por sangue ou líquido cefalorraquidiano<br />

(LCR). Caso outra massa, como um hematoma, edema cerebral


224 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Estado normal . Estado compensado Estado descompensado<br />

PIC normal PIC normal PIC elevada<br />

LCR<br />

Massa<br />

Massa<br />

Cérebro<br />

Volume<br />

sanguíneo<br />

Cérebro<br />

Volume<br />

sangu<br />

Cérebro<br />

Volume<br />

sanguíneo<br />

PIC<br />

Sinais vitais<br />

Normal _ ... Normal<br />

FC e PA normais FC e PA normais IFC, fPA<br />

FIGURA 9-5 Doutrina de Monro-Kellie: mecanismo de compensação intracraniana para uma massa em expansão. O volume do<br />

espaço intracraniano se mantém constante. Se houver adição de massa, como um hematoma, o resultado será a expulsão de um<br />

volume igual de líquido cefalorraquidiano (liquor - LCR) e de sangue venoso, fazendo com que a pressão intracraniana (PIC) se<br />

mantenha normal. No entanto, quando esse mecanismo de compensação se esgota, ocorre aumento exponencial da PIC, mesmo<br />

para um pequeno aumento no volume do hematoma.<br />

ou tumor, ocupe qualquer espaço dentro da cavidade craniana,<br />

alguma estrutura precisa ser empurrada para fora (Fig. 9-5).<br />

A dinâmica que força o sangue, o LCR ou o cérebro para<br />

fora da cavidade craniana em resposta a um efeito de massa em<br />

expansão constitui a segunda parte do dogma de Monro-Kellie.<br />

Inicialmente, em resposta a uma massa em expansão, o volume<br />

de LCR que circunda o cérebro é reduzido. O LCR circula natu¬<br />

ralmente dentro e em torno do cérebro, do tronco encefálico e<br />

da medula espinhal; à medida que a massa se expande, porém,<br />

mais LCR é forçado para fora da cabeça, e o volume total de LCR<br />

é reduzido. O volume sanguíneo na cavidade craniana também<br />

é reduzido de forma similar, com o sangue venoso sendo o prin¬<br />

cipal volume reduzido na cabeça.<br />

Como resultado da redução dos volumes de LCR e sanguí¬<br />

neos, a pressão na cabeça não se eleva durante as fases iniciais<br />

da expansão das massas intracranianas. Durante essa fase, se a<br />

massa em crescimento for a única patologia intracraniana, os<br />

doentes poderão permanecer assintomáticos. Após a exaustão<br />

da capacidade de forçar o LCR e o sangue para fora, no entanto,<br />

a pressão dentro do crânio, a PIC, começa a se elevar rapida¬<br />

mente, provocando desvio cerebral e diversas síndromes de<br />

herniação, que podem comprimir centros vitais e prejudicar<br />

o suprimento sanguíneo arterial ao cérebro. As consequências<br />

desse movimento em direção ao forame magno são descritas<br />

como as diversas síndromes de herniação.<br />

Se a massa em expansão estiver ao longo da convexidade do<br />

cérebro, como ocorre na posição típica de um hematoma epidu¬<br />

ral do lobo temporal, o lobo temporal será forçado em direção ao<br />

centro do cérebro, na abertura tentorial. Esse movimento força a<br />

porção medial do lobo temporal, o unco, em direção ao terceiro<br />

par craniano, ao trato motor e ao tronco cerebral e SRA daquele<br />

lado. Isso se chama herniação uncale produz uma disfunção do<br />

terceiro par craniano, gerando uma pupila dilatada ou midriálica<br />

no lado da herniação (Fig. 9-6). Produz, também, perda da<br />

função do trato motor do mesmo lado, que leva à fraqueza do i<br />

lado oposto do corpo com relação à lesão. Nos estágios finais da<br />

herniação uncal, o SRA é afetado e o doente entra em coma, um<br />

evento associado a um prognóstico bem pior.<br />

Alguns processos expansivos da convexidade cerebral cau- j<br />

sam uma herniação do cíngulo, tanto associada à herniação<br />

uncal quanto isoladamente. Na herniação do cíngulo, o giro I<br />

do cíngulo ao longo da superfície medial dos hemisférios cere- 1<br />

brais é forçado para baixo da foice, a divisão durai entre os dois<br />

hemisférios. Isso pode produzir lesão dos hemisférios cerebrais<br />

mediais e do mesencéfalo.<br />

Outro tipo de herniação, chamada herniação da amígdala j<br />

cerebelar, ocorre à medida que o cérebro é empurrado para baixo I<br />

em direção ao forame magno e empurra o cerebelo e o bulbo à i<br />

sua frente. Isso, no final, pode fazer com que a parle mais caudal<br />

do cerebelo, as amígdalas cerebelares e o bulbo sejam "encra- 1<br />

vados" no forame magno, com esmagamento subsequente do I,<br />

bulbo. Lesões na parte inferior do bulbo terminam em paradaI<br />

cardíaca e respiratória, um desfecho comum em doentes comI<br />

FIGURA 9-6 Suspeitar de lesão cerebral sempre que o doente<br />

apresentar pupilas assimétricas.


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 225<br />

herniação. O processo de 1'orçár o conteúdo da fossa posterior<br />

noforame magno é chamado "cone de pressão"11' (Fig. 9-7).<br />

Síndromes Clínicas de Herniação. As características clínicas das<br />

ndromes de herniação podem ajudar a identificar um doente<br />

que esteja herniando. Tradicionalmente, como mencionado<br />

nteriormente, a herniação uncal frequentemente produzirá<br />

lilatação ou lentidão na resposta da pupila a estímulo ipsila-<br />

1. Alterações motoras também podem acompanhar a her¬<br />

niação. Fraqueza contralateral pode estar associadaiiherniação<br />

ncal. Uma herniação mais extensa pode causar a destruição<br />

de estruturas no tronco cerebral conhecidas como núcleo rubro<br />

ou núcleos vestibulares. Isso pode resultar em uma postura de<br />

korticação, caracterizada por ilexão dos membros superiores<br />

e rigidez e extensão dos membros inferiores. Um achado mais<br />

grave é a postura de descerebração, na qual todos os membros<br />

ficam estendidos, e pode ocorrer o arqueamento da coluna. A<br />

slura de descerebração é observada em casos de lesão do<br />

tronco encefálico. Após a herniação, pode haver um evento<br />

ninai, e os membros apresentam flacidez, e há ausência de<br />

ilividade motora. 1/110<br />

Nos estágios finais, a herniação frequentemente produz<br />

adrões ventilatories anormais ou apneia, com piora cla hipoxia<br />

bníveis sanguíneos de C02 significativamente alterados. A ven¬<br />

tilação de Cheyne-Stokes é caracterizada por um ciclo repetido<br />

de respirações lentas e superficiais, que ficam mais profundas<br />

> mais rápidas e, então, voltam a ficar" mais lentas e superfi¬<br />

ciais. Podem ocorrer breves períodos de apneia entre os ciclos.<br />

A hiperventilação central neurogênica refere-se a respirações<br />

Bundas,rápidas; respirações aláxicas referem-se aos esforços<br />

Crânio<br />

Cérebro<br />

Edema<br />

provocando<br />

herniação<br />

&<br />

)<br />

Cerebelo / Forame magno<br />

Nervo oculomotor (NC III)<br />

3URA9-7 O crânio é uma grande estrutura óssea<br />

[çje abriga o cérebro. Caso o cérebro sofra expansão em<br />

corrência de edema, ou caso ocorra hemorragia no crânio<br />

lyje o pressione, não há como sair do crânio.<br />

ventilatórios erráticos sem qualquer padrão discernível. A fun¬<br />

ção respiratória espontânea cessa com a compressão do tronco<br />

cerebral, um resultado final comum para a herniação."'<br />

A medida que se desenvolve a hipoxia tecidual no cérebro,<br />

são ativados reflexos em uma tentativa de manter a oxigena¬<br />

ção cerebral. Para superar a elevação da PIC, o sistema nervoso<br />

autónomo é ativado para aumentar a pressão arterial sistémica<br />

e, portanto, a PAM, para manter uma PPC normal. A pressão<br />

sistólica pode alcançar 250 mmHg. No entanto, à medida que<br />

os barorreceplores nas artérias carótidas e no arco aórtico per¬<br />

cebem um grande aumento na pressão arterial, são enviadas<br />

mensagens ao tronco cerebral para ativar o sistema nervoso<br />

parassimpático. Os sinais seguem pelo décimo par craniano, o<br />

nervo vago, para diminuir a frequência cardíaca. O fenómeno<br />

de Cushing consiste nessa combinação fatal de aumento acen¬<br />

tuado da pressão arterial com a bradicardia resultante que pode<br />

ocorrer com aumentos acentuados da PIC.<br />

Isquemia e Herniação.As síndromes de herniação descrevem como<br />

o cérebro edemaciado, por estar contido em um espaço total¬<br />

mente fechado, pode apresentar dano mecânico. No entanto, a<br />

PIC elevada em decorrência do edema cerebral também pode<br />

causar lesões ao cérebro ao criar isquemia cerebral em conse¬<br />

quência da diminuição da oxigenação resultante. A medida que<br />

o edema cerebral aumenta, a PIC também aumenta. Como PPC<br />

= PAM- PIC, à medida que a PIC aumenta, a PPC diminui. Por¬<br />

tanto, aumentos da PIC põem em risco o FSC. Além da lesão<br />

mecânica do cérebro, o edema cerebral também pode causar<br />

lesões isquêmicas, que se somam às agressões isquêmicas que o<br />

cérebro pode sofrer por outras causas como, por exemplo, hipo¬<br />

tensão sistémica.<br />

Para complicar ainda mais, à medida que essas agressões<br />

mecânicas e isquêmicas criam lesões no cérebro, elas produ¬<br />

zem mais edema cerebral. Dessa forma, o edema cerebral pode<br />

produzir lesões que criam mais edema cerebral, o que, por sua<br />

vez, produz mais lesões e edema, em uma queda vertiginosa que<br />

pode provocar herniação e morte caso não seja interrompida. A<br />

limitação dessa lesão secundária e a quebra desse ciclo de lesão<br />

são o objetivo principal do tratamento da LCT.<br />

Edema Cerebral. O edema cerebral ocorre frequentemente no local<br />

de uma lesão cerebral primária. A lesão das membranas celula¬<br />

res neuronais permite o acúmulo de líquido intracelular den¬<br />

tro dos neurónios danificados e leva ao edema cerebral. Além<br />

disso, a lesão pode causar uma resposta inflamatória que dani¬<br />

fica os neurónios e os capilares cerebrais, que gera acúmulo de<br />

líquidos dentro dos neurónios, bem como dentro dos espaços<br />

intersticiais, e leva ao edema cerebral. A medida que o edema<br />

se desenvolve, as lesões mecânicas e isquêmicas descritas pre¬<br />

viamente ocorrem, o que agrava esses processos e causa mais<br />

edema e lesão.<br />

O edema cerebral pode ocorrer associado ou ser o resultado<br />

de hematomas intracranianos, em consequência de lesões do<br />

parênquima cerebral na forma de trauma fechado cerebral, ou o<br />

resultado de lesão difusa do cérebro em consequência de hipo¬<br />

xia ou hipotensão.<br />

Hematomas Intracerebrais.No trauma, o efeito de massa é causado<br />

pelo acúmulo real de sangue no espaço intracraniano. Hemato-


226 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

mas intracranianos, como, por exemplo, hematomas epidurals,<br />

subdurais ou intracerebrais, são as principais fontes de efeito de<br />

massa. Como o efeito de massa desses hematomas é causado por<br />

seu tamanho, a remoção rápida deles pode quebrar o ciclo de<br />

edema e lesão descrito anteriormente. Infelizmente, esses hema¬<br />

tomas em geral têm edema cerebral associado, e são necessários<br />

outros meios, além da remoção do hematoma, para interromper<br />

o ciclo de lesão e edema (hematomas cerebrais específicos serão<br />

descritos posteriormente).<br />

Hipertensão Intracraniana. A hipertensão intracraniana ocorre<br />

porque o edema cerebral acontece em um espaço fechado. A<br />

medida da P1C é uma forma de quantificar e avaliar o grau de<br />

edema cerebral. São colocados monitores da PIC para permitir<br />

que os médicos quantifiquem o edema cerebral, avaliem o risco<br />

de herniação e monitorem a eficácia do tratamento destinado a<br />

combater o edema cerebral. Nesse sentido, a PIC elevada é um<br />

sinal de edema cerebral.<br />

Uma vez que a PIC elevada, ou hipertensão intracraniana, é<br />

parte do ciclo descrito previamente, ela também produz lesões<br />

cerebrais na forma de compressão mecânica e lesões isquêmicas<br />

e hipóxicas ao cérebro. Por isso, a PIC é em geral correlamente<br />

considerada tanto um sintoma quanto uma causa de edema<br />

cerebral.<br />

O monitoramento da PIC não está disponívelrotineiramente<br />

no ambiente pré-hospitalar, mas a sua compreensão e as razões<br />

para seu controle podem ajudar os socorristas na tomada de<br />

decisão em um doente com lesão cerebral.<br />

Causas Extracranianas<br />

Hipotensão. Como se sabe há muito tempo, a isquemia cerebral é<br />

comum em casos de lesão craniana. Evidências de isquemia são<br />

encontradas em 90% dos doentes que morrem por LCT, e mui¬<br />

tos dos que sobrevivem têm evidências de lesão isquêmica.19<br />

Portanto, o impacto da diminuição do FSC sobre o prognóstico<br />

da LCT tem sido um foco primário na limitação de lesão secun¬<br />

dária após LCT.<br />

Na base de dados sobre LCT nos Estados Unidos, os dois<br />

indicadores principais de um prognóstico ruim em LCT eram<br />

a quantidade de tempo gasta com uma PIC acima de 20 mrnHg<br />

e com uma PAS abaixo de 90 mmHg. Na verdade, um único epi¬<br />

sódio de PAS abaixo de 90 mmHg pode levai" a um prognós¬<br />

tico mais reservado.20 Vários estudos confirmaram o profundo<br />

impacto da PAS baixa sobre o prognóstico após LCT.<br />

Muitos doentes com LCT apresentam outras lesões, que geral¬<br />

mente apresentam hemorragia e subsequente queda da pressão<br />

arterial. Uma reposição volêmica agressiva nesses doentes, em um<br />

esforço concentrado para manter a PAS acima de 90 mmHg, é essen¬<br />

cial para limitar a lesão secundária ao cérebro, que pode ser produ¬<br />

zida quando não se atinge esse objetivo.<br />

Além de hemorragia, um segundo iator ameaça o FSC após<br />

LCT, especialmente nas lesões mais graves. Um FSC cortical<br />

típico é de 50 ml/100 g de cérebro/minuto. Após LCT grave, esse<br />

valor pode reduzir-se a 30 ml ou até mesmo 20 ml/100 g/minuto<br />

nas lesões mais graves. Ainda não está claro como isso ocorre<br />

exatamente. Esse declínio no FSC pode ser causado por perda<br />

da autorregulação ou pode ser um mecanismo protetor para ten¬<br />

tar regular em um nível inferior todo o cérebro em resposta ao<br />

trauma.. Qualquer que seja a causa, esse efeito, adicionado;<br />

impacto do choque hemorrágico, compõe a ameaça isquêmid<br />

ao cérebro."-20,21<br />

Além disso, como observado anteriormente, a autorreg<br />

ção no cérebro lesionado está comprometida. Como resultai<br />

é necessária uma PPC maior para manter um FSC adequai<br />

Áreas gravemente lesionadas do cérebro podem pralicamen;<br />

perder a capacidade de autorregulação. Nessas áreas, os va<br />

sanguíneos dilatam-se, causando hiperemia e direcionamel<br />

(shunt) do sangue para as áreas do cérebro lesionado mais atuj<br />

gidas e, possivelmente, desviando-o de áreas que ainda po<br />

riam ser salvas por perfusão adequada.22'2,1 Por fim, a hiperve<br />

tilação agressiva pode ameaçar ainda mais o FSC e comporij<br />

ameaça isquêmica ao contrair os vasos sanguíneos.<br />

Essa combinação de infrarregulação fisiológica, des<br />

[shunt] e choque hemorrágico cria múltiplas ameaças isquêni<br />

cas ao cérebro e faz com que o tratamento agressivo da hip<br />

tensão seja uma parte essencial do tratamento de LCT. Por is<br />

uma abordagem agressiva no ambiente pré-hospitalar, coraj<br />

reposição volêmica tendo como objetivo manter a PAS acima!<br />

90 mmHg, é essencial para limitar lesões secundárias no doe<br />

com lesão cerebral.<br />

Hipoxia. Um dos substratos mais cruciais levados ao céri<br />

lesionado pela circulação é o oxigénio. Pode ocorrer danoi<br />

bral irreversível após somente quatro a seis minutos de<br />

xia cerebral. Estudos demonstraram um impacto signiíícatirj<br />

de uma saturação de oxigénio abaixo de 90% em doentes (<br />

LCT.2,5'14 Um número significativo de doentes com LCT não|<br />

reanimado adequadamente na cena.1'1 Além disso, vários i<br />

dos demonstraram que números significativos de vítimas <<br />

LCT se apresentam com saturação de CL baixa ou inadequad<br />

A ênfase nos cuidados pré-hospilalar.çs com a via aérea e nao<br />

genação em doentes com lesão cerebral foi parcialmente:<br />

tado desses estudos.<br />

Um trabalho muito bem feito com monitores da oxigcn<br />

do tecido cerebral demonstrou o impacto do choque hen<br />

rágico sobre a oxigenação cerebral. A limitação da hipoten<br />

é um componente fundamental para assegurar que o córt<br />

receba um aporte adequado de oxigénio durante a fase<br />

lesão.2'1<br />

Hemorragias são comuns em doentes com LCT e cau<br />

não apenas choque, como também perda de sangue e, porta<br />

de hemoglobina.<br />

Para que o sangue oxigenado chegue ao cérebro, os puln<br />

devem estar funcionando adequadamente, o que geralma<br />

não ocorre após traumas. Doentes com via aérea inadcqu<br />

aspiração de sangue ou conteúdo gástrico, contusões pu<br />

nares ou pneumotórax têm uma patologia que irá interferir]<br />

função respiratória e na capacidade de transferir oxigénio<br />

atmosfera para o sangue. Além de assegurar transporte deo.vii]<br />

nio ao cérebro através de hemoglobina e circulação adequai<br />

os socorristas devem assegurar uma boa oxigenação através]<br />

via aérea permeável e com ventilação adequada.<br />

Como ocorre com a hipotensão, a limitação agressiva]<br />

hipoxia cerebral com controle adequado da via aérea, da vq<br />

lação e da circulação é essencial para limitar as lesões cerei:<br />

secundárias.


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 227<br />

Anemia. A capacidade de condução de oxigénio pelo sangue<br />

também é crucial para a oxigenação do cérebro; essa capacidade<br />

é determinada pela quantidade de hemoglobina contida no san¬<br />

gue. Uma queda de 50% da hemoglobina tem um efeito bem<br />

mais profundo sobre a oxigenação do cérebro do que uma queda<br />

de 50% da P02. Por isso, a anemia pode ter um impacto sobre o<br />

prognóstico da LCT.<br />

Hipocapnia e Hipercapnia. Como anteriormente discutido neste<br />

capítulo, tanto a hipocapnia (menor PaC02) quanto a hipercap¬<br />

nia (maior PaC02) podem piorar a lesão cerebral. Quando há<br />

vasoconstrição cerebral decorrente da hipocapnia significativa,<br />

o FSCé comprometido, reduzindo o suprimento de oxigénio ao<br />

órgão. A hipercapnia pode ser resultante, por muitos mecanis¬<br />

mos, da hipoventilação, incluindo a intoxicação por drogas ou<br />

álcool e os padrões ventilatórios anormais observados em doen¬<br />

tes com maior PIC. A hipercapnia causa vasodilatação cerebral,<br />

o que leva ao aumento da PIC.<br />

Hipoglicemia e Hiperglicemia. A hipotensão aumenta acentuada¬<br />

mente a probabilidade de diminuição do FSC. À medida que<br />

o FSC diminui, a oxigenação do cérebro também diminui, e o<br />

mesmo ocorre com a liberação de glicose e de outros metabólitos<br />

necessários ao cérebro. Os efeitos epidemiológicos da queda<br />

da PAS e a fisiologia da baixa oxigenação do cérebro foram bem<br />

estudados. No entanto, o uso de glicose pelo cérebro lesionado<br />

i impacto da utilização e liberação de glicose sobre o cérebro<br />

sionado ainda são objelos de pesquisas.<br />

As pesquisas disponíveis, no entanto, oferecem uma visão<br />

fascinante sobre a resposta do cérebro à lesão. Parece que, após<br />

uma lesão craniana, o metabolismo cerebral da glicose pode<br />

desordenar-se, de formas complexas. Algumas evidências indi¬<br />

cam que o metabolismo da glicose, e, portanto, a necessidade<br />

cerebral de glicose, aumentam após uma lesão craniana grave,<br />

causando um descompasso entre a liberação e a utilização de<br />

| glicose.25'27<br />

Por outro lado, há dados clínicos e laboratoriais confiáveis<br />

em doentes de AVC que mostram que doentes cujas glicemias<br />

emianeceram elevadas por longos períodos na unidade cle<br />

tratamento intensivo (UTI) podem ter áreas maiores de inlarto<br />

euma resposta à reanimação menos eficaz na porção cie cére¬<br />

bro passível cie recuperação do que doentes cuja glicose é mais<br />

bem controlada. Estudos limitados parecem indicar que esses<br />

1 mesmos fatores estão presentes na isquemia em decorrência de<br />

craniana. Glicemias elevadas em doentes com LCT tam-<br />

|bém foram associadas a um pior prognóstico neurológico.<br />

Tanto os aumentos (hiperglicemia) quanto as diminuições<br />

hipoglicemia) da glicemia podem pôr em risco o tecido cerebral<br />

squêmico. O impacto desastroso da hipoglicemia acentuada<br />

sobre o sistema nervoso durante a lesão e em outros momentos<br />

ébem conhecido. Os neurónios são incapazes de estocar açúcar<br />

eprecisam de um fornecimento contínuo de glicose para efetuarem<br />

o metabolismo celular. Na ausência de glicose, os neurónios<br />

isquêmicos podem ser danificados de forma permanente. No<br />

entanto, também é verdade que uma glicemia prolongada acima<br />

ile 150 mg/dl, e provavelmente acima de 200 mg/dl, possa ser<br />

[danosa ao cérebro lesionado e deva ser evitada.20'"9<br />

No ambiente pré-hospitalar, deve ser dada ênfase no comte<br />

à hipoglicemia, pois a ameaça fisiológica decorrente do<br />

nível baixo deLaçúcar é bem mais imediata do que a da glicemia<br />

elevada. A dosagem da glicemia deve ser realizada no pré-hospi¬<br />

talar, se possível, em todos os doentes que apresentam alteração<br />

do estado mental; caso a glicemia seja baixa, a administração de<br />

glicose deve ser iniciada. Além disso, qualquer hiperglicemia<br />

induzida tende a ser transitória, e o controle rigoroso da glicose<br />

necessário ao tratamento destes doentes será adequadamente<br />

estabelecido após a internação.<br />

Convulsões. Um doente com LCT aguda corre risco de apresen¬<br />

tar convulsões por inúmeras razões. A hipoxia decorrente de<br />

problemas tanto na via aérea como na ventilação pode induzir<br />

convulsões generalizadas, assim como a hipoglicemia e as alte¬<br />

rações eletrolíticas. O tecido cerebral isquêmico ou lesionado<br />

pode ser foco irritável e produzir convulsões do tipo grande mal<br />

ou estado epilético. As convulsões, por sua vez, podem agra¬<br />

var a hipoxia preexistente decorrente de alteração da função<br />

respiratória. Além disso, atividade cerebral maciça associada<br />

a convulsões generalizadas esgota rapidamente o oxigénio e a<br />

glicose, piorando ainda mais a isquemia cerebral.<br />

Avaliação<br />

Uma rápida avaliação da biomecânica do trauma, combinada<br />

com uma rápida e eficiente análise primária, ajudará a identifi¬<br />

car problemas com potencial risco de vida em um doente com<br />

suspeita de LCT.<br />

Biomecânica<br />

Como em todas as vítimas de trauma, a avaliapão deve incluir<br />

considerações sobre o mecanismo da lesão. Devido ao fato de<br />

muitos doentes com LCT grave apresentarem alteração do nível<br />

de consciência (NC), dados importantes sobre a biomecânica<br />

devem ser obtidos por meio da observação da cena ou do relato<br />

de testemunhas. O para-brisa do veículo ocupado pela vítima<br />

pode apresentar aspecto de "teia de aranha", sugerindo impacto<br />

da cabeça da vítima contra ele, ou um objeto sujo de sangue que<br />

foi usado como arma em um assalto pode estar presente na cena.<br />

Um impacto lateral na cabeça pode provocar Iratura de crânio,<br />

com lesão da artéria meníngea média, causando hematoma<br />

epidural, ou lesão de golpe/contragolpe, com lesão venosa e<br />

hemorragia subdural. Esta informação importante deve ser rela¬<br />

tada à equipe de emergência do hospital, pois pode ser crucial<br />

para o diagnóstico e tratamento adequado do doente.<br />

Análise Primária<br />

Via Aérea<br />

A permeabilidade da via aérea deve ser examinada e assegu¬<br />

rada. Em doentes inconscientes, a língua pode obstruir com¬<br />

pletamente a via aérea. A respiração ruidosa indica obstrução<br />

parcial que pode ser provocada pela língua ou por um corpo<br />

estranho. Vómito, hemorragia e edema decorrentes de trauma<br />

facial são comuns e podem comprometer a via aérea de um<br />

doente com LCT.


228 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Ventilação<br />

A avaliação da função respiratória deve incluir a observação da<br />

frequência ventilatória, profundidade e eficiência da respira¬<br />

ção. Como já mencionado, alguns padrões respiratórios anor¬<br />

mais podem resultar de trauma craniano grave. Em vítimas de<br />

trauma multissistêmico, lesões torácicas podem comprometer<br />

tanto a ventilação quanto a oxigenação. Fraturas da coluna cer¬<br />

vical ocorrem em cerca de 2% a 5% dos doentes com LCT e<br />

podem interferir de forma significativa na ventilação.<br />

A oxigenação adequada do cérebro lesionado é parte essen¬<br />

cial dos esforços para limitar a lesão cerebral secundária. O<br />

insucesso em manter a saturação de oxigénio da hemoglobina<br />

(SaO.,) acima de 90% provavelmente levará a um pior prognós¬<br />

tico em doentes com lesão cerebral; a manutenção de uma Sa02<br />

acima de 90% é fundamental. A avaliação da via aérea e do<br />

esforço respiratório é crucial nos estágios iniciais do tratamento<br />

da LCT.<br />

Circulação<br />

Como observado anteriormente, a manutenção da PAS acima de<br />

90 mmHg é essencial para limitação da lesão cerebral secundá¬<br />

ria nas vítimas de LCT. Portanto, o controle de hemorragias e a<br />

prevenção e o tratamento do choque são cruciais. O socorrista<br />

deve observar a presença e, se possível,quantificar a hemorragia<br />

externa evidente. Na ausência de perda sanguínea-externa signi¬<br />

ficativa, a presença de pulso rápido e fraco em vítima de trauma<br />

fechado pode indicar hemorragia interna significativa para o<br />

espaço pleural, peritônio, retroperitônio ou em tecidos moles<br />

adjacentes a fraturas de ossos longos com risco de vida. Em lac¬<br />

tente que ainda apresente as fontanelas abertas, pode ocorrer<br />

perda sanguínea para o interior do crânio suficiente para produ¬<br />

zir choque hipovolêmico. Um pulso lento e forte pode resultar<br />

de hipertensão intracraniana e indica uma herniação iminente<br />

(fenómeno de Cushing). Em doente com lesões com risco de<br />

vida potencial, o transporte não deve ser retardado para aferição<br />

da pressão arterial, mas esta deve ser realizada durante o trans¬<br />

porte assim que possível.<br />

Disfunção neurológica<br />

Durante a análise primária e após ter iniciado as medidas apro¬<br />

priadas para tratar as alterações identificadas na via aérea, na<br />

ventilação e na circulação, deve ser calculada a linha basal do<br />

escore da escala de coma de Glasgow para avaliação mais pre¬<br />

cisa do nível de consciência do doente (Fig. 9-8). Como descrito<br />

no Capítulo 6, o escore da escala de coma de Glasgow é calcu¬<br />

lado usando-se a melhor resposta do doente quanto a abertura<br />

ocular, resposta verbal e resposta motora. Cada componente do<br />

escore deve ser individualmente registrado, em vez da docu¬<br />

mentação de apenas um total, de modo que alterações específi¬<br />

cas possam ser observadas com o passar do tempo. Se o doente<br />

não apresentar abertura ocular espontânea, deve ser usado um<br />

comando verbal (p. ex., "Abra seus olhos!"). Se não responder<br />

ao comando verbal, deve ser aplicado um estímulo doloroso,<br />

como exercer pressão no leito ungueal com uma canela ou aper¬<br />

tar a dobra da região axilar anterior.<br />

A resposta verbal do doente pode ser avaliada usando ques¬<br />

tões como "O que aconteceu com você?". Se plenamente orien¬<br />

tado, o doente irá fornecer uma resposta coerente. Do contrário,<br />

a resposta verbal pode ser considerada confusa, inapropriada,<br />

FIGURA 9.-8<br />

Avaliação<br />

Escala de Coma de Glasgow<br />

ABERTURA OCULAR<br />

Pontos<br />

Abertura ocular espontânea<br />

E<br />

Abertura ocular sob comando verbal 3<br />

1<br />

Abertura ocular sob estímulo doloroso 2<br />

Sem abertura ocular<br />

MELHOR RESPOSTA VERBAL<br />

Respostas adequadas (orientado) 5<br />

Respostas confusas 4<br />

Respostas inapropriadas 3<br />

Sons ininteligíveis 2<br />

Sem resposta verbal 1<br />

MELHOR RESPOSTA MOTORA<br />

Obedece a comandos 6<br />

Localiza estímulos dolorosos 5<br />

Retira o membro à dor (movimento não<br />

localizado à dor) )<br />

Responde com flexão anormal aos estímulos<br />

dolorosos (decorticação)<br />

Responde com extensão anormal aos estímulos<br />

dolorosos (descerebração)<br />

Sem resposta motora 1<br />

Observe que a menor pontuação possível é 3, e a maior é 15.<br />

ininteligível ou ausente. Se o doente estiver intubado, o escort<br />

é calculado apenas pela abertura ocular e resposta motora,!<br />

a letra "T" é acrescentada ao valor deste escore para relatar;<br />

impossibilidade de avaliar a resposta verbal, como, por exem¬<br />

plo, "8T".<br />

O último componente da escala de coma de Glasgow é;|<br />

resposta motora. Um comando simples e claro deve ser c<br />

ao doente, tal como "Levante dois dedos!" ou "Faça um sina!|<br />

de positivo!". O doente que aperta o dedo do socorrista pod: j<br />

apenas estar demonstrando um reflexo em vez de responde:<br />

propositadamente ao comando. Um estímulo doloroso deve<br />

ser empregado se o doente não tiver respondido ao comando!<br />

e a melhor resposta motora deve ser registrada. Devemos con-l<br />

siderar que um doente localiza o estímulo doloroso quando elel<br />

tenta retirar o estímulo. Outras respostas possíveis ao estímulo!<br />

doloroso incluem retirada ao estímulo, flexão anormal (decoiticação)<br />

ou extensão anormal (descerebração) das extremidade:!<br />

superiores, ou ausência de função motora.<br />

As pupilas devem ser examinadas rapidamente quanto;!<br />

simetria e resposta ao estímulo luminoso. Uma diferença maio:<br />

4<br />

3<br />

2<br />

I


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 229<br />

que 1mm no tamanho das pupilas é considerada anormal. Uma<br />

considerável percentagem da população apresenta anisocoria,<br />

pupilas de tamanhos diferentes, que pode ser tanto de causa<br />

congénita como adquirida por trauma ocular. No local de aten¬<br />

dimento, nem sempre é possível distinguir uma irregularidade<br />

pupilar causada por trauma de uma anisocoria pós-traumática,<br />

congénita ou preexistente. As pupilas assimétricas sempre<br />

devem ser tratadas como secundárias ao trauma agudo, até<br />

que o exame adequado exclua edema cerebral ou lesão nervosa<br />

motora ou oftálmica.30<br />

Exposição/Ambiente<br />

Doentes que sofrem LCT frequentemente apresentam outras<br />

lesões que ameaçam a vida e os membros, bem como o cére¬<br />

bro. Todas essas lesões devem ser identificadas. Todo o corpo<br />

da vítima deve ser examinado em busca de outras lesões graves<br />

ecom risco potencial para a vida.<br />

Análise Secundária<br />

Assim que as lesões com risco de vida tiverem sido identifica¬<br />

das e tratadas, uma análise secundária completa deve ser reali¬<br />

zada, se o tempo assim o permitir. A cabeça e a face do doente<br />

devem ser palpadas cuidadosamente à procura de ferimentos,<br />

depressões ou crepitações. A saída de fluido claro pelo iiariz ou<br />

pelo ouvido pode ser LCR. Quando colocado em chumaço de<br />

gaze ou tecido, o LCR pode separar-se do sangue, produzindo<br />

um "halo" amarelado característico. Embora um halo positivo<br />

nem sempre seja causado por LCR, esse é um teste excelente<br />

para ser utilizado no local, caso o tempo permita, pois ele alerta<br />

osocorrisla sobre a possibilidade de extravasamento de LCR."<br />

0 tamanho e a resposta pupilar à luz devem ser reavalia¬<br />

dos nesse momento. Devido à incidência de fraturas da coluna<br />

cervical em doentes com LCT, como descrito anteriormente, o<br />

pescoço deve ser examinado para identificar dor e deformida¬<br />

des ósseas.<br />

Emdoente cooperativo, um exame neurológico mais meticu¬<br />

loso deve também ser realizado. Isso inclui a avaliação dos ner¬<br />

vos cranianos, da sensibilidade e da função motora em todos os<br />

membros. Déficits neurológicos, como a hemiparesia (fraqueza)<br />

ou a hemiplegia (paralisia), presentes em apenas um lado do<br />

corpo, são considerados "sinais de lateralização" e tendem a<br />

indicara ocorrência de uma LCT.<br />

a análise primária e a avaliação do escore na escala de coma de<br />

Glasgow devem ser repetidos em intervalos frequentes. Doentes<br />

cujo escore na escala de coma de Glasgow piora em mais de<br />

dois pontos durante o transporte têm um risco particularmente<br />

elevado de um processo patológico em andamento. '1,), u"1'1 Esses<br />

doentes devem ser transportados rapidamente até um hospital<br />

adequado. O hospital irá utilizar a variação no escore durante o<br />

transporte no tratamento inicial do doente. Variações no escore<br />

na escala de coma de Glasgow ou dos sinais vitais devem ser<br />

relatadas para a equipe do hospital de destino e documentadas<br />

na ficha do doente. Respostas ao tratamento realizado também<br />

devem ser registradas.33<br />

Lesões Específicas da<br />

Cabeça e do Pescoço<br />

Couro Cabeludo<br />

Conforme observado na seção sobre anatomia, o couro cabeludo<br />

é composto de várias camadas de tecido e é altamente vascularizado;<br />

até mesmo uma pequena laceração pode causar hemor¬<br />

ragia abundante. Lesões mais complexas, como uma lesão de<br />

desluvamento, em que uma grande área do couro cabeludo é<br />

arrancada do crânio, podem causar choque hipovolêmico e até<br />

mesmo exsanguinação (Fig. 9-9). Esses tipos de lesões geral¬<br />

mente ocorrem em ocupantes dos bancos dianteiros de um<br />

veículo, sem cinto de segurança, cujas cabeças batem no parabrisa,<br />

e em trabalhadores com cabelos longos que ficam presos<br />

em maquinário. Um grande impacto na cabeça pode causar um<br />

hematoma do couro cabeludo, que pode ser confundido com<br />

uma fratura do crânio com afundamento durqnte a palpação do<br />

couro cabeludo.<br />

Histórico<br />

0 socorrista deve obter informações SAMPLA (sintomas, alers,<br />

medicações, passado mórbido, líquidos e última refeição,<br />

ambiente) do doente, dos familiares ou de testemunhas. Diates<br />

melito, distúrbios convulsivos e intoxicações por drogas<br />

iálcool podem imitar uma LCT. Qualquer evidência do uso<br />

ou overdose de drogas deve ser relatada. O doente pode ter um<br />

| histórico de trauma craniano prévio e pode queixar-se de dor de<br />

;a recorrente ou persistente, distúrbios visuais, náuseas e<br />

vómitos ou dificuldade de fala.32<br />

Exames Seriados<br />

Cerca de 3% dos doentes com trauma de crânio leve (escore na<br />

escalade coma de Glasgow = 14-15) podem sofrer inesperada<br />

deterioração do seu nível de consciência. Durante o transporte,<br />

FIGURA 9-9 Lesões extensas do couro cabeludo podem<br />

causar hemorragia externa intensa.


230 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Fraturas de Crânio<br />

As fraturas de crânio podem resultar tanto de trauma fechado<br />

como de trauma penetrante. As fraturas lineares correspon¬<br />

dem a cerca de 80% das fraturas de crânio; entretanto, um forte<br />

impacto pode produzir uma fratura com afundamento de crâ¬<br />

nio, na qual fragmentos ósseos são direcionados ao cérebro ou<br />

penetram no tecido cerebral subjacente (Fig. 9-10). Embora fra¬<br />

turas lineares simples possam ser diagnosticadas somente por<br />

meio de estudo radiológico, fraturas com afundamento podem<br />

ser palpadas durante exame físico cuidadoso. Fratura de crânio<br />

fechada e sem afundamento por si só é de pouco significado<br />

clínico, mas a sua presença aumenta muito o risco de hematoma<br />

intracraniano. Fraturas de crânio fechadas com afundamento<br />

podem necessitar de intervenção neurocirúrgica. Fraturas<br />

expostas de crânio podem resultar de impacto particularmente<br />

forte ou ferimento por arma de fogo e servem como porta de<br />

entrada para bactérias, predispondo o doente à meningite.. Se a<br />

dura-máter estiver lesionada, o tecido cerebral ou LCR podem<br />

extravasar pela fratura exposta do crânio. Devido ao risco de<br />

meningite, esses ferimentos precisam de avaliação neurocirúr¬<br />

gica imediata.<br />

Deve-se suspeitar de fraturas de base do crânio se hou¬<br />

ver drenagem de LCR pelo nariz ou pelos ouvidos. Equimose<br />

periorbital ("olhos de guaxinim") e sinal de Battle, em que se<br />

observa equimose na região retroauricular sobre o mastoide, fre¬<br />

quentemente estão presentes quando ocorrem fraturas da base<br />

do crânio, embora estes sinais demorem algumas horas após a<br />

lesão para se tornar aparentes.<br />

à<br />

FIGURA 9-10 Reconstrução em 3D de uma fratura do crânio<br />

com afundamento depois de uma agressão.<br />

Lesões Faciais<br />

As lesões da face variam de pequenos traumas de tecidos<br />

moles a lesões graves associadas a comprometimento da via<br />

aérea ou choque hipovolêmico. A via aérea pode ser afetada<br />

por alterações estruturais causadas pelo trauma ou pela pre¬<br />

sença de líquidos ou de outros objetos na própria via aérea,<br />

As alterações estruturais podem resultar de deformidades dos<br />

ossos faciais fraturados ou de hematomas que se desenvolvem<br />

nos tecidos. Como a cabeça possui uma alta concentração de<br />

vasos sanguíneos, muitas lesões nessa região produzem uma<br />

hemorragia importante. O sangue e os coágulos sanguíneos<br />

podem interferir na permeabilidade da via aérea. O trauma<br />

facial está frequentemente associado a alterações no nível de<br />

consciência e até mesmo a lesão cerebral grave. O trauma da<br />

face pode produzir fraturas ou deslocamento de dentes para<br />

dentro do lúmen da via aérea. As LCT, assim como a grande<br />

deglutição de.sangue associada às lesões faciais, podem causar<br />

vómitos, o que também leva à obstrução da via aérea.<br />

Trauma Ocular e Orbital<br />

Lesões das estruturas da órbita e do olho não são incomuns<br />

e tendem a ser resultantes do trauma facial direto, seja ele<br />

intencional (ataque) ou não. Embora lesões no globo ocular<br />

não sejam observadas com frequência, sua presença deve ser<br />

verificada em todos os casos de trauma facial e orbital, já que<br />

seu tratamento adequado pode salvar a visão do doente.<br />

Laceração Palpebral. No ambiente pré-hospitalar, a laceração<br />

palpebral deve levar a uma grande suspeita de perfuração do<br />

globo ocular. O tratamento pré-hospitalar consiste na coloca¬<br />

ção imediata de um protetor rígido (e NÃO de uma bandagem<br />

com pressão) sobre a órbita óssea. A preocupação inicial é<br />

evitar qualquer pressão sobre o olho .que pudesse causar mais<br />

danos, forçando a saída do conteúdo intraocular por uma lace¬<br />

ração corneana ou esclerótica.<br />

Abrasão da Córnea. Uma abrasão da córnea é a ruptura da pro¬<br />

teção epitelial da córnea. Essa abrasão provoca dor intensa,<br />

lacrimejamento, sensibilidade à luz (fotofobia) e maior suscetibilidade<br />

a infecções até que a lesão cicatrize (em cerca<br />

2 a 3 dias). De modo geral, há histórico de trauma anterior:<br />

ou uso cle lentes de contato. O tratamento pré-hospitalar desta<br />

lesão, em ambiente urbano, é a colocação de curativo, tampão<br />

ou óculos escuros, para redução do desconforto causado pela<br />

sensibilidade à luz.<br />

Hemorragia Subconjuntival. A hemorragia subconjuntival é obser¬<br />

vada como uma brilhante área vermelha sobre a esclera, resul¬<br />

tante da hemorragia entre esta e a conjuntiva (Fig. 9-11). Esta<br />

hemorragia é facilmente visível sem uso de lanterna. A lesão é<br />

inócua e resolve-se em dias a semanas, sem tratamento. Na pre-:<br />

sença de trauma prévio, deve-se prestar atenção à presença de<br />

outra lesão mais grave. É importante notar que, se a hemorragia<br />

provocar grande aumento cle volume da conjuntiva (quemose),<br />

deve-se suspeitar de ruptura oculta do globo ocular. O trata¬<br />

mento pré-hospitalar desta lesão consiste apenas no transporte<br />

do doente ao hospital, para que o diagnóstico possa ser confir¬<br />

mado e outras alterações associadas sejam descartadas.


j<br />

Perfuração do Globo. Em caso de histórico de trauma, se a inspeido<br />

olho sob luz direta revelar que o globo está obviamente<br />

urado, o exame deve ser interrompido, e uma proteção<br />

rígida é colocada sobre a estrutura óssea que envolve o olho, a<br />

bita. NÃO use bandagens compressivas nem qualquer medi-<br />

[ cação tópica. Existem duas preocupações importantes no tranento<br />

desta lesão. A primeira é minimizar a manipulação e<br />

npodir a ocorrência de novo trauma, já que isso pode aumentar<br />

[apressão intraocular, levando à expulsão do conteúdo intraocu¬<br />

lar através da lesão na córnea ou na esclera. A segunda é pre-<br />

venir o desenvolvimento de endoflalmile pós-traumática, uma<br />

ifecção dos humores aquoso e vítreo do olho. A endoftalmite<br />

i-traumática está associada a consequências visuais devasta¬<br />

doras, e apenas 30% das vítimas mantêm acuidade visual igual<br />

ou superior a 20/400. O encaminhamento rápido ao hospital é<br />

istificado, para avaliação oftalmológica e reparo cirúrgico.<br />

Uma lesão penetrante no olho, assim como a ruptura do<br />

o, nem sempre é óbvia. Dentre as indicações da ruptura<br />

ulta, incluem-se uma grande hemorragia subconjuntival, com<br />

uemose, coloração escura da úvea (íris colorida) no limbo (junçàoda<br />

córnea e da esclera) ou, além deste, distorção da pupila,<br />

avasamento a partir da lesão epitelial corneana linear ou<br />

ntiforme, mecanismo de lesão (atrito entre objetos metálicos,<br />

npalamento ele.) ou redução da visão. Em caso de suspeita<br />

è perfuração oculta do globo ocular, a vítima deve ser tratada<br />

|como anteriormente descrito para a perfuração óbvia. A aparên-<br />

[ cia relativamente menos grave da lesão não elimina a ameaça de<br />

ndoftalmite, de modo que o rápido encaminhamento ao hospilé,<br />

mais uma vez, justificado.<br />

j<br />

CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 231<br />

FIGURA 9-11 Hemorragia subconjuntival. FIGURA 9-12 Hifema.<br />

Hifema. O termo hifema é definido como a presença de sangue<br />

câmara anterior do globo ocular, entre a íris e a córnea. O<br />

hifema é geralmente observado em casos de trauma recente. O<br />

olho deve ser examinado com a vítima sentada. Em caso de pre¬<br />

sença de uma quantidade considerável de sangue, há acúmulo<br />

na porção inferior da câmara anterior, observado como hifema<br />

em camada (Fig. 9-12). Esse acúmulo pode não ser percebido<br />

quando o doente está em posição supina ou se a quantidade<br />

sangue for muito pequena. Uma proteção ocular deve ser<br />

colocada, e o doente deve ser levado ao hospital sentado (desde<br />

! não haja outra contraindicação), para ser submetido a um<br />

exame oftalmológico completo.<br />

Fraturas Nasais<br />

A fralura dos ossos nasais é a fralura mais comum da face. Den¬<br />

tre as indicações da presença de fratura nasal, incluem-se equi¬<br />

mose, edema, deformidade nasal, aumento do volume e epistaxe.<br />

Ao palpar, a crepitação óssea pode ser observada.<br />

Fraturas da Porção Média da Face<br />

As fraturas da porção média da face podem ser classificadas em<br />

(Fig. 9-13):<br />

n<br />

h<br />

ÿ<br />

A fralura Le ForiIcaracteriza-se por um descolamento<br />

horizontal do maxilar do assoalho nasal. Embora a<br />

passagem de ar através das narinas possa não ser afelada,<br />

a orofaringe pode ser comprometida por um coágulo san¬<br />

guíneo ou edema no palato mole.<br />

A fralura Le Fort II, também conhecida como fratura<br />

piramidal, inclui os maxilares direito e esquerdo, a porção<br />

medial do assoalho da órbita e os ossos nasais. Os seios da<br />

face são bem vascularizados, e essa fralura pode estar<br />

associada a um comprometimento da via aérea em<br />

consequência de hemorragia importante.<br />

A fralura Le Fort IIIcaracteriza-se pela fratura dos ossos<br />

faciais com separação do crânio (disjunção craniofacial).<br />

Em função das forças envolvidas, essa lesão pode estar<br />

associada ao comprometimento da via aérea, à presença<br />

de LCT, a lesões dos duetos lacrimais, à má oclusão dos<br />

dentes e ao vazamento de LCR pelas narinas.<br />

Doentes com uma fratura da porção média da face normal¬<br />

mente apresentam perda da simetria facial normal. A face pode<br />

parecer achatada, e o doente pode ser incapaz de articular a<br />

mandíbula ou os dentes. Caso esteja consciente, o doente pode<br />

queixar-se de dor e insensibilidade facial. À palpação, pode haver<br />

crepitação sobre os locais fraturados.<br />

Fraturas Mandibulares<br />

Após as fraturas dos ossos nasais, as fraturas mandibulares são<br />

as mais comuns dentre as fraturas faciais. Em mais de 50% dos<br />

casos, a mandíbula é fralurada em mais de um local. A queixa<br />

mais comum em doentes com fraturas mandibulares é a má


232 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 9-13 Tipos de fratura Le Fort da porção média da face. A, Fratura Le Fort I. B, Fratura Le Fort II. C, Fratura Le Fort III.<br />

(Modificado de Sheehy S: Emergency Nursing, ed 3, St. Louis, 1992, Mosby.)<br />

oclusão dentária; ou seja, os dentes inferiores e superiores não<br />

mais se encontram no alinhamento usual. A fazer a palpação,<br />

um tipo de deformidade "em degrau" e crepitação podem ser<br />

observados.<br />

Em um doente em posição supina com fratura mandibular,<br />

a língua pode ocluir a via aérea, já que seu suporte ósseo estru¬<br />

tural está comprometido.<br />

Lesões Laríngeas<br />

As fraturas da laringe normalmente são causadas por trauma<br />

contuso na região anterior do pescoço, ou quando a porção ante¬<br />

rior do pescoço do motociclista ou do ciclista é atingida por um<br />

objeto. O doente pode queixar-se de alteração da voz (normal¬<br />

mente um tom mais baixo). À inspeção, o socorrista pode obser¬<br />

var um trauma fechado do pescoço ou a perda da proeminência<br />

da cartilagem tireóide (pomo de adão). Uma fratura da laringe<br />

pode produzir o desenvolvimento de enfisema subcutâneo no<br />

pescoço, que pode ser detectado à palpação. A intubação endotraqueal<br />

geralmente está contraindicada na presença de uma<br />

fratura laríngea, pois esse procedimento pode deslocar segmen¬<br />

tos da fratura. Caso um doente com suspeita de fratura laríngea<br />

tenha comprometimento da via aérea, uma cricolireoidoslomia<br />

cirúrgica pode salvar sua vida.<br />

Lesões dos Vasos Cervicais<br />

Em cada lado da traqueia, há uma artéria carótida e uma vá<br />

jugular interna. As artérias carótidas levam sangue parai<br />

maior parte do cérebro, e as veias jugulares internas drenar.<br />

essa região. Lesões em um desses vasos podem causar hemoi<br />

ragia profunda. Um risco adicional de lesões da veia jugula<br />

interna é a embolia gasosa. Se o doente estiver sentado ouço:<br />

a cabeça elevada, a pressão venosa pode cair abaixo da pressa<br />

atmosférica durante a inspiração, permitindo a entrada de<br />

no sistema venoso. Um grande êmbolo gasoso pode ser fatâ<br />

pois pode interferir tanto na função cardíaca quanto na perfu¬<br />

são cerebral.<br />

Lesões Cerebrais<br />

Concussão Cerebral<br />

O diagnóstico de "concussão" é feito quando um doente cc<br />

trauma mostra qualquer alteração transitória da função neun<br />

lógica. Embora a maioria das pessoas associe a perda de coe<br />

ciência ao diagnóstico de concussão, a perda de consciênciaÈ<br />

ó necessária para se firmar um diagnóstico de concussão; entra<br />

disso, a amnésia pós-lraumática é a característica inconfundm<br />

da concussão. Outras alterações neurológicas incluem:


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 233<br />

b Olhar vago (expressão facial confusa)<br />

a Respostas verbais e motoras demoradas (demora para<br />

responder às perguntas ou para obedecer a instruções)<br />

b Confusão e incapacidade de concentrar a atenção (distrai-se<br />

facilmente e é incapaz de realizar atividades normais)<br />

b Desorientação (anda na direção errada; sem noção de hora,<br />

data e lugar)<br />

b Fala arrastada ou incoerente (faz afirmativas desconexas ou<br />

incompreensíveis)<br />

b Perda de coordenação (tropeça, incapaz de aíidar em linha<br />

reta)<br />

b Emoções inadequadas às circunstâncias (distraído, chora<br />

sem razão aparente)<br />

b Déficits de memória (evidenciada pelo fato de o doente<br />

fazer repetidamente a mesma pergunta que já foi<br />

respondida)<br />

Incapacidade de memorizar e se lembrar (por exemplo, 3<br />

de 3 palavras ou 3 de 3 ohjetos em cinco minutos)<br />

Em todos os doentes com apenas uma simples concussão, a<br />

TC de crânio é normal.<br />

Dor de cabeça intensa, tonturas, náuseas e vómitos frequen¬<br />

temente acompanham uma concussão. Embora a maioria desses<br />

achados dure de várias horas a alguns dias, alguns doentes apre¬<br />

sentam uma síndrome pós-concussão com dores de cabeça, ton¬<br />

turas e dificuldade de concentração por semanas e, até mesmo,<br />

meses após uma concussão grave. Doentes que exibem sinais de<br />

concussão e especialmente doentes com náuseas, vómitos ou<br />

achados neurológicos na análise secundária devem ser imedia¬<br />

tamente transportados para uma avaliação mais detalhada.<br />

Hematoma Intracraniano<br />

Os hematomas intracranianos são divididos em três tipos - epi¬<br />

dural, subdural e intracerebral. Por apresentarem sinais e sin¬<br />

tomas que se sobrepõem, o diagnóstico preciso no ambiente<br />

pré-hospitalar (assim como no pronto-socorro) é quase impos¬<br />

sível, embora o socorrista possa suspeitar de hematoma epidu¬<br />

ral baseado nas características clínicas apresentadas. Mesmo<br />

assim, um diagnóstico definitivo só pode ser feito após a rea¬<br />

lização de tomografia computadorizada no hospital de destino.<br />

Como esses hematomas ocupam espaço dentro do crânio que é<br />

rígido, podem produzir rápido aumento da PIC, especialmente<br />

se forem volumosos.<br />

Hematoma Epidural. Os hematomas epidurais são responsáveis<br />

por cerca de 2% das LCT que requerem hospitalização. Esses<br />

hematomas frequentemente resultam de impactos de baixa velo¬<br />

cidade no osso temporal, como um golpe por um soco ou uma<br />

bola de beisebol. A fralura desse osso pouco espesso lesiona a<br />

artéria meníngea média e resulta em hemorragia arterial que se<br />

acumula entre o crânio e a dura-máter (Fig. 9-14). Esse sangue<br />

arterial de alta pressão poder começai- a dissecar ou separar a<br />

dura-máter da tábua interna do crânio e criar um espaço epidu¬<br />

ral cheio de sangue. Esse hematoma epidural tem uma forma de<br />

lente característica, como pode ser observado na TC, criada pela<br />

dura-máter, que pressiona o hematoma contra a tábua interna do<br />

crânio. A principal ameaça ao cérebro é proveniente da massa<br />

de sangue em expansão que desloca o cérebro e pode provocar<br />

herniação. Por isso, doentes cujo hematoma epidural é drenado<br />

rapidamente geralmente têm uma recuperação excelente.<br />

A história clássica de hematoma epidural é de um doente que<br />

apresentou um período curto de perda de consciência, recobrou<br />

Dura-máter<br />

Hematoma epidural<br />

comprimindo o cérebro<br />

FIGURA 9-14<br />

A, Hematoma epidural. B, Tomografia computadorizada (TC) de um hematoma epidural.<br />

(B de Cruz J.: Neurologic and neurosurgicalemergencies. Philadelphia, 1998, Saunders.)


234 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

a consciência e, posteriormente, evoluiu com rápido rebaixa¬<br />

mento do nível de consciência. Duranteo período de consciência,<br />

chamado intervalo lúcido, o doente pode estar orientado, con¬<br />

fuso ou letárgico e queixar-se de dor de cabeça. No entanto, ape¬<br />

nas cerca de um terço dos doentes com hematomas epidurais<br />

realmente apresenta esse "intervalo lúcido"; além disso, ele<br />

também pode ocorrer com outros tipos de hemorragias intracra¬<br />

nianas, fazendo com que ela não seja exclusiva do hematoma<br />

epidural. Entretanto, um doente que apresente um "intervalo<br />

lúcido" seguido por um declínio no escore da escala de coma<br />

de Glasgow apresenta risco de um processo intracraniano pro¬<br />

gressivo e precisa ser avaliado com urgência.<br />

À medida que piora o nível de consciência do doente, o<br />

exame pode revelai- uma pupila dilatada com reflexo lento ou<br />

não reativa à luz do mesmo lado da herniação (lado ipsilaleral).<br />

Como os nervos motores se cruzam na medula espinhal,<br />

ocorre hemiparesia ou hemiplegia do lado oposto ao do impacto<br />

(lado contralateral). A taxa de mortalidade pelo hematoma<br />

epidural é de cerca de 20%; no entanto, com uma detecção e<br />

drenagem rápidas, a taxa de mortalidade pode cair a 2%. Isso<br />

ocorre porque o hematoma epidural é normalmente uma lesão<br />

expansiva "pura", com pouca lesão cerebral abaixo dele. Após<br />

a remoção do hematoma, o efeito patológico também é remo¬<br />

vido, e o doente pode apresentar uma recuperação excelente.<br />

Essa remoção rápida reduz não somente a mortalidade, como<br />

também reduz a morbidade neurológica de forma significativa.<br />

Os hematomas epidurais ocorrem frequentemente em pessoas<br />

jovens, que estão iniciando suas carreiras, o que enfatiza o valor<br />

social, bem como o valor humano, da sua rápida identificação<br />

e remoção.<br />

Hematoma Subdural. Os hematomas subdurais são responsáveis<br />

por cerca de 30% dos traumas de crânio graves. Além de serem<br />

mais comuns que os hematomas epidurais, eles também dife¬<br />

rem quanto, a etiologia, localização e prognóstico. Ao contrá¬<br />

rio da hemorragia arterial, que produz o hematoma epidural, o<br />

hematoma subdural geralmente resulta de hemorragia venosa,<br />

pela lesão das veias em ponte que ocupam o espaço subdural,<br />

durante impacto violento na cabeça. Neste caso, o sangue irá<br />

acumular-se no espaço subdural, entre a dura-máter e a aracnoide<br />

(Fig. 9-15).<br />

Os hematomas subdurais têm duas formas de apresentação.<br />

Em alguns doentes que sofreram trauma importante, a ruptura<br />

das veias em ponte produz um acúmulo relativamente rápido<br />

de sangue no espaço subdural, com surgimento rápido do efeito<br />

de massa. A essa morbidade soma-se a lesão do parênquima<br />

cerebral abaixo do hematoma subdural, que ocorre como parle<br />

da lesão que causa a ruptura venosa. Como resultado, diferen¬<br />

temente dos hematomas epidurais, o efeito de massa dos hema¬<br />

tomas subdurais frequentemente é causado tanto pelo sangue<br />

acumulado quanto pelo edema do cérebro lesionado abaixo.<br />

Doentes que se apresentam com esse efeito de massa agudo<br />

terão um estado mental agudamente alterado e precisarão de<br />

monitoramento da P1C de emergência, além do tratamento ini¬<br />

cial e possivelmente cirurgia.<br />

Em alguns doentes, no entanto, podem ocorrer hematomas<br />

subdurais clinicamente ocultos. Em idosos ou em doentes debi¬<br />

litados, como os que apresentam doença crónica, o espaço sub¬<br />

dural é aumentado em consequência da atrofia cerebral. Nesses<br />

doentes, o sangue pode acumular-se no espaço subdural sem<br />

induzir efeito de massa e, desse modo, pode passar clinica¬<br />

mente despercebido. Tais hematomas subdurais podem ocorrer<br />

em pessoas idosas após sofrerem quedas ou durante um trauma<br />

aparentemente pequeno. Há um risco particularmente elevado<br />

em doentes em uso de anticoagulantes, como, por exemplo, varfarina<br />

(Marevan®). Como essas quedas são aparentemente sem<br />

importância, frequentemente os doentes não procuram atendi¬<br />

mento médico e as hemorragias não são*identiticadas. Muitos<br />

Dura-máter<br />

Hematoma subdural<br />

comprimindo o cérebro<br />

1<br />

A<br />

FIGURA 9-15<br />

A, Hematoma subdural. B, Tomografia computadorizada (TC) de um hematoma subdural.<br />

(B de Cruz J: Neurologic and neurosurgicalemergencies, Philadelphia, 1998, Saunders),


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 235<br />

doentes que, eventualmente,'recebem o diagnóstico de hema¬<br />

toma subdural crónico não conseguem se lembrar do evento<br />

traumático.<br />

No entanto, em alguns doentes que, eventualmente, rece¬<br />

bem o diagnóstico de hematoma subdural, o sangue subdural se<br />

liquefaz, mas é retido no espaço subdural. Com o tempo, atra¬<br />

vés de um mecanismo que inclui pequenas hemorragias repe¬<br />

tidas no hematoma liquefeito, o hematoma subdural crónico<br />

pode expandir-se e lentamente começar a exercer um efeito de<br />

massa sobre o cérebro. Como o surgimento do efeito de massa<br />

é lento, o doente não terá a apresentação dramática associada<br />

a um hematoma subdural agudo e tem maior probabilidade<br />

de apresentar dor de cabeça, distúrbios visuais, alterações da<br />

personalidade, dificuldades na fala (disartria) e hemiparesia<br />

ou hemiplegia de natureza lentamente progressiva. Somente<br />

quando alguns desses sintomas se tornam suficientemente<br />

evidentes para fazer com que o doente ou seu acompanhante<br />

busque auxílio médico, o hematoma subdural crónico é des¬<br />

coberto. Na TC, um hematoma subdural crónico tem uma apa¬<br />

rência distinta com relação ao hematoma subdural agudo, mais<br />

emergente. Frequentemente, o evento que precipita a busca por<br />

avaliação e atendimento é o mais recente das pequenas hemor¬<br />

ragias subdurais repetitivas que criam os hematomas subdurals<br />

crónicos, e uma pequena quantidade de hemorragia aguda pode<br />

ser encontrada em um grande acúmulo de hemorragia crónica.<br />

A necessidade e a urgência de cirurgia'são determinadas pelos<br />

sintomas do doente, pela quantidade de efeito de massa e pela<br />

condição clínica global do doente.<br />

Os socorristas na fase pré-hospitalar frequentemente encon¬<br />

tram esses doentes quando são chamados a prestar atendimento<br />

em instituições que cuidam de doentes crónicos. Como os sin¬<br />

tomas não são específicos, o diagnóstico de um hematoma sub¬<br />

dural crónico no local de atendimento raramente é possível, e<br />

os sintomas podem ser confundidos com os de um acidente vas¬<br />

cular cerebral, infecção ou até mesmo um declínio generalizado<br />

do estado do doente.<br />

Embora muitos hematomas subdurais nesses doentes se<br />

tornem crónicos, os doentes em uso de Marevan®, após um<br />

trauma aparentemente insignificante, poderão apresentar um<br />

hematoma subdural que se expande ao longo de várias horas<br />

e progride até a herniação, causada pela incapacidade de coa¬<br />

gulação do doente. Esses doentes podem ler uma apresentação<br />

benigna e posteriormente pioram várias horas após a chegada.<br />

Doentes idosos, e especialmente doentes em uso de Marevan®<br />

que tenham sofrido quedas aparentemente sem importância<br />

devem ser tratados com uma atenção redobrada de urgência e<br />

atendimento.<br />

Contusões Cerebrais. O dano ao próprio cérebro pode produzir<br />

contusões cerebrais e, se esse dano incluir lesão dos vasos sanguíneos<br />

dentro do cérebro, também provoca hemorragia verdadeira<br />

na substância do cérebro, ou hematomas intracerebrais.<br />

Contusões cerebrais são relativamente comuns, ocorrendo em<br />

aproximadamente 20% a 30% de lesões cerebrais graves e tam¬<br />

bém em uma percentagem significativa de lesões cranianas<br />

moderadas. Embora resultem tipicamente de trauma contuso,<br />

essas lesões também podem ocorrer em decorrência de trauma<br />

penetrante como, por exemplo, um ferimento por arma de fogo<br />

no cérebro. No trauma contuso, as contusões cerebrais podem<br />

ser numerosas. As contusões cerebrais são o resultado de um<br />

padrão complexo de transmissão e reflexo de forças dentro do<br />

crânio. Como resultado, as contusões ocorrem frequentemente<br />

em localizações distantes do local de impacto, frequente¬<br />

mente no lado oposto do cérebro, conhecidas como lesões "em<br />

contragolpe".<br />

As contusões cerebrais frequentemente levam de 12 a 24<br />

horas para surgir na TC, e, desse modo, um doente com trauma<br />

fechado cerebral pode ler uma TC de crânio inicialmente nor¬<br />

mal. A única pista de sua presença pode ser uma diminuição<br />

do escore da escala de coma de Glasgow, e muitos doentes mos¬<br />

tram lesões cranianas moderadas (escala de coma de Glasgow<br />

9-13). A medida que o trama fechado evolui após o trauma, ele<br />

não só se torna mais aparente na TC de crânio, como também<br />

pode causar aumento do efeito de massa e produzir uma dor de<br />

cabeça crescente, ou fazer com que lesões cranianas moderadas<br />

piorem em cerca de '10% dos doentes.3'<br />

Hemorragia Subaracnoide. A hemorragia subaracnoide é o san¬<br />

gramento que ocorre abaixo da membrana aracnoide, que se<br />

localiza sob o espaço subdural que cobre o cérebro. O sangue<br />

no espaço subaracnoide não pode penetrar no espaço subdural.<br />

Muitos dos vasos sanguíneos cerebrais localizam-se no espaço<br />

subaracnoide; portanto, a lesão nesses vasos irá causar uma<br />

hemorragia subaracnoide, uma camada de sangue abaixo da<br />

membrana aracnoide na superfície do cérebro. Essa camada de<br />

sangue é fina e raramente produz efeito de massa.<br />

Normalmente, considera-se que a hemorragia subaracnoide<br />

esteja associada à ruptura de aneurismas cerebrais. Na ver¬<br />

dade, a hemorragia subaracnoide pós-traumática é a causa mais<br />

comum de hemorragia subaracnoide. Como a hemorragia suba¬<br />

racnoide raramente causa efeito de massa, ele mão necessita de<br />

cirurgia para descompressão. No entanto, é um marcador para<br />

lesões cerebrais potencialmente graves, e sua presença aumenta<br />

o risco de outras lesões expansivas. Doentes com hemorragia<br />

subaracnoide traumática (HSAI) apresentam um risco 63% a<br />

73% maior de lerem trauma fechado cerebral, e 44% desen¬<br />

volverão hematomas subdurais. Doentes com HSAt têm risco<br />

aumentado de desenvolverem PIC elevada e hemorragia intra¬<br />

ventricular. Doentes com grandes quantidades de HSAt (> 1cm<br />

de espessura de sangue, sangue suprasselar ou nas cisternas)<br />

têm um valor predilivo positivo de 72% a 78% de prognóstico<br />

ruim, e, no Trauma Coma Data Bank (Banco de Dados de Coma<br />

Resultante de Trauma), a presença de HSAt dobrou a incidência<br />

de morte em doentes com lesões cerebrais. "ií!-,il<br />

X1*3.13.111GUTO<br />

O tratamento adequado do doente com LCT começa còm inter¬<br />

venções que obedecem a uma sequência, priorizando o trata¬<br />

mento de lesões que comprometam a vida, identificadas na<br />

análise primária. Uma vez tratados esses problemas, o doente<br />

deve ser rapidamente imobilizado e transportado para o hospi¬<br />

tal mais próximo com recursos para atender casos com LCT.


236 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Via Aérea<br />

Doentes com rebaixamento do nível de consciência podem<br />

perder a capacidade de proteger sua via aérea, e a oxigena¬<br />

ção adequada do cérebro lesionado é fundamental para evitar<br />

lesão secundária. Como observado anteriormente, lesões faciais<br />

podem estar associadas a hemorragias e edema que podem<br />

comprometer a via aérea. Hematomas no assoalho da boca ou<br />

no palato mole podem obstruir a via aérea. As técnicas essen¬<br />

ciais são intervenções iniciais adequadas para a via aérea (Capí¬<br />

tulo 7). As cânulas oro e nasofaiTngeas podem ser obstruídas<br />

por edema 011 coágulos sanguíneos, e a aspiração intermitente<br />

pode ser necessária. Doentes com fraturas faciais e laríngeas<br />

ou com outras lesões do pescoço assumem uma posição típica<br />

que mantém sua via aérea permeável. Tentativas de forçar um<br />

doente para se deitar de costas ou para utilizar um colar cervi¬<br />

cal podem encontrar grande resistência caso ele fique hipóxico<br />

em consequência de alterações da posição da via aérea. Nesses<br />

casos, a permeabilidade da via aérea é prioritária com relação à<br />

imobilização da coluna, e os doentes podem ser transportados<br />

sentados ou semissentados, conforme a sua tolerância.<br />

A colocação de colares cervicais pode ser postergada caso<br />

possa comprometer a via aérea durante a estabilização manual.<br />

Doentes conscientes frequentemente podem ajudar na manu¬<br />

tenção da permeabilidade de sua via aérea realizando aspiração<br />

quando sentirem necessidade; o socorrista pode- permitir que<br />

eles segurem e usem o aparelho de aspiração. O trauma facial,<br />

incluindo lesões causadas por ferimentos por armas de fogo,<br />

não é uma contraindicação ao uso de intubação ET.<br />

Um estudo mais antigo mostrou que vítimas de LCT que<br />

haviam sido intubadas teriam um prognóstico melhor.40 Estu¬<br />

dos recentes, no entanto, geraram resultados mistos em casos<br />

de LCT intubados na cena.41""' A explicação para esses resulta¬<br />

dos conflitantes aguarda estudos adicionais. A intubação mal<br />

realizada, porém, parece ser mais prejudicial do que sua não<br />

realização. Diversos estudos mostraram que os doentes intu¬<br />

bados na cena podem apresentar episódios não reconhecidos<br />

de hipoxia ou hipotensão, prejudicando o prognóstico.4' Os<br />

fatores de decisão de intubar ou não o doente podem incluir a<br />

experiência do socorrista e a duração do transporte. Em ambien¬<br />

tes urbanos, transportes rápidos permitem que os doentes sejam<br />

admitidos no hospital rapidamente e que sejam intubados no<br />

setor de emergência. Doentes intubados no local podem ter um<br />

resultado pior caso permaneçam mais tempo no local ou caso a<br />

intubação seja realizada por um socorrista menos experiente. Da<br />

mesma forma, a intubação em um sistema em que os socorristas<br />

realizam apenas poucas intubações por ano pode ser mais pre¬<br />

judicial do que outros meios de manutenção da permeabilidade<br />

da via aérea durante o transporte. Inversamente, em sistemas<br />

com tempos de transporte maiores, a intubação pode ser mais<br />

benéfica do que a sua não realização, mesmo quando feita por<br />

um profissional menos experiente. Estudos futuros devem aju¬<br />

dar a determinar a melhor prática no ambiente pré-hospitalar.<br />

Tendo issoemmente,todos os doentes comLCTgrave (escore<br />

da escala de coma de Glasgow de 8 ou menos) são candidatos<br />

à intubação traqueal. Embora possa ser um desafio quando se<br />

trata de doentes agressivos, quando os doentes cerram os mús¬<br />

culos da mandíbula (trismo), na presença de vómitos, e devido<br />

à necessidade de manter a coluna cervical do doente alinhada<br />

e imobilizada, a intubação deve ser realizada pelo socorrista<br />

mais experiente disponível e de forma oportuna. E essencial<br />

que a saturação de oxigénio do doente seja monitorada durante<br />

a intubação, e que a hipoxia (saturação de oxigénio inferior a<br />

90%) seja evitada. A utilização de bloqueadores neuromusculares<br />

como parte do protocolo de intubação de sequência rápida<br />

(ISR) pode facilitar uma intubação bem-sucedida.4" A intubação<br />

nasotraqueal às cegas pode servir como técnica alternativa, mas<br />

a presença de traumas cla região média da face é uma relativa<br />

contraindicação para esse procedimento. Sempre há a preocu¬<br />

pação de que, inadvertidamente, possa ocorrer penetração cra¬<br />

nial e cerebral em doentes com trauma craniano submetidos à<br />

intubação nasotraqueal. A revisão da literatura médica revela<br />

que esta complicação foi relatada apenas duas vezes em doentes<br />

com trauma craniano. 4ÍI,5°<br />

O aparelho de aspiração deve estar facilmente disponível.<br />

Se as tentativas iniciais de intubação fracassarem, a laringoscopia<br />

prolongada deve ser evitada, especialmente se o tempo<br />

de transporte for curto. A colocação da cânula orofaríngea e o<br />

emprego de ventilação por bolsa-valva-máscara ou ventilação<br />

percutânea transtraqueal(VPT) são alternativas razoáveis. Doen¬<br />

tes com lesões faciais graves e um comprometimento óbvio da<br />

via aérea podem precisar de VPT ou de uma cricotireoidoslomia<br />

cirúrgica.<br />

Ventilação<br />

Todos os doentes com suspeita de LCT devem receber oxigénio<br />

suplementar. Como mencionado anteriormente neste capítulo,<br />

o uso de oximetria de pulso é de extrema importância, poisa<br />

hipoxia pode piorar o quadro neurológico. A concentração de<br />

oxigénio pode ser titulada quando se usa a oximetria de pulso; I<br />

no entanto, a saturação de oxigénio (SaÇ)2) deve ser mantida em<br />

95% ou mais. Se a oximetria de pulso não estiver disponível,<br />

o oxigénio deve ser fornecido por máscara facial unidirecional<br />

para os doentes que apresentam respiração espontânea. Para os<br />

doentes intubados, deve-se manter a concentração de oxigénio |<br />

de 100% (Fi02 de 1,0) com uso bolsa-valva-máscara. Se persis¬<br />

tir a hipoxia mesmo com a olerta de oxigénio, o socorrista devei<br />

tentar identificar e tratar todas as prováveis etiologias, incluindo<br />

aspiração e pneumotórax hipertensivo. O uso de válvulas de<br />

pressão expiratória final positiva (PEEP) pode ser considerado<br />

(se disponível) para melhorar a oxigenação; no entanto, níveis<br />

de PEEP maiores do que 15 cm H,0 podem produzir aumento |<br />

da PIC.31,52<br />

Como a hipocapnia e a hipercapnia podem agravar a lesão I<br />

cerebral, o controle da frequência ventilatória é importante,<br />

Quando houver a disponibilidade degasomelria arterial,a PaCO, |<br />

deve ser mantida na faixa de 35 a 40 mniHg. No ambiente hos¬<br />

no final da expiração (ETC02) I<br />

pitalar, a pressão parcial de C02<br />

pode ser usada para estimar a PaC02 sérica em doentes liemodinamicamente<br />

estáveis. Como os valores de ETC02 e PaCO,<br />

podem variar amplamente de doente para doente, cada doente<br />

internado deve ter um "equilíbrio" exclusivo entre ETC0,e<br />

PaC02, determinado por comparação com uma gasometria para<br />

se obter uma precisão aceitável com o uso da ETC02. Novas<br />

gasometrias são obtidas cada vez que haja alteração das condi¬<br />

ções do doente.


j<br />

A hiperventilação de um doente, de forma controlada, pode<br />

ser considerada em uma circunstância específica de sinais de<br />

liemiação. Estes sinais incluem assimetria, dilatação e ausên¬<br />

cia de reatividade das pupilas, postura extensora ou ausência<br />

de resposta na avaliação da melhor resposta motora, ou ainda<br />

| deterioração neurológica progressiva, definida como redução da<br />

| escala de coma de Glasgow de mais de dois pontos em doentes<br />

com pontuação inicial de 8 ou menos. Em tais casos, a hiperj<br />

j<br />

j<br />

CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 237<br />

No ambiente pré-hospitalar, a PaC02 não está disponível<br />

rotineiramente para determinar seu "equilíbrio" com a ETC02.<br />

Além disso, outros fatores do doente, como alterações na per¬<br />

fusão pulmonar, no débito cardíaco a na temperatura causam<br />

alterações na ETC02 que são indistinguíveis de alterações da<br />

ETC02 decorrentes de modificações na PaC02. Como as altera¬<br />

ções fisiológicas ocorrem rapidamente no ambiente pré-hospita¬<br />

lar, à medida que os doentes são reanimados e aquecidos, além<br />

de ventilados, elas raramente são suficientemente estáveis para<br />

permitir que a ETC02 seja usada com precisão. Embora a ETC02<br />

seja uma excelente ferramenta para monitoração da ventilação,<br />

não é suficientemente precisa para guiar a terapia de hiperventilação<br />

no ambiente pré-hospitalar.03'61<br />

E mais simples avaliar o grau de ventilação pela contagem<br />

de ventilações por minuto.<br />

O socorrista deve manter frequências normais de ventilação<br />

quando o doente com LCT estiver sob ventilação assistida: 10<br />

ventilações por minuto (VPM) para adultos, 20 VPM para crian¬<br />

ças e 25 VPM para bebés. Hiperventilação muito agressiva pro¬<br />

duz vasoconstrição cerebral, que, por sua vez, leva à diminuição<br />

da oferta de oxigénio para o cérebro. Tem sido demonstrado que<br />

Hiperventilação profilática de rotina piora o quadro neurológico<br />

enão deve ser utilizada. A análise de um subgrupo de doen¬<br />

tes arrolados no experimento do "San Diego Paramedic RSI"<br />

(Estudo dos socorristas de San Diego sobre a utilização de intubação<br />

com sequência rápida) mostrou que tanto a hiperventila¬<br />

ção quanto a hipoxia grave no ambiente pré-hospitalar estavam<br />

associadas a um aumento da mortalidade. Para doentes adultos,<br />

a ventilação com um volume corrente de 350 a 500 ml, em uma<br />

| frequência de '10 ventilações/minuto, deve ser suficiente para<br />

manter uma oxigenação adequada, sem induzir hipocarbia.62<br />

ventilação branda e controlada pode ser realizada durante a<br />

fase pré-hospitalar do atendimento. A hiperventilação branda<br />

édefinida como ETC02 de 30-35 mmHg, à capnogralia, ou pelo<br />

| cuidadoso controle da frequência ventilatória (20 ventilações/<br />

[minuto em adultos, 25 ventilações/minuto em crianças e 30<br />

ventilações/minuto em bebés com menos de 1ano de idade).63<br />

Circulação<br />

Tanto a anemia quanto a hipotensão são causas importantes de<br />

I lesão cerebral secundária; portanto, deve-se prevenir e tratar<br />

| essas condições. O controle da hemorragia é essencial. Com¬<br />

pressão direta sobre o local ou curativos compressivos devem<br />

I seraplicaclos em qualquer hemorragia externa. Ferimentos comiplexos<br />

no couro cabeludo podem produzir hemorragia externa<br />

nificativa. Vários chumaços de gaze colocados sobre o local<br />

ds com bandagem elástica tornam-se um curativo comssivo<br />

eficiente para controlar a hemorragia. Caso isso não<br />

bntrole a hemorragia, pode-se controlá-la frequentemente pela<br />

plicação de compressão direta ao longo das bordas da ferida,<br />

comprimindo,"dessa maneira, a vasculatura do couro cabeludo<br />

entre a pele e os tecidos moles e a gálea. Uma hemorragia dra¬<br />

mática frequentemente pode ser controlada com essa manobra.<br />

No entanto, não devem ser aplicados curativos compressivos<br />

em fraturas abertas ou com afundamento de crânio, a menos<br />

que haja hemorragia importante, porque a compressão pode<br />

agravar a lesão cerebral e levar a aumento da PIC. Uma dis¬<br />

creta compressão direta sobre o ferimento também pode limi¬<br />

tar o tamanho de hematomas extracranials (couro cabeludo).<br />

A movimentação cuidadosa e imobilização em prancha longa,<br />

mantendo alinhamento anatómico, podem minimizar a perda<br />

sanguínea intersticial no local da fratura.<br />

Hemorragias das artérias carótidas e das veias jugulares<br />

internas podem ser intensas. Na maioria dos casos, a compres¬<br />

são direta controla essa hemorragia externa. Lesões nesses vasos<br />

em decorrência de traumas penetrantes podem estar associadas<br />

a uma hemorragia interna, que se apresenta como um hema¬<br />

toma em expansão. Esses hematomas podem comprometer a<br />

via aérea, e a intubação endotraqueal pode ser necessária. No<br />

entanto, tentativas de intubar um doente consciente com um<br />

hematoma em expansão do pescoço, mas sem hemorragia<br />

externa, podem estimular a tosse, o que pode ser suficiente para<br />

romper um coágulo que possa ter-se formado em um ferimento<br />

por faca ou por projétil de arma de fogo, causando hemorragia<br />

externa intensa.<br />

Como a hipotensão piora ainda mais a isquemia cerebral,<br />

devem ser adotadas medidas-padrão para combater o quadro de<br />

choque. Em doentes com lesão cerebral traumática, a combi¬<br />

nação de hipoxia e hipotensão está associada à taxa de mor¬<br />

talidade de aproximadamente 75%. Na presença de choque e<br />

suspeita de hemorragia interna importante, o transporte rápido<br />

para um centro de trauma tem prioridade com relação à lesão<br />

cerebral. Os choques hipovolêmico e neurogênico devem ser<br />

tratados por reanimação agressiva com soluções cristalóides<br />

isotônicas; no entanto, o transporte não deve ser retardado para<br />

que se estabeleça um acesso venoso. Embora a avaliação da<br />

volemia seja muito difícil no ambiente pré-hospitalar, o socor¬<br />

rista, se possível, deve fazer com que o doente retorne ao estado<br />

de volume circulatório normal (euvolemia). Para preservar a<br />

perfusão cerebral, devem ser utilizados recursos para manter<br />

pressão sistólica de pelo menos 90 a 100 mmHg. Para doentes<br />

adultos com LCT e sinais vitais normais, sem suspeita de outras<br />

lesões, devem-se administrar fluidos intravenosos em veloci¬<br />

dade não maior que '125 ml/h e ajustar a velocidade de infu¬<br />

são se surgirem sinais de choque6'1. Um estudo randomizado<br />

com doentes de LCT grave mostrou que aqueles que receberam<br />

reanimação pré-hospitalar com solução hipertônica tinham um<br />

funcionamento neurológico quase idêntico seis meses após o<br />

trauma, comparados aos que foram tratados com cristalóides.65<br />

Em função do seu custo elevado e da ausência de benefícios,<br />

comparado ao soro fisiológico normal ou à solução de Ringer<br />

lactato, a solução hipertônica não é recomendada para a reposi¬<br />

ção volêmica pré-hospitalar de rotina.<br />

Disfunção Neurológica<br />

A avaliação do escore da escala de coma de Glasgow deve ser<br />

integrada à avaliação de rotina de todos os doentes com trauma,


238 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

após a estabilização da circulação. O uso do escore da escala<br />

de coma de Glasgow ajuda a avaliar o estado do doente e pode<br />

interferir nas decisões sobre o transporte e triagem, dependendo<br />

do sistema em que o socorrista atua.<br />

O tratamento pré-hospitalar da lesão cerebral traumática<br />

consiste primariamente em medidas que visam reverter e pre¬<br />

venir tutores que causem uma lesão cerebral secundária. Con¬<br />

vulsões prolongadas ou de grande mal e múltiplas podem ser<br />

tratadas com a administração de benzodiazepínico intrave¬<br />

noso, como diazepam ou midazolam. Essas- drogas devem ser<br />

administradas com cautela, pois podem provocar hipotensão e<br />

depressão respiratória.<br />

Em virtude da incidência significativa de fraturas da coluna<br />

cervical, doentes com suspeita de lesão cerebral traumática<br />

devem ter a coluna imobilizada. Deve-se ter muita cautela ao<br />

aplicar o colar cervical em vítima com LCT. Algumas evidências<br />

sugerem que manter o colar cervical firmemente ajustado pode<br />

impedir o retorno venoso da região cefálica, levando, assim, a<br />

aumento da PIC. A colocação do colar cervical não ó obrigató¬<br />

ria desde que se mantenha imobilização adequada da coluna<br />

ceivical.<br />

Transporte<br />

Para que se alcance o melhor resultado possível, doentes com<br />

LCT moderada e grave devem ser transportados diretamente ao<br />

centro de trauma com recursos de tomografia computadorizada,<br />

monitoramento da PIC e equipe de neurocirurgia disponível no<br />

plantão. Se esses serviços não estiverem disponíveis, deve-se<br />

considerar o uso de transporte aeromédico da cena até um cen¬<br />

tro de trauma adequado35.<br />

Frequência cardíaca, pressão arterial, Sa02 e escala de<br />

coma de Glasgow do doente devem ser reavaliados e anotados<br />

em prontuário a cada cinco ou 10 minutos durante o transporte.<br />

Válvulas de PEEP podem ser utilizadas se houver persistência<br />

de hipóxia, desde que seu uso seja cauteloso, pois níveis de<br />

PEEP maiores que *15 cm H20 podem aumentar a PIC. Deve-se<br />

preservar o calor do corpo do doente durante o transporte.<br />

Existem controvérsias a respeito da melhor posição de um<br />

doente com LCT. Em geral, os doentes com LCT devem ser trans¬<br />

portados em posição supina, por causa da presença de outras<br />

lesões61'. Embora a elevação da cabeceira da maca ou da prancha<br />

longa (posição de Trendelenburg reversa) possa diminuir a PIC,<br />

a pressão de perfusão cerebral pode, também, ser prejudicada,<br />

especialmente se a cabeça for elevada a mais de 30 graus.<br />

O hospital de destino deve ser comunicado o mais rápido<br />

possível, para que os recursos necessários já estejam disponibi¬<br />

lizados no momento da chegada do doente. A comunicação por<br />

rádio deve incluir informações sobre o mecanismo de trauma, o<br />

escore na escala de coma de Glasgow inicial, assim como qual¬<br />

quer alteração na escala durante o transporte, sinais focais (p.<br />

ex., assimetria do exame motor, pupilas dilatadas uni ou bila¬<br />

teralmente) e sinais vitais, outras lesões graves e a resposta ao<br />

tratamento inicial.35<br />

Transporte Prolongado<br />

Como ocorre com todos os doentes com suspeita de LCT, os<br />

esforços devem concentrar-se na prevenção da lesão cerebral<br />

secundária.- Um tempo de transporte prolongado pode dimi¬<br />

nuir o limiar para a realização de intubação endotraqueal. A<br />

intubação de sequência rápida pode ser utilizada nesse quadro,<br />

especialmente se for considerado o transporte aéreo, pois um<br />

doente agitado no ambiente confinado de um helicóptero ame¬<br />

aça a tripulação, o piloto e a ele próprio. Os esforços para o<br />

controle da via aérea devem ser realizados enquanto se esta¬<br />

biliza a coluna cervical. A oxigenação deve ser administrada<br />

Por causa do risco<br />

de desenvolvimento de úlceras de pressão causadas pela per¬<br />

manência do doente deitado em uma prancha rígida, o doente<br />

deve ser colocado em uma prancha acolchoada, especialmente<br />

se o tempo de transporte previsto for longo. Os doentes devem<br />

ser monitorados com oximetria de pulso contínua, e os sinais<br />

vitais (incluindo frequência ventilatória, pulso, pressão arterial<br />

e escore na escala de coma de Glasgow) devem ser medidos de<br />

forma seriada. As pupilas devem ser periodicamente verificadas<br />

quanto à simetria e à resposta à luz.<br />

Quando houver atraso do transporte, ou o tempo de trans¬<br />

porte até o hospital adequado for prolongado, o socorrista pode<br />

considerar opções adicionais de conduta. Para doentes com<br />

escore na escala de coma de Glasgow anormal, os níveis de gli¬<br />

cose no sangue devem ser verificados. Se o doente estiver com<br />

hipoglicemia, pode-se administrai' solução de glicose a 50%, até<br />

que os níveis de glicose retornem ao normal. Benzodiazepínicos<br />

podem ser administrados por via intravenosa caso ocorram con¬<br />

vulsões recorrentes ou prolongadas.<br />

Hemorragias externas devem ser controladas, e a adminis¬<br />

tração de volume deve ser feita se houver sinais aparentes de<br />

choque. A reposição volêmica deve ser feita com o objetivo de<br />

manter a PAS acima de 90 mmHg. Lesões associadas devem ser<br />

tratadas durante o trajeto até o hospital, e as fraturas devem ser<br />

imobilizadas adequadamente tanto paia o controle da hemorra¬<br />

gia interna quanto da dor.<br />

O tratamento adequado da hipertensão intracraniana no<br />

ambiente pré-hospitalai- é um grande desafio, pois não é pos¬<br />

sível o monitoramento da PIC na cena, a menos que se trate<br />

de uma transferência inter-hospitalar e tenha sido colocado<br />

monitor de PIC ou realizada ventriculostomia no hospital de<br />

origem. Embora o rebaixamento do escore na escala de coma<br />

de Glasgow possa representar aumento da PIC, também pode<br />

ser o resultado de piora da perfusão cerebral em decorrência de<br />

choque hipovolêmico. Sinais de alerta de possível aumento da<br />

PIC e de herniação incluem:<br />

para se manter um nível adequado de SaOr<br />

e<br />

s<br />

e<br />

e<br />

Perda de dois pontos ou mais na escala de coma de<br />

Glasgow<br />

Pupilas não realivas ou com pouca reação à luz<br />

Desenvolvimento de hemiplegia ou hemiparesia<br />

Fenómeno de Cushing<br />

A decisão de intervir e tratar o aumento da PIC deve ser base¬<br />

ada em protocolos escritos, ou por meio de consulta e autoriza¬<br />

ção do médico no hospital de destino. As opções de tratamento<br />

temporário possíveis incluem sedação, paralisia química (curarização),<br />

terapia osmótica (uso de agentes osmoticamente ativos<br />

que podem auxiliai- no tratamento da hipertensão intracraniana)<br />

e hiperventilação controlada. Pequenas doses de sedativos ben-


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 239<br />

zodiazepínicos devem ser administradas cuidadosamente por<br />

causa dos eleitos colaterais de hipotensão e depressão respira¬<br />

tória. O uso de agente bloqueador neuromuscular de ação pro¬<br />

longada, como o vecurônio, deve ser considerado se o doente<br />

estiver intubado. Se o colar cervical estiver muito apertado,<br />

pode ser afrouxado um pouco ou removido, desde que se man¬<br />

tenha a imobilização da cabeça e do pescoço com uso de outras<br />

medidas.<br />

A terapia osmótica com manitol (0,25 a 1g/kg) pode ser admi¬<br />

nistrada por via intravenosa. No entanto, o aumento da diurese<br />

pode levar à hipovolemia que pode piorai1 ainda mais a perfu¬<br />

são cerebral. Deve-se evitar manitol em doentes nos quais não foi<br />

obtida reanimação sistémica, ou seja, doentes com PAS abaixo<br />

de 90 mmf-Ig. Caso seja utilizado um agente osmótico, o doente<br />

deve ser mantido com uma volemia normal. Além disso, deve ser<br />

colocada uma sonda vesical caso o transporte seja extremamente<br />

prolongado.<br />

Uma discreta hiperventilação terapêutica controlada (ETC02=<br />

30-35 mm Hg) pode ser utilizada quando houver sinais óbvios de<br />

herniação. Deve ser usada a seguinte frequência ventilatória: 20<br />

VPM para adultos, 30 VPM para crianças e 35 por VPM para<br />

bebés. /I hiperventilação profilática não tem papel nas LCT, e a<br />

hipeiventilação terapêutica, se utilizada, deve ser interrompida<br />

se desaparecerem os sinais de hipertensão intracraniana. Os<br />

esteroides não têm demonstrado melhorias no quadro de doen¬<br />

tes com lesão cerebral traumática e não devem ser utilizados.<br />

0 mais importante para o doente com LCT durante o trans¬<br />

porte prolongado ou em ambientes hostis é a manutenção<br />

melhor possível da oxigenação e perfusão cerebrais e todos os<br />

•esforços possíveis para controlar o edema cerebral.<br />

Morte Cerebral e Doação<br />

de Órgãos<br />

0 diagnóstico de morte cerebral é feito quando não há evidên¬<br />

cias clínicas de função neurológica em um doente aquecido,<br />

cujo estado mental não esteja alterado por sedativos ou bloquea¬<br />

dores neuromusculares, e que esteja completamente reanimado<br />

com uma PAS acima de 90 mmHg e uma Sa02 acima de 90%.<br />

A avaliação de evidências clínicas da função neurológica<br />

consiste em assegurar que não haja evidências de função cor¬<br />

tical, seguida por uma avaliação da função do mesencéfalo e<br />

do tronco cerebral abaixo do centro respiratório na porção infe¬<br />

rior do bulbo. Essa avaliação consiste no estabelecimento da<br />

ausência de resposta à dor profunda, seguida pela avaliação do<br />

mesencéfalo e do tronco cerebral quanto a pupilas não reativas,<br />

ausência de reflexo corneano e ausência de resposta à estimula¬<br />

ção calórica e ao lido. Poucos doentes podem ser testados com<br />

segurança quanto à ausência do reflexo oculomotor. Além disso,<br />

determina-se a ausência do reflexo de vómito, a ausência de reflexo<br />

da tosse e, finalmente, a ausência de qualquer esforço respirató¬<br />

rio,com PaC02 acima de 60 mmHg e PO., adequada. Essa última<br />

observação é obtida com o teste da apneia. Na ausência de qual¬<br />

quer atividade nesses testes, o doente pode ser declarado clini¬<br />

camente com "morte cerebral".<br />

Muitos protocolos clínicos e algumas legislações também<br />

exigem que a morte cerebral seja confirmada por um exame<br />

complementar, como estudos do FSC com radionucleolídeos ou<br />

eletroencefalograma (EEG).<br />

A definição fisiológica de morte cerebral descrita anterior¬<br />

mente é a definição tipicamente usada nos Estados Unidos. Há,<br />

ainda, questões filosóficas, éticas e legais sobre o quanto do cére¬<br />

bro deve estar morto antes da perda da "personalidade"; desse<br />

modo, a definição de morte cerebral varia por todo o mundo.<br />

Além disso, vários hospitais e sistemas têm métodos diferentes<br />

para declaração de morte cerebral, e os estados têm diferentes<br />

legislações que definem quem pode declarar a morte e a morte<br />

cerebral, e como elas devem ser declaradas. Os interessados<br />

devem inl'ormar-se em seu sistema local.<br />

Deve-se enfatizar, no entanto, que a morte cerebral não é o<br />

mesmo que "prognóstico irreversível". A morte cerebral é um<br />

evento fisiológico no qual o cérebro morre enquanto o coração e<br />

os pulmões ainda funcionam, normalmente através de suporte<br />

artificial. Conforme observado, quanto do cérebro deve morrer<br />

antes de se declarar morte cerebral é questionável, mas não o<br />

fato de que é um evento fisiológico.<br />

Ao contrário, um prognóstico irreversível é uma avaliação<br />

médica de que um bom resultado final não é mais possível em<br />

função das lesões presentes. Essa distinção é frequentemente<br />

confundida por profissionais da área médica, resultando em con¬<br />

fusão e perda de credibilidade por parte do sistema médico.<br />

Essa credibilidade é fundamental, pois as vítimas de LCT<br />

que têm morte cerebral constituem uma fonte importante de<br />

órgãos para transplantes. Nos Estados Unidos, em 1999, a LCT<br />

foi a causa de morte cerebral para mais de 40% dos indivíduos<br />

cujos órgãos foram obtidos, com a maioria de órgãos vinda<br />

daqueles entre 18 e 49 anos de idade. Apesar da presença de<br />

uma lesão cerebral fatal, coração, pulmões, fígado, rins, pân¬<br />

creas e córneas de um indivíduo podem beneficiar outras pes¬<br />

soas com doenças crónicas. Conquistar a confiança e o apoio<br />

do publico na obtenção desses órgãos é crucial para assegurar<br />

sua disponibilidade para aqueles que tão desesperadamente os<br />

necessitam. Para obter essa confiança, os familiares de vítimas<br />

de LCT precisam primeiro ter certeza de que a reanimação do<br />

cérebro lesionado foi a prioridade da equipe de atendimento<br />

e, em segundo lugar, quando a reanimação fracassa, precisam<br />

entender as questões relacionadas com a morte cerebral em<br />

contraposição a situações fúteis. Uma compreensão nítida des¬<br />

sas questões permite que as famílias tomem boas decisões para<br />

elas mesmas e para seus entes queridos, decisões com as quais<br />

podem conviver à medida que obtêm mais informações sobre as<br />

consequências do evento. Quando essas questões são confundi¬<br />

das ou distorcidas, corrói-se a confiança dos familiares e a cre¬<br />

dibilidade do sistema de saúde e das entidades que difundem<br />

a doação de órgãos. E essencial que os profissionais de saúde<br />

entendam as questões relacionadas com a morte cerebral e que<br />

efelivamenle comuniquem essas questões aos familiares das<br />

vítimas de LCT. Na maioria dos casos, a família apenas deve ser<br />

abordada sobre a possível doação de órgãos após a realização<br />

de todas as intervenções médicas; além disso, o conlato deve<br />

ser feito por representantes treinados do hospital ou da equipe<br />

de recuperação de órgãos (Fig. 9-16).


240 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TRATAMENTO DA SUSPEITA DE LESÃO CEREBRAL.TRAUMATICA<br />

Suspeita de LCT<br />

Notas:<br />

}<br />

1 Veja Algoritmo para Controle da Via Aérea (p. 125)<br />

Sim -*- - Escala de coma<br />

2Ventilar nas seguintes frequências: adultos, 10/minuto; crianças,<br />

de Glasgow < 8<br />

20/minuto; bebés, 25/minuto. A<br />

I<br />

ETC02 fornece somente uma<br />

estimativa aproximada da hipoventilaçao ou hiperventilação;<br />

Verificar necessidade de<br />

considere a manutenção da ETC02 a 30-35 mmHg, se possível.<br />

controle da via aérea' Não<br />

idealmente, a um hospital que possua serviço neurocirúrgico<br />

e TC funcionando.<br />

- j- Administrar oxigénio<br />

Manter Sao2 >95%<br />

4Manter, se possível, a PAS> 90 mmHg.<br />

• I<br />

5Administrar pequenas doses de benzodiazepínicos por<br />

Auxiliar ventilação2<br />

via intravenosa.<br />

I<br />

6Sinais de possível aumento da PIC: declínio da classificação à escala<br />

Controle de hemorragias externas<br />

• de coma de Glasgow de dois ou mais pontos, pupila com reação<br />

lenta ou não reativá, desenvolvimento de hemiplegia, hemiparesia<br />

I<br />

ou fenómeno de Cushing.<br />

Iniciar transporte3<br />

7Administrar pequenas doses de benzodiazepínicos por via intravenosa.<br />

I<br />

Reposição volêmica IV" 8Considerar a administração de bloqueadores neuromusculares de<br />

ação longa (vecurônio).<br />

I<br />

Tratar convulsões5<br />

9Considerar a administração de manitol (0,25 a 1,0 g/kg).<br />

I<br />

10 Ventilar nas seguintes frequências: adultos, 20/minuto; crianças,<br />

Verificar glicemia<br />

30/minuto; bebés, 35/minuto. Considerar manter a ETCOa<br />

I<br />

em<br />

25-30 mmHg, se possível.<br />

Sinais de aumento da PIC?G-- Sim<br />

I I<br />

Não<br />

Opções:<br />

• Remoção do colar cervical<br />

• Sedação7<br />

• Paralisia8<br />

• Osmoterapia9<br />

*<br />

ÿ<br />

Hiperventilação leve controlada10<br />

Continuar o transporte •<br />

FIGURA 9-16<br />

Tratamento da suspeita de lesão cerebral traumática.<br />

RESUMO<br />

No ambiente pré-hospitalar, a prevenção do desenvolvi¬<br />

mento de hipoxia e da redução do fluxo sanguíneo cere¬<br />

bral, ou seu reconhecimento e tratamento, pode fazer a<br />

diferença entre o resultado final bom ou inaceitável.<br />

A gravidade da LCT podenão ser imediatamente aparente;<br />

avaliações neurológicas seriadas do doente, incluindo a<br />

escala de coma de Glasgow e a resposta pupilar, são, por¬<br />

tanto, necessárias ao reconhecimento do estado geral do<br />

doente.<br />

A LCT é frequentemente associada ao trauma multissistêmico,<br />

de modo que as lesões são tratadas segundo<br />

sua prioridade. A via aérea, a ventilação e a circulação não<br />

somente são as prioridades no tratamento destes doentes,<br />

como também são especificamente importantes no trata¬<br />

mento da LCT, impedindo a ocorrência de lesões cerebrais<br />

secundárias.<br />

O tratamento pré-hospitalar de um doente com LCT<br />

envolve o controle de hemorragias de outras lesões, a<br />

manutenção da pressão sistólica em pelo menos 90 mmHg<br />

e a administração de oxigénio, de modo a manter sua satu¬<br />

ração de, no mínimo, 90%.<br />

A hiperventilação dos doentes é realizada apenas quando<br />

sinais objetivos de herniação são observados.


CAPÍTULO 9 Lesão Cerebral Traumática 241<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

0 rebaixamento rápido do escore na escala de coma de<br />

Glasgow nesse doente é muito preocupante; portanto, você<br />

deve transportá-lo rapidamente para um hospital com serviço<br />

de neurocirurgia, logo após completar a imobilização da<br />

coluna. Como esse doente apresentou um intervalo lúcido,<br />

devemos suspeitar de hematoma epidural. O exame dos<br />

olhos revela pupila dilatada e com reflexo lento à luz do lado<br />

direito, e perda da força ou paralisia pode desenvolver-se no<br />

lado esquerdo do corpo. Uma tomografia computadorizada<br />

no hospital de destino pode confirmar o diagnóstico.<br />

Durante o transporte, reavalie a via aérea do doente e a<br />

ventilação e coloque um oxímetro de pulso. Se a Sa02 for<br />

inferior a 90%, administrar oxigénio suplementar e auxiliar<br />

as ventilações, se necessário com bolsa-valva-máscara. Em<br />

caso de maior deterioração da pontuação à escala de coma de<br />

Glasgow, considerar a possibilidade de intubação do. doente,<br />

preferencialmente por meio da técnica de sequência rápida,<br />

ao mesmo tempo em que garante a oxigenação adequada<br />

durante o procedimento. Reavalie o couro cabeludo, para<br />

garantir que a hemorragia está adequadamente controlada,<br />

e institua dois acessos venosos calibrosos. Avalie os sinais<br />

vitais do doente e verifique a pressão arterial. Realize uma<br />

avaliação secundária completa, descartando a presença de<br />

outras lesões, e verifique a glicemia. Durante o transporte,<br />

frequentemente avalie a via aérea do doente, seus sinais<br />

vitais, a pontuação à escala de coma de Glasgow e a resposta<br />

pupilar. Notifique o hospital de destino quanto ao estado do<br />

doente e informe quaisquer alterações significativas.<br />

Considere a possibilidade de realização de hiperventilação<br />

controlada em caso de observação de sinais de herniação. Com¬<br />

binado à intervenção neurocirúrgica adequada, o atendimento<br />

pré-hospitalar agressivo deve melhorar o prognóstico dos doen¬<br />

tes com LCT moderada a grave. ÿ<br />

deferências<br />

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242 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

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25.<br />

26.<br />

27.<br />

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Trauma<br />

Vertebromedular<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

/ Descrever a epidemiologia das lesões da coluna.<br />

Comparar os mecanismos de trauma mais comuns que produzem lesões<br />

vertebromedulares em adultos com aqueles em crianças.<br />

/ Identificar doentes com possibilidade de trauma de coluna.<br />

•/ Relacionar os sinais e sintomas de lesão de coluna e de choque neurogênico com<br />

as suas fisiopatologias.<br />

•»<br />

Integrar os princípios de anatomia e de fisiopatologia a dados de avaliação e<br />

princípios de conduta para o tratamento de doentes com trauma de coluna<br />

evidente ou em potencial.<br />

/ Descrever as indicações para imobilização da coluna.<br />

/ Discutir os fatores associados aos achados pré-hospitalares e as intervenções que<br />

podem alterar as taxas de morbidade e de mortalidade decorrentes de lesões da<br />

coluna.


246 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

A\\Wvÿ 1 Vn 1 '<br />

''I'"'?Hl!ff<br />

Você foi enviado ao local de uma competição de ginástica. Ao chegar, você encontra uma mulher de 19 anos de idade,<br />

deitada sobre um colchonete, sob as barras de exercício. A cena é segura. Sua treinadora está sentada ao lado da mulher,<br />

tentando falar com ela, que não responde.<br />

Ao começar sua avaliação primária, você se depara com uma doente do sexo feminino, não responsiva, que caiu durante<br />

a apresentação. A doente apresenta abrasões na fronte e uma deformidade óbvia do punho direito. Sua via aérea está<br />

desobstruída, e ela respira normalmente. Não há sinais óbvios de hemorragia externa. Sua pele parece seca e quente, com<br />

coloração normal. Enquanto você realiza sua avaliação primária, a doente começa a acordar, mas ainda está confusa sobre o<br />

que ocorreu.<br />

Qual processo patológico explica o quadro clínico dessa doente? De quais cuidados intermediários e tardios a doente<br />

necessita? Quais são as metas de tratamento para essa doente?<br />

0trauma vertebromedular, se não for reconhecido e aten¬<br />

dido adequadamente no local do trauma, pode resultar<br />

em lesão irreparável à medula espinhal e deixar o doente<br />

paralisado para sempre. Alguns doentes sofrem lesões imediatas<br />

da medula espinhal como resultado de umtrauma: Outros sofrem<br />

um trauma da coluna vertebral que não lesiona inicialmente a<br />

medula; a lesão da medula surge depois, em consequência do<br />

movimento da coluna. Pelo fato de o sistema nervoso central ser<br />

incapaz de se regenerar, a medula lesada não pode ser recupe¬<br />

rada. As consequências de mover um doente com uma lesão ver¬<br />

tebromedular despercebida, ou permitir que o doente se mova,<br />

podem ser devastadoras. A imobilização inadequada da coluna<br />

fraturada, por exemplo, pode produzir resultado muito pior do<br />

que a imobilização inadequada do fémur fraturado. Inversamente,<br />

a imobilização da coluna de um doente sem indicações de lesões<br />

também tem consequências e não deve ser feita sem uma consi¬<br />

deração criteriosa sobre os riscos e os benefícios.<br />

Uma lesão da medula espinhal pode ter efeitos profundos<br />

na fisiologia humana, no modo de vida e na situação financeira.<br />

A fisiologia humana é afetada porque o uso das extremidades ou<br />

de outras áreas é gravemente limitado como resultado de lesão<br />

medular. O modo de vida é afetado porque a lesão da medula,<br />

em geral, resulta em mudança da atividade diária e do nível<br />

de independência. A lesão medular também apresenta efeitos<br />

na situação financeira do doente, assim como da população em<br />

geral.1 Um doente com essa lesão necessita de cuidados ime¬<br />

diatos e de longo prazo. O custo dos cuidados com uma lesão<br />

permanente da medula espinhal é estimado em cerca de USS<br />

1,35 milhão por doente.2<br />

Por ano, aproximadamente 32 em um milhão de pessoas<br />

terão algum tipo de lesão da medula espinhal. Nos Estados Uni¬<br />

dos, a estimativa é de que 250 mil a 400 mil pessoas vivem<br />

com lesões da medula espinhal. O trauma vertebromedular pode<br />

ocorrer em qualquer idade; porém, ocorre geralmente em indi¬<br />

víduos entre 16 e 35 anos, uma vez que esse grupo etário se<br />

envolve em atividades mais violentas e de alto risco. O maior<br />

número de vítimas de trauma vertebromedular fica no grupo<br />

de 16 a 20 anos. O segundo maior grupo é o de vítimas entre<br />

21 e 25 anos, e o terceiro grupo tem idade que oscila entre 26 j<br />

e 35 anos. Causas comuns são: colisão de veículos automotores i<br />

(48%), quedas (21%), ferimentos penetrantes (15%), lesões por |<br />

esportes (14%) e outras lesões (2%). Ao todo, aproximadamente<br />

'11.000 pessoas sofrem lesões vertebromedulares anualmente<br />

nos Estados Unidos.'1<br />

A açâo repentina de forças violentas sobre o corpo podei<br />

mover a coluna para além da amplitude normal de movimento,<br />

seja pelo impacto na cabeça ou no pescoço, seja pelo desloca¬<br />

mento do tronco da sua posição abaixo do pescoço. Quando se<br />

avalia o potencial de lesão, quatro conceitos ajudam a tornai<br />

mais claro o possível efeito da energia sobre a coluna:<br />

1. A cabeça é como uma bola de boliche repousando em cima<br />

do pescoço, e a sua massa geralmente se move em direções<br />

diferentes que as do tronco, resultando em forças inten¬<br />

sas aplicadas ao pescoço (coluna cervical e/ou medula<br />

espinhal).<br />

2. Objetos em movimento tendem a permanecer em movi¬<br />

mento, e objetos em repouso tendem a permanecer em<br />

repouso.<br />

3. O movimento repentino ou violento da parte superior das<br />

pernas desloca a pelve e resulta em movimento violento<br />

da parle inferior da coluna. Devido ao peso e à inércia da<br />

cabeça e do tronco, é aplicada força em direção oposta<br />

(contrária) à parle superior da coluna.<br />

4. Ausência de déficit neurológico não exclui lesão óssea<br />

ou ligamentar da coluna nem descarta a existência de<br />

condições que tenham forçado a medula espinhal até o<br />

limite de tolerância.<br />

Alguns doentes traumatizados com déficits neurológio<br />

sofrem de lesão medular temporária ou permanente. Outi<br />

doentes têm déficits neurológicos causados por lesão de<br />

vos periféricos ou por lesão das extremidades não associad


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 247<br />

à lesão medular. O socorrista' deve considerar que todo doente<br />

que apresentar trauma pelos mecanismos a seguir deve ser con¬<br />

siderado um potencial portador de uma lesão vertebromedular:<br />

b<br />

b<br />

b<br />

ÿ<br />

b<br />

Qualquer mecanismo contuso que produza um impacto<br />

violento na cabeça, 110 pescoço, no tronco ou na pelve<br />

Qualquer incidente que produza aceleração ou desacelera¬<br />

ção repentinas ou impactos laterais que forcem o pescoço<br />

ou o tronco<br />

Qualquer queda, especialmente em idosos<br />

Ejeção ou queda de qualquer veículo motorizado ou acionado<br />

por outro mecanismo de movimentação<br />

Qualquer vítima de acidente de mergulho em águas rasas4,5<br />

Pedículo<br />

Forame<br />

transverso<br />

Processo<br />

A transverso<br />

Lâmina<br />

Processo espinhoso<br />

(bífido)<br />

Processo espinhoso<br />

Forame vertebral<br />

Faceta articular<br />

superior<br />

Todos esses doentes devem ser estabilizados manualmente,<br />

em posição neutra (a menos que isso seja contraindicado), até<br />

que a necessidade de imobilização da coluna seja avaliada.<br />

Processo<br />

transverso<br />

J-âmina<br />

Forame vertebral<br />

Anatomia e Fisiologia<br />

Anatomia Vertebral<br />

Acoluna espinhal é composta de 33 ossos, chamados devérfe-<br />

| iras, empilhados uns sobre os outros. Exceto a primeira (Cl) e<br />

: asegunda (C2) vértebras (cervicais) na extremidade superior da<br />

: coluna e as vértebras sacral e coccígea fundidas na parte inferior<br />

| da coluna, todas as vértebras são semelhantes quanto à forma,<br />

àestrutura e ao movimento (Fig. 10-1). A parte maior de cada<br />

vértebra é a parte anterior chamada de corpo. Cada corpo versustenta<br />

a maior parte do peso da coluna vertebral e do<br />

tronco acima dela. Dois lados curvos chamados de arcos neuwis<br />

são formados pelo pedículo e, posteriormente, pela lâmina.<br />

[ Aparte posterior da vértebra é uma estrutura com forma de rabo<br />

chamada de processo espinhoso. Nas cinco vértebras cervicais<br />

íferiores, esse processo posterior aponta diretamente para a<br />

I direção posterior, ao passo que, nas vértebras torácicas e lomba-<br />

| res, aponta levemente para baixo, em direção caudal.<br />

A maioria das vértebras tem também protuberâncias em<br />

I forma de estilete de cada lado, perto das suas margens anterio¬<br />

res laterais, chamadas de processos transversos. Os processos<br />

nsversos e espinhosos servem como pontos de inserção de<br />

aúsculos e, portanto, são fulcros para movimentação. Os arcos<br />

:eurais e a parte posterior de cada corpo vertebral têm uma<br />

[forma quase circular com uma abertura no centro denominada<br />

ame vertebral (canal espinhal). A medula espinhal passa<br />

avés dessa abertura. A medula é, até certo ponto, protegida de<br />

lauma pelas vértebras à sua volta. Cada forame vertebral se alilcha<br />

com o da vértebra acima e o da vértebra abaixo para formar<br />

ocanal medular oco, através do qual passa a medula espinhal.<br />

IColuna Vertebral<br />

IAs vértebras estão empilhadas em uma forma parecida com a<br />

S (Fig. 10-2). Essa organização permite um movimento<br />

jultidirecional amplo, ao mesmo tempo em que proporciona<br />

[força máxima. Para referência, a coluna vertebral é dividida em<br />

B<br />

Pedículo<br />

Q<br />

Processo espinhoso<br />

Lâmina<br />

Processo<br />

transverso 7<br />

Pedículo<br />

íUj<br />

Faceta articular<br />

superior<br />

Forame vertebral<br />

Faceta articular<br />

superior<br />

FIGURA 10-1 Com exceção das vértebras fundidas sacrais<br />

e coccígeas, cada vértebra possui as mesmas partes que as<br />

demais. O corpo (porção anterior) de cada vértebra torna-se<br />

maior e mais forte à medida que se aproxima da pelve, pois<br />

tem que suportar mais peso. A, Quinta vértebra cervical.<br />

B, Vértebra torácica. C, Vértebra lombar.<br />

cinco regiões distintas. Começando da parte superior da coluna<br />

espinhal e indo para baixo, temos as regiões cervical, torácica,<br />

lombar, sacral e coccígea. As vértebras são identificadas pela<br />

primeira letra da região na qual são encontradas e pela sua sequ¬<br />

ência a partir da parte superior daquela região. A primeira vér¬<br />

tebra cervical é chamada Cl; a terceira vértebra torácica, T3; a


248 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Primeira vértebra cervical<br />

(atlas)<br />

REGIÃO<br />

CERVICAL<br />

Segunda vértebra cervical<br />

(áxis)<br />

Sétima vértebra cervical<br />

Primeira vértebra torácica<br />

REGIÃO<br />

TORÁCICA<br />

Disco intervertebral<br />

Forames intervertebrals<br />

Primeira vértebra lombar<br />

Corpo<br />

REGIÃO<br />

LOMBAR<br />

Processo transverso<br />

Processo espinhoso<br />

REGIÃO<br />

SACRAL E<br />

COCCÍGEA<br />

— Sacro<br />

— Cóccix<br />

FIGURA 10-2 A coluna vertebral não é uma haste reta, mas uma série de blocos que são empilhados de modo a permitir<br />

várias inclinações e curvas. Nas curvas, a coluna é mais vulnerável a fraturas; daí a origem da expressão em língua inglesa<br />

"quebrar o S na queda".


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 249<br />

quinta vértebra lombar, L5, e assim por diante por toda a coluna<br />

espinhal. Cada vértebra suporta o aumento do peso do corpo<br />

à medida que as vértebras se deslocam para baixo na coluna<br />

espinhal. Apropriadamente, as vértebras se tornam progressiva¬<br />

mente maiores de C3 a L5 para acomodar o aumento do peso e<br />

da carga de trabalho (Fig. 10-1).<br />

Localizadas na extremidade superior da coluna espinhal,<br />

estão as sete vértebras cervicais que sustentam a cabeça. A<br />

região cervical é bastante flexível para permitir o movimento<br />

total da cabeça. Em seguida, vêm as 12 vértebras torácicas. Cada<br />

par de costelas arlicula-se posteriormente a uma das vértebras<br />

s. Ao contrário da coluna cervical, a coluna torácica é<br />

elativamente rígida, com pouco movimento. Abaixo das vértorácicas,<br />

estão as cinco vértebras lombares, que são as<br />

ais maciças de todas as vértebras. A área lombar também é<br />

stante flexível e permite movimento em várias direções. As<br />

cinco vértebras sacrais são fundidas, formam uma estrutura<br />

conhecida como sacro. Por último, as quatro vértebras<br />

ccígeas também são fundidas e formam o cóccix (osso cau-<br />

.),Aproximadamente 55% das lesões vertebromedulares ocorn<br />

na região cervical, 15% na região torácica, 15% na junção<br />

oracolombar e 15% na área lombossacra.<br />

Ligamentos e músculos envolvem a coluna da base do crânio<br />

até a pelve. Esses ligamentos e músculos formam uma rede que<br />

toda a parte óssea da coluna espinhal, mantendo.-a em<br />

bamento normal e permitindo movimento. Se esses ligamen-<br />

!músculos se rompem, ocorre movimento excessivo de uma<br />

vértebra com relação à outra. Quando existe rompimento dos<br />

ligamentos espinhais, esse movimento excessivo pode resultar<br />

na luxação das vértebras, que pode comprometer o espaço den¬<br />

tro do canal medular e, assim, lesionar a medula espinhal.<br />

Os ligamentos longitudinais anteriores e posteriores conec¬<br />

tam os corpos vertebrais anteriormente e dentro do canal. Os<br />

ligamentos entre os processos espinhosos fornecem suporte<br />

para o movimento de flexão-exlensão (para a frente e para trás),<br />

ao passo que aqueles entre as lâminas fornecem suporte durante<br />

flexão lateral (inclinação para o lado) (Fig. 10-3).<br />

A cabeça se equilibra na parle superior da coluna, e a coluna<br />

é sustentada pela pelve. O crânio repousa sobre a primeira vér¬<br />

tebra cervical (Cl) em forma de anel, chamada de atlas. O áxis,<br />

C2, é, também, basicamente em forma de anel, mas tem um<br />

esporão (processo odontoide) que se projeta como um dente<br />

dentro do arco anterior do atlas (Fig. 10-4). O áxis permite que a<br />

cabeça lenha uma amplitude de rotação de 180°.<br />

A cabeça humana pesa entre 7 e 10 kg, um pouco mais que<br />

a média do peso de uma bola de boliche. O peso e a posição<br />

da cabeça sobre o pescoço fino e flexível, as forças que agem<br />

sobre a cabeça, o pequeno tamanho dos músculos de sustenta¬<br />

ção e a falta de costelas ou outros ossos contribuem para tornar<br />

a coluna cervical particularmente suscetível a lesões. No nível<br />

da C3, a medula espinhal ocupa perto de 95% do canal medular<br />

(a medula espinhal ocupa cerca de 65% da área do canal medu¬<br />

lar no final na região lombar), e há somente 3 mm de espaço<br />

entre a medula e a parede do canal. Mesmo um deslocamento<br />

Medula espinhal<br />

Ligamento longitudinal posterior<br />

Tubérculo anterior<br />

Faceta para odontoide . X<br />

Forame<br />

transverso<br />

.Arco anterior<br />

Forame vertebral<br />

Processo<br />

transverso<br />

Faceta articular<br />

superior (articula com<br />

o côndilo occipital)<br />

A<br />

Arco posterior<br />

Odontoide (articula<br />

com o atlas)<br />

Processo transverso<br />

Faceta<br />

articular<br />

superior<br />

Corpo<br />

Nervos espinhais<br />

Ligamento longitudinal anterior<br />

GURA 10-3 Ligamentos longitudinais anterior e posterior da<br />

vertebral.<br />

B<br />

Forame transverso<br />

Processo espinhoso<br />

Forame<br />

vertebral<br />

FIGURA 10-4 A primeira e segunda vértebras cervicais<br />

apresentam formatos únicos. A, Atlas (Cl). B, Axis (C2).


250 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

pequeno nesse ponto pode produzir uma compressão da medula<br />

espinhal. Os músculos posteriores do pescoço são muito fortes,<br />

permitindo até 60% de amplitude de flexão e 70% de amplitude<br />

de extensão da cabeça sem qualquer estiramento da medula.<br />

Entretanto, a aplicação violenta ao corpo de aceleração, desace¬<br />

leração ou força lateral pode fazer com que o peso significativo<br />

da cabeça na coluna cervical estreita amplie os efeitos de movi¬<br />

mentos repentinos. Um exemplo disso seria uma colisão traseira<br />

sem o ajuste adequado do encosto de cabeça do veículo.<br />

O sacro é a base da coluna vertebral, ã plataforma sobre a<br />

qual repousa a coluna espinhal. O sacro suporta entre 70% e<br />

80% do peso total do corpo. É importante observar que o sacro<br />

é tanto uma parte da coluna espinhal quanto da cintura pélvica<br />

e é ligada ao restante da pelve por articulações imóveis.<br />

Anatomia da Medula Espinhal<br />

A medula espinhal é continuação do cérebro e começa na base<br />

do tronco cerebral, passando através do forame magno (o orifí¬<br />

cio na base do crânio) e através de cada vértebra até o nível da<br />

segunda vértebra lombar (L2). O sangue é levado para a medula<br />

espinhal pelas artérias vertebrais e espinhais.<br />

A medula espinhal é cercada pelo líquido cefalorraquidiano<br />

(LCR) e é envolta por um revestimento durai. Esse revestimento<br />

durai envolve o cérebro e continua até a segunda vértebra sacral,<br />

até um reservatório saculiforme (a cisterna magna). O LCR pro¬<br />

duzido pelo cérebro circula ao redor da medula e é absorvido<br />

nesta cisterna. O LCR realiza a mesma função na medula e no<br />

cérebro, agindo como uma proteção contra lesões durante movi¬<br />

mentos rápidos e intensos.<br />

A medula espinhal é constituída de substância cinzenta e<br />

branca. A substância branca contém os tratos espinhais, que<br />

são divididos em dois tipos: ascendente e descendente (Fig.<br />

10-5).<br />

Os tratos neurais ascendentes levam impulsos sensitivos<br />

das regiões do corpo através da medula até o cérebro. Tratos<br />

neurais ascendentes podem, ainda, ser divididos em tratos que |<br />

levam as diferentes sensações de dor e temperatura; lato e pres¬<br />

são; e impulsos sensitivos de movimento, vibração, posição e I<br />

propriocepção. Os tratos que levam as sensações de dor e tem¬<br />

peratura pelo corpo seguem por uma rota nervosa pela qual a I<br />

informação do lado direito do corpo cruza para o lado esquerdo<br />

da medula espinhal, seguindo, então, para o cérebro. Em con¬<br />

trapartida, o trato nervoso que carrega as sensações de posição,<br />

vibração e propiocecpção não cruza a medula espinhal. Essas<br />

informações sensoriais são levadas ao cérebro pelo mesmo lado|<br />

da rota nervosa da medula espinhal.<br />

Os tratos neurais descendentes são responsáveis por levari<br />

impulsos motores do cérebro para o corpo através da medula o<br />

controlam todos os movimentos musculares e o tônus muscular.<br />

Esses tratos descendentes também não cruzam a medula. Por¬<br />

tanto, o trato motor do lado direito da medula controla a função<br />

motora do lado direito do corpo. Entretanto, esses tratos moto¬<br />

res cruzam no tronco cerebral, então o lado esquerdo do cérebro<br />

controla a função motora do lado direito do corpo e vice-versa.<br />

À medida que a medula espinhal continua descendo, parei<br />

de nervos ramificam-se da medula em cada vértebra e se esten¬<br />

dem para as várias regiões do corpo (Fig. 10-6). Há 31 pares de<br />

nervos espinhais, que são designados de acordo com o nível de<br />

onde eles emergem. Cada nervo tem duas raízes em cada lado.<br />

A porção dorsal da medula é para impulsos sensitivos, eel<br />

porção ventral, para impulsos motores. Estímulos neurológicosi<br />

passam entre o cérebro e cada parte do corpo através da medula]<br />

e pares específicos desses nervos. A medida que se ramificara]<br />

da medula espinhal, esses nervos passam através de um ponto[<br />

no lado lateral inferior cla vértebra, posterior ao corpo vertebral,I<br />

chamado de forame intervertebral. Discos intervertebrals seme¬<br />

lhantes à cartilagem ficam entre os corpos de cada vértebra e<br />

agem como amortecedores de choque (*Fig. 10-7).<br />

Esses ramos de nervos têm várias funções de controle, e seuil<br />

níveis na medula são representados por dermálomos. Um rfo-j<br />

mátomo é uma área sensitiva do corpo que fica sob o controlede<br />

Trato piramidal<br />

Função motora<br />

do mesmo lado<br />

Colunas posteriores<br />

Propriocepção e sensação<br />

de vibração do mesmo lado<br />

Trato espinotalâmico<br />

Sensação de dor e<br />

temperatura do lado oposto<br />

FIGURA 10-5<br />

Tratos da medula espinhal.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 251<br />

Sistema nervoso<br />

periférico (SNP)<br />

Nervo<br />

craniano<br />

Sistema nervoso<br />

central (SNC)<br />

Cérebro<br />

Vértebra<br />

Medula espinhal<br />

Plexo<br />

braquial<br />

Nervo<br />

mediano<br />

Nervo<br />

espinhal<br />

Medula<br />

espinhal Posterior Anterior<br />

Nervos<br />

Disco cartilaginosos<br />

FIGURA 10-7 A cartilagem entre cada um dos corpos<br />

vertebrais é chamada disco intervertebral. Esses discos agem<br />

como amortecedores de choque. Se danificada, a cartilagem<br />

pode projetar-se para dentro do canal medular, comprimindo<br />

a medula ou os nervos que passam através dos forames<br />

intervertebrals.<br />

dente ao dermátomo T4, e o nível do umbigo, correspondente<br />

ao dermátomo TIO.<br />

O processo de inalação e exalação exige tanto a incursão do<br />

tórax quanto mudanças apropriadas na forma do diafragma. O<br />

diafragma é inervado pelos nervos frênicos, que se ramificam<br />

dos nervos originários da medula entre os níveis C2 e C5. Se a<br />

medula acima do nível de C2 ou os nervos frênicos forem seccio¬<br />

nados, ou de qualquer maneira interrompidos, o doente perde a<br />

capacidade de respirar espontaneamente. Um doente com essa<br />

lesão pode asfixiar antes da chegada do socorristÿ, a menos que<br />

testemunhas iniciem a ventilação de resgate. Será necessária<br />

ventilação com pressão positiva durante o transporte.<br />

FIGURA 10-6<br />

SNC e SNP.<br />

| uma raiz nervosa. Coletivamente, os dermálomos permitem que<br />

asáreas do corpo sejam mapeadas para cada nível espinhal (Fig.<br />

l). Os dermátomos podem ser usados para ajudar a deter-<br />

I minar o nível da lesão da medula espinhal. O socorrista deve<br />

lerem mente duas referências: o nível dos mamilos, correspon-<br />

Fisiopatologia<br />

Em geral, a coluna espinhal pode suportar forças de até 1.360<br />

joules de energia. Deslocamentos em alta velocidade e espor¬<br />

tes de contato costumam aplicar forças sobre a coluna acima<br />

dessa quantidade. Mesmo em colisão de veículo em velocidade<br />

baixa ou moderada, o corpo não contido de uma pessoa de 68 kg<br />

pode facilmente exercer de 4.080 a 5.440 joules de força contra<br />

a coluna, quando a cabeça é repentinamente arremessada contra<br />

o para-brisa ou o teto do veículo. Força semelhante pode ocorrer<br />

quando o motociclista é atirado por cima da moto ou quando o<br />

esquiador em alta velocidade colide com uma árvore.<br />

Lesões do Esqueleto<br />

Ha vários tipos de lesão de coluna, e alguns deles são descritos<br />

a seguir:


252 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Nervo craniano<br />

V (nervo trigèmeo)<br />

FIGURA 10-8 Mapa de dermátomos, mostrando a relação entre as áreas cutâneas sensíveis ao toque e os nervos espinhais<br />

correspondentes àquela área. A perda de sensação localizada pode indicar a presença de lesão no nervo espinhal.<br />

Fraturas por compressão que produz achatamento total do<br />

corpo vertebral ou compressão em cunha.<br />

Fraturas que produzem pequenos fragmentos de osso, que<br />

podem alojar-se no canal espinhal, próximo à medula.<br />

Subluxação, que é o deslocamento parcial de uma vértebra<br />

do seu alinhamento normal na coluna espinhal.<br />

Superestiramento ou laceração dos ligamentos e músculos,<br />

produzindo uma relação instável entre as vértebras.6<br />

Quaisquer dessas lesões esqueléticas podem resultar ime-J<br />

dialamenle em secção irreversível da medula, ou podem con<br />

primir ou estirar a medula. Em muitos doentes, porém, a<br />

das vértebras ou dos ligamentos resulta em uma coluna espin<br />

instável, mas não produz uma lesão imediata da medula. .<br />

disso, doentes com lesão espinhal também têm 10% de prob<br />

bilidade de possuir alguma outra fratura espinhal. Portanto,í<br />

coluna deve ser imobilizada inteiramente em todos os doente<br />

que apresentarem suspeita de lesão na coluna espinhal.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 253<br />

A ausência de déficit neurológico não elimina a possibili¬<br />

dade de fralura óssea ou de coluna instável. Embora a presença<br />

de respostas motoras e sensitivas adequadas nas extremidades<br />

indique que a medula está intacta no momento, ela não exclui<br />

presença de lesão nas vértebras nem nas estruturas ósseas ou<br />

de partes moles associadas. Uma percentagem significativa de<br />

doentes com coluna instável não apresenta déficit neurológico.<br />

Inecessário realizar uma avaliação completa para determinar a<br />

| necessidade de imobilização.<br />

Mecanismos Específicos de Trauma que<br />

Causam Lesão Vertebromedular<br />

A carga axial pode ocorrer de vários modos. Mais comumente,<br />

essa compressão da coluna ocorre quando a cabeça colide com<br />

um objeto, e o peso do corpo ainda em movimento atinge a<br />

cabeça parada, como quando a cabeça de um ocupante não con¬<br />

tido bate no para-brisa ou quando a cabeça bale contra um objeto<br />

em um incidente de mergulho em lugares rasos. Compressão e<br />

carga axial também ocorrem quando o doente sofre uma queda<br />

uma altura significativa e cai em pé. Isso dirige o peso da<br />

cabeça e do tórax para baixo contra a coluna lombar, enquanto<br />

a coluna sacra permanece parada. Cerca de 20% das quedas de<br />

uma altura maior do que 4,5 m envolvem fralura associada da<br />

coluna lombar. Durante essa troca de energia extrema, a coluna<br />

lhal tende a exagerar suas curvas normais, e fraturas e com¬<br />

pressões ocorrem nessas áreas. A coluna é cm forma de S; por<br />

isso, pode-se dizer que as forças compressivas tendem a "que¬<br />

brar o S do doente". Essas forças comprimem o lado côncavo e<br />

abrem o lado convexo da coluna.<br />

Flexão excessiva (hiperflexão), extensão excessiva (hiperexlensão)<br />

e rotação excessiva [hiper-rotação) podem causar lesões<br />

ósseas e dilaceração dos músculos e ligamentos, o que resulta<br />

em choque ou estiramento da medula espinhal.<br />

Inclinação lateral repentina ou excessiva requer muito<br />

menos movimento do que flexão ou extensão antes que ocorra<br />

alesão. Durante o impacto lateral, o tronco e a coluna torácica<br />

movem-se lateralmente. A cabeça tende a permanecer no lugar<br />

até que seja puxada pelos ligamentos cervicais. O centro de gra¬<br />

vidade da cabeça fica acima e anteriormente à base e à ligação à<br />

coluna cervical; portanto, a cabeça tenderá a rolar lateralmente.<br />

Esse movimento frequentemente resulta em deslocamentos e<br />

em fraturas ósseas.<br />

fiação excessiva (superalongamento da coluna) ocorre<br />

quando uma parte da coluna está estável e o resto está em movi¬<br />

mento longitudinal. Esta "separação violenta" da coluna pode<br />

facilmente causar estiramento e dilaceração da medula. Lesão<br />

por tração é um mecanismo comum de lesão em incidentes em<br />

parquinhos para crianças e em enforcamentos.<br />

Embora qualquer um desses tipos de movimentos violentos<br />

possa ser a causa dominante de lesão vertebromedular' em um<br />

determinado doente, um ou mais dos outros, em geral, também<br />

estarão envolvidos.<br />

Lesões da Medula Espinhal<br />

Alesão primária ocorre no momento do impacto ou da aplicação<br />

da força e pode causar compressão da medula, lesão direta da<br />

medula (em geral, por fragmentos ósseos instáveis ou projéteis)<br />

e/ou interrupção dá oferta de sangue para a medula. A lesão<br />

secundária ocorre após o traumatismo inicial e pode incluir<br />

inchaço, isquemia ou movimento de fragmentos ósseos.'<br />

A concussão damedularesultadeinterrupçãotemporária das<br />

funções da medula espinhal distai à lesão. O traumafechado da<br />

medula envolve ferimento ou hemorragia nos tecidos da medula<br />

espinhal, que pode, também, resultar em perda temporária das<br />

funções da medula distai à lesão ("choque" medular). Choque<br />

medular é um fenómeno neurológico que ocorre durante um<br />

período variável e imprevisível após a lesão da medula, resul¬<br />

tando em perda temporária de toda a função sensitiva e motora,<br />

flacidez e paralisia e perda dos reflexos abaixo do nível da lesão.<br />

O trauma fechado é geralmente causada por uma lesão do tipo<br />

penetrante ou movimento de fragmentos ósseos. A gravidade<br />

da lesão resultante do trauma fechado está relacionada com a<br />

magnitude da hemorragia no tecido. Uma lesão ou interrupção<br />

da oferta de sangue para a medula pode resultar em isquemia<br />

local. A compressão da medula é a pressão sobre a medula espi¬<br />

nhal causada por inchaço, mas pode também ser devida à rup¬<br />

tura traumática de disco e à presença de fragmentos ósseos. A<br />

compressão pode resultar em isquemia do tecido e, em alguns<br />

casos, pode necessitar de descompressão para evitar uma perda<br />

permanente da função. A laceração da medula ocorre quando<br />

o tecido da medula é lacerado ou cortado. O déficit neurológico<br />

pode ser revertido se a medula sofreu apenas uma lesão leve;<br />

porém, pode resultar em incapacidade permanente se alguns ou<br />

todos os tratos espinais estiverem rompidos.<br />

A transccção da medula espinhal pode ser classificada como<br />

completa ou incompleta. Na transecção completa da medula,<br />

todos os tratos espinhais são interrompidos, e todas as funções<br />

da medula distai ao local da lesão são perdidas. Em razão dos<br />

efeitos adicionais do inchaço, a determinação reál da perda da<br />

função não pode ser precisa até 24 horas após a lesão. A maio¬<br />

ria das transecções completas da medula resulta em paraplegia<br />

ou tetraplegia, dependendo do nível da lesão. Na transecção<br />

incompleta da medula, alguns tratos e funções motoras/sensi¬<br />

tivas permanecem intactos. O prognóstico para recuperação é<br />

melhor nesses casos do que com transecção completa. Tipos de<br />

lesões incompletas da medula incluem:<br />

0 Síndrome anterior da medula é o resultado de fragmentos<br />

ósseos ou pressão nas artérias espinhais (Fig. 10-9). Os sin¬<br />

tomas incluem perda de função motora e sensação de<br />

dor, temperatura e propriocepção. Porém, algumas sensa¬<br />

ções de propriocepção, movimento, posição e vibração são<br />

poupadas.<br />

Síndrome central da medula geralmente ocorre pela<br />

hiperextensão da área cervical (Fig. 10-10). Os sintomas<br />

incluem fraqueza ou pareslesia nas extremidades superiores,<br />

mas a força é normal nas extremidades inferiores. Esta sín¬<br />

drome causa graus variáveis de disfunção da bexiga.<br />

Síndrome de Brown-Séquard é causada por ferimento<br />

penetrante e envolve hemitransecção da medula, compro¬<br />

metendo somente um lado da medula (Fig. 10-11).<br />

Os sintomas incluem lesão completa da medula e perda


254 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Área de lesão medular<br />

Área de lesão medular<br />

FIGURA 10-9<br />

Síndrome anterior da medula.<br />

FIGURA 10-11<br />

Síndrome de Brown-Séquard.<br />

Avaliação<br />

FIGURA 10-10<br />

Area de lesão medular<br />

Síndrome central da medula.<br />

da função no lado afetado (motor, vibração, movimento e<br />

posição) com perda de sensação de dor e temperatura<br />

no lado oposto ao da lesão."<br />

O "choque" neurogênico secundário à lesão da medula espi¬<br />

nhal representa um achado adicional significativo. Quando a<br />

medula é rompida, o mecanismo de controle simpático do corpo<br />

não pode manter o controle dos músculos nas paredes dos vasos<br />

sanguíneos abaixo do ponto de lesão. Essas artérias e arteríolas<br />

dilatam-se, o que aumenta o tamanho do compartimento vascu¬<br />

lar e produz hipovolemia relativa e perda parcial da resistência<br />

vascular sistémica. Em decorrência disso, a pressão arterial é<br />

reduzida. A pele, no entanto, é quente e seca. Em vez da taqui¬<br />

cardia comumente associada ao choque hipovolêmico, esse tipo<br />

de lesão produz frequência cardíaca normal ou bradicardia leve.<br />

Embora o doente possa estar hipotenso, o "choque" neurogênico<br />

geralmente não causa alteração da oxigenação para os tecidos<br />

periféricos (Capítulo 8). Lesões vertebromedulares altas (C5 ou<br />

acima) têm maior probabilidade de necessitar de intervenções<br />

cardiovasculares, como vasopressores e marca-passos.9 Uma<br />

orientação consensual recente recomenda a correção imediata<br />

da hipotensão (pressão arterial sistólica abaixo de 90 mm Hg) no<br />

quadro de lesão vertebromedular aguda. Idealmente, a pressão<br />

arterial de doentes com suspeita de lesão vertebromedular deve<br />

ser mantida em um intervalo normal (pressão arterial média de<br />

85 a 90 mmHg)."'<br />

A avaliação de lesão espinhal, como a de outras condições,den|<br />

ser feita no contexto de outras lesões e condições presentes.;<br />

avaliação primária é a primeira prioridade. Entretanto,<br />

problemas frequentemente não podem ser avaliados ou atenJ<br />

didos sem mover o doente, de modo a garantir a segurança d-t<br />

lodos os indivíduos presentes no local. Por isso, um levantei<br />

mento rápido da situação e o histórico da cena podem dele<br />

minar se existe a possibilidade de lesão vertebromedular;<br />

tanto, a coluna do doente deve ser protegida manualmente.Á|<br />

menos que seja contraindicado (ver discussão na página 259],i<br />

cabeça deve ser trazida a uma posição alinhada neutra. Deves<br />

mantida nessa posição até que a avaliação não revele indicaçi<br />

de imobilização ou a imobilização manual seja substituída<br />

um dispositivo de imobilização para coluna como uma pranc<br />

curta, uma prancha longa ou um dispositivo do tipo colete.<br />

Exame Neurológico<br />

É realizado um exame neurológico rápido no local para iden<br />

ficar déficits óbvios relacionados com a lesão vertebromedu<br />

Pede-se que o doente mova os braços, as mãos e as pernas,i<br />

qualquer deficiência em fazê-lo é registrada. Depois, verifica-s<br />

a presença ou a ausência de sensibilidade no doente,<br />

çando nos ombros e descendo até os pés. Não há necessidaded<br />

realização de um exame neurológico completo no ambiente prí<br />

hospitalar, já que este não traz novas informações que afetamdecisões<br />

acerca do atendimento a ser prestado, apenas levanà<br />

à perda de um tempo precioso e ao retardo do transporte.<br />

O rápido exame neurológico deve ser repetido após a in<br />

bilização do doente, a qualquer momento durante o transport<br />

e à chegada ao hospital. Este exame auxilia a identificação!<br />

quaisquer alterações no estado geral do doente, que podemI<br />

ocorrido após a avaliação inicial.<br />

Uso da Biomecânica do Trauma para Avaliai)<br />

a Lesão da Medula Espinhal<br />

Tradicionalmente, aos socorristas foi ensinado que a suspeh<br />

de uma lesão é baseada apenas no mecanismo de lesão, ei


J<br />

CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 255<br />

é necessária a imobilização cia coluna em todos os doentes nos<br />

quais hajasuspeita de lesão conforme o mecanismo. Essa genera¬<br />

lização faz com que não sejam especificadas orientações clínicas<br />

daras para avaliação de lesões da coluna espinhal. Entretanto, a<br />

avaliação do pescoço para a necessidade de imobilização espi¬<br />

nhal também deve incluir uma avaliação da função motora e<br />

sensitiva, a presença de dor ou sensibilidade e a confiabilidade<br />

do doente como indicadores de lesão da medula espinhal. Tali<br />

vez o doente não reclame de dor na coluna espinhal em virtude<br />

dador associada a uma lesão mais contundente,' como fratura<br />

do fémur." Ingestão de álcool e drogas também pode diminuir a<br />

Sensibilidade à dor e mascarar lesões mais sérias.<br />

0 principal foco do socorrista deve ser o reconhecimento<br />

[das indicações para a imobilização da coluna, em vez de tentar<br />

| definir que não existe lesão de coluna.11'1" Como muitos doen¬<br />

tes não apresentam lesão vertebromedular, é conveniente uma<br />

| abordagem mais seletiva para a realização de imobilização da<br />

coluna, especialmente porque foi demonstrado que a imobili-<br />

| zação da coluna produz efeitos adversos em voluntários saudá-<br />

| reis, incluindo aumento do esforço respiratório, isquemia cutâ-<br />

'neaedor.18 Os socorristas devem concentrar-se nas indicações<br />

[adequadas para a realização da imobilização da coluna.<br />

Caso não haja indicações após a realização de um exame<br />

[cuidadoso e detalhado, pode não haver necessidade de imobii<br />

lização da coluna. A pedra angular do tratamento correio da<br />

[medula é a mesma para qualquer atendimento de trauma: ava-<br />

| liação superior com tratamento adequado e na hora certa.<br />

Trauma Fechado<br />

principais causas de lesão da coluna em adultos são as<br />

guintes:<br />

Colisões de veículos<br />

1 2. Incidentes de mergulho em lugares rasos<br />

[ 3, Colisões de motocicletas<br />

t. Quedas<br />

[j, Lesões esportivas<br />

As principais causas de trauma vertebromedular em doen-<br />

[tes pediátricos incluem:<br />

Quedas de lugares altos (geralmente duas a três vezes a<br />

altura do doente)<br />

1<br />

2. Quedas de triciclo ou de bicicleta<br />

[3. Atropelamento por veículo automotor<br />

Como parâmetro, o socorrista deve presumir que há lesão<br />

rtebromedular e coluna instável nas seguintes situações, e<br />

o ser realizada uma avaliação da coluna para determinar a<br />

cssidade de imobilização:<br />

Impacto violento na cabeça, no pescoço, no tronco ou na<br />

pelve produzido por qualquer mecanismo contuso (p. ex.,<br />

agressões, soterramento em escombros de desabamento).<br />

[1 Incidentes que produzam aceleração ou desaceleração<br />

repentinas, ou inclinação lateral do pescoço ou tronco (p.<br />

ex., colisões-de veículos motorizados em velocidade mode¬<br />

rada a alta, atropelamento, envolvimento em explosões).<br />

0 Qualquer queda, principalmente em doentes idosos.<br />

0 Ejeção ou queda de veículo motorizado ou qualquer outro<br />

dispositivo de transporte (p. ex., patinetes, skales, bicicletas,<br />

veículos motorizados, motos, veículos de recreação).<br />

0 Vítimas de acidente em águas rasas (p. ex., mergulho ou<br />

surfe sem prancha).<br />

Outras situações comumente associadas a lesões vertebromedulares<br />

incluem:<br />

0 Lesões na cabeça, com qualquer alteração no nível de<br />

consciência<br />

0 Danos significativos no capacete<br />

•0 Lesão confusa importante do tronco<br />

0 Fraturas por impacto ou outro tipo de desaceleração nas<br />

pernas ou nos quadris<br />

0 Lesões localizadas significativas na área da coluna<br />

Esses mecanismos de lesão exigem um exame detalhado e<br />

completo para determinar se há indicações para imobilização<br />

da coluna.<br />

Está comprovado que o uso correio do cinto de segurança<br />

salva vidas e reduz lesões de crânio, face e tórax. Entretanto, o<br />

uso de dispositivos de contenção não elimina a possibilidade<br />

de lesão vertebromedular. Quando ocorre desaceleração repen¬<br />

tina grave em colisões de impacto frontal significativo, o tronco,<br />

contido, para repentinamente, mas a cabeça, não contida, tenta<br />

continuar seu movimento para frente. A cabeça, segura pelos<br />

músculos posteriores fortes do pescoço, pode mover-se apenas<br />

levemente para frente. Se a força da desaceleração for intensa<br />

o bastante, a cabeça, então, direciona-se para baixo até que o<br />

queixo toque a parede torácica, frequentemente girando sobre<br />

a parte diagonal do ombro do cinto de segurança. Essa hiperflexão<br />

forçada e a rotação rápida do pescoço podem resultar<br />

em fraturas de compressão das vértebras cervicais, luxação das<br />

facetas (luxação dos processos articulares) e estiramento da<br />

medula espinhal. Mecanismos diversos também podem causar<br />

trauma vertebromedular em vítimas contidas durante colisões<br />

traseiras ou laterais. A intensidade do dano causado ao veículo<br />

e outras lesões do doente são fatores-chave para determinar a<br />

necessidade de imobilização.<br />

A capacidade de locomoção do doente não deve ser um<br />

fator determinante da necessidade de tratá-lo como se tivesse<br />

lesão•vertebromedular. Um número significativo de doentes que<br />

necessitam de intervenção cirúrgica por lesões vertebrom.edulares<br />

instáveis foi encontrado pelos socorristas "andando" no<br />

local do incidente ou entrou caminhando no serviço de emer¬<br />

gência do hospital.<br />

Trauma Penetrante<br />

O trauma penetrante merece considerações especiais em termos<br />

de potencial de trauma de colima.20 Em geral, quando o doente<br />

não apresenta lesão neurológica definida 110 momento da ocor¬<br />

rência do trauma, há pouca probabilidade de uma subsequente


256 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

lesão vertebromedular. Isso graças ao mecanismo da lesão e à<br />

biomecânica associada à força em questão. Objelos penetran¬<br />

tes não costumam produzir fraturas espinhais instáveis porque<br />

apresentam pouco risco de lesões de ligamentos ou de lesões<br />

ósseas, como as lesões contusas. Objetos penetrantes causam<br />

lesões no caminho da penetração. Se o objeto não ferir a medula<br />

direlamente, o doente terá pouca probabilidade de desenvol¬<br />

ver lesão vertebromedular. Vários estudos mostraram que lesões<br />

espinhais instáveis raramente ocorrem após trauma penetrante na<br />

cabeça, no pescoço ou no torso22-2' e que as lesões penetrantes<br />

não constituem indicações para imobilização da coluna. Dado o<br />

baixíssimo risco de uma lesão medular.instável, e uma vez que<br />

as outras lesões criadas pelo trauma penetrante frequentemente<br />

têm maior prioridade de tratamento, os doentes submetidos a<br />

esse tipo de trauma não precisam ser submetidos à imobilização<br />

da coluna. Na verdade, um recente estudo retrospectivo, utili¬<br />

zando o National Trauma Data Bank dos Estados Unidos, docu¬<br />

mentou que doentes com trauma penetrante que foram subme¬<br />

tidos à imobilização da coluna no pré-hospitalar apresentaram<br />

maior taxa de mortalidade total do que os que não foram.<br />

Indicações para Imobilização da Coluna<br />

Os mecanismos de lesão poderii auxiliar a determinar a neces¬<br />

sidade de imobilização da coluna (Fig. 10-12). O ponto-chave é<br />

associar uma avaliação física completa com um bom julgamento<br />

clínico para tomar uma decisão e, em caso cie dúvida, imobilizar.<br />

No caso de doentes que tenham sofrido lesões penetran¬<br />

tes (p. ex., ferimentos com armas de fogo ou arma branca), na<br />

cabeça, no pescoço e tórax, deve-se suspeitar de mecanismo de<br />

lesão preocupante quando houver queixas, sintomas ou acha¬<br />

dos neurológicos, como dormência, formigamento, perda da<br />

função motora ou sensitiva, ou, ainda, perda da consciência.<br />

Se não houver queixas ou achados neurológicos, mecanismo<br />

de trauma secundário, a coluna não precisa ser imobilizada<br />

(embora a prancha longa ainda seja usada com a finalidade de<br />

carregar e transportar o doente).<br />

Algumas condições no trauma contuso apontam para a<br />

necessidade de imobilização espinhal:<br />

1. Alteração no nível de consciência, com escore na escala<br />

de coma de Glasgow menor do que 15. Qualquer fator que<br />

altere a percepção de dor do doente irá dificultar a avalia¬<br />

ção da lesão feita pelo socorrista, incluindo:<br />

ta<br />

ta<br />

B3<br />

Lesão cerebral traumática<br />

Estado mental anormal, além de lesão cerebral traumática.<br />

Por exemplo, doentes psiquiátricos, portadores de<br />

Alzheimer ou pessoas sob a influência de tóxicos têm a<br />

percepção de dor prejudicada<br />

Reações de estresse agudo podem mascarar a dor<br />

2. Dor ou sensibilidade na coluna. Incluem dor associada ou<br />

não ao movimento, sensibilidade em um ponto, deformidade<br />

e posição de defesa para evitar dor na região da coluna.<br />

3. Déficit-ou sintoma neurológico. Incluem paralisia bilateral ||<br />

paralisia parcial, paresia (fraqueza), dormência, formiga¬<br />

mento ou cócegas e déficit neurológico espinhal<br />

abaixo do nível da lesão. Em homens, uma ereção contínmj]<br />

do pênis (priapismo) pode ser uma indicação adicional de |<br />

lesão da medula.<br />

4. Deformação anatómica da coluna. Inclui qualquer defor¬<br />

midade perceptível no exame físico do doente.<br />

A ausência desses sinais não exclui, porém, a possibilidade|<br />

de lesão da coluna (Fig. 10-13).<br />

No caso de doentes com mecanismos de lesão preocupantes]<br />

e ausência das condições relacionadas, o socorrista deve con- 1!<br />

siderar a confiabilidade do doente. Doentes confiáveis são cal¬<br />

mos, cooperativos, e seu estado mental é completamente normal. |<br />

Doentes não confiáveis apresentam:<br />

E3<br />

e<br />

h<br />

Intoxicação. Doentes sob influência de drogas ou álcool<br />

devem ser imobilizados e tratados como portadores de<br />

lesão vertebromedular até que estejam calmos, cooperati¬<br />

vos e sóbrios.<br />

Lesões que desviam a atenção. São lesões muito dolo¬<br />

rosas que podem impedir o doente de dar respostas confiá¬<br />

veis durante a avaliação.11 Exemplos dessas lesões<br />

incluem a fratura de fémur ou queimaduras profundas e<br />

extensas (Fig. 10-12).<br />

Barreiras cle comunicação. Problemas que podem advir do<br />

idioma, surdez, pouca idade ou qualquer ouLro impedi¬<br />

mento à comunicação.<br />

A confiabilidade do doente deve ser continuamente veri¬<br />

ficada em todas as fases de uma aváliação. Se em qualquer<br />

momento o doente exibir os sinais oú sintomas, ou se a con¬<br />

fiabilidade dos exames mencionados for questionada, deve-sel<br />

supor que o doente tenha lesão vertebromedular, e devem ser]<br />

implementadas técnicas de imobilização completa.<br />

Na maioria dos casos, o mecanismo não é indicador cle lesãof<br />

no pescoço (p. ex., queda com uma mão estendida, produzindo;<br />

fratura de Colles). Nesses casos, se critérios clínicos e avalia- :<br />

ções apontarem para a normalidade, a imobilização da coluna j<br />

não é necessária.<br />

Tratamento<br />

Nos Estados Unidos, o tratamento da coluna possivelmente ins¬<br />

tável é composto pela imobilização do doente,alinhado em posi¬<br />

ção neutra e supina, geralmente em prancha longa. Em muitos]<br />

outros países, uma maca acolchoada a vácuo, de corpo inteiro,]<br />

é frequentemente usada em vez da prancha longa. A cabeça, o[<br />

pescoço, o tronco e a pelve devem ser imobilizados alinhados<br />

em posição neutra, impedindo qualquer movimento da coluna)<br />

instável que possa resultar em dano à medula espinhal. A imo¬<br />

bilização da coluna segue o princípio comum ao tratamento de[<br />

fraturas: a imobilização da articulação acima e da articulação;


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 257<br />

INDICAÇÕES PARA IMOBILIZAÇÃO.DA COLUNA<br />

Trauma fechado<br />

I<br />

Alteração do nível de consciência (ECG


258 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 10-13<br />

Sinais e Sintomas de Trauma da<br />

Coluna<br />

e Dor no pescoço ou nas costas<br />

b Dor ao mexer o pescoço ou as costas<br />

Dor à palpação da região posterior do pescoço ou da linha<br />

média das costas<br />

E! Deformidade da coluna vertebral<br />

e Defesa ou contratura da musculatura do pescoço ou das<br />

costas<br />

a Paralisia, paresia, dormência ou formigamento nas pernas<br />

ou braços, em qualquer momento após o incidente<br />

ej<br />

Sinais e sintomas de choque neurogênico<br />

Priapismo (em doentes do sexo masculino)<br />

abaixo da lesão. Devido à anatomia da coluna, esse princípio<br />

de imobilização deve ser estendido à articulação imediatamente<br />

acima e abaixo da lesão vertebral suspeita. A articulação acima<br />

da coluna é a cabeça e a abaixo, a pelve.<br />

A flexão anterior moderada ou a extensão doS braços pode<br />

causar movimento significativo.da cintura escapular. Qualquer<br />

movimento ou angulação da pelve resulta em movimento do<br />

sacro e das vértebras ligadas a ele. Por exemplo, o movimento<br />

lateral de ambas as pernas juntas pode resultar em angulação da<br />

pelve e inclinação lateral da coluna.<br />

Praturas de uma determinada região da coluna estão fre¬<br />

quentemente associadas a fraturas de outras regiões da coluna.2'<br />

Portanto, toda a coluna que suporta o peso (cervical, torácica,<br />

lombar e sacra) deve ser considerada como uma única estru¬<br />

tura, e a coluna inteira deve ser imobilizada e apoiada para que<br />

seja obtida imobilização adequada. A posição supina é a posi¬<br />

ção mais estável para assegurar sustentação continuada durante<br />

a manipulação, a condução e o transporte do doente. Também<br />

oferece ao socorrista o melhor acesso para exame subsequente e<br />

para reanimação e atendimento adicional do doente. Quando o<br />

doente está na posição supina, é fácil acessar simultaneamente<br />

via aérea, boca e nariz, olhos, tórax e abdome.<br />

Os doentes, em geral, se apresentam em uma das quatro<br />

posições gerais: sentada, em semipronação, supina ou de pé.<br />

Os socorristas devem proteger e imobilizar a coluna do doente<br />

imediata e continuamente do momento em que o encontra até<br />

que esteja fisicamente imobilizado na prancha longa. Técnicas<br />

e equipamentos como imobilização manual, pranchas curtas,<br />

coletes de imobilização, colocar em posição supina o doente<br />

que está em pé, padiolas articuladas, métodos de rolamento em<br />

bloco apropriados ou retirada rápida com imobilização manual<br />

completa são técnicas de imobilização provisória para proteger<br />

a coluna do doente. Essas técnicas permitem a movimentação<br />

segura do doente da posição na qual ele foi encontrado até que<br />

se institua imobilização total e completa em posição supina na<br />

prancha longa rígida. Um estudo recente sugere que um tipo<br />

de padiola articulada fabricada atualmente pode ser tão eficaz<br />

quanto uma prancha longa rígida padrão.29<br />

Em geral, os socorristas concenlram-se demais em disp:<br />

sitivos específicos de imobilização, sem uma compreensã<br />

dos princípios de imobilização e dos meios para modificai- ess-:<br />

princípios de modo que atendam às necessidades individuai<br />

do doente. Dispositivos e métodos de imobilização específico<br />

podem ser usados com segurança somente quando se entendei<br />

os princípios anatómicos, que são genéricos para lodos os mél<<br />

dos e equipamentos. Qualquer método detalhado e inflexívi<br />

para uso de um dispositivo não atende aos problemas varii<br />

dos encontrados no local do incidente. Independentemen'<br />

do equipamento ou do método específico usado, o tratamenl<br />

a qualquer doente com coluna instável deve seguir as etapa<br />

descritas a seguir.<br />

Método Geral<br />

Sempre que houver a decisão de imobilizar um doente traumi<br />

tizado, o socorrista deve:<br />

1. Alinhar a cabeça do doente em uma posição neutra (a<br />

menos que haja contraindicação) (ver próxima seção).<br />

Manter o alinhamento com a estabilização manual todo o<br />

tempo.<br />

2. Realizar a análise primária e proceder às intervenções<br />

necessárias.<br />

3. Avaliar a capacidade motora, a resposta sensitiva e o<br />

pulso nas quatro extremidades, se as condições do cloente<br />

permitirem.<br />

4. Examinar o pescoço, medi-lo e aplicar um colar cervical<br />

adequado e eficaz.<br />

5. Dependendo da situação, colocar uma prancha curta ou<br />

um colete de imobilização no doente, ou colocar o doente<br />

em uma prancha longa.<br />

6. Imobilizar o tronco no dispositivo de modo que o tronco<br />

não possa se mover para cima, para baixo, para a esquerda<br />

ou para a direita.<br />

7. Avaliar a necessidade de acolchoar a área que se encon¬<br />

tra atrás da cabeça, em adultos, ou do tórax do doente<br />

pediátrico.<br />

8. Imobilizar a cabeça do doente no dispositivo, mantendo<br />

posição alinhada neutra.<br />

9. Com o doente na prancha longa, imobilizar as pernas para<br />

impedir movimentos anteriores ou laterais.<br />

10. Fixar os braços do doente na prancha longa.<br />

1'1. Reavaliai- a análise primária e as funções motora, sensitiva<br />

e a pulsação nas quatro extremidades, se a condição do<br />

doente assim o permitir.<br />

Estabilização Manual Alinhada da Cabeça<br />

Uma vez determinado pela biomecânica do trauma que un<br />

lesão de coluna espinhal instável existe, a primeira providênch]<br />

do socorrista deve ser a estabilização manual alinhada da cab<br />

do doente. Isso deve ser feito segurando-a e movendo-a atéi<br />

posição neutra alinhada, a menos que seja contraindicado (verei<br />

seguir). Uma posição alinhada neutra deve ser mantida manual-fi


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 259<br />

I monte sem tração significativa na cabeça e no pescoço. A força<br />

Iexercida deve ser apenas suficiente para, em doente sentado ou<br />

Ide pé, remover o peso no sentido axial (aliviar o peso da cabeça<br />

I de cima do áxis e do resto da coluna cervical). A cabeça deve<br />

Ipermanecer em posição estável neutra, alinhada manualmente,<br />

Iaté que a imobilização mecânica do tronco e da cabeça se com-<br />

I plete ou o exame mostre que não há necessidade de imobili-<br />

I zação da coluna. Dessa forma, a cabeça e o pescoço do doente<br />

Isão imediatamente imobilizados e assim permanecem até o fim<br />

I dos exames no hospital. Movimentar a cabeça para-uma posi-<br />

Ição neutra alinhada apresenta menos risco do que transportar o<br />

•I doente com a cabeça em posição angulada. Além disso, a imobi-<br />

I lização e o transporte são bem mais fáceis quando o doente está<br />

Iem posição neutra.<br />

Em poucos casos, a movimentação da cabeça do doente para<br />

Iposição alinhada é contraindicada. Se a movimentação cuidaj<br />

dosa da cabeça e do pescoço em direção a uma posição alinhada<br />

Ie neutra provocar qualquer uma das seguintes reações, ela deve<br />

Iser imediatamente interrompida:<br />

i ÿ<br />

Resistência ao movimento<br />

Espasmos dos músculos do pescoço<br />

Hl<br />

ÿ<br />

| ÿ Aumento da dor<br />

li ÿ Início ou aumento de déficit neurológico, como adormeci¬<br />

mento, formigamento ou perda de motricidade<br />

H ÿ Comprometimento da via aérea ou da ventilação<br />

Se as lesões do doente forem tão graves a ponto de a cabeça<br />

|estar fora de alinhamento e não parecer mais se estender da<br />

Ilinha média entre os ombros, não devem ser tentados movimen-<br />

|tos de alinhamento neutro. Nesses casos, a cabeça do doente<br />

1 deve ser imobilizada na posição em que foi inicialmente encon-<br />

I Irada. Felizmente, tais casos são raros.<br />

Colares Cervicais Rígidos<br />

ÿ Colares cervicais rígidos isolados não imobilizam adcquada-<br />

Imente, apenas ajudam a sustentar o pescoço e impedir movi-<br />

I mentos. Eles limitam a flexão em quase 90% e limitam a exten-<br />

Isão, a flexão lateral e rotação em cerca de 50%. São importantes<br />

I para auxiliar a imobilização, devendo, porém, ser usados sem-<br />

1 pre com estabilização manual ou imobilização mecânica, reali-<br />

I zada por dispositivos adequados para a imobilização de coluna.<br />

I Colares cervicais não rígidos não servem como auxiliares à imo-<br />

J<br />

bilização da coluna no local do trauma.<br />

A finalidade principal e específica do colar cervical é prote-<br />

I gera coluna cervical de compressão. Métodos de imobilização<br />

] pré-hospitalares (usando colete, prancha curta ou longa) per-<br />

I<br />

mitern ainda uma ligeira movimentação do doente e da coluna,<br />

pois esses dispositivos se ajustam apenas externamente ao<br />

doente, e o tecido muscular e a pele apresentam algum movi¬<br />

mento com relação à estrutura óssea, mesmo que o doente esteja<br />

muito bem imobilizado. A maior parte das situações de resgate<br />

envolve algum movimento do doente e da coluna ao realizar<br />

extricação, e ao carregar e embarcar o doente. Esse tipo de movi¬<br />

mento também ocorre quando a ambulância acelera e desace¬<br />

lera em condições normais de tráfego.<br />

Um colai- cervical eficiente se apoia sobre o tórax, coluna<br />

torácica posterior, clavícula e músculo trapézio, onde o movi¬<br />

mento de tecido é mínimo. Ainda assim, há uma pequena pos¬<br />

sibilidade de movimento nas vértebras C6, C7 e Tl, porém sem<br />

possibilidade da sua compressão. A cabeça fica imobilizada sob<br />

o ângulo da mandíbula e na região occipital do crânio. Um colar<br />

rígido foz com que a carga inevitável entre cabeça e tronco seja<br />

transferida da coluna cervical para o colar, eliminando ou mini¬<br />

mizando a compressão cervical que de outra forma ocorreria.<br />

Embora não imobilize totalmente, o colar cervical ajuda a<br />

limitar o movimento da cabeça. A porção anterior rígida do colar<br />

também fornece um local seguro para a aplicação de um tirante<br />

de imobilização na parte inferior da cabeça, sobre o mento.<br />

É importante que o colar seja do tamanho correio. Um colar<br />

pequeno demais não será eficaz e permitirá flexões importantes;<br />

um colar grande demais causará hiperextensão ou total movi¬<br />

mentação se o mento estiver na parte interior do colar. É impor¬<br />

tante também que o colar seja corretamente colocado. Se estiver<br />

frouxo, não será eficaz em sua função de limitar movimentos<br />

da cabeça e poderá, acidentalmente, cobrir o mento, a boca e<br />

o nariz, obstruindo a via aérea do doente. Um colar apertado<br />

demais pode comprimir as veias do pescoço e causar aumento<br />

da pressão intracraniana.<br />

O colar deve ser aplicado depois de colocar a cabeça do<br />

doente em posição neutra alinhada. Se a cabeça não estiver ali¬<br />

nhada e em posição neutra, o uso do colar será mais difícil e<br />

não deve ser cogitado. Nesse caso, o uso improvisado de um<br />

cobertor ou uma toalha enrolada pode ajudar na estabilização.<br />

Um colar que não permita à mandíbula um movimento para<br />

baixo e à boca uma abertura sem provocar movimentação da<br />

coluna espinhal produzirá aspiração de conteúdb gástrico para<br />

os pulmões em caso de vómito do doente, devendo, portanto,<br />

ser evitado. Métodos alternativos de imobilização do doente<br />

para os casos em que o colar não pode ser usado podem incluir<br />

lençóis, toalhas e fitas. Os socorristas devem exercer sua cria¬<br />

tividade diante de tais doentes. Qualquer que seja o método<br />

usado, os conceitos básicos de imobilização devem ser seguidos<br />

(Fig. 10-14).<br />

FIGURA 10-14<br />

Diretrizes para Utilização de Colares<br />

Cervicais Rígidos<br />

Colares cervicas rígidos:<br />

n Seu uso isoladamente não imobiliza de forma adequada<br />

a Devem ser de tamanho adequado para cada doente<br />

a Não devem impedir a abertura da boca do doente,<br />

espontânea ou realizada pelo socorrista caso ocorra<br />

vómito<br />

Não devem obstruir ou dificultar a ventilação


260 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Imobilização do Tronco ao Dispositivo<br />

Qualquer que seja o equipamento usado pelo socorrista, o tronco<br />

deve ser imobilizado, de modo a não se mover para cima, para<br />

baixo, para a esquerda ou para a direita. O dispositivo rígido<br />

é fixado com tiras ao tronco do doente para que a cabeça e o<br />

pescoço fiquem apoiados e imobilizados quando presos a ele. O<br />

tronco e a pelve são imobilizados por meio do dispositivo, de<br />

modo a apoiar os segmentos torácico, lombar e sacral da coluna<br />

e impedir sua movimentação. O tronco deve ser imobilizado<br />

antes da cabeça. Assim, qualquer movimento do dispositivo<br />

que eventualmente ocorra durante a imobilização do tronco não<br />

provocará angulação da coluna cervical.<br />

Existem vários métodos específicos de imobilização do dis¬<br />

positivo ao tronco. A proteção contra movimentos em todas<br />

as direções - para cima, para baixo, para a esquerda ou para a<br />

direita - deve ser obtida tanto no tronco superior (ombros ou<br />

tórax) quanto no tronco inferior (pelve) para evitar compressão<br />

e movimentação lateral das vértebras do tronco. A imobilização<br />

do tronco superior pode ser obtida por vários métodos especí¬<br />

ficos. O socorrista deve compreender os princípios anatómicos<br />

básicos de cada método. Movimentos do tronco na direção cefá¬<br />

lica são coibidos com o uso de tiras laterais, fixadas na pran¬<br />

cha inferiormente à margem superior dos ombros, passando-a<br />

então por cima do ombro e fixando-a em um ponto mais abaixo.<br />

Movimentos do tronco para baixo, em direção caudal, podem<br />

ser impedidos com o uso de faixas que são ajustadas á pelve e<br />

à perna.<br />

Um dos métodos consiste em passar duas faixas (uma de<br />

cada lado da prancha, sobre o ombro, em seguida cruzando a<br />

parte superior do tórax e pela axila oposta, fixadas à prancha ao<br />

lado de cada uma das axilas) fazendo um "X", que impede movi¬<br />

mentos do tronco para cima, para baixo, para a esquerda ou para<br />

a direita. Pode-se obter a mesma imobilização fixando uma faixa<br />

à prancha e passando-a em seguida pela axila e, depois, pela<br />

parte superior do tórax e pela axila oposta e fixando-a do outro<br />

lado da prancha. Em seguida, uma faixa ou tira é colocada dos<br />

dois lados, passando por cima do ombro e fixando-a na faixa da<br />

axila, como suspensórios.<br />

O socorrista pode imobilizar o tronco superior do doente<br />

com uma clavícula fraturada usando uma faixa circular em alça<br />

semelhante às alças de uma mochila, em volta de cada ombro,<br />

passando-a pela axila e fixando as extremidades de cada alçara<br />

mesmo orifício do dispositivo utilizado para colocar as mãoi<br />

As faixas permanecem perto das extremidades laterais do tronco<br />

superior e não cruzam as clavículas. Nos dois métodos, as faixar<br />

ficam acima do terço superior do tórax e podem ser bem ajurtadas<br />

sem provocar o impedimento de ventilação que ocorn<br />

quando as faixas são colocadas na parte inferior do tórax.<br />

A imobilização da parte inferior do tronco pode ser feitií<br />

com uma única faixa ajustada sobre a pelve e as cristas ilíacas. I<br />

Se for necessário virar a prancha verticalmente ou levá-la pd<br />

pj<br />

uma escada ou por longa distância, um par de alças na virilIhJ<br />

proporcionará imobilização melhor do que uma única alça pel<br />

cima das cristas ilíacas.<br />

Movimentos laterais ou anteriores para fora da prendai<br />

rígida podem ser evitados por meio de uma Taixa adicional m|<br />

metade do tronco. Qualquer faixa em volta do tronco, entrei<br />

tórax superior e as cristas ilíacas, deve ser bem ajustada, porãl<br />

não apertada a ponto cle impedir a expansão torácica, causam®<br />

um aumento significativo da pressão intra-abdominal.<br />

Manutenção da Posição Alinhada Neutra d3|<br />

Cabeça<br />

Para muitos doentes, quando a cabeça é colocada em posiçi<br />

neutra alinhada, a porção mais posterior cla região occip<br />

da cabeça, varia de 1,5 cm a 9 cm, aproximadamente adig<br />

da parede torácica posterior (Fig. 10-15A). Portanto, na i<br />

parte dos adultos, há um espaço entre a parte posteriori<br />

cabeça e o dispositivo, quando a cabeça está em posiçãonan<br />

alinhada, Deve-se, portanto, acolchoar esse local antes de j<br />

ceder à imobilização da cabeça (Fig. 10-1513). Para maioral<br />

cia, esse acolchoamento deve ser feito com material que nãos]<br />

comprima com facilidade. Podem ser usados materiais fin<br />

projetados para esse fim, ou toalhas dobradas. A quantidadèjj<br />

coxins deve ser ajustada a cada doente. Alguns não precisam:]<br />

nenhum material. Se houver pouco acolchoamento ousei<br />

for de material inadequado e fofo, poderá ocorrer hiperexten<br />

da cabeça quando forem colocadas as faixas. Se houver ata<br />

choamento em excesso, a cabeça se moverá, ficando mais flexi:}<br />

FIGURA 10-15 A, Em alguns doentes, a colocação da cabeça no nível da prancha pode levar à hiperextensão acentuada. B,Prf<br />

evitar essa hiperextensão, é necessário colocar um coxim entre a prancha e a cabeça.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 261<br />

nada. Tanto a hiperextensão quanto a flexão cia cabeça podem<br />

acentuar o dano à coluna espinhal e são contraindicadas.<br />

A mesma relação anatómica entre a cabeça e as costas<br />

ocorre quando as pessoas estão em decúbito dorsal (seja no<br />

chão ou sobre uma prancha). Na maioria dos adultos em decú¬<br />

bito dorsal, a cabeça apresenta uma posição de hiperextensão.<br />

Ao chegar, o socorrista deve colocar a cabeça em posição ali¬<br />

nhada neutra e mantê-la nessa posição - quase sempre, para<br />

tanto, é preciso segurar a cabeça acima do chão. Quando o<br />

doente é colocado sobre uma prancha e imobilizado, é neces¬<br />

sário acolchoamento (conforme descrito), entre a face poste¬<br />

rior da cabeça e a prancha para manter a cabeça em posição<br />

neutra. Esses princípios devem ser utilizados com lodos os<br />

doentes, incluindo atletas de futebol americano com protetores<br />

de ombros e os que apresentam uma curvatura anormal da<br />

coluna (Fig. 10-16).<br />

Em crianças pequenas (de até sete anos), o tamanho da<br />

cabeça com relação ao corpo é proporcionalmente muito maior<br />

do que nos adultos, e os músculos das costas são menos desen¬<br />

volvidos.311 Ao colocar a cabeça de uma criança em posição neu¬<br />

tra alinhada, a parte posterior irá, geralmente, estender-se cerca<br />

de 2,5 a 5 cm para além do plano posterior das costas. Portanto,<br />

se colocarmos uma criança direlamente contra uma superfície<br />

rígida, a cabeça se moverá em posição de flexão (Fig. 10-17A).<br />

FIGURA 10-16<br />

Remoção de Equipamentos Esportivos<br />

Diversas<br />

publicações recentes, incluindo um importante artigo,<br />

defendem a imobilização de atletas usando capacetes em prancha<br />

longa, com o capacete colocado.30'37 Uma pesquisa na literatura<br />

médica revela que estas recomendações são baseadas, na melhor<br />

hipótese, em estudos de Classe III. Estudos que criticam a prática de<br />

remoção do capacete foram realizados, inicialmente, em cadáveres.<br />

Essesestudos relatam que a extrema hiperextensão da coluna cervical<br />

ocorre quando apenas o capacete é removido, mas as ombreiras<br />

não. Todos os estudos, porém, foram realizados sem a colocação de<br />

suportes sob a cabeça, impedindo sua queda na prancha. A adesão<br />

a precauções especiais relacionadas à coluna e a aplicação de<br />

princípios terapêuticos auxiliam a tarefa de imobilização da coluna,<br />

seja o capacete ou as ombreiras removidos ou não.<br />

0 equipamento esportivo deve ser removido por indivíduos<br />

treinados e experientes nessa tarefa. Historicamente, esses<br />

indivíduos geralmente são treinadores, presentes no local da<br />

competição. Os socorristas dos serviços médicos de emergência<br />

(SME), porém, precisam receber treinamento em tal remoção, uma<br />

vez que o acesso à via aérea, se necessário, pode ser conseguido<br />

apenas com a abordagem adequada à face e à cabeça do doente,<br />

requerendo, no mínimo, a retirada da grade facial e, em muitos<br />

casos, do capacete. Caso a decisão seja não remover o equipamento<br />

no local, alguém que saiba realizar essa tarefa deve acompanhar o<br />

doente ao hospital.<br />

O cuidado especial de atletas com capacetes é necessário,<br />

e os princípios gerais de imobilização da coluna ensinados nos<br />

cursos de atendimento pré-hospitalar em casos de trauma (PHTLS)<br />

devem ser seguidos. Idealmente, o capacete e as ombreiras<br />

devem ser removidos como uma unidade. No entanto, ainda é<br />

possível imobilizar um atleta em uma prancha longa sem provocar<br />

a hiperextensão da coluna cervical quando somente o capacete<br />

é removido. Isso é conseguido por meio do uso adequado de<br />

acolchoamentos atrás da cabeça, para mantê-la em alinhamento<br />

neutro ao repouso da coluna, caso as ombreiras nãa tenham sido<br />

removidas. Os socorristas devem determinar as necessidades<br />

médicas específicas de um atleta machucado e realizar as etapas<br />

pertinentes a tais necessidades, que frequentemente podem incluir<br />

a imediata remoção do equipamento.<br />

FIGURA 10-17 A, O tamanho proporcionalmente maior da cabeça da criança com relação ao resto do corpo, associado ao menor<br />

desenvolvimento da musculatura posterior do tórax, faz com que a cabeça fique em hiperflexão, quando a criança é colocada na<br />

prancha longa. B, Para prevenir essa hiperflexão, é necessário colocar um coxim sob os ombros e o tronco da crianca.


262 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Crianças colocadas sobre pranchas longas padrão ficarão em<br />

posição lletida, não desejável, da cabeça e do pescoço. As pran¬<br />

chas para crianças deverão ter um recesso, ou deve-se usar acolchoamento<br />

sob o tronco para que a cabeça permaneça em posi¬<br />

ção neutra (Fig. 10-17B). A quantidade de acolchoamento deve<br />

ser de espessura adequada para que a cabeça fique em posição<br />

neutra: acolchoamento em excesso resulta em extensão, e a falta<br />

de acolchoamento suficiente, em flexão. O acolchoamento sob<br />

o tronco deve ser firme e de formato uniforme. Acolchoamento<br />

irregular, insuficiente ou colocado apenas sob os ombros pode<br />

resultar em movimento ou desalinhamento da coluna.<br />

Finalização da Imobilização<br />

Cabeça<br />

Depois de imobilizar o tronco do doente no dispositivo rígido<br />

e de colocar o acolchoamento necessário atrás da cabeça, esta<br />

deve ser fixada ao dispositivo (apenas depois de imobilizado<br />

o tronco). O formato arredondado da cabeça impede sua imo¬<br />

bilização em uma superfície plana com o uso de tiras ou fitas<br />

apenas, pois acabará por girar ou mover-se lateralmente. Além<br />

disso, o ângulo da testa e a natureza escorregadia dos cabe¬<br />

los e da pele úmida fazem com que uma fita sobre a testa não<br />

seja suficiente, podendo, inclusive, escorregar. Embora a cabeça<br />

humana tenha aproximadamente o peso de uma bola de boli¬<br />

che, seu formato é bastante diferente. A cabeça é ovoide, mais<br />

comprida do que larga, achatada nas laterais, como se uma bola<br />

de boliche tivesse as laterais cortadas em 5 cm de cada lado. A<br />

imobilização externa da cabeça, qualquer que seja o método ou<br />

dispositivo, só é possível com a colocação de acolchoamentos<br />

ou toalhas enroladas nas laterais, fixadas por faixas ou fita. No<br />

caso de dispositivos do tipo colete, isso é feito com abas articu¬<br />

ladas do próprio colete.<br />

Os suportes laterais, sejam blocos de espuma pré-formados<br />

ou cobertores enrolados, são colocados próximos aos dois lados<br />

da cabeça. Estes suportes devem ter, pelo menos, a mesma lar¬<br />

gura que os pavilhões auriculares do doente, ou ser maiores e<br />

ficar, pelo menos, à mesma altura que os olhos do doente. Duas<br />

faixas ou pedaços de fita em volta desses dispositivos pren¬<br />

dem os dois lados. Ao ser embalada entre blocos ou cobertores,<br />

a cabeça apresenta uma superfície posterior achatada que pode,<br />

então, ser fixada à prancha rígida. A faixa superior é colocada<br />

bem ajustada na parte inferior da testa (sobre a crista supraorbi¬<br />

tal) para ajudar a impedir o movimento anterior da cabeça. Essa<br />

faixa deve ajustar-se para provocar uma depressão nos blocos<br />

ou cobertor e fixar-se firmemente sobre a cabeça. Sacos de areia<br />

não são recomendados para uso como apoios laterais, por causa<br />

do peso que pode ser colocado sobre o pescoço e sobre a cabeça<br />

quando o doente imobilizado for virado lateralmente.<br />

O uso de imobilizadores do mento ou de faixas em volta<br />

do mento impede a abertura da boca para passagem de vómito,<br />

devendo ser evitado. O dispositivo que segura a cabeça - qual¬<br />

quer que seja- também exige uma faixa inferior que mantenha<br />

os apoios laterais firmemente pressionados contra a parte late¬<br />

ral inferior da cabeça, fixando melhor o dispositivo e evitando<br />

a movimentação anterior da parte inferior da cabeça e do pes¬<br />

coço. A faixa inferior passa em volta dos apoios laterais,<br />

zando a porção rígida anterior do colar cervical. O socorrisl<br />

precisa assegurar que essa faixa não pressione em demasiaij<br />

parte frontal do colar, o que poderia ocasionar problema (<br />

via aérea ou do retorno venoso 110 pescoço. O uso de saca<br />

de areia fixados à prancha do lado da cabeça e do pescoçoj<br />

uma prática perigosa. Por mais que estejam bem fixados, es<br />

dispositivos pesados podem deslizar e mudar de posiç<br />

Caso seja necessário rodar o doente e a prancha lateralmenj<br />

como quando o indivíduo precisar vomitar, o peso combinai!<br />

dos sacos de areia pode ocasionar pressão lateral localizail<br />

contra a coluna cervical. Elevar ou abaixar a cabeça da pr.<br />

cha ao mover ou carregar o doente, ou ainda a aceleração!<br />

desaceleração repentina da ambulância, também podem fa:<br />

com que esses sacos de areia saiam do lugar, movimentando!<br />

cabeça e o pescoço.<br />

Pernas<br />

A rotação externa significativa das pernas pode provocar i<br />

movimento anterior da pelve e da região inferior da colun<br />

Essa possibilidade é eliminada fixando os pés um ao outro.,<br />

colocação de um cobertor enrolado ou de um pedaço decole<br />

nete entre as pernas aumenta o conforto do doente.<br />

As pernas do doente são imobilizadas e fixadas à prand<br />

por meio de duas ou mais faixas - uma faixa proximal.<br />

joelhos na altura da metade da coxa e outra distai.<br />

O adulto médio tem aproximadamente 35 a 50 cm dei<br />

lado a outro dos quadris, e apenas 15 a 23 cm de um tornozi<br />

ao outro. Quando os pés são colocados um ao lado do outr<br />

forma-se um "V" dos quadris aos tornozelos. Como os torno;<br />

los são consideravelmente mais estreitos do que a prancha,ÿ<br />

faixa colocada na parte inferior das pernas evita movimenlaçj<br />

anterior, porém não impede que as pêrnas se movam late;<br />

mente de uma extremidade da prancha a outra. Se a pr<br />

for inclinada ou rodada, as pernas cairão para a parte infei<br />

da prancha, o que poderá ocasionar angulação da pelve e mo<br />

mentação da coluna.<br />

Uma forma eficaz de manter a parte inferior das pernasa<br />

lugar é envolvê-las várias vezes com a faixa antes de fixá-kj<br />

prancha. Em seguida, as pernas poderão ser mantidas noi<br />

tro da prancha colocando-se cobertores enrolados entrei<br />

nas bordas da prancha antes de colocar as faixas de fixaçãoS<br />

importante assegurar que as faixas não sejam apertadas a j<br />

de prejudicar a circulação distai.<br />

Braços<br />

Para maior segurança, os braços do doente devem ser fixad<br />

prancha ou em cruz sobre o tronco antes de movimentá-lo,f<br />

tanto, pode-se colocar os braços lateralmente, com as pa<br />

para dentro, com faixas atravessadas sobre os antebraços es<br />

o tronco. A faixa deve ser ajustada, porém não apertada a|<br />

de comprometer a circulação nas mãos.<br />

Os braços do doente não devem ser colocados na<br />

interna da faixa que segura as cristas ilíacas ou dentro da alpj<br />

virilha. Se as faixas estiverem apertadas o suficiente para f<br />

poreionar uma imobilização adequada do tronco inferior,!<br />

poderão comprometer a circulação do sangue nas mãos. Soe


j<br />

CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 263<br />

irem frouxas, não serão capazés de imobilizar adequadamente<br />

[otioncoou os braços. Uma faixa adicional colocada exclusiva¬<br />

mente para segurar os braços pode ser removida para verificação<br />

da pressão arterial ou para acesso intravenoso quando o doente<br />

..tiver naambulância sem prejuízo da imobilização. Se, por sua<br />

rez, a faixa do braço for a mesma do tronco, ao afrouxá-la, a<br />

obilização do tronco ficará comprometida.<br />

Erros mais Comuns<br />

Os quatro erros de imobilização mais comuns são:<br />

1, Imobilização inadequada. O tronco pode ser movimentado<br />

para cima ou para baixo no dispositivo ou a cabeça pode<br />

mover-se excessivamente.<br />

Imobilização com a cabeça hiperestendida. Em geral,<br />

decorre da falta de acolchoamento adequado atrás da<br />

cabeça.<br />

1 3. Imobilização da cabeça antes do tronco ou reajuste dos<br />

tirantes torácicos após a fixação da cabeça. Isso provoca<br />

a movimentação do dispositivo com relação ao tronco,<br />

movendo também a cabeça e a coluna cervical.<br />

It Acolchoamento inadequado. O não preenchimento dos<br />

espaços vazios sob o doente pode permitir a movimen¬<br />

tação inadvertida da coluna, provocando novas lesões è<br />

aumentando o desconforto do doente.<br />

A imobilização completa da coluna não é uma experiência<br />

onfortável para o doente. Quanto maior o grau e a qualidade da<br />

imobilização, menor será o conforto do doente. A imobilização<br />

da coluna consiste em alcançar um equilíbrio entre proteger e<br />

imobilizar completamente a coluna e a necessidade de tornar<br />

a experiência tolerável para o doente. É por isso que está indi¬<br />

cada uma avaliação correta da necessidade de imobilização da<br />

coluna (Fig. 10-18).<br />

Doentes Obesos<br />

Com o aumento de peso crescente atual da população ameri¬<br />

cana, o atendimento ao doente bariátrico (com sobrepeso, obeso)<br />

está se tornando mais comum. O transporte de um doente de<br />

182 kg está se tornando uma ocorrência do dia a dia, e foram<br />

desenvolvidas macas bariátricas especiais de transporte para<br />

essa finalidade. No entanto, uma revisão das pranchas disponí¬<br />

veis comercialmente mostra que a maioria das pranchas longas<br />

mede aproximadamente 0,40 x 1,82 m, com poucas medindo<br />

45 cm de largura. O limite de peso para essas pranchas lon¬<br />

gas varia de 113 kg a 272 kg. Quando se utilizam pranchas em<br />

doentes bariátricos com trauma, é necessário um cuidado espe¬<br />

cial para assegurar que os limites de segurança de operação não<br />

sejam excedidos. Além disso, devem ser utilizadas pessoas adi¬<br />

cionais para levantar e remover doentes bariátricos, sem causar<br />

mais lesões no doente ou no socorrista. O atendimento desse<br />

subgrupo de doentes de trauma representa um desafio, já que se<br />

deve buscar um equilíbrio entre a manipulação e a movimenta¬<br />

ção segura desses doentes e o curto tempo na cena recomendado<br />

nos doentes de trauma em estado crítico.<br />

FIGURA 10-18<br />

Critérios para Avaliação das Técnicas de Imobilização<br />

É preciso treinar a imobilização, em sessões práticas, usando<br />

manequins antes de imobilizar doentes reais. Pelo menos, um<br />

estudo demonstrou que a imobilização adequada não era realizada<br />

em um número significativo de doentes com possível lesão vertebro¬<br />

medular.38 Ao praticar ou avaliar novos métodos ou equipamentos,<br />

os seguintes critérios são boas ferramentas para determinar a<br />

eficiência da imobilização do doente:<br />

1. Iniciar a estabilização manual imediatamente e mantê-la até<br />

sua substituição mecânica.<br />

2. Checar a função neurológica distai.<br />

3. Colocar um colar cervical eficaz e de tamanho adequado.<br />

4. Fixar o tronco antes da cabeça.<br />

5. Impedir a movimentação do tronco para cima ou para baixo<br />

na prancha.<br />

6. Impedir a movimentação das porções superior e inferior do<br />

lado direito ou esquerdo do tronco na prancha.<br />

7. Impedir a movimentação anterior do tronco com relação ao<br />

equipamento rígido.<br />

8. Certificar-se de que os tirantes torácicos não estão inibindo a<br />

expansão torácica ou provocando comprometimento ventilatório.<br />

9. Imobilizar, de modo eficaz, a cabeça, de forma que ela não<br />

possa se mover em qualquer direção, nem sofrer rotação.<br />

10. Colocar um acolchoamento atrás da cabeça, se necessário.<br />

11. Manter a cabeça em posição neutra alinhada.<br />

12. Certificar-se de que nada inibe ou impede a abertura da boca.<br />

13. Imobilizar os membros inferiores, de modo que eles não<br />

possam se mover anterior ou lateralmente, nem sofrer<br />

rotação, mesmo se a prancha e o doente sejam lateralizados.<br />

14. Manter a pelve e as pernas alinhadas em posição neutra.<br />

15. Certificar-se de que os braços estão adequadamente<br />

imobilizados à prancha ou ao tronco.<br />

16. Certificar-se de que quaisquer tirantes não comprometam a<br />

circulação distai dos membros.<br />

17. Reavaliar o doente que tenha sofrido um impacto ou choque<br />

ou ainda que, de qualquer outra maneira, tenha se movido de<br />

maneira que possa comprometer a coluna instável durante a<br />

colocação do equipamento.<br />

18. Completar o procedimento em tempo adequado.<br />

19. Reavaliar a função neurológica distai.<br />

Há muitos métodos e variações capazes de atender a esses<br />

objetivos. 0 socorrista deve escolher o método e os equipamentos<br />

de acordo com a situação, a condição do doente e os recursos<br />

disponíveis.


264 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Uso de Corticosteroides<br />

Diversos estudos sugeriram que altas doses de metilprednisolona<br />

melhoram o prognóstico neurológico de doentes com<br />

lesões vertebromedulares agudas causadas por trauma contuso,<br />

quando iniciadas até oito horas após a lesão.39"11 Em muitos cen¬<br />

tros, tornou-se comum que doentes com tais lesões recebam um<br />

bolo de 30 mg/kg de melilprednisolona, seguido por uma infu¬<br />

são de 5,4 mg/kg/h por até 48 horas, dependendo de quando a<br />

medicação foi iniciada. Lesões vertebromedulares em crianças<br />

e aquelas causadas por trauma penetrante não foram estudadas,<br />

e os esteroides não são indicados para déficits neurológicos pro¬<br />

duzidos por ferimentos por arma branca ou de fogo. Como os<br />

esteroides têm efeitos adversos conhecidos, incluindo supressão<br />

da suprarrenal e das respostas imunológicas, e em função das<br />

preocupações com relação à validade científica desses estudos,<br />

a administração de esteroides em doentes com lesões vertebro¬<br />

medulares tornou-se cada vez mais controversa.3" Na verdade,<br />

as complicações associadas à administração de corticosteroides<br />

podem, de modo significativo, superar qualquer benefício que<br />

esses fármacos possam conferir. Diversas publicações não mais<br />

recomendam o uso de corticosteroides em doentes com lesão<br />

medular, seja pré-hospitalar ou no hospital.'12""' A decisão de<br />

administrar corticosteroides continua a ser uma escolha local e<br />

deve ser deixada aos cirurgiões de trauma, cirurgiões ortopédi¬<br />

cos ou neurocirurgiões responsáveis pelo tratamento definitivo<br />

do doente.<br />

Transporte Prolongado<br />

Comforme ocorre com outras lesões, o transporte prolongado de<br />

doentes com lesões vertebromedulares e da coluna, suspeitas<br />

ou confirmadas, merece considerações especiais. Tendo sem¬<br />

pre em mente o objetivo de se mover doentes com suspeita de<br />

lesão vertebromedular apenas uma vez, deve-se ter cuidado de<br />

acolchoar uma prancha longa antes de se fixar o doente. Deve<br />

ser feita a estabilização da coluna cervical e devem ser tomadas<br />

precauções com relação à movimentação da coluna à medida<br />

que o doente é colocado na prancha acolchoada. Essa preocu¬<br />

pação ajuda a reduzir o risco de desenvolvimento de úlceras de<br />

pressão em doentes com lesão vertebromedular. Qualquer área<br />

onde possa haver pressão sobre o corpo do doente, especial¬<br />

mente sobre proeminências ósseas, deve ser suficientemente<br />

acolchoada.<br />

Doentes imobilizados em pranchas longas, se regurgitarem,<br />

correm o risco de broncoaspiração. Em caso de vómito, a pran¬<br />

cha e o doente devem ser imediatamente colocados de lado. O<br />

aspirador deve ser mantido próximo à cabeça do doente, a fim<br />

de que seja facilmente acessível caso ocorra vómito. A inserção<br />

de uma sonda gástrica (nasogástrica ou orogástrica) e o uso cri¬<br />

terioso de antieméticos podem ajudar a diminuir esse risco.<br />

Doentes com lesões vertebromedulares altas podem ler<br />

comprometimento do diafragma e dos músculos respiratórios<br />

acessórios.(ou seja, músculos intercostais), o que os predis|<br />

à insuficiência respiratória. Uma insuficiência respiratóriai<br />

nente pode ser agravada e acelerada pelas faixas utilizadas pi<br />

imobilização da coluna, que restringem ainda mais a ventilai<br />

Antes de iniciar um transporte prolongado, deve-se verifi<br />

muito bem para ler certeza de que o tronco do doente está fixai<br />

na cintura escapular e na pelve, e não haja faixas limitando<br />

expansão da parede torácica.<br />

Conforme descrito no texto, doentes com lesões vertebrtmedulares<br />

altas podem apresentar hipotensão em decorrênci<br />

da perda do tônus simpático ("choque" neurogênico). Embo:<br />

esses doentes raramente sofram de hipoperfusão disseminai<br />

dos tecidos, bolos de cristalóides geralmente são suficiente<br />

para restaurar a pressão arterial ao normal. Raramente, é nece<br />

sária a utilização de vasopressors para tratar choque neuro«<br />

nico. Outra característica importante da lesão cervical alta é<br />

bradicardia. Quando associada à hipotensão significativa, a bn<br />

dicardia pode ser tratada com doses intermitentes de atropii<br />

0,5 a 1,0 mg, administradas por via intravenosa.<br />

A presença de taquicardia combinada com hipotensão d<br />

levantar a suspeita de choque hipovolêmico, e não neurogêni<br />

Uma avaliação cuidadosa pode localizar a fonte da hemo;<br />

gia, embora fontes intra-abdominais e fraluras pélvicas sej;<br />

as mais prováveis. A inserção de uma sonda vesical pern<br />

que o débito urinário seja usado como outro indicador da<br />

fusão tecidual. Em adultos, um débito urinário acima de 30<br />

50 ml por hora geralmente indica uma perfusão satisfatória<br />

órgãos. A perda de sensibilidade que acompanha uma lesãov<br />

tebromedular pode impedir que um doente consciente pe<br />

peritonite ou outras lesões abaixo do nível do déficit sensitiv<br />

Doentes com lesões medulares podem ter dor lombar ai<br />

luada ou dor de fraluras associadas. Como descrito no Capít<br />

12, a dor pode ser tratada com pequenas doses de narcótii<br />

intravenosos administrados até que ela seja aliviada. Os n:<br />

ticos podem exacerbar a hipotensão associada ao choque n<br />

rogênico. O acolchoamento da prancha descrito anteriorme<br />

também pode dar algum conforto em fraluras da coluna.<br />

Doentes com lesões vertebromedulares perdem um po:<br />

da capacidade de regular a temperatura corporal, e esse efí<br />

é mais pronunciado em lesões mais altas. Dessa forma, ess<br />

doentes são propensos ao desenvolvimento de hipoterm<br />

especialmente quando estiverem em um ambiente frio. &<br />

devem ser mantidos aquecidos (normotérmicos), mas lembre-:<br />

de que cobri-los com cobertores em demasia pode provoa<br />

hipertermia.<br />

O melhor tratamento das lesões vertebromedulares e<br />

coluna é feito em instituições que possuem excelentes senif<br />

de ortopedia ou de neurocirurgia e que têm experiência no Ire!<br />

mento dessas lesões. Todos os centros de trauma de níveis If<br />

devem ser capazes de tratar a lesão vertebromedular e quaisqi<br />

lesões associadas. Algumas instituições especializadas notre<br />

mento de lesões vertebromedulares e da coluna podem acé<br />

diretamente um doente que sofreu apenas uma lesão vortebr<br />

medular (ou seja, uma lesão por mergulho em águas rasas,<br />

evidências de aspiração).<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

4.<br />

5.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 265<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

Os sinais vitais do doente são: pulso, 66; frequência ventilatória, 14; e<br />

pressão arterial, 96/70. Ao continuar seu exame, você nota que o doente<br />

não está movendo os braços e as pernas. Esse doente apresenta sinais<br />

de choque neurogênico. A interrupção do sistema nervoso simpático e a<br />

influência parassimpática sem oposição sobre o sistema vascular abaixo<br />

do ponto da lesão medular aumentam o tamanho do compartimento<br />

vascular e provocam uma relativa hipovolemia. A resposta do doente à<br />

| lesão medular é composta por baixa pressão arterial e' bradicardia.<br />

As primeiras prioridades de atendimento são continuar a manter<br />

javia aérea desobstruída e a oxigenação e auxiliar a ventilação,<br />

conforme necessário, garantindo a adequação do volume/minuto,<br />

RESUMO<br />

-<br />

enquanto, concomitantemente, procede-se à estabilização manual<br />

da coluna cervical. Imobilizar o doente, de modo efetivo e eficaz,<br />

em uma prancha longa, e transportá-lo a um hospital adequado.<br />

Tratar a hipotensão causada pelo choque neurogênico, através da<br />

administração intravenosa de fluidos. Colocar uma tala no braço<br />

fraturado durante o transporte.<br />

Para esse doente, os objetivos do tratamento pré-hospitalar são<br />

impedir a ocorrência de mais traumas à medula espinhal, manter a<br />

perfusão tecidual, cuidar do membro lesionado durante o transporte<br />

e levar o doente, sem demora, a um centro especializado em traumas,<br />

para tratamento definitivo. H<br />

A coluna vertebral é composta por 24 vértebras separadas,<br />

além do sacro e do cóccix, um sobre o outro.<br />

As principais funções da coluna vertebral são sustentar o<br />

peso do corpo e permitir a movimentação.<br />

A medula espinhal está contida no interior da coluna ver¬<br />

tebral e é vulnerável a lesões decorrentes da movimenta¬<br />

ção ou do posicionamento anormal. Quando a sustentação<br />

da coluna vertebral é perdida, devido a lesões às vértebras<br />

ou aos músculos e ligamentos que auxiliam seu posicio¬<br />

namento correto, a medula espinhal pode ser lesionada.<br />

Uma vez que a medulanão se regenera, danos neurológicos<br />

permanentes, frequentemente levando à paralisia, podem<br />

ser observados. A presença de trauma vertebromedular e<br />

a necessidade de imobilizar o doente podem ser indicadas<br />

por outras lesões que apenas decorrem da ação de forças<br />

súbitas e violentas sobre o corpo ou por sinais e sintomas<br />

específicos de lesão vertebral ou espinhal.<br />

Danos aos ossos da coluna vertebral nem sempre são evi¬<br />

dentes. Em caso de não ocorrência de uma lesão inicial<br />

na medula, não há déficit neurológico, embora a coluna<br />

vertebral seja instável. A imobilização de fraturas na<br />

coluna, como a de outras fraturas, requer a imobilização<br />

das articulações acima e abaixo da lesão. Na*coluna, essas<br />

articulações são as da cabeça e do pescoço, acima, e as da<br />

pelve, abaixo. O equipamento deve imobilizar a cabeça, o<br />

tórax e a pelve em posição neutra alinhada, sem provocar<br />

ou permitir a movimentação.<br />

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1<br />

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36. Waninger I


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 267<br />

__s_ _<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

s<br />

Tratamento da Coluna Vertebral<br />

Colar cervical: Tamanho e Colocação -<br />

Princípio: Selecionar e colocar o colar cervical de tamanho adequado, para auxiliar em manter o alinhamento neutro e a<br />

estabilização da cabeça e do pescoço do doente.<br />

0 primeiro socorrista faz a estabilização manual da cabeça e do<br />

pescoço do doente em.posição alinhada neutra.<br />

0 segundo socorrista usa seus dedos para medir o pescoço do<br />

doente, entre a mandíbula e o ombro.<br />

0 segundo socorrista usa essa medida na seleção dotamanho<br />

adequado de colar ou em seu ajuste nos colares de tamanho<br />

ajustável.


268 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

Em caso de utilização de colar ajustável, certifique-se de que<br />

este está travado no tamanho correto.<br />

0 segundo socorrista coloca o colar de tamanho apropriado,<br />

enquanto o primeiro socorrista continua a manter a estabilização<br />

neutra alinhada da cabeça e do pescoço do doente.<br />

Após a colocação e a fixação do colar cervical, a estabilização<br />

manual da cabeça e do pescoço é mantida até que o doente<br />

seja fixado ao equipamento de imobilização.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 269<br />

is-<br />

Rolamento em Bloco<br />

Princípio: Rolar em bloco o doente enquanto se mantém a estabilização manual, com mínimo movimento da coluna. O rolamento<br />

em bloco é indicado para (1) colocar o doente na prancha longa, ou outro dispositivo que facilite o transporte do doente e (2) virar<br />

o doente com suspeita de trauma vertebromedular para examinar seu dorso.<br />

A. Doente em Posição Supina<br />

(em Decúbito Dorsal Horizontal)<br />

Enquanto umsocorrista mantém a cabeça do doente estabilizada<br />

em posição neutra e alinhada, o segundo socorrista coloca o<br />

colar cervical de tamanho adequado.<br />

Enquanto um socorrista mantém a cabeça do doente estabilizada<br />

em posição neutra alinhada, o segundo socorrista se ajoelha na<br />

altura da metade do tórax, e o terceiro socorrista ajoelha-se na<br />

altura dos joelhos do doente. Os braços do doente são esticados<br />

e colocados junto ao corpo com as palmas das mãos voltadas<br />

para o tronco, enquanto as pernas são colocadas em posição<br />

neutra alinhada. 0 doente é seguro pelos ombros e quadris<br />

de tal forma que se mantenha a posição neutra alinhada das<br />

extremidades inferiores. 0 doente é "rolado em bloco" sobre seu<br />

lado. A prancha longa é posicionada, com a borda inferiorficando<br />

entre os joelhos e os tornozelos do doente (a borda superior da<br />

prancha longa se estenderá além da cabeça do doente).<br />

A prancha longa é mantida contra o dorso do doente, e o doente<br />

é rolado em bloco sobre a prancha longa, que é abaixada ao<br />

chão com o doente.


270 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Uma vez no chão, o doente é seguro firmemente pelos ombros,<br />

pelve e extremidades inferiores.<br />

0 doente é movimentado para cima e lateralmente sobre a<br />

prancha longa. A estabilização neutra alinhada é mantida sem<br />

puxar a cabeça ou o pescoço do doente.<br />

0 doente é posicionado na prancha longa com sua cabeça no<br />

topo da prancha e seu corpo centrado.


ÿ<br />

CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 271<br />

B. Doente em Decúbito Ventral ou Semipronação ÿ<br />

Quando o doente apresenta-se em decúbito ventral ou em semipronação, pode-se usar o método de estabilização semelhante<br />

àquele usado para o doente supino ou deitado de costas. 0 método incorpora o mesmo alinhamento inicial dos membros<br />

inferiores do doente, o mesmo posicionamento dos socorristas e de suas mãos e a mesma responsabilidade para manutenção do<br />

alinhamento.<br />

Os braços do doente são posicionados prevendo-se a posição final que o doente ficará após a rotação completa. No método<br />

do rolamento em bloco com o doente em semipronação, o colar cervical só pode ser colocado com segurança quando o doente<br />

estiver em posição supina alinhada sobre a prancha longa e nunca antes que isso ocorra.<br />

Sempre que possível, o doente deve ser girado na direção oposta<br />

daquela para onde sua face está direcionada. Um socorrista<br />

alinha e estabiliza manualmente a cabeça e o pescoço do doente.<br />

Outro socorrista ajoelha-se na direção da metade do tórax do<br />

doente e segura o ombro, o punho e a pelve do lado oposto. 0<br />

terceiro socorrista ajoelha-se na altura dos joelhos do doente e<br />

segura o punho, a pelve e as extremidades inferiores.<br />

A prancha longa é colocada na borda lateral e posicionada<br />

entre o doente e os socorristas.


272<br />

ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECÍFICAS<br />

.....<br />

A prancha é colocada com seu pé entre osjoelhoseostornozelos<br />

do doente, que é rolado lateralmente. A cabeça do doente roda<br />

menos do que o tronco, de tal forma que, no momento em que<br />

o doente estiver sobre seu lado (perpendicular ao chão), a<br />

cabeça e o tronco estarão alinhados adequadamente.<br />

Assim que o doente estiver deitado em posição supina sobre a<br />

prancha longa, deve ser movimentado para cima e na direção do<br />

centro da prancha. 0 socorrista deve tomar cuidado para não<br />

puxar o doente, mas, sim, para manter a estabilização alinhada<br />

em posição neutra. Assim que o doente estiver corretamente<br />

posicionado sobre a prancha longa, o colar cervical correto<br />

deve ser colocado e o doente pode, então, serfixado na prancha<br />

longa.


"<br />

ÿ<br />

CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 273<br />

ví<br />

.:s >•*.. n<br />

Colocação da Prancha Longa com o doente em Pé tf<br />

Princípio: Imobilização total do doente em pé na prancha longa enquanto a cabeça e o pescoço são mantidos em posição neutra,<br />

diminuindo o risco de outras lesões.<br />

Esta aplicação é indicada para imobilização da coluna do doente traumatizado e que deambula, mas que tem indicação para<br />

imobilização da coluna (Fig. 10-12).<br />

Existem dois métodos para a imobilização de doentes em pé na prancha longa. 0 primeiro método envolve a fixação na prancha<br />

do tronco e da cabeça do doente em pé, antes de deitar a prancha longa. Este método provoca algum desconforto no doente e pode<br />

provocar movimento do doente ao deitá-lo. 0 segundo método envolve a estabilização manual do doente na prancha enquanto se<br />

a prancha e o doente no chão e, então, se fixa o doente na prancha. 0 segundo método é o preferido e pode ser realizado<br />

pordoisoutrês socorristas.<br />

A. Três ou mais Socorristas ÿ<br />

Os socorristas devem realizar a estabilização e o alinhamento<br />

manuais tanto pela frente como por trás do doente. Uma<br />

vez obtida a estabilização alinhada manual da cabeça e do<br />

pescoço do doente, o colar cervical de tamanho correto pode<br />

ser colocado. A prancha longa é colocada atrás do doente e<br />

pressionada contra ele. Assim que a prancha estiver no lugar,<br />

mantém-se a estabilização manual portodo o procedimento e o<br />

doente é fixado na prancha longa.<br />

Dois socorristas ficam em pé de cada lado do doente, um pouco<br />

virados na direção do doente, e inserem a mão que se encontra<br />

mais próxima do doente sob a axila dele, segurando a alça mais<br />

próxima sem movimentar o ombro do doente.A outra mão segura<br />

a alça superior da prancha. Enquanto o alinhamento e a<br />

estabilização manuais são mantidos, o doente e a prancha são<br />

deitados no chão.


274 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

ÿ<br />

..<br />

......<br />

ÿ<br />

...........<br />

Conforme o doente é baixado ao chão, o socorrista, atrás dele,<br />

mantém a estabilização manual, rotacionando suas mãos.<br />

; -<br />

_....<br />

Os outros dois socorristas, posicionados um de cada lado da<br />

maca, precisam soltar sua porção superior e colocar as mãos<br />

sob o braço do profissional responsável pela estabilização<br />

manual da cabeça e do pescoço do doente.<br />

Com o doente e a prancha no chão, este é imobilizado na<br />

prancha longa.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 275<br />

B. Dois Socorristas<br />

Quando três ou mais socorristas não estão disponíveis, dois<br />

socorristas podem realizar a imobilização. O primeiro socorrista<br />

faz e mantém a estabilização manual da cabeça e do pescoço<br />

do doente, enquanto o segundo socorrista verifica a medida<br />

e coloca o colar cervical de tamanho adequado. Após a<br />

colocação do colar, o segundo socorrista posiciona a prancha<br />

atrás do doente e na frente do primeiro socorrista.<br />

0 segundo socorrista segura a prancha com a mão mais próxima<br />

a ela. Esse profissional agora põe a outra mãÕ, com a palma e<br />

os dedos estendidos, na cabeça do doente, e aplica uma leve<br />

pressão para auxiliar a manutenção da estabilização manual.<br />

0 primeiro socorrista agora pode liberar a cabeça do doente<br />

com a mão mais próxima do segundo socorrista. Com sua outra<br />

mão, o socorrista se reposiciona ao lado da cabeça do doente,<br />

aplicando pressão lateral enquanto se move e posiciona a<br />

prancha à altura da cabeça do doente ou mais acima.


276 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

O doente e a prancha são colocados no chão, enquanto os<br />

dois socorristas mantêm a estabilização manual, exercendo<br />

igual pressão lateral na cabeça do doente. Os socorristas<br />

responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar precisam<br />

trabalhar juntos durante esse movimento, garantindo a máxima<br />

estabilização manual.<br />

Assim que o doente e a prancha estiverem no chão, a<br />

estabilização manual pode ser mantida por um socorrista<br />

localizado acima da cabeça do indivíduo, até que este seja<br />

imobilizado na prancha longa.


ÿ<br />

ÿ<br />

_<br />

|<br />

ÿ<br />

--<br />

CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 277<br />

« -<br />

VÍ*&*0*<br />

Imobilização Sentada (Dispositivo para Retirada, do Tipo Colete) ÿ<br />

Princípio: Imobilizar o doente traumatizado, sem lesões graves antes de movimentá-lo da posição sentada.<br />

Este tipo de imobilização é utilizado quando é indicada a estabilização da coluna do doente sentado que não é portador de lesões<br />

com risco de vida imediato. Várias marcas de dispositivos de retirada do tipocolete encontram-se disponíveis no mercado. Cada<br />

modelo difere um pouco no desenho, mas qualquer um serve como exemplo genérico. 0 KED ("Kendrick Extrication Device"), é<br />

utilizado nesta demonstração. Os detalhes (mas não a sequência) são modificados quando se utiliza modelo ou marca diferente.<br />

Também durante essa demonstração, o para-brisa do veículo foi removido para facilitar a exposição.<br />

A estabilização manual é iniciada, e o colar cervical, de tamanho<br />

correto, colocado.<br />

i<br />

O doente é mantido em posição ereta, levemente para frente,<br />

dando o espaço adequado entre as costas do doente e o banco do<br />

veículo,para colocação do colete. Nota:AnteS de colocarocolete<br />

atrás do doente,os doistirantes longos (ostirantes da virilha) são<br />

abertos e posicionados atrás do colete.<br />

Após posicionar o colete atrás do doente, as abas laterais são<br />

colocadas em torno do doente e movimentadas até tocarem as<br />

suas axilas.


278 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

Os tirantes de tronco são posicionados e ajustados, iniciandose<br />

pelo tirante do meio do tórax, seguido do tirante inferior. Cada<br />

tirante é ajustado após a colocação. Nesse momento, o uso do<br />

tirante superior do tórax é opcional. Se o tirante superior do<br />

tórax for utilizado, então o socorrista deve garantir que ele não<br />

esteja tão apertado a ponto de impedir a ventilação do doente.<br />

0 tirante superior do tórax deve ser apertado imediatamente<br />

antes de mover o doente.<br />

Cada tirante da virilha é posicionado e ajustado. Usando o<br />

movimento de um lado para outro, o tirante é passado por debaixo<br />

da coxa e da nádega até que esteja em uma linha reta na prega<br />

glútea da frente para trás. Cada tirante da virilha é colocado sob<br />

o membro inferior do doente e conectado ao colete do mesmo<br />

lado da inserção do tirante. Uma vez posicionado, cada tirante<br />

é apertado. A genitália do doente não deve ser colocada sob os<br />

tirantes, mas sim ao lado de cada um deles.<br />

O acolchoamento é colocado entre a cabeça do doente e o<br />

colete, mantendo o alinhamento neutro.<br />

A cabeça do doente é presa aos tirantes cefálicos do colete.<br />

0 socorrista deve ter cuidado para não prender a mandíbula<br />

ou obstruir a via aérea do doente. Nota: Os tirantes torácicos<br />

devem ser avaliados e reajustados conforme necessário.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 279<br />

Todos os tirantes devem ser reavaliados antes de mover o<br />

doente. Se o tirante torácico superior não tiver sido colocado,<br />

deve ser conectado e ajustado.<br />

Se possível, a maca da ambulância com a prancha longa deve<br />

ser trazida para a abertura da porta do veículo. A prancha<br />

longa é posicionada debaixo das nádegas do doente de forma<br />

que uma extremidade esteja seguramente apoiada no assento<br />

do veículo, e a outra, na maca. Se a maca da ambulância não<br />

estiver disponível ou o terreno não permitir o posicionamento da<br />

maca, outros socorristas podem segurar a prancha enquanto o<br />

doente é girado, levantado e movido para fora do veículo.<br />

Enquanto se gira o doente, suas extremidades inferiores devem<br />

ser elevadas para o assento. Se o veículo tem um console<br />

central, as pernas do doente devem ser levantadas por cima do<br />

console, uma por vez.<br />

Assim que o doente tiver sido girado de forma que suas costas<br />

fiquem voltadas para o centro da prancha longa, o doente<br />

é deitado na prancha mantendo as pernas elevadas. Após<br />

colocar o doente sobre a prancha, os dois tirantes da virilha<br />

devem ser soltos, e as pernas do doente, abaixadas. 0 doente é<br />

posicionado à medida que é movimentado para cima na prancha<br />

com o colete. 0 socorrista pode soltar o tirante superior do<br />

tórax nesse momento.<br />

Assim que o doentefor posicionado na prancha longa,o colete<br />

é mantido para que continue imobilizando a cabeça, o pescoço<br />

e o tronco. 0 doente com o colete é, então, fixado na prancha<br />

longa. As extremidades inferiores do doente são imobilizadas na<br />

prancha, e a prancha é fixada na maca da ambulância.


280 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Retirada Rápida d<br />

Princípio: Estabilizar manualmente o doente com lesões graves antes e durante a mobilização da posição sentada.<br />

A. Três ou mais Socorristas ÿ<br />

Doentes sentados portadores de lesões com risco de vida e com indicação para imobilização da coluna (Fig. 10-12) podem ser<br />

retirados rapidamente. A imobilização a um dispositivo temporário antes de movimentar o doente provê uma imobilização mais<br />

estável do que quando se usa somente o método manual (de retirada rápida). Entretanto, a utilização do dispositivo temporário<br />

requer quatro a oito minutos adicionais. 0 socorrista deve utilizar o método de retirada com colete ou com prancha curta quando<br />

(1) as condições da cena e do doente são estáveis e otempo não é a principal preocupação, ou (2) existe uma situação especial de<br />

resgate que envolve suspensão considerável ou guinchamento, movimentação ou carregamento do doente antes que seja prático<br />

completar a imobilização supina na prancha longa.<br />

A retirada rápida é indicada nas seguintes situações:<br />

h<br />

h<br />

Quando condições de risco de vida do doente foram identificadas durante a avaliação primária e não podem ser corrigidas no<br />

local em que o indivíduo foi encontrado.<br />

Quando a cena não é segura e existe risco evidente para o socorrista e para o doente, sendo necessária a remoção rápida<br />

para um local seguro.<br />

Quando o doente deve ser removido rapidamente para que se tenha acesso a outros doentes com lesões mais graves.<br />

Nota: A retirada rápida é escolhida apenas quando existem condições de risco de vida, e não com base em preferências<br />

pessoais.<br />

Uma vez que se toma a decisão da realização de retirada rápida<br />

de um doente, deve-se iniciar o procedimento de estabilização<br />

e alinhamento manual da cabeça e do pescoço do doente. A<br />

melhor abordagem é por trás do doente. Se não for possível a<br />

abordagem portrás do doente, o procedimento de estabilização<br />

e alinhamento manual pode ser realizado pelo lado. Tanto por<br />

trás quanto pelo lado, a cabeça e o pescoço do doente são<br />

trazidos para a posição de alinhamento neutro, realiza-se a<br />

avaliação rápida do doente e coloca-se o colar cervical de<br />

tamanho adequado.<br />

Enquanto se mantém a estabilização manual, deve-se controlar<br />

as regiões superior e inferior do tronco e as pernas do doente.<br />

0 doente é girado em uma série de movimentos curtos e<br />

controlados.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 281<br />

m<br />

Caso o veículo possua um console central, as pernas do doente<br />

devem ser movidas, uma de cada vez, sobre o console.<br />

0 socorrista continua a girar o doente, com movimentos curtos e<br />

controlados, até que a estabilização manual não possa mais ser<br />

mantida por trás, no interior do veículo. 0 segundo socorrista<br />

assume a estabilização manual, estando fora do veículo.<br />

0 primeiro socorrista pode, agora, sair do veículo e reassumir a<br />

estabilização manual.<br />

A rotação do doente continua até que ele possa ser abaixado<br />

para fora da abertura da porta do veículo e sobre a prancha<br />

longa.


282 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ESPECÍFICAS<br />

A prancha longa é colocada com a extremidade distai sobre o<br />

assento do veículo e a extremidade da cabeça sobre a maca<br />

da ambulância. Se a maca não puder ser colocada próxima ao<br />

veículo, outros socorristas podem segurar a prancha enquantoo<br />

doente é deitado sobre ela.<br />

Uma vez que o tronco do doente esteja sobre a prancha, o peso<br />

do tórax é aliviado enquanto se controla a pelve e as pernas.<br />

0 doente é movimentado para cima sobre a prancha longa.<br />

0 socorrista que mantém a estabilização manual deve ter cuidado<br />

para não puxar o doente, mas sim dar suporte à cabeça e ao<br />

pescoço.<br />

Após o doente ser posicionado na prancha longa,o socorrista<br />

pode fixá-lo na prancha, e esta, na maca da ambulância. Primeiro,<br />

fixa-se a região superior do tronco; posteriormente, a região<br />

inferior do tronco, a pelve e depois a cabeça. As pernas são<br />

presas por último. Se a cena não é segtira, o doente deve ser<br />

removido para uma área segura antes dè serfixado na prancha<br />

ou na maca.<br />

Nota: Isso representa apenas um exemplo de retirada rápida. Como muito poucas situações são ideais, o socorrista pode precisar<br />

modificar os passos da retirada para cada doente ou situações especiais. Os princípios da retirada rápida devem permanecer os<br />

mesmos independentemente da situação: manter, sem interrupção, a estabilização manual durante o processo de retirada e manter<br />

a coluna inteira alinhada sem movimentos indesejáveis. Qualquer posicionamento dos socorristas que funcione pode ter sucesso,<br />

Entretanto, um grande número de mudanças de posição e de transferência de posicionamento de mãos deve ser evitado, pois isso |<br />

motiva e possibilita lapsos na estabilização manual.<br />

A técnica de retirada rápida pode efetivamente dar estabilização e alinhamento manuais da cabeça, do pescoço e tronco)<br />

durante toda a remoção do doente de um veículo. Os três pontos-chave da retirada rápida são:<br />

1. Um socorrista deve manter a estabilização da cabeça e do pescoço do doente durante todo o tempo, outro deve girar e estabilizar<br />

a região superiordotronco, e oterceiro deve mover e controlara região inferior do tronco, da pelve e das extremidades inferiores)<br />

do doente.<br />

2. É impossível manter a estabilização e o alinhamento manual da cabeça e do pescoço do doente se houver tentativa de movêlo<br />

em um único movimento contínuo. Os socorristas devem limitar cada movimento, parando para reposicionar e preparar o ]<br />

movimento seguinte. Pressa desnecessária provoca atrasos e pode resultar em movimento da coluna.<br />

3. Cada situação e doente podem requerer adaptações dos princípios de retirada rápida. Isso só pode funcionar efetivamente se]<br />

as manobras forem praticadas. Cada socorrista deve saber as ações e os movimentos dos outros socorristas.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 283<br />

B. Dois Socorristas<br />

Em algumas situações, o número adequado de socorristas pode não estar disponível para retirar rapidamente o doente grave.<br />

Nessas situações, a técnica de dois socorristas é útil.<br />

Um socorrista inicia e mantém a estabilização e o alinhamento<br />

manual da cabeça e do pescoço do doente. 0 segundo<br />

socorrista coloca o colar cervical de tamanho apropriado e<br />

coloca um cobertor previamente torcido em volta do doente.<br />

0 meio do cobertor é colocado na linha central do doente<br />

sobre o colar cervical rígido. As extremidades do cobertor são<br />

enroladas em torno do colar cervical e passadas por baixo dos<br />

braços do doente.<br />

0 doente é girado usando as extremidades do cobertor enrolado,<br />

até que as suas costas estejam centralizadas com a abertura<br />

da porta.<br />

0 primeiro socorrista assume o controle das extremidades do<br />

cobertor, movendo-as por baixo dos ombros do doente, e move<br />

o doente pelo cobertor enquanto o segundo socorrista controla<br />

a região inferior do tronco, da pelve e das pernas do doente.


284 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

.<br />

Assento para Crianças<br />

Princípio: Imobilizar a coluna de uma criança com suspeita de lesões vertebromedulares, enquanto ela permanece sentada no<br />

assento veicular.<br />

Inspecione o assento veicular, para descartar a presença de dano estrutural. Em caso de dano, não imobilize o doente no banco.<br />

Mova o doente para um equipamento de imobilização.<br />

0 primeiro socorrista estabiliza a cabeça e o pescoço da<br />

criança em posição neutra.<br />

0 segundo socorrista usa toalhas e/ou cobertores dobrados<br />

para preencher todos os espaços vazios entre a criança e o<br />

assento, enquanto o primeiro socorrista mantém a estabilização<br />

manual da cabeça e do pescoço do doente.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 285<br />

Após o preenchimento dos espaços vazios ao redor do tronco<br />

do doente, devem ser colocadas as proteções ao redor da<br />

cabeça e do pescoço.<br />

Depois da identificação e preenchimento dejtodos os espaços<br />

vazios, o segundo socorrista prende o tronco do doente ao<br />

assento, com fitas e/ou tirantes, enquanto o primeiro socorrista<br />

mantém a estabilização manual da cabeça e do pescoço do<br />

doente. Após a imobilização do tronco do doente, o segundo<br />

socorrista prende a cabeça da criança ao assento.


286 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

TÉCNICAS ESPECIFICAS<br />

Equipamento para Imobilização de Crianças<br />

Princípio: Imobilizar a coluna de uma criança com suspeita de lesão vertebromedular.<br />

0 primeiro socorrista se ajoelha acima da cabeça do doente e<br />

faz a estabilização manual da cabeça e do pescoço do doente.<br />

0 segundo socorrista mede e coloca o colar cervical, enquanto<br />

o primeiro socorrista mantém a estabilização neutra e alinhada..<br />

0 segundo socorrista endireita os braços e as pernas do doente,<br />

conforme necessário.<br />

0 segundo socorrista agora se ajoelha ao lado do doente, entre<br />

seus ombros e seus joelhos. 0 segundo socorrista segura o<br />

doente pelos ombros e quadris, de modo a manter os membros<br />

inferiores alinhados em posição neutra.Ao comando do primeiro<br />

socorrista, o doente é levemente rolado de lado.<br />

Umterceiro socorrista posiciona o equipamento de imobilização<br />

atrás do doente.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 287<br />

0 equipamento é colocado contra as costas do doente, e o<br />

doente é reclinado sobre ele, e, então, ambos são colocados<br />

no chão.<br />

0 doente é agora fixado ao equipamento de imobilização pelo<br />

segundo e terceiro socorristas, enquanto o primeiro socorrista<br />

mantém a estabilização da cabeça e do pescoço.<br />

Após prender o tronco e os membros inferiores do doente ao<br />

equipamento, a cabeça do doente é imobilizada.


Remoção de Capacete<br />

Princípio: Remover o capacete enquanto se minimiza o risco de lesão adicional.<br />

Doentes que estão usando o capacete fechado na frente devem ter o capacete retirado no início do processo de avaliação!<br />

Isso permite acesso imediato para avaliar e tratar os problemas da via aérea e da ventilação do doente. Garante que hemorrao<br />

oculta não esteja ocorrendo na parte posterior da cabeça e permite ao socorrista movimentar a cabeça (da posição flexionadil<br />

causada por capacetes grandes) para o alinhamento neutro. Permite, também, a avaliação completa da cabeça e do pescoço!<br />

na avaliação secundária e facilita a imobilização de coluna, quando indicado (Fig. 10-12). 0 socorrista deve explicar ao doenteol<br />

que vai ser feito. Se o doente verbaliza que o socorrista não deve remover o capacete, o socorrista deve explicar que profissionais!<br />

adequadamente treinados são capazes de removê-lo mantendo a proteção da coluna do doente. São necessários dois socorristas|<br />

para a realização dessa manobra.<br />

Um socorrista se posiciona acima da cabeça do doente. Com<br />

suas palmas pressionadas sobre as laterais do capacete e as<br />

pontas dos dedos curvadas sobre a borda inferior, o primeiro<br />

socorrista estabiliza o capacete, a cabeça e o pescoço o mais<br />

próximo possível da posição de alinhamento neutro. 0 segundo<br />

socorrista ajoelha-se ao lado do doente. Se necessário, abre<br />

ou remove a proteção de rosto e desfaz ou corta a tira de<br />

fechamento.<br />

A mandíbula do doente é segura entre o polegar e os dois<br />

primeiros dedos na altura do ângulo da mandíbula. A outra<br />

mão é colocada por baixo do pescoço do doente no occipício<br />

do crânio para assumir o controle da estabilização manual. Os<br />

antebraços do socorrista devem estar apoiados sobre o solo ou<br />

sobre suas coxas para suporte adicional.<br />

2.


CAPÍTULO 10 Trauma Vertebromedular 289<br />

0 primeiro socorrista puxa levemente para fora os lados do<br />

capacete, afastando-o da cabeça do doente e movimenta o<br />

capacete para cima e para baixo em movimentos de balanço,<br />

tracionando-o para fora da cabeça do doente. 0 movimento<br />

para a retirada do capacete é lento e controlado. 0 socorrista<br />

deve ter cuidado para liberar o nariz do doente.<br />

Assim que o capacete for removido, devem-se colocar coxins<br />

atrás da cabeça do doente para mantê-la em posição neutra<br />

alinhada. A estabilização manual é mantida, e coloca-se o colar<br />

cervical de tamanho adequado.<br />

Nota: Existem dois elementos-chave na retirada do capacete:<br />

I. Enquanto um socorrista mantém a estabilização manual da cabeça e do pescoço do doente, o outro socorrista se movimenta.<br />

Em nenhum momento, os dois socorristas devem movimentar-se ao mesmo tempo.<br />

I0 socorrista deve girar o capacete em diferentes direções, inicialmente para liberar o nariz do doente e, então, para liberar a<br />

parte posterior da cabeça.


t<br />

CAPÍTULO 11<br />

Trauma<br />

Torácico<br />

QBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Discutir a anatomia e a fisiologia normais dos órgãos torácicos.<br />

Descrever as alterações na anatomia e na fisiologia que resultam de lesões<br />

torácicas.<br />

Discutir a relação entre biomecânica do trauma, anatomia e fisiologia torácicas e<br />

os achados da avaliação, chegando a um índice de suspeita para várias lesões.<br />

Diferenciar os doentes que requerem estabilização e transporte rápidos devido ao<br />

trauma torácico daqueles que podem ser submetidos à avaliação e ao tratamento<br />

no local do trauma.<br />

Discutir o impacto de um ambiente urbano ou suburbano, rural ou inóspito na<br />

avaliação e no tratamento de lesões torácicas.<br />

Descrever os sinais e sintomas, a fisiopatologia e o tratamento das seguintes<br />

lesões torácicas:<br />

Fraturas de costelas<br />

•/ Tórax instável<br />

/ Contusão pulmonar<br />

Pneumotórax (simples, aberto e fechado)<br />

Pneumotórax hipertensivo<br />

Hemotórax<br />

Contusão cardíaca<br />

Tamponamento cardíaco || Cjp<br />

Comoção cardíaca (commotio cordis)<br />

Ruptura traumática de aorta > .#•<br />

Ruptura traqueobrônquica<br />

Asfixia traumática<br />

Ruptura de diafragma<br />

ÚÇ<br />

/JA» V<br />

i


292 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

wnm?-<br />

v\\\VVW V 111 j 11 "f í '//////,<br />

Você é enviado à cena de um esfaqueamento em uma residência. Durante o deslocamento, você recebe a informação dequ-l<br />

o doente é do sexo masculino e apresenta um único ferimento a faca no tórax. A polícia está no local e afirma que é seguioj<br />

Seu tempo previsto de resposta é inferior a cinco minutos.<br />

À chegada, você entra na casa, ouvindo uma mulher gritando com os policiais ao ser algemada em outro cómodo. Uni<br />

policial mostra a você um doente do sexo masculino, sentado sem camisa no sofá, algemado, que começa a gritar, dizendil<br />

a você para fazer alguma coisa, pois está com dor torácica. Conforme você o aborda e tenta acalmá-lo, percebe um pequei))!<br />

ferimento na porção anterior do tórax esquerdo, imediatamente medial ao mamilo. Seu parceiro coloca o oxigénio no doenls<br />

e começa a avaliar seus sinais vitais, e você nota que o indivíduo apresenta diaforese e taquipneia, enquanto grita corri<br />

você e os policiais. Ele parece apresentar distensão da veia jugular, mesmo estando sentado, e você percebe uma pequenil<br />

área de crepitação na parede torácica adjacente ao ferimento. Os sons pulmonares estão presentes, mas estão diminuídossfl<br />

esquerda, e é difícil avaliar os sons cardíacos. Você não observa lesões abdominais ou sensibilidade, e o doente movimenli<br />

todos os membros sem aparente dificuldade.<br />

Este doente apresenta comprometimento respiratório? O doente apresenta lesão com risco de vida? Como você tratai<br />

essa condição no local do trauma? Quais são as opções para o transporte? Como uma localização diferente (p. ex., zon-(|<br />

rural) da agressão influencia o tratamento do doente e os planos durante o transporte prolongado? Com base nas informa-|<br />

ções que você tem, de quais outras lesões você deveria suspeitar?<br />

com outras formas de lesão, o trauma torácico<br />

pode ser causado por mecanismos contusos ou penetran¬<br />

Comoocorre<br />

tes. Uma força contusa aplicada à caixa torácica em coli¬<br />

sões automobilísticas, quedas de grandes alturas, agressões ou<br />

lesões por esmagamento pode causar ruptura da anatomia e da<br />

fisiologia normais dos órgãos torácicos. Da mesma forma, feri¬<br />

das penetrantes produzidas por armas de fogo, armas brancas<br />

011 objetos empalados, como vigas de aço, podem ferir o tórax. O<br />

tratamento definitivo da maioria das lesões torácicas não requer<br />

toracotomia (abertura cirúrgica da cavidade torácica). Na ver¬<br />

dade, apenas 15% a 20% de todas as lesões torácicas requerem<br />

toracotomia. Os 85% restantes são tratados com intervenções<br />

relativamente simples, tais como oxigénio suplementar, suporte<br />

venlilatório, analgesia e toracoslomia com drenagem torácica,<br />

quando necessário.1"3<br />

No entanto, essas lesões podem ser significativas. Os órgãos<br />

torácicos estão intimamente envolvidos na manutenção da<br />

oxigenação, ventilação e oferta de oxigénio. Lesões torácicas,<br />

em especial as não reconhecidas imediatamente e as sem tra¬<br />

tamento adequado, podem acarretar morbidade significativa.<br />

Hipoxia (quantidade inadequada de oxigénio no sangue), hipercapnia<br />

(C02 excessivo no sangue), acidose (acúmulo de ácidos<br />

no sangue) e choque (oxigenação insuficiente dos órgãos e teci¬<br />

dos do corpo) podem resultar do tratamento inicial inadequado<br />

de uma lesão torácica, de modo a contribuir para complicações<br />

tardias como a falência múltipla dos órgãos, responsável por<br />

25% das mortes por trauma decorrentes de lesão torácica.1*3<br />

Anatomia<br />

O tórax é um cilindro oco, constituído por estruturas óssease<br />

musculares, composto de 12 pares de costelas. Destes pares, osl<br />

10 superiores articulam-se posteriormente com a coluna verte-l<br />

bral torácica e anteriormente com o esterno ou com a costekl<br />

superior. Os dois pares inferiores de costelas só se articulaul<br />

posteriormente com a coluna. Anteriormente, são livres e, poi-l<br />

tanto, são chamados de "costelas flutuantes". Essa caixa óssej<br />

fornece uma proteção acentuada aos órgãos internos da cavidad<br />

torácica. Na verdade, as costelas inferiores também protegemoil<br />

órgãos da parte superior do abdome (principalmente o baço eol<br />

fígado). Essa caixa óssea é reforçada por músculos. Os múscu/oil<br />

intercostais localizam-se entre as costelas e as conectam uma|<br />

às outras. Diversos grupos musculares movem a extremidad<br />

superior e são parte da parede torácica, incluindo os múscu-j<br />

los peitorais maiores e menores, os músculos serráteis anterio-l<br />

res e posteriores e o músculo grande dorsal, juntamente com|<br />

os vários músculos do dorso. Com lodo esse "acolchoamento",<br />

para lesionar os órgãos internos é necessária uma quantidaded;!<br />

força considerável.<br />

Existem também músculos envolvidos no processo d;f<br />

respiração (ventilação), incluindo os músculos intercostais; t<br />

diafragma, que é um músculo em forma de cúpula aderidoj|<br />

porção inferior do tórax; e os músculos no pescoço que se inse-l<br />

rem nas costelas superiores. Uma artéria, uma veia e um j£eno|<br />

localizam-se na borda inferior de cada costela, vascularizandot<br />

estimulando os músculos intercostais.


CAPITULOU Trauma Torácico 293<br />

Brônquio<br />

principal<br />

direito<br />

Cavidade<br />

pleural<br />

direita<br />

Pulmão direito<br />

Músculo<br />

intercostal<br />

Pleura<br />

parietal<br />

Pleura<br />

visceral<br />

Traqueia<br />

Diafragma<br />

Brônquio<br />

principal<br />

esquerdo<br />

Cavidade<br />

pleural<br />

esquerda<br />

Pulmão<br />

esquerdo<br />

Espaço<br />

pleural<br />

Mediastino<br />

FIGURA 11-1 Cavidade torácica, incluindo as costelas, os<br />

músculos intercostais, o diafragma, o mediastino, os pulmões,<br />

o coração, os grandes vasos, os brônquios, a traqueia e o<br />

esôfago.<br />

Endotélio<br />

capilar<br />

Tecido conjuntivo<br />

Capilar<br />

Epitélio<br />

alveolar<br />

Alvéolo<br />

FIGURA 11-2 Os capilares e os alvéolos estão muito próximos;<br />

por isso, o oxigénio (02) pode se difundir facilmente através de<br />

capilares, paredes alveolares, paredes capilares e hemácias. O<br />

dióxido de carbono (C02) difunde-se na direção oposta.<br />

Uma fina membrana, chamada de pleura parietal, reveste<br />

a cavidade formada por essas estruturas. Outra fina membrana<br />

correspondente, chamada de pleura visceral, cobre os outros<br />

órgãos da cavidade torácica. Normalmente, não há espaços<br />

entre essas duas membranas. Na realidade, elas estão aderidas<br />

entre si por uma pequena quantidade de líquido que as mantém<br />

unidas, da mesma forma que uma fina camada de água une duas<br />

lâminas de vidro. O líquido pleural cria uma tensão superficial<br />

•que se opõe à natureza elástica dos pulmões, impedindo sua<br />

lendência natural a sofrer colabamento.<br />

Os pulmões ocupam as metades direita e esquerda da cavi¬<br />

dade torácica (Fig. 11-1). Entre eles e envoltos por eles, há uma<br />

a chamada mediastino, em que se encontram o coração, os<br />

grandes vasos, a traqueia, os brônquios principais e o esôfago.<br />

Fisiologia<br />

Os dois componentes da fisiologia torácica com maior pro¬<br />

babilidade de serem afetados por lesões são a respiração e a<br />

circulação.1'3 Ambos os processos precisam funcionar adequa¬<br />

damente para que o oxigénio alcance os órgãos, os tecidos e, em<br />

última análise, as células corporais, e para eliminar dióxido de<br />

carbono. Para uma melhor compreensão sobre o que acontece<br />

aos doentes quando há uma lesão torácica e como tratar essas<br />

lesões, é importante entender a fisiologia dos dois processos.<br />

Ventilação<br />

0 termo "respiração" na verdade se refere ao processo fisioló¬<br />

gico de ventilação. Ventilação é o processo mecânico pelo qual<br />

joarse move através da boca e do nariz, para traqueia, brôn-<br />

quios, pulmões e diminutos sacos denominados alvéolos. A<br />

I respiração corresponde à ventilação e à disponibilização de<br />

oxigénio para as células. O processo de puxar o ar é chamado<br />

kinspiração. O oxigénio no ar é transportado através da mem¬<br />

brana de revestimento dos alvéolos, em pequenos vasos sanguí¬<br />

neos adjacentes conhecidos como capilares, nos quais a hemo¬<br />

globina adere às hemácias para ser transportada. Esse processo<br />

é conhecido como oxigenação. Simultaneamente, o dióxido de<br />

carbono (C02), que está dissolvido no sangue, difunde-se para<br />

o ar dentro dos alvéolos a fim de ser eliminado quando o ar<br />

for expelido novamente no processo de expiração (Fig. 11-2). A<br />

respiração celular é a utilização de oxigénio pelas células para<br />

a produção de energia (Cap. 7).<br />

Durante a inspiração, o diafragma e os músculos intercos¬<br />

tais se contraem, levando o diafragma a se mover para baixo e as<br />

costelas a se abrirem e se elevarem. Esse movimento aumenta o<br />

volume interno da caixa torácica e cria uma préhsão negativa no<br />

seu interior comparada com a pressão externa,' o que resulta na<br />

entrada de ar nos pulmões (Figs. 11-3 e 11-4). Durante a expi¬<br />

ração, o diafragma e os músculos intercostais relaxam, levando<br />

o diafragma e as costelas a retornarem à posição neutra. Isso<br />

faz com que a pressão intratorácica seja maior do que a pressão<br />

fora do corpo, e o ar dentro dos pulmões é expelido para fora do<br />

corpo através dos brônquios, da traqueia, do nariz e da boca.<br />

A ventilação é controlada pelo centro respiratório do tronco<br />

encefálico. O tronco encefálico controla a ventilação através do<br />

monitoramento da pressão parcial arterial de dióxido de car¬<br />

bono (PaC02) e de oxigénio (Pa02) por células especializadas,<br />

denominadas quimiorreceptores. Os quimiorreceptores estão<br />

localizados no tronco encefálico, na aorta e nas artérias caróti¬<br />

das. Quando os quimiorreceptores detectam aumento da PaC02,<br />

eles estimulam o centro respiratório a elevar a profundidade e<br />

a frequência de ventilações, eliminando mais C02 e normali¬<br />

zando a PaC02 (Fig. 11-5). Esse processo é muito eficaz e pode<br />

aumentar o volume de ar movido para dentro e para fora dos<br />

pulmões a cada minuto por um fator igual a 10. Mecanorreceptores,<br />

encontrados na via aérea, nos pulmões e nà parede<br />

torácica, medem o grau de distensão dessas estruturas, além de<br />

fornecerem feedback ao tronco encefálico.<br />

Em determinadas doenças pulmonares, como o enfisema ou<br />

a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), os pulmões não<br />

são capazes de eliminar o C02 de modo tão eficaz. Isso resulta na


ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Expiração<br />

Inspiração<br />

Contração do<br />

músculo<br />

peitoral<br />

menop<br />

Contração dos<br />

músculos<br />

intercostais<br />

externos<br />

Contração dos músculos<br />

esternocleidomastóideos<br />

Clavícula<br />

Escápula<br />

Contração dos<br />

músculos<br />

intercostais<br />

internos<br />

Relaxamento<br />

do diafragma<br />

Contração dos<br />

músculos<br />

abdominais<br />

Relaxamento<br />

do diafragma<br />

Transversos<br />

abdominais<br />

\/ Oblíquo / » \<br />

A<br />

~ - . .. , pxtprnn Oblíquo Reto<br />

A Contraçao do diafragma B interno abdominal<br />

FIGURA 11-3 A, Durante a inspiração, o diafragma se contrai e torna-se plano. Os músculos acessórios da inspiração, tais como<br />

os músculos intercostais externos, peitoral menor e esternocleidomastóideos, elevam as costelas e o esterno, o que aumenta o<br />

diâmetro e o volume da cavidade torácica. B, Na expiração durante uma respiração calma, a elasticidade da cavidade torácica faz<br />

com que o diafragma e as costelas assumam suas posições de repouso, o que diminui o volume da cavidade torácica. Na expiração<br />

durante uma respiração difícil, os músculos da expiração, tais como os músculos intercostais internos e os músculos abdominais,<br />

contraem-se, fazendo com que o volume da cavidade torácica diminua mais rapidamente.<br />

Inspiração<br />

Expiração<br />

FIGURA 11-4 Quando o diafragma está relaxado e a glote<br />

está aberta, as pressões dentro e fora dos pulmões são iguais.<br />

Quando a cavidade torácica se expande, a pressão intratorácica<br />

diminui e entra ar nos pulmões.<br />

Centro \ \ i<br />

' respiratório I / / - I<br />

Alto nível de l<br />

'!0W V •ÿ§ I<br />

C02 no sangue \ /<br />

Aumento da profundidade e da<br />

frequência das ventilações<br />

FIGURA 11-5 O aumento do nível de dióxido de carbono é<br />

detectado por células nervosas sensíveis a essa alteração, o<br />

que estimula o pulmão a aumentar tanto a profundidade quanto<br />

a frequência das ventilações.<br />

elevação crónica do nível de C02<br />

no sangue. Os quimiorreceptores<br />

passam a ser insensíveis às alterações da PaCO,. Por isso, os<br />

quimiorreceptores na aorta e nas artérias carótidas estimulam a<br />

ventilação quando há queda da pressão parcial arterial de oxigénio<br />

(Pa02). Similares aos quimiorreceptores do tronco encefálico, que<br />

detectam o aumento da PaC02 e estimulam a ventilação, reduzindo<br />

o nível de C02, os quimiorreceptores de oxigénio fazem feedback<br />

com o centro respiratório, fazendo com que os músculos respira¬<br />

tórios sejam mais ativos, aumentando a frequência ventilatóriae<br />

a profundidade da ventilação, elevando a Pa02 é normalizando-a


CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 295<br />

Baixo nível de' O,<br />

FIGURA 11-7<br />

Volumes Pulmonares e Relações<br />

Artéria<br />

carótida<br />

Aorta<br />

Centro<br />

respiratório<br />

Aumento da profundidade e<br />

da frequência das ventilações<br />

FIGURA 11-6 Receptores localizados na aorta e nas carótidas<br />

são sensíveis ao nível de oxigénio e estimulam os pulmões a<br />

aumentar a entrada e saída de ar dos sacos alveolares.<br />

Espaço morto: Quantidade de ar levado aos pulmões, que<br />

não têm a oportunidade de trocar oxigénio e dióxido de<br />

carbono com o sangue nos capilares alveolares (p. ex., ar<br />

na traqueia e nos brônquios).<br />

Ventilação minuto (VE): Volume total de ar que entra e sai dos<br />

pulmões em um minuto.<br />

Volume corrente (VC): Quantidade de ar que é inalada e depois<br />

exalada durante uma respiração normal (0,4-0,5 L).<br />

Capacidade pulmonar total (CPT): Volume total que os pulmões<br />

contêm quando inflados maximamente. Esse volume<br />

declina com a idade de 6,0 L em adultos jovens para<br />

aproximadamente 4,0 L em pessoas idosas.<br />

Esforço respiratório: Trabalho ou esforço físico realizado na<br />

movimentação da parede torácica e do diafragma para<br />

a respiração. Esse trabalho aumenta com a respiração<br />

rápida, aumentando a ventilação minuto, e quando os<br />

pulmões estão anormalmente rígidos.<br />

(Fig. 11-6). Esse mecanismo é frequentemente denominado "estí¬<br />

mulo hipóxico", dados os menores níveis de oxigénio no sangue."1<br />

A Figura 11-7 define vários termos que são importantes na<br />

discussão e na compreensão da fisiologia da ventilação.5<br />

Circulação<br />

0 outro processo fisiológico importante que pode ser afetado<br />

após uma lesão torácica é a circulação. O Capítulo 8 aborda esse<br />

tópico com mais detalhes, mas a discussão seguinte oferece<br />

uma base para a fisiopalologia da lesão torácica.<br />

O coração, que se localiza no centro do tórax, dentro do<br />

mediastino, funciona como uma bomba biológica. Para que uma<br />

bomba funcione, ela deve ser preenchida por líquido. Para o<br />

coração, essa função de enchimento é fornecida pelo retomo<br />

de sangue através de duas grandes veias, a veia cava superior<br />

(VCS) e a veia cava inferior (VCI). O coração normalmente se<br />

contra de 70 a 80 vezes por minuto, ejetando sangue para o<br />

corpo através da aorta.<br />

Processos que interferem lio retorno venoso ao coração<br />

através da VCS e da VCI (p. ex., perda sanguínea através de<br />

hemorragia, pressão aumentada na cavidade torácica decor¬<br />

rente de pneumotórax hipertensivo) fazem com que o débito<br />

cardíaco e, consequentemente, a pressão arterial diminuam.<br />

Da mesma forma, processos que lesionam o próprio cora¬<br />

ção (p. ex., uma contusão cardíaca) podem fazer com que o<br />

coração se torne uma bomba menos eficiente, produzindo as<br />

mesmas anormalidades fisiológicas. Da mesma forma que os<br />

quimiorreceptores reconhecem alterações nos níveis de CO.,<br />

ou de O;,, os barorreceptores reconhecem as alterações na<br />

pressão arterial e instruem o coração a mudar a frequência e<br />

a potência de seus batimentos para fazer com que a pressão<br />

arterial retorne ao normal.<br />

Fisiopatologia<br />

Como mencionado anteriormente, mecanismos tanto contusos<br />

como penetrantes podem interromper os processos fisiológi¬<br />

cos descritos. Há elementos comuns nos distúrbios criados por<br />

esses mecanismos.<br />

Lesão Penetrante<br />

Nessas lesões, objetos de tamanhos variados atravessam a parede<br />

torácica, peneiram a cavidade torácica e possivelmente lesio¬<br />

nam os órgãos internos do tórax. Normalmente, não há espaços<br />

entre as membranas pleurais. No entanto, quando uma ferida<br />

penetrante cria uma comunicação entre a cavidade torácica e o<br />

meio externo, o ar tende a peneirar no espaço pleural através<br />

da ferida durante a inspiração quando a pressão intratorácica<br />

é menor do que a pressão externa e, por causa da resistência ao<br />

fluxo de ar através da ferida, geralmente menor do que a obser¬<br />

vada através da via aérea. O ar no espaço pleural (pneumotórax)<br />

rompe a aderência entre as membranas pleurais criada pela fina<br />

película de líquido pleural. Em conjunto, lodos esses processos<br />

permitem que o pulmão sofra colabamento, impedindo uma<br />

ventilação eficaz. Ferimentos penetrantes resultam em pneumo¬<br />

tórax aberto apenas quando o tamanho do defeito na parede torá¬<br />

cica é suficientemente extenso para que os tecidos adjacentes<br />

não o fechem, pelo menos de forma parcial, durante a inspira¬<br />

ção e/ou expiração. Os ferimentos pulmonares provocados por<br />

objeto penetrante igualmente permitem a saída de ar do pulmão<br />

para o interior do espaço pleural, o que também leva ao colaba¬<br />

mento pulmonar. Em qualquer um dos casos, o doente apresenta<br />

respiração superficial. Para compensar a perda da capacidade<br />

ventilatória, o centro respiratório estimula uma respiração mais<br />

rápida. Isso aumenta o esforço respiratório. O doente pode ser<br />

capaz de tolerar o aumento da carga de trabalho por um tempo,<br />

•j


296 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

mas se isso não for reconhecido e tratado, o doente pode apre¬<br />

sentar risco de insuficiência respiratória, que irá se manifestar<br />

por aumento do esforço respiratório à medida que os níveis de<br />

C02 no sangue aumentam e os níveis de 02 caem.<br />

Caso haja uma entrada contínua de ar para o interior da<br />

cavidade torácica sem qualquer saída, a pressão no espaço<br />

pleural começa a se elevar, provocando pneumotórax hipertensivo,<br />

o que, em breve, irá impedir o doente de respirar. Isso<br />

também trará um impacto negativo sobre a circulação, uma<br />

vez que diminui o retorno venoso ao coração pelo aumento da<br />

pressão torácica; o desenvolvimento de choque é possível. Em<br />

casos extremos, com o deslocamento das estruturas mediasti¬<br />

nals para o lado oposto do tórax, o retorno venoso é altamente<br />

comprometido, reduzindo a pressão arterial e provocando dis¬<br />

tensão da veia jugular; o clássico achado de desvio da traqueia<br />

pode ser observado.<br />

Tecidos lacerados e vasos sanguíneos lesionados sangram.<br />

Ferimentos penetrantes do tórax podem causar hemorragia 110<br />

interior do espaço pleural [hemotórax) a partir dos músculos<br />

da parede torácica, dos vasos intercostais e dos pulmões. Feri¬<br />

mentos penetrantes dos grandes vasos do tórax causam hemor¬<br />

ragias catastróficas. Cada espaço pleural pode acumular apro¬<br />

ximadamente 3.000 mL de líquido. A hemorragia torácica no<br />

espaço pleural pode, a princípio, não ser visível externamente,<br />

mas pode ler magnitude suficiente para levar ao estado de cho¬<br />

que. A presença de grandes volumes de sangue no espaço pleu¬<br />

ral também irá interferir na capacidade respiratória do doente;<br />

o sangue no espaço pleural impede a expansão pulmonar do<br />

mesmo lado.<br />

Ferimentos pulmonares também podem produzir hemor¬<br />

ragia no próprio tecido pulmonar. Esse sangue encharca os<br />

alvéolos, impedindo que sejam preenchidos com ar. Alvéolos<br />

preenchidos com sangue não podem participar da troca gasosa.<br />

Quanto mais alvéolos são encharcados, mais a ventilação e a<br />

oxigenação do doente podem ficar comprometidas.<br />

Lesão Contusa<br />

A força contusa aplicada à parede torácica é transmitida através<br />

da parede aos órgãos torácicos, especialmente aos pulmões. Essa<br />

onda de energia pode lesionar o tecido pulmonar, o que pode<br />

causar hemorragia no interior dos alvéolos. Nesse caso, a lesão é<br />

chamada de contusão pulmonar. O impacto sobre a oxigenação<br />

e a ventilação é o mesmo que ocorre na lesão penetrante.<br />

Se a força aplicada ao tecido pulmonar também lesionar a<br />

pleura parietal, o ar pode escapar do pulmão para dentro do<br />

espaço pleural, criando um pneumotórax com potencial de<br />

evolução para um pneumotórax hipertensivo, como descrito<br />

previamente. O trauma fechado de tórax também pode fraturar<br />

costelas, o que consequentemente pode causar laceração pul¬<br />

monar, produzindo pneumotórax e hemolórax (ambos causa¬<br />

dos por hemorragia decorrente das costelas quebradas, assim<br />

como da laceração pulmonar e dos músculos intercostais). A<br />

contusão também pode produzir laceração ou ruptura dos gran¬<br />

des vasos do tórax, particularmente da aorta, causando uma<br />

hemorragia catastrófica. Finalmente, em alguns casos, a contu¬<br />

são pode romper a parede torácica, instabilizando-a e compro¬<br />

metendo, as alterações da pressão intratorácica, prejudicandoaú<br />

ventilação.<br />

Avaliação<br />

Como ocorre em todos os aspectos do atendimento médico, a<br />

avaliação envolve a coleta de uma história e a realização de<br />

exame físico. Em situações de trauma, consideramos uma/iislória<br />

SAMPLA, na qual se obtêm os sintomas, as alergias e os anos<br />

de vida do doente, as medicações, o passado médico, os líqui-j<br />

dos, bem como a última alimentação e o ambiente do trauma.''<br />

Além do mecanismo de trauma, pergunta-se aos doente]<br />

sobre qualquer sintoma que possam apresentar, caso e<br />

conscientes e capazes de se comunicar. As vítimas de traunní<br />

torácico provavelmente apresentarão dor torácica, que podess|<br />

aguda, em pontada ou constritiva. Frequentemente, a dor piorei<br />

aos esforços respiratórios ou à movimentação. O doente<br />

relatar uma sensação de respiração curta ou de não conseguir]<br />

respirar adequadamente. Ele pode estar apreensivo ou comton-j<br />

lura, caso esteja sob iminência de choque. É importante lembra:!<br />

que a ausência de sintomas não significa ausência de lesão.<br />

A etapa seguinte da avaliação é a realização do exame físic!<br />

com quatro componentes: observação, palpação, percuss<br />

e ausculta. A avaliação também deve incluir a obtenção<br />

sinais vitais. A colocação de um oxímetro de pulso para avalia<br />

a saturação arterial de oxigénio é útil na avaliação do doenl-j<br />

traumatizado.15,7<br />

® Observação. O doente é observado quanto à palidez cutâ¬<br />

nea e à sudorese, o que pode indicar a presença de choqu<br />

O doente também pode parecer apreensivo. A presença<br />

de cianose (coloração azulada da»pele, especialmente ao<br />

redor da boca e nos lábios) pode ser evidente na hipoxia<br />

avançada. A frequência ventilatória e os sinais de dificul¬<br />

dades respiratórias (dispneia, contxações dos músculos respi-]<br />

ratórios acessórios do pescoço, batimento da asa do nariz)<br />

devem ser observados. A traqueia está na linha média,<br />

ou desviada para um dos lados? As veias jugulares estão<br />

distendidas? O tórax é examinado em busca de contusões,]]<br />

abrasões, lacerações e simetria da parede torácica durante]<br />

a ventilação. ITá alguma porção da parede torácica que<br />

se move paradoxalmente com a ventilação (em vez de se<br />

mover para fora durante a inspiração, eia sofre colapso<br />

e<br />

para dentro, e vice-versa, durante a expiração)?<br />

Ausculta. Todo o tórax é avaliado. A diminuição do<br />

murmúrio vesicular de um lado em relação ao outro pode]<br />

indicar pneumotórax 011 hemotórax no lado examinado.<br />

As contusões pulmonares podem provocar sons respiratój<br />

rios anormais (crepitações). Embora difíceis de discernir!<br />

campo, sons cardíacos abafados e sopros também podem |<br />

ser auscultados.<br />

£5 Palpação. A parede torácica deve ser levemente palpada<br />

com as mãos e os dedos para pesquisar a presença de pontos]<br />

dolorosos, crepitação (óssea ou enfisema de subcutâneo)'<br />

segmento instável da parede torácica.<br />

& Percussão. Essa técnica de exame é de difícil realização 1<br />

local, pois frequentemente há ruídos 11a cena, o que torna>|


CAPITULOU Trauma Torácico 297<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

avaliação da percussão particularmente difícil. Coloca-se<br />

um dedo estendido sobre a parede torácica que é atingido<br />

agudamente por um dedo da mão oposta. Isso produz uma<br />

onda sonora na estrutura percutida. Um som abafado à<br />

percussão sobre o tórax pode indicar contusão pulmonar<br />

ou hemotórax subjacente. Uma percussão limpânica pode<br />

indicar a presença de um pneumotórax.<br />

Oximetria de pulso. Deve ser realizada para avaliar o nível<br />

de oxigénio ligado à hemoglobina e monitorada para obser¬<br />

vação de alterações no estado geral do doente e de respos¬<br />

tas à terapia.<br />

Capnografia. Seja por avaliação com sonda nasal, máscara<br />

ou tubo endotraqueal, a capnografia é usada para análise<br />

do nível de dióxido de carbono no ar expirado e moni¬<br />

torada para observação de alterações do estado geral do<br />

doente e de respostas ao tratamento.<br />

A ferramenta mais importante de avaliação talvez seja a<br />

medida repelida da frequência ventilalória. À medida que os<br />

doentes ficam hipóxicos e pioram, uma indicação precoce dessa<br />

mudança é um aumento gradual da frequência ventilatória.<br />

Tratamento de Lesões<br />

Específicas<br />

Fraturas de Costelas<br />

Apesar de as costelas serem relativamente bem protegidas pela<br />

musculatura sobrejacente, fraturas das costelas são comuns<br />

no trauma torácico. As costelas superiores são amplas, espes¬<br />

sas e particularmente bem protegidas pela cintura escapular<br />

epor músculos.1'3 Como é necessária uma grande quantidade<br />

de energia para fraturar as costelas superiores, esse doente tem<br />

risco de apresentar outras lesões significativas, como ruptura<br />

Inúmática da aorta. A localização mais comum de fratura de<br />

costelas é a face lateral das costelas 4 a 8, que são finas e menos<br />

protegidas pela musculatura. A ponta quebrada da costela pode<br />

lesionar músculo, pulmões e vasos sanguíneos, podendo pro¬<br />

vocar contusão pulmonar.1,3'" Fraturas simples de costela, ape¬<br />

sar de raramente serem associadas a risco de morte em adultos,<br />

podem ser fatais em doentes idosos. A compressão do pulmão<br />

pode romper os alvéolos e provocar pneumotórax, como ante¬<br />

riormente discutido.<br />

Fraturas das costelas inferiores"'1" podem ser associadas a<br />

lesões esplénicas e hepáticas, assim como outras lesões intraabdominais.<br />

Essas lesões também podem ser associadas à perda<br />

de sangue ou choque.1,3'"<br />

Avaliação<br />

Os doentes com fraturas simples de costela podem apresentar<br />

poucos sintomas. Com maior frequência, queixam-se de dor<br />

torácica e dispneia. Também podem ser observadas dificuldade<br />

de respiração, sensibilidade da parede torácica e crepitação. O<br />

socorrista responsável pelo atendimento pré-hospitalar avalia os<br />

sinais vitais, prestando particular atenção à frequência ventilató-<br />

ria e à profundidade da respiração. A oximetria de pulso também<br />

deve ser realizada, assim como a capnografia, se possível.1,12'13<br />

Tratamento<br />

O tratamento inicial dos doentes com fraluras simples de cos¬<br />

telas é o alívio da dor, e pode incluir a tranquilização do doente<br />

e a utilização de uma tipóia e uma faixa no braço do doente.<br />

E importante fazer reavaliações frequentes e tranquilizar o<br />

doente, tendo sempre em mente a possibilidade de deteriora¬<br />

ção da ventilação e o desenvolvimento de choque. A obtenção<br />

de um acesso venoso (IV) deve ser considerada, dependendo<br />

da condição do doente e da otimização do tempo de trans¬<br />

porte. A analgesia c.0111 pequenas doses de narcóticos IV pode<br />

ser conveniente em algumas situações para unidades avança¬<br />

das com controle médico adequado. O doente é estimulado a<br />

manter inspirações profundas e a tossir para evitar o colapso<br />

dos alvéolos (ateleclasia) e o desenvolvimento de pneumonia<br />

e de outras complicações. Deve ser evitada a imobilização de<br />

costelas com bandagem firme ou atadura que envolva todo o<br />

tórax, pois tais tentativas predispõem ao desenvolvimento de<br />

ateleclasia e pneumonia.1,3 A administração de oxigénio e a<br />

assistência ventilatória podem ser necessárias.<br />

Tórax Instável (Retalho Costal Móvel)<br />

A instabilidade do tórax ocorre quando duas ou mais costelas<br />

adjacentes são fraluradas em pelo menos dois lugares. Isso faz<br />

com que um segmento da parede torácica passe a não apresen¬<br />

tar mais continuidade com o restante do tórax. A força signi¬<br />

ficativa necessária á produção de tal lesão é geralmente trans¬<br />

mitida ao pulmão subjacente, levando á contusão pulmonar. O<br />

doente, assim, pode apresentar dois mecanismos de compro¬<br />

metimento da ventilação e da troca gasosa, c? segmento instá¬<br />

vel e a contusão pulmonar subjacente (que é o maior problema<br />

quando passa a comprometer a ventilação). Quando os múscu¬<br />

los respiratórios se contraem para elevar as costelas e abaixar o<br />

diafragma, o segmento contundido se move, paradoxalmente,<br />

para dentro, em resposta à pressão negativa criada no interior<br />

da cavidade torácica (Fig. 11-8). Da mesma maneira, quando<br />

estes músculos relaxam, o segmento pode se mover para fora,<br />

dado o aumento da pressão no interior do tórax. Esse movi¬<br />

mento paradoxal do segmento contuso faz com que a venti¬<br />

lação seja menos eficaz. O grau de ineficácia é diretamente<br />

relacionado ao tamanho do segmento. Como anteriormente<br />

descrito, a contusão pulmonar não permite a troca gasosa na<br />

porção acometida do pulmão, já que os alvéolos estão cheios<br />

de sangue.<br />

Avaliação<br />

Como ocorre na fratura simples de costela, a avaliação do<br />

afundamento de tórax (retalho costal móvel) mostra um doente<br />

com dor. No entanto, a dor é tipicamente mais intensa e o<br />

doente frequentemente parece estar em sofrimento. A frequên¬<br />

cia ventilatória se eleva, e o doente não consegue respirar<br />

profundamente. Pode haver hipoxia, como evidenciado por<br />

oximetria de pulso ou cianose. O movimento paradoxal pode<br />

não ser evidente ou fácil de ser identificado. Inicialmente, o


298 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Inspiração<br />

Expiração<br />

complicação comum e potencialmente letal da lesão torácica,31<br />

A deterioração até o ponto de franca insuficiência respiratória<br />

pode ocorrer ao longo das primeiras 24 horas após a lesão.<br />

Avaliação<br />

Os achados na avaliação do doente são variáveis, dependendo<br />

da gravidade da contusão (porcentagem de pulmão envolvida],<br />

A avaliação inicial pode não revelar dificuldade respiratória.E<br />

necessário um alto índice de suspeição, particularmente na pre¬<br />

sença de um segmento afundado (retalho costal móvel).<br />

FIGURA 11-8 Movimento paradoxal. Se a estabilidade da<br />

parede torácica tiver sido perdida por costelas fraturadas em<br />

dois ou mais locais, quando a pressão intratorácica diminui<br />

durante a inspiração, a pressão externa do ar força a parede<br />

torácica para dentro. Quando a pressão intratorácica aumenta<br />

durante a expiração, a parede torácica é forçada para fora.<br />

espasmo dos músculos intercostáis pode evitar uma movimen¬<br />

tação paradoxal, mas, à medida que esses músculos entram<br />

em fadiga, o segmento instável torna-se cada vez mais óbvio.<br />

O doente apresenta sensibilidade e potencialmente crepitação<br />

óssea sobre o segmento afetado. A instabilidade do segmento<br />

também pode ser observada à palpação.<br />

Tratamento<br />

O tratamento do afundamento de tórax (retalho costal móvel)<br />

é voltado para alívio da dor, suporte ventilatório e monitoramento<br />

de uma possível piora do quadro. A frequência ventilatória<br />

pode ser o parâmetro mais importante a ser observado. A<br />

oximetria de pulso, se disponível, também é útil para detectar<br />

hipoxia.' O oxigénio deve ser administrado e um acesso intra¬<br />

venoso, obtido, a não ser em casos de tempos de transporte<br />

extremamente curtos. O suporte ventilatório com bolsa-valvamáscara,<br />

CPAP ou com entubação endolraqueal e ventilação<br />

com pressão positiva pode ser necessário (particularmente em<br />

tempos de transporte prolongados).'" Tentativas de estabiliza¬<br />

ção do segmento instável com sacos de areia ou outros meios<br />

que podem comprometer ainda mais a movimentação da parede<br />

torácica e, assim, a ventilação, são contraindicadas.1<br />

Contusão Pulmonar<br />

Quando o tecido pulmonar é lacerado ou rompido por mecanis¬<br />

mos contusos ou penetrantes, o sangramento nos espaços aéreos<br />

alveolares pode causar contusão pulmonar. Isso impede a troca<br />

gasosa, já que não há entrada de ar nestes alvéolos pela via aérea<br />

terminal. A presença de sangue e de edema no tecido entre os<br />

alvéolos dificulta ainda mais a troca gasosa nos alvéolos que são<br />

ventilados. A contusão pulmonar está quase sempre presente<br />

no doente com um tórax flácido (retalho costal móvel) e é uma<br />

Tratamento<br />

A conduta se baseia no suporte ventilatório. Deve ser admi¬<br />

nistrado oxigénio suplementar com o objetivo de manter satu¬<br />

ração do gás na faixa normal. O socorrista responsável pelo<br />

atendimento pré-hospitalar deve, repetidamente, reavaliara<br />

frequência venlilatória e qualquer sinal de desconforto respi¬<br />

ratório. A oximetria de pulso e a capnografia contínuas devem,<br />

se possível, ser utilizadas. O oxigénio suplementar deve se:<br />

administrado a todos os doentes com suspeita de contusão pul¬<br />

monar. A pressão positiva contínua da via aérea (CPAP) pode<br />

ser usada para melhorar a oxigenação em doentes nos quais a<br />

administração apenas de oxigénio suplementar não é adequada<br />

à manutenção da saturação de oxigénio em níveis aceitáveis."<br />

O suporte da ventilação, com bolsa-valva-máscara ou entubação<br />

endolraqueal, pode ser necessário.13 Na ausência de hipotensão<br />

(PA sistólica < 90 mmITg), a administração agressiva de<br />

por via IV pode aumentar ainda mais o edema, comprometend<br />

a ventilação e a oxigenação. Em vez disso, os fluidos devem ser<br />

administrados de modo a manter o pulso e a pressão arterial cm<br />

valores normais. A contusão pulmonar é outro exemplo no qual<br />

a reanimação volêmica deve ser equilibrada a outras necessida¬<br />

des do doente (Cap. 8).<br />

Pneumotórax<br />

O pneumotórax está presente em até 20% das lesões torácicas<br />

graves. ,J Os três tipos de pneumotórax representam níveis cres¬<br />

centes de gravidade: simples, aberto e hipertensivo.<br />

Um pneumotórax simples é causado pela presença de;<br />

no espaço pleural. À medida que a quantidade de ar no espaço<br />

pleural aumenta, o pulmão naquele lado sofre colabamento(Fig.<br />

11-9). O pneumotórax aberto ("ferimento torácico soprante")<br />

envolve um pneumotórax associado a um defeito na parede<br />

torácica que permite que o ar proveniente do exterior entree<br />

saia do espaço pleural com esforço ventilatório. O pneumotó¬<br />

rax hipertensivo ocorre quando o ar continua a entrar e é apri¬<br />

sionado no espaço pleural, com gradual aumento da pressão<br />

intratorácica. Isto leva ao desvio do mediastino, reduzindo o<br />

retorno de sangue venoso ao coração e comprometendo a fun¬<br />

ção circulatória.<br />

Pneumotórax Simples<br />

Avaliação. A avaliação no pneumotórax simples provavelmente<br />

demonstra achados similares àqueles da fratura de costelas. 0<br />

doente frequentemente se queixa de dor torácica (pleurítica)e<br />

pode exibir sintomas e sinais variáveis de disfunção respirató-


j<br />

J<br />

CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 299<br />

Espaço potencial<br />

Parede torácica<br />

Ar no espaço<br />

pleural<br />

Pleura<br />

parietal<br />

Pulmão<br />

Pleura<br />

parietal<br />

Pleura<br />

visceral<br />

Pleura<br />

visceral<br />

Pulmão<br />

parcialmente<br />

colabado<br />

Coraçao<br />

FIGURA 11-9 O ar no espaço pleural comprime o pulmão,<br />

diminuindo a quantidade que pode ser ventilada e, portanto,<br />

diminuindo a oxigenação do sangue que sai do pulmão.<br />

FIGURA 11-10 Um ferimento por arma de fogo ou por arma<br />

branca produz um orifício na parede torácica, através do qual o<br />

ar pode entrar e sair da cavidade pleural.<br />

ria. Os achados clássicos são a diminuição do murmúrio vesi¬<br />

cular do lado da lesão e o timpanismo à percussão. Em qualquer<br />

doente com desconforto respiratório e diminuição clo murmúrio<br />

vesicular, deve-se suspeitar de pneumotórax.<br />

Tratamento. O socorrista administra oxigénio suplementar, ins¬<br />

titui o acesso IV e se prepara para tratar o choque, caso este se<br />

desenvolva. O moniloramenlo da oximetria de pulso e da capnografia,<br />

se possível, é essencial ao tratamento expectante do<br />

doente.9'13,10,10 Se a imobilização da coluna não for necessária,<br />

o doente pode ficar mais confortável em decúbito semissentado.<br />

0 transporte rápido é essencial. 1


300 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

(Fig. 11-11). Tradicionalmente, ensina-se que, em caso de pneu¬<br />

motórax aberto, a bandagem oclusiva é.lixada em três lados.1<br />

Isso impede o fluxo de ar para a cavidade torácica durante a<br />

inspiração, ao mesmo tempo que permite seu escape através do<br />

lado solto do curativo durante a expiração (Fig. 11-12). Vários<br />

dispositivos para o tratamento do pneumotórax aberto são<br />

comercializados (selo torácico de Asherman etc.); porém, não<br />

foram publicados resultados demonstrando sua superioridade<br />

em relação à simples bandagem oclusiva (papel alumínio ou<br />

gaze com vaselina). Assim, é provável que o maior custo não<br />

seja justificado. Além disso, a fixação da bandagem oclusiva em<br />

seus quatro lados tem sido defendida como preferível à fixação<br />

em apenas três lados; no entanto, nenhuma resposta definitiva a<br />

esta questão foi conclusivamente determinada.<br />

Caso essas medidas não consigam fornecer o suporte neces¬<br />

sário ao doente, a entubação endolraqueal e a ventilação com<br />

pressão positiva podem ser necessárias.1" Se for utilizada pres¬<br />

são positiva, o socorrista deve monitorar o doente cuidadosa¬<br />

mente quanto ao desenvolvimento de pneumotórax hipertensivo.<br />

Caso surjam sinais de aumento do esforço respiratório, o<br />

curativo sobre o ferimento deve ser removido para permitir a<br />

descompressão de qualquer tensão acumulada. Caso isso seja<br />

ineficaz, devem ser avaliadas a utilização de descompressão<br />

com agulha e a ventilação com pressão positiva, se já não esti¬<br />

verem sendo empregadas."<br />

Pneumotórax Hipertensivo<br />

O pneumotórax hipertensivo é uma emergência com risco de<br />

morte. À medida que o ar continua a entrar no espaço pleural,<br />

sem qualquer liberação, a pressão intratorácica é elevada. Com<br />

o aumento da pressão intratorácica, há piora do comprometi¬<br />

mento ventilatório e redução do retomo venoso ao coração. O<br />

menor débito cardíaco, associado à pior troca gasosa, resulta<br />

em profundo choque. A maior pressão no lado acometido do<br />

tórax pode, por fim, empurrar as estruturas mediastinals para<br />

o outro lad.o da cavidade (Fig. 11-13). Essa distorção anatomia<br />

pode piorar, ainda mais, o retorno venoso ao coração, dado o<br />

dobramento da veia cava inferior. Além disso, a insuflação do<br />

pulmão do lado não acometido é bastante restrita, resultando<br />

em comprometimento respiratório.<br />

Qualquer doente com lesão torácica apresenta risco df<br />

desenvolver pneumotórax hipertensivo. Apresentam um risco<br />

particularmente aumentado os doentes com probabilidade de<br />

ter pneumotórax (p. ex., doente com sinais de fratura de coste¬<br />

las), os que têm um pneumotórax diagnosticado (p. ex., doente<br />

com uma ferida penetrante do tórax) e os com lesão torácica<br />

submetidos à ventilação com pressão positiva. Esses doentes<br />

devem ser continuamente monitorados e transportados rapida¬<br />

mente para um hospital equipado.<br />

Avaliação. Os achados durante a avaliação dependem da quan¬<br />

tidade de pressão acumulada no espaço pleural (Fig. 11-14).<br />

Inicialmente, os doentes exibem apreensão e desconforto. Em<br />

geral, queixam-se de dor torácica e dificuldade para respirar À<br />

medida que a tensão piora, exibem agitação crescente e sofri¬<br />

mento respiratório. Nos casos graves, pode ocorrer cianose e<br />

apneia. Os achados clássicos são desvio traqueal em direção<br />

contrária ao lado da lesão, diminuição do murmúrio vesicular<br />

no lado da lesão e percussão timpânica. E muito difícil detecta<br />

diminuição do murmúrio vesicular no atendimento no local<br />

da ocorrência. A prática constante com a ausculta de lodosos<br />

doentes fornece experiência ao socorrista e torna mais fácil a<br />

detecção desse achado importante. A detecção da percussão<br />

timpânica no locai é basicamente impossível, mas o achado<br />

é mencionado, já que faz parte clo quadro. Outros achados<br />

físicos que podem existir são lurgência venosa jugular, crepi¬<br />

tação da parede torácica e cianose. A taquicardia e a taquipneia<br />

ficam cada vez mais acentuadas à medida que a pressão<br />

intratorácica se eleva, culminando em hipotensão e choque<br />

descompensado.<br />

Pleura parietal<br />

Pleura visceral<br />

Lesão na parede torácica<br />

Ferimento pulmonar<br />

Ar no espaço pleural<br />

Pulmão parcialmente colabado<br />

FIGURA 11-11 Devido à grande proximidade da parede torácica com o pulmão, é muito difícil que a parede seja lesionada por um<br />

ferimento penetrante e o pulmão não seja afetado. Fechar o orifício na parede torácica não diminui necessariamente a saída dear<br />

para dentro do espaço pleural; o ar pode escapar do pulmão com a mesma facilidade.


CAPITULOU Trauma Torácico 301<br />

í FIGURA 11-14<br />

Sinais de pneumotórax hipertensivo<br />

FIGURA 11-12 A fixação de um pedaço de papel metálico<br />

ou de plástico na parede torácica em três lados cria um efeito<br />

de válvula que permite que o ar escape e não entre no espaço<br />

pleural.<br />

Desvio no<br />

mediastino<br />

Veia cava<br />

Coração<br />

FIGURA 11-13 Pneumotórax hipertensivo. Se a quantidade<br />

dear no espaço pleural continuar a aumentar, não apenas o<br />

pulmão do lado afetado sofre colabamento, como também o<br />

mediastino é desviado para o lado oposto. O pulmão no lado<br />

oposto sofre, então, colabamento e a pressão intratorácica<br />

aumenta, o que diminui o fluxo sanguíneo capilar e comprime a<br />

veia cava.<br />

Embora os sinais a seguir sejam frequentemente discutidos<br />

em relação a um pneumotórax hipertensivo, muitos podem<br />

não estar presentes ou ser de difícil identificação no local de<br />

atendimento:<br />

OBSERVAÇÃO:<br />

e A cianose pode ser difícil de observar a campo. A má<br />

iluminação, a variação da cor da pele e a presença de<br />

sangue e detritos associados ao trauma tendem a fazer com<br />

que este sinal não seja confiável.<br />

a A distensão das veias do pescoço é descrita como um sinal<br />

clássico do pneumotórax hipertensivo. No entanto, uma vez<br />

que o doente com pneumotórax hipertensivo também pode<br />

ter perdido uma quantidade considerável de sangue, tal<br />

distensão pode não ser proeminente.<br />

PALPAÇÃO:<br />

A percussão do tórax para observação de hipertimpanismo<br />

associado ao pneumotórax é um excelente método<br />

de determinação do estado da cavidade torácica no<br />

relativo silêncio de um hospital. No ruidoso ambiente<br />

pré-hospitalar, a detecção deste som é muito mais difícil.<br />

Dada a dificuldade de obtenção deste sinal e o tempo e o<br />

ambiente necessários à sua realização, a percussão não é<br />

recomendada para o diagnóstico a campo do pneumotórax<br />

hipertensivo.<br />

0 desvio traquealé, de modo geral, um sinal tardio. Mesmo<br />

quando está presente, pode ser difícil de diagnosticar<br />

através do exame físico. No pescoço, a traqueia é unida<br />

à coluna cervical por fáscias e outras estruturas de<br />

suporte; assim, o desvio da traqueia é mais urh fenómeno<br />

intratorácico, embora possa ser palpado na incisura jugular<br />

quando grave. 0 desvio traqueal tende a não ser percebido<br />

no ambiente pré-hospitalar.<br />

AUSCULTA:<br />

Diminuição dos sons respiratórios do lado acometido.<br />

A parte mais valiosa do exame físico é a checagem da<br />

redução dos sons respiratórios do lado da lesão. Para<br />

usar este sinal, porém, o socorrista responsável pelo<br />

atendimento pré-hospitalar deve ser capaz de diferenciar<br />

os sons normais dos reduzidos. Tal diferenciação requer<br />

muita prática, podendo ser auxiliada pela ausculta de sons<br />

respiratórios durante cada contato com doentes.<br />

Tratamento. A prioridade do tratamento é a descompressão do Dependendo do ambiente clínico e do nível de treinamento<br />

pneumotórax hipertensivo.11 A descompressão deve ser rea¬ do socorrista responsável pelo atendimento pré-hospitalar,<br />

lizada na presença de três achados: (!) piora do desconforto existem várias opções para a descompressão pleural. Caso a<br />

respiratório ou dificuldade de ventilação com bolsa-valvamáscara;<br />

(2) ausência ou redução unilateral dos sons respira¬ suporte básico e ausência de bandagem oclusiva para remover),<br />

descompressão não seja uma opção (disponibilidade apenas de<br />

tórios: e (3) choque descompensado (pressão arterial sistólica o transporte rápido a uma instituição adequada, administrando<br />

85%), é imperativo. O auxí-


302 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

lio ventilatório com pressão positiva deve ser usado apenas se<br />

o doente apresentar hipoxia e não responder à suplementação<br />

com oxigénio, pois pode piorar rapidamente o pneumotórax<br />

hipertensivo. O auxílio às ventilações pode resultar no acúmulo<br />

de ar mais rápido no espaço pleural. Em caso de disponibili¬<br />

dade de suporte avançado, este deve ser instituído, desde que<br />

mais rápido do que o transporte a um hospital adequado.<br />

Remoção da Bandagem Oclusiva<br />

No doente com pneumotórax aberto, caso um curativo oclusivo<br />

tenha sido colocado, deve ser logo removido. Isso deve permi¬<br />

tir a descompressão do pneumotórax hipertensivo através do<br />

ferimento, com a saída do ar. Esse procedimento pode precisar<br />

ser repetido periodicamente durante o transporte, caso os sinto¬<br />

mas de tensão reapareçam. Se a remoção do curativo por vários<br />

segundos for ineficaz ou se não houver ferimento aberto, um<br />

socorrista do suporte avançado pode proceder à toracostomia<br />

com agulha.<br />

Descompressão com Agulha<br />

A inserção da agulha no espaço pleural do lado acometido<br />

permite que o ar acumulado sob pressão escape. A imediata<br />

melhora da oxigenação e da facilidade de ventilação pode salvar<br />

vidas. A descompressão com agulha demonstrou ser eficaz em<br />

um modelo animal.1' Se um doente com suspeita de pneumotó¬<br />

rax por tensão tiver sido entubado, a posição do tubo endotraqueal<br />

deve ser avaliada antes da realização da descompressão<br />

com agulha. Caso o tubo endotraqueal tenha escorregado da tra¬<br />

queia para um dos brônquios principais (geralmente o direito),<br />

os sons respiratórios e a excursão da parede torácica podem ser<br />

bastante diminuídos no sítio oposto, já que este pulmão não<br />

está sendo ventilado.<br />

A descompressão com agulha é realizada com a inserção<br />

da agulha no segundo ou no terceiro espaço intercostal na<br />

linha hemiclavicular do lado do tórax envolvido (Fig. 11-15).<br />

O motivo da escolha dessa localização é o fácil acesso que o<br />

socorrista tem durante o transporte de um doente que provavel¬<br />

mente foi "imobilizado para o transporte" sobre uma prancha<br />

com colar cervical, com os braços estendidos ao longo do corpo<br />

(tornando difícil o acesso à linha axilar média, na qual os dre¬<br />

nos torácicos são inseridos normalmente). Uma vez colocado,<br />

o cateter para descompressão tem menor probabilidade de ser<br />

deslocado da parede torácica na linha hemiclavicular. O pul¬<br />

mão do lado afetado sofre colabamento e é deslocado para o<br />

lado contralateral; desse modo, é improvável que seja lesionado<br />

durante o procedimento. A agulha e o cateter devem ser intro¬<br />

duzidos até surgir um jato de ar, e não deve ultrapassar esse<br />

ponto. Após obter a descompressão, o cateter é fixado ao tórax<br />

para evitar seu deslocamento. A colocação incorreta (localiza¬<br />

ção ou profundidade) pode causar lesões em pulmões, coração<br />

ou grandes vasos.1"<br />

A descompressão é realizada com uma agulha intravenosa<br />

de grande calibre (10 a 16), de pelo menos 8 cm de compri¬<br />

mento. Em alguns casos, a descompressão com agulha pode não<br />

ser eficaz, especialmente quando um cateter IV padrão é utili¬<br />

zado, por ser muito curto para peneirar a parede torácica, ou o<br />

cateter se dobra após a remoção da agulha, bloqueando ainda<br />

mais o escape de ar.19"21 Pesquisas recentes têm sido focadas<br />

no comprimento do cateter necessário ao alcance do espaço<br />

pleural.21<br />

m<br />

mi<br />

Linha hemiclavicular<br />

Segundo<br />

espaço<br />

intercostal<br />

FIGURA 11-15 A descompressão com agulha da cavidade<br />

torácica é mais fácil de ser feita e tem menos riscos de<br />

complicações se for realizada na linha hemiclavicular no<br />

segundo espaço intercostal.<br />

Esse procedimento converte um pneumotórax hipertensivo<br />

em um pneumotórax aberto simples. O alívio do esforço respi¬<br />

ratório é bastante compensador quando comparado ao<br />

negativo de um pneumotórax aberto. Uma vez que o diâmetro I<br />

do cateter de descompressão é significativamente menor doqul<br />

a via aérea do doente, é improvável que qualquer movimento<br />

de ar através do cateter comprometa o esforço ventilatório. |<br />

Assim, do ponto de vista clínico, a criação de uma valva unidirecional<br />

(valva de Heimlich) é provavelmente desnecessária.O I<br />

uso de uma valva manufaturada é cusloão, e a produção de ume<br />

valva com uma luva é demorada. O fornecimento contínuo do<br />

oxigénio suplementar e, se necessário, o suporte ventilatório |<br />

são adequados.<br />

Em regra, pneumotórax hipertensivo bilateral é bastante I<br />

raro em doentes que não estejam entubados e ventilados com<br />

pressão positiva. O primeiro passo na reavaliação do doenteé<br />

confirmar a localização do tubo endotraqueal, assegurar que este<br />

não está enroscado nem apresenta dobras causando compressão<br />

do tubo e certificar-se de que o tubo não tenha sido inadvertida- 1<br />

mente deslocado para dentro do brônquio principal. Devc-set<br />

cuidado extremo com a descompressão bilateral com agulha era I<br />

doentes que não estejam entubados e ventilados com pressão<br />

positiva. Se a avaliação do socorrista estiver errada, a criação |<br />

de um pneumotórax bilateral pode causar insuficiência respi¬<br />

ratória grave.<br />

O doente deve ser transportado rapidamente para um hospi- 1<br />

tal equipado apropriadamente. Deve-se obter um acesso venoso,<br />

a menos que o tempo de transporte seja excepcionalmente curto.<br />

O doente deve ser observado de perto quanto à deterioração de<br />

seu estado. Uma nova descompressão e a enlubação endotra- 1<br />

queal podem se tornar necessárias.<br />

Toracostomia (Tubo Torácico)<br />

De modo geral, os tubos torácicos (tubos de toracostomia) não |<br />

são inseridos no ambiente pré-hospitalar, dadas as preocup


CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 303<br />

ções relacionadas ao lempó, às complicações do procedimento,<br />

às infecções e ao treinamento. A descompressão com agulha<br />

pode ser conseguida em uma fração de tempo necessária à reali¬<br />

zação da toracostomia com tubo, dado o menor número de eta¬<br />

pas. As taxas publicadas de complicação associada ao uso de<br />

tubos de toracostomia variam entre 2,8% e 21% 22,2:1 e incluem<br />

dano ao coração ou pulmões e mau posicionamento nos tecidos<br />

subcutâneos da parede torácica ou da cavidade peritoneal. Esse<br />

procedimento requer um campo estéril, que é difícil de criar<br />

no ambiente pré-hospitalar. Uma falha na técnica estéril, com<br />

contaminação do tubo torácico ou dos instrumentos utilizados,<br />

pode levar ao desenvolvimento de empiema (coleção de pus no<br />

espaço pleural), requerendo intervenção cirúrgica e drenagem.<br />

Muito treinamento é requerido para desenvolver essa habili¬<br />

dade, assim como sua prática contínua, para manutenção da<br />

proficiência.<br />

Os doentes transportados com tubo torácico ainda são suscetíveis<br />

ao desenvolvimento de pneumotórax hipertensivo,<br />

principalmente se submetidos ao auxílio ventilatório com pres¬<br />

são positiva. Em caso de manifestação de sinais de pneumo¬<br />

tórax hipertensivo, primeiramente certifique-se de que não há<br />

dobras no tubo torácico nem no tubo de conexão. A seguir, veri¬<br />

fique se o tubo de conexão está corretamenle inserido no selo<br />

aquoso e ao equipamento de drenagem. Mesmo sem identificar<br />

o problema, o doente com sinais de exacerbação do pneumo¬<br />

tórax hipertensivo pode requerer descompressão com agulha.<br />

Não deve haver demora na inserção só porque houve a prévia<br />

colocação de um tubo torácico (Fig. 11-16).<br />

Hemotórax<br />

A presença de sangue no espaço pleural constitui um hemotó¬<br />

rax. Como o espaço pleural pode acomodar um grande volume<br />

de sangue (2.500-3.000 mL), o hemotórax pode representar<br />

uma fonte de perda sanguínea importante. Na verdade, a perda<br />

da volemia decorrente de hemorragia para o espaço pleural<br />

representa uma agressão fisiológica maior para o doente com<br />

lesão torácica do que o colabamento do pulmão causado pelo<br />

hemotórax (Fig. 11-17). É raro que se acumule sangue sufi¬<br />

ciente para criar um "hemotórax hipertensivo". Os mecanis-<br />

FIGURA 11-16<br />

Resolução de Problemas-Tubo de Toracostomia<br />

TRÊS COMPONENTES BÁSICOS DOS SISTEMAS<br />

DE DRENAGEM DOS TUBOS TORÁCICOS<br />

1. Selo - permite o escape de ar do espaço pleural, mas não<br />

seu retorno.<br />

Geralmente é um selo aquoso, com formação de bolhas<br />

pelo escape de ar do espaço pleural, e sobe o nível com a<br />

pressão inspiratória negativa.<br />

2. Sistema de coleta- coleta e mede o débito.<br />

Observe alterações no volume e na natureza do débito.<br />

3. Sucção - promove pressão negativa para auxiliar a<br />

drenagem e a expansão.<br />

Certifique-se de que a sucção está adequadamente<br />

conectada e funcionante. Revise a operação básica<br />

Do paciente<br />

Câmara<br />

de coleta<br />

Selo aquoso<br />

Para sucção<br />

de qualquer sistema de drenagem com a equipe de<br />

atendimento antes da transferência do doente.<br />

ALTERAÇÕES NA CONDIÇÃO RESPIRATÓRIA<br />

EM DOENTES COM TUBOS TORÁCICOS<br />

e Avaliação dos sinais vitais, incluindo oximetria de pulso.<br />

® Avaliação dos sons pulmonares.<br />

e Avaliação do esforço ventilatório. ,<br />

e Avaliação da circulação.<br />

e Avaliação do nível de consciência.<br />

ETAPAS DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS<br />

e Avaliação do curativo e do sítio de inserção, garantindo que o<br />

tubo não foi deslocado durante a transferência.<br />

® Verificação da total conexão e desobstrução do tubo -<br />

presença de dobras ou pinças?<br />

e Verificação do selo, que deve estar intacto e funcionanteformação<br />

de bolhas e/ou variação com ventilações.<br />

s Observação de embaçamento do tubo e da continuidade da<br />

drenagem?<br />

® Verificação da sucção, que deve estar funcionante- formação<br />

contínua de bolhas ou indicação de pressão negativa por todo<br />

ciclo de ventilação?<br />

a Em caso de contínua deterioração do estado ventilatório<br />

do doente, a presença de sinais de desenvolvimento de<br />

pneumotórax hipertensivo deve ser avaliada. Se indicado,<br />

desconectar o tubo torácico do sistema de drenagem, o' que<br />

deve permitir a liberação da tensão, desde que o tubo torácico<br />

esteja adequadamente colocado e desobstruído. Se não houver<br />

alívio, aventar a possibilidade de descompressão com agulha e<br />

entrar em contato com o controle médico.


304 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

mos causadores do hemolórax são os mesmos que causam os<br />

vários tipos de pneumotórax. A hemorragia pode ler origem<br />

na parede da musculatura torácica, nos vasos intercoslais, no<br />

parênquima pulmonar, nos vasos pulmonares ou nos grandes<br />

vasos do tórax.<br />

Avaliação<br />

A avaliação revela que o doente sente algum desconforto. A dor<br />

torácica e a dispneia são, mais uma vez, características proeminen¬<br />

tes, geralmente com sinais de choque significativo. O socorrista<br />

responsável pelo atendimento pré-hospitalar monitora o doente<br />

quanto à presença de sinais de choque: taquicardia, laquipneia,<br />

confusão, palidez e hipotensão. Os sons respiratórios do lado da<br />

lesão são diminuídos 011 ausentes, mas a percussão é abafada<br />

(quando comparada com o timpanismo observado no pneumo¬<br />

tórax). O pneumotórax pode ser concomitante ao hemotórax,<br />

aumentando a probabilidade de comprometimento cardiorrespiratório.<br />

Em virtude da perda do volume sanguíneo circulante,<br />

geralmente não se observa distensão das veias do pescoço.<br />

Tratamento<br />

O tratamento inclui a observação constante, para detecção de<br />

deterioração fisiológica, e o suporte adequado. Altas concentra¬<br />

ções de oxigénio devem ser administradas, com auxílio à ven¬<br />

tilação. se necessário, com bolsa-valva-máscara ou entubação<br />

endotraqueal, se possível e indicada. O estado hemodinâmico<br />

é cuidadosamente monitorado. O acesso intravenoso deve ser<br />

instituído, com reposição volêmica adequada, com o objetivo<br />

de manter a perfusão sem o fornecimento indiscriminado de<br />

grandes volumes. O transporte rápido para um hospital equi¬<br />

pado, capaz de fazer intervenções cirúrgicas imediatas, com¬<br />

pleta o algoritmo para tratamento do hemotórax.<br />

Contusão Cardíaca<br />

A causa mais frequente de lesão cardíaca é a aplicação de força<br />

na região anterior do tórax, especialmente em um evento de<br />

desaceleração, como em um incidente automobilístico cora<br />

impacto frontal.1,2,24 O coração, é então, comprimido entre o<br />

esterno, anteriormente, e a coluna vertebral, posteriormente<br />

(Fig. 11-18). Essa compressão do coração produz um aumento<br />

abrupto na pressão dentro dos ventrículos muito maior do que<br />

a pressão normal e causa uma contusão cardíaca, algumas vezes<br />

lesão valvular e raramente ruptura cardíaca, da seguinte forma:<br />

h<br />

a<br />

ia<br />

Contusão caráinca. A consequência mais comum de<br />

compressão cardíaca é a contusão cardíaca: o músculo<br />

cardíaco é contundido, com níveis variáveis de lesão<br />

às células miocárdicas. Isso, em geral, causa arritmias<br />

cardíacas, como taquicardia sinusal.2'1 Mais preocu¬<br />

pantes, mas menos comuns, são as exlrassísloles ven¬<br />

triculares (ESV), ou os ritmos de não perfusão, como<br />

taquicardia ventricular (TV) e fibrilação ventricular<br />

(FV). Se a região septal do coração for lesionada, o<br />

elelrocarcliograma (ECG) poderá demonstrar distúrbios I<br />

da condução ventricular, como bloqueio de ramo<br />

direito (BRD). Se parte suficiente cle miocárdio for<br />

lesionada, a conlratilidade do coração poderá ser<br />

prejudicada e o débito cardíaco cairá, causando choque I<br />

cardiogênico. Diferentemente de outras formas de<br />

choque encontradas normalmente em um quadro de<br />

trauma, esse choque não melhora com administração de I<br />

líquidos e pode, inclusive, piorar.<br />

Ruptura valvular. A ruptura das estruturas de suporte<br />

das valvas cardíacas ou das próprias valvas lorna-as tipica¬<br />

mente incompetente. O doente apresenta graus variáveis<br />

de choque com sintomas e sinais de insuficiência cardíaca<br />

congestiva (ICC), como taquipneia, estertores e apareci¬<br />

mento de sopro cardíaco.<br />

•»<br />

Ruptura cardíaca conlusa. Um evento raro, a ruptura<br />

cardíaca conlusa ocorre em menos de 1% dos doen¬<br />

tes com trauma torácico fechado.24'21' A maioria desses<br />

Pulmão<br />

parcialmente<br />

Pleura parietal<br />

Pleura<br />

visceral<br />

Coração<br />

Esterno<br />

Sangue no<br />

espaço pleural<br />

Coluna<br />

vertebral<br />

FIGURA 11-17 Hemotórax. A quantidade de sangue que pode<br />

se acumular na cavidade torácica (causando hipovolemia) gera<br />

uma situação muito mais grave do que a quantidade de pulmão<br />

comprimida pelo sangue perdido.<br />

FIGURA 11-18 O coração pode ser comprimido entre o<br />

esterno (quando o esterno para contra a coluna de direção ou<br />

o painel) e a parede torácica posterior (à medida que a parede<br />

prossegue em seu movimento para frente). Isso pode contundir<br />

o miocárdio.<br />

I


CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 305<br />

doentes morre no local de atendimento por exsanguinação<br />

ou tamponamento cardíaco fatal. Os sobrevi¬<br />

ventes tipicamente apresentam-se com tamponamento<br />

cardíaco.<br />

Avaliação<br />

A avaliação do doente com potencial para contusão cardíaca<br />

revela um mecanismo de trauma que transmitiu impacto Frontal<br />

no centro do tórax do doente. Uma coluna da direção distorcida<br />

acompanhada por contusões sobre o esterno sugere um meca¬<br />

nismo desse tipo. Como ocorre com outras lesões torácicas, o<br />

doente provavelmente se queixa de dor torácica ou falta de ar.<br />

Caso existam arritmias, o doente pode se queixar de palpita¬<br />

ções. Os achados físicos preocupantes são contusões 011 crepi¬<br />

tação sobre o esterno e instabilidade esternal. Se houver flutua¬<br />

ção do esterno (afundamento do esterno), as costelas em ambos<br />

lados do esterno estarão quebradas, permitindo que ele se mova<br />

paradoxalmente com as respirações de forma similar ao afun¬<br />

damento de tórax (retalho costal móvel), como descrito ante¬<br />

riormente. Caso tenha havido ruptura valvular, pode-se detectar<br />

um sopro rude sobre o precórdio, juntamente com sinais de ICC<br />

aguda, tais como hipotensão, turgência jugular e sons respira¬<br />

tórios anormais. O ECG pode demonstrar taquicardia, extrassístoles<br />

ventriculares, outras alterações do ritmo cardíaco ou<br />

elevação do segmento ST.<br />

Tratamento<br />

A estratégia crucial do tratamento é a avaliação correia da pos¬<br />

sibilidade de existência de lesão cardíaca contusa e a comu¬<br />

nicação dessa preocupação, juntamente com os achados clíni¬<br />

cos, à equipe do hospital que receberá o doente. Enquanto isso,<br />

deve ser administrado oxigénio em alta concentração e deve ser<br />

estabelecido um acesso venoso para reposição volêmica crite¬<br />

riosa. O doente deve estar com monitor cardíaco para a detecção<br />

de arritmias e elevações da onda ST, caso surjam. Se houver<br />

arritmias e houver suporte avançado de vida no local, eleve ser<br />

instituída terapia farmacológica antiarrítmica protocolizada.<br />

Não há dados acerca da administração profilática destas dro¬<br />

gas em lesões cardíacas por contusão. Como sempre, medidas<br />

de suporte ventilatório devem ser implementadas, conforme<br />

indicado.<br />

Tamponamento Cardíaco<br />

O tamponamento cardíaco ocorre quando um ferimento cardí¬<br />

aco permite o acúmulo agudo de fluido entre o saco pericárdico<br />

e o coração.1,25 O saco pericárdico é composto por um tecido<br />

fibroso inelástico. Normalmente, há muito pouco líquido no<br />

saco pericárdico, da mesma forma que no espaço pleural, como<br />

descrito anteriormente. Em virtude do pericárdio ser inelás¬<br />

tico, a pressão começa a crescer rapidamente dentro do saco<br />

pericárdico à medida que o líquido se acumula dentro dele.<br />

O aumento da pressão pericárdica impede o retorno venoso ao<br />

coração e leva à diminuição do débito cardíaco e da pressão<br />

arterial. A cada contração cardíaca, mais líquido pode entrar no<br />

saco pericárdico, impedindo ainda mais a capacidade de preen¬<br />

chimento do coração na preparação para a contração seguinte<br />

(Fig. 11-19). Isso pode se agravar a ponto de precipitar a atividade<br />

elétrica sem pulso (AESP), uma lesão potencialmente<br />

fatal que exige resposta coordenada pelos socorristas em todas<br />

as fases do atendimento para obter um bom resultado final. O<br />

pericárdio normal do adulto pode ser capaz de acomodar até<br />

300 mL de líquido, antes de ocorrer a ausência de pulso, mas<br />

normalmente bastam 50 mL para impedir o retorno cardíaco e,<br />

dessa forma, o débito cardíaco.1<br />

A causa mais frequente de tamponamento cardíaco é um<br />

ferimento por arma branca no coração, que pode penetrar uma<br />

das câmaras cardíacas ou apenas lacerar o miocárdio. Em qual¬<br />

quer um dos casos, ocorre hemorragia 110 saco pericárdico. A<br />

elevação da pressão dentro do pericárdio resulta na fisiologia do<br />

tamponamento cardíaco. Ao mesmo tempo, a pressão aumen¬<br />

tada dentro do pericárdio pode tamponar temporariamente<br />

a hemorragia decorrente do ferimento cardíaco, permitindo a<br />

sobrevida. No caso de ferimentos por arma de fogo no coração,<br />

o dano ao coração e ao pericárdio geralmente é tão grave que o<br />

pericárdio não consegue conter a hemorragia, o que resulta em<br />

uma rápida exsanguinação. O mesmo ocorre no'caso de empalamentos.<br />

A ruptura por contusão da câmara cardíaca pode causar<br />

tamponamento cardíaco, porém, mais frequentemente, provoca<br />

hemorragia por exsanguinação.<br />

Deve-se sempre ter em mente a possibilidade de tampo¬<br />

namento cardíaco na avaliação de qualquer doente com lesão<br />

torácica penetrante. O nível de suspeição deve seguir o preceito<br />

"presente até prova em contrário" quando a lesão penetrante<br />

estiver em um retângulo (a caixa cardíaca), formado por uma<br />

Saco<br />

pericárdico<br />

FIGURA 11-19 Tamponamento cardíaco. Quando o sangue passa do lúmen cardíaco para dentro do espaço pericárdico, limita a<br />

expansão do ventrículo. Dessa forma, o ventrículo não consegue encher completamente. À medida que mais sangue se acumula no<br />

j espaço pericárdico, há menos espaço ventricular disponível para acumular sangue, e o débito cardíaco é reduzido.


306 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

linha horizontal ao longo das clavículas, por linhas verticais<br />

que passam pelos mamilos e pelas margens costais, e por uma<br />

segunda linha horizontal que conecta os pontos de interseção<br />

entre as linhas vertical e a margem costal (Fig. 11-20). A pre¬<br />

sença de um ferimento desse tipo deve ser comunicada ao hos¬<br />

pital que receberá o doente logo que for reconhecida.<br />

Avaliação<br />

A avaliação envolve o rápido reconhecimento da presença de<br />

ferimentos de risco, como descrito previamente, em combina¬<br />

ção com a observação dos achados físicos de tamponamento<br />

cardíaco. A tríade de Beck é um conjunto de achados indica¬<br />

tivos de tamponamento cardíaco: (1) bulhas cardíacas abafadas<br />

ou distantes (o líquido ao redor do coração torna difícil a aus¬<br />

culta dos sons do fechamento das valvas), (2) turgência jugular<br />

(causada pelo aumento da pressão no saco pericárdico, retendo<br />

o sangue nas veias do pescoço) e (3) hipotensão. Outro achado<br />

físico descrito no tamponamento cardíaco é o pulso paradoxal<br />

(Fig. 11-21).<br />

A detecção de alguns desses sinais no local da ocorrência<br />

é difícil, especialmente o abafamento das bulhas cardíacas e<br />

do pulso paradoxal. Dessa forma, o socorrista deve manter um<br />

alto índice de suspeição, com base na localização de ferimen¬<br />

tos e hipotensão, e implementar o tratamento de acordo com o<br />

observado.<br />

Tratamento<br />

O tratamento exige um transporte rápido e monitorado até<br />

um hospital que possa efetuar procedimentos cirúrgicos de<br />

emergência.10,13,27"31 O socorrista deve primeiro reconhecer que<br />

existe a probabilidade de tamponamento cardíaco e informar<br />

à equipe do hospital para que possam ser iniciadas as prepa¬<br />

rações para uma intervenção cirúrgica de emergência. Deve<br />

ser administrado oxigénio em alta concentração, obter acesso<br />

venoso e iniciar a reposição volêmica criteriosa para aumentar<br />

a pressão venosa central, de modo a melhorar o preenchimento<br />

cardíaco por um tempo. O socorrista deve realmente considerar<br />

a entubação endotraqueal e a ventilação com pressão positiva,<br />

caso o doente esteja hipotenso.15, 29,30<br />

O tratamento definitivo requer a liberação do tamponamento ]<br />

e o reparo da lesão cardíaca. Um doente com suspeita de tam¬<br />

ponamento cardíaco deve ser transportado diretamente a umi I<br />

instituição capaz de realização de imediata intervenção cirúr¬<br />

gica, se possível. A drenagem de parte do fluido pericárdico por I<br />

pericardiocentese geralmente é uma manobra eficaz para ganhar<br />

tempo. Os riscos da pericardiocentese incluem lesão do coração<br />

e das artérias coronárias, resultando em aumento de tampona¬<br />

mento e lesão do pulmão, dos grandes vasos e do fígado. Em J<br />

raros casos, toracotomia de reanimação é realizada a campo,]<br />

médicos em sistemas nos quais atendem no local a emergências<br />

em ambiente pré-hospitalar. 32,33 O uso da vestimenta pneumá- 1<br />

tica antichoque (PASG) é comprovadamente prejudicial nestes [<br />

doentes.3'1<br />

Comoção Cardíaca<br />

O termo comoção cardíaca refere-se à situação clínica na qual<br />

um impacto aparentemente inócuo na porção anterior do tórax j<br />

produz uma parada cardíaca súbita. 3;,,3fl Acredita-se que a con¬<br />

cussão cardíaca seja responsável por cerca de 20 mortes por ano<br />

nos Estados Unidos, predominantemente em crianças e ado¬<br />

lescentes (idade média em torno de 13 anos). A maioria dos<br />

especialistas teoriza que a concussão cardíaca é causada por um<br />

impacto não penetrante relativamente pequeno no precórdio<br />

(área sobre o coração), que ocorre em uma porção eletricamente<br />

vulnerável do ciclo cardíaco, enquanto outros acreditam que<br />

um vasoespasmo das coronárias pode ter participação em seu<br />

desenvolvimento. Qualquer que seja o mecanismo, o resultado<br />

final é a arritmia, levando à súbita parada cardíaca.<br />

Essa condição ocorre mais frequentemente durante advidades<br />

esportivas amadoras em que a vítima é atingida por um projétil,<br />

como uma bola de beisebol (o mais comum nos EUA), um<br />

disco de hóquei sobre o gelo, uma bolei de lacrosse ou umal<br />

No entanto, a concussão cardíaca também lbi relatada<br />

de soflbol.<br />

após impactos no corpo (p. ex., golpes de caratê), um incidente<br />

automobilístico em baixa velocidade e na colisão de dois joga¬<br />

dores de beisebol tentando alcançar a bola. Após o impacto, as<br />

vítimas foram capazes de dar um ou dois passos, e em seguida,<br />

caíram no chão e apresentaram parada cardíaca. Em geral, na<br />

necropsia não se observa nenhuma lesão em costelas, esterno ou<br />

coração. A maioria das vítimas não tem história conhecida de<br />

doença cardíaca. A condição pode ser evitada por meio do uso<br />

de outros equipamentos, tais como bolas de beisebol seguras.3'<br />

FIGURA 11-21<br />

Pulso Paradoxal<br />

FIGURA 11-20 Em uma série de 46 doentes com lesões<br />

cardíacas penetrantes, 40 apresentaram um ferimento no<br />

interior da "caixa cardíaca".<br />

(De Richardson JD, Flinl LM: Trauma: Pathophysiologyand clinical care, Chicago, 1987,<br />

Yearbook Medical.)<br />

0 pulso paradoxal,também denominado pulsusparadoxus, ê, na<br />

verdade, uma acentuação da discreta queda normal da pressão<br />

arterial sistólica (PAS) que ocorre durante a inspiração.À medida<br />

que o pulmão se expande, há enchimento preferencial e ejeção<br />

de sangue do lado direito do coração, em detrimento do lado<br />

esquerdo. Assim, a pressão arterial periférica é diminuída. Essa<br />

redução da PAS é geralmente inferior a 10 a 15 mmHg. A maior<br />

diminuição da PAS constitui o assim chamado pulso paradoxal.


A ruptura traumática da aorta em geral resulta de mecanismos<br />

dedesaceleração/aceleração de uma força significativa.30 Exem¬<br />

plos incluem colisões automobilísticas em alta velocidade com<br />

impacto frontal e quedas de grandes alturas nas quais o doente<br />

cai na horizontal.<br />

A aorta surge da porção superior do coração no mediastino.<br />

0 coração e o arco aórtico são relativamente móveis dentro da<br />

cavidade torácica. A medida que o arco aórtico se transforma na<br />

aorta descendente, a aorta se torna aderente à coluna vertebral<br />

pérelativamente imóvel. Quando há uma desaceleração súbita<br />

corpo, como ocorre em um impacto frontal em alta velo-<br />

cidade, o coração e o arco aórtico continuam a se mover para<br />

I frente em relação à aorta descendente fixa (imóvel). Isso produz<br />

forças de cisalhamento na parede aórtica na junção entre esses<br />

dois segmentos da aorta.30 Assim, a clássica localização da lesão<br />

aórtica traumática é imediatamente distai à saída da artéria<br />

subclávia esquerda. Essa força de cisalhamento pode romper a<br />

|parede da aorta em variados graus (Fig. 11-22).Quando a laceraise<br />

estende por toda a espessura da parede aórtica, o doente<br />

I rapidamente perde sangue para a cavidade pleural. No entanto,<br />

caso exista apenas uma ruptura parcial da parede, deixando a<br />

camada externa (adventícia) intacta, o doente pode sobreviver<br />

por um período de tempo variável, o que faz com que a identi¬<br />

ficação e o tratamento rápidos desta condição sejam essenciais<br />

para um resultado bem-sucedido.30<br />

j<br />

CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 307<br />

Mação<br />

Doentes que apresentaram concussão cardíaca apresentam<br />

parada cardiorrespiratória. Em algumas vítimas, observam-se<br />

pequenas contusões sobre o esterno. A fibrilação ventricular<br />

-') é o ritmo mais comum, embora o bloqueio cardíaco comlo<br />

e o bloqueio do ramo esquerdo (BRE) com supradesnivelamento<br />

do segmento ST também tenham sido observados.<br />

Tratamento<br />

Uma vez que a parada cardíaca tenha sido confirmada, inicia-se<br />

areanimação cardiopulmonar (RCP). A concussão cardíaca é tra¬<br />

tada de forma similar às paradas cardíacas causadas por infarlo<br />

do miocárdio, e não como as causadas por trauma. O ritmo car¬<br />

díaco deve ser determinado o mais rápido possível, com a rea¬<br />

lização de desiibrilação rápida caso seja identificada fibrilação<br />

ventricular. O prognóstico é ruim, com chances de sobrevida<br />

de 15% ou menos.30 Praticamente todos os sobreviventes a essa<br />

condição receberam RCP e desiibrilação imediatas iniciadas por<br />

testemunhas presentes no local, frequentemente com um desfibrilador<br />

externo automático (DEA). Não há comprovação de que<br />

socos precordiais interrompam a fibrilação ventricular. Caso as<br />

tentativas imediatas de desiibrilação não obtenham sucesso,<br />

deve ser feito o controle da via aérea e deve-se obter o acesso<br />

venoso. Epinefrina e antiarrítmicos podem ser administrados<br />

de acordo com os protocolos de parada cardíaca.<br />

Ruptura Traumática de Aorta<br />

|Avaliação<br />

A avaliação da ruptura aórtica baseia-se no índice de suspeita.<br />

Deve ser mantido um alto índice em situações que envolvem<br />

desaceleração/aceleração cle alta energia. Ironicamente, para<br />

uma lesão tão devastadora, pode haver poucas evidências exter¬<br />

nas de lesão torácica. No entanto, o socorrista deve avaliar as<br />

condições da via aérea e da ventilação. Devem ser feitas ausculta<br />

e palpação cuidadosas. A avaliação cuidadosa pode demonstrar<br />

que a qualidade do pulso pode ser diferente entre os dois mem¬<br />

bros superiores (pulso mais forte no braço direito do que no<br />

esquerdo) ou entre os membros superiores (artéria braquial) e<br />

os membros inferiores (artéria femoral). As pressões arteriais,<br />

se mensuradas, podem ser mais altas nos membros superiores<br />

do que nos membros inferiores, indicando a pseudocoarctação<br />

da aorta.<br />

O diagnóstico definitivo exige o exame radiográfico no hos¬<br />

pital. Radiografias simples do tórax podem demonstrar diver¬<br />

sos sinais que indicam que a lesão pode estai- presente. O mais<br />

confiável desses achados é o alargamento do mediastino. A<br />

lesão pode ser demonstrada de forma definitiva com aortografia,<br />

tomografia computadorizada (TC) de tórax e ecocardiografia<br />

transesofágica.30<br />

Tratamento<br />

O tratamento da ruptura aórtica traumática no local do acidente<br />

é de suporte. Um alto índice de suspeição da sua presença é<br />

mantido quando existirem os mecanismos de trauma sugesti¬<br />

vos. Administra-se oxigénio suplementar em alta concentração<br />

e um acesso venoso é obtido, exceto em casos de tempos de<br />

transporte extremamente curtos. O hospital que irá receber o<br />

doente deve ser informado o mais brevemente possível sobre o<br />

mecanismo de trauma e sobre a suspeita de ruptura aórtica. O<br />

controle rigoroso da pressão arterial é imperativo para o bom<br />

prognóstico dessas lesões (Fig. 11-23). A ruptura traumática de<br />

aorta representa outra situação em que a reposição volêmica cri¬<br />

teriosa é clinicamente útil. A reanimação volêmica que resulta<br />

na elevação ou na normalização da pressão arterial pode levar<br />

ao rompimento do tecido aórtico restante e à rápida perda de<br />

sangue. Se os tempos de transporte forem longos, o tratamento<br />

da pressão arterial deve ser orientado pelo maior valor obtido,<br />

caracteristicamente no braço direito. O controle da pressão arte¬<br />

rial e da força de contração pode ser conseguido por meio da<br />

administração de betabloqueadores.3'3<br />

Ruptura Traqueobrônquica<br />

A ruptura traqueobrônquica é uma patologia incomum,mas com<br />

alto potencial letal.'10 No entanto, nesses casos, todas as lacera¬<br />

ções pulmonares envolvem a ruptura, em algum grau, da via<br />

aérea. A porção intratorácica da própria traqueia ou de um dos<br />

brônquios principais ou secundários é rompida, o que produz<br />

alto fluxo de ar através da lesão para dentro do mediastino ou<br />

do espaço pleural. A pressão aumenta rapidamente, causando<br />

um pneumotórax hipertensivo ou mesmo um pneumomediastino<br />

hipertensivo, que é similar ao tamponamento cardíaco.<br />

Diferentemente do que ocorre em geral no pneumotórax hiper¬<br />

tensivo, a descompressão torácica com agulha pode produzir<br />

um fluxo contínuo de ar através do cateter e não aliviar a tensão<br />

(Fig. 11-24). Isso ocorre pelo alto fluxo contínuo de ar através<br />

da via aérea principal para o espaço pleural. A função respira-


308 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Artéria carótida<br />

,_<br />

comum<br />

Artéria subclávia esquerda<br />

Arco aórtico<br />

Pseudoaneurisma<br />

Aorta<br />

descendente<br />

Coluna<br />

vertebral<br />

Arco aórtico<br />

Artéria carótida<br />

comum esquerda<br />

Artéria subclávia esquerda<br />

Aorta<br />

descendente<br />

FIGURA 11-22 A, A aorta descendente é uma estrutura fixa, que se move com a coluna torácica. O arco, a aorta e o coração<br />

movem-se livremente. A aceleração do torso em uma colisão com impacto lateral ou a rápida desaceleração em uma colisão<br />

com impacto frontal produzem uma quantidade diferente de movimento entre o complexo arco-coração e a aorta descendente.<br />

Esse movimento pode resultar no cisalhamento do revestimento interno da aorta, que é contida por sua camada mais externa,<br />

produzindo um pseudoaneurisma. B, Lacerações na junção entre o arco e a aorta descendente também podem levar à ruptura<br />

completa, com imediata exsanguinação no tórax. C e D, Fotografia cirúrgica e ilustração da laceração aórtica traumática.<br />

FIGURA 11-23<br />

Manutenção da Pressão Arterial<br />

Atenção: Quando se faz a transferência entre hospitais de<br />

doentes com suspeita de ruptura aórtica, é importante não elevar<br />

agressivamente a pressão arterial do doente, pois isso pode levar<br />

à hemorragia passível de exsanguinação (Cap. 8). Muitos desses<br />

doentes podem receber medicações, como betabloqueadores<br />

(p. ex., esmolol, metoprolol) para manter a pressão arterial em<br />

níveis mais baixos, normalmente a uma pressão arterial média<br />

de 70 mmHg ou menos. Tal terapia caracteristicamente requer<br />

monitoramento invasivo, como a inserção de uma linha arterial,<br />

de modo que a pressão arterial possa ser acompanhada de<br />

maneira mais cuidadosa.<br />

tória pode ser muito prejudicada por causa do fluxo de ar prefe¬<br />

rencial através da lesão e pela pressão. A utilização de pressão<br />

positiva pode agravar a tensão. O trauma penetrante tem maior<br />

probabilidade de causar essa lesão do que o trauma fechado.!<br />

entanto, a lesão contusa de alta energia também pode produz<br />

ruptura traqueobrônquica.'10<br />

Avaliação<br />

A avaliação demonstra um doente em franca insuficiência!<br />

respiratória que pode estar pálido e sudoreico. O doente com<br />

ruptura traqueobrônquica demonstra sinais de desconforto res¬<br />

piratório, como a utilização dos músculos acessórios da respi-j<br />

ração, roncos e batimento de asa do nariz. O enfisema subculà-J<br />

neo extenso, principalmente na porção superior do tórax ei


j<br />

j<br />

j<br />

CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 309<br />

ArdaVPP<br />

FIGURA 11-24 Ruptura traqueal ou brônquica. A ventilação<br />

com pressão positiva (VPP) pode forçar diretamente grandes<br />

quantidades de ar pela traqueia ou pelos brônquios, provocando<br />

rapidamente um pneumotórax hipertensivo.<br />

pescoço, pode ser identificado. Embora tradicionalmente ensi¬<br />

nados como achados importantes, a distensão da veia jugular<br />

pode ser obscurecida pelo enfisema subcutâneo, e/ou o'desvio<br />

de traqueia pode ser observado apenas_à palpação do órgão, na<br />

incisura jugular. A frequência ventilatória se eleva, e o nível de<br />

saturação de oxigénio pode estar diminuído. O doente pode ou<br />

não estar hipotenso e pode tossir sangue (hemoptise). A hemortragia<br />

associada ao trauma penetrante pode não estar presente<br />

| nos traumas fechados, mas o hemotórax é uma possibilidade<br />

tanto no trauma penetrante quanto no fechado.<br />

Tratamento<br />

1<br />

Otratamento bem-sucedido da ruptura traqueobrônquica requer<br />

[aadministração de oxigénio suplementar e o uso criterioso de<br />

sistôncia ventilatória. Se a ventilação assistida tornai' o doente<br />

mais desconfortável, administra-se somente oxigénio e o doente<br />

! deve ser transportado o mais rápido possível para um hospital<br />

equipado. O contínuo monitoramento de sinais de progressão<br />

I ao pneumotórax hipertensivo é imperativo, e a rápida descom-<br />

| pressão com agulha deve ser tentada caso esses achados sejam<br />

servados. O tratamento complexo e avançado da via aérea,<br />

| como a entubação seletiva do brônquio principal, é difícil de<br />

alizar a campo e pode piorar a lesão brônquica principal.<br />

Asfixia Traumática<br />

.sfixia traumática é assim denominada porque os doentes<br />

ecem vítimas de estrangulamento. O doente apresenta uma<br />

oloração azulada na face e no pescoço (e, no caso de asfixia<br />

aumática, na parte superior do tórax), como os doentes que<br />

['oram estrangulados. No entanto, diferentemente das vítimas de<br />

angulamento, os doentes com asfixia traumática não sofrem<br />

dadeiramente asfixia (cessação de ar e de troca gasosa). A<br />

irência similar â das vítimas de estrangulamento é causada<br />

[pelo comprometimento do retorno venoso da cabeça e do pesço<br />

presente em ambos os grupos de doentes.<br />

O mecanismo da asfixia traumática é um aumento acentuado<br />

e abrupto da pressão torácica causado por esmagamento do<br />

tronco (p. ex., a queda de um carro que estava suspenso por<br />

um macaco hidráulico sobre o tórax do doente). Isso faz com<br />

que o sangue seja expulso do coração, entrando nas veias em<br />

direção retrógrada. Uma vez que as veias dos braços e dos mem¬<br />

bros inferiores contêm valvas, o fluxo inverso aos membros é<br />

limitado. Por outro lado, as veias do pescoço e da cabeça não<br />

apresentam lais valvas, e o sangue é preferencialmente forçado<br />

a estas áreas. As vênulas subcutâneas e os pequenos capilares<br />

se rompem, resultando na coloração arroxeada da pele. O rom¬<br />

pimento dos pequenos vasos do cérebro e da retina pode levar à<br />

disfunção cerebral e ocular. A asfixia traumática é considerada<br />

um marcador da ruptura cardíaca contusa.'11<br />

Avaliação<br />

A principal característica da asfixia traumática é a pletora,<br />

caracterizada por excesso de sangue e turgor, ou aumento de<br />

volume e distensão dos vasos sanguíneos, fazendo com que<br />

a pele adquira uma coloração avermelhada. Essa aparência é<br />

mais proeminente acima do nível de esmagamento (Fig. 11-25).<br />

A pele abaixo do nível de lesão é normal. Em função da força<br />

aplicada ao tórax necessária à produção dessa lesão, muitas das<br />

lesões já discutidas neste capítulo podem ocorrer, assim como<br />

lesões na coluna e na medula espinhal.<br />

Tratamento<br />

O tratamento é de suporte. Administra-se oxigénio em alta con¬<br />

centração, é obtido um acesso venoso e é fornecido um suporte<br />

ventilatório criterioso, se necessário. A coloração vermelho-arroxeada<br />

típica desaparece em uma semana em sobreviventes.<br />

Ruptura de Diafragma<br />

Pequenas lacerações do diafragma podem ocorrer em lesões<br />

penetrantes da região loracoabdominal.1 Como o diafragma<br />

sobe e desce com a respiração, qualquer penetração abaixo do<br />

nível dos mamilos anteriormente ou do nível da ponta escapular<br />

posteriormente apresenta risco de ter atravessado o dia¬<br />

fragma. Geralmente, essas lesões por si só não apresentam pro¬<br />

blemas agudos, mas devem ser reparadas em função do risco<br />

de herniação e estrangulamento do conteúdo abdominal através<br />

do defeito no futuro. Lesões importantes dos órgãos torácicos<br />

ou abdominais podem acompanhar essas lesões aparentemente<br />

inócuas.<br />

A lesão diafragmática contusa é causada pela aplicação de<br />

força suficiente ao abdome, a ponto de aumentar agudamente a<br />

pressão abdominal de forma abrupta e suficiente para romper<br />

o diafragma. Diferentemente das pequenas lacerações que em<br />

geral acompanham as lesões penetrantes, as lacerações causa¬<br />

das por mecanismos contusos são, com frequência, grandes e<br />

permitem a herniação aguda das vísceras abdominais para den¬<br />

tro da cavidade torácica.1 O esforço respiratório é consequên¬<br />

cia da pressão dos órgãos herniados sobre os pulmões, impe¬<br />

dindo a ventilação eficaz, bem como de contusões pulmonares.<br />

Esse déficit de ventilação é potencialmente fatal (Fig. 11-26).<br />

Além da disfunção respiratória, fraturas das costelas, hemo-


310 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

P<br />

FIGURA 11-25 Asfixia traumática. A, O doente ao ser admitido no hospital. B, O mesmo doente três semanas após a lesão.<br />

(De Moore JD, Mayer JH, Gago O: Traumatic asphyxia, Chest 62(5), 1972.)<br />

tórax e pneumotórax podem ocorrer. Lesões de órgãos intraabdominais<br />

também podem acompanhar a lesão do diafragma,<br />

incluindo lesões em fígado, baço, estômago ou intestinos, já que<br />

esses órgãos são forçados através da laceração diafragmática até<br />

a cavidade pleural. Esses doentes frequentemente apresentam<br />

insuficiência respiratória aguda, necessitando de intervenção<br />

rápida para que possam se recuperar.<br />

Avaliação<br />

A avaliação frequentemente revela um doente em esforço respi¬<br />

ratório agudo que pode estar ansioso, taquipneico e pálido. Ele<br />

pode ter contusões da parede torácica, crepitação óssea ou enfi¬<br />

sema subcutâneo. O murmúrio vesicular no lado afetado pode<br />

estar diminuído, ou os ruídos hidroaéreos podem ser ausculta¬<br />

dos sobre o tórax. O abdome pode estar escavado se uma por¬<br />

ção significativa do conteúdo abdominal tiver sofrido herniação<br />

para o interior do tórax.<br />

Tratamento<br />

E necessário o reconhecimento imediato da possibilidade de<br />

existência de uma ruptura diafragmática. Deve ser administrado<br />

oxigénio suplementar em alta concentração e deve ser feito<br />

suporte ventilatório, se necessário. O doente deve ser rapida¬<br />

mente transportado para um hospital equipado. O uso de ves¬<br />

timenta pneumática antichoque (PASG) está contraindicado em<br />

doentes com suspeita de ruptura diafragmática, já que a insu¬<br />

flação do compartimento abdominal pode empurrar os orgãos<br />

intra-abdominais através da laceração diafragmática. Assim,<br />

esses doentes tendem a apresentar piora quando o comparti¬<br />

mento abdominal do PASG é insidiado.1<br />

Pu mao<br />

Estômago<br />

q—-Diafragma<br />

FIGURA 11-26 A ruptura diafragmática pode causar uma<br />

herniação do intestino ou de outras estruturas através da<br />

laceração, produzindo uma compressão parcial do pulmão e<br />

esforço respiratório.<br />

Transporte Prolongado<br />

As prioridades para o tratamento de doentes com suspeita ou<br />

diagnóstico de lesões torácicas durante transporte prolongado<br />

permanecem fundamentais, incluindo controle das vias aéreas,<br />

ventilação e oxigenação suplementar, controle de hemorra¬<br />

gias e reposição volêmica adequada. Em face de um transporte


CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 311<br />

prolongado, a equipe de atendimento pré-hospitalar pode ter<br />

um limiar menor para indicação do controle da via aérea com<br />

entubação endotraqueal. As indicações para a realização de<br />

entubação endotraqueal incluem aumento do esforço respira¬<br />

tório ou insuficiência respiratória iminente (após exclusão ou<br />

tratamento de um pneumotórax hipertensivo), afundamento de<br />

tórax (retalho costal móvel), pneumotórax aberto ou múltiplas<br />

fraturas das costelas. Deve-se fornecer oxigénio para manter a<br />

saturação de oxigénio em 95% ou mais.<br />

Se necessário, as ventilações devem ser assistidas. Contu¬<br />

sões pulmonares pioram ao longo do tempo, e o uso de CPAP,<br />

pressão expiratória final positiva (PEEP) com um respirador de<br />

transporte ou válvulas PEEP com bolsa-valva-máscara pode faci¬<br />

litar a oxigenação. Todo doente com trauma torácico importante<br />

pode ter um pneumotórax hipertensivo, e a avaliação contínua<br />

deve pesquisar os sinais típicos. Na presença de diminuição ou<br />

ausência do murmúrio vesicular, piora do esforço respiratório,<br />

dificuldade de ventilar com bolsa-valva-máscara, aumento da<br />

pressão de pico inspiratório em doentes em uso de respirador e<br />

hipotensão, a descompressão pleural deve ser realizada. A dre¬<br />

nagem torácica (tubo torácico) pode ser feita por profissionais<br />

autorizados, em geral tripulações de transporte aeromédico, se<br />

o doente precisar de descompressão com agulha ou apresentar<br />

um pneumotórax aberto.<br />

O acesso venoso deve ser fixado e a administração venosa de<br />

líquidos deve ser feita criteriosamente. Os doentes com suspeita<br />

de hemorragia intratorácica, intra-abdominal ou retroperitoneal<br />

devem ser mantidos com a PAS na faixa de 80 a 90 mmHg. Uma<br />

reposição volêmica muito agressiva pode piorar as contusões<br />

pulmonares, além de causar recorrência da hemorragia interna<br />

(Cap. 8). Doentes com dor intensa decorrente de múltiplas fra¬<br />

turas das costelas podem se beneficiar de pequenas doses de<br />

narcóticos administradas por via intravenosa. Se a adminis¬<br />

tração de narcóticos causar hipotensão e insuficiência respira¬<br />

tória, a reposição volêmica e o suporte venlilatório devem ser<br />

fornecidos.<br />

Doentes com arritmias cardíacas associadas à lesão cardíaca<br />

conlusa podem se beneficiar do uso de medicações antiarrítmicas.<br />

Todas as intervenções realizadas devem ser cuidadosa¬<br />

mente documentadas na ficha de atendimento do doente, e o<br />

hospital que recebê-lo deve estar ciente dos procedimentos.<br />

RESUMO<br />

Lesões torácicas são particularmente importantes, em<br />

função do potencial comprometimento das funções respi¬<br />

ratórias e circulatórias, e porque as lesões torácicas estão<br />

frequentemente associadas aos traumas multissistêmicos.<br />

Doentes com lesão torácica precisam ser tratados agres¬<br />

sivamente e transportados rapidamente para o tratamento<br />

definitivo.<br />

Particular atenção deve ser dada à administração de oxi¬<br />

génio suplementar em alta concentração e à necessidade<br />

de suporte ventilatório em qualquer doente com suspeita<br />

de trauma torácico.<br />

1 0 uso da oximetria de pulso e da capnografia auxilia a<br />

avaliação do estado ventilatório e da resposta à terapia.<br />

Os sinais de pneumotórax hipertensivo devem ser cuida¬<br />

dosamente avaliados, uma vez que o tratamento a campo,<br />

por meio da descompressão com agulha, pode evitar este<br />

possível problema, que é rapidamente fatal.<br />

Por causa do alto risco de trauma multissistêmico em<br />

doentes vítimas de trauma torácico contuso, a imobiliza¬<br />

ção da coluna é considerada e a hemorragia é controlada.<br />

O acesso intravenoso deve ser instituído durante o<br />

transporte a uma instituição médica, e a reposição volê¬<br />

mica deve ser administrada de acordo com os objelivos<br />

adequados.<br />

O monitoramento por ECG pode sugerir a presença de<br />

uma contusão cardíaca.<br />

Embora muitas lesões torácicas possam ser tratadas sem<br />

intervenção cirúrgica, o doente ainda deve ser avaliado e<br />

encaminhado a uma instituição médica apropriada.


312 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

I<br />

O relato do local, as queixas do doente e a avaliação fazem<br />

com que você suspeite de que este doente pode apresentar<br />

lesões graves, com risco de morte. O indivíduo está acordado<br />

e fala de forma coerente, indicando que sua via aérea está<br />

permeável. Ele apresenta grave desconforto respiratório. A<br />

localização do ferimento, a crepitação e a redução dos sons<br />

respiratórios indicam um possível pneumotórax. A presença de<br />

veias distendidas no pescoço pode indicar o desenvolvimento<br />

de pneumotórax hipertensivo ou tamponamento cardíaco.<br />

Forneça rapidamente oxigénio suplementar e considere<br />

auxiliar a ventilação com bolsa-valva-máscara. Neste caso, as<br />

primeiras prioridades são reconhecer a gravidade das lesões,<br />

estabilizar o doente e iniciar a transferência a uma instituição<br />

adequada. Dado o desconforto respiratório deste doente eos<br />

demais achados, há um significativo risco de complicações.<br />

O doente deve ser transportado ao centro de atendimento ds<br />

trauma mais próximo. O acesso intravenoso deve ser instituído<br />

durante o transporte. Há risco de deterioração respiratória, e<br />

o estado ventilatório do doente precisa ser cuidadosamente<br />

monitorado. Os sinais de progressão do comprometimento!<br />

respiratório e o desconforto respiratório devem fazer com<br />

o socorrista responsável pelo atendimento pré-hospitalar realize I<br />

a descompressão com agulha. Caso o tempo de transporte seja]<br />

longo, a transferência aérea deve ser considerada. ÿ<br />

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314 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

—<br />

Mfi ift «<br />

Treinamento em Trauma Torácico<br />

Descompressão com Agulha ÿ<br />

Princípio: Diminuir a pressão intratorácica de um pneumotórax hipertensivo afetando a respiração, a ventilação e a circulação]<br />

do doente.<br />

Em doentes com pressão torácica aumentada em virtude de um pneumotórax hipertensivo, a cavidade torácica do<br />

com a pressão aumentada deve ser descomprimida. Se essa pressão não for aliviada, limitará progressivamente a capacidade]<br />

ventilatória do doente e provocará alteração do retorno venoso, levando a débito cardíaco inadequado e à morte.<br />

Nos casos em que um pneumotórax aberto tenha sido tratado com um curativo oclusivo e em que um pneumotófj<br />

hipertensivo se desenvolver, a descompressão pode ser obtida através da própria ferida, de modo a funcionar como uma]<br />

saída do interior do tórax. Abrindo o curativo oclusivo ao redor da ferida por alguns segundos, obtém-se a saída de arpais]<br />

fora da ferida à medida que a pressão interna é aliviada.<br />

Uma vez que essa pressão tenha sido aliviada, a ferida é coberta com o curativo oclusivo para permitir a ventilação]<br />

alveolar adequada e impedir a sucção do ar pela ferida. O doente deve ser monitorado cuidadosamente e, se qualquer sinal]<br />

de hipertensão recorrer, o curativo deve ser "retirado" novamente para aliviar a pressão intratorácica.<br />

A descompressão em um pneumotórax hipertensivo fechado é obtida por meio de uma abertura - uma toracostomia -<br />

no lado afetado do tórax. Existem diferentes métodos para realizar uma toracostomia. Como a toracostomia com agulha<br />

é o método mais rápido e não requer nenhum equipamento especial, este é o método preferido para ser usado na cenai<br />

trauma.<br />

A descompressão com agulha tem riscos mínimos e pode beneficiar consideravelmente o doente, melhorando a oxigenação<br />

e a circulação. A descompressão com agulha deverá ser realizada quando os três critérios seguintes forem encontrados:<br />

1. Evidência de piora da insuficiência respiratória ou dificuldade para o uso de bolsa-valva-máscara.<br />

2. Murmúrio vesicular diminuído ou ausente.<br />

3. Choque descompensado (pressão sistólica


CAPÍTULO 11 Trauma Torácico 315<br />

.xsvvi<br />

''<br />

m<br />

Após a confirmação de pneumotórax hipertensivo, os<br />

limites anatómicos são localizados no lado compro¬<br />

metido (linha hemiclavicular, segundo ou terceiro espaços<br />

intercostais).<br />

O local é limpo com um lenço embebido em antisséptico.<br />

A pele no local é fixada pelos dedos da mão não domi¬<br />

nante. A agulha e a seringa são colocadas para entrar sobre<br />

a borda superior da costela.


316 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

HABILIDADES ]<br />

Uma vez que a agulha tenha entrado na cavidade torácica,<br />

o ar escapa pela seringa e a agulha não deve ser avançada<br />

adiante.<br />

O cateter deve ser deixado no lugar, e a agulha deve ser<br />

removida com cuidado para não dobrar o cateter. Quando<br />

a agulha é removida, um fluxo de ar de dentro do cateter<br />

deve ser ouvido. Se nenhum ar escapa, o cateter deve ser<br />

deixado no lugar para indicar que a descompressão do tórax<br />

com agulha foi tentada.<br />

Após remover a agulha, o cateter é fixado com a fita ade¬<br />

siva. Após prender o cateter, o tórax deve ser auscultado<br />

para verificar o murmúrio vesicular. O doente deve ser<br />

monitorado e transportado para um serviço apropriado.<br />

O socorrista não deve perder tempo colocando uma válvula<br />

unidirecional. Pode ser necessário repetir a descompressão<br />

com agulha se o cateter for ocluído por um coágulo de<br />

sangue e o pneumotórax hipertensivo voltar a ocorrer.


Trauma<br />

Abdominal<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Usar os dados de avaliação da cena para determinar o nível de suspeita de lesão<br />

abdominal.<br />

Reconhecer os achados da avaliação secundária que podem indicar a presença de<br />

sangramento intra-abdominal.<br />

Relacionar os sinais externos de trauma com a possibilidade de lesão em órgãos<br />

abdominais específicos.<br />

Antever os efeitos fisiopatológicos do trauma fechado e dos ferimentos<br />

penetrantes no abdome, com base nos dados de avaliação que podem ser obtidos<br />

pelos socorristas.<br />

Identificar as indicações de intervenção e de transporte rápido no trauma<br />

abdominal.<br />

Compreender as decisões de tratamento no local apropriadas para os doentes<br />

com suspeita de trauma abdominal, incluindo as vítimas com objetos encravados<br />

evisceração ou trauma nos genitais externos.<br />

Relacionar as alterações anatómicas e fisiológicas da gravidez com a fisiopatologia<br />

e o tratamento do trauma na gestante.<br />

Descrever os efeitos do trauma materno sobre o feto e as prioridades de<br />

tratamento.


318 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

Você acaba de chegar a um apartamento em que um doente do sexo masculino, de 20 e poucos anos de idade, pediu<br />

ajuda. Ele afirma que estava andando com seu cachorro, quando sofreu um episódio de quase-síncope. Diz que sente dor<br />

moderada na porção inferior esquerda da caixa torácica ao respirar profundamente e queixa-se de um pouco de dificuldade<br />

para respirar. Tem um discreto odor de álcool. Continuando a anamnese, você descobre que o doente e seus amigos passa¬<br />

ram a noite jogando bilhar e bebendo cerveja em um bar próximo. Durante a noite, houve uma hora em que ele e um amigo<br />

começaram a brigar, e ele recorda-se de ter levado um soco nas costelas inferiores do lado esquerdo. Logo depois, voltou<br />

para casa e adormeceu, até que o cachorro o acordou, cerca de seis horas depois. Enquanto levava o cão para passear, o<br />

doente ficou bastante tonto e fraco. Conseguiu voltar para casa e pedir auxílio.<br />

O doente está deitado de costas em um sofá. Ele apresenta via aérea permeável, frequência respiratória de 28 ventilação/<br />

minuto, frequência cardíaca de 124 batimentos/minuto e pressão arterial de 94/58 mmHg. A pele do doente está pálida e dia¬<br />

forética. Tem dor à palpação das costelas inferiores esquerdas. O abdome não está distendido e é flácido, mas o doente mani¬<br />

festa dor à palpação e defesa voluntária no quadrante superior esquerdo. Não tem equimose nem enfisema de subcutâneo.<br />

Quais são as possíveis lesões deste doente? Quais são as prioridades de tratamento? Há sinais de peritonite?<br />

—<br />

Lesões<br />

abdominais não reconhecidas são uma das prin¬<br />

cipais causas de morte em doentes traumatizados. Por<br />

causa das limitações da avaliação pré-hospilalar, a melhor<br />

maneira de tratar os doentes com suspeita de lesões abdominais<br />

é transportá-los prontamente para o hospital apropriado mais<br />

próximo.<br />

As mortes precoces no trauma abdominal grave resultam<br />

tipicamente de perda maciça de sangue, causada por ferimentos<br />

penetrantes ou por trauma fechado. Todo doente com choque<br />

inexplicado deve ser considerado com hemorragia intra-ab¬<br />

dominal, até prova em contrário (no hospital]. Podem ocorrer<br />

complicações e morte por lesões de fígado, baço, cólon, intes¬<br />

tino delgado, estômago ou pâncreas que não tenham sido detec¬<br />

tadas inicialmente. A ausência de sinais e sintomas locais não<br />

descarta a possibilidade de trauma abdominal, principalmente<br />

no doente cujo nível de consciência se encontra alterado por<br />

álcool, drogas ou lesão cerebral traumática. Um alto índice de<br />

suspeita, baseado na biomecânica do trauma, deve alertar o<br />

socorrista para a possibilidade de trauma abdominal e hemor¬<br />

ragia intra-abdominal. O socorrista não deve se preocupar tanto<br />

em determinar a extensão exata do trauma abdominal, mas sim<br />

em tratar os achados clínicos.<br />

Anatomia<br />

O abdome contém os principais órgãos dos sistemas digestivo,<br />

endócrino e urogenital, além dos principais vasos do sistema<br />

circulatório. A cavidade abdominal está localizada abaixo do<br />

diafragma; seus limites são a parede anterior do abdome, os<br />

ossos da bacia, a coluna vertebral e os músculos do abdome<br />

e dos flancos. A cavidade abdominal é dividida em duas regi¬<br />

ões. A cavidade peritoneal (a "verdadeira" cavidade abdomi¬<br />

nal) contém o baço, o fígado, a vesícula biliar, o estômago, parte<br />

do intestino grosso (cólon transverso e sigmoide), a maior parle<br />

do intestino delgado (principalmente jejuno e íleo) e os órgãos<br />

do sistema reprodutivo feminino (útero e ovários) (Fig. 12-1).<br />

O espaço retroperitoneal (espaço virtual atrás da "verdadeira"<br />

cavidade abdominal) contém os rins, os ureteres, a veia cava<br />

inferior, a aorta abdominal, o pâncreas, grande parte do duo¬<br />

deno, os cólons ascendente e descendente e o relo (Fig. 12-2).<br />

A bexiga e os órgãos do sistema reprodutivo masculino (pênis,<br />

testículos e próstata) estão localizados inferiormente à cavidade<br />

peritoneal.<br />

Uma parle significativa do abdome localiza-se na parte infe¬<br />

rior do tórax. Essa parte superior de* abdome, chamada pelos<br />

cirurgiões especializados em trauma de região toracoabdominal,<br />

é protegida anterior e lateralmente pelas costelas e poste¬<br />

riormente pela coluna vertebral. Essa região contém o fígado, a<br />

vesícula biliar, o baço e o estômago, anteriormente, e os lobos<br />

inferiores dos pulmões, posteriormente, separados pelo dia¬<br />

fragma. Dada sua localização, as mesmas forças que fraturam<br />

as costelas podem provocar lesões nos pulmões, no fígado ou<br />

no baço, que estão abaixo das costelas. A relação desses órgãos<br />

abdominais com a porção inferior da cavidade torácica muda<br />

com o ciclo respiratório. No pico da expiração, a cúpula do i<br />

fragma relaxado sobe até ao nível do quarto espaço intercostal<br />

(na altura do mamilo, no sexo masculino), e a caixa torácica<br />

confere maior proteção aos órgãos abdominais. Por outro lado,<br />

no pico da inspiração, a cúpula do diafragma contraído fica ao<br />

nível do sexto espaço intercostal, os pulmões inflados quase<br />

preenchem o tórax e os órgãos abdominais são empurrados para<br />

fora do espaço que ocupam debaixo do arcabouço costal. Assim,<br />

os órgãos lesionados nos ferimentos penetrantes toracoabdominais<br />

podem ser diferentes, dependendo da fase da respiração<br />

em que o doente se encontra no momento da lesão (Fig. 12-3).<br />

A parte inferior do abdome é protegida, por todos os lados,<br />

pela pelve. Essa área contém o reto, parte do intestino delgado<br />

(especialmente quando se fica de pé), a bexiga e, na mulher,<br />

os órgãos do sistema reprodutor. A hemorragia retroperitoneal<br />

associada à fratura de bacia é um problema grave nesta parte


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 319<br />

Diafragma<br />

Fígado<br />

Flexura hepática<br />

Cólon ascendente<br />

íleo<br />

Região da válvula ileocecal<br />

Ceco<br />

Estomago<br />

Flexura esplénica<br />

Jeiuno<br />

Colon descendente<br />

Colon sigmoide<br />

Apêndice vermiforme<br />

Canal anal<br />

FIGURA 12-1 Quando lesionados, os órgãos da cavidade peritoneal frequentemente causam peritonite. A cavidade peritoneal<br />

contém órgãos sólidos (baço e fígado), as vísceras ocas do trato gastrointestinal (estômago, intestino delgado e cólon) e os órgãos<br />

do sistema reprodutor.<br />

da cavidade abdominal. A parte do abdome localizada entre<br />

a caixa torácica e a pelve é protegida, anterior e lateralmente,<br />

apenas pelos músculos abdominais e por outras partes moles.<br />

Posteriormente, as vértebras lombares, junto com a forte muscu¬<br />

latura paravertebral e os músculos psoas, conferem maior prote¬<br />

ção ao abdome (Fig. 12-4).<br />

Para fins de avaliação do doente, a superfície abdominal é<br />

dividida em quatro quadrantes. Eles são formados desenhando<br />

duas linhas: uma na linha média, da ponta do apêndice xifoide<br />

até a sínfise púbica, e outra perpendicular a essa linha mediana,<br />

na altura da cicatriz umbilical (Fig. 12-5). O conhecimento das<br />

referências anatómicas é importante, em razão da grande cor¬<br />

relação entre o órgão acometido e o local da dor. O quadrante<br />

superior direito (QSD) contém o fígado e a vesícula biliar; o qua¬<br />

drante superior esquerdo (QSE) contém o baço e o estômago; o<br />

quadrante inferior direito (QID) e o quadrante inferior esquerdo<br />

E) contêm, basicamente, o intestino. Existe parte do trato<br />

intestinal em cada um dos quatro quadrantes. A bexiga fica na<br />

linha média, entre os quadrantes inferiores.<br />

Fisiopatologia<br />

A divisão dos órgãos abdominais em ocos, sólidos e vasculares<br />

(vasos sanguíneos) ajuda a entender as manifestações da lesão<br />

destas estruturas. Quando lesionados, os órgãos sólidos e vas-<br />

I culares (fígado, baço, aorta e veia cava) sangram, ao passo que<br />

os órgãos ocos (intestino, vesícula biliar e bexiga) derramam seu<br />

conteúdo dentro da cavidade peritoneal ou no espaço retroperi¬<br />

toneal. A perda de sangue para o interior da cavidade abdomi¬<br />

nal, independentemente de sua origem, pode contribuir ou ser a<br />

causa primária de choque hipovolêmico. A liberação de ácidos,<br />

enzimas digestivas ou bactérias do trato gastrointestinal (TGI)<br />

paia o interior da cavidade peritoneal resulta em peritonite<br />

(inflamação do peritônio que reveste a cavidade abdominal) e<br />

sepse (infecção generalizada), quando não prontamente tratada<br />

por intervenção cirúrgica. Como a urina e a bile geralmente são<br />

estéreis (não contêm bactérias), a perfuração da vesícula biliar<br />

ou da bexiga não provoca peritonite com tanta rapidez quanto<br />

o material derramado do intestino. De maneira similar, como<br />

também não tem ácidos, enzimas digestivas nem bactérias, o<br />

sangue na cavidade peritoneal não provoca peritonite, a não ser<br />

após várias horas. O sangramento decorrente de lesão intestinal<br />

tende a ser pequeno, a menos que sejam lesionados vasos san¬<br />

guíneos mais calibrosos do mesentério.<br />

As lesões abdominais podem ser causadas por ferimentos<br />

penetrantes ou por trauma fechado. Os ferimentos penetran¬<br />

tes, como os causados por armas de fogo ou armas brancas, são<br />

mais evidentes do que os decorrentes de traumas fechados. Em<br />

ferimentos penetrantes, podem ser observadas lesões em múl¬<br />

tiplos órgãos, embora isso seja menos provável nos ferimentos<br />

por armas brancas do que nos provocados por armas de fogo. A<br />

visualização mental da trajetória do projétil, como uma bala ou<br />

a lâmina de uma faca, pode ajudar a identificar os órgãos inter¬<br />

nos possivelmente lesionados.


320 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Esôfago<br />

Veia cava superior<br />

Adrenal direita<br />

Rim direito<br />

Vesícula biliar<br />

Flexura hepática<br />

Dueto biliar<br />

Duodeno<br />

Diafragma<br />

Adrenal esquerda<br />

Rim esquerdo<br />

Pâncreas<br />

Artéria e veia<br />

mesentérica superior<br />

Aorta abdominal<br />

Cólon descendente<br />

Cólon ascendente<br />

Veia cava inferior<br />

Sacro<br />

Artéria ilíaca externa<br />

Veia ilíaca externa<br />

FIGURA 12-2 O abdome é dividido em dois espaços: cavidade peritoneal e espaço retroperitoneal. O espaço retroperitoneal é a<br />

parte do abdome por trás do peritônio. Como os órgãos retroperitoneais não estão dentro da cavidade peritoneal, a lesão dessas<br />

estruturas geralmente não provoca peritonite.<br />

FIGURA 12-3 A. Expiração. B. Inspiração. Relação entre os órgãos abdominais e o tórax durante as fases da respiração em um<br />

doente com ferimento por arma branca.


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 321<br />

Corpo<br />

vertebral<br />

Veia cava<br />

inferior<br />

Aorta<br />

abdominal<br />

Omento<br />

menor<br />

Estômago<br />

Pâncreas<br />

Intestino<br />

Reborda costal<br />

Caixa torácica<br />

Apêndice<br />

xifoide<br />

Fígado<br />

Baço<br />

Vesícula biliar<br />

Quadrante<br />

superior direito<br />

Estômago<br />

Quadrante<br />

superior esquerdo<br />

Cólon<br />

Intestino delgado<br />

Quadrante<br />

inferior direito<br />

Quadrante<br />

inferior esquerdo<br />

Rim direito Musculatura Rjm esquerdo Cavidade<br />

paravertebral<br />

peritoneal<br />

FIGURA 12-4 Este corte transversal da cavidade abdominal<br />

permite a apreciação das posições dos órgãos na direção<br />

anteroposterior.<br />

FIGURA 12-5 Como em qualquer região do corpo, quanto<br />

melhor for a descrição de dor, hipersensibilidade, defesa<br />

e outros sinais, mais exato será o diagnóstico. O sistema<br />

de identificação mais comum divide o abdome em quatro<br />

quadrantes: superior esquerdo, superior direito, inferior<br />

esquerdo e inferior direito.<br />

O diafragma vai até o quarto espaço intercostal, anterior¬<br />

mente, o sexto espaço intercostal, lateralmente, e o oitavo<br />

espaço intercostal, posteriormente, durante a expiração forçada<br />

(Fig. 12-3).Doentes com ferimentos torácicos penetrantes abaixo<br />

dessa linha também podem ter lesões abdominais. Ferimentos<br />

penetrantes nos flancos e nas nádegas podem igualmente aco¬<br />

meter órgãos da cavidade abdominal. Esses ferimentos podem<br />

provocar sangramento de grandes vasos ou de órgãos sólidos<br />

e perfuração de um segmento de intestino, que é o órgão mais<br />

frequentemente lesionado nos ferimentos penetrantes.<br />

As lesões provocadas por traumas fechados muitas vezes<br />

são mais difíceis de diagnosticar do que as lesões por ferimen¬<br />

tos penetrantes. Essas lesões dos órgãos abdominais resultam<br />

de forças de compressão ou de forças de cisalhamento. Na com¬<br />

pressão, os órgãos abdominais são comprimidos entre objetos<br />

sólidos, como entre o volante e a coluna vertebral. As forças<br />

de cisalhamento rompem órgãos sólidos ou vasos sanguíneos<br />

da cavidade abdominal, em virtude da tração exercida sobre os<br />

ligamentos de fixação. O fígado e o baço podem se romper e<br />

sangrar com facilidade, e a perda de sangue pode ser rápida. O<br />

aumento da pressão intra-abdominal decorrente da compressão<br />

pode romper o diafragma e fazer com que os órgãos abdomi¬<br />

nais se desloquem para cima, para dentro da cavidade pleural<br />

(Caps. 4 e 11). O conteúdo intra-abdominal forçado para dentro<br />

da cavidade torácica pode comprometer a expansão pulmonar e<br />

afetaras funções respiratória e cardíaca (Fig. '12-6). Embora atualmente<br />

se acredite que a incidência de ruptura do diafragma<br />

seja igual dos dois lados, a ruptura do hemidiafragma esquerdo<br />

é diagnosticada com maior frequência.<br />

*<br />

Fraturas de bacia podem causai- perda de grande volume de<br />

sangue em virtude da lesão de muitas pequenas artérias e veias<br />

da pelve. Lesões da bexiga e do reto são também complicações<br />

das fraturas da bacia, assim como as lesões de uretra no homem<br />

e de vagina na mulher.<br />

Avaliação<br />

A avaliação do trauma abdominal pode ser muito difícil, princi¬<br />

palmente com os recursos diagnósticos limitados do pré-hospitalar.<br />

O índice de suspeita de lesão abdominal deve ser baseado<br />

em muitas fontes de informação, incluindo a biomecânica e os<br />

achados do exame físico, além de informações do doente e das<br />

testemunhas da ocorrência.<br />

Biomecânica<br />

Da mesma forma que em outros tipos de trauma, o conhecimento<br />

do mecanismo de trauma desempenha um papel importante no<br />

índice de suspeita de trauma abdominal que o socorrista deve<br />

ler. O trauma abdominal pode ser resultante de inúmeras cau¬<br />

sas, incluindo tanto os ferimentos penetrantes como os traumas<br />

fechados.


322 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

I<br />

FIGURA 12-6 Com o aumento da pressão dentro do abdome, o diafragma pode se romper, permitindo que órgãos abdominais,<br />

como o estômago e o intestino delgado, sofram herniação para o tórax.<br />

Ferimentos penetrantes. A maioria dos ferimentos penetrantes<br />

na vida civil resulta de lesões por armas brancas ou armas de<br />

fogo, como revólveres. Essas forças de energia cinética baixa a<br />

moderada laceram ou cortam os órgãos abdominais no trajeto da<br />

lâmina 011 do projétil. Lesões de alta velocidade, como as cau¬<br />

sadas por rifles de alta potência ou armas de assalto, tendem a<br />

provocar ferimentos mais graves, por causa das maiores cavida¬<br />

des temporárias criadas quando o projétil passa pela cavidade<br />

peritoneal. Os projéteis podem atingir ossos (costelas, coluna<br />

vertebral ou pelve), gerando fragmentos que também podem<br />

perfurar órgãos internos. Ferimentos por armas brancas têm<br />

menor probabilidade de penetrar a cavidade peritoneal do que<br />

projéteis disparados por revólveres, rifles ou pistolas.<br />

Quando ocorre penetração do peritônio, as armas brancas<br />

lesionam mais frequentemente o fígado (40%), o intestino del¬<br />

gado (30%), o diafragma (20%) e o cólon (15%), ao passo que<br />

as armas de fogo atingem mais comumenle o intestino delgado<br />

(50%), o cólon (40%), o fígado (30%) e os vasos abdominais<br />

(25%).' Dada a musculatura mais espessa das costas, os ferimen¬<br />

tos penetrantes de dorso têm menor probabilidade de resultar<br />

em lesões de estruturas intraperitoneais do que os ferimentos de<br />

parede anterior do abdome. De modo geral, apenas cerca de 15%<br />

dos doentes com ferimentos abdominais por armas brancas pre¬<br />

cisam de intervenção cirúrgica, enquanto aproximadamente 85%<br />

dos doentes com ferimentos por armas de fogo requerem cirur¬<br />

gia para tratamento definitivo das lesões abdominais. Ferimentos<br />

tangenciais por armas de fogo podem atravessar o subcutâneo e<br />

não entrar na cavidade peritoneal. Explosivos também podem<br />

arremessar fragmentos que penetram no peritônio e provocam<br />

lesões nos órgãos internos.<br />

Trauma fechado. Numerosos mecanismos levam a forças de<br />

compressão e cisalhamento que podem lesionar os órgãos<br />

abdominais. Um doente pode ser submetido a forças conside¬<br />

ráveis de desaceleração ou de compressão quando envolvido<br />

em colisões de carro ou de motocicleta? ao ser atropelado por<br />

um veículo ou ao cair de uma altura considerável. Embora os<br />

órgãos abdominais sejam mais frequentemente lesionados em<br />

eventos que envolvem grande quantidade de energia cinética,<br />

como observado na desaceleração rápida ou em compressões<br />

graves, as lesões abdominais podem ser resultantes de meca¬<br />

nismos de aparência mais inócua, como agressões físicas,<br />

quedas de um lance de escadas e atividades esportivas (p. ex.,<br />

ser barrado no futebol americano). Todos os dispositivos ou<br />

equipamentos de proteção utilizados pelo doente devem ser<br />

observados, incluindo cintos de segurança, airbcigs ou roupas<br />

esportivas acolchoadas.<br />

A compressão de um órgão sólido pode resultar em racha<br />

dura de sua estrutura (p. ex., laceração hepática), ao passo que<br />

ÿas mesmas forças atuando sobre uma estrutura oca, como uma<br />

alça de intestino, podem fazer com que a estrutura se rompa<br />

por explosão ("ruptura"). As forças de cisalhamento podem<br />

resultar em esgarçamento das estruturas nos locais de fixação<br />

a outras estruturas, como no local em que o intestino delgado,<br />

que tem maior mobilidade, se liga ao cólon ascendente, queé<br />

fixo no retroperitônio. Os órgãos mais frequentemente lesio¬<br />

nados no trauma abdominal fechado são o baço (40% a 55%),<br />

o fígado (35% a 45%) e o intestino delgado (5% a 10%). Nem<br />

todas as lesões de órgãos sólidos precisam de intervenção<br />

cirúrgica.


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 323<br />

História<br />

A história pode ser obtida do doente, da família ou de teste¬<br />

munhas e deve ser documentada na ficha de atendimento do<br />

doente (FAD) e passada para o hospital que recebê-lo. Além dos<br />

componentes SAMPLA (sintomas, alergias e idade,medicações,<br />

passado médico e antecedentes cirúrgicos, líquidos e alimentos,<br />

ambiente e eventos que precederam o trauma), outras perguntas<br />

devem ser adaptadas ao tipo de lesão. As perguntas relaciona¬<br />

das às colisões de veículos motorizados (CVM) incluem:<br />

Tipo de colisão e posição do doente no veículo<br />

Extensão do dano ao veículo, incluindo danos no com¬<br />

partimento de passageiros, deformidade do volante e<br />

necessidade de retirada demorada<br />

Uso de dispositivos de segurança, incluindo cinto de<br />

segurança, acionamento de air bags e a presença de<br />

cadeirinhas de criança<br />

As perguntas relacionadas aos ferimentos penetrantes in¬<br />

cluem:<br />

ÿ<br />

Tipo de arma (pistola vs. rifle, calibre, comprimento da<br />

faca)<br />

FIGURA 12-7<br />

Tratamento Não Operatório de<br />

Lesões de Órgãos Sólidos<br />

Nos centros de trauma modernos, a suspeita de lesões de baço,<br />

fígado ou rim já não implica exploração cirúrgica obrigatória. A<br />

experiência demonstrou que muitas dessas lesões param de<br />

sangrar antes de causarem choque e depois cicatrizam sem<br />

necessidade de reparo cirúrgico. Pesquisas realizadas nos<br />

últimos 15 anos demonstraram que mesmo lesões significativas<br />

de órgãos sólidos podem ser observadas com segurança,<br />

desde que o doente não esteja em choque hipovolêmico nem<br />

tenha peritonite. Os doentes são internados no hospital para<br />

monitoração rigorosa de sinais vitais, hemograma e exame<br />

abdominal, inicialmente em unidade de terapia intensiva. A<br />

vantagem dessa abordagem é evitar que o doente seja submetido<br />

a cirurgia possivelmente desnecessária. Uma vez que o baço<br />

desempenha um papel importante no combate a infecções,<br />

sua remoção (esplenectomia) predispõe ao desenvolvimento<br />

de determinadas infecções bacterianas, principalmente em<br />

crianças. 0 tratamento não operatório bem-sucedido dessas<br />

lesões foi descrito inicialmente em trauma esplénico em<br />

crianças, mas essa abordagem é agora frequentemente utilizada<br />

em doentes adultos, assim como em lesões hepáticas e renais.<br />

Resultados recentes indicam que, no trauma fechado, cerca de<br />

50% das lesões esplénicas e 67% das lesões hepáticas podem<br />

sertratadas desse modo, com taxas de sucesso que vão de 70%<br />

até mais de 90%. 13<br />

0 risco de insucesso dessa técnica (ressangramento levando<br />

a choque que exija intervenção cirúrgica) é maior nos primeiros<br />

7 a 10 dias após o trauma. Os socorristas devem conhecer essa<br />

abordagem, já que podem ser chamados para atender doentes<br />

que apresentam novo sangramento após a alta hospitalar.<br />

0 Número de vezes que o doente foi atingido por arma de<br />

fogo ou por arma branca<br />

h<br />

Quantidade de sangue no local<br />

Exame Físico<br />

Avaliação Primária<br />

As lesões abdominais mais graves apresentam como anormalida¬<br />

des identificadas na avaliação primária, principalmente durante<br />

a avaliação da respiração e da circulação. A menos que existam<br />

lesões associadas, os doentes com trauma abdominal geralmente<br />

apresentam via aérea permeável. As alterações encontradas na<br />

avaliação da respiração, da circulação e do estado neurológico<br />

têm correlação com o grau de choque apresentado pelo doente.<br />

Os doentes com choque inicial compensado podem apresen¬<br />

tar discreto aumento da frequência respiratória, enquanto os<br />

doentes em choque hipovolêmico grave apresentam taquipneia<br />

acentuada. A ruptura de um hemidiafragma muitas vezes com¬<br />

promete a ventilação, e podem ser ouvidos ruídos hidroaéreos<br />

no tórax, ao auscultar o murmúrio vesicular. De maneira simi¬<br />

lar, o choque decorrente da hemorragia intra-abdominal pode<br />

variar desde taquicardia discreta, com poucos outros achados,<br />

até taquicardia grave, hipotensão acentuada e pele fria, pálida<br />

e pegajosa.<br />

O indicador mais conjiúvel de sangramento intra-abdomi¬<br />

nal é a presença de choque de origem não explicada.1 Ao ava¬<br />

liar o estado neurológico de doentes em choque compensado<br />

decorrente de trauma abdominal, o socorrista pode notar ape¬<br />

nas sinais sutis, como leve ansiedade ou agitação, ao passo que<br />

os doentes com hemorragia com risco de vida podem apresentar<br />

depressão acentuada do nível de consciência. Caso sejam obser¬<br />

vadas anormalidades na avaliação desses sistemas e durante o<br />

preparo para o transporte imediato, o abdome deve ser exposto<br />

e examinado à procura de evidências de trauma, como escoria¬<br />

ções ou ferimentos penetrantes.<br />

Avaliação Secundária<br />

Durante a avaliação secundária, o abdome é examinado com<br />

mais detalhes. Esse exame envolve principalmente a inspeção e<br />

a palpação do abdome e deve ser feito de maneira sistemática.<br />

A Figura 12-8 lista os achados de exame físico compatíveis com<br />

a presença da peritonite.<br />

FIGURA 12-8<br />

Achados de Exame Físico<br />

que Sugerem Diagnóstico<br />

de Peritonite<br />

Sinais peritoneais<br />

e Dor abdominal significativa à palpação ou com a tosse<br />

(localizada ou generalizada)<br />

b Defesa involuntária<br />

a Dorà percussão<br />

Ruídos hidroaéreos diminuídos ou ausentes


324 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 12-9 "Sinal do cinto de segurança" resultante da<br />

desaceleração do doente contra o cinto de segurança abdominal.<br />

Inspeção. O abdome é examinado à procura de lesões de partes<br />

moles e de distensão. A lesão intra-abdominal pode ser suspei¬<br />

tada quando se observa lesão de partes moles no abdome, nos<br />

flancos ou no dorso. Essas lesões podem ser contusões, abrasões,<br />

ferimentos por arma de fogo ou arma branca, sangramentos evi¬<br />

dentes e achados incomuns, como evisceração, objetos encrava¬<br />

dos ou marcas de pneus. O sinal do "cinto de segurança" (equi¬<br />

mose ou abrasão abdominal, resultante da compressão da parede<br />

abdominal contra o cinto de ombro ou abdominal) indica que foi<br />

aplicada força significativa sobre o abdome (Fig. 12-9). Embora<br />

a incidência de lesões intra-abdominais em doentes adultos que<br />

apresentam sinais de cinto de segurança seja de cerca de 20%,<br />

essa incidência pode se aproximar de 50% em crianças. As<br />

lesões associadas a esses equipamentos de restrição geralmente<br />

acometem o intestino e o mesentério e muitas vezes têm apre¬<br />

sentação tardia. O sinal de Grey-Turner (equimose que acomete<br />

os flancos) e o sinal de Cullen (equimose ao redor do umbigo)<br />

indicam sangramento retroperitoneal; no entanto, esses sinais<br />

podem não aparecer nas primeiras horas após a lesão.<br />

Deve-se examinar o contorno do abdome, avaliando se ele<br />

está plano ou distendido. A distensão do abdome pode indicar<br />

hemorragia interna significativa; no entanto, a cavidade abdomi¬<br />

nal do adulto pode conter até 1,5 litro de líquido sem apresentar<br />

sinais de distensão. A distensão abdominal também pode ser<br />

consequência de o estômago estar cheio de ar, como pode acon¬<br />

tecer durante a ventilação artificial com máscara e ambu. Embora<br />

esses sinais possam indicar lesão intra-abdominal, alguns doen¬<br />

tes com lesão interna significativa podem não os apresentar.<br />

Palpação. A palpação do abdome é feita para identificar áreas<br />

dolorosas. De maneira ideal, a palpação deve ser iniciada por<br />

uma área na qual o doente não se queixe de dor. A seguir, palpam-se<br />

todos os quadrantes do abdome. Durante a palpação<br />

de uma área dolorosa, o socorrista pode observar que o doente<br />

"contrai" os músculos abdominais naquela região. Essa reação,<br />

denominada defesa voluntária, serve para proteger o doente<br />

contra a dor decorrente da palpação. A defesa involuntária<br />

representa rigidez ou espasmo dos músculos da parede abdomi¬<br />

nal em resposta à peritonite. Ao contrário da defesa voluntária,<br />

a defesa involuntária permanece quando o doente está distraído<br />

(p. ex., durante a conversa) ou quando o abdome é palpado de<br />

maneira sub-reptícia (p. ex., com a pressão sobre o estetoscópio<br />

enquanto se parece auscultar os ruídos hidroaéreos). Embora a<br />

presença da descompressão brusca seja há muito tempo con¬<br />

siderada um indicador importante de peritonite, muitos cirur¬<br />

giões consideram, atualmente, que essa manobra - pressionar<br />

profundamente o abdome e, em seguida, liberar rapidamente a<br />

pressão- provoca dor excessiva. Se a descompressão brusca for<br />

positiva, o doente terá dor mais intensa ao ser liberada a pressão<br />

sobre o abdome.<br />

A palpação profunda ou agressiva de um abdome com lesão<br />

evidente deve ser evitada, porque ela pode deslocar coágulos<br />

sanguíneos e reiniciar o sangramento existente, podendo tam¬<br />

bém derramar o conteúdo do TGI, se houver perfuração. Tam¬<br />

bém se deve ler muito cuidado durante a palpação, caso exista<br />

um objeto encravado no abdome. Embora a dor constitua um<br />

indicador importante de lesão intra-abdominal, vários fatores<br />

podem confundir a avaliação da dor. Os doentes com alteração<br />

do nível de consciência, como os que têm lesão cerebral trau¬<br />

mática ou estão sob a influência de drogas ou álcool, podem<br />

ler um exame não confiável, ou seja, o doente pode não referir<br />

dor ou resposta à palpação mesmo na presença de lesões inter¬<br />

nas significativas. Os doentes pediátricos e geriátricos têm maior<br />

probabilidade de apresentar exame abdominal não confiável por<br />

causa da alteração da resposta à dor. Por outro lado, os doen¬<br />

tes com fratura das costelas inferiores ou de bacia podem ter<br />

exame duvidoso, pois a dor pode ser decorrente tanto das fraturas<br />

associadas como de lesões internas. Quando o doente apre¬<br />

senta dor decorrente de lesões que desviam a atenção, como as<br />

fraturas de membros ou de coluna, a palpação pode não causar<br />

dor abdominal.<br />

A bacia deverá ser cuidadosamente palpada para pesquisar<br />

instabilidade e dor. Isso é feito em três etapas: (1) pressionar<br />

as cristas ilíacas para dentro, (2) pressionar as cristas ilíacas<br />

para fora e (3) pressionar a sínfise púbica para trás. Quando se<br />

observa instabilidade, não se deve palpar mais a bacia, pois isso<br />

pode resultar em hemorragia adicional significativa.<br />

Ausculta. A hemorragia e o derramamento de conteúdo intes¬<br />

tinal na cavidade peritoneal podem resultar em íleo, condição<br />

na qual o peristaltismo intestinal é interrompido. Isso faz com<br />

que o abdome seja "silencioso", por diminuição ou ausência<br />

de ruídos hidroaéreos. A ausculta dos ruídos hidroaéreos geral¬<br />

mente não é útil na avaliação pré-hospitalar. Não se deve perder<br />

tempo tentando verificar se eles estão presentes ou ausentes, já<br />

que esse sinal não muda o tratamento pré-hospitalar do doente.<br />

Quando se escutam ruídos hidroaéreos no tórax durante a aus¬<br />

culta dos pulmões, deve ser considerada a possibilidade de rup¬<br />

tura diafragmática.<br />

Percussão. Embora a percussão clo abdome possa revelar sons<br />

timpânicos ou maciços, essa informação não modifica o trata¬<br />

mento pré-hospitalar do doente traumatizado. A dor significa¬<br />

tiva à percussão, ou quando se pede ao doente para tossir, repre¬<br />

senta um achado importante de peritonite. Os sinais peritoneais<br />

estão resumidos na Figura 12-8.


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 325<br />

FIGURA 12-10<br />

Avaliação Ultrassonográfica Direcionada ao Trauma (FAST)*<br />

Diafragma<br />

Pulmão<br />

1998-03-25 8553<br />

13:48:06 3 . SflHz*<br />

Spleen<br />

kidney<br />

Diaphragm<br />

gpíssr<br />

diaphragm"<br />

R15<br />

G74<br />

CO.»<br />

LUNG<br />

D 4 :ABDOMEN<br />

: J 15-27:25<br />

1CV 3. SM<br />

9/18 DVfi: 10054<br />

20Hz<br />

A. As quatro janelas utilizadas na FAST. B. Imagem esplenorrenal normal. C. Imagem esplenorrenal normal com<br />

identificação dos órgãos. D. Imagem anormal, mostrando a presença de líquido (sangue) (faixa preta próximo ao<br />

baço).<br />

A FAST é útil no paciente traumatizado, porque a maior parte das<br />

lesões intra-abdominais significativas está associada a hemorragia<br />

para a cavidade peritoneal. Embora o ultrassom não possa diferenciar<br />

o tipo de líquido presente, presume-se que qualquer líquido no<br />

paciente traumatizado seja sangue.<br />

TÉCNICA<br />

ÿ<br />

São observadas quatro janelas acústicas, três das quais<br />

avaliam a cavidade peritoneal:<br />

1. Janela pericárdica<br />

2. Janela peri-hepática (espaço de Morrison)<br />

3. Janela periesplênica<br />

4. Janela pélvica<br />

ÿ O líquido acumulado aparece anecoico (escuro pelo ultrassom)<br />

h A presença de líquido em uma ou mais áreas indica exame<br />

positivo<br />

VANTAGENS<br />

s Pode ser feito rapidamente<br />

a Pode ser feito à beira do leito<br />

b Não interfere na reanimação<br />

h Não é invasivo<br />

b É mais barato que a tomografia computadorizada<br />

DESVANTAGENS<br />

b O resultado pode estar comprometido nos pacientes obesos,<br />

nos pacientes com enfisema subcutâneo ou nos que têm<br />

cirurgia abdominal prévia<br />

s O resultado do exame depende muito do operador (médico<br />

radiologista)<br />

'A FAST foi estudada em vários sistemas pré-hospilalares.' I!


326 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Exames Especiais e Principais Indicadores<br />

A avaliação e, em muitos casos, a intervenção cirúrgica con¬<br />

tinuam sendo uma necessidade fundamental na maioria das<br />

lesões abdominais; não se deve perder tempo na tentativa de<br />

determinar os detalhes exatos da lesão. Em muitos doentes, a<br />

identificação da lesão orgânica específica só será revelada pela<br />

tomografia computadorizada (TC) ou pela exploração cirúrgica<br />

do abdome.<br />

No pronto-socorro, o ultrassom tornou-se a principal ferra¬<br />

menta para avaliar a presença de hemorragia intra-abdominal<br />

no doente traumatizado, à beira do leito.1'3 A avaliação ultrassonográfica<br />

direcionacla ao trauma (FAST) envolve três janelas da<br />

cavidade peritoneal e uma quarta janela do pericárdio, para ava¬<br />

liar a presença de líquido, presumivelmente sangue. Uma vez<br />

que o líquido não reflete as ondas de ultrassom de volta para o<br />

aparelho, ele aparece como anecoico (preto à ultrassonografia).<br />

A presença de líquido em uma ou mais áreas é preocupante;.a<br />

ultrassonografia, porém, não consegue diferenciar o sangue de<br />

outros fluidos (ascite, urina etc.). Comparada a outras técnicas<br />

usadas na avaliação da cavidade peritoneal, a FAST pode ser<br />

rapidamente realizada à beira do leito do doente, não interfere<br />

na reanimação, não é invasiva e apresenta custo menor do que<br />

a tomografia. A principal desvantagem da FAST é que ela não<br />

diagnostica definitivamente a lesão, mas indica apenas a pre¬<br />

sença de líquido, que pode ser sangue. Outras desvantagens<br />

são que a obtenção da imagem é dependente da habilidade e da<br />

experiência do operador e que sua utilidade está comprometida<br />

em doentes obesos, na presença de enfisema de subcutâneo e em<br />

doentes que já foram submetidos a cirurgias.<br />

Por causa da facilidade do uso e da melhora da tecnologia<br />

do ultrassom, alguns serviços terrestres e aéreos de emergência<br />

médica e algumas equipes militares exploraram o uso da FAST<br />

no pré-hospitalar. Mostrou-se que a FAST pode ser feita no préhospitalar,<br />

mas os dados publicados não demonstraram que o<br />

uso dessa tecnologia resulte em melhor evolução dos doentes<br />

com trauma abdominal.6'10 Assim, o uso da FAST não é reco¬<br />

mendado como rotina no atendimento pré-hospitalar,principal¬<br />

mente porque ele pode retardai1o transporte para o hospital.<br />

Apesar de todos esses diferentes recursos, a avaliação do<br />

trauma abdominal pode ser difícil. A seguir estão os principais<br />

indicadores para estabelecer o índice de suspeição para lesão<br />

abdominal:<br />

h<br />

s<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Sinais óbvios de trauma (p. ex., lesão de partes moles,<br />

ferimentos por arma de fogo)<br />

Presença de choque hipovolêmico sem causa evidente<br />

Grau de choque maior do que o que pode ser explicado<br />

por outras lesões (p. ex., fraturas, hemorragia externa)<br />

Presença de sinais de irritação peritoneal<br />

Anormalidades nas funções vitais, identificadas na avalia¬<br />

ção primária, são tratadas durante o transporte. Administra-se<br />

oxigénio suplementar para manter a saturação em 95% ou<br />

mais e faz-se o suporte ventilatório conforme o necessário. A<br />

hemorragia externa é controlada por compressão direta ou por<br />

curativo compressivo. Se o doente tiver sido vítima de trauma<br />

fechado, é feita imobilização em prancha longa. Vítimas de<br />

traumas penetrantes de tronco não necessitam de imobilização<br />

de coluna.<br />

O doente é rapidamente imobilizado, e o transporte é ini¬<br />

ciado. Uma vez que os doentes com trauma abdominal com<br />

frequência precisam de intervenção cirúrgica para controle da<br />

hemorragia interna e reparo das lesões, eles devem ser levados<br />

para instituições que possuam capacidade cirúrgica imediata,<br />

como um centro de trauma, se disponível, quando forem obser¬<br />

vados os seguintes achados: evidência de trauma abdominal<br />

associado a hipotensão ou a sinais peritoneais, ou presença de<br />

evisceração ou objeto encravado. O encaminhamento do doente<br />

com lesões intra-abdominais para uma instituição que não<br />

possui centro cirúrgico (CC) nem equipe cirúrgica disponíveis<br />

anula o propósito do transporte rápido. Em ambientes rurais, em<br />

que não há hospitais com cirurgiões gerais, deve-se considerara<br />

possibilidade de transferência direta para um centro de trauma,<br />

por terra ou pelo ar. A intervenção cirúrgica precoce é a chave<br />

para a sobrevida do doente instável com trauma abdominal.<br />

Durante o transporte, obtém-se acesso intravenoso (IV). A<br />

decisão de administrar líquido cristalóide durante o transporte<br />

depende da apresentação clínica do doente. O trauma abdomi¬<br />

nal é uma das principais situações nas quais está indicada a rea¬<br />

nimação balanceada. Como discutido no Capítulo 8, a adminis¬<br />

tração agressiva de líquido por via intravenosa pode resultarem<br />

recidiva do sangramento que tinha parado, por causa da coagu¬<br />

lação do sangue e da hipotensão. Assim, os socorristas precisam<br />

chegar a um delicado equilíbrio: manter a pressão arterial para<br />

perfusão de órgãos vitais, sem a restaurar para o normal (que<br />

pode reiniciar o sangramento abdominal). Na ausência de lesão<br />

cerebral traumática, a pressão sistólica deve ser mantida em 80<br />

a 90 mmHg (pressão arterial média [PAM] de 60 a 65 mmHg).<br />

Em doentes com suspeita de sangramento intra-abdominal e<br />

lesão cerebral traumática, a pressão sistólica deve ser mantida<br />

em, pelo menos, 90 mmHg.<br />

Durante o transporte prolongado de um doente com suspeita<br />

de trauma abdominal ou fratura pélvica, pode ser considerado<br />

o uso da calça pneumática antichoque (PASG, de pneumatic<br />

antishock garment), se o doente estiver em choque descom¬<br />

pensado (Cap. 8). A insuflação do compartimento abdominal é<br />

conlraindicada em doentes com comprometimento respiratório<br />

évidenle, na presença de evisceração, objeto encravado ou sus¬<br />

peita de ruptura diafragmática e em gestantes.<br />

Tratamento<br />

Os principais aspectos do tratamento pré-hospitalar do trauma<br />

abdominal consistem no reconhecimento da presença de possí¬<br />

vel lesão e no início do transporte rápido e apropriado para a<br />

instituição mais próxima que seja capaz de tratar o doente.<br />

Considerações Especiais<br />

Objetos Encravados<br />

Visto que a remoção de um objeto encravado pode causar mais<br />

lesão e a extremidade distal do objeto pode estar controlando


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 327<br />

FIGURA 12-11<br />

Faca encravada no abdome.<br />

FIGURA 12-12 Intestino delgado eviscerado através de<br />

ferimento na parede abdominal.<br />

Trauma na Gestante<br />

Alterações Anatómicas e Fisiológicas<br />

A gravidez causa alterações anatómicas e fisiológicas nos sis¬<br />

temas do organismo. Essas alterações podem afetar o padrão<br />

de lesões e fazer com que a avaliação da gestante se torne um<br />

grande desafio. O socorrista está lidando com dois ou mais<br />

doentes e deve estar atento às alterações que ocorrem na anato¬<br />

mia e na fisiologia da mãe ao longo da gravidez.<br />

Em geral, uma gravidez humana dura em torno de 40 sema¬<br />

nas desde a concepção até o nascimento, e esse período é divi¬<br />

dido em três partes, ou trimestres. O primeiro trimestre termina<br />

em torno da 12- semana de gestação, e o segundo trimestre é<br />

ligeiramente mais longo que os outros dois, terminando em<br />

torno da 28a semana.<br />

Após a concepção e o implante do feto, o útero continua a<br />

aumentar até a 38- semana de gestação. Até aproximadamente a<br />

12- semana, o útero em crescimento permanece protegido pela<br />

pelve óssea. Em torno da 20- semana de gestação, a ponta do<br />

útero (fundo) fica no nível do umbigo e o fundo aproxima-se do<br />

processo xifoide em torno da 38u semana. Essa alteração anaativamente<br />

(tamponando) o sangramento, sua remoção no préhospitalar<br />

é contraindicada (Fig. 12-11). O socorrista não deve<br />

mover nem remover objetos encravados no abdome. No hospi¬<br />

tal, esses objetos não são retirados antes que sua forma e locali¬<br />

zação tenham sido identificadas radiologicamente e que a repo¬<br />

sição de sangue e a equipe cirúrgica estejam presentes e prontas.<br />

Muitas vezes, esses objetos são removidos no centro cirúrgico.<br />

0 socorrista deve estabilizar o objelo encravado e imobilizá-lo,<br />

manual ou mecanicamente, para evitar que ele se mexa mais,<br />

no local ou durante o transporte. Em algumas circunstâncias, o<br />

objeto pode precisar ser cortado, para soltar o doente e permitir<br />

o transporte para o centro de trauma. Se houver sangramento<br />

em volta do objeto, deve ser feita compressão direta em volta<br />

do ferimento, com a palma da mão, em torno do objeto. O apoio<br />

psicológico ao doente é fundamental, especialmente se o doente<br />

puder ver o objeto encravado.<br />

0 abdome não deve ser palpado nem percutido nesses<br />

doentes, pois isso pode provocar mais lesão orgânica pela ponta<br />

distal do objeto. É desnecessário continuar o exame, já que a<br />

presença do objeto encravado obriga que o doente seja tratado<br />

por um cirurgião.<br />

Evisceração<br />

Ocorre evisceração quando um segmento do intestino ou de<br />

outro órgão abdominal sai através de um ferimento e fica fora<br />

da cavidade abdominal (Fig. 12-12). O tecido mais comumente<br />

observado é o epíplon, que fica na frente do intestino. Não se<br />

deve tentar colocar o tecido eviscerado de volta na cavidade<br />

abdominal. As vísceras devem ser mantidas na superfície do<br />

abdome ou para fora, como encontradas. Deve-se proteger a por¬<br />

ção eviscerada do intestino ou de outro órgão, para que não sofra<br />

mais lesão. A maior parle do conteúdo abdominal necessita de<br />

ambiente úmido. Se o intestino ou algum dos outros órgãos<br />

abdominais ficar seco, ocorre morte celular. Por isso, o conteúdo<br />

abdominal eviscerado deve ser coberto com curativo limpo ou<br />

estéril umedecido com solução salina (pode ser usado o soro<br />

fisiológico normal). Esses curativos devem ser periodicamente<br />

reumedecidos com solução salina para evitar que sequem. Por<br />

cima do curativo umedecido, pode-se fazer um curativo grande<br />

seco, para manter o doente aquecido.<br />

O suporte psicológico é extremamente importante para<br />

os doentes com evisceração, tomando o cuidado de manter o<br />

doente tranquilo. Qualquer ação que aumente a pressão dentro<br />

do abdome, como choro, grito ou tosse, pode empurrar mais os<br />

órgãos para fora. Esses doentes devem ser rapidamente trans¬<br />

portados para uma instituição que possa fazer cirurgia.


328 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

I<br />

FIGURA 12-13<br />

Altura do fundo uterino.<br />

tômica torna o útero e seu conteúdo mais suscetíveis tanto a<br />

trauma fechado quanto a ferimentos penetrantes (Fig. 12-13).<br />

As lesões no útero podem ser ruptura, ferimentos penetrantes,<br />

descolamento de placenta (quando parte da placenta se solta da<br />

parede uterina) e rotura prematura de membranas (Fig. *12-14).<br />

O útero gravídico e a placenta são muito vascularizados; a lesão<br />

dessas estruturas pode provocar hemorragia intensa. Como a<br />

hemorragia também pode ficar contida dentro do útero ou da<br />

cavidade peritoneal, ela pode não ser externamente visível.<br />

Embora a protuberância acentuada do abdome seja óbvia no<br />

final da gravidez, os órgãos abdominais, à exceção do útero, per¬<br />

manecem basicamente inalterados. O intestino,que é deslocado<br />

para cima, fica protegido pelo útero nos dois últimos trimestres<br />

da gestação. O aumento do volume e do peso do útero altera o<br />

centro de gravidade da gestante e aumenta o risco de quedas.<br />

Por causa da sua proeminência, o abdome gravídico é frequen¬<br />

temente lesionado nas quedas.<br />

Além dessas alterações anatómicas, ocorrem também altera¬<br />

ções fisiológicas durante toda a gravidez. A frequência cardíaca I<br />

da gestante normalmente aumenta ao longo da gravidez, sendo<br />

15 a 20 batimentos por minuto acima do normal no terceiro tri¬<br />

mestre. Isso dificulta a interpretação de taquicardia. As pressões<br />

arteriaissistólica ediastólica reduzem-se de 5 a 15mmHgdurante<br />

o segundo trimestre, mas voltam ao normal no final da gravidez.<br />

Pela '10- semana de gravidez, o débito cardíaco aumenta de 1<br />

a 1,5 litro por minuto. Até o termo da gestação, o volume san¬<br />

guíneo materno aumenta 50%. Por cousa desse aumento, pode :<br />

ocorrer perda de 30% a 35% do volume sanguíneo materno sem<br />

que apareçam sinais ou sintomas de hipovolemia. O choque i<br />

hipovolêmico pode induzir o parto prematuro em doentes no<br />

terceiro trimestre de gestação. A oxitocina, liberada juntamente<br />

com o hormônio antidiurético (ADH) em resposta à perda de<br />

volume sanguíneo circulante, estimula as contrações uterinas.<br />

Algumas mulheres podem ter hipotensão supina acentuada.<br />

Essa condição ocorre tipicamente no terceiro trimestre e é cau- !<br />

sada pela compressão da cava pelo útero. Isso diminui dras- [<br />

ticamenle o retorno venoso para o coração e, como há menor !<br />

enchimento, o débito cardíaco e a pressão arterial reduzem-se [<br />

(Fig. 12-15). Para melhorar a hipotensão supina, podem ser<br />

empregadas as seguintes manobras:<br />

1. A doente pode ser colocada deitada sobre o lado esquerdo<br />

(decúbito lateral esquerdo); se houver indicação de<br />

imobilização de coluna, deve-se elevar o lado direito da<br />

prancha em 10 a *15 cm (Fig. *12-16).<br />

2. Se a doente não puder ser rodada, deve-se elevar a perna<br />

direita para deslocar o útero para a esquerda.<br />

3. O útero pode ser empurrado manualmente para o lado<br />

esquerdo da doente.<br />

ÿs<br />

Essas três manobras reduzem a compressão sobre a veia ;<br />

cava, aumentando o retorno venoso para o coração e melho¬<br />

rando o débito cardíaco.<br />

Durante o terceiro trimestre, a elevação do diafragma pode |<br />

causar dispneia leve, especialmente se a doente ficar<br />

ÿ<br />

em decúbito<br />

dorsal horizontal. O peristaltismo (movimentos propulsi- !<br />

FIGURA 12-14 Diagrama de trauma uterino: A. Descolamento de placenta, B. Útero atingido por projétil de arma de fogo,<br />

C. Ruptura uterina.


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 329<br />

Veia cava<br />

inferior<br />

FIGURA 12-15<br />

Útero de termo comprimindo a veia cava.<br />

L ::.... . : 'W MMÊ. ...<br />

FIGURA 12-16 Fotografia de gestante imobilizada, virada de<br />

lado.<br />

vos do intestino) está diminuído, de modo que a comida pode<br />

ficar no estômago por muitas horas após a alimentação. Por isso,<br />

a grávida tem risco aumentado de vomitar e aspirar.<br />

A eclampsia é uma complicação do final da gravidez.<br />

Enquanto a pré-eclâmpsici se caracteriza por edema e hiperten¬<br />

são, a eclampsia é caracterizada por alterações do estado mental<br />

e por convulsões, podendo mimetizar a lesão cerebral traumá¬<br />

tica. E importante fazer uma avaliação neurológica cuidadosa e<br />

investigar se a doente teve complicações na gravidez ou se tem<br />

outros problemas de saúde.11,12<br />

Avaliação<br />

Em si, a gravidez não altera a via aérea da mãe, porém pode<br />

ocorrer desconforto respiratório significativo quando uma<br />

doente no terceiro trimestre de gravidez é colocada em decúbito<br />

dorsal sobre uma prancha longa. A diminuição do peristaltismo<br />

do trato gastrointestinal torna mais prováveis o vomito e a aspi¬<br />

ração. Deve ser avaliada a permeabilidade da via aérea e a fun¬<br />

ção pulmonar, o que inclui a ausculta do murmúrio vesicular e<br />

amonitoração da oximetria de pulso.<br />

Da mesma forma que o hemoperitônio de outras etiologias,<br />

o sangramento intra-abdominal associado a lesão uterina pode<br />

não causar peritonite por várias horas. É mais provável que a<br />

perda sanguínea decorrente de qualquer lesão seja mascarada<br />

pelo aumento do débito cardíaco e do volume sanguíneo, pró¬<br />

prios da gravidez. Portanto, um alto índice de suspeição e a<br />

pesquisa de alterações sutis (p. ex., coloração da pele) podem<br />

fornecer indícios importantes. Em geral, a condição do feto<br />

depende da condição da mãe; entretanto, o feto pode estar em<br />

sofrimento mesmo que as condições maternas e os sinais vitais<br />

pareçam hemodinamicamente normais. Isso acontece porque o<br />

corpo desvia o sangue do útero (e do feto) para os órgãos vitais.<br />

As alterações neurológicas deverão ser observadas e documen¬<br />

tadas, embora a etiologia exata possa não ser identificável no<br />

pré-hospitalar.<br />

Como na doente não grávida, a ausculta dos ruídos hidroaéreos<br />

geralmente não é útil no pré-hospitalar. De modo similar,<br />

também não é útil passar valiosos minutos procurando os bati¬<br />

mentos cardíacos fetais na cena; sua presença ou ausência não<br />

irá modificar o tratamento pré-hospitalar. A genitália externa<br />

deve ser examinada, à procura de evidências dfc sangramento<br />

vaginal. Deve-se perguntar se a doente tem contrações uterinas<br />

e se sente os movimentos fetais. As contrações podem indi¬<br />

car que o parto prematuro foi iniciado, enquanto a redução na<br />

movimentação fetal pode ser um sinal muito preocupante.<br />

Tratamento<br />

No caso da grávida traumatizada, a melhor forma de assegurar<br />

a sobrevida do feto é cuidar bem da mãe. Basicamente, para<br />

que o feto sobreviva, em geral a mãe precisa sobreviver. É pru¬<br />

dente antecipar a possibilidade de vómito e ter um aspirador<br />

por perlo. A prioridade deve ser garantir a permeabilidade da<br />

via aérea e dar suporte ventilatório. Deve ser administrado oxi¬<br />

génio suficiente para manter a saturação em 95% ou mais. Pode<br />

haver necessidade de suporte ventilatório, principalmente nos<br />

estágios mais avançados da gravidez.<br />

As metas do tratamento de choque são praticamente idênti¬<br />

cas às metas para qualquer doente e incluem a administração de<br />

líquidos intravenosos, principalmente se houver evidência de<br />

choque descompensado. Qualquer evidência de sangramento<br />

vaginal ou a presença de um abdome rígido, em tábua, com<br />

sangramento externo, no último trimestre da gravidez, podem<br />

indicar descolamento de placenta ou rotura de útero. Essas<br />

condições ameaçam não somente a vida do feto, mas também a<br />

da mãe, pois pode ocorrer rapidamente exsanguinação. Não há<br />

dados seguros para definir a melhor pressão arterial que deve


330 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ser mantida na grávida traumatizada. No entanto, a restaura¬<br />

ção das pressões arteriais sistólica e média para valores normais<br />

provavelmente resultará em melhor perfusão fetal, apesar do<br />

risco de aumentar a hemorragia interna na mãe.<br />

O transporte do gestante traumatizada não deve ser retar¬<br />

dado. Toda grávida traumatizada deve ser transportada com<br />

rapidez - mesmo que pareça ter apenas lesões leves - para o<br />

hospital apropriado mais próximo. O ideal é que seja um hos¬<br />

pital com disponibilidade imediata tanto de cirurgião quanto<br />

de obstetra. A reanimação adequada da mãe é a chave para a<br />

sobrevivência da mãe e do feto.<br />

Lesões Genitourinárias<br />

As lesões de rins, ureteres e bexiga geralmente causam hema¬<br />

túria. Esse sinal não será percebido se não for passada sonda<br />

vesical. Como os rins recebem uma parte significativa do débito<br />

cardíaco, a lesão desses órgãos, tanto por trauma fechado<br />

quanto por ferimentos penetrantes, pode causar hemorragia<br />

retroperitoneal com risco de vida. As fraturas de bacia podem<br />

estar associadas a lacerações da bexiga e das paredes da vagina<br />

ou do reto. Fraturas expostas de bacia, como aquelas coin lacera¬<br />

ções profundas na virilha ou no períneo, podem resultai- em grave<br />

hemorragia externa.<br />

O trauma da genitália externa pode acontecer por múlti¬<br />

plos mecanismos, embora predominem tipicamente as lesões<br />

decorrentes da ejeção de motocicleta ou automóvel, de acidente<br />

industrial, de ferimentos por arma de fogo ou de estupro. Em<br />

virtude das inúmeras terminações nervosas nesses órgãos, essas<br />

lesões estão associadas a dor significativa e a problemas psi¬<br />

cológicos. Esses órgãos também contêm inúmeros vasos san¬<br />

guíneos, podendo ocorrer sangramento abundante (Fig. 12-17).<br />

FIGURA 12-17 Ferimento por arma de fogo que atravessou<br />

o pênis e foi para a coxa direita. As lesões penianas podem se<br />

associar a hemorragia significativa.<br />

Em geral, esse sangramento pode ser controlado por compressão<br />

direta ou por curativo compressivo. Os curativos para contro¬<br />

lar o sangramento não deverão ser inseridos dentro da vagina<br />

nem na uretra, principalmente nas mulheres grávidas. Se não<br />

for necessário compressão para controlar a hemorragia, essas<br />

lesões deverão ser cobertas com gaze úmida e limpa, embebida<br />

em soro fisiológico. Quaisquer partes amputadas deverão ser<br />

tratadas conforme descrito no Capítulo 13. A avaliação adicio¬<br />

nal de todas as lesões genitais deverá ser feita no hospital.<br />

RESUMO<br />

As lesões intra-abdominais muitas vezes acarretam risco<br />

de vida, por causa de hemorragia interna e derramamento<br />

de conteúdo gastrointestinal na cavidade peritoneal.<br />

A extensão das lesões internas não é passível de identifi¬<br />

cação no pré-hospitalar; por isso, o mecanismo de trauma,<br />

em combinação com sinais de trauma abdominal, deve<br />

aumentar o índice de suspeita do socorrista.<br />

O tratamento do doente com trauma abdominal inclui<br />

oxigenação, controle da hemorragia e rápida imobilização<br />

para transporte. A imobilização de coluna não é necessá¬<br />

ria nos casos de trauma penetrante de tronco.<br />

A reanimação balanceada com soluções cristalóides per¬<br />

mite a perfusão dos órgãos vitais, ao mesmo tempo que<br />

pode minimizar o risco de agravar a hemorragia interna.<br />

Uma vez que a intervenção cirúrgica de emergência pode<br />

salvar vidas, o doente com trauma abdominal deve ser<br />

transportado para uma instituição com capacidade cirúr¬<br />

gica imediata.<br />

O PASG pode ser útil no transporte prolongado de doen¬<br />

tes em choque descompensado com suspeita de hemorra¬<br />

gia abdominal ou pélvica.<br />

As alterações anatómicas e fisiológicas da gestação influen¬<br />

ciam o padrão de lesão, a apresentação dos sinais e sinto¬<br />

mas de trauma e o tratamento da gestante traumatizada.<br />

O tratamento de possível comprometimento fetal pelo<br />

trauma é feito mediante reanimação eficaz da mãe.


CAPÍTULO 12 Trauma Abdominal 331<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

ÿvvtrmw.<br />

doente apresenta dor à palpação das costelas inferiores<br />

esquerdas e do quadrante superior esquerdo do abdome.<br />

Esses achados podem representar lesões torácicas e/ou em<br />

órgãos intra-abdominais. Os sinais vitais são consistentes<br />

com choque hipovolêmico compensado e deve ser consi¬<br />

derada a possibilidade de hemotórax ou de sangramento<br />

intra-abdominal. É mais provável que a dor à palpação das<br />

costelas indique fratura desses ossos, associada a laceração<br />

de baço, resultando em hemorragia intraperitoneal. Deve-se<br />

administrar oxigénio e imobilizar o doente para transporte.<br />

Durante o transporte para o centro de trauma, deve se<br />

obter acesso intravenoso; porém, dada a pressão arterial do<br />

doente, deve-se administrar solução cristalóide com cautela,<br />

já que a administração agressiva de líquidos pode elevar a<br />

pressão arterial e aumentar o sangramento. ÿ<br />

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CAPITULO 13<br />

Trauma<br />

Músculoesquelético<br />

OBJETIVOS DO CAPÍTULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

/ identificar os três grupos em que podem ser classificados os doentes com lesões<br />

de extremidades e relacionar esta classificação à prioridade de atendimento.<br />

/ Descrever os exames primário e secundário em relação ao trauma de<br />

extremidades.<br />

Discutir a importância da hemorragia em fraturas expostas e fechadas de ossos<br />

longos, bacia e costelas.<br />

Identificar os cinco problemas fisiopatológicos principais associados a lesões de<br />

extremidades que podem requerer atenção no ambiente pré-hospitalar.<br />

/ Explicar o tratamento de trauma de extremidades como uma lesão isolada e na<br />

presença de trauma multissistêmico.<br />

/ Diante de um cenário envolvendo uma lesão de extremidade, selecionar o<br />

equipamento e o método de imobilização adequados.<br />

Descrever as considerações especiais envolvidas no tratamento da fratura de<br />

fémur.<br />

Descrever o tratamento das amputações.


334 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO_____<br />

IPPif<br />

Você é chamado a uma construção em que um trabalhador se queixa de dor na coxa direita após uma empilhadeira tê-lo<br />

prensado contra um contêiner. Após verificar que era seguro entrar no local, você o encontra deitado no chão. Ele é capaz<br />

de descrever a sequência de eventos que gerou a lesão, mas parece cansado, sente muita dor, apresenta-se sudoreico e<br />

pálido. Você verifica de sua via aérea está permeável e se o doente respira sem dificuldade ou obstrução, a uma frequência<br />

de 24 ventilações/minuto. O doente se queixa somente de dor na coxa direita e perda de sensibilidade e de movimentação<br />

abaixo da lesão. Seu pulso é 120, e a pressão arterial é 104/76. Ao expor o membro inferior direito, você nota aumento de<br />

volume na porção medial da coxa e encurtamento do membro, que está rodado para fora.<br />

O que a cinemática deste evento indica sobre as possíveis lesões do doente? Qual tipo de lesão este doente apresenta e<br />

quais são suas prioridades de tratamento?<br />

Alesão musculoesquelética, apesar de comum em doentes<br />

vítimas de trauma, raramente representa uma condição de<br />

risco imediato de vida. O trauma esquelético, no entanto,<br />

pode ser fatal quando produz grave perda de sangue (hemorra¬<br />

gia), seja por sangramento externo, seja por sangramento interno<br />

no membro ou no retroperitônio (no caso de acometimento da<br />

pelve).<br />

Ao tratar de um doente traumatizado grave, o socorrista<br />

tem três considerações primárias relacionadas com as lesões de<br />

extremidades:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

Manter as prioridades de avaliação. Não se distrair com<br />

lesões musculoesqueléticas dramáticas, que não acarre¬<br />

tam risco de vida (Fig. 13-1).<br />

Reconhecer lesões musculoesqueléticas potencialmente<br />

fatais.<br />

Reconhecer a cinemática que produziu as lesões muscu¬<br />

loesqueléticas e a possibilidade de existência de outras<br />

lesões com risco de vida causadas por essa transferência<br />

de energia.<br />

Se uma situação de risco de vida ou de potencial risco de<br />

vida for descoberta em qualquer local do corpo durante o exame<br />

primário (avaliação inicial), o exame secundário (história e<br />

exame físico detalhados) não deve ser iniciado. Quaisquer pro¬<br />

blemas encontrados durante o exame primário devem ser corri¬<br />

gidos, na ordem ABC, antes de passar para o exame secundário<br />

(veja discussão a seguir). Isso pode significai- o retardo do exame<br />

secundário até o transporte do doente ou mesmo até a chegada<br />

ao pronto-socorro (PS).<br />

Doentes traumatizados graves devem ser imobilizados em<br />

pranchas longas, o que permite a reanimação e o tratamento de<br />

lesões graves ou não. O uso de prancha longa permite a imobi¬<br />

lização do doente por inteiro e de todas as suas lesões em uma<br />

plataforma única, possibilitando a movimentação da vítima<br />

sem prejudicar a imobilização. Embora algumas lesões sejam<br />

mais óbvias do que outras, o socorrista deve tratar cada lesão<br />

musculoesquelética dolorosa como uma possível fratura, e imo¬<br />

bilizá-la, de modo a limitar a possibilidade de ocorrência de<br />

novas lesões e promover algum conforto e a redução da dor.<br />

FIGURA 13-1 Algumas lesões de extremidade, embora de<br />

aparência dramática, não são fatais.<br />

Anatomia e Fisiologia<br />

O entendimento da anatomia e da fisiologia geral do corpo<br />

humano é um aspecto importante do conhecimento que o socor¬<br />

rista deve ter. A anatomia e a fisiologia são as bases da avaliação<br />

e do tratamento do doente. Sem um bom domínio das estrutu¬<br />

ras ósseas e musculares, não é possível relacionar cinemática<br />

e lesões aparentes com lesões internas. Embora este livro não<br />

discuta toda a anatomia e a fisiologia do sistema musculoesquelético,<br />

ele revisa alguns conceitos básicos.<br />

O corpo humano adulto tem, aproximadamente, 206 ossos,<br />

classificados de acordo com seu formato: longos, curtos, chatos,<br />

suturais e sesamoides. Os ossos longos são o fémur, o úmero,a<br />

ulna, o rádio, a tíbia e a fibula. Os ossos curtos são os metacar-


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 335<br />

s.osmetatarsais e as falanges. Os ossos chatos são geralmente<br />

;e compactos, como o esterno, as costelas e a escápula. Os<br />

hossuturais fazem parte do crânio e localizam-se entre as arliílações<br />

de determinados ossos cranianos. Os ossos sesamoides<br />

ião ossos localizados no interior de tendões; a patela é o maior<br />

isosesamoide (Fig. 13-2).<br />

0 corpo humano possui mais de 700 músculos, que são<br />

ssificados pela função. Os músculos específicos a este capíisão<br />

os músculos voluntários ou esqueléticos. São chamaesqueléticos<br />

uma vez que movem o sistema esquelético.<br />

Os músculos dessa categoria movimentam voluntariamente as<br />

estruturas do corpo (Fig. 13-3).<br />

Outras importantes estruturas discutidas neste capítulo<br />

são os tendões e os ligamentos. Um tendão é uma banda de<br />

tecido fibroso rígido e inelástico, que conecta um músculo ao<br />

osso. É a parte branca na extremidade de um músculo, que<br />

conecta diretamente o músculo ao osso que é movimentado.<br />

Um ligamento é uma banda de tecido fibroso rígido, conec¬<br />

tando osso a osso; sua função é manter as articulações em<br />

posição.<br />

Crânio<br />

Esterno<br />

— Mandíbula-<br />

Coluna<br />

vertebral cervical<br />

. —-Clavícula-—_<br />

Escápula<br />

Coluna<br />

vertebral<br />

torácica<br />

|Costelas<br />

Úmero<br />

Costelas<br />

Coluna<br />

vertebral<br />

lombar<br />

Sacro<br />

Rádio<br />

Pelve<br />

/ Carpos -<br />

Metacarpos<br />

Coluna<br />

vertebral<br />

lombar<br />

Sacro<br />

Falanges<br />

Fémur<br />

Patela<br />

Tíbia<br />

Fibula<br />

Metatarsos<br />

Falanges<br />

FIGURA 13-2<br />

O esqueleto humano.


336 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Temporal<br />

Orbicular do olho<br />

Zigomático<br />

Bucinador<br />

Orbicular da boca<br />

Deltóide<br />

Biceps braquial<br />

Braquial<br />

Frontal<br />

Masseter<br />

Esternocleidomastóideo<br />

Peitoral<br />

maior<br />

Serrátil<br />

anterior<br />

Trapézio<br />

Deltóide<br />

Reto abdominal<br />

Oblíquo interno<br />

Oblíquo externo<br />

Transverso do abdome<br />

Braquiorradial<br />

Adutor<br />

longo<br />

Adutor<br />

maior<br />

Quadriceps _<br />

femoral<br />

Iliopsoas<br />

Reto femoral<br />

Vasto lateral<br />

- Vasto medial<br />

Sartório<br />

Linha<br />

Glúteo<br />

médio<br />

Glúteo<br />

máximo<br />

Adutor<br />

maior<br />

Grácil<br />

Triceps braquial<br />

Grande dorsal<br />

Bíceps femoral<br />

Semitendinoso<br />

Semimembranoso<br />

.Grupo<br />

tendinoso I<br />

Tibial anterior—-!<br />

Perónio longo — |<br />

Gastrocnêmio<br />

Sóleo<br />

Tendão de Aquiles<br />

pendão calcãneo)<br />

Vista anterior<br />

Vista posterior<br />

FIGURA 13-3 Principais músculos do corpo humano.<br />

(De Herlihy B, Maebius NK: The human body in health andillness,ed 2, St. Louis, 2003, Saunders.]<br />

Avaliação<br />

O trauma musculoesquelético pode ser classificado em três<br />

tipos principais:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

Lesões associadas a risco de vida resultantes de trauma<br />

musculoesquelético, tais como a hemorragia externa ou<br />

a hemorragia interna associada a fraturas pélvicas ou<br />

femorais com perda sanguínea potencialmente fatal.<br />

Trauma musculoesquelético que não acarreta risco de<br />

vida, associado a trauma multissistêmico com risco de<br />

vida (lesões associadas a risco de vida e fraturas em<br />

membros).<br />

Trauma musculoesquelético isolado, que não acarreta<br />

risco de vida (fraturas isoladas em membros).<br />

O objetivo do exame primário é identificar e tratar as lesões<br />

com risco de vida. A presença de uma lesão musculoesquelética<br />

sem risco de vida pode ser um indicador de possível trauma<br />

multissistêmico e não deve desviar a atenção do socorrista da<br />

realização de um exame primário completo. Embora a presença<br />

de trauma musculoesquelético não deva distrair o atendimento<br />

de outras condições com risco de vida, as lesões devem ser con¬<br />

sideradas possíveis indicadores de alterações fatais. A avaliação<br />

da cinemática que criou as lesões óbvias pode indicar a pre¬<br />

sença de lesões ocultas graves.<br />

Cinemática<br />

O entendimento da cinemática envolvida em uma lesão é<br />

função das mais importantes na avaliação e no tratamento do<br />

doente vítima de trauma. Determinar rapidamente a cinemá¬<br />

tica e a transferência de energia, baixa ou alta (p. ex., cair de<br />

uma bicicleta ou ser arremessado de uma motocicleta), orienta<br />

o socorrista a reconhecer as lesões mais graves. A melhor fonte<br />

de informação da cinemática é o doente. Se o doente estiver


j<br />

CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 337<br />

onsciente, detalhes da cinemática podem ser obtidos de tesíiunhas.<br />

Muitas vezes, o método de "adivinhação" dos evenjs,<br />

baseado nas lesões observadas, pode ser usado, caso ninjuém<br />

tenha presenciado o incidente. Essa informação deve ser<br />

|atada ao hospital que receberá o doente e documentada na<br />

f ficha de atendimento.<br />

Com base na cinemática, o socorrista pode desenvolver um<br />

lo índice de suspeita das lesões que o doente pode ter sofrido.<br />

[consideração da cinemática pode trazer à mente outras lesões,<br />

idevem ser avaliadas pelo socorrista, dado o conhecimento<br />

pdiversos padrões lesionais. Por exemplo:<br />

li Se o doente pular de uma janela, caindo primeiro em pé,<br />

|_ a lesão primária suspeita seriam fraturas de calcâneo,<br />

tíbia, fibula, fémur, pelve e coluna vertebral, além de<br />

lesão de aorta por cisalhamento. As lesões secundárias,<br />

| porém, podem incluir trauma abdominal ou craniano, ao<br />

cair para a frente após atingir o solo.<br />

E Se o doente tiver se envolvido em uma colisão de<br />

motocicleta, batendo a cabeça contra um poste<br />

telefónico, as lesões primárias acometem a cabeça, a<br />

coluna vertebral cervical e o tórax. As lesões secundárias<br />

podem incluir uma fratura de fémur, pela batida do osso<br />

I contra o guidão.<br />

Outro exemplo envolve um doente sentado no lado do paseiro<br />

de um veículo que sofre uma colisão lateral. Como disitido<br />

no Capítulo 4, a primeira lei do movimento de Newton<br />

: que um corpo em movimento permanece em movimento<br />

[que sofra a ação de uma força igual, mas oposta. O veículo é<br />

bjeto em movimento, até ser atingido pelo outro veículo. A<br />

rta do veículo-alvo é empurrada contra a porção superior do<br />

faço, que pode, então, ser empurrado contra a parede torácica,<br />

duzindo fraturas de costela, trauma fechado pulmonar e,<br />

tez, fratura de úmero. Dada a cinemática desta colisão, den¬<br />

sas suspeitas de lesão musculoesquelética estão incluídas as<br />

jaluras de úmero, pelve e fémur. Outras lesões suspeitas são<br />

S fraturas de costela, a lesão em músculos da parede torácica<br />

[as lesões pulmonares e cardíacas. Outras lesões secundárias<br />

®rem consideradas são as abrasões provocadas pelo acionanto<br />

do airbag.<br />

Em uma colisão lateral, outra possível lesão é observada<br />

ndo o indivíduo que não utiliza o cinto de segurança se<br />

na um projétil no interior do veículo. O outro veículo que<br />

o lado do passageiro faz com que o indivíduo entre em<br />

vimento, até ser parado por outro objeto, como o motorista.<br />

ím, as lesões do lado proximal são mais graves do que as<br />

alizadas no lado distai. Neste caso, a cinemática a ser consiada<br />

para o motorista é a energia proveniente pelo corpo do<br />

ageiro sem cinto de segurança.<br />

0 entendimento básico da cinemática orienta a avaliação do<br />

òrrista relacionada com as lesões menos óbvias.<br />

valiações Primária e Secundária<br />

yaliação Primária<br />

\ primeira etapa de qualquer avaliação é garantir a segurança<br />

[cena e analisar a situação. Uma vez que o local é seguro, o<br />

doente pode ser avaliado. A avaliação primária trata das con¬<br />

dições com risco imediato de vida que lenham sido identifica¬<br />

das. Embora fraturas anguladas ou amputações parciais possam<br />

chamar a atenção do socorrista, as lesões associadas ao risco de<br />

vida devem ter prioridade. A via aérea, a ventilação, a circula¬<br />

ção, a avaliação neurológica e a exposição (ABCDE - airway,<br />

breathing, circulation, disability, and exposure) continuam a<br />

ser a parte mais importante da avaliação. Em um doente com<br />

lesões que acarretam risco de vida, identificados na avaliação<br />

primária, o tratamento do trauma musculoesquelético é adiado<br />

até que esses problemas sejam corrigidos; a hemorragia externa,<br />

porém, é incluída na avaliação primária e deve ser controlada<br />

quando considerada fatal. Se o doente não correr risco de vida,<br />

o socorrista passa ao exame secundário.<br />

Exame Secundário<br />

A avaliação das extremidades.ocorre durante o exame secun¬<br />

dário. Para facilitar o exame, o socorrista considera a remoção<br />

de qualquer peça de roupa que não tenha sido retirada durante<br />

a avaliação primária, conforme o ambiente permita. Se o meca¬<br />

nismo de lesão não for evidente, o doente ou as testemunhas<br />

podem ser questionadas sobre o incidente. O doente também<br />

deve ser questionado sobre a presença de dor nos membros. A<br />

maioria dos doentes com lesões musculoesqueléticas significa¬<br />

tivas apresenta dor, a não ser que haja uma lesão na medula<br />

espinhal ou em um nervo periférico. A avaliação das extremi¬<br />

dades também inclui a verificação da presença de dor, fraqueza<br />

ou sensibilidade anormal nos membros, como:<br />

ffl Ossos e articulações. Esta avaliação é realizada por meio<br />

da inspeção, à procura de deformidades que possam<br />

representar fraturas ou luxações (Fig. 13-4), e da palpa¬<br />

ção dos membros para verificação da presença dç dor e<br />

crepitação. A crepitação é a sensação percebidaquando<br />

as extremidades ósseas fraturadas são friccionadas uma<br />

contra a outra. Pode ser estimulada pela palpação do<br />

sítio de lesão e pela movimentação dos membros. Os<br />

sons da crepitação são similares a estalidos, como o<br />

estouro das bolhas de plásticos usados em embalagens.<br />

Essa sensação de ossos sendo esfregados uns contra os<br />

outros durante a avaliação do doente pode provocar mais<br />

lesão, e, portanto, após a observação de crepitação,<br />

nenhuma etapa adicional passível de causá-la deve ser<br />

realizada ou repetida. A crepitação provoca uma<br />

sensação única que é não facilmente esquecida.<br />

3 Lesões em tecidos moles. O socorrista visualmente inspeciona<br />

o doente à procura de aumentos de volume, lacera¬<br />

ções, abrasões, hematomas e ferimentos, além de obser¬<br />

var a cor da pele. Qualquer ferimento adjacente à fratura<br />

pode indicar a presença de uma fratura exposta. Firmeza<br />

e tensão dos tecidos moles podem indicar a presença de<br />

síndrome compartimentai.<br />

® Perfusão. É avaliada pela palpação dos pulsos distais<br />

(radial ou ulnar no membro superior, e pedioso ou<br />

tibial posterior no membro inferior) e pela observação<br />

do tempo de enchimento capilar nos dedos da mão ou<br />

do pé. A ausência de pulsos distais nos membros pode


338 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 13-4<br />

Luxações<br />

Deformidades Articulares Comuns em<br />

Articulação Direção Deformidade<br />

Ombro<br />

Anterior<br />

Posterior<br />

Deslocado<br />

Fixo em rotação interna<br />

Cotovelo Posterior Olécrano proeminente<br />

posteriormente<br />

Quadril<br />

Anterior<br />

Posterior<br />

Flexionado, abduzido, em<br />

rotação externa<br />

Flexionado, aduzido, em<br />

rotação interna<br />

Joelho Anteroposterior Perda de contorno normal,<br />

extensão<br />

Tornozelo<br />

Articulação<br />

subtalar<br />

Lateral é mais<br />

comum<br />

Lateral é mais<br />

comum<br />

Em rotação externa, maléolo<br />

medial proeminente<br />

Luxação lateral do calcâneo<br />

(De: American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced Trauma Life<br />

Support, ed 8, Chicago, 2009, ACS.)<br />

turaem ossos longos, não peça ao doente para mover<br />

o membro, já que isso pode induzir à dor significativa<br />

e, possivelmente, converter a fratura fechada em uma<br />

fratura exposta. Na maioria das situações do ambiente<br />

pré-hospitalar, a avaliação geral da função neurológica é<br />

suficiente.<br />

0 A função motora pode ser avaliada perguntando ao<br />

doente se percebe alguma fraqueza. No membro superior,<br />

a função motora é avaliada pedindo ao doente que abra<br />

e feche a mão, e verificando a força de aperto (o doente<br />

aperta os dedos do socorrista), enquanto a função motora<br />

do membro inferior é avaliada pedindo para o doente<br />

mexer os dedos do pé.<br />

n A função sensitiva é avaliada perguntando ao doente<br />

sobre a presença de quaisquer sensações anormais ou<br />

dormência, e testando se o indivíduo percebe o toque<br />

do socorrista sobre diversas áreas dos membros, inclu¬<br />

indo os dedos das mãos e dos pés. As Figuras '13-5 e<br />

13-6 trazem mais informações sobre a realização de<br />

exame mais detalhado da função motora e sensitiva das<br />

extremidades.<br />

A repetição da avaliação da perfusão e da função neuroló¬<br />

gica dos membros deve ser realizada após qualquer procedi¬<br />

mento de colocação de talas.<br />

indicar a ruptura cle uma artéria, compressão de um vaso<br />

por um hematoma ou um fragmento ósseo, ou síndrome<br />

compartimentai. Hematomas extensos ou em expan¬<br />

são podem indicar a presença de uma lesão em vasos<br />

calibrosos.<br />

Função neurológica. O socorrista avalia a função motora<br />

e sensitiva dos membros. Em caso de suspeita de fra-<br />

Lesões Associadas<br />

Durante a realização do exame secundário, a cinemática pode<br />

ser revelada e um padrão lesionai pode ser suspeito. Esses<br />

padrões lesionais podem levar o socorrista a procurar por lesões<br />

ocultas associadas a fraturas específicaÿ. Um exemplo é a lesão<br />

torácica associada uma lesão no ombro.. O exame meticuloso de<br />

todo o corpo garante que todas as lesões sejam observadas. A<br />

Figura '13-7 mostra alguns exemplos de lesões associadas.<br />

FIGURA 13-5<br />

Avaliação dos Nervos Periféricos dos Membros Superiores<br />

Nervo Função Motora Sensibilidade Lesão<br />

Ulnar Abdução do indicador Dedo mínimo Lesão no cotovelo<br />

Medial distai Contração tênar com oposição Indicador Luxação do pulso<br />

Interósseo medial e anterior Flexão da ponta do polegar Fratura supracondilar do úmero<br />

(crianças)<br />

Musculocutâneo Flexão do cotovelo Antebraço lateral Luxação anterior do ombro<br />

Radial<br />

Extensão metacarpofalangiana<br />

dos dedos da mão<br />

Primeiro espaço interdigital<br />

dorsal<br />

Colo distal do úmero, luxação<br />

anterior do ombro<br />

Axilar Deltóide Porção lateral do ombro Luxação anterior do ombro,<br />

fratura da porção proximal do<br />

úmero<br />

(De: American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced Trauma Life Support, ed 8, Chicago, 2009, ACS.)


Pé<br />

CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 339<br />

JflGURA 13-6 Avaliação dos Nervos Periféricos dos Membros Inferiores —<br />

Nervo Função Motora Sensibilidade Lesão<br />

Femoral Extensão do joelho Porção anterior do joelho Fraturas dos ramos púbicos<br />

Obturador Adução do quadril Porção medial da coxa Fraturas do anel do obturador<br />

Tibial posterior Flexão do hálux Planta do pé Luxação do joelho<br />

Peroneal superficial Eversão do tornozelo Dorso lateral do pé Fratura do corpo da fibula,<br />

luxação do joelho<br />

Peroneal profundo Dorsiflexão do tornozelo/hálux Primeiro e segundo espaços<br />

interdigitais dorsais<br />

Nervo ciático Dorsiflexão plantar<br />

ÿ<br />

Fratura do corpo da fibula,<br />

síndrome compartimentai<br />

Luxação posterior do quadril<br />

Glúteo superior Abdução do quadril — Fratura do acetábulo<br />

Glúteo inferior Extensão do glúteo máximo do quadril — Fratura do acetábulo<br />

College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced Trauma Life Support, ed 8, Chicago, 2009, ACS.)<br />

ÿAmerican<br />

[Lesões Musculoesqueléticas<br />

in /• if»<br />

ísõcs de extremidades resultam em dois problemas primários<br />

!requerem tratamento no ambiente pré-hospitalar: a hemor-<br />

>ia e a instabilidade (fraturas e luxações).<br />

Hemorragia<br />

)sangramento pode ser dramático ou sutil. Seja um sangraiento<br />

capilar em baba das abrasões extensas, seja a perda de<br />

gue de coloração vermelho-escura de uma laceração super-<br />

,ou de sangue de coloração vermelho-clara de uma artéria<br />

a, a quantidade de sangue perdida e a velocidade da perda<br />

iierminam a capacidade de o doente compensar a hemorragia<br />

•em choque. Uma boa regra a ser lembrada é: "Nenhum<br />

nento é insignificante, cada hemácia é importante."<br />

imo uma pequena hemorragia pode provocar uma perda<br />

istancial de sangue, se ignorada por longos períodos.<br />

Sangramento arterial externo deve ser identificado durante<br />

aliação primária. De modo geral, esse tipo de sangramento<br />

'acilmente reconhecido, mas a avaliação pode ser difícil<br />

ndo sangue está escondido sob o doente ou em roupas pesasou<br />

escuras. A hemorragia evidente é idealmente controlada<br />

iianto a via aérea e a ventilação do doente estão sendo tras,<br />

caso haja pessoal suficiente; caso contrário, ela é conquando<br />

identificada durante a avaliação da circulação<br />

í quando as roupas clo doente são removidas. A estimativa<br />

[perda sanguínea externa é extremamente difícil de avaliar.<br />

indivíduos menos experientes tenham a tendência de<br />

ereslimar a quantidade de hemorragia externa, a subeslima-<br />

) também é possível, já que sinais claros de perda sanguínea<br />

podem nem sempre ser aparentes. Um estudo recente<br />

joriu que as estimativas pré-hospitalares de perda sanguínea<br />

oimprecisas e não têm utilidade clínica.1 As razões para essas<br />

nativas imprecisas são muitas, incluindo a mudança do<br />

FIGURA 13-7 Lesões Associadas a Lesões<br />

Musculoesqueléticas<br />

Lesão<br />

Fratura da clavícula<br />

Fratura da escápula<br />

Fratura e/ou luxação do ombro<br />

Fratura com luxação da coluna<br />

torácica<br />

Fratura da coluna vertebral<br />

Fratura/luxação do cotovelo<br />

Extensa lesão pélvica (ocupante<br />

de veículo motorizado)<br />

Extensa lesão pélvica<br />

(motociclista ou pedestre)<br />

Fratura do fémur<br />

Luxação da porção posterior do<br />

joelho<br />

Luxação do joelho ou do platô<br />

tibial<br />

Fratura do calcâneo<br />

Fratura exposta<br />

Lesão Associada/Não<br />

Observada<br />

Lesão torácica grave,<br />

principalmente contusão<br />

pulmonar e fraturas de costelas<br />

Ruptura da aorta torácica<br />

Lesão intra-abdominal<br />

Lesão da artéria braquial<br />

Lesão do nervo mediano, ulnar<br />

e radial<br />

Lesão abdominal, torácica ou<br />

cefálica<br />

Hemorragia vascular pélvica<br />

Fratura da haste do fémur<br />

Deslocamento da porção<br />

posterior do quadril<br />

Fratura de fémur<br />

Deslocamento da porção<br />

posterior do quadril<br />

Lesões na artéria poplítea e em<br />

nervos<br />

Lesão ou fratura de coluna<br />

vertebral<br />

Fratura ou luxação do pé<br />

Fratura do platô tibial<br />

70% de incidência de lesão não<br />

esquelética associada<br />

(De: American College of Surgeons Committee on Trauma: Advanced Trauma<br />

Life Support, ed 8, Chicago, 2009, ACS.)


340 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

doente do local do evento, a absorção do sangue perdido pelas<br />

roupas ou pelo solo ou, ainda, sua diluição por água ou chuva.<br />

A hemorragia interna também é comum em traumas musculoesqueléticos.<br />

Essa hemorragia pode ser provocada por<br />

danos a vasos sanguíneos importantes, rupturas musculares e<br />

da medula de ossos fraturados. O aumento de volume contí¬<br />

nuo de um membro, ou sua palidez, frieza ou ausência de pulso<br />

podem indicar a presença de hemorragia interna de veias ou<br />

artérias principais. A perda interna de sangue, quando significa¬<br />

tiva, pode ser associada a fraturas (Fig. *13-8). O socorrista deve<br />

considerar a possibilidade de ocorrência de perda tanto interna<br />

quanto externa de sangue associada ao trauma de extremidades.<br />

Isso auxilia o socorrista a prever o desenvolvimento de choque,<br />

a se preparar para a possibilidade de deterioração sistémica e a<br />

intervir de maneira adequada, minimizando sua ocorrência.<br />

Tratamento<br />

O tratamento inicial da hemorragia externa envolve a aplicação<br />

de compressão direta. Como discutido no Capítulo 8, a eleva¬<br />

ção de um membro não reduz a velocidade da hemorragia e, no<br />

trauma musculoesquelético, pode agravar as lesões presentes.<br />

Caso a hemorragia não seja controlada por compressão direta<br />

ou colocação de um curativo compressivo, um torniquete deve<br />

ser aplicado, seguindo os princípios descritos no Capítulo 8.<br />

A aplicação de um agente hemostático tópico recomendado<br />

pode ser considerada, caso a hemorragia esteja em um local em<br />

que um torniquete não possa ser colocado, como a virilha ou a<br />

axila. Esses agentes podem também ser utilizados em transpor¬<br />

tes prolongados.<br />

Após o controle do sangramento em doentes com risco de<br />

vida decorrente da hemorragia em um membro, os socorristas<br />

podem refazer a avaliação primária, com foco na reanimação e<br />

no rápido transporte ao hospital capaz de atendê-los. Durante o<br />

transporte, a administração de oxigénio e a reposição volêmica<br />

por via intravenosa (IV) podem ser iniciadas em doentes com<br />

choque, tendo em mente que, em caso de suspeita de hemorra¬<br />

gia interna, a pressão arterial sistólica deve ser mantida entre 80<br />

e 90 mmHg (PA média de 60-65 mmHg). Em doentes com san¬<br />

gramentos menos intensos e ausência de sinais de choque ou<br />

outros problemas associados à risco de vida, a hemorragia pode<br />

ser controlada com compressão direta e o exame secundário é,<br />

então, realizado.<br />

FIGURA 13-8 Estimativa da Perda de Sangue Interna<br />

Associada a Fraturas<br />

Osso fraturado<br />

Costela 125<br />

Rádio ou ulna 250-500<br />

Úmero 500-750<br />

Tíbia ou fibula 500-1.000<br />

Fémur 1.000-2.000<br />

Pelve<br />

Perda interna de sangue (mL)<br />

1.000-imensa<br />

Instabilidade (Fraturas e Luxações)<br />

Lacerações das estruturas de uma articulação, fratura de um |<br />

osso e lesão de músculos ou tendões importantes afetam a capa¬<br />

cidade de sustentação de um membro. As duas lesões que cau¬<br />

sam instabilidade em ossos ou articulações são as fraturas e as |<br />

luxações.<br />

Fraturas<br />

Em caso de fratura em um osso, sua imobilização reduzirá a |<br />

possibilidade de ocorrência de outras lesões e de dor. O movi¬<br />

mento das extremidades pontiagudas de um osso fralurado pode I<br />

danificar vasos sanguíneos, provocando hemorragia interna e<br />

externa. Além disso, as fraturas podem danificar o tecido mus- 1<br />

cular e os nervos.<br />

Em geral, as fraturas são classificadas como fechadas<br />

expostas. Nas fraturas fechadas, a pele não é perfurada pelas<br />

extremidades ósseas, ao passo que em uma fratura exposta, a<br />

integridade da pele é interrompida (Fig. 13-9A).Cirurgiões orto¬<br />

pédicos podem classificar as fraturas segundo seu padrão (p.<br />

ex., em galho verde, cominutiva), mas esses tipos não podem<br />

ser diferenciados sem uma radiografia, e o conhecimento do<br />

padrão da fratura não altera seu tratamento no local.<br />

Fraturas fechadas são aquelas em que o osso foi quebrado,<br />

mas não houve perda da integridade da pele (ou seja, não há<br />

feridas) (Fig. 13-9B). Dentre os sinais de uma fratura fechada,<br />

incluem-se sensibilidade, deformidade, hematomas, aumento<br />

de volume e crepitação, embora, em alguns doentes, a sensi¬<br />

bilidade possa ser o único achado. O pulso, a cor da pele e a<br />

função motora e sensitiva devem ser avaliados distalmente ao<br />

sítio suspeito de fratura. Pedir ao doente que mova o membro<br />

fralurado pode resultar em uma fratura exposta. Nem sempre<br />

é verdade que um membro não está fraturado porque o doente<br />

pode, voluntariamente, movê-lo; a adrenalina liberada em um<br />

evento traumático pode motivar os indivíduos a fazerem coi¬<br />

sas que normalmente não seriam toleradas. Além disso, alguns<br />

doentes apresentam uma impressionante tolerância à dor.<br />

As fraturas expostas geralmente ocorrem quando uma extre¬<br />

midade óssea pontiaguda rompe a pele ou uma lesão lacera a<br />

pele e o músculo até o sítio de fratura (Fig. I3-9C). Quando o<br />

osso perfura a pele, sua extremidade pode ser contaminada por<br />

bactérias cutâneas ou provenientes do ambiente. Isso pode levar<br />

à grave complicação de uma infecção óssea (osteomielite), que<br />

pode interferir na cicatrização da fratura. Embora o ferimento<br />

cutâneo associado a uma fratura exposta frequentemente não<br />

seja associado a uma hemorragia, o sangramento persistente<br />

pode ser originário da cavidade medular do osso ou de um<br />

hematoma profundo, no interior do tecido, que é descomprimido<br />

através cla abertura cutânea. Qualquer ferimento aberto<br />

próximo a uma possível fratura precisa ser considerado uma<br />

fratura exposta e assim ser tratado. Um osso ou extremidade<br />

óssea em protrusão em geral não devem ser reposicionados de<br />

modo intencional; ocasionalmente, porém, os ossos retornam a<br />

sua posição quase normal quando realinhados pelos espasmos<br />

musculares que tendem a ser observados em casos de fraturas.<br />

A imobilização inadequada ou a manipulação não cuidadosa<br />

de um membro fralurado pode converter uma fratura fechada<br />

em uma fratura exposta. Fraturas expostas podem ser fáceis de<br />

localizar em doentes vítimas de trauma. Embora a protrusão de<br />

osso através do ferimento seja bastante evidente, as lesões em


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 341<br />

Exposta<br />

Fechada<br />

SURA 13-9 A. Fratura exposta e fratura fechada. B. Fratura fechada de fémur. Note a rotação interna e o encurtamento do<br />

nbro inferior esquerdo. C. Fratura exposta de tíbia.<br />

tidos moles nas proximidades da fraíura/deformidade podem<br />

rresultantes de uma extremidade óssea que rompeu a supertie<br />

da pele e retornou ao tecido.<br />

Como anteriormente observado, fraturas podem resultar em<br />

nificativa hemorragia interna para os planos teciduais adjantesà<br />

fratura. As duas fraturas mais comumente associadas à<br />

norragia grave são as de fémur e pelve. Um adulto pode perírr<br />

1.000 a 2.000 mL de sangue por coxa. Assim, a hemorragia<br />

aa associada à fratura bilateral de fémur pode ser suficiente<br />

ilevar à morte por choque hipovolêmico.<br />

Fraturas pélvicas também são uma causa comum de hemorgia<br />

significativa (Fig. 13-10). Múltiplas pequenas artérias e<br />

isias repousam adjacentemente à pelve e podem ser rompidas<br />

as extremidades ósseas ou pela fratura e pela abertura das<br />

rticulações sacroilíacas. Palpação ou manipulação agressiva da<br />

pelve pode aumentar, de modo significativo, a perda de san¬<br />

gue na presença de uma fratura pélvica instável. Para avaliar a<br />

pelve, a palpação delicada é aceitável, mas deve ser realizada<br />

apenas uma vez. A pressão manual delicada, de anterior a pos¬<br />

terior e de uni lado para o outro, pode identificar crepitações ou<br />

instabilidade. A área ao redor da pelve é um "espaço potencial",<br />

já que pode se expandir e acomodar uma enorme quantidade de<br />

sangue. Dado o espaço presente na cavidade pélvica, a hemorra¬<br />

gia pode ser acompanhada por poucos sinais externos de com¬<br />

prometimento. Fraturas expostas da pelve,geralmente causadas<br />

por atropelamentos de pedestres ou pela ejeção de um passa¬<br />

geiro de um veículo motorizado, são especialmente mortais.<br />

Quedas também podem resultar em fratura pélvica, de modo<br />

que é importante aventar a possibilidade de presença dessas<br />

lesões sempre que houver envolvimento de um mecanismo de


342 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 13-10 Radiografia de grave fratura por compressão<br />

anterior-posterior da pelve. Há extenso alargamento da sínfise<br />

púbica (A), ruptura da articulação sacroilíaca (B) e fraturas dos<br />

ramos púbicos (C).<br />

absorção de energia pela pelve ou queixa de dor ao redor desta<br />

área. Frequentemente, é observada extensa hemorragia externa,<br />

ao invés de interna, e as extremidades ósseas podem lacerar o<br />

reto ou a vagina, provocando graves infecções pélvicas.<br />

Tratamento<br />

Fraturas Expostas e Fechadas.No tratamento das fraturas, a pri¬<br />

meira consideração é o controle da hemorragia e o tratamento<br />

do choque. Compressão direta e uso de curativos compressivos<br />

controlam praticamente todas as hemorragias externas encon¬<br />

tradas na cena. Ferimentos abertos ou extremidades ósseas<br />

expostas devem ser cobertos com curativo estéril umedecido<br />

com soro fisiológico ou água estéril. A hemorragia interna é con¬<br />

trolada primariamente pela imobilização, que também alivia a<br />

dor. Se as extremidades ósseas de uma fratura exposta se retra¬<br />

írem para o interior do ferimento com a colocação da tala, essa<br />

informação deve ser documentada na ficha de atendimento do<br />

doente e relatada à equipe do PS. A administração de antibió¬<br />

ticos IV a doentes com fraturas expostas na cena não é muito<br />

vantajosa, especialmente em ambientes urbanos ou suburba¬<br />

nos, mas pode ser importante quando o tempo de transporte é<br />

prolongado.<br />

Um membro lesionado deve ser movimentado o mínimo<br />

possível, tanto durante a avaliação secundária quanto durante<br />

a colocação da imobilização. Antes da realização desse proce¬<br />

dimento, o membro geralmente deve ser recolocado na posição<br />

anatómica normal, com uma tração delicada para restaurar seu<br />

comprimento normal. As duas contraindicações primárias do<br />

retorno à posição normal são a presença de dor significativa e a<br />

resistência ao movimento durante a tentativa de realização desse<br />

procedimento. Tradicionalmente, ensinava-se que, em caso de<br />

suspeita de fratura, a tala devia ser colocada "na posição encon¬<br />

trada"; há, porém, bons motivos para a restauração da posição<br />

anatômica_normal. Primeiro, na "fratura reduzida", com retorno<br />

ao alinhamento anatómico normal, a colocação da tala é mais<br />

fácil. Além disso, a redução da fratura pode aliviar a compressão<br />

de artérias ou nervos e melhorar a perfusão e a função neuro¬<br />

lógica. A redução de fraturas também reduz a hemorragia. Era<br />

caso de fratura exposta, com visualização do osso, a extremidade<br />

fralurada deve ser gentilmente enxaguada com soro fisiológico<br />

normal ou água estéril, para eliminação da contaminação evi¬<br />

dente, antes da tentativa de restaurar a posição anatómica nor¬<br />

mal. Não é muito importante se as extremidades ósseas foram<br />

retraídas para a pele durante essa manipulação, já que, indepen¬<br />

dentemente disso, a fratura exposta requer irrigação e debridamento<br />

em centro cirúrgico. O fato de que o osso estava exposto<br />

antes da redução, porém, é uma informação essencial, que deve<br />

ser transmitida durante o relato no hospital receptor. Não mais<br />

do que duas tentativas de restaurar a posição anatómica normal<br />

devem ser feitas; em caso de insucesso, a tala deve ser colocada<br />

no membro estado modo em que efe se encontra.<br />

O objetivo primário da tala é impedir o movimento de uma<br />

parte do corpo. Isso auxilia a redução da dor do doente e impede<br />

a ocorrência de mais danos e hemorragia nos tecidos moles. Para<br />

imobilizar qualquer osso longo de modo eficaz, todo o mem¬<br />

bro deve ser imobilizado. Para isso, o sítio de lesão deve ser<br />

manualmente apoiado, enquanto a articulação e o osso acima<br />

(proximais) e a articulação e o osso abaixo (distais) da lesão são<br />

imobilizados. Existem diversos tipos de talas, e muitos podem<br />

ser usados em fraturas expostas e fechadas (Fig. 13-11). Como<br />

em praticamente todas as técnicas de imobilização, a inspeção<br />

a posteriori do membro é limitada, e uma avaliação meticulosa<br />

deve ser realizada antes do procedimento.<br />

E importante lembrar de quatro outros pontos durante a<br />

colocação de qualquer tipo de tala:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

4.<br />

Acolchoar as talas rígidas, impedindo a movimentação<br />

do membro em seu interior, aumentando o conforto do<br />

doente e minimizando a ocorrência de úlceras<br />

de pressão.<br />

Jóias e relógios devem ser removidos, de modo que esses<br />

objetos não inibam a circulação quando o edema surgir.<br />

A lubrificação com loções ou geleias aquosas pode<br />

facilitar a remoção de anéis apertados.<br />

A avaliação das funções neurovasculares distais ao sítio<br />

de lesão deve ser realizada antes e após a colocação de<br />

qualquer tala e periodicamente depois disto. A ausência<br />

de pulso no membro indica a presença de uma lesão<br />

vascular ou da síndrome compartimentai, e o rápido<br />

transporte a um hospital adequado passa a ser ainda<br />

mais prioritário.<br />

Após a colocação da tala, considere a elevação do<br />

membro, se possível, para reduzir o edema e a sensação<br />

de latejamento. Gelo ou compressas frias também podem<br />

ser usados, para reduzir a dor e o aumento de volume,<br />

sendo colocados sobre o membro, próximo ao sítio<br />

suspeito de fratura.<br />

Fraturas de Fémur. Fraturas de fémur representam uma situação<br />

única na colocação de talas, por causa da musculatura da coxa.<br />

Além de ser responsável pelo importante suporte estrutural ao


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 343<br />

Existem diversos tipos de talas disponíveis, incluindo os<br />

seguintes:<br />

ÿ<br />

Talas rígidas, que não podem ter seu formato alterado.<br />

Essas talas requerem que a área a ser tratada seja posi¬<br />

cionada de modo a se ajustar a seu formato. Exemplos<br />

de talas rígidas são as pranchas (de madeira, plástico ou<br />

metal), as talas de fratura e as talas infláveis. Este grupo<br />

inclui também as pranchas longas. As talas rígidas são<br />

mais adequadas para lesões em ossos longos.<br />

Talas moldáveis, que podem ser ajustadas em diver¬<br />

sos formatos e combinações, acomodando o membro<br />

lesionado. Exemplos de talas moldáveis incluem<br />

talas a vácuo, travesseiros, cobertores, de papelão, de<br />

malha metálica e as recobertas por espuma. São usa¬<br />

das nas lesões em tornozelos, pulsos e ossos longos.<br />

Talas de tração, que são projetadas para manter a<br />

tração mecânica, auxiliando o realinhamento das<br />

fraturas. Essas talas são frequentemente usadas na<br />

estabilização de fraturas de fémur.<br />

A, Configuração da tala. B. Tala de tração. C. Tala a vácuo. D.Tala em maca. E. FracPac. (B e C de Sanders, MJ: Mosby s Paramedic Book, ed 3 SI. Louis, 2006, Mosby.)


344 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

membro inferior, o fémur também confere resistência aos pode¬<br />

rosos músculos da coxa, mantendo sua extensão. Quando o<br />

fémur é fraturado na área medial, essa resistência à contração é<br />

perdida. A medida que estes músculos se contraem, as extremi¬<br />

dades ósseas agudas provocam a laceração do tecido muscular,<br />

gerando mais hemorragia interna e dor e predispondo o doente<br />

a uma fratura exposta. Na ausência de condições que ameacem<br />

a vida, um imobilizado de tração deve ser colocado para estabi¬<br />

lizar suspeitas de fraturas femorais em sua parte medial. A apli¬<br />

cação de tração, manualmente ou com uso.de um equipamento<br />

mecânico, auxilia a reduzir o sangramento interno e a dor. Um<br />

estudo acerca do uso pré-hospitalar de lalas de tração documen¬<br />

tou que cerca de 40% dos doentes apresentavam uma lesão que<br />

complicava ou contraindicava o procedimento.2 Dentre as contraindicações<br />

ao uso de lala de tração, incluem-se:<br />

b<br />

s<br />

°<br />

Suspeita de fratura pélvica<br />

Suspeita de fratura do colo do fémur (quadril)<br />

Avulsão ou amputação do tornozelo e do pé<br />

Suspeita cle fratura adjacente ao joelho (Uma tala de tra¬<br />

ção, nesta situação, pode ser usada como uma lala rígida,<br />

mas a tração não deve ser aplicada.)<br />

Quando fraturas da parle medial do fémur são encontradas<br />

em um doente que apresenta outras lesões que podem ser falais,<br />

não se deve perder tempo colocando uma tala de tração. Em vez<br />

disso, a atenção deve ser focada nos problemas críticos, e a fra¬<br />

tura suspeita no membro inferior é suficientemente estabilizada<br />

quando o doente é imobilizado na maca longa.<br />

Fraturas Pélvicas. Fraturas pélvicas podem variar desde fra¬<br />

turas com pouca gravidade, relativamente insignificantes, até<br />

lesões complexas, associadas a extensas hemorragias internas<br />

e externas. Fraturas do anel pélvico são associadas à mortali¬<br />

dade total de 6%, ao passo que a mortalidade decorrente de<br />

fraturas expostas pode ser superior a 50%. A perda de sangue<br />

é a principal causa de morte em doentes com fratura pélvicas;<br />

as demais mortes são decorrentes da lesão cerebral traumática<br />

e da falência múltipla de órgãos. Uma vez que a pelve é com¬<br />

posta por ossos fortes e dificilmente é fraturada, os doentes com<br />

fraturas pélvicas frequentemente apresentam lesões associadas,<br />

incluindo lesões cerebrais traumáticas (51%), fraturas em ossos<br />

longos (4.8%), lesões torácicas (20%), ruptura de uretra h<br />

homens (15%), trauma esplénico (10%) e traumas hepáticos»<br />

renais (7% cada). Exemplos de fraturas pélvicas incluem:<br />

ia<br />

Fraturas dos ramos. Fraturas isoladas dos ramos inferiores<br />

ou superiores são geralmente de pouca gravidade e não<br />

requerem estabilização cirúrgica. Indivíduos que caem<br />

sobre o períneo podem fraturar todos os quatro ramos<br />

(lesão "escarranchada"). Essas fraturas caracteristicamente<br />

não são associadas à significativa hemorragia interna.<br />

Fraturas acctabularcs. Essas fraturas ocorrem quando a<br />

cabeça do fémur é empurrada para o acetábulo da pelve.<br />

A intervenção cirúrgica geralmente é necessária para a<br />

otimização da função normal do quadril. Essas lesões<br />

podem ser associadas à significativa hemorragia interna.<br />

Fraturas do anel pélvico. Fraturas do anel pélvico são carac¬<br />

teristicamente classificadas em três categorias. Hemorra¬<br />

gias que ameaçam a vida são provavelmente mais comuns<br />

em fraturas com cisalhamento vertical, mas podem ser<br />

associadas a cada um dos tipos de fratura do anel pélvico.<br />

O socorrista pode palpai- crepitação e notar a instabilidade<br />

óssea em cada uma dessas fraturas do anel pélvico.<br />

1. Fraturas com compressão lateral são responsáveis<br />

pela maioria das fraturas do anel pélvico (Fig.<br />

13-12A). Essas lesões podem ocorrer quando forças<br />

são aplicadas aos aspectos laterais da pelve (p. ex.,<br />

pedestre atingido por carro). Nessas fraturas, o<br />

volume da pelve é reduzido.<br />

2. Fraturas por compressão anterior-posterior são<br />

responsáveis por cerca de 15% das fratura do anel<br />

pélvico (Fig. 13-12B). Essas lesões ocorrem quando<br />

forças são aplicadas em direção anteroposterior (p.<br />

ex., indivíduo prensado entre hm veículo e uma<br />

parede). Essas lesões também são denominadas "em<br />

livro aberto", uma vez que geralmente há separação<br />

da sínfise e grande aumento do volume da pelve.<br />

3. Fraturas com cisalhamento vertical são responsáveis<br />

pela menor proporção de fraturas do anel pélvico,<br />

mas tendem a causar a maior mortalidade (Fig.<br />

13-12C). Ocorrem quando uma força vertical é apli¬<br />

cada à hemipelve (p. ex., queda de grandes alturas,<br />

Compressão lateral Compressão anterior-posterior Cisalhamento vertical<br />

A 60%-70% de frequência B (Livro Aberto) 15%-20% de frequência Q 5%-15% de frequência<br />

FIGURA 13-12<br />

Fraturas pélvicas. A. Compressão lateral. B. Compressão anterior-posterior. C. Cisalhamento vertical.


ÿ<br />

CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 345<br />

chegando ao chão com uma perna primeiro). Uma<br />

vez que uma metade da pelve é separada da restante,<br />

os vasos sanguíneos geralmente são lacerados, provo¬<br />

cando grave hemorragia interna.<br />

Fraturas pélvicas graves apresentam dois desafios aos socorislas.<br />

A maior preocupação é a hemorragia interna, cujo trataento<br />

pode ser muito difícil. Alguns resultados sugerem que<br />

iPASG pode auxiliar a compressão da pelve e, presumivelnte,<br />

tamponar a hemorragia interna."1,4 Se disponível; o uso<br />

iPASG pode ser considerado em casos de choque descomnsado<br />

(Classe III ou IV). Outra opção é envolver um lençol<br />

iaspecto menor da pelve, apertando-o como uma fralda. Os<br />

íembros inferiores também devem ser aduzidos e internamente<br />

ados e imobilizados nessa posição. Diversas empresas fabrii"faixas<br />

pélvicas de contração", projetadas para estabilizar<br />

sterminados tipos de fraturas pélvicas. Quando usadas nos<br />

os adequados de fraturas, no hospital, esses equipamentos<br />

dem aproximar o anel pélvico rompido e reduzir o volume da<br />

live. Por diversas razões, as faixas pélvicas de contração não<br />

irecomendadas quando as fraturas pélvicas não foram connatlas<br />

por radiografia, como durante o transporte do local de<br />

jlisão de um veículo motorizado ao centro de trauma. Porém,<br />

boa fratura pélvica tenha sido diagnosticada por radiografia e<br />

ptipode fratura seja passível de tratamento com a faixa, deve-se<br />

jentar a possibilidade de seu uso antes de uma transferência<br />

:-hospitalar (ou seja, de um hospital geral para um centro<br />

btrauma), principalmente se o doente estiver em choque (Fig.<br />

13-13). No momento, não há estudos publicados acerca do uso<br />

pré-hospitalar de faixas pélvicas de contração.<br />

Uma segunda preocupação relatada se refere aos doentes<br />

com fraturas pélvicas muito instáveis, que podem ser de difí¬<br />

cil deslocamento, e mesmo o uso de um procedimento modifi¬<br />

cado de rolamento pode desviar fragmentos ósseos, provocando<br />

mais hemorragia. A melhor maneira de transporte de um doente<br />

com fratura instável identificada à palpação pode ser com uma<br />

padiola ajustável. Em caso de indisponibilidade da padiola<br />

ajustável, o doente deve ser virado através de um procedimento<br />

modificado de rolamento, apenas o suficiente para deslizar a<br />

maca longa sob o indivíduo. Esta ação deve ser realizada com<br />

cuidado.<br />

Luxações<br />

As articulações são unidas por ligamentos. Os ossos são liga¬<br />

dos aos músculos por meio de tendões. A movimentação de um<br />

membro é conseguida pela contração (encurtamento) dos mús¬<br />

culos. Essa redução do comprimento muscular puxa os tendões<br />

ligados ao osso e move o membro na articulação. Uma luxação<br />

é a separação de dois ossos da articulação, resultante da signifi¬<br />

cativa ruptura dos ligamentos que normalmente conferem esta¬<br />

bilidade a uma articulação (Figs. 13-14 e 13-15). Uma luxação,<br />

assim como uma fratura, produz uma área de instabilidade que<br />

o socorrista precisa imobilizar. Luxações podem provocar muita<br />

dor. Pode ser difícil diferenciar uma luxação de uma fratura,<br />

e elas ainda podem estar associadas (fratura-luxação). Indiví¬<br />

duos que já sofreram luxações apresentam maior lassidão de<br />

FIGURA 13-13<br />

Faixas Pélvicas de Contração<br />

| Como discutido no texto, pelo menos três faixas pélvicas de contra¬<br />

ção são comercializadas: Pelvic Binder® (Pelvic Binder, Dallas,<br />

Texas), Sam Sling® (Sam Products, Newport, Oregon) e TPOD®<br />

I IBioCybernetics International, LaVerne, Califórnia).<br />

ANÁLISE RACIONAL<br />

jlgumas fraturas do anel pélvico são associadas a um aumento do<br />

pélvico (p. ex., fratura por compressão anteroposterior [AP]),<br />

ermitindo a ocorrência de grandes hemorragias para o terceiro<br />

["espaço. Uma vez que o volume é maior, há menos tecido adjacente<br />

à pelve para tamponar o sangramento. Antes do desenvolvimento<br />

| das faixas pélvicas de contração, os doentes que apresentam essas<br />

sões e uma instabilidade hemodinâmica (choque) eram submetidos<br />

afixação externa da pelve,para redução do volume pélvico e aumento<br />

aprobabilidade de tamponamento da hemorragia. Embora a fixação<br />

[externa parecesse reduzir as necessidades de transfusão, existem<br />

buços resultados publicados sugerindo que esse procedimento<br />

i a mortalidade associada a essas fraturas.<br />

IPROBLEMAS<br />

[ Ouso de faixas pélvicas de contração no ambiente pré-hospitalar é<br />

sociado a diversos possíveis problemas:<br />

jl. As fraturas pélvicas são difíceis de diagnosticar na ausência<br />

de radiografias. Nenhum resultado publicado mostra que a<br />

equipe de atendimento pré-hospitalar pode diagnosticar, com<br />

certeza, uma fratura pélvica com base no exame clínico. Além<br />

disso, nem todas as fraturas pélvicas são beneficiadas- pela<br />

compressão. Embora fraturas por compressão AP possam<br />

ser beneficiadas por esse procedimento, as fraturas com<br />

compressão lateral já apresentam menor volume pélvico.<br />

2. Existem poucos resultados acerca de sua eficácia. Somente<br />

alguns estudos retrospectivos de casos relataram o uso<br />

hospitalar de faixas pélvicas de contração. Embora alguns<br />

mostrem que o volume pélvico é significativamente reduzido,<br />

poucos tratam dos requerimentos de transfusão, e nenhum<br />

demonstrou a redução da mortalidade de doentes tratados<br />

com faixas pélvicas de contração.<br />

3. Não existem pesquisas publicadas acerca do uso de faixas<br />

pélvicas de contração no ambiente pré-hospitalar, de modo<br />

que não há resultados mostrando melhores desfechos.<br />

4. 0 custo desse equipamento de uso único é significativo.<br />

POSSÍVEL USO<br />

Um possível uso das faixas pélvicas de contração no ambiente ambulatorial<br />

é a transferência interinstitucional de doentes com fraturas por<br />

compressão AP, confirmadas por radiografia e associadas a choque de<br />

Classes II, III ou IV. Nesses doentes, o equipamento pode ser colocado<br />

antes da transferência, especialmente em indivíduos com choque<br />

descompensado. A decisão de uso do equipamento deve ser tomada<br />

junto ao controle médico.


346 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 13-14 Uma luxação é a separação do osso de sua<br />

articulação.<br />

(De McSwain NE Jr, Paturas JL: The basic EMT:Comprehensive prehospitalpatient care,<br />

ed 2, SI. Louis, 2001, Mosby.)<br />

FIGURA 13-15 Luxação da porção anterior do joelho direito,<br />

com sobreposição da tíbia ao fémur.<br />

(De Ferrera PC, Colucciello SA, Marx JA, et al: Trauma management:An emergency<br />

medicine approach, St. Louis, 2001,Mosby.)<br />

trada e da.presença de pulsos, movimento e sensibilidade, além<br />

da coloração da área, antes e após a colocação da tala, é impor¬<br />

tante. Durante o transporte, gelo ou compressas frias podem ser<br />

usados para reduzir a dor e o aumento de volume. A analgesia<br />

também deve ser fornecida para reduzir a dor.<br />

Um importante artigo da National Association of EMS Phy¬<br />

sicians (NAEMSP) dos Estados Unidos recomenda a redução<br />

das luxações quando o tempo de transporte é prolongado,5 já<br />

que as articulações são mais difíceis de reduzir quando deixa¬<br />

das em posição deslocada por um período prolongado. A ten¬<br />

tativa de redução de uma luxação somente deve ser realizada<br />

quando permitida por protocolos por escrito ou pelo controle<br />

médico online e quando o socorrista tiver recebido treinamento<br />

técnico adequado. Todas as tentativas de redução de uma luxa¬<br />

ção devem ser adequadamente documentadas.<br />

Considerações Especiais<br />

Doente Vítima de Trauma Multissistêmico<br />

em Estado Crítico<br />

A adesão às prioridades da avaliação primária em doentes com<br />

trauma multissistêmico e trauma de extremidades não implica<br />

ignorar as lesões em membros ou a falta de proteção contra<br />

outros danos. Em vez disso, significa que a vida tem prece¬<br />

dência sobre o membro na presença de lesões críticas em um<br />

doente vítima de trauma que também apresenta ferimentos em<br />

membros, mas sem sangramento. O foco deve ser a manutenção<br />

das funções vitais, por meio da reanimação, e apenas medidas<br />

limitadas devem ser tomadas para tratar as lesões em membros,<br />

independentemente de sua aparência dramática. Através da<br />

imobilização adequada do doente a umS prancha longa, todos<br />

os membros são imobilizados em posição anatómica. A ava¬<br />

liação secundária não precisa ser completada caso problemas<br />

que ameacem a vida identificados à avaliação primária requei¬<br />

ram intervenções contínuas e o tempo de transporte seja curto,<br />

Caso a avaliação secundária não seja realizada por esse motivo,<br />

o socorrista pode simplesmente documentar os achados que a<br />

impediram.<br />

ligamentos, podendo ser mais suscetíveis a luxações frequentes,<br />

a não ser que o problema seja cirurgicamente corrigido. Diferen¬<br />

temente dos indivíduos que sofrem uma luxação pela primeira<br />

vez, esses doentes tendem a estar familiarizados com a lesão e<br />

podem ajudar na avaliação e na estabilização. A deformidade<br />

articular indica a presença desse tipo de luxação.<br />

Tratamento. Em regra, a suspeita de luxação deve ser imobilizada<br />

na posição encontrada. A manipulação cuidadosa da articulação<br />

pode ser feita para tentar restaurar o fluxo sanguíneo quando o<br />

pulso é ausente ou fraco. Quando o tempo de transporte ao hos¬<br />

pital é curto, porém, a melhor decisão pode ser iniciai- a transfe¬<br />

rência, em vez de tentar a manipulação. Essa manipulação pro¬<br />

voca muita dor, de modo que o doente deve ser preparado antes<br />

da movimentação do membro. Uma tala deve ser usada para<br />

imobilizar a lesão. A documentação de como a lesão foi encon-<br />

Tratamento da Dor<br />

Analgesia deve ser considerada em doentes com traumas isola¬<br />

dos em membros e fraturas do quadril.0 Primeiramente, devera<br />

ser tentadas as intervenções básicas que aliviam, de modo efi¬<br />

caz, a dor (ou seja, imobilização da suspeita de fratura e coloca¬<br />

ção de compressas frias), assim como a boa comunicação como<br />

doente, para redução da ansiedade. Os protocolos de analgesia<br />

devem conter, de modo claro, as indicações e contraindicações<br />

do procedimento. Exemplos de intervenções farmacêuticas<br />

aceitáveis incluem sulfato de morfina, fentanil, óxido nitroso e<br />

drogas anti-inflamalórias não esteroidais (AINET O doente deve<br />

ser monitorado antes e após a administração, com documenta¬<br />

ção adequada do analgésico, e qualquer protocolo de tratamento<br />

da dor deve assegurar a imediata disponibilidade de naloxona<br />

caso a reversão dos efeitos colaterais dos analgésicos narcóti¬<br />

cos seja necessária. O monitoramento adequado inclui oxime-


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 347<br />

íriade pulso contínua e verificação periódica dos sinais vitais,<br />

Juindo pulso, frequência respiratória e pressão arterial. A<br />

biografia contínua pode mostrar sinais precoces de alerta de<br />

ermedicação ("narcotização") do doente.'<br />

A administração de analgésicos é recomendada em casos de<br />

M5 isoladas em articulações e membros, mas geralmente não<br />

efendida em doentes vítimas de traumas mullissistêmicos.<br />

(vez que a fratura ou a luxação são estabilizadas e imobilidas,<br />

o doente deve apresentar grande redução da dor. A esta¬<br />

tização do membro afetado reduz a movimentação da área,<br />

ninuindo, assim, o desconforto. O doente deve ser observado<br />

nto a sinais de uso de álcool ou drogas, caso não aparente<br />

ntir muita dor apesar de apresentar lesões significativas.<br />

Medicamentos analgésicos devem ser usados com cautela<br />

jiconforme a tolerância do doente. Os analgésicos não devem<br />

(administrados quando (1) o doente apresenta ou desenvolve<br />

ais e sintomas de choque, (2) a dor é significativamente<br />

nada por estabilização e colocação de tala, ou (3) o doente<br />

ace estar sob a influência de drogas ou álcool. A medicação<br />

ideve ser administrada sem o entendimento das possíveis<br />

aplicações.<br />

A dor grave a moderada pode ser tratada com um AINE,<br />

nooquetorolac, administrado por via intravenosa, enquanto<br />

[idor intensa é caracteristicamente tratada com narcóticos (opiá-<br />

;).A morfina e o fentanil são os narcóticos mais comumente<br />

dos. Depressão respiratória, chegando à apneia, é a maior<br />

cupação dentre os possíveis efeitos prejudiciais dos narcós.<br />

Outro preocupante efeito adverso é a vasodilatação provoda<br />

pelos narcóticos. Esse efeito é preocupante principalmente<br />

í doentes vítimas de traumas, uma vez que esses indivíduos<br />

stãoem um estado compensado de choque (Classe II] e a hipoilemia<br />

pode ser "desmascarada" pela droga, com desenvolvi¬<br />

mento de profunda hipotensão. Em doentes com possível cho¬<br />

pe compensado, a menor dose possível de narcótico deve ser<br />

ninistrada, por via intravenosa (IV), e lentamente aumentada<br />

d que o alívio satisfatório da dor seja observado. Em doentes<br />

nas de trauma, os narcóticos devem ser preferencialmente<br />

ninistrados por via IV, uma vez que doses intramusculares<br />

|l) podem ser absorvidas de modo errático em caso de prença<br />

de hipoperfusão. Outras possíveis reações adversas a<br />

dos os narcóticos incluem náuseas e vómitos, tontura, seda¬<br />

do e euforia. Por esta razão, estes agentes devem ser usados<br />

icautela em doentes com trauma craniano, uma vez que a<br />

ertensão intracraniana pode ser exacerbada. Dados sugerem<br />

i os efeitos analgésicos e adversos da morfina e do fentanil<br />

3 comparáveis."<br />

Morfina<br />

[morfina é usada em doentes com dor grave a moderada. Sua<br />

agem deve ser titulada de acordo com a resposta do doente à<br />

teseu estado fisiológico. A administração pode ser feita por<br />

j IV, IM ou subcutânea (SC). Em adultos, a dose de morfina é<br />

i2,5 a 15 mg, administrada lentamente, por vários minutos,<br />

i monitoramento do alívio da dor e da ocorrência de com¬<br />

pilações. Quando administrada por via IM ou SC, a dose em<br />

ultos é de 10 mg/70 kg peso corpóreo.<br />

Jfentanil possui propriedades que o tornam atraente no atennento<br />

pré-hospitalar de doentes vítimas de traumas. Sua ação<br />

é rápida, e não há aumento da liberação de histamina (como na<br />

administração de morfina), o que pode exacerbar a hipotensão<br />

em doentes com hipovolemia. Como todos os narcóticos, a dose<br />

deve ser titulada segundo o alívio da dor e o estado fisiológico<br />

geral. Em adultos, a dose de fentanil é de 50 a 100pg;1a 2 pg/kg<br />

são administrados a crianças. Os efeitos adversos são similares<br />

aos da morfina, mas contraindicações específicas incluem aler¬<br />

gia ao fentanil, lesão cerebral traumática com possível aumento<br />

de pressão intracraniana (PIC), depressão respiratória e perda<br />

do controle da via aérea.<br />

Alívio de Ansiedade (Ansiólise)<br />

Em doentes vítimas de trauma, o tratamento da dor envolve<br />

tanto a dor física quanto a ansiedade sobre a dor e a situação<br />

em que os doentes se encontram. Os analgésicos tratam a dor;<br />

os sedativos, a ansiedade. Benzodiazepínicos como o diazepam<br />

(Valium®), o midazolam (Dorinonid®), o lorazepam (Lorax®) e o<br />

alprazolam (Frontal®) são os mais conhecidos e ainda conferem<br />

amnésia anterógrada. Os doentes geralmente não se lembram de<br />

detalhes dos eventos ocorridos após a administração da droga.<br />

O uso concomitante de um narcótico e um benzodiazepínico<br />

pode ter um efeito sinérgico, aliviando a dor e a ansiedade;<br />

deve-se ter extrema cautela, porém, durante a administração<br />

simultânea destas drogas. A quetamina, um agente dissociativo,<br />

é comumente usada em ambiente pré-hospitalar na Europa, por<br />

seus efeitos sedativos e seu impacto limitado sobre o estímulo<br />

respiratório.<br />

Amputações<br />

Quando o tecido foi totalmente separado de um membro, este<br />

fica completamente sem nutrição e oxigenação. Esse tipo de<br />

lesão é denominado amputação ou avulsão. Uma amputação é<br />

a perda de parte ou de todo o membro, e uma avulsão envolve<br />

a remoção de tecidos moles. Inicialmente, o sangramento pode<br />

ser grave; os vasos no sítio de lesão, porém, podem se contrair, e<br />

a coagulação pode auxiliar a reduzir a perda de sangue. A movi¬<br />

mentação pode romper o coágulo de sangue, com recidiva do<br />

sangramento. Todas as amputações podem ser acompanhadas<br />

por sangramento significativo, ainda mais quando são parciais.<br />

Isso ocorre porque, quando os vasos são completamente seccio¬<br />

nados, eles se retraem e contraem, com possibilidade de forma¬<br />

ção de coágulo, reduzindo ou interrompendo a hemorragia. Por<br />

outro lado, quando um vaso é apenas parcialmente seccionado,<br />

as duas extremidades podem não se retrair, e o sangue continua<br />

a sair pela abertura.<br />

Amputações tendem a ser evidentes no local (Fig. 13-16).<br />

Esse tipo de lesão recebe grande atenção das testemunhas, e o<br />

doente pode ou não saber que perdeu um membro. Psicologi¬<br />

camente, o socorrista precisa lidar com esta lesão de modo cui¬<br />

dadoso (Fig. 13-17). O doente pode não estar apto a enfrentar a<br />

perda de um membro e deve ser informado após ser avaliado<br />

e tratado. O membro perdido deve ser localizado, para possí¬<br />

vel reimplante. Mesmo se não for possível recuperar a função<br />

completa do membro, pode haver recuperação parcial. A ava¬<br />

liação primária deve ser realizada antes da busca pelo mem¬<br />

bro perdido. A aparência de uma amputação pode ser horrível,<br />

mas, caso o doente não esteja respirando, a perda do membro é


348 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 13-16 Amputação quase completa do membro<br />

inferior esquerdo, após este ficar preso a uma máquina. O<br />

material preto é a fibra produzida pelo maquinário que prendeu<br />

o membro inferior.<br />

FIGURA 13-17<br />

Dor Fantasma<br />

Em algumas circunstâncias, o doente pode se queixar de dor<br />

distai à amputação. Essa dor fantasma é a sensação de dor no<br />

membro perdido. A razão da dor fantasma não é completamente<br />

compreendida, mas o cérebro pode não perceber a ausência<br />

do membro. A dor fantasma geralmente não é observada no<br />

momento de ocorrência da lesão.<br />

secundária. Amputações são muito dolorosas. O tratamento da<br />

dor deve ser instituído, uma vez que a existência de problemas<br />

possivelmente fatais tenha sido excluída à avaliação primária<br />

(Fig. 13-18). Os princípios para cuidar de uma parte amputada<br />

incluem:<br />

1.<br />

2.<br />

3.<br />

4.<br />

5.<br />

Limpeza da parte amputada, irrigando-a, delicadamente,<br />

com Ringer lactato (RL).<br />

Envolvimento da parte amputada em gaze estéril umedecida<br />

com RL e colocação em um saco ou recipiente<br />

plástico.<br />

Após identificar o saco ou recipiente, colocação em outro<br />

recipiente, preenchido com gelo moído.<br />

Não congelamento da parte amputada, colocando-a diretamente<br />

sobre o gelo ou adicionando outro congelante,<br />

como gelo seco.<br />

Transporte da parte amputada, junto com o doente, ao<br />

hospital adequado mais próximo."<br />

Quanto maior o tempo que a parte amputada permanece sem<br />

oxigénio, menor a probabilidade de que possa ser reimplantada<br />

com sucesso. O resfriamento da parte do corpo amputada, sem<br />

congelamento, reduz a taxa metabólica e prolonga este tempo<br />

crítico,.Q reimplante, porém, não é garantia do sucesso da ligs-j<br />

ção ou de sua função final. Uma vez que próteses de membroij<br />

inferiores em geral permitem que o doente tenha vida pratica-j<br />

mente normal, esses membros raramente são reimplantado-.I<br />

Além disso, de modo geral, somente amputações limpas, dei<br />

indivíduos saudáveis e mais jovens, são consideradas candil<br />

datas ao reimplante. Fumantes apresentam a menor probabilil<br />

dade de sucesso do reimplante, já que a nicotina do tabaco é um [<br />

potente vasoconstritor e pode comprometer o fluxo sanguíneol<br />

ao segmento reimplantado. Doentes candidatos ao reimplanlef<br />

de dedos ou mão/antebraço devem ser transportados a um contra|<br />

de trauma de Nível I, uma vez que instituições de Níveis II ei<br />

geralmente não realizam reimplantes.<br />

O transporte do doente não deve ser retardado para locali- 1<br />

zação da parte amputada perdida. Caso esta não seja facilmente<br />

encontrada, policiais ou outros socorristas devem permanecer<br />

no local para realizar a procura. Quando a parte amputada f<br />

transportada em um veículo separado do doente, o socorriste<br />

deve garantir que os transportadores sabem exatamente pan<br />

onde o indivíduo está sendo levado e como manipular o mem¬<br />

bro amputado após sua localização. O hospital receptor deve I<br />

ser notificado assim que a parle for encontrada, e seu transporte<br />

deve ser iniciado assim que possível.<br />

Amputação no Local<br />

De modo geral, muitos membros que parecem definitivamente I<br />

presos podem ser liberados por indivíduos especializados. Caso |<br />

o membro esteja preso a um maquinário, um especialista q<br />

tende a ser subestimado é o responsável pela manutenção i<br />

equipamento. Este indivíduo tem o conhecimento técnico pare<br />

remover as partes do maquinário, facilitando, assim, a remo- ]<br />

ção. Mas, em raras ocasiões, pode haver um membro preso, ee<br />

única opção razoável é a amputação no local.10 Embora a ampti- 1<br />

tação formal no local não seja considerada parte do escopo da<br />

prática dos socorristas nos Estados Unidos, alguns membros' I<br />

presos podem estar conectados apenas por uma pequena faixa [<br />

de tecido. A decisão de seccionar esse tecido ou esperar a che¬<br />

gada de um médico ao local deve ser feita sob um olhar clínico,<br />

Caso uma amputação substancial seja necessária, ela deve sei<br />

idealmente realizada por um cirurgião, que possui o conheci¬<br />

mento anatómico e a habilidade técnica requeridos (Fig. 13-19).<br />

Pode haver necessidade de sedação significativa, incluindoJ<br />

entubação.<br />

Síndrome Compartimentai<br />

Síndrome compartimentai se refere à doença que pode levará,<br />

perda do membro, em que o suprimento sanguíneo ao tecido<br />

é comprometido pelo aumento da pressão local. Os musculo;<br />

dos membros são envelopados por um denso tecido conjuntivo,<br />

denominado faseia. A fáscia forma numerosos compartimentos<br />

nos membros, nos quais os músculos estão contidos. O antebraço<br />

possui três compartimentos, e a porção distal do menor membro<br />

inferior (a panturrilha), quatro. A fáscia muscular apresenta dis¬<br />

tensão mínima,e qualquer força que aumente a pressãono interior<br />

dos compartimentos pode resultar na síndrome compartimentai.<br />

As duas causas mais comuns de síndrome compartimentai são as<br />

hemorragias derivadas de fratura ou lesão vascular e o edema de<br />

terceiro espaço que se forma quando tecido muscular isquêmico<br />

é reperfundido após um período de redução ou ausência do fluxo


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 349<br />

Avaliação primária<br />

í<br />

Sim<br />

I<br />

Iniciar as intervenções<br />

adequadas'<br />

I<br />

Suspeita de fraturas/luxações<br />

em membros?<br />

I<br />

Sim<br />

Imobilização em<br />

prancha longa3 ~*~~<br />

I<br />

Início do transporte<br />

rápido4<br />

I<br />

Não<br />

I<br />

Indicação de imobilização<br />

da coluna?2<br />

í<br />

Sim<br />

FIGURA 13-18<br />

Identificação de condições<br />

com risco de vida?<br />

1<br />

Não<br />

1<br />

Não<br />

Suspeita de fraturas/luxações<br />

em membros?<br />

I<br />

Sim<br />

I<br />

Avaliação da função<br />

neurovascular distal5<br />

I<br />

Colocação de talas e curativos,<br />

conforme necessário6<br />

I<br />

Reavaliação da função<br />

neurovascular distal<br />

I<br />

Nova avaliação<br />

primária<br />

i<br />

Início do transporte7 -*-<br />

Algoritmo de avaliação primária.<br />

'Tratamento da via aérea, suporte ventilatório, tratamento do choque.<br />

2Veja Algoritmo para Imobilização da Coluna (p. 257).<br />

3Membros lesionados são imobilizados em posição anatómica, em maca longa.<br />

'''Transporte à instituição adequada mais próxima (se possível, um centro especializado<br />

em traumas); avaliação da função neurovascular distal e colocação de tala de tração<br />

(em caso de suspeita de fratura de fémur), caso haja tempo.<br />

5Transporte à instituição adequada mais próxima (se possível, um centro especializado<br />

em traumas); avaliação da função neurovascular distal e colocação de tala de tração<br />

(em caso de suspeita de fratura de fémur), caso haja tempo.<br />

6Uso de técnica adequada para colocação de tala, para imobilização da suspeita de fratura ou<br />

luxação; em caso de suspeita de fratura da porção medial do fémur, colocação de tala de tração.<br />

'Transporte à instituição adequada mais próxima.<br />

Não<br />

eo. A tala ou o gesso colocados de modo muito apertado<br />

im podem provocar a síndrome compartimentai. Com o<br />

into da pressão no compartimento acima da pressão capilar<br />

de 30 mmHg), o fluxo a esses vasos é prejudicado. O tecido<br />

do por esses capilares, então, passa a ser isquêmico. A presípode<br />

continuar a aumentar até o próprio fluxo arterial ficar<br />

iprometido, por causa da compressão das artérias.<br />

Os dois primeiros sinais de desenvolvimento da síndrome<br />

compartimentai são a dor e a parestesia. A dor é geralmente des¬<br />

crita como desproporcional à lesão. Essa dor pode ser dramati¬<br />

camente aumentada pela movimentação passiva de um dedo do<br />

membro acometido. Os nervos são extremamente sensíveis ao<br />

suprimento sanguíneo, e qualquer comprometimento do fluxo<br />

sanguíneo logo se manifesta como parestesia. Como esses sin-


350 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 13-19<br />

Conjunto para Amputação no Local<br />

Um conjunto para amputação pode ser montado e mantido no<br />

veículo do diretor ou do supervisor médico em caso de necessidade<br />

de realização de uma amputação no local.<br />

Instrumental médico:<br />

Tesouras de Mayo curvas<br />

Pinças hemostáticas curvas<br />

Pinças de Kelly, comuns<br />

Porta-agulha, comum<br />

Pinças de campo<br />

Fórceps com dente, comum<br />

Afastadores de Rake, seis dentes, afiados<br />

Cabos para serra de Gigli<br />

Lâmina para serra de Gigli<br />

Faca de amputação<br />

Osteótomo<br />

Materiais descartáveis:<br />

Aventais cirúrgicos, estéreis<br />

Luvas cirúrgicas, estéreis<br />

Bisturi, lâmina #10<br />

Campos cirúrgicos estéreis (pacote com 4)<br />

Esponjas para laparotomia (pacote com 10)<br />

Panos cirúrgicos<br />

Cera para osso<br />

Sutura:<br />

Fios de seda 2-0<br />

Fios de seda 0<br />

Seda 0 em agulha atraumática<br />

Seda 2-0 em agulha Gl, pacote com várias<br />

Seda 3-0 em agulha Gl, pacote com várias<br />

Material para curativo:<br />

Rolo de gaze<br />

Esponjas abdominais, grandes<br />

Bandagens elásticas, 10 cm<br />

Bandagens elásticas, 15 cm<br />

Medicamentos:<br />

Bloqueadores neuromusculares (succinilcolina,<br />

vecurônio etc.)<br />

Quetamina<br />

Fentanil<br />

Tratamento das vias aéreas (caso não em unidades de SME):<br />

Bandeja de entubação<br />

Tubos endotraqueais<br />

tomas podem ser normalmente associados a uma fratura, isso<br />

subestima a necessidade de realização de exames basais circula¬<br />

tórios, motores e sensoriais e sua repetição periódica, de modo<br />

que o socorrista possa identificar as alterações.<br />

Os outros três sinais "clássicos" da síndrome comparti¬<br />

mentai — ausência de pulso, palidez e paralisia — são achados<br />

tardios, indicando claramente a síndrome compartimentai e o<br />

risco de morte muscular (necrose) do membro. A ausência de<br />

pulso é um achado incomum, uma vez que indica a presença<br />

de uma lesão vascular ou, ainda, que a pressão no comparti¬<br />

mento que contém aquele vaso sanguíneo excedeu a pressão<br />

sistólica. Os compartimentos também podem ser extrema¬<br />

mente tensos e firmes à palpação, embora seja difícil julgar as<br />

pressões em seu interior apenas ao exame físico. No hospital,<br />

as pressões do compartimento são medidas nos membros com<br />

suspeita de síndrome compartimentai.<br />

A síndrome compartimentai somente pode ser definitiva¬<br />

mente tratada no hospital. Apenas manobras básicas podem ser<br />

tentadas no local. Qualquer lala ou curativo apertado devem<br />

ser removidos, e a perfusão distai, reavaliada. Uma vez que a<br />

síndrome compartimentai pode se desenvolver durante trans¬<br />

ferências a longas distâncias, a realização de exames seriados é<br />

essencial à precoce identificação deste problema. No hospital,<br />

a síndrome compartimentai é tratada por meio de intervenção<br />

cirúrgica (fasciotomia), com uma incisão através da pele até o<br />

interior do compartimento acometido, para descompressão da<br />

síndrome compartimentai.<br />

Síndrome de Esmagamento<br />

A síndrome de esmagamento, também denominada rabelomiólise<br />

traumática, é uma entidade clínica caracterizada por<br />

insuficiência renal e morte após grave trauma muscular. A sín¬<br />

drome de esmagamento foi primeiramente descrita na Primeira<br />

Guerra Mundial, em soldados alemães resgatados de trin¬<br />

cheiras destruídas, e, depois, novamente na Segunda Guerra<br />

Mundial, em doentes da Blitz de Londres. Na Segunda Guerra<br />

Mundial, a taxa de mortalidade da síndrome de esmagamento<br />

foi superior a 90%. Durante a Guerra da Coreia, a mortalidade<br />

foi de 84%, mas, após o advento da hemodiálise, foi reduzida<br />

a 53%. Na Guerra do Vielnã, a taxa de mortalidade foi quase a<br />

mesma, de 50%.<br />

A importância da síndrome de esmagamento, porém, não<br />

deve ser limitada ao interesse histórico ou militar. Aproxima¬<br />

damente de 3% a 20% dos sobreviventes de terremotos sofre¬<br />

ram uma lesão por esmagamento, e cerca de 40% dos sobre¬<br />

viventes de edifícios destruídos vão apresentar lesões por<br />

esmagamento.11,12 Em 1978, um terremoto próximo a Beijing,<br />

na China, feriu mais de 350 mil indivíduos, com 242.769 mor¬<br />

tes. Mais de 48 mil dessas pessoas morreram em razão da sín¬<br />

drome de esmagamento. E mais comum que os mecanismos da<br />

síndrome de esmagamento incluam soterramento prolongado<br />

por colapso de escombros, colapso de construções ou colisão<br />

de veículo motorizado.<br />

A síndrome de esmagamento é originária de uma lesão<br />

do tipo esmagamento em grandes massas musculares, comu-


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 351<br />

;ente envolvendo a coxa ou a panturrilha. A síndrome de<br />

nagamento ocorre quando a destruição do músculo libera<br />

na molécula denominada mioglobina. A inioglobirtci é uma<br />

oteína encontrada no músculo, responsável por dar à carne<br />

ia característica cor vermelha. A função da mioglobina no<br />

tido muscular é atuar como um sítio de armazenamento<br />

acelular de oxigénio. Quando a mioglobina é liberada pelo<br />

sculo lesionado, porém, é capaz de provocar dano aos rins<br />

suficiência renal aguda (IRA).<br />

Doentes com síndrome de esmagamento são identificados<br />

ior apresentarem:<br />

Soterramento prolongado<br />

Lesão traumática à massa muscular<br />

[• Comprometimento da circulação na área ferida<br />

A lesão traumática ao músculo provoca a liberação não<br />

nente de mioglobina, mas também de potássio. Uma vez<br />

jue o doente foi removido dos escombros, o membro afetado<br />

heperfundido por novo sangue, mas o sangue velho, com<br />

lios níveis de mioglobina e potássio, é retirado da área ferida,<br />

uindo para o restante do corpo. Altos níveis de potássio<br />

Sem resultar em arritmias cardíacas, que podem ser fatais;<br />

|m disso, a mioglobina livre faz com que a urina adquira<br />

iloração de chá ou refrigerante à base de cola, levando à insU-<br />

Èência renal.<br />

Na síndrome de esmagamento, o principal fator na melhora<br />

i prognóstico é a instituição precoce e agressiva da reaniiação<br />

fluida. É importante que o socorrista se lembre que as<br />

xinas são acumuladas no interior do membro preso durante<br />

noção. Uma vez que o membro preso é liberado, as toxinas<br />

nuladas seguem para a circulação central, similar a uma<br />

|eção de veneno. O sucesso, portanto, depende da minimiãodos<br />

efeitos tóxicos do acúmulo de mioglobina e potássio<br />

Eles da liberação do membro. A reanimação precisa ocorrer<br />

lies da remoção.1,1 Alguns autores defendem que a remoção<br />

aldeve ser retardada até que o doente tenha sido adequadante<br />

reanimado.1'1 Um retardo na reanimação fluida resulta<br />

i insuficiência renal em 50% do doentes, e um retardo de<br />

[12 horas ou mais produz insuficiência renal em quase 100%<br />

> doentes. O doente mal reanimado pode sofrer uma parada<br />

díaca durante a remoção, dada a súbita liberação de ácidos<br />

[metabolismo e de potássio na corrente sanguínea quando a<br />

npressão sobre o membro é liberada.15 A reanimação lluida<br />

jve ser realizada com soro fisiológico normal, em taxa de até<br />

00 mL por hora. O uso de RL é evitado, dada a presença<br />

'potássio. A adição de uma ampola (50 mEq) de bicarbo-<br />

Bode sódio e de 10 gramas de manitol a cada litro de fluido<br />

jado durante o período de remoção pode auxiliar a redu-<br />

I da incidência de insuficiência renal. Após a remoção do<br />

nte, a administração de soro fisiológico normal pode ser<br />

uzida a 500 mL por hora, alternando com soro glicosado<br />

ÿ%(SG5%D5W), com uma ampola de bicarbonato de sódio<br />

r litro. 10<br />

[Uma vez que a pressão arterial foi estabilizada e o estado<br />

nétrico restaurado, a atenção se volta à profilaxia contra<br />

liporcalemia e os efeitos tóxicos da mioglobina sérica. A<br />

npo, ahipercalemia é reconhecida pelo desenvolvimento de<br />

os de ondas T ao monitoramento cardíaco. O tratamento da<br />

bior concentração de potássio é realizado segundo os proto¬<br />

colos padronizados, incluindo a administração intravenosa de<br />

bicarbonato de sódio, a inalação de beta-agonistas (albuterol), a<br />

administração de dextrose e insulina (se possível) e, em casos<br />

de disritmias cardíacas com risco de morte, o uso intravenoso<br />

de cloreto de cálcio. A alcalinização da urina confere algum<br />

grau de proteção aos rins; porém, o principal é manter a alta eli¬<br />

minação de urina (caracteristicamente, entre 50 e 100 mL/h).<br />

Desluvamento de Membro<br />

Um "desluvamento de membro" se refere a uma lesão com¬<br />

plexa provocada por alta transferência de energia, com dano<br />

significativo a duas ou mais das seguintes estruturas: (1) pele<br />

e músculos, (2) tendões, (3) ossos, (4) vasos sanguíneos e (5)<br />

nervos (Fig. '13-20). Os mecanismos comuns que geram o des¬<br />

luvamento de membros incluem acidentes com motocicletas,<br />

ejeção pela colisão de veículo motorizado (CVM) e atropela¬<br />

mento de pedestre por automóvel. Quando encontrados, os<br />

doentes podem estar em choque, em razão da perda de san¬<br />

gue externa ou da hemorragia de lesões associadas, que são<br />

comuns pelo mecanismo de alta energia. A maioria dos desluvamentos<br />

de membros envolve graves fraturas expostas,<br />

e a amputação pode ser necessária em 50%-75% dos doen¬<br />

tes. O salvamento do membro é possível em alguns doentes,<br />

envolvendo caracteristicamente seis a oito procedimentos, e<br />

o sucesso tende a depender da experiência dos cirurgiões de<br />

trauma e ortopedia.<br />

Mesmo em um desluvamento de membro, o foco ainda é a<br />

avaliação primária, para descartar ou tratar as condições que<br />

podem levar à morte. O controle da hemorragia, incluindo o<br />

uso de um torniquete, pode ser necessário. O membro desluvado<br />

deve ser imobilizado, caso a condição do doente permita.<br />

Esses doentes tendem a ser mais bem atendidos por,um centro<br />

de traumas de alto volume, Nível I.<br />

Distensões<br />

Uma distensão é uma lesão na qual ligamentos são estendidos<br />

ou lacerados. As distensões são provocadas pela súbita rotação<br />

da articulação além de sua faixa normal de movimento. São<br />

caracterizadas por dor intensa, aumento de volume e, ocasio-<br />

FIGURA 13-20 Desluvamento de membro resultante de lesão<br />

por esmagamento entre dois veículos. O doente apresenta<br />

fraturas, transecção da artéria e da veia poplítea e extensa<br />

lesão em tecidos moles. Um fixador externo foi colocado.


352 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

nalmente, hematomas. Externamente, as distensões podem<br />

lembrar uma fratura ou uma luxação. A diferenciação definitiva<br />

entre a distensão e a fratura é conseguida somente por meio de<br />

um estudo radiográfico. No ambiente pré-hospitalar, é razoável<br />

colocar uma tala quando há suspeita de distensão, caso se des¬<br />

cubra ser uma fratura ou uma luxação. Gelo ou compressas irias<br />

podem ajudar a aliviar a dor, bem como o uso de narcóticos.<br />

Tratamento<br />

O tratamento geral da suspeita de lesão em membros inclui as<br />

seguintes etapas:<br />

1. Tratar quaisquer lesões que ameacem a vida encontra¬<br />

das à avaliação primária.<br />

2. Interromper qualquer sangramento e tratar o doente<br />

em choque.<br />

3. Avaliar a função neurovascular distal.<br />

4. Sustentar a área de lesão.<br />

5. Imobilizar o membro ferido, incluindo a articulação<br />

acima e a articulação abaixo do sítio de lesão.<br />

6. Reavaliai- o membro ferido após a imobilização,<br />

para verificação de alterações na função<br />

neurovascular distai.<br />

7. Tratar adequadamente a dor.<br />

Transporte Prolongado<br />

Doentes com trauma em membros geralmente apresentam<br />

lesões coexistentes. A perda contínua de sangue internamente<br />

pode ser atribuída a lesões abdominais ou torácicas e, durante<br />

o transporte prolongado, a avaliação primária precisa ser rea¬<br />

lizada frequentemente, garantindo a identificação de todas as<br />

condições com risco de vida existentes e emergentes. Os sinais<br />

vitais devem ser observados a intervalos regulares. A adminis¬<br />

tração intravenosa de soluções cristalóides deve ser feita em<br />

uma taxa que mantenha a normalidade dos sinais vitais, a não<br />

ser que haja suspeita de hemorragia interna significativa nil<br />

pelve, no abdome ou no tórax.<br />

Durante transportes prolongados, o socorrista precisa dal<br />

maior atenção à perfusão do membro. Em membros com coe-I<br />

prometimento do suprimento vascular, o socorrista pode tK-f<br />

tar restaurar o posicionamento anatómico normal, otimizand<br />

a chance de melhora do fluxo sanguíneo. Da mesma manein<br />

deve-se aventar a possibilidade de redução no local de luxai<br />

ções com comprometimento da circulação distai. A perfusâxj<br />

distai, incluindo a avaliação do pulso, da cor e da temperalu<br />

assim como da função motora e sensorial, deve ser examinada!<br />

periodicamente. Os compartimentos devem ser palpados!<br />

para diagnóstico do possível desenvolvimento de síndrom-f<br />

compartimentai.<br />

O conforto do doente deve ser assegurado por meio daado-1<br />

ção das medidas necessárias. As talas devem ser confortáváí<br />

e bem acolchoadas. Os membros devem ser avaliados quanto<br />

à existência de possíveis pontos no interior da tala em queil<br />

pressão possa levar à criação de uma úlcera, especialmcnltl<br />

em membros com comprometimento da perfusão. Analgesir<br />

narcótica parenteral deve ser administrada a intervalos reguls- 1<br />

res, com monitoramento da frequência respiratória, da pressão<br />

arterial, da oximelria de pulso e da capnografia, se disponí¬<br />

vel. Na presença de profissionais adequadamente treinados,I<br />

bloqueios nervosos podem trazer bastante conforto ao doente,]<br />

como o bloqueio femoral em fraturas da porção meclial<br />

fémur.<br />

Feridas contaminadas devem ser lavadas com soro fisioló-|<br />

gico normal, de modo que a matéria particulada (p. ex., terra,]<br />

grama) seja removida. Caso o transporte leve mais do<br />

120 minutos, os protocolos permitam e profissionais treina- 1<br />

dos estejam presentes, antibióticos podem ser administrados<br />

a doentes com fraturas expostas. Uma cefalosporina de pri¬<br />

meira geração, a cefazolina, é suficiente em fraturas expostas<br />

de menor gravidade, enquanto um agente de espectro mais<br />

amplo, como o cefoxilina, pode ser administrado em fraturas I<br />

expostas mais graves. Em caso de amputação de uma paris<br />

corpórea, esta também deve ser periodicamente avaliada, ds<br />

modo que permaneça Iria, mas não congele ou macere per|<br />

estar encharcada.<br />

RESUMO<br />

Em doentes com trauma multissistêmico, a atenção é<br />

dirigida à avaliação primária e à identificação e ao trata¬<br />

mento de todas as lesões que ameacem a vida, incluindo<br />

hemorragia interna ou externa em membros.<br />

Os profissionais responsáveis pelo atendimento pré-hospitalax<br />

devem ser cuidadosos para não serem distraídos do<br />

tratamento de condições com risco de vida pela aparência<br />

dramática de qualquer lesão não crítica ou pela requisição<br />

de seu tratamento pelo doente.<br />

Após a avaliação completa do doente, caso tenham sido]<br />

encontradas apenas lesões isoladas, sem implicação sisli<br />

mica, essas lesões não críticas devem ser tratadas.<br />

Lesões musculoesqueléticas, em virtude de seu risco paras]<br />

vida, devem ser imobilizadas, para impedir a ocorrência ds<br />

outros danos, dar conforto e promover algum alívio da dor.)<br />

Quando o mecanismo de lesão indica alterações súb<br />

tas e violentas do movimento, trauma multissistêmici<br />

ou trauma à coluna, a potencial piora sistémica precisser<br />

antecipada, com inclusão da idade do doente, de sus]<br />

condição física e do seu histórico médico na avaliação,


CAPÍTULO 13 Trauma Musculoesquelético 353<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

om o auxílio de seu parceiro, você colocou uma tala de<br />

ação na fratura da parte medial do fémur do membro inferior<br />

leito. Após a imobilização do doente à prancha longa, você<br />

òcolocou na ambulância, para o transporte ao hospital. Uma<br />

Ttttttítrrrmrÿr<br />

vez na ambulância, oxigénio foi administrado via máscara e o<br />

acesso IV foi instituído. Os sinais vitais do doente não foram<br />

alterados durante o transporte. IB<br />

deferências<br />

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ÿ<br />

CAPITULO 14<br />

Lesões por<br />

Queimadura<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final do capítulo, o leitor será capaz de:<br />

•/ Definir as diversas profundidades das queimaduras.<br />

Definir as zonas das lesões por queimadura.<br />

Entender como o gelo pode aumentar a profundidade das queimaduras.<br />

Estimar o tamanho da queimadura, usando a "regra dos nove".<br />

Calcular a reposição de fluidos, usando a fórmula de Parkland.<br />

Definir a necessidade adicional de reposição de fluidos em crianças com<br />

queimaduras.<br />

Descrever o tratamento adequado de queimaduras no atendimento pré-hospitalar<br />

<<br />

Discutir as preocupações inerentes às lesões elétricas.<br />

Discutir as preocupações de tratamento de doentes com queimaduras<br />

circunferenciais.<br />

' Discutir os três elementos da inalação de fumaça.<br />

Aplicar os princípios das várias zonas em incidentes com materiais perigosos.<br />

Discutir os critérios de transferência de doentes a.centros para tratamento de<br />

queimados.<br />

*JiÉiS


356 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

mm.<br />

. ..VwWV<br />

Você é chamado a um incêndio residencial. Quando sua unidade chega, você vê uma casa de dois andares, completamente I<br />

tomada pelo fogo e com uma espessa fumaça preta saindo pelo teto e pelas janelas. Você é enviado a uma vítima (vítima 11<br />

que está sendo atendida pelos primeiros socorristas. Dizem a você que o doente voltou à casa em chamas na tentativa de<br />

resgatar seu cão, sendo retirado de lá inconsciente pelos bombeiros. Quando você chega ao lado do doente, vê que é um<br />

indivíduo do sexo masculino, com cerca de 30 anos de idade. Grande parte das roupas do doente foi queimada. Ele apresente<br />

queimaduras evidentes na face e seu cabelo está chamuscado. O doente está inconsciente; respira espontaneamente,<br />

mas com dificuldade. O primeiro socorrista colocou o doente no oxigénio, com uma máscara não reinalante. Ao exame,<br />

sua via aérea está desobstruída sob assistência, e a respiração é fácil. As mangas de sua camisa foram queimadas. Seus<br />

braços apresentam queimaduras circunferenciais, mas seu pulso é facilmente palpável. Sua frequência cardíaca é de 118<br />

batimentos/minuto, a pressão arterial, 148/94 mmHg, a frequência respiratória, 22 movimentos/minuto, e a leitura do<br />

oxímetro de pulso indica que a Sa02 é de 92%. Ao exame, você percebe que o doente apresenta queimaduras em toda a<br />

cabeça, a porção anterior do tórax e do abdome, os dois braços e as duas mãos. A alguns metros de distância, está o irmão<br />

do doente (vítima 2), desesperado para saber como está o doente 1. De onde você está, pode ver que o doente 2 apresenta]<br />

queimaduras no braço e na mão direita, das pontas dos dedos até o ombro.<br />

Um<br />

Qual é a extensão das queimaduras de cada doente? Quais são as etapas iniciais do tratamento destes doentes? Como o<br />

profissional responsável pelo atendimento pré-hospitalar reconhece uma lesão por inalação?<br />

as queimaduras as mais assustado¬<br />

ras e temidas todas as lesões. No dia a dia, lodos já<br />

Muitosconsideram<br />

sofremos queimadura de algum grau e sentimos a dor<br />

intensa e a ansiedade associadas inclusive a uma queimadura<br />

pequena. Queimaduras são comuns nas culturas industrializa¬<br />

das e agrícolas e em ambientes civis e militares. As queimadu¬<br />

ras podem variar de pequenas a catastróficas, recobrindo gran¬<br />

des regiões do corpo. Independentemente da extensão, todas<br />

as queimaduras são graves. Mesmo queimaduras de menor<br />

gravidade podem resultar em grave incapacidade.<br />

Uma concepção comum e errónea é que as lesões por quei¬<br />

madura são isoladas à pele. Pelo contrário, as queimaduras<br />

extensas podem ser lesões multissistêmicas, capazes de provo¬<br />

car efeitos possivelmente fatais no coração, nos pulmões, nos<br />

rins, no trato gastrointestinal (GI) e no sistema imunológico. A<br />

causa de morte mais comum em uma vítima de incêndio não<br />

são as complicações diretas do ferimento por queimadura, mas<br />

as complicações relacionadas à insuficiência respiratória.<br />

Embora consideradas uma forma de trauma, as queimadu¬<br />

ras apresentam algumas diferenças significativas em relação<br />

a outros tipos de trauma, que merecem consideração. Após<br />

um trauma, como uma colisão de veículo motorizado (CVM)<br />

ou uma queda, a resposta fisiológica da vítima é iniciai- diver¬<br />

sos mecanismos adaptativos para preservação da vida. Estas<br />

respostas podem incluir o desvio de sangue a órgãos vitais,<br />

o aumento do débito cardíaco e o aumento da produção de<br />

diversas proteínas séricas proletoras. Por outro lado, após uma<br />

queimadura, o corpo do doente tenta se desligar e entrar em<br />

choque, levando à morte. Uma parte substancial do atendi¬<br />

mento inicial de doentes queimados é direcionada à reversão<br />

deste choque. Em doentes que apresentam lesões traumáticas<br />

associadas a queimaduras, a mortalidade real destas lesões<br />

combinadas é muito maior do que a prevista para cada uma,<br />

separadamente.<br />

Considerações sobre a etiologia das queimaduras evitará<br />

que o socorrista sofra lesões desnecessárias, além de otimizai]<br />

o atendimento da vítima. As circunstâncias nas quais a quei¬<br />

madura ocorreu também devem ser consideradas, uma vez quel<br />

uma grande porcentagem das queimaduras, tanto em crianças<br />

quanto em adultos, é resultante de uma lesão intencional.<br />

A inalação de fumaça provoca uma lesão possivelmente |<br />

fatal que tende a ser mais perigosa do que a lesão por queima¬<br />

dura. A inalação de fumaça tóxica prediz melhor a mortali- 1<br />

dade por queimaduras do que a idade do doente ou a extensão<br />

da queimadura.1 A vítima não precisa ter inalado uma grande<br />

quantidade de fumaça para estar predisposta a uma lesão grave;<br />

em geral, as complicações com risco de vida podem demorai|<br />

vários dias para se manifestar.<br />

Aproximadamente 20% de todas as vítimas de queimadu¬<br />

ras são crianças, e 20% destas crianças são vítimas de lesão 1<br />

intencional ou abuso infantil.-'3 Muitos socorristas ficam sur-,<br />

presos ao saber que a lesão intencional por queimadura perdeI<br />

apenas para o espancamento como forma de violência física<br />

infligida às crianças. Queimaduras como forma de abuso não|<br />

são limitadas às crianças. E comum observar mulheres quei¬<br />

madas em casos de violência doméstica, assim como indivi- 1<br />

duos idosos, em casos de abuso de idosos.<br />

Anatomia da Pele<br />

A pele desempenha diversas funções complexas, incluindoe|<br />

proteção ao ambiente externo, a regulação de fluidos, a termorregulação,<br />

a sensibilidade e a adaptação metabólica (ml<br />

14-1). A pele recobre cerca de 1,5-2,0 metros quadrados em um<br />

adulto médio. É feita de duas camadas: a epiderme e a derme.<br />

A epiderme externa tem cerca de 0.05 mm de espessura em


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 357<br />

Glândula<br />

sebácea<br />

Folículo<br />

piloso<br />

Glândula<br />

sudorípara<br />

Vaso<br />

sanguíneo<br />

Epiderme<br />

Derme<br />

Subcutâneo<br />

Músculo<br />

Zona de coagulação<br />

Zona de estase<br />

Zona de hiperemia<br />

3URA 14-1 Pele normal. A pele é composta por três<br />

nadas teciduais - epiderme, derme e camada subcutânea - e<br />

sculatura associada. Algumas camadas contêm estruturas<br />

no glândulas, folículos pilosos, vasos sanguíneos e nervos.<br />

[Iodas estas estruturas são inter-relacionadas à manutenção,<br />

fida e ganho de temperatura corpórea.<br />

FIGURA 14-2<br />

As três zonas da lesão por queimadura.<br />

as como as pálpebras, e pode chegar a 1 mm nas plantas<br />

ipés. A derme mais profunda é, em média, 10 vezes mais<br />

passa do que a epiderme.<br />

A pele dos homens é mais espessa do que a pele das<br />

ílheres, e a pele das crianças e dos indivíduos idosos é mais<br />

ílgada do que a de um adidto médio. Estes fatos explicam<br />

no um indivíduo pode sofrer queimaduras de várias projtdidades<br />

quando exposto a um único agente queimante,<br />

orno uma criança pode sofrer uma queimadura profunda,<br />

iquanlo um adulto com a mesma exposição apresenta apenas<br />

ilesão superficial.<br />

hracterísticas da<br />

lueimadura<br />

iriação de uma queimadura é semelhante à fritura de um<br />

.Quando o ovo é quebrado sobre uma chapa quente, ele<br />

bicialmente líquido e transparente. Com a exposição à alta<br />

peratura, o ovo rapidamente se torna opaco e solidifica.<br />

] processo quase idêntico é observado no doente. No caso<br />

jiovo, as proteínas mudam de formato e são destruídas, em<br />

i processo denominado desnaturação. Em uma queima-<br />

.temperaturas elevadas ou de congelamento, radiação ou<br />

nte químico fazem com que as proteínas da pele sejam graante<br />

danificadas, levando à desnaturação. A lesão cutânea<br />

!ocorrer em duas fases: imediata e tardia. A pele é capaz<br />

olorar temperaturas de 40 graus Celsius (104 graus Fahreÿil)<br />

por breves períodos de tempo. Contudo, uma vez que as<br />

peraturas excedem este ponto, há um aumento logarítmico<br />

agnilude da destruição tecidual.'1<br />

i A queimadura de espessura completa apresenta três zonas<br />

isão teciduaP (Fig. 14-2). A zona central é denominada<br />

if/e coagulação e é a região de maior destruição tecidual.<br />

ázona apresenta necrose e não é capaz de reparo tecidual.<br />

Adjacente à zona de necrose está a região de menor lesão, a<br />

zona de estase. As células desta zona são lesadas, mas não de<br />

modo irreversível. Caso sejam subsequentemente privadas de<br />

oxigénio ou de fluxo sanguíneo, estas células viáveis morrem<br />

e passam a ser necróticas. Esta área é denominada zona de<br />

estase, já que, imediatamente após a lesão, o fluxo sanguíneo<br />

desta região fica estagnado. O atendimento rápido e adequado<br />

das queimaduras preserva o fluxo sanguíneo e o suprimento<br />

de oxigénio a estas células danificadas. A reposição fluida do<br />

doente elimina a estase e restabelece o suprimento de oxigénio<br />

às células danificadas e suscetíveis. A falha em administrar<br />

a reposição fluida adequada resulta na morte das.células do<br />

tecido lesionado e a queimadura de espessura parcial é, então,<br />

convertida a uma queimadura de espessura completa. Um erro<br />

comum, que provoca danos nesta área, é a aplicação de gelo por<br />

um transeunte ou um socorrista bem-intecionados. Quando o<br />

gelo é usado para interromper o processo de queimadura, pro¬<br />

voca vasoconstrição, impedindo o restabelecimento do fluxo<br />

sanguíneo. Argumenta-se hoje que, quando o gelo é aplicado à<br />

queimadura, o doente percebe alguma redução da dor; a anal¬<br />

gesia, porém, ocorre à custa de mais destruição tecidual. Por<br />

estas razões, as queimaduras contínuas devem ser lavadas com<br />

água à temperatura ambiente e a analgesia deve ser propiciada<br />

pela administração de medicamentos orais ou parenterals.<br />

A zona mais externa é denominada zona de hiperemia.<br />

Esta zona apresenta pouca lesão celular e é caracterizada pelo<br />

aumento de fluxo sanguíneo, secundário a uma reação infla¬<br />

matória iniciada pela queimadura.<br />

Profundidade da Queimadura<br />

A estimativa da profundidade da queimadura pode ser difícil,<br />

mesmo para o socorrista mais experiente. De modo geral, uma<br />

queimadura que parece de segundo grau acaba sendo diagnos¬<br />

ticada como de terceiro grau em 24-48 horas.<br />

A superfície de uma queimadura pode fazer com ela<br />

pareça, à primeira vista, ser de primeiro ou segundo grau, mas,


358 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ao debridamento, a epiderme superficial se separa, revelando<br />

a escara branca da queimadura de terceiro grau. Uma vez que<br />

a queimadura pode evoluir com o passar do lempo, é aconse¬<br />

lhável não fazer o julgamento final da profundidade da quei¬<br />

madura nas primeiras 48 horas após a lesão. De modo geral, é<br />

melhor simplesmente dizer ao doente que a lesão é superficial<br />

ou profunda, e que é preciso tempo para determinar sua pro¬<br />

fundidade final.<br />

Queimaduras de Primeiro Grau<br />

Queimaduras de primeiro grau envolvem somente a epiderme<br />

e são caracterizadas por serem vermelhas e dolorosas (Fig.<br />

14-3). São também chamadas de queimaduras superficiais.<br />

E raro que estas lesões sejam clinicamente significativas, à<br />

exceção das queimaduras solares extensas, nas quais o doente<br />

apresenta dor intensa e é suscetível à desidratação caso não<br />

seja submetido à hidratação oral adequada. Estas queimaduras<br />

resolvem-se em cerca de uma semana, e o doente não apre¬<br />

senta cicatrizes.<br />

Queimaduras de Segundo Grau<br />

As queimaduras de segundo grau, também denominadas quei¬<br />

maduras de espessura parcial, são aquelas que envolvem a<br />

epiderme e porções variadas da derme subjacente (Fig. 14-4).<br />

As queimaduras de segundo grau podem ainda ser classifica¬<br />

das como superficiais ou profundas. Estas queimaduras são<br />

FIGURA 14-3<br />

"J.<br />

Espessura superficial<br />

Primeiro grau<br />

Queimadura solar<br />

• Rubor<br />

• Calor<br />

• Dor<br />

Queimadura de primeiro grau.<br />

observadas como bolhas (Fig. 14-5) ou áreas desnudas, com<br />

aparência brilhante ou base úmida. Estes ferimentos são dolo¬<br />

rosos. Devido à sobrevida de resquícios de derme, estas quei¬<br />

maduras tendem a cicatrizar em duas a três semanas. Nas quei¬<br />

maduras de espessura parcial, a zona de necrose envolve toda<br />

a epiderme e várias profundidades da derme superficial. Caso<br />

estas lesões não sejam bem cuidadas, a zona de eslase pode<br />

progredir à necrose, aumentando o tamanho da queimadura<br />

e, talvez, convertendo-a numa queimadura de terceiro grau. A<br />

queimadura superficial de segundo grau cicatriza com o vigi¬<br />

lante cuidado da ferida. Queimaduras profundas de segundo<br />

grau podem requerer tratamento cirúrgico.<br />

Queimaduras de Terceiro Grau<br />

As queimaduras de terceiro grau podem apresentar diver¬<br />

sas aparências (Fig. 14-6). Com maior frequência, estes feri¬<br />

mentos são espessos, secos, esbranquiçados, com aparência<br />

semelhante a couro, independentemente da raça ou da corda<br />

pele do indivíduo (Fig. 14-7). Em casos graves, a pele pareço<br />

FIGURA 14-5<br />

Bolhas<br />

Muita discussão foi gerada acerca de bolhas, se elas devem ou<br />

não ser submetidas ao debridamento e sobre como abordar as<br />

bolhas associadas à queimadura de espessura parcial. A bolha<br />

ocorre quando a epiderme se separa da derme subjacente, e é<br />

preenchida pelo fluido proveniente do extravasamento de vasos<br />

adjacentes. A presença de proteínas osmoticamente ativas<br />

no fluido contido no interior da bolha atrai mais líquidos para<br />

este espaço, levando ao crescimento da lesão. À medida que a<br />

bolha cresce, ela pressiona o tecido lesionado do leito da ferida,<br />

aumentando a dor sentida pelo doente. Muitos pensam que a<br />

pele da bolha age como um curativo e impede a contaminação<br />

do ferimento. Esta pele, porém, não é normal e, portanto, não<br />

pode atuar como barreira protetora. Além disso, manter a bolha<br />

intacta impede a aplicação de antibióticos tópicos diretamente<br />

sobre a lesão. Por estas razões, muitos especialistas em<br />

queimaduras abrem e debridam as bolhas após a chegada do<br />

doente ao hospital.6<br />

Espessura parcial<br />

Segundo grau<br />

• Formação de bolhas<br />

• Dor<br />

• Leito da ferida é brilhante<br />

Espessura total<br />

Terceiro grau<br />

• Aparência similar a couro<br />

• Coloração branca a chamuscada<br />

• Tecido morto<br />

• Dor<br />

FIGURA 14-4 Queimadura de segundo grau. FIGURA 14-6 Queimadura de terceiro grau.


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 359<br />

F-<br />

-<br />

Quarto grau<br />

BURA 14-7 Este doente sofreu uma queimadura de<br />

pessura total, caracterizada por coloração branca e a<br />

arência similar a couro.<br />

FIGURA 14-9<br />

Queimadura de quarto grau.<br />

URA 14-8 Exemplo de queimadura profunda, de espessura<br />

ompleta, com chamuscamento da pele e visível trombose dos<br />

rasos sanguíneos.<br />

chamuscada, com visível trombose de vasos sanguíneos [Fig.<br />

|*8). Esta lesão por queimadura é também chamada de espeslura<br />

completa, já que envolve toda a espessura da pele. As<br />

çessoas em geral são ensinadas, erroneamente, que as queimaiuras<br />

de espessura completa não são dolorosas, uma vez que<br />

ti destruição das terminações nervosas do tecido queimado.<br />

Éiima percepção errónea pensar que as queimaduras de ter¬<br />

ceiro grau não causam dor. Os doentes com queimaduras de<br />

lerceiro grau sentem dor. Estas lesões são caracteristicamente<br />

içadas por áreas de queimaduras de espessura parcial e<br />

rjperficial. Os nervos destas áreas estão intactos e continuam<br />

ilransmitir a sensação de dor dos tecidos lesionados. Queiaaduras<br />

desta profundidade podem ser debilitantes e fatais.<br />

Aimediata excisão cirúrgica e a reabilitação intensiva, em um<br />

centro especializado, são necessárias.<br />

ueimaduras de Quarto Grau<br />

queimaduras de quarto grau são aquelas que acometem não<br />

ente todas as camadas da pele, mas também o tecido adi-<br />

FIGURA 14-10 Queimadura de quarto grau no braço,<br />

acometendo não apenas a pele, mas também o tecido adiposo<br />

subcutâneo, músculos e ossos.


360 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

poso subjacente, os músculos, os ossos ou os órgãos internos<br />

(Figs. 14-9 e 14-10).<br />

Avaliação e Tratamento<br />

das Queimaduras<br />

Avaliação Primária e Reposição de Fluidos<br />

O objetivo cia avaliação primária é a análise e o tratamento<br />

sistemático das alterações possivelmente lalais, em ordem de<br />

importância, para preservação da vida. O método de atendi¬<br />

mento de trauma ABCDE é aplicado ao tratamento do doente<br />

vítima de queimadura, embora seu cuidado possa trazer desa¬<br />

fios únicos em cada uma de suas etapas.<br />

Queimaduras extensas são, de modo geral, associadas à<br />

alta letalidade. Apesar do comprometimento da via aérea ou<br />

da ventilação relacionado à queimadura, a lesão, por si só,<br />

não é caracteristicamente associada ao risco imediato de vida.<br />

A aparência total das queimaduras pode ser dramática, até<br />

mesmo grotesca. O socorrista experiente sabe que o doente<br />

também pode ter sofrido um trauma mecânico e apresentar<br />

lesões internas, menos aparentes, associadas a um maior risco<br />

de vida.<br />

Via Aérea<br />

Manter a desobstrução da via aérea é a maior prioridade no<br />

atendimento de uma vítima de queimaduras. O calor de um<br />

incêndio pode causar edema da via aérea, acima do nível<br />

das cordas vocais, ocluindo-a. É necessário, portanto, que a<br />

avaliação seja cuidadosa e contínua. É um erro acreditar que,<br />

uma vez completada a avaliação ABC, está tudo bem com a<br />

via aérea. Os socorristas que provavelmente estarão sujeitos<br />

a um tempo prolongado de transporte precisam ser bastante<br />

vigilantes na avaliação da via aérea. Um doente queimado, por<br />

exemplo, pode apresentar via aérea desobstruída à primeira<br />

avaliação. A seguir, a face, assim como a via aérea, sofrem<br />

aumento de volume. Desta maneira, uma via aérea que foi con¬<br />

siderada satisfatória ao primeiro exame pode se tornar criti¬<br />

camente estreita em 30 ou 60 minutos. A via aérea pode apre¬<br />

sentar estreitamento em um ponto em que há obstrução, e o ar<br />

não pode passar além da traqueia. É mais provável observar o<br />

efeito iisiológico do estreitamento, mas não da obstrução, da<br />

via aérea. O estreitamento da traqueia pelo aumento de volume<br />

da mucosa reduz o fluxo dos gases inalados, o que, fisiolo¬<br />

gicamente, é o mesmo que aumentar a resistência ao fluxo.<br />

O aumento da resistência da via aérea produz o trabalho de<br />

ventilação do doente. A dificuldade de respirar causada pelo<br />

aumento de volume da via aérea pode contribuir para o desen¬<br />

volvimento ou inclusive provocar uma parada respiratória,<br />

mesmo na ausência de obstrução. Para evitar o estreitamento<br />

ou a oclusão catastrófica da via aérea, o controle precoce é<br />

prudente. A entubação destes doentes é geralmente difícil e<br />

perigosa, uma vez que a anatomia é distorcida. De modo geral,<br />

os doentes são os indivíduos mais adequados ao tratamento<br />

de sua própria via aérea, ao assumirem uma posição que as<br />

mantêm desobstruídas e permita a respiração confortável.<br />

Nos casos em que a intervenção é requerida, a via aérea deve<br />

ser tratada pelos profissionais mais experientes. Além disso,<br />

as intervenções farmacológicas suprimem a capacidade de o<br />

doente controlar a via aérea, fazendo com que a intervenção e<br />

a manutenção por socorristas sejam necessárias.<br />

Caso o doente seja entubado, precauções especiais devem<br />

ser tomadas para a fixação do tubo endotraqucal (ET), impe¬<br />

dindo seu deslocamento inadvertido ou a extubação. Após<br />

uma queimadura, a pele da face geralmente descama ou libera<br />

fluido. Em queimaduras faciais, os esparadrapos não são ade<br />

quados à fixação do tubo ET. O tubo pode ser preso usando<br />

dois esparadrapos umbilicais ou pedaços de acessos IV, enro¬<br />

lados ao redor da cabeça. Um pedaço deve ser fixado sobre o<br />

pavilhão auricular e um segundo, sob o outro pavilhão auricu<br />

lar. Tecidos e equipamentos em Velcro'y comercializados tam¬<br />

bém podem ser usados.<br />

Respiração<br />

Assim como em qualquer vítima de trauma, a respiração pode<br />

ser adversamente acometida por problemas como fratura de<br />

costelas, pneumotórax e ferimentos torácicos abertos. Em caso<br />

de queimaduras circunferenciais na parede torácica, a com<br />

placência da parede é progressivamente reduzida, inibindo a<br />

capacidade de ventilação. Após uma lesão por queimadura, a<br />

pele queimada começa a endurecer e a se contrair, enquanto<br />

os tecidos moles mais profundos simultaneamente aumentam<br />

de volume. O resultado final é que as queimaduras contraem<br />

a parede torácica da mesma maneira que diversos cintos de<br />

couro, apertando o tórax do doente. Com o passar do tempo,<br />

o doente não pode mais mover a parede torácica e respirar.<br />

Ao tentar ventilar doentes com queimaduras circunferenciais<br />

na parede torácica, a compressão do ambu pode ser difícil<br />

impossível. Em tais casos, a escarotomia imediata da parede<br />

torácica permite o reslabelecimenlojda ventilação. A escaroto¬<br />

mia é um procedimento cirúrgico em que é feita uma incisão<br />

através da endurecida escara da queimadura, permitindo que<br />

a lesão e o tórax se expandam e se movimentem durante a<br />

respiração.<br />

Circulação<br />

A avaliação e o tratamento da circulação incluem a mensura<br />

ção da pressão arterial, a avaliação de queimaduras circunfe¬<br />

renciais e a instituição de acesso IV. A mensuração precisada<br />

pressão arterial é difícil ou mesmo impossível caso haja quei<br />

maduras em membros e, mesmo que a pressão arterial possa<br />

ser obtida, é possível que não reflita corretamente a pressão<br />

arterial sistémica, devido à presença de lesões que acometem<br />

toda a espessura e o edema nas áreas acometidas. Mesmo que<br />

o doente apresente pressão arterial normal, a perfusão distai<br />

do membro pode estar gravemente reduzida pela presença<br />

lesões circunferenciais. Os membros queimados devem ser<br />

mantidos elevados durante o transporte, para reduzir o grau<br />

de aumento de volume do membro alelado.<br />

A colocação de dois cateteres IV calibrosos, capazes de<br />

prover o rápido fluxo necessário à administração de grandes<br />

volumes de fluido, é requerida em queimaduras que envolvem<br />

mais de 20% da área corpórea superficial total. O ideal équeos<br />

cateteres IV não sejam colocados através do tecido queimado<br />

ou em suas adjacências; a colocação através da lesão, porém,é


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 361<br />

eitável na ausência de sítios alternativos. Quando o cateter é<br />

blocado em uma queimadura ou próximo a ela, medidas espe-<br />

[riais devem ser tomadas, garantindo que ele não saia de forma<br />

advertida. Esparadrapos e curativos geralmente usados na<br />

nobilização de cateteres IV são ineficazes quando aplicados<br />

abre o tecido queimado ou suas adjacências. Formas alterna¬<br />

te de imobilização dos acessos incluem enrolar a área com<br />

!erlix"ou Coban®. Em alguns doentes, o socorrista pode não<br />

Fier capaz de obter um acesso venoso. O acesso intraósseo (IO)<br />

éum método alternativo e confiável de administração de lluidos<br />

intravenosos, assim como de narcóticos.<br />

Incapacidade<br />

A vítima de queimadura é também vítima de traumas, e pode<br />

[ter sofrido outras lesões que não térmicas. As queimaduras<br />

'ião lesões óbvias e, ocasionalmente, intimidantes, mas é vital<br />

ocurar outras lesões internas, menos óbvias, que podem, em<br />

rto prazo, ser mais fatais do que as lesões por queimadura.<br />

[[fia tentativa de escapar da queimadura, os doentes pulam<br />

nelas de edifícios; elementos da estrutura queimada podem<br />

alapsar e cair sobre o doente; ou a vítima pode ficar presa nas<br />

agens em chamas de uma CVM. Avalie o doente quanto à<br />

sença de déficits neurológicos e motores. Identifique fratu-<br />

[rasem ossos longos e coloque talas. Realize a imobilização da<br />

aluna em caso de suspeita de lesão na coluna vertebral. Uma<br />

íontede incapacidade neurológica potencialmente fatal que é<br />

[típica de vítimas de queimaduras é o efeito de toxinas inalas,<br />

como o monóxido de carbono e o cianeto de hidrogénio.<br />

Exposição/Ambiente<br />

[Aproxima prioridade é a exposição completa do doente. Cada<br />

ntímetro quadrado do doente deve ser exposto e inspeciofldo.<br />

Todas as roupas e jóias devem ser imediatamente remo-<br />

[vidas. Em vítimas de trauma mecânico, todas as roupas do<br />

ente são removidas, para identificação de lesões que podem<br />

par escondidas. Em vítimas de queimadura, a remoção das<br />

upas pode ter um benefício terapêutico. Como anterior-<br />

Siente observado, as roupas e as jóias podem reter calor resiil.oque<br />

pode continuar a ferir o doente. Após queimaduras<br />

nicas, as roupas podem estar encharcadas com o agente<br />

ue gerou as lesões. A manipulação imprópria das roupas da<br />

[lima saturadas pelo material supostamente perigoso pode,<br />

lortanto, causar lesões no doente e nos socorristas.<br />

0 controle da temperatura ambiente é crítico durante o<br />

[iendimento de doentes com queimaduras extensas. Os doen-<br />

[tes vítimas de queimaduras não são capazes de reter seu próirio<br />

calor corpóreo, sendo extremamente suscetíveis à hiponia.<br />

Faça o possível para preservar a temperatura corpórea.<br />

bloque diversas camadas cle cobertores. Mantenha o comparnenlo<br />

de transporte do doente, na ambulância ou no heliáptero,<br />

aquecido, independentemente da época do ano. Em<br />

a, caso você, como socorrista, esteja confortável, então a<br />

nperatura ambiente não está alta o suficiente.<br />

qualquer outra vítima de trauma. O socorrista deve comple¬<br />

tar a avaliação dos pés â cabeça, tentando encontrar outras<br />

lesões ou alterações. A aparência das queimaduras pode ser<br />

dramática; estes ferimentos, porém, tendem a não ser imedia¬<br />

tamente fatais. Uma avaliação meticulosa e sistemática precisa<br />

ser realizada, assim como em qualquer outro doente vítima de<br />

trauma.<br />

Estimativa (Avaliação) da Extensão da Queimadura<br />

I A estimativa da extensão da queimadura é necessária à<br />

reposição adequada de iluidos do doente, impedindo as com¬<br />

plicações associadas ao choque hipovolêmico da lesão por<br />

queimadura. A determinação da extensão da queimadura tam¬<br />

bém é usada como ferramenta para a estratificação da gravi¬<br />

dade da lesão e a triagem. O método mais amplamente apli¬<br />

cado é conhecido como "regra dos nove". Este método aplica<br />

o princípio de que as principais regiões do corpo, em adultos,<br />

são' representam 9% da área corpórea superficial total (Fig.<br />

'14-11). O períneo, ou área genital, representa 1%.<br />

Crianças apresentam proporções diferentes dos adultos. As<br />

cabeças das crianças são proporcionalmente maiores do que as<br />

de adultos, e as pernas das crianças são proporcionalmente<br />

mais curtas do que as dos adultos. Uma vez que estas pro¬<br />

porções são variáveis conforme a faixa etária, não é adequado<br />

aplicar a regra dos nove a doentes pediátricos.<br />

O gráfico de Lund-Browder é um diagrama que incorpora<br />

as alterações relacionadas à idade observadas nas crianças.<br />

Usando estes gráficos, o socorrista mapeia a queimadura e,<br />

depois, determina sua extensão, com base em uma tabela de<br />

referência que os acompanha (Figs. 14-12).<br />

Este método requer o desenho de um mapa das queimadu¬<br />

ras e, então, sua conversão para o cálculo da área da superfície<br />

queimada. A complexidade deste método dificulta seu uso em<br />

situações pré-hospitalares. .<br />

Adulto<br />

'• Frente ><br />

, 18% •<br />

Costas<br />

18%<br />

Criança<br />

. Frente<br />

13,5% 13,5%<br />

(Avaliação Secundária<br />

3Ós terminar a avaliação primária, o próximo objetivo é com¬<br />

pletar a avaliação secundária. A avaliação secundária de um<br />

iente vítima de queimadura não é diferente da realizada em<br />

FIGURA 14-11<br />

Regra dos nove.


362 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ÿ1%<br />

2% 2%<br />

2%<br />

13%<br />

1V?%<br />

1%<br />

1 % 1 %<br />

Área Idade 0 1 5 10 15 Adulto<br />

A - 1/2 da cabeça . 91/2% 81/2% 61/2% 5V2% 4V2% 3V2%<br />

B - 1/2 de uma coxa 2 3/if% 3V4 % 4% 4V4% 4Vz% 4V4%<br />

C - '/2 de uma perna 21/2% 21/2% 23/4% 3% 3V4% 31/2%<br />

FIGURA 14-12<br />

Gráfico de Lund-Browder.<br />

Queimaduras pequenas podem ser avaliadas usando a<br />

Regra das Palmas.O uso da palma do doente é bastante aceito e<br />

há muito realizado para estimativa do tamanho de queimadu¬<br />

ras menores. Não há aceitação uniforme do que define a palma<br />

e de seu tamanho.7 A área media da palma, não incluindo os<br />

dedos estendidos, é de 0,5% da ACS em homens e de 0,4%<br />

em mulheres. Quando os aspectos palmares de todos os cinco<br />

dedos são incluídos, a área aumenta a 0,8% da ACST em<br />

homens e 0,7% em mulheres.7 Além das grandes diferenças<br />

sexuais no tamanho da palma, há também uma variação rela¬<br />

cionada ao peso corpóreo." Na maioria dos casos, portanto, a<br />

palma e os dedos do doente podem ser considerados cerca de<br />

1% da ACS do doente BSA.<br />

Curativos<br />

Antes do transporte, os ferimentos devem ser cobertos com curati¬<br />

vos. O objetivo dos curativos é impedir a contaminação contínua<br />

e o fluxo de ar sobre as feridas, o que ajuda a controlar a dor.<br />

Curativos na forma de tecidos ou toalhas estéreis são sufi¬<br />

cientes antes do transporte do doente. Diversas camadas de<br />

cobertores são, então, colocadas sobre os tecidos estéreis, auxi¬<br />

liando a manutenção do calor corpóreo. Antibióticos tópicos<br />

não devem ser aplicados até que o doente seja avaliado no cen¬<br />

tro para tratamento de queimados.<br />

Transporte<br />

Doentes que apresentam múltiplas lesões além de queimaduras<br />

devem primeiro ser transportados a um centro especializado<br />

em traumas, onde as lesões imediatamente associadas a risco<br />

de vida podem ser identificadas e, caso necessário, cirurgica¬<br />

mente tratadas. Após a estabilização em um centro de trauma,<br />

o doente com queimaduras pode, então, ser transportado a<br />

um centro para tratamento de queimados, para instituição da<br />

terapia definitiva e reabilitação. American Burn Association e<br />

American College of Surgeons estabeleceram os critérios para<br />

transporte ou transferência do doente vítima de queimaduras ao<br />

centro para tratamento especializado, como delineado na Figura<br />

14-13. Nas áreas geográficas sem acesso fácil a um centro para<br />

tratamento de queimados, a direção médica local determina a<br />

escolha preferida para o encaminhamento de tais casos.


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 363<br />

FIGURA 14-13<br />

Lesões que Necessitam de Atendimento em Unidade para Queimados<br />

Doentes com graves queimaduras devem receber atendimento em<br />

centros que possuem habilidade especial e recursos. 0 transporte<br />

inicial ou a transferência precoce a uma unidade de queimados deve<br />

diminuir a taxa de mortalidade e de complicações. A unidade de<br />

queimados pode tratar adultos e/ou crianças. 0 Comité de Trauma<br />

do American College of Surgeons recomenda o encaminhamento a<br />

uma unidade de queimados de doentes com lesões por queimadura<br />

que atendem aos seguintes critérios:<br />

1. Lesão por inalação.<br />

2. Queimaduras de espessura parcial sobre mais de 10% da área<br />

corpórea superficial total (ACST).<br />

3. Queimaduras de espessura completa (terceiro grau) em<br />

doentes de qualquer faixa etária.<br />

4. Queimaduras em face, mãos, pés, genitália, períneo ou<br />

articulações principais.<br />

5. Queimaduras elétricas, incluindo lesão por raios.<br />

6. Queimaduras químicas.<br />

7. Lesão por queimadura em doentes que apresentam doenças<br />

preexistentes que poderiam complicar o tratamento,<br />

prolongar a recuperação ou afetar a mortalidade.<br />

8. Quaisquer doentes com queimaduras e trauma concomitante<br />

(p. ex., fraturas), nos quais a lesão por queimadura apresenta<br />

maior risco de morbidade ou mortalidade; caso o trauma<br />

seja associado a um maior risco imediato, o doente pode ser<br />

inicialmente estabilizado em um centro especializado em<br />

traumas antes de ser transferido para a unidade de queimados.<br />

9. Crianças queimadas internadas em hospitais sem<br />

profissionais qualificados ou equipamentos para o<br />

atendimento pediátrico.<br />

10. Lesão por queimadura em doentes que requerem intervenção<br />

de reabilitação especial, social, emocional ou prolongada.<br />

5 American College of Surgeons (ACS) Committee on Trauma: Resources for optimal care of the injuredpatient: 1999, Chicago, 1998, ACS.)<br />

Tratamento<br />

I Primeiro Atendimento a Queimados<br />

| A etapa inicial do atendiment o de um doente vítima de queinadura<br />

é a interrupção do processo de lesão. O método mais<br />

ficaz e adequado de interrupção da queimadura é a irrigação<br />

ícomgrandes volumes de água à temperatura ambiente. O uso<br />

|de água fria ou gelo é contraindicado. Como anteriormente<br />

mencionado, a aplicação de gelo interrompe a queimadura<br />

ÿtem efeito analgésico, mas também aumenta a extensão do<br />

no tecidual na zona de estase. Remova todas as roupas e<br />

aias: estes itens mantêm calor residual e continuam a ferir<br />

[odoente. Além disso, as jóias podem contrair os dedos ou os<br />

nembros quando os tecidos começam a apresentar aumento<br />

[devolume.<br />

Um tópico possivelmente controverso é a prática de res¬<br />

friamento da queimadura. Diversos pesquisadores avaliaram<br />

[o efeito de diversos métodos de resfriamento na aparência<br />

nicroscópica do tecido queimado, assim como seu impacto<br />

obre a cicatrização da ferida. Queimaduras experimentais por<br />

caldamento de 10% da área corpórea superficial, em animais<br />

alados com resfriamento, apresentaram menor dano celular<br />

jque aquelas não resfriadas. Em um estudo, os pesquisadores<br />

incluíram que o resfriamento da queimadura exerce um efeito<br />

lenético sobre as queimaduras experimentais.9 Nem todos os<br />

métodos de resfriamento de queimaduras são equivalentes. O<br />

sfriamento muito agressivo gera dano tecidual. Caso tardio, é<br />

ovável que não seja benéfico. Em doentes com queimaduras<br />

xtensas, o resfriamento pode induzir hipotermia. Os pesquiadores<br />

são capazes de medir diretamenle o impacto do res¬<br />

friamento sobre a temperatura da derme queimada, a estrutura<br />

microscópica do tecido e a cicatrização da ferida. Outro estudo<br />

avaliou os resultados de diversos métodos de resfriamento.<br />

Estes pesquisadores compararam queimaduras resfriadas com<br />

água de torneira (15°C) à aplicação de hidrogel de Melaleuca<br />

Alternifolia. Cada um destes métodos foi aplicado imediata¬<br />

mente após a queimadura, e novamente após 30 minutos. O<br />

resfriamento imediato com água de torneira foi quase duas<br />

vezes mais eficaz na redução da temperatura no interior do<br />

tecido queimado. Neste ensaio, os ferimentos que foram res¬<br />

friados tiveram melhor aparência microscópica e a cicatrização<br />

da ferida ocorreu três semanas após a lesão.1" O resfriamento<br />

agressivo com gelo provoca mais danos e aumenta a lesão no<br />

tecido já danificado pela queimadura. Isto foi demonstrado em<br />

um modelo animal: o resfriamento imediato da queimadura,<br />

pela aplicação de gelo, provoca mais danos do que a aplica¬<br />

ção de água de torneira ou a ausência de tratamento.11 A aplicação<br />

de água gelada, à temperatura de 1°-8°C (34°-46°F) resulta em<br />

mais destruição tecidual do que qualquer outro tratamento de<br />

resfriamento. Por outro lado, o resfriamento com água de tor¬<br />

neira, à temperatura de 120-18°C (54°-64°F) provocou menor<br />

necrose tecidual e cicatrização mais rápida do que a ausência<br />

de tratamento.1" Uma possível complicação do resfriamento é<br />

o desenvolvimento de hipotermia sistémica. Uma importante<br />

consideração é que as pesquisas sobre o resfriamento foram<br />

realizadas em animais de laboratório, e que as queimaduras<br />

tinham tamanho muito limitado. A maior queimadura ava¬<br />

liada atingia 10% da área corpórea superficial total. O resfria¬<br />

mento de queimaduras extensas poderia provocar hipotermia.<br />

Outro possível perigo do resfriamento é que, em doentes com<br />

queimaduras e trauma mecânico, a hipotermia sistémica tem


364 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

efeitos previsíveis e prejudiciais sobre a formação de coágulos<br />

sanguíneos.<br />

Uma forma eficaz de tratamento de queimaduras recentes<br />

é a aplicação de curativos estéreis e não aderentes. Recubra a<br />

área com um tecido limpo. Na ausência deste, use um avental<br />

cirúrgico estéril, outros tecidos ou toalhas. O curativo impede<br />

a contaminação ambiental contínua ao mesmo tempo em que<br />

ajuda o doente a não sintir dor pelo fluxo de ar sobre as termi¬<br />

nações nervosas expostas (Fig. 14-14).<br />

Os socorristas pré-hospitalares geralmente ficam insatisfei¬<br />

tos o frustrados com a simples aplicação de tecidos estéreis a<br />

uma queimadura. Porém, pomadas e antibióticos convencio¬<br />

nais tópicos não devem ser aplicados, pois impedem a inspeção<br />

direta da queimadura. Tais pomadas e antibióticos tópi¬<br />

cos são removidos à internação no centro para tratamento de<br />

queimados, permitindo a visualização direta da queimadura<br />

e a determinação de sua gravidade. Além disso, alguns medi¬<br />

camentos tópicos podem complicar a aplicação de produtos<br />

criados por bioengenharia usados para auxiliar a cicatrização<br />

da ferida.<br />

Curativos recobertos por altas concentrações de anlimicrobianos<br />

(p. ex., Silverlon:5j ou Acticoat'") passaram a ser o pilar<br />

do cuidado de feridas em centros para tratamento de queima¬<br />

dos (Fig. 14-15). Estes curativos são recobertos por prata, que<br />

é lentamente liberada, durante vários dias, quando aplicada<br />

sobre uma ferida aberta causada por queimadura. A prata libe¬<br />

rada confere rápida cobertura antimicrobiana contra micro-<br />

-organismos contaminantes comuns que infectam as feridas.<br />

Recentemente, estes curativos têm sido adaptados, a partir do<br />

uso em centros para tratamento de queimados, para o uso em<br />

aplicações pré-hospitalares. Estes grandes tecidos antimicrobianos<br />

podem ser rapidamente aplicados à queimadura e erra¬<br />

dicar quaisquer micro-organismos contaminantes. Tal método<br />

de atendimento permite que os socorristas pré-hospitalares<br />

apliquem um produto não farmacêutico que reduz, de modo<br />

significativo, a contaminação em feridas por queimadura em<br />

até 30 minutos após sua colocação.13'15 Uma vantagem destes<br />

curativos na aplicação militar é o tamanho compacto e o baixo<br />

peso. Um adulto pode ser inteiramente recoberto com curati¬<br />

vos antibióticos que podem ser armazenados no volume de um<br />

envelope de papel, com peso mínimo.<br />

Reposição de Fluidos<br />

A administração de grandes quantidades de fluidos por via<br />

intravenosa (IV) é necessária durante o primeiro dia pós-queimadura,<br />

para impedir que o doente entre em choque hipovolêmico.<br />

Após a queimadura, a vítima perde uma quantidade<br />

substancial de fluido intravascular na forma de edema em todo<br />

o corpo, assim como por evaporação no sítio da queimadura.<br />

Extensos desvios fluidos são observados, apesar de a água<br />

corpórea total poder permanecer inalterada. As perdas por<br />

evaporação podem ser enormes. A excessiva administração<br />

de fluido, porém, provoca mais danos. Portanto, embora gran¬<br />

des requerimentos fluidos sejam necessários ao tratamento do<br />

choque por queimadura, o excesso de fluido complica o trata¬<br />

mento do doente e até mesmo piora os ferimentos.<br />

No choque por queimadura, a ressuscitação é dirigida não<br />

somente ao restauro da perda de volume intravascular, mas<br />

também à reposição das perdas intravasculares antecipadas,<br />

em uma taxa que as mimetiza à medida que ocorrem (Fig.<br />

14-16). Em doentes vítimas de traumas, o socorrista está res¬<br />

taurando o volume que o doente já perdeu, por hemorragia de<br />

uma fratura exposta ou sangramento das vísceras. Por outro<br />

lado, durante o tratamento do doente vítima de queimadura, o<br />

objelivo é a calcular e repor os fluidos que já foram perdidos,<br />

assim como repor o volume que o socorrista espera que seja<br />

perdido nas primeiras 24 horas após a lesão.<br />

O acesso intravenoso deve ser considerado nas situações<br />

que envolvem longos tempos de transporte até o hospital. Em<br />

ambientes urbanos, com tempos de transporte curtos, a neces¬<br />

sidade de obtenção do acesso IV é baseada não na queimadura,<br />

mas em outras condições apresentadas pelo doente.<br />

Doente Adulto<br />

O uso de fluidos IV, especialmente da solução de Ringer Lactato<br />

(RL), é a melhor forma de iniciar o tratamento de um doente<br />

vítima de queimadura. A quantidade de fluidos administrada<br />

nas primeiras 24 horas após a lesão é, geralmente, de 2-4 mL<br />

por quilograma cle peso corpóreo/% da área queimada (usando<br />

somente o total de queimaduras de segundo e terceiro graus).<br />

Há diversas fórmulas que orientam a reposição de fluidos era<br />

doentes queimados. A mais notável é a fórmula de Parkland,<br />

que determina a administração de 4 mL/kg/% de área quei¬<br />

mada. Metade deste fluido precisa ser administrada nas pri¬<br />

meiras oito horas após a lesão, e a outra metade, entre a 8a e a<br />

24a horas. E importante notar que a primeira metade do fluido<br />

é administrada nas primeiras oito horas após a queimadura,<br />

FIGURA 14-14<br />

Impedir o Fluxo de Ar sobre a Queimadura<br />

Muitos de nós já sentimos a dor de uma cárie dentária. A dor é<br />

intensificada durante a inalação de ar sobre o nervo exposto.<br />

Na queimadura de espessura parcial, milhares de nervos são<br />

expostos, e as correntes de ar do ambiente provocam dor ao<br />

entrarem em contato com nervos expostos do leito da ferida.<br />

Ao manter as queimaduras cobertas, portanto, o doente sente<br />

menos dor.<br />

FIGURA 14-15 Curativo Acticoat.<br />

(Cortesia de Smith & Nephew Wound Management.)


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 365<br />

FIGURA 14-16<br />

Reposição de Fluidos em Doentes<br />

Queimados<br />

Areposição de fluidos em um doente vítima de queimadura pode<br />

ser comparada ao enchimento de um balde com vazamento. 0<br />

balde perde água a uma taxa constante, e possui uma linha<br />

desenhada em seu interior, próxima ao topo. Seu objetivo é<br />

manter a água ao nível da linha. Inicialmente, quando se chega<br />

ao balde, a profundidade da água é muito baixa. Quanto maior<br />

liver sido o tempo em que foi deixado sozinho, menor o nível da<br />

água e maior a quantidade de fluido que precisa ser reposta. 0<br />

[ balde continua a vazar, de modo que, uma vez que foi enchido a<br />

um nível adequado, a adição de fluidos precisa ser realizada em<br />

uma taxa constante, para manter o nível desejado.<br />

Quanto maior o tempo em que o doente vítima de queimadura<br />

não é submetido à reposição fluida, seja em nível correto ou<br />

subótimo, maior a hipovolemia. Portanto, maiores quantidades<br />

de fluidos são necessárias para estabelecer o "nível" de<br />

homeostasia. Uma vez que o doente foi submetido à reposição,<br />

o espaço vascular continua a vazar, da mesma maneira que<br />

o balde. Para manter o equilíbrio deste ponto homeostático,<br />

mais fluidos precisam ser administrados, repondo as perdas<br />

contínuas.<br />

) a partir do ponto em que o socorrista começa a ressuscitar<br />

[doente. Isto é especialmente importante em ambientes mili-<br />

;es, onclo o início do tratamento pode ser tardio. Por exemb,<br />

caso o doente seja atendido três horas após a lesão, tendo<br />

ido submetido à reposição com quantidades pequenas ou<br />

ilas de fluido, a primeira metade do total calculado precisa<br />

ÿadministrada em cinco horas. Desta forma, o doente recebe<br />

olume pretendido nas primeiras oito horas após a ocorrênida<br />

lesão. Em queimaduras, o Ringer Lactato é preferido ao<br />

fisiológico normal a 0,9%. O doente vítima de queimaas<br />

caracteristicamente requer a administração de grandes<br />

ilumes de fluidos por via intravenosa. Os doentes que rece-<br />

Igrandes quantidades de soro fisiológico normal durante a<br />

osição geralmente desenvolvem uma doença denominada<br />

fidose hiperclorêmica, dadas as altas concentrações de clo-<br />

) encontradas no soro fisiológico normal.<br />

|álculo dos Volumes da Reposição de Fluidos<br />

sidere, por exemplo, um homem de 80 kg que teve 30%<br />

) corpo acometido por queimaduras de terceiro grau e foi<br />

ado no local, logo após a lesão. O volume de reposição de<br />

fidos seria calculado da seguinte forma:<br />

ilume total de fluidos<br />

i24 horas<br />

= 4 mL/kg/%<br />

ACST queimada<br />

= 4 mL/kg/% ACST queimada<br />

x 80 kg x 30% ACST queimada<br />

= 9.600 mL<br />

! que, nesta fórmula, as unidades de quilogramas e poralagem<br />

se anulam, de modo que somente mL são deixados<br />

bcálculo, assim 4 mL x 80 x 30 = 9.600 mL.<br />

Depois que o total em 24 horas for calculado, divida este<br />

número por 2:<br />

Quantidade de fluido a ser administrada entre a ocorrência<br />

da lesão e a 8a hora = 9.600 mL/2 = 4.800 mL<br />

Ao determinar a taxa por hora nas primeiras oito horas, divida<br />

este total por 8:<br />

Taxa de administração de fluido nas primeiras oito horas<br />

= 4.800 mL/8 horas = 600 mL/hora<br />

O requerimento de fluidos no próximo período (8a a 24a hora)<br />

é calculado da seguinte forma:<br />

Quantidade de fluido a ser administrada entre a 8a e a<br />

24a hora = 9.600 mL/2 = 4.800 mL<br />

Ao determinar da taxa por hora das últimas 16 horas, divida<br />

este total por 16:<br />

Taxa de administração de fluido nas últimas 16 horas =<br />

4.800 mL/16 horas = 300 mL/hora<br />

A Regra dos 10 da Ressuscitação de Queimados.<br />

Na tentativa de simplificar o processo de cálculo dos reque¬<br />

rimentos fluidos de doentes queimados no ambiente préhospitalar,<br />

pesquisadores do U.S. Army Institute of Surgical<br />

Research desenvolveram a "Regra de 10", para orientação da<br />

ressuscitação fluida inicial.10 A porcentagem da ACS é cal¬<br />

culada e arredondada ao múltiplo de 10 mais próximo. Uma<br />

queimadura de 37%, por exemplo, é arredondada para 40%.<br />

A porcentagem da queimadura é, então, multiplicada por 10,<br />

obtendo-se o número de mililitros por hora de cristalóides a<br />

serem infundidos. Assim, no exemplo anterior, o cálculo é 40<br />

x '10, ou seja, 400 mL por hora. Esta fórmula é usada em adul¬<br />

tos com peso de 40 a 70 kg. Para cada '10 kg de peso acima de<br />

70 kg, são infundidos mais 100 mL por hora.<br />

Doente Pediátrico<br />

Crianças requerem volumes de fluidos IV relativamente maio¬<br />

res do que os adultos com queimaduras de tamanho similar.<br />

Além disso, as crianças possuem menos reservas metabólicas<br />

da molécula glicogênio no fígado para manter a concentração<br />

adequada de glicose no sangue durante o tratamento da quei¬<br />

madura. Por estas razões, as crianças devem receber fluidos<br />

contendo 5% de dextrose (D5RL), por via IV, em taxa de manu¬<br />

tenção padrão, além dos fluidos normalmente usados na repo¬<br />

sição em casos de queimadura.<br />

Inalação de Fumaça- Considerações sobre a<br />

Administração de Fluidos<br />

O doente que apresenta queimaduras térmicas e inalou fumaça<br />

requer uma quantidade significativamente maior de fluidos do<br />

que o doente vítima de queimadura que não inalou fumaça.17<br />

Na tentativa de "proteger os pulmões", os socorristas geral-


366 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

mente administram menos iluido do que o calculado. Isto, na<br />

verdade, aumenta a gravidade da lesão pulmonar.<br />

Considerações Especiais<br />

Queimaduras Elétricas<br />

Lesões elétricas são devastadoras e podem facilmente ser<br />

subestimadas. Em muitos casos, a extensão do aparente dano<br />

lecidual não reflete precisamente a magnitude da lesão. A des¬<br />

truição e a necrose lecidual são excessivas quando compara¬<br />

das ao trauma visualmente aparente, .uma vez que grande parle<br />

ocorre internamente, conforme a eletricidade é conduzida<br />

através do doente. O doente apresenta queimaduras externas<br />

nos pontos de contalo com a fonte elétrica, assim como nos<br />

pontos de contato com o chão (Fig. 14-17). À medida que a ele¬<br />

tricidade percorre o corpo do doente, camadas profundas de<br />

tecido são destruídas, apesar das lesões aparentemente peque¬<br />

nas observadas na superfície.<br />

Lesões elétricas e por esmagamento compartilham muitas<br />

similaridades. Em ambas, há extensa destruição de grandes<br />

grupos musculares,com resultante liberação de potássio c mioglobina<br />

(Cap. *12). A liberação do potássio muscular provoca<br />

um aumento significativo no nível sérico deste íon,o que pode<br />

provocar arritmias cardíacas. Altas concentrações de potássio<br />

podem fazer com que o uso do relaxante muscular despolarizante<br />

succinilcolina seja proibitivamente perigoso. A mioglobina<br />

é uma molécula encontrada no músculo que auxilia o<br />

transporte de oxigénio no tecido muscular. Quando liberada<br />

na corrente sanguínea em quantidades consideráveis, a mioglobina<br />

é tóxica aos rins, podendo causar insuficiência renal.<br />

Esta condição, a mioglobinúvia, é evidenciada pela urina com<br />

cor de chá ou de refrigerante à base de cola (Fig. 14-18).<br />

Socorristas pré-hospitalares são comumente convocados a<br />

fazer a transferência inter-hospilalar de doentes que sofreram<br />

lesões elétricas. Doentes com queimaduras elétricas devem<br />

ser transportados com sonda urinária. Estes indivíduos reque¬<br />

rem diurese volumosa, de mais de 100 mL/hora em adultos ou<br />

*1 mL/kg/hora em crianças, para evitar o desenvolvimento de<br />

insuficiência renal. O bicarbonato de sódio é administrado em<br />

alguns casos, para tornar a mioglobina mais solúvel na urinae<br />

reduzir a probabilidade de lesão renal.<br />

O doente vítima de queimadura elétrica também pode<br />

apresentar lesões associadas. Aproximadamente 15% dos<br />

doentes com lesões elétricas também apresentam lesões trau¬<br />

máticas. Esta laxa é o dobro da observada em doentes quei¬<br />

mados por outros mecanismos.10 As membranas timpânicas<br />

podem romper-se, provocando dificuldade de audição. A<br />

contração muscular intensa e contínua (tetania) pode resul¬<br />

tar em fraturas por compressão de múltiplos níveis da coluna<br />

vertebral, assim como de ossos longos. Doentes que sofre¬<br />

ram lesões elétricas devem ser submetidos à imobilização da<br />

coluna vertebral. Fraturas em ossos longos devem ser subme¬<br />

tidas à colocação de talas, quando detectadas ou suspeitas.<br />

Hemorragias intracranianas e arritmias cardíacas também<br />

podem ser observadas.<br />

Queimaduras elétricas provocadas por raios são resultan¬<br />

tes do superaquecimento do ar. Ainda assim, devido à natu¬<br />

reza catastrófica e oculta das lesões por condução, é impera¬<br />

tivo que os socorristas mantenham um alto índice de suspeita<br />

da presença de lesão por transmissão.<br />

Queimaduras Circunferenciais<br />

Queimaduras circunferenciais do tronco ou dos membros são<br />

associadas a risco de vida ou perda de membros. Queimaduras<br />

circunferenciais do tórax podem contrair a parede torácica a<br />

ponto de o doente se sufocar, dada a incapacidade de respi¬<br />

rar. Nos membros, as queimaduras circunferenciais criam um<br />

efeito de torniquete, que pode fazer com que haja ausência de<br />

pulso em braços ou pernas. Todas as queimaduras circunfe¬<br />

renciais, portanto, devem ser tratadas pomo emergência, e os<br />

doentes são transportados a um centro.especializado em quei¬<br />

mados ou em traumas, na indisponibilidade do primeiro. As<br />

escarotomicis são incisões cirúrgicas feitas através da escara<br />

da queimadura, que permitem a expansão dos tecidos mais<br />

profundos e a descompressão de estruturas vasculares previa¬<br />

mente comprimidas e, geralmente, ocluídas (Fig. 14-19).<br />

FIGURA 14-17<br />

tensão.<br />

Doente após lesão elétrica por fios de alta<br />

FIGURA 14-18 Urina do doente após lesão elétrica por fios<br />

de alta tensão. O doente apresenta mioglobinúria após extensa<br />

destruição muscular.


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 367<br />

FIGURA 14-20<br />

Sinais e Sintomas da Inalação de<br />

Fumaça<br />

e Queimadura em espaço confinado<br />

e Confusão ou agitação<br />

e Queimaduras em face ou tórax<br />

e Chamuscamento de sobrancelhas ou pelos nasais<br />

e Fuligem no escarro<br />

e Rouquidão, perda de voz ou estridor<br />

SURA 14-19 As escarotomias são realizadas para liberar o<br />

ilode contração das queimaduras circunferenciais.<br />

lesões por Inalação de Fumaça<br />

principal causa de morte em incêndios não está relacionada<br />

5 lesões térmicas, mas à inalação de fumaça tóxica. Qualler<br />

doente com histórico de exposição à fumaça em espaço<br />

liado deve ser considerado suscetível a uma lesão por inalalo.Qualquer<br />

doente com queimaduras em face ou fuligem nó<br />

to é suscetível à lesão por inalação de.fumaça; a ausên-'<br />

adestes sinais, porém, não exclui o diagnóstico de inalação<br />

rica (Fig. 14-20). Manter um alto índice de suspeita é extrenente<br />

importante, uma vez que os sinais e sintomas podem<br />

o se manifestar por dias após a exposição.<br />

Na inalação de fumaça, há três elementos: lesão térmica,<br />

xiae lesão pulmonar tardia induzida por toxina. O ar seco<br />

[um mau condutor de calor; a inalação de ar aquecido, assoda<br />

a incêndios, raramente induz lesão térmica na via aérea<br />

aixo das cordas vocais. A grande área superficial da nasofageé<br />

eficaz na troca de calor, resfriando o ar aquecido inalado<br />

[uma temperatura próximo à corpórea, quando este atinge o<br />

íveldas cordas vocais. Quando o ar seco, aquecido a 300°C<br />

i/2°F), é inalado, chega à traqueia resfriado a 50°C (l22°F).1n<br />

Icordas vocais ainda conferem proteção por se moverem,<br />

r reflexo, em posição de adução ou fechada.2" A exceção é<br />

ilação de vapor. O vapor possui 4.000 vezes a capacidade<br />

[«transmissão do calor do ar seco, e é capaz de queimar a via<br />

ta distais e os bronquíolos.1"<br />

isfixiantes<br />

s dois produtos gasosos que são clinicamente importantes<br />

no asfixiantes são o monóxido de carbono (CO) e o gás ciafío(CN).<br />

Estas duas moléculas são classificadas como asfintes<br />

e, assim, provocam morte celular por hipoxia ou asfi-<br />

,0s doentes com asfixia por fumaça contendo os dois ou<br />

idestes compostos apresentam suprimento inadequado de<br />

génio aos tecidos, apesar da pressão arterial ou da leitura<br />

poxímetro de pulso normal. O monóxido de carbono se liga<br />

ímoglobina com maior afinidade do que o oxigénio. Os sinnas<br />

da inalação de CO dependem da duração ou da gravi¬<br />

de e seus resultantes níveis séricos. Os sintomas podem ir<br />

[cefaleia branda ao coma e à morte. Tradicionalmente, ensi¬<br />

ne que os doentes envenenados com CO desenvolvem uma<br />

"clássica" coloração vermelho-cereja na pele. Infelizmente,<br />

este geralmente é um sinal tardio e não deve ser considerado<br />

confiável no estabelecimento do diagnóstico.<br />

Oxímetros portáteis de pulso, como CO-Oximeters® (Fig.<br />

14-21), que medem, de forma não invasiva, a quantidade de<br />

monóxido de carbono na corrente sanguínea, podem ser usa¬<br />

dos no ambiente pré-hospitalar. Estes monitores parecem oxí¬<br />

metros de pulsos e funcionam de modo similar. O tratamento<br />

da intoxicação por CO é composto pela remoção do doente<br />

da fonte e pela administração de oxigénio. Ao respirar o ar<br />

ambiente (21% de oxigénio), o corpo elimina metade do CO<br />

em 250 minutos.21 Quando o doente é colocado no oxigénio a<br />

100%, a meia-vida do complexo CO-hemoglobina é reduzida<br />

a 40-60 minutos.22<br />

FIGURA 14-21 Monitor pré-hospitalar de C02 Masimo, Rad-57.<br />

(Cortesia de Masimo Corporation.)


368 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

O gás cianeto é produzido pela queima de plásticos ou<br />

poliuretanos. O cianeto afeta o maquinário celular, impedindo<br />

o uso de oxigénio. O doente pode morrer por asfixia, apesar<br />

da concentração adequada de oxigénio no sangue. Os sinto¬<br />

mas da intoxicação por cianeto incluem alteração do nível<br />

de consciência, tontura, cefaleia e taquicardia ou taquipneia.<br />

Doentes com intoxicação por monóxido de carbono decorrente<br />

de incêndios também devem ser considerados suscetíveis ao<br />

envenenamento por cianeto. O tratamento de envenenamento<br />

por cianeto é tradicionalmente feito com o rápido transporte a<br />

um pronto-socorro capaz de administrar o antídoto ao doente.<br />

Porém, o kit de antídoto comercializado, amplamente usado na<br />

Europa por muitos anos e recentemente disponível nos Esta¬<br />

dos Unidos, permite o tratamento da intoxicação por CN no<br />

local. O antídoto preferido para o envenenamento por cianeto<br />

é a medicação que se liga diretamente à molécula de cianeto,<br />

tornando-a inerte. A hidrocobcilaniina (Cianokil"") destoxifica<br />

o cianeto, ligando-se diretamente a ele e formando cianocobalamina<br />

(vitamina B'12), que não é tóxica. A hidrocobalamina<br />

está disponível para uso pré-hospitalar na Europa e nos<br />

Estados Unidos. Um segundo agente quelante que foi usado<br />

na Europa no tratamento do envenenamento por cianeto é o<br />

dicobalto edctato. Caso esta medicação seja administrada na<br />

ausência de envenenamento por cianeto, porém, pode haver<br />

intoxicação por cobalto.<br />

O "Lilly kit" ou o "Pasadena kit" eram os antídotos tradi¬<br />

cionalmente usados nos Estados Unidos e ainda podem ser<br />

utilizados em alguns ambientes. Este método de tratamento<br />

do envenenamento por cianeto foi desenvolvido na década<br />

de 1930 e é eiicaz na desintoxicação de animais envenenados<br />

com 21 vezes a dose letal de cianeto.23 O objetivo deste antí¬<br />

doto é induzir a formação de um segundo veneno no sangue do<br />

doente. Este veneno lerapeulicamente induzido se liga ao cia¬<br />

neto, permitindo lenta desintoxicação e excreção. O "Lilly kit"<br />

contém diversos medicamentos. O primeiro agente a ser admi¬<br />

nistrado é um nitrato, seja amil nitrato ou nitrato de sódio. O<br />

amil nitrato vem em uma ampola que é aberta e seus vapores<br />

são inalados; o nitrato de sódio é administrado por via intra¬<br />

venosa (IV), que é o método preferido de administração. Os<br />

nitratos mudam a forma da hemoglobina, produzindo metemoglobina,<br />

que atrai o CN, retirando-o de seu sítio de ação<br />

tóxica na mitocôndria da célula. Uma vez que o CN se liga à<br />

metemoglobina, a mitocôndria pode novamente começar a pro¬<br />

duzir energia para a célula. Infelizmente, a metemoglobina é<br />

tóxica, uma vez que não carreia oxigénio para as células como<br />

a hemoglobina. Esta redução no suprimento de oxigénio pode<br />

exacerbar ainda mais a hipoxia tecidual associada ao aumento<br />

dos níveis de CO que a vítima também pode apresentar, dada<br />

a inalação de fumaça.2'1,25 A terceira medicação do kit é o tios-,<br />

sulfato de sódio, administrado por via intravenosa. Tiossulfato<br />

e CN da metemoglobina são metabolizados a tiocianato,<br />

que é excretado, com segurança, pela urina do doente. Devido<br />

à intoxicação por metemoglobina e ao tempo necessário para<br />

administração do "Lilly kit" completo, a hidrocobalamina se<br />

tornou o antídoto preferido no tratamento do envenenamento<br />

por cianeto.<br />

Lesão Pulmonar Induzida por Toxina<br />

Os componentes térmicos e asfixiantes de uma lesão por ina¬<br />

lação são geralmente aparentes no momento do resgate. Por<br />

outro lado, os sinais e sintomas da lesão pulmonar induzida<br />

por toxina caracteristicamente não se manifestam por vários<br />

dias. Os primeiros dias após a lesão por inalação de fumaça<br />

são geralmente descritos como "período de lua de mel".<br />

Durante este período, o doente pode parecer estável, apresen¬<br />

tando disfunções pulmonares discretas ou nulas. A gravidade<br />

desta lesão pulmonar é altamente dependente de dois falores:<br />

a composição da fumaça e a duração da exposição.21'<br />

Em termos simples, a fumaça é o produto da combustão<br />

incompleta — ou seja, é poeira química. As substâncias quí¬<br />

micas presentes na fumaça reagem com a mucosa da traqueia<br />

e dos pulmões, danificando as células que recobrem estes<br />

órgãos e a via aérea.27'2" Compostos como amónia, cloreto de<br />

hidrogénio e dióxido de enxofre formam ácidos e álcalis cor¬<br />

rosivos quando inalados.30 Estes envenenamentos provocam<br />

necrose das células da mucosa da traqueia e dos bronquíolos,<br />

Normalmente, estas células possuem minúsculas estruturas<br />

semelhantes a pelos, denominadas cílios. Nestes cílios, há um<br />

tapeie de muco que captura e transporta os detritos inaladosà<br />

orofaringe, onde eles são deglutidos pelo trato gastrointestinal.<br />

Diversos dias após uma lesão por inalação, estas células mor¬<br />

rem. Os detritos destas células necróticas, assim como os i<br />

estas caracteristicamente capturam, são capazes de inundar os<br />

pulmões. Isto resulta em aumento das secreções, entupimento I<br />

da via aérea por muco e detritos celulares, e aumento da taxa<br />

de ocorrência de pneumonias falais.<br />

Tratamento Pré-hospitalar<br />

O primeiro e mais importante elemento do atendimento a um<br />

doente exposto à fumaça é a determinação da necessidade de<br />

enlubação orotraqueal. Sempre que há dúvida quanto à deso¬<br />

bstrução da via aérea do doente, o socorrista pode realizara<br />

enlubação orotraqueal.31,32 A contínua reavaliação da via aérea<br />

é necessária. Mudanças no caráter da voz, dificuldades na<br />

manipulação de secreções ou sialorreia são sinais de oclusão<br />

iminente da via aérea.<br />

Doentes que inalaram fumaça devem ser transportados a<br />

centros para tratamento de queimados, mesmo na ausência dei<br />

queimaduras superficiais. Estes centros tratam muitos doentes<br />

com inalação de fumaça e oferecem modalidades únicas de<br />

ventilação mecânica.<br />

Abuso Infantil<br />

Aproximadamente 20% de todos os abusos infantis são resul¬<br />

tantes de queimaduras intencionais. A maioria das crianças j<br />

intencionalmente queimadas tem entre 1 e 3 anos de idade.31<br />

A forma mais comum de queimadura no abuso infantil é I<br />

a imersão forçada. Estas lesões ocorrem caracteristicamente<br />

quando um adulto coloca a criança em água quente, geralmente<br />

como punição no treinamento do uso do vaso sanitário. 0;<br />

fatores que determinam a gravidade da lesão incluem a idade<br />

do doente, a temperatura da água e a duração da exposição. A<br />

criança pode sofrer queimaduras profundas de segundo ou de |<br />

terceiro graus nas mãos ou nos pés, em um padrão semelhanli<br />

a luvas ou meias. Estas lesões são especialmente su<br />

quando as queimaduras são simétricas e não possuem padr<br />

em respingo34 (Figs. 14-22 e 14-23). Em casos de escaldamen|o<br />

intencional, a criança flexiona os braços e as pernas em<br />

postura defensiva, por medo ou dor. O padrão resultante dil


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 369<br />

FIGURA 14-22 Escaldamento em meia nos pés de crianças<br />

indica queimadura intencional por imersão, consistente com<br />

abuso infantil.<br />

queimadura poupa as linhas de flexão da fossa poplítea, da<br />

fossa antecúbita e da virilha. Linhas de demarcação agudas<br />

também são observadas entre o tecido queimado e não quei¬<br />

mado, indicando a imersão15""' (Fig. 14-24).<br />

Em lesões acidentais por escaldamento, as queimaduras<br />

apresentam profundidades variáveis, margens irregulares e<br />

lesões remotas menores, e não extensas, indicando a ocorrên¬<br />

cia de respingos.17<br />

Queimaduras por Contato<br />

Queimaduras por contato compõem o segundo mecanismo<br />

mais comum de lesão por queimadura em crianças, seja aci¬<br />

dental ou intencional. Todas as superfícies corpóreas apresen¬<br />

tam algum grau de curvatura. Quando ocorre uma queimadura<br />

acidental por contato, o agente queimante entra em contato<br />

com a área curva da superfície corpórea. O instrumento da<br />

queimadura é delletido da superfície curva, ou a vítima se<br />

esquiva do objeto quente. A lesão resultante apresenta bordas<br />

e profundidade irregulares. Quando uma criança é submetida<br />

a uma queimadura intencional por contato, o objeto é pres¬<br />

sionado contra a pele. A lesão resultante apresenta linhas de<br />

demarcação agudas entre o tecido queimado e o tecido não<br />

queimado, e uma profundidade uniforme.30<br />

Muitas jurisdições requerem que os socorristas relatem lais<br />

casos de suspeita de abuso infantil.<br />

FIGURA 14-23 As linhas retas da queimadurã e a ausência de<br />

marcas de respingo indicam que esta queimadura é resultante<br />

de abuso.<br />

FIGURA 14-24 O não acometimento de áreas de flexão e<br />

as linhas agudas de demarcação entre a pele queimada ou<br />

não indicam que esta criança ficou em posição defensiva,<br />

flexionada, antes da lesão. Tal a postura indica que o<br />

escaldamento não é acidental.


370 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Queimaduras por Radiação<br />

A gravidade das queimaduras produzidas pelas diversas for¬<br />

mas de radiação é produto da quantidade de energia absorvida<br />

pelo tecido atingido. As várias formas de radiação incluem a<br />

eletromagnética, a radiográfica, os raios gama e a particulada.<br />

A radiação de forma diferente é capaz de transferir graus varia¬<br />

dos de energia ao tecido. Além disso, algumas formas de radia¬<br />

ção (p. ex., a eletromagnética) podem passar através do tecido<br />

ou do indivíduo, provocando danos. Por outro lado. outras for¬<br />

mas de radiação (p. ex., exposição a neutrons) são absorvidas<br />

pelo tecido-alvo, gerando lesão significativa. E a absorção da<br />

radiação que resulta em danos. A capacidade de absorção da<br />

radiação é mais danosa do que a dose real de radiação. Doses<br />

equivalentes de formas diferentes de radiação exercem efeitos<br />

dramaticamente diferentes em um indivíduo.<br />

A exposição à radiação geralmente ocorre no ambiente de<br />

incidente industrial ou ocupacional. Porém, com o aumento<br />

da ameaça global de terrorismo, a detonação de um pequeno<br />

equipamento nuclear híbrido [i.e., uma "bomba suja") é uma<br />

possibilidade real.<br />

A detonação de uma arma nuclear em uma área metro¬<br />

politana causaria lesões e mortes por três mecanismos: quei¬<br />

maduras térmicas do incêndio inicial, explosão supersônica<br />

destrutiva e produção de radiação. A mortalidade associada à<br />

combinação de queimaduras térmicas e causada por radiação<br />

é maior do que a destas lesões isoladas de igual magnitude. A<br />

combinação destas queimaduras tem um efeito sinérgico sobre<br />

a mortalidade.1"<br />

Um ataque nuclear resultaria em grande número de mor¬<br />

tos e feridos, capazes de sobrepujar socorristas e instituições<br />

médicas. Um ataque em um centro populacional destruiria<br />

instituições módicas, mataria socorristas e prejudicaria as<br />

linhas de suprimento. Os socorristas pré-hospilalares prova¬<br />

velmente seriam requeridos ao atendimento das vítimas por<br />

longos períodos.<br />

A radiação é um material perigoso, e muitas das primei¬<br />

ras prioridades são as mesmas para qualquer doente exposto a<br />

estas substâncias. Tais prioridades são a remoção do doente da<br />

fonte de contaminação, a remoção de roupas contaminadas e a<br />

irrigação do doente com água. Lembre-se que qualquer peça de<br />

roupa removida deve ser considerada contaminada e deve ser<br />

manipulada com cautela. A irrigação é feita cuidadosamente,<br />

para remover quaisquer detritos radioativos ou partículas das<br />

áreas contaminadas sem disseminar a lesão às superfícies cor¬<br />

póreas não contaminadas. A irrigação deve ser continuada até<br />

que a contaminação seja minimizada a um estado constante,<br />

determinado por um contador Geiger."" A exceção a esta abor¬<br />

dagem é o doente que sofreu trauma grave além da lesão por<br />

radiação. Nestes casos, as roupas devem ser removidas ime¬<br />

diatamente; então, a lesão traumática é tratada e o doente,<br />

estabilizado. Doentes com lesões por radiação devem ser sub¬<br />

metidos à reposição de fluidos, como qualquer outra vítima<br />

de queimadura. Doentes irradiados podem apresentar vómito<br />

e diarreia, necessitando de um aumento no volume de fluido<br />

administrado.<br />

As consequências fisiológicas da irradiação corpórea total<br />

compõem a síndrome aguda por radiação (SAR). Os primei¬<br />

ros sintomas de SAR caracteristicamente surgem horas após<br />

a exposição. As células do corpo que são mais sensíveis aos<br />

efeitos da radiação são aquelas que se dividem rapidamente.<br />

Estas células são encontradas na pele, no trato GI e na medula<br />

óssea; estes tecidos, portanto, manifestam os primeiros sinais<br />

da SAR. Poucas horas após a exposição à radiação, o doente<br />

apresenta náusea, vómito e dor abdominal. A reposição fluida<br />

agressiva é necessária, evitando o desenvolvimento de insufi¬<br />

ciência renal. Nos dias seguintes, o doente pode desenvolvei<br />

diarreia sanguinolenta, isquemia intestinal e infecção grave,<br />

podendo morrer. A medula óssea é extremamente sensível aos<br />

efeitos da radiação: ela interrompe a produção de leucócitos,|<br />

necessários ao combale às infecções, e de plaquetas, responsá¬<br />

veis pela coagulação do sangue. As infecções e os sangramen¬<br />

tos resultantes são complicações geralmente falais.<br />

Após um evento nuclear, a disponibilidade de suprimentosI<br />

IV, bombas de infusão e instituições médicas receptoras pode<br />

ser pequena. Caso esteja incapaz de realizar a reposição IV deI<br />

fluidos, o socorrista pode proceder à administração de fluidos<br />

por via oral. O doente cooperativo deve ser encorajado a beber |<br />

uma solução salina balanceada, para manter a grande elimina¬<br />

ção de urina; por outro lado, os fluidos podem ser administra¬<br />

dos por tubos nasogáslricos ou nasoentéricos. A solução salina I<br />

balanceada pode ser a de Moyer (4 gramas de cloreto de sódio<br />

|0,5 colher de chá de sail e 1,5 grama de bicarbonato de sódio<br />

|0,5 colher de chá de fermento em pó] em 1litro de água)ea<br />

solução de reidratação oral da Organização Mundial da Saúde<br />

(OMS-SRO). Pesquisas conduzidas com animais mostraram<br />

resultados encorajadores de tais estratégias em doentes com<br />

queimaduras em até 40% da área corpórea superficial total.<br />

A administração da solução salina balanceada no trato GI, em|<br />

taxa de 20 mL/kg, equivale à reposição IV de fluidos. 111<br />

Queimaduras Químicas<br />

Independentemente da prática local, todos os socorristas pré- 1<br />

hospitalares precisam estar familiarizados com o tratamento<br />

básico de lesões químicas. Em ambientes urbanos, os socorris¬<br />

tas podem ser chamados a um incidente químico em indústria,<br />

enquanto o socorrista rural pode ser enviado ao atendimento<br />

de uma ocorrência com agentes usados na agricultura. Tone¬<br />

ladas de materiais perigosos são transportadas em ambientes|<br />

urbanos e rurais diariamente, por autoestradas e estradas<br />

ferro. Socorristas militares podem tratar queimaduras quími¬<br />

cas provocadas por armas, equipamentos incendiários, subs¬<br />

tâncias químicas usadas como combustível ou manutenção!<br />

de equipamentos ou derramamentos de substâncias químicas|<br />

após danos em instalações civis.<br />

As lesões provocadas por substâncias químicas geralmente!<br />

são resultantes da exposição prolongada ao agente ofensor.<br />

Isto é diferente do observado nas lesões térmicas, quando a<br />

•duração da exposição geralmente é muito breve. A gravidade<br />

da lesão química é determinada por quatro falores: naturezada<br />

substância, concentração da substância, duração do contatoe|<br />

mecanismo de açâo da substância química.<br />

Os agentes químicos são classificados como ácidos, bases,!<br />

orgânicos ou inorgânicos. Os ácidos são da substância química<br />

de pH entre 7 (neutro) e 0 (ácido forte). As bases apresentam!<br />

pH entre 7 e 14. Os ácidos danificam os tecidos através de um!<br />

processo denominado necrose por coagulação:o tecido lesio-f<br />

nado se transforma em uma barreira, que impede a penetração!<br />

mais profunda do ácido. Por outro lado, nas queimaduras pro- j<br />

vocadas por bases, há destruição do tecido por necrose por


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 371<br />

liquefação; a base liquefaz o lecido, permitindo que a subs¬<br />

tância química o penetre mais, aumentando a profundidade<br />

da lesão.<br />

Tratamento<br />

A maior prioridade 110 atendimento de um doente exposto a<br />

uma substância química, como em qualquer emergência, é a<br />

segurança de pessoal e da cena. Sempre se proteja antes de<br />

tudo. Caso haja qualquer questão acerca de perigo químico,<br />

garanta que o local é seguro e determine a necessidade de uso<br />

de alguma vestimenta especial ou aparato respiratório. Evite<br />

a contaminação de seu equipamento e veículo de emergência;<br />

um veículo contaminado cria um risco de exposição de outros<br />

indivíduos insuspeitos nos locais de tráfego. Tente obter a<br />

identificação do agente ofensor assim que possível.<br />

Remova todas as roupas do doente. As roupas são con¬<br />

taminadas por líquidos ou pós químicos e precisam ser des¬<br />

cartadas. Caso alguma substância particulada esteja sobre a<br />

pele, ela deve ser removida. Em seguida, lave o doente com<br />

grande quantidade de água. A lavagem dilui a concentração<br />

do agente ofensor, retirando qualquer resquício do reagente.<br />

Na lavagem, o mais importante é usar grande quantidade de<br />

água. Um erro comum é o enxágue com 1 ou 2 litros de água<br />

e, então, a interrupção do processo, já que a água começa a<br />

se acumular no chão, formando poças. Quando lavado com<br />

poucas quantidades de fluido, o agente ofensor é disseminado<br />

somente pela área superficial do doente, e não removido.'11''12<br />

0 escoamento e a drenagem inadequados do fluido de lavagem<br />

podem causar lesões em áreas previamente não expostas e não<br />

acometidas do corpo, dado o acúmulo da água contaminada.<br />

Uma forma simples de promover o escoamento no ambiente<br />

pré-hospitalar é colocar o doente na maca e, então, elevar uma<br />

de suas extremidades. Na extremidade mais baixa da maca,<br />

coloque um grande saco plástico de lixo para conter o escoa¬<br />

mento contaminado.<br />

Em queimaduras químicas, o uso de agentes neutralizantes<br />

é evitado. De modo geral, o processo de neutralização do<br />

agente leva à formação de calor, devido à ocorrência de uma<br />

reação exotérmica. Portanto, o socorrista bem-intencionado<br />

pode criar uma queimadura térmica, além da química. Muitas<br />

soluções de descontaminação comercializadas são feitas para<br />

uso em equipamentos, não pessoas.<br />

Lesões oculares provocadas pela exposição a uma base<br />

podem ser observadas. Uma pequena exposição ocular pode<br />

resultar em lesão com possibilidade de perda de visão. Os<br />

olhos devem ser irrigados com grandes quantidades de fluido.<br />

Caso possível, a descontaminação ocular com irrigação contí¬<br />

nua, usando a lente de Morgan, é realizada (Fig. 14-25). A apli¬<br />

cação do um anestésico local oftálmico, como a proparacaína,<br />

simplifica o atendimento do doente pelo socorrista.<br />

Exposições Químicas Específicas<br />

O cimento é uma base que pode ser retida em roupas ou sapa¬<br />

tos. O cimento em pó reage com o suor da vítima em uma rea¬<br />

ção que origina calor e provoca o ressecamento excessivo da<br />

FIGURA 14-25 Olhos que sofreram uma lesão química devem ser imediatamente irrigados com grandes quantidades de soro<br />

fisiológico. Uma lente de Morgan pode ser colocada no olho, otimizando a irrigação.


372 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

pele. Estas lesões tipicamente se apresentam como queimadu¬<br />

ras horas ou dias após o contato com o cimento.<br />

Combustíveis, como a gasolina e o querosene, podem<br />

causar queimaduras de contato após a exposição prolongada.<br />

Estes hidrocarbonetos orgânicos podem dissolver membranas<br />

celulares, provocando necrose cutânea.''11 Uma exposição de<br />

duração ou gravidade suficiente também pode resultar em<br />

intoxicação sistémica. A descontaminação do doente reco¬<br />

berto por combustível é conseguida através da irrigação com<br />

grandes volumes de água.<br />

O ácido hidrofluórico é uma substância perigosa ampla¬<br />

mente usada nos ambientes domésticos, industriais e milita¬<br />

res. O real perigo desta substância é o íon fluoreto, que produz<br />

profundas alterações nos elelrólitos expostos, especialmente<br />

cálcio e magnésio.''' Se não removido, o ácido hidrofluórico<br />

liquefaz os tecidos e retira o cálcio dos ossos. O tratamento<br />

inicial da exposição ao ácido hidrofluórico é a irrigação com<br />

água, seguido pela aplicação de gel de gluconato de cálcio em<br />

pronto-socorro. Os doentes com queimaduras causadas por<br />

ácido hidrofluórico devem ser imediatamente transferidos ao<br />

centro para tratamento de queimados.<br />

Lesões causadas por fósforo são geralmente observadas em<br />

ambientes militares. O fósforo branco (EB) é um agente incen¬<br />

diário poderoso usado na produção de munições. Este material<br />

queima violentamente quando exposto ao ar, gerando chamas<br />

brilhantes, e continua a queimar até que todo ele tenha sido<br />

consumido ou seja privado de oxigénio. O tratamento inicial é<br />

interromper o acesso do EB ao oxigénio. Todas as roupas pre¬<br />

cisam ser rapidamente removidas, já que podem conter par¬<br />

tículas relidas de fósforo, que poderiam incendiá-las. A área<br />

acometida deve ser imersa em água ou recoberta por curativos<br />

encharcados com soro fisiológico, que devem ser continua¬<br />

mente umedecidos durante o transporte. Caso os curativos<br />

sequem, o FB relido pode inflamá-los e continuar a queimar<br />

o doente.<br />

As soluções de hipoclorilo são geralmente usadas como<br />

alvejantes domésticos e detergentes industriais. Estas soluções<br />

são fortes álcalis; as soluções comumente encontradas estão<br />

em concentração de 4%-6%, e geralmente não são letais, a não<br />

ser que grandes áreas do corpo sejam acometidas. Em maiores<br />

concentrações, porém, pequenos volumes podem ser fatais.<br />

Considera-se que a exposição a cerca de 30 mL de uma solução<br />

a 15% está associada ao risco de vida.<br />

O enxofre e as mostardas niírogenadas são compostos<br />

classificados como vesicantes ou bolhosos. Estes agentes têm<br />

sido usados como armas químicas e são reconhecidos como<br />

ameaças no terrorismo químico. São substâncias químicas que<br />

provocam queimaduras e bolhas na pele. Eles não somente são<br />

irritantes para a pele, mas também provocam lesões em pul¬<br />

mões e olhos. Após a exposição, os doentes se queixam de<br />

sensação de queimadura na garganta e nos olhos. O acome¬<br />

timento cutâneo se desenvolve várias horas mais tarde, com<br />

vermelhidão seguida pela formação de bolhas nas áreas expos¬<br />

tas ou contaminadas. Após a exposição intensa, as vítimas<br />

desenvolvem necrose de espessura completa e insuficiência<br />

respiratória.15"'' O princípio terapêutico necessário ao socor¬<br />

rista é a descontaminação.<br />

No atendimento a vítimas expostas a vesicantes, os socor¬<br />

ristas devem usar luvas, aventais e equipamentos respirató¬<br />

rios. O doente deve ser descontaminado e irrigado com água<br />

ou soro fisiológico. Outros agentes usados na descontaminação<br />

de vítimas, especialmente por profissionais treinados, incluem<br />

a solução diluída de hipoclorito e o pó de Fuller. Tratamentos<br />

mais especializados são necessários quando o doente chega ao<br />

centro especializado.<br />

Gás lacrimogéneo e substâncias químicas similares são<br />

chamados "agentes de controle de multidões". Estes agentes<br />

incapacitam, de maneira rápida e breve, os indivíduos expos¬<br />

tos, provocando irritação da pele, dos pulmões e dos olhos. A<br />

extensão da lesão é determinada pela magnitude da exposição<br />

ao agente. A duração da irritação caracteristicamente é de 30a<br />

60 minutos. O tratamento é composto por remoção dos indiví¬<br />

duos expostos da fonte de exposição, remoção de roupas con¬<br />

taminadas e irrigação de pele e olhos.<br />

Zonas de Controle de Materiais Perigosos<br />

Nos Estados Unidos, para limitar a disseminação de um mate¬<br />

rial perigoso, o National Institute of Occupational Safety and<br />

Health (NIOSIT) e a Environmental Protection Agency (EPA)<br />

desenvolveram e defenderam o uso de zonas de controle. 0<br />

objelivo deste conceito é realizar as alividades específicas era<br />

zonas específicas. Com a adesão de tais princípios, a probabi¬<br />

lidade de disseminação da contaminação e de ocorrência de<br />

lesões em profissionais de resgate e testemunhas é reduzida.<br />

As zonas consistem em três círculos concêntricos. A mais<br />

interna é a zona quente. Esta é a região imediatamente envol¬<br />

vida no incidente com materiais perigosos e adjacências. Os<br />

profissionais que entram nesta área devem estar completa¬<br />

mente protegidos, na maioria dos casos usando EPI de Nível<br />

A, contra o possível perigo. A tarefa dos socorristas na zona<br />

quente é evacuar os doentes feridos sem descontaminação ou<br />

atendê-los. A próxima zona é a zona morna, onde ocorre a<br />

descontaminação de doentes, profissionais e equipamentos,<br />

novamente por profissionais usando equipamentos de prote¬<br />

ção. Nesta zona, o único atendimento prestado é a avaliação<br />

primária e a imobilização da coluna vertebral. A zona mais<br />

externa é a zona fria, onde estão equipamentos e profissionais.<br />

Uma vez que o doente é evacuado para a zona fria, os socor¬<br />

ristas podem, então, realizar o atendimento definitivo sema<br />

necessidade de uso de EPI.<br />

Caso um doente chegue ao seu hospital ou tenda de atendi¬<br />

mento após ler sido exposto a materiais perigosos e ainda não<br />

tenha sido submetido à descontaminação, você deve seguir os<br />

conceitos destas zonas de materiais perigosos.


CAPÍTULO 14 Lesões por Queimadura 373<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

Vítima 1: Este doente sofreu lesões graves. Uma vez que<br />

este indivíduo foi encontrado caído em uma casa em chamas,<br />

com queimaduras na face e dispneia, você deve se preocupar<br />

com a inalação de grande quantidade de fumaça.<br />

Avalie e reavalie a presença de edema da via aérea e<br />

lesão por inalação. A desobstrução da via aérea precisa ser<br />

considerada; o doente, porém, atualmente respira sozinho.<br />

Tendo em mente que, de modo geral, o melhor indivíduo para<br />

cuidar da via aérea é o doente, você precisa equilibrar o tempo<br />

necessário ao transporte do doente com as dificuldades de<br />

tratamento de um indivíduo com edema da via aérea. Caso o<br />

transporte seja prolongado ou retardado, realize a entubação<br />

traqueal. O doente claramente precisa de oxigénio a 100%,<br />

dada a exposição à fumaça e dadas as preocupações acerca<br />

de asfixiantes. Caso você decida entubar este doente, seja<br />

cuidadoso ao imobilizar o tubo endotraqueal. Ancore o tubo<br />

com dois pedaços de esparadrapo umbilical ou acessos IV<br />

colocados acima e abaixo dos pavilhões auriculares. Um<br />

monitor portátil de monóxido de carbono colocado no doente<br />

relata que o nível de carboxiemoglobina é de 16%, e isto já<br />

está sendo tratado, uma vez que o doente está no oxigénio a<br />

100%. Você consulta o protocolo local acerca do tratamento<br />

de inalação de fumaça com possível envenenamento por<br />

cianeto.<br />

Os dois membros superiores apresentam profundas quei¬<br />

maduras de terceiro grau. Você não é capaz de identificar<br />

quaisquer veias para instituição de um acesso intravenoso.<br />

Os membros inferiores não apresentam queimaduras e não<br />

há evidências de quaisquer fraturas. Um acesso intraósseo<br />

é instituído na tíbia esquerda, e a infusão de Ringer Lactato<br />

.) é iniciada.<br />

0 doente apresenta queimaduras na face, nos dois mem¬<br />

bros superiores e na porção anterior do tronco. Cada membro<br />

tem, aproximadamente, 9% da área corpórea superficial total<br />

(ACST); o tronco anterior, 9%; e a face, cerca de 4%. Portanto, a<br />

área superficial estimada da queimadura é de, aproximadamente,<br />

31%. O doente pesa cerca de 80 kg. Estime o requerimento de<br />

fluidos do doente, usando a fórmula de Parkland:<br />

31% ACST da queimadura x 80 kg x 4 mL/kg/ACST<br />

da queimadura = 9.920 mL a serem administrados<br />

nas primeiras 24 horas<br />

Metade deste volume total é administrada nas primeiras oito<br />

horas após lesão. Portanto, a taxa por hora, nas oito primeiras<br />

horas, é:<br />

9.920 mL/2 = 4.960 mL a serem administrados nas<br />

primeiras oito horas<br />

Calcule a taxa de administração por hora:<br />

4.960 mL/8 = 620 mL por hora, até a 89 hora<br />

Vítima 2: Este doente é suscetível à inalação de fumaça,<br />

com base nas informações dadas. O indivíduo apresenta<br />

graves queimaduras nos braços e nas mãos. O doente respira<br />

espontaneamente. As queimaduras nos braços e nas mãos<br />

compreendem 9% da área corpórea superficial total. Você resfria<br />

as queimaduras com água à temperatura ambiente e, então,<br />

as recobre com toalhas estéreis. A natureza 'circunferencial<br />

destas queimaduras faz com que elas possam lèvar à perda do<br />

membro, requerendo imediata atenção cirúrgica. Uma vez que<br />

o tamanho das queimaduras é inferior a 20% da área corpórea<br />

superficial total, a reposição formal de fluidos ou o uso da<br />

fórmula de Parkland não é indicado. Você institui um acesso<br />

IV periférico com RL à taxa de manutenção e administra um<br />

analgésico narcótico.


374 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

RESUMO<br />

e<br />

Todas as queimaduras são graves, independentemente do<br />

tamanho.<br />

Dentre as queimaduras possivelmente fatais, incluem-se<br />

as extensas queimaduras térmicas, as lesões elétricas e as<br />

queimaduras químicas.<br />

Diferentemente do observado em traumas mecânicos (p.<br />

ex., penetrante, por contusão), o corpo possui poucos<br />

mecanismos adaptativos para a sobrevivência a lesões por<br />

queimadura.<br />

As lesões por queimadura não são isoladas à pele; elas são<br />

sistémicas e de imensa magnitude. Os doentes com lesões<br />

extensas por queimadura apresentam disfunção dos siste¬<br />

mas cardiovascular, pulmonar, GI, renal e imunológico.<br />

A falta de reposição adequada de fluidos leva ao choque<br />

refratário, à disfunção de múltiplos órgãos e até mesmo<br />

ao aprofundamento das queimaduras. O papel do socor¬<br />

rista é, portanto, crucial na otimização da sobrevida após<br />

a ocorrência de lesões por queimadura. Embora compli¬<br />

cadas e perigosas, é raro que as queimaduras sejam rapi¬<br />

damente fatais. Um doente com grave inalação de fumaça<br />

e grandes queimaduras térmicas pode levar horas ou dias<br />

para morrer. O doente vítima de queimaduras provavel¬<br />

mente também apresenta outros traumas mecânicos.<br />

Queimaduras dramáticas podem distrair o socorrista préhospitalardeoutras<br />

lesões,possivebnentefatais.A realização<br />

das avaliações primária e secundária reduz a probabilidade<br />

destas lesões passarem despercebidas (p. ex., pneumotórax,<br />

tamponamento pericárdico, ruptura esplénica).<br />

® A vigilância constante é necessária para que você não se<br />

torne uma vítima. De modo geral, o agente ofensor ainda<br />

pode causar danos nos socorristas.<br />

es Mesmo pequenas queimaduras em áreas de alta função<br />

(mãos, lace, articulações, períneo) podem prejudicar a for¬<br />

mação de escaras.<br />

E A familiaridade com os critérios de transporte do centro<br />

para tratamento de queimados auxilia a garantir que todos<br />

os doentes consigam a recuperação máxima da função<br />

após uma lesão por queimadura.<br />

E A principal causa de morte em doentes vítimas de quei¬<br />

maduras está relacionada a complicações da inalação de<br />

fumaça: asfixia, lesão térmica e lesão pulmonar tardia<br />

induzida por substâncias tóxicas. Com frequência, os<br />

doentes não desenvolvem sintomas de insuficiência respi¬<br />

ratória por 48 horas ou mais. Mesmo sem queimaduras de<br />

pele, as vítimas de inalação de fumaça devem ser trans- j<br />

portadas a centros para tratamento de queimados.<br />

a Vítimas de queimaduras provocadas por materiais peri¬<br />

gosos, como substâncias químicas ou agentes radioativos, j<br />

devem ser submetidas à descontaminação para evitar a<br />

disseminação inadvertida do material aos socorristas.<br />

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Trauma<br />

Pediátrico<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

/ Identificar as diferenças anatómicas e fisiológicas em crianças, que são<br />

responsáveis pelos padrões de lesões únicos observados na pediatria.<br />

/ Compreender a importância do tratamento da via aérea e do restabelecimento<br />

da adequada oxigenação tecidual nos doentes pediátricos.<br />

/ Identificar os valores quantitativos dos sinais vitais na criança.<br />

•/ Compreender as técnicas de tratamento das diferentes lesões encontradas nos<br />

doentes pediátricos.<br />

Calcular a Escala de Trauma Pediátrico.<br />

/ Identificar os sinais do trauma pediátrico que sugerem mecanismos não<br />

acidentais.


378 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

wmsrvmm<br />

Você é chamado ao local de uma colisão de veículo automotivo em uma estrada de grande tráfego. Dois veículos foram<br />

envolvidos em colisão frontal. Um dos ocupantes do veículo era uma criança, que havia sido colocada em uma cadeirinha<br />

infantil, mas não adequadamente presa ao assento. Nenhum fator relacionado ao tempo está envolvido nessa tarde típica<br />

de primavera.<br />

Ao chegar ao local, você vê que a polícia bloqueou o trânsito na área ao redor da colisão. Enquanto seu parceiro e outrasj<br />

equipes avaliam os demais doentes, você vê uma criança, um menino de aproximadamente 2 anos de idade, sentado na;<br />

cadeirinha, que está levemente angulada; há sangue nas costas do encosto de cabeça do banco à sua frente. Você também<br />

nota que, apesar das numerosas abrasões e um pequeno sangramento na cabeça, na face e no pescoço, a criança parece<br />

muito calma.<br />

Suas avaliações primária e secundária revelam um menino de 2 anos de idade que repete, fracamente, "ma-ma, ma<br />

ma". Apresenta pulsos central e distal com frequência de 180 batimentos/minuto, com o pulso radial mais fraco do que<br />

o carotídeo; sua pressão arterial é de 50 mmHg à palpação; e sua frequência respiratória é de 18 ventilações/minuto,<br />

levemente irregular, mas sem sons anormais. Enquanto você continua a avaliá-lo, nota que o menino parou de dizer "ma<br />

ma" e parece olhar para o nada. Você também percebe que suas pupilas estão ligeiramente dilatadas, e sua pele está pálida<br />

e suada. Uma mulher que se identifica como a babá da família diz a você que a mãe está chegando à cena e que você deve<br />

esperar por ela.<br />

Quais são as prioridades no atendimento desse doente? Quais são as lesões mais prováveis nessa criança? Qual é o local<br />

mais adequado para encaminhar essa criança? .<br />

anuais do Center for Disease Control conti¬<br />

nuam a mostrar que, embora a causa principal de morte<br />

Osrelatórios<br />

ainda varie conforme a faixa etária, o trauma é a maior<br />

causa de morte em crianças nos Estados Unidos. Mais de 8,7<br />

milhões de crianças são feridas anualmente e, aproximada¬<br />

mente a cada 30 minutos, uma criança morre como resultado<br />

dessas lesões.1,2 Tragicamente, até 80% dessas mortes poderiam<br />

ser evitadas, seja por estratégias eficazes de prevenção de lesões<br />

ou pela garantia do atendimento adequado na fase aguda da<br />

lesão.3<br />

Assim como em todos os aspectos do atendimento pediá¬<br />

trico, a avaliação e o atendimento adequados da criança trau¬<br />

matizada requerem não apenas um entendimento completo das<br />

características próprias do crescimento e do desenvolvimento<br />

da criança (especialmente de sua anatomia imatura e da fisio¬<br />

logia em desenvolvimento), como também de seus mecanismos<br />

específicos de lesão.<br />

Assim, o adágio que diz que "crianças não são adultos em<br />

miniatura" é verdadeiro. As crianças apresentam padrões dis¬<br />

tintos e reprodutíveis de lesão, diferentes respostas fisiológicas<br />

e necessidades terapêuticas especiais, baseadas em seu desen¬<br />

volvimento físico e psicossocial no momento da lesão.<br />

Este capítulo descreve primeiramente as características<br />

especiais da criança vítima de trauma e revisa os fundamen¬<br />

tos para o melhor atendimento à criança traumatizada. Embora<br />

seja importante que o socorrista entenda as características pró¬<br />

prias do trauma pediátrico, as medidas básicas e avançadas de<br />

suporte de vida, utilizando a avaliação primária e secundária,<br />

são as mesmas para todo doente, independentemente de seu<br />

tamanho ou idade.<br />

A Criança Traumatizada<br />

Características Demográficas do Trauma<br />

Pediátrico<br />

As necessidades e as características específicas dos doente<br />

pediátricos requerem atenção especial durante a avaliação d<br />

crianças com lesões agudas. A incidência de trauma conlus<br />

(em comparação com os ferimentos penetrantes) é mais elevada<br />

na população pediátrica. Assim como seu predecessor, o Natio¬<br />

nal Pediatric Trauma Registry (NPTR), o National Trauma Data<br />

Bank (NTDB) do American College of Surgeons (ACS) continua<br />

a identificar o trauma contuso como o mecanismo de trauma<br />

mais comum, sendo os ferimentos penetrantes responsáveis<br />

por apenas 10% dos casos. As consequências dos ferimentos<br />

penetrantes são relativamente previsíveis, mas o trauma con¬<br />

tuso apresenta maior potencial para lesões multissistêmicas.<br />

Quedas, pedestres atropelados por automóveis e vítima<br />

de colisões automobilísticas são as causas mais comuns<br />

trauma pediátrico nos Estados Unidos, sendo as quedas, iso¬<br />

ladamente, responsáveis por mais de 2,5 milhões de lesões a<br />

cada ano.2 De acordo com as estatísticas, ocorre lesão "não<br />

intencional" em 87% dos casos, relacionada a esportes, em<br />

4%, e resultante de agressões, em 5%. Por diversas razões, a<br />

serem discutidas neste capítulo, o acometimento multissistêmico<br />

é a regra, e não a exceção, no trauma pediátrico grave.<br />

Embora as evidências externas de lesão possam ser mínimas,<br />

lesões internas potencialmente fatais podem estar presentes<br />

e devem ser identificadas para o tratamento em um centro de<br />

tratamento definitivo.


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 379<br />

Cinemática do Trauma Pediátrico<br />

0 tamanho da criança torna-a um alvo menor sobre o qual são<br />

aplicadas as forças do para-lama, do para-choque e das quedas.<br />

Em virtude da menor quantidade de gordura corporal, da maior<br />

elasticidade do tecido conjuntivo e da grande proximidade das<br />

vísceras à superfície do corpo, essas forças não são dissipadas<br />

tão facilmente como no adulto e, portanto, transmitem pron¬<br />

tamente mais energia para os órgãos subjacentes. Além disso,<br />

o esqueleto da criança é incompletamente calcificado, contém<br />

vários centros ativos de crescimento e é mais elástico do que o<br />

do adulto. Consequentemente, o esqueleto da criança é menos<br />

capaz de absorver as forças cinéticas aplicadas durante um<br />

evento traumático, permitindo a transmissão significativa da<br />

força aos órgãos subjacentes. Assim, podem existir lesões inter¬<br />

nas significativas sem evidências óbvias de trauma externo. Por<br />

exemplo, em um doente pediátrico com trauma de tórax contuso,<br />

a parede torácica pode parecer intacta, sem evidências de<br />

fraturas de arcos costais, apesar de significativa contusão pul¬<br />

monar subjacente.<br />

Padrões de Lesão Comuns<br />

As características anatómicas e fisiológicas próprias do doente<br />

pediátrico combinadas com os mecanismos idade-específicos<br />

comuns no trauma provocam padrões de lesões distintos, mas<br />

previsíveis (Fig. 15-1). O trauma é uma doença frequentemente<br />

detempo crítico, e a familiaridade com esses padrões iráauxiliar<br />

o socorrista a otimizar as decisões do tratamento para a criança<br />

traumatizada de uma maneira rápida. Por exemplo, um trauma<br />

pediátrico contuso envolvendo lesão craniencefálica resulta em<br />

apneia, hipoventilação e hipoxia muito mais comumente do<br />

que em hipovolemia e hipotensão. Portanto, diretrizes de aten¬<br />

dimento clínico para doentes pediátricos traumatizados devem<br />

incluir grande ênfase no tratamento agressivo da via aérea e da<br />

ventilação (Fig. 15-2).<br />

Controle da Temperatura<br />

A relação entre a área de superfície corporal (ASC) da criança<br />

e o volume corpóreo é maior ao nascimento e diminui durante<br />

o período de amamentação e a infância. Consequentemente,<br />

há uma área de superfície relativamente maior por onde o<br />

calor pode ser rapidamente perdido, causando não apenas um<br />

estresse adicional para a criança, mas também complicando sua<br />

resposta fisiológica que ocorre concomitantemente aos distúr¬<br />

bios metabólicos e ao choque. A hipotermia grave pode resultar<br />

em coagidopatia grave e colapso cardiovascular irreversível.<br />

Além disso, muitos dos sinais clínicos de hipotermia são simi¬<br />

lares aos do choque iminentemente descompensado, podendo<br />

complicar, assim, a avaliação clínica do socorrista.<br />

Aspectos Psicossociais<br />

Os desdobramentos do atendimento psicológico a uma criança<br />

traumatizada também são um grande desafio. Comportamento<br />

psicológico regressivo pode ser apresentado, particularmente<br />

pela criança muito pequena, quando o estresse, a dor ou a<br />

percepção de outras ameaças prejudicam sua habilidade para<br />

FIGURA 15-1<br />

Tipo de trauma<br />

Padrões Comuns de Lesão no Trauma Pediátrico<br />

Colisão de veículo automotor (a criança é o passageiro)<br />

Colisão de veículo automotor (a criança é o pedestre)<br />

Queda de altura<br />

Queda de bicicleta<br />

Padrões de lesão<br />

Sem contenção:Trauma múltiplo, lesões de cabeça e pescoço, lacerações<br />

de couro cabeludo e de face<br />

Com contenção: Lesões de tórax e abdome, fraturas da porção inferior da<br />

coluna vertebral<br />

Impacto lateral:Lesões de cabeça, pescoço e tórax; fratura de membros<br />

Air bag acionado: Lesões de cabeça, tórax e face; fraturas de membros<br />

superiores<br />

Baixa velocidade: Fraturas de membros inferiores<br />

Alta velocidade:Trauma múltiplo, lesões de cabeça e pescoço, fraturas de<br />

membros inferiores<br />

Baixa:Fraturas de membros superiores<br />

Média:Lesões de cabeça e pescoço, fraturas de membros superiores e<br />

inferiores<br />

A/fa/Trauma múltiplo, lesões de cabeça e pescoço, fraturas de membros<br />

superiores e inferiores<br />

Sem capacete: Lacerações de cabeça e pescoço, lacerações do couro<br />

cabeludo e face, fraturas de membros superiores<br />

Com capacete: Fraturas de membros superiores<br />

Colisão com o guidão: Lesões abdominais internas<br />

(Modificado de American College of Surgeons Committee on Trauma: Pediatric trauma. InACS Committee on Trauma: Advanced trauma life support for doctors, student course<br />

manual, ed 8, Chicago, 2008, ACS.)


380 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 15-2<br />

Lesões Pediátricas Associadas a<br />

Cintos de Segurança e Air Bags<br />

Apesar da existência de leis que exigem o uso de cintos de<br />

segurança ou cadeirinhas para crianças pequenas em todos os<br />

50 estados norte-americanos, em quase metade das colisões<br />

automobilísticas, a criança ou não está contida ou está contida de<br />

maneira inadequada.25 Além disso, se a criança estiver no banco<br />

da frente de um veículo com airbag, ela tem a mesma probabilidade<br />

de sofrer lesão grave, quer esteja adequadamente contida, quer<br />

não.26 Uma criança exposta ao air bag no lado do passageiro tem<br />

probabilidade duas vezes maior de sofrer lesão significativa do que<br />

um passageiro no assento da frente, sem air bag.21<br />

Acredita-se que crianças com cinto abdominal ou cinto<br />

de segurança mal colocado têm risco aumentado de lesão<br />

intestinal em colisões automobilísticas. É difícil de se determinar<br />

a incidência. Em um estudo, 20% das crianças traumatizadas<br />

apresentavam escoriação visível causada pelo cinto de<br />

segurança, e, destas, 50% tinham lesões intra-abdominais sig¬<br />

nificativas; quase 25% das quais tinham perfuração intestinal.31<br />

Outros estudos têm mostrado risco aumentado, mas não tão<br />

grande, com apenas 5% das crianças apresentando escoriação<br />

na parede abdominal causada pelo cinto de segurança, e apenas<br />

13% destas com lesão intestinal.32 É razoável admitir que toda<br />

criança com escoriação na parede abdominal causada pelo<br />

cinto de seguranaça, depois de uma colisão automobilística,<br />

tenha lesão intra-abdominal até que se prove o contrário.<br />

Aproximadamente 1% de todas as colisões automobilísticas<br />

envolvendo crianças resultou na exposição das crianças ao<br />

air bag do passageiro que foi acionado. Destas crianças, 14%<br />

sofreram lesão grave, em comparação com7,5% dos passageiros<br />

com cinto de segurança, no assento da frente, não expostos ao<br />

air bag. 0 risco global de alguma lesão foi de 86% versus 55%<br />

no grupo-controle (não exposto ao air bag).21As lesões leves<br />

por air bag incluíram queimaduras e lacerações superficiais na<br />

face e na região superior do tronco. As lesões graves por air<br />

bag consistiram em lesão significativa de face, pescoço,tórax e<br />

membros superiores.33 Foi documentada a decapitação de uma<br />

criança pelo air bag do banco do passageiro da frente.2<br />

compensar os eventos ao seu redor. A capacidade da criança de<br />

interagir com pessoas desconhecidas, em ambiente estranho, é<br />

limitada e faz com cjue a anamnese, o exame e o tratamento<br />

sejam uma tarefa árdua. A compreensão dessas características<br />

e a disposição para acalmar e confortar a criança traumatizada<br />

são frequentemente a maneira mais eletiva de se "conquis¬<br />

tar" a criança e obter uma avaliação completa do seu estado<br />

psicológico.<br />

Os pais ou responsáveis pela criança geralmente também<br />

têm necessidades e questões que, se resolvidas, podem auxi¬<br />

liar o socorrista a prestar à criança um atendimento de sucesso;<br />

entretanto, caso lais necessidades e questões sejam ignoradas,<br />

podem se tornar um obstáculo significativo para um atendi¬<br />

mento efetivo. Sempre que uma criança está doente ou ferida,<br />

seus responsáveis também são acometidos e devem ser conside¬<br />

rados como doentes. O tratamento de lodos os doentes começa<br />

pela comunicação eficaz, mas esta é ainda mais importante<br />

durante o atendimento destes "pais-doentes". Essa comunica¬<br />

ção pode consistir somente de palavras simples de compaixão<br />

ou grande paciência, mas você não será um socorrista eficaz<br />

para o doente pediátrico se ignorar as necessidades dos pais/<br />

responsáveis. Quando você inclui os pais/responsáveis no pro¬<br />

cesso, estes podem agir como membros funcionais da equipe de<br />

emergência.<br />

Recuperação e Reabilitação<br />

Outro problema específico do doente pediátrico traumatizado<br />

é que mesmo o menor trauma pode ter efeito no crescimento e<br />

desenvolvimento subsequentes. Diferentemente do adulto, ana¬<br />

tomicamente maduro, a criança não deve recuperar-se apenas<br />

do trauma, mas deve continuar o seu crescimento. Os efeitos do<br />

trauma nesse processo, em especial em termos de incapacita¬<br />

ção permanente, alterações no crescimento ou desenvolvimento<br />

subsequente anormal, não podem ser subestimados. Mesmo<br />

nas pequenas lesões cerebrais traumáticas, as crianças podem<br />

apresentar incapacitação prolongada tanto na função cerebral,<br />

como no ajuste psicológico, e na função de outros órgãos ou<br />

sistemas. Aproximadamente 60% das crianças que têm sofrido<br />

trauma grave multissistêmico apresentam alterações de perso¬<br />

nalidade, e 50%i ficam com sequelas cognitivas ou físicas sutis.<br />

O alcance destas lesões não acaba aí, já que essas deficiências<br />

também podem atingir irmãos e pais, resultando em uma inci¬<br />

dência elevada de disfunções familiares, incluindo o divórcio.<br />

Os custos diretos e indiretos da correção desses problemas são<br />

impressionantes e perduram por toda a vida.<br />

Os efeitos do atendimento inadequado ou subótimo na fase<br />

aguda do trauma podem ter grandes consequências, não somente<br />

na sobrevida imediata da criança, mas também, e talvez mais<br />

importante, em sua qualidade de vida a longo prazo. É extrema¬<br />

mente importante, portanto, manter um alto índice de suspeita<br />

de lesão e usar o "bom-senso" clínico aoAomar decisões acerca<br />

do atendimento e do transporte da criança com lesões agudas.<br />

Fisiopatologia<br />

Em crianças traumatizadas, o resultado final pode ser determi¬<br />

nado pela qualidade do atendimento prestado nos primeiros<br />

momentos após a ocorrência da lesão. Durante esse período<br />

crítico, uma avaliação primária sistemática e coordenada é<br />

melhor estratégia para evitar a não observação de uma lesãopos¬<br />

sivelmente fatal ou que possa causar morbidade desnecessária<br />

Como em doentes adultos, as três causas mais comuns de morte<br />

imediata em crianças são a hipoxia, os sangramentos extensos<br />

e os traumas significativos no sistema nervoso central (SNC),<br />

falta de triagem rápida, a estabilização médica de emergênc<br />

e o transporte ao centro de tratamento mais adequado [<br />

compor esses problemas ou mesmo eliminar a possibilidade de<br />

recuperação significativa.<br />

Hipoxia<br />

A prioridade no atendimento pré-hospitalar é sempre manter<br />

a permeabilidade da via aérea, seja por medidas básicas<br />

suporte ou técnicas avançadas. A confirmação da perineal)!


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 381<br />

lidade e funcionalidade da via aérea na criança não exclui a<br />

necessidade de ventilação assistida e suplementação de oxigé¬<br />

nio, especialmente quando estiverem presentes lesão do sis¬<br />

tema nervoso central, hipoventilação ou hipoperfusão. Crianças<br />

traumatizadas que parecem bem podem rapidamente apresen¬<br />

tar deterioração de um estado de laquipneia leve até a exaustão<br />

total e apneia. Uma vez que a via aérea tenha sido estabelecida,<br />

a frequência e a profundidade da ventilação devem ser cuida¬<br />

dosamente avaliadas para confirmar uma ventilação adequada.<br />

Caso a ventilação seja inadequada, apenas o fornecimento de<br />

oxigénio em concentrações elevadas não impedirá a continua¬<br />

ção ou a piora da hipoxia.<br />

Os efeitos da hipoxia, mesmo transitória, em indivíduos<br />

com trauma craniencefálico, podem ser particularmente devas¬<br />

tadores e merecem atenção especial. A criança pode apresentar<br />

alterações significativas do nível de consciência, mas sua possi¬<br />

bilidade de recuperação funcional completa é excelente, desde<br />

que a hipoxia cerebral seja evitada. Os doentes que requerem<br />

tratamento agressivo da via aérea devem ser pré-oxigenados<br />

antes da tentativa de colocação de dispositivos avançados. Essa<br />

manobra simples pode não somente iniciai- a reversão da hipo¬<br />

xia existente, como também fornecer reserva suficiente para<br />

aumentar a margem cle segurança do tratamento avançado da via<br />

aérea. O período de hipoxia durante múltiplas ou prolongadas<br />

tentativas de colocação de dispositivos avançados na via aérea<br />

pode ser mais prejudicial à criança do que a simples ventilação<br />

com dispositivo de balão e máscara com válvula unidirecional e<br />

o rápido transporte."1,5,1' À luz dos resultados recentes, os riscos<br />

das tentativas de tratamento avançado da via aérea devem ser<br />

cuidadosamente considerados caso a criança esteja sendo ade¬<br />

quadamente ventilada e oxigenada, utilizando-se boas técnicas<br />

básicas de suporte à vida, como o balão e máscara com válvula<br />

unidirecional.<br />

Hemorragia<br />

A maioria das lesões pediátricas não causa exsanguinação ime¬<br />

diata. Infelizmente, no entanto, as crianças que sofrem lesões<br />

que resultam em grande perda sanguínea frequentemente<br />

morrem logo após a ocorrência da lesão ou assim que chegam<br />

ao hospital. Nesses casos, geralmente há múltiplas lesões em<br />

órgãos internos e pelo menos uma lesão importante associada<br />

à perda aguda de sangue. Esse sangramento pode ser discreto,<br />

como uma simples laceração ou contusão, ou um sangramento<br />

com risco de morte, como uma ruptura esplénica, uma lacera¬<br />

ção hepática ou uma avulsão renal.<br />

Assim como nos adultos, a criança traumatizada compensa<br />

o sangramento aumentando a resistência vascular sistémica<br />

(RVS); isso, porém, ocorre à custa da perfusão periférica. De<br />

fato, as crianças são fisiologicamente mais adaptadas a essa<br />

resposta, uma vez que sua capacidade de vasoconstrição não<br />

é limitada por uma doença vascular periférica preexistente. A<br />

utilização isolada das medidas c!a pressão arterial é uma estra¬<br />

tégia inadequada à identificação dos sinais precoces do choque.<br />

A taquicardia, embora possa ser causada por medo ou dor, deve<br />

ser considerada secundária à hemorragia ou à hipovolemia até<br />

prova em contrário. A redução da pressão de pulso e o aumento<br />

da taquicardia podem ser os primeiros sinais sutis do choque<br />

iminente. Além disso, o socorrista deve prestar muita atenção a<br />

sinais de perfusão orgânica ineficaz, como a redução do nível de<br />

consciência e da.perfusão cutânea (diminuição da temperatura,<br />

palidez, lentidão do preenchimento capilar). Diferentemente do<br />

observado em adultos, esses sinais precoces de sangramento,<br />

em crianças, podem ser sutis e difíceis de identificai-, fazendo<br />

com que a apresentação do choque seja enganosa. Caso o profis¬<br />

sional responsável pelo atendimento pré-hospitalar perca esses<br />

sinais precoces, a criança pode perder quantidade de volume<br />

sanguíneo circulante suficiente à falência dos mecanismos com¬<br />

pensatórios. Quando isso acontece, o débito cardíaco cai ver¬<br />

tiginosamente, a perfusão orgânica diminui, e a criança pode<br />

descompensar rapidamente, geralmente levando à hipotensão e<br />

ao choque irreversíveis e fatais. Toda criança que sofre trauma<br />

contuso, portanto, deve ser cuidadosamente monitorada, a fim<br />

de se detectar esses sinais sutis que podem indicar a presença<br />

de sangramento contínuo muito antes da observação de altera¬<br />

ções dos sinais vitais.<br />

A principal razão para a rápida transição ao choque descom¬<br />

pensado é a perda de hemácias e sua capacidade de transporte<br />

de oxigénio. A restauração do volume intravascular perdido<br />

com soluções cristalóides provocará um aumento transitório da<br />

pressão arterial, mas o volume circulante se dissipará rapida¬<br />

mente em virtude da perda de fluidos pelas membranas capila¬<br />

res. Acredita-se que, quando o volume intravascular é reposto<br />

com soluções cristalóides isotônicas, é necessária sua adminis¬<br />

tração em uma relação de 3:1 com a perda de sangue suspeita,<br />

para compensação desse desvio. Conforme o sangue é perdido e<br />

o volume intravascular é reposto com cristalóides, as hemácias<br />

remanescentes são diluídas na corrente sanguínea, reduzindo<br />

sua capacidade de transporte de oxigénio aos tecidos. Deve-se<br />

assumir, portanto, que qualquer criança que requeira mais de<br />

um bôlus de 20 mL/kg de solução cristalóide possa rapidamente<br />

apresentar deterioração do estado geral, e precise não somente<br />

da reposição do volume intravascular, mas provavelmente tam¬<br />

bém de uma transfusão de hemácias, de modo quç a capacidade<br />

de transporte de oxigénio também seja restaurada.<br />

Há, porém,uma tendência de inadvertidamente se fazer uma<br />

reposição volêmica excessiva da criança traumatizada que não<br />

está em franco choque, tão logo seja instituído um acesso vascu¬<br />

lar. Na criança com sangramento moderado, sem evidências de<br />

hipoperfusão em órgãos finais e de alterações dos sinais vitais,<br />

a reposição de fluidos deve ser limitada a um ou dois bôlus de<br />

20 mL/kg. O componente intravascular de um blus representa,<br />

aproximadamente, 25% do volume sanguíneo da criança. Por¬<br />

tanto, se dois ou mais bôlus forem necessários, o socorrista deve<br />

reavaliar a criança, à procura de fontes de sangramento contí¬<br />

nuo previamente não detectadas.<br />

Tendo em vista a incidência elevada de lesão cerebral trau¬<br />

mática associada ao trauma contuso e a incidência relativa¬<br />

mente baixa de choque hemorrágico grave, sabe-se que a reposi¬<br />

ção volêmica agressiva da criança com lesão cerebral traumática<br />

pode, na realidade, piorai- ou precipitar o desenvolvimento<br />

de edema cerebral. Alualmente, não existem evidências que<br />

apoiem a administração controlada de fluidos a crianças com<br />

lesão cerebral traumática, de modo a reduzir o desenvolvimento<br />

de edema cerebral.' Na verdade, há mais evidências na litera¬<br />

tura que apoiam a reposição volêmica agressiva, para preve¬<br />

nir a hipotensão, um insulto secundário conhecido e evitável<br />

da lesão craniencefálica.8,9 A pressão de perfusão cerebral é a<br />

diferença enfie a pressão intracraniana (a pressão no interior<br />

do crânio) e a pressão arterial média (a pressão que leva o san-


382 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

gue ao interior do crânio). A lesão cerebral traumática pode<br />

elevar a pressão intracraniana, de modo que, mesmo quando<br />

o sangue é adequadamente oxigenado mas não chega ao cére¬<br />

bro, dada a baixa pressão arterial, ainda pode haver hipoxia.<br />

Existem alguns estudos que mostram que um único episódio de<br />

hipotensão pode aumentar a mortalidade em até 150%. 10 Além<br />

disso, a cuidadosa avaliação dos sinais vitais da criança e a fre¬<br />

quente reavaliação de quaisquer intervenções terapêuticas são<br />

as primeiras considerações imediatamente após a ocorrência da<br />

lesão.<br />

Soluções cristalóides isotônicas devem ser o fluido de esco¬<br />

lha na reposição volêmica da criança com lesão cerebral trau¬<br />

mática, uma vez que as soluções cristalóides hipotônicas (p.<br />

ex., coloides) são conhecidas por aumentar o edema cerebral.<br />

Além disso, embora soluções cristalóides hipertônicas (p. ex.,<br />

solução fisiológica hipertônica) possam ser úteis no tratamento<br />

do edema cerebral na unidade de terapia intensiva pediátrica,<br />

em que o monitoramento é meticuloso, não há evidências, até<br />

hoje, que mostrem que essa prática é segura ou melhora o prog¬<br />

nóstico de doentes pediátricos vítimas de trauma quando rea¬<br />

lizada no campo.<br />

Lesão do Sistema Nervoso Central<br />

As alterações lisiopatológicas que se seguem ao trauma do sis¬<br />

tema nervoso central iniciam-se dentro de minutos'. A reanima¬<br />

ção precoce e adequada é a chave para aumentar a sobrevida de<br />

crianças com lesão do sistema nervoso central. Embora o quadro<br />

das lesões do sistema nervoso central seja instantâneo e catastroficamente<br />

lutai, muitas crianças podem apresentar uma lesão<br />

neurológica aparentemente devastadora e evoluir para recupera¬<br />

ção funcional completa, desde que haja um esforço coordenado<br />

e deliberado para impedir a ocorrência de lesões secundárias.<br />

Isso é conseguido mediante prevenção de episódios de hipoperfusão,<br />

hipoventilação, hiperventilação e isquemia subsequen¬<br />

tes. A ventilação e oxigenação adequadas (evitando a hiperven¬<br />

tilação) são tão essenciais no tratamento das lesões cerebrais<br />

traumáticas quanto a prevenção da hipotensão.9Assim, na lesão<br />

cerebral traumática, deve-se ter cuidado, em todas as crianças,<br />

para evitar a ocorrência de lesão cerebral secundária a hipoten¬<br />

são, à hipoxia cerebral e a outras alterações.<br />

Para um determinado grau de gravidade de lesão, crianças<br />

têm menor mortalidade e maior potencial de recuperação do<br />

que os adultos com o mesmo grau de lesão. Entretanto, quando<br />

à lesão cerebral se acrescentam lesões extracranianas, a chance<br />

de sobrevida da criança diminui. Esse falo ilustra o efeito poten¬<br />

cialmente negativo que as lesões associadas e o choque têm no<br />

prognóstico do trauma do sistema nervoso central.<br />

Crianças com lesão cerebral traumática frequentemente<br />

apresentam alteração do nível de consciência e podem ter tido<br />

um período de inconsciência que nem sempre é documentado<br />

durante a avaliação inicial. A história de perda de consciência<br />

é um dos indicadores mais importantes do prognóstico de pos¬<br />

sível lesão do sistema nervoso central, e o socorrista deve sem¬<br />

pre investigar e documentar essa perda de consciência. Caso<br />

a lesão não tenha sido testemunhada, a amnésia do evento é<br />

comumente usada como representante da perda de consciência.<br />

Também é importante a documentação completa do estado neu¬<br />

rológico basal, que deve incluir:<br />

1. Escorena escala de coma de Glasgow (modificada para crian¬<br />

ças)<br />

2. Reação pupilar<br />

3. Resposta ao estímulo sensitivo<br />

4. Função motora<br />

Essas são etapas essenciais da avaliação inicial da criança<br />

traumatizada para lesões cerebrais. A ausência de uma avalia¬<br />

ção basal adequada láz com que o acompanhamento e a avalia¬<br />

ção da eficácia de quaisquer intervenções feitas sejam extrema¬<br />

mente imprecisas e difíceis.<br />

O cuidado na obtenção de um histórico detalhado é parti¬<br />

cularmente importante nos doentes que podem ter tido lesão de<br />

coluna cervical. Uma vez que o esqueleto da criança é incomple¬<br />

tamente calcificado e apresenta vários centros de crescimento<br />

ativos, pode haver mínima ou nenhuma evidência radiográfica<br />

do mecanismo de lesão que possa ter causado estiramento, con¬<br />

tusão ou trauma contuso da medula (lesão medulai' sem anor¬<br />

malidade radiográfica, SCIWORA, spinal cord injury without<br />

radiographic abnormality). Um déficit neurológico transitório<br />

pode ser o único indicador de lesão de medula potencialmente<br />

significativa.<br />

Avaliação<br />

Avaliação Primária<br />

O tamanho pequeno e variável do doente pediátrico (Fig. 15-3),<br />

o calibre e o tamanho diminuídos do sistema vascular e do<br />

volume circulante e as características anatómicas próprias da<br />

via aérea frequentemente fazem com que os procedimentos-padrão<br />

utilizados no suporte básico de vidasconstituam um desafio<br />

e sejam tecnicamente difíceis. No trauma pediátrico, a eficácia<br />

da reanimação é determinada pela disponibilidade de lâminas<br />

de laringoscópio, tubos T, sondas nasogástricas, esfigmomanômetros,<br />

máscaras de oxigénio, dispositivos de balão e máscara<br />

com válvula unidirecional e outros dispositivos de tamanho<br />

adequado. A tentativa de colocação de um cateter intravenoso<br />

excessivamente grande ou de um tubo endotraqueal de tama¬<br />

nho inadequado pode causar mais prejuízo do que ajudar, não<br />

somente em razão do possível dano físico ao doente, como tam¬<br />

bém pelo retardo clo transporte ao hospital. Por esse motivo, o<br />

uso de uma fita de reanimação, codificada por cor e compri¬<br />

mento foi recomendado, e será discutido a seguir.11<br />

Via Aérea<br />

Assim como no adulto traumatizado, na criança, a prioridade<br />

imediata e o foco principal devem ser o tratamento da via aérea.<br />

No entanto, existem diversas diferenças anatómicas que com¬<br />

plicam o atendimento da criança traumatizada. As crianças<br />

apresentam occipício e língua relativamente maiores e a via<br />

aérea anteriorizada. Além disso, quanto menor a criança, maior<br />

a discrepância de tamanho entre o crânio e a face. O occipício<br />

relativamente grande, portanto, força a flexão passiva da coluna<br />

vertebral cervical (Fig. 15-4). Todos esses fatores predispõem as<br />

crianças a um maior risco de obstrução anatómica da via aérea


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 383<br />

FIGURA 15-3 Intervalos de Altura e Peso para Doentes Pediátricos<br />

Faixa de valores normais<br />

Grupo Idade Altura média (cm/pol) Peso médio (kg/lb)<br />

Recém-nascidos Nascimento 6 semanas 51-63/20-25 4-5/8-11<br />

Lactentes 7 semanas-1 ano 56-80/22-32 4-11/8-24<br />

Crianças pequenas 1-2 anos 77-91/30-36 11-14/24-30<br />

Pré-escolares 2-6 anos 91-122/36-48 14-25/30-55<br />

Em idade escolar 6-13 anos 122-165/48-66 25-63/55-138<br />

Adolescentes 13-16 anos 165-182/66-72 62-80/138-176<br />

FJGURA 15-5<br />

Posição de cheirador.<br />

FIGURA 15-4 Comparada ao adulto, a criança tem occipício<br />

maior e mais musculatura no ombro. Quando colocada sobre<br />

uma superfície plana, esses fatores resultam em flexão do<br />

pescoço.<br />

em comparação com os adultos. Na ausência de trauma, a via<br />

aérea da criança é mais bem protegida pelo discreto posicio¬<br />

namento anterossuperior da face, conhecido como "posição de<br />

cheirador" (Fig. 15-5). Contudo, na presença de trauma, a posi¬<br />

ção neutra protege melhor a coluna cervical, enquanto assegura<br />

a abertura adequada da via aérea. Assim, na criança trauma¬<br />

tizada, o pescoço deve ser mantido imobilizado para prevenir<br />

a flexão de C5-C6 e a extensão de C1-C2, que ocorrem com a<br />

"posição de cheirador". Colocar um coxim ou cobertor de 2 a<br />

3 cm de espessura sob o tronco da criança diminuirá a flexão<br />

do pescoço e ajudará a manter a via aérea permeável. A estabi¬<br />

lização manual da coluna cervical é feita durante o tratamento<br />

da via aérea e mantida até que a criança esteja imobilizada em<br />

prancha longa com dispositivo adequado de restrição cervical,<br />

seja ele comercialmente disponível ou uma solução simples,<br />

como toalhas enroladas.<br />

A ventilação com máscara e bolsa com válvula unidirecional<br />

com alto fluxo (pelo menos 15 litros por minuto) de oxigénio<br />

a 100% representa, provavelmente, a melhor escolha quando<br />

a criança traumatizada requer assistência ventilatória, seja por<br />

deficiência ventilatória ou de oxigenação ou, ainda, progressão<br />

antecipada.'1 Caso a criança esteja inconsciente, o tubo orofaríngeo<br />

pode, ocasionalmente, ser colocado com segurança, mas<br />

provavelmente provocará vómito em crianças com reflexo do<br />

vómito intacto. Isso também é observado com o uso da más¬<br />

cara laríngea (ML) e do tubo laríngeo (TL), que são dispositivos<br />

supraglóticos que, se de tamanho adequado, são aceitáveis no<br />

tratamento avançado da via aérea de doentes pediátricos trau¬<br />

matizados. Comparando crianças e adultos, porém, a laringe<br />

da criança é menor, levemente anteriorizada e cefálica (para a<br />

frente e em direção à cabeça), dificultando a visualização das<br />

cordas vocais durante as tentativas de intubação (Fig. 15-6). A<br />

intubação traqueal, apesar- de ser a forma mais confiável de ven¬<br />

tilação em crianças com comprometimento da via aérea, é, por¬<br />

tanto, reservada àquelas situações nas quais a ventilação com<br />

máscara e bolsa com válvula unidirecional é ineficaz ou resulta<br />

em excessiva insuflação gástrica, ou ainda quando dispositivos<br />

avançados de via aérea sem visualização falham. A intubação<br />

nasotraqueal somente deve ser tentada como último recurso.<br />

Isso porque requer que o doente esteja respirando espontanea¬<br />

mente, requer a passagem cega através do ângulo nasofaríngeo


384 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Língua grande<br />

Glote alta<br />

Área cricoide estreita<br />

FIGURA 15-6<br />

Comparação, da via aérea do adulto e da criança.<br />

posterior relativamente agudo, e, além disso, pode causar grave<br />

sangramento. Adicionalmente, no doente com fratura de base<br />

de crânio, a intubação nasolraqueal pode, inadvertidamente,<br />

penetrar a caLxa craniana. Em crianças com lesões craniofaciais<br />

que provoquem a obstrução da via aérea superior, a instituição<br />

da ventilação percutânea transtraqueal, com um angiocateter<br />

calibroso, deve ser considerada. Esta é apenas uma medida<br />

temporária para aumentar a oxigenação, mas que não melhora a<br />

ventilação e, portanto, a hipercarbia crescente indica que uma<br />

via aérea definitiva deve ser estabelecida assim que possível e<br />

de maneira segura. A cricotireoidostomia cirúrgica geralmente<br />

não é indicada no atendimento ao doente pediátrico traumati¬<br />

zado, apesar de poder ser realizada em crianças maiores (geral¬<br />

mente com 12 anos de idade).1"<br />

Respiração<br />

Como em todos os doentes traumatizados, a criança significati¬<br />

vamente traumatizada necessita de uma concentração de oxigé¬<br />

nio de 85% a 100% (FiO., de 0,85 a 1,0). Isso é conseguido pelo<br />

uso de oxigénio suplementar e uma máscara pediátrica de plás¬<br />

tico transparente de tamanho apropriado. Quando ocorre hipo¬<br />

xia na criança pequena, o organismo compensa aumentando a<br />

frequência ventilatória (taquipneia) e com um vigoroso esforço<br />

ventilatório, o que inclui o aumento da excursão da parede torá¬<br />

cica e o uso dos músculos acessórios da ventilação, do pescoço<br />

e do abdome. Esta maior demanda metabólica pode produzir<br />

fadiga importante e resultar em falência ventilatória, já que o<br />

aumento percentual do débito cardíaco do doente é destinado<br />

à manutenção do esforço respiratório. A insuficiência ventilató¬<br />

ria pode rapidamente progredir de um esforço ventilatório com¬<br />

pensado para falência ventilatória, seguida de parada respirató¬<br />

ria e, finalmente, parada cardíaca por hipoxia. A cianose central<br />

(ao contrário da periférica) é um sinal relativamente tardioe.de<br />

modo geral, inconsistente de insuficiência respiratória, e não<br />

deve ser considerada o principal indicador desta última.<br />

A avaliação do status ventilatório da criança, reconhecendo<br />

precocemente os sinais de insuficiência e providenciando<br />

assistência ventilatória, é o elemento-chave no atendimento do<br />

doente pediátrico traumatizado. A frequência ventilatória nor¬<br />

mal em lactentes e crianças com menos de 4 anos de idade é em<br />

geral duas a três vezes a do adulto (Fig. 15-7).<br />

FIGURA 15-7 Frequência Ventilatória nos Doentes Pediátricos<br />

Frequência<br />

Frequência ventilatória (incursões/min) que indica<br />

ventilatória<br />

possível necessidade de suporte ventilatório com<br />

Grupo Idade (incursões/min) bolsa-valva-máscara<br />

Recém-nascidos Nascimento- 30-50 50<br />

6 semanas<br />

Lactentes 7 semanas-1 ano 20-30 30<br />

Crianças pequenas 1-2 anos 20-30 30<br />

Pré-escolares 2-6 anos 20-30 30<br />

Em idade escolar 6-13 anos (12-20J-30 30<br />

Adolescentes 13-16 anos 12-20 20


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 385<br />

A taquipneia com sinais de aumento do esforço ou da difi¬<br />

culdade ventilatória pode ser a primeira manifestação de insu¬<br />

ficiência respiratória e choque. À medida que o desconforto<br />

respiratório aumenta, aparecem outros sinais e sintomas, como<br />

a respiração superficial ou o movimento torácico mínimo. O<br />

murmúrio vesicular pode estar diminuído ou ser difícil de ser<br />

auscultado, e a passagem de ar pelo nariz e pela boca pode estar<br />

reduzida ou ser mínima. O esforço ventilatório aumenta e pode<br />

incluir:<br />

ÿ<br />

Balanço da cabeça a cada respiração<br />

ÿ<br />

Respiração ofegante ou grunhido<br />

Batimento de asas do nariz<br />

*<br />

ÿ<br />

Estridor ou ronco<br />

ÿ<br />

Tiragem supraesternal, supraclavicular, subcostal ou<br />

intercostal<br />

I ÿ<br />

Uso de musculatura acessória, como a do pescoço e da parede<br />

abdominal<br />

ÿ<br />

Distensão abdominal quando o tórax retrai (movimento de<br />

gangorra entre tórax e abdome)<br />

A efetividade da ventilação da criança deve ser avaliada<br />

usando os seguintes indicadores:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

I ÿ<br />

A frequência e a profundidade (volume-minuto) e o esforço<br />

indicam se a ventilação está adequada.<br />

Pele rosada pode indicar ventilação adequada.<br />

Pele escura, cinzenta, cianótica ou mosqueada indica<br />

oxigenação e perfusão inadequadas.<br />

Ansiedade, inquietação ou combatividade podem ser<br />

sinais precoces de hipoxia.<br />

Letargia, rebaixamento do nível de consciência ou<br />

inconsciência provavelmente são sinais avançados de<br />

hipoxia.<br />

Avaliação dos sons respiratórios, para verificação da<br />

profundidade de troca.<br />

Eslertoração, crepitação e dispneia podem indicar<br />

oxigenação ineficiente.<br />

O declínio da oximelria de pulso e/ou da capnografia<br />

indica insuficiência respiratória.<br />

Uma rápida avaliação da ventilação inclui frequência ven¬<br />

tilatória (particularmente taquipneia), esforço ventilatório (grau<br />

de dificuldade, batimento de asas do nariz, uso de musculatura<br />

acessória, tiragem e movimento de gangorra), ausculta (troca de<br />

ar, simetria bilateral e ruídos adventícios), cor da pele e nível<br />

de consciência.<br />

Na criança apresentando inicialmente taquipneia e aumento<br />

do esforço ventilatório, a normalização da frequência ventilató¬<br />

ria e a aparente diminuição do esforço respiratório não devem<br />

ser imediatamente interpretadas como sinal de melhora, pois<br />

podem indicar exaustão ou insuficiência iminente. Assim como<br />

acontece com qualquer alteração do estado clínico do doente,<br />

a reavaliação frequente é necessária para determinar se esta é<br />

uma melhora ou deterioração do estado fisiológico. O suporte<br />

ventilatório deve ser dado às crianças em insuficiência venti¬<br />

latória aguda. Uma vez que o principal problema é o volume<br />

inspirado, em vez da concentração de oxigénio, a ventilação<br />

assistida deve ser realizada com máscara e bolsa com válvula<br />

unidirecional com reservatório e suplementada com oxigénio<br />

em alta concentração (Fi02 de 0,85 a 1,0). Como as vias aéreas<br />

da criança são bem pequenas, há maior suscelibilidade à obstru¬<br />

ção por aumento de secreções, sangue/fluidos corporais e corpos<br />

estranhos; portanto, pode ser necessária a aspiração precoce e peri¬<br />

ódica. Nos lactentes, que necessariamente respiram pelo nariz, as<br />

narinas também devem ser aspiradas.<br />

Ao ajustar a máscara nos lactentes, deve-se ter cuidado para<br />

não comprimir as parles moles do mento, porque isso empurra<br />

a língua contra o palato mole e aumenta o risco de obstrução da<br />

via aérea. Também deve ser evitada a pressão sobre a traqueia,<br />

que é mole e ainda não calcificada. A máscara pode ser ajustada<br />

ulilizando-se uma ou duas mãos, dependendo do tamanho e da<br />

idade da criança.<br />

O uso de máscara e bolsa com válvula unidirecional de<br />

tamanho correto é essencial para obter-se o selamento ideal, a<br />

administração do volume corrente apropriado e a garantia de<br />

minimização dos riscos de hiperinsuflação e barotrauma. A<br />

ventilação muito agressiva da criança ou com grandes volumes<br />

correntes pode levar à distensão gástrica. Por outro lado, essa<br />

distensão pode resultar em regurgitação, aspiração e impedi¬<br />

mento da ventilação adequada, pela limitação da excursão diafragmática.<br />

A hiperisuflação pode causar pneumotórax hipertensivo,<br />

que pode resultar em grave desconforto respiratório e<br />

súbito colapso cardiovascular, já que o mediastino é mais móvel<br />

nas crianças, isso protege a criança de lesões traumáticas aór¬<br />

ticas, mas aumenta a suscetibilidade ao desenvolvimento de<br />

pneumotórax bipertensivo. O mediastino mais móvel é facil¬<br />

mente comprimido, permitindo que a ocorrência de comprome¬<br />

timento respiratório e colapso cardiovascular seja mais precoce<br />

do que o observado em adultos.<br />

As mudanças no estado ventilatório da criança podem ser<br />

sutis, mas o esforço ventilatório pode deteriorar rapidamente,<br />

até que a ventilação seja inadequada e seguida por hipoxia. A<br />

respiração deve ser avaliada como parte do exame primário e<br />

reavaliada periodicamente de maneira cuidadosa, para garantir<br />

que continue adequada. Deve-se também monitorai- a oximelria<br />

de pulso, e devem ser feitos esforços para se manter a saturação<br />

arterial de oxigénio acima de 95% (ao nível do mar).<br />

Sempre que a criança for ventilada manualmente, é impor¬<br />

tante o controle cuidadoso da frequência ventilatória que esta<br />

sendo administrada. E relativamente fácil hipervenlilar inad¬<br />

vertidamente o doente, o que irá diminuir o nível sanguíneo de<br />

C02 e causar vasoconstrição cerebral. Isso pode levar a piores<br />

resultados em doentes com trauma craniencefálico.<br />

Circulação<br />

A laxa de sobrevida em uma lesão imediatamente exsanguinante<br />

é baixa na população pediátrica. Felizmente, a incidência<br />

desse tipo de lesão também é baixa. A hemorragia externa deve<br />

ser identificada e controlada por compressão manual direta<br />

durante o exame primário. Geralmente, as crianças traumatiza¬<br />

das têm ainda, minimamente, algum volume de sangue circu¬<br />

lante e devem responder adequadamente à reposição volêmica.<br />

Assim como na avaliação da via aérea, uma única medida da<br />

frequência cardíaca ou da pressão arterial não reílele a esta¬<br />

bilidade fisiológica. As avaliações seriadas e a observação das<br />

tendências de variação dos sinais vitais são essenciais para<br />

avaliar adequadamente a evolução do estado hemodinâmico na<br />

fase aguda do trauma em uma criança. O monitoramenlo cui¬<br />

dadoso dos sinais vitais é fundamental para o reconhecimento


386 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 15-8<br />

Grupo<br />

Frequência do Pulso nos Doentes Pediátricos<br />

Idade<br />

Frequência cardíaca<br />

(batimentos/min)<br />

Frequência cardíaca (batimentos/min)<br />

que indica possível problema grave*<br />

Recém-nascidos IMascimento-6 semanas 120-160 160<br />

Lactentes 7 semanas-1 ano 80-140 150<br />

Crianças pequenas 1-2 anos 80-130 140<br />

Pré-escolares 2-6 anos 80-120 130<br />

Em idade escolar 6-13 anos (60-80)-100 120<br />

Adolescentes 13-16 anos 60-100 100<br />

'Bradicardia ou taquicardia.<br />

dos sinais de choque iminente, de modo que as intervenções<br />

adequadas possam ser realizadas para impedir a deterioração<br />

clínica. As Figuras 15-8 e 15-9 apresentam os valores normais<br />

da frequência de pulso e pressão arterial, respectivamente, nas<br />

diferentes faixas etárias pediátricas.<br />

Se o exame primário sugerir hipotensão grave, a causa mais<br />

comum é a perda de sangue atribuída a uma grande lesão externa<br />

prontamente observada (grande laceração do couro cabeludo,<br />

fratura exposta de fémur), uma lesão intratorácica (identificada<br />

por diminuição da mecânica ventilatória e achados auscultato¬<br />

ries) ou uma lesão intra-abdominal grave. Como o sangue não<br />

é um elemento compressível, a perda de sangue por uma lesão<br />

intra-abdominal importante provoca a distensão e o aumento da<br />

circunferência abdominal. No entanto, o aumento da circunfe¬<br />

rência abdominal na criança pequena traumatizada pode tam¬<br />

bém ser causado por distensão gástrica, choro e deglutição de<br />

ar. A descompressão gástrica através de uma sonda nasogástrica<br />

FIGURA 15-9<br />

Grupo<br />

Recém-<br />

-nascidos<br />

Pressão Arterial (PA) nos Doentes Pediátricos<br />

Idade<br />

Nascimento-<br />

6 semanas<br />

Faixa<br />

de PA<br />

esperada<br />

(mmHg)<br />

74-100<br />

50-68<br />

Lactentes 7 semanas-1 ano 84-106<br />

56-70<br />

Crianças<br />

pequenas<br />

Pré-<br />

-escolares<br />

Em idade<br />

escolar<br />

1-2 anos 98-106<br />

50-70<br />

2-6 anos 98-112<br />

64-70<br />

6-13 anos 104-124<br />

64-80<br />

Adolescentes 13-16 anos 118-132<br />

70-82<br />

Limite<br />

inferior de<br />

PA sistólica<br />

(mmHg)<br />


1<br />

CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 387<br />

determinar se são iguais, delimitadas e reativas à luz. Como nos<br />

adultos, a CGS fornece uma avaliação mais completa do estado<br />

neurológico, e deve ser calculada para toda vítima de trauma<br />

pediátrico. O escore para a avaliação verbal deve ser modificado<br />

para crianças com menos de 4 anos de idade devido à capaci¬<br />

dade de comunicação em desenvolvimento das crianças dessa<br />

faixa etária, devendo o seu comportamento ser observado cui¬<br />

dadosamente (Fig. 15-10).<br />

O escore na GCS deve ser repetido frequentemente e usado<br />

para documentar a piora ou a melhora do estado neurológico<br />

durante o período pós-traumático (consulte os Capítulos 5 e 8<br />

para revisão da GCSl). Uma avaliação mais completa da função<br />

motora e sensitiva deve ser realizada no exame secundário, se<br />

o tempo permitir.<br />

Exposição/Controle do Ambiente<br />

As crianças devem ser examinadas à procura de outras lesões<br />

potencialmente fatais; entretanto, elas podem ficar assustadas<br />

com as tentativas de remover suas roupas. Além disso, por<br />

causa da sua área de superfície corporal aumentada, a criança<br />

é mais propensa a desenvolver hipotermia. Por isso, uma vez<br />

completado o exame para identificar outras lesões, ela deve ser<br />

coberta, para preservar a temperatura corporal e prevenir perda<br />

de calor adicional.<br />

FIGURA 15-10<br />

Resposta verbal<br />

Escore Verbal Pediátrico<br />

Palavras apropriadas ou sorriso social;<br />

fixa e segue<br />

Escore verbal<br />

Chora, mas é consolável 4<br />

Persistentemente irritável 3<br />

Inquieto, agitado 2<br />

Sem resposta 1<br />

5<br />

Escore de Trauma Pediátrico<br />

A decisão sobre o nível de tratamento que cada criança neces¬<br />

sita surge da avaliação cuidadosa e rápida da criança como um<br />

todo. Deixar de identificar outras possíveis lesões de órgãos e<br />

tratar inadequadamente o doente são os dois problemas mais<br />

encontrados. Por essa razão, o Escore de Trauma Pediátrico<br />

(Pediatric Trauma Score, PTS) foi desenvolvido para oferecer<br />

um protocolo confiável e simples para avaliação, tendo valor<br />

preditivo de prognóstico; no entanto, o PTS não é usado no<br />

algoritmo de triagem de campo, pois considerações fisiológicas,<br />

anatómicas e do mecanismo de trauma se mostraram adequadas<br />

na avaliação inicial no campo (Fig. 15-11). Ao calcular o PTS,<br />

valores são atribuídos a seis componentes do trauma pediátrico;<br />

esses valores são então somados, gerando um escore que tem<br />

valor preditivo da gravidade da lesão e do potencial de morta¬<br />

lidade. O sistema é baseado na análise dos padrões de trauma<br />

nas crianças e planejado para oferecer uma lista que assegure<br />

que todos os fatores mais importantes relativos ao prognóstico<br />

do trauma pediátrico sejam considerados na avaliação inicial<br />

da criança. E diferente do Escore de Trauma Revisado (Revised<br />

Trauma Score, RTS), que considera apenas a pressão arterial, a<br />

frequência ventilatória e a escala de coma de Glasgow (GCSl).<br />

O tamanho é o primeiro componente, uma vez que é pron¬<br />

tamente observado e é um aspecto importante no grupo de lac¬<br />

tentes e pré-escolares. A via aérea é avaliada em seguida, pois<br />

devem ser considerados o estado funcional e o nível de aten¬<br />

dimento necessário para que a ventilação e a oxigenação sejam<br />

adequadas.<br />

O fator histórico mais importante na avaliação inicial do sis¬<br />

tema nervoso central é o nível de consciência. Como as crianças<br />

frequentemente apresentam perda de consciência transitória<br />

durante o trauma, o grau (+1), para obnubilação, é atribuído a<br />

todas as crianças com perda de consciência, qualquer que tenha<br />

sido sua duração. Esse grau identifica as crianças com alto risco<br />

de apresentarem lesões intracranianas potencialmente fatais,<br />

que podem levar à lesão cerebral secundária, mas que são fre¬<br />

quentemente tratáveis.<br />

Componente +2 +1 -1<br />

Tamanho Criança/adolescente >20 kg Lactente 11-20 kg Lactentes


388 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 15-12<br />

Sinais Vitais Pediátricos e Valores Normais<br />

0 termo pediátrico ou criança refere-se a uma vasta gama de<br />

desenvolvimento físico, maturidade emocional e tamanho corporal.<br />

A abordagem do doente e as implicações de muitas lesões variam<br />

muito entre o lactente e o adolescente.<br />

Na maioria das considerações anatómicas e de dosagem de<br />

medicações, o peso de uma criança (ou a altura ou o comprimento)<br />

serve como um indicadormais fidedigno do que a idade cronológica<br />

exata.11 A Figura 15-3 apresenta a altura e o peso médios das<br />

crianças saudáveis nas diversas faixas etárias.<br />

Os intervalos aceitáveis dos sinais vitais variam para as diferentes<br />

idadesdentro da população pediátrica. Os valores normaisdos adultos<br />

não podem ser utilizados como guia em crianças pequenas. No<br />

adulto, uma frequência ventilatória de 30 incursões/minuto significa<br />

taquipneia, e uma frequência cardíaca de 120 batimentos/minuto sig¬<br />

nifica taquicardia. Ambas são consideradas alarmantemente altas<br />

no adulto e são achados patológicos significativos. No entanto, os<br />

mesmos achados em um lactente podem estar dentro das faixas<br />

normais.<br />

Os intervalos normais dos sinais vitais para diferentes grupos<br />

etários podem não ser consistentes para todas as referências<br />

pediátricas. Em uma criança traumatizada cujos sinais vitais normais<br />

prévios são desconhecidos, os sinais vitais limítrofes podem ser<br />

vistos como alterados, ainda que naquela determinada criança<br />

esses valores possam ser fisiologicamente aceitáveis. Os valores das<br />

Figuras 15-7, 15-8 e 15-9 podem ajudar na avaliação dos sinais vitais.<br />

Essas tabelas apresentam os intervalos em que estatisticamente<br />

se situa mais comumente a maioria das crianças nesses grupos<br />

etários.<br />

Vários artigos comercialmente disponíveis servem como guias<br />

de referência rápida para os sinais vitais pediátricos e o tamanho<br />

de equipamentos. Entre eles, estão a fita de reanimação baseada no<br />

comprimento (fita de Broselow) e várias escalas de plástico do tipo<br />

régua deslizante. Também podem ser empregadas as fórmulas de<br />

orientação a seguir, para estimar o valor esperado para cada idade:<br />

Peso (kg) = 8 + (2 x idade da criança [anos])<br />

Pressão arterial sistólica mínima aceitável (mmHg) =<br />

70 + (2 x Idade da criança [anos])<br />

Volume sanguíneo total (mL) =<br />

80 mL x peso da criança (kg)<br />

Os valores dos sinais vitais na criança, embora importantes,são<br />

apenas mais um dado da avaliação. Uma criança com sinais vitais<br />

normais pode apresentar deterioração rápida para insuficiência<br />

ventilatória grave ou choque descompensado. Os sinais vitais<br />

devem ser considerados juntamente com o mecanismo de trauma<br />

e os demais achados clínicos.<br />

A avaliação da pressão arterial sistólica é usada para identi¬<br />

ficar as crianças que podem apresentar choque evitável (pressão<br />

arterial sistólica de 51 a 90 mmHg; +1). Independentemente do<br />

tamanho, a criança cuja pressão arterial sistólica está abaixo de<br />

50 mmTIg (-1) está em perigo evidente (Fig. 15-12). Por sua vez,<br />

a criança cuja pressão arterial sistólica excede 90 minl-Ig (+2)<br />

fica em uma categoria de melhor prognóstico. Se não houver<br />

manguito de esfigmomanômetro de tamanho apropriado, a pres¬<br />

são sistólica é avaliada como (+2) se o pulso radial ou pedioso<br />

forem palpáveis, (+1) se somente o pulso carotídeo ou femoral<br />

forem palpáveis e (-1) se não houver pulso palpável.<br />

Dada a alta incidência de trauma esquelético na popula¬<br />

ção pediátrica e sua possível contribuição para mortalidade e<br />

invalidez, a presença de fratura de ossos longos é um dos com¬<br />

ponentes do PTS. Por último, é avaliada a pele, procurando-se<br />

lesões e ferimentos penetrantes.<br />

Pela natureza de sua concepção, o PTS serve como uma lista<br />

organizada e orientada que assegura que todos os componen¬<br />

tes necessários para identificação da criança com trauma grave<br />

sejam considerados. Como um preditor de lesão, o PTS tem<br />

uma relação linear direta, estatisticamente significativa, com o<br />

Escore de Gravidade da Lesão (ISS,InjurySeverity Score), e uma<br />

relação linear inversa com a mortalidade. Há um nível de escore<br />

limite de 8, abaixo do qual as crianças traumatizadas devem ser<br />

transportadas para um centro de trauma pediátrico apropriado,<br />

pois apresentam maior risco de mortalidade e morbidade evitá¬<br />

veis. Embora pesquisas tenham demonstrado que outros esco¬<br />

res, como o RTS, o elemento não responsivo (I) do escore AVDI<br />

e a melhor resposta motora de "1" na GCS, sejam capazes de<br />

predizer a mortalidade pelo menos tão bem quanto o PTS, este<br />

ainda é o único escore que inclui tamanho, trauma esquelético<br />

e presença de lesões abertas. Embora o PTS constitua um instru¬<br />

mento de triagem e avaliação prontamente disponível, ele não<br />

foi aceito universalmente. Outros métodos de triagem podem<br />

ser empregados em muitas áreas.<br />

Exame Secundário (Exame Físico Detalhado)<br />

O exame secundário da criança deve ser feito depois do exame<br />

primário, somente após a identificação e o tratamento das<br />

condições com risco de vida. A cabeça e o pescoço devem ser<br />

examinados à procura de deformidades, contusões, abrasões,<br />

perfurações, queimaduras, sensibilidade, lacerações ou edema.<br />

O tórax deve ser reavaliado. Possíveis contusões pulmonares<br />

podem ficar evidentes depois da reanimação volêmica, manifestando-se<br />

com desconforto respiratório ou anormalidade à<br />

ausculta pulmonar. Os doentes traumatizados raramente estão<br />

em jejum no momento da ocorrência das lesões, de modo que a<br />

inserção de tubos nasogástricos ou orogáslricos pode ser indi¬<br />

cada, caso seja permitida pelos protocolos locais. Isso é espe¬<br />

cialmente verdadeiro para crianças que estão obnubiladas ou<br />

que apresentam convulsões após o trauma.<br />

O exame do abdome deve ser locado na distensão, hiper¬<br />

sensibilidade, descoloração, equimoses e presença de massa<br />

palpável. A palpação cuidadosa das cristas ilíacas pode suge¬<br />

rir fratura instável de bacia, o que aumenta a suspeita de lesão<br />

retroperitoneal ou urogenital, assim como o risco de perda san¬<br />

guínea oculta. A instabilidade pélvica deve ser observada, mas


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 389<br />

avaliações repetidas não elevem ser realizadas, já que isso pode<br />

provocar mais lesão e aumentar a perda sanguínea. O doente<br />

deve ser adequadamente imobilizado em uma prancha longa<br />

e preparado para a transferência a uma instituição para trata¬<br />

mento do trauma pediátrico.<br />

Cada extremidade deve ser inspecionada e palpada para<br />

descartar hipersensibilidade, deformidade, diminuição do<br />

suprimento vascular e déficit neurológico. O esqueleto incom¬<br />

pletamente calcificado da criança, com vários centros de cres¬<br />

cimento, aumenta a possibilidade de lesão epifisária (placa de<br />

crescimento). Por isso, qualquer área de edema, dor, sensibili¬<br />

dade ou com diminuição da amplitude de movimento deve ser<br />

iratada como se estivesse fraturada até que seja avaliada pelo<br />

exame radiológico. Tanto no adulto como na criança, uma lesão<br />

ortopédica despercebida em uma extremidade pode ter pouco<br />

efeito na mortalidade, mas pode levar à deformidade e à inca¬<br />

pacidade a longo prazo.<br />

Tratamento<br />

Os pontos-chave para a sobrevida da criança traumatizada são:<br />

rápida avaliação cardiopulmonar, atendimento agressivo apro¬<br />

priado à idade e transporte para um hospital com capacidade<br />

detratar o trauma pediátrico. O uso de uma fita de reanimação,<br />

codificada por cor e comprimento, permite a rápida identifica¬<br />

ção da correlação da altura do doente à estimativa de peso, ao<br />

tamanho do equipamento a ser utilizado e às doses correias dos<br />

possíveis medicamentos administrados durante a reanimação.<br />

Além disso, muitos sistemas pré-hospitalares possuem orien¬<br />

tações para a seleção adequada das instituições receptoras de<br />

doentes pediátricos vítimas de traumas.<br />

Vias aéreas<br />

Oxigenação, ventilação e perfusão são tão essenciais para a<br />

criança traumatizada como para o adulto. Dessa maneira, o pri¬<br />

meiro objetivo da reanimação inicial da criança traumatizada é<br />

a restauração da oxigenação adequada dos tecidos, tão rapida¬<br />

mente quanto possível. A prioridade da avaliação e da reanima¬<br />

ção é o estabelecimento da permeabilidade da via aérea.<br />

A permeabilidade da via aérea deve ser assegurada e man¬<br />

tida com aspiração, manobras manuais e dispositivos auxiliares<br />

de via aérea. Assim como no adulto, o atendimento inicial na<br />

criança deve incluir a estabilização neutra da coluna cervical.<br />

A menos que seja utilizada uma maca pediátrica especial para a<br />

coluna vertebral que possua uma depressão na região da cabeça,<br />

deve-se colocar um coxim (2 a 3 cm) sob o tronco de crianças<br />

pequenas para manter a coluna cervical em posição alinhada,<br />

em vez de deixá-la em uma leve flexão por causa do tama¬<br />

nho desproporcionalmente grande do occipício (Fig. 15-13).<br />

Quando se ajusta e mantém o posicionamento da via aérea,<br />

deve-se evitar a compressão de partes moles do pescoço e da<br />

traqueia. Uma vez conseguido o controle manual da via aérea,<br />

pode-se colocar uma cânula orofaríngea, desde que a criança<br />

não apresente o reflexo do vómito. O dispositivo deve ser colo¬<br />

cado com cuidado e gentilmente, paralelo ao trajeto da língua,<br />

em vez de fazer a rotação de 90 ou 180 graus na orofaringe pos¬<br />

terior, como no adulto. O abaixador de língua pode ser útil na<br />

colocação do dispositivo. A intubação orolraqueal, sob visuali¬<br />

zação direta da traqueia, é o método preferível para o controle<br />

definitivo da via aérea, quando o transporte for prolongado. No<br />

entanto, um estudo mostrou que, durante transporte curto, não<br />

houve melhora na sobrevida ou no prognóstico neurológico das<br />

crianças traumatizadas que foram intubadas precocemente, no<br />

local, quando comparadas com as que foram ventiladas com<br />

máscara e bolsa com válvula unidirecional."' Um estudo mais<br />

recente, em ambiente rural, mostrou que múltiplas tentativas de<br />

intubação no pré-hospitalar foram associadas a complicações<br />

significativas. 1,1 Embora o Combitube'-' seja um equipamento de<br />

resgate da via aérea comprovadamente eficaz em adultos víti¬<br />

mas de traumas,'10 em razão do seu tamanho grande e da não<br />

existência de tamanhos menores, seu uso é considerado inade¬<br />

quado em crianças pequenas (menores de 1,20 m de altura). A<br />

máscara laríngea (LMA) e o tubo laríngeo (TL), agora disponí¬<br />

veis em tamanhos menores, demonstraram ser seguros no res¬<br />

gate da via aérea de crianças e, em determinadas situações, são<br />

alternativas razoáveis à intubação endotraqueal."<br />

Assim, os riscos e os benefícios da intubação orolraqueal<br />

devem ser cuidadosamente analisados antes da. tentativa de rea¬<br />

lização do procedimento, principalmente em doentes pediátricos<br />

em que o uso de máscara e bolsa com válvula unidirecional per¬<br />

mite ventilação e oxigenação adequadas. Isso é ainda mais impor¬<br />

tante no tratamento avançado sem visualização da via aérea.<br />

Respiração<br />

O volume-ininuto e o esforço ventilatório do doente devem ser<br />

avaliados cuidadosamente. Por causa do potencial de deterioraj<br />

FIGURA 15-13 Coloque acolchoamento adequado sob o tronco da criança ou use uma maca para coluna vertebral com depressão<br />

para colocação do occipício da criança.


390 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 15-14<br />

Intubação Endotraqueal Pediátrica<br />

A intubação endotraqueal da criança traumatizada deve incluir<br />

a atenção rigorosa para a imobilização da coluna cervical. Uma<br />

pessoa deve manter a coluna vertebral do doente em posição<br />

neutra enquanto outra pessoa faz a intubação. A porção mais<br />

estreita da via aérea pediátrica é o anel cricoide, criando um "cuff<br />

fisiológico", de modo que cânulas traqueais sem balonete devam<br />

ser sempre utilizadas em crianças com menos de oito anos de<br />

idade. 0 tamanho apropriado do tubo traqueal pode ser estimado<br />

pelo diâmetro do quinto dedo da criança ou da narina ou, ainda,<br />

pela fórmula (16 + idade)/4. Uma pequena pressão na cricoide<br />

tende a facilitar a visualização das estruturas anteriores da laringe<br />

da criança e obstrui o esôfago, diminuindo, assim, a insuflação<br />

gástrica. Porém, anéis traqueais pediátricos são relativamente<br />

macios e móveis, e a pressão cricoide excessiva pode ocluir,<br />

completamente, a via aérea. A intubação farmacologicamente<br />

assistida ou de sequência rápida (ISR) deve sempre incluir o uso<br />

de sulfato de atropina para evitar a indução de bradicardia vagai.<br />

Afrequência cardíaca é o maisimportante determinante da perfusão<br />

nos doentes pediátricos.<br />

Umerro comum que acontece durante a intubação das crianças<br />

na emergência é a introdução dotubotraqueal no brônquio principal<br />

direito. 0 tubo nunca deve ser introduzido mais do que três vezes o<br />

seu tamanho (em centímetros). Por exemplo, um tubo endotraqueal<br />

de 3 cm deve repousar em profundidade inferior a 9 cm. 0 tórax e<br />

o epigástrio devem sempre ser auscultados depois da intubação e,<br />

quando disponível, a capnometria deve ser empregada. A posição<br />

do tubo deve ser reavaliada frequentemente, principalmente depois<br />

de qualquer movimentação do doente. Além de confirmar a posição<br />

do tubo endotraqueal, a ausculta pode excluir a possibilidade de<br />

outra lesão pulmonar. A criança com comprometimento das vias<br />

aéreas e lesão pulmonar que foi intubada com sucesso pode ser<br />

mais suscetível ao desenvolvimento de pneumotórax hipertensivo,<br />

dada a ventilação com pressão positiva.<br />

FIGURA 15-15<br />

Intubação da Criança no Pré-hospitalar: o Grande Debate<br />

Parece quase intuitivo que a intubação traqueal, o mais preco¬<br />

cemente possível no tratamento da criança com lesão cerebral<br />

traumática (LCT), seja benéfica. Um estudo retrospectivo mostrou<br />

melhora da sobrevida em adultos com LCT que foram intubados no<br />

pré-hospitalar, antes da chegada no hospital de destino.34 Estudos<br />

subsequentes avaliaram a intubação de sequência rápida (ISR),<br />

demonstrando sua melhor eficiência e aumento na taxa de sucesso<br />

na intubação de adultos e de crianças.35,36 No entanto, muitos estu¬<br />

dos de caso-controle retrospectivos e prospectivos mostraram que<br />

a intubação no pré-hospitalar, quando comparada com a ventilação<br />

com máscara e bolsa com válvula unidirecional, não melhorou a so¬<br />

brevida nem o prognóstico neurológico e pode até mesmo ter sido<br />

deletéria.5, 37,38 Um estudo prospectivo, randomizado, com crianças,<br />

comparando a intubação endotraqueal com a ventilação com más¬<br />

cara e bolsa com válvula unidirecional, em uma área urbana com<br />

tempos de transporte curto, não demonstrou diferença na sobrevida<br />

nem na evolução neurológica entre os dois grupos, mas mostrou<br />

uma incidência aumentada de complicações no grupo intubado.4<br />

0 processo de intubação associa-se frequentemente a períodos<br />

prolongados de hipoxia, bem como a períodos de ventilação mais<br />

agressiva seguidos de intubação em doentes transportados ao<br />

centro de trauma.6<br />

Os dados que sustentam a intubação traqueal pediátrica<br />

no pré-hospitalar são poucos e ambíguos. Na criança que está<br />

respirando espontaneamente, a intubação com ou sem assistência<br />

farmacológica deve ser feita com extrema cautela. Os programas<br />

dos SME que realizam a intubação pediátrica no pré-hospitalar<br />

devem incluir pelo menos:39<br />

1. Direção e supervisão médica rigorosas.<br />

2. Treinamento e educação continuada, incluindo experiência<br />

real em centro cirúrgico.<br />

3. Recursos para a monitoração do doente, disponibilidade de<br />

medicamentos e confirmação da posição do tubo.<br />

4. Protocolos de ISR padronizados.<br />

5. Disponibilidade de via aérea de resgate de reserva, como<br />

máscara laríngea ou tubo laríngeo.<br />

6. Controle permanente de qualidade/garantia de qualidade e<br />

programa de revisão de desempenho.<br />

ção rápida-de hipoxia leve para parada respiratória- a ventila¬<br />

ção deve ser assistida caso se observem dispneia e aumento do<br />

esforço respiratório. Deve-se utilizar máscara e bolsa com vál¬<br />

vula unidirecional e reservatório de tamanho adequado e com<br />

alto lluxo de oxigénio, para fornecer concentração de oxigénio<br />

entre 85% e 100% (Fi02 de 0,85 a 1,0). A monitoração contínua<br />

da oximetria de pulso serve como medida auxiliar na avaliação<br />

contínua da via aérea e da respiração. A saturação parcial de 02<br />

deve ser mantida acima de 95% ao nível do mar. Em crianças<br />

intubadas, vítimas de lesão cerebral traumática, a colocação do<br />

tubo endotraqueal deve ser confirmada de diversas maneiras,<br />

inclusive pela visualização direta da passagem do tubo através<br />

das pregas vocais, da presença de sons respiratórios iguais e<br />

bilaterais e da ausência de sons no epigástrio durante a venti¬<br />

lação. O monitoramento contínuo do volume corrente final de<br />

dióxido de carbono (ETC02), quando possível, deve ser usado<br />

na documentação da adequada colocação do tubo, evitando os<br />

extremos de hipercarbia e hipocarbia, que podem ser tão pre-


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 391<br />

judiciais à recuperação cie lesão cerebral traumática fechada<br />

quanto a hipoxia (Figs. 15-14 e 15-15). O ETC02 deve ser man¬<br />

tido entre 30 e 40 mmHg.1'<br />

As crianças são mais suscetíveis que os adultos ao colapso<br />

cardiovascular agudo causado pelo pneumotórax hipertensivo.<br />

Muitas crianças com pneumotórax hipertensivo apresentarão<br />

descompensação cardíaca secundária à diminuição do retorno<br />

venoso antes de ocorrerem quaisquer alterações detectáveis na<br />

oxigenação e na ventilação. Qualquer criança que apresente<br />

descompensação aguda, principalmente depois do início da<br />

ventilação com pressão positiva com máscara e bolsa com vál¬<br />

vula unidirecional ou do tratamento com dispositivo avançado<br />

devias aéreas, deve ser avaliada imediatamente para verificação<br />

da presença de pneumotórax hipertensivo. A distensão da veia<br />

jugular pode ser difícil de se determinar, dada a colocação do<br />

colar cervical ou a presença de hipovolemia ou hemorragia. O<br />

desvio traqueal é um sinal tardio e pode somente ser determi¬<br />

nado pela palpação da traqueia na chanfradura jugular. Nessas<br />

crianças, a ausência unilateral de sons respiratórios, associada<br />

ao comprometimento cardiovascular, indica a necessidade<br />

imediata de descompressão com agulha. No doente intubaclo,<br />

a diminuição dos sons respiratórios do lado esquerdo pode<br />

indicara inlubação do brônquio principal direito, mas, quando<br />

associada à descompensação cardíaca aguda, pode representar<br />

um pneumotórax hipertensivo. A cuidadosa reavaliação da via<br />

aérea e do estado respiratório do doente é necessária à diferen¬<br />

ciação dessas sutis diferenças. A descompressão por agulha é<br />

feita usando-se as mesmas referências anatómicas do adulto,<br />

porém, com frequência, é mais rapidamente efetiva na criança,<br />

porque o mediaslino se desloca rapidamente de volta para a sua<br />

posição normal e o retorno venoso é rapidamente restaurado.<br />

Circulação<br />

Após controlada a hemorragia externa, deve ser avaliada a per¬<br />

fusão. Controlar a hemorragia externa significa aplicar pressão<br />

manual direta sobre o ponto de sangramento, o uso de curativos<br />

hemostáticos avançados e a colocação seletiva de torniquetes<br />

em casos extremos, se outras medidas não foram eficazes; não é<br />

apenas cobrir o sítio de sangramento com camada após camada<br />

de curativos absorventes. Caso o primeiro curativo fique satu¬<br />

rado com sangue, é melhor adicionar mais um curativo em vez<br />

de substituí-lo, já que a remoção pode deslocar algum coágulo<br />

que tenha começado a se formar, ao mesmo tempo em que se<br />

realizam mais intervenções para interromper a hemorragia<br />

contínua. O sistema vascular da criança quase sempre é capaz<br />

de manter a pressão arterial normal até que ocorra um colapso<br />

significativo, situação em que o choque frequentemente não<br />

responde à reanimação. Portanto, a reanimação volêmica deve<br />

ser iniciada sempre que houver sinais de choque hipovolêmico<br />

compensado e deve ser iniciada imediatamente nos doentes<br />

com choque descompensado. Deve ser utilizada solução de Rin¬<br />

ger lactato (RL) ou soro fisiológico (SF) em bôlus de 20 mL/kg.<br />

Nos doentes pediátricos traumatizados que apresentam algum<br />

sinal de choque hemorrágico ou hipovolemia, os elementos-<br />

-chave para a sobrevida são a reanimação volêmica apropriada<br />

e o início rápido do transporte para um hospital apropriado.<br />

O transporte não deve ser retardado por causa da obtenção de<br />

acesso venoso ou da administração de volume.<br />

Acesso Venoso<br />

A reposição volêmica na criança com hipotensão grave ou<br />

sinais de choque deve fazer chegar volume adequado ao átrio<br />

direito para evitar redução adicional da pré-carga cardíaca. Os<br />

locais mais apropriados para acesso venoso são a fossa antecubital<br />

e a veia safena, no tornozelo. A veia jugular externa é outra<br />

possibilidade, mas o tratamento da via aérea é prioritário nesse<br />

pequeno espaço, e a imobilização de coluna faz com que o pes¬<br />

coço fique pouco acessível.<br />

No doente instável,ou potencialmente instável, a tentativa de<br />

acesso venoso periférico deve ser limitada a duas tentativas em 90<br />

FIGURA 15-16<br />

Infusão Intraóssea Pediátrica<br />

A infusão intraóssea (10) pode ser uma excelente via alternativa para<br />

reanimação e reposição de volume em crianças traumatizadas de<br />

qualquer idade.Essa é uma via efetiva para a infusão de medicamentos,<br />

de sangue ou para a administração de grande volume de fluidos.<br />

0 local mais acessível para a infusão 10 é a porção anterior<br />

da tíbia, logo abaixo e medialmente à tuberosidade tibial. Depois<br />

da antissepsia da pele e da fixação adequada da perna, é esco¬<br />

lhido um local na porção anterior da tíbia, 1 a 2 cm abaixo e<br />

medial à tuberosidade tibial. Agulhas de infusão I0 especialmente<br />

fabricadas são ótimas para o procedimento, mas também podem<br />

ser empregadas as agulhas de raquianestesia ou de medula óssea.<br />

As agulhas de raquianestesia com calibre 18 a 20 funcionam bem<br />

porque possuem um mandril que impede a obstrução da agulha<br />

quando esta atravessa o córtex do osso em direção à medula.<br />

Qualquer agulha de calibre 14 a 20 pode ser usada em uma emer¬<br />

gência. Há uma variedade de equipamentos comercializados que<br />

facilitam a colocação da agulha I0, com vários mecanismos. Por<br />

exemplo, a EZ-I0 usa uma broca de alta velocidade para inserir<br />

uma agulha I0 especialmente projetada. A agulha é colocada em<br />

um ângulo de 90 graus com o osso e empurrada firmemente através<br />

do córtex, para dentro da medula. A comprovação de que a agulha<br />

está bem colocada dentro da medula inclui o seguinte:<br />

1. Um estalido suave e o desaparecimento da resistência depois<br />

que a agulha atravessa o córtex.<br />

2. A aspiração de medula óssea para dentro da agulha.<br />

3. 0 fluxo livre de líquido para dentro da medula, sem evidência<br />

de infiltração no tecido subcutâneo.<br />

4. A agulha está presa, e não parece solta ou oscilante.<br />

A realização da infusão I0 deve ser considerada durante a rea¬<br />

nimação inicial quando o acesso venoso periférico não for possível.<br />

Como a velocidade de fluxo é limitada pela cavidade da medula óssea,<br />

a administração de fluidos e medicamentos deve normalmente ser<br />

feita sob pressão, e a via I0 sozinha raramente é suficiente depois<br />

da reanimação inicial.


392 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

segundos. Caso o acesso venoso periférico não seja possível, deve<br />

ser considerado o acesso pela via inlraóssea (Fig. 15-16).<br />

A passagem de um cateter na subclávia ou na jugular interna<br />

de uma criança traumatizada só deve ser feita em circunstân¬<br />

cias controladas, dentro do hospital; não deve ser tentada no<br />

ambiente pré-hospitalar.<br />

A decisão sobre quais crianças precisam de acesso venoso<br />

depende da gravidade da lesão, da experiência da pessoa envol¬<br />

vida e do tempo de transporte, dentre outros fatores. O socorrista<br />

deve entrar em contato com a direção médica se estiver inseguro<br />

a respeito da necessidade de acesso venoso ou de fazer a reposi¬<br />

ção volêmica durante o transporte.<br />

Reposição Volêmica<br />

O Ringer lactato - ou o soro fisiológico, se não houver Ringer<br />

lactato disponível - é a solução de escolha para a reanimação<br />

inicial da criança hipovolêmica. Conforme discutido no Capí¬<br />

tulo 8, a solução cristalóide permanece pouco tempo no espaço<br />

vascular; por isso, recomenda-se a proporção de 3:1 na reposição<br />

com solução cristalóide do volume de sangue perdido. O primeiro<br />

bôlus de fluido em uma criança traumatizada é de 20 mL/kg, o<br />

que é, aproximadamente, 25% de seu volume sanguíneo circu¬<br />

lante normal. Considerando-se a proporção de 3:1, 40 a 60 mL/kg<br />

podem ser necessários para se conseguir unia reposição inicial<br />

adequada e rápida em resposta a perda significativa de volume.<br />

Qualquer criança traumatizada que não apresente pelo menos<br />

uma pequena melhora do estado hemodinâmico após receber<br />

a primeira infusão rápida de 20 mL/kg e não ficar estável com<br />

a segunda infusão rápida deve receber transfusão de sangue. A<br />

infusão rápida de cristalóide pode restaurar transitoriamente a<br />

estabilidade cardiovascular, à medida que preenche e depois<br />

extravasa do sistema circulatório. Contudo, enquanto as células<br />

sanguíneas circulantes não forem repostas e o transporte de oxi¬<br />

génio não for restaurado, a hipoxia celular continua.<br />

Manejo da Dor<br />

Assim como em adultos, o manejo da dor deve ser considerado<br />

em crianças atendidas no ambiente pré-hospitalar. As indi¬<br />

cações para analgesia incluem lesões isoladas em membros<br />

e suspeita de fratura da coluna vertebral. Pequenas doses de<br />

analgesia com narcóticos, adequadamente tituladas, não devem<br />

comprometer o exame neurológico ou abdominal. Tanto a mor¬<br />

fina quanto o fentanil são escolhas aceitáveis, mas devem ser<br />

administrados somente de acordo com protocolos do atendi¬<br />

mento pré-hospitalar ou ordens do controle médico. Tendo em<br />

vista os efeitos colaterais de hipotensão e hipoventilação, todos<br />

os doentes submetidos à administração IV de narcóticos devem<br />

ser monitorados por oximelria de pulso e sinais vitais. De modo<br />

geral, os benzodiazepines não devem ser administrados con¬<br />

comitantemente aos narcóticos por causa de seus efeitos sinér¬<br />

gicos de depressão respiratória ou mesmo parada respiratória.<br />

Transporte<br />

A triagem é uma importante consideração do tratamento, uma<br />

vez que a rápida chegada à instituição mais adequada pode ser<br />

o principal elemento na sobrevida do doente.<br />

A tragédia da morte evitável decorrente do trauma pediá¬<br />

trico tem sido documentada em vários estudos relatados nas<br />

últimas ,três décadas. Estima-se que até 00% das mortes em<br />

casos de trauma pediátrico podem ser classificadas como evi¬<br />

táveis ou potencialmente evitáveis. Essas estatísticas têm sido<br />

uma das motivações primárias para o desenvolvimento de cen¬<br />

tros regionais especializados em trauma pediátrico, em que o<br />

atendimento contínuo, coordenado, sofisticado e de alta quali¬<br />

dade possa ser prestado.<br />

Muitas áreas urbanas possuem tanto centros de trauma<br />

adulto quanto pediátrico. Idealmente, o doente pediátrico<br />

vítima de trauma multissistêmico será beneficiado pela capaci¬<br />

dade inicial de reanimação e atendimento definitivo disponíveis<br />

nos centros especializados, dada sua experiência no tratamento<br />

destas crianças. Assim, é justificável o não encaminhamento ao<br />

centro de trauma adulto, em favor do transporte a um centro<br />

de trauma pediátrico. Em muitas comunidades, porém, o cen¬<br />

tro de trauma pediátrico mais próximo pode estar a horas de<br />

distância. Nesses casos, a criança que apresenta traumatismo<br />

grave deve ser transportada ao centro de trauma adulto mais<br />

próximo, uma vez que a reanimação e avaliação precoces, antes<br />

do encaminhamento à instituição pediátrica, podem aumentar<br />

a sobrevida. 2:1 Nas áreas em que não há centros especializados<br />

no tratamento do trauma pediátrico, os profissionais que traba¬<br />

lham em hospitais para adultos devem também ser experien¬<br />

tes na reanimação e no tratamento de doentes pediátricos. Nas<br />

áreas em que não há nenhuma dessas instituições nas proximi¬<br />

dades, a criança gravemente ferida deve ser levada ao hospital<br />

mais próximo capaz de atender vítimas de traumas, de acordo<br />

com as orientações locais de triagem pré-hospitalar. O trans¬<br />

porte aéreo pode ser considerado, em áreas rurais, como fornia<br />

de encaminhamento rápido. Existem poucas evidências de que<br />

o transporte aeromédico é benéfico em áreas urbanas nas quais o<br />

transporte terrestre a um centro de trauma pediátrico é quase tão<br />

rápido.2'1E cada vez mais evidente que a utilização do transporte<br />

aéreo expõe o doente e a equipe a um risco significativo. Essas<br />

preocupações devem ser cuidadosamente ponderadas quando se<br />

decide utilizar esse recurso.<br />

A revisão de mais de '15 mil registros do National Pediatric<br />

Trauma Registry (NPTR) indica que 25% das crianças são trau¬<br />

matizadas com gravidade suficiente para serem tríadas e enca¬<br />

minhadas a um centro de trauma pediátrico. O uso do PTS pode<br />

auxiliar na realização de triagem adequada. Muitos serviços<br />

médicos de emergência (SME) e sistemas de trauma utilizam<br />

outros critérios para triagem pediátrica, que podem ser ditados<br />

por protocolos estaduais, regionais ou locais. Todos os profis¬<br />

sionais responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar devem<br />

conhecer os protocolos de triagem de seu próprio sistema.<br />

Lesões Específicas<br />

Lesão Cerebral Traumática<br />

A lesão cerebral traumática (LCT) é a principal causa de morte<br />

por trauma na população pediátrica, Das fatalidades listadas nos<br />

primeiros 40 mil doentes do NPTR, 89% tinham lesão do sis¬<br />

tema nervoso central como contribuinte primário ou secundário<br />

para a mortalidade. Embora muitas das lesões mais graves só<br />

possam ser tratadas com prevenção, as medidas de reanimação<br />

inicial podem minimizai' a lesão cerebral secundária e, conse¬<br />

quentemente, a gravidade das lesões na criança. A oxigenação,


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 393<br />

a ventilação e a perfusão adequadas são necessárias para preve¬<br />

nira morbidade secundária. O prognóstico da criança que sofre<br />

lesão cerebral traumática grave é melhor do que o do adulto,<br />

exceto no subgrupo de crianças com menos de 3 anos de idade,<br />

que é pior do que o das crianças maiores.<br />

O resultado da avaliação neurológica inicial é útil para esta¬<br />

belecer o prognóstico. Mesmo que a avaliação neurológica ini¬<br />

cial seja normal, toda criança com trauma craniencefálico pode<br />

ser suscetível a edema cerebral, hipoperfusão e lesões secundá¬<br />

rias. Essas condições podem resultar mesmo de um mecanismo<br />

que pareça de menor gravidade.<br />

A medida inicial da escala de coma de Glasgow (GCS) deve<br />

ser feita e frequentemente repetida durante o transporte. Oxigé¬<br />

nio suplementar deve ser administrado, e, se possível, a oximetriade<br />

pulso deve ser monitorada. Embora o vómito seja comum<br />

depois de uma concussão, o vómito persistente ou em jalo é<br />

preocupante e requer avaliação adicional.<br />

Assim como a hipoxia, a hipovolemia pode agravai- muito<br />

a lesão cerebral original. A hemorragia externa deve ser contro¬<br />

lada, e as extremidades devem ser imobilizadas para diminuir<br />

a perda interna de sangue associada a essas lesões. Deve-se ten¬<br />

tar manter a criança traumatizada em estado euvolêmico, com<br />

reposição de volume intravenoso. Em raras ocasiões, bebés com<br />

menos de 6 meses podem ficar hipovolêmicos como resultado<br />

de sangramento intracraniano, pois as suturas cranianas e as<br />

íontanelas encontram-se abertas. Uma criança com fontanela<br />

aberta pode tolerar melhor um hematoma intracraniano em<br />

expansão, mas pode não apresentar sintomas até que ocorra<br />

rápida descompensação. No lactente com fontanela abaulada,<br />

deve-se considerar a existência de lesão cerebral mais grave.<br />

Crianças com um escore igual ou inferior a 8 na GCS beneficiam-se<br />

com a inlubação endolraqueal. No entanto, a mela<br />

deve ser sempre a oxigenação e a ventilação adequadas, não<br />

a intubação traqueal. Tentativas prolongadas de manutenção<br />

da via aérea pela inlubação endolraqueal podem aumentar os<br />

períodos de hipoxia e retardar o transporte à instituição ade¬<br />

quada. A melhor via aérea para uma criança é aquela que ao<br />

mesmo tempo é a mais segura e a mais efeliva. A ventilação<br />

com máscara e bolsa com válvula unidirecional e a prontidão<br />

para aspiração caso a criança vomite pode ser mais segura que a<br />

intubação e, com frequência, é a melhor via aérea para a criança<br />

com lesão cerebral traumática.'1,5'6<br />

A criança com sinais e sintomas de hipertensão intracra¬<br />

niana (HIC), ou aumento da pressão intracraniana (PIC), como<br />

pupilas com reação lenta ou não reativas, hipertensão arterial<br />

sistémica, bradicardia e padrões anormais de respiração, pode<br />

beneficiar-se com a hiperventilação branda temporária para<br />

diminuir a PIC. No entanto, esse efeito da hiperventilação é<br />

transitório e também reduz o suprimento total de oxigénio ao<br />

SNC, provocando lesões cerebrais secundárias. Recomenda-se,<br />

enfaticamente, que essa estratégia não seja utilizada, a menos<br />

a criança apresente sinais de herniação ou de laleralização.<br />

Amoniloração do ETCO., deve orientar o tratamento na criança<br />

intubada, com o objelivo de manter seus níveis por volta de<br />

35 mmHg. A hiperventilação com ETCO., inferior a 25 nnnHg<br />

tem sido associada à pior evolução neurológica.6 Se a capnografia<br />

não estiver disponível, deve-se usar uma frequência ventilatória<br />

de 30 por minuto paia crianças em geral, e 35 por minuto paia<br />

lactentes.'<br />

Duranteo transporte prolongado, pequenas doses de manitol<br />

(0,5 a 1 g/kg) podem ser administradas a crianças com evidên¬<br />

cia de hipertensão intracraniana, se permitido pelos protocolos<br />

locais. Entretanto, o uso do manitol em um cenário de reanima¬<br />

ção volêmica insuficiente pode resultar em hipovolemia e piora<br />

do choque. O manitol não deve ser administrado no local sem<br />

se discutir esta opção com o controle médico, a menos que per¬<br />

mitido pelos protocolos ou normas vigentes. Logo após a lesão<br />

cerebral traumática, podem ocorrer convulsões breves em que<br />

os socorristas devem garantir a segurança do doente; em geral,<br />

a oxigenação e ventilação não requerem tratamento específico<br />

por parte dos socorristas. Entretanto, as convulsões recorrentes<br />

preocupam e exigem a administração intravenosa de benzodiazepínico,<br />

como o diazepam (0,1 a 0,2 mg/kg/dose). Dependendo<br />

do protocolo, também podem ser empregados o midazolam ou<br />

o lorazepam; no entanto, todos os benzodiazepínicos devem ser<br />

usados com muito cuidado, dados os possíveis efeitos colaterais<br />

de depressão ventilatória e hipotensão, assim como sua capaci¬<br />

dade de obscurecer o exame neurológico.<br />

Trauma Vertebromedular<br />

A indicação para imobilização da coluna no doente pediátrico<br />

baseia-se no mecanismo de trauma e nos achados do exame<br />

físico; na presença de outras lesões sugestivas de movimentos<br />

violentos ou súbitos da cabeça, do pescoço ou do tronco; ou<br />

na presença de sinais específicos de lesão vertebromedular,<br />

como deformidade, dor ou déficit neurológico. Como no adulto,<br />

o tratamento pré-hospitalar correto da coluna com suspeita de<br />

lesão é a estabilização manual alinhada, seguida da colocação<br />

de um colar cervical de tamanho adequado e da imobilização do<br />

doente em prancha longa, de modo que a cabeça, o pescoço, o<br />

tronco, a pelve e as pernas sejam mantidos em posição neutra e<br />

alinhada. Isso deve ser feito sem impedir a ventilação do doente,<br />

a abertura da boca ou a realização de qualquer outra manobra<br />

necessária para reanimação. Indica-se mais liberalmente a imo¬<br />

bilização da coluna na criança pequena por ela ser incapaz de se<br />

comunicar ou, de outra forma, participar da própria avaliação.<br />

Nenhum estudo validou a segurança clínica do tratamento da<br />

coluna vertebral da criança no campo. A mesma imaturidade,<br />

previamente discutida, também contribui para o medo e a falta<br />

de cooperação das crianças com a imobilização. Uma criança<br />

que reage intensamente às tentativas de imobilização pode, na<br />

realidade, ler maior risco de agravar qualquer lesão vertebro¬<br />

medular existente. Pode ser válido decidir não imobilizar essa<br />

criança, se for possível convencê-la a ficar deitada imóvel, sem<br />

contenção. Entretanto, qualquer decisão de interromper as ten¬<br />

tativas de imobilização no interesse da segurança da criança<br />

deve ser acompanhada da documentação completa do motivo,<br />

bem como da avaliação repetida do estado neurológico durante<br />

e imediatamente após o início do transporte. O ideal é que essa<br />

decisão seja tomada em conjunto com o controle médico.<br />

Quando a maioria das crianças pequenas é colocada em uma<br />

superfície rígida, o tamanho relativamente maior do occipício<br />

provoca flexão passiva do pescoço. A não ser que esteja sendo<br />

usada uma maca pediátrica especializada para a coluna verte¬<br />

bral,que possui uma depressão na região da cabeça para acomo¬<br />

dar o occipício, deve ser colocado um coxim debaixo do tronco,<br />

suficiente (2 a 3 cm) para elevá-lo de modo a permitir que a<br />

cabeça fique em posição neutra. O coxim deve ser contínuo e


394 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

reto, indo dos ombros até a bacia, estendendo-se até as margens<br />

laterais do tronco, para garantir que as colunas torácica, lom¬<br />

bar e sacral fiquem sobre uma plataforma estável, única, rela<br />

e sem a possibilidade de movimento anteroposterior. Também<br />

deve ser colocado coxim entre as laterais do corpo da criança e<br />

as bordas da prancha, para que não ocorram movimentos late¬<br />

rais quando se movimenta a prancha ou quando o doente e a<br />

prancha precisam ser rodados para o lado, para evitar aspiração<br />

durante episódios de vómito.<br />

Há disponibilidade de uma grande variedade de novos dis¬<br />

positivos para imobilização pediátrica. O socorrista deve treinar<br />

e familiarizar-se regularmente com todo equipamento especiali¬<br />

zado usado no serviço em que trabalha, bem como com os ajustes<br />

necessários quando se imobiliza uma criança com equipamentos<br />

usados em adultos. Se for usado na criança um imobilizador tipo<br />

colete,imobilizaçãoadequada e prevenção do comprometimento<br />

ventilatório devem ser garantidas ao mesmo tempo. O socorrista<br />

também deve estar familiarizado com as técnicas de imobiliza¬<br />

ção de crianças pequenas em cadeirinhas de carro.11'"17 Além<br />

disso, em alguns casos, pode ser melhor transportar a criança<br />

imobilizada em sua própria cadeirinha, em vez de removê-la e<br />

imobilizá-la na prancha longa.<br />

Trauma Torácico<br />

O fato de o gradeado costal da criança ser extremamente flexível<br />

geralmente resulta em menos lesões da estrutura óssea do tórax,<br />

porém maior risco de lesões pulmonares, como a contusão pul¬<br />

monar, o pneumotórax ou o hemotórax. Embora Irat uras de cos¬<br />

tela sejam raras na infância, sua presença é associada a um alto<br />

risco de lesão intratorácica. A crepitação pode ser observada ao<br />

exame e pode ser um sinal de pneumotórax. O risco de morta¬<br />

lidade aumenta conforme o número de costelas fraturadas. Um<br />

alto índice de suspeição é a chave para identificar essas lesões.<br />

Toda criança que sofrer um trauma no tórax e no tronco deve ser<br />

cuidadosamente monitorada para que sejam detectados sinais<br />

de desconforto respiratório e choque. Abrasões ou contusões no<br />

tronco da criança depois de trauma contuso significativo podem<br />

ser os únicos indícios para o socorrista de que a criança sofreu<br />

trauma torácico.<br />

Além disso, ao transportai" uma criança que sofreu trauma<br />

contuso de alto impacto no tórax, o ritmo cardíaco do doente<br />

deve ser monitorado enquanto a criança estiver a caminho<br />

do hospital. Os itens-chave do tratamento do trauma torácico<br />

incluem também a atenção cuidadosa para a ventilação, a oxige¬<br />

nação, bem como o transporte no momento correio para o hos¬<br />

pital apropriado.<br />

Trauma Abdominal<br />

A presença de trauma abdominal fechado, de instabilidade<br />

pélvica, de distensão abdominal pós-lraumática, rigidez ou<br />

sensibilidade, ou de choque sem outra explicação pode estar<br />

associada à possível hemorragia intra-abdominal. A "marca ou<br />

sinal de cinto de segurança" no abdome de uma criança é, com<br />

frequência, um indicador de lesões internas graves (Fig. 15-17).<br />

Os elementos-chave do tratamento pré-hospitalar do trauma<br />

abdominal são a reanimação volêmica, o uso de oxigénio suple¬<br />

mentar em altas concentrações e o transporte rápido para o<br />

hospital adequado com monitoramenlo cuidadoso e contínuo<br />

no trajeto. Realmente, não há intervenções definitivas que os<br />

socorristas pré-hospitalares possam oferecer aos doentes com<br />

lesões inlra-abdominais e, assim, todo o possível deve ser feilo<br />

para transportá-los, rapidamente, à instituição adequada mais<br />

próxima.<br />

Trauma de Extremidades<br />

Em comparação com o esqueleto do adulto, o da criança está em<br />

crescimento ativo e é composto por uma grande proporção de<br />

tecido cartilaginoso e zonas de crescimento metabolicamente<br />

ativas. As estruturas ligamentares que mantêm os ossos do<br />

esqueleto unidos são frequentemente mais fortes e mais capazes<br />

de resistir à ruptura mecânica do que os ossos aos quais estão<br />

fixados. Assim, as crianças com trauma esquelético suportam<br />

grandes forças antes de terem fraturas de ossos longos, luxações<br />

ou deformidades. As fraturas incompletas ("em galho verde")<br />

são comuns e podem ser sinalizadas apenas por sensibilidade<br />

óssea e dor quando se movimenta o membro afelado.<br />

As lesões primárias das articulações são raras quando compa¬<br />

radas com as lesões das diáfises ou das epífises do osso. Fraturas<br />

que envolvem a placa de crescimento são as únicas que devem<br />

ser cuidadosamente identificadas e tratadas na fase aguda da<br />

lesão, não somente para garantir sua cicatrização adequada, mas<br />

também para impedir subsequentes deslocamentos ou deformi¬<br />

dades com a continuidade do desenvolvimento da criança. A<br />

associação de lesões neurovasculares e ortopédicas em crianças<br />

deve sempre ser considerada, e os exames vascular e neurológico<br />

distais devem ser cuidadosamente realizados. Frequentemente,<br />

a presença de uma lesão que pode deixar sequela só pode ser<br />

afastada pelo exame radiológico ou, quando houver a mais leve<br />

suspeita de diminuição da perfusão distai, pela arteriografia.<br />

As grandes deformidades aparentes, qup às vezes acompa¬<br />

nham as lesões de extremidades, não devem desviar a atenção<br />

das lesões que podem por a vida em risco. A hemorragia não<br />

controlada é a única condição com risco de vida associada ao<br />

trauma de extremidades. Nos doentes pediátricos e adultos com<br />

lesões multissistêmicas, o início imediato do transporte para o<br />

FIGURA 15-17 O "sinal do cinto de segurança" em um doente<br />

com 6 anos de idade que teve ruptura de baço. Os sinais do<br />

cinto de segurança estão frequentemente associados a lesões<br />

intra-abdominais graves.


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 395<br />

hospital apropriado, sem perder tempo, depois de completada a<br />

avaliação primária, a reanimação e a imobilização rápida ainda<br />

são de suma importância para reduzir a mortalidade. Quando a<br />

imobilização básica puder ser feita a caminho do hospital, sem<br />

prejudicar a reanimação da criança, isso ajudará a minimizar o<br />

sangramento e a dor associada às lraturas de ossos longos, mas<br />

a atenção a lesões associadas ao risco de morte deve ser o foco<br />

primário.<br />

Lesões térmicas<br />

Depois das colisões automobilísticas e dos afogamentos, as<br />

queimaduras estão em terceiro lugar como causa de morte por<br />

trauma pediátrico.1" O atendimento de uma criança trauma¬<br />

tizada é sempre um grande desafio físico e emocional para o<br />

socorrista, e essas dificuldades são apenas amplificadas quando<br />

se trata de uma criança queimada. A criança queimada pode ter<br />

edema de via aérea, o acesso venoso pode ser complicado por<br />

causa das queimaduras de membros, e ela pode estar histérica<br />

por causa da dor.<br />

A avaliação primária deve ser seguida como em outros<br />

casos de trauma pediátrico, mas cada etapa da avaliação pri¬<br />

mária pode ser mais complicada do que na criança sem trauma<br />

térmico. A maioria das mortes relacionadas com incêndios em<br />

prédios não está diretamente relacionada com queimadura de<br />

partes moles, mas é secundária à inalação de fumaça. Quando<br />

as crianças ficam presas em um incêndio, elas frequentemente<br />

se escondem do fogo debaixo de camas ou em armários. Com<br />

frequência, essas crianças morrem e, na maioria das vezes, seus<br />

corpos são recuperados sem nenhuma queimadura; elas mor¬<br />

rem pela intoxicação por monóxido de carbono 011 por cianeto<br />

de hidrogénio e hipoxia. Mais de 50% das crianças com menos<br />

de 9 anos de idade, vítimas de incêndios, apresentam algum<br />

grau de lesão por inalação de fumaça.<br />

0 edema da via aérea induzido por meios térmicos é sempre<br />

uma preocupação nos doentes queimados, principalmente nas<br />

crianças. O menor diâmetro da traqueia pediátrica significa que<br />

1mm de edema produzirá uma magnitude maior de obstrução<br />

devias aéreas do que 110 adulto, cujas vias aéreas têm maior diâ¬<br />

metro. Deve ser feito o controle precoce da via aérea com intubação<br />

endolraqueal antes que a criança desenvolva sinais 011<br />

sintomas de comprometimento respiratório. Uma criança com<br />

edema de via aérea pode estar sentada inclinada para a frente e<br />

apresentar salivação 011 se queixar de rouquidão ou alterações<br />

vocais. Uma vez intubacla a criança, a cânula de intubação pre¬<br />

cisa ser protegida para não se deslocar nem sair inadvertida¬<br />

mente. Se o doente se extubar acidentalmente, o socorrista pode<br />

não ser capaz de intubar a criança de novo em virtude do edema<br />

progressivo; o resultado pode ser desastroso. E difícil fixar um<br />

tubo traqueal na face de uma criança cuja pele está se soltando<br />

etem feridas úmidas. Nas crianças com queimaduras de face,<br />

não se deve tentar fixar o tubo com fita adesiva. O tubo deve ser<br />

fixado com dois pedaços de fita umbilical, com uma lira pas¬<br />

sando por cima da orelha e a segunda, abaixo da orelha. Uma<br />

alternativa eficiente para a fita umbilical é o equipo de soro. Em<br />

caso de indisponibilidade desses equipamentos, e caso outro<br />

socorrista esteja disponível, peça a ele que seja responsável uni¬<br />

camente pela manutenção do dispositivo de via aérea no posi¬<br />

cionamento correio.<br />

E fundamental obter rapidamente um acesso venoso para<br />

evitar o desenvolvimento do choque. O retardo na reanimação<br />

volêmica em crianças associa-se a resultados clínicos significa¬<br />

tivamente piores e ao aumento da mortalidade, principalmente<br />

nos lactentes queimados.<br />

Volume em excesso pode levai- a complicações respirató¬<br />

rias, bem como a edema, o que pode complicar os cuidados com<br />

a queimadura. Depois de garantir a via aérea e fornecer ven¬<br />

tilação e oxigenação adequadas, é fundamental providenciar<br />

rapidamente o acesso venoso. As crianças possuem um volume<br />

intravascular relativamente pequeno, de modo que a demora<br />

na reanimação volêmica pode levar rapidamente ao choque<br />

hipovolêmico. Para infundir as grandes quantidades de volume<br />

necessárias nas queimaduras graves, esses doentes geralmente<br />

precisam de dois cateteres venosos periféricos para atingir a<br />

velocidade de fluxo necessária. Frequentemente, a inserção de<br />

um único cateter c.alibroso é um grande desafio; dois cateteres,<br />

mais ainda. As queimaduras nos membros podem dificultar 011<br />

impossibilitar o estabelecimento do acesso suficiente para a rea¬<br />

nimação volêmica adequada. Nos doentes pediátricos queima¬<br />

dos, assim como nos doentes adultos vítimas de queimaduras,<br />

a reposição de fluido precisa ser calculada a partir do momento<br />

da lesão; assim, mesmo um retardo de 30 minutos em sua insti¬<br />

tuição pode resultar em choque hipovolêmico. Uma vez obtido<br />

o acesso venoso periférico, devem ser tomadas as providências<br />

para garantir que ele não seja perdido inadvertidamente. As<br />

técnicas habituais empregadas na fixação dos acessos venosos<br />

são frequentemente ineficazes quando o acesso está em área de<br />

queimadura ou próximo, porque a fita adesiva e os curativos<br />

podem aderir ao tecido queimado. Quando possível, o acesso<br />

deve ser fixado com um curativo tipo Kerlix"', apesar de cura¬<br />

tivos circunferenciais necessitarem de monitoração frequente<br />

pelo desenvolvimento do edema com risco de ocorrência de<br />

dano tecidual pelo curativo circunferencial.<br />

Quando o acesso venoso periférico não puder ser obtido,<br />

deve ser usado o acesso intraósseo. Embora previamente preco¬<br />

nizado apenas para crianças com menos de 3 anos de idade, a<br />

infusão intraóssea alualmenle é utilizada em crianças maiores,<br />

bem como em adultos. Geralmente, o volume a ser administrado<br />

para um doente queimado é calculado com base 11a porcen¬<br />

tagem estimada da área corporal superficial queimada, com o<br />

emprego da "regra dos nove", um método rápido e impreciso de<br />

estimar as necessidades de volume com base em casos de víti¬<br />

mas adultas em campos de batalha. A premissa desse método<br />

de estimativa do tamanho da queimadura é de que as grandes<br />

regiões do corpo do adulto (p. ex., cabeça, braço, região anterior<br />

do tronco) correspondem, cada uma, a 9% da área de superfície<br />

corporal total. As regiões anatómicas das crianças são propor¬<br />

cionalmente diferentes das dos adultos; as crianças têm cabeça<br />

maior e membros menores. Por isso, a estimativa do tamanho da<br />

queimadura pediátrica deve usar os diagramas específicos para<br />

a idade como a tabela de Lund Browder, e não a regra dos nove.<br />

Em caso de indisponibilidade de gráficos e diagramas, a "regra<br />

da palma das mãos" pode ser utilizada; segundo essa regra, o<br />

tamanho da palma da mão da criança representa, aproximada¬<br />

mente, 1% de sua área corporal superficial.<br />

Com base na porcentagem de área corporal superficial<br />

queimada, o volume de fluidos IV necessário à reanimação é<br />

determinado (Cap. 14). Duas importantes considerações pediá¬<br />

tricas merecem menção. Primeiro, crianças pequenas possuem


396 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

uma reserva limitada cie glicogênio. O glicogênio é essencial¬<br />

mente formado por moléculas de glicose unidas e é usado como<br />

armazenamento de carboidratos. Essas moléculas de glicogênio<br />

podem, então, ser mobilizadas em casos de estresse. Caso esses<br />

armazenamentos limitados de glicogênio sejam depletados, a<br />

criança pode,rapidamente, desenvolver hipoglicemia.Segundo,<br />

as crianças apresentam maior relação volume/área de superfície;<br />

o formato geral de um adulto é um cilindro, enquanto que o das<br />

crianças se assemelha a uma esfera. A implicação clínica é que<br />

uma criança precisa de maior volume intravenoso. Para abor¬<br />

dar essas duas questões, além do volume de fluidos calculado<br />

para reanimação, devem também ser administradas soluções de<br />

manutenção contendo glicose a 5%. Em transportes prolongados<br />

de crianças com cateter de Foley, os fluidos devem ser titula¬<br />

dos, garantindo um débito urinário de 1mL/kg/h. Se o débito<br />

urinário não estiver adequado, um bôlus de fluido de 20 mL/kg<br />

é administrado, e a taxa de administração de fluidos de reposi¬<br />

ção é aumentada, de modo a elevar o volume urinário ao nível<br />

desejado.<br />

A cada ano, aproximadamente 1,5 milhão de crianças<br />

sofrem abuso por queimadura, o que representa 20% de todos<br />

os abusos infantis.19,20 Cerca de 20% a 25% das crianças infer¬<br />

nadas em centros de queimados pediátrico são vítimas de abuso<br />

infantil.21,22 A maior conscienlização desse problema entre os<br />

socorristas pode melhorar a detecção dessa causa de trauma<br />

pediátrico. A documentação cuidadosa da situação adjacente à<br />

lesão, assim como dos próprios padrões lesionais, pode auxiliar<br />

a polícia na denúncia dos agressores.<br />

Os dois mecanismos mais comuns pelos quais essas crian¬<br />

ças sofrem queimaduras são as escaldaduras e as queimaduras<br />

de contato. As escaldaduras são a forma mais comum de quei¬<br />

maduras não acidentais. Em geral, as lesões por escaldadura<br />

são infligidas em crianças em idade de treinamento dos hábitos<br />

higiénicos. O cenário habitual é o das crianças que se sujam<br />

e são subsequentemente imersas em uma banheira com água<br />

quente. Essas queimaduras por escaldadura são caracterizadas<br />

por um padrão de demarcação nítida entre os tecidos queima¬<br />

dos e não queimados, poupando as pregas de llexão, já que a<br />

criança frequentemente coloca as pernas para cima, para evitar<br />

o escaldamento com água (Cap. 14).<br />

As queimaduras por contato são o segundo mecanismo mais<br />

comum de queimaduras não acidentais. Os objetos mais comumente<br />

utilizados para infligir as queimaduras são chapinhas de<br />

cabelo, ferros de passar roupa e cigarros. As queimaduras por<br />

cigarro aparecem como feridas arredondadas, medindo pouco<br />

mais de 1cm de diâmetro (em geral, 1,3 cm). Para esconder essas<br />

lesões, o agressor pode fazê-las em áreas geralmente cobertas<br />

por roupa, acima da linha de implantação do cabelo no couro<br />

cabeludo ou mesmo nas axilas. Todas as superfícies do corpo<br />

humano apresentam algum grau de curvatura; por conseguinte,<br />

um objeto quente que caia sobre qualquer superfície corporal<br />

tem um ponto inicial de contato e, em seguida, defletirá a par¬<br />

tir do ponto de contato. Portanto, as queimaduras por contato<br />

acidental apresentam bordas e profundidades desiguais. Por<br />

outro lado, quando um objeto quente é deliberadamente utili¬<br />

zado para queimar alguém, ele é pressionado contra a região do<br />

corpo. A queimadura apresentará, então, um padrão com uma<br />

borda regular nítida e profundidade de queimadura uniforme<br />

(Cap. 14).<br />

É importante ter um alto índice de suspeição, e todos os caso;<br />

de suspeita de abuso devem ser notificados. Observe meticulosa¬<br />

mente o ambiente, como a posição das várias peças do mobiliário,<br />

pranchas de cabelos e a profundidade da água da banheira. Regis¬<br />

tre os nomes dos indivíduos presentes no local. Toda criança cora<br />

suspeita de abuso, independentemente do tamanho das queima¬<br />

duras, precisa ser tratada em um centro com experiência no tra¬<br />

tamento de queimaduras pediátricas. O abuso e a negligência de<br />

menores são discutidos mais à frente, neste capítulo.<br />

Prevenção de Lesões em<br />

Veículos Motorizados<br />

A American Academy of Pediatrics definiu a restrição ideal de<br />

crianças em veículos motorizadas. As crianças devem ser sem¬<br />

pre transportadas no banco traseiro. Até os 4 anos de idade,<br />

elas devem ser colocadas em assentos adequados (virados para<br />

trás, até um ano) e, então, em cadeirinhas com cinto até os 8 a<br />

10 anos de idade. A partir dessa idade, cintos de três pontos<br />

(na cintura e no ombro, nunca apenas na cintura), usados por<br />

adultos, podem ser empregados. A restrição subúlima é definida<br />

como a não utilização da cadeirinha por crianças com menos de<br />

8 anos de idade, e do cinto de três pontos por crianças acima<br />

dessa idade.2" Em recente revisão, quando essas orientações<br />

foram observadas, o risco de lesão abdominal em crianças ade¬<br />

quadamente restritas foi 3,5 vezes menor do que na população<br />

pediátrica em restrição subúlima.2'1 O benefício proletor da colo¬<br />

cação no banco traseiro é tal que o risco de morte é reduzido em,<br />

pelo menos 30%; assim como o uso de cintos abdominais no<br />

banco traseiro é mais seguro do que a colocação de cintos de<br />

três pontos no banco da frente.30 5<br />

A Criança Abusada e<br />

Negligenciada<br />

O abuso de menores (maus-tratos ou traumas não acidentais) é<br />

uma causa significativa de lesão na infância. Aproximadamente<br />

20% de todas as queimaduras pediátricas envolvem abuso ou<br />

negligência de menores. Os profissionais responsáveis pelo<br />

atendimento pré-hospitalar devem sempre considerar a pos¬<br />

sibilidade de abuso de menores quando este é indicado pelas<br />

circunstâncias.<br />

Os socorristas devem suspeitar de abuso ou negligência caso<br />

notem qualquer uma das seguintes situações:<br />

S3 Discrepância entre a história e o grau de lesão física, ou<br />

alteração frequente da história.<br />

h Resposta inadequada da família.<br />

h Intervalo prolongado entre o momento da lesão e a<br />

solicitação de atendimento médico.<br />

h Histórico de lesão inconsistente com o nível de<br />

desenvolvimento da criança. Por exemplo, um histórico<br />

indicando que um recém-nascido rolou para fora da cama


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 397<br />

deve ser suspeito, já que bebés dessa idade são incapazes<br />

de se mover dessa forma.<br />

Determinados tipos de lesão também sugerem abuso, como<br />

os seguintes (Fig. 15-18):<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

Múltiplos hematomas em variados estágios de resolução<br />

(excluindo as palmas das mãos, os antebraços, as<br />

áreas tibiais e a fronte em crianças que já andam, que<br />

frequentemente se ferem em quedas normais). Hematomas<br />

acidentais geralmente ocorrem sobre proeminências ósseas.<br />

Lesões bizarras, como mordeduras, queimaduras feitas<br />

com cigarro, marcas de corda ou outros padrões lesionais<br />

semelhantes.<br />

0 Queimaduras bem delimitadas ou lesões por escaldadura<br />

em áreas incomuns (Cap. 14).<br />

Em muitas jurisdições, os socorristas são legalmente obri¬<br />

gados a relatar se identificarem possível abuso de menores. De<br />

modo geral, os socorristas que agem de boa-fé e no melhor inte¬<br />

resse das crianças são protegidos de ação legal. Os procedimen¬<br />

tos de denúncia são variáveis, de modo que esses profissionais<br />

devem conhecer as agências que lidam com o abuso de menores<br />

em sua região. A necessidade de relato do abuso é enfatizada<br />

pelos resultados que sugerem que até 50% das crianças mal¬<br />

tratadas são liberadas de volta aos molestadores, já que não foi<br />

suspeito ou denunciado o abuso (Fig. 15-19).<br />

FIGURA 15-18 Indicadores de possível trauma não acidental. A. "Olhos de guaxinim" ou hematoma periorbital, uma possível<br />

indicação de fratura de base de crânio. B. Mancha azul (mancha mongol), mostrada aqui no tronco e nas nádegas de um neonato de<br />

ascendência asiática, pode ser facilmente confundida com hematomas. C. Lesões bem circunscritas com bolhas, observadas aqui<br />

como resultantes de queimadura com cigarro. D. Queimaduras nas pontas dos dedos, provocadas por ter a mão colocada à força<br />

sobre queimadores de fogão elétrico. As queimaduras são confinadas às pontas dos dedos, uma vez que a criança tenta impedir que<br />

sua mão seja achatada contra o queimador. E. Abrasões provocadas por cordas. F. Eritema facial, de tapas na face. O formato da<br />

mão do agressor pode ser observado.<br />

[Taylor S, Raffles A: Diagnosis in color: Pediatrics, Londres, 1997, Mosby-Wolíe.)


398 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 15-19<br />

Documentando o Trauma Infantil Não Acidental<br />

Os socorristas podem ser os únicos da área médica a atender uma<br />

cena de crime potencial envolvendo trauma infantil não acidental<br />

(abuso). Embora os socorristas estejam sob pressão intensa em<br />

um cenário de emergência, eles estão em uma posição ímpar para<br />

coletar informações de importância probatória, que podem ajudar<br />

a determinar o mecanismo de lesão e a identificar o agressor.<br />

Idealmente, os socorristas devem documentário itens fundamentais<br />

ao responder a um chamado de uma "criança que precisa de ajuda":<br />

1. Documente todos os adultos e crianças presentes.<br />

2. Documente todas as declarações e o comportamento<br />

de todas as pessoas presentes. Como registradores das<br />

declarações no "cenário", os socorristas devem estar<br />

familiarizados com os requisitos gerais que permitem que<br />

determinadas declarações possam ser usadas no tribunal.<br />

a. Identifique e registre o autor da declaração.<br />

b. Registre todas as declarações no relatório oficial.<br />

c. Registre o conteúdo literal, usando aspas quando apropriado.<br />

d. Registre o momento em que foi feita a declaração.<br />

e. Registre o comportamento de quem falou.<br />

f. Explique a sua função.<br />

g. Faça perguntas sobre o acontecido, mas não se exponha<br />

caso você seja ameaçado de alguma forma.<br />

h. Registre a pergunta. Frequentemente, o conteúdo de uma<br />

resposta só pode ser compreendido quando se conhece a<br />

pergunta.<br />

i. Liste todas as pessoas presentes que ouviram a declaração.<br />

3. Documente o ambiente. Os socorristas podem chegar antes<br />

que os responsáveis pela criança limpem, modifiquem ou<br />

destruam as evidências.<br />

4. Colete os itens significativos. Preservar o mecanismo<br />

potencial da lesão é vital para averiguar uma história<br />

suspeita.<br />

5. Identifique e registre a idade e o estágio de desenvolvimento<br />

da criança.<br />

6. Conheça os sinais de abuso e negligência.<br />

a. Sinais de abuso físico: fraturas inexplicadas, escoriações,<br />

olhos roxos, cortes, queimaduras e vergões; lesões<br />

regulares e marcas de mordedura; comportamento<br />

antissocial; medo de adultos; sinais de apatia, depressão,<br />

hostilidade ou estresse; distúrbios alimentares.<br />

b. Sinais de abuso sexual: dificuldade para andar ou sentar,<br />

complacência excessiva, agressividade excessiva,<br />

pesadelos, enurese noturna, alteração drástica no apetite,<br />

interesse impróprio ou conhecimento de atos sexuais,<br />

medo de uma determinada pessoa.<br />

c. Sinais de negligência: roupas inadequadas; falta de banho/<br />

sujeira; odor corporal intenso; intensa dermatite de fraldas;<br />

peso abaixo do normal; falta de alimentos, medicamentos<br />

ou brinquedos; uso de drogas ou álcool pelos pais ou pela<br />

criança; falta aparente de supervisão; condições de vida<br />

inadequadas.<br />

7. Avalie as crianças presentes na cena, mas não relacionadas<br />

ao chamado.<br />

8. Avalie as crianças e os adultos com deficiência.<br />

9. Atue de acordo com os procedimentos e requisitos de<br />

notificação obrigatória.<br />

10. Interaja com a equipe multidisciplinar.<br />

Os casos de trauma não acidental e negligência infantil são<br />

problemas difíceis de se enfrentar. Deter os agressores responsáveis<br />

por seus atos exige documentação meticulosa, investigação coor¬<br />

denada e trabalho em equipe. Os socorristas*estão em uma posição<br />

única para observar e registrar informações vitais ao avaliar a possibi¬<br />

lidade de abuso infantil.<br />

(Modificado de Rogers LL: Emergency medical professionals: assisting in identifying and documenting child abuse and neglect. NCPCA Update Newslett 17(7):1, 2004.)<br />

Transporte Prolongado<br />

Ocasionalmente pode haver uma situação, em consequência<br />

do local em que o doente se encontra, das decisões de triagem<br />

ou de outros problemas ambientais, em que o transporte será<br />

prolongado ou retardado e os socorristas precisarão cuidar da<br />

reanimação inicial da criança traumatizada. Ainda que esta seja<br />

uma situação subótima, em razão da falta de recursos no local<br />

(p. ex., sangue) e da impossibilidade de se realizar as interven¬<br />

ções diagnosticas e terapêuticas, aplicando-se os princípios dis¬<br />

cutidos neste capítulo de uma maneira organizada, a criança<br />

pode ser tratada de forma segura até chegar a um centro de<br />

trauma. Quando for possível o contato por rádio ou celular com<br />

o hospital de destino, a comunicação e o feedback constantes<br />

são fundamentais tanto para os socorristas quanto para os mem¬<br />

bros da equipe de trauma que está no hospital.<br />

O tratamento consiste na avaliação contínua e repetida dos<br />

componentes da avaliação primária. A criança deve ser imobili¬<br />

zada com segurança em prancha longa, com as precauções para<br />

a coluna vertebral. A prancha deve ser acolchoada o melhor pos¬<br />

sível para prevenção de úlceras por pressão. Caso a via aérea<br />

seja delgada e a equipe seja bem-treinada no tratamento da via<br />

aérea pediátrica, incluindo a intubação endotraqueal, esse pro¬<br />

cedimento deve ser realizado. Caso contrário, a ventilação cons¬<br />

cienciosa com máscara e bolsa com válvula unidirecional ainda<br />

é uma estratégia de tratamento aceitável, desde .que forneça oxi¬<br />

genação e ventilação adequadas. Deve ser monitorada a oximetria<br />

de pulso e também, se possível, o ETCO.,, principalmente na<br />

criança coin trauma craniencefálico. Se houver sinais de choque,<br />

deve ser feita a adminisúação rápida de bôlus de 20 mL/kg de<br />

solução de Ringer lactato ou de soro fisiológico, até que a criança


CAPÍTULO 15 Trauma Pediátrico 399<br />

melhore ou seja transferida para um tratamento definitivo. A<br />

GCS deve ser calculada e repetida de forma seriada. Deve-se con¬<br />

tinuar a avaliação na busca de outras possíveis lesões e todos os<br />

esforços para manter a criança normotérmica devem ser postos<br />

em prática. As fraturas devem ser estabilizadas e imobilizadas,<br />

avaliando-se repetidamente o status neurovascular dos membros<br />

imobilizados. Esse ciclo contínuo de avaliação primária deve ser<br />

repetido até que a criança possa ser transportada com segurança<br />

ou transferida para um tratamento definitivo.<br />

Qualquer alteração ou descompensação no exame clínico da<br />

criança requer a reavaliação imediata da avaliação primária. Por<br />

exemplo, se a saturação do oxigénio começar a declinar, a cânula<br />

traqueal ainda está na via aérea, está fixada? Em caso positivo,<br />

a criança desenvolveu um pneumotórax hipertensivo? Agora a<br />

cânula está no. brônquio-fonte direito? Se a criança recebeu o<br />

que se acreditava ser volume suficiente e ainda está em choque,<br />

existe agora lamponamento cardíaco, contusão cardíaca grave ou,<br />

talvez, uma fonte oculta de sangramento, como lesão intra-abdo¬<br />

minal ou laceração de couro cabeludo não percebida? Mudou o<br />

escore na ECG1? Existem agora sinais de lateralização sugestivos<br />

de progressão da lesão cerebral, que exige tratamento mais agres¬<br />

sivo? A circulação e o status neurológico das extremidades ainda<br />

estão intactos?A criança está normotérmica? Quando for possível<br />

o conlato por rádio, aconselhamento e orientação devem ser soli¬<br />

citados continuamente durante toda a reanimação e transporte.<br />

Ao se prestar atenção ao básico e reavaliar continuamente o<br />

doente, é possível fazer a reanimação adequada da criança até<br />

que ela possa ser transferida para o tratamento definitivo.<br />

RESUMO<br />

A avaliação inicial e o tratamento da criança traumatizada<br />

no ambiente pré-hospitalar requerem a aplicação dos prin¬<br />

cípios padrões de suporte de vida no trauma, porém modifi¬<br />

cados, dadas as características únicos de doentes.<br />

Lesão cerebral traumática é a principal causa de morte por<br />

trauma, assim como a lesão que mais comumente requer o<br />

tratamento da via aérea em crianças.<br />

As crianças são capazes de compensar grandes perdas de<br />

volume por mais tempo do que os adultos, mas, quando des¬<br />

compensam, elas deterioram rápida e gravemente.<br />

Lesões significativas em órgãos e vasos subjacentes podem<br />

ser acompanhados por poucos sinais óbvios de traumas<br />

externos.<br />

Crianças feridas que apresentam os seguintes sinais são<br />

instáveis e devem ser transportadas, sem demora, a uma<br />

instituição adequada, idealmente um centro de trauma<br />

pediátrico:<br />

Comprometimento respiratório<br />

e Sinais de choque ou instabilidade hemodinâmica<br />

Qualquer período de inconsciência pós-trauma<br />

Trauma contuso significativo na cabeça, no tórax ou no<br />

abdome<br />

b Fraturas de arcos costais<br />

h Fratura pélvica


400 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

Você identifica corretamente essa criança como uma vítima<br />

de trauma multissistêmico que está em choque e gravemente<br />

traumatizada. Por causa da provável lesão cerebral traumática<br />

associada à alteração do nível de consciência, você deve<br />

determinar qual é a maior ameaça à sua sobrevivência: a le¬<br />

são cerebral e outras lesões ainda não identificadas. Você<br />

identifica corretamente a hipotensão e a taquicardia, que você<br />

supõe estarem relacionadas ao choque hipovolêmico, pro¬<br />

vavelmente em consequência de uma lesão intra-abdominal<br />

não reconhecida. Inicialmente, sua respiração é mantida com<br />

oxigénio em alta concentração através de uma máscara de fluxo<br />

unidirecional. Você considera que a frequência respiratória está<br />

baixa para uma criança dessa idade e prepara-se para obter<br />

controle mais agressivo da via aérea, caso a sua condição se<br />

deteriore. Enquanto considera as opções para o tratamentodi<br />

via aérea, você pede a um colega para manter a estabilização!<br />

manual da cabeça e do pescoço.<br />

Devido a natureza das lesões da criança, você consulte]<br />

o controle médico online, que concorda que o transporte,<br />

de helicóptero até um centro de trauma pediátrico mas<br />

próximo é mais apropriado do que o transporte por terra até I<br />

um hospital comunitário próximo que não possui recursos de |<br />

tratamento pediátrico crítico, neurocirúrgico ou ortopédico, j<br />

As tentativas iniciais de obter acesso venoso periférico sã: ]<br />

malsucedidas. Você começa a infusão de cristalóide através!<br />

de um acesso intraósseo. A mãe da criança chega exatamente í<br />

no momento em que você está passando o caso para a equipe]<br />

do helicóptero, n<br />

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Emerg Care 8(4):343, 2004.<br />

th


OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final cleste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Discutir a epidemiologia do trauma no idoso.<br />

Discutir os efeitos anatómicos e fisiológicos do envelhecimento como fatores que<br />

interferem nas causas e na fisiopatologia do trauma no idoso.<br />

Explicar a interação de várias doenças preexistentes com as lesões traumáticas no<br />

idoso que levam a diferenças na fisiopatologia e nas manifestações do trauma.<br />

Explicar os efeitos produzidos por classes específicas de medicamentos de uso<br />

frequente, na fisiopatologia e nas manifestações do trauma no doente idoso.<br />

Comparar e confrontar as técnicas de avaliação e as considerações utilizadas no<br />

idoso com as técnicas usadas em populações mais jovens.<br />

Demonstrar as modificações nas técnicas de imobilização de coluna, para<br />

imobilizar o idoso de forma segura e efetiva, com o maior conforto possível.<br />

Comparar e confrontar o tratamento do idoso traumatizado com o tratamento do<br />

doente mais jovem.<br />

Avaliar a cena e os doentes idosos traumatizados quanto a sinais e sintomas de<br />

abuso e negligência.


404 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

,wm> -v '<br />

A sua unidade é despachada para o local de um acidente, em que um único carro se chocou contra uma árvore. Na avaliaçã<br />

inicial da cena, você vê que a polícia e os bombeiros já cuidaram da segurança. O veículo é um carro de modelo antigo, serr<br />

cinto de segurança nem airbag. O motorista parece ser um homem idoso, que não está responsivo. Testemunhas relator;<br />

que ele estava dirigindo de modo errático momentos antes da colisão. Enquanto mantém a estabilização da coluna vertebra<br />

você nota que o doente não responde a seus comandos. Tem uma laceração visível na fronte, que aparentemente bateunpara-brisa.<br />

O doente está usando um bracelete de alerta médico, indicando que é diabético.<br />

O trauma foi o evento primário ou é secundário a um evento clínico? Foi a colisão que provocou a alteração no nível<br />

de consciência, ou houve um evento prévio? Como a informação de que o doente é diabético interfere no seu nível de<br />

suspeita de lesão cerebral traumática? Como é que a idade do doente, seus antecedentes médicos e os medicamentos<br />

que utiliza interagem com as lesões sofridas, tornando a fisiopatologia e as manifestações diferentes das que ocorrem<br />

doentes mais jovens? O que você deve modificar na abordagem desse doente, principalmente em relação à estabilização<br />

da via aérea? A idade avançada, por si só, deve ser usada como um critério adicional para o transporte para um centro<br />

trauma?<br />

III!<br />

Os<br />

idosos representam o grupo etário que cresce mais<br />

rapidamente nos Estados Unidos. Os gerontologistas<br />

(especialistas que estudam e cuidam de doentes<br />

idosos) costumam dividir o termo idoso em três categorias<br />

específicas:<br />

® Meia-idode: 50 a 64 anos<br />

a Idade tardia: 65 a 79 anos<br />

a Idade avançada: 80 anos ou mais<br />

Embora essas definições sejam importantes para os dados<br />

epidemiológicos, também é importante reconhecer que as alte¬<br />

rações fisiológicas do envelhecimento ocorrem ao longo de todo<br />

o espectro etário e que elas diferem entre os indivíduos. A recu¬<br />

peração de um traumatismo craniencefálico fechado começa<br />

a declinar no meio da terceira década de vida, e a sobrevida<br />

geral pós-trauma começa a diminuir no final da quarta década.<br />

Além disso, o aumento da idade está frequentemente associado<br />

a múltiplas condições clínicas preexistentes. O atendimento<br />

do doente idoso inclui o reconhecimento desse fato, embora os<br />

doentes mais jovens com morbidades possam compartilhar atri¬<br />

butos similares.<br />

Quase 39 milhões de americanos (13% da população dos<br />

Estados Unidos) têm 65 anos de idade ou mais, e o tamanho<br />

desta faixa etária aumentou de forma dramática durante os últi¬<br />

mos 100 anos.1 Concomitantemente, as laxas de fertilidade caí¬<br />

ram, significando que haverá menos pessoas com idade inferior<br />

a 65 anos, para sustentar os custos de saúde e de subsistência<br />

daqueles com mais de 65 anos. Por volta de 2050, quase 25%<br />

dos americanos terão direito ao Medicare, e a população acima<br />

de 85 anos terá aumentado de 4 milhões para 19 milhões de<br />

pessoas.2<br />

O atendimento pré-hospitalar do idoso apresenta desafios<br />

ímpares, superados apenas pelos desafios enfrentados no aten¬<br />

dimento de bebés. Doença súbita e trauma no idoso represen¬<br />

tam uma dimensão do atendimento pré-hospitalar diferente do<br />

atendimento aos doentes mais jovens. Alguns dos primeiroi<br />

dados a respeito do efeito da idade sobre o prognóstico vieram<br />

do Major Trauma Outcome Study realizado pelo American Col<br />

lege of Surgeons Committee on Trauma.2 Os dados de maisd;<br />

3.800 doentes com 65 anos de idade ou mais foram comparado;<br />

com quase 43 mil doentes com menos de 65 anos de idade. A<br />

mortalidade aumentou entre 45 e 55 anos de idade e duplicou<br />

em torno dos 75 anos de idade. O risco ajustado para a i<br />

ocorre em todo o espectro de gravidade do trauma, sugerindo<br />

que lesões que poderiam ser facilmente toleradas por doente<br />

mais jovens podem resultar em mortafidade nos doentes com<br />

idade avançada.<br />

Comparados ao restante da população, os idosos são mais<br />

suscetíveis a doenças graves e ao trauma. Em razão disso, é<br />

necessário atentar para uma gama maior de complicações,<br />

durante a avaliação e o atendimento. Como o idoso acessao<br />

atendimento médico através dos serviços de emergência (p. ex..<br />

192 ou 193), a maneira de atender é diferente dos doentes mais<br />

jovens. A avaliação do idoso na cena pode levar mais tempo do<br />

que no doente jovem, uma vez que o idoso apresenta uma gama<br />

enorme de enfermidades. Podem ser esperadas dificuldades na<br />

avaliação, por causa de déficits sensoriais na audição e na visão<br />

e por causa da senilidade e das alterações fisiológicas.<br />

Os avanços na medicina e a preocupação crescente com<br />

estilos cle vida mais saudáveis durante as últimas décadas leva¬<br />

ram a aumento significativo da percentagem da população com<br />

mais de 65 anos. Embora o trauma seja mais comum em pessoas<br />

jovens e as emergências geriátricas sejam mais frequentemente<br />

clínicas, um número crescente de chamados para atender ido¬<br />

sos resulta de trauma ou o inclui. O trauma é a sexta causa<br />

morte entre 55 e 64 anos de idade e a nona causa cie morte em<br />

pessoas com 65 anos ou mais. Aproximadamente 15% das mor¬<br />

tes relacionadas com o trauma nos doentes idosos são classifi¬<br />

cadas como homicídio. A morte por trauma nesse grupo etário<br />

corresponde a 25% de todas as mortes por trauma nos Estados<br />

Unidos.5


CAPITULO 16 Trauma no Idoso 405<br />

Padrões específicos de lesão também são únicos para a<br />

população geriálrica.1' Embora as colisões de veículos motori¬<br />

zados (CVM) sejam a principal causa de morte por trauma no<br />

geral, as quedas são a causa predominante de morte por trauma<br />

nos doentes acima de 75 anos de idade. À semelhança do que<br />

acontece com as crianças pequenas (


406 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

degenerativas e declínio da acuidade sensorial. As habilidades<br />

funcionais encontram-se diminuídas e surgem os bem conhe¬<br />

cidos sinais e sintomas externos de velhice, quais sejam: pele<br />

enrugada, mudança na cor e na quantidade de cabelo, osteoartrite,<br />

lentidão no tempo de reação e nos reflexos (Fig. 16-1).<br />

Influência das Doenças Crónicas<br />

À medida que envelhecem, os indivíduos sofrem as alterações<br />

fisiológicas normais do envelhecimento e também podem estar<br />

sujeitos a mais problemas médicos. Embora alguns possam<br />

alcançar uma idade avançada sem qualquer problema sério de<br />

saúde, estatisticamente, uma pessoa mais velha tem maior pro¬<br />

babilidade de ter uma ou mais doenças significativas (Fig. 16-2).<br />

Os idosos atualmente consomem mais de um terço dos recur¬<br />

sos de saúde nos Estados Unidos.' Geralmente, o atendimento<br />

médico adequado pode controlar essas doenças, ajudando a<br />

evitar ou minimizar as exacerbações, impedindo que se tornem<br />

episódios agudos repelidos e frequentes, com risco de vida.<br />

Alguns indivíduos mais velhos alcançam idade avançada com<br />

problemas médicos mínimos, ao passo que outros podem viver<br />

com doenças crónicas e dependem de recursos médicos moder¬<br />

nos para sobreviver. Este último grupo está mais propenso a<br />

rápida deterioração, em uma situação de emergência.<br />

Repetidos episódios agudos de um problema médico ou<br />

mesmo a ocorrência de um único episódio significativo podem<br />

determinar subsequentes alterações funcionais crónicas. Um<br />

doente que tenha tido um infarto agudo do miocárdio no pas¬<br />

sado apresenta dano miocárdico permanente. A capacidade<br />

cardíaca reduzida resultante continua pelo resto de sua vida,<br />

afetando o coração e também outros órgãos em razão do conse¬<br />

quente dano circulatório.<br />

Com o avanço da idade, podem ocorrer problemas médicos<br />

adicionais. Nenhum deles é verdadeiramente isolado, pois o<br />

efeito no organismo é cumulativo. A repercussão sistémica total<br />

geralmente é maior do que a soma de cada efeito individual.<br />

À medida que cada problema evolui e reduz a qualidade das<br />

funções vitais do corpo, a capacidade do indivíduo de resistir<br />

mesmo a pequenas agressões anatómicas ou fisiológicas dimi¬<br />

nui muito.<br />

Independentemente da idade do doente-se é pediátrico, de<br />

meia-idade ou idoso —, as prioridades no atendimento, as inter¬<br />

venções necessárias e as situações que colocam em risco a vida,<br />

em geral resultantes de trauma grave, são as mesmas. Contudo,<br />

por conta dessas condições preexistentes, os idosos muitas vezes<br />

morrem em consequência de lesões traumáticas menos graves,<br />

FIGURA 16-2 Percentual de Doentes com Doença<br />

Preexistente (DPE)<br />

Idade (anos) DPE (%)<br />

13-39 3,5<br />

40-64 11,6<br />

65-74 29,4<br />

75-84 34,7<br />

85+ 37,3<br />

e mais precocemente do que os doentes jovens. As estatísticas<br />

demonstram que as condições preexistentes têm influência na<br />

sobrevida do idoso traumatizado e que a taxa de mortalidade<br />

cresce com o número de doenças concomitantes (Fig. 16-3).<br />

Algumas doenças estão associadas a taxa de mortalidade mais<br />

alta, em decorrência da maneira como interferem na capacidade<br />

do idoso de responder ao trauma (Fig. 16-4)."<br />

Ouvidos, Nariz e Garganta<br />

Deterioração dos dentes, doença periodontal (gengivite) e<br />

trauma dentário resultam na necessidade de várias próteses<br />

dentárias. A fragilidade de coroas, pontes fixas ou móveis e sol¬<br />

tas e dentaduras constituem um problema especial de corpos<br />

estranhos que podem ser facilmente quebrados, aspirados e pro¬<br />

vocar obstrução da via aérea.<br />

Alterações do contorno da face, conferindo o aspecto carac¬<br />

terístico enrugado e retraído dos lábios, resultam da reabsorção<br />

da mandíbula, em parle causada pela ausência de dentes. Essas<br />

alterações podem dificultar a criação da vedação com máscara e<br />

ambu e a visualização adequada da via aérea durante a intubação<br />

traqueal. Os tecidos da nasofaringe tornam-se cada vez mais<br />

frágeis; além clo risco que esta mudança gera durante o trauma<br />

inicial, intervenções como a inserção de tubos nasofaríngeos<br />

podem induzir hemorragia profusa quando não introduzidos<br />

com cuidado.<br />

Sistema Respiratório<br />

A função ventilatória está diminuída no idoso, em parte pela<br />

incapacidade de expansão e contração da caixa torácica e, em<br />

parte, pelo enrijecimento da via aérea. O enrijecimenlo aumen¬<br />

tado da parede torácica está associado a redução na capacidade<br />

de sua expansão e enrijecimento das conexões cartilaginosas<br />

das costelas. Como resultado destas modificações, a caixa torá¬<br />

cica fica menos flexível. A diminuição da eficiência do sistema<br />

respiratório exige do doente idoso mais esforço na execução das<br />

atividades diárias.<br />

A área de superfície alveolar diminui com a idade. Após os<br />

30 anos de idade, estima-se que a cada década a área de super¬<br />

fície alveolar diminua 4%. Por exemplo, um indivíduo de 70<br />

anos leria uma redução de 16% da sua área de superfície alveo¬<br />

lar. Qualquer alteração da já reduzida área de superfície alveolar<br />

diminui a captação de oxigénio. Além disso, com o envelheci¬<br />

mento corporal, a capacidade de saturação da hemoglobina pelo<br />

FIGURA 16-3 Número de Doenças Preexistentes (DPE)<br />

e Evolução do Doente<br />

Número de<br />

DPE Sobreviveram Morreram<br />

Taxa de<br />

mortalidade<br />

(%)<br />

0 6.341 211 3,2<br />

1 868 56 6,1<br />

2 197 36 15,5<br />

3 ou mais 67 22 24,7


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 407<br />

FIGURA 16-4<br />

Prevalência de Doenças Preexistentes (DPE) e Taxas de Mortalidade Associadas<br />

DPE Número de doentes DPE presente (%) Total (%) Taxa de mortalidade (%)<br />

Hipertensão 597 47,9 7,7 10,2<br />

Doença pulmonar 286 23 3,7 8,4<br />

Doença cardíaca 223 17,9 2,9 18,4<br />

Diabetes 198 15,9 2,5 12,1<br />

Obesidade 167 13,4 2,1 4,8<br />

Malignidade 80 6,4 1 20<br />

Distúrbio neurológico 45 3,6 0,6 13,3<br />

Doença renal 40 3,2 0,5 37,5<br />

Doença hepática 41 3,3 0,5 12,2<br />

oxigénio diminui, o que leva a saturações cle oxigénio basais<br />

menores que o normal e a uma menor reserva disponível.9 Por<br />

causa da ventilação mecânica prejudicada e da superfície dimi¬<br />

nuída para a troca gasosa, o idoso traumatizado é menos capaz<br />

de compensar as perdas fisiológicas associadas ao trauma.<br />

As alterações na via aérea e nos pulmões do idoso podem<br />

nem sempre estar relacionadas apenas com a senescência. A<br />

exposição cumulativa crónica a toxinas ambientais ao longo da<br />

vida pode ser causada por riscos ocupacionais ou tabagismo.<br />

A diminuição do reflexo e da força para tossir e a redução do<br />

tônus do esfíncter inferior do esôfago aumentam o risco cle<br />

pneumonite aspirativa. A redução do número de cílios (projeções<br />

semelhantes a pelos que varrem partículas estranhas e<br />

muco dos brônquios) predispõe o idoso a problemas causados<br />

por inalação de partículas.<br />

Outro falor que afeta o sistema respiratório é a modificação<br />

da curvatura da coluna vertebral. Modificações da curvatura<br />

acompanhadas cle corcova anteroposterior (como a encontrada<br />

em doente com osteoporose) frequentemente aumentam a difi¬<br />

culdade ventilatória. (Fig. 16-5). Alterações que atingem o dia¬<br />

fragma também podem contribuir para problemas ventilatories.<br />

O enrijecimento da caixa torácica pode fazer com que o idoso<br />

dependa mais da alividade diafragmática para respirar. Esse<br />

aumento da dependência do diafragma torna o idoso especial¬<br />

mente sensível a alterações da pressão intra-abdominal. Assim,<br />

a posição supina ou o estômago cheio após uma lauta refeição<br />

podem provocar insuficiência ventilatória. A obesidade tam¬<br />

bém pode exercer um papel restritivo sobre o diafragma, espe¬<br />

cialmente se a distribuição da gordura for central.<br />

Sistema Cardiovascular<br />

As doenças do sistema cardiovascular são a principal causa de<br />

morte nos idosos. Elas são responsáveis por mais de 3 mil mor¬<br />

tes por 100 mil indivíduos com idade superior a 65 anos. Em<br />

2002, o infarlo do miocárdio contribuiu com 29% das mortes<br />

*<br />

V<br />

Alvéolos<br />

v<br />

Alvéolos<br />

FIGURA 16-5 A curvatura espinhal pode levar à corcova anteroposterior, que pode provocar dificuldade ventilatória. A redução<br />

na área da superfície alveolar também pode reduzir a quantidade de oxigénio que é trocada nos pulmões.


408 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

nos Estados Unidos, com 7% adicionais causadas por acidente<br />

vascular cerebral. 11<br />

A diminuição da elasticidade arterial relacionada com a<br />

idade leva a aumento da resistência vascular periférica. O fun¬<br />

cionamento adequado do miocárdio e dos vasos sanguíneos<br />

depende de suas propriedades elásticas, contráteis e dislensíveis.<br />

Tais propriedades decrescem com o envelhecimento,<br />

reduzindo a eficiência do sistema cardiovascular em movimen¬<br />

tar fluidos pelo corpo. Dos 20 aos 80 anos, o débito cardíaco<br />

diminui aproximadamente 50%. Cerca de 10% dos idosos com<br />

idade superior a 75 anos terão algum grau de insuficiência car¬<br />

díaca congestiva (assintomática).<br />

Aterosclerose é uma condição de estreitamento nas artérias,<br />

na qual há espessamento da camada interna da parede da arté¬<br />

ria com depósito crescente de gordura dentro da artéria. Esses<br />

depósitos, chamados de placas, projetam-se por cima da super¬<br />

fície da camada interna e diminuem o diâmetro da luz do vaso.<br />

O mesmo estreitamento luminal acontece nos vasos coronários.<br />

Quase 50% da população norte-americana apresenta estenose<br />

da artéria coronária em torno dos 65 anos de idade.10<br />

Um resultado desse estreitamento é a hipertensão, situação<br />

que acomete um em seis adultos dos Estados Unidos. A calci¬<br />

ficação da parede arterial reduz a sua capacidade de mudar de<br />

tamanho em resposta a estímulos endócrinos e do sistema ner¬<br />

voso central. A circulação diminuída pode ter efeitos adversos<br />

em qualquer um dos órgãos vitais e é causa comum de doença<br />

cardíaca. De particular preocupação é o fato de que a pressão<br />

arterial normal basal do doente idoso vítima de trauma pode ser<br />

mais elevada do que nos doentes mais jovens. O que, em outras<br />

circunstâncias, poderia ser aceito como normotensão pode indi¬<br />

car choque hipovolômico profundo no doente com hipertensão<br />

preexistente."<br />

Com a idade, o coração apresenta aumento de tecido fibroso<br />

e de tamanho (hipertrofia miocúrdica). A atrofia das células do<br />

sistema de condução resulta na incidência aumentada de arrit¬<br />

mias cardíacas. Em particular, os reflexos normais no coração<br />

que respondem à hipotensão diminuem com a idade, o que<br />

resulta na incapacidade do idoso de aumentar sua frequência<br />

cardíaca adequadamente. A frequência cardíaca máxima, calcu¬<br />

lada pela fórmula 220 menos a idade em anos, também começa<br />

a diminuir a partir dos 40 anos de idade. Doentes portadores de<br />

marca-passo permanente têm frequência cardíaca e débito cardí¬<br />

aco fixos, que não podem responder ao aumento da de consumo<br />

de oxigénio pelo miocárdio, que acompanha o estresse provo¬<br />

cado pelo trauma. Doentes com hipertensão, sob tratamento<br />

com betabloqueadores, podem também não apresentar aumento<br />

da frequência cardíaca para compensar a hipovolemia.<br />

No idoso traumatizado, essa diminuição da circulação con¬<br />

tribui para a hipoxia celular, resultando em arritmias cardíacas,<br />

insuficiência cardíaca aguda e, até mesmo, morte súbita. A capa¬<br />

cidade do corpo de compensar perdas sanguíneas, ou outras<br />

causas de choque, está significativamente diminuída no idoso,<br />

devido à diminuição da resposta inotrópica (conlração cardíaca)<br />

às catecolaminas. Além disso, o volume sanguíneo circulante<br />

total diminui, criando menor reserva fisiológica para a perda<br />

sanguínea pelo trauma. A disfunção diastólica torna o doente<br />

mais dependente do enchimento atrial para aumentar o débito<br />

cardíaco, o qual está diminuído nos estados hipovolêmicos.<br />

A circulação reduzida e as respostas de defesa circulatórias<br />

reduzidas, associadas à insuficiência cardíaca crescente, repre¬<br />

sentam um grande problema no tratamento do choque no idoso.<br />

A reanimação com líquidos deve ser cuidadosamente monito¬<br />

rada, em face da reduzida complacência do sistema cardiovascu¬<br />

lar e do ventrículo direito frequentemente "enrijecido". Deve-se<br />

tomar cuidado no tratamento da hipotensão e do choque, para<br />

não causar sobrecarga de volume pela reanimação agressiva.12<br />

Sistema Nervoso<br />

Ocorre redução do peso cerebral e do número de neurónios<br />

(células nervosas) com o envelhecimento. Em torno dos 20 anos,<br />

o cérebro atinge seu peso máximo (1,4 kg). Pelos 80 anos, o cére¬<br />

bro sofre redução de cerca de 10% do seu peso. com a atrofia<br />

cerebral progressiva.13 O organismo compensa a perda de tama¬<br />

nho com o aumento do líquido cefalorraquidiano. Embora esse<br />

espaço adicional ao redor do cérebro possa protegê-lo de trauma<br />

fechado, ele também permite maior movimentação cerebral nas<br />

lesões por aceleração/desaceleração. O aumento do espaço na<br />

calota craniana também explica por que o doente idoso pode ter<br />

volumes significativos de sangue acumulado ao redor do cére¬<br />

bro com sintomatologia mínima.<br />

Também cai a velocidade de condução dos impulsos ner¬<br />

vosos ao longo de certos nervos. Esses decréscimos resultam<br />

apenas em eleitos discretos no comportamento e raciocínio. Os<br />

reflexos estão mais lentos, mas não em grau significante. Fun¬<br />

ções compensatórias podem estar prejudicadas, especialmente<br />

nos doentes portadores de doença de Parkinson, aumentando a<br />

incidência de quedas. O sistema nervoso periférico também é<br />

afetado pela condução mais lenta dos impulsos nervosos, o que<br />

resulta em tremores de extremidades e marcha instável.<br />

Conhecimentos gerais e vocabulário aumentam ou se man¬<br />

têm. ao passo que habilidades que exijam raciocínio e destreza<br />

(habilidade psicomotora) podem diminuir. Funções intelec¬<br />

tuais que envolvem compreensão verba?, raciocínio matemático,<br />

fluência de ideias, avaliação de experiências e conhecimento<br />

geral tendem a aumentar depois dos 60 anos nos idosos que<br />

mantêm atividades de aprendizagem. As exceções são aqueles<br />

que desenvolvem demência senil e outras doenças, como mal<br />

de Alzheimer.<br />

O envelhecimento biológico normal do cérebro não é indi¬<br />

cador de doença cerebral. Entretanto,as reduções estruturais do<br />

córtex cerebral podem estar relacionadas a disfunções mentais.<br />

À medida que ocorrem alterações no cérebro, podem ocorrer<br />

comprometimento da memória, mudanças na personalidade e<br />

outros deficits funcionais. Em tais situações, há necessidade de<br />

utilização de alguma forma de serviço de atenção à saúde men¬<br />

tal. Aproximadamente 10% a 15% dos idosos necessitam de<br />

serviços profissionais de saúde mental. Entretanto, ao avaliar<br />

um idoso traumatizado, qualquer alteração da atividade men¬<br />

tal deve ser considerada como decorrente do insulto traumático<br />

agudo, como choque, hipoxia ou lesão cerebral.<br />

Alterações Sensoriais<br />

Visão e Audição<br />

De modo geral, cerca de 28% dos idosos têm diminuição da<br />

audição e aproximadamente 13% apresentam diminuição da<br />

visão. Os homens são mais propensos a ter problemas de audi-


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 409<br />

Ição, ao passo que ambos os sexos têm índices semelhantes de<br />

problemas relacionados à visão.<br />

A perda de visão é um desafio em qualquer idade, podendo<br />

ser mais problemática para os idosos. A incapacidade de ler ins¬<br />

truções (p. ex., a bula de um medicamento) pode levar a efeitos<br />

desastrosos. Além disso, os idosos apresentam diminuição da<br />

acuidade visual, da capacidade de diferenciar cores e da visão<br />

noturna.<br />

As células do cristalino perdem a capacidade de restauração<br />

da sua estrutura molecular original. Um dos agentes destrutivos<br />

ao longo de anos de exposição é a radiação ultravioleta. Even¬<br />

tualmente, o cristalino perde a capacidade de aumentar sua<br />

espessura e curvatura, e o resultado é a quase universal "vista<br />

cansada" (presbiopia) acima dos 40 anos e que exige o uso de<br />

óculos para leitura.<br />

Como resultado das alterações nas várias estruturas do olho,<br />

o idoso tem mais dificuldade de enxergar em ambientes com<br />

pouca iluminação. A diminuição da produção de lágrima pro¬<br />

voca secura nos olhos - prurido e ardência - e a incapacidade<br />

de manter o olho aberto por longos períodos de tempo.<br />

Com a idade, o cristalino torna-se opaco e impenetrável<br />

à luz. Esse processo gradual resulta em catarata ou cristalino<br />

leitoso, que bloqueia e distorce a luz que entra no olho, pro¬<br />

duzindo visão turva. Cerca de 95% das pessoas idosas desen¬<br />

volvem algum grau de catarata. Essa deterioração aumenta o<br />

risco de colisões automobilísticas, particularmente ao dirigir<br />

à noite.1'1<br />

A perda gradativa da audição (presbiacusia) é também<br />

característica do envelhecimento. E atribuída à perda da con¬<br />

dução do som para dentro do ouvido interno, podendo ser par¬<br />

cialmente compensada com o uso de aparelhos auditivos. Essa<br />

perda auditiva é mais pronunciada quando a pessoa tenta dis¬<br />

criminar sons complexos, como quando muitas pessoas falam<br />

ao mesmo tempo 011 na presença de ruído de amplitude alta,<br />

como o emitido por sirenes.<br />

ção renal pode se.r uma causa de anemia crónica, que diminui a<br />

reserva fisiológica do doente.<br />

Sistema Musculoesquelético<br />

Com a idade ocorre desmineralização óssea. A perda óssea (osteo¬<br />

porose) é diferente nos dois sexos. Nos adultos jovens, a massa<br />

óssea é maior nas mulheres do que nos homens. Entretanto, a<br />

perda óssea é muito mais rápida nas mulheres e se acelera após<br />

a menopausa. Em função dessa incidência maior de osteoporose,<br />

as mulheres mais velhas têm maior probabilidade de fraturas,<br />

particularmente do colo do fémur (quadril). As causas da osteo¬<br />

porose incluem perda dos níveis de estrogênio, períodos aumen¬<br />

tados de inatividade e ingestão inadequada e uso ineficiente de<br />

cálcio.<br />

A osteoporose contribui muito para as fraturas de quadril e<br />

para as fraturas espontâneas dos corpos vertebrais por compres¬<br />

são. A incidência aproxima-se de 1% por ano para os homens e<br />

2% para as mulheres com mais de 85 anos de idade. la<br />

Pessoas mais velhas às vezes têm estatura menor do que<br />

quando eram adultos jovens, por causa da desidratação dos dis¬<br />

cos intervertebrals. À medida que os discos se achatam, ocorre<br />

perda de cerca de 5 cm na estatura entre os 20 e os 70 anos de<br />

idade. A cifose (curvatura da coluna vertebral) na região torá¬<br />

cica, geralmente causada pela osteoporose (Fig. 16-6), também<br />

pode contribuir para a perda de estatura. À medida que os ossos<br />

se tornam mais porosos e frágeis, ocorre erosão na parte ante¬<br />

rior, podendo haver fraturas por compressão. À medida que a<br />

coluna torácica se torna mais encurvada, a cabeça e os ombros<br />

prr?"<br />

Percepção da Dor<br />

Em função do processo de envelhecimento e da presença de<br />

doenças como o diabetes, o idoso pode não ler percepção nor¬<br />

mal da dor, o que o coloca em risco aumentado de lesões por<br />

exposição excessiva ao calor ou ao frio. Muitos idosos são por¬<br />

tadores de doenças como artrite, que resultam em dor crónica.<br />

0 convívio diário com a dor pode tornar o indivíduo mais tole¬<br />

rante a ela, fazendo com que ele não seja capaz de identificar<br />

áreas de lesão. Durante a avaliação dos doentes, especialmente<br />

dos que se queixam de dor "por lodo o corpo" ou daqueles que<br />

aparentam ser mais tolerantes à dor, o socorrista deve identifi¬<br />

car os locais em que aumentou a dor ou a área dolorosa. Tam¬<br />

bém é importante observar se as características ou os fatores de<br />

exacerbação da dor mudaram após o trauma.<br />

Sistema Renal<br />

As alterações comuns com o envelhecimento incluem a redução<br />

dos níveis de filtração pelos rins e a redução da capacidade de<br />

excreção. Essas alterações devem ser consideradas quando se<br />

administram drogas que geralmente são excretadas pelos rins.<br />

1 A perda crónica da função renal, que habitualmente é vista no<br />

idoso, contribui para a deterioração da saúde geral do doente<br />

e da capacidade de resistir ao trauma. Por exemplo, a disfun-<br />

FIGURA 16-6 Cifose caracteristicamente causada por<br />

osteoporose. Uma vez que os idosos tendem a flexionar as<br />

pernas, os braços parecem mais longos.


410 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

parecem projetar-se para a frente. Na presença de doença pul¬<br />

monar obstrutiva crónica (DPOC), particularmente de enfisema,<br />

a cifose pode ser mais pronunciada, devido à hipertrofia da<br />

musculatura acessória da respiração.<br />

Os níveis absolutos dos hormônios do crescimento dimi¬<br />

nuem com o envelhecimento, em conjunto com um declínio<br />

na rcsponsividadc aos hormônios anabólicos. O efeito combi¬<br />

nado é uma redução na massa muscular de aproximadamente<br />

4% por década depois dos 25 anos de idade até os 50 anos de<br />

idade, quando o processo se acelera até 10% a 35% por década.<br />

A perda muscular é medida microscopicamente tanto peio<br />

número absoluto de células musculares quanto pela redução do<br />

tamanho celular.<br />

Déíicils relacionados com o sistema musculoesquelético<br />

(p. ex., incapacidade de dobrar o quadril ou o joelho com as<br />

irregularidades de um terreno) predispõem o idoso a quedas.<br />

A fadiga muscular do idoso pode causar muitos problemas que<br />

afetam o movimento, principalmente quedas. São comuns as<br />

mudanças na postura normal do corpo, e mudanças na coluna<br />

vertebral fazem com que a curvatura se torne mais acentuada<br />

com o envelhecimento. Algum grau de osteoporose é inerente<br />

ao envelhecimento. Em razão da reabsorção óssea progressiva,<br />

os ossos ficam menos flexíveis e mais frágeis, quebrando mais<br />

facilmente. O enfraquecimento ósseo, associado à redução da<br />

força muscular, causado por menos exercício, predispõe a fraturas<br />

múltiplas, mesmo com força leve ou moderada. Os locais<br />

mais comuns de fratura de ossos longos nas pessoas idosas são<br />

a porção proximal do fémur, o quadril, o úmero e o punho.<br />

A incidência aumentada de quedas como mecanismo de lesão<br />

resulta nas fraturas de Colles, da porção distal do rádio,quando<br />

a mão dorsifletida é estirada.<br />

A coluna vertebral muda por inteiro com a idade, sobre¬<br />

tudo pelos efeitos da osteoporose, da osteofitose e da calcifica¬<br />

ção dos ligamentos de suporte. A calcificação causa redução da<br />

amplitude de movimentos e estreitamento do canal medular.<br />

O estreitamento do canal medular e a doença osleofílica pro¬<br />

gressiva colocam os doentes em alto risco de sofrerem lesões<br />

verlebromedulares, mesmo com pequenos traumas. O estreita¬<br />

mento do canal medular, chamado estenose espinhal, aumenta<br />

a probabilidade de compressão da medula, mesmo na ausên¬<br />

cia de fratura óssea da coluna cervical. A coluna toracolombar<br />

também se degenera progressivamente, e as forças combinadas<br />

da osteoporose e das alterações de postura levam a aumento<br />

das quedas. O socorrista deve ter alto nível de suspeita para<br />

lesões verlebromedulares durante a avaliação do doente,<br />

pois mais de 50% das fraturas vertebrais por compressão são<br />

assintomáticas."'<br />

na produção da melanina, pigmento que dá cor à pele e aos<br />

pelos, causa a palidez do envelhecimento. A pele lorna-se mais<br />

delgada e assume um aspecto translúcido, principalmente em<br />

virtude das alterações do tecido conjuntivo. O adelgaçamento<br />

e o ressecamenlo da pele também a tornam menos resistente a<br />

pequenas lesões e a microrganismos, o que resulta em elevação<br />

da taxa de infecção de feridas abertas. Com a perda da elastici¬<br />

dade, a pele estica e depois forma rugas e dobras, especialmente<br />

nas áreas muito utilizadas, como as que ficam sobre os múscu¬<br />

los da expressão facial.<br />

A perda de tecido adiposo pode predispor o idoso à hipo¬<br />

termia. A perda de até 20% da espessura dérmica com a idade<br />

avançada e a perda associada da vascularização também são<br />

responsáveis pela disfunção da lermorregulação. No entanto,<br />

na população idosa, a hipotermia também deverá sugerir a pos¬<br />

sibilidade de sepse oculta, hipolireoidismo ou intoxicação por<br />

fenoliazina. A perda de tecido adiposo também leva a menos<br />

espessura sobre as proeminências ósseas, como a cabeça, os<br />

ombros, a coluna, as nádegas, os quadris e os calcanhares.<br />

Imobilização prolongada, sem acolchoamento adicional, pode<br />

resultar em necrose tecidual e ulceração, bem como aumento<br />

da dor e do desconforto durante o tratamento e o transporte.<br />

O adelgaçamento da pele também resulta no potencial para a<br />

perda tecidual significativa e lesão em resposta a transferências<br />

de energia relativamente baixas.<br />

Sistema Imune e Nutrição<br />

Com o envelhecimento, a redução na massa corporal magra ea<br />

diminuição na taxa metabólica provocam redução nas necessi¬<br />

dades calóricas. Entretanto, por causa dos mecanismos de uti¬<br />

lização ineficientes, as necessidades prçteicas podem na reali¬<br />

dade aumentar. Essas alterações competitivas frequentemente<br />

resultam em desnutrição preexistente no idoso traumatizado.<br />

O estado financeiro dos indivíduos aposentados também pode<br />

afetar as suas opções e o acesso a nutrição de qualidade.<br />

A capacidade de funcionamento do sistema imune diminui à<br />

medida que ele envelhece. Macroscopicamente, todos os órgãos<br />

associados à resposta imune (timo, fígado e baço) diminuem<br />

de tamanho. Também ocorre redução das respostas celulares e<br />

humorais. Associado a quaisquer outros problemas nutricionais<br />

preexistentes comuns no idoso, isto leva a aumento da suscetibilidade<br />

a infecções. A sepse é causa comum de morte tardia<br />

após trauma grave ou mesmo insignificante nos idosos.<br />

Pele<br />

Alterações significativas na pele e nos tecidos conjuntivos estão<br />

associadas ao envelhecimento e resultam em dificuldades na<br />

resposta ao trauma, bem como diretamente na cura da ferida. O<br />

número de células diminui, a força tecidual é perdida e o estado<br />

funcional da pele é prejudicado. Com o envelhecimento da<br />

pele, perdein-se glândulas sudoríparas e sebáceas. A perda de<br />

glândulas sudoríparas reduz a capacidade do corpo de regular a<br />

temperatura. A perda de glândulas sebáceas, que produzem oleo¬<br />

sidade, faz com que a pele fique seca e descamaliva. A queda<br />

Avaliação<br />

A avaliação pré-hospitalar do idoso traumatizado baseia-se no<br />

mesmo método utilizado para todos os traumatizados. Embora a<br />

metodologia não mude, o processo pode ser alterado nos doen¬<br />

tes idosos. Assim como em todos os doentes traumatizados, a<br />

primeira consideração deve ser o mecanismo de trauma. Nesta<br />

seção, são feitas algumas considerações especiais sobre a avalia¬<br />

ção do idoso traumatizado.


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 411<br />

Biomecânica<br />

Quedas<br />

As quedas constituem a principal causa de morte e de inva¬<br />

lidez por trauma nos doentes com idade superior a 75 anos.<br />

Aproximadamente um terço das pessoas com mais de 65 anos<br />

de uma comunidade cai a cada ano, número que aumenta para<br />

50% em torno dos 80 anos. Homens e mulheres caem com a<br />

mesma frequência; entretanto, as mulheres têm probabilidade<br />

maior do que duas vezes de sofrer lesão mais grave, por causa<br />

da osteoporose mais pronunciada.<br />

A maior parte das quedas acontece como resultado da natu¬<br />

reza inerente ao envelhecimento, pelas alterações da postura e<br />

da marcha1'. Alterações na acuidade visual, em decorrência de<br />

catarata, glaucoma e perda de visão noturna, contribuem para a<br />

perda de orientações visuais usadas pelos idosos para mover-se<br />

com segurança. Doenças do sistema nervoso central e periférico<br />

e instabilidade vascular por doença cardiovascular aumentam<br />

ainda mais as quedas. Porém, as variáveis mais importantes que<br />

contribuem para as quedas no idoso são as barreiras físicas no<br />

seu ambiente, como pisos escorregadios, degraus, calçado ina¬<br />

dequado e pouca iluminação.<br />

As fraturas dos ossos longos são responsáveis pela maior<br />

parte das lesões, tendo as fraturas de quadril as maiores taxas de<br />

mortalidade e morbidade. A taxa de mortalidade por fratúra de<br />

quadril é 20% no primeiro ano após o evento traumático e sobe<br />

para 33% no segundo ano. A mortalidade é frequentemente<br />

secundária à embolia pulmonar e aos efeitos da diminuição da<br />

mobilidade.<br />

Trauma Envolvendo Veículos Automotores<br />

Colisões que envolvem veículos automotores são a principal<br />

causa de morte na população geriátrica entre os 65 e os 74 anos.<br />

Um doente idoso tem cinco vezes mais chance de sofrer lesão<br />

fatal por incidente automobilístico do que um motorista mais<br />

jovem, embora o excesso de velocidade raramente seja fator cau¬<br />

sal no grupo etário mais velho.10 Por muitas razões, as pessoas<br />

idosas muitas vezes envolvem-se em colisões durante o período<br />

diurno, com tempo bom e próximo ao domicílio.<br />

Essas altas taxas de mortalidade foram atribuídas a determi¬<br />

nadas alterações psicológicas. Particularmente, sutis alterações<br />

de memória e de avaliação, junto com a diminuição da acui¬<br />

dade visual e auditiva, podem resultar em aumento do tempo<br />

de reação. Um achado comum nas investigações de colisões é<br />

que o motorista idoso não consegue ceder passagem no trân¬<br />

sito. O National Highway Traffic Safety Administration criou<br />

um programa em CD-ROM para ajudar os médicos a avaliar e<br />

aconselhar os motoristas mais velhos.<br />

Nas colisões automobilísticas, o álcool raramente está envol¬<br />

vido, diferente do que acontece com os mais jovens. Somente<br />

6% dos idosos com lesões fatais estão alcoolizados, comparados<br />

com 23% nos demais grupos etários.10<br />

Os idosos representam mais de 20% de todas as vítimas<br />

pedestres fatais. Por andarem mais devagar, o tempo permitido<br />

pelos semáforos pode ser curto demais para que o idoso consiga<br />

atravessar o cruzamento com segurança. Isso pode explicar a<br />

observação de que mais de 45% de todas as mortes de pedestres<br />

idosos acontecem perto de uma faixa de pedestres.<br />

Agressão e Abuso Doméstico<br />

O abuso é definido como a imposição intencional de lesão,<br />

confinamento não razoável, intimidação ou punição cruel, que<br />

resulta em dano físico ou psicológico ou dor. Também carac¬<br />

teriza abuso deixar de prestar serviços que impeçam o dano<br />

físico ou psicológico e a dor. O idoso é altamente vulnerável ao<br />

crime. Estima-se que as agressões violentas sejam responsáveis<br />

por mais de 10% das internações dos idosos traumatizados. A<br />

necessidade de cuidados crónicos por debilitação pode predis¬<br />

por o idoso ao abuso por parte de quem cuida dele. Estima-se que<br />

apenas cerca de 15% dos casos sejam denunciados às autorida¬<br />

des competentes10,211 (ver discussão adiante).<br />

Queimaduras<br />

Os idosos representam 20% das internações em unidades de<br />

queimados, estimando-se em 1.500 por ano as mortes relacio¬<br />

nadas ao fogo. Nos idosos, as mortes decorrem de queimaduras<br />

de tamanho e gravidade menores, em comparação com as outras<br />

faixas etárias. A taxa de morte é sete vezes maior do que nas<br />

vítimas de queimaduras mais jovens.<br />

Em razão da diminuição da acuidade visual e da audição, os<br />

idosos podem retardar o reconhecimento de incêndios domésti¬<br />

cos. A percepção diminuída da dor pode resultar em queimadu¬<br />

ras mais graves. O adelgaçamento dos elementos dérmicos pode<br />

resultar em queimaduras mais profundas.<br />

A presença de doenças preexistentes, como doença cardio¬<br />

vascular e diabetes, resulta em pouca tolerância à reanimação<br />

para o tratamento das queimaduras. Colapso vascular e infecção<br />

são as causas mais comuns de morte por queimadura nos idosos.<br />

Lesão Cerebral Traumática<br />

Por volta dos 70 anos, o cérebro sofreu redução de '10% de sua<br />

massa. A dura-máler encontra-se mais aderida ao crânio, o que<br />

resulta em alguma redução do volume cerebral. As veias que<br />

fazem ponte para a dura-máter ficam mais estiradas e, por isso,<br />

suscetíveis a laceração. Uma consequência disso é a frequência<br />

mais baixa de hematoma epidural (extradural) e a maior inci¬<br />

dência de hemorragia subdural. Em função da atrofia cerebral,<br />

pode haver hemorragia subdural bastante grande com achados<br />

clínicos mínimos. A combinação de trauma craniencefálico e<br />

choque hipovolêmico aumenta a taxa de mortalidade. Doenças<br />

preexistentes ou seu tratamento podem ser causa de alteração<br />

do nível de consciência nos doentes idosos. Na dúvida se a<br />

confusão representa um processo agudo ou crónico, o doente<br />

traumatizado deve ser preferencialmente transportado para um<br />

centro de trauma para avaliação, quando possível.<br />

Avaliação Primária<br />

Via Aérea<br />

A avaliação do doente idoso começa com a avaliação da via<br />

aérea. Alterações do nível de consciência podem estar associa¬<br />

das a obstrução da via aérea pela língua. A cavidade oral deve<br />

ser examinada, procurando corpos estranhos, como dentaduras,<br />

que foram deslocadas.<br />

Respiração<br />

Doentes idosos com frequência respiratória abaixo de 10 ou<br />

acima de 30 respirações por minuto têm volume-minuto inade-


412 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

quado, necessitando de ventilação assistida com pressão posi¬<br />

tiva. Para a maioria dos adultos, uma frequência ventilatória<br />

entre 12 e 20 respirações por minuto é normal e confirma que<br />

o volume-minuto está adequado. Entretanto, no doente idoso,<br />

a capacidade e a função pulmonares reduzidas podem resultar<br />

em volume-minuto inadequado, mesmo com frequências entre<br />

12 e 20 respirações por minuto. Quando a frequência respirató¬<br />

ria não for normal, é obrigatório fazer imediatamente a ausculta<br />

pulmonar; o murmúrio vesicular, porém, pode ser mais difícil<br />

de escutar, por causa da diminuição do volume corrente.<br />

A capacidade vital do doente idoso é cerca de 50% mais<br />

baixa. Alterações cifóticas da coluna vertebral (anteroposterior)<br />

resultam em desequilíbrio da ventilação-perfusão em repouso. É<br />

muito mais provável que a hipoxia seja consequência de choque<br />

do que nos doentes jovens. Doentes idosos também apresentam<br />

excursão torácica menor, além de volume corrente e volumeminuto<br />

mais baixos. As reduções nas trocas de oxigénio e dió¬<br />

xido de carbono em nível capilar são significativas. A hipoxia<br />

tende a ser progressiva.<br />

Circulação<br />

Alguns achados só podem ser interpretados corretamente<br />

conhecendo-se o estado prévio ou "basal" do doente. Margens<br />

esperadas de sinais vitais e outros achados, em geral considera¬<br />

dos normais, não são "normais" em todo o doente e os desvios<br />

são muito mais comuns no doente idoso. Embora as margens<br />

consideradas normais sejam amplas para incluir a maioria das<br />

diferenças individuais de adultos, um indivíduo de qualquer<br />

idade pode ultrapassai- essas normas. Nos idosos, portanto, tais<br />

variações devem ser esperadas, e os medicamentos podem con¬<br />

tribuir para elas. Por exemplo, em um adulto hígido, pressão<br />

sistólica de 120 mmHg é considerada normal e geralmente não<br />

chama a atenção. Já em um doente hipertenso crónico, que<br />

normalmente tem pressão sistólica de '150 mmHg, a pressão<br />

de 120 mmHg torna-se uma preocupação, sugerindo hemorra¬<br />

gia oculta (ou outro mecanismo levando a hipotensão) de tal<br />

intensidade, que provocou descompensação. Da mesma forma,<br />

a frequência cardíaca não é um bom indicador de trauma no<br />

idoso, em função dos efeitos de medicamentos e da resposta<br />

inadequada do coração às catecolaminas circulantes (epinefrina).<br />

Informações quantitativas ou sinais clínicos não devem<br />

ser usados de forma isolada, separadamente de outros achados.<br />

Entretanto, deixar de reconhecer que tal alteração ocorreu, ou<br />

que ela representa um achado patológico grave em determinado<br />

doente, pode ter consequências desastrosas para esse doente.<br />

O aumento do tempo de enchimento capilar é comum em<br />

idosos, por causa da circulação menos eficiente (doença arterial<br />

periférica); portanto, o enchimento capilar é um mau indica¬<br />

dor de alterações circulatórias agudas nesses doentes. Um certo<br />

grau de redução da capacidade motora distai, sensorial e circu¬<br />

latória em membros representa um achado normal e comum em<br />

doentes idosos.<br />

Incapacidade (Estado Neurológico)<br />

O socorrista deve analisar todos os achados em conjunto e, ao<br />

mesmo tempo, ter um alto nível de suspeita de lesão neuro¬<br />

lógica no idoso, que pode apresentar grandes diferenças no<br />

nível de . consciência, memória e orientação (para passado e<br />

presente). Lesão cerebral traumática significativa deve ser iden¬<br />

tificada, levando em conta o status normal prévio do indiví¬<br />

duo. A menos que alguém na cena possa descrever esse estado,<br />

deve-se presumir que o doente tem dano neurológico, hipoxia<br />

ou ambos. Saber distinguir o estado crónico do doente de alte¬<br />

rações agudas é fator essencial para não subestimar ou superes¬<br />

timar o estado atual do doente, ao se realizar a avaliação de sua<br />

condição global. Entretanto, a perda de consciência constitui<br />

sinal de gravidade em lodos os casos.<br />

O socorrista deve selecionar cuidadosamente as perguntas<br />

para avaliar a orientação do idoso, quanto a tempo e espaço.<br />

Indivíduos que trabalham cinco dias por semana e têm os fins<br />

de semana livres geralmente sabem em que dia da semana estão.<br />

Caso não consigam fazê-lo, pode-se presumir que tenham algum<br />

grau de desorientação. Para aqueles que não possuem mais uma<br />

jornada de trabalho tradicional e que frequentemente estão<br />

cercados por pessoas que também não a têm, não distinguir os<br />

dias da semana ou mesmo os meses do ano pode não indicar<br />

desorientação, mas apenas a pouca importância do "calendá¬<br />

rio" na estrutura de suas vidas. Da mesma forma, as pessoas<br />

que não dirigem mais prestam menos atenção às estradas, aos<br />

limites da cidade, aos locais e aos mapas. Embora normalmente<br />

orientadas, elas podem não ser capazes de identificar o local<br />

onde estão. Confusão ou incapacidade de lembrar-se de fatos<br />

e pormenores de longa data pode ser mais um indicador de há<br />

quanto tempo os eventos aconteceram do que de quão esque¬<br />

cido é o indivíduo. Da mesma forma, repetidas narrações, com<br />

riqueza de detalhes, de eventos muito antigos, aparentando dar<br />

mais importância a fatos longínquos do que aos fatos recentes,<br />

muitas vezes representam apenas devaneio nostálgico pelos<br />

anos e pelos fatos. Tais compensações sociais e psicológicas não<br />

devem ser consideradas sinais de senilidade ou de diminuição<br />

da capacidade mental.<br />

Exposição/Ambiente<br />

Os idosos são mais suscetíveis a alterações ambientais. Têm capa¬<br />

cidade reduzida de responder a súbitas alterações de tempera¬<br />

tura, produzem menos calor e têm capacidade reduzida de pro¬<br />

teger o corpo de calor excessivo. Problemas de termorregulação<br />

estão relacionados com desequilíbrio eletrolítico (p. ex., deple¬<br />

ção de potássio, hipotireoidismo e diabetes melito). Outros<br />

fatores incluem diminuição do metabolismo basal, capacidade<br />

reduzida de tremer, arteriosclerose e efeitos de drogas e álcool.<br />

A hipertermia pode resultai- de acidentes vasculares cerebrais<br />

(derrames) e da administração de diuréticos, anti-histamínicos<br />

e drogas antiparkinsonianas. A hipotermia muitas vezes está<br />

associada a diminuição do metabolismo, menos gordura, vaso¬<br />

constrição periférica menos eficiente e nutrição deficiente.<br />

Avaliação Secundária (História e Exame<br />

Físico Detalhados)<br />

A avaliação secundária do idoso traumatizado é feita da mesma<br />

maneira que nos doentes jovens, depois que os problemas<br />

urgentes com risco de vida tenham sido tratados. Diversos fato¬<br />

res, porém, podem complicar a avaliação do doente geriátrico.


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 413<br />

Por isso, a avaliação tio idoso pode demorar mais tempo do que<br />

a média.<br />

Desafios de Comunicação<br />

*<br />

Pode ser preciso ler mais paciência, em razão dos defi¬<br />

cits auditivos e visuais dos idosos. Empatia e compaixão<br />

são essenciais. A inteligência do doente não deve ser<br />

subestimada meramente pela dificuldade 011 ausência de<br />

comunicação. Se o doente tem companheiros ou parentes<br />

próximos, estes podem participar fornecendo informações<br />

ou ficar por perlo para validá-las. No entanto, nem todos os<br />

doentes idosos apresentam deficits significativos. Falarem<br />

tom mais alto ou cadência mais lenta para o doente idoso<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

pode ser desnecessário e agressivo.<br />

A avaliação do doente idoso requer (áticas diferentes de<br />

fazer perguntas. Devem ser formuladas questões, alter¬<br />

nando informações específicas com informações gerais,<br />

pois o doente idoso tende a responder "sim" a todas as<br />

questões durante o processo de avaliação. Fazer perguntas<br />

abertas é uma ferramenta útil na avaliação da maior parte<br />

dos doentes. Entretanto, ao tratar de um problema, pode<br />

ser útil oferecer-lhe alternativas específicas para que esco¬<br />

lha uma delas. Por exemplo, em vez de dizer "Descreva<br />

a dor no seu quadril", pergunte: "A dor no seu quadril é<br />

semelhante a um corte, a uma facada ou a um aperto?"; ou<br />

"Que nota você dá para a sua dor em uma escala de 1a "10,<br />

em que 10 é a dor mais intensa?".<br />

Pode ser necessário o envolvimento de outra pessoa pró¬<br />

xima. Com a permissão do doente, pode ser necessário o<br />

envolvimento do cuidador ou do cônjuge, a fim de obter<br />

mais informações válidas. Contudo, é importante não abor¬<br />

dar os doentes idosos como se eles fossem crianças peque¬<br />

nas. Um erro comum dos profissionais de saúde tanto no<br />

pré-hospilalar quanto no pronto-socorro é tratar os idosos<br />

desta maneira. Muitas vezes, parentes bem intencionados<br />

ficam tão excitados ao relatar os eventos em vez de um<br />

idoso querido, que acabam se colocando como a pessoa<br />

responsável por todas as informações. Nessas situações, o<br />

profissional pode facilmente deixar passar o falo de que a<br />

impressão clínica e a história advêm de alguém que não<br />

é o doente e podem não estar correias. Isso não apenas<br />

aumenta o perigo de obter informações incompletas ou<br />

inexatas por meio das impressões e tradução de uma ter¬<br />

ceira pessoa, mas também desconsidera o doente como um<br />

adulto maduro. Alguns doentes idosos podem ser relutan¬<br />

tes em dar informações sem que sejam assistidos por 11111<br />

parente ou pessoa de sua confiança. Entretanto, o doente<br />

idoso pode não querer nenhuma outra pessoa presente por<br />

muitas razões, uma das quais pode ser problema relacio¬<br />

nado com abuso. O doente idoso pode temer castigo por<br />

contar a alguém, na presença de quem o tenha agredido,<br />

por que tem várias marcas de contusões. Além disso, alguns<br />

problemas podem causar constrangimento ao idoso, e ele<br />

pode não querer que nenhum familiar fique sabendo.<br />

Preste atenção aos deficits de audição, visão e compreensão<br />

e à capacidade de se movimentar. Deve-se estabelecer<br />

contato visual com o doente, que pode ter déficit auditivo<br />

e depender da leitura de seus lábios e observação de outros<br />

h<br />

movimentos faciais. Barulho, distração e interrupções<br />

devem ser minimizados. Deve-se observar fluência da fala,<br />

movimento involuntário, disfunções de nervos cranianos ou<br />

dificuldades respiratórias. O doente movimenta-se com<br />

facilidade, é instável ou apresenta desequilíbrio?<br />

Deve-se dirigir-se ao doente pelo seu sobrenome, a não ser<br />

que ele solicite ser chamado de outra forma. Frases como<br />

"Logo, logo o senhor vai ficar bem" devem ser evitadas.<br />

Perguntas abertas, como "Descreva a dor no abdome, ela<br />

é...?" devem ser usadas, e perguntas como "Onde dói?",<br />

evitadas.<br />

Alterações Fisiológicas<br />

e O corpo pode não responder da mesma maneira que em<br />

doentes mais jovens. Achados característicos de doença<br />

grave, como febre, dor ou sensibilidade, podem levar mais<br />

tempo para se instalar e, assim, dificultar a avaliação do<br />

doente idoso. Além disso, muitos medicamentos alteram as<br />

respostas orgânicas. Frequentemente, o socorrista depende<br />

apenas da história.<br />

® Alteração da compreensão ou doenças neurológicas são<br />

um problema significativo em muitos doentes idosos. Essas<br />

deficiências podem ir desde confusão até demência senil<br />

do tipo associado à doença de Alzheimer. Não só a comu¬<br />

nicação com esses doentes pode ser difícil, como também<br />

tais indivíduos podem ser incapazes de compreender ou<br />

auxiliar a avaliação. Os idosos podem ser imdoentes e, oca¬<br />

e<br />

E<br />

ÿ<br />

sionalmente, agressivos.<br />

Dê um aperto de mão no doente para avaliar a força da<br />

mão, o turgor da pele e a temperatura corpórea. Atente<br />

para o estado nutricional do doente. O doente<br />

parece estar bem, magro ou edemaciado? Os doentes<br />

idosos diminuição da resposta à sede e, também,<br />

decréscimo da gordura corporal (15% a 30%) e da água<br />

corporal total.<br />

Os doentes idosos têm redução do peso da musculatura<br />

esquelética, alargamento e enfraquecimento dos ossos,<br />

degeneração das articulações e osteoporose. Eles têm<br />

maior probabilidade de sofrer fraturas por traumas leves e<br />

risco acentuadamente maior de sofrer fraturas de vértebras,<br />

quadril e costelas.<br />

Os doentes idosos têm degeneração das células do mio¬<br />

cárdio e menos células de marca-passo cardíaco. O idoso<br />

está propenso a arritmias, como resultado da perda de<br />

elasticidade do coração e das grandes artérias. O uso muito<br />

difundido de belabloqueadores, bloqueadores de canais de<br />

cálcio e diuréticos complica ainda mais este problema.<br />

Frequentemente, após o trauma, os idosos apresentam<br />

diminuição do débito cardíaco com hipoxia e não têm<br />

lesão pulmonar. O volume sistólico e a frequência cardíaca<br />

diminuem, assim como a reserva cardíaca, tudo isso<br />

levando a morbidade e a mortalidade no idoso traumatizado.<br />

Um doente idoso com pressão sistólica de 120 mmHg<br />

deve ser considerado em choque hipovolêmico, até prova<br />

em contrário.<br />

Fatores Ambientais<br />

Procure por problemas comportamentais ou manifestações<br />

que não se encaixam na cena. Examine a aparência do doente.


414 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Os trajes e a aparência tio doente combinam com o local e a forma<br />

como o doente foi encontrado? Observe a facilidade com que o<br />

doente se senta e levanta. Há indícios de abuso ou negligência?<br />

Medicamentos<br />

O conhecimento dos medicamentos cle um doente pode forne¬<br />

cer importantes informações para a determinação do atendi¬<br />

mento pré-hospitalar. A doença preexistente no idoso traumati¬<br />

zado constitui um achado significativo. As seguintes classes de<br />

medicamentos são de particular interesse, por causa de seu uso<br />

frequente por pessoas idosas e seu potencial de afelar o atendi¬<br />

mento do traumatizado:<br />

h Os betabloqueadores (p. ex., propranolol, metoprolol)<br />

podem ser responsáveis pela bradicardia absoluta ou rela¬<br />

tiva do doente. Nesta situação, pode não ocorrer taquicar¬<br />

dia progressiva como sinal de choque em instalação. A ini¬<br />

bição dos mecanismos compensatórios simpáticos normais<br />

do organismo pelo medicamento pode mascarar o verda¬<br />

deiro nível de deterioração circulatória do doente. Esses<br />

doentes podem descompensar rapidamente, aparentemente<br />

sem aviso.<br />

® Os bloqueadores de canais de cálcio (p. ex., verapamil)<br />

podem impedir a vasoconstrição periférica e acelerar o<br />

choque hipovolêmico.<br />

13 Os agentes anti-inflamatórios não esteroidais (p. ex., ibuprofeno)<br />

podem contribuir para disfunção plaquetária e<br />

aumentar a hemorragia.<br />

h<br />

h<br />

Os anticoagulantes (p. ex., clopidogrel, aspirina, varfarina)<br />

podem aumentar a perda sanguínea. Os dados sugerem que<br />

o uso da varfarina aumenta o risco de traumatismo<br />

craniano isolado e de evolução desfavorável. Qualquer<br />

hemorragia decorrente do trauma será mais intensa e<br />

difícil de controlar quando o doente estiver tomando<br />

anticoagulante. Mais importante, a hemorragia interna<br />

pode progredir rapidamente, levando a choque e morte.<br />

Os agentes hipoglicemiantes (p. ex., insulina, metformina,<br />

rosiglitazona) podem estar causalmente relacionados com<br />

os eventos que causaram a lesão e podem dificultar a tera¬<br />

pia da glicemia se seu uso não for reconhecido.<br />

0 Medicamentos de venda livre, incluindo preparados<br />

fitoterápicos e suplementos, são frequentemente utilizados<br />

por pessoas idosas. Sua inclusão na lista dos medicamen¬<br />

tos é geralmente omitida pelos doentes, que deverão ser<br />

especificamente questionados a respeito de sua utilização.<br />

Essas preparações não são reguladas e, assim, apresentam<br />

efeitos de dose e possíveis interações medicamentosas<br />

imprevisíveis. As complicações destes agentes incluem<br />

hemorragia (alho) e infarto do miocárdio (efedrina/<br />

Ma-Huang).<br />

A dificuldade em avaliar a lista de medicamentos do idoso<br />

traumatizado pode incluir a perda de consciência e uma lista<br />

extensa de medicamentos com nomes difíceis. Em algumas<br />

comunidades, as agências dos serviços médicos de emergên¬<br />

cia (SME) promoveram programas como o File of Life Project<br />

(vvvvw.folife.org). Nesse programa, a história médica detalhada<br />

do doente é colocada em uma localização comum em qualquer<br />

casa: a porta da geladeira. O doente preenche um formulário de<br />

histórico médico, que é, então, colocado em um ímã na portada<br />

geladeira, chamando a atenção da equipe pré-hospitalar para o<br />

File of Life (Arquivo da Vida) (Fig. 16-7).<br />

Doenças<br />

Numerosas doenças podem predispor os indivíduos a even¬<br />

tos traumáticos, principalmente as que resultam em alteração<br />

do nível de consciência ou outro déficit neurológico. Entre os<br />

exemplos comuns, incluem-se as doenças convulsivas, o cho¬<br />

que insulínico em doentes com diabetes melito, episódios de<br />

síncope associados ao uso de medicamentos anti-hipertensivos,<br />

arritmia cardíaca associada a síndrome coronária aguda e aci¬<br />

dentes vasculares cerebrais (AVC). Uma vez que a incidência<br />

de doenças crónicas aumenta com a idade, os doentes geriátricos<br />

estão mais suscetíveis a traumas resultantes de problemas<br />

médicos do que as vítimas mais jovens. O socorrista atento sem¬<br />

pre tem este conceito em mente durante a avaliação, e percebe<br />

sinais, nas avaliações primária e secundária, que podem indi¬<br />

car a presença de um problema médico que precipitou a lesão,<br />

como:<br />

a<br />

h<br />

a<br />

Testemunhas podem ter notado que a vítima parecia<br />

inconsciente antes da colisão<br />

Presença de um bracelete de alerta médico, indicando que<br />

o doente é diabético<br />

Pulso irregular ou arritmia cardíaca no eletrocardiograma<br />

Esta importante informação é passada ao hospital de destino.<br />

Tratamento<br />

Via Aérea<br />

As dentaduras, frequentes em idosos, podem afetar o tratamento<br />

da via aérea. Geralmente, as dentaduras devem ser mantidas no<br />

local para garantirem uma melhor vedação com a máscara, ao<br />

redor da boca. Contudo, próteses dentárias parciais (pontes)<br />

devem ser removidas, pois durante uma emergência podem<br />

deslocar-se e causar obstrução total ou parcial da via aérea.<br />

Os tecidos friáveis da mucosa nasofaríngea e o possível uso<br />

de anticoagulantes aumentam o risco de o idoso ter hemorragia<br />

associada à colocação da cânula nasofaríngea. Essa hemorragia<br />

pode comprometer mais a via aérea do doente e resultar em<br />

aspiração. A artrite pode afetar as articulações temporomandibulares<br />

e a coluna cervical. A diminuição da flexibilidade des¬<br />

sas áreas pode tornar a intubação traqueal mais difícil.<br />

O objetivo do tratamento da via aérea consiste principal¬<br />

mente em assegurar uma via aérea perneável. para o forneci¬<br />

mento de oxigenação tecidual adequada. A ventilação mecânica<br />

precoce, seja com ainbu e máscara, seja por intervenções avan¬<br />

çadas, como a intubação traqueal, deve ser considerada nos ido¬<br />

sos traumatizados, por causa de suas reservas fisiológicas muito<br />

limitadas.21


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 415<br />

File of Life<br />

(Arquivo da Vida)<br />

MANTENHA AS INFORMAÇÕES ATUALIZADASM!<br />

Roviso paio manos o coda sois mososl<br />

DADOS MÉDICOS REVISADOS EM_ (MÊS) DE _ (ANO).<br />

Enderoço:<br />

Endereço:<br />

Tololono:<br />

CONTATOS DE EMERGENCIA<br />

Tololono:<br />

Endereço:<br />

MANTENHA AS INFORMAÇÕES ATUALIZADASM<br />

Rovísd polo monos a cndn sois mososl<br />

DADOS MÉDICOS REVISADOS EM_ (MÊS) DE _ (ANO).<br />

Cirurgia roconto;<br />

Use lápis para lacllltar alterações<br />

Dota:<br />

Endereço:<br />

Hospital do preferência:<br />

CONTATOS DE EMERGENCIA<br />

Tololono:<br />

Endereço:<br />

Endoroço:<br />

DADOS MÉDICOS<br />

Uso lápis paro (ocllltor nltornçõos<br />

Doenças/Considerações ospoclnis:<br />

Sexo:<br />

M F<br />

Vocô nssinou algum documento doclnrondo quo não dosojn quo modldns axtromas<br />

oojom tomadas paro prolongar sua vido?<br />

G SIM ÿ NÃO G Onde ostá esto documonto?<br />

DOENÇAS<br />

Assinalo Iodas as quo tivar<br />

Nenhuma doença conhocida d Hemodiálise<br />

Elotrocardiogramo altorado<br />

Anomia hemolítica<br />

d<br />

d Insuficiência adrenal d<br />

Angina<br />

d Asma<br />

Doença hornorráglca d<br />

ÿ Cáncor<br />

Arritmia cardíaca<br />

d<br />

d Cotarnto<br />

ÿ Coagulopatie<br />

Rcvascularização do miocárdio<br />

Oomóncia | | Alzheimer | j d Diabotes/lnsulinodependonto d<br />

d Cirurgia oftalmológica<br />

ÿ Glaucoma<br />

ÿ Probloma do audição<br />

ÿ Prótoso valvular cardíaca<br />

ÿ Outra:<br />

Hopotito - Tipo I |<br />

d Hipertensão<br />

Hlpogllcomio<br />

d Laringoctomln<br />

Loucemln<br />

Linloma<br />

Alteração do memória<br />

d Miastenio grave<br />

Marca-passo<br />

Insuficiência renal<br />

Doonço convulsiva<br />

Anomia falciformo<br />

d Dorrome<br />

Tuborculoso<br />

Probloma do visão<br />

d<br />

ALERGIAS<br />

n<br />

Aspirina | | Picada de inseto | ] Ponlclllnn<br />

i i Barbitúricos Q Látex ÿ Sulfa<br />

Codeína | | Lidocolno | | Tctraciclina<br />

i i Domorol | | Morllna j""| Contrastes radiológicos<br />

u Soro equino ( | Novocalnn | | Nenhuma alergia conhecida<br />

u Ambienteis:<br />

ÿ Outros:<br />

Emproso:<br />

CONVÉNIO<br />

Data de nascimento:<br />

Número do apólice:<br />

Tipo sanguíneo:<br />

Religião:<br />

Outro convónio:<br />

Prontuário módico arquivado em:<br />

Número da apático:<br />

Testamento em vida arquivado em:<br />

Número Medicaid:<br />

Númoro Modicnro<br />

ARQUIVO DA VIDA<br />

VEJA OUTRAS INFORMAÇÕES IIP VEI1S0 Oil C.MITAO<br />

FIGURA 16-7<br />

Arquivo da Vida.


416 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Respiração<br />

Dove ser administrado oxigénio suplementar, logo que possível, a<br />

todos os doentes traumatizados. A saturação de oxigénio (Sa02)<br />

deve ser, de modo geral, mantida acima de 95%. A população<br />

idosa apresenta alta prevalência tie DPOC. Mesmo que o doente<br />

apresente DPOC grave, é improvável que a administração de<br />

alto lluxo de oxigénio seja prejudicial ao estímulo respirató¬<br />

rio durante o transporte urbano ou suburbano rotineiro. Caso,<br />

porém, o socorrista note sonolência ou diminuição da frequên¬<br />

cia respiratória, as ventilações podem ser assistidas com ambu<br />

e máscara, aventando-se a possibilidade de suporte avançado<br />

de via aérea.<br />

Os idosos apresentam aumento da rigidez da parede torá¬<br />

cica. Além disso, a redução cle força da musculatura da parede<br />

torácica e a rigidez da cartilagem tornam a caixa torácica menos<br />

flexível. Essas e outras alterações são responsáveis pela redução<br />

dos volumes pulmonares. O doente idoso pode necessitar de<br />

suporte venlilatório com ventilação assistida com ambu e más¬<br />

cara mais precocemente do que os doentes mais jovens. Pode<br />

ser necessário aumentar a força aplicada 110 ambu, para superar<br />

o aumento da resistência da parede torácica.<br />

Circulação<br />

As pessoas idosas podem ler pouca reserva cardiovascular. Os<br />

sinais vitais não são um bom indicador de choque no idoso, por¬<br />

que o doente que normalmente é hipertenso pode estar em cho¬<br />

que com uma pressão arterial que é considerada "normal" em<br />

doentes mais jovens. O volume sanguíneo circulante reduzido,<br />

a possível anemia crónica e as doenças miocárdica e coroná¬<br />

ria preexistentes deixam o doente com muito pouca tolerância,<br />

mesmo para pequenas perdas de sangue. Por causa da frouxi¬<br />

dão da pele ou do uso de anticoagulantes, os doentes geriátricos<br />

estão sujeitos a formar hematomas maiores e hemorragia<br />

interna potencialmente mais significativa. O controle precoce<br />

da hemorragia por compressão direta sobre as feridas abertas, a<br />

estabilização ou imobilização de fraluras e o transporte rápido<br />

para um centro de trauma são essenciais. A reanimação com<br />

fluidos deve ser orientada pelo grau de suspeita de hemorragia<br />

grave, com base no mecanismo de trauma e nas manifestações<br />

que geralmente se associam ao choque. A capacidade renal<br />

de concentrar a urina está reduzida, levando a desidratação<br />

mesmo antes da ocorrência de lesão. Em indivíduos idosos, o<br />

débito urinário não é um bom indicador de perfusão.<br />

Imobilização<br />

A proteção da coluna cervical, especialmente em doentes trau¬<br />

matizados com lesões multissistêmicas, é o padrão de atendi¬<br />

mento esperado. Nos idosos, esse padrão deve ser aplicado não<br />

somente em situações de trauma, mas também em problemas<br />

clínicos, nos quais a manutenção da via aérea permeável é uma<br />

prioridade. A artrite degenerativa da coluna cervical pode oca¬<br />

sionar lesões medulares por posicionamento e manipulação<br />

do pescoço, mesmo que o doente não tenha sofrido trauma<br />

na coluna. Outra consideração na mobilização inadequada da<br />

coluna cervical é a possibilidade de oclusão das artérias que irrii»;.<br />

FIGURA 16-8 Imobilização de doente cifótico. (Observação:<br />

Não são mostrados outros tirantes nem o colar cervical, para<br />

que a ilustração fique mais clara.)<br />

gam o cérebro, que pode ocasionar inconsciência e até mesmo<br />

acidente vascular cerebral.<br />

Ao colocar um colar cervical no doente idoso com cifose<br />

grave, o socorrista deve assegurar-se de que o colar não com¬<br />

prima a via aérea nem as carótidas. Meios menos tradicionais<br />

de imobilização, como uma toalha enrolada e o imobilizador<br />

lateral de cabeça, podem ser cogitados, se os colares cervicais<br />

padrão forem inapropriados.<br />

Pode ser necessário colocar acolchoamento debaixo da<br />

cabeça e entre os ombros, ao imobilizar o doente idoso cifótico<br />

em posição supina (Fig. 16-8). Por causa da pele fina e da falta<br />

de tecido adiposo em doentes idosos mais frágeis, os doentes<br />

geriátricos são mais propensos a desenvolver úlceras de pressão<br />

(decúbito) quando ficam deitados; por isso, é necessário usar<br />

acolchoamento adicional na imobilização em prancha longa.<br />

É sempre uma boa ideia procurar ponlós de pressão quando o<br />

doente está apoiado na prancha e acolchoá-los adequadamente.<br />

Ao aplicar os tirantes para imobilização do doente idoso, é pos¬<br />

sível que ele não seja capaz de esticar completamente as pernas,<br />

em vista da redução da amplitude de movimentos do quadril e<br />

dos joelhos. Assim, pode ser necessário acolchoamento debaixo<br />

das pernas, para maior conforto e segurança do doente durante<br />

o transporte.<br />

Controle da Temperatura<br />

Durante o tratamento e o transporte, o doente idoso deve ser<br />

observado atentamente quanto a hipotermia e hipertermia.<br />

Embora seja adequada a exposição do doente para facilitar o<br />

exame minucioso, os idosos são especialmente propensos à<br />

perda de calor. Por outro lado, os efeitos de várias medicações<br />

podem significar que um doente fique mais propenso à hiperter¬<br />

mia; portanto, devem ser considerados alguns meios de resfriar<br />

o doente quando ele não puder ser removido rapidamente para<br />

um ambiente controlado. Retirada de ferragens demorada, em<br />

dias de temperaturas extremas, também pode colocar o doente<br />

idoso em risco, e deve ser resolvida rapidamente. Os métodos<br />

externos para aquecer 011 resfriar o idoso traumatizado devem<br />

ser balanceados, pela possibilidade de lesão térmica direta no<br />

local da aplicação, por causa da estrutura cutânea fragilizada<br />

do doente.


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 417<br />

Considerações Legais<br />

Várias distinções legais podem tornar-se problemas ao tratar os<br />

idosos. Recentes evidências demonstram que, embora a morta¬<br />

lidade aumente com a idade, 80% dos idosos traumatizados que<br />

têm alia retornam a um alto nível funcional. Sob determinadas<br />

circunstâncias, o doente ou um membro da família pode abdi¬<br />

car de intervenções que podem salvar a vida e fornecer apenas<br />

medidas de conforto (p. ex., doente idoso com queimaduras<br />

extensas). A identificação de um testamento, de diretrizes ante¬<br />

cipadas ou de outros documentos legais, quando disponíveis,<br />

pode ajudar a planejar o melhor tratamento para o doente.<br />

Na maior parte dos Estados Unidos, cônjuges, irmãos, filhos,<br />

cônjuges de filhos e pais não podem, legalmente, tomar decisões<br />

médicas por um adulto. Pessoas com procuração ou tutela de<br />

idosos concedida por tribunal podem, ter autoridade, sobre suas<br />

questões financeiras, mas não têm, necessariamente, controle<br />

sobre as decisões médicas pessoais daquela pessoa. Mesmo<br />

aqueles que detêm custódia legal concedida por tribunal ou<br />

tutores podem ler ou não poder de tomada de decisões médicas,<br />

dependendo das leis locais e da responsabilidade específica de<br />

sua designação. O socorrista deve considerar que existem tais<br />

poderes, apenas se existir especificação da tutela de uma pessoa<br />

e procuração permanente com documentação clara do"poder<br />

por parte de terceiros.<br />

Em meio a uma cena do trauma, o socorrista pode ler difi¬<br />

culdade de fazer essas distinções legais precisas. Tendo em<br />

vista que a ambulância foi chamada e foi leito um "pedido de<br />

socorro", o socorrista deve agir como se houvesse "consenti¬<br />

mento implícito" para tratamento, em caso de doentes incons¬<br />

cientes ou com nível de consciência diminuído.<br />

Em muitos estados norte-americanos, os profissionais de<br />

saúde, incluindo os responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar,<br />

são obrigados a relatar casos de suspeita de abuso de<br />

idosos às autoridades. Se for necessário mais esclarecimento ou<br />

se alguém tentar interferir no atendimento pré-hospitalar, o pro¬<br />

blema deve ser colocado para o policial responsável presente<br />

na cena. Em geral, a lei norte-americana disponibiliza um pro¬<br />

tocolo para o policial tomar rapidamente uma decisão na cena,<br />

sendo o esclarecimento feito mais tarde no hospital, se houver<br />

tempo. Tais eventos devem ser documentados de maneira pre¬<br />

cisa e detalhada no boletim de atendimento.<br />

Maus-tratos ao Idoso<br />

Abuso ao idoso é definido como qualquer ação que visa tirar<br />

vantagem de pessoa idosa, de sua propriedade ou de seu estado<br />

emocional, praticada por membro da família (qualquer parente),<br />

por pessoas associadas que tenham contato domiciliar diário<br />

com o idoso, por qualquer pessoa da qual o idoso dependa para<br />

suas necessidades diárias de alimentação, vestuário e moradia<br />

ou por um profissional cuidador.<br />

Registros e queixas de abuso, negligência e outros problemas<br />

associados estão aumentando entre os idosos. A exata extensão<br />

do abuso ao idoso não é conhecida por várias razões:<br />

0 O abuso ao icloso tem sido amplamente ocultado da<br />

sociedade.<br />

s Abuso e negligência ao idoso têm várias definições.<br />

h Os idosos ficam desconfortáveis ou receosos de relatar o<br />

problema às instâncias legais cabíveis, ou às pessoas de<br />

agências de direitos humanos e bem-estar social. Uma<br />

típica vítima de abuso ao idoso pode ser um pai que se<br />

sente envergonhado ou culpado de ter criado um filho que<br />

pratica abuso. A vítima de abuso também pode sentir-se<br />

traumatizada pela situação ou com medo de sofrer represá¬<br />

lias contínuas por parte de quem abusa.<br />

a Algumas jurisdições carecem de mecanismos formais para<br />

registro dessas situações. Algumas áreas não têm sequer dis¬<br />

positivos estatutários que exigem o regisfio de abuso ao idoso.<br />

Os sinais de abuso físico e emocional, como estupro, espan¬<br />

camento, privação nutricional, passam, muitas vezes, desperce¬<br />

bidos ou, talvez, não são identificados com precisão. Em parti¬<br />

cular, mulheres mais idosas mais provavelmente não relatam às<br />

instâncias legais cabíveis incidentes de abuso sexual. Deficiên¬<br />

cias sensoriais, senilidade e outras formas de alteração do nível<br />

de consciência (p. ex., depressão induzida por medicamentos)<br />

podem impossibilitar ou dificultar ao extremo o relato de maustratos<br />

pelo doente idoso.<br />

Perfil do Doente que Sofre Abuso<br />

O idoso que tem maior probabilidade de sofrer abuso enquadra-se<br />

no seguinte perfil:<br />

B Tem idade superior a 65 anos, especialmente mulheres<br />

acima de 75 anos<br />

s É frágil<br />

3<br />

£3 Apresenta múltiplas doenças<br />

n É demente<br />

h Tem alteração do ciclo sono/vigília, é sonâmbulo ou grita<br />

durante a noite<br />

h Tem incontinência fecal, urinária ou ambas<br />

a Depende de outros para atividades da vida diária ou é<br />

incapaz de ler vida independente<br />

Perfil do Abusador<br />

Como muitos idosos vivem em ambiente familiar, em particu¬<br />

lar mulheres acima dos 75 anos, esse ambiente pode fornecer<br />

pistas. Geralmente, o abusador é o cônjuge do doente ou a nora<br />

de meia-idade, que cuida de crianças e sogros dependentes,<br />

enquanto talvez lenha emprego de tempo integral ou parcial.<br />

A maior parte dos que praticam abuso é despreparada para os<br />

cuidados específicos de que os idosos necessitam e tem pouco<br />

tempo livre, em função da constante demanda familiar.<br />

O abuso não se restringe ao domicílio. Outros ambientes,<br />

como instituições que abrigam idosos (asilos para convalescen¬<br />

tes e de cuidados integrais), são locais nos quais os idosos podem<br />

sofrer danos físicos, químicos ou farmacológicos. Pessoas que<br />

prestam assistência nessas instituições podem considerar que é<br />

difícil lidar com os idosos ou considerá-los como doentes obs¬<br />

tinados ou indesejáveis. O perfil habitual do indivíduo que pra¬<br />

tica abuso inclui os seguintes sinais:


418 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Existência de conflito domiciliar<br />

Cansaço acentuado<br />

Desemprego<br />

Dificuldades financeiras<br />

Abuso de drogas<br />

Histórico de ter sofrido abuso<br />

Tipos de Abuso<br />

O abuso pode ser classificado nas formas a seguir:<br />

2.<br />

Abuso físico inclui agressão, negligência, má nutrição,<br />

descuido com as condições diárias de sobrevivência,<br />

descuido com a higiene pessoal. Ús sinais de abuso ou<br />

negligência físicos podem ser óbvios, como uma marca de<br />

agressão deixada por um objelo, como atiçador de lareira,<br />

ou sutis, como a má nutrição. Os sinais de abuso no idoso<br />

são semelhantes aos sinais de abuso na criança (Fig. 16-9)<br />

(Cap. 15).<br />

Abuso psicológico pode tomar a forma de negligência,<br />

abuso verbal, infantilização ou privação de estimulação<br />

sensorial.<br />

Abusofinanceiro pode incluir roubo de valores ou desfalque.<br />

Assédio e/ou abuso sexual.<br />

Abuso autoinfiingido.<br />

Pontos Importantes<br />

Muitos doentes que sofrem abuso são aterrorizados e induzi¬<br />

dos a fazer falsos testemunhos, temendo represálias. No caso de<br />

abuso ao idoso por membros da família, o medo de ser retirado<br />

do ambiente familiar pode fazer com que o idoso minta quanto à<br />

origem do abuso. Em outros casos de abuso ao idoso, a privação<br />

sensorial ou a demência podem impedir um relato adequado. O<br />

socorrista deve identificar o abuso e revelar qualquer patologia<br />

relatada pelo idoso. Qualquer histórico de maus-tralos ou acha¬<br />

dos consistentes com eles deve ser documentado no formulário<br />

de atendimento do doente.<br />

A identificação de uma situação de abuso pode reduzir<br />

novos traumas. Denunciar situações nas quais exista alto grau<br />

de suspeita de abuso pode viabilizar o encaminhamento para<br />

agências de direitos humanos, de bem-estar social e entidades<br />

públicas de proteção ao idoso (Fig. 16-10).<br />

Para Onde Encaminhar<br />

Um dos maiores desafios no atendimento pré-hospitalar do trau¬<br />

matizado consiste em definir quais doentes mais provavelmente<br />

se beneficiarão da presença de cirurgiões e das opções de trata¬<br />

mento avançado disponíveis em um centro de trauma. Por mui¬<br />

tos dos motivos previamente mencionados, os critérios de tria¬<br />

gem podem ser menos confiáveis no idoso, por causa dos efeitos<br />

fisiológicos ou farmacológicos. Uma recomendação importante<br />

das Orientações para o Trauma Geriáirico da Eastern Associa¬<br />

tion for the Surgery of Trauma é que os socorristas que tratam de<br />

vítimas de trauma com idade avançada tenham um limiar mais<br />

FIGURA 16-9 Um homem de 70 anos de idade foi levado da<br />

casa de seu cuidador ao pronto-socorro, peia polícia, após sua<br />

filha o ter encontrado bastante machucado. Tinha múltiplas<br />

contusões, em diferentes estágios de cicatrização, no tórax e<br />

nos braços, assim como uma lesão de padrão linear na face<br />

anterior esquerda do tórax. A localização central e bilateral das<br />

contusões, as diversas colorações e o padrão linear da lesão<br />

torácica são altamente sugestivas de abuso físico.<br />

(De Marx J: Rosen's Emergency Medicine, ed.7, SI. Louis, 2010, Mosby. Cortesia do Dr, D. C.<br />

Schneider.)<br />

baixo para triá-las diretamente para um centro de trauma.23 Os<br />

dados coletados em vários estados demonstram que um número<br />

desproporcional de idosos traumatizados recebe atendimento<br />

em centros de trauma. Além disso, a mortalidade potencial¬<br />

mente evitável na população geriálrica» traumatizada é menor<br />

nos centros de trauma.<br />

Transporte Prolongado<br />

A maior parle do tratamento do idoso traumatizado segue as<br />

diretrizes gerais para o atendimento pré-hospitalar do trauma¬<br />

tizado. Contudo, existem várias circunstâncias especiais nos<br />

cenários de transporte prolongado. Essas preocupações são par¬<br />

ticularmente importantes nas recomendações de encaminha¬<br />

mento dos doentes com lesões anatómicas menos significativas<br />

diretamente para centros de trauma.<br />

O tratamento do choque no pré-hospitalar durante um período<br />

prolongado requer a reavaliação cuidadosa dos sinais vitais<br />

durante o transporte. Depois do controle da hemorragia com<br />

medidas locais, a reanimação com líquidos deverá ser titulada<br />

pela resposta fisiológica, a fim de otimizar a reanimação do<br />

volume intravascular, ao mesmo tempo em que se evita a possí¬<br />

vel sobrecarga de volume, em um doente com função cardíaca<br />

prejudicada.<br />

A imobilização em prancha longa coloca esses doentes om<br />

risco aumentado de lesão cutânea relacionada com o decúbito<br />

durante transportes prolongados. A estrutura cutânea enfraque¬<br />

cida e o suprimento vascular prejudicado podem levar a com-<br />

•i


CAPÍTULO 16 Trauma no Idoso 419<br />

FIGURA 16-10<br />

Notificação do Abuso e Negligência Contra o Idoso<br />

Em muitos estados norte-americanos, os profissionais do SME<br />

são legalmente considerados como aqueles que devem fazer a<br />

notificaçãoobrigatória de abuso,negligência e exploração de idosos<br />

(ou do adulto). É considerado abuso a imposição deliberada de dor,<br />

lesão, angústia mental, confinamento inaceitável ou contato sexual<br />

não consensual. A negligência envolve viver em condições em que<br />

o adulto ou cuidador responsável não providencia os cuidados<br />

necessários para manter a saúde física e mental e o bem-estar da<br />

pessoa idosa. Exploração consiste no uso ilegal dos recursos de<br />

um adulto para lucro ou vantagem de outro. Nos últimos anos, o<br />

abuso do idoso tem sido cada vez mais reconhecido. Contudo, os<br />

adultos mais jovens que possuem condições incapacitantes, como<br />

doença mental, retardo mental e deficiência física, também correm<br />

risco de sofrer abuso e negligência.<br />

Os sinais de abuso e negligência incluem lesões inexplicadas<br />

ou incomuns; relatos conflitantes de como ocorreu uma lesão;<br />

cuidador que impede que o adulto fale com os outros; desidratação<br />

ou desnutrição; depressão;falta de acesso a medicamentos, óculos,<br />

dentaduras ou outros acessórios; falta de higiene pessoal; ambiente<br />

mal cuidado; e falta de aquecimento ou refrigeração adequados.<br />

Os responsáveis pela notificação obrigatória devem notificar<br />

diretamente a agência de serviços sociais responsávelporinvestigar<br />

o abuso de adultos, em vez de se dirigir a intermediários, como os<br />

profissionais do hospital. Se o indivíduo correr risco imediato ou<br />

tiver sido molestado sexualmente, as autoridades policiais também<br />

devem ser notificadas. No caso de uma morte parecer ter sido<br />

causada por abuso ou negligência,os responsáveis pela notificação<br />

obrigatória geralmente precisam avisar os médicos-legistas e a<br />

polícia e são responsabilizados se não relatarem a suspeita de<br />

abuso, negligência e exploração. Contudo, eles estão protegidos<br />

contra a responsabilidade civil e criminal associada à notificação,<br />

podem ter sua identidade mantida em sigilo e têm permissão para<br />

compartilhar as informações médicas que se relacionam com o<br />

caso, embora em circunstâncias normais essas informações sejam<br />

protegidas pelo Health Insurance Portability and Accountability Act<br />

(HIPAA). As leis que regulam a notificação obrigatória do abuso<br />

do idoso são de âmbito estadual. Todos os profissionais do SME<br />

devem conhecer as leis do estado em que atuam.<br />

plicações mais precoces do que o esperado. Antes de transporte<br />

prolongado, deve-se considerar a possibilidade de avaliar e libe¬<br />

rar a coluna vertebral ou fazer o rolamento em bloco do doente<br />

para uma prancha adequadamente acolchoada, para proteger a<br />

pele. As instituições em regiões distantes deverão considerar a<br />

possibilidade de comprar pranchas de baixa pressão, com design<br />

especial, que imobilizam o doente e, ao mesmo tempo, diminuem<br />

o potencial de lesão cutânea.<br />

O controle do ambiente é essencial nos doentes geriátricos<br />

em um transporte demorado. Limitar a exposição corporal e<br />

controlar a temperatura ambiente do veículo podem diminuir o<br />

risco de hipotermia. O doente hipotérmico pode tremer, fazendo<br />

metabolismo anaeróbico, o que provoca acidose lática e acelera<br />

o choque.<br />

Por fim, o transporte do doente geriátrico»traumatizado a<br />

partir de regiões distantes pode ser uma forma-válida de usar o<br />

transporte aeromédico. O transporte de helicóptero pode limi¬<br />

tar a duração da exposição ambiental, reduzir a duração do cho¬<br />

que e garantir o acesso mais rápido ao atendimento hospitalar,<br />

incluindo cirurgia e Lransfusão de sangue precoces.<br />

RESUMO<br />

As pessoas idosas estão tendo vida mais saudável, mais<br />

ativa e mais longa do que antes.<br />

Embora as diretrizes gerais para o atendimento do trau¬<br />

matizado permaneçam as mesmas, várias condutas espe¬<br />

cíficas são próprias do tratamento do doente geriátrico<br />

traumatizado.<br />

Alterações anatómicas e fisiológicas associadas ao enve¬<br />

lhecimento, doença crónica e medicamentos podem tor¬<br />

nar mais prováveis determinados tipos de trauma, com¬<br />

plicar as lesões traumáticas e provocar diminuição da<br />

capacidade de compensar o choque. Os doentes idosos<br />

têm menor reserva fisiológica e toleram mal o trauma.<br />

O conhecimento da história médica e dos medicamentos<br />

constitui um componente essencial do atendimento.<br />

Nos doentes idosos traumatizados, muitos fatores podem<br />

mascarai' os sinais iniciais de piora, aumentando a pos¬<br />

sibilidade de descompensação súbita e rápida sem aviso<br />

aparente.<br />

No idoso traumatizado, pode ter ocorrido lesão mais grave<br />

do que parece, inicialmente.<br />

É importante ter um limiar mais baixo para triagem direta<br />

destes doentes para centros de trauma.


420 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

Ao tratar o trauma no idoso, nem sempre é possível deter¬<br />

minar, de imediato, se o trauma foi o evento primário ou se<br />

foi secundário a um evento clínico, como AVC, infarto do<br />

miocárdio ou síncope. Contudo, o socorrista deve conside¬<br />

rar, sempre, a possibilidade de que um evénto clínico signifi¬<br />

cativo precedeu o trauma. A avaliação primária revela que o<br />

doente não apresenta obstrução da via aérea e tem frequên¬<br />

cia respiratória de 16 ventilações por minuto. Não há hemor¬<br />

ragia externa significativa, e o sangramento da laceração na<br />

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cataractj'acls.asp. Acessado em 21 de abril de 2010.<br />

fronte é facilmente controlado por compressão. A frequência<br />

cardíaca do doente é de 84 batimentos por minuto. Você<br />

imobiliza o doente em prancha longa, com acolchoamento<br />

apropriado. Levando em conta que o doente é sabidamente<br />

diabético, você checa a glicemia, para verificar se há uma<br />

causa passível de correção para a alteração do nível de cons¬<br />

ciência. Tendo em vista a sua idade, o aparente trauma de<br />

crânio e a magnitude da colisão, você o transporta, de emer¬<br />

gência, para o centro de trauma mais próximo.<br />

15. Alexander J, Shneiderman A: Vertebral fracture, 2004, http://<br />

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Leituras Sugeridas<br />

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DIVISÃO QUATRO<br />

RESUMO<br />

CAPÍTULO 17<br />

I<br />

Princípios de Ouro do<br />

Atendimento Pré-hospitalar<br />

ao Traumatizado<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao iinal deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Entender a importância do "período de ouro".<br />

Discutir por que morre o traumatizado<br />

Entender e discutir os 14 "Princípios de Ouro" do atendimento pré-hospitalar ao<br />

traumatizado.


422 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

r\ [1o final da década' de I960, o médico R. Adams Cowley<br />

\\| conceituou a noção de um período de tempo crucial<br />

I \_J durante o qual seria importante iniciai- o tratamento<br />

definitivo do traumatizado grave. Em uma entrevista, ele<br />

disse: "Há uma 'Hora de Ouro' entre a vida e a morte. Se você<br />

estiver gravemente ferido, terá menos de 60 minutos para<br />

sobreviver. Você pode não morrer imediatamente: isso pode<br />

ocorrer três dias ou duas semanas mais tarde - mas ocorreu<br />

alguma coisa em seu organismo que é irreparável."<br />

Há uma base para este conceito? A resposta é, definitiva¬<br />

mente, sim. No entanto, é importante considerar que nem sem¬<br />

pre o doente tem o privilégio de uma "Hora de Ouro". Um doente<br />

com ferimento penetrante no coração pode ter apenas poucos<br />

minutos para receber o tratamento definitivo antes de o choque<br />

causado pela lesão se tornar irreversível. No outro extremo, está<br />

o doente com hemorragia interna lenta, contínua, secundária a<br />

fratura isolada de fémur. Esse doente pode aguentar várias horas<br />

até ser reanimado e receber tratamento definitivo. Pelo falo de<br />

a "Hora de Ouro" não ser um intervalo de tempo estanque de<br />

60 minutos e variar de doente para doente de acordo com as<br />

lesões, a designação mais apropriada é "Período de Ouro". Se<br />

um traumatizado grave puder receber tratamento definitivo,<br />

entendido como reanimação e controle da hemorragia, dentro<br />

do seu "Período de Ouro" particular, as suas chances de sobre¬<br />

viver aumentam muito.1<br />

Nenhuma ocorrência, cena ou doente são iguais. Em cada<br />

caso, é necessário que a equipe tenha flexibilidade para agir e<br />

reagir às situações conforme elas se apresentarem. O atendi¬<br />

mento pré-hospitalar do traumatizado deve relletir essas contin¬<br />

gências. O objetivo, no entanto, é sempre o mesmo: (1) chegar até<br />

a vítima; (2) identificar e tratar as lesões com risco de vida; e (3)<br />

imobilizai- o doente e transportá-lo para o hospital apropriado<br />

mais próximo, no menor tempo possível. Na sua maioria, as téc¬<br />

nicas e os princípios discutidos não são novos, e muitos deles<br />

são ensinados em programas iniciais de formação de socorrista.<br />

Este texto é diferente nos aspectos a seguir. Ele apresenta:<br />

1. Práticas atuais de atendimento ao traumatizado, baseadas<br />

em evidências.<br />

2. Uma abordagem sistematizada para o estabelecimento de<br />

prioridades no atendimento ao traumatizado com lesão em<br />

vários sistemas.<br />

3. Um esquema de organização das intervenções.<br />

O programa do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado<br />

(PHTLS) ensina que o socorrista só pode tomar decisões corretas<br />

que levem a bons resultados se tiver uma base de conhecimen¬<br />

tos sólidos. O fundamento do PHTLS é que o atendimento ao<br />

doente deve ser baseado na avaliação, não em protocolos. É por<br />

essa razão que neste curso são apresentados em detalhes alguns<br />

aspectos médicos. Este capítulo discute os aspectos fundamen¬<br />

tais do atendimento pré-hospitalar ao traumatizado e "organiza<br />

todo o conjunto".<br />

Por que Morre o<br />

Traumatizado<br />

Estudos que analisam as causas de morte em doentes trauma¬<br />

tizados têm muitos aspectos em comum. Um estudo da Rússia<br />

com mais de 700 mortes por trauma mostrou que a maior parte<br />

dos doentes que sucumbiram rapidamente às suas lesões enquadra-se<br />

em uma das três categorias: perda sanguínea aguda maciça<br />

(36%), lesão grave de órgãos vitais, como o cérebro (30%) e obs¬<br />

trução de via aérea e insuficiência ventilatória aguda (25%). 2 Em<br />

uma análise de 753 doentes vítimas de trauma que morreram<br />

em decorrência de suas lesões em um centro de trauma nível 1,<br />

o Dr. Ronald Stewart e colaboradores mostraram que 51% dos<br />

traumatizados morreram por trauma grave do sistema nervoso<br />

central (SNC) (p. ex., lesão cerebral traumática), 21% por choque<br />

irreversível, 25% por trauma grave do SNC associado a choque<br />

irreversível e 3% por falência de múltiplos órgãos.3<br />

Mas o que acontece com esses doentes em nível celular?<br />

Conforme discutido no Capítulo 7, os processos metabólicos<br />

do corpo humano necessitam de energia, como qualquer outra<br />

máquina. Exatamente como as máquinas, o corpo humano gera<br />

sua própria energia, mas precisa de combustível para isso. 0<br />

combustível do nosso corpo é o oxigénio e a glicose. O organismo<br />

humano pode armazenar energia na forma de carboidratos com¬<br />

plexos (glicogênio) e de gordura, para utilizar mais tarde. No<br />

entanto, o oxigénio não pode ser estocado. Ele precisa ser cons¬<br />

tantemente fornecido às células do organismo. O ar atmosférico,<br />

que contém oxigénio, chega aos pulmões pela ação do diafragma<br />

e dos músculos intercostais. O oxigénio difunde-se, então, atra¬<br />

vés das paredes dos alvéolos e dos capilares até o sangue, onde<br />

se liga à hemoglobina das hemácias, e é transportado para os<br />

tecidos pelo sistema circulatório. Na presença de oxigénio, as<br />

células "queimam" glicose através de uma série complexa de<br />

processos metabólicos (glicólise, ciclo de krebs e transporte de<br />

elétrons) para produzir a energia necessária para todas as fun¬<br />

ções do organismo. Essa energia é armazenada como trifosfato<br />

de adenosina (ATP). Sem energia suficiente (ATP), cessam as<br />

atividades metabólicas essenciais e os órgãos começam a entrar<br />

em falência.<br />

O choque pode ser visto como uma falência na produção<br />

de energia pelo organismo. A sensibilidade das células à falta<br />

de oxigénio varia de um órgão para outro (Fig. 17-1). As célu¬<br />

las de um órgão podem estar irreversivelmente lesionadas, mas<br />

podem continuar a funcionar por um certo período de tempo<br />

(ver o Capítulo 8 sobre as complicações do choque prolongado).<br />

Foi a essa morte celular tardia, que leva à falência orgânica, que<br />

o Dr. Cowley se referiu na citação do parágrafo de abertura. A<br />

condição descrita pelo Dr. Cowley, o choque, leva à morte se o<br />

doente não for prontamente tratado. A definição do Dr. Cowley<br />

inclui o transporte do doente para o centro cirúrgico, para con¬<br />

trole da hemorragia interna. O Comité de Trauma do American<br />

College of Surgeons tem usado esse conceito da "Hora de Ouro"<br />

para enfatizar a importância de transportar o doente para um<br />

hospital em que haja disponibilidade imediata dé atendimento<br />

especializado ao traumatizado.


CAPÍTULO 17 Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado 423<br />

FIGURA 17-1<br />

Choque<br />

Quando o coração é privado de oxigénio, as células do miocárdio<br />

não podem produzir energia suficiente para bombear o sangue para<br />

os outros tecidos. Por exemplo, um doente perdeu uma quantidade<br />

significativa de hemácias e de volume sanguíneo em razão de um<br />

ferimento por arma de fogo na aorta. 0 coração continua a bater<br />

durante vários minutos antes de entrar em falência. 0 reenchimento<br />

do sistema vascular, depois que o coração ficou sem oxigénio por<br />

vários minutos, não irá restaurar a função das células cardíacas<br />

lesionadas. Esse processo é chamado de choque irreversível.<br />

Especificamente no coração, falamos em atividade elétríca sem pulso<br />

(AESP). As células ainda conservam alguma função, mas ela não é<br />

suficiente para bombear o sangue para as células do organismo. 0<br />

doente ainda tem atividade eletrocardiográfica com ritmo, mas não<br />

tem força contrátil suficiente para impulsionar o sangue do coração<br />

para o resto do organismo.<br />

Outro exemplo do mesmo processo, porém com resultado final<br />

menos grave, é a insuficiência cardíaca congestiva. Muitas células<br />

cardíacas foram lesionadas pela isquemia secundária à doença da<br />

artéria coronária, mas algumas não foram. A lesão não é completa,<br />

de tal forma que permanece uma quantidade suficiente de células<br />

funcionais para que o processo de bombeamento continue.<br />

Embora a isquemia, como ocorre no choque grave, possa<br />

lesionar quase todos os tecidos orgânicos, a lesão não se manifesta<br />

em todos os órgãos ao mesmo tempo. Nos pulmões, a síndrome<br />

da angústia respiratória aguda (SARA) instala-se frequentemente<br />

dentro de 48 horas depois de uma agressão isquêmica, enquanto a<br />

insuficiência renal aguda e a insuficiência hepática se manifestam<br />

tipicamente vários dias depois. Embora todos os tecidos orgânicos<br />

sejam afetados pela oxigenação insuficiente, alguns tecidos são<br />

mais sensíveis à isquemia. Por exemplo, um doente que sofreu<br />

uma lesão cerebral traumática pode desenvolver edema cerebral<br />

(inchaço),que leva a lesão cerebral permanente. Embora as células<br />

cerebrais parem de funcionar e morram, o restante do organismo<br />

pode sobreviver por anos.<br />

O Período de Ouro representa um intervalo de tempo no<br />

qual o choque, embora esteja piorando, é quase sempre rever¬<br />

sível, se o doente receber atendimento adequado. Se não forem<br />

iniciadas as intervenções apropriadas para melhorar a oxigena¬<br />

ção e controlar a hemorragia, o choque evolui e torna-se irrever¬<br />

sível. Para que o traumatizado tenha a melhor chance de sobre¬<br />

viver, o tratamento deve ser iniciado no local pelos socorristas<br />

e continuar no pronto-socorro (PS), no centro cirúrgico (CC) e<br />

na unidade de terapia intensiva (UTI). O trauma é um "jogo de<br />

equipe". Os doentes "vencem" quando todos os membros da<br />

equipe de trauma- desde os que atuam no local até os do centro<br />

de trauma-trabalham juntos para cuidar de cada doente.<br />

Os Princípios de Ouro do<br />

Atendimento Pré-hospitalar<br />

ao Traumatizado<br />

Os capítulos anteriores discutem a avaliação e o tratamento de<br />

doentes com lesões de sistemas orgânicos específicos. Embora<br />

este livro apresente os sistemas orgânicos separadamente, a<br />

maior parte dos doentes traumatizados graves tem lesões em<br />

mais de um sistema. Por isso, falamos em doente com trauma<br />

multissistêmico (ou politraumalizado). O socorrista deve reco¬<br />

nhecer e estabelecer as prioridades de tratamento dos doentes<br />

com lesões múltiplas,seguindo "Os Princípios de Ouro do Aten¬<br />

dimento Pré-Hospitalar ao Traumatizado", descritos a seguir.<br />

nas informações iniciais da ocorrência, podem ser imaginados<br />

os possíveis riscos antes da chegada ao local. Em uma colisão de<br />

carros, as ameaças podem ser representadas por trânsito, mate¬<br />

riais perigosos, fogo e queda de linhas elétricas. Ao atender uma<br />

vítima baleada, o socorrista deve lembrar-se de que o criminoso<br />

ainda pode estar pelo local. Quando há crime violento, o reforço<br />

policial deve entrar primeiro e garantir a segurança do local. Um<br />

socorrista que se expõe a riscos desnecessários pode tornar-se<br />

também uma vítima- se isso acontecer, ele não pode mais aten¬<br />

der a vítima original. Exceto em circunstâncias absolutamente<br />

excepcionais, somente quem tem treinamento adequado deve<br />

tentar fazer resgates.<br />

Outro aspecto fundamental da segurança eftvolve o uso das<br />

precauções-padrão. Sangue e outros fluidos corporais podem<br />

transmitir infecções, como o vírus da imunodeficiência humana<br />

(HIV) e da hepatite B. O equipamento de proteção deve ser<br />

1. Garantir a Segurança dos Socorristas e do<br />

Doente.<br />

0 socorrista deve lembrar-se de que a segurança da cena deve<br />

ter prioridade máxima (Fig. 17-2). Isso inclui não apenas a segu¬<br />

rança do doente, mas também a sua própria segurança. Com base<br />

FIGURA 17-2<br />

doente.<br />

Garantir a segurança dos socorristas e do


424 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

usado sempre, especialmente ao cuidar de vítimas de trauma<br />

em que pode haver sangue.<br />

Também se deve cuidar da segurança do doente e identificar<br />

possíveis situações de risco. Mesmo que se verifique pelo exame<br />

primário que um doente envolvido em colisão automobilística<br />

não corre risco de vida, deve fazer-se a retirada rápida se forem<br />

percebidos perigos, como risco significativo de incêndio, ou se<br />

o veículo estiver em posição precária.<br />

2. Avaliar a Situação para Determinar a<br />

Necessidade de Solicitar Outros Recursos.<br />

A caminho do focal e fogo à chegada, deve-se fazer uma avalia¬<br />

ção rápida para determinar a necessidade de recursos adicio¬<br />

nais ou especiais. Alguns exemplos: mais unidades do Sistema<br />

Médico de Emergência para atender o número de doentes envol¬<br />

vidos, equipamentos de combate a incêndio, equipes especiais<br />

de resgate, pessoal da companhia de eletricidade, helicópteros<br />

ou médicos para ajudarem na triagem de um grande número de<br />

vítimas. A necessidade desses recursos deve ser analisada com<br />

antecedência e solicitada quanto antes.<br />

3. Reconhecer a Biomecânica Envolvida nas<br />

Lesões.<br />

O Capítulo 4 apresenta os fundamentos de como a energia ciné¬<br />

tica pode transformar-se em lesão no traumatizado. Ao aproximar-se<br />

da cena e do doente, deve-se avaliar a biomecânica<br />

da situação (Fig. 17-3). A compreensão dos princípios da bio¬<br />

mecânica leva à melhor avaliação do doente. O conhecimento<br />

de padrões específicos de lesões ajuda a prevê-las e saber onde<br />

examinar. As considerações sobre a biomecânica não devem<br />

retardar o início da avaliação e atendimento do doente, mas<br />

podem ser incluídas na avaliação global da cena e nas pergun¬<br />

tas feitas ao doente e às testemunhas. A biomecânica pode tam¬<br />

bém exercer um papel-chave na escolha do hospital de destino<br />

para determinado doente (critérios de triagem para um centro<br />

de trauma com base no mecanismo de trauma). Os aspectos<br />

FIGURA 17-3<br />

Reconhecer a biomecânica envolvida nas lesões.<br />

mais importantes da biomecânica observados no focal também<br />

devem ser relatados para os médicos no hospital de destino.<br />

4. Reconhecer as Lesões com Risco de Vida<br />

já na Avaliação Primária.<br />

O conceito central do PHTLS é a ênfase na avaliação primária,<br />

adolada do Suporte Avançado de Vida no Trauma para Médi¬<br />

cos, ATLS, desenvolvido pelo Comité de Trauma do American<br />

College of Surgeons. Este exame rápido permite que as funções<br />

vitais sejam rapidamente avaliadas e as condições com risco<br />

de vida identificadas por meio da avaliação sistemática dos<br />

ABCDEs: via aérea, (ainiw), ventilação [breathing), circulação<br />

(circulation), incapacidade (estado neurológico) (disability) e<br />

exposição/controle do ambiente (expose/ environment) (Fig.<br />

17-4). Ao aproximar-se da cena e à medida que vai atendendo,<br />

o socorrista recebe estímulos de vários sentidos (visão, audição,<br />

olfato e lato), que devem ser organizados - colocados em um<br />

esquema de prioridades de lesões com risco de vida ou de perda<br />

de membros - e usados para desenvolver um plano de atendi¬<br />

mento adequado.<br />

FIGURA 17-4<br />

DoenteVítima deTrauma em Estado<br />

Crítico ou Possivelmente Crítico:Tempo<br />

no Local de 10Minutosou Menos<br />

Qualquer uma das seguintes condições com risco de vida:<br />

3.<br />

4.<br />

5.<br />

6.<br />

7.<br />

8.<br />

Via aérea inadequada ou com risco de obstrução<br />

Comprometimento ventilatório, indicado por:<br />

Frequência ventilatória muito alta ou muito baixa<br />

Hipoxia (Sa02 < 95% mesmo com oxigénio<br />

suplementar)<br />

si Dispneia<br />

a Pneumotórax aberto ou tórax instável<br />

es Suspeita de pneumotórax<br />

Hemorragia externa significativa ou suspeita de<br />

hemorragia interna<br />

Choque, mesmo compensado<br />

Alteração do nível de consciência<br />

a Escore < 13 na escala de coma de Glasgow<br />

Crises convulsivas<br />

Déficit sensitivo ou motor<br />

Ferimento penetrante na cabeça, no pescoço, no<br />

tronco ou nos membros, proximal ao cotovelo ou ao<br />

joelho<br />

Amputação ou quase amputação proximal aos dedos<br />

ou artelhos<br />

Qualquer trauma na presença de:<br />

e Antecedentes médicos relevantes (p. ex.,<br />

coronariopatia, doença pulmonar obstrutiva crónica,<br />

distúrbio de coagulação)<br />

a<br />

a<br />

s<br />

a<br />

Idade >55 anos<br />

Hipotermia<br />

Queimaduras<br />

Gravidez


CAPÍTULO 17 Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitaiar ao Traumatizado 425<br />

A avaliação primária envolve a filosofia de "tratar logo que<br />

diagnosticar". Assim que é encontrado algum problema com<br />

risco de vida, é iniciado imediatamente o tratamento. Apesar<br />

de ensinados em uma sequência linear, muitos dos procedi¬<br />

mentos da avaliação primária podem ser realizados simulta¬<br />

neamente. Durante o transporte, a avaliação primária deve ser<br />

repelida a intervalos regulares de modo que possa ser avaliada<br />

a eficácia das intervenções feitas e tratados novos problemas<br />

encontrados.<br />

Na criança, na gestante e no idoso, deve-se considerar que<br />

as lesões podem (!) ser mais graves do que aparentam, (2) ter<br />

impacto sistémico mais profundo e (3) ler grande potencial de<br />

levar a rápida descompensação. Na grávida, há pelo menos dois<br />

doentes a serem atendidos - a mãe e o feto -, podendo ambos<br />

ter sofrido lesões. Os mecanismos compensatórios diferem dos<br />

adultos mais jovens e podem não revelar anormalidades até que<br />

o doente esteja profundamente comprometido. A avaliação pri¬<br />

mária também fornece os dados para estabelecer as prioridades<br />

de atendimento, quando há múltiplas vítimas. Em um incidente<br />

com múltiplas vítimas, por exemplo, os doentes com problemas<br />

graves de via aérea, ventilação ou perfusão devem ser tratados<br />

e transportados antes dos que têm apenas alteração do nível de<br />

consciência.<br />

Se o socorrista for adequadamente treinado, a IT deve ser<br />

considerada para todos os traumatizados incapazes de manter<br />

a via aérea pérvia, incluindo os que tiverem escore inferior ou<br />

igual a 8 na escala de coma de Glasgow, os que precisarem de<br />

altas concentrações de oxigénio para manter saturação arterial<br />

(Sa02) acima de 95% e os que necessitarem de ventilação assis¬<br />

tida em virtude da diminuição da frequência ventilatória ou<br />

do volume-minuto. A intubação também deve ser considerada<br />

para os doentes com risco de obstrução de via aérea, como os<br />

que têm hematoma expansivo no pescoço ou sinais compatíveis<br />

com queimadura de via aérea ou de pulmão. Após a intuba¬<br />

ção traqueal, deve-se confirmar o posicionamento adequado do<br />

tubo usando dados clínicos em combinação com dispositivos<br />

auxiliares. Toda vez que se deslocar um doente intubado, a<br />

posição do tubo deve sempre ser novamente confirmada.<br />

Quando houver indicação de intubação, mas ela não puder<br />

ser feita, há várias alternativas (ver Algoritmo de Controle da<br />

via aérea, p. 141). Pode-se tentar ventilar somente com o auxí¬<br />

lio das manobras essenciais ou com via aérea de duplo lúmen<br />

ou máscara laríngea. Se for possível ventilar adequadamente,<br />

pode-se tentar inlubar novamente pela técnica retrógrada ou<br />

digital. Se for impossível ventilar, pode-se usar a opção da ven¬<br />

tilação percutânea transtraqueal.<br />

5. Cuidar da Via Aérea Mantendo a Coluna<br />

Cervical Estabilizada.<br />

A abordagem da via aérea continua sendo a maior prioridade<br />

no tratamento do traumatizado grave. Ao cuidar da via aérea, a<br />

cabeça e o pescoço devem ser mantidos alinhados em posição<br />

neutra, se houver indicação, pelo mecanismo de trauma. Todos<br />

os socorristas devem ser capazes de realizar as "manobras bási¬<br />

cas" de abordagem da via aérea com facilidade: desobstrução<br />

manual, técnicas manuais de abertura (tração da mandíbula no<br />

trauma e elevação do mento no trauma), aspiração e utilização<br />

da via aérea orolaríngea e nasofaríngea.<br />

Por muitosanos,a intubação traqueal (IT) tem sido o "padrãoouro"<br />

para controle da via aérea no traumatizado grave, no préhospitalar.<br />

Essa recomendação, baseada nos padrões ATLS, tem<br />

se tornado cada vez mais controversa, conforme foram surgindo<br />

mais dados acerca do manejo pré-hospitalar da via aérea (Cap.<br />

7). Como anteriormente discutido, as questões relacionadas à IT<br />

no pré-hospitalar incluem: intubação errada não reconhecida,<br />

número insuficiente de intubações para que os socorristas se<br />

mantenham treinados para fazer o procedimento coin profici¬<br />

ência e resultados conflitantes sobre a evolução dos doentes que<br />

foram inlubados.<br />

Embora a intubação no local pareça fazer sentido, não exis¬<br />

tem evidências conclusivas de que a intubação leve à diminui¬<br />

ção das taxas de morbidade ou mortalidade no traumatizado.<br />

A necessidade do uso de técnicas avançadas de via aérea deve<br />

ser considerada junto com diversos fatores, incluindo o treina¬<br />

mento e a habilidade dos socorristas e a distância do hospital<br />

de destino. Em algumas circunstâncias, como a proximidade<br />

de um hospital de destino apropriado, a decisão maisprudente<br />

godé ser focar nas técnicas essenciais de tratamento da via<br />

aérea e transportar rapidamente o doente para esse hospital.<br />

6. Providenciar Suporte Ventilatório e<br />

Oferecer Oxigénio para Manter Sa02<br />

Superior a 95%.<br />

A avaliação e o tratamento da ventilação é outro aspecto fun¬<br />

damental do atendimento ao traumatizado grave. A frequência<br />

ventilatória normal do adulto é 12 a 20 incursões por minuto.<br />

Frequências mais baixas muitas vezes interferem significativa¬<br />

mente na capacidade de oxigenar as hemácias que passam pelos<br />

capilares pulmonares e de remover o C02 produzido pelos teci¬<br />

dos. Os doentes com bradipneia precisam de suporte ventilató¬<br />

rio, assistido ou total, com ambu e máscara conectado a fonte de<br />

oxigénio (Fi02 > 0,85). Nos doentes taquipneicos (frequência em<br />

adultos > 20 ventilações por minuto), deve ser estimada a ventilação-minuto<br />

(volume corrente multiplicado pela frequência venti¬<br />

latória). No doente com redução significativa do volume-minuto<br />

(ventilações rápidas e superficiais), as ventilações devem ser<br />

assistidas com ambu e máscara conectado a fonte de oxigénio<br />

(Fi02 > 0,85). Se disponível, o monitoramento do C02 expirado<br />

(ETC02) pode ser útil para garantir que o suporte ventilatório<br />

esteja adequado. Uma queda súbita no ETC02 pode indicai- que<br />

o tubo traqueal se deslocou ou ocorreu redução abrupta na per¬<br />

fusão (hipotensão grave ou parada cardiorrespiratória).<br />

Deve ser oferecido oxigénio suplementar a todo trauma¬<br />

tizado com suspeita ou evidência de problemas com risco de<br />

vida. Se disponível, a oximetria de pulso pode ser usada para<br />

monitorar a oxigenação e manter a saturação de hemoglobina<br />

(Sa02) superior a 95% (ao nível do mar). Em caso de dúvida<br />

quanto à precisão da leitura do oxímetro de pulso, ou se ele não<br />

estiver disponível, pode ser administrado oxigénio por máscara<br />

unidirecional aos doentes em respiração espontânea ou por<br />

ambu e máscara conectado a fonte de oxigénio (Fi02 > 0,85) aos<br />

que precisarem de suporte ventilatório assistido ou total.


426 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

7. Controlar Toda Hemorragia Externa<br />

Significativa.<br />

No traumatizado, toda hemorragia externa significativa requer<br />

atenção imediata. Como não se tem acesso à administração de<br />

sangue no pré-hospitalar, o controle da hemorragia torna-se<br />

uma grande preocupação para os socorristas, no intuito de man¬<br />

ter um número suficiente de hemácias circulantes; cada hemácia<br />

é importante. Lesões de extremidades e ferimentos do couro<br />

cabeludo, como lacerações e avulsões parciais, podem levar a<br />

perdas de sangue com risco de vida.<br />

A maioria das hemorragias externas é prontamente contro¬<br />

lada pela aplicação de pressão direta no ponto de sangramento<br />

ou, se os recursos forem limitados, por meio de curativo com¬<br />

pressivo feito com gazes e atadura elástica. Se a pressão direta<br />

ou um curativo compressivo não controlarem a hemorragia<br />

externa de uma extremidade, o socorrista pode considerar o uso<br />

de torniquete. Embora ensinada durante muitos anos nos cursos<br />

de primeiros socorros e de atendimento básico de emergências,<br />

a evidência mostra que a elevação de um membro ou a aplica¬<br />

ção de pressão sobre um ponto de pressão acrescenta pouco à<br />

compressão direta ou ao curativo compressivo.'1 Os torniquetes<br />

são usados rotineiramente em procedimentos cirúrgicos, com<br />

excelente registro de segurança, podendo salvar a vida no préhospitalar.<br />

Quando se depara com um doente que apresenta<br />

hemorragia externa de difícil controle e não é acessível à apli¬<br />

cação de torniquete, o socorrista pode considerar a aplicação de<br />

um agente hemostático tópico.<br />

Diante de um doente com choque evidente decorrente de<br />

hemorragia externa, as medidas de reanimação (como a admi¬<br />

nistração cle líquidos intravenosos) devem ser evitadas antes<br />

do controle adequado do sangramento. Na presença de sangra¬<br />

mento externo ativo, as tentativas de reanimação nunca terão<br />

sucesso.<br />

O controle da hemorragia externa e o reconhecimento da<br />

suspeita de hemorragia interna, associados ao transporte ime¬<br />

diato para o hospital apropriado mais próximo, representam<br />

oportunidades em que os socorristas podem ter impacto signifi¬<br />

cativo e salvar muitas vidas.<br />

8. Tomar as Medidas Iniciais para<br />

Tratamento do Choque, Incluindo a<br />

Imobilização Adequada das Lesões<br />

Musculoesqueléticas e a Restauração e<br />

Manutenção da Temperatura Normal do<br />

Organismo.<br />

Ao final da avaliação primária, o doente deve ser exposto no<br />

intuito de procurar rapidamente outras lesões com risco de vida.<br />

Uma vez isso concluído, o doente deve ser novamente coberto,<br />

porque a hipotermia pode ser fatal para o traumatizado grave. O<br />

doente em choque já está comprometido por redução acentuada<br />

da produção de energia resultante da perfusão tecidual inade¬<br />

quada. Podeocorrer hipotermia grave, se a temperatura do corpo<br />

do doente não for mantida. A hipotermia compromete muito<br />

o funcionamento do sistema de coagulação. O sangue coagula<br />

como resultado de uma complexa série de reações enzimáticas<br />

que levam à formação de uma matriz de fibrina que aprisiona<br />

as hemácias e interrompe o sangramento. Essas enzimas só fun¬<br />

cionam em uma faixa de temperatura muito estreita. A queda<br />

da temperatura corporal abaixo de 35°C pode contribuir signifi¬<br />

cativamente para o desenvolvimento de coagulopatia (redução<br />

da capacidade de formação de coágulo). Assim, é importante<br />

manter e restaurar a temperatura corporal usando cobertores e<br />

mantendo aquecido o ambiente dentro da ambulância.<br />

Quando ocorre fralura de ossos longos, os músculos e o<br />

tecido conjuntivo ao redor geralmente também são lesionados.<br />

Essa lesão tecidual, junto com o sangramento do osso quebrado,<br />

pode provocar hemorragia interna significativa. Essa perda san¬<br />

guínea pode variar de 500 ml na fratura de úmero até um a dois<br />

litros na fratura de um único fémur. A manipulação grosseira de<br />

uma extremidade fraturada pode piorar a lesão tecidual e agra¬<br />

var o sangramento. A imobilização auxilia na redução da perda<br />

sanguínea adicional para os tecidos vizinhos, ajudando, assim,<br />

a poupar hemácias circulantes, para o transporte de oxigénio.<br />

Por essa razão, e também para tratar a dor, é que as fraturas de<br />

extremidades devem ser imobilizadas.<br />

No traumatizado grave, não há tempo para a imobilização<br />

individual de cada fratura. Em vez disso, a imobilização do<br />

doente em prancha longa imobiliza virtualmente todas as fratu¬<br />

ras em posição anatómica e reduz a hemorragia interna. A única<br />

exceção possível para isso é a fratura da diálise do fémur. Em<br />

razão do espasmo da forte musculatura da coxa, os músculos se<br />

contraem, causando o deslocamento de uma extremidade óssea<br />

sobre a outra e lesionando, assim, mais tecido. O melhor trata¬<br />

mento para esse tipo de fratura é o uso do tracionador de fémur,<br />

se houver tempo para a sua aplicação durunle o transporte. Na<br />

maioria das vezes, se a avaliação primária mostrar que não há<br />

lesões com risco de vida, cada extremidade com suspeita cie<br />

fratura pode ser imobilizada de forma apropriada. A calça pneu¬<br />

mática antichoque (PASG), se disponível, pode ser usada para<br />

estabilizar e comprimir uma fratura de bacia suspeita, se houver<br />

choque descompensado.<br />

9. Manter a Estabilização Manual da Coluna<br />

até que o Doente Esteja Imobilizado em<br />

Prancha Longa.<br />

Desde o início do conlalo com o traumatizado, deve ser feita a<br />

estabilização manual da coluna cervical, que deve ser mantida<br />

até que (a) o doente esteja imobilizado em prancha longa ou<br />

(b) se determine que não haja indicação para imobilização de<br />

coluna (Fig. 17-5). A imobilização adequada de coluna implica<br />

a imobilização desde a cabeça até a pelve. A imobilização não<br />

deve impedir o doente de abrir a boca nem comprometer a<br />

ventilação.<br />

Nos ferimentos penetrantes, só se faz a imobilização de<br />

coluna se o doente tiver queixa neurológica relacionada à coluna<br />

ou se for observado déficit motor ou sensitivo no exame físico.


CAPÍTULO 17 Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado 427<br />

CENTER<br />

FIGURA 17-5 Manter a imobilização manual da coluna até que<br />

o doente esteja imobilizado em prancha longa.<br />

FIGURA 17-6 Quando se tratar de traumatizados graves,<br />

iniciar o transporte para o hospital apropriado mais próximo<br />

dentro de 10 minutos após a chegada ao local.<br />

No trauma fechado, a imobilização de coluna é indicada se o<br />

doente tiver alteração do nível de consciência (escore < 15 na<br />

escala de coma de Glasgow), queixa neurológica, dor à palpação<br />

da coluna, deformidade anatómica ou déficit motor ou sensitivo<br />

no exame físico. Se o mecanismo de trauma for preocupante, a<br />

imobilização também está indicada se o'doente tiver evidências<br />

de intoxicação por álcool ou outras drogas ou lesão grave que<br />

desvie a atenção, ou se for incapaz de se comunicar por causa<br />

da idade ou por barreira de linguagem.<br />

10. Quando se Tratar de Traumatizados<br />

Graves, Iniciar o Transporte para o Hospital<br />

Apropriado mais Próximo dentro de 10<br />

Minutos após a Chegada ao Local.<br />

Numerosos estudos têm demonstrado que o retardo no trans¬<br />

porte do traumatizado para o hospital apropriado aumenta a<br />

mortalidade (Fig. 17-6). Embora os socorristas tenham se tor¬<br />

nado hábeis e eficientes na intubação traqueal, no suporte ventilatório<br />

e na administração de líquidos intravenosos, muitos<br />

traumatizados graves têm choque hemorrágico e necessitam de<br />

duas coisas que não podem ser oferecidas no pré-hospitalar: san¬<br />

gue e controle da hemorragia interna. Por ser o sangue humano<br />

um produto perecível, raramente pode ser administrado no préhospitalar.<br />

As soluções cristalóides restauram temporariamente<br />

o volume intravascular, mas não restabelecem a capacidade de<br />

transportar oxigénio das hemácias perdidas. Apesar de alguns<br />

substitutos do sangue terem mostrado resultados promissores<br />

em ensaios clínicos iniciais, não existe nenhum próximo de ser<br />

aprovado para uso pré-hospitalar. Da mesma forma, o controle<br />

da hemorragia interna quase sempre requer intervenção cirúr¬<br />

gica de emergência, que deve ser feita, de preferência, em centro<br />

cirúrgico. Não se consegue reanimar adequadamente um doente<br />

na vigência de sangramento interno ativo. Por isso, o objetivo<br />

do socorrista deve ser gastar o menor tempo possível no local.<br />

A preocupação em gastar o menor tempo possível no local<br />

não deve ser confundida com a mentalidade do "carregar e cor¬<br />

rer", segundo a qual não se tenta tratar sequer os problemas<br />

principais antes de iniciar o transporte. Em vez disso, o PITTLS<br />

defende uma filosofia de "intervenção limitada no local", com<br />

foco na avaliação rápida para identificar as lesões com risco<br />

de vida e na execução de intervenções que possam realmente<br />

melhorar o prognóstico do doente. Exemplos: cuidar da via<br />

aérea e da ventilação, controlar a hemorragia externa e imobi¬<br />

lizar a coluna. Não se deve perder tempo precioso com proce¬<br />

dimentos que podem ser realizados a caminho do hospital. Os<br />

traumatizados graves (Fig. 17-4) devem ser transportados, sem¬<br />

pre que possível, no prazo de 10 minutos após* a chegada dos<br />

socorristas ao local- os "'10 Minutos de Platina" do Período de<br />

Ouro. Exceções aceitáveis são as situações que exigem retirada<br />

prolongada ou o tempo necessário para garantir a segurança de<br />

local de risco, como no caso de ser necessário reforço policial<br />

para garantir que o criminoso não esteja mais no local.<br />

O hospital mais próximo pode não ser o mais apropriado<br />

para muitos dos traumatizados. Os doentes que preenchem deter¬<br />

minados critérios fisiológicos, anatómicos ou de mecanismo de<br />

trauma beneficiam-se de transporte para um centro de trauma -<br />

uma unidade especializada e com recursos especiais para tratar<br />

traumatizados. Idealmente, os doentes que preenchem critérios<br />

fisiológicos, anatómicos ou de mecanismo de trauma e os doen¬<br />

tes em algumas circunstâncias especiais devem ser transporta¬<br />

dos diretamente para um centro de trauma, se houver algum<br />

dentro de uma distância razoável (por exemplo, a 30 minutos de<br />

viagem por terra). Também podem ser usados helicópteros aeromédicos<br />

para transportai' os doentes diretamente para os centros<br />

de trauma, desde que o retardo associado à espera da chegada do<br />

helicóptero não exceda o tempo de transporte por terra para o<br />

hospital mais próximo,quando não houver um centro de trauma<br />

prontamente disponível. Assim, cada comunidade, por meio de<br />

um consenso de cirurgiões, médicos de emergência e socorris¬<br />

tas deve decidir para onde esses doentes traumatizados devem


428 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ser transportados. Essas decisões devem ser incorporadas a pro¬<br />

tocolos que designam o melhor hospital de destino - o hospi¬<br />

tal apropriado mais próximo. Em algumas situações, é melhor<br />

evitar hospitais não especializados e levar o traumatizado para<br />

o centro de trauma. Mesmo que isso signifique um pequeno<br />

aumento no tempo de transporte, o tempo total até o tratamento<br />

definitivo será menor. Idealmente, nos centros urbanos, o trau¬<br />

matizado grave deve chegar a um centro de trauma dentro de 25<br />

a 30 minutos após o trauma. O hospital também deve trabalhar<br />

com a mesma eficiência para continuar a reanimação e, se neces¬<br />

sário, levar o doente rapidamente para o centro cirúrgico a fim<br />

de controlar a hemorragia (tudo dentro do Período de Ouro).<br />

11. A Caminho do Hospital, Iniciar a<br />

Reposição de Volume com Soluções<br />

Aquecidas.<br />

O início do transporte de um doente traumatizado grave nunca<br />

deve ser atrasado para conseguir acesso venoso e repor volume.<br />

Apesar de as soluções de cristalóide realmente restaurarem o<br />

volume sanguíneo perdido e melhorarem a perfusão, elas não<br />

transportam oxigénio. Além disso, a restauração da pressão<br />

arterial normal pode levar a mais sangramento, pela remoção<br />

do coágulo que inicialmente tenha sido formado em vasos<br />

lesionados.<br />

A caminho do hospital, o socorrista pode inserir dois cate¬<br />

teres venosos de grosso calibre e começar a administração de<br />

solução cristalóide aquecida (39°C), de preferência Ringer<br />

lactato. As soluções administradas devem ser aquecidas, para<br />

auxiliar na prevenção de hipotermia. A reanimação volêmica<br />

deve ser individualizada segundo a situação clínica, equili¬<br />

brando a necessidade de perfusão de órgãos vitais com o risco<br />

de ressangramento, quando a pressão arterial aumenta (Algo¬<br />

ritmo para Reanimação Volêmica, p. 208). Nos doentes adultos<br />

com suspeita de hemorragia descontrolada no tórax, abdome<br />

ou retroperitônio, a terapia com líquidos intravenosos deve ser<br />

titulada, de modo a manter a pressão arterial média entre 60<br />

e 65 mmHg (PAS de 80 a 00 mniHg), a não ser em casos de<br />

suspeita de lesão de SNC (lesão cerebral traumática ou medu¬<br />

lar), quando a pressão arterial sistólica deve ser, no mínimo,<br />

90 mmHg. Caso a hemorragia tenha sido controlada (mediante<br />

colocação de torniquete em membro amputado, por exemplo),<br />

adniinistra-se fluido aquecido por via IV, para normalizar os<br />

sinais vitais, a menos que o doente desenvolva evidência de<br />

choque recorrente de classe IIIou IV, situação em que o volume<br />

deve ser titulado para manter a pressão arterial média de 60 a<br />

65 mmHg. Os acessos venosos podem ser obtidos, e a reposição<br />

de volume iniciada, durante a retirada do veículo ou enquanto<br />

se aguarda a chegada do helicóptero aeromédico. Essas situa¬<br />

ções não resultam em atraso no transporte por causa de se ini¬<br />

ciar a reposição volêmica. Os socorristas de nível básico devem<br />

considerar a possibilidade de chamar uma unidade de suporte<br />

avançado (aérea ou terrestre) quando o tempo de transporte for<br />

muito longo.<br />

12. Obter a História Médica do Doente e<br />

Fazer a Avaliação Secundária, Quando<br />

os Problemas com Risco de Vida Tiverem<br />

Sido Tratados de Forma Satisfatória ou<br />

Descartados.<br />

Se a avaliação primária mostrar situações com risco de vida,<br />

devem ser realizadas as intervenções fundamentais e o doente<br />

deve ser preparado para transporte dentro dos 10 Minutos de<br />

Platina. Por outro lado, se não houver lesões com risco de vida,<br />

deve ser feita a avaliação secundária. A avaliação secundária é<br />

um exame físico sistemático, da cabeça aos pés, que serve para<br />

identificar todas as lesões. Nesse momento, também é obtida<br />

uma história SAMPLA (Sintomas, Alergias, Medicações, Pas¬<br />

sado médico, Líquidos e alimentos ingeridos e Ambiente e<br />

eventos que precederam o trauma). Nos traumatizados graves,<br />

a avaliação secundária é feita apenas se o tempo permitir, e<br />

depois de tratar adequadamente as lesões com risco de vida.<br />

Em algumas situações, quando o doente estiver próximo do hos¬<br />

pital apropriado, a avaliação secundária pode nem chegar a ser<br />

concluída. Essa abordagem garante que a atenção dos socorris¬<br />

tas se volte para os problemas mais graves- os que podem levar<br />

à morte se não forem adequadamente tratados - e não paia as<br />

lesões de menor prioridade. O doente deve ser reavaliado com<br />

frequência, porque doentes que não têm lesões com risco de<br />

vida inicialmente podem vir a apresentá-las na evolução.<br />

13. Comunicar, de Modo Meticuloso e<br />

Preciso, as Informações do Doente e das<br />

Circunstâncias do Trauma ao Hospital de<br />

Destino.<br />

A comunicação a respeito do doente traumatizado envolve<br />

três componentes: 1) alerta pré-chegada; 2) relato verbal à che¬<br />

gada; e 3) documentação escrita da ocorrência no formulário<br />

de atendimento do doente (FAD). O atendimento do trauma¬<br />

tizado depende de um trabalho de equipe. O atendimento ao<br />

doente crítico é iniciado pelo socorrista e continua no hospital.<br />

Assim, fornecer as informações do pré-hospitalar ao hospital<br />

de destino permite a notificação e a mobilização dos recursos<br />

hospitalares adequados, garantindo a recepção ideal do doente<br />

na instituição. Então, na chegada ao hospital de destino, ideal¬<br />

mente um centro de trauma, no caso dos doentes mais graves, o<br />

socorrista faz um relato verbal aos profissionais que estão assu¬<br />

mindo o atendimento do doente. Esse relato deve ser sucinto e<br />

preciso, devendo servir para informar a equipe receptora sobre<br />

o estado atual do doente, a cinemática do trauma, os achados da<br />

avaliação, as intervenções realizadas e seus resultados. Já que<br />

puderam conversar com familiares c testemunhas, e dado que<br />

o nível de consciência do doente pode piorar durante o trans¬<br />

porte, os socorristas podem ter informações essenciais da ava¬<br />

liação e do tratamento do doente, que a equipe hospitalar pode<br />

não ser capaz de obter. A comunicação direla do socorrista com


CAPÍTULO 17 Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado 429<br />

o profissional que assumirá o doente no hospital garante a con¬<br />

tinuidade do atendimento.<br />

Após completar o seu trabalho de atendimento do doente, o<br />

socorrista preenche, de modo cuidadoso e preciso, o formulário<br />

de atendimento do doente (FAD). Como as outras fichas médicas,<br />

esse documento funciona como um registro organizado da ocor¬<br />

rência desse doente. O FAD inclui todas as informações impor¬<br />

tantes sobre o doente e seus familiares ou testemunhas, assim<br />

como os achados identificados no exame físico. Além disso, são<br />

listadas as intervenções realizadas, assim como quaisquer alte¬<br />

rações na situação do doente, observadas durante a avaliação<br />

contínua. Embora existam diversas opções de documentação,<br />

esse registro deve "pintar" para o leitor um "quadro" da aparên¬<br />

cia do doente e mostrar a cronologia das intervenções. Os FAD<br />

devem ser precisos, uma vez que são documentos méclico-legais<br />

e contêm informações cruciais, que são incluídas nos registros<br />

de trauma do hospital e podem ser utilizadas em pesquisas.<br />

14. Acima de Tudo, Não Causar mais Dano.<br />

0 princípio médico que diz "Acima de tudo, não causar mais<br />

dano" vem desde os remotos tempos do médico grego Hipócra¬<br />

tes. Aplicado ao atendimento pré-hospitalar do traumatizado,<br />

esse princípio pode tomar muitas formas: o desenvolvimento<br />

de uma estratégia alternativa para abordagem da via aérea antes<br />

de fazer a inlubação de sequência rápida, a proteção do doente<br />

contra estilhaços durante a retirada de veículos danificados ou<br />

o controle de hemorragia externa significativa antes de iniciar<br />

a reposição volêmica. A experiência recente tem demonstrado<br />

que os socorristas podem realizar de maneira segura muitos dos<br />

procedimentos que são feitos no centro de trauma. Contudo, no<br />

atendimento pré-hospitalar, a questão não é "O que o socorrista<br />

pode fazer pelo traumatizado grave?", mas sim "O que o socor¬<br />

rista deve fazer pelo traumatizado grave?".<br />

Ao cuidar de um traumatizado grave, o socorrista deve perguntar-se<br />

se as suas intervenções no local e durante o transporte<br />

irão beneficiar o doente. Se a resposta a essa pergunta for "não"<br />

ou "talvez", essas intervenções não devem ser feitas, e a ênfase<br />

deve ser em levar o doente para o hospital apropriado mais pró¬<br />

ximo. As intervenções devem ser limitadas às que forem fun¬<br />

damentais para evitar ou corrigir a piora fisiológica. Para que o<br />

doente sobreviva, o atendimento ao traumatizado deve seguir<br />

uma ordem de prioridades que determinam um plano de ação<br />

eficiente e efetivo. Esse plano deve ser baseado nos limites de<br />

tempo disponível e na presença de riscos no local (Fig. 17-7).<br />

Dove haver integração e coordenação entre o pré-hospitalar, o<br />

pronto-socorro e o centro cirúrgico, no que se refere às interven¬<br />

ções apropriadas e à estabilização do doente. Todo profissional,<br />

em qualquer nível de atendimento e em qualquer estágio do tra¬<br />

tamento, deve estai- em harmonia com o restante da equipe.<br />

Outro componente importante do princípio "acima de tudo,<br />

não causar mais dano" refere-se ao "segundo trauma". Sabe-se<br />

que a lesão ocorre não somente pelo evento traumático inicial,<br />

mas também em decorrência das consequências fisiológicas<br />

resultantes do trauma direto. Especificamente, a hipoxia, a<br />

hipotensão e a hipotermia causam mais lesão, que é adicionada<br />

ã lesão primária. Deixar de reconhecer a presença destes proble¬<br />

mas, permitindo sua evolução durante o decurso do tratamento,<br />

ou deixar de corrigi-los a tempo, oferece uma oportunidade<br />

Evento traumático<br />

Avaliação da cena<br />

Avaliação Primária<br />

• Via aérea/estabilização da coluna<br />

• Ventilação<br />

• Circulação<br />

• Estado neurológico<br />

• Exposição/ambiente<br />

•Tratar conforme a necessidade<br />

Lesões com risco de vida ou em vários sistemas<br />

Iniciar o transporte rápido (hospital<br />

apropriado mais próximo)<br />

Reavaliaçãoavaliação<br />

primária<br />

Avaliação secundária,<br />

se apropriado<br />

Intervenções e avaliação contínua<br />

durante o transporte<br />

FIGURA 17-7<br />

NÃO<br />

_nz_<br />

Avaliação secundária<br />

História SAMPLA<br />

Tratar as lesões,<br />

se for o caso<br />

Reavaliaçãoavaliação<br />

primária<br />

Iniciar o transporte<br />

Algoritmo do atendimento ao trauma.<br />

para o surgimento de mais complicações e para o aumento da<br />

morbidade e da mortalidade.<br />

Ao debater a questão do "não causar mais dano", deve ser<br />

considerado o conceito do dano "financeiro", além do pensa¬<br />

mento comum do dano "físico". Especificamente, os fabricantes<br />

introduzem regularmente novos medicamentos e aparelhos des¬<br />

tinados a substituir ou melhorar as modalidades de tratamento<br />

existentes. É importante considerar inúmeras questões antes de<br />

implementar novos tratamentos, a saber:<br />

Qual é a evidência médica que sustenta a eficácia do novo<br />

tratamento?<br />

h A nova intervenção é tão boa ou melhor do que as<br />

intervenções existentes?<br />

&<br />

SIM<br />

Imobilização da coluna,<br />

se indicada<br />

Qual o custo da nova intervenção, em comparação com a<br />

intervenção existente?<br />

Como regra geral, deve haver evidência médica convincente<br />

que demonstre que uma nova intervenção é pelo menos tão<br />

boa quanto, e preferivelmente melhor, do que os tratamentos


430 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

existentes, antes cie ela ser formalmente aceita e implementada.<br />

Como o custo de uma nova intervenção frequentemente excede<br />

o custo de uma intervenção existente, a ausência de evidência<br />

indicativa da superioridade da nova intervenção leva a custos<br />

adicionais para o doente, resultando em dano "financeiro".<br />

Como discutido no Capítulo 1, os traumatizados graves<br />

que chegam a um centro de trauma podem ler prognóstico pior<br />

quando transportados pelos socorristas do que quando trans¬<br />

portados por veículos particulares. Um fator importante que<br />

provavelmente contribui para esse aumento da mortalidade é a<br />

ação de socorristas bem-intencionados que não compreendem<br />

que o trauma é uma doença cirúrgica; a maior parte dos trauma¬<br />

tizados graves precisa de cirurgia imediata para salvar a vida.<br />

Qualquer coisa que atrase a intervenção cirúrgica leva a mais<br />

sangramento, mais choque e, finalmente, à morte.<br />

É claro que, mesmo com o mais bem planejado e executado<br />

plano de reanimação, nem todas as vítimas de trauma podemser<br />

salvas. Contudo, com o foco de atenção voltado para as causas<br />

de morte precoce por trauma, uma porcentagem muito maior de<br />

doentes pode sobreviver, e a morbidade pode ser mais baixa do<br />

que sem o benefício da abordagem correta e imediata no préhospitalar.<br />

Foi demonstrado que a aplicação dos princípios<br />

fundamentais do PHTLS - avaliação rápida, intervenções<br />

fundamentais no local e transporte rápido para o hospital<br />

apropriado mais próximo- melhora o prognóstico dos doen¬<br />

tes traumatizados graves.<br />

RESUMO<br />

Princípios de Ouro do Atendimento Pré-hospitalar ao<br />

Traumatizado:<br />

1. Garantir a segurança dos socorristas e do doente.<br />

2. Avaliar a situação para determinar a necessidade de soli¬<br />

citar outros recursos.<br />

3. Reconhecer a biomecânica envolvida nas lesões.<br />

4. Reconhecer as lesões com risco de vida já na avaliação<br />

primária.<br />

5. Cuidai- da via aérea mantendo coluna cervical estabilizada.<br />

6. Providenciar suporte ventilatório e oferecer oxigénio<br />

para manter Sa02 superior a 95%.<br />

7. Controlar toda hemorragia externa significativa.<br />

8. Tomar as medidas iniciais para tratamento do choque,<br />

incluindo a imobilização adequada das lesões musculoesqueléticas<br />

e restauração e manutenção da temperatura<br />

normal do organismo.<br />

9. Manter a estabilização manual da coluna até que o<br />

doente esteja imobilizado em prancha longa.<br />

10. Quando se tratai- de traumatizados graves, iniciar o trans¬<br />

porte para o hospital apropriado mais próximo dentro de<br />

10 minutos após a chegada ao local.<br />

11. A caminho do hospital, iniciar a reposição de volume<br />

com soluções aquecidas.<br />

12. Obter a história médica do doente eÿfazer a avaliação<br />

secundária, quando os problemas com risco de vida tive¬<br />

rem sido tratados de forma satisfatória ou descartados.<br />

13. Comunicar, de modo meticuloso e preciso, as informa¬<br />

ções do doente e das circunstâncias do trauma ao hospi¬<br />

tal de destino.<br />

14. Acima de tudo, não causar mais dano.<br />

Referências<br />

i.<br />

2.<br />

Lerner EB, Moscati RM. The Golden Hour: Scientific fact<br />

medical "urban legend?" Acad Emerg Med8:758, 2001.<br />

Tsybuliak GN, Pavlenko EP. Cause of death in the early<br />

post-lraumatic period. Vestn Khir Im 11Grek 114(5):75,<br />

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2005 InternationalConsensus on Cardiopulmonary Resus¬<br />

citation (cpr) and Emergency Cardiovascular Care (ecc)<br />

Science with Treatment Recommendations, part 10. First<br />

Aid. Circulation 112(supplI):lll-115,2005.


DIVISÃO CINCO<br />

Vítimas em Massa e Terrorismo<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

•/ Descrever os componentes do ciclo do desastre.<br />

•/ Discutir as armadilhas mais comuns na resposta a desastres.<br />

/ Compreender e discutir os componentes da resposta médica a um desastre.<br />

Entender como a resposta a um desastre pode afetar o bem-estar psicológico<br />

dos socorristas.


432 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

ÿTv?rmrnmrmiiiUr<br />

Você é enviado para o local de uma explosão em um edifício de apartamentos. A central relata que a companhia de gás<br />

foi chamada devido ao odor de gás vazando em um apartamento, mas a explosão ocorreu antes que alguém chegasse. A<br />

força da explosão foi enorme. Ela danificou muito o edifício e deixou uma enorme cratera em um dos lados, com colapso<br />

parcial do prédio. A explosão foi sentida por diversos quarteirões ao redor.<br />

Quais os problemas de segurança encontrados pelos primeiros socorristas? Que sistema de triagem deve ser utilizado?<br />

Quem deve ser escolhido como comandante do incidente? Qual nível de proteção individual deve ser utilizado pelos<br />

primeiros socorristas? Quais devem ser as principais características do local para atendimento das vítimas?<br />

Diferentemente<br />

do<br />

recuperação, a resposta a um desastre e a recuperação<br />

doente traumatizado, que tem um<br />

período de tempo finito de apresentação, tratamento e<br />

são demoradas, envolvem múltiplas instituições e incluem<br />

não apenas questões médicas e psicossociais, mas também a<br />

reconstrução da saúde pública, da segurança física e dos recur¬<br />

sos e da infraestrutura da sociedade.<br />

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu desastre<br />

como um fenómeno ecológico súbito de magnitude suficiente<br />

para exigir auxílio externo. Essa definição ampla não fornece<br />

referências específicas para a resposta médica, mas inclui a res¬<br />

posta global da comunidade e a resposta sociopolítica a qual¬<br />

quer desastre de magnitude significativa.<br />

Em uma perspectiva médica, a definição pode ser mais diri¬<br />

gida. Fala-se em desastre quando o número de doentes que<br />

requerem assistência médica dentro de um dado período de<br />

tempo é tão grande que os profissionais dos serviços médicos<br />

não conseguem cuidar deles com os recursos habitualmente<br />

disponíveis e necessitam de mais auxílio, às vezes externo.1<br />

Essa situação é comumente denominada "evento com vítimas<br />

em massa", referido pelo acrónimo EVM (em inglês, MCI, de<br />

"mass-casualty incident"). O acrónimo "MCI", em inglês, é tam¬<br />

bém usado em referência a "incidente com múltiplas vítimas"<br />

(IMV) ("multiple-casualty incident", em inglês), que são even¬<br />

tos que envolvem mais do que uma vítima, mas que podem ser<br />

resolvidos com os recursos habitualmente disponíveis. Neste<br />

texto, EVM será usado em referência a incidentes com vítimas<br />

em massa, que exigem mais recursos do que os disponíveis.<br />

Resumindo, essas definições identificam dois conceiloschave:<br />

(1) um desastre é independente de um número especí¬<br />

fico de vítimas; e (2) o impacto excede os recursos disponíveis<br />

para a resposta médica. Dito de uma forma simples, todos os<br />

eventos com vítimas em massa são desastres, mas nem lodos os<br />

desastres são eventos com vítimas em massa. Frequentemente,<br />

considera-se que os desastres não obedecem a regras, porque<br />

ninguém pode prever o momento, o local nem a complexidade<br />

do próximo desastre. Tradicionalmente, os profissionais da<br />

área médica acreditam que lodos os desastres são diferentes,<br />

especialmente os que envolvem terrorismo. Entretanto, todos<br />

os desastres, qualquer que seja a sua causa, têm consequências<br />

médicas e de saúde pública semelhantes. Os desastres diferem<br />

quanto ao grau dessas consequências e ao grau de destruição<br />

que causam na infraestrutura médica e de saúde pública.<br />

O princípio-chave da resposta médica a um desastre é fazer<br />

o melhor para o maior número de doentes com os recursos dis¬<br />

poníveis, ao passo que o objetivo do atendimento médico "con¬<br />

vencional", quando não ocorrem desastres, é fazer o melhor<br />

para o doente individual.<br />

Os desastres podem ser naturais, causados pelo homem ou<br />

decorrentes de terrorismo. As armas de destruição em massa<br />

(ADM), que causam um número enorme de vítimas e "ambien¬<br />

tes contaminados", podem representar o maior de todos os<br />

desafios (Capítulo 19).<br />

Uma abordagem consistente dos desastres, baseada na com¬<br />

preensão das suas características comuns e na resposta especia¬<br />

lizada necessária para lidar com o incidente, está se tornando a<br />

prática aceita em todo o mundo. Essa estratégia forma a estru¬<br />

tura para a resposta a evento com vítimas em massa (EVM). 0<br />

principal objetivo da resposta a um EVM é reduzir a morbidade<br />

(lesão, doença) e a mortalidade (morte) causadas pelo desastre.<br />

E necessário que todos os profissionais da área médica incor¬<br />

porem na sua formação os princípios-chave da resposta a EVM,<br />

dada a complexidade dos desastres aluais (Fig. 18-1).<br />

Ciclo do Desastre<br />

Noji e colaboradores1 definiram uma estrutura teórica segundo<br />

a qual a sequência de eventos de um desastre pode ser decom¬<br />

posta e analisada. Esta descrição conceituai não somente pro¬<br />

porciona uma visão geral da história natural de um evento, mas<br />

também fornece as bases para o desenvolvimento do processo<br />

de resposta.2,3 Foram identificadas cinco fases, a saber:<br />

1. O nível de quiescência, ou o período entre os desastres,<br />

representa o tempo durante o qual devem ser feitas as atividades<br />

de avaliação do risco e de mitigação e devem ser<br />

desenvolvidos, testados e implementados os planos para a<br />

resposta aos eventos prováveis.<br />

2. A fase seguinte é a fase de pródromo, ou de alerta. A esta<br />

altura, foi identificado que um evento específico irá ocorrer


CAPÍTULO 18 Atendimento a Desastres 433<br />

Recuperação<br />

Mitigação<br />

(Redução de risco,<br />

prevenção)<br />

Preparação<br />

FIGURA 18-1 Atendimento a vítimas em massa no Ponto<br />

Zero, World Trade Center, Nova York, 2001.<br />

inevitavelmente. Pode tratar-se de uma condição meteoro¬<br />

lógica natural (p. ex., a aproximação iminente de um.fura¬<br />

cão) ou do desdobramento ativo de uma situação hostil e<br />

potencialmente violenta. Durante esse período, podem ser<br />

tomadas medidas específicas para atenuar os efeitos dos<br />

eventos que se seguirão. Essas manobras defensivas podem<br />

incluir ações como reforçar estruturas físicas, iniciar planos<br />

de evacuação e mobilizar recursos de saúde pública para<br />

montar a resposta pós-evento.<br />

3. A terceira fase é a fase de impacto, ou a ocorrência do<br />

evento propriamente dito. Nesse período, muitas vezes<br />

há pouco que possa ser feito para alterai' o impacto<br />

real ou o resultado do que está ocorrendo.<br />

4. A quarta fase é a fase de salvamento, que é o período de<br />

tempo imediatamente depois do impacto, durante o qual<br />

ocorre a resposta e no qual a açâo e as intervenções apro¬<br />

priadas podem salvar vidas. A competência dos primeiros<br />

socorristas, das equipes de resgate e dos serviços médicos é<br />

posta em ação para maximizar a sobrevida das vítimas do<br />

evento.<br />

5. A quinta fase é a fase de recuperação, ou de reconstru¬<br />

ção, que recorre aos recursos da comunidade para resis¬<br />

tir e superar os efeitos do desastre, por meio dos esforços<br />

coordenados da infraestrutura (física e política) médica, de<br />

saúde pública e de toda a comunidade. Esse período é de<br />

longe o mais prolongado, podendo demorar meses, talvez<br />

anos, até que a comunidade se recupere plenamente.<br />

A compreensão do ciclo do desastre (Fig. 18-2) permite ao<br />

socorrista avaliar a preparação feita em antecipação aos prová¬<br />

veis riscos e eventos que podem ocorrer em sua comunidade.<br />

Após a ocorrência de um incidente, a compreensão do ciclo do<br />

desastre permite fazer uma avaliação crítica do relatório pósação<br />

e a análise de sua área de responsabilidade e de sua res¬<br />

posta individual, bem como da resposta dos outros, a fim de<br />

determinar a eficiência e a eficácia do processo de resposta e<br />

identificar áreas que precisam ser aperfeiçoadas no futuro. Esses<br />

FIGURA 18-2 Ciclo de um desastre. A fase de quiescência<br />

é representada pelas setas de mitigação, redução de risco<br />

e preparação. A fase de alerta vem imediatamente antes do<br />

impacto do evento. Esta fase é seguida pelos períodos de<br />

resposta e recuperação.<br />

conceitos aplicam-se a lodos os desastres, independentemente<br />

de sua proporção.<br />

A duração de cada componente do ciclo de vida do desastre<br />

varia de acordo com a frequência de ocorrência de incidentes em<br />

uma dada comunidade, a nalureza do incidente e o grau de pre¬<br />

paro da comunidade. O período quiescente, por exemplo, pode<br />

ser extremamente longo (medido em anos) em alguns locais e ser<br />

medido em meses em outras comunidades. Um exemplo espe¬<br />

cífico é o caso dos furacões. Os estados do sudeste dos Estados<br />

Unidos preparam-se todos os anos para os furacões, com um<br />

período quiescente entre os eventos de aproximadamente 6 a<br />

8 meses. Por outro lado, embora os estados da Nova Inglaterra<br />

já tenham lido furacões, estes são eventos raros, com períodos<br />

quiescentes de anos. As fases de resposta e recuperação de algo<br />

como a explosão de uma refinaria são medidas em horas ou no<br />

máximo em poucos dias. A resposta e a recuperação de uma<br />

grande enchente podem levar semanas a meses ou mais.<br />

Atendimento Abrangente a Emergências<br />

O conhecimento do ciclo de vida ou história natural dos desas¬<br />

tres pode ser usado para implementar as etapas necessárias<br />

para o atendimento de um incidente. Isto é conseguido por<br />

meio de um processo denominado "atendimento abrangente a<br />

emergências". O atendimento abrangente a emergências é com¬<br />

posto por quatro componentes: mitigação, preparação, resposta<br />

e recuperação.<br />

Mitigação: esse componente do atendimento a emergências<br />

geralmente ocorre durante a fase de "quiescência". Possí¬<br />

veis riscos ou prováveis etiologias de eventos com vítimas<br />

em massa são identificados e avaliados. São tomadas medi¬<br />

das, então, para impedir que esses riscos provoquem um<br />

incidente ou minimizar o seu efeito, em caso de ocorrência<br />

de algo desfavorável.<br />

Preparação: essa etapa do atendimento abrangente a emergên¬<br />

cias envolve a identificação, antes da ocorrência do inci-


434 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

dente, dos suprimentos e equipamentos específicos e dos<br />

profissionais que poderão ser necessários, assim como do<br />

plano específico de ação que deve ser executado se ocorrer<br />

um incidente.<br />

Resposta: essa fase envolve a ativação e a disposição dos diver¬<br />

sos recursos identificados na fase de preparação, com o<br />

objetivo de enfrentar o incidente que agora ocorreu.<br />

Recuperação: esse componente do atendimento a emergências<br />

trata das ações necessárias para fazer a comunidade retornar<br />

a seu estado pré-incidente.<br />

Enquanto esse processo é caracteristicamente aplicado para<br />

o atendimento a um desastre, essas mesmas etapas também<br />

podem ser utilizadas no preparo de cada socorrista para enfren¬<br />

tar emergências.<br />

Preparo Pessoal do Socorrista<br />

Assim como é vital que cada comunidade e cada instituição<br />

estabeleçam um processo abrangente de planejamento para<br />

estarem preparadas para responder aos desafios de lidar com<br />

um desastre, também é importante que cada socorrista esteja<br />

pronto para enfrentar os numerosos problemas que um desastre<br />

pode apresentar.<br />

O socorrista deve ter um entendimento completo dos vários<br />

possíveis riscos envolvidos na resposta a desastres, antes da<br />

ocorrência do incidente real, e estar preparado para tomar as<br />

medidas necessárias para se proteger desses perigos. Falhas<br />

no conhecimento de questões como o colapso de um edifício,<br />

os materiais e as situações perigosas, as armas de destruição<br />

em massa e seus efeitos e tratamento e como lidar globalmente<br />

com o incidente devem ser identificadas com antecedência e<br />

resolvidas.<br />

Muitos desastres arrastam-.se por um longo período de<br />

tempo, e o socorrista deve ler discutido o seu papel, as suas<br />

responsabilidades e a sua ausência possivelmente prolongada<br />

de sua família. Isso inclui o preparo prévio da família, sobre o<br />

que devem fazer e para onde devem ir durante tal evento, para<br />

garantir também a sua segurança. De maneira similar à busca de<br />

suprimentos e equipamentos que é feita para a resposta médica,<br />

o socorrista deve certificar-se de que haja disponibilidade ade¬<br />

quada de suprimentos em sua casa, para atender às necessida¬<br />

des de sua família (Figs. 18-3, 18-4 e 18-5).<br />

Todas essas ações ajudam a tranquilizar o socorrista de que<br />

sua família está lidando, de modo seguro, com as suas necessi¬<br />

dades durante o incidente, trazem conforto para a família, que<br />

sabe que o socorrista está o mais preparado possível para exercer<br />

seu papel na resposta ao desastre, e permitem que ele continue<br />

a atender as pessoas que necessitam de assistência médica.<br />

Atendimento a Evento com<br />

Vítimas em Massa<br />

Os eventos com vítimas em massa (EVM) são aqueles que cau¬<br />

sam vítimas em número suficientemente grande para superar os<br />

recursos dos serviços médicos e de saúde pública disponíveis<br />

da comunidade afetada. A gravidade e a diversidade das lesões<br />

e das doenças, além do número de vítimas, são fatores funda¬<br />

mentais para determinar se um EVM vai precisar de recursos e<br />

auxílio de fora da comunidade atingida.<br />

A complexidade dos desastres aluais, especialmente os que<br />

envolvem terrorismo e armas de destruição em massa (químicas,<br />

biológicas ou nucleares), pode resultar em um ambiente de con¬<br />

dições precárias. Um ambiente cie condições precárias é uma<br />

situação na qual recursos, suprimentos, equipamentos, pessoal,<br />

transportes e outros aspectos das condições físicas, políticas,<br />

sociais e económicas são limitados. Como resultado dessas<br />

limitações, há graves restrições à disponibilidade e adequação<br />

da assistência imediata para a população que dela necessita. Os<br />

socorristas devem reconhecer de antemão o falo de que, em tais<br />

situações, o nível de atendimento prestado aos doentes e feri¬<br />

dos é diferente, e que as intervenções normalmente oferecidas<br />

a todos os doentes só podem ser direcionadas aos indivíduos<br />

que atendem critérios específicos e que provavelmente vão<br />

sobreviver.'1<br />

Os aspectos médicos relacionados com os EVM incluem os<br />

quatro elementos a seguir:<br />

h Busca e salvamento — envolve o processo de procurar<br />

sistematicamente os indivíduos que lenham sido atingidos<br />

por um evento e resgatá-los da situação perigosa. Isso<br />

geralmente requer o uso de equipes especialmente<br />

treinadas, principalmente quando estão envolvidas<br />

questões de extricação.<br />

53 Triagem e estabilização inicial — é o processo de avaliar<br />

sistematicamente e classificar cada vítima de acordo com<br />

a gravidade de sua lesão ou doença e prestar atendimento<br />

médico inicial para tratar problemas com risco imediato de<br />

vida ou de perda de membro.<br />

b Atendimento médico definitivo — é o atendimento<br />

específico necessário para tratar as lesões específicas<br />

do doente. Esse atendimento é prestado geralmente em<br />

hospitais; porém, instituições de atendimento alternativas<br />

podem ser usadas em eventos muito grandes, quando os<br />

hospitais estão sobrecarregados com vítimas ou quando<br />

eles tiverem sido diretamente atingidos e danificados pelo<br />

incidente.<br />

e Evacuação — é o processo de transporte das vítimas<br />

de desastres e dos doentes feridos do locai do desastre,<br />

seja para um local seguro ou para uma instituição de<br />

tratamento definitivo.<br />

Os problemas de saúde pública relacionados com os EVM<br />

incluem:<br />

e<br />

h<br />

h<br />

e<br />

h<br />

ÿ<br />

b<br />

a<br />

Água (garantir suprimento seguro de água potável)<br />

Alimento (idealmente não perecível e que não necessite de<br />

refrigeração nem cozimento)<br />

Abrigo (um local coberto, para proteção e refúgio)<br />

Higiene (proteção contra o contato com fezes humanas e de<br />

animais, dejetos sólidos e esgoto)<br />

Segurança e proteção<br />

Transporte<br />

Comunicação (inclui informação sobre doenças<br />

transmissíveis)<br />

Doenças endémicas e epidêmicas (doenças endémicas são<br />

aquelas que estão sempre presentes em uma dada área


CAPITULO 18 Atendimento a Desastres 435<br />

FIGURA 18-3<br />

Lista de Suprimentos para Emergências<br />

Todos os americanos devem possuir alguns suprimentos básicos<br />

à disposição, para sobreviver por pelo menos três dias em caso<br />

de ocorrência de uma emergência. A lista a seguir mostra alguns<br />

itens básicos que todo kit de suprimentos de emergência deve<br />

incluir. É importante, porém, que os indivíduos revisem esta lista<br />

e considerem o local no qual vivem e as necessidades específicas<br />

de sua família, para criar um /r/í que atenda tais necessidades. Os<br />

indivíduos devem também aventar a possibilidade de possuírem<br />

pelo menos dois kits de emergência, um completo, em casa, e kits<br />

menores, portáteis, no local de trabalho, no carro ou em outros<br />

lugares em que passem tempo significativo.<br />

e Água. Dez litros para cada indivíduo que usaria o kite mais 14<br />

litros por pessoa ou animal de estimação, para uso caso você<br />

fique confinado em sua casa.<br />

b Alimentos. Suprimento suficiente para três dias no kite<br />

suprimentos para pelo menos quatro dias por indivíduo ou<br />

animal de estimação para uso em casa. ( Você pode preferir<br />

estocar suprimentos de alimento e água para duas semanas em<br />

casa. Fig. 18-4).<br />

o Rádio movido a corda ou bateria e um NOAA Weather Radio,<br />

com alerta sonoro e pilhas extras para ambos.<br />

s Lanternas e pilhas extras.<br />

a Kit de primeiros socorros (Fig. 18-5).<br />

a Apito para pedir socorro.<br />

a Máscara contra pó, para auxiliar a filtrar o ar contaminado, e<br />

plásticos e fita adesiva para vedar o local.<br />

n Toalhas umedecidas, sacos de lixo com fecho para higiene<br />

pessoal.<br />

h Chave inglesa ou alicates para manipular equipamentos.<br />

b Abridor de latas (caso haja enlatados entre os suprimentos<br />

alimentícios).<br />

b Mapas locais.<br />

Outros itens a serem considerados em kits de suprimentos de<br />

emergência:<br />

b Artigos para bebés— incluindo alimentos, fraldas, mamadeiras,<br />

chupetas, leite em pó e medicamentos que não requeiram<br />

refrigeração.<br />

e Artigos para idosos, indivíduos com deficiências ou pessoas<br />

com alergias graves — incluindo alimentos especiais, itens<br />

para dentaduras, óculos extras, baterias para aparelhos de<br />

surdez, medicamentos que exigem prescrição e de venda<br />

livre que são regularmente utilizados, inaladores e outros<br />

equipamentos essenciais.<br />

e Medicamentos de prescrição médica.<br />

ÿ Documentos importantes da família, como cópias de apólices<br />

de seguro, documentos de identificação e registros bancários,<br />

cópias de carteira de habilitação, passaportes e crachás do<br />

trabalho em embalagem portátil e à prova d'água.<br />

Q Um conjunto extra de chaves e documentos de identificação —<br />

incluindo chaves de carro e de qualquer propriedade.<br />

ia Dinheiro ou traveler's checks e dinheiro trocado, cópias de<br />

cartões de crédito.<br />

a Material de referência em emergências, como manual de<br />

primeiros socorros ou informações de www.ready.gov.<br />

a Saco de dormir ou cobertor grosso para cada indivíduo. Avente<br />

a possibilidade de adicionar mais roupas de cama, caso viva em<br />

clima frio.<br />

0 Muda completa de roupas, incluindo camisa de manga<br />

comprida, calças compridas e sapatos reforçados. Avente a<br />

possibilidade de adicionar mais roupas caso viva em clima frio.<br />

e Água sanitária de uso doméstico e conta-gotas. Quando diluída<br />

na proporção de nove partes de água para uma parte de água<br />

sanitária, a solução pode ser usada como desinfetante. Em uma<br />

emergência, você pode uiilizá-la para tratar a água, usando<br />

16 gotas da água sanitária de uso doméstico para 4 litros de<br />

água. Não use água sanitária perfumada, nem que contenha<br />

detergente ou seja segura para roupas coloridas.<br />

e Fósforos em embalagem à prova d'água.<br />

s Itens de entretenimento — incluindo jogos e livros, bonecas<br />

favoritas e animais de pelúcia para crianças pequenas.<br />

i Acessórios de cozinha — abridor de latas manual, vasilhas<br />

ou copos, pratos e utensílios descartáveis; faca; açúcar e sal;<br />

papel-alumínio e filme plástico; sacos plásticos de fechamento<br />

hermético,toalhas de papel.<br />

e: Artigos para higiene — xampu, desodorante, pasta de dente,<br />

escova de dentes, pente e escova, protetor labial, protetor<br />

solar, lentes de contato e suprimentos, papel higiénico,toalhas<br />

pequenas, sabão, higienizador de mãos, detergente líquido,<br />

suprimentos femininos, sacos plásticos para lixo (fortes) e<br />

fechos (para higiene pessoal), balde plástico de tamanho médio,<br />

com tampa, desinfetante.<br />

e Outros itens essenciais — papel, lápis, agulhas, barbante,<br />

pequeno extintor tipo ABC.<br />

Ei Mapa da área, marcado com os locais para os quais você pode<br />

ir e seus números de telefone.<br />

e Uma pequena barraca, bússola e pá.<br />

Acondicione os itens em embalagens fáceis de carregar,<br />

identifique-as claramente e armazene-as em locais facilmente<br />

acessíveis. Bolsas de tecido grosso, mochilas e latas de lixo com<br />

tampas podem ser utilizadas. Em uma situação de desastre, você<br />

pode precisar ter acesso rápido a seu kit, seja para se abrigar em<br />

casa ou para ser removido. Após um desastre, seus suprimentos<br />

podem fazer com que você sobreviva ao confinamento doméstico<br />

ou remoção.<br />

Certifique-se de que as necessidades de todos que possam vir<br />

a usar o kitserão supridas, incluindo bebés, idosos e animais de<br />

estimação. É uma boa ideia envolver todos aqueles que poderão<br />

usar o kit, inclusive as crianças, em sua montagem.<br />

Adaptado do FEMA: Ready America (www.ready.gov) e de Centers for Disease Control and Prevention: Emergency Preparedness and Response (www.bt.ctlc.gov/planning/).


436 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 18-4 Kitde Alimentos FIGURA 18-5 Kitde Primeiros Socorros<br />

Armazene alimentos não perecíveis para, pelo menos,<br />

três dias.<br />

Escolha alimentos que não requerem refrigeração ou<br />

preparo e usam pouca ou nenhuma água.<br />

Armazene um abridor de latas manual e utensílios para<br />

alimentação.<br />

Evite alimentos muito salgados, que causam sede.<br />

Escolha alimentos que sua família irá consumir.<br />

® Carnes, frutas e vegetais enlatados, prontos para<br />

consumo<br />

Barras de proteína ou frutas<br />

a Cereal seco ou granola<br />

Manteiga de amendoim<br />

a Frutas secas<br />

e Nozes e sementes<br />

e Biscoitos água e sal<br />

a Sucos em lata<br />

e Leite pasteurizado longa vida<br />

a Alimentos calóricos<br />

ra Vitaminas<br />

Alimentos para bebés<br />

k Alimentos reconfortantes/antiestresse<br />

Adaptado de FEMA: Ready America (www.ready.gov) e de Centers for Disease Control<br />

and Prevention: Emergency Preparedness and Response (www.bt.cdc.gov/planning/).<br />

ou população, mas que geralmente ocorrem com baixa<br />

frequência, enquanto que uma doença epidêmica é aquela<br />

que surge e se dissemina rapidamente na população<br />

suscelível)<br />

As alividades médicas e de saúde pública da resposta a um<br />

desastre são coordenadas por intermédio de uma única estru¬<br />

tura de organização: o sistema de comando do incidente.<br />

Sistema de Comando do Incidente<br />

Muitas organizações diferentes participam da resposta a um<br />

desastre. O sistema de comando do incidente (SCI) foi criado<br />

para possibilitar que diferentes tipos de entidades e múltiplas<br />

jurisdições de entidades semelhantes (bombeiros, polícia,<br />

serviços médicos de emergência |SME]) trabalhem em con¬<br />

junto, de modo eletivo, usando uma estrutura de organiza¬<br />

ção e uma linguagem comum, na resposta a um desastre (Fig.<br />

18-6) (Cap. 4).<br />

O sistema de comando do incidente reconhece que, inde¬<br />

pendentemente da natureza específica do incidente (policial,<br />

incêndio ou médico), há diversas funções que devem sempre<br />

acontecer. O SCI é organizado em torno dessas funções necessá¬<br />

rias. Os componentes do SCI são:<br />

o Comando<br />

s Planejamento<br />

h Logística<br />

s Operações<br />

h Finanças<br />

Em qualquer emergência, você ou um membro de sua família<br />

podem sofrer cortes, queimaduras ou outras lesões.<br />

Coisas que você deve ter:<br />

Dois pares de luvas estéreis de látex ou outro material<br />

(caso você seja alérgico a látex).<br />

Curativos estéreis, para parar sangramento. Agente/<br />

sabão desinfetante e toalhinhas com antibiótico, para<br />

desinfecção.<br />

Pomadas antibióticas, para prevenir infecção.<br />

Pomadas para queimaduras, para prevenir infecção.<br />

Bandagens adesivas de diversos tamanhos.<br />

Colírio para lavagem dos olhos ou para descontaminação<br />

geral.<br />

Termómetro.<br />

Medicamentos de prescrição médica de uso diário, como<br />

insulina, remédios para doenças cardíacas e inaladores<br />

para asma. Você deve fazer rodízio dos medicamentos,<br />

periodicamente, por causa da data de validade.<br />

Suprimentos médicos prescritos, como materiais para<br />

monitorar a glicemia e a pressão arterial.<br />

Coisas que podem ser úteis:<br />

® Telefone celular<br />

ta Tesouras<br />

® Pinças<br />

e Tubo de vaselina ou outro lubrificante<br />

s<br />

ia<br />

a<br />

s<br />

Medicamentos de venda livre:<br />

Aspirina ou outro analgésico<br />

Medicação para diarreia<br />

Antiácido (para dor de estômago)<br />

Laxantes<br />

Adaptado de FEMA: Ready America (www.ready.gov) e de Centers for Disease Control and<br />

Prevention: Emergency Preparedness and Response (www.bt.cdc.gov/planning/).<br />

Essas funções aplicam-se a todos os incidentes e são agora<br />

usadas no contexto médico para organizar a resposta a um<br />

desastre.<br />

De uma perspectiva médica, diversos princípios importan¬<br />

tes do SCI ajudam na resposta a um EVM:<br />

1.<br />

2.<br />

O SCI deve ser instalado precocemente, preferencialmente<br />

logo na chegada ao local, antes que o atendimento ao inci¬<br />

dente escape do controle.<br />

Os profissionais da área médica e de saúde pública, muitas<br />

vezes acostumados a trabalhar de forma independente, pre¬<br />

cisam implementar a estrutura gerencial do SCI e coordenar<br />

os seus recursos, para melhor responder a um EVM.


CAPÍTULO 18 Atendimento a Desastres 437<br />

FIGURA 18-7<br />

As Etapas Básicas da Resposta<br />

Médica a Desastres<br />

FIGURA 18-6 O sistema de comando de incidente (SCI)<br />

possibilita a integração dos recursos de bombeiros, polícia e<br />

serviços médicos no atendimento a um desastre.<br />

O uso do SCI permile a integração da resposta médica den¬<br />

tro da resposta global ao incidente.<br />

Informações detalhadas e treinamento acerca do Sistema de<br />

Comando do Incidente estão disponíveis no site da FEMA, em<br />

http://training.fema.gov/EMIWeb/IS/ICSResource/index.htm.<br />

As etapas básicas da Resposta Médica a Desastres<br />

1) Resposta inicial<br />

2) Notificação e ativação dos SME<br />

3) Resposta dos SME no local<br />

4) Avaliação da situação<br />

a) Causa<br />

b) Número de vítimas<br />

c) Mais recursos<br />

i) Médicos<br />

ii) Outros<br />

d) Comunicação sobre a situação e necessidades<br />

5) Ativação da comunidade médica<br />

a) Notificação dos hospitais de destino<br />

6) Busca e salvamento<br />

7) Triagem (tratar a via aérea e a hemorragia com risco<br />

de vida)<br />

8) Reunir as vítimas<br />

9) Tratamento<br />

10) Transporte<br />

11) Nova triagem<br />

Resposta Médica a<br />

Desastres<br />

A eficácia da resposta a um EVM depende da instituição de uma<br />

série de ações que, quando combinadas, ajudam a minimizar a<br />

mortalidade e a morbidade das vítimas do evento. Embora essas<br />

ações sejam discutidas de modo sequencial neste capítulo, é<br />

importante lembrar que, durante um desastre real, muitas des¬<br />

sas ações ocorrem simultaneamente (Fig. 18-7).<br />

Resposta Inicial<br />

O primeiro passo é a notificação e ativação do sistema de res¬<br />

posta dos SME. Isso geralmente é realizado por testemunhas<br />

do evento, que então ligam para o centro local de despacho de<br />

emergência, solicitando a resposta das entidades apropriadas<br />

de polícia, bombeiros e emergência médica.<br />

Os primeiros socorristas a chegar ao local desempenham<br />

várias funções importantes, que vão criar o palco para toda a<br />

resposta médica ao incidente. Mais importante ainda, essas<br />

ações nc7o incluem achar nem tratar os doentes mais graves,<br />

como seria o caso na maioria das situações que não os EVM. Isso<br />

pode ser parafraseado como: "Não faça simplesmente alguma<br />

coisa, fique lá." Antes de começai- o processo de prestar assistên¬<br />

cia médica, o primeiro pessoal da área médica deve dedicar um<br />

tempo para efetuar uma avaliação global da cena. Os objelivos<br />

dessa avaliação são avaliar quaisquer riscos possíveis, estimar o<br />

número potencial de vítimas, determinar quais outros recursos<br />

médicos serão necessários no local e se será necessário qualquer<br />

equipamento ou pessoal especializado, como equipes de busca e<br />

salvamento.<br />

Uma vez concluída essa avaliação, o passo seguinte é comu¬<br />

nicar a avaliação geral ao centro de despacho, no qual pode<br />

ser realizado o processo de requisição e despacho dos recursos<br />

necessários. Depois disso, o pessoal médico deVe identificar os<br />

locais apropriados para efetuar a triagem, juntar as vítimas e<br />

designar a localização de ambulâncias, do pessoal e dos supri¬<br />

mentos que cheguem, de modo a não impedir a rápida entrada<br />

e saída, quando necessário, nem expor os recursos de resposta a<br />

possíveis riscos associados ao evento.<br />

Além de cuidarem da resposta médica no local do desastre,<br />

é essencial que os SME notifiquem os prováveis hospitais de<br />

destino na comunidade, de modo que eles possam ativar seus<br />

planos de atendimento a desastres, a fim de se prepararem para<br />

receber as vítimas. Os SME devem lembrar-se de que o com¬<br />

ponente de campo da resposta ao desastre é o primeiro elo na<br />

cadeia total de atendimento médico da vítima de desastre e que<br />

eles são responsáveis pela notificação e ativação dos demais<br />

componentes do sistema de saúde.<br />

Busca e Salvamento<br />

A essa altura, pode-se iniciar o processo de atendimento dos<br />

doentes no local. De maneira geral, o processo começa com um<br />

esforço de busca e salvamento, para identificar e evacuar as<br />

vítimas do local atingido para um local mais seguro. A popula¬<br />

ção local próximo da área de desastre, assim como os próprios<br />

sobreviventes, se conseguirem, frequentemente constituem o<br />

recurso imediato de busca e salvamento e podem já ter come¬<br />

çado a procurar as vítimas.3 A experiência demonstrou que a


438 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

comunidade local acorre à área do desastre e começa a ajudar<br />

as vítimas. Além disso, muitos países e comunidades criaram<br />

equipes formais especializadas em busca e salvamento, como<br />

parte integrante dos seus planos de resposta a desastres, nacio¬<br />

nais e locais. Os membros dessas equipes recebem treinamento<br />

especializado em "ambientes de confinamento" e são ativados<br />

conforme necessário para um evento particular. Essas unidades<br />

de busca e salvamento geralmente incluem o seguinte:<br />

a<br />

o<br />

Um grupo de especialistas da área médica<br />

Técnicos especialistas em materiais perigosos, engenharia<br />

de prédios, operação de equipamento pesado e técnicas<br />

de busca e salvamento (p. ex., equipamento de escuta,<br />

cameras remotas)<br />

Cães especializados e seus treinadores<br />

As empresas de construção locais podem fornecer recursos<br />

valiosos do busca e salvamento, disponibilizando equipamen¬<br />

tos. ferramentas e pranchas de madeira, que podem ser usados<br />

no local do desastre para ajudar a remover escombros pesados.<br />

Triagem<br />

À medida que os doentes são identificados e evacuados, são<br />

levados para o local de triagem, em que podem ser avaliados<br />

c receber uma categoria de triagem (Fig. 18-8). O termo "tria¬<br />

gem" vem de uma palavra francesa que significa "classificar".<br />

Do ponto de vista médico, a triagem significa classificar as víti¬<br />

mas com base na gravidade das suas lesões. Serve ainda para<br />

atribuir as prioridades da necessidade de atendimento médico<br />

e de transporte para o hospital.<br />

A triagem é uma das missões mais importantes de qualquer<br />

resposta médica a um desastre. Como dissemos anteriormente,<br />

o objetivo da triagem convencional, fora do contexto de um<br />

desastre, é fazer o melhor para o doente individual. Isso geral¬<br />

mente significa encontrar e tratar o doente mais grave. O obje¬<br />

tivo da triagem em um desastre com vítimas em massa é fazer<br />

o melhor para o maior número de pessoas. A triagem no local<br />

de um desastre com vítimas em massa deve ser supervisionada<br />

por um profissional com treinamento em triagem. Um oficial da<br />

FIGURA 18-8 Triagem e estabilização inicial em instituição<br />

médica improvisada, Furacão Katrina, Louisiana, 2005.<br />

triagem deve ler uma ampla experiência clínica na avaliação e<br />

tratamento de lesões no local, uma vez que pode ser necessá¬<br />

rio tomar decisões difíceis sobre doentes que serão considera¬<br />

dos críticos versus doentes que serão classificados como tendo<br />

lesões fatais, com pouca chance de sobrevida. Um paramédico<br />

com boa experiência de campo geralmente satisfaz este requi¬<br />

sito. Um médico treinado com experiência no campo também<br />

pode exercer esta função.<br />

Existem diferentes metodologias para avaliação e atribuição<br />

da categoria de triagem." Um método comum consiste em avaliar<br />

as lesões anatómicas e atribuir a prioridade para atendimento<br />

médico e transporte baseando-se na gravidade da lesão e na<br />

probabilidade de necessidade de intervenção cirúrgica. Outro<br />

método envolve uma avaliação rápida fisiológica e do nível de<br />

consciência. Esse processo de triagem é conhecido como o algo¬<br />

ritmo "START" (triagem simples e tratamento rápido, de. simple<br />

triage and rapid treatment, em inglês). Esse sistema avalia a<br />

condição respiratória, o estado de perfusão e o nível de cons¬<br />

ciência do doente, para atribuir a prioridade de transferência<br />

inicial para as instituições de tratamento definitivo. (Cap. 5,<br />

págs. 106-107). 7,9<br />

Além disso, existem outros sistemas de triagem, como o<br />

M.A.S.S. (Mover, Avaliar, Classificar, Enviar, de Move, Assess,<br />

Sort. Send, em inglês) e o Método de Triagem Sacco.<br />

Em um esforço para criar uma orientação nacional e uni¬<br />

formizai' o processo de triagem, os Centers for Disease Con¬<br />

trol dos Estados Unidos reuniram um grupo multidisciplinar<br />

de especialistas para desenvolver um sistema de triagem con¬<br />

sensual, alualmente conhecido como SALT (Cap. 5. págs. 106-<br />

107)." Esse sistema de triagem envolve a classificação (sor/ing)<br />

do doente baseada em sua capacidade de se movimentar, avaliando-o<br />

(assessing) quanto à necessidade de intervenções que<br />

podem salvar a vida (life-saving), realizando tais intervenções,<br />

c quanto à necessidade de tratamento (treatment) e transporte<br />

(transport).<br />

Independentemente do método específico de triagem usado,<br />

todos esses sistemas, em última análise, classificam os doen¬<br />

tes em uma de (geralmente) quatro categorias de gravidade das<br />

lesões. Os doentes com mais alta prioridade são os identificados<br />

coin lesões muito graves, mas provavelmente capazes de sobre¬<br />

viver, e são habitualmente classificados como imediatos e codi¬<br />

ficados com a cor vermelha. Os doentes com lesões moderadas,<br />

que podem tolerar um curto atraso no tratamento, são classifica¬<br />

dos como podem aguardar e codificados com a cor amarela. Os<br />

doentes com lesões relativamente leves, muitas vezes chama¬<br />

dos "vítimas que conseguem caminhar" são classificados como<br />

leves e codificados com a cor verde. Os doentes mortos no local,<br />

ou aqueles cujas lesões são tão graves que a morte é iminente<br />

' ou provável, são classificados como "mortos" ou "expectantes",<br />

respectivamente, e codificados com a cor preta. É importante<br />

notai' que alguns sistemas de triagem, particularmente o SALT,<br />

separam os doentes classificados como tendo lesões fatais dos<br />

doentes que estão mortos e codificam os expectantes com a cor<br />

cinza. Todos esses códigos de cores referem-se ao uso de "eti¬<br />

quetas de desastre", as quais são usadas no local dos desastres<br />

e fixadas nos doentes, uma vez que eles tenham sido triados. 0<br />

"código de cores" permite uma referência visual imediata da<br />

categoria de triagem. Alguns sistemas de triagem também usam<br />

um sistema de classificação no qual os doentes classificados<br />

como críticos, podem aguardar, leves e mortos são denomina-


ÿ<br />

CAPÍTULO 18 Atendimento a Desastres 439<br />

dos, respectivamente, como de Classe I, Classe II, Classe III e<br />

Classe IV.<br />

É importante que todo o pessoal de triagem mantenha em<br />

mente que eles devem evitar a tentação de parar de fazer triagem<br />

para tratar de uma vítima muito grave que possam encontrar.<br />

Conforme mencionamos anteriormente, o princípio primordial<br />

ao lidar com um EVM é fazer o melhor para o maior número<br />

de pessoas. Durante essa fase inicial de triagem, as interven¬<br />

ções médicas devem ser limitadas às ações que possam ser fei¬<br />

tas de maneira fácil e rápida, sem darem muito trabalho. Em<br />

geral, isso significa iázer somente procedimentos como abertura<br />

manual da via aérea e controle de hemorragia externa. Interven¬<br />

ções como ventilação com máscara e arnbu e massagem cardíaca<br />

externa envolvem o uso de bastante pessoal e não devem ser<br />

realizadas.<br />

Uma vez que os doentes tenham sido triados, eles são agru¬<br />

pados em pontos de reunião das vítimas, de acordo com a sua<br />

prioridade de triagem. Especificamente, todos os doentes da<br />

categoria "vermelhos" ou imediatos devem ser agrupados, assim<br />

como os classificados como podem aguardar ("amarelos") e os<br />

leves ("verdes"). Os locais de reunião das vítimas devem estar<br />

situados suficientemente próximos do local do desastre, para<br />

que a vítima seja facilmente levada e rapidamente tratada, mas<br />

suficientemente distantes do ponto de impacto, para estarem<br />

seguros. Alguns aspectos importantes são:<br />

FIGURA 18-9 Tratamento médico definitivo, hospital de<br />

campo americano, Bam, terremoto do Irã, 2005.<br />

Ittatlt;<br />

I ÿ Proximidade do local do desastre<br />

| ÿ Segurança quanto a riscos e mais elevada e a favor do<br />

vento, em relação a ambientes contaminados<br />

| ÿ Proteção contra as intempéries climáticas (se possível)<br />

I ÿ Fácil visibilidade para as vítimas e para os profissionais<br />

que estão trabalhando<br />

Vias de saída fáceis, para evacuações aérea e terrestre<br />

I ÿ<br />

A medida que houver maior disponibilidade de pessoal e<br />

de recursos médicos no local, é prestada a assistência e são fei¬<br />

tas as intervenções médicas nos pontos de reunião das vítimas,<br />

de acordo com as prioridades da triagem. Estes são locais ade¬<br />

quados, aos quais os médicos podem ser enviados para avaliar<br />

melhor e tratar os doentes feridos.<br />

Finalmente, quando os recursos de transporte estiverem<br />

disponíveis, os doentes serão então transportados para trata¬<br />

mento definitivo de acordo, novamente, com a sua prioridade<br />

da triagem (Fig. 18-9). Doentes críticos não devem ser mantidos<br />

na cena para fazer algum outro tratamento médico no local, se<br />

houver disponibilidade de transporte (Fig. 18-10). As interven-<br />

] ções médicas necessárias devem ser realizadas durante o trans¬<br />

porte para a instituição de tratamento definitivo.<br />

Em virtude das lesões visíveis e graves, o pessoal de emer¬<br />

gência frequentemente tem tendência a passar os doentes indi¬<br />

viduais na frente, para tratamento e transporte imediatos, e a<br />

pular o processo de triagem. Isso deve ser evitado, de modo que<br />

todas as vítimas possam ser avaliadas, as vítimas com maior<br />

| risco de vida possamser tratadas primeiramente e possa ser dado<br />

o melhor atendimento à maioria das vítimas. Entretanto, pular<br />

o processo de triagem está indicado em certas situações. Essas<br />

condições incluem (1) o risco, como no caso de mau tempo; (2)<br />

a escuridão iminente potencial, sem a possibilidade de recursos<br />

[ de iluminação; (3) o risco continuado de lesão, como resultado<br />

de eventos naturais ou não naturais; (4) a ausência de institui-<br />

FIGURA 18-10 Interior de uma aeronave militar de transporte,<br />

convertida para funcionar para evacuação médica, com macas<br />

para doentes.<br />

ção de triagem ou agente de triagem imediatamente disponível;<br />

e (5) qualquer situação tática em um cenário envolvendo ação<br />

policial, em que as vítimas devem ser retiradas rapidamente<br />

do local do impacto para o ponto de reunião, para que sejam<br />

transportadas. 9,10<br />

Por fim, a triagem não é um processo estático, significando<br />

que, uma vez que um doente é avaliado e classificado, recebe<br />

uma categoria de triagem pelo restante de seu atendimento.<br />

Pelo contrário, ela é dinâmica e contínua. Conforme o estado<br />

geral do doente se altera, a categoria de triagem também pode<br />

mudar. Por exemplo, um doente com um ferimento grave em<br />

um membro e hemorragia pode, inicialmente, ser classificado<br />

como "imediato"; porém, após a compressão do ferimento e o<br />

controle do sangramento, o doente pode ser novamente triado<br />

como "pode aguardar". Por outro lado, um doente inicialmente<br />

classificado como "imediato" pode apresentar deterioração do<br />

estado geral e, subsequentemente, ser novamente triado como<br />

"expectante".<br />

A retriagem deve ocorrer no local, enquanto os doentes<br />

aguardam o transporte. Além disso, os doentes são novamente<br />

submetidos a triagem na chegada ao hospital de destino e, mais<br />

uma vez, para estabelecer prioridades para cirurgia.


440 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

W<br />

Tratamento<br />

Uma vez que o número de vílimas inicialmente excede os recur¬<br />

sos disponíveis, o tratamento no local é geralmente limitado à<br />

abertura manual da via aérea, à correção do pneumotórax hipertensivo,<br />

ao controle da hemorragia externa e à administração<br />

de antídoto para agente químico. Somente quando os recursos<br />

adequados chegarem ao local ou durante o transporte para o<br />

hospital é que outras intervenções devem ser realizadas.<br />

Transporte<br />

O transporte de doentes de um incidente com vítimas em massa<br />

para os hospitais envolve um esforço coordenado, usando<br />

diversos veículos de transporte. Doentes com trauma crítico ou<br />

muito graves devem ser levados para o hospital em ambulân¬<br />

cias ou helicópteros (se disponíveis e as condições permitirem).<br />

Os incidentes que resultam em números muito grandes de víti¬<br />

mas, principalmente vítimas classificadas como leves, podem<br />

requerer o uso de veículos de transporte não tradicionais, como<br />

ônibus e vans. É importante lembrar, porém, que, quando tais<br />

transportes alternativos forem usados, profissionais médicos<br />

com suprimentos e equipamentos adequados devem acompa¬<br />

nhar os doentes no veículo.<br />

Outra questão importante na resposta eficaz a um EVM tem<br />

a ver com o processo de decisão a respeito do destino dos doen¬<br />

tes, uma vez iniciado o transporte." Eventos recentes demons¬<br />

traram que as vítimas com lesões sem risco de vida frequen¬<br />

temente saem do local do desastre usando quaisquer meios<br />

disponíveis de transporte e vão por conta própria para o hospi¬<br />

tal."' Muitas vezes, isso resulta em grandes números de "vítimas<br />

que conseguem andar" chegando ao hospital mais próximo do<br />

local do desastre. Na verdade, aproximadamente 70% a 80%<br />

das vítimas chegam a um hospital sem terem sido transportadas<br />

por ambulância dos SME.<br />

Os socorristas devem, portanto,compreender que o hospital<br />

mais próximo do local do desastre pode estar sobrecarregado<br />

de vítimas, mesmo antes da chegada da primeira ambulância.<br />

Antes de levar o doente para o hospital mais próximo, deve-se<br />

fazer contato para averiguar a situação do pronto-socorro e a<br />

capacidade de aceitar e tratar das vítimas transportadas por<br />

ambulância. Se o hospital mais próximo estiver sobrecarregado.<br />

o sistema SME deve transportar os doentes para instituições<br />

mais distantes, quando possível. Embora o tempo de transporte<br />

possa ser mais longo, o tratamento dos doentes não será com¬<br />

plicado pela presença de numerosos outros feridos. O fato de<br />

levar as vítimas para múltiplas instituições, em última análise,<br />

preservará a capacidade de todos os hospitais de destino de otimizar<br />

a assistência que prestam aos doentes.<br />

Mesmo se hospital mais próximo não estiver sobrecarregado<br />

com doentes que chegaram por conta própria, é imperativo que<br />

não sejam os próprios socorristas a sobrecarregá-lo, com doentes<br />

transportados por ambulância. Muitas vezes, o desejo natural é<br />

transportar o doente para o hospital mais próximo, de modo que<br />

a ambulância e sua equipe possam, rapidamente, retornar ao<br />

local do desastre para pegar e transportar outro doente. Transfe¬<br />

rir o incidente com vítimas em massa do local de desastre para<br />

o hospital mais próximo lerá um impacto negativo na capaci¬<br />

dade das instituições médicas de fazer "o melhor para o maior<br />

número de doentes". Porém, nas comunidades que possuem<br />

poucos hospitais, os SME não têm outra opção a não ser trans¬<br />

portar os doentes para o hospital mais próximo.<br />

Equipesde Assistência Médica<br />

Se o desastre for de tal proporção que sejam necessários mais<br />

recursos no local, alguns hospitais desenvolveram equipes de<br />

resposta que auxiliam a aumentar a resposta dos SME e pres¬<br />

tam atendimento no local, permitindo,assim, que os socorristas<br />

sejam liberados da tarefa de prestar atendimento médico nos<br />

pontos de reunião das vítimas e passem a fazer o transporte dos<br />

doentes. Caso sejam necessários recursos externos, do governo<br />

estadual ou federal, há outras equipes de resposta médica em<br />

muitos municípios (Fig. 18-11). Como resultado do Metropo¬<br />

litan Medical Response System (MMRS). nos Estados Unidos,<br />

foram criadas forças-tarefas ou equipes de resposta do MMRS<br />

em muitas cidades. Esses recursos de resposta são formados por<br />

profissionais das áreas de medicina de emergência, cirurgia de<br />

trauma, subespecialidades cirúrgicas e enfermagem. Essas equi¬<br />

pes podem responder com recursos que foram adquiridos atra¬<br />

vés de fundos estaduais e federais. Elas podem ser usadas para<br />

aumentar e reequipar instituições médicas já existentes ou para<br />

trabalhar em unidades médicas móveis, montadas para atender<br />

o grande número de vítimas do desastre.<br />

Em uma escala maior, o governo dos Estados Unidos tem a<br />

capacidade, por intermédio do National Disaster Medical Sys¬<br />

tem, de mobilizar Equipes de Assistência Médica em Desastres<br />

(EAMD). Essas equipes são capazes de prestar assistência no<br />

local, bem como de montar unidades médicas móveis, em algu¬<br />

mas das quais é possível fazer intervenções cirúrgicas e atender<br />

às necessidades de terapia intensiva das vítimas. A solicitação<br />

dessas equipes precisa chegar pelos canais apropriados, por<br />

intermédio da autoridade de administração de emergência esta¬<br />

dual e do gabinete do governador, passando por intermédio do<br />

governo federal para o Department of Health and Human Ser¬<br />

vices (DHHS), que é responsável pelo programa de resposta do<br />

National Disaster Medical System.<br />

Ameaça de Terrorismo e Arrtas de<br />

Destruição em Massa<br />

Entre os EVM, o terrorismo pode representar um dos maiores<br />

desafios para os socorristas. O espectro das ameaças terroristas é<br />

ilimitado, indo desde homens-bomba suicidas, explosivos con¬<br />

vencionais e armas militares até armas de destruição em massa<br />

(nucleares, biológicas ou químicas). Entre lodos os desastres<br />

FIGURA 18-11 Vista aérea da devastação causada pelo<br />

Supertufão Pongsona, Guam, 2002.


CAPÍTULO 18 Atendimento a Desastres 441<br />

causados pelo homem, os eventos terroristas são os que pos¬<br />

suem o maior potencial para gerar grandes números de feridos e<br />

de mortos (consulte o Capítulo 19 para obter informações deta¬<br />

lhadas sobre armas específicas).<br />

Os terroristas demonstraram que a sua engenhosidade e<br />

capacidade não são limitadas pela tecnologia nem pelos arma¬<br />

mentos convencionais. Durante os ataques terroristas de 11 de<br />

setembro de 2001, os terroristas usaram aviões de passageiros<br />

cheios de combustível como "bombas voadoras", gerando des¬<br />

truição maciça de vidas e de bens.<br />

Uma das características típicas de uma ameaça terrorista,<br />

especialmente as que envolvem armas cle destruição em massa<br />

(ADM), é que geralmente predominam as vítimas psicológicas.<br />

Os terroristas não precisam matar um grande número de pes¬<br />

soas para alcançar os seus objelivos; eles precisam apenas criar<br />

um clima de medo e de pânico para sobrecarregar a infraestrutura<br />

médica. Nos ataques com gás sarin em março de 1995, em<br />

Tóquio. 5 mil vítimas procuraram os hospitais. Destas, menos<br />

de mil tinham efeitos físicos do gás sarin; os restantes tinham<br />

estresse psicológico. Os incidentes com antraz nos Estados Uni¬<br />

dos também aumentaram drasticamente o número de indiví¬<br />

duos que foram ao pronto-socorro com sintomas respiratórios<br />

inespecíficos, que, no final das contas, não eram resultado de<br />

infecção real por antraz.<br />

Explosões e bombas continuam a ser a causa mais frequente<br />

de vítimas em EVM causados por terroristas. A maioria dessas<br />

bombas consiste em explosivos relativamente pequenos que<br />

produzem baixas taxas de mortalidade. Entretanto, quando<br />

colocados estrategicamente em edifícios, canalizações ou veí¬<br />

culos em movimento, o seu impacto pode ser muito maior (Fig.<br />

18-12). A alta morbidade e mortalidade não estão relacionadas<br />

apenas com a intensidade da explosão, mas também com o dano<br />

estrutural subsequente, que leva ao colapso dos edifícios atin¬<br />

gidos. Uma ameaça maior são os desastres causados por explo¬<br />

sivos convencionais em combinação com um agente químico,<br />

biológico ou radioativo, como uma "bomba suja", que combina<br />

um explosivo convencional com material radialivo.<br />

As ADM que criam "ambientes contaminados" podem transformar-se<br />

no maior desafio do atendimento ao desastre. Os socor¬<br />

ristas não poderão levar as vítimas para os hospitais, por causa<br />

do risco de contaminar ainda mais as instituições médicas. Os<br />

socorristas devem estar preparados e equipados para fazer a<br />

triagem, não apenas para determinar a extensão das lesões, mas<br />

também para avaliar o potencial de contaminação e a neces¬<br />

sidade de descontaminação e estabilização inicial. Ao mesmo<br />

tempo, os socorristas necessitam tomar medidas apropriadas<br />

para protegerem a si próprios de possível contaminação.<br />

Descontaminação<br />

A descontaminação é uma consideração importante para todos<br />

os desastres que envolvem materiais perigosos e ADM (Fig.<br />

18-13). Os eventos terroristas com seu maior número de vítimas,<br />

substâncias desconhecidas e grande quantidade de pessoas que<br />

não têm nada, mas estão assustadas, aumentam significativa¬<br />

mente a possibilidade de vítimas contaminadas ou potencial¬<br />

mente contaminadas (consulte o Capítulo 19 para obter infor¬<br />

mações adicionais).<br />

Área de Tratamento<br />

Ao responder a um desastre que envolva materiais perigosos<br />

ou AMD. é fundamental que as áreas de triagem e tratamento<br />

fiquem localizadas a pelo menos 275 metros, situando-se acima<br />

da área contaminada e no sentido contrário do vento.<br />

Resposta Psicológica aos<br />

Desastres<br />

Trauma psicológico e outras sequelas psicológicas adversas<br />

são geralmente os efeitos colaterais de eventos como desastres<br />

naturais e desastres não intencionais causados pelo homem.12<br />

Em contrapartida, um dos objelivos do terrorismo é causai' dor<br />

psicológica, trauma e desequilíbrio.<br />

FIGURA 18-12 Atentado terrorista a bomba em Madri, 2004. FIGURA 18-13 Descontaminação de vítimas na "zona<br />

quente", feita por pessoal usando equipamento de proteção<br />

individual (EPI) Nível B.


442 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Características dos Desastres que Afetam a<br />

Saúde Mental<br />

Nem lodos os desastres têm o mesmo nível de impacto psico¬<br />

lógico. As características dos desastres que parecem ter maior<br />

impacto na saúde mental incluem as seguintes:<br />

e<br />

E<br />

ÿ<br />

Pouco ou nenhum aviso<br />

Ameaça séria à segurança pessoal<br />

Efeitos potenciais desconhecidos para a saúde<br />

Duração incerta do evento<br />

Erro humano ou intenção maldosa<br />

Simbolismo relacionado com o alvo terrorista<br />

Fatores que Reforçam o Impacto da Resposta<br />

Psicológica<br />

Todo aquele que passa pela experiência de um desastre- vítima<br />

ou socorrista - é afetado por ela de alguma forma. Felizmente,<br />

isso não significa que a maioria dos indivíduos desenvolverá<br />

um transtorno mental. Significa, no entanto, que todos os indi¬<br />

víduos afetados terão algum tipo de resposta psicológica ou<br />

emocional ao evento.<br />

Similarmente, há reações individuais e coletivas que intera¬<br />

gem umas com as outras à medida que os indivíduos e as comu¬<br />

nidades se recuperam desses eventos extraordinários.<br />

Os fatores que afetam a resposta individual aos desastres<br />

incluem:<br />

a<br />

o<br />

Proximidade física e psicológica com o evento<br />

Exposição a situações horríveis ou grotescas<br />

Problema de saúde antes ou por causa do desastre<br />

Magnitude da perda<br />

História de trauma<br />

Os fatores que exercem impacto sobre a resposta coletiva ao<br />

trauma são:<br />

h<br />

a<br />

Grau de destruição da comunidade<br />

Estabilidade da família e da comunidade pré-desastre<br />

Liderança da comunidade<br />

Sensibilidade cultural dos esforços de recuperação<br />

Sequelas Psicológicas dos Desastres<br />

As respostas psicológicas aos desastres são muito variáveis, indo<br />

desde respostas de estresse moderado até o distúrbio do estresse<br />

pós-traumático (DEPT) claramente manifesto, depressão grave<br />

ou distúrbio do estresse agudo.13 Embora muitas pessoas possam<br />

apresentar sinais de estresse psicológico, relativamente poucas<br />

(geralmente 15-25%) das mais diretamente atingidas desenvol¬<br />

verão subsequentemente doença mental diagnosticável.<br />

Intervenções<br />

Diversas ações relativamente simples podem ajudar as pessoas<br />

a minimizar os efeitos psicológicos de um evento e auxiliá-las a<br />

retornar à função normal. Essas ações incluem:<br />

3.<br />

4.<br />

Retorno às atividades normais assim que possível.13<br />

Para as pessoas sem doença mental diagnosticada, é útil for¬<br />

necer materiais educacionais que as ajudem a compreender<br />

o que elas e suas famílias estão passando.<br />

Deve ser proporcionado aconselhamento breve na crise,<br />

seguido de encaminhamento, quando houver indicação de<br />

tratamento.<br />

Quando for diagnosticado um distúrbio mental, pode ser<br />

útil fazer intervenções terapêuticas, incluindo terapia cognitivo-comportamental<br />

e medicações psiquiátricas.<br />

Estresse dos Socorristas<br />

As pessoas que trabalham no desastre também podem lornar-se<br />

vítimas secundárias de estresse e de outras sequelas psicoló¬<br />

gicas. Isso pode afetar adversamente a sua alividade durante e<br />

após um evento. Também pode ter impacto adverso no seu beraestar<br />

pessoal e nas suas relações familiares e no trabalho. Super¬<br />

visores e colegas devem estar alertas para o aparecimento ou<br />

manifestações de estresse e desconforto psicológico nos indiví¬<br />

duos que atuaram na resposta ao incidente. Diversas estratégias<br />

de intervenção são frequentemente usadas no esforço de preve¬<br />

nir e tratar o estresse após um incidente. Entre elas, incluem-se<br />

sessões de questionamento, relaxamento e de como lidar cora<br />

o luto. Coletivamente, esses processos são denominados Trata¬<br />

mento do Estresse em Incidentes Críticos (TEIC).<br />

Sinais de Estresse nos Socorristas<br />

Algunssinaiscomuns deestressenossocorristasincluemelemen¬<br />

tos fisiológicos, emocionais, cognitivos e comportamentais.<br />

Sinais fisiológicos<br />

Fadiga, mesmo depois de repouso *<br />

a Náuseas<br />

b Tremores finos<br />

e Tiques<br />

h Parestesia<br />

b Tontura<br />

b Dispepsia<br />

h Palpitações cardíacas<br />

h Sensações de sufocação ou asfixia<br />

Sinais emocionais<br />

b Ansiedade<br />

s Irritabilidade<br />

e Sensação de opressão<br />

Previsão não realista de adversidade para si próprio ou<br />

para outros<br />

Sinais cognitivos<br />

b Perda de memória<br />

e Dificuldades para tomar decisões<br />

h Anomia (incapacidade de nomear ou recordar o nome de<br />

objetos comuns ou de pessoas familiares)<br />

e Problemas de concentração ou distração<br />

® Redução da atenção<br />

h Dificuldade para fazer cálculos


CAPÍTULO 18 Atendimento a Desastres 443<br />

FIGURA 18-14 O cansaço contribui muito para o estresse da<br />

equipe de socorro.<br />

Sinais comportamentais<br />

0 Insónia<br />

Hipervigilância<br />

0 Choro fácil<br />

Humor inapropriado<br />

Comportamento ritualista<br />

I 0<br />

I n<br />

Ib<br />

Como Lidar com o Estresse dos Socorristas no Local<br />

As seguintes intervenções no local podem ajudar a reduzir o<br />

estresse dos socorristas:<br />

0 Minimizar a exposição a estímulos traumáticos<br />

!' 0 Horários razoáveis<br />

| 0 Repouso e sono adequados (Fig. 18-14)<br />

I 0 Alimentação razoável<br />

I ÿ Programa regular de exercícios<br />

I 0 Tempo para si próprio<br />

I 0 Falar com alguém que compreenda<br />

I 0 Monitorar os sinais de estresse<br />

I0 Identificar o prazo para o término de sua participação<br />

Educação e Treinamento<br />

para Desastres<br />

0 desenvolvimento e a implementação de um programa edu¬<br />

cacional e de treinamento formal irão melhorar a capacidade<br />

do socorrista de responder eficientemente a um EVM. O socor¬<br />

rista pode desempenhar bem diversos papéis no atendimento a<br />

desastres o eventos com vítimas em massa, incluindo mitigação<br />

e preparação, busca e salvamento, triagem, atendimento médico<br />

agudo, transporte e recuperação pós-evento. A preparação no<br />

que concerne à educação e aprendizado pode ser realizada em<br />

vários ambientes estruturados e não estruturados de aprendi¬<br />

zado. Cada ambiente possui as suas vantagens e desvantagens<br />

individuais, como pode ser avaliado pelo impacto educacional<br />

e pelos custos comparativos. Para o aprendizado ideal com os<br />

exercícios educacionais, é imperativo que sejam realizados fre¬<br />

quentemente eventos interdisciplinares de treinamento, envol¬<br />

vendo todas as entidades e os participantes apropriados na res¬<br />

posta a desastres.<br />

O aprendizado independente constitui o fundamento da<br />

preparação para desastres. Existe uma multiplicidade de recur¬<br />

sos disponíveis tanto na literatura impressa como na inter¬<br />

net. Os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), as<br />

agências de saúde pública, a Federal Emergency Management<br />

Agency (FEMA) e as forças armadas possuem oportunidades de<br />

aprendizado baseadas na internet que estão disponíveis para<br />

os indivíduos. Há cursos que podem ser completados de forma<br />

independente e com uma programação flexível. A limitação<br />

dessa modalidade de aprendizado é que ela não permite uma<br />

experiência de aprendizado interativo.<br />

O treinamento em grupo é dirigido para equipes de resposta<br />

específica para desastres. Há programas de treinamento ampla¬<br />

mente disponíveis que incluem a compreensão da estrutura de<br />

comando e a preparação para incidentes com ADM. Diversas<br />

organizações profissionais e paraprofissionais desenvolveram<br />

programas de treinamento e módulos específicos para o seu<br />

âmbito de prática profissional, incluindo saúde pública, medi¬<br />

cina de emergência, terapia intensiva e especialidades cirúrgi¬<br />

cas e clínicas, bem como todos os níveis de atendimento préhospitalar.<br />

Simulações proporcionam uma oportunidade de treina¬<br />

mento que reúne muitos indivíduos de formações variadas e<br />

diferentes e são essenciais para a implementação de uma res¬<br />

posta a desastres. Conforme mencionamos antes, esses exercí¬<br />

cios podem ser feitos de duas formas específicas: um exercício<br />

de mesa e um exercício completamente ativo de treinamento<br />

de campo. Os exercícios de mesa são métodos com boa relação<br />

custo/benefício e muito úteis para testar e avaliar a resposta a<br />

um desastre. Geralmente são estabelecidos com antecedência<br />

um ponto de partida com objetivos e intervenções focados no<br />

incidente e a sequência para conclusão do exercício. Os exer¬<br />

cícios de mesa podem possibilitar a comunicação e a interação<br />

em tempo real enfie entidades multidisciplinares. Essas atividades<br />

exigem liderança, na forma de um facilitador experiente<br />

que orienta os participantes mediante avaliação objetiva e crí¬<br />

tica dos resultados, na conclusão.<br />

Os exercícios de campo são os eventos de treinamento mais<br />

realistas, que envolvem a real execução do plano de resposta a<br />

desastres da comunidade. Eles possibilitam uma avaliação em<br />

tempo real da capacidade física de atingir os objetivos, conforme<br />

definido por escrito. Idealmente, os exercícios devem envolver<br />

a remoção das vítimas do ponto de impacto e trauma, por meio<br />

do sistema de resposta dos SME e até o tratamento definitivo,<br />

nas instituições médicas. Esses eventos, no entanto, são muito<br />

trabalhosos, demoram e têm custo elevado.<br />

Armadilhas Comuns na<br />

Resposta a Desastres<br />

Numerosos estudos efetuados depois de grandes EVM iden¬<br />

tificaram diversas falhas consistentes na resposta médica<br />

a estes eventos. A identificação dessas deficiências resultou<br />

tanto de avaliações subsequentes da resposta a esses inciden¬<br />

tes quanto do trabalho de comunidades que fizeram avaliações<br />

de risco, vulnerabilidade e necessidades, exigidas pelo governo


444 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

dos Estados Unidos, a fim de receberem recursos financeiros<br />

para melhorarem a infraestrutura da resposta a desastres.<br />

Preparação<br />

Como responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar em uma<br />

comunidade, os socorristas devem preparar-se para a devastação<br />

que pode ocorrer em um evento com vítimas em massa e treinar<br />

para tais eventos de diversas formas. Embora sendo um método<br />

de preparo, os exercícios de mesa não testam, de fato, a capa¬<br />

cidade de o socorrista desempenhar as ações necessárias nem<br />

de os SME mobilizarem recursos e equipamentos para o local,<br />

de modo oportuno e eficiente. Simulações realistas de desastres<br />

- durante as quais as vítimas são tríadas, avaliadas, "tratadas"<br />

e transportadas através do sistema de resposta médica até as<br />

portas de um hospital de uma forma realística - testam melhor<br />

a resposta médica à emergência, que será necessária. A capa¬<br />

cidade de atender o "pico de demanda" e de suprir o grande<br />

número de profissionais, ambulâncias e outros equipamentos<br />

necessários para atender as vítimas deve ser adequadamente<br />

enfrentada pela comunidade responsável pela resposta médica.<br />

Infelizmente, poucas instituições testaram realmente a capa¬<br />

cidade de resposta a um grande aumento de demanda em tempo<br />

real e, em vez disso, confiaram em exercícios de mesa como<br />

medida para avaliar a sua capacidade de resposta. Somente por<br />

meio de amplas simulações na comunidade, envolvendo múl¬<br />

tiplas instituições de SME e serviços de ambulância, é possível<br />

avaliar o nível real de preparo para responder como comuni¬<br />

dade a um EVM.<br />

Comunicações<br />

Muitos eventos demonstraram que a falta de um sistema uni¬<br />

ficado de comunicação dificulta significativamente a capaci¬<br />

dade de montar uma resposta coordenada a um EVM. Os siste¬<br />

mas individuais de comunicação são eficientes, mas depender<br />

de um único sistema para comunicação está destinado ao<br />

fracasso. O uso de telefones celulares tornou-se impossível,<br />

quando a central de comunicação localizada no World Trade<br />

Center deixou de existir. Por outro lado, a incapacidade de<br />

polícia, bombeiros e SME se comunicarem uns com os outros,<br />

em virtude de diferentes tecnologias ou frequências de rádio,<br />

é uma deficiência grave, que reduz significativamente a capaci¬<br />

dade de responder de forma eficiente a um EVM. É fundamen¬<br />

tal que haja redundância no sistema, independentemente da<br />

alternativa escolhida para comunicações primárias. Cabos,<br />

sistemas telefónicos de fio, sistemas de telefonia celular, sis¬<br />

temas de telefonia por satélite, rádios VHF e sistemas na fre¬<br />

quência de 800 a 900 MHz, todos eles possuem algum grau de<br />

vulnerabilidade. Os dois princípios a seguir são essenciais:<br />

1. Um sistema unificado de comunicação, ao qual todos os<br />

profissionais pertinentes da comunidade tenham acesso.<br />

2. Redundância do sistema, de tal modo que se uma moda¬<br />

lidade de comunicação falhar ou estiver desativada, outra<br />

modalidade possa ser usada de forma eficiente como reserva<br />

apropriada.<br />

Outro problema comum é o uso de "códigos" como forma de<br />

comunicação rápida. Infelizmente, não há um conjunto único<br />

de códigos comum a todas as entidades; assim, uma entidade<br />

pode estar trabalhando na cena com outras entidades que usam<br />

códigos com a mesma terminologia, mas significados diferentes.<br />

É por essa razão que o SCI e o National Incident Management<br />

System recomendam o uso da linguagem corrente durante um<br />

incidente, para evitar qualquer confusão.<br />

Segurança da Cena<br />

A segurança da cena tem se tornado um problema cada vez<br />

maior nos EVM. Ela é importante pelas seguintes razões:<br />

1. Proteger as equipes de resposta de um segundo ataque, que<br />

pode resultar em mais vítimas.<br />

2. Providenciar a entrada e a saída dos profissionais de resgate<br />

e das vítimas, sem serem atrapalhados por curiosos.<br />

3. Proteger e ajudar a manter a cena segura e preservar a evi¬<br />

dência física.<br />

A segurança da cena é um grande desafio durante um desas¬<br />

tre, porque, por definição, todos os recursos estão sendo soli¬<br />

citados ao máximo das suas capacidades, operando no limito. É<br />

essencial a coordenação com os responsáveis locais por man¬<br />

ter a ordem, para que a comunidade de atendimento médico<br />

possa ter certeza de que a segurança estará garantida.<br />

Auxílio Não Solicitado<br />

Em muitos EVM, entidades de segurança pública e dos SME<br />

(assim como profissionais da área médica de todas as especia¬<br />

lidades) de comunidades adjacentes e mesmo distantes vão<br />

para o local sem qualquer solicitação formal de auxílio por<br />

parle da jurisdição afetada.3 Esses socorristas não solicita¬<br />

dos, embora bem intencionados, frequentemente servem ape¬<br />

nas para complicar e confundir ainda mais uma situação que já<br />

é caótica. Muitas vezes, os problemas de comunicação entre<br />

as diversas entidades tornam-se mais difíceis, por causa de<br />

sistemas de rádio incompatíveis. A coordenação dos esforços<br />

de salvamento fica impossível, em virtude da falta de parti¬<br />

cipação na estrutura de comando do incidente. Idealmente,<br />

as entidades de segurança pública e os SME só devem respon¬<br />

der e comparecer ao local de um desastre quando isso lhes for<br />

especificamente solicitado pela jurisdição responsável e pelo<br />

comando do incidente.1'1 Além disso, é extremamente útil<br />

que, logo que possível, seja controlado o acesso ao local e esta¬<br />

belecido um palco de operações, para o qual todas as unidades<br />

de resposta e os voluntários possam ser encaminhados, para<br />

melhor os incorporar na resposta ao incidente.<br />

Suprimentos e Equipamentos<br />

A maioria das prefeituras tem um planejamento dos suprimen¬<br />

tos que utiliza rotineiramente, e as compras são feitas com<br />

base nessa demanda. Eventos de grande magnitude esgo¬<br />

tam rapidamente esses recursos. Possuir um bom plano de<br />

reposição dos suprimentos é essencial para a missão incessante<br />

de tratar as vítimas. Os suprimentos devem estar disponí¬<br />

veis no momento em que forem necessários, e deve haver<br />

mecanismos apropriados para a sua distribuição, que não


CAPÍTULO 18 Atendimento a Desastres 445<br />

pode depender dos socorristas que estão atendendo no local.<br />

uma vez que eles já terão sua disponibilidade comprometida<br />

ao máximo. Deve haver também um plano para reabasteci¬<br />

mento de medicações. Nas comunidades que foram designadas<br />

para receber fundos do Metropolitan Medical Response System<br />

(MMRS), foram ou estão sendo adquiridos estoques de mate¬<br />

riais para a comunidade, como parte da preparação para esses<br />

eventos.<br />

Deixar de Avisar os Hospitais<br />

Na confusão de responder e avaliar um evento com vítimas em<br />

massa, assim como durante a realização das numerosas tarefas<br />

que precisam ser feitas para iniciar a resposta médica em um<br />

evento dessa natureza, é lãcil os socorristas dos SME subesti¬<br />

marem a necessidade de contatar os hospitais, para que ativem<br />

seus planos internos de resposta a desastres. Diversos eventos<br />

reais demonstraram que, a não ser que a notificação e a ativação<br />

dos hospitais sejam partes integrantes do plano de resposta<br />

a um EVM dos SME, os hospitais podem ter de descobrir por<br />

conta própria a ocorrência de um incidente, seja pelos doen¬<br />

tes que chegam sozinhos à instituição e relatam o evento ou<br />

quando a primeira ambulância chega a um hospital despreparado.<br />

É essencial que os SME incluam a notificação dos hospi¬<br />

tais como parle de seu plano, permitindo uma transição tran¬<br />

quila e coordenada do atendimento no local para o atendimento<br />

hospitalar.<br />

Além disso, a comunicação contínua do local (ou do Centro<br />

de Operações de Emergência) com o hospital e do hospital com<br />

o local é importante, para monitorar a situação do evento e a<br />

carga de doentes nos hospitais.<br />

Meios de Comunicação<br />

Muitas vezes, os meios de comunicação são vistos como um<br />

estorvo no processo físico e operacional da resposta a desastres.<br />

As comunidades, porém, são incentivadas a estabelecer parce¬<br />

ria com a mídia, uma vez que ela pode ser valiosa durante a<br />

resposta a um desastre. A mídia pode disseminar informações<br />

apropriadas e correias para a população em geral, orientando-a<br />

sobre como proceder para garantir a segurança pessoal e aonde<br />

se dirigir para obter informações ou onde se encontrar com os<br />

familiares, além de comunicar outras informações necessárias.<br />

E inevitável que os meios de comunicação divulguem infor¬<br />

mações para o público. Os socorristas têm a responsabilidade<br />

de interagir com a mídia, para garantir que essas informações<br />

sejam correias e ajudem no processo de resposta.<br />

Desastres resultam de eventos naturais climáticos ou<br />

geológicos; entretanto, eles também podem resultar de<br />

atos humanos, intencionais ou não.<br />

Embora os desastres possam ser imprevisíveis, a prepara¬<br />

ção adequada pode transformar um evento inimaginável<br />

em uma situação administrável.<br />

A resposta apropriada a um desastre vai muito além do<br />

componente médico.<br />

A implementação do Sistema de Comando do Incidente<br />

permite que múltiplas entidades colaborem na resposta<br />

ao desastre.<br />

Apesar de os desastres terem proporções variadas e<br />

resultarem de muitas causas diferentes, fpram identifica¬<br />

das armadilhas comuns a todos os desastres, que dificul¬<br />

tam o gerenciamento de um evento desses.<br />

A resposta a um desastre pode ter um custo psicológico<br />

muito grande para lodos os envolvidos, tanto vítimas<br />

quanto socorristas.<br />

Os melhores resultados na resposta a eventos com<br />

vítimas em massa resultam da criação de um plano de<br />

atendimento a desastres, que deve ser bem elaborado,<br />

devendo ainda ser ensaiado, testado e analisado, a fim de<br />

identificar e aperfeiçoar áreas problemáticas.


446 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

Após a explosão, são tomadas medidas de precaução para<br />

avaliar o possível risco de colapso do edifício danificado, assim<br />

como o vazamento contínuo de gás, fios elétricos expostos<br />

e a possibilidade de ocorrência de uma segunda explosão.<br />

Equipamentos de proteção individual (EPI) adequados e<br />

precauções-padrão devem ser usados durante o tratamento<br />

dos doentes.<br />

O controle da multidão é de extrema importância após um<br />

evento desta natureza, para evitar a entrada de indivíduos<br />

bem-intencionados no edifício, para procurar vítimas e auxiliar<br />

no resgate. Para gerenciar os recursos necessários para lidar<br />

com este evento, deve ser usado o sistema de comando<br />

do incidente (SCI). Deve ser designada uma área em que<br />

devem ficar as unidades que vão prestar o atendimento.<br />

As vítimas devem ser tríadas usando qualquer um dos<br />

métodos de triagem disponíveis, e agrupadas em locais<br />

estratégicos, de onde possam ser rapidamente carregadas<br />

e transportadas.<br />

Além das necessidades de tratamento das vítimas,<br />

lembre-se de que os socorristas também terão necessidade<br />

de hidratação, nutrição e higiene, durante todo o tempo que<br />

durar o resgate. ÿ<br />

Referências<br />

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1997, Oxford University Press.<br />

2. Noji EK. Siverston KT. Injury prevention in natural disasters: A<br />

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1984, Hoag Memorial Hospital Presbyterian.<br />

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11. Bloch YH, Schwartz D, Pinkert M, et al: Distribution of casual¬<br />

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12. Hick JL, Ho JD, Heegaard WG, et al: Emergency Medical Services<br />

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2007, Lippincott, Williams & Wilkins.<br />

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disaster. Injury 15:1, 1983.<br />

Slater MS, Trunkey DD. Terrorism in America: an evolving threat.<br />

Arch Surg 132(10):1059, 1997.<br />

Stein M, Hirshberg A. Medical consequences of terrorism: The<br />

conventional weapon threat. Surg Clin North Am 79(6):1537,<br />

1999.


CAPITULO 19<br />

Explosões e Armas de<br />

Destruição em Massa<br />

OBJETIVOS DO CAPÍTULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Compreender as considerações essenciais referentes à atenuação de um evento<br />

com armas de destruição em massa (ADM):<br />

Avaliação da cena<br />

Comando do incidente<br />

Equipamento de proteção individual<br />

Triagem de pacientes<br />

Princípios de descontaminação<br />

Compreender os mecanismos de lesão, a avaliação e a conduta e as<br />

considerações sobre transporte, associadas a categorias específicas de agente<br />

em ADM:<br />

Agentes explosivos<br />

Agentes incendiários<br />

Agentes químicos<br />

Agentes biológicos<br />

Agentes radiológicos<br />

Saber como ter acesso a recursos para estudos adicionais e como utilizá-los.


ÿ<br />

448 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

,\V\V //>>,<br />

Você é enviado ao local onde dizem que ocorreu uma explosão, em uma feira ao ar livre. O número de vitimas é desconhecido.<br />

Outras instituições de segurança pública foram enviadas ao local.<br />

Ao chegar, você percebe que é o primeiro socorrista no local. Ainda não foi montado o comando do incidente. Há dezenas de<br />

pessoas correndo de um lado para o outro. Muitas estão gritando para você auxiliar vítimas que têm sangramento evidente.<br />

Outros pacientes estão deitados no chão; pelo menos uma das vítimas está convulsionando.<br />

O que você fará primeiro? Quais são as suas prioridades ao determinar o curso de ação? Como cuidará de tantas pessoas?<br />

W<br />

Apreparação para lidar com um evento por armas de des¬<br />

truição em massa (ADM) desafia os serviços médicos<br />

de emergência (SME) lodos os dias. A história recente<br />

demonstra que esses eventos podem ocorrer a qualquer<br />

momento e em qualquer lugar. A bomba no World Trade Cen¬<br />

ter em 1993 acarretou apenas seis mortes, mas causou 548 víti¬<br />

mas, e mais de mil pessoas loram atendidas pelos SME. Os<br />

socorristas também se tornaram.vítimas, lendo 105 bombeiros<br />

relatado ferimentos. A explosão de 1995 no Murrali Federal<br />

Building, na cidade de Oklahoma, provocou 168 mortes com<br />

700 ferimentos. Um terço dos pacientes levados para um hos¬<br />

pital da cidade de Oklahoma chegou pelos SME, e eles eram<br />

os mais graves, com 64% precisando de internação, ao passo<br />

que apenas 6% dos que procuraram o pronlo-socorro (PS) por<br />

conta própria precisaram de internação. Nos ataques de 2001<br />

ao World Trade Center, houve mais de 1.110 sobreviventes<br />

feridos, e quase um terço desses pacientes chegou ao hospital<br />

pelos SME. Os trabalhadores de resgate foram 29% das víti¬<br />

mas com ferimentos.<br />

Embora explosivos potentes convencionais sejam a forma<br />

mais comumente utilizada e provável de evento por ADM, os<br />

sistemas de SME também têm sido desafiados por eventos quí¬<br />

micos e por eventos causados por agentes biológicos. O ataque<br />

de 1994comgás sarin em Matsumoto,Japão, matousete pessoas<br />

e feriu mais de 300. O ataque mais conhecido com gás sarin, em<br />

1995, no metrô de Tóquio, matou 12 pessoas, porém mais de<br />

5 milvítimas procuraram atendimento médico.O Departamento<br />

de Combate a Incêndios de Tóquio enviou 1.364 bombeiros aos<br />

16 pontos de metrô afetados; 135 socorristas (10%) foram afetados<br />

por exposição direta ou indireta ao agente nervoso.<br />

Nos Estados Unidos, nenhum ataque de bioterrorismo pro¬<br />

duziu grande número de vítimas, mas isto não significa que os<br />

SME não tenham sido desafiados a preparar-se para ameaças<br />

de bioterrorismo. Durante os anos de 1998 e 1999, quase 6 mil<br />

pessoas por todos os Estados Unidos foram afetadas por uma<br />

série de peças ("brincadeiras") relacionadas ao antraz em mais<br />

de 200 incidentes. As cartas com antraz entregues no outono<br />

de 2001 resultaram em apenas 22 casos clínicos de antraz, mas<br />

geraram incontáveis chamadas para que os SME fossem atender<br />

casos de pacotes de pós suspeitos. Igualmente, embora não se<br />

tratasse de um evento de bioterrorismo, uma catástrofe bioló¬<br />

gica de ocorrência natural, a síndrome respiratória aguda grave<br />

(SARS, em inglês), desafiou seriamente o sistema dos SME de<br />

Toronto. Durante a epidemia, 526 de seus paramédicos tiveram<br />

que ficai' em quarentena, em grande parte por causa da poten¬<br />

cial exposição ao vírus, sem proteção, forçando seriamente a<br />

capacidade dos SME de atenuai- a crise.<br />

Cresce a ameaça de que os SME um dia possam ler que res¬<br />

ponder a um evento de ADM radiológico,com a crescente espe¬<br />

culação de que terroristas detonem um dispositivo que espalhe<br />

radiação ("bomba suja"), que gere ferimentos e pânico a respeito<br />

de contaminação radioativa.<br />

Considerações Gerais<br />

Avaliação da Cena e Sistema de Comando do<br />

Incidente<br />

A capacidade do socorrista de avaliar a cena apropriadamente<br />

é fundamental para garantir a própria segurança e a dos demais<br />

socorristas e assegurar que o paciente receba o melhor atendi¬<br />

mento. Eventos com ADM representam ameaças significativas<br />

para os serviços de emergência que prestam o atendimento. No<br />

caso de detonação de explosivos potentes, pode haver fogo,<br />

pode espalhar-se material perigoso, há perigos associados a fios<br />

elétricos e risco de queda de escombros ou desabamento. Um<br />

socorrista foi morto pela queda de escombros quando atendia<br />

"no atentado a bomba na cidade de Oklahoma.1 Muitos mais<br />

foram mortos no ataque de 2001 ao World Trade Center. Os<br />

ataques químicos expõem potencialmente os profissionais de<br />

emergências ao agente agressor não somente ppífonte primá¬<br />

ria, a arma, mas também por contaminação da pele, roupas e<br />

pertences pessoais das vítimas. Os agentes biológicos, depen¬<br />

dendo da fornia de distribuição, representam risco de doença<br />

pelo agente agressor (p. ex., concentração de esporos de antraz<br />

pulverizados) ou por transmissão de doença contagiosa (p. ex.,<br />

peste ou varíola). Outro risco tanto para quem responde a uma<br />

emergência quanto para os pacientes é a possibilidade de um


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 449<br />

dispositivo secundário, por exemplo, uma segunda bomba<br />

colocada na cena do incidente, preparada para explodir depois<br />

da chegada do resgate, com intenção de aumentar não somente<br />

o grau de lesão, mas também a conliisão e o pânico.<br />

Como muitas ADM são associadas a risco de inalação, prin¬<br />

cipalmente de agentes químicos e biológicos, as unidades de<br />

resposta de todas as entidades envolvidas devem abordar o local<br />

de uma direção a lavor do vento, minimizando a possibilidade<br />

de exposição inadvertida. Além disso, qualquer incidente que<br />

envolva vazamento de substâncias químicas líquidas obriga a<br />

que os socorristas fiquem em local mais elevado do que a área<br />

de derramamento.<br />

A entrada e a saída do local potencialmente contaminado<br />

devem ser controladas. Não deve ser permitida a entrada no<br />

local de populares preocupados nem de voluntários, já que eles<br />

podem contribuir para aumentar o número de vítimas, se sofre¬<br />

rem exposição ao agente. As vítimas do incidente devem tam¬<br />

bém ser contidas, quando tentarem sair do local, já que o autotransporte<br />

pode disseminar ainda mais as substâncias químicas<br />

ou perigosas para contactardes insuspeitos. Como em qualquer<br />

incidente com materiais perigosos, devem ser estabelecidas as<br />

zonas de controle cla cena (quente, morna, fria], com pontos de<br />

acesso controlado e corredores de trânsito, para impedir a dis¬<br />

seminação dos contaminantes, a exposição inadvertida e criai'<br />

áreas seguras para avaliação e tratamento dos pacientes (Fig.<br />

19-1). As zonas são descritas em detalhes na seção a seguir-,<br />

sobre Equipamento de Proteção Individual.<br />

Todos esses fatores devem ser considerados ao se avaliar<br />

a cena, e seu significado deve ser compreendido antes de se<br />

começar a atuar.Além disso, deve ser incluída na avaliação da<br />

cena uma avaliação crítica, a uma distância segura, de como<br />

os pacientes se apresentam, com particular atenção para os<br />

sinais que possam sugerir a liberação de agentes químicos ou<br />

biológicos. Os socorristas também precisam comunicar as suas<br />

observações através da cadeia de comando, par-a que possam ser<br />

dados os passos certos para montar uma resposta apropriada,<br />

melhorando a segurança paru quem faz o resgate e a assistência<br />

aos pacientes. O sistema de comando do incidente (SCI) define<br />

a cadeia de comando por meio da qual essa comunicação deve<br />

ocorrer. O SCI é o instrumento modelo paru comando, controle<br />

e coordenação. Foi desenvolvido para atenuai- as falhas recor¬<br />

rentes da resposta a desastres, que incluem:<br />

1. Uso de terminologia não padronizada pelas entidades que<br />

prestam atendimento<br />

2. Estruturas de comando não padronizadas nem integradas<br />

por parte das entidades que prestam atendimento<br />

3. Falta de capacidade para se adequar à situação, expandindo-se<br />

ou retraindo-se<br />

4. Comunicações não padronizadas nem integradas<br />

5. Falta de planos de ação para incidentes consolidados<br />

6. Falta de instituições designadas<br />

O SCI oferece uma estrutura de gerenciamento que coor¬<br />

dena todos os recursos disponíveis para assegurar uma resposta<br />

efetiva. Todos os incidentes, qualquer que seja seu tamanho ou<br />

complexidade, devem ter um comandante do incidente desig¬<br />

nado, que pode ser o primeiro socorrista a chegar, até que seja<br />

á<br />

Area de atendimento<br />

VENTO<br />

—<br />

Suporte<br />

(zona fria)<br />

Zona de redução da<br />

contaminação (morna)<br />

Pontos de controle de acesso<br />

Corredor de redução<br />

de contaminação<br />

Zona de exclusão (quente)<br />

Linha quente<br />

Linha de controle de contaminação<br />

Linha de controle da multidão<br />

Posto de comando<br />

FIGURA 19-1 A cena de um incidente com ADM ou material perigoso geralmente é dividida em zonas quente, morna e fria.<br />

(Modificado de Chapleau W: Emergency first responder, SI Louis, 2004, Mosby)


450 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

liberado por alguma oiilra autoridade competente (Capítulo 4).<br />

É essencial que os socorristas se familiarizem com a implemen¬<br />

tação do SCI e tenham a oportunidade de praticá-lo.<br />

Equipamento de Proteção Individual<br />

Ao responder a eventos causados por ADM, é preciso conside¬<br />

rai- o uso do equipamento de proteção individual (EPI). O EPI<br />

necessário pode variar desde o uniforme padrão do dia a dia<br />

a uma roupa inteiramente encapsulada, com aparelhagem de<br />

respiração autocontida (ARAC), dependendo do agente espe¬<br />

cífico envolvido e do papel específico atribuído ao socorrista.<br />

Esse equipamento é confeccionado para proteger o socorrista<br />

da exposição a agentes agressores, proporcionando diferentes<br />

níveis de proteção do trato respiratório, da pele e de outras<br />

membranas mucosas. O EPI para civis em geral é descrito pelos<br />

seguintes níveis (Fig. 19-2):<br />

h NívelA. Este nível oferece a mais alta proteção respiratória<br />

e da pele. O trato respiratório é protegido por uma ARAC<br />

ou respirador com suprimento de ar (RSA), que oferece ao<br />

socorrista ar com pressão positiva. Uma barreira resistente<br />

a substâncias químicas, que encapsula completamente<br />

quem a usa, protege a pele e as mucosas.<br />

® NívelB. O trato respiratório é protegido do mesmo modo<br />

que no Nível A, com ar suprido com pressão positiva. Ves¬<br />

timentas não encapsuladas resistentes a substâncias<br />

químicas, incluindo roupa, luvas e botas, que proporcionam<br />

proteção apenas contra respingos, protegem a pele e as<br />

mucosas. Proporciona proteção respiratória máxima,com<br />

um nível mais baixo de proteção da pele.<br />

h Nível C. O U-ato respiratório é protegido por um respirador<br />

de purificação de ar (RPA). Pode ser um respirador de purifi¬<br />

cação de ar elétrico (RPAE), que retira ar do ambiente<br />

através de um dispositivo com filtro e o passa sob pressão<br />

positiva para uma máscara facial ou capuz, ou um RPA não<br />

elétrico,que depende de que o usuário retire ar do ambiente<br />

ab-avés de um dispositivo com filtro, respirando através de<br />

máscara adaptada adequadamente. A proteção da pele é a<br />

mesma do Nível B.<br />

e NívelD. Corresponde às roupas-padrão de trabalho (ou<br />

seja, o uniforme do socorrista) e também pode incluir<br />

avental, luvas e máscara cirúrgica. Este nível dá proteção<br />

respiratória mínima e proteção mínima da pele.<br />

O EPI é selecionado com base nos riscos conhecidos (ou<br />

suspeitados) do ambiente e na proximidade da ameaça. A pro¬<br />

ximidade da ameaça é definida segundo as seguintes zonas:<br />

ÿ<br />

ÿ<br />

A zona quente é a área em que há ameaça imediata à saúde<br />

e à vida. Inclui o ambiente contaminado por gás, vapor,<br />

aerossol, líquido ou pó perigoso. O EPI adequado para<br />

proteger o socorrista é determinado com base nas possí¬<br />

veis vias de exposição à substância e no provável agente.<br />

A proteção Nível A é mais frequentemente usada na zona<br />

quente.<br />

A zona morna caracteriza-se por uma área em que a con¬<br />

centração do agente agressor é limitada. No caso de cena<br />

com ADM, esta é a área para a qual as vítimas são trazidas<br />

BJ<br />

da zona quente e onde ocorre a descontaminação. O socor¬<br />

rista ainda está em risco de exposição a material perigoso<br />

nesta área, pois o agente é carregado da área quente nas<br />

vítimas, nas pessoas que atenderam e no equipamento. O EPI<br />

é recomendado com base em possíveis vias de exposição à<br />

substância.<br />

A zona fria é a área fora das zonas quente e morna, que<br />

não está contaminada, na qual não há risco de exposição a<br />

material perigoso, e, desse modo, não é necessário nenhum<br />

nível específico de EPI, além das precauções universais<br />

padrão.<br />

É importante observar que costuma ser difícil definir essas<br />

zonas de risco e que elas podem ser dinâmicas, não estáticas.<br />

Os fatores que contribuem para a dinâmica das zonas incluem<br />

a atividade das vítimas e dos socorristas e as condições do<br />

ambiente. A menos que completamente incapacitadas, as víti¬<br />

mas contaminadas podem caminhar até os socorristas na "zona<br />

fria" ou sair da cena completamente, ou por pânico ou coma<br />

intenção de buscar ajuda em um estabelecimento de tratamento<br />

médico por perto ou junto a seu médico pessoal. Pelo seu projelo,<br />

as zonas mornas e frias são designadas no sentido contrário<br />

ao vento que sopra da zona quente. No entanto, se a direção do<br />

vento mudai-, os socorristas estarão em risco de exposição ao<br />

material perigoso, se não conseguirem colocar o equipamento<br />

cle proteção individual nem se retirar. Essas contingências pre¬<br />

cisam ser antecipadas durante o planejamento e a resposta a um<br />

evento com ADM.<br />

Poderia ser concluído que a melhor atitude de um socorrista<br />

em relação à proteção é responder sempre no nível mais alto<br />

de proteção, o Nível A, qualquer que seja a ameaça. Esta não<br />

é, contudo, uma resposta razoável. A proteção Nível A é incó¬<br />

moda e, muitas vezes, dificulta a realização de tarefas manuais.<br />

É necessário muito treinamento e experiência para usar ARAC.<br />

A proteção Nível A coloca o usuário em risco de esfresse pelo<br />

calor e exaustão física. Pode tornar difícil a comunicação entre<br />

os socorristas e as vítimas. O EPIapropriado precisa ser selecio¬<br />

nado com base na ameaça e nas responsabilidades operacionais<br />

do socorrista.<br />

Triagem dos Pacientes<br />

Os socorristas podem deparar-se com um número grande e<br />

incontrolável de vítimas que precisarão de avaliação e tra¬<br />

tamento depois de um evento com ADM. Todos os sistemas<br />

SME devem identificar e ensaiar um mecanismo para triagem<br />

rápida das vítimas. O objetivo da triagem de pacientes em um<br />

incidente com ADM é fazer o máximo pelo maior número de<br />

vítimas. A friagem no localbaseia-se, em geral, em critérios fisio¬<br />

lógicos facilmente mensuráveis, que atribuem aos pacientes cate¬<br />

gorias de gravidade para identificai- aqueles que precisam mais<br />

urgentemente de tratamento e de transporte para um estabeleci¬<br />

mento de tratamento médico.2 Foram publicados vários critérios<br />

de friagem.3 O sistema START (friagem simples e tratamento<br />

rápido, em inglês) é um método comumente usado. A gravidade<br />

do paciente é determinada cle maneira algorítmica, avaliando<br />

primeiramente a capacidade de deambulai-, depois a via aérea,<br />

a respiração, a ciróuíação e as condições mentais. Os pacientes<br />

geralmente são distribuídos em quatro categorias de gravidade.<br />

Os pacientes da categoria leves ("verdes") não têm lesão que colo-


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 451<br />

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FIGURA 19-2 Equipamento de proteção individuai. A. Nível A. B. Nível B. C. Nível C. D. Nível D.


452 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

que a vida em risco e provavelmente passarão bem,mesmo que o<br />

atendimento demore horas ou até dias para ser feito. Os pacientes<br />

da categoria podem aguardar ("amarelos") têm lesão grave, mas<br />

provavelmente não deteriorarão se houver pequena demora no<br />

atendimento. Os pacientes da categoria imediatos ("vermelhos")<br />

estão em estado crítico e precisarão de atendimento imediato.<br />

Os pacientes da categoria expectantes ("pretos") estão mortos ou<br />

têm lesões incompatíveis com a vida. Tem sido usada, ocasional¬<br />

mente, uma quinta categoria ("azul") para pacientes que preci¬<br />

sam de descontaminação. Outros sistemas de triagem incluem<br />

o método MASS, ensinado nos cursos do National Disaster Life<br />

Support e o sistema SALT, proposto pelo CDC'1 (para mais infor¬<br />

mações, consulte o Capítulo 18).<br />

Qualquer que seja o sistema de triagem utilizado, ele deve<br />

ser empregado nas operações de rotina dos SME, para promo¬<br />

ver familiaridade e para assegurar- o reconhecimento entre os<br />

prestadores de serviços de emergência em lodos os níveis de<br />

atendimento, inclusive os hospitais.<br />

Princípios de Descontaminação<br />

Os pacientes e os socorristas podem precisar de descontami¬<br />

nação depois de exposição a sólidos ou líquidos aderentes que<br />

possam trazer risco ao paciente ou a outras pessoas da área da<br />

saúde. Esses indivíduos devem passar por procedimentos de<br />

descontaminação realizados no local em uma área de descon¬<br />

taminação designada. As áreas de descontaminação, quando as<br />

condições permitirem, devem Bear- do lado contrário ao vento<br />

e acima da área acometida. A exposição conhecida a apenas<br />

vapores 011 gases não requer descontaminação com o objetivo<br />

de impedir a contaminação secundária, embora as roupas da<br />

vítima devam ser removidas.<br />

A descontaminação é um processo em duas etapas que pri¬<br />

meiramente envolve a remoção de todas as roupas, acessórios<br />

e calçados, que são ensacados e rotulados para posterior iden¬<br />

tificação. O simples alo de remover as roupas reduz em 70%<br />

a 90% a contaminação. Qualquer sólido contaminante deve<br />

ser cuidadosamente escovado do paciente, e qualquer líquido<br />

contaminante deve ser enxugado. A segunda etapa envolve<br />

lavagem das superfícies da pele com água apenas ou com água<br />

e um detergente suave, para assegurar a remoção de todas as<br />

substâncias da pele do paciente. Evite usai- detergentes fortes<br />

ou soluções de água sanitária na pele, assim como esfregá-la<br />

vigorosamente. Irritar química ou fisicamente a pele pode con¬<br />

tribuir para aumentar a absorção do agente agressor. Durante<br />

a lavagem, dobras da pele, axilas, virilhas, regiões glúteas e os<br />

pés devem receber atenção especial, porque os contaminantes<br />

podem acumular-se nessas áreas e não serem percebidos pelos<br />

pacientes no trabalho de limpeza.<br />

A descontaminação deve ser realizada de maneira siste¬<br />

mática, para não deixar passar áreas de pele contaminada. Nos<br />

olhos, as lentes de contato devem ser removidas, e as mucosas<br />

devem ser irrigadas com quantidades abundantes de água ou<br />

solução salina, especialmente se o paciente estiver sintomá¬<br />

tico. Os pacientes que andam devem ser capazes de realizar<br />

a sua própria descontaminação sob instrução dos socorristas.<br />

Os pacientes que não andam podem precisar dp ajuda de indi¬<br />

víduos adequadamente trajados com EPI para descontaminar<br />

os pacientes em macas. A descontaminação rápida pode estar<br />

justificada como esforço para diminuir o tempo de exposição<br />

a várias substâncias que trazem risco de vida. Todos os socor¬<br />

ristas precisam estai- familiarizados com um procedimento de<br />

descontaminação rápida que possa ser executado mesmo antes<br />

da chegada da equipe especializada em materiais perigosos/<br />

descontaminação, para minimizai- o tempo de exposição de<br />

pacientes e socorristas.<br />

As questões a serem consideradas incluem: (1) oferecera<br />

privacidade necessária para homens e mulheres se despirem,<br />

(2) ter água morna à disposição para irrigação e lavagem, (3) for¬<br />

necer umsubstituto adequado para as roupas ao final da descon¬<br />

taminação, (4) assegurar às vítimas que seus pertences pessoais<br />

estarão seguros até que se tenha uma decisão final quanto à sua<br />

devolução ou descarte e (5) recolha do efluente, se factível.<br />

Ameaças Específicas<br />

Explosões e Explosivos<br />

O entendimento das lesões provocadas por explosivos é essen¬<br />

cial para lodos os socorristas, tanto no contexto civil quanto<br />

no militar. Os profissionais cla área médica precisam entender<br />

a fisiopatologia da lesão resultante de explosões não intencio¬<br />

nais, industriais e de uma ampla gama de dispositivos explo¬<br />

sivos contra a pessoa, como cartas-bomba, ogivas de grana¬<br />

das disparadas por foguetes, minas terrestres contra a pessoa,<br />

bombas aéreas, armas explosivas e explosivos improvisados<br />

(El) tão amplamente utilizados por terroristas. Um estudo dos<br />

36.110 incidentes com bomba ocorridos nos Estados Unidos,<br />

relatado pelo Bureau of Alcohol, Tobacpo, and Firearms (ATF),<br />

entre 1983 e 2002, concluiu que "a experiência norte-americana<br />

revela que os materiais usados nos atentados a bomba são facil¬<br />

mente encontrados [e] os profissionais de saúde... precisam<br />

estar preparados. "5<br />

Explosões ocorrem em casas (principalmente devido a<br />

vazamentos de gás ou incêndios) e são um risco ocupacio¬<br />

nal em muitas indústrias, incluindo minas e empresas de<br />

demolição, indústrias químicas ou empresas que lidam com<br />

combustíveis ou com substâncias que geram pó, como grãos.<br />

Explosões industriais resultam de vazamento de substâncias<br />

químicas, incêndios, falhas na manutenção de equipamen¬<br />

tos, falhas elétricas/mecânicas e podem gerar gases tóxicos,<br />

colapso de edifícios, explosões secundárias, queda de escom¬<br />

bros e grande número de vítimas. Outra causa comum de<br />

explosão é o rompimento de compartimentos pressurizados,<br />

como caldeiras, quando a pressão interna excede a capaci¬<br />

dade do contêiner de suportar a pressão elevada. De modo<br />

geral, porém, as explosões não intencionais são responsáveis<br />

por um número relativamente baixo de lesões e mortes (p. ex.,<br />

150 nos Estados Unidos, em 2004(>) em comparação com o<br />

grande número de lesões e mortes causadas por explosivos<br />

usados por terroristas e adversários militares.<br />

Em todo o mundo, os terroristas cada vez mais estão usando<br />

bombas, especialmente El, contra alvos civis. Isso ocorre por¬<br />

que esses dispositivos são baratos, feitos com materiais de fácil


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 453<br />

obtenção e resultam em grande destruição, que atrai a atenção<br />

internacional para a sua causa. A probabilidade de um socor¬<br />

rista encontrar uma lesão provocada por explosivos convencio¬<br />

nais é milhares de vezes maior do que a probabilidade de se<br />

deparar com um ataque químico, biológico ou nuclear. Já que<br />

tanto socorristas civis como militares podem ser chamados a<br />

responder a um ataque a bomba contra populações civis, todos<br />

os profissionais de saúde precisam estar familiarizados com o<br />

seu papel durante essas ocorrências cada vez mais frequentes.<br />

Uma revisão do Departamento de Estado norte-americano<br />

sobre incidentes terroristas ocorridos em todo o mundo entre<br />

1961 e 2003 revelou um significativo aumento a partir de 1996<br />

e uma elevação exponencial após os ataques de 11de setembro<br />

de 2001.' Nas últimas décadas, os ataques a bomba, que ocor¬<br />

riam em determinados "pontos problemáticos", como a Irlanda<br />

do Norte (na década de 1970) ou Paris (nos anos de 1980), passaram<br />

a ocorrer em todas as regiões do globo, de Atlanta a Jeru-<br />

I salém e Nairobi. Nos últimos anos, porém, um ponto problei<br />

málico primário foi o fraque, onde, em 2007, ocorreram 60%<br />

das mortes (total-de 13.606) provocadas por ataques terroristas.0<br />

No momento, embora os Estados Unidos não estejam expostos<br />

a tantos ataques a bomba como outros países, 445 incidentes<br />

dessa natureza foram relatados em 2007 (mais de um por dia),<br />

além de outros incidentes relacionados, como roubo/recupera¬<br />

ção de explosivos, explosões acidentais etc. (Fig. 19-3).


454 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Mais recentemente, porém, o número cie ataques terroristas e<br />

as lesões e mortes associadas caíram para '18%, 30% e 23%,<br />

respectivamente (Fig. 19-4). 1,1<br />

Categorias de Explosivos<br />

Os clínicos precisam considerar o tipo do dispositivo explosivo<br />

e sua localização ao avaliar as vítimas de incidentes terroristas<br />

com explosão.14 Os explosivos encaixam-se em uma de duas<br />

categorias, com base na velocidade de detonação: explosivos<br />

potentes e explosivosfracos.<br />

Os explosivos potentes (EP) reagem de modo quase instan¬<br />

tâneo. Uma vez que são projelados para detonar e liberar sua<br />

energia de forma muito rápida, os EP são capazes de gerar uma<br />

onda de choque, oufenómeno de hiperpressão, que pode resul¬<br />

tar em lesões primárias pela explosão. A explosão cria uma ele¬<br />

vação instantânea da pressão, produzindo uma onda de choque<br />

que se expande em velocidade supersônica (1.400-9.000 m/s).15<br />

A onda de choque constitui a frente e é um componente inte¬<br />

gral da onda de explosão, que é criada pela rápida liberação<br />

de enormes quantidades de energia, com subsequente propul¬<br />

são de fragmentos, geração de escombros no ambiente e muitas<br />

vezes intensa radiação térmica.<br />

Exemplos comuns de explosivos potentes são o 2,4,6-trinitrotolueno<br />

(TNT), a nitroglicerina, a dinamite, o óleo com¬<br />

bustível com nitrato de amónio e os mais recentes explosivos<br />

poliméricos, que são 1,5 vez mais potentes que o TNT, como o<br />

Gelignite e o onipresente plástico explosivo Semtex. Explosivos<br />

potentes têm um efeito agudo, destrutivo (estilhaçamento), que<br />

pode pulverizar ossos e parles moles, causar lesões por hiper¬<br />

pressão (barotrauma) e arremessar destroços a velocidades<br />

balísticas (fragmentação). É importante notar também que um<br />

explosivo potente pode resultar em explosão de baixa ordem,<br />

principalmente se estiver deteriorado por envelhecimento<br />

(Semtex) ou, em alguns casos, se for molhado (dinamite). O<br />

reverso, porém, não é verdade — um explosivo fraco não pode<br />

provocar uma explosão de alta ordem.<br />

Os explosivosfracos (EF) (p. ex., pólvora), quando ativados,<br />

mudam, de forma relativamente lenta, do estado sólido para o<br />

gasoso (em uma ação mais característica de combustão do que<br />

de detonação), criando geralmente uma onda de explosão que se<br />

move a menos de 2.000 metros por segundo (m/s). Exemplos de<br />

EF incluem bombas feitas com canos, pólvora e bombas basea¬<br />

das apenas em derivados de petróleo,como coquetel Molotov.10<br />

As explosões resultantes do rompimento de contêiner e a igni¬<br />

ção de compostos voláteis também se enquadram nesta catego¬<br />

ria. Como liberam energia de modo muito mais lento, os EF não<br />

são capazes de gerai- hiperpressão.<br />

O tipo e a quantidade de explosivo determinam o tamanho<br />

da explosão associada à detonação do dispositivo. Esse fato faz<br />

com que a abordagem da cena e a escolha do local onde fica¬<br />

rão os socorristas e o equipamento seja uma decisão crítica. Ao<br />

responder a um chamado que envolva um dispositivo suspeito<br />

ou um possível dispositivo,secundário, todos os socorristas<br />

devem ficar a uma distância segura do local, no caso de detona¬<br />

ção. (Cap. 5). A Figura 19-5 mostra orientações sobre distâncias<br />

seguras, dependendo do possível tamanho da explosão.<br />

Mecanismos de Lesão<br />

As lesões traumáticas por explosões são geralmente divididas em<br />

três categorias: lesão primária, secundária e terciária.1' Além das<br />

lesões que resultam diretamente da explosão, outras categorias<br />

de lesões, classificadas como quaternárias e quinárias, foram<br />

descritas, e são resultantes de complicações ou efeitos tóxicos<br />

relacionados ao explosivo ou a contaminantes. Embora estas<br />

lesões sejam descritas separadamente, podem ocorrer concomi¬<br />

tantemente em vítimas de explosões. A Figura '19-6 mostra os<br />

efeitos das explosões sobre o corpo humano.<br />

A lesão primária por explosão (LPE) é provocada pela deto¬<br />

nação de explosivos de alta ordem e pela interação da onda de<br />

hiperpressão da explosão com o corpo ou seus tecidos, gerando<br />

ondas de estresse e de cisalhamento. As ondas de estresse são<br />

ondas de pressão supersônicas, longitudinais, que (1) criam<br />

grandes forças locais, com distorções pequenas e rápidas; (2)<br />

provocam microlesão vascular-; e (3) são reforçadas e refletidas<br />

em interlaces teciduais, aumentando, assim, o potencial de<br />

lesão, principalmente em órgãos preenchidos por gás, como os<br />

pulmões, os ouvidos e os intestinos. Isso não deve ser confun¬<br />

dido com o deslocamento de ar- gerado por uma explosão; a onda<br />

de choque ou onda da explosão é a pressão atmosférica significa¬<br />

tivamente aumentada, por causa da combustão quase instantânea<br />

do EP. As hiperpressões decorrentes dessas detonações podem<br />

exceder os 4 milhões de libras por polegada quadrada (psi), em<br />

comparação com a pressão ambiente de '14,7 psi. A onda de cho¬<br />

que ou onda de pressão propaga-se então a partir do ponto de<br />

origem, dissipando-se gradualmente à medida que aumenta a<br />

distância do ponto de combustão. Dependendo da proximidade<br />

da vítima em relação ao local da explosão, bem como da proteção<br />

ou ampliação da onda secundária às detonações em um espaço<br />

fechado, uma vítima pode sofrer LPE.<br />

As lesões por onda de estresse são provocadas por (1) dife¬<br />

renças de pressão através de estruturas delicadas, como os<br />

alvéolos, (2) rápida compressão e subsequente reexpansão de<br />

estruturas preenchidas por gás e (3) reflexão da onda de tensão<br />

(um componente da onda compressiva de estresse) na interface<br />

tecido-gás. As ondas de cisalhamento são ondas transversais,<br />

de menor velocidade e maior duração, que provocam movi¬<br />

mentação assíncrona dos tecidos. O grau de lesão depende da<br />

extensão em que os movimentos assíncronos superam a elasti¬<br />

cidade própria do tecido, provocando sua laceração e a possí¬<br />

vel ruptura de ligamentos. Lesões em músculos, ossos e órgãos<br />

sólidos, porém, são muito mais provavelmente decorrentes dos<br />

efeitos terciários e quaternários da explosão do que da onda de<br />

explosão em si.10,19<br />

Lesão primária por explosão ocorre em órgãos cheios dear,<br />

como pulmão, intestino e ouvido médio. A lesão dos tecidos<br />

ocorre na interface hidroaérea, presumivelmente por compres¬<br />

são rápida do gás dentro do órgão, causando colapso violento<br />

daquele órgão, seguido por uma expansão igualmente rápida<br />

e violenta, resultando em lesão tecidual. A lesão do pulmão<br />

manifesta-se como contusões pulmonares ou possivelmente<br />

hemopneumotórax, resultando em hipoxemia se o paciente<br />

não sucumbir imediatamente às lesões (Fig. 19-7). Os alvéolos<br />

também podem romper-se, o que resulta em embolia gasosa<br />

arterial, que pode causai- complicações embólicas cerebrais ou<br />

cardíacas. A lesão do intestino pode incluir petéquias ou hema-


m<br />

NAO CONFIDENCIAL<br />

Guia Rápido de Distância Segura de Dispositivos Explosivos Improvisados (DEI)<br />

Descrição da Ameaça<br />

Bomba em cano<br />

Massa dos Explosivos1<br />

(Equivalência a TNT)<br />

5 libras<br />

2,3 kg<br />

Distância de<br />

Evacuação do<br />

Edifício2<br />

70 pés<br />

21 m<br />

Distância de<br />

Evacuação<br />

ao Ar Livre3<br />

850 pés<br />

259 m<br />

Cinto suicida<br />

10 libras<br />

4,5kg<br />

90 pés<br />

27 m<br />

1.080 pés<br />

330 m<br />

Vestimenta suicida<br />

20 libras<br />

9 kg<br />

110 pés<br />

34 m<br />

1.360 pés<br />

415 m<br />

Bomba em maleta/mala<br />

50 libras<br />

23 kg<br />

150 pés<br />

46 m<br />

1.850 pés<br />

564 m<br />

Sedã compacto<br />

Sedã<br />

Van de passageiros/<br />

_ carga _<br />

Veículo urbano de carga/<br />

caminhão de entregas<br />

Caminhão de mudança/<br />

caminhão-pipa<br />

Semitrailer<br />

500 libras<br />

227 kg<br />

1.000 libras<br />

454 kg<br />

4.000 libras<br />

1.814 kg<br />

10.000 libras<br />

4.536 kg<br />

30.000 libras<br />

13.608 kg<br />

60.000 libras<br />

27.216 kg<br />

320 pés<br />

98 m<br />

400 pés<br />

122 m<br />

640 pés<br />

195 m<br />

860 pés<br />

263 m<br />

1.240 pés<br />

375 m<br />

1.570 pés<br />

475 m<br />

1.500 pés<br />

457 m<br />

1.750 pés<br />

534 m<br />

2.750 pés<br />

838 m<br />

3.750 pés<br />

1.143 m<br />

6.500 pés<br />

1.982 m<br />

7.000 pés<br />

2.134 m<br />

Descrição da Ameaça<br />

Massa/Vòlume de<br />

GLP1<br />

Diâmetro de<br />

Saída4<br />

Distância<br />

Segura5<br />

Botijão Pequeno de<br />

GLP<br />

20 libras/5 galões<br />

9 kg/19 L<br />

40 pés<br />

12 m<br />

160 pés<br />

48 m<br />

cu<br />

ti<br />

o. Q_<br />

Botijão Grande de GLP<br />

100 libras/<br />

25 galões<br />

45 kg/95 L<br />

69 pés<br />

21 m<br />

276 pés<br />

84 m<br />

Tanque Comercial/<br />

Residencial de GLP<br />

Caminhão-Tanque<br />

Pequeno de GLP<br />

Caminhão-Tanque<br />

Grande de GLP<br />

2.000 libras/<br />

500 galões<br />

907 kg/1.893 L<br />

8.000 libras/<br />

2.000 galões<br />

3.630 kg/7.570 L<br />

40.000 libras/<br />

10.000 galões<br />

18.144 kg/37.850 L<br />

184 pés<br />

56 m<br />

292 pés<br />

89 m<br />

499 pés/<br />

152 m<br />

736 pés<br />

224 m<br />

1.168 pés<br />

356 m<br />

1.996 pés<br />

608 m<br />

NAO CONFIDENCIAL<br />

FIGURA 19-5<br />

confidencial).<br />

Quadro da Distância Segura de Explosivos (National Ground Intelligence Center, Exército dos Estados Unidos - não<br />

baseado na quantidade máxima de material que pode caber mais ou menos em um contêiner ou veículo. Pode haver variações.<br />

2Determinado pela capacidade de um edifício não reforçado aguentar dano grave ou colapsar.<br />

3Determinado pela maior distância de alcance de fragmentos ou pela distância de risco de ser atingido por vidros quebrados ou<br />

caídos. Essas distâncias podem ser reduzidas para pessoal que use proteção balística individual. Note que bombas em canos,<br />

cintos/vestimentasÿuicidas e bombas em malas/maletas apresentam características de fragmentação que requerem maiores<br />

distâncias do que a mesma quantidade de explosivos em um veículo.<br />

"'Assumindo a mistura eficiente do gás inflamável com o ar ambiente.<br />

5Determinada pelas práticas de combate a incêndio dos Estados Unidos, onde as distâncias seguras são, aproximadamente,<br />

4 vezes a altura das chamas. Note que um tanque de GLP cheio com explosivos de alta ordem requer que a distância seja signi¬<br />

ficativamente maior do que se cheio com GLP.


456 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 19-6<br />

Categorias de Lesões por Explosão<br />

Categoria Impacto Mecanismo de Lesão Lesões Característica<br />

Primária<br />

Secundária<br />

Terciária<br />

Quaternária<br />

Quinária<br />

Efeitos diretos da explosão<br />

(super e subpressurização)<br />

Projéteis lançados pela<br />

explosão<br />

Propulsão do corpo contra<br />

superfície ou objeto duro ou<br />

propulsão de objetos contra<br />

o indivíduo<br />

Calor e/ou fumaça de<br />

combustão<br />

Aditivos, como radiação ou<br />

substâncias químicas<br />

Contato da onda de choque com o corpo<br />

Ocorrem ondas de estresse e de cisaihamento<br />

nos tecidos<br />

Reforço/reflexão das ondas em interfaces de<br />

densidade tecidual<br />

Órgãos preenchidos por gás (pulmões,<br />

ouvidos etc.) são mais suscetíveis<br />

Lesões balísticas produzidas por:<br />

Fragmentos primários (pedaços da arma que<br />

explodiu)<br />

Fragmentos secundários (fragmentos do<br />

ambiente, p. ex., vidro)<br />

Translocação corpórea total<br />

Lesões por esmagamento, causadas por dano<br />

estrutural e colapso de edifícios<br />

Queimaduras e toxídromos de combustíveis e<br />

metais<br />

Síndromes sépticas por contaminação do solo<br />

e do ambiente<br />

Contaminação tecidual por:<br />

Bactérias, radiação e substâncias químicas<br />

Fragmentos ósseos alogênicos<br />

Ruptura da membrana<br />

timpânica<br />

Pulmão de explosão<br />

Lesões oculares<br />

Concussão<br />

Ferimentos penetrantes<br />

Amputações traumáticas<br />

Lacerações<br />

Concussões<br />

Trauma fechado<br />

Síndrome de esmagamento<br />

s Síndrome compartimentai<br />

Concussão<br />

Queimaduras<br />

s Lesão por inalação<br />

Asfixia<br />

Diversos efeitos sobre a<br />

saúde, dependendo do agente<br />

(Deparlmenl of Defense Directive: Medical Research for Prevention, Mitigation, and Treatment of Blast Injuries. Number 6025.21E. http://www.dtic.mil/whs/directives/corres/<br />

html/602521.htm. Acessado em 21 de novembro de 2008.)<br />

tomas da parede intestinal, ou até perfuração. Também pode<br />

ocorrer ruptura da membrana timpânica ou lesão dos ossículos<br />

do ouvido médio.<br />

Há mais evidências de LPE no pulmão nos pacientes que<br />

morrem minutos depois da explosão por ferimentos associados;<br />

entretanto, a LPE pulmonar tem sido observada mais frequente¬<br />

mente entre as vítimas sobreviventes de explosões em espaços<br />

confinados.20'22 Ela também se associa a outros traumas graves<br />

e é indicativa de aumento da mortalidade nos sobreviventes.<br />

Depois de uma explosão ao ar livre em Beirute, somente 0,6%<br />

dos sobreviventes tinha evidências de LPE, e 11% destes mor¬<br />

reram.12 Em uma explosão em espaço confinado em Jerusalém,<br />

38% dos sobreviventes tinham evidências de LPE, com uma<br />

laxa de mortalidade semelhante de aproximadamente 9%. 2-1 Da<br />

mesma maneira, duas das três bombas que foram detonadas no<br />

metro de Londres explodiram em túneis amplos, provocando,<br />

respectivamente, seis e sele mortes. O terceiro dispositivo deto¬<br />

nado no metrô foi explodido em um túnel estreito, provocando<br />

26 mortes. Essa diferença na mortalidade entre explosões em<br />

espaços abertos e fechados é resultante da reflexão da onda de<br />

explosão de volta contra as vítimas, ao invés de sua dispersão<br />

para a área à volta.<br />

A lesão secundarialporexplosão é causada por voo de escom¬<br />

bros e fragmentos da bomba. A lesão por fragmentos (fragmenta¬<br />

ção), ou lesão secundária, é a categoria mais comum de lesão em<br />

atentados terroristas a bomba e em explosões de baixa ordem.<br />

Esses projéteis podem ser componentes da própria bomba, como<br />

nas armas militares projetadas para se fragmentarem ou nas bom¬<br />

bas improvisadas ampliadas com pregos, parafusos e pinos. A<br />

lesão secundária por explosão também é causada por escombros<br />

carregados pelo deslocamento de ar da explosão. Deslocamentos<br />

de ar de explosões associados à força necessária para criai- liiperpressão<br />

suficiente para romper 50% das membranas timpânicas<br />

expostas (aproximadamente 5 psi) podem rapidamente alcançar<br />

230 km/h. Deslocamentos de ar associados à força necessária para<br />

criai- hiperpressão que resulte em LPE significativa podem exce¬<br />

der 1.320 km/h.17 Embora tenham duração breve, esses desloca¬<br />

mentos de ar podem lançar escombros com grande força e por<br />

grandes distâncias, o que causa trauma penetrante e contuso.<br />

A lesão terciária por explosão é causada pelo deslocamento<br />

de ar que lança o corpo, resultando em tombos e colisão com<br />

' objetos estacionários. Isso pode resultar no espectro completo<br />

de lesões associadas a traumas contusos e até a traumas pene¬<br />

trantes, como fazer com que objetos fiquem encravados no<br />

corpo.<br />

Após a explosão em si, podem ser observados efeitos quaternários.l5<br />

Essas lesões incluem queimaduras e intoxicações<br />

por combustíveis e metais, traumas por colapso de edifícios,<br />

síndromes sépticas pelo contato com o solo e contaminação<br />

ambiental (meliodose séptica). A ameaça crescente de explosi¬<br />

vos contendo radiação (ou seja, "bombas sujas") deu origem a<br />

uma quinta categoria de efeitos (os efeitos quinários), que inclui


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 457<br />

FIGURA 19-7<br />

Lesão Pulmonar por Explosão: 0 que os Socorristas Precisam Saber<br />

Os atuais padrões de atividade terrorista no mundo todo têm<br />

aumentado o potencial para catástrofes relacionadas com<br />

explosões, embora poucos socorristas dos Serviços Médicos de<br />

Emergências (SME) civis dos Estados Unidos tenham experiência<br />

em tratar de pacientes com lesões relacionadas a explosões. A<br />

lesão pulmonar por explosão apresenta desafios peculiares de<br />

triagem, diagnóstico e atendimento e é consequência direta da<br />

onda de explosão por detonações de explosivos potentes sobre o<br />

corpo. Pessoas que sofrem explosões em espaços fechados ou que<br />

estão muito próximas da explosão têm risco mais elevado. A lesão<br />

pulmonar por explosão é um diagnóstico clínico caracterizado por<br />

dificuldade respiratória e hipoxia. Pode ocorrer lesão pulmonar por<br />

explosão, embora raramente, sem lesão externa óbvia do tórax.<br />

APRESENTAÇÃO CLÍNICA<br />

e Os sintomas podem incluir dispneia, hemoptise, tosse e dor no<br />

peito.<br />

e Os sinais podem incluirtaquipneia, hipoxia, cianose, apneia,<br />

sibilos, diminuição do murmúrio vesicular e instabilidade<br />

hemodinâmica.<br />

e Vítimas com mais de 10% da superfície corporal queimada,<br />

fraturas de crânio e lesões penetrantes no tronco ou no crânio<br />

podem ter maior probabilidade de apresentar lesão pulmonar<br />

por explosão.<br />

b Pode ocorrer hemotórax ou pneumotórax.<br />

ÿ Devido à laceração da árvore pulmonar e vascular, o ar pode<br />

entrar na circulação arterial ("embolia gasosa") e resultar em<br />

eventos embólicos envolvendo o sistema nervoso central, as<br />

artérias da retina ou as artérias coronárias.<br />

b Evidências clínicas de lesão pulmonar por explosão estão<br />

tipicamente presentes na avaliação inicial; entretanto, é<br />

descrito que podem aparecer no decorrer de 24 a 48 horas<br />

depois de uma explosão.<br />

i Também costumam estar presentes outras lesões.<br />

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR<br />

e A triagem inicial, a reanimação do trauma e o transporte de<br />

pacientes devem seguir protocolos padronizados para múltiplas<br />

vítimas ou vítimas em massa.<br />

e Observe a localização do paciente e o ambiente em volta. As<br />

explosões em espaço confinado resultam em incidência mais<br />

alta de lesão primária por explosão, incluindo lesão pulmonar.<br />

e Todos os pacientes com lesão pulmonar por explosão, suspeita<br />

ou confirmada, devem receber oxigénio suplementar em alto<br />

fluxo suficiente para prevenir hipoxia.<br />

® 0 comprometimento iminente da via aérea requer intervenção<br />

imediata.<br />

ta Se a insuficiência ventilatória for iminente ou ocorrer, os<br />

pacientes devem ser intubados; entretanto, os socorristas<br />

devem compreender que a ventilação mecânica e a pressão<br />

positiva podem aumentar o risco de ruptura alveolar,<br />

pneumotórax e embolia gasosa nos pacientes com lesão<br />

pulmonar por explosão.<br />

e Deve ser administrado oxigénio em alto fluxo se houver suspeita<br />

de embolia gasosa, e o paciente deve ser colocado em decúbito<br />

ventral, semilateral esquerdo ou lateral esquerdo.<br />

e: A evidência clínica ou a suspeita de hemotórax ou pneumotórax<br />

obriga a observação cuidadosa. Deve ser realizada<br />

descompressão do tórax nos pacientes que clinicamente<br />

apresentem pneumotórax hipertensivo. Qualquer paciente com<br />

suspeita de lesão pulmonar por explosão que seja transportado<br />

por via aérea deve ser cuidadosamente observado.<br />

s Devem ser administrados líquidos criteriosamente, já que a<br />

administração excessiva de líquidos em paciente com lesão<br />

pulmonar por explosão pode resultar em sobrecarga de volume<br />

e piora das condições pulmonares.<br />

a Os pacientes com lesão pulmonar por explosão devem ser<br />

transportados rapidamente para o hospital apropriado mais<br />

próximo, de acordo com os planos de resposta da comunidade<br />

para eventos com vítimas em massa.<br />

(De Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos.)<br />

lesões provocadas por radiação, substâncias químicas ou agen¬<br />

tes e materiais biológicos, como fragmentos ósseos do terrorista<br />

suicida.24,2''<br />

Padrões de Lesões<br />

O socorrista será confrontado com uma combinação de lesões<br />

penetrantes, fechadas e térmicas familiares e, possivelmente,<br />

sobreviventes com LPE.20 O número e os tipos de lesões depen¬<br />

derão de múltiplos fatores, incluindo a magnitude da explosão,<br />

sua composição, o ambiente e a localização e número de víti¬<br />

mas em risco.<br />

Taxas de mortalidade variáveis associam-se a diferentes<br />

tipos de bombas. Um estudo que analisou 29 ataques terro¬<br />

ristas com bombas mostrou que uma em cada quatro vítimas<br />

morreu imediatamente após explosão de bombas que provoca¬<br />

ram desabamento de prédios, uma em cada 12 vítimas morreu<br />

imediatamente após explosão de bombas em espaço fechado, e<br />

uma em 25 morreu imediatamente depois de explosão de bom¬<br />

bas em espaços abertos.14 Outros estudos documentaram que a<br />

mortalidade é maior quando uma explosão ocorre em espaço<br />

FIGURA 19-8<br />

Atentados Terroristas a Bomba:<br />

Padrões de Lesão<br />

A maioria das lesões apresenta gravidade baixa e acomete o<br />

tecido mole e os ossos.<br />

As lesões cefálicas predominam entre as vítimas que vêm a óbito<br />

(50%-70%).<br />

A maioria dos sobreviventes com lesões cefálicas (98,5%)<br />

apresenta lesões de baixa gravidade.<br />

As lesões cefálicas são desproporcionais em relação à área<br />

superficial corpórea exposta.<br />

A maioria das vítimas com lesão explosão pulmonar morre<br />

imediatamente.<br />

Os sobreviventes apresentam baixa incidência de lesões<br />

abdominais e torácicas, queimaduras, amputações traumáticas<br />

e explosão pulmonar, embora as taxas de mortalidade específica<br />

sejam elevadas (10%-40%).<br />

(Modificado de Frykberg ER, Tepas JJ III: Terrorist bombings: lessons learned from<br />

Belfast to Beirut, Ann Surg 208:569, 1988.)


458 ATENDIMENTO PRE-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

fechado.27,20 Lesões de parles moles, trauma ortopédico e lesão<br />

cerebral traumática (LCT) são predominantes entre os sobrevi¬<br />

ventes (Fig. 19-8).Por exemplo, de 592 sobreviventes da bomba<br />

na cidade de Oklahoma, 85% tiveram lesões de partes moles<br />

(lacerações, perfurações, abrasões, contusões), 25% tiveram<br />

entorses, 14% tiveram traumatismo craniano, 10% tiveram fraturas/luxações,<br />

10% tiveram lesões oculares (nove com ruptura<br />

do globo ocular) e 2% tiveram queimaduras." Os locais mais<br />

comuns de lesão de parles moles foram as extremidades (74%),<br />

seguidas por cabeça e pescoço (48%), face (45%) e tórax (35%).<br />

Dezoito sobreviventes tiveram lesões graves de partes moles,<br />

incluindo lacerações de carótida e de jugular, lacerações de<br />

artérias facial e poplítea e secção de nervos, tendões e ligamen¬<br />

tos. Dezessete sobreviventes tiveram lesões graves de órgãos<br />

internos, incluindo transecção parcial do intestino, laceração<br />

de rim, baço e fígado, pneumotórax e contusão pulmonar. Dos<br />

pacientes com fraturas, 37% tiveram fraturas múltiplas. Dos<br />

diagnosticados com traumatismo craniano, 44% precisaram de<br />

internação.29<br />

Avaliação e Atendimento<br />

A avaliação e o atendimento gerais para vítimas de trauma<br />

(lesão secundária e terciária por explosão) são aplicáveis à<br />

população de pacientes de ADM e são abordadas em outros<br />

capítulos. Peculiar a essa população de pacientes, contudo, é a<br />

possibilidade de LPE. As lesões'primárias por explosões podem<br />

aumentar a probabilidade de os socorristas encontrarem pacien¬<br />

tes com hemoptise e contusões pulmonares, pneumotórax ou<br />

pneumotórax hipertensivo ou até embolia gasosa arterial. Entre<br />

os sobreviventes de lesões primárias por explosões, as manifes¬<br />

tações clínicas podem ser observadas imediatamente10,31 ou ter<br />

seu aparecimento retardado em 24 a 48 horas.32 A hemorragia<br />

intrapulmonar e o edema alveolar focal resultam em secreção<br />

espumosa sanguinolenta e levam a alteração da relação venti¬<br />

lação/perfusão, aumento do shunt intrapulmonar e redução da<br />

complacência. Isso leva a hipoxia, com aumento do trabalho<br />

respiratório, o que é semelhante, do ponto de vista fisiopatológico,<br />

ao observado em contusões pulmonares induzidas por<br />

outros mecanismos de trauma fechado de tórax.33 A presença<br />

de fraturas de costela deve aumentar a suspeita de lesões toráci¬<br />

cas terciárias ou quaternárias.<br />

As lesões primárias por explosão não são imediatamente<br />

aparentes, e, por isso, o atendimento no local deve incluir (1)<br />

monitoramento quanto à presença de secreções espumosas e<br />

desconforto respiratório, (2) mensurações sequenciais da satu¬<br />

ração de oxigénio (Sp02) e (3) fornecimento de oxigénio. A<br />

diminuição da Sp02 é um "alerta vermelho" para a lesão pul¬<br />

monar precoce por explosão, antes mesmo do aparecimento<br />

dos sintomas. A administração de volume deve ser cuidadosa,<br />

evitando-se sobrecarga1.<br />

A probabilidade de politraumatismo aumenta nas vítimas<br />

de bombas.34 Os princípios de atendimento são semelhantes<br />

aos dos traumatizados por outros mecanismos.<br />

Considerações sobre o Transporte<br />

Os pacientes que precisam de transporte devem ser levados<br />

para um hospital apropriado, para continuar a avaliação e o tra¬<br />

tamento. Muitas vezes, esses pacientes precisam dos serviços<br />

de um centro de trauma. Os socorristas devem estai- cientes da<br />

epidemiologia do transporte do paciente depois desses eventos.<br />

A chegada dos pacientes aos hospitais geralmente é bimodal;<br />

os pacientes que andam chegam primeiro, e os pacientes mais<br />

graves chegam mais tarde, de ambulância. Isso foi demonstrado<br />

no atentado a bomba na cidade americana de Oklahoma. Os<br />

pacientes começaram a chegar aos PS 5 a 30 minutos depois do<br />

atentado, sendo que os pacientes que precisaram de internação<br />

levaram mais tempo para chegai-. Do mesmo modo, os hospi¬<br />

tais geograficamente mais próximos de Oklahoma receberam a<br />

maioria das vítimas, como se vê em outros desastres. Os hospi¬<br />

tais nas proximidades que ficam superlotados com a primeira<br />

onda de pacientes podem apresentar certa dificuldade em lidar<br />

com os pacientes em estado crítico que chegam na segunda<br />

leva. Em Oklahoma, a laxa de chegada agregada de pico dos<br />

pacientes aos PS foi de 220 por hora após 60 a 90 minutos; 64%<br />

dos pacientes procuraram PS em um raio de 2,5 km do evento.<br />

Os socorristas devem considerai- este último fato ao determinar<br />

o destino dos pacientes a partir da cena da bomba.1<br />

Agentes Incendiários<br />

Os agentes incendiários são tipicamente de uso militar e são<br />

utilizados para queimar equipamento, veículos e edifícios. Os<br />

três agentes incendiários reconhecidos mais frequentemente<br />

são a thermite, o magnésio e o fósforo branco. Todos três são<br />

compostos altamente inflamáveis,que queimam em temperatu¬<br />

ras extremamente altas.<br />

A thermite é o pó de óxido de alumínio e de ferro que<br />

queima violentamente a aproximadamente 1.982°C e dispersa<br />

ferro derretido.35 Seu mecanismo primário de lesão são as<br />

queimaduras de segundo ou terceiro grau. As avaliações pri¬<br />

mária e secundária são realizadas con1! a intervenção direcionada<br />

ao tratamento das queimaduras. Os ferimentos por ther¬<br />

mite podem ser irrigados com quantidades copiosas de água, e<br />

qualquer partícula residual e material devem ser subsequente¬<br />

mente removidos.<br />

O magnésio também é um metal sob a forma de pó ou sólida<br />

que queima violentamente quente. Além de sua capacidade de<br />

causar queimaduras de segundo e terceiro graus, o magnésio<br />

pode reagir com líquido tecidual e causar queimaduras alca¬<br />

linas. A mesma reação química produz o gás hidrogénio, que<br />

pode fazer com que a ferida forme bolha ou pode resultar em<br />

enfisema subcutâneo. A inalação de pó de magnésio pode pro¬<br />

duzir sintomas respiratórios, incluindo tosse, taquipneia, hipo¬<br />

xia, sibilos, pneumonite e queimadura das vias aéreas. Partícu¬<br />

las residuais de magnésio em um ferimento podem reagir com<br />

a água, de modo que não se incentiva a irrigação até que os<br />

ferimentos sejam desbridados, e seja removido o material particulado.<br />

Se for necessária irrigação por outras razões, como a<br />

descontaminação de outros materiais suspeitos, deve-se ter cui¬<br />

dado para assegurar o uso de jatos de água ou a remoção das<br />

partículas de magnésio do ferimento.3,1<br />

O fósforo branco (FB) é um sólido que tem ignição espon¬<br />

tânea quando exposto ao ar, causando chama amarela e fumaça<br />

branca. O FB que entra em contato com a pele pode rapida¬<br />

mente causai- queimaduras de segundo e terceiro graus. 0 FB<br />

pode se implantai- na pele, impulsionado pela explosão de


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 459<br />

Imunições com FB. A substância continuará a queimar na pele,<br />

se exposta ao ar. Os socorristas podem diminuirá probabilidade<br />

de combustão na pele imergindo as áreas afetadas em água ou<br />

aplicando curativos embebidos em solução salina sobre a área.<br />

Curativos oleosos ou gordurosos devem ser evitados nesses<br />

pacientes porque o FB é lipossolúvel, e a aplicação desses cura¬<br />

tivos pode aumentar- a probabilidade de toxicidade sistémica.<br />

0 sulfato de cobre historicamente tem sido usado para neutra¬<br />

lizar o FB e facilitar sua remoção, porque a reação resultava em<br />

um composto preto, que era mais fácil de identificar na pele. O<br />

sulfato de cobre perdeu apoio, contudo, em razão das complica¬<br />

ções pelo seu uso, especificamente hemólise intravascular.30<br />

Agentes Químicos<br />

Muitos cenários poderiam expor o socorrista a agentes quími¬<br />

cos, como um acidente em complexo industrial, um caminhãotanque<br />

ou um vagão da estrada de ferro que teve vazamento,<br />

material bélico desenterrado ou um atentado terrorista. O aci¬<br />

dente industrial da Union Carbide, em 1984, em Bhopal, índia,<br />

e o atentado com gás sarin em Tóquio, em 1995, são exemplos<br />

de tais incidentes.<br />

Classificação dos Agentes Químicos<br />

Cianetos (agentes sanguíneos ou asfixiantes]<br />

Cianeto de hidrogénio, cloreto de cianogênio<br />

Agentes nervosos<br />

Tabun (GA), sarin (GB), Soman (GD), GF, VX<br />

Intoxicantes pulmonares (agentes sufocantes ou pulmonares)<br />

Cloro, fosgênio, difosgênio, amónia<br />

Vesicantes (agentes causadores de bolhas)<br />

Mostarda, lewisita<br />

Agentes incapacitantes<br />

BZ<br />

Agentes lacrimejantes (controladores de tumultos)<br />

CN, CS<br />

Agentes causadores de vómitos<br />

Adamsite<br />

Propriedades Físicas dos Materiais Perigosos<br />

As propriedades físicas de uma substância são afetadas por<br />

sua estrutura química, pela temperatura ambiente e pela pres¬<br />

são no ambiente. Esses látores determinam se uma substância<br />

existe como sólido, líquido ou gás. Entender o estado físico de<br />

um material é importante para o socorrista, porque dá indí¬<br />

cios de provável via de exposição e potencial de transmissão e<br />

contaminação.<br />

Um sólido está em um estado da matéria que tem volume<br />

e forma fixos; um pó é exemplo de sólido. Quando aquecidos<br />

até o ponto de fusão, os sólidos tornam-se líquidos. Líquidos<br />

aquecidos até o ponto de ebulição tornam-se gases. As partí¬<br />

culas sólidas e as partículas líquidak podem ficar suspensas<br />

no ar, de fornia semelhante a uma partícula de poeira ou uma<br />

névoa de líquido. Isto é considerado um aerossol. Um vapor é<br />

simplesmente um sólido ou líquido que está no estado gasoso,<br />

mas tecnicamente se esperaria ser encontrado como sólido ou<br />

líquido em temperatura e pressão padrão, o que se define como<br />

0°C e pressão atmosférica normal (1ATA, 14,7 psi). Alguns sóli¬<br />

dos e líquidos, portanto, podem emitir vapores à temperatura<br />

ambiente. Quando os sólidos emitem vapores, sem passar pelo<br />

estado líquido, isto é chamado sublimação. A probabilidade de<br />

que sólidos ou líquidos vaporizem para a fornia gasosa em tem¬<br />

peratura ambiente é definida como volatilidade da substância.<br />

Substâncias altamente voláteis facilmente se convertem em gás<br />

à temperatura ambiente.<br />

Essas propriedades físicas têm implicações na contamina¬<br />

ção primária e secundária e nas possíveis vias de exposição.<br />

A contaminação primária é definida como a exposição à subs¬<br />

tância perigosa em seu ponto de liberação. Por exemplo, ocorre<br />

contaminação primária, por definição, na "zona quente". Gases<br />

(vapores), líquidos, sólidos e aerossóis podem todos desempe¬<br />

nhai' um papel na contaminação primária. Define-se como con¬<br />

taminação secundária a exposição à substância perigosa depois<br />

de ter sido carregada do ponto de origem por uma vítima, um<br />

socorrista ou uma peça de equipamento. A contaminação secun¬<br />

dária geralmente ocorre na "zona morna", embora possa acon¬<br />

tecer em localizações mais remotas, caso a vítima exposta seja<br />

capaz de deixai- o local sozinha. Sólidos e líquidos (e algumas<br />

vezes aerossóis) geralmente contribuem para a contaminação<br />

secundária. Gases (vapores), que causam lesão por inalação da<br />

substância, não se depositam na pele e, portanto, tipicamente<br />

não desempenham papel na contaminação secundária, embora<br />

os vapores possam ficar presos nas roupas.<br />

A volatilidade desempenha um papel significativo no risco<br />

de contaminação secundária. Substâncias mais voláteis são con¬<br />

sideradas "menos persistentes", significando que, como vapori¬<br />

zam, a probabilidade de contaminação física de longa duração<br />

é menor. Esses agentes se dispersarão prontamente e serão leva¬<br />

dos pelo vento. Substâncias menos voláteis são consideradas<br />

"mais persistentes". Elas não vaporizam, ou o fazem muito len¬<br />

tamente, permanecendo, assim, nas superfícies expostas por um<br />

longo tempo, aumentando o risco de contaminação secundária.<br />

Por exemplo, o agente nervoso sarin é umagente não persistente,<br />

ao passo que o agente nervoso VX é persistente.37<br />

Equipamento de Proteção Individual<br />

O equipamento de proteção individual (EPI) é selecionado com<br />

base na ameaça de exposição à substância perigosa. O Nível A<br />

oferece proteção respiratória e da pele contra gases (vapores),<br />

sólidos, líquidos e aerossóis. Estenível de proteção é apropriado<br />

para os socorristas que entram no local de contaminação pri¬<br />

mária. Como também fornece suprimento de ai-, o EPI Nível A<br />

é adequado para ambientes com privação de oxigénio. O Nível<br />

B proporciona a mesma proteção respiratória que o Nível A,<br />

mas a proteção que oferece para a pele e contra respingos é ade¬<br />

quada apenas contra sólidos e líquidos. O Nível C fornece pro¬<br />

teção respiratória contra vapores e aerossóis e proteção da pele<br />

e contra respingos para sólidos e líquidos. O Nível D não ofe¬<br />

rece nenhuma proteção particular respiratória ou da pele confia<br />

substâncias químicas perigosas.<br />

Avaliação e Atendimento<br />

Depois de garantir a segurança do local, o socorrista primeira¬<br />

mente deve confirmar que as vítimas estejam sendo submeti¬<br />

das a descontaminação. Os pacientes com provável exposição<br />

cutânea à forma líquida da substância química precisam de


460 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

descontaminação com água. Se disponível, também pode ser<br />

usado sabão, mas geralmente é suficiente lavar com grandes<br />

quantidades de água. A exposição unicamente a gás não obriga<br />

a descontaminação, mas obriga a remoção da continuação de<br />

qualquer exposição, assim como a remoção de qualquer peça de<br />

roupa que possa ter acumulado vapores residuais.<br />

Uma vez que a vítima tenha sido apropriadamente descon¬<br />

taminada, o socorrista provavelmente encontrará pacientes com<br />

sinais e sintomas de exposição a uma substância perigosa que<br />

ainda não foi especificamente identificada. "Vítimas de agentes<br />

químicos podem manifestar sinais e sintomas de exposição<br />

que afeiam (1) o sistema respiratório, afetando a oxigenação e<br />

a ventilação; (2) as mucosas, causando lesão do olho e da via<br />

aérea alta; (3) o sistema nervoso, resultando em crises convulsi¬<br />

vas ou coma; (4) o trato gastrointestinal (Glj, causando vómitos<br />

ou diarreia; e (5) a pele, causando queimaduras e formação de<br />

bolhas. É importante avaliar os sinais e sintomas iniciais e se<br />

estão melhorando ou progredindo. Os pacientes que apresen¬<br />

tam piora clínica provavelmente foram submetidos à desconta¬<br />

minação incompleta e devem ser expostos à nova descontami¬<br />

nação, para garantir a remoção completa.<br />

Os pacientes precisam de uma avaliação primária para<br />

determinar que intervenções possam ser imediatamente neces¬<br />

sárias para salvar a vida. Uma avaliação secundária pode auxi¬<br />

liar na identificação de constelações de sintomas que poderiam<br />

indicar a natureza da substância"perigosa e sugerir um antídoto<br />

específico. Essa constelação de sinais e sintomas tem sido cha¬<br />

mada toxídromo. Um toxídromo é uma coleção de sinais e sin¬<br />

tomas clínicos que sugerem exposição a determinada classe de<br />

substâncias químicas ou toxinas.30<br />

O toxídromo dos gases irritantesinclui queimaduras e infla¬<br />

mação das mucosas, tosse e dificuldade para respirar. Os agen¬<br />

tes responsáveis podem incluir cloro, fosgênio ou amónia.<br />

O toxídromo asfixiante é causado por privação de oxigé¬<br />

nio celular. Pode resultar de disponibilidade inadequada de<br />

oxigénio, como na atmosfera deficiente em oxigénio; oferta<br />

inadequada de oxigénio às células, como no envenenamento<br />

por monóxido de carbono; ou incapacidade de utilizai" o oxigé¬<br />

nio em nível celular, como no envenenamento por cianeto. Os<br />

sinais e sintomas incluem falta de ar, dor no peito, arritmias,<br />

síncope, crises convulsivas, coma e morte.<br />

O toxídromo colinérgicoê caracterizado por rinorreia, secre¬<br />

ções respiratórias, dificuldade para respirar, náuseas, vómitos,<br />

diarreia, sudorese abundante, pupilas puntiformes e possível<br />

alteração do estado mental, crises convulsivas e coma. Os pes¬<br />

ticidas e os agentes nervosos podem causar esses sinais e sinto¬<br />

mas colinérgicos.40,41<br />

Muito frequentemente, os socorristas iniciam a terapia de<br />

suporte sem saber a causa específica das lesões. Se o agente<br />

causador for apropriadamente identificado, ou se sua identi¬<br />

dade for sugerida pelo toxídromo ou pela apresentação clínica,<br />

poderá ser oferecida terapia específica para o agente. Vítimas<br />

de cianeto e de agentes nervosos são exemplos de pacientes que<br />

podem beneficiar-se de terapia com antídoto específico para o<br />

agente. \<br />

Considerações sobre o Transporte<br />

Os pacientes devem ser levados a um hospital apropriado para<br />

continuar a avaliação e o tratamento. As comunidades podem<br />

identificar- os hospitais preferidos para o tratamento de vítimas<br />

de agentes químicos. Esses hospitais podem ser mais capazes<br />

de lidai" com esses pacientes, em virtude de treinamento espe¬<br />

cializado ou de disponibilidade de serviços de terapia inten¬<br />

siva e antídotos específicos. Da mesma forma, considerações<br />

semelhantes às que foram feitas para incidentes explosivos, a<br />

respeito da epidemiologia do transporte, também se aplicam<br />

a esses pacientes. Os PS nas proximidades podem ficar sobre¬<br />

carregados por pacientes capazes de andar, sair do local e ir<br />

por conta própria para o hospital. Dos 640 pacientes que che¬<br />

garam a um hospital em Tóquio, depois do incidente como<br />

sarin, 541 chegaram sem ajuda dos SME.39 Os hospitais mais<br />

próximos do evento provavelmente receberão o maior número<br />

de pacientes que andam. Esses fatores devem ser considerados<br />

ao determinai" para onde serão levadas as vítimas transportadas<br />

por ambulância.<br />

Alguns Agentes Específicos<br />

Cianetos. Mais comumente, os socorristas podem encontrar cia¬<br />

netos ao atenderem ao chamado para um incêndio no qual este¬<br />

jam queimando determinados plásticos ou em certos comple¬<br />

xos industriais em que os cianetos são encontrados em grande<br />

quantidade e usados em sínteses químicas, eletrodos, extração<br />

de minerais, fabricação de corantes, estampagem, fotografia e<br />

agricultura, e na fabricação de papel, têxteis e plásticos. Entre¬<br />

tanto, o cianeto tem sido inventariado em estoques militares, e<br />

alguns websites terroristas fornecem instruções acerca da con¬<br />

fecção de dispositivos de dispersão de cianeto.<br />

O cianeto de hidrogénio é um líquido altamente volátil e,<br />

deste modo, será mais frequentemente encontrado como vapor<br />

ou gás. Portanto, tem maior potencial para causar vítimas em<br />

massa em um espaço confinado com pouca ventilação, do que<br />

se liberado ao ar livre. Embora tenha' sido associado a esse<br />

agente um odor de amêndoas amargas, èsle não é um indicador<br />

confiável de exposição ao cianeto de hidrogénio. Estima-se que<br />

40% a 50% da população geral seja incapaz de detectai" o odor<br />

de cianeto.<br />

O mecanismo de ação do cianeto é a parada do metabolismo<br />

ou da respiração em nível celular, que resulta rapidamente<br />

em morte celular. O cianeto liga-se à mitocôndria das células,<br />

impedindo o uso de oxigénio pelo metabolismo celular. As víti¬<br />

mas de envenenamento por cianeto são, na verdade, capazes de<br />

inalai- e absorver oxigénio no sangue, mas incapazes usá-lo em<br />

nível celular. Assim, os pacientes que respiram apresentam evi¬<br />

dência cle hipoxia acianótica. Os órgãos mais afetados são o sis¬<br />

tema nervoso central (SNC) e o coração. Sintomas de envenena¬<br />

mento leve por cianeto incluem cefaleia, tonturas, sonolência,<br />

náuseas, vómitos e irritação das mucosas. O envenenamento<br />

grave inclui alteração da consciência, arritmias, hipotensão,<br />

convulsão e morte. Esta pode ocorrer dentro de poucos minutos<br />

depois da inalação de níveis elevados do gás cianeto.<br />

E importante a terapia de suporte, incluindo oferta de oxigé¬<br />

nio em alta concentração, correção da hipotensão com líquidos<br />

ou vasopressores e tratamento das crises convulsivas. Existem<br />

kits de antídotos para o cianeto para pacientes com envenena¬<br />

mento por cianeto conhecido ou suspeito. O tratamento tradi¬<br />

cional com antídoto para o envenenamento por cianeto envolve<br />

o uso de dois medicamentos, um nitrito seguido por tiossul-


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 461<br />

fato. A administração de nitrilo de amila inalado ou, preferivel¬<br />

mente, nitrito de sódio intravenoso (IV), forma metemoglobina<br />

(que também é um veneno, que em concentrações suficiente¬<br />

mente altas pode matai'), que se liga ao cianeto na corrente san¬<br />

guínea, tomando-o menos disponível para envenenar a respi¬<br />

ração celular da vítima. Isso é seguido por administração IV de<br />

tiossulfato de sódio para auxiliar o corpo na conversão de cia¬<br />

neto em liocianalo inócuo, que é excretado pelos rins. No final<br />

de 2006, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados<br />

Unidos aprovou o uso de hidroxocobalamina para o tratamento<br />

do envenenamento por cianeto. Essa medicação foi usada na<br />

Europa por mais de uma década, com a mesma finalidade. A<br />

hidroxocobalamina administrada por via intravenosa liga-se ao<br />

cianeto, formando cianocobalamina (vitamina B12), que não é<br />

tóxica.<br />

Agentes Nervosos. Os agentes nervosos foram originariamente<br />

desenvolvidos como inseticidas, mas, após o reconhecimento<br />

de seus efeitos em humanos,diversos tipos foram desenvolvidos<br />

no início e no meio do século XX. Essas substâncias químicas<br />

mortais podem ser encontradas nos arsenais militares de mui¬<br />

tos países. O uso conhecido mais recente em um conflito militar<br />

foi na guerra Irã-Iraque, no início da década de 1990. Agentes<br />

nervosos também foram produzidos por organizações terro¬<br />

ristas, tendo as liberações mais notórias ocorrido em Malsurnoto<br />

(1994) e Tóquio (1995), no Japão. Pesticidas comumente<br />

disponíveis (p.ex., malathion, Sevin®) e drogas terapêuticas<br />

comuns (p. ex., lisostigmina, piridostigmina) compartilham<br />

propriedades com os agentes nervosos, causando efeitos clí¬<br />

nicos semelhantes.<br />

Os agentes nervosos geralmente são líquidos em tempera¬<br />

tura ambiente. O sarin é o mais volátil do grupo. VX é o menos<br />

volátil e é encontrado como líquido oleoso. As principais vias<br />

de intoxicação são a inalação do vapor e a absorção através da<br />

pele. Os agentes nervosos podem lesai' ou matai'em doses muito<br />

baixas. Uma única gola pequena de VX, o agente nervoso mais<br />

potente, se distribuída igualmente, poderia matar mil vítimas.<br />

Como os agentes nervosos são líquidos, trazem um risco de con¬<br />

taminação secundária a partir do contalo com roupas, pele e<br />

outros objetos contaminados.<br />

O mecanismo de ação dos agentes nervosos é inibição da<br />

enzima acetilcolineslerase. Essa enzima é necessária para inibir<br />

a ação da acetilcolina. A acetilcolina é um neurotransmissor<br />

que estimula os receptores colinérgicos. Esses receptores são<br />

encontrados nos músculos lisos, nos músculos esqueléticos, no<br />

SNC e na maioria das glândulas exócrinas (secretoras). Alguns<br />

desses receptores colinérgicos são denominados receptores<br />

muscarínicos (porque experimentalmente são estimulados pela<br />

muscarina), a maioria dos quais é encontrada em músculos<br />

lisos e glândulas. Outros são denominados receptores nicotínicos<br />

(porque experimentalmente são estimulados pela nicotina),<br />

encontrados principalmente no musculoesquelético. A palavra<br />

mnemónica DUMBELS (diarreia, liberação de urina, miose,bradicardia,<br />

broncorreia, broncoespasmo, emese, lacrimejamenlo,<br />

salivação, sudorese) representa a constelação de sintomas asso¬<br />

ciados aos efeitos muscarínicos de toxicidade por agentes ner¬<br />

vosos. A palavra mnemónica MTWHF (midríase [raramente<br />

observada], taquicardia, fraqueza [de weakness], hipertensão,<br />

hiperglicemia, fasciculações) representa a constelação de sin-<br />

FIGURA 19-9<br />

Descontaminação de agentes nervosos.<br />

tomas associados à estimulação dos receptores nicotínicos. Os<br />

efeitos no SNC, resultado da ação nos receptores muscarínicos e<br />

nicotínicos, incluem confusão, convulsões e coma.<br />

Os efeitos clínicos dependem da dose e da via de exposição<br />

ao agente nervoso (inalatória ou dérmica), ou se predominarem<br />

os efeitos muscarínicos ou nicotínicos. Pequenas quantida¬<br />

des de exposição a vapor causam primariamente irritação dos<br />

olhos, do nariz e da via aérea. Grandes quantidades de exposi¬<br />

ção a vapores podem levar rapidamente a perda de consciência,<br />

crises convulsivas, apneia e flacidez muscular. Miose (pupila<br />

contraída) é o marcador mais sensível de exposição a vapor.<br />

Sintomas de exposição dérmica também variam de acordo com<br />

a dose e o tempo de início. Pequenas doses podem não resul¬<br />

tar em sintomas por até 18 horas. Podem ocorrer fasciculações<br />

musculares subjacentes e sudorese local, noÿsítio de exposição<br />

cutânea, seguidas por sintomas GI, náuseas, vómitos e diarreia.<br />

Grandes doses dérmicas resultarão em início dos sintomas em<br />

minutos,com efeitos semelhantes aos de uma grande exposição<br />

a vapores.<br />

Os sintomas clínicos dos agentes nervosos incluem rinorreia,<br />

opressão precordial, miose (a pupila fica puntiforme, e o<br />

paciente queixa-se de visão embaçada ou diminuída), falta de<br />

ar, salivação e sudorese excessivas, náuseas, vómitos, cólicas<br />

abdominais, micção e defecação involuntárias, fasciculações<br />

musculares, confusão, crises convulsivas, paralisia flácida,<br />

coma, insuficiência respiratória e morte.<br />

O tratamento da intoxicação por agentes nervosos inclui<br />

descontaminação (Fig. 19-9),avaliação primária, administração<br />

de antídotos e terapia de suporte. A ventilação e a oxigenação<br />

do paciente podem ser difíceis em razão do broncoespasmo e<br />

das secreções abundantes. O paciente provavelmente preci¬<br />

sará de aspiração frequente. Esses sintomas melhoram depois<br />

da administração do antídoto. As três drogas terapêuticas paia<br />

tratamento da intoxicação por agentes nervosos são atropina,<br />

cloreto de pralidoxima e diazepam.<br />

A atropina é um anticolinérgico que reverte a maioria dos<br />

efeitos muscarínicos do agente nervoso, mas tem pouco efeito<br />

sobre os receptores nicotínicos. A atropina está indicada para<br />

vítimas expostas com queixas pulmonares. A miose, isolada¬<br />

mente, não é indicação para administração de atropina e, além<br />

disso, a atropina não corrige as anomalias oculares. A atropina


462 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

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FIGURA 19-10 DuoDote"<br />

deve ser administrada de acordo com os protocolos do sistema.<br />

Ela deve ser titulada até que melhore a capacidade do paciente<br />

de respirar ou ventilai- ou sequem as secreções pulmonares. Nas<br />

exposições moderadas a graves, não é incomum administrar 10<br />

a 20 mg de atropina no decorrer de poucas horas.<br />

O cloreto de pralidoxima (cloreto de 2-PAM] é uma oxima.<br />

A pralidoxima funciona desfazendo a ligação entre o agente<br />

nervoso e a acetilcolinesterase, reativando, assim, a enzima e<br />

ajudando a reduzir os efeitos do agente nervoso, primariamente<br />

sobre os receptores nicotínicos. A terapia com oximas precisa<br />

ser iniciada dentro de minutos a poucas horas depois da expo¬<br />

sição para ter efeito, dependendo do agente nervoso liberado;<br />

caso contrário, a ligação entre a acetilcolinesterase e o agente<br />

nervoso torna-se permanente ("envelhecimento"), retardando a<br />

recuperação do paciente.<br />

O diazepam (Valium®) é um benzodiazepínico e anticonvulsivante.<br />

Se o paciente apresentar crises convulsivas depois<br />

de exposição significativa, deve ser iniciada a terapia com<br />

benzodiazepínicos, para tratai- as crises convulsivas e ajudar<br />

a reduzir a lesão cerebral e outros eleitos que trazem risco de<br />

morte associado ao estado de mal epiléptico. Por via intramus¬<br />

cular, o diazepam tem absorção errática; por isso, a via preferida<br />

em pacientes com convulsão ativa é a intravenosa, se houver<br />

acesso disponível. Além disso, a administração de diazepam é<br />

recomendada para todos os pacientes com sinais de intoxica¬<br />

ção grave por agente nervoso, tenham ou não começado a apre¬<br />

sentar convulsões. Não há dados, nem em humanos nem em<br />

animais, sobre a administração retal de diazepam.42 O lorazepam<br />

(Ativan®) íbi estudado em modelos animais e considerado<br />

menos eficaz do que o diazepam.42 O midazolam (Versed®), por<br />

outro fado, demonstrou ser eficaz em modelos animais e, no<br />

futuro, pode passar a ser a medicação de primeira linha paia<br />

tratamento de convulsões induzidas por agentes nervosos.43<br />

Esses três medicamentos são comercializados, inclusive<br />

como autoinjeções. O kit Mark-1 tem dois autoinjetores, um<br />

com atropina (2 mg) e um com cloreto de pralidoxima (600 mg).<br />

São pensados para injeção intramuscular (IM) rápida em caso<br />

de exposição a um agente nervoso. A dosagem é determinada<br />

por protocolo e pela titulação destas drogas até o efeito. O dia¬<br />

zepam também é comercializado como autoinjeção. Recente¬<br />

mente, o fabricante do kit Mark-1desenvolveu uma autoinjeção<br />

única, que incluiatropina e pralidoxima numúnico dispositivo<br />

(Fig. 19-10,DuoDote'- ).<br />

IntoxicantesPulmonares.Os intoxicantespulmonares,incluindo<br />

o cloro, o fosgênio, a amónia, o dióxido de enxofre e o dióxido<br />

de nitrogénio, estão presentes em numerosas aplicações de<br />

fabricações industriais. O fosgênio é estocado para aplicações<br />

militares e foi a arma química mais letal usada na Primeira<br />

Guerra Mundial.<br />

Os agentes pulmonares químicos podem ser gases (vapo¬<br />

res) ou líquidos, ou sólidos aerossolizados. As propriedades<br />

do agente influenciam sua capacidade de causar lesão. Por<br />

exemplo, partículas aerossolizadas de 2 micra (pm) ou menos<br />

têm fácil acesso aos alvéolos pulmonares, causando lesão ali,<br />

ao passo que partículas maiores são filtradas antes de chega¬<br />

rem aos alvéolos. A hidrossolubilidade de um agente também<br />

afeta o padrão de lesão. Amónia e dióxido de enxofre, altamente<br />

hidrossolúveis, causam irritação e lesão dos olhos, das mucosas<br />

e da via aérea superior. O fosgênio e os óxidos de nitrogénio,<br />

que têm baixa solubilidade em água, tendem a causai- menos<br />

irritação imediata e menos lesão de olhos, mucosas e via aérea<br />

superior, causando, dessa maneira, pouco alarme na vítima e<br />

permitindo exposição prolongada a esses agentes. A exposição<br />

prolongada torna mais provável que os alvéolos sejam lesados,<br />

resultando não somente em lesão da via aérea superior, mas<br />

também em colapso alveolar e edema pulmonar não cardiogênico.<br />

Agentes com hidrossolubilidade moderada, como o cloro,<br />

podem causai- irritação da via aérea superior e dos alvéolos.<br />

Os mecanismos de lesão variam entre os intoxicantes pul¬<br />

monares. A amónia, por exemplo, combina-se com a água nas<br />

mucosas para formar uma base forte, o hidróxido de amónio. 0<br />

cloro e o fosgênio, quando combinados com água, produzem<br />

ácido clorídrico, causando lesão dos tecidos. Os intoxicantes<br />

pulmonares não são absorvidos sistemicamente, mas compro¬<br />

metem a vítima por lesão dos componentes do sistema pulmo¬<br />

nar desde a via aérea superior até os alvéolos.<br />

Os agentes com alta hidrossolubilidade causam queimadura<br />

dos olhos, nariz e boca. Pode ocorrer lacrimejamento, rinorreia,<br />

tosse, dispneia e angústia respiratória decorrentes de irritação<br />

glótica ou laringoespasmo. O broncoespasmo pode resultar em<br />

tosse, sibilos e dispneia. Agentes com baixa hidrossolubilidade,<br />

que causam lesão dos alvéolos, podem lesionai- imediatamente<br />

o epitélio alveolar no caso de grande exposição, levando à<br />

morte por insuficiência respiratória aguda, ou, com lesão menos<br />

maciça, podem resultai- em início retardado (24 a 48 horas) de<br />

angústia respiratória, secundária ao desenvolvimento de leve<br />

edema pulmonar não cardiogênico até síndrome da angústia<br />

respiratória aguda (SARA) fulminante, dependendo da dose.<br />

O tratamento para os intoxicantes pulmonares inclui a<br />

remoção do paciente do contato com o agente causador, a des¬<br />

contaminação com irrigação abundante (se sólidos, líquidos ou<br />

exposição a aerossóis, especialmente amónia), a avaliação pri¬<br />

mária e a terapia de suporte, o que provavelmente precisará de<br />

intervenções para maximizar a ventilação e a oxigenação. A irri-


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 463<br />

tação dos olhos pode ser tratada com irrigação copiosa usando<br />

solução salina normal. Devem ser removidas as lentes de contato.<br />

Espere lidar com abundantes secreções em vias aéreas,<br />

que precisam ser aspiradas. O broncoespasmo pode responder<br />

a agonistas (3-adrenérgicos inalados. A hipoxia precisará de corrcção<br />

com oxigénio em alto fluxo e possivelmente inlubação<br />

com ventilação em pressão positiva. Os socorristas precisam<br />

estai- preparados para encontrar dificuldades para cuidai- das<br />

vias aéreas, em virtude de secreções abundantes, inflamação cle<br />

estruturas glóticas e laringoespasmo.<br />

Agentes Vesicantes. Os vesicantes incluem mostarda de enxo¬<br />

fre, mostardas nilrogenadas e lewisita. Esses agentes são esto¬<br />

cados para operações militares em muitos países. A mostarda<br />

de enxofre foi introduzida nos campos de batalha na Primeira<br />

Guerra Mundial. Relatou-se seu uso pelo Iraque contra a popu¬<br />

lação curda e também em seu conflito contra o Irã (1980). Erela¬<br />

tivamente fácil e barata de fabricar.<br />

A mostarda de enxofre é um líquido oleoso e claro a amarelo-acastanhado<br />

que pode ser aerossolizaclo por explosão de<br />

bomba ou pulverizador. Sua volatilidade é baixa, permitindo<br />

que persista nas superfícies por uma semana ou mais. Isso per¬<br />

mite fácil contaminação secundária. O agente é absorvido atra¬<br />

vés da pele e das mucosas, resultando em lesão celular direta<br />

poucos minutos após a explosão, embora os sintomas- clínicos<br />

levem de 1 a 12 horas (geralmente de 4 a 6 horas) depois da<br />

exposição para se desenvolver. A demora para início dos sinto¬<br />

mas em geral torna difícil para a vítima reconhecer que ocorreu<br />

exposição e, portanto, aumenta o potencial de contaminação<br />

secundária. Pele quente e úmida aumenta a probabilidade de<br />

absorção pela pele, tornando as regiões inguinais e axilares par¬<br />

ticularmente suscetíveis. Os olhos, a pele e a via aérea superior<br />

podem apresentar uma variedade de achados, desde eritema e<br />

edema até a formação de vesículas e necrose. O envolvimento<br />

da via aérea superior pode resultar em tosse e broncoespasmo.<br />

Exposições a altas doses podem resultai- em náuseas e vómitos,<br />

bem como em supressão da medula óssea.<br />

O tratamento envolve descontaminação, avaliação primá¬<br />

ria e terapia de suporte; não existe antídoto para os efeitos dos<br />

agentes de mostarda. Olhos e pele devem ser descontaminados<br />

com quantidades abundantes de água assim que a exposição<br />

for reconhecida, para minimizar a absorção do agente e impe¬<br />

dir contaminação secundária. O agente absorvido não pode<br />

ser descontaminado e resultará em lesão celular. O líquido nas<br />

vesículas e bolhas que se formam não é fonte de contamina¬<br />

ção secundária. O broncoespasmo pulmonar pode beneficiar-se<br />

com o uso de p-agonistas nebulizados. Os ferimentos da pele<br />

devem ser tratados como queimaduras, com cuidado com as<br />

feridas locais.<br />

A lewisita provoca sintomas similares, mas o início de ação<br />

é muito mais rápido que o da mostarda de enxofre, resultando<br />

em dor imediata e irritação de olhos, pele e trato respiratório.<br />

Diferentemente da mostarda, a lewisita não provoca supressão<br />

da medula óssea. Também é peculiar o "choque por lewisita",<br />

decorrente da depleção secundária do volume intravascular<br />

após o extravasamento capilar. Como a mostarda, o tratamento<br />

pré-hospitalar de pacientes expostos envolve descontamina¬<br />

ção. avaliação primária e tratamento de suporte. O anlilewisila<br />

britânico (ALB) é um antídoto disponível para tratamento de<br />

pacientes expostos à lewisita. É administrado por via intravenosa<br />

a pacientes com choque hipovolêmico ou sintomas pulmonares.<br />

Aplicada topicamente, relata-se que a pomada de ALB impede<br />

lesão das mucosas e da pele.<br />

Agentes Biológicos<br />

Os agentes biológicos sob a forma de doença contagiosa repre¬<br />

sentam diariamente uma ameaça para os socorristas. Devem<br />

ser utilizados procedimentos apropriados de controle de infec¬<br />

ção para prevenir a contração ou a transmissão de tuberculose,<br />

influenza, vírus da imunodeficiência humana (HIV), estafiloco¬<br />

cos resistentes à meticilina (MRSA), SARS e uma miríade de<br />

outros micro-organismos.<br />

A preparação para eventos de bioterrorismo aumenta a com¬<br />

plexidade da preparação dos sistemas SME. Um ato terrorista<br />

intencional pode incluir a liberação de um agente perigoso,com<br />

potencial de causar doença, como esporos, organismos vivos<br />

ou toxinas biológicas, todos sob a forma de aerossóis. Podem<br />

ser encontrados pacientes infectados por patógenos que geral¬<br />

mente não são vistos pelos profissionais dos SME, como peste,<br />

antraz e varíola, o que exige EPI e precauções apropriados. Os<br />

procedimentos familiares de controle de infecção são eficazes<br />

para o atendimento seguro desses pacientes potencialmente<br />

contagiosos. Se o socorrista estiver atendendo a um evento<br />

manifesto, serão necessárias precauções apropriadas no que se<br />

refere â descontaminação das vítimas e ao EPI, como em outros<br />

eventos com material perigoso.<br />

Classificação dos Agentes Biológicos<br />

Agentes bacterianos<br />

Antraz<br />

Brucelose »<br />

Mormo<br />

Peste<br />

Febre Q<br />

Tularemia<br />

Agentes virais<br />

Varíola<br />

Encefalite equina venezuelana<br />

Febres hemorrágicas virais<br />

Toxinas biológicas<br />

Botulínica<br />

Ricina<br />

Enterotoxina eslafilocócica B<br />

Micotoxinas T-2<br />

Agentes Biológicos Concentrados versus<br />

Paciente Infectado<br />

Os socorristas podem ter contalo com o bioterrorismo sob duas<br />

formas. O primeiro cenário envolve a liberação declarada de<br />

um material que é identificado ou suspeito de ser um agente<br />

biológico. Nessa situação, o socorrista encontra um ambiente<br />

ou um paciente contaminado por uma substância suspeita. Os<br />

serviços médicos de emergência podem ser acionados para<br />

ocorrência com atividade suspeita, como um dispositivo que<br />

libere agente desconhecido em aerossol. A natureza da ameaça,<br />

nesses eventos, geralmente é desconhecida e as precauções com


464 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

a segurança pessoal devem ser sempre máximas. Esses eventos<br />

precisam ser encarados como eventos com material perigoso,<br />

até que fiquem caracterizados como não o sendo. Se a substân¬<br />

cia suspeita for, de luto,um aerossol concentrado de um micror¬<br />

ganismo infeccioso ou toxina, provavelmente será necessário<br />

usai- EPI apropriado para o risco e fazer descontaminação. Os<br />

falsos ataques com antraz de 1998 e 1999 e as cartas contendo<br />

a bactéria, enviadas em 2001, são bons exemplos. Os socorris¬<br />

tas atenderam inúmeros casos de indivíduos recobertos por um<br />

"pó branco" ou com suspeita de antraz.<br />

Nessa situação, os socorristas não estão atendendo pacien¬<br />

tes acometidos pela doença clínica, mas vítimas contaminadas,<br />

com suspeita de presença de agente biológico na pele ou na<br />

roupa. Qualquer indivíduo que leve conlato físico direto com<br />

uma substância suspeita de ser um agente biológico deve ter<br />

as suas roupas removidas e a pele exposta meticulosamente<br />

lavada com água e sabão.'1'1 A reaerossolização clinicamente sig¬<br />

nificativa do material da pele ou das roupas da vítima é impro¬<br />

vável, e o risco para o socorrista é insignificante.'10 Como prática<br />

FIGURA 19-11<br />

Sequência de colocação do<br />

Equipamentode Proteção Individuall(EPI)<br />

0 tipo de EPI usado varia com base no nível de precauções<br />

necessárias (p. ex., Precauções-Padrão e isolamento de contato,<br />

contra gotículas ou contra infecção veiculada pelo ar).<br />

1. AVENTAL<br />

® Cubra totalmente o tronco do pescoço até os joelhos, os<br />

braços até o final dos punhos e envolva o dorso<br />

a Amarre na parte posterior do pescoço e na cintura<br />

2. MÁSCARA OU RESPIRADOR<br />

® Amarras seguras ou elásticos no meio da cabeça e no<br />

pescoço<br />

® Ajuste encaixe flexível no dorso do nariz<br />

h Ajuste bem na face e abaixo do mento<br />

e Ajuste e verifique o respirador<br />

3. ÓCULOS OU PROTEÇÃO PARA A FACE<br />

h Coloque sobre a face e os olhos e ajuste para ficar<br />

bem adaptados<br />

4. LUVAS<br />

Estique, cobrindo o punho do avental de isolamento<br />

Use práticas de trabalho seguras para se proteger e limitar<br />

a propagação da contaminação:<br />

Mantenha as mãos longe da face<br />

ÿ Toque apenas as superfícies necessárias<br />

h Troque as luvas quando gastas ou muito contaminadas<br />

a Realize a higiene dasqriãos<br />

de.rotina, porém, roupas que normalmente são retiradas pela<br />

cabeça e pela face devem ser cortadas, minimizando qualquer<br />

risco de inalação inadvertida do contaminante. A desconta¬<br />

minação pode, então, ser realizada, usando água com ou sem<br />

sabão. A consulta junto ao departamento de saúde pública e à<br />

polícia vai determinar, então, a necessidade de instituição de<br />

profilaxia antibiótica.<br />

O segundo cenário envolve o atendimento a um paciente<br />

que tenha sido vítima de evento remoto e dissimulado de bioterrorismo.<br />

Talvez um indivíduo tenha inalado esporos de antraz<br />

em um alentado não percebido no trabalho, e agora, vários dias<br />

mais tarde, esteja apresentando sinais de antraz pulmonar. Tal¬<br />

vez um terrorista tenha inoculado varíola em si mesmo, e você<br />

seja chamado para atender uma vítima com exantema suspeito.<br />

Nesses casos, a segurança pessoal e pública pode ser assegurada<br />

pelo conhecimento dos procedimentos apropriados de controle<br />

FIGURA 19-12<br />

Sequência para Remoção do<br />

Equipamento de Proteção Individual (EPI)<br />

Com exceção do respirador, retirar o EPI na porta ou em uma<br />

antessala. Retirar o respirador depois de sair do quarto do<br />

paciente e ter fechado a porta.<br />

1. LUVAS<br />

tf A parte de fora da luva está contaminada!<br />

ra Segure o exterior da luva com a outra mão enluvada;<br />

retire-a<br />

tii Segure a luva retirada na mão enluvada<br />

a Deslize os dedos da mão não enluvada sob a luva<br />

calçada, no punho<br />

® Retire a luva sobre a primeira luva<br />

s Descarte as luvas no lixo *<br />

2. ÓCULOS DE PROTEÇÃO<br />

0 exterior dos óculos ou do protetor da face está<br />

contaminado!<br />

® Para remover, segure pela faixa da cabeça ou pelas<br />

peças das orelhas<br />

s Coloque no receptáculo designado para<br />

reprocessamento ou no lixo<br />

3. AVENTAL<br />

A frente do avental e as mangas estão contaminadas!<br />

h Desamarre o avental<br />

sã Afaste do pescoço e dos ombros, tocando somente a<br />

parte de dentro do avental<br />

h Vire-o do avesso<br />

s Dobre ou enrole e descarte<br />

4. MÁSCARA OU RESPIRADOR<br />

8 A frente da máscara/respirador está contaminada — não<br />

toque!<br />

s Segure as amarras ou os elásticos inferiores e, depois,<br />

os superiores e retire<br />

Ri Descarte no contêiner apropriado<br />

(De Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)<br />

(De Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 465<br />

de infecção e pela colocação e remoção correias cio EPI apro¬<br />

priado para o perigo biológico (Figs. 19-11 e 19-12). A descon¬<br />

taminação do paciente, neste cenário, não é necessária, já que a<br />

exposição ocorreu há vários dias.<br />

Todos os socorristas devem estar familiarizados com o uso<br />

de EPI para controle de infecções. São recomendados diferentes<br />

tipos de EPI, dependendo do potencial de transmissão e pro¬<br />

vável via de transmissão. Usa-se EPI com base na transmissão,<br />

além das Precauções-Padrão, que são usadas no atendimento a<br />

todos os pacientes. Estas incluem precauções de.conlalo, gotículas<br />

e aerossóis.<br />

Precauções de Contato. Este nível de proteção é recomendado<br />

para reduzir a probabilidade de transmissão de micro-organismos<br />

por contato direlo ou indireto. As precauções de contato<br />

incluem o uso de luvas e avental. Os organismos comumente<br />

encontrados que exigem precauções de contato incluem conjuntivite<br />

virai, estalalococos resistentes à meticilina, escabiose<br />

e vírus do herpes simples ou do herpes-zóster. Os micro-organismos<br />

que podem ser encontrados em decorrência de biolerrorismo<br />

incluem peste bubônica ou as febres hemorrágicas virais,<br />

como Marburgou Ebola, uma vez que o paciente não tenha sin¬<br />

tomas pulmonares ou vómitos e diarreia intensos.<br />

Precauções contra Gotículas. Este nível de proteção é recomen¬<br />

dado paia reduzir a probabilidade de transmissão de micro-or¬<br />

ganismos que sabidamente sejam transmitidos por grandes<br />

núcleos de gotículas (> 5 pm) expelidas por uma pessoa infec¬<br />

tada no decurso de conversa, espirro ou tosse ou durante pro¬<br />

cedimentos de rotina, como na aspiração. Essas gotículas infec¬<br />

tam o indivíduo suscelível e caem nas mucosas expostas do<br />

olho e da boca. Como as gotículas são grandes, não continuam<br />

suspensas no ar e, portanto, o contato precisa ser de grande<br />

proximidade, geralmente definido como de 90 cm ou menos.<br />

As precauções contra gotículas incluem as luvas e avental das<br />

precauções de contato, mas também acrescentam proteção<br />

dos olhos e máscara cirúrgica. Como as gotículas não perma¬<br />

necem suspensas no ar, não é necessária proteção respiratória<br />

adicional ou filtração do ar. Os microorganismos tipicamente<br />

encontrados nessa categoria incluem influenza, pneumonia por<br />

micoplasma e Haemophilus influenzae invasivo ou Neisseria<br />

meningitidis, que causam sepse ou meningite. A peste pneumó¬<br />

nica é um exemplo de possível agente encontrado num evento<br />

bioterrorista.<br />

Precauções contra Aerossóis. Este nível de proteção é recomen¬<br />

dado para reduzir a probabilidade de transmissão de microor¬<br />

ganismos pelo ar. Alguns microorganismos podem ficar sus¬<br />

pensos no ar fixados a núcleos de pequenas gotículas (< 5 pm)<br />

ou a partículas de pó. Nesse caso, os microorganismos podem<br />

ser amplamente dispersados por correntes de ar imediatamente<br />

em torno da fonte ou longe dela, dependendo das condições.<br />

Esses pacientes são mantidos em isolamento, no qual o sistema<br />

de exaustão pode ser filtrado. As precauções contra aerossóis<br />

incluem luvas, avental, proteção ocular e máscara de filho de<br />

ar particulado de alta eficiência (APAE) testado para a adapta¬<br />

ção, como N-95. Exemplos de doenças tipicamente encontra¬<br />

das incluem tuberculose, sarampo, varicela e SARS. A variola<br />

e a febre hemorrágica viral com sintomas pulmonares são<br />

exemplos que poderiam estar relacionados com um evento de<br />

bioterrorismo.<br />

Observe que muitas doenças associadas aos eventos biolerroristas<br />

não precisam de proteção adicional além das Pre¬<br />

cauções-Padrão, contanto que não haja risco de exposição ao<br />

agente concentrado. Os exemplos incluem pacientes com<br />

antraz por inalação ou uma toxina biológica, tal como a bolulínica.<br />

Na maioria dos casos, porém, o agente biológico especí¬<br />

fico provavelmente ficará sem ser identificado por vários dias.<br />

Embora alguns, como o antraz, não se disseminem de indiví¬<br />

duo a indivíduo, os socorristas devem admitir o pior — que o<br />

agente é contagioso e, portanto, usar todas as precauções dispo¬<br />

níveis, incluindo as precauções-padrão e as precauções contra<br />

aerossóis.<br />

Agentes Selecionados<br />

Antraz. O antraz é uma doença causada pela bactéria Bacillus<br />

anthracis. O B. anthracis é uma bactéria formadora de esporos<br />

e, assim, pode existir como célula vegetativa ou como esporo.<br />

A célula vegetativa vive bem no organismo hospedeiro, mas<br />

não pode sobreviver por muito tempo fora do corpo, diferente¬<br />

mente do esporo, que pode permanecer viável no ambiente por<br />

décadas. A doença ocorre naturalmente, sendo contraída mais<br />

frequentemente por pessoas em contato com animais infecta¬<br />

dos ou com produtos animais contaminados por antraz, o que<br />

resulta na forma cutânea da doença. Os esporos foram trans¬<br />

formados em arma e sabe-se que são inventariados em arsenais<br />

militares de vários países. A liberação acidental de esporos<br />

de antraz em aerossol de uma instalação militai' soviética em<br />

Sverdlovsk em 1979resultou em aproximadamente 79 casos de<br />

antraz pulmonar com 68 relatos de morte. Cartas contamina¬<br />

das com esporos de antraz foram enviadas nos EUA em 2001<br />

para parlamentares proeminentes e meios de comunicação.<br />

Embora tenham ocorrido apenas 22 casos (11 pulmonares e 11<br />

cutâneos) e cinco óbitos, milhares precisaram de profilaxia com<br />

antimicrobianos. Relata-se que uma liberação eficiente de 100<br />

kg de esporos de antraz sobre Washington seja capaz de causar<br />

130 mil a 3 milhões de mortes.40<br />

As vias de exposição ao antraz incluem o trato respiratório,<br />

o trato GI e soluções de continuidade na pele. O antraz por ina¬<br />

lação ou pulmonar é causado pela exposição do trato respirató¬<br />

rio à bactéria; o antraz gastrointestinal, pela exposição do trato<br />

gastrointestinal; e o antraz cutâneo, pela exposição da pele.<br />

O antraz gastrointestinal é raro e resultaria da inges¬<br />

tão de substâncias contaminadas com esporos. Os pacien¬<br />

tes teriam sintomas inespecíficos de náuseas, vómitos, mal¬<br />

eslar, disenteria e abdome agudo; a mortalidade é de aproxi¬<br />

madamente 50%. O antraz cutâneo ocorre após a deposição de<br />

esporos ou organismos em uma solução de continuidade da<br />

pele. Isso resulta em pápula, que subsequentemente ulcera e<br />

causa escara seca e negra com edema local. Se não tratado com<br />

antimicrobianos, a mortalidade aproxima-se de 20%; com os<br />

antimicrobianos, a mortalidade é inferior a 1%.<br />

Para máxima eficácia em um ataque terrorista, o antraz pro¬<br />

vavelmente seria disseminado em sua forma de esporo. Os espo¬<br />

ros de antraz têm o tamanho de aproximadamente 1a 5 mp, o que<br />

permite que os esporos sejam suspensos no ar como aerossol.<br />

Os esporos pulverizados podem ser inalados para os pulmões e<br />

depositados nos alvéolos. São então consumidos por macrófagos<br />

e carregados para os linfonodos mediastinals, onde germi¬<br />

nam, geram toxinas e causam mediastinite hemorrágica aguda


466 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

e, muitas vezes, morte. O início dos sintomas depois da inalação<br />

dos esporos varia, sendo que a maioria das vítimas desenvolve<br />

sintomas em um a sete dias, embora possa haver um período de<br />

latência de até 60 dias. Os sintomas inicialmente são inespecíiicos,<br />

incluindo febre, calafrios, dispneia, tosse, dor no peito,<br />

cefaleia e vómitos. Depois de alguns dias, os sintomas melho¬<br />

ram, seguindo-se rápida deterioração com febre, dispneia, diaforese,<br />

choque e morte.'1'1-'1'-'"1 Antes dos ataques de 2001 com<br />

antraz, pensava-se que a mortalidade por antraz inalatório seria<br />

de 90%, mas experiências recentes sugerem que, com a terapia<br />

precoce com antimicrobianos e medidas de terapia intensiva, a<br />

mortalidade pode ficar abaixo de 50%. 49<br />

O antraz inalatório não é contagioso e não traz risco para o<br />

socorrista. Somente a exposição aos esporos pulverizados traz<br />

risco de infecção. Tratar de pacientes sabidamente infectados<br />

com antraz por inalação requer apenas as Precauções-Padrão;<br />

entretanto, se o agente específico for desconhecido, é justificado<br />

o uso de Precauções-Padrão e de precauções contra aerossóis.<br />

O socorrista deve fazer tratamento de suporte e transportai* os<br />

pacientes doentes para hospitais que tenham serviços de tera¬<br />

pia intensiva.<br />

A profilaxia com antimicrobianos é necessária apenas para<br />

indivíduos que tenham sido expostos a esporos. Funcionários<br />

de saúde pública locais determinarão o antimicrobiano apro¬<br />

priado e a duração do tratamento profilático. As recomendações<br />

mais recentes sugerem 60 dias de terapia com doxiciclina oral<br />

ou uma quinolona.<br />

Existe uma vacina contra antraz, e foi instituído, em 1998,<br />

um programa de imunização para as forças militares dos EUA.<br />

O atual esquema exige uma série de seis injeções iniciais e<br />

reforços anuais. Atualmente, é recomendada apenas para pes¬<br />

soal militar e parafuncionários de laboratórios e indústrias com<br />

alto risco de exposição aos esporos.<br />

Peste. A peste é uma doença causada pela bactéria Yersinia<br />

pestis. Tem ocorrência natural, sendo encontrada em pulgas<br />

e roedores. Se uma pulga infectada picar um ser humano, a<br />

pessoa poderá desenvolver a peste bubônica. Se essa infecção<br />

local ficar sem tratamento, o paciente apresentará doença sis¬<br />

témica, que resulta em septicemia e morte. Alguns pacientes<br />

podem desenvolver sintomas pulmonares (peste pneumónica).<br />

A peste bubônica foi responsável pela "Peste Negra" de 1346,<br />

que matou 20 a 30 milhões de pessoas na Europa, aproxima¬<br />

damente um terço de sua população naquele tempo. A Y. pes¬<br />

tis transformou-se em arma para arsenais militares, tendo sido<br />

desenvolvidas Lécnicas para pulverizar diretamente o micro-organismo,<br />

desviando-o do vetor animal. A Organização Mundial<br />

da Saúde (OMS) relata que, em um cenário de piores casos, 50<br />

kg de Y. pestis, liberados como aerossol sobre uma cidade com<br />

5 milhões de habitantes, resultaria em 150 mil casos de peste<br />

pneumónica e 36 mil mortes.50<br />

A peste de ocorrência natural, decorrente da picada de uma<br />

pulga infectada, causa sintomas em dois a oito dias, com início<br />

de febre, calafrios, fraqueza e linfonodos agudamente aumenta¬<br />

dos (bubões) no pescoço, região inguinal ou axila. Os pacientes<br />

sem tratamento podem apresentar doença sistémica e morrer. É<br />

descrito que 12% desenvolvem peste pneumónica, com queixas<br />

de dor no peito, dispneia, tosse e hemoptise, e esses pacientes<br />

também podem sucumbir por doença sistémica.<br />

A peste decorrente de terrorismo provavelmente resultará<br />

de micro-organismos pulverizados e, desse modo, terá apresen¬<br />

tação clínica como a forma pneumónica da doença. A inalação I<br />

de Y. pestis por aerossol provocará sintomas em um a seis dias. |<br />

Os pacientes apresentarão febre, tosse e dispneia, com escarro '<br />

hemoptoico ou aquoso. Também podem evoluir com náuseas,<br />

vómitos, diarreia e dor abdominal. Em geral, não apresentam<br />

bubões. Sem antimicrobianos, a morte ocorre em dois a seis<br />

dias depois do aparecimento dos sintomas respiratórios.51<br />

Atualmente não existe vacina para proteger contra a peste<br />

pneumónica.O tratamento da doença inclui terapia com antimi¬<br />

crobianos e de suporte, muitas vezes exigindo unidades cie tera¬<br />

pia intensiva. Os esquemas com antimicrobianos também são<br />

recomendados para indivíduos com exposição de muito perto,<br />

sem proteção, a pacientes com peste pneumónica confirmada.<br />

Os pacientes com peste representam um risco de doença<br />

transmissível. Se os pacientes apresentarem apenas sinais e sin¬<br />

tomas cutâneos (peste bubônica), as precauções de conlato são<br />

adequadas para proteger o socorrista. Se os pacientes apresen¬<br />

tarem sinais pulmonares de peste (peste pneumónica), cenário<br />

mais provável depois de um atentado terrorista, os socorristas<br />

precisarão usar EPI adequado para proteção contra gotículas<br />

respiratórias. As precauções contra gotículas incluem máscara<br />

cirúrgica, proteção ocular, luvas e avental. Os socorristas que<br />

atendem à cena de uma distribuição manifesta de Y. pestis por<br />

aerossol, o que tem pouca probabilidade de ser um evento reco¬<br />

nhecido,precisariam de EPIadequado para ambiente com mate¬<br />

rial perigoso, se entrarem na zona quente ou na zona morna.<br />

As vítimas de peste são tratadas com terapia de suporte. A<br />

comunicação com o hospital que receberá as vítimas é vital,<br />

antes da chegada, para assegurai- que o paciente com peste<br />

pneumónica seja apropriadamente isolado no PS e que o pes¬<br />

soal esteja preparado com EPI apropriado. Pedir ao paciente<br />

para usai- máscara cirúrgica, se tolerada, também poderá dimi¬<br />

nuir a probabilidade de transmissão secundária.<br />

A descontaminação do veículo e do equipamento é seme¬<br />

lhante à necessária depois do transporte de qualquer paciente<br />

com doença transmissível. As superfícies de contalo devem ser<br />

limpas com um desinfetante aprovado pela Agência de Prote¬<br />

ção Ambiental ou solução de água sanitária diluída a 1:1.000.<br />

Não há evidências de que a Y. pestis traga uma ameaça ambien¬<br />

tal de longo prazo depois da dissolução do aerossol primário.3'<br />

O micro-organismo é sensível ao calor e à luz do sol e não dura<br />

muito tempo fora do hospedeiro vivo. A Y pestis não forma<br />

esporos.<br />

Varíola. Esta doença virai de ocorrência natural foi erradicada<br />

em 1977, mas ainda existe em pelo menos dois laboratórios— I<br />

o Instituto de Preparações de Vírus da Rússia e os Centers for<br />

Disease Control and Prevention (CDC) nos Estados Unidos. Foi<br />

alegado que o governo soviético iniciou em 1980 um programa<br />

para produzir grandes quantidades de vírus da varíola para uso<br />

em bombas e mísseis, bem como para desenvolver cepas mais<br />

virulentas com finalidades militares. Há a preocupação de que<br />

o vírus da varíola possa ter passado de mãos após a dissolução<br />

da União Soviética.52<br />

O vírus da varíola infecta as vítimas entrando na mucosa tia<br />

orofaringe ou na mucosa respiratória. Depois de um período de


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 467<br />

FIGURA 19-14<br />

Diferenciação entre Varicela e<br />

Varíola<br />

Em qualquer parte do corpo, todas as lesões estão no<br />

mesmo estágio de desenvolvimento.<br />

A maioria dos Lesões<br />

pacientes umbilicadas confluentes<br />

apresenta lesões<br />

nas palmas das<br />

mãos e plantas<br />

dos pés<br />

FIGURA 19-13 Varíola.<br />

(Cortesia de Centers lor Disease Control and Prevention, Atlanta.)<br />

i<br />

A varicela (catapora) é a infecção que tem maior probabilidade<br />

de ser confundida com varíola.<br />

Na varicela:<br />

e 0 pródromo inexiste ou é leve<br />

e As lesões são vesículas superficiais: "gota de orvalho em<br />

pétala de rosa"<br />

e As lesões aparecem em grupos; em qualquer parte do corpo,<br />

há lesões em diferentes estágios (pápulas, vesículas, crostas)<br />

Et Distribuição centrípeta: maior concentração de lesões no<br />

tronco, menos lesões nas extremidades distais. As lesões<br />

podem envolver face/couro cabeludo; ocasionalmente, o<br />

corpo inteiro é igualmente afetado<br />

e As primeiras lesões aparecem na face ou no tronco<br />

s Os pacientes raramente apresentam toxemia ou estão<br />

moribundos<br />

a Evolução rápida: as lesões progridem de máculas —> pápulas<br />

-» vesículas -» crostas rapidamente (menos de 24 horas)<br />

s Palmas das mãos e plantas dos pés raramente são acometidas<br />

s 0 paciente não tem história confiável de varicela ou de<br />

vacinação contra a doença<br />

; Em média, de 50% a 80% dos pacientes se lembram de<br />

exposição a varicela ou herpes-zóster de 10 a 21 dias antes<br />

do início do exantema<br />

(Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta/<br />

incubação de 12 a 14 dias, o paciente apresenta febre, mal-estar,<br />

cefaleia e dor nas costas. Depois, o paciente apresenta um exan¬<br />

tema maculopapular, que se inicia na mucosa oral, mas rapi¬<br />

damente evolui para uma erupção cutânea generalizada com<br />

vesículas e pústulas redondas e tensas. A erupção da pele tende<br />

a afetar a cabeça e as extremidades mais densamente do que<br />

o tronco (centrífugas), lendo o estágio das lesões um aspecto<br />

uniforme (Fig. 19-13). Isso distingue a varíola da varicela (Fig.<br />

19-14), que começa e é mais densa no tronco (centrípeta) e tem<br />

lesões em vários estágios de desenvolvimento (aparecem novas<br />

lesões juntamente coin as lesões crostosas, mais antigas) (Fig.<br />

19-15). A mortalidade por varíola que ocorria naturalmente<br />

eraÿde aproximadamente 30%. Sabe-se pouco sobre a evolução<br />

natural da doença nos pacientes imunocomprometidos, como<br />

os portadores de HIV.<br />

A varíola é uma doença contagiosa que se propaga primaria¬<br />

mente por núcleos de gotículas projetadas a partir da orofaringe<br />

de pacientes infectados e por contato direto. Roupas pessoais<br />

e roupas de cama contaminadas também podem propagai- o<br />

vírus. Os pacientes são contagiosos pouco antes do início do<br />

exantema, embora ele nem sempre seja evidente, se houver ape¬<br />

nas uma erupção sutil na orofaringe. Ao lidar com um paciente<br />

com varíola, os socorristas precisam usai- EPI apropriado contra<br />

contato, gotículas e aerossol. Isso inclui máscara N-95, proteção<br />

ocular, óculos de proteção e avental. De maneira ideal, as pes¬<br />

soas que lidam com pacientes portadores de varíola deverão ler<br />

sido imunizadas/'-1<br />

Criança saudável Adulto saudável Lesões com infecção<br />

com varicela com varicela bacteriana<br />

superposta<br />

Observe a<br />

distribuição<br />

centrípeta<br />

do exantema<br />

Dia 3 do<br />

exantema<br />

As lesões estão em<br />

diferentes estágios<br />

de desenvolvimento<br />

Adulto saudável Adulto saudável Mulher grávida<br />

com varicela com varicela com varicela<br />

FIGURA 19-15 Varicela.<br />

(Cortesia de Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta.)


468 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

O programa de vacinação contra varíola nos Estados Unidos<br />

foi suspenso em 1972.A imunidade residual proporcionada por<br />

esse programa de vacinação é desconhecida, e acredita-se que<br />

os indivíduos cuja última imunização lenha sido há 40 anos,<br />

provavelmente atualmente são suscetíveis a contrair varíola.52<br />

A vacinação contra o vírus da varíola está disponível para<br />

certos membros do Departamento de Defesa e do Departamento<br />

de Estado dos EUA. Também está disponível sob um programa<br />

do Departamento de Saúde e Serviços Humanos para se desen¬<br />

volverem Equipes de saúde pública de Resposta à Varíola.<br />

Atualmente está disponível, para o público em geral, apenas<br />

para participantes de ensaios clínicos. No caso de uma emer¬<br />

gência de saúde pública, os Estados Unidos têm estoques de<br />

vacina que podem ser liberados para imunização em massa do<br />

público. Mostrou-se que a vacinação no prazo de quatro dias a<br />

partir da exposição oferece alguma proteção contra a contração<br />

da doença e proteção substancial contra evolução fatal.52<br />

Ao tratai- de um paciente com varíola, os socorristas ofere¬<br />

cem terapia de suporte. O EPI recomendado precisa ser usado<br />

sempre, e é obrigatório que não haja quebra dos procedimen¬<br />

tos de controle de infecção. Devem ser identificados na comu¬<br />

nidade os hospitais com instalações de isolamento e pessoal<br />

treinado. É preciso entrar em conlato com os hospitais que<br />

vão receber os pacientes para informar à equipe a intenção de<br />

transportar o caso confirmado ou suspeito de varíola para lá,<br />

para que possam ser tomadas as precauções necessárias para<br />

impedir a transmissão do vírus. A identificação de um paciente<br />

com varíola será considerada emergência de saúde pública de<br />

enorme relevância.<br />

A remoção apropriada de EPI sem quebrai- os procedimen¬<br />

tos de controle de infecção é importante para a segurança do<br />

socorrista. Todos os resíduos médicos descartáveis precisam<br />

ser apropriadamente ensacados, rotulados e descartados como<br />

outros resíduos médicos regulamentados. O equipamento<br />

médico reutilizável precisa ser limpo depois do uso de acordo<br />

com o protocolo padrão,seja por autoclave ousujeito a desinfec¬<br />

ção de alto nível. As superfícies ambientais precisam ser limpas<br />

somente por um delergente-desinfelante aprovado e registrado<br />

na Agência de Proteção Ambiental. Não é necessária a descon¬<br />

taminação ou fumigação do ar do veículo de emergência.5'1<br />

Toxina Botulínica.A toxina botulínica é produzida pela bactéria<br />

Clostridium botulinum e é a substância mais venenosa conhe¬<br />

cida. É 15 mil vezes mais tóxica que o agente nervoso VX e 100<br />

mil vezes mais tóxica que o sarin.5:' O culto Aum Shinrikyo,<br />

responsável pelo atentado com sarin no metro de Tóquio, ten¬<br />

tou espalhar um aerossol com toxina botulínica sem sucesso,<br />

em 1995. A toxina botulínica foi transformada em arma para<br />

uso militar. Apesar da sabida dificuldade de concentrai- e esta¬<br />

bilizai- a toxina para disseminação, estima-se que a distribuição<br />

terrorista de aerossol com toxina botulínica a partir de fonte em<br />

um ponto poderia incapacitar ou matar 10% das pessoas a favor<br />

do vento em um trajeto de 0,5 km. A toxina também poderia<br />

ser introduzida em alimentos na tentativa de envenenar grande<br />

número de pessoas.<br />

Existem naturalmente três formas de bolulismo. Ocorre<br />

botulismo de ferimentos quando as toxinas são absorvidas de<br />

um ferimento contaminado, muitas vezes com tecido desvitali¬<br />

zado, no qual esteja presente o C. botulinum. Ocorre botulismo<br />

originado da alimentação quando alimentos enlatados inade¬<br />

quadamente permitem que as bactérias cresçam e produzam a<br />

toxina, que é ingerida pela vítima. Ocorre botulismo intestinal<br />

quando a toxina é produzida e absorvida no trato GI. A quarta<br />

forma, criada pelo homem, decorre de toxina botulínica pulve¬<br />

rizada, que causa bolulismo inalatório.<br />

Independentemente da via, a toxina botulínica é levada à<br />

junção neuromuscular, onde se liga irreversivelmente, impe¬<br />

dindo a ligação do neurotransmissor acetilcolina e causando<br />

uma paralisia flácida descendente. O início dos sintomas se dá<br />

em algumas horas a alguns dias. Todos os pacientes apresenta¬<br />

rão diplopia (visão dupla) e múltiplos déficits de nervos crania¬<br />

nos, causando dificuldade de visão, de fala e de deglutição. 0<br />

grau e a rapidez da paralisia descendente dependem da dose<br />

da toxina. Os pacientes ficam cansados, perdem a capacidade<br />

de controlai- os músculos que sustentam a cabeça e o pescoço,<br />

podem perder o reflexo de engasgamenlo ou evoluir com para¬<br />

lisia dos músculos da respiração e desenvolver insuficiência<br />

respiratória, precisando de inlubação e de ventilação mecânica<br />

por meses. Os pacientes não tratados geralmente morrem em<br />

decorrência de obstrução mecânica da via aérea superior ou de<br />

ventilação inadequada. A tríade clássica de toxicidade botulí¬<br />

nica é (1) paralisia flácida simétrica descendente com déficits<br />

de nervos cranianos, (2) ausência de febre e (3) sensibilidade<br />

normal. Depois de semanas a meses, os pacientes podem recuperar-se,<br />

à medida que se desenvolvem novos brotos de axônios<br />

para inervar os músculos denervados.<br />

O tratamento do paciente com bolulismo é de suporte, com<br />

administração da antitoxina. O uso precoce de antitoxina mini¬<br />

miza a piora, mas não pode reverter a paralisia existente. Essa<br />

antitoxina está disponível por meio do CDC.<br />

Os socorristas que cuidam de vítimas de bolulismo precisam<br />

vigiar o comprometimento da via aérea e a ventilação inade¬<br />

quada. Os pacientes podem não ser capazes de lidar com suas<br />

secreções ou de manter a via aérea permeável. Em razão da<br />

paralisia do diafragma, os pacientes podem não ser capazes de<br />

gerar um volume corrente adequado. Isso pode ser exacerbado<br />

quando se coloca o paciente em posição supina ou parcialmente<br />

deitado. Os pacientes que apresentam dificuldade respiratória<br />

devem ser intubados e ventilados adequadamente.<br />

As Precauções-Padrão são adequadas para o fratamento de<br />

pacientes que apresentam os efeitos da toxicidade botulínica,<br />

porque não é uma doença contagiosa. Os aerossóis de bolulismo<br />

degradam-se rapidamente no ambiente, e é previsto que, depois<br />

da disseminação em um incidente terrorista, ocorra inativação<br />

substancial depois de dois dias. Os socorristas que atendem a<br />

um evento com disseminação manifesta de aerossol precisa¬<br />

rão de EPI adequado para ambiente com material perigoso, se<br />

trabalharem em zona quente ou morna. Como o aerossol pode<br />

persistir por aproximadamente dois dias nas condições climá¬<br />

ticas habituais, as vítimas expostas ao aerossol bolulínico exi¬<br />

gem cuidados com remoção das roupas e lavagem com sabão e<br />

água. O equipamento pode ser descontaminado com solução a<br />

0,1% de água sanitária com hipoclorito.51' Os pacientes não pre¬<br />

cisam de isolamento depois da chegada ao hospital, mas podem<br />

ser necessários serviços de terapia intensiva para aqueles que<br />

requeiram ventilação mecânica.<br />

i<br />

I<br />

'


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 469<br />

Desastres Radiológicos<br />

Desde os alentados terroristas de 11de setembro de 2001, têm<br />

sido dadas novas considerações à probabilidade de os SME<br />

precisarem lidar com uma emergência radiológica. Historica¬<br />

mente, o planejamento tem enfocado a preparação do serviço<br />

civil para uma troca estratégica de armas nucleares militares ou<br />

a rara ocorrência de um acidente em usina de energia nuclear.<br />

Alualmente, contudo, há uma preocupação cada vez maior<br />

com a possibilidade de que os terroristas utilizem um dispo¬<br />

sitivo improvisado de detonação nuclear ou, talvez mais pro¬<br />

vavelmente, um dispositivo de dispersão radiológica que use<br />

explosivos convencionais para disseminar material radioativo<br />

no ambiente.<br />

Embora os acidentes radiológicos sejam raros, houve 243<br />

acidentes com radiação desde 1944 nos Estados Unidos, com<br />

FIGURA 19-16<br />

Princípios de Atendimento em um<br />

Desastre Radiológico<br />

1. Avaliar a cena quanto à segurança.<br />

2. Todos os pacientes devem ser clinicamente estabilizados<br />

de seus ferimentos traumáticos, antes de pensar nas<br />

lesões por radiação. Os pacientes são, então, avaliados<br />

quanto à exposição a radiação externa e contaminação.<br />

3. Uma fonte externa de radiação, se suficientemente grande,<br />

pode causar lesão tecidual, mas não torna o paciente<br />

radioativo. Mesmo os pacientes com exposições letais à<br />

radiação externa não são ameaça para a equipe médica.-<br />

4. Os pacientes podem ser contaminados com material<br />

radioativo depositado na pele ou nas roupas. Mais de<br />

90% da contaminação superficial pode ser retirada por<br />

remoção das roupas. 0 restante pode ser lavado com água<br />

e sabão.<br />

5. Proteja-se da contaminação radioativa observando,<br />

no mínimo, as Precauções-Padrão, incluindo roupas<br />

protetoras, luvas e máscara.<br />

6. Os pacientes que desenvolvem náuseas, vómitos ou<br />

eritema da pele dentro de quatro horas após a exposição<br />

provavelmente tiveram alta exposição a radiação externa.<br />

7. A contaminação radioativa em ferimentos deve ser tratada<br />

como sujeira e irrigada assim que possível. Evite manipular<br />

qualquer corpo estranho metálico.<br />

8. 0 iodeto de potássio (Kl) tem valor apenas se tiver havido<br />

liberação de iodo radioativo. 0 Kl não é antídoto geral<br />

contra radiação.<br />

9. 0 conceito de tempo/distância/proteção é fundamental<br />

na prevenção de efeitos indesejáveis da exposição à<br />

radiação. Esta é minimizada pela diminuição do tempo na<br />

área afetada, pelo aumento da distância de uma fonte de<br />

radiação e pelo uso de proteção metálica ou de concreto.<br />

(Modificado from Department of Homeland Security Working Group on Radiological<br />

Dispersion Device Preparedness/Medical Preparedness and Response Subgroup, 2004,<br />

http://www1.va.gov/emshg/docs/Radiologic_Medical_Countermeasures_051403.pdf.)<br />

1.342 vítimas que preencheram os requisitos de exposição<br />

significativa. No munclo lodo, ocorreram 403 acidentes, com<br />

133.617 vítimas, 2.965 das quais com exposição significativa<br />

e 120 mortes. O desastre de Chernobyl foi responsável por<br />

116.500 a 125.000 vítimas expostas e perlo de 50 mortes até<br />

2005, embora seja estimado que o número total de mortes possa<br />

37,<br />

chegar a 4.000, com a morte de mais vítimas de câncer; 58<br />

Os desastres por radiação têm o potencial de gerar medo e<br />

confusão tanto nas vítimas quanto nos socorristas. A familiari¬<br />

zação com o perigo e com os princípios de tratamento ajudarão<br />

a assegurar uma resposta apropriada e a reduzir o pânico e a<br />

confusão (Fig. 19-16).<br />

A exposição à radiação ionizante e à contaminação radioa¬<br />

tiva pode ser resultado de diferentes cenários: (1) detonação de<br />

uma arma nuclear, seja de alto grau ou um dispositivo impro¬<br />

visado de baixo rendimento; (2) detonação de "bomba suja"<br />

ou dispositivo de dispersão de radiação (DDR), no qual não há<br />

detonação nuclear, mas são detonados explosivos convencio¬<br />

nais que dispersam um radionuclídeo; (3) sabotagem ou aci¬<br />

dente em um reator nuclear; e (4) manipulação errada de lixo<br />

nuclear.<br />

Efeitos Médicos das Catástrofes por Radiação<br />

As lesões e riscos associados a uma catástrofe radiológica são<br />

multifatoriais. No caso de uma detonação nuclear, a explosão<br />

provocará vítimas com ferimentos primários, secundários e<br />

terciários, lesões térmicas e colapso de edifícios. As vítimas<br />

podem ainda estar sujeitas a lesões radioativas pela irradiação;<br />

por contaminação radioativa externa, que pode ser depositada<br />

na pele e nas roupas por causa da chuva radioativa; ou por<br />

radiação interna através de contaminação por material particulado<br />

radioativo, o qual pode ser inalado pelas vítimas, ingerido<br />

ou depositado nos ferimentos.<br />

Acidentes em reatores nucleares podem gerar grandes doses<br />

de radiação ionizante, sem detonação nuclear, especialmente<br />

em circunstâncias nas quais o reator chegue a um ponto "crí¬<br />

tico". Explosões, incêndio e liberação de gás também podem<br />

resultar em gás radioativo e material particulado, que podem<br />

expor o socorrista a risco de exposição à contaminação com par¬<br />

tículas radioativas.<br />

Os dispositivos de dispersão de radiação (DDR) tipicamente<br />

não provocariam distribuição suficiente de radiação para causar<br />

lesão imediata. No entanto, os DDR complicariam o trabalho<br />

dos socorristas por espalharem material particulado radioativo<br />

que poderia contaminai- as vítimas e os profissionais de resgate e<br />

dificultai- o tratamento das lesões causadas pelo explosivo con¬<br />

vencional. Os DDR poderiam causai- confusão e pânico entre<br />

os profissionais de resgate, preocupados com a radioatividade,<br />

impedindo os esforços de atender as vítimas.<br />

A radiação ionizante causa lesão das células por intera¬<br />

gir com átomos e depositai- energia. Essa interação resulta em<br />

ionização, que pode danificai- o núcleo celular diretamente e<br />

causar morte ou disfunção da célula, ou indiretamente, dani¬<br />

ficai- componentes celulares por interação com água no corpo<br />

e resultai- em moléculas tóxicas. A exposição aguda a grandes<br />

doses de radiação ionizante penetrante (raios gama e nêutrons)<br />

pode resultar, em curto espaço de tempo, em doença aguda pela


470 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

radiação. Os tipos de radiação ionizante incluem partículas<br />

alfa, partículas beta, raios gama e neutrons.<br />

As partículas alfa são relativamente grandes e não podem<br />

peneirar sequer em algumas camadas de pele. A pele intacta<br />

ou um uniforme oferece proteção adequada contra contamina¬<br />

ção externa que emita partículas alfa. A radiação ionizante por<br />

partículas alfa será uma preocupação somente se for interiori¬<br />

zada por inalação ou ingestão dos emissores de partículas alfa.<br />

Quando interiorizada, a radiação por partículas alfa pode cau¬<br />

sar lesão celular local significativa às células-adjacentes.<br />

As partículas bela são pequenas partículas com carga que<br />

podem peneirar mais profundamente que as partículas alfa e<br />

podem afetar camadas mais profundas da pele, com a capaci¬<br />

dade de lesionai- a base da pele, causando uma "queimadura<br />

FIGURA 19-17<br />

DIAGNOSTICO<br />

Estar alerta para o seguinte:<br />

Terrorismo com Radiação<br />

ionizante: Guia Geral<br />

1. A síndrome aguda por radiação segue um padrão<br />

previsível depois de exposição substancial ou eventos<br />

catastróficos (Fig. 19-18).<br />

2. Os indivíduos podem ficar doentes a partir de fontes<br />

contaminadas na comunidade e podem ser identificados<br />

durante períodos de tempo muito mais longos, com base<br />

em síndromes específicas (Fig. 19-19).<br />

3. Síndromes específicas preocupantes, especialmente<br />

com antecedentes de duas a três semanas de náuseas e<br />

vómitos, são:<br />

Efeitos térmicos na pele semelhantes aos de<br />

queimadura, sem exposição térmica conhecida<br />

o Disfunção imunológica com infecções secundárias<br />

ÿ<br />

Tendência a sangramento (epistaxe, sangramento<br />

gengival, petéquias)<br />

Supressão da medula óssea (neutropenia, linfopenia e<br />

trombocitopenia)<br />

a Epilação (perda de pelos)<br />

ENTENDENDO A EXPOSIÇÃO<br />

A exposição pode ser conhecida e reconhecida ou oculta por<br />

meio de:<br />

1.<br />

2.<br />

Grandes exposições reconhecidas, como uma bomba<br />

nuclear ou dano a uma usina nuclear.<br />

Pequena fonte de radiação emitindo radiação gama<br />

contínua, causando exposições intermitentes crónicas<br />

em grupo ou individuais (p. ex., fontes radiológicas de<br />

aparelhos de tratamento médico, água ambiental ou<br />

poluição alimentar).<br />

Radiação interna por material radioativo absorvido,<br />

inalado ou ingerido (contaminação interna).<br />

(Modificado do guia de bolso do Department of Veterans Affairs, produzido por<br />

Employee Education System for Office of Public Health and Environmental Hazards.<br />

Esta informação não tem a pretensão de ser completa, mas sim um guia rápido; outras<br />

referências e a opinião de especialistas devem ser consultadas.)<br />

beta". A radiação com partículas beta é encontrada mais lrequenlemenle<br />

em precipitação radioativa nuclear. As partículas<br />

beta também resultam em lesão local por radiação.<br />

Os raios gama são semelhantes aos raios X e têm a capaci¬<br />

dade de penetrar facilmente no tecido. Os raios gama são emi¬<br />

tidos por detonação nuclear e precipitação radioativa. Também<br />

podem ser emitidos a partir de alguns radionuclídeos que pos¬<br />

sam estai1presentes em um DDR. A radiação gama pode resultar<br />

no que é denominado exposição do corpo inteiro. A exposição<br />

do corpo inteiro pode resultai- em doença aguda por radiação<br />

(Fig.s 19-17, 19-18 e 19-19).<br />

Os neutrons podem penetrar o tecido facilmente, têm 20<br />

vezes mais energia destrutiva que os raios gama, desagregando a<br />

estrutura nuclear das células. Os nêutrons são liberados durante<br />

uma detonação nuclear, mas não são um risco na precipitação<br />

radioativa. Os nêutrons também contribuem para a exposição<br />

radioativa do corpo todo e podem resultar em doença aguda<br />

por radiação. Os nêutrons têm a capacidade de converter metais<br />

estáveis em isótopos radioativos. Isso é importante nos pacien¬<br />

tes que têm metal no corpo ou naqueles que estão em contato<br />

com objetos de metal no momento da exposição.<br />

A exposição de corpo inteiro é medida em gray (Gy). 0<br />

racl (dose de radiação absorvida) era uma unidade de dosagem<br />

familiar que foi substituída pelo gray; 1Gy é igual a 100 rad.0<br />

rem (equivalente de radiação-homem) descreve a dose em rad<br />

multiplicada por um "fator de qualidade", que leva em consi¬<br />

deração o padrão especial intrínseco de deposição de diferentes<br />

tipos de radiação. O rem foi substituído pelo sievert (Sv); 1Sv<br />

é igual a 100rem.<br />

A radiação afeia mais prontamente as células que se divi¬<br />

dem rapidamente, resultando em lesão da medula óssea e do<br />

trato GI, onde as taxas de troca celular são mais elevadas. Doses<br />

mais altas podem afetar diretamente o §NC. A dose de expo¬<br />

sição do corpo inteiro determina as consequências médicas da<br />

exposição. Os pacientes que recebem até 1 Gy de irradiação<br />

do corpo inteiro tipicamente não têm sinais de lesão. Com 1<br />

a 2 Gy, menos da metade dos pacientes desenvolverá náuseas<br />

e vómitos, muitos apresentarão subsequentemente leucopenia<br />

(diminuição da contagem de glóbulos brancos no sangue) e as<br />

mortes serão muito poucas. A maioria das vítimas que recebe<br />

mais de 2 Gy ficará doente e precisará de hospitalização; com<br />

mais de 6 Gy, a mortalidade é elevada. Com doses acima de<br />

30 Gy, os sinais neurológicos são evidentes, e a morte é mais<br />

provável. 111<br />

A doença aguda por radiação geralmente segue uma pro¬<br />

gressão definida que primeiro se manifesta em uma fase prodrômica,<br />

que se caracteriza por mal-estar, náuseas e vómitos.<br />

Segue-se uma fase latente, na qual o paciente está essencial¬<br />

mente assintomático. A duração da fase latente depende da dose<br />

total de radiação absorvida. Quanto maior a dose de radiação,<br />

menor a fase latente. A fase latente é seguida pela doença sub¬<br />

sequente, manifestada pelo sistema orgânico lesado. A lesão da<br />

medula óssea ocorre com doses totais de 0,7 a 4,0 Gy e resulta<br />

em redução dos níveis de leucócitos e diminuição da imuni¬<br />

dade durante vários dias a semanas. A diminuição das plaquetas<br />

pode resultar em hematomas e sangramento fáceis. A diminui¬<br />

ção das hemácias resultará em anemia. Com 6 a 8 Gy, o trato GI<br />

também será alétado, resultando em diarreia, perda de volume<br />

e enterorragia (fezes com sangue). Acima de 30 Gy, o paciente


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 471<br />

FIGURA 19-18<br />

Síndrome Aguda por Radiação<br />

Efeitos da irradiação do corpo todo ou absorção interna, por faixa de<br />

doses em rad (1 rad = 1cGy; 100 rad = 1Gy)<br />

Efeitos 0-100 100-200 200-600 600-800 800-3.000 >3.000<br />

FASE PRODRÔMICA DA SÍNDROME<br />

Náuseas, vómitos Ausentes 5%-50% 50%-100% 75%-100% 90%-100% 100%<br />

Tempo até o início 3-6 horas 2-4 horas 1-2 horas Menos de 1 hora Minutos<br />

Duração


472 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

manifestará sintomas da síndrome neurovascular, apresentando<br />

a fase prodrômica de náuseas e vómitos, uma curta fase latente<br />

que dura apenas algumas horas, seguida por uma rápida dete¬<br />

rioração das condições mentais, coma e morte, algumas vezes<br />

acompanhados por instabilidade hemodinâmica. Doses dessa<br />

magnitude podem ocorrer depois de uma detonação nuclear,<br />

porém a vítima, mais provavelmente, será morta por ferimentos<br />

associados à explosão. As vítimas também podem ser expostas<br />

a essas altas doses em uma instalação de energia nuclear em que<br />

não tenha ocorrido explosão, mas em que o Gentro de um realor<br />

tenha chegado ao estado crítico."1<br />

Nem todos os acidentes por radiação ou eventos terroristas<br />

resultarão em exposição a altas doses de radiação. A exposição<br />

a baixas doses de radiação, como ocorreria mais provavelmente<br />

depois de uma detonação de DDR, provavelmente não produ¬<br />

ziria ferimento agudo secundário à radiação. Dependendo da<br />

dose, o paciente pode ler aumento do risco futuro de desenvol¬<br />

ver câncer. Os efeitos agudos da detonação de DDR. além dos<br />

efeitos da detonação do explosivo convencional, provavelmente<br />

serão psicológicos, incluindo as reações ao estresse, medo,<br />

depressão aguda e queixas psicossomáticas, que sobrecarrega¬<br />

rão significativamente os SME e a infraestrutura médica.<br />

Os pacientes podem ser contaminados com material que<br />

emita radiação alfa, bela e até gama; porém, os contaminantes<br />

mais comuns emitem radiação alfa e bela. Somente a radiação<br />

gama contribui para a irradiação do corpo inteiro, como foi<br />

previamente descrito. A radiação alfa e a beta têm capacidade<br />

limitada de penetrar, mas mesmo assim podem causai- lesão dos<br />

tecidos locais. Os pacientes podem ser facilmente descontami¬<br />

nados pela remoção das roupas e por lavagem com água e sabão<br />

011 somente água. É impossível que um paciente esteja tão con¬<br />

taminado que seja um risco radiológico para a saúde dos profis¬<br />

sionais de saúde que cuidam dele, de modo que o tratamento da<br />

lesão traumática com risco de vida é uma prioridade imediata e<br />

não deve ser adiado até ser feita a descontaminação."1<br />

Como foi descrito, as partículas radioativas podem ser ina¬<br />

ladas, ingeridas ou absorvidas pela pele ou por ferimentos con¬<br />

taminados. Esse tipo de exposição à radiação não resulta em<br />

efeitos agudos, mas pode resultar em efeitos tardios. Todas as<br />

vítimas ou os socorristas que fizerem o atendimento em área<br />

de risco de partículas radioativas 110 ar, sem o benefício da pro¬<br />

teção respiratória, precisarão de avaliação subsequente para<br />

identificai- contaminação interna, que pode exigir intervenção<br />

médica para diluir ou bloquear os efeitos do radionuclídeo.<br />

Equipamento de Proteção Individual<br />

Depois de um desastre radiológico, os socorristas passarão a<br />

trabalhai- em um ambiente com risco de exposição à radiação<br />

ionizante. O risco de radiação vai depender muito do tipo de<br />

evento radiológico.<br />

O EPI que os socorristas têm para uso nos riscos químicos<br />

e biológicos oferece certa proteção contra contaminação por<br />

material particulado radioativo. Contudo, não dá proteção con¬<br />

tra fontes de radiação de alta energia, como um realor danifi¬<br />

cado ou runa explosão nuclear no ponto zero.<br />

A radioatividade pode estar presente em gases, aerossóis,<br />

sólidos ou líquidos. Se houver gases radioativos, a ARAC ofe¬<br />

recerá proteção máxima. Se houver aerossóis, o RAS pode ser<br />

adequado para impedir contaminação interna causada por ina¬<br />

lação de partículas contaminadas. A máscara N-95 oferece certa<br />

proteção contra partículas inalatórias. A roupa padrão resistente<br />

a respingos protege contra material particulado que emite radia¬<br />

ção allà e oferece certa proteção contra radiação gama ou de<br />

nêutrons. Esse tipo de proteção de barreira auxilia na descon¬<br />

taminação de material particulado de um indivíduo, mas não<br />

protege contra os riscos da doença aguda por radiação, quando<br />

a pessoa é exposta a fontes de alta energia de radiação externa.<br />

Nenhum dos EPI típicos usados pelos socorristas protege con¬<br />

tra a fonte de radiação de um ponto de alta energia. Esse tipo<br />

de radiação é encontrado durante o primeiro minuto de uma<br />

detonação nuclear, em um centro crítico de reator ou em uma<br />

fonte de radiação de alta energia, como o césio-137, que pode<br />

ser disperso em um DDR. A melhor proteção contra essas fontes<br />

é a diminuição do tempo de exposição, o aumento da distân¬<br />

cia em relação à fonte e a blindagem. Estão sendo investigados<br />

alguns materiais novos que podem oferecer certa proteção con¬<br />

tra radiação gama de baixo nível para uso no EPI do primeiro<br />

socorrista. Diferentemente do EPI insuficiente para um material<br />

químico perigoso, a inalação, ingestão ou absorção pela pele do<br />

gás ou material particulado emissor de radiação não incapacita<br />

imediatamente um socorrista nem uma vítima. Todos os socor¬<br />

ristas que lenham atuado em ambiente potencialmente conta¬<br />

minado por material radioativo terão de se submeter a exame<br />

de radiação, para averiguar se ocorreu contaminação interna e<br />

submeler-se a tratamento alivo, se houver indicação.<br />

Os medidores ou alarmes de taxa de dose devem ser usados<br />

se possível. Existem padrões para doses aceitáveis de radiação<br />

ionizante no ambiente profissional sob condições normais e de<br />

emergência. As taxas de doses de radiação ionizante podem<br />

ser medidas para impedir que os socorristas corram risco de<br />

doença aguda por radiação ou lenham incidência inaceitavelrnenle<br />

mais alta de câncer. O comandante do incidente deve ser<br />

abordado paia orientações sobre leituras e limites de exposição<br />

à radiação.<br />

Avaliação e Tratamento<br />

As vítimas de catástrofe radiológica devem ser avaliadas pela<br />

avaliação primária e secundária, conforme o mecanismo de<br />

lesão. Os socorristas devem estar preparados para avaliar os<br />

pacientes que tenham sofrido lesão por explosão e lesão tér¬<br />

mica, no caso de uma detonação nuclear ou em decorrência<br />

da detonação de explosivo potente convencional de um DDR<br />

(Fig.19-20). Recomenda-se a descontaminação da vítima para<br />

eliminar contaminação particulada radioaliva, mas não se deve<br />

adiar o tratamento dos pacientes que precisem de intervenção<br />

imediata para suas lesões. Se o paciente não apresentar sinais<br />

de lesão grave que exija intervenção imediata, pode ser des¬<br />

contaminado primeiro. Se estiver presente iodo radioativo 110<br />

ambiente, como pode ser encontrado em um acidente com rea¬<br />

tor nuclear ou com bastão de combustível gasto ou ainda com a<br />

detonação de um dispositivo nuclear,dar iodeto de potássio (Kl)<br />

aos socorristas e às vítimas pode ajudar a prevenir o acúmulo<br />

de iodo radioativo na tireóide, onde pode aumentai- a probabili¬<br />

dade de câncer. Outra terapia de bloqueio e de desincorporação<br />

pode ser recomendada pelo hospital ou por agências federais de


CAPÍTULO 19 Explosões e Armas de Destruição em Massa 473<br />

assistência, quando houver mais informações disponíveis sobre<br />

a catástrofe.<br />

Considerações sobre o Transporte<br />

Os pacientes devem ser transportados para o centro médico<br />

apropriado mais próximo que seja capaz de tratar as lesões<br />

por trauma e por radiação. É necessário que lodos os hospitais<br />

tenham um plano para atender uma emergência radiológica,<br />

mas as comunidades podem ter instituições identificadas que<br />

tenham instalações de descontaminação, sejam capazes de tra¬<br />

tar trauma e tenham pessoal treinado para lidai1 de forma efe-<br />

Liva com possível contaminação radioaliva externa ou interna,<br />

bem como com as complicações da exposição do corpo inteiro<br />

à radiação ionizante.<br />

FIGURA 19-20<br />

Considerações sobre o Tratamento e a Descontaminação após Exposição à Radiação<br />

CONSIDERAÇÕES SOBRE 0 TRATAMENTO.<br />

ÿ<br />

Se houver trauma, tratar<br />

ÿ Em caso de presença de contaminantes radioativos externos,<br />

proceder à descontaminação (após o tratamento dos problemas<br />

com risco de vida)<br />

® Em caso de presença de iodo radioativo (p. ex., acidente em<br />

reator), considere a administração profilática de iodeto de<br />

potássio (solução de Lugol) nas primeiras 24 horas (sem efeito,<br />

se usado depois disso)<br />

ÿ<br />

Consultar http://www.afrri.usuhs.mil ou http://www.orau.gov/<br />

reacts/guidance.htm<br />

A exposição com contaminação requer Precauções-<br />

Padrão (Universais), remoção das roupas do paciente e<br />

descontaminação com água<br />

Contaminação interna será determinada no hospital<br />

Tratar pacientes contaminados antes da descontaminação pode<br />

contaminar o hospital; planeje fazer a descontaminação antes<br />

da chegada<br />

Paciente com risco de vida: tratar e depois descontaminar<br />

Paciente sem risco de vida: descontaminar e depois tratar<br />

CONSIDERAÇÕES SOBRE A DESCONTAMINAÇÃO<br />

Exposição sem contaminação não requer descontaminação<br />

(Modificado de Armed Forces Radiobiology Institute, Medicalmanagement of radiological casualties, Bethesda, MD, 2003.)<br />

RESUMO<br />

i* •-ÿÿÿÿ • •<br />

•"••••<br />

As armas de destruição em massa fabricadas pelos regimes<br />

terroristas representam uma ameaça significativa para a<br />

sociedade civilizada.<br />

Os socorristas também podem entrar em contato com<br />

explosões e material químico e radiológico em decorrên¬<br />

cia de acidentes industriais.<br />

A segurança dos socorristas é fundamental, e eles devem<br />

possuir um conhecimento ativo dos níveis de equipa¬<br />

mento de proteção individual e dos fundamentos da<br />

descontaminação.<br />

Os agentes explosivos têm predominado nos atentados<br />

terroristas recentes. Explosivos de alta ordem produzem<br />

lesões primárias pela explosão nos sobreviventes que estão<br />

muito próximos à explosão, e lesões secundárias decorrem<br />

de escombros que voam.<br />

Os agentes químicos podem não só lesionar a pele e o<br />

sistema pulmonar,como também podemresultai- em doença<br />

sistémica, manifestando-se como toxídromo específico que<br />

dá indícios do agente. São usados antídotos para alguns<br />

desses agentes.<br />

Os agentes biológicos podem ser bactérias ou vírus alta¬<br />

mente virulentos ou toxinas produzidas por organismos<br />

vivos. Os tipos de precauções de proteção usadas pelos<br />

socorristas variam com os agentes específicos.<br />

Existem vários tipos de radiação. A exposição a esses<br />

agentes pode resultar em doença aguda por radiação, que,<br />

em geral, é função do tipo de radiação e da duração da<br />

exposição.


474 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

vr-r<br />

\WTmrnmrnin, ÿr-<br />

A primeira prioridade é a segurança. Avalie a cena. Procure<br />

também por evidência óbvia de um dispositivo secundário<br />

que possa ser uma ameaça para o pessoal do resgate. Há<br />

outros riscos? Procure escombros pendurados, fios elétricos<br />

caídos ou expostos ou vazamento de material perigoso.<br />

Observe rapidamente a multidão em busca de evidências<br />

de um toxídromo. Há uma proporção incomumente alta de<br />

dificuldade respiratória? Há vítimas vomitando e tendo crises<br />

convulsivas? Há evidências de dispersão de agentes além da<br />

explosão? Vista EPI apropriado para o cenário.<br />

Comunique-se com a sua cadeia de comando. Como primeiro<br />

socorrista dos SME, o centro de comunicações dependerá de<br />

suas informações. Descreva os detalhes pertinentes da cena,<br />

os perigos observados, o número de vítimas e a quantidade<br />

provável de recursos necessários para lidar com a cena e<br />

tratar as vítimas. Com base em suas observações, o centro<br />

de comunicações e o supervisor de plantão podem notificar<br />

outras unidades e entidades sobre a sua situação e despachar<br />

os recursos necessários. Pode ser ativado um plano de resposta<br />

predefinido contra desastres.<br />

Uma vez assegurada a segurança pessoal da equipe e<br />

comunicadas as informações à cadeia de comando, preparese<br />

para servir como comandante do incidente até que seja<br />

substituído por outra autoridade competente. Assim que<br />

possível, aborde as vítimas a fim de triá-las para tratamento<br />

e transporte, usando o algoritmo START. Sem se envolver<br />

inicialmente no tratamento médico das vítimas, classifiqueas<br />

nas categorias "imediata", "podem aguardar", "leve" e<br />

"expectante". À medida que vai chegando mais ajuda, direcione<br />

o pessoal para assumir papéis do sistema de comando do<br />

incidente até que chegue o pessoal da supervisão para assumir<br />

o comando e controlar as funções.<br />

Referências<br />

1. Hogan DE, Waeckerle JF, Dire DJ, et al: Emergency department<br />

impact of the Oklahoma City terrorist bombing. Ann Emerg Med<br />

34:160, 1999.<br />

2. Kennedy K, Aghababian R, Gans L, et al: Triage: Techniques and<br />

applications in decision making. Ann EmergMed28(2):136, 1996.<br />

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incident triage algorithms. Ann Emerg Med38:541, 2001.<br />

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DIVISÃO SEIS<br />

Considerações Especiais<br />

CAPITULO 2 0<br />

Trauma Ambiental I:<br />

Calor e Frio<br />

OBJETIVOS DO CAPÍTULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

•/ Explicar a razão pela qual a intermação é considerada uma situação que ameaça<br />

à vida.<br />

•/ Diferenciar intermação e hiponatremia.<br />


478 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

Às 2 horas da manhã, sua ambulância responde a um chamado; está frio (-2°C) e venta muito (40 km/h, NE), e uma<br />

senhora de 76 anos de idade deixou o asilo em que vive e foi encontrada após 8 horas de busca. A mulher recentemente<br />

se mudou para mais perto da filha, passando a viver nesta casa de repouso em outro estado. Aparentemente, foi dada<br />

como desaparecida por volta das 6 horas da tarde, e havia sido considerada agitada durante grande parte do dia. Após uma<br />

longa busca, um voluntário a encontrou, desorientada e vestindo roupas leves, casaco impermeável e calça, a 360 metros<br />

da instituição. A mulher foi localizada no chão frio e úmido, presa em alguns arbustos, próxima a uma vala de drenagem<br />

congelada. A avaliação inicial mostra que ela não responde a estímulos, suas respirações são pouco profundas, o pulso é<br />

fraco, e a pele, fria.<br />

Hl/n<br />

Quais são as possíveis causas da saída da mulher da instituição e de sua condição? Como melhor avaliar essa doente<br />

quanto às lesões relacionadas ao frio e outras possíveis alterações? Esta é uma situação com risco de morte para<br />

a doente? Como você trataria essa doente? Você deve tentar reaquecer a doente? Caso você transporte a doente<br />

imediatamente, como tratá-la durante o trajeto até o pronto-socorro mais próximo? Qual é a sensação térmica durante<br />

este incidente e como proteger melhor a doente das contínuas lesões por frio?<br />

Este<br />

capítulo enfoca o reconhecimento e o tratamento da<br />

exposição a temperaturas quentes e frias, porque nos Estados<br />

Unidos, de todos os traumas ambientais, o trauma térmico é<br />

o que apresenta morbidade e mortalidade mais significativas.1"'<br />

Trauma Térmico<br />

Os extremos ambientais de calor e frio apresentam o desfecho<br />

comum de lesões e de morte em potencial que pode afetar muitos<br />

indivíduos durante o pico do verão e os meses de inverno. Os<br />

indivíduos especialmente mais suscetíveis tanto às temperatu¬<br />

ras elevadas quantos às baixas são os muito jovens, a popula¬<br />

ção idosa, as pessoas pobres em áreas urbanas, indivíduos que<br />

usam medicação específica, doentes com doenças crónicas e<br />

alcoólatras.3"7 Os chamados dos serviços médicos de emergência<br />

(SME) nos Estados Unidos são, em sua maioria, para as lesões<br />

provocadas pelo calor e pelo frio em doentes hipertérmicos e<br />

hipotérmicos em áreas urbanas. Entretanto, o interesse crescente<br />

nas atividades recreativas e nas aventuras de alto risco nas áreas<br />

selvagens durante os períodos de temperaturas extremas coloca<br />

mais indivíduos em risco de lesões e mortes relacionadas com o<br />

calor e com (lírio.8"11<br />

Epidemiologia<br />

Doença Relacionada ao Calor<br />

Durante um período de 20 anos (1979-1999) foram registradas<br />

8.015 mortes relacionadas ao calor, de várias causas nos Estados<br />

Unidos da América do Norte.2 O estresse pelo calor causou mais<br />

mortes do que furacões, raios, tornados, enchentes e terremotos<br />

combinados. Destas, 3.829 (48%) estiveram relacionadas com<br />

alta temperatura ambiental. A média é de aproximadamente 182<br />

mortes relacionadas ao calor por ano durante os quatro meses<br />

mais quentes (de maio até agosto). A maior percentagem de mor¬<br />

tes (1.891, ou 45%) ocorreu em pessoas com mais de 65 anos<br />

de idade. Além do mais, a morbidade e a mortalidade podem<br />

ser extremamente altas quando ocorrem as ondas sazonais perió¬<br />

dicas de calor (>3 dias consecutivos de temperaturas iguais ou<br />

superiores a 32,2°C). O Centers for Disease Control and Preven¬<br />

tion relatou um total de 3.442 mortes (1999-2003) resultantes da<br />

exposição ao calor extremo (média anual: 688). Em 2.239 (65%)<br />

das mortes registradas, a causa subjacente foi a exposição ao<br />

calor excessivo, ao passo que nas 1.203 restantes (35%), a hipertermia<br />

foi registrada como fator contributivo. Os homens foram<br />

responsáveis por 66% das mortes, superando o número de óbitos<br />

em mulheres de todas as faixas etárias. Das 3.401 mortes em que<br />

a idade do doente era conhecida. 228 (7%) ocorreram em indiví¬<br />

duos com menos de 15 anos; 1.810 (53%), entre 15 e 64 anos; e<br />

1.363 (40%), com 65 anos ou mais.3<br />

Em 1995,ocorreu uma onda de calor sem precedentes durante<br />

um período de 17 dias em Chicago, Illinois.12,13 O gabinete do<br />

patologista-chefe de Chicago relatou 1.177 mortes relacionadas<br />

ao calor durante esse curto período. Foram incluídos casos em<br />

que se determinou que o calor foi a causa primária da morte e<br />

aqueles nos quais a doença cardiovascular foi listada como a<br />

causa da morte e o calor como um fator coadjuvante (secundário).<br />

Comparado com o mesmo período em 1994, houve um aumento<br />

de 84% nas mortes relacionadas ao calor. Destes 1.177 casos, o<br />

calor foi a causa primária da morte em 465 (39,5%). 13<br />

Doença Relacionada ao Frio<br />

Condições climáticas irias de leves a severas causaram 13.970<br />

mortes não intencionais relacionadas à hipotermia nos Estados<br />

Unidos entre 1978 e 1998 (uma média de 699 mortes por ano),<br />

e 6.857 (49%) dessas mortes ocorreram em pessoas com idade<br />

igual ou maior que 65 anos.'1 Quando ajustadas por idade, as<br />

mortes por hipotermia são aproximadamente 2,5 vezes mais fre¬<br />

quentes em homens do que em mulheres. A incidência de mortes<br />

relacionadas com a hipotermia aumenta progressivamente com<br />

a idade e é três vezes maior em homens que em mulheres com<br />

mais de 15 anos. Em 2003, 599 mortes foram relatadas como<br />

consequência da exposição ao clima frio nos Estados Unidos, e


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 479<br />

67% eram homens e 51% tinham mais do que 65 anos de idade.7<br />

Os fatores mais importantes que contribuem para a hipotermia<br />

acidental são a pobreza urbana, as condições socioeconómicas,<br />

a ingestão alcoólica, a desnutrição e a idade (cidadãos muito<br />

jovens e idosos).4,'<br />

Anatomia<br />

A pele, o maior órgão do corpo, é a interface com o ambiente<br />

externo e serve como uma membrana de proteção. Ela previne a<br />

invasão de microrganismos, mantém o equilíbrio hídrico e regula<br />

a temperatura. A pele é composta por três camadas de tecido- a<br />

epiderme, a derme e o tecido subcutâneo (Fig. 20-1). A camada<br />

mais externa, chamada de epiderme, ou estrato córneo, é com¬<br />

posta inteiramente por células epiteliais, sem vasos sanguíneos.<br />

Abaixo da epiderme está a derme, mais espessa. A derme, uma<br />

camada mais profunda da pele é 20 a 30 vezes mais espessa que<br />

a epiderme. A derme é composta por um arcabouço de tecido<br />

conjuntivo que contém vasos sanguíneos, produtos do sangue,<br />

nervos, glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas. A camada<br />

mais interna, o subcutâneo, é uma combinação de tecido elástico<br />

e fibroso, bem como de depósitos gordurosos, e abaixo dela está a<br />

camada musculoesquelética. A pele, os nervos, os vasos sanguí¬<br />

neos e outras estruturas anatómicas subjacentes desempenham<br />

papéis importantes na regulação da temperatura corpórea. •<br />

Fisiologia<br />

Termorregulação e Equilíbrio Térmico<br />

Os seres humanos são considerados animais homeotérmicos, ou<br />

de sangue quente. Uma característica importante dos animais<br />

homeotérmicos é a capacidade de regulação de sua temperatura<br />

corporal interna, independentemente das variações da tempe¬<br />

ratura ambiental. O corpo é essencialmente dividido em uma<br />

camada central interna mais quente (incluindo o cérebro e os<br />

órgãos torácicos e abdominais) e uma concha externa constituída<br />

pela pele e pelo tecido subcutâneo. A temperatura central é regu¬<br />

lada pelo equilíbrio dos mecanismos de produção e dissipação<br />

Glândula<br />

sebácea<br />

Folículo >(/vj £<br />

piloso 'ÿ)[ li<br />

Glândula<br />

sudorípara<br />

. y-, . /•<br />

Vaso<br />

sanguíneo<br />

j'4j. '<br />

'VsL<br />

Tecido celular<br />

subcutâneo<br />

Músculo<br />

FIGURA 20-1 A pele é composta por três camadas -<br />

epiderme, derme e tecido subcutâneo - e a musculatura<br />

associada. Algumas camadas contêm estruturas como<br />

glândulas, folículos pilosos, vasos sanguíneos e nervos. Todas<br />

essas estruturas estão inter-relacionadas na manutenção, perda<br />

e ganho da temperatura corpórea.<br />

de calor. As temperaturas na superfície da pele e a espessura da<br />

"concha" dependem da temperatura ambiental, assim a concha<br />

se torna mais espessa nas temperaturas mais frias e mais delgada<br />

nas temperaturas mais quentes, com base no desvio de sangue<br />

para dentro e para fora da pele, respectivamente. Considera-se<br />

que essa "concha" ou tecido de isolamento, induzida pela vaso¬<br />

constrição, corresponde à proteção externa decorrente do uso de<br />

um terno leve, comparada com isolamento seis a oito vezes maior<br />

fornecido por um agasalho pesado nas temperaturas frias.<br />

A produção metabólica de calor irá variar com base nos níveis<br />

de atividade. Independentemente da variação da temperatura<br />

externa, o corpo funciona normalmente dentro de uma estreita<br />

faixa de temperatura, conhecida como metabolismo homeostático,<br />

de cerca de 1"C para cima ou para baixo de 37°C ± 0,6°C. A<br />

temperatura corporal normal é mantida em uma faixa estreita por<br />

mecanismos homeostálicos regulados no hipolálamo, que está<br />

localizado no cérebro. O hipotálamo é conhecido como o cen¬<br />

tro termorregulador e funciona como o termostato do corpo para<br />

o controle da regulação neurológica e hormonal da temperatura<br />

corporal. Conforme observado nos capítulos precedentes, um<br />

traumatismo cerebral pode comprometer o hipolálamo, o que,<br />

por sua vez, provoca um desequilíbrio na regulação da tempera¬<br />

tura corporal.<br />

Os seres humanos apresentam dois sistemas para regulai- a<br />

temperatura corporal: regulação comportamental e termorregu¬<br />

lação fisiológica. A regulação comportamental é governada pela<br />

sensibilidade e conforto térmicos do indivíduo, e a característica<br />

que a distingue é o esforço consciente para reduzir o desconforto<br />

térmico (p. ex., com vestuário adicional, buscando proteção nos<br />

ambientes frios). O processamento da retroalimentação sensitiva<br />

da informação térmica na termorregulação comportamental para<br />

o cérebro não está bem compreendido, porém a retroalimenta¬<br />

ção da sensibilidade e conforto térmicos apresenta respostas<br />

mais rápidas que as fisiológicas às alterações da temperatura<br />

ambiental.1"1<br />

Produçãode CaloreEquilíbrio Térmico. A taxa metabólica basalé o<br />

calor produzido primariamente como um subproduto do metabo¬<br />

lismo, que provém, principalmente, dos grandes órgãos centrais<br />

e da conlração musculoesquelética. O calor gerado é transferido<br />

para o corpo pelo sangue no sistema circulatório. A transferência<br />

ÿe a dissipação de calor do corpo pelo sistema cardiopulmonar são<br />

importantes na avaliação e no tratamento da doença relacionada<br />

ao calor, conforme será discutido posteriormente.<br />

O tremor aumenta a taxa metabólica, aumentando a tensão<br />

muscular, que leva a episódios repelidos de conlração e relaxamento<br />

muscular. Há algumas diferenças individuais: porém, tipi¬<br />

camente, o tremor se inicia quando a temperatura central cai para<br />

34,4°Ca 36°C e continua até que a temperatura corporal esteja em<br />

29°C a 31°C.14 Com o tremor máximo, a produção de calor é de<br />

cinco a seis vezes maior que a do nível de repouso.15,10<br />

O sistema de termorregulação fisiológica que controla as respos¬<br />

tas de produção e perda de calor estão bem documentadas.1'1,10,17<br />

Dois princípios na termorregulação são básicos na compreensão<br />

de como o corpo regula a temperatura central: gradiente térmico e<br />

equilíbrio térmico. O gradiente térmico é a diferença de tempera¬<br />

tura (temperatura alta versus temperatura baixa) entre dois objetos.<br />

O equilíbrio térmico é a transferência de calor de um objeto mais<br />

quente para um objeto mais frio em um esforço para criar a mesma<br />

temperatura entre eles.


480 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Quando a temperatura corporal aumenta, a resposta fisioló¬<br />

gica normal é aumentar o fluxo sanguíneo da pele e começar a<br />

suar. A maior parle do calor corporal é transferida para o ambiente<br />

na superfície da pele por condução, convecção, irradiação e eva¬<br />

poração, como definido a seguir. Como o calor é transferido da<br />

maior para a menor temperatura, o corpo humano pode ganhar<br />

calor por irradiação e por condução durante condições climáticas<br />

quentes. Os métodos para manter e dissipar o calor corporal são<br />

conceitos importantes para os socorristas. Eles devem compreen¬<br />

der como o calor e o frio são transferidos para fora e para dentro<br />

do corpo, de forma que possam tratar efetivamente um doente<br />

que apresente hipertermia ou hipotermia (Fig. 20-2).<br />

Irradiação ó a perda 011 ganho de calor na forma de energia<br />

eletromagnética; ela é a transferência de energia de um<br />

objeto mais quente para um objelo mais frio. A irradiação<br />

não usa uma fonte intermediária como o ar ou a água.<br />

O sol aquece a terra através do espaço por este método<br />

de transferência de energia. Um doente com doença<br />

relacionada ao calor pode adquirir calor corporal adicional<br />

do chão quente ou diretamente do sol. Essas fontes de calor<br />

aumentarão a temperatura corporal do doente, dificultando<br />

o seu resfriamento até que o socorrista elimine as fontes de<br />

irradiação de calor, enquanto avalia e trata o doente.<br />

Condução é a transferência de calor entre dois objetos<br />

em contato direto um com o outro, como o que acontece<br />

com um doente deitado em um chão gelado depois de<br />

uma queda. Um doente geralmente vai perder calor mais<br />

rapidamente quando deitado no chão frio do que quando<br />

exposto ao ar fido. Portanto, nas temperaturas Irias, os<br />

Radiaçao solar<br />

Convecção<br />

Convecção fluxo<br />

sanguíneo muscular<br />

Armazenamento<br />

metabolic<br />

Centro<br />

corpo<br />

Irradiação<br />

Radiação térmica ambiental<br />

Temperatura do ar<br />

Umidade do ar<br />

Evaporação<br />

(suor)<br />

Evaporação<br />

(respiração)<br />

socorristas precisam levantar o doente do chão, em vez de<br />

meramente cobri-lo com um cobertor.<br />

Convecção é a transferência de calor de um objelo sólido<br />

para um meio que se move através deste objeto. As correntes<br />

de ar ou de água geralmente são os dois meios considerados<br />

na perda de calor por convecção por entrarem em contato<br />

com o corpo humano. O movimento de ar ou água fria<br />

através da pele aquecida provoca a eliminação contínua de<br />

calor da pele mais quente. Além disso, um doente perderá<br />

calor corporal 25 vezes mais rapidamente na água que 110 ar<br />

com a mesma temperatura; portanto, é importante manter o<br />

doente seco e remover roupas molhadas nas temperaturas<br />

moderadas ou frias. Uma roupa de mergulhador ajuda a<br />

minimizar a perda de calor corporal por convecção quando<br />

o mergulho acontece em água com temperatura mais fria que<br />

a da pele. Quando os socorristas tratam efetivamente um<br />

doente com doença relacionada ao calor, usam o princípio<br />

de perda de calor por convecção pelo umedecimento e pela<br />

ventilação do seu doente para dissipar o calor corporal<br />

rapidamente.<br />

A evaporação do suor de uma forma líquida para vapor é um<br />

método extremamente eficiente de perda de calor pelo corpo,<br />

dependendo da umidade relativa ou umedecimento do ar. 0<br />

nível basal tanto de água corporal quanto da perda de calor<br />

concomitante pelo ar exalado, pele e membranas mucosas é<br />

chamado de perda insensível e é causado pela evaporação.<br />

Essa perda insensível é normalmente cerca de 10% da<br />

produção basal de calor; porém, quando a temperatura<br />

corporal aumenta, este processo se torna mais ativo<br />

(sensível) e produz-se o suor. A perda de calor por evaporação<br />

aumenta nas condições climáticas frias, secas e com vento<br />

(p. ex., os desertos do sudoeste dos EUA). Coletivamente,<br />

a convecção e a evaporação são mais importantes que<br />

os outros métodos de transferência deÿcalor porque são<br />

reguladas pelo corpo para controlar a temperatura central.3<br />

Aumentos (hipertermia) ou diminuições (hipotermia) na tem¬<br />

peratura corporal além dos limites homeostálicos 37nC ± 0,6°C<br />

podem ter diferentes causas internas e externas e voltar às tempe¬<br />

raturas homeostáticas sem complicações.17 A hipertermia ocorre<br />

principalmente em uma de três maneiras: (1) como uma resposta<br />

normal ao exercício contínuo, no qual o calor produzido eleva a<br />

temperatura central e é o estímulo para as respostas de dissipação<br />

de calor (p. ex., sudorese, aumento de fluxo sanguíneo da pele);<br />

(2) quando a soma da produção de calor e do calor ganho do<br />

ambiente é maior que a capacidade de dissipação de calor pelo<br />

corpo; e (3) pela febre. Ao contrário das duas primeiras maneiras,<br />

a febre geralmente ocorre em reposta à inflamação decorrente de<br />

.uma alteração no ponto de referência termorregulador e o corpo<br />

responde através da elevação da temperatura corporal para uni<br />

valor mais alto (38uC-4'i"C). A produção de calor aumenta ape¬<br />

nas temporariamente para alcançar um novo ponto de referência<br />

para a temperatura em uma tentativa de tornar o ambiente menos<br />

favorável para a invasão da infecção.1'<br />

Irradiaçao<br />

solar refletida<br />

Irradiação<br />

térmica do solo<br />

FIGURA 20-2 Como os seres humanos trocam energia térmica<br />

com o ambiente.<br />

Homeostase<br />

Todas essas estruturas anatómicas e sistemas fisiológicos estão<br />

interagindo para que o corpo funcione adequadamente quando<br />

exposto a alterações de temperatura. O corpo está em um estado


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 481<br />

FIGURA 20-3<br />

Fatores de Risco para a Doença Relacionada ao Calor<br />

SITUAÇÕES CLINICAS<br />

Doença cardiovascular<br />

Desidratação<br />

Neuropatias autonômicas<br />

Doença de Parkinson<br />

Distonias<br />

Distúrbios da pele: psoríase, queimaduras solares, queimaduras<br />

Distúrbios endócrinos<br />

Febre<br />

Delirium tremens<br />

Psicose<br />

Neonatos, pessoas idosas<br />

História de intermação<br />

Obesidade<br />

Baixo preparo físico<br />

TOXINAS/DROGAS<br />

Aumentam a Produção de Calor<br />

Hormônio tireoidiano<br />

Antidepressivos cíclicos<br />

Alucinógenos (p. ex., LSD)<br />

Cocaína<br />

Anfetaminas<br />

Diminuem a Sede<br />

Haloperidol<br />

Inibidores da enzima de conversão da angiotensina (ECA)<br />

Diminuem a Sudorese<br />

Anti-histamínicos<br />

Anticolinérgicos<br />

Fenotiazidas<br />

Glutetimida<br />

Betabloqueadores<br />

Aumentam a Perda de Água<br />

Diuréticos<br />

Etanol<br />

Nicotina<br />

COMPORTAMENTO<br />

Exercícios exagerados<br />

Vestuário inadequado<br />

Aclimatação inadequada<br />

Ingestão de líquidos inadequada<br />

Supervisão inadequada<br />

Alta motivação<br />

Perfil atlético<br />

Perfil de recrutamento militar<br />

(Modificado deTek D, OlshakerJS: Heat illness. Emerg Med Clin North Am 10(2):299, 1992.)<br />

constante de retroalimentação neurológica das regiões periféricas<br />

e internas para o centro termorregulador e outras regiões do cére¬<br />

bro, em um esforço conjunto para manter as condições internas<br />

constantes e estáveis, ou a homeostasia, do corpo. Porém, algu¬<br />

mas vezes isso não ocorre. Por exemplo, quando ocorre um dese¬<br />

quilíbrio nos ajustes cardiovasculares e termorreguladores para<br />

eliminar o calor corporal excessivo, uma consequência é a perda<br />

excessiva de líquido corporal através do suor, causando desidra¬<br />

tação aguda que pode levar aos sinais e sintomas da doença rela¬<br />

cionada ao calor.<br />

Lesões Produzidas pelo<br />

Calor<br />

Fatores de Risco na Doença Relacionada ao<br />

Calor<br />

Muitos estudos nos seres humanos demonstraram grandes dife¬<br />

renças individuais na sua tolerância aos ambientes quentes.1"<br />

Essas diferenças podem ser parcialmente explicadas tanto pelas<br />

características físicas quanto por situações clínicas que estão<br />

associadas a um risco aumentado para a doença relacionada ao<br />

calor (Fig. 20-3). É importante entender que qualquer situação<br />

na qual a produção de calor exceda a capacidade corpórea de<br />

dissipá-lo pode resultar numa lesão por calor. Os principais fato¬<br />

res de risco que contribuem para o aparecimento de intermação<br />

são o consumo de álcool, uso de medicamentos, desidratação,<br />

maior índice de massa corpórea, obesidade, dieta inadequada,<br />

uso de roupas inadequadas, baLxa condição física, privação de<br />

sono, os extremos de idade, presença de doença cardiovascular,<br />

lesões cutâneas, doença anterior relacionada à intermação, ane¬<br />

mia faleiforme, queimaduras solares e doença viral e realização<br />

de exercícios durante as horas mais quentes do dia.10,20 As situa¬<br />

ções transitórias incluem as que afetam os indivíduos que via¬<br />

jam de climas mais frios e não se aclimatizam aos climas mais<br />

quentes na chegada. Outras fatores transitórios que colocam os<br />

indivíduos em risco de apresentarem a doença relacionada ao<br />

calor são as doenças comuns, incluindo os resfriados e outras<br />

situações que causam febre, vómitos e diarreia, juntamente com<br />

ingestão dietética e hídrica inadequadas.20,21<br />

Os fatores considerados situações crónicas que colocam os<br />

indivíduos em maior risco de ter a doença relacionada ao calor<br />

são o preparo físico, tamanho do corpo, idade, situação clínica e<br />

uso de medicação.<br />

Preparo Físico e índice de Massa Corporal<br />

Baixos níveis de preparo físico causados por fatores genéticos ou<br />

por um estilo de vida sedentário com atividade física diária ina¬<br />

dequada vão reduzir a tolerância à exposição ao calor. Estar em<br />

boas condições físicas oferece uma reserva cardiovascular para<br />

manter o débito cardíaco necessário para sustentar a termorregulação.<br />

indivíduos obesos apresentam uma resposta normal de<br />

exposição ao calor por vasodilatação dos vasos sanguíneos da<br />

pele e aumento da sudorese. Porém, a combinação de baixo con¬<br />

dicionamento físico, falta de aclimatação ao calor e peso corpo-


482 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

ral excessivo (índices dê massa corporal mais elevados) aumenta<br />

o custo de energia do movimento, colocando-os em risco maior<br />

para a doença relacionada ao calor.<br />

Idade<br />

A capacidade termorregulatória e a tolerância ao calor dimi¬<br />

nuem com a idade. Entretanto, este estado pode ser melhorado<br />

com a manutenção de um baixo peso corporal e um bom preparo<br />

físico.<br />

Sexo<br />

Havia uma crença antiga de que as mulheres eram menos toleran¬<br />

tes ao calor quando comparadas aos homens. Embora uma ampla<br />

variação tenha sido relatada anteriormente, essas diferenças<br />

resultavam do fato de as mulheres terem menos preparo físico e<br />

se exporem menos ao calor quando comparadas aos homens em<br />

situações que poderiam induzir a uma aclimatação completa ao<br />

calor. Estudos mais recentes controlaram as diferenças na apti¬<br />

dão física e na aclimatação ao calor entre homens e mulheres e<br />

indicam que as mulheres demonstram igual tolerância ao traba¬<br />

lho no calor e, em alguns estudos, são mais tolerantes ao calor<br />

que os homens.<br />

Situações Clínicas<br />

As situações clínicas que podem aumentar o risco de intolerância<br />

ao calor e à doença relacionada ao calor são o diabetes melito,<br />

distúrbios da tireóide e doença renal. A doença cardiovascular<br />

e os problemas circulatórios que aumentam o fluxo sanguíneo<br />

cutâneo e a demanda circulatória são agravados pela exposição<br />

ao calor. Uma forma leve da doença relacionada ao calor vista nos<br />

indivíduos é a "brotoeja", e tem sido demonstrado que ela pode<br />

causar a redução da tolerância ao calor.<br />

Medicações<br />

O uso de medicações com prescrição específica ou de venda livre<br />

pode colocar os indivíduos em maior risco de terem a doença<br />

relacionada ao calor (Fig. 20-3). Certas medicações podemaumen¬<br />

tar a produção metabólica de calor, suprimir o resfriamento do<br />

corpo, reduzir a reserva cardíaca e alterar o equilíbrio hiclroeletrolítico<br />

renal. As drogas sedativas e narcóticas podem alterar o-<br />

eslado mental e comprometer o raciocínio e o julgamento lógicos,<br />

suprimindo a capacidade de tomar decisões, quando o indivíduo<br />

é exposto ao calor.<br />

Desidratação<br />

A água corporal é o maior componente do corpo humano, repre¬<br />

sentando de 45% até 70% do peso corporal: por exemplo, um<br />

homem de 75 kg possui aproximadamente 45 litros de água,<br />

representando 60% do peso corporal. As variações excessivas<br />

no equilíbrio hídrico corporal normal [euidrotação) resultante<br />

do consumo excessivo de água (hiperidratação;consulte a seção<br />

sobre hiponatremia) ou de perda de líquido (que causa desidrata¬<br />

ção aguda) alteram a homeostasia, produzindo sinais e sintomas<br />

específicos. A desidratação aguda pode ser um desfecho grave,<br />

tanto da exposição ao calor quanto ao frio, porém é vista também<br />

como um perigoso efeito colateral da diarreia, dos vómitos e tam¬<br />

bém da febre.<br />

A desidratação é um achado comum em muitos casos de<br />

doença relacionada ao calor que ocorre durante muitos dias,<br />

como obser.vado em idosos ou durante atividade física, como<br />

visto na sudorese profusa nos atletas. Geralmente, esses indiví¬<br />

duos não consomem líquidos ou consomem pequenos volumes<br />

de líquido durante as atividades diárias, não repondo a água<br />

corporal perdida. As crianças e as pessoas com mais de 60 anos<br />

são particularmente suscetíveis à desidratação. A água corporal<br />

é perdida diariamente através do suor, lágrimas, urina e fezes.<br />

Normalmente, beber líquidos e comer alimentos que contenham<br />

água repõe a água corporal. A desidratação ocorre quando uma<br />

pessoa fica doente com febre, diarreia ou vómitos ou quando<br />

um indivíduo é exposto ao calor. Ocasionalmente, as drogas que<br />

depletam os líquidos e eletrólitos corporais, como os diuréticos,<br />

podem causar desidratação.<br />

Durante a exposição ao calor, a água corporal é perdida prin¬<br />

cipalmente como suor. Os indivíduos podem suar de 0,8 a 1,4<br />

litro por hora (L/h), e foi relatado que alguns atletas de elite que<br />

estejam aclimatizados ao calor podem suar até 3,7 L/h durante<br />

uma competição em ambientes quentes.22 As bases para evitai- o<br />

início da doença relacionada ao calor são manter um equilíbrio<br />

hídrico corporal e minimizara desidratação durante as atividades<br />

diárias, particularmente durante qualquer atividade física numa<br />

exposição moderada a alta ao calor. Os indivíduos normalmente<br />

não sentem sede até terem uma deficiência de aproximadamente<br />

2% de perda do peso corporal resultante da sudorese.23 Assim, a<br />

sede constitui um pobre indicador da necessidade hídrica corpo¬<br />

ral durante o repouso ou a atividade física.<br />

Com níveis de desidratação aguda leve a moderada (2% a<br />

6% do peso corporal), os indivíduos experimentam fadiga, dor<br />

de cabeça, diminuição da tolerância ao calor e deterioração cog¬<br />

nitiva, juntamente com redução na força e na capacidade física<br />

aeróbica.2'1,23 As pessoas tendem a consumir baixas quantidades<br />

de fluidos e permanecem desidratadas em, aproximadamente,<br />

1% a 2% de seu peso corpóreo, sem alguma forma de orientação<br />

para a hidratação líquida (Consulte a seção Prevenção da Doença<br />

Relacionada ao Calor, mais adiante neste-capítulo) para direcioná-las<br />

em relação à quantidade de líquidos a consumir por hora<br />

quando expostos a calor de moderado a alto. O consumo insufi¬<br />

ciente de líquidos para restaurar o equilíbrio hídrico normal é<br />

atualmente conhecido como desidratação "voluntária".21<br />

_<br />

Quando os indivíduos são motivados a beber líquidos fre¬<br />

quentemente durante a exposição ao calor, a velocidade com<br />

a qual os líquidos podem ser repostos pela boca está limitada<br />

pela velocidade do esvaziamento gástrico e pela velocidade de<br />

absorção de líquido no intestino delgado.20 Os líquidos fluem do<br />

estômago para o intestino delgado, onde ocorre a absorção para a<br />

corrente sanguínea, com uma velocidade máxima de aproximada¬<br />

mente '1 a 1,2 L/h. 20 Além disso, as velocidades de esvaziamento<br />

gástrico diminuem de aproximadamente 20% a 25% quando a<br />

perda de peso induzida pelo suor causa uma desidratação de<br />

5% do peso corporal total (p. ex., 5% de um homem de 90 kg<br />

= perda de peso de 4,5 kg).2' A mensagem importante é que,<br />

uma vez que ocorra a desidratação, torna-se um desafio maior<br />

reidratar adequadamente o indivíduo com líquidos por via oral.<br />

Além disso, a rápida administração oral de fluidos pode provo¬<br />

car náusea e vómito, exacerbando a desidratação. As chaves para<br />

minimizar grau de desidratação durante a exposição ao calor são<br />

começar o consumo oral de líquidos antes da exposição ao calor<br />

e manter a ingestão frequente de líquidos durante e depois dessa<br />

exposição. Em toda atividade física, o objetivo da hidratação oral<br />

é impedir a desidratação excessiva (> 2% perda de peso corpo-


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 483<br />

reo) e alterações excessivas ria concentração de eletrólitos (p. ex.,<br />

sódio, potássio e cloreto)."'<br />

Os sinais e sintomas a seguir são os mais comuns de desidra¬<br />

tação em lactentes, crianças e adultos, embora cada indivíduo<br />

possa experimentar os sintomas de formas diferentes:<br />

a Diurese menos frequente e urina com coloração escura<br />

B Sede<br />

0 Pele seca<br />

h Fadiga<br />

b Tontura<br />

ra Dor de cabeça<br />

Q Tontura<br />

b Confusão<br />

s Boca e membranas mucosas secas<br />

b Aumento das frequências cardíaca e respiratória<br />

Nos lactentes e nas crianças, os sintomas adicionais podem<br />

incluir:<br />

e<br />

s<br />

b<br />

s<br />

s<br />

s<br />

e<br />

a<br />

Boca e língua secas<br />

Falta de lágrimas ao chorar<br />

Fraldas secas por mais de três horas<br />

Abdome, olhos e bochechas encovados<br />

Febre alta<br />

Falta de atenção<br />

Irritabilidade<br />

Pele que não volta ao normal quando pinçada e liberada<br />

Distúrbios Relacionados ao Calor<br />

Os distúrbios relacionados ao calor podem variar de mínimos<br />

a graves nos doentes com doença relacionada ao calor.9,29-'10 É<br />

importante observar que os socorristas podem ou não ver uma<br />

progressão dos sinais e sintomas, começando com síndromes<br />

mínimas (p. ex., cãibras pelo calor) e então avançando para doen¬<br />

ças relacionadas ao calor mais importantes (p. ex., a intermação<br />

clássica). Na maioria das exposições ao calor, o doente é capaz<br />

de dissipar adequadamente o calor corporal central e de manter<br />

a temperatura central dentro da faixa normal. Entretanto, quando<br />

as situações relacionadas ao calor resultam numa chamada para<br />

assistência pelo SME, as situações menos graves relacionadas ao<br />

calor podem estar aparentes para o socorrista durante a avaliação<br />

do doente, junto com os sinais e sintomas de doença relacionada<br />

ao calor mais grave (Fig. 20-4).<br />

Distúrbios Leves Relacionados ao Calor<br />

Os distúrbios leves relacionados ao calor incluem o rash cutâneo,<br />

edema, tetania, cãibras musculares e a síncope pelo calor.<br />

Rashpelo Calor. O rash pelo calor, também conhecido como "bro¬<br />

toeja" e miliaria rubra, é um rash papular, pruriginoso e eritematoso<br />

visto normalmente na pele nas áreas cobertas pelo vestuário<br />

e de sudorese intensa. Esta situação é causada por inflamação das<br />

glândulas sudoríparas, que bloqueia o dueto sudoríparo. Como<br />

resultado, as áreas comprometidas não podem suai1, colocando<br />

o indivíduo em risco aumentado de doença relacionada ao calor<br />

dependendo da quantidade de superfície cutânea envolvida.<br />

Tratamento. O tratamento é leito pelo resfriamento e secagem<br />

da área afetada e pela prevenção de situações que causem mais<br />

sudorese nessas áreas.<br />

Edemapelo Calor. O edema pelo calor é um edema leve nas mãos,<br />

nos pés e nos tornozelos visto durante os estágios precoces da<br />

aclimatação ao calor quando o volume plasmático se expande<br />

para compensar a necessidade de aumento do fluxo sanguíneo<br />

termorregulador. Esta forma de edema não indica ingestão exces¬<br />

siva de líquidos ou doença cardíaca, renal ou hepática. Na ausên¬<br />

cia de outras doenças, esta situação não tem significado clínico<br />

e é autolimitada. O edema pelo calor é observado com maior fre¬<br />

quência em mulheres.<br />

Tratamento. O tratamento consiste em afrouxar qualquer roupa<br />

apertada e elevar as pernas. Os diuréticos não estão indicados e<br />

podem aumentai- o risco de doença relacionada ao calor.<br />

Tetaniapelo Calor. A tetania pelo calor é uma situação rara e auto¬<br />

limitada que pode ocorrer nos doentes expostos agudamente a<br />

situações de calor intenso por curto espaço de tempo. A hiperventilação<br />

que resulta dessas condições é considerada a causa<br />

principal. Podem desenvolver-se alcalose respiratória, parestesias,<br />

espasmo carpopodálico e tetania.<br />

Tratamento. O tratamento consiste na remoção da fonte de calor e<br />

no controle da hiperventilação. A desidratação não é uma ocor¬<br />

rência comum nessas exposições curtas ao calor. A tetania pelo<br />

calor pode ser vista em conjunto com os sinais e sintomas de<br />

exaustão pelo calor e termoplegia.<br />

Cãibras Musculares (pelo Calor). As cãibras pelo calor são mani¬<br />

festadas por contrações musculares dolorosas e de curta duração<br />

vistas frequentemente nos músculos da panturrilha (gastroenêmio),<br />

porém também nos músculos voluntários do abdome e dos<br />

membros e são comumenle observadas após atividades físicas<br />

prolongadas, geralmente em temperaturas mornas a quentes.<br />

Elas ocorrem nos indivíduos durante exercício que produza<br />

sudorese profusa ou durante a fase de recuperação do exercício.<br />

O músculo liso, o músculo cardíaco, o diafragma e os músculos<br />

bulbares não são envolvidos. As cãibras musculares pelo calor<br />

podem ocorrer isoladamente ou associadas à exaustão pelo calor.<br />

A causa é desconhecida, porém acredita-se que seja causada por<br />

fadiga muscular, perda corporal de água e grande perda de sódio.<br />

A suplementação de sal na dieta mostrou reduzir a incidência de<br />

cãibras pelo calor.<br />

Tratamento. O tratamento consiste em repouso em ambiente<br />

fresco, alongamento prolongado do músculo acometido e con¬<br />

sumo, por via oral, de fluidos e alimentos contendo cloreto de<br />

sódio (ou seja, 1/8-Vi colher de chá de sal de mesa, adicionada a<br />

300-500 mL de fluidos ou bebidas isotônicas, 1-2 tabletes de sal<br />

em 300-500 mL de fluido, caldos ou biscoitos salgados). Rara¬<br />

mente os líquidos intravenosos (IV) são necessários; porém, as<br />

cãibras musculares prolongadas e graves podemser rapidamente<br />

resolvidas com solução fisiológica IV. Evite o uso de tabletes de<br />

sal, porque eles podem causar distúrbios gastrointestinais (GI).


484 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 20-4<br />

Distúrbios Comuns Relacionados ao Calor<br />

Distúrbio Causa/problema Sinais/sintomas Tratamento<br />

Cãibras musculares Incapacidade de repor o NaCI Cãibras musculares dolorosas, Remover para um lugar fresco;<br />

pelo calor perdido pela sudorese; problemas geralmente nas pernas ou no massagem/alongamento muscular;<br />

eletrolíticos e musculares. abdome. ingerir bebidas isotônicas ou bebidas<br />

com NaCI (p.ex., suco de tomate);<br />

transportar aqueles com os sinais e<br />

sintomas listados a seguir.<br />

Desidratação Incapacidade de repor a perda do Sede, náusea, fadiga Repor a perda de suor com líquidos<br />

suor com líquidos. excessiva, dor de cabeça, levemente salgados; repousar em<br />

hipovolemia, diminuição da um lugar fresco até que o peso<br />

termorregulação; redução das corporal e as perdas hídricas sejam<br />

capacidades física e mental. restauradas. Em alguns doentes<br />

reidratação é necessária.<br />

Exaustão pelo calor Esforço no calor excessivo com Baixo débito urinário, Remover da fonte de calor e colocar<br />

ingestão inadequada de água; taquicardia, fraqueza, marcha em um local mais resfriado; resfriar o<br />

problemas cardiovasculares com instável, fadiga extrema, pele corpo com água e ventilação; ingerir<br />

congestão venosa, diminuição do úmida e pegajosa, cefaleia, líquidos levemente salgados (p. ex.,<br />

tempo de enchimento cardíaco, tontura, náusea, desmaio. bebidas isotônicas); NaCI 0,9% ou<br />

redução do débito cardíaco;se não<br />

solução de Ringer lactato IV.<br />

tratado pode provocar intermação.<br />

Intermação Altas temperaturas centrais > 40,6°C; Alterações no estado mental; Emergência: Resfriamento rápido e<br />

rupturas celulares; disfunção comportamento irracional imediato por imersão em água, ou<br />

de múltiplos órgãos e sistemas; ou delírio; possível tremor; umedecer o doente ou envolvê-lo<br />

distúrbio neurológico com falha do inicialmente taquicardia com lençóis molhados em água fria<br />

centro termorregulador. evoluindo tardiamente para e abanar vigorosamente. Continuar<br />

bradicardia; hipotensão;<br />

até que a temperatura central seja<br />

respiração rápida e superficial; < 39°C. Tratar o choque se necessário<br />

pele quente, úmida ou seca; uma vez que a temperatura central<br />

perda da consciência;<br />

tenha diminuído. Transportar o<br />

convulsões e coma.<br />

doente imediatamente para o<br />

departamento de emergência.<br />

Hiponatremia Baixa concentração plasmática Náuseas, vómitos, mal-estar, Restringir a ingestão de água; comer<br />

do esforço de sódio; vista tipicamente nos tontura, ataxia, cefaleia, alimentos salgados; os doentes<br />

(dilucional) indivíduos durante atividade alteração do estado mental, que não respondem recebem os<br />

(também prolongada em ambientes quentes; poliúria, sinais de hipertensão cuidados "ABC" padrão, 15 litros/<br />

denominada beber água (quatro litros/hora) intracraniana, convulsões e minuto 02 máscara com válvula<br />

intoxicação em quantidade qiie_excede a coma; temperatura central unidirecional; NaCI a 0,9% para<br />

aquosa) velocidade da sudorese; falha da < 38,8°C; simula os sinais de manter veia; alerta de transporte<br />

reposição da perda de sódio no doença relacionada ao calor. imediato; doente sentado ou, se<br />

suor.<br />

inconsciente, em decúbito lateral<br />

esquerdo.<br />

Síncopepelo Calor.A síncope pelo calor ocorre quando há perma¬<br />

nência em posição ortostática prolongada em ambientes quentes<br />

e é causada pela baixa pressão sanguínea, que resulta em des¬<br />

maio ou sensação de desmaio ou de leveza na cabeça. O calor<br />

causa vasodilatação e o acúmulo de sangue venoso nas pernas,<br />

causando a diminuição da pressão sanguínea.<br />

Tratamento. Depois da remoção para um ambiente fresco, os<br />

doentes são colocados em posição de repouso e recebem reidratação<br />

oral ou IV. Em caso de queda, os doentes devem ser rigoro¬<br />

samente avaliados em busca de lesão. Doentes com uma história<br />

significativa de distúrbios cardíacos ou neurológicos necessitam<br />

de uma avaliação mais profunda para investigar a causa de seu<br />

episódio de síncope. A monitoração dos sinais vitais e do eletrocardiograma<br />

(ECG) durante o transporte é essencial.<br />

Principais Distúrbios Relacionados com o Calor<br />

Os principais distúrbios relacionados com o calor incluem o<br />

colapso associado ao esforço, a exaustão pelo calor e a intermação<br />

(formas clássica e associada ao esforço).


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 485<br />

Colapso Associado ao Esforço. Este distúrbio ocorre quando<br />

um indivíduo sofre um desmaio depois de um exercício<br />

extenuante.-"--12 Durante o exercício, a contração dos músculos<br />

das extremidades inferiores ajuda a aumentar o retorno venoso<br />

para o coração. Quando o exercício para, como ocorre no final de<br />

uma corrida, a contração muscular que ajuda no retorno venoso<br />

diminui significativamente. Isso, por sua vez, diminui a quanti¬<br />

dade de sangue que retorna ao coração, resultando em diminui¬<br />

ção do débito cardíaco para o cérebro.<br />

Avaliação. Os sinais e sintomas incluem náusea, sensação de<br />

leveza da cabeça, desmaio ou síncope. Os doentes podem se sen¬<br />

tir melhor quando deitados, porém, a sensação de cabeça leve<br />

retorna quando tentam ficar de pé ou sentai- [hipotensão ortostá¬<br />

tica). A sudorese prolusa não é incomum. As frequências ventilatória<br />

e do pulso podem ser rápidas. A temperatura central do<br />

corpo do doente pode estar normal ou ligeiramente elevada. É<br />

difícil afastar a desidratação, porém este tipo de desmaio pósexercício<br />

não é por causa da hipovolemia. Pelo contrário, o des¬<br />

maio que ocorre durante o exercício exige uma avaliação ime¬<br />

diata para identificai- outras causas (p. ex., cardiovasculares).<br />

Tratamento. O doente é removido para um ambiente fresco e<br />

repousa em uma posição reclinada. A reidratação oral ou IV é<br />

fornecida, se necessário. Como muitos desses doentes desmaia¬<br />

ram em decorrência da diminuição do retorno venoso no final do<br />

exercício e não por desidratação, é altamente recomendado que<br />

se evite a terapia IV até que uma avaliação mais completa seja<br />

feita depois do repouso com elevação das pernas e do "resfria¬<br />

mento". Assim como em qualquer forma de desmaio, uma ava¬<br />

liação adicional é necessária para afastar outros distúrbios (p. ex.,<br />

hiponatremia associada ao exercício, causas cardíacas ou neuro¬<br />

lógicas). O monitoramento dos sinais vitais e do ECG durante o<br />

transporte é essencial para detectar arritmias cardíacas.<br />

Exaustão pelo Calor. A exaustão pelo calor é o distúrbio relacio¬<br />

nado ao calor mais comum visto pelos socorristas. Esta situação<br />

pode se desenvolver ao longo de dias de exposição, como nas<br />

pessoas idosas que vivem em espaços pouco ventilados, ou agu¬<br />

damente, como nos atletas. Esta situação resulta de um débito<br />

cardíaco, que é insuficiente para sustentar-o-aumento da carga<br />

circulatória causada pelas demandas da competição da dissipa¬<br />

ção termorreguladora do calor, com aumento do fluxo sanguíneo<br />

cutâneo, redução do volume plasmático, redução do retorno<br />

venoso para o coração pela vasodilatação e depleção de sal e<br />

água induzida pelo suor.21 Os doentes com exaustão pelo calor<br />

normalmente apresentam uma temperatura relal abaixo de 40<br />

"C, mas este indicador ó um guia e nem sempre é um acbado<br />

confiável.-'12<br />

Outra forma de exaustão por calor é denominada exaustão<br />

por calor causada por exercício. Esta forma é relacionada à rea¬<br />

lização de exercícios físicos ou esforços intensos em todas as<br />

temperaturas. É definida como a incapacidade de continuar o<br />

exercício ou esforço e pode ou não estai- associada ao colapso físi¬<br />

co.29 Os principais fatores predisponentes da exaustão por calor<br />

causada por exercício são a desidratação e o alto índice de massa<br />

corpórea, fazendo com que o indivíduo seja mais suscetível a este<br />

fenómeno.<br />

Normalmente,-pode ser difícil fazer a distinção enLre exaus¬<br />

tão grave pelo calor e intermação. Porém uma rápida avaliação<br />

do estado mental irá determinar o nível de comprometimento<br />

neurológico. Se a exaustão pelo calor não for adequadamente<br />

tratada, pode causai- intermação, uma fornia com risco de vida<br />

da doença relacionada ao calor. A exaustão pelo calor é um diag¬<br />

nóstico de exclusão quando não existe evidência de intermação.<br />

Esses doentes irão precisar de avaliação física e laboratorial mais<br />

completa no departamento de emergência.<br />

Avaliação. Os sinais e sintomas da exaustão por calor não são<br />

específicos nem sensíveis, incluindo baixa ingestão de fluido,<br />

menor eliminação de urina, cefaleia frontal, sonolência, euforia,<br />

náusea, vómito, vertigem, ansiedade, fadiga, irritabilidade, redu¬<br />

ção da coordenação, sensibilidade ao calor na cabeça e pescoço,<br />

calafrios e apatia. Os doentes podem se sentir melhor ao deitar-se,<br />

mas podem apresentar vertigem ao tentarem levantar ou sentar<br />

(hipotensão ortostática). Durante o estágio agudo da exaustão por<br />

calor, a pressão arterial é baixa, e o pidso e a frequência respirató¬<br />

ria são altos. O pulso radial pode ser filiforme. Eni geral, o doente<br />

parece suado, pálido e acinzentado. A temperatura corporal cen¬<br />

tral do doente pode estar ou normal ou ligeiramenteelevada, porém<br />

geralmente abaixo de 40(IC. É importante obter uma lústória dos<br />

antecedentes de doença relacionada ao calor e do incidente atual<br />

de exposição ao calor porque esses doentes podem mostrar sinais<br />

e sintomas de outras situações de perda de líquido e de sódio (p.<br />

ex., hiponatremia; ver discussão mais adiante). A avaliação contí¬<br />

nua é crucial. Busque, continuamente, quaisquer alterações no<br />

estado mental e na personalidade (ou seja, confusão, desorienta¬<br />

ção, comportamento irracional ou incomum). Qualquer mudança<br />

deve ser considerada um sinal progressivo cle hipertermia, indi¬<br />

cando intermação, que pode causai' a morte!<br />

Tratamento. Remova, imediatamente, o doente do ambiente<br />

quente para um local mais fresco, sombreado e/ou com ar-condicionado<br />

(ou seja, ambulância). Coloque o doente em repouso,<br />

em posição supina. Remova as roupas e qualquer coisa que res¬<br />

trinja a dissipação do calor, como chapéus. Avalie a frequência<br />

cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória, temperatura<br />

retal (caso haja disponibilidade de termómetros, e as condições<br />

permitirem) e, principalmente, a presença de alterações do sis¬<br />

tema nervoso central, indicadores precoces de intermação fatal.<br />

A reidratação oral deve ser considerada para qualquer doente<br />

que possa ingerir líquidos pela boca que não esteja em risco de<br />

aspirar, usando-se bebidas para esportistas com elefrólitos diluí¬<br />

dos a 50%. Grandes quantidades de líquidos por via oral podem<br />

aumentar a estase gástrica, a náusea e os vómitos. Normalmente,<br />

a administração de fluidos por via IV não é necessária, desde que<br />

a pressão arterial, pulso e temperatura retal estejam normais.<br />

Todavia, em doentes que não sejam capazes de ingerir fluidos<br />

por via oral, a administração IV permite a rápida recuperação da<br />

exaustão por calor. 29 Caso sejam necessários fluidos IV, deve-se<br />

utilizai- solução de Ringer lactato (RL) ou soro fisiológico (SF). As<br />

soluções IV promovem uma recuperação mais rápida de líquidos<br />

do que os líquidos ingeridos pela boca por causa dos retardos no<br />

esvaziamento gástrico e na absorção no intestino delgado causa¬<br />

dos pela desidratação.<br />

Na exaustão por calor causada por exercício, muitos doentes<br />

se recuperam após o repouso em decúbito e a administração de<br />

fluidos por via oral. Antes de decidir instituir a terapia IV nesses


486 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

doentes, deve haver uma meticulosa avaliação dos sinais e sin¬<br />

tomas de desidratação, pulso orlostático, alterações na pressão<br />

arterial e capacidade de ingerir fluidos por via oral. Alterações<br />

contínuas do estado mental devem, imediatamente, seguir-se<br />

de avaliação para diagnóstico de hiponatremia, hipoglicemia e<br />

outros problemas médicos. Nos doentes com exaustão por calor<br />

causada por exercício, os fluidos recomendados para adminis¬<br />

tração IV são o soro llsiológico normal ou dextrose a 5% em soro<br />

fisiológico normal nos indivíduos com discreta hipoglicemia.<br />

Contudo, deve-se ter cautela, garantindo que grandes quantida¬<br />

des de fluidos não sejam administradas a doentes que realizaram<br />

exercícios prolongados (> 4 horas), principalmente em indiví¬<br />

duos que não apresentem sinais clínicos óbvios de desidratação<br />

ou em atletas que sofreram colapso e estão sob suspeita de exaus¬<br />

tão por calor e que ingeriram bastante água. Esse tipo de doente<br />

pode apresentar hiponatremia por exercício e a administração de<br />

fluidos por via oral e/ou IV aumenta a hiponatremia por dilui¬<br />

ção, podendo levar à morte. Veja discussão acerca a hiponatremia<br />

por exercício, para melhor avaliar o doente com intermação ou<br />

hiponatremia.<br />

Como a exaustão pelo calor pode ser difícil de distinguir<br />

da intermação, e como os doentes com intermação devem ser<br />

resfriados rapidamente, o melhor curso de ação é providenciar<br />

alguns procedimentos de resfriamento alivo em todos os doen¬<br />

tes com exaustão pelo calor. O resfriamento ativo pode ser feito<br />

simples e rapidamente umedecendo-se a cabeça e a. parle supe¬<br />

rior do tronco do doente com água e ventilação, para aumentar<br />

a dissipação do calor corporal por convecção. Procedimentos<br />

de resfriamento corpóreo também melhoram o estado mental.<br />

Transporte lodos os doentes que estejam inconscientes, que não<br />

se recuperem rapidamente ou que apresentem histórico clínico<br />

significativo. O controle adequado da temperatura ambiental e a<br />

moniloração dos sinais vitais e do estado mental são essenciais<br />

durante o transporte.<br />

Intermação. A internação é considerada a forma de doença rela¬<br />

cionada ao calor com maior emergência e com risco de vida. A<br />

intermação uma forma anormal de hipertermia que resulta em<br />

insuficiência do sistema termorregulador- uma insuficiência nos<br />

sistemas fisiológicos corporais para dissipar o calor e promover o<br />

resfriamento. A intermação é caracterizada por uma elevada tem¬<br />

peratura central de 40°C ou mais e disfunção do_sistema nervoso<br />

central (SNC), resultando em delírio, convulsões ou coma.:,0,:):l<br />

A diferença mais significativa da intermação quando com¬<br />

parada com a exaustão pelo calor é a incapacidade neurológica,<br />

que se apresenta ao socorrista como alterações do estado men¬<br />

tal. Alterações fisiopatológicas geralmente resultam em falência<br />

múltipla de órgãos.20,2'1 Essas alterações fisiopatológicas ocorrem<br />

quando a temperatura do tecido orgânico é elevada acima do<br />

nível crítico: as membranas celulares são danificadas, levando<br />

à perda do volume, do metabolismo e do equilíbrio ácido-básico<br />

dada a permeabilidade de membrana, que provoca disfunção<br />

celular- e a orgânica, resultando em morte celular e falência de<br />

órgãos.2" Em doentes com intermação, o grau de complicações<br />

não é inteiramente relacionado à magnitude da elevação da<br />

temperatura interna. Essa disfunção fisiopatológica é a razão do<br />

reconhecimento precoce da intermação pelos profissionais res¬<br />

ponsáveis pelo atendimento pré-hospitalar, que podem instituir<br />

rapidamente o agressivo resfriamento corpóreo total, numesforço<br />

de redução da temperatura interna e da morbidade e mortalidade<br />

associadas à internação, muito frequentemente observada em<br />

pronto-socorros.<br />

A morbidade e a mortalidade estão diretamente associadas<br />

à duração da temperatura central elevada. Até mesmo com uma<br />

intervenção pré-hospitalar agressiva e com o tratamento no hos¬<br />

pital, a intermação pode ser fatal, e muitos doentes que sobrevi¬<br />

vem apresentam incapacidade neurológica permanente.<br />

A intermação tem duas apresentações clínicas diferentes:<br />

intermação clássica e intermação por esforço (Fig. 20-5).<br />

A intermação clássica é um distúrbio de lactentes, crianças<br />

febris, pessoas pobres, idosos, alcoólatras e de doentes doentes que<br />

podem ser afetados pelos fatores de risco da Figura 20-3 (p. ex.,<br />

medicações). Uma apresentação clássica é um doente que esteja<br />

exposto à umidade elevada e a altas temperaturas no ambiente por<br />

vários dias, sem ar-condicionado, levando à desidratação e à tem¬<br />

peratura central elevada. Frequentemente seu mecanismo de sudorese<br />

para, o que se conhece como anidrose. Isso é especialmente<br />

comum em grandes cidades durante as ondas de calor do verão,<br />

quando uma ventilação efetiva da casa ou não é possível ou não<br />

é usada.12 A avaliação da cena vai fornecer informações úteis na<br />

identificação da intermação.<br />

A intermação por esforço (IPE) é um distúrbio evitável,<br />

geralmente observado naqueles indivíduos com mau condicio¬<br />

namento físico ou que não apresentam aclimatização ao calor<br />

e estão envolvidos em atividades físicas extenuantes por perío¬<br />

dos curtos (p. ex., trabalhadores de indústrias, atletas, recrutas<br />

militares, bombeiros e outros profissionais de segurança pública)<br />

em ambientes quentes e úmidos. Essas condições podem, rapi¬<br />

damente, elevar a produção interna de calor e limitar a capaci¬<br />

dade corpórea de dissipá-lo. Quase todos os doentes com IPE<br />

apresentam pele pálida e encharcada por suor no momento do<br />

colapso, ao passo que indivíduos com intermação clássica apre¬<br />

sentam pele seca, quente e avermelhada.2" Apesar da ingestão de<br />

fluidos poder reduzir a taxa de desidratação durante a atividade<br />

extenuante e o aumento de temperatura interna, a hipertermia e<br />

a IPE podem ainda ser observadas na ausência de desidratação<br />

significativa.<br />

Avaliação. O aparecimento de sinais e sintomas depende do grau<br />

e da duração da hipertermia.27 Os doentes geralmente apresen¬<br />

tam a pele quente e avermelhada. Pode haver sudorese, depen¬<br />

dendo de onde são encontrados ou se apresentam a intermação<br />

clássica ou por esforço. A pressão sanguínea pode estar elevada<br />

ou diminuída e o pulso radial é geralmente taquicárdico e fili¬<br />

forme; 25% desses doentes apresentam hipotensão. O nível de<br />

consciência do doente pode variar de confusão a inconsciência e<br />

pode ocorrer convulsão, particularmente durante o resfriamento.-1'1<br />

Como se confirma nos hospitais, a temperatura retal pode variar<br />

de 40°C a 47°C. 30,33<br />

As chaves para distinguir a intermação de uma das outras<br />

situações relacionadas com o calor são a elevação na temperatura<br />

corporal e o estado mental alterado. Qualquer doente que esteja<br />

quente ao toque e com um estado mental alterado (confuso, deso¬<br />

rientado, combativo ou inconsciente) deve levantar a suspeita de<br />

intermação e ser tratado imediata e agressivamente.<br />

Tratamento. A intermação é uma verdadeira emergência —<br />

remova imediatamente o doente da fonte de calor. O resfriamento<br />

do doente deve ser iniciado imediatamente, no local, por um pro¬<br />

fissional responsável pelo atendimento pré-hospitalar, enquanto


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 487<br />

FIGURA 20-5<br />

Intermação Clássica versus de Esforço<br />

Clássica<br />

De esforço<br />

Característica do doente Idosos Homens (15-45 anos)<br />

Estado de saúde Enfermos crónicos Saudável<br />

Atividade concomitante Sedentários Exercício extenuante<br />

Uso de drogas<br />

Diuréticos, antidepressivos, antihipertensivos,<br />

anticolinérgicos,<br />

antipsicóticos<br />

Normalmente nenhuma<br />

Sudorese Pode estar ausente Normalmente presente<br />

Acidose lática<br />

Geralmente ausente; prognóstico ruim se<br />

presente<br />

Comum<br />

Hipercalemia Geralmente ausente Frequentemente presente<br />

Hipocalcemia Incomum Frequente<br />

Hipoglicemia Incomum Comum<br />

Creatina Levemente elevada Muito elevada<br />

Rabdomiólise Leve Frequentemente grave<br />

(Modificado de Knochel JP, Reed G: Disorders of heat regulation. In Kieeman CR, Maxwell MH, Narin RG, editors: Clinicaldisorders of fluidandelectrolyte metabolism, New<br />

York, 1987,McGraw-Hill.)<br />

outro socorrista avalia e estabiliza a via aérea, respiração e circula¬<br />

ção do doente. O resfriamento do doente começa imediatamente,<br />

com quaisquer meios disponíveis (p. ex., mangueira de jardim<br />

ou de incêndio, água engarrafada), antes mesmo da remoção das<br />

roupas. O ideal é a imersão em água gelada, o método mais rápido<br />

de resfriamento, mas, no ambiente pré-hospitalar, sua realização<br />

geralmente é limitada.35--1' O segundo método mais eficaz é apli¬<br />

cação de toalhas/tecidos imersos em água gelada e bolsas de gelo<br />

na cabeça, tronco e membros."9 Em caso de indisponibilidade<br />

imediata de água fria e gelo, remova o excesso de roupas, molhe o<br />

doente da cabeça aos pés e abane a pele. Esta é a segunda técnica<br />

mais eficaz, que provoca perda de calor por evaporação e convecção,<br />

quando a umidade é baixa.35 Desde o final da década de<br />

1950, acredita-se que a imersão em água fria ou gelada provoca<br />

vasoconstrição suficiente à redução da perda de calor do corpo,<br />

levando ao aparecimento de tremores, de modo que há produção<br />

interna de calor. Entretanto, pesquisas recentes demonstraram<br />

que isso não interfere na redução crítica das altas temperaturas<br />

internas. 3a,1/<br />

Indivíduos que rapidamente recobram a lucidez<br />

durante o resfriamento corpóreo total geralmente apresentam o<br />

melhor prognóstico. A intervenção mais importante que os pro¬<br />

fissionais responsáveis pelo atendimento pré-hospilalar podem<br />

dar aos doentes com intermação (além da avaliação da via aérea,<br />

respiração e circulação) é o resfriamento corpóreo total imediato<br />

e rápido, para redução da temperatura interna.<br />

Durante o transporte, o doente deve ser colocado em uma<br />

ambulância com ar-condicionado ligado. E um erro colocar o<br />

doente com intermação na cabine interna quente da ambulância,<br />

mesmo quando o tempo de transferência ao hospital é curto.<br />

Durante o transporte, remova qualquer roupa adicional,<br />

cubra o doente com um lençol e umedeça o lençol com líquidos<br />

juntamente com ventilação contínua. Compressas geladas devem<br />

ser colocadas na área das virilhas, axilas e em volta das partes<br />

anterior e lateral do pescoço, porque os vasos sanguíneos estão<br />

mais próximos da superfície da pele nestas áreas. Entretanto, as<br />

compressas geladas isoladamente são insuficientes para diminuir<br />

rapidamente a temperatura corporal central e devem ser consi¬<br />

deradas apenas como um resfriamento extra.'1,35 A temperatura<br />

retal deve ser aferida a cada 5 a 10 minutos durante o transporte<br />

para assegurar um resfriamento efelivo e paça evitar a hipoter¬<br />

mia. Outras formas de avaliar a temperatura do doente (p. ex.,<br />

oral, cutânea, axilar) não devem ser usadas em decisões terapêu¬<br />

ticas, uma vez que não refletem, adequadamente, a temperatura<br />

interna.29 O resfriamento ativo deve ser interrompido quando a<br />

temperatura retal atingir 39UC.'1,3' Forneça alto fluxo de oxigénio,<br />

suporte ventilatório com máscara e ambu se necessário e moni¬<br />

tore o ritmo cardíaco.<br />

Os doentes com intermação, de forma geral, não precisam de<br />

reanimação líquida excessiva, e tipicamente inicia-se a reposição<br />

com 1,0 a 1,5 litro de SF. Administre rapidamente 500 mL de<br />

líquidos e avalie os sinais vitais. O volume de líquidos não deve<br />

exceder 1a 2 litros na primeira hora, ou siga o protocolo médico<br />

local. Monitore a glicose sanguínea porque esses doentes estão<br />

frequentemente hipoglicêmicos e podem necessitar de um bolo<br />

de dextrose. As convulsões podem ser tratadas com 5 a 10 mg de<br />

diazepam"11outros benzodiazepínicos,segundo o protocolo local.<br />

Transporte o doente em decúbito lateral direito ou esquerdo para<br />

manter a via áerea aberta e para evitai- a aspiração.<br />

Hiponatremia Associada ao Exercício. A hiponatremia associada<br />

ao exercício (HAE), também denominada hiponatremia por exer¬<br />

cício ou intoxicação aquosa, é um condição com risco de morte<br />

que é cada vez mais descrita após exercícios físicos prolongados<br />

em indivíduos que fazem longas caminhadas recreativas, maratonistas,<br />

ullramaratonistas, triatletas, corredores de aventura e<br />

militares de infantaria.30-10 Com a maior popularidade dessas


488 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

atividades ao ar livre, a taxa de incidência da HAE branda a<br />

grave tem aumentado constantemente, desde o primeiro relato,<br />

em meados da década de 1980. "<br />

A HAE é agora conhecida como<br />

uma das complicações médicas mais comuns de corridas em lon¬<br />

gas distâncias e é uma importante causa de desistências nessas<br />

atividades. A HAE também é comumenle associada ao consumo<br />

excessivo de água durante atividades prolongadas.'1" Esta hiponatremia<br />

pode assumir duas formas, dependendo dos sintomas<br />

observados. A baixa concentração plasmática de sódio altera o<br />

equilíbrio osmótico pela barreira hematoencefálica, provocando<br />

um rápido influxo de água no cérebro, que, por sua vez, leva ao<br />

desenvolvimento de edema cerebral.'" De maneira similar aos<br />

sinais e sintomas do aumento da pressão intracraniana (PIC) no<br />

trauma encefálico (Capítulo 9), há progressão dos sintomas neu¬<br />

rológicos de hiponalremia, incluindo cefaleia, mal-eslar, confu¬<br />

são e convulsões a coma, dano cerebral permanente, herniação do<br />

tronco cerebral e morte." Esses indivíduos apresentam encefalo¬<br />

patia hiponatrêmica associada ao exercício (EHAE).42 Doentes com<br />

EHAE sintomática geralmente apresentam concenb-ação sérica<br />

de sódio abaixo de 126 mEq/litro (faixa normal, 135-145 mEq/<br />

litro) com rápido desenvolvimento de hiponalremia (< 48 horas),<br />

frequentemente observada em eventos que requerem resistência<br />

prolongada. "'•42 Por outro lado, na forma mais branda, os níveis<br />

séricos de sódio variam entre 135 e 128 niEq/lilro, e há ausência<br />

de sintomas facilmente discerníveis (ou seja, fraqueza, náusea/<br />

vómito, cefaleia ou ausência de sintomas).<br />

Os estudos relataram que 18% a 23% dos ultramaralonislas e<br />

29% dos triatletas finalistas do Ironman do Havaí apresentavam<br />

HAE.32"10 Em 2003, 32 casos de HAE foram relatados em indi¬<br />

víduos que fizeram caminhadas no Parque Nacional do Grand<br />

Canyon, exigindo imensos esforços para o resgate pelos guardas<br />

do parque e pelos socorristas, em muitos casos.'17<br />

A hiponatremia pelo esforço pode ocorrer nas seguintes<br />

situações:<br />

1. Perda excessiva de sódio e de água no suor durante um<br />

evento de resistência, resultando em desidratação e<br />

depleção de sódio.<br />

2. Atletas que se hidratam exageradamente apenas com água e<br />

enquanto mantêm o sódio plasmático, criam uma diluição<br />

da concentração dê sódio.<br />

3. Combinação de perda excessiva de sódio e de líquidos pelo<br />

suor e hidratação excessiva apenas com água.<br />

As evidências indicam que a hiponalremia induzida pelo<br />

esforço é um resultado da retenção de líquido no espaço extracelular<br />

(dilucional), em vez da permanência de líquido não absor¬<br />

vido no intestino.'" Tipicamente esses doentes não consomem<br />

bebidas para esportistas com elelrólitos ou consumiram suple¬<br />

mentos alimentares energéticos sem sal ou com quantidades<br />

insuficientes para equilibrar a perda de sódio no suor ou a dilui¬<br />

ção pela ingestão excessiva de água.<br />

Alguns falores de risco importantes foram associados ao<br />

desenvolvimento de HAE: 1) duração do exercício (< 4 horas)<br />

ou redução do ritmo da corrida/exercício nesses eventos, per¬<br />

mitindo a maior ingestão de água; 2) sexo feminino (talvez<br />

explicado pelo menor peso corpóreo): 3) baixo peso corpóreo;<br />

4) ingestão excessiva de fluidos (< 1,5 litro/hora) durante o<br />

evento; 5) super-hidratação pela abundante disponibilidade de<br />

fluidos durante o evento; 6) uso de drogas anli-inllamalórias não<br />

esteroidais.(AlNES), que reduzem a filtração renal; 7) ambientes<br />

extremamente quentes ou frios'12<br />

A hiponatremia associada ao exercício foi descrita como a<br />

"outra doença relacionada ao calor", porque os sintomas são<br />

inespecíficos e são similares aos exibidos nos distúrbios leves e<br />

mais graves relacionados ao calor." Muitos eventos de resistên¬<br />

cia e atividades com aventuras por vários dias são conduzidos<br />

em ambientes com temperaturas quentes e muito quentes; dessa<br />

forma, presume-se que os sinais e sintomas da HAEsejam alguma<br />

forma de doença relacionada ao calor, e os doentes são tratados<br />

conforme protocolos-padrão que abordam a hipovolemia presu¬<br />

mida e o calor corporal excessivo. Os protocolos-padrão que for¬<br />

necem resfriamento corporal e reposição rápida de líquidos IV<br />

para corrigir a hiperlermia, a desidratação induzida pelo suor e<br />

as alterações do estado mental podem complicar a hiponalremia<br />

dilucional e colocar o doente em risco maior para convulsões e<br />

coma. Tratai' um doente com HAE com líquidos e repouso piora<br />

a sua situação, o que não ocorre no doente com exaustão pelo<br />

calor.<br />

Este "outro distúrbio relacionado com o calor" está se tor¬<br />

nando mais amplamente conhecido e tratado corretamente hoje<br />

em dia pelo pessoal dos SME e dos PS,em grande parte por causa<br />

de um maior esforço para educar o pessoal médico e o público na<br />

sua prevenção, reconhecimento precoce e tratamento. Os socor¬<br />

ristas que apoiam diretamente ou respondem a chamados para<br />

esses eventos atléticos de resistência, em ambientes urbanos ou<br />

silvestres, precisam saber que a HAE é, hoje, relatada com maior<br />

frequência. E importante lembrar que, em geral, a desidratação é<br />

mais comumente associada a exercícios prolongados e pode pre¬<br />

judicar o desempenho durante a atividade física ou o trabalho e<br />

provocar grave intermação, mas que a ingestão excessiva de flui¬<br />

dos por doentes com hiponatremia sintomática é mais perigosa e<br />

pode levar à morte.05<br />

Avaliação. Uma ampla gama de sinais e sintomas pode ser<br />

encontrada na população de atletas de resistência com hipona¬<br />

tremia (Fig. 20-4). A temperatura central está geralmente normal,<br />

porém, pode estar baixa ou levemente elevada, dependendo da<br />

temperatura ambiental, dissipação do calor corporal e intensi¬<br />

dade do exercício recente em avaliação. A frequência cardíaca<br />

e a pressão sanguínea podem estar baixas, normais ou elevadas,<br />

dependendo da temperatura central, intensidade do exercício,<br />

hipovolemia ou choque. A frequência respiratória variará dos<br />

limites normais até ligeiramente elevada. A hiperventilação<br />

observada na hiponatremia pelo esforço pode ser responsável<br />

pelos distúrbios visuais, tonturas, formigamento nas mãos e<br />

parestesia nas extremidades. Os pontos-chave na avaliação e<br />

nos achados são as alterações no estado mental, a fadiga, o malèstar,<br />

a cefaleia e as náuseas. Outras formas de alterações neuro¬<br />

lógicas incluem a fala lenta, a ataxia e as alterações cognitivas,<br />

incluindo comportamento irracional, combatividade e medo.<br />

Esses doentes também relatam frequentemente terem a sensação<br />

de "desastre iminente".<br />

Tratamento. O primeiro passo no tratamento é o reconhecimento<br />

do distúrbio e a determinação da gravidade. O tratamento é base¬<br />

ado na gravidade da hiponatremia pelo esforço. A Figura 20-6<br />

oferece um algoritmo para avaliar os doentes e para determinar<br />

se está presente a hiponalremia ou a doença provocada pelo<br />

calor. Os sintomas leves devem ser tratados conservadoramenle,<br />

J


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 489<br />

observando-se o doente e esperando-se pela diurese normal do<br />

líquido em excesso. Os doentes sintomáticos devem ser colocados<br />

em uma posição ereta para mantera via aérea e para minimizar<br />

qualquer efeito postural na pressão intracraniana (PIC). Sabe-se<br />

que esses doentes apresentam vómitos em jalo quando trans¬<br />

portados. Coloque os doentes inconscientes em decúbito lateral<br />

esquerdo, espere vómitos e considere o manejo ativo da via aérea.<br />

Forneça oxigénio em alto fluxo, estabeleça o acesso IV, em taxa<br />

da veia aberta e monitore a ocorrência de convul¬<br />

sões. Conforme necessário, administre terapia anticonvulsionante<br />

(p. ex., faça a titulação de benzodiazepínico por via intravenosa,<br />

segundo o protocolo médico). Verifique com seu controle médico<br />

qual o volume de soro fisiológico normal deve ser administrado,<br />

Idemanutenção<br />

dependendo da gravidade do quadro e do tempo de transporte ao<br />

hospital. Uma vez que esses doentes já apresentam sobrecarga de<br />

fluidos, a infusão intravenosa de soluções hipotônicas é contraindicada,<br />

por piorar o grau de hiponatremia e da própria sobrecar¬<br />

ga.'"1 Em doentes que apresentam extensos sinais e sintomas de<br />

EHAE (ou seja, edema cerebral e edema pulmonar), é necessário<br />

aumentar a concentração plasmática de sódio. O atual consenso<br />

para tratamento da EHAE, no ambiente pré-hospitalar, é a admi¬<br />

nistração de infusão, em bôlus, de NaCl a 3%, por 10 minutos,<br />

para redução aguda do edema cerebral e elevação da concentração<br />

de sódio (Na+) em 2-3 mEq/L, em caso de disponibilidade desta<br />

solução. Na ausência de melhora clínica, até mais duas infusões<br />

cm bôlus,de 100 mL, podem ser dadas, segundo o protocolo médi¬<br />

co.'"1 Esses casos graves de EHAE têm mau prognóstico, a não ser<br />

que haja administração de soro fisiológico hipertônico. '1 Mante¬<br />

nha o doente calmo durante o transporte para o PS e continue a<br />

monitoração para alterações no estado mental ou convulsões.<br />

Prevenção da Doença Relacionada ao Calor<br />

Como o estresse pelo calor é um fator significativo para a saúde<br />

pública nos Estados Unidos, os métodos para evitar a doença<br />

relacionada ao calor são vitais para qualquer comunidade, par¬<br />

ticularmente para aqueles indivíduos que têm de trabalhar em<br />

cenários ocupacionais muito quentes. Em 2006, por exemplo.<br />

Sim<br />

Doente Inconsciente ou Irracional<br />

Não<br />

f 1<br />

Temperatura retal de<br />

40,5 C ou maior<br />

Última urina em uma hora?<br />

ou<br />

Ingestão de líquidos > 1 litro/hora<br />

Sim Não Sim Não<br />

Achados da intermação:<br />

Taquicardia ou braquicardia<br />

Hipotensão<br />

Respiração rápida e superficial<br />

Alterações no estado mental<br />

Convulsões<br />

Coma<br />

Iniciar resfriamento corporal agressivo<br />

Fornecer áÿto fluxo de oxigénio<br />

Manter a via aérea<br />

Iniciar reposição rápida com 1-2L IV<br />

Preparar para convulsões<br />

Usar diazepam conforme o protocolo<br />

Transportar por via aérea ou terrestre<br />

Achados na hiponatremia:<br />

Ingestão de água > 1 litro/hora<br />

Pulso em repouso 110<br />

Temperatura baixa, normal ou alta<br />

PA normal ou baixa<br />

Sinais ortostáticos positivos<br />

Síncope<br />

Membranas mucosas secas<br />

Diarreia<br />

Oligúria<br />

Náuseas/vómitos<br />

Calafrios<br />

Tontura<br />

Ofereça líquidos por via oral se ALERTA<br />

ou inicie reposição rápida IV de líquidos<br />

Transporte<br />

Sim<br />

Não<br />

Suspenda líquidos por via oral<br />

Cateterize uma veia e administre SF<br />

Busque orientação adicional no controle<br />

médico para uso de SF IV e para uso de<br />

diurético se o transporte for demorado<br />

Transporte aéreo ou terrestre<br />

Monitorize o doente<br />

Avaliação continuada<br />

Transporte<br />

Suspenda líquidos via oral<br />

Cateterize uma veia e administre SF<br />

Transporte<br />

FIGURA 20-6<br />

Algoritmo de tratamento para exaustão pelo calor, intermação e hiponatremia.


490 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

um tolal de 106 bombeiros morreram nos Estados Unidos, por<br />

diversas causas e destas mortes, 54 (50,9%) ocorreram no local,<br />

devido a estresse/exercício físico excessivo, incluindo os casos<br />

de intermação.:,2Os socorristas e suas agências de SME são boas<br />

fontes como parceiros para a educação para a comunidade nas<br />

estratégias de prevenção do estresse pelo calor em muitos forma¬<br />

tos diferentes, incluindo folhetos educacionais, página na Web<br />

da agência ou comunicações eletrônicas, apresentações na comu¬<br />

nidade e no jornal local.<br />

Assim como no público em geral, pode não ser possível evi¬<br />

tar todas as formas de doenças relacionadas ao calor nos socorris¬<br />

tas; portanto, o pessoal do SME e de outros serviços de segurança<br />

pública precisam usar estratégias de prevenção e se preparar para<br />

a exposição em altas temperaturas ambientais e com alta expo¬<br />

sição ocupacional. Essas estratégias, que incluem as políticas<br />

administrativas, procedimentos, controles de engenharia, uso de<br />

equipamento e programas de supervisão médica, são desenhadas<br />

para ajudar a minimizar o impacto global da exposição aguda ou<br />

FIGURA 20-7<br />

Prevenção dos Distúrbios Relacionados ao Calor nos Socorristas<br />

Você pode evitar as sérias consequências dos distúrbios pelo calor,<br />

melhorando seu condicionamento físico e se aclimatando ao calor.<br />

Manter um bom condicionamento físico aeróbico é uma das<br />

melhores maneiras de se proteger contra o estresse pelo calor. 0<br />

trabalhador em bom estado físico tem um sistema circulatório bem<br />

desenvolvido e um maiorvolume sanguíneo.Ambos são importantes<br />

para regular a temperatura corporal. Os trabalhadores em bom<br />

estado físico começam a suar mais rapidamente, de forma que<br />

trabalham com uma frequência cardíaca e com uma temperatura<br />

corporal menores. Eles se ajustam ao calor duas vezes mais<br />

rapidamente que um trabalhador sem preparo físico. Eles perdem a<br />

aclimatação mais lentamente e a recuperam rapidamente.<br />

A aclimatação ao calor ocorre em 5 a 10 dias de exposição ao<br />

calor, à medida que o corpo:<br />

Ei Aumenta a produção de suor<br />

Ei Melhora a distribuição sanguínea<br />

n Diminui a frequência cardíaca e diminui a temperatura da pele e<br />

do corpo<br />

Você pode aclimatar-se aumentando gradualmente o tempo de<br />

trabalho no calor,tomando o cuidado de repor líquidos e de repousar<br />

conforme a necessidade.Você mantém a aclimatação com trabalho<br />

ou exercícios periódicos em um ambiente quente.<br />

NO TRABALHO<br />

0 índice de estresse pelo calor (Fig. 20-8} ilustra como a temperatura<br />

e a umidade se combinam para criar condições de estresse pelo calor<br />

moderadas ou altas.<br />

Esteja alerta para o estresse pelo calor quando o calor irradiante<br />

do sol ou das chamas próximas está alto, o ar está parado, ou<br />

quando você está realizando trabalho pesado, produzindo grandes<br />

quantidades de calor metabólico.<br />

Algumas organizações usam o índice WBGT de estresse pelo<br />

calor (Fig. 20-9). Este índice, que geralmente é disponibilizado, nos<br />

Estados Unidos, pelo NationalWeather Service, usa as temperaturas<br />

de bulbo seco, de bulbo úmido e de globo negro. As temperaturas<br />

são ponderadas para indicar o impacto de cada medida sobre o<br />

trabalhador:<br />

b 0 bulbo úmido (umidade) responde por 70%<br />

0 globo negro (calor irradiante e movimento do ar) responde por<br />

20%<br />

0 bulbo seco (temperatura do ar) responde por 10%<br />

Os índices de estresse pelo calor não levam em conta os efeitos<br />

de longas horas de trabalho pesado,desidratação ou o impacto das<br />

roupas de proteção pessoal ou do equipamento.<br />

Quando existem condições para o estresse pelo calor, você<br />

tem de modificar a maneira como trabalha ou pratica exercícios.<br />

Mantenha o seu ritmo. Há diferenças individuais no preparo físico,<br />

na aclimatação e na tolerância ao calor. Esforce-se muito, e você<br />

será um candidato ao distúrbio pelo calor.<br />

Quando possível:<br />

ru Evite trabalhar próximo de fontes de calor<br />

h Faça o trabalho mais pesado durante as horas mais frescas da<br />

manhã e da tarde<br />

h Mude as ferramentas ou as tarefas para minimizar a fadiga<br />

Ei Faça pausas frequentes para repouso<br />

E o mais importante: mantenha-se hidratado repondo os líquidos<br />

perdidos.<br />

HIDRATAÇÃO<br />

Manter os líquidos corporais é essencial para a sudorese e para<br />

a remoção do calor interno gerado durante atividades físicas.<br />

Para minimizar a desidratação e o risco de intermação, você deve<br />

se hidratar antes, durante e após o exercício ou trabalho físico.<br />

Características individuais (p. ex., peso corpóreo, predisposição<br />

genética, aclimatização ao calor e estado metabólico) influenciam<br />

a sudorese em uma dada atividade. Estes fatores resultam em<br />

grande sudorese e perda total de suor. Em uma corrida longa, por<br />

exemplo, sabe-se que a sudorese média é de 1,8 litro por hora (1,0—<br />

2,6 litros/hora) nos meses de verão, enquanto jogadores de futebol<br />

americano (que apresentam grande massa corpórea e usam vestes<br />

protetoras) suam, em média, 2,1 litros por hora (1,1-3,2 litros/hora) e<br />

áté 8,8 litros por dia.'18 Deve haver um comprometimento à frequente<br />

hidratação, garantindo que a desidratação não exceda mais do que<br />

2% do peso corpóreo (baseado no peso nu pré-atividade) por toda<br />

a duração da atividade física. •<br />

Antes do trabalho,você deve ingerir líquido extra para se preparar<br />

para o calor. Beba um a dois copos de água, suco ou isotônicos<br />

antes do trabalho. Evite cafeína em excesso, que acelera a perda<br />

de soro fisiológico na urina. 0 consumo de quantidades excessivas<br />

de fluidos antes da atividade física não tem vantagem fisiológica. 0<br />

ÿ*<br />

(Modificado de US Depalment of Agriculture, US Forest Service; Heat stress brochure, http://www.fs.usda.gov/fire/safety/fitness/heat_stress/hs_pg1.html. See also: American<br />

College of sports Medicine Position Stand: Exercise and Fluid Replacement.MedSci Sports Exerc 39(2):377,2007.)


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 491<br />

FIGURA 20-7— cont,<br />

American College of Sports Medicine (ACSM) agora recomenda a<br />

pré-hidratação lenta, por diversas horas, antes da atividade física, e<br />

o consumo de -5-7 mL por kg de peso corpóreo. 0 objetivo é provocar<br />

a eliminação de urina de coloração clara a palha e impedir o início da<br />

atividade em estado desidratado.<br />

Durante o trabalho, faça diversos intervalos para ingestão de<br />

fluido por hora, bebendo aproximadamente 1 litro de líquidos por<br />

hora. A sudorese varia conforme a quantidade de água necessária<br />

ao consumo por hora. Deve-se ter cautela para impedir o consumo<br />

excessivo defluidos,superior a 1,5 litro/hora,em períodosprolongados,<br />

a não ser que você tenha determinado sua taxa individualizada de<br />

perda de suor por hora. 0 ACSM agora recomenda um ponto inicial<br />

de 0,4 a 0,8 litro, em média, por hora de exercício (p. ex., maratona)<br />

e o ajuste da quantidade consumida com base na menor ou maior<br />

sudorese em temperaturas frias ou altas e segundo o maior ou menor<br />

peso do indivíduo.'18 A água é aquilo de que você mais precisa durante<br />

o trabalho no calor. Os trabalhos mostram que os trabalhadores<br />

ingerem mais líquidos quando estão disponíveis bebidas com algum<br />

sabor. Fornecer uma parte da reposição líquida necessária com um<br />

isotônico com carboidratos/eletrólitos ajuda a reter líquidos e mantém<br />

os níveis de energia e de eletrólitos. Infelizmente, muitas bebidas<br />

isotônicas contêm grandes quantidades de açúcar, que podem, na<br />

verdade, reduzir a absorção do fluido ingerido.<br />

Depois do trabalho, você precisa continuar a beber para<br />

repor as perdas líquidas. Para conseguir a recuperação rápida<br />

e completa após atividades que provocam grande perda de suor<br />

(ou seja, o combate ao fogo), você deve beber -1,5 litro de fluidos<br />

por cada quilograma de perda de peso corpóreo.'18 A sede sempre<br />

subestima as necessidades de líquidos, assim, você deve beber<br />

mais do que você pensa que precisa. A reidratação é melhorada<br />

quando os líquidos contêm sódio e potássio, ou quando alimentos<br />

com estes eletrólitos são consumidos juntamente com os líquidos.<br />

0 sódio perdido no suor é facilmente reposto nas refeições com<br />

o uso liberal do saleiro. Os trabalhadores não aclimatados perdem<br />

mais sal no calor; assim, precisam prestar atenção específica à<br />

reposição do sal. Não exagere na ingestão de sal; sal em excesso<br />

prejudica a regulação da temperatura. 0 sal em excesso pode<br />

provocar desconforto estomacal, fadiga e outros problemas.<br />

Faça dos alimentos ricos em potássio, como as bananas e<br />

as frutas cítricas, uma parte regular de sua dieta, e beba muita<br />

limonada, suco de laranja ou suco de tomate. Limite a quantidade<br />

de bebidas com cafeína, tais como café e colas, porque a cafeína<br />

aumenta a perda de líquido na urina. Evite bebidas alcoólicas. Elas<br />

também causam desidratação. Evite compartilhar garrafas de<br />

água, exceto nas emergências.<br />

Você pode reavaliar seu estado de hidratação, observando o<br />

volume, a cor e a concentração de sua urina; baixo volume de urina<br />

escura e concentrada e enurese dolorosa indicamnecessidade urgente<br />

de reidratação. Outros sinais de desidratação incluem frequência<br />

cardíaca elevada,fraqueza, fadiga excessiva e tontura. A perda rápida<br />

de vários quilos do peso corporal é um sinal certo de desidratação.<br />

Reidrate-se antes de voltar para o trabalho. Continuar a trabalhar em<br />

um estado desidratado pode levar a sérias consequências, incluindo<br />

intermação, ruptura muscular e insuficiência renal.<br />

VESTUÁRIO<br />

0 vestuário de proteção pessoal marca um equilíbrio entre a pro¬<br />

teção e o conforto do trabalhador. Os pesquisadores australianos<br />

concluíram que a função do equipamento de proteção pessoalnão<br />

é manter o calor do lado de fora, e sim deixá-lo sair. Cerca de 70% da<br />

carga de calor vem de dentro, do calor metabólico gerado durante<br />

o trabalho pesado. Apenas 30% vêm do ambiente e do fogo. Use<br />

vestuário frouxo para aumentar o movimento do ar. Use camisetas<br />

e roupa de baixo de algodão para ajudar o suor a evaporar. Evite<br />

camadas extras de vestuário que isolam, restringem o movimento<br />

do ar e contribuem para o estresse pelo calor.<br />

DIFERENÇAS INDIVIDUAIS<br />

Os indivíduos diferem em sua resposta ao calor. Alguns trabalhadores<br />

correm um risco maior para os distúrbios pelo calor. As razões incluem<br />

diferenças hereditárias na tolerância ao calor e na taxa da sudorese; o<br />

peso corporal em excesso aumenta a produção metabólica de calor; as<br />

doenças e o uso de drogas e de medicações que também influenciam<br />

a resposta do seu corpo ao trabalho em um ambiente quente. Consulte<br />

o seu médico ou farmacêutico se você estiver usando medicamentos<br />

com ou sem prescrição, ou se você apresentar alguma condição<br />

clínica.<br />

Você deve sempre treinar e trabalhar com um parceiro que<br />

possa ajudar em caso de algum problema. Lembrem um ao outro<br />

para beber grandes quantidades de líquidos e observem um ao<br />

outro. Se seu parceiro desenvolver um distúrbio pelo calor, comece<br />

imediatamente o tratamento.<br />

RESUMO<br />

Prevenção<br />

a Melhore ou mantenha a capacidade física aeróbica<br />

sã Aclimate-se ao calor<br />

No Trabalho<br />

E Tenha consciência das condições (temperatura, umidade,<br />

movimento do ar)<br />

s Faça pausas frequentes para repouso<br />

s Evite camadas extras de vestuário<br />

0 Estabeleça seu ritmo<br />

Hidrate-se<br />

e 0 objetivo da hidratação é impedir desidratação (perda de suor)<br />

de mais do que 2% de peso corpóreo nu<br />

0 Antes do trabalho, beba vários copos d'água, suco ou isotônico<br />

0 Durante o trabalho, faça pausas frequentes para a ingestão de<br />

líquidos<br />

a Depois do trabalho, continue bebendo para garantir a<br />

reidratação<br />

h Lembre-se, apenas, de que você pode evitar a desidratação<br />

Parceiros<br />

e Sempre trabalhe ou treine com um parceiro


492 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Bebidas<br />

Bebidas isotônicas com carboidratos (rtão mais do que 6-8%;<br />

30-36 gramas/hora) e eletrólitos (p. ex., sódio 20-50 mEg por litro)<br />

estimulam a ingestão de líquidos, fornecem energia e diminuem<br />

a perda urinária de água. Os carboidratos também ajudam a<br />

manter a função imunológica e a capacidade mental durante o<br />

trabalho árduo e prolongado. Bebidas com cafeína e com álcool<br />

interferem na reidratação, aumentando a produção de urina.<br />

(Modificado de US Depatment of Agriculture, US Forest Service; Heat stress brochure, http://www.fs.usda.gov/fire/safety/fitness/heat_stress/hs_pg1.html. See also: American<br />

College of sports Medicine Position Stand: Exercise and Fluid'Replacement. Med Sci Sports Exerc 39{2):377,2007.)<br />

crónica ao calor. A implementação de procedimentos preventi¬<br />

vos simples pode ler um efeito dramático na diminuição da inci¬<br />

dência da doença relacionada ao calor, mas os indivíduos numa<br />

organização frequentemente não consideram essas estratégias. A<br />

Figura 20-7 fornece uma visão geral das estratégias de prevenção<br />

do estresse pelo calor para os socorristas dos SME, bombeiros e<br />

outros funcionários da segurança pública.5'1<br />

Uma interação complexa de fatores que se combinam para<br />

exceder os limites de tolerância para a exposição individual ao<br />

calor pode levar, eventualmente, ao início dos sinais e sintomas<br />

da doença relacionada ao calor. A capacidade do ser humano de<br />

trabalhar em ambientes moderadamente quentes pode ser maxi¬<br />

mizada através do preparo avançado da capacitação física, acli¬<br />

matação ao calor, situações de vida e do trabalho, higiene pessoal<br />

e uso de alimentos e bebidas para manter e repor os eletrólitos<br />

e a água corporais. O meio ambiente, hidratação com líquidos,<br />

capacitação física c aclimatação ao calor são fatores essenciais<br />

para compreensão dessas patologias.<br />

Meio Ambiente<br />

Os socorristas e/ou outros funcionários da segurança pública<br />

estão sujeitos a ambientes com temperaturas elevadas como parte<br />

de suas exigências ocupacionais. Durante o treinamento ou numa<br />

resposta de emergência, muitos funcionários vão encontrai- altos<br />

níveis de estresse pelo calor enquanto trabalham com o equipa¬<br />

mento de proteção individual (EPI) (roupas impermeáveis), tais<br />

como vestes de proteção contra fogo, contra material perigoso<br />

ou para proteção química/biológica. Esse estresse pelo calor é<br />

agravado ainda mais pela necessidade de se entrar em espaços<br />

pouco ventilados, confinados, ou para trabalhar num incidente<br />

com múltiplos veículos no sol ou num dia quente e úmido. O EPI<br />

compromete a capacidade do corpo de dissipar o calor e evita a<br />

evaporação do suor durante o trabalho pesado. Com as altas taxas<br />

de sudorese pela produção interna de calor durante as atividades<br />

com esforço físico e a exposição ao calor externo, o pessoal corre<br />

um alto risco de desidratação e de doença relacionada ao calor.<br />

Assim, o uso de EPI diminui a vantagem fisiológica obtida pela<br />

aclimatação ao calor e pela capacitação física.<br />

Esses riscos podem ser minimizados medindo-se as con¬<br />

dições ambientais de calor e, quando aplicável, seguindo-se as<br />

recomendações para hidratação no trabalho/repouso e os proto¬<br />

colos para o trabalho em ambientes altamente térmicos.<br />

Um método tradicional de medir a carga térmica é pelo uso<br />

do índice de estresse pelo calor (Fig. 20-8). Este índice usa a<br />

combinação da temperatura ambiente (lida em um termómetro)<br />

e a umidade relativa. Este método de predição do risco de lesão<br />

pelo calor é melhor que a temperatura ambiental isoladamente.<br />

Ao se trabalhar sob luz solar direta, próximo de superfícies que<br />

irradiem grandes quantidades de calor ou com roupas protetoras<br />

pesadas, devem ser acrescentados 5,6"C ao valor na tabela.<br />

Um método mais comum para medida do estresse ambiental<br />

pelo calor, usado em muitas indústrias e no cenário militar, éo<br />

Temperatura (°F) versus Umidade Relativa (%)<br />

90% 80% 70% 60% 50% 40%<br />

80 85 84 82 81 80 79<br />

85 101 96 92 90 86 84<br />

90 121 113 105 99 94 90<br />

°F<br />

95 122 113 105 98<br />

Z<br />

100_<br />

129 118 109<br />

105b 121<br />

110t<br />

Alto<br />

Possível distúrbio pelo calor<br />

80*F - 90"F Possível fadiga com exposição prolongada e atividade física.<br />

90"F- 105*F<br />

105*F- 130*F<br />

Possível insolação, possíveis cãibras pelo calor e exaustão pelo calor.<br />

Provável insolação, cãibras pelo calor e exaustão pelo calor,<br />

possível intermação.<br />

130"F or greater Internação altamente provável com a exposição continuada<br />

Dada a natureza do cálculo do índice de calor, os valores na tabela apresentam um erro de ± 1,3°F.<br />

FIGURA 20-8 índice de estresse pelo calor.<br />

(Cortesia do Serviço Nacional do Clima, Pueblo, Colo, www.crh.noaa.gov/pub/heat.htm.)


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 493<br />

FIGURA 20-9<br />

Orientação para Reposição de Líquidos para Treinamento em Clima Quente<br />

Trabalho leve Trabalho moderado Trabalho pesado<br />

Trabalho/ Trabalho/ Trabalho/<br />

Categoria índice repouso Ingestão de repouso Ingestão de repouso Ingestão de<br />

do calor WBGT (°C) (minutos) água (qt/h) (minutos água (l/h) (min) água (qt/h)<br />

1 25,5-27,7 SL % SL 3/ '4 40/20 3/4<br />

2 27,7-29,4 SL 50/10 3/ '4 30/30 1<br />

'<br />

3 29,4-31,1 SL<br />

3/< 40/20 3/ '4 30/30 1<br />

4 31,1-32,2 SL 3/ '4 30/30 3/ '4 20/40 1<br />

5 >32,2 50/10 1 20/40 1 10/50 1<br />

Os períodos de trabalho/repouso e os volumes de reposição de líquidos vão manter o desempenho e a hidratação por pelo menos quatro horas de trabalho na categoria<br />

especifica de calor. As necessidades individuais de água vão variar com ± L/h. SL, sem limite para o tempo de trabalho por hora. .<br />

Repouso significa um minimo de atividade física (sentado ou de pé), na sombra, se possível.<br />

Atenção: a ingestão de líquidos por hora não deve exceder 1,5 quarto (1,4 L). A ingestão diária de líquidos não deve exceder 12 quartos (11,28 L).<br />

Usando uma blindagem corporal, acrescente 2,8°C ao índice WBGT nos climas úmidos.<br />

Usando equipamento de proteção individual (EPI) sobre a vestimenta, acrescente 5,6°C ao índice WBGT para o trabalho leve e 11,2°C para trabalhos moderado e pesado.<br />

Trabalho leve Trabalho moderado Trabalho pesado<br />

Caminhar em superfície dura a 4 km/h, com Caminhar em superfície dura a 5,5 km/h, com Caminhar em superfície dura a 5,5 km/h,<br />

uma carga < 14,09 kg. uma carga < 18,63 kg. com carga > 18,18 kg.<br />

Caminhar em areia fofa a 4 km/h, sem carga. Caminhar em areia fofa a 4 km/h, com carga.<br />

Calistênica.<br />

(Versão atual das orientações do WBGT, hidratação e trabalho/repouso, atualizada pelo US Army Research Institute for Environmental Medicine (USARIEM) e publicado por<br />

Montain SJ, Latzka WA, Sawka MN: Mil Med 164:502, 1999.)<br />

inclice da tempemtura com globo de bulbo úmido (WBGT- et-bulb<br />

globe temperatuve):',Ui,r'r' (Fig. 20-9). Esse índice utiliza a combi¬<br />

nação de um bulbo seco para a temperatura ambiente, um bulbo<br />

úmido para a medida da umidade e um globo preto para o calor<br />

irradiante e o movimento do ar para oferecer informações mais<br />

precisas sobre o impacto das condições ambientais. Integradas<br />

em cinco níveis, as variações de temperatura no índice WBGT<br />

são as orientações para o trabalho/repouso horário (minutos) e<br />

para a hidratação (quartos). Uma bandeira colorida (verde, ama¬<br />

rela, vermelha ou preta), ou sem bandeira, representa cada uma<br />

cinco variações de temperaturas. O WBGT pode ser monito¬<br />

rado a cada hora, e a bandeira colorida correspondente é colo¬<br />

cada em mastros externos para que todo o pessoal veja durante o<br />

dia. Onde aplicável, podem ser feitos os ajustes apropriados no<br />

vestuário, na atividade física, nos ciclos de trabalho/repouso e<br />

na ingestão de líquidos, baseados nestas condições WBGT. Este<br />

sistema WBGT integrado e as políticas relacionadas podem ser<br />

facilmente desenvolvidos em vários locais da segurança pública<br />

e locais de treinamento para assegurar que os programas efetivos<br />

de prevenção da doença provocada pelo calor estejam cm uso<br />

para reduzir a fadiga, as lesões e a doença relacionada ao calor.<br />

Idas<br />

Hidratação<br />

Se o sistema de bandeiras WBGT não for usado para fornecer<br />

as instruções para hidratação, outro excelente recurso foi publi¬<br />

cado pelo American College of Sports Meditine (ACSM), baseado<br />

em anos de pesquisa/'1' Essas instruções são facilmente<br />

aplicáveis a qualquer indivíduo envolvido em atividade física.<br />

Os protocolos de hidratação devem ser estabelecidos dentro de<br />

uma instituição como um esforço para minimizara desidratação,<br />

criando um acesso fácil á água e aos isolônicos com eletrólitos,<br />

particularmente durante atividade em ambientes quentes (Figs.<br />

20-10 e 20-11). Os estudos mostram que indivíduos não bebem<br />

quantidades suficientes de líquidos antes, durante e depois do<br />

trabalho ou do exercício para recuperar os líquidos perdidos pelo<br />

suor, mesmo quando eles acreditam estar consumindo líquidos<br />

em quantidade suficiente.50 Apesar de o consumo excessivo de<br />

Unidos poder levai- à hiponatremia (veja a seção sobre Hiponatremia<br />

por Exercício), uma condição com risco de morte dada a<br />

redução da concentração de sódio no sangue, é mais comum que<br />

os indivíduos apresentem desidratação (> 2% do peso corpóreo)<br />

durante uma dada atividade física. O ideal é que os programas de<br />

reposição de fluidos sejam ajustados segundo a perda por sudorese<br />

individual, determinada pelo peso corpóreo mensurado<br />

antes e depois da atividade física.<br />

Condicionamento Físico<br />

Para aumentar efelivamente as condições de tolerância ao calor<br />

elevado, os indivíduos devem aumentar sua capacidade aeróbica<br />

(p. ex., caminhadas, corridas, ciclismo, natação, subida de<br />

escadas, máquinas com exercícios elípticos) através de progra-


494 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 20 10<br />

Protocolo de Hidratação para Minimizar a Desidratação<br />

1. Comece o exercício bem hidratado.<br />

Beba dois a três copos 470-700 mL de líquidos duas a três horas<br />

antes da atividade física para permitir que o excesso de líquido seja<br />

perdido como urina. Cerca de meia hora antes da atividade física,<br />

beba 150 a 300 mL. Não há benefício no consumo exagerado de<br />

líquidos (hiperidratação); logo, não beba em excesso.<br />

2. Verifique seu peso.<br />

A melhor maneira de determinar se você repôs a perda pelo suor<br />

durante o trabalho pesado ou o exercício é verificar quanto peso você<br />

perdeu. Determine seu peso corporal antes e depois da atividade<br />

física. Uma perda mínima de peso significa que você fez um bom<br />

trabalho para se manter hidratado. Lembre-se de que a perda de<br />

peso durante o exercício ou o trabalho é perda de água, não perda de<br />

gordura, e tem de ser reposto.<br />

3. Beba durante a atividade física.<br />

Beba 150 a 300 mL de água ou isotônicos a cada 10 a 20 minutos<br />

durante a atividade física. As pessoas que suam muito podem se<br />

beneficiar de beber com maiorfrequência (p. ex., a cada 10 minutos)<br />

e as que suam pouco devem beber com frequência menor (a cada<br />

20 minutos).<br />

4. Ingira sódio durante a atividade física.<br />

O melhor momento para começar a reposição do sódio perdido no<br />

suor é durante o exercício. Esta é uma razão pela qual uma boa<br />

bebida esportiva com eletrólitos é melhor que a água pura.<br />

5. Siga seu plano individual.<br />

Cada umsua de forma diferente,logo,todos precisarãode um plano de<br />

ingestão líquida elaborado conforme suas próprias necessidades.<br />

6. Beba bastante durante as refeições.<br />

Se você não conseguiu ingerir líquido suficiente durante o trabalho<br />

pesado ou o exercício para evitar a perda de peso, tenha certeza<br />

de beber o suficiente antesJa próxima prática do exercício ou do<br />

retorno ao trabalho. A hora da refeição é o melhor momento para<br />

fazer isso, pela facilidade para ingestão líquida e porque o sódio<br />

está presente no alimento.<br />

7. Não confie somente na água.<br />

Beber apenas água impede que você reponha os eletrólitos perdidos<br />

no suor e que ingira os carboidratos que ajudam você a trabalhar<br />

ou fazer exercícios por mais tempo e mais intensamente. Beber<br />

água em excesso pode levar a perigosos desequilíbrios eletrolíticos<br />

(hiponatremia).<br />

8. Não beba em excesso.<br />

A água é definitivamente uma boa coisa, porém você pode exagerar<br />

até nas boas coisas. Beber grandes quantidades de líquido não é<br />

apenas desnecessário, também pode ser perigoso (hiponatremia).<br />

Estase gástrica, edema de dedos e tornozelos, forte dor de cabeça<br />

e confusão mental são os sinais de alerta da hiponatremia.<br />

9. Não ganhe peso durante o exercício.<br />

Um sinal preciso da ingestão exagerada é o ganho de peso durante<br />

o trabalho pesado ou o exercício. Se você estiver pesando mais<br />

depois do trabalho ou do exercício do que você pesava antes, isto<br />

significa que você bebeu mais do que precisava. Certifique-se de<br />

reduzir a ingestão na próxima vez para não ganhar peso.<br />

10. Não restrinja o sal na dieta.<br />

Uma quantidade generosa de sal (cloreto de sódio) na dieta é<br />

essencial para a reposição do sal perdido no suor. Como os atletas<br />

suam muito, sua necessidade de sal é muito maior que a dos<br />

não atletas. (Este princípio também é verdadeiro para aqueles que<br />

trabalham e suam pesadamente cada dia nas ocupações realizadas<br />

em ambientes com temperatura moderada e alta.)<br />

11. Não use a desidratação para perder peso.<br />

A restrição da ingestão de líquidos durante o trabalho ou o exercício<br />

compromete o desempenho físico e aumenta o risco dos problemas<br />

relacionados com o calor. A desidratação deve ser mantida no<br />

mínimo, seguindo-se um plano bem feito de reposição de líquidos.<br />

12. Não retarde a ingestão de líquidos durante o exercício ou o<br />

trabalho.<br />

Siga rigorosamente um horário de ingestão de líquidos para evitar a<br />

desidratação precoce no exercício ou notrabalho. Uma vez desidratado, é<br />

quase impossívelatender ao queseu corpo precisa,porque a desidratação<br />

na verdade diminui a velocidade de saída dos líquidos do estômago.<br />

(Modificado de: Murray B, Eichner ER, Stofan J: Hyponatremia in athletes. Sports Sci Exchange 16(1):88, 2003, http://vvww.gssiweb.com/.)<br />

mas individualizados.57 Esses programas fornecerão a reserva<br />

cardíaca para manter o débito cardíaco necessário para atender<br />

às demandas do trabalho físico (muscular) e os mecanismos de<br />

dissipação de calor (termorregulação) em um ambiente com tem¬<br />

peratura elevada.57,5" O American College of Sports Medicine,<br />

a American Heart Association e Health and Human Services<br />

recentemente estabeleceram recomendações nacionais alualizadas<br />

sobre a atividade física, para manutenção da saúde e do<br />

bem-estar.5" A Figura 20-12 mostra as orientações mais recentes<br />

relacionadas às atividades físicas.<br />

Aclimatação ao Calor<br />

Uma política e um protocolo para aclimatação ao calor devem<br />

estar disponíveis em uma organização de segurança pública. ('(1 A<br />

aclimatação ao calor pode ser obtida com 60 a 90 minutos de exer¬<br />

cícios por dia em condições quentes por aproximadamente 7 a 14<br />

dias.9,01 Os resultados da aclimatação ao calor são' o aumento do<br />

desempenho no trabalho, tolerância ao calor e esforço fisiológico<br />

diminuído. Esses ajustes incluem o aumento do volume sanguí¬<br />

neo, aumento do volume sistólico, diminuição da frequência car¬<br />

díaca em um dado nível de atividade, redução da concentração<br />

de sódio no suor, conservação de sódio no corpo, início precoce


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 495<br />

FIGURA 20-11<br />

Teste Simples para Determinar se Você Está Desidratado<br />

Estas são perguntas simples que você pode fazer para determinar se está desidratado:<br />

h Estou com sede?<br />

o Minha primeira urina do dia apresentava cor amarelo-escuro?<br />

b Nesta manhã, meu peso corpóreo era perceptivelmente maior quando comparado ao de ontem pela manhã?<br />

Se a resposta a qualquer uma destas questões for "Sim",você pode estar desidratado. Se a resposta a duas destas perguntas for "Sim",<br />

é provável que você esteja desidratado. Se a resposta a estas três questões for "Sim", é muito provável que você esteja desidratado.<br />

Beber muito ou pouco fluido durante a atividade física pode ser perigoso a sua saúde e pode prejudicar seu desempenho. Aqui estão<br />

algumas dicas que podem ajudá-lo a permanecer em equilíbrio fluido.<br />

a Para determinar quanto fluido você perdeu ou ganhou durante a atividade física, a realização de exercícios ou o trabalho árduo, use<br />

uma tabela, como a mostrada a seguir, para registrar seu peso corpóreo nu ao quilo mais próximo, antes e depois da prática.<br />

a Se você perdeu mais de 1% de seu peso corpóreo, bebeu pouco líquido durante o exercício; se ganhou peso, bebeu demais.<br />

ÿ<br />

Se você regularmente perde mais de 1% de seu peso corpóreo, tente ingerir mais líquidos durante e após a atividade física, tentando<br />

manter seu peso estável.<br />

Lembre-se de que pode ser perigoso ganhar peso durante a atividade física por ingerir muito líquido.<br />

REGISTRO DE PESO CORPÓREO, SEDEECOLORAÇÃO DA URINA<br />

A perda de >1% do peso corpóreo ou a sede persistente ou a urina escura indica a possíveldesidratação.<br />

Na presença de dois destes indicadores, a desidratação é provável.<br />

Na presença destes três indicadores, a desidratação é muito.provável.<br />

Peso Nu na<br />

Urina Escura<br />

Manhã de Peso Nu Nesta Alteração de Sede? pela Manhã? Seus<br />

Data Ontem (kg) Manhã (kg) Peso (kg) (Sim/Não) (Sim/Não) Comentários<br />

Exemplo<br />

1/1/2006<br />

66 64 -2 Sim Sim -Alta<br />

probabilidade<br />

de desidratação<br />

* -Precisa beber<br />

mais durante<br />

e após o<br />

exercício<br />

(Modificado de: Cheuvront SN and Sawka MN: Hydration Assessment of Athletes. Sports Science Exchange 97, Vol 18(2),2005. http://www.gssiweb.com)<br />

da sudorese e aumento do volume de suor (Fig. 20-13). Essas alte¬<br />

rações otimizam a transferência de calor do centro corporal para<br />

a pele num esforço para aumentar a transferência de calor da pele<br />

para o ambiente. Embora a tolerância ao calor seja melhor nes¬<br />

ses indivíduos (p. ex., atletas de resistência, pessoal da infantaria<br />

militar) e seja considerada desejável, o maior volume de produ¬<br />

ção de suor (1-2 litro/hora) resulta em maior perda de líquidos,<br />

levando à desidratação. Consequentemente, o maior volume de<br />

perda de suor nos indivíduos aclimatados ao calor aumenta as<br />

necessidades de hidratação durante a exposição ao calor, parti¬<br />

cularmente quando a pessoa não adere a um horário rigoroso de<br />

hidratação oral. A Figura 20-14 oferece uma visão geral das ins¬<br />

truções para aclimatação ao calor.<br />

Reabilitação de Incidente de Emergência<br />

Um padrão para a reabilitação após incêndios, que complementa<br />

outros padrões (p. ex., Occupational Safety Health Administra¬<br />

tion [OSHA], US Fire Administration [USFA] dos Estados Uni¬<br />

dos) em áreas de segurança, saúde e condição física, foi criado e<br />

traz orientações acerca da reabilitação após o incidente. A edição<br />

de 2008 do NFPA 1584:Standardon the Rehabilitation Process for<br />

Members During Emergency Operations and Training Exercises<br />

(Padrão sobre o Processo de Reabilitação por Membros durante<br />

Operações de Emergência e Exercícios de Treinamento) reflete<br />

a atual ciência e conhecimento sobre a reabilitação de bombei¬<br />

ros e atualiza o documento anterior, de prática recomendada a<br />

padrão.62-65 A introdução do NFPA 1584 como padrão faz com<br />

que todo corpo de bombeiros deva ter procedimentos específicos<br />

para a reabilitação após incidentes e exercícios de treinamento.<br />

Os nove principais componentes da reabilitação requeridos<br />

pelo NFPA 1584 são:<br />

1. Alívio das condições climáticas — uma área livre de fumaça<br />

e abrigada do calor extremo ou do frio. Esta área pode ser


496 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 20-12<br />

Orientações de Atividade Física para Americanos<br />

As seguintes orientações são do Departmentof Health and Human<br />

Services (HHS), com apoio do American College of Sports Medicine<br />

(ACSM) e da American HeartAssociation (AHA).58 A atividade física<br />

é um dos mais importantes passos que os americanos de todas as<br />

idades podem tomar para melhorar sua saúde. As 2008 Physical<br />

Activity Guidelines for Americans (Orientações de Atividade<br />

Física para Americanos) traz orientações científicas que auxiliam<br />

indivíduos a partir dos seis anos de idade a melhorar sua saúde<br />

através da realização adequada de atividades físicas.<br />

Principais Orientações para Adultos<br />

b Todos os adultos devem evitar a inatividade. A realização de<br />

alguma atividade física é melhor do que a inatividade, e os<br />

adultos que fazem qualquer exercício melhoram sua saúde.<br />

Para que os benefícios à saúde sejam substanciais, os adultos<br />

devem fazer pelo menos 150 minutos (2 horas e 30 minutos) por<br />

semana de atividade física aeróbica de atividade moderada ou<br />

75 minutos (1 hora e 15 minutos) de atividade vigorosa, ou uma<br />

combinação equivalente de atividade aeróbica de intensidade<br />

moderada ou vigorosa. A atividade aeróbica deve ser realizada<br />

em intervalos de, no mínimo, 10 minutos e, preferencialmente,<br />

ser distribuída ao longo da semana.<br />

Para maiores benefícios à saúde, os adultos devem aumentar<br />

sua atividade física aeróbica a 300 minutos (5 horas) por<br />

semana de intensidade moderada, ou 150 minutos por semana<br />

de atividade vigorosa, ou uma combinação equivalente de<br />

atividade aeróbica de intensidade moderada ou vigorosa. Mais<br />

benefícios são ganhos pela realização de atividades físicas<br />

além destas quantidades.<br />

Os adultos devem também realizar atividades de alongamento<br />

muscular, de intensidade moderada a alta, envolvendo todos os<br />

grupos musculares, em dois ou mais dias por semana, já que<br />

estas trazem outros benefícios à saúde.<br />

Formas de obtenção do equivalente a 150 minutos (2 horas e 30<br />

minutos) de atividade física de intensidade moderada por semana<br />

mais alongamento muscular:<br />

a Trinta minutos de caminhada rápida (intensidade moderada)<br />

por cinco dias, com exercícios com bandas de restrição<br />

(alongamento muscular) em dois dias;<br />

h Vinte e cinco minutos de corrida (intensidade vigorosa) em<br />

três drás, levantamento de peso em dois dias (alongamento<br />

muscular);<br />

Trinta minutos de caminhada rápida por dois dias, 60 minutos (1<br />

hora) de dança de salão (intensidade moderada) em uma noite,<br />

30 minutos aparando a grama (intensidade moderada) em uma<br />

tarde, jardinagem pesada (alongamento muscular) em dois dias;<br />

Trinta minutos de aula de dança aeróbica em uma manhã<br />

(intensidade vigorosa), 30 minutos de corrida em um dia<br />

(intensidade vigorosa), 30 minutos de caminhada rápida<br />

em um dia (intensidade moderada), ginástica (como<br />

agachamentos e abdominais) por três dias (alongamento<br />

muscular);<br />

e Trinta minutos indo e voltando do trabalho de bicicleta<br />

em três dias (intensidade moderada), jogar softballpor 60<br />

minutos em um dia (intensidade moderada), exercícios com<br />

pesos em aparelhos em dois dias (alongamento muscular<br />

em dois dias); e<br />

e Quarenta e cinco minutos de ténis em dupla em dois dias<br />

(intensidade moderada), levantamento de peso após o<br />

trabalho em um dia (alongamento muscular), marcha<br />

vigorosa por 30 minutos e escalada (alongamento muscular)<br />

em um dia.<br />

Para os adultos que já realizam pelo menos 150 minutos de<br />

atividade física de intensidade moderada, aqui estão algumas<br />

formas de fazer ainda mais. Neste nível, a atividade física traz<br />

ainda mais benefícios:<br />

Quarenta e cinco minutos de caminhada rápida todos os<br />

dias, exercitando-se com bandas de restrição em dois ou<br />

três dias;<br />

a Quarenta e cinco minutos de corrida em três ou quatro dias,<br />

treinamento com pesos em circuito, na academia, em dois<br />

ou três dias;<br />

a Trinta minutos de corrida em dois dias, 45 minutos de<br />

caminhada rápida em um dia, 45 minutos de aeróbica e<br />

musculação em um dia, 90 minutos (1 hora e 30 minutos)<br />

de dança de salão em uma noite, 30 minutos aparando a<br />

grama, mais jardinagem pesada em um dia;<br />

Noventa minutos jogando futebol em um dia, caminhada<br />

rápida, por 15 minutos, em três dias, musculação em dois<br />

dias; e<br />

ta Quarenta e cinco minutos de bicicleta estacionária em dois<br />

dias, 60 minutos de basquete em dois dias, ginástica em três<br />

dias.<br />

Para mais informações e mais detalhes das orientações de<br />

atividade física, visite:<br />

http:/www.americanheart.org/fitness<br />

http:/www.acsm.org/physicalactivity<br />

http://www.health.gov/PAGuidelines<br />

(Fonte:Haskel, WL, Lee, IM, Pate, RR, powel, KE, Blair, SN, Franklin, BA, Heath, GW, Thompson, PD and bauman, A: Physical activity and public heath: upadated recommendation<br />

for adults from the American College of Sports medicine and the American heart Association. Medicine & Science in Sports &Exercise 39(8), 1423, 2007.)


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 497<br />

FIGURA 20-13<br />

Benefícios da Aclimatação ao Calor<br />

1. Conforto térmico: melhorado<br />

2. Temperatura central: diminuída<br />

3. Fluxo sanguíneo cutâneo: mais precoce<br />

4. Frequência cardíaca: diminuída<br />

5. Perda de sal (suor e urina): reduzida<br />

6. Desempenho no exercício: melhorado<br />

7. Sudorese: mais precoce e mais intensa<br />

8. Produção de calor corporal: diminuída<br />

9. Sede: melhorada<br />

10. Proteção orgânica: melhorada<br />

(De Heat Acclimatization Guide, Ranger and Airborne School Students, 2003, www.<br />

usariem.army.mil/download/heatacclimatizationguide.pdf.)<br />

um piso corta-fogo num edifício alto, um local sombreado<br />

a favor do vento em um incêndio florestal ou uma cabine<br />

aquecida durante os meses frios de inverno. O objetivo é<br />

prover abrigo de condições ambientais extremas.<br />

2.<br />

3.<br />

4.<br />

5.<br />

G.<br />

Repouso e recuperação — os profissionais devem poder<br />

repousar por, pelo menos, 10 minutos ou mais, conforme<br />

necessário, para recuperai- a capacidade de trabalho.<br />

Resfriamento ou reaquecimento — os profissionais que<br />

sentem calor devem poder remover seu EPI, beber água e se<br />

refrescar. Os membros que sentem frio devem ser capazes de<br />

colocar mais roupas, se enrolar em cobertores e se aquecer.<br />

Reidratação — reposição fluida. Os requerimentos de<br />

fluidos foram eliminados do padrão à exceção da préhidratação<br />

com 500 rnL de fluidos, consumidos duas horas<br />

antes de eventos agendados. No local, fluidos potáveis<br />

devem ser dados, de modo que os profissionais possam satis¬<br />

fazer a sede. Os fluidos devem também ser oferecidos para<br />

encorajar a hidratação contínua após o incidente.<br />

Reposição de calorias e eletrólitos — quando adequado, em<br />

eventos de duração maior, como incidentes de mais de três<br />

horas de duração ou situações em que os profissionais espe¬<br />

ram trabalhar por mais de uma hora. É importante notar que,<br />

sempre que houver disponibilidade de alimento, devem ser<br />

oferecidas formas de lavar as mãos e o rosto.<br />

Monitoramento médico — especifica, no mínimo, seis<br />

condições que o SME dever avaliar em cada profissional<br />

durante a reabilitação:<br />

FIGURA 20-14<br />

Instruções para a Aclimatação ao Calor<br />

0 que se segue é uma versão modificada das instruções para acli¬<br />

matação ao calor desenvolvidas para o pessoal da infantaria sau¬<br />

dável e fisicamente bem condicionado na preparação para atividade<br />

física em ambientes quentes.<br />

VOCÊ DEVE SE PREOCUPAR COM 0 CLIMA QUENTE?<br />

Se você estiver acostumado a trabalhar em climas frios ou tempera¬<br />

dos, a exposição ao clima quente tornará mais difícil completar seu<br />

treinamento avançado. 0 clima quente fará você se sentir cansado,<br />

tornará a recuperação mais difícil e aumentará seu risco de contrair<br />

uma doença do calor. Indivíduos cotfi as mesmas capacidades, porém<br />

habituados a treinar em clima quente, terão uma maior tolerância ao<br />

clima quente e uma maior capacidade durante a exposição ao calor.<br />

0 QUE É A ACLIMATAÇÃO AO CALOR?<br />

A aclimatação ao calor refere-se às adaptações biológicas que podem<br />

reduzir o estresse fisiológico (p. ex., frequência cardíaca, tempe¬<br />

ratura corporal), melhorar a capacidade física para o trabalho,<br />

melhorar o conforto e proteger os órgãos vitais (cérebro, fígado,<br />

rins, músculos) das lesões pelo calor. A mais importante adaptação<br />

biológica da aclimatação ao calor é uma resposta com sudorese mais<br />

precoce e mais intensa, e para esta resposta melhorar, ela precisa ser<br />

estimulada.<br />

A aclimatação ao calor é específica para o clima (desértico) e<br />

para o nível de atividade física. Entretanto, a aclimatação aos climas<br />

desérticos melhora muito a capacidade de trabalho em outros climas.<br />

Os indivíduos que realizam apenas trabalho físico leve ou breve<br />

alcançarão o nível de aclimatação ao calor necessário para realizar<br />

a tarefa. Se eles tentarem uma tarefa mais extenuante e prolongada,<br />

uma aclimatação adicional e uma melhor capacidade física serão<br />

necessárias para realizar a tarefa com sucesso no calor.<br />

COMO VOCÊ SE ACLIMATA AO CALOR?<br />

A aclimatação ao calor ocorre quando repetidas exposições ao<br />

calor são estressantes o suficiente para elevar a temperatura cor¬<br />

poral e para provocar sudorese profusa. 0 repouso no calor, com<br />

atividade física limitada àquela necessária para a sobrevivência,<br />

resulta apenas em aclimatação parcial. 0 exercício físico no calor é<br />

necessário para que se consiga a aclimatação ótima ao calor para<br />

aquela intensidade de exercício em um dado ambiente quente.<br />

Geralmente, cerca de duas semanas de exposição diária<br />

ao calor são necessárias para induzir a aclimatação ao calor. A<br />

aclimatação ao calor exige um mínimo diário de exposição de cerca<br />

de duas horas (pode ser dividida em duas exposições de uma hora)<br />

combinado com exercício físico que exige resistência cardíaca<br />

(p. ex., caminhar), em vez de treinamento de força. Aumente gra¬<br />

dualmente a intensidade ou a duração do exercício a cada dia.<br />

Siga um horário de treinamento físico apropriado, adaptado para a<br />

atividade física exigida.<br />

(Para consultar o relatório completo: http:// usariem.army.mil/download/heatacclimatizationguide.pdf.)


498 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 20-15—cont.<br />

Os benefícios da aclimatação ao calor serão mantidos por cerca<br />

de uma semana e depois decaem, com perda de aproximadamente<br />

75% por volta de três semanas, uma vez que não haja mais exposição<br />

ao calor. Um intervalo de um ou dois dias de temperatura amena não<br />

irá interferir na aclimatação ao clima quente.<br />

COM QUE RAPIDEZ VOCÊ PODE SE ACLIMATAR AO CALOR?<br />

Para o indivíduo mediano, a aclimatação exige cerca de duas semanas<br />

de exposição ao calor e aumento progressivo no trabalho físico. No<br />

segundo dia de aclimatação são observadas diminuições significativas<br />

no estresse fisiológico. No final da primeira e da segunda semanas,<br />

mais de 60% e 80% da adaptação fisiológica estarão completos,<br />

respectivamente. Os indivíduos menos capacitados fisicamente ou<br />

aqueles suscetíveis de forma não usual à exposição ao calor podem<br />

precisar de vários dias ou semanas para se aclimatar completamente.<br />

Os indivíduos bem preparados fisicamente devem ser capazes<br />

de se aclimatar ao calor em cerca de uma semana. Entretanto,viver e<br />

trabalhar várias semanas no calor (aclimatação) pode ser necessário<br />

para maximizar a tolerância a altas temperaturas corporais<br />

QUAIS SÃO AS MELHORES ESTRATÉGIAS PARA A<br />

ACLIMATAÇÃO AO CALOR?<br />

1. Maximize o condicionamento físico e a aclimatação ao calor<br />

antes de se expor ao clima. Mantenha a capacidade física<br />

com programas de manutenção elaborados para o ambiente,<br />

como o treinamento nas horas mais frescas da manhã ou<br />

da tarde.<br />

2. Integre treinamento e aclimatação ao calor. Treine<br />

na parte mais fresca do dia e se aclimate no calor do<br />

dia. Comece lentamente reduzindo a intensidade e a<br />

duração do treinamento usual (comparando com o que<br />

você conseguiria em um clima temperado). Aumente os<br />

volumes do treinamento e da exposição ao calor à medida<br />

que sua tolerância ao calor permitir. Use intervalos no<br />

treinamento para modificar seu nível de ativídade.<br />

3. Se o novo clima for muito mais quente do que aquele ao<br />

qual você está acostumado, as atividades recreativas<br />

podem ser apropriadas para os primeiros dois dias com<br />

períodos de correr/andar. No terceiro dia, você deve ser<br />

capaz de integrar corridas de treinamento (20-40 minutos)<br />

em um passo reduzido.<br />

4. Consuma água suficiente para repor as perdas pelo suor.<br />

Taxas de suor de mais de um litro por hora são comuns.<br />

A aclimatação ao calor aumenta a taxa de sudorese e,<br />

dessa forma, aumenta a necessidade de água. Como<br />

resultado da aclimatação ao calor, os indivíduos irão<br />

se desidratar mais rapidamente se não consumirem<br />

líquidos. A desidratação retira muitas das vantagens<br />

termorregulatórias conferidas pela aclimatação ao calor e<br />

pelo bom condicionamento físico.<br />

a. Presença cie dor torácica, tontura, dispneia, fraqueza,<br />

náusea ou cefaleia.<br />

b. Queixas gerais, como cólicas ou dores.<br />

c. Sintomas de calor ou frio relacionado ao estresse.<br />

d. Alterações de marcha, fala ou comportamento.<br />

e. Alerta e orientação a pessoas, locais e tempo.<br />

f. Quaisquer sinais vitais considerados anormais segundo<br />

o protocolo local. Os sinais vitais específicos e que<br />

definem a normalidade estão inteiramente a cargo do<br />

controle médico local e das autoridades médicas. Os<br />

sinais vitais listados no anexo do NFPA 1584 incluem<br />

temperatura, pulso, frequência respiratória, pressão<br />

arterial, oximetria de pulso e avaliação de monóxido de<br />

carbono, usando monitor de CO exalado ou oxímetro<br />

de pulso com mensuração de CO (ou seja, um oxíme¬<br />

tro de pulso projetado para medir a concentração de<br />

carboxiemoglobina).<br />

7. TTatamento pelo SME de acordo com o protocolo local —<br />

Disponível no local para os profissionais que requerem fratamento<br />

ou transporte. Note que o monitoramento médico<br />

é documentado no sistema de coleta de dados do corpo de<br />

bombeiros. Quando o tratamento ou transporte é fornecido<br />

pelo SME, um relatório médico deve ser gerado e incluído<br />

na ficha médica do profissional.<br />

8. Responsabilidade profissional — o sistema de responsabili¬<br />

dade profissional deve rastreai' os trabalhadores encaminha¬<br />

dos à reabilitação pelo Comando do incidente quanto a sua<br />

entrada e saída.<br />

9. Liberação — antes de deixar a reabilitação, o SME deve<br />

confirmar que os profissionais são capazes de trabalhar com<br />

segurança.''-1<br />

Os novos padrões do NFPA 1584 para a reabilitação após<br />

incêndios complementa a abordagem padronizada da United<br />

States Fire Administration (USFA) para avaliação e reabilitação<br />

dos bombeiros e do pessoal de emergência durante extremos<br />

ambientais (Fig. 20-15). Em 1992, a USFA afirmou o seguinte:<br />

As demandas físicas e mentais do SME, do combate a<br />

incêndios e das operações de emergência que estão associadas<br />

a extremos de calor e umidade criam condições que podem ter<br />

.um impacto adverso sobre a segurança e a saúde dos indiví¬<br />

duos que prestam a resposta de emergência. Os membros que<br />

não recebem repouso adequado e reidratação durante as opera¬<br />

ções de emergência e os exercícios de treinamento correm um<br />

risco maior de doença, e podem pôr em risco a segurança dos<br />

outros na cena do incidente. Quando os socorristas ficam can¬<br />

sados, sua capacidade de operar em segurança fica comprome¬<br />

tida. Como resultado, seu tempo de reação fica reduzido, e sua<br />

capacidade de tomar decisões críticas diminui. A reabilitação<br />

é um elemento essencial na cena do incidente para evitar que<br />

situações mais sérias como a exaustão pelo calor ou a intermação<br />

ocorram.1'"


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 499<br />

FIGURA 20-15<br />

Instruções para Procedimento Operacional Padrão (POP) da United States Fire<br />

Administration (USFA) para Reabilitação nos Incidentes de Emergência<br />

OBJETIVO<br />

Assegurar que as condições físicas e mentais dos membros<br />

que operam na cena de uma emergência ou em um exercício de<br />

treinamento não deteriorem a ponto de comprometer a segurança<br />

de cada membro ou que coloque em risco a segurança e a<br />

integridade da operação.<br />

ESCOPO<br />

Este procedimento se aplica a todas as operações de emergência<br />

e exercícios de treinamento nos quais existam atividades físicas<br />

extenuantes ou exposição ao calor ou ao frio.<br />

RESPONSABILIDADES<br />

0 Líder irá considerar todas as circunstâncias de cada incidente e<br />

disponibilizará o mais breve possível os recursos para o repouso e<br />

a reabilitação de todos os membros da operação. Esses recursos<br />

incluirão avaliação médica, tratamento e monitoração; reposição<br />

de alimentos e de líquidos; repouso mental e alívio das condições<br />

climáticas extremas e outros parâmetros ambientais do incidente.A<br />

reabilitação incluirá a provisão de serviços médicos de emergência<br />

(SME) no nível do suporte básico à vida (BLS) ou mais elevado. 0<br />

Líder estabelecerá um setor ou grupo de reabilitação quando as<br />

condições indicarem que repouso e reabilitação são necessários<br />

para as pessoas que estão operando na cena do incidente ou em<br />

treinamento de avaliação.<br />

INSTRUÇÕES<br />

As condições climáticas ou ambientais na cena da emergência<br />

não devem ser a única justificativa para estabelecer uma área de<br />

reabilitação. Qualquer atividade ou incidente que seja de grande<br />

porte,de longa duração ou com trabalho muito intenso rapidamente<br />

depletará a energia e a força de pessoal e, portanto, merece<br />

consideração quanto à reabilitação. As condições climáticas ou<br />

ambientais que indicam a necessidade de estabelecer uma área<br />

de reabilitação são um índice de estresse pelo calor acima de 32°C<br />

(Fig. 20-8) ou um índice de resfriamento pelo vento abaixo de -12°C<br />

(Fig. 20-23).<br />

HIDRATAÇÃO<br />

Durante o estresse pelo calòr, o membro da equipe deve consumir<br />

pelo menos um litro por hora, e não exceder 1,5 litro por hora. A<br />

reidratação deve ser feita com uma mistura 50/50 de água e de uma<br />

bebida para atividade preparada comercialmente (isotônicos) e<br />

administrada por volta de 4°C. Bebidas alcoólicas e com cafeína<br />

devem ser evitadas antes e durante o estresse pelo calor, porque<br />

ambas interferem nos mecanismos de conservação de água do<br />

corpo. As bebidas carbonatadas também devem ser evitadas.<br />

ALIMENTAÇÃO<br />

0 departamento oferecerá alimentos na cena de um incidente<br />

prolongado quando as unidades estiverem envolvidas por três ou<br />

mais horas. Uma xícara de sopa, caldo ou guisado é altamente<br />

recomendada, porque é digerida muito mais rapidamente que os<br />

sanduíches e os produtos industrializados.<br />

REPOUSO<br />

A "regra dos dois cilindros" ou 45 minutos de tempo de trabalho<br />

é recomendada como um nível aceitável antes da reabilitação<br />

mandatória.Os membros da equipe se reidratam (pelo menos 225 mL)<br />

enquanto os cilindros Self Contained BreathingApparatus (SCBA)<br />

são carregados. Os bombeiros que trabalharam com dois cilindros<br />

carregados para 30 minutos, ou 45 minutos, serão imediatamente<br />

colocados na área de reabilitação para repouso e avaliação. 0<br />

repouso não será de menos de 10 minutos e pode exceder uma<br />

hora, conforme determinação do responsável pela reabilitação.<br />

RECUPERAÇÃO<br />

Os funcionários na área de reabilitação devem manter um alto nível<br />

de hidratação. Certas drogas comprometem a capacidade do corpo<br />

de suar, e deve ser tomado um cuidado extremo se o funcionário<br />

estiver tomando anti-histamínicos como Actifed® ou Benadryl®, ou<br />

tomou diuréticos ou estimulantes.<br />

AVALIAÇÃO MÉDICA<br />

0 SME deve ser acionado para a cena do evento com os socor¬<br />

ristas mais treinados e qualificados (no mínimo no nível do BLS).<br />

Eles avaliarão os sinais vitais, examinarão os membros da equipe<br />

e farão as determinações apropriadas (retornar ao trabalho, conti¬<br />

nuar na reabilitação ou tratamento médico e transporte para uma<br />

unidade hospitalar). A continuação da reabilitação deve consistir<br />

em monitoração adicional dos sinais vitais, manter em repouso<br />

e oferecer líquidos para reidratação. Os socorristas deverão ser<br />

rígidos nos esforços para identificar precocemente problemas<br />

médicos em potencial. Se a frequência cardíaca do membro<br />

da equipe exceder 110 batimentos/minutos, deve ser aferida a<br />

temperatura oral. Se a temperatura do membro da equipe exceder<br />

38°C, não deve ser permitido que use equipamento de proteção.<br />

Se a temperatura estiver abaixo de 38°C e a frequência cardíaca<br />

se mantiver acima de 110 batimentos/min, o tempo de reabilitação<br />

deve ser aumentado. Se a frequência cardíaca estiver abaixo de 110<br />

batimentos/min, a chance de estresse pelo calor será desprezível.<br />

Documente todas as avaliações médicas.<br />

(Modificado de SOP for USFA Emergency Incident Rehabilitation, www.smemsc.org/EmergencylncidentRehabilitation.pdf.)


500 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Armazenamento das Drogas do SME em<br />

Extremos Térmicos<br />

Os socorristas trabalham em regiões nos Estados Unidos e outros<br />

lugares em que os limites extremos variam de abaixo do ponto<br />

de congelamento até calor e umidade elevados. Seus veículos,<br />

incluindo unidades de cuidados intensivos móveis, unidades<br />

paramédicas e helicópteros médicos e a medicação armazenada<br />

nestes veículos também estão sujeitos aos extremos ambientais,<br />

a menos que haja um equipamento de armazenamento com tem¬<br />

peratura controlada a bordo. As medicações usadas pelos socor¬<br />

ristas foram fabricadas para armazenamento em salas com tem¬<br />

peratura controlada cle acordo com as recomendações de seus<br />

fabricantes. A United Stales Pharmacopeia (USP) tem a respon¬<br />

sabilidade de supervisionar nos Estados Unidos para estabelecer<br />

os padrões das drogas com a finalidade de assegurar a qualidade<br />

das medicações e a USP define a sala com temperatura contro¬<br />

lada da seguinte forma:<br />

Uma temperatura mantida termostaticamente que engloba<br />

o ambiente usual e costumeiro de trabalho de 20°C a 25°C: que<br />

resulta em uma temperatura cinética média calculada como<br />

sendo não superior a 25°C; e permite que variações entre 15"C e<br />

30°C sejam experimentadas nas farmácias, hospitais e almoxari¬<br />

fados. Desde que a temperatura cinética média se mantenha na<br />

faixa permitida, picos transitórios até 40°C podem ser permitidos<br />

se constar das instruções do fabricante/'1'<br />

Os fabricantes garantirão a estabilidade, qualidade e potência<br />

da medicação apenas quando as drogas estiverem armazenadas<br />

na faixa recomendada de temperatura. Em muitos casos, em todo<br />

o país, os veículos do SME mostraram armazenamentos perió-<br />

- dicos das medicações fora da faixa recomendada pela USP/" '0<br />

Estes estudos examinaram a exposição térmica das drogas tanto<br />

no campo quanto no cenário laboratorial por durações curtas (1-4<br />

semanas) e prolongadas (12-26 semanas). r" O que permanece obs¬<br />

curo é o efeito dessas excursões térmicas na biodisponibilidade<br />

de muitas drogas de uso comum no ambiente pré-hospitalar.<br />

Entretanto, a avaliação laboratorial mostra que a maioria dessas<br />

drogas se mantém estável, exceto a epinefrina, que se degrada<br />

significativamente nos extremos de frio e calor/'7-71 ,r~<br />

Para melhorar a adesão aos padrões da USP e ás recomen¬<br />

dações dos fabricantes, o escritório de New Jersey dos Serviços<br />

Médicos de Emergência (Departamento de Saúde e Serviço de<br />

Idosos) estabeleceu regulamentos exigindo o seguinte:<br />

Cada veículo ou gabinete ou outro local para armazenamento<br />

de medicações deve ter a temperatura suficientemente controlada<br />

de forma que as medicações e as soluções sejam mantidas nas fai¬<br />

xas de temperatura recomendadas pelo fabricante. Cada veículo<br />

deve ter um aparelho de registro da temperatura que guardará,<br />

pelo menos, o regiLtro das temperaturas mais altas e mais baixas<br />

durante um período de tempo especificado.70<br />

As agências de SME precisam considerar como elas lidarão<br />

com essa exigência para manter a eficácia das medicações usadas<br />

em seus veículos para assegurar que essas drogas agirão sempre<br />

como o desejado quando usadas pelo pessoal do SME. O custo<br />

para implementar o armazenamento com ambiente controlado<br />

para todas as unidades com suporte avançado para a vida, Advan¬<br />

ced Life Support (ALS), como recomendado pelo fabricante da<br />

droga e pela USPcertamente não é significante, porém não tomar<br />

medida alguma com base nesses estudos pode ser também etica¬<br />

mente inaceitável. Foi sugerido que cada agência de SME desen¬<br />

volva uma política para investigar as condições térmicas na área<br />

de armazenamento de medicação do veículo e considerar um sis¬<br />

tema de rotatividade de medicação durante os períodos de frio ou<br />

calor extremo, ou algum outro sistema para minimizar a exposi¬<br />

ção da medicação a extremos térmicos em sua região/'7<br />

Lesões Provocadas pelo Frio<br />

Desidratação<br />

A desidratação ocorre muito facilmente no frio, particularmente<br />

com o aumento da atividade física. Isto ocorre por três razões<br />

primárias: (1) evaporação do suor: (2) aumento da perda de calor<br />

e líquidos pela respiração, causada pela secura do ar trio e (3)<br />

diurese induzida pelo frio.<br />

A diurese induzidapelofrio é uma resposta fisiológica normal<br />

que resulta de vasoconstrição cutânea em virtude da exposição<br />

prolongada ao frio. Esta é a resposta do corpo para reduzir a perda<br />

corporal de calor desviando o sangue da periferia mais fria para<br />

as veias profundas do corpo. Essa resposta causa uma expansão<br />

no volume sanguíneo central que resulta num aumento da pres¬<br />

são arterial média (PAM), volume de ejeção e débito cardíaco.7"1 O<br />

volume expandido de sangue pode produzir diurese, manifestada<br />

pelo aumento da frequência urinária. A diurese induzida pelo frio<br />

pode reduzir o volume plasmático em 7% a 15%, resultando em<br />

hemoconcenlração e desidratação aguda com uma perda do quase<br />

o dobro de líquidos além do normal.<br />

Assim como na exposição ao calor, a aderência às instruções<br />

sobre hidratação com líquidos (Fig. 20-10) durante o trabalho em<br />

ambientes frios é necessária para minimizar a desidratação junto<br />

com a fadiga e as alterações físicas e cognitivas associadas. Como<br />

a sede é suprimida em ambientes frios, o risco de desidratação é<br />

significativo. *<br />

Distúrbios Relacionados ao Frio<br />

Distúrbios Leves Relacionados ao Frio<br />

Lesão pelo contato com o frio. Quando um material frio entra em<br />

contato com a pele desprotegida, pode provocar imediatamente<br />

uma queimadura local pelo frio. Não toque em nenhuma super¬<br />

fície metálica, álcool, gasolina, anticongelante, gelo ou neve com<br />

as mãos. (Consulte a seção sobre queimadura pelo frio para a ava¬<br />

liação e o tratamento.)<br />

Crestadura. A crestadura é a precursora do congelamento e pro¬<br />

duz sinais reversíveis de palidez da pele e dormência no local<br />

atingido. Ela é observada tipicamente na face, no nariz e nas ore¬<br />

lhas.1" A crestadura é uma lesão tecidual autoliinilada, desde que<br />

a exposição ao frio não continue; ela não requer intervenção do<br />

socorrista e transporte.<br />

Urticária pelo frio. A urticária pelo frio é um distúrbio caracteri¬<br />

zado pelo início rápido (em minutos) de coceira, vermelhidão<br />

e edema da pele depois da exposição ao frio. A sensação de<br />

queimação pode ser a característica proeminente. Essa situação,<br />

causada pela liberação local de histamina, é às vezes observada<br />

quando o gelo é aplicado diretamente na pele durante a criotera-


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 501<br />

pia para esliramentos e deslocamentos. Os indivíduos com uma<br />

história de urticaria pelo frio devem receber orientação para evi¬<br />

tar a imersão em água fria, que poderia causar morte por anafilaxia<br />

sistémica. O tratamento inclui evitar o frio e, possivelmente,<br />

usar anti-histamínicos.<br />

Frieiras (Pérnio). As frieiras são pequenas lesões cutâneas pruriginosas<br />

e sensíveis, e aparecem com elevações avermelhadas ou<br />

purpúreas que ocorrem na pela da superfície extensora do dedo<br />

ou em qualquer superfície cutânea (p. ex., orelhas, face) pela<br />

exposição crónica ao frio. As frieiras ocorrem várias horas depois<br />

da exposição ao frio em climas com temperatura úmida. Elas são<br />

às vezes agravadas pela exposição ao sol. O frio causa constrição<br />

das pequenas artérias e veias na pele, e o reaquecimento resulta<br />

em extravasamento de sangue nos tecidos e edema da pele.<br />

As frieiras desenvolvem-se mais provavelmente nas pessoas<br />

com circulação periférica pobre. Alguns falores contribuintes são<br />

tendência familiar, doença vascular periférica causada pelo diabe¬<br />

tes, tabagismo, hiperlipidemia, desnutrição (p. ex., anorexia ner¬<br />

vosa), doença do tecido conjuntivo e distúrbios da medula óssea.<br />

Cada frieira surge em algumas horas como umedema avermelhado<br />

e pruriginoso e desaparece no prazo de 7 a 14 dias. Nos casos gra¬<br />

ves, podem ocorrer, bolhas, pústulas, crostas e ulceração. Ocasio¬<br />

nalmente as lesões podem ler uma forma anelar. Elas podem ficar<br />

espessadas e persistir por meses.<br />

Os sintomas desaparecerão com a remoção do indivíduo do<br />

frio. O tratamento envolve proteção contra o frio com luvas e ves¬<br />

tuário apropriado.<br />

Ceratite Solar (Cegueira da Neve). Sem a proteção contra o ar frio e<br />

com a exposição ao reflexo da luz na neve, o risco de queimadu¬<br />

ras por raios ultravioleta da pele e dos olhos aumenta. O risco Fica<br />

muito maior nas altitudes mais elevadas. A ceratite solar é insi¬<br />

diosa durante a fase de exposição, com as queimaduras corneanas<br />

ocorrendo em uma hora, contudo não se tornando aparentes<br />

senão seis a 12 horas depois da exposição.<br />

O tratamento da cegueira na neve está baseado nos sintomas,<br />

que incluem lacrimejamento excessivo, dor, vermelhidão, edema<br />

das pálpebras, fotofobia, cefaleia, uma sensação de areia nos<br />

olhos e diminuição da visão (turvação). Os socorristas precisam<br />

considerar a oclusão do olho comprometido se não houver outro<br />

método de evitar exposição adicional aos raios ultravioleta (p.<br />

ex., óculos de sol), e então transportar o doente. Gotas anestési¬<br />

cas oftalmológicas, de uso tópico, caso disponíveis, podem ser<br />

usadas no alívio sintomático. Atenção médica é necessária para<br />

determinar o nível de gravidade e a necessidade de antibióticos<br />

e analgésicos. /<br />

Distúrbios Graves Relacionados ao Frio<br />

Lesão CutâneaLocalizadapeloFrio.As lesões pelo frio ocorrem em<br />

localizações periféricas do corpo e são classiiicadas como congelantes<br />

(p. ex., congelamento) ou não congelantes (p. ex., pérnio).<br />

As lesões localizadas pelo frio são evitáveis com a preparação<br />

apropriada para a exposição ao frio, reconhecimento precoce da<br />

lesão pelo frio e por cuidado médico efetivo. Entretanto, o con¬<br />

gelamento, potencialmente a forma mais séria de lesão pelo frio,<br />

por causa do risco de perda do membro, é a lesão de interesse<br />

primário nesta seção.<br />

E imperativo reconhecer, tratar e evitar a progressão do con¬<br />

gelamento dos tecidos de formas leves para formas graves de<br />

lesão por congelamento. A nicotina, intoxicação pelo álcool, falta<br />

de abrigo e distúrbios psiquiátricos importantes mantêm-se como<br />

importantes fatores predisponentes. /r' Quando se comparam as<br />

lesões no clima frio pela etnicidade, os afro-americanos correm<br />

maior risco de ler lesões pelo frio, incluindo congelamento. Essa<br />

relação se correlaciona com a maior suscetibilidade das célu¬<br />

las pigmentadas ao congelamento quando comparadas com as<br />

células não pigmentadas/1''" Roupas apertadas ou que limitam<br />

o movimento, muitas meias e sapatos apertados são falores pre¬<br />

disponentes no início do congelamento. Com o aumento dos<br />

esportes de aventura e outras atividades recreativas conduzidas<br />

no inverno, as lesões pelo frio localizadas são vistas agora com<br />

maior frequência. Os socorristas precisam evitar a perda de calor<br />

corporal e proteger a pele exposta de congelamento nos doentes,<br />

durante a exposição prolongada a condições frias. Por exemplo,<br />

em doentes que precisam de retirada de veículo, nos cenários que<br />

resultam em incapacidade de mobilizar o doente e nos doentes<br />

em ambientes frios com edema tecidual, a circulação comprome¬<br />

tida pode levar a um aumento na incidência de lesão localizada<br />

pelo frio.<br />

Lesão Não Congelante pelo Frio. A lesão não congelante pelo frio<br />

(LNCF), uma síndrome também chamada de pé de imersão ou<br />

pé de trincheira, resulta de lesão dos tecidos periféricos causada<br />

por exposição prolongada (horas até dias) à umidade/frio.'"'"" A<br />

LNCF não envolve congelamento do tecido, todavia pode coe¬<br />

xistir com uma lesão congelante, como congelamento. Esta sín¬<br />

drome envolve primariamente os pés e se reflete em dois tipos<br />

de LNCF. O pó de trincheira ocorre primariamente no pessoal<br />

militar durante operações de infantaria e está relacionado com os<br />

efeitos combinados da exposição prolongada ao frio e da restrição<br />

da circulação nos pés sem imersão na água.'" O pó de imersão é<br />

causado por imersão prolongada das extremidades a temperatu¬<br />

ras úmidas e de temperadas a frias. Os socorristas podem ver pé<br />

de imersão em pessoas desabrigadas, alcoólatras ou idosas; mon¬<br />

tanhistas e caçadores; atletas em esportes de aventura de vários<br />

dias; e sobreviventes de naufrágios oceânicos.70,81, 02 Frequente¬<br />

mente, esta síndrome passa despercebida durante a avaliação de<br />

indivíduos que estiveram expostos a condições frias ou úmidas<br />

por causa da falta de treinamento médico formal nas LNCF.70<br />

Esta síndrome ocorre como um resultado de muitas horas de<br />

resfriamento das extremidades inferiores em temperaturas que<br />

variam de 0°C a 18°C. Ocorre uma lesão dos tecidos moles da<br />

pele dos pés, conhecida como maceração. A ruptura da pele<br />

predispõe também os indivíduos a infecções. A lesão mais sig¬<br />

nificativa é vista nos nervos periféricos e nos vasos sanguíneos,<br />

causada pela lesão isquêmica secundária. A LNCF leve é inicial¬<br />

mente autolimitada; porém, com a exposição continuada e pro¬<br />

longada ao frio, ela se torna irreversível. Quando os pés estão<br />

úmidos e frios, isso aumenta o risco e acelera a lesão, porque as<br />

meias úmidas são pobres isolantes, e a água resfria mais eficien¬<br />

temente que o ar na mesma temperatura. Quaisquer fatores que<br />

reduzam a circulação para as extremidades também contribuem<br />

para a lesão, tais como roupas apertadas, bolas, imobilidade pro¬<br />

longada, hipotermia e postura agachada.


502 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

b<br />

a<br />

b<br />

n<br />

A LNCF é classificada nos seguintes graus:<br />

Mínima. Hiperemia ou ingurgitamento causados pelo<br />

aumento do fluxo sanguíneo para os pés e uma leve<br />

alteração sensitiva, que permanecerá por dois a três dias<br />

depois da lesão. A situação é autolimitada, e não sobram<br />

sinais da lesão depois de sete dias. Ocasionalmente, a<br />

sensibilidade ao frio vai permanecer.<br />

Leve. Edema, hiperemia e alterações sensitivas leves se<br />

mantêm por dois a três dias depois da lesão. Sete dias<br />

depois da lesão, encontra-se anestesia na superfície plantar<br />

do pé e nas pontas dos dedos, que dura por quatro a nove<br />

semanas. Bolhas e perda de pele não são observadas. A<br />

deambulação é possível quando o andai1 não causa dor.<br />

Moderada. Edema, hiperemia, bolhas e mosqueamento estão<br />

presentes dois a três dias depois da lesão. Com sete dias, a<br />

anestesia ao toque está presente tanto nas superfícies plantar<br />

e dorsal quanto dos dedos do pé. O edema persiste por duas<br />

a três semanas, e a dor e a hiperemia duram até 14 semanas.<br />

Pode ocorrer descamação das bolhas, porém sem perda<br />

de tecido profundo. Alguns doentes apresentarão lesão<br />

permanente.<br />

Grave. Edema importante (extravasamento) de sangue nos<br />

tecidos circunjacentes e gangrena estão presentes dois a<br />

três dias depois da lesão. A anestesia completa de todo o pé<br />

persiste por sete dias, com paralisia e hipotrofia.muscular<br />

nas extremidades comprometidas. A lesão vai além do pé<br />

até a parte inferior da perna. Esta grave lesão provoca perda<br />

significativa de tecido, que resulta em autoamputação. A<br />

gangrena é um risco constante até que a perda de tecido esteja<br />

completa. Espera-se que o doente apresente um período<br />

prolongado de convalescença e incapacidade permanente.<br />

Avaliação. Como o doente sofreu exposição leve ou moderada<br />

ao frio, é essencial que se exclua a hipotermia e se avalie a desi¬<br />

dratação. Ainda que não seja uma lesão congelante, a LNCF é,<br />

ainda assim, insidiosa e possivelmente debilitante; o achado<br />

comum nessas duas lesões localizadas provocadas pelo frio é que<br />

a extremidade é resfriada a ponto de anestesia ou de dormência<br />

enquanto a lesão está ocorrendo.<br />

A chave para o tratamento da LNCF é a detecção e a identi¬<br />

ficação durante a avaliação. Durante a avaliação inicial, o tecido<br />

lesado aparece macerado, edemaciado, pálido, anestesiado, sem<br />

pulso e imóvel, porém não congelado. Os doentes se queixam de<br />

falta de coordenação e tropeçam quando tentam andar. Depois da<br />

remoção do frio e durante ou depois do reaquecimento, o fluxo<br />

sanguíneo periférico aumenta, à medida que começa a reperfusão<br />

dos tecidos isquêmicos. As extremidades mudam de cor, de<br />

branco para um azul pálido e mosqueado, enquanto se mantêm<br />

Irias e dormentes. O diagnóstico do pé de trincheira ou pé de<br />

imersão é feito geralmente quando esses sinais não se alteram<br />

depois do reaquecimento passivo dos pés. A partir de 24 a 36<br />

horas depois do reaquecimento, uma marcante hiperemia se<br />

desenvolve, juntamente com dor em queimação de forte inten¬<br />

sidade e reaparecimento da sensibilidade proximal, porém não<br />

distalmente. Isto é causado por vasodilatação venosa. O edema e<br />

as bolhas desenvolvem-se nas áreas lesadas à medida que a per¬<br />

fusão aumenta. A pele mantém-se pobremente perfundida depois<br />

que a hiperemia aparece, e provavelmente descama à medida que<br />

a lesão evolui. Qualquer ausência de pulso depois de 48 horas<br />

na extremidade lesada sugere uma lesão grave e profunda e uma<br />

chance maior de perda substancial de tecido.<br />

Tratamento. Assim que uma possível LNCF é detectada, as prio¬<br />

ridades são eliminar qualquer resfriamento adicional, evitar<br />

trauma adicional na extremidade e transportar o doente. Não<br />

permita que o doente ande com a extremidade lesada. Remova<br />

cuidadosamente o sapato e as meias. Cubra frouxamente a parte<br />

ou a extremidade lesada com uma compressa estéril e seca, proteja-a<br />

do frio e comece o reaquecimento passivo do tecido lesado<br />

durante o transporte. A área comprometida pode ser agravada<br />

pelo peso de um cobertor. Não é necessário reaquecimento ativo.<br />

Não massageie a área comprometida porque isto pode piorar a<br />

lesão do tecido. Se necessário, trate a desidratação com um bolo<br />

IV de líquido e reavalie. Dependendo da duração do transporte,<br />

pode se desenvolver dor intensa durante o reaquecimento pas¬<br />

sivo à medida que a reperfusão do tecido começa, e pode ser<br />

necessário tratar com a analgesia adequada com opiáceos (p. ex.,<br />

comece inicialmente com 5 mg IV de morfina, se necessário).<br />

Lesão congelante pelo frio. A exposição contínua ao frio de teci¬<br />

dos mais periféricos vai do congelamento à ulceração, com des¬<br />

truição tecidual branda a grave e possível necrose.0,10 As partes<br />

mais suscetíveis do corpo ao congelamento são aqueles tecidos<br />

ou uma grande relação superfície-massa, tais como as orelhas e<br />

o nariz, ou as áreas mais distantes do centro do corpo, como as<br />

mãos, os dedos das mãos, os pés, os dedos dos pés e a genitália<br />

masculina. Essas estruturas são mais suscetíveis à lesão pelo frio<br />

porque apresentam muitas anastomoses capilares arteriovenosas<br />

que desviam facilmente o sangue durante a vasoconstrição. A<br />

resposta normal do corpo a temperaturas abaixo do desejável é<br />

reduzir o fluxo sanguíneo para a superfície da pele para redu¬<br />

zir a troca de calor com o ambiente. O corpo consegue realizar a<br />

vasoconstrição dos vasos periféricos em tuna tentativa de desviar<br />

o sangue aquecido do centro do corpo para manter uma tempe¬<br />

ratura corporal normal. A redução desse fluxo sanguíneo reduz<br />

em muito a quantidade de calor liberada para as extremidades<br />

distais.<br />

Quanto mais longo o período de exposição ao frio, mais redu¬<br />

zido é o fluxo sanguíneo para a periferia. O corpo conserva a tem¬<br />

peratura central à custa da temperatura das extremidades e da<br />

pele. A perda de calor do tecido se torna maior que o suprimento<br />

de calor nesta área.<br />

Quando uma extremidade é resfriada até 15"C, ocorrem vaso¬<br />

constrição máxima e fluxo sanguíneo mínimo. Se o resfriamento<br />

continuar até 10°C, a vasoconstrição é interrompida por perío¬<br />

dos de vasodilatação induzida pelofrio (VDIF), conhecida como<br />

a "resposta da caçada" (hunting response) e por uma elevação<br />

associada da temperatura do tecido, causada por um aumento no<br />

fluxo sanguíneo. A VDIF recorre em ciclos de cinco a dez minu¬<br />

tos para oferecer alguma proteção contra o frio. Os indivíduos<br />

mostram diferenças na suscetibilidade ao congelamento quando<br />

expostos às mesmas condições de resfriamento, o que pode ser<br />

explicado pela quantidade de VDIF.10<br />

Os tecidos não congelam a 0o C porque as células contêm eletrólitos<br />

e outros solutos que impedem o congelamento do tecido<br />

até que a temperatura da pele atinja aproximadamente -2"C. Nos<br />

casos de temperaturas abaixo do congelamento quando as extre¬<br />

midades são deixadas desprotegidas, os líquidos intracelular e<br />

extracelular podem congelar. Isso resulta na formação de cris-


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 503<br />

tais de gelo. À medida que os cristais de gelo se formam, eles se<br />

expandem e causam lesão dos tecidos locais. Podem também se<br />

formar coágulos sanguíneos, comprometendo ainda mais a circu¬<br />

lação para a área lesada.<br />

O tipo e a duração da exposição ao frio são os dois falores<br />

mais importantes na determinação da extensão da lesão pelo<br />

congelamento. O congelamento é classificado pela profundi¬<br />

dade da lesão e pela apresentação clínica.10 O grau da lesão em<br />

muitos casos não será conhecido pelo menos por 24 a 72 horas,<br />

exceto nas exposições mínimas ou graves. A exposição da pele a<br />

frio que seja de cinta duração, porém muito intenso, criará uma<br />

lesão superficial, enquanto que um grave congelamento em toda<br />

a extremidade pode ocorrer durante exposições prolongadas. A<br />

lesão direta pelo frio é geralmente reversível, porém lesão tecidual<br />

permanente ocorre durante o reaquecimento. Nos casos<br />

mais graves, mesmo com o reaquecimento apropriado do tecido,<br />

pode se desenvolver trombose microvascular, provocando sinais<br />

precoces de gangrena e necrose. Se o local lesado congela, des¬<br />

congela e congela novamente, o segundo congelamento causa<br />

uma quantidade maior de trombose grave, de lesão vascular e de<br />

perda tecidual. Por essa razão, os socorristas precisam evitar que<br />

qualquer tecido que descongele durante o tratamento inicial no<br />

campo seja submetido a recongelamento.<br />

Os métodos tradicionais de classificação do congelamento<br />

apresentam quatro graus de lesão (similares à queimadura) basea¬<br />

dos nos achados iniciais no exame físico depois do congelamento<br />

e do reaquecimento (Figs. 20-16 e 20-17), como se segue:<br />

0 Congelamento de primeiro grau. Uma lesão epidérmica,<br />

limitada à pele que teve um breve contato com ar ou metal<br />

"frio; a pele aparece branca ou com uma placa amarelada<br />

no local da lesão, sem bolhas ou perda de tecido; a pele<br />

descongela rapidamente, há sensação de dormência, e<br />

parece avermelhada com edema circundante; a recuperação<br />

ocorre em sete a dez dias.<br />

B Congelamento de segundo grau. Envolve toda a epiderme e<br />

a derme superficial; inicialmente parece semelhante à lesão<br />

de primeiro grau; entretanto, os tecidos congelados são mais<br />

e<br />

E<br />

profundos; o tecido parece rígido ao loque mas, as estruturas<br />

abaixo cedem à pressão; o descongelamento é rápido; após<br />

o descongelamento, são observadas bolhas ou vesículas<br />

cutâneas superficiais que apresentam um líquido claro ou<br />

leitoso depois de algumas horas; circundadas por eritema<br />

e edema; não há perda permanente de tecido; a recuperação<br />

ocorre em três a quatro semanas.<br />

Congelamento de terceiro grau. Envolve a epiderme e as<br />

camadas da derme; a pele congelada fica rígida e com a<br />

mobilidade restrita; depois que o tecido descongela, a pele<br />

incha juntamente com bolhas cheias de sangue (bolhas<br />

hemorrágicas), indicando trauma vascular nos tecidos<br />

profundos; o inchaço restringe a mobilidade; a perda de pele<br />

ocorre lentamente, provocando mumificação e descamação;<br />

a recuperação é lenta.<br />

Congelamento de quarto grau. O tecido congelado envolve<br />

toda a espessura da derme, com envolvimento muscular<br />

e ósseo; não há mobilidade durante o congelamento, e<br />

apresenta movimento passivo quando descongelado, sem<br />

função muscular intrínseca; há pobre perfusão cutânea;<br />

não se desenvolvem bolhas nem edema; sinais precoces de<br />

tecido necrótico; o processo de mumificação lenta ocorrerá<br />

em conjunto com descamação do tecido e autoamputação do<br />

tecido não viável.<br />

Embora a classificação tradicional do congelamento seja em<br />

quatro graus de lesão, é mais fácil para os socorristas de SME no<br />

cenário pré-hospilalar classificá-la em superficial ou profunda.11"1"8"''<br />

O congelamento superficial (primeiro e segundo graus) compro¬<br />

mete a pele e os tecidos subcutâneos, resultando em bolhas claras<br />

quando reaquecida. O congelamento profundo (terceiro e quarto<br />

graus) compromete a pele, o músculo e o osso, e a pele apresenta<br />

bolhas hemorrágicas quando reaquecida.<br />

Em situações especiais, o congelamento podo ocorrer rapida¬<br />

mente, e os socorristas podem responder ao seguinte:<br />

s<br />

e<br />

a<br />

Extravasamento de líquidos com hidrocarbonetos na pele;<br />

por exemplo, a gasolina vai causar evaporação e condução<br />

rápidas nas temperaturas abaixo do congelamento.<br />

Tocar metal extremamente frio com a pele quente.<br />

Fator intenso de resfriamento pelo vento na pele exposta<br />

causado pelo vento rotatório de um helicóptero médico.<br />

Avaliação. Ao chegar, avalie a cena com segurança e aplique<br />

o ABC ao doente. Remova o doente do frio e o coloque numa<br />

FIGURA 20-16 Edema e formação de bolhas em uma lesão<br />

tipo congelamento depois de 24 horas.<br />

(Fonte: McCauley RL, Smith DJ, Robson MC, Heggers JP: Frostbite. In Auerbach PS: Wilderness<br />

medicine: management of wilderness and environmental emergencies, ed 5, St<br />

Louis, 2007, Mosby Elsevier. Fotografia cortesia de Cameron Bangs, MD.)<br />

FIGURA 20-17 Congelamento profundo de 22 e 32 graus com<br />

bolhas hemorrágicas, um dia depois do descongelamento.<br />

(Fonte: McCauley RL, Smith DJ, Robson MC, Heggers JP: Frostbite. In Auerbach PS: Wilderness<br />

medicine: management of wilderness and environmental emergencies, ed 5, St<br />

Louis, 2007, Mosby Elsevier. Fotografia cortesia de Murray P. Hamlet, DVM.)


504 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

área protegida da umidade, do frio e do vento. Muitas vítimas<br />

de congelamento podem apresentar outros problemas médicos<br />

associados, tais como desidratação, hipovolemia, hipotermia,<br />

hipoglicemia e lesão traumática. Remova as roupas molhadas<br />

para minimizar a perda adicional de calor corporal. Em caso de<br />

dúvida, trate primeiro a hipotermia. O congelamento superficial<br />

é normalmente avaliado através da combinação do reconheci¬<br />

mento das condições ambientais e da localização da queixa prin¬<br />

cipal do doente de dor ou dormência e observando a pele sem<br />

coloração na mesma área. As condições ambientais durante a<br />

exposição têm de estar abaixo do ponto de congelamento.<br />

Os congelamentos são insidiosos, porque o doente pode não<br />

apresentar dor no local da lesão quando a pele está congelada<br />

e coberta por uma luva ou por um calçado. A detecção da área<br />

comprometida exige uma inspeção visual direta das regiões cor¬<br />

porais com alto grau de suspeita, como listadas previamente. A<br />

palpação suave da área pode determinar se o tecido subjacente<br />

está depressível ou duro. Assegure-se de que o doente ou de que<br />

o socorrista não esfregue ou massageie a pele comprometida, por¬<br />

que isto irá causar maior lesão celular nos tecidos congelados. O<br />

doente com congelamento superficial comumente se queixará de<br />

desconforto durante a manipulação da área com congelamento.<br />

Nos doentes com congelamento profundo, o tecido congelado<br />

fica endurecido e normalmente é indolor quando tocado. Depois<br />

da inspeção da área acometida, é necessária uma decisão sobre<br />

o método de reaquecimento, que geralmente é baseado no tempo<br />

de transporte ao pronto-socorro. O protocolo do SME do estado<br />

norle-americano do Alasca para o reaquecimento de ulcerações<br />

pelo frio na fase pré-hospitalar declara:<br />

1. Caso tempo de transporte seja curto (1-2 horas, no máximo),<br />

os riscos impostos pelo reaquecimento inadequado ou pelo<br />

recongelamenlo na fase pré-hospitalar compensam os riscos<br />

de retardo do tratamento da ulceração profunda pelo frio.<br />

2. Caso tempo de transporte seja prolongado (mais do<br />

que 1-2 horas), a ulceração pelo frio geralmente sofre<br />

descongelamento espontâneo. E mais importante impedir<br />

a hipotermia do que reaquecer a ulceração pelo frio<br />

rapidamente em água morna. Isso não significa que o<br />

membro congelado deva ser mantido no frio, impedindo o<br />

reaquecimento espontâneo. Espere que as áreas congeladas<br />

reaqueçam, como consequência de manter o doente<br />

aquecido, e proteja-as do recongelamenlo a todo custo.11'<br />

Tratamento<br />

Os doentes com cresladura ou congelamento superficiais devem<br />

ser colocados com a área acometida contra uma superfície cor¬<br />

poral aquecida, assim como se deve cobrir as orelhas do doente<br />

com as mãos quentes ou colocar os dedos acometidos na região<br />

das axilas ou virilhas. O congelamento superficial só precisa ser<br />

aquecido até as temperaturas corporais normais. O tratamento<br />

do congelamento profundo no ambiente pré-hospitalar inclui o<br />

seguinte:<br />

1. Avaliar e tratar a hipotermia, caso presente.<br />

2. Fornecer tratamento de suporte e abrigo adequado para o<br />

doente e a área acometida, minimizando a perda de calor.<br />

3. Avaliai' a área ulcerada pelo frio; remover quaisquer<br />

roupas e jóias da área acometida e verificar se há perda de<br />

sensibilidade.<br />

4. Caso haja ulceração pelo frio distal a uma fratura, tentar<br />

alinhar o membro, a não ser que haja resistência. Colocar<br />

lala na fratura, de maneira a não comprometer a circulação<br />

distai. •<br />

5. Cobrir frouxamente com uma compressa seca, estéril e não<br />

aderente sem comprimir.<br />

6. Não permitir que o doente ande com o pé comprometido.<br />

7. Os dedos das mãos e dos pés devem ser separados e<br />

protegidos com gaze de algodão estéril.<br />

8. Não drenar as bolhas.<br />

9. As mãos e pés devem ser colocados em tipóias e elevados<br />

para reduzir o edema.<br />

10. Analgésicos opiáceos intravenosos são geralmente<br />

necessários para o alívio da dor e devem ser iniciados antes<br />

que os tecidos descongelem.<br />

11. Iniciar solução fisiológica IV com um bolo de 250 mL para<br />

tratar a desidratação e reduzir a viscosidade sanguínea o a<br />

obstrução capilar.<br />

12. Proteger os tecidos frágeis de trauma adicional durante a<br />

movimentação do doente.<br />

13. Tentativas de iniciar o reaquecimento de ulcerações<br />

profundas pelo frio a campo podem ser perigosas à<br />

recuperação final do doente e não são recomendadas, a não<br />

ser que o tempo de transporte seja prolongado. Neste caso,<br />

faça o descongelamento com banhos de água morna, em<br />

temperatura não superior a 39°C; se houver possibilidade<br />

de recongelamento, não descongele.<br />

14. Não permita que a parte descongelada volte a congelar.<br />

15. Garanta o transporte precoce para uma instituição apropriada.<br />

O doente pode beber alguma coisa aquecida (e não alcoólica),<br />

se disponível, dependendo do nível de consciência dele e de<br />

outras lesões. O uso de tabaco (fumar, mastigai', usai- emplastros<br />

de nicotina) deve ser desencorajado porque a nicotina provoca<br />

vasoconstrição adicional.<br />

HipotermiaAcidental. A hipotermia é definida como a situação na<br />

qual a temperatura corporal central está abaixo de 35°C, medida<br />

com uma sonda de termómetro retal colocado pelo menos 15 cm<br />

no reto." A hipotermia pode ser vista como uma diminuição na<br />

temperatura central que torna uma vítima incapaz de gerar pro¬<br />

dução de calor suficiente para retornar â homeostasia ou às fun¬<br />

ções corporais normais. A hipotermia pode ocorrer em muitas<br />

situações diferentes, resultante de ar ambiental frio, imersão em<br />

água fria ou submersão em água fria (quase afogamento em água<br />

fria) e podeser intencionalmente produzida durante cirurgia.11'07,118<br />

A hipotermia de imersão ("cabeça para fora") ocorre tipicamente<br />

quando um indivíduo é colocado acidentalmente êm um ambiente<br />

frio sem preparação ou planejamento. Por exemplo, uma pessoa<br />

que caiu em água gelada está correndo o perigo imediato de se tor¬<br />

nar um caso de submersão, como resultado do reflexo do engasgamento<br />

do "choque pelo frio", perda da capacidade motora, hipo¬<br />

termia e afogamento. Esses aspectos únicos dos incidentes com


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 505<br />

submersão podem provocar hipoxia e hipotermia (discussão pos¬<br />

terior e Capítulo 21).<br />

A progressão da hipotermia em ar frio ou em água fria pode<br />

ser retardada enquanto a produção de calor metabólica puder<br />

compensar esta perda. A sobrevivência a uma exposição exage¬<br />

rada ao frio é possível, existindo muitos relatos de sobreviventes<br />

no mar e em outras situações extremas.74,09 Muitos fatores são<br />

reconhecidos como capazes de aumentar a sobrevivência depois<br />

de exposição ao frio, incluindo idade, sexo, composição do corpo<br />

(p. ex., relação da superfície corporal com a massa corporal), o iní¬<br />

cio e a intensidade do tremor, o nível de preparo físico, o estado<br />

nutricional e o consumo de álcool. A hipoglicemia pode ocorrer<br />

durante fases progressivas da hipotermia e ser mais comum na<br />

hipotermia por imersão. Essa hipotermia se deve à depleção de<br />

glicose sanguínea e glicogênio muscular como fontes de combus¬<br />

tível para a contração dos músculos durante os tremores. Além<br />

disso, o hipotálamo, como centro termorregulador no cérebro,<br />

precisa de uma concentração ideal de glicose, já que esta é o com¬<br />

bustível primário da melhor função cerebral. Consequentemente,<br />

um alcoólatra é mais suscetível à hipotermia, já que o álcool blo¬<br />

queia a produção de glicose e inibe os tremores para produção<br />

de calor.11 Assim, a avaliação rápida e o manejo elicaz da baixa<br />

glicemia no doente hipotérmico é essencial para o aumento do<br />

metabolismo e dos tremores durante o reaquecimento.<br />

Ao contrário do congelamento, a hipotermia pode "ocorrer<br />

em ambientes com temperaturas bem acima do congelamento.<br />

A hipotermia primária ocorre geralmente quando indivíduos<br />

saudáveis estão em condições climáticas adversas, despreparados<br />

para a exposição extremamente aguda ou crónica ao frio. As<br />

mortes por hipotermia primária são um resultado direto da expo¬<br />

sição ao frio e são documentadas pelo legista como acidentais,<br />

homicidas ou suicidas."<br />

A hipotermia secundária é considerada uma consequência<br />

normal de distúrbios sistémicos do doente, incluindo hipotireoidismo,<br />

hipoadrenalismo, trauma, carcinoma e sepse. Se não<br />

reconhecida, ou inadequadamente tratada, a hipotermia pode ser<br />

fatal, em alguns casos em duas horas. A mortalidade é maior que<br />

50% nos casos de hipotermia secundária causada por complica¬<br />

ções de outras lesões e nos casos graves nos quais a temperatura<br />

corporal está abaixo de 32°C."<br />

A rápida atenção, impedindo a maior perda de calor corpóreo<br />

pelo doente vítima de trauma, é necessária, já que a hipotermia<br />

branda é muito comum após lesões ocorridas em quaisquer con¬<br />

dições climáticas. O doente vítima de trauma, portanto, deve ser<br />

retirado do chão frio assim que possível e colocado na ambu¬<br />

lância aquecida-. -A temperatura na ambulância deve ser ajustada<br />

para minimizar a perda de calor do doente, e não dar conforto ao<br />

socorrista. Fluidos aquecidos, administrados por via IV, também<br />

auxiliam a manutenção da temperatura corpórea do doente.<br />

E muito comum receber doentes hipotérmicos em centros<br />

especializados em traumas e observar ainda mais perda de calor<br />

corpóreo durante a avaliação inicial.510,91 O desenvolvimento de<br />

hipotermia que começa no ambiente pré-hospitalar está relacio¬<br />

nado ao eleito do trauma na termorregulação e na inibição do<br />

tremor como um mecanismo primário para a produção de calor.92<br />

Em muitos doentes, a perda de calor continua após a chegada<br />

ao hospital, por diversas razões: a exposição do doente no frio<br />

pronto-socorro ou centro especializado em traumas, a adminis¬<br />

tração de fluidos de reposição não aquecidos, abertura da cavi¬<br />

dade abdominal ou torácica, o uso de anestésicos e bloqueadores<br />

neuromusculares (que impedem a geração de calor por tremores)<br />

e exposição no centro cirúrgico, ainda mais frio.97,90<br />

Uma causa da maior mortalidade nos doentes traumatizados<br />

hipotérmicos está relacionada à combinação letal de hipotermia,<br />

acidose e coagulopatia (incapacidade do sangue de coagular nor¬<br />

malmente). Isto é conhecido como a "tríade letal" nos doentes<br />

traumatizados.92 É essencial que se avaliem e que se tratem os<br />

doentes igualmente para o trauma e para a hipotermia, porque<br />

a coagulopatia é reversível com o reaquecimento do doente.91<br />

Em um estudo, 57% dos doentes vítimas de traumas internados<br />

em um centro especializado em traumas de nívelIapresentaram<br />

hipotermia em algum momento do atendimento. A taxa de mor¬<br />

talidade chega a '1U0% quando a temperatura interna cai abaixo<br />

de 32°C em um doente vítima de trauma. Por outro lado, a mor¬<br />

talidade é de 20% em doentes com hipotermia primária (não<br />

traumática) moderada (28-32°C). 1,111<br />

Consequentemente, a taxa de<br />

mortalidade associada à hipotermia em vítimas de traumas é tão<br />

elevada que a definição de leve, moderada e grave resultou em<br />

uma classificação especial93,94 (Fig. 20-18).<br />

Ébemestabelecido que,em vítimas de traumas, a "tríade letal"<br />

aumenta a mortalidade. Há, porém, cada vez mais evidências<br />

mostrando que a hipotermia intencionalmente induzida desem¬<br />

penha um papel benéfico no choque, no transplante de órgãos, na<br />

parada cardíaca e no controle da pressão intracraniana em casos<br />

de lesão cerebral traumática.94,95 A aplicação da hipotermia tera¬<br />

pêutica que mais cresce no ambiente pré-hospitalar é em vítimas<br />

de parada cardíaca súbita não traumática.94,90 Sahe-se bem que<br />

o prognóstico da parada cardíaca é muito ruim, com somente<br />

3% a 27% de todos os doentes que apresentaram parada cardí¬<br />

aca sobreviverem até a alta. Entretanto, com base na crescente<br />

s<br />

FIGURA 20-18 Faixas de gravidade da hipotermia: Hipotermia traumática versus Acidental<br />

Classificação Tradicional Trauma<br />

Hipotermia branda 35,0-32,0°C 36,0-34,0°C<br />

Hipotermia moderada 32,0-28,0°C 34,0-32,0°C<br />

Hipotermia grave 28,0-20,0°C < 32°C<br />

Hipotermia profunda<br />

Hipotermia muito profunda<br />

20,0-14,0°C<br />

< 14,0°C<br />

(Fonte: Gentilello LM: Surg Clin North Am, 1995.)


506 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

quantidade de evidências sobre o aumento da laxa de sobrevida<br />

devido à hipotermia terapêutica na última década o Internacio¬<br />

nal Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR) publicou uma<br />

declaração de aconselhamento, em 2003, sobre o papel dessa prá¬<br />

tica após a parada cardíaca não traumática, recomendando o res¬<br />

friamento intencional do doente a 32°C a 34°C por 12 a 24 horas<br />

em adultos inconscientes, com circulação espontânea, após uma<br />

parada cardíaca em ambiente não hospitar.95<br />

Hipotermia de Imersão. Durante a imersão, se- não houver ganho<br />

ou perda de calor pelo corpo, a temperatura da água é conside¬<br />

rada lermoneutra.A temperatura termoneutra da água é de 33"C a<br />

35nC; nestas temperaturas, um indivíduo nu de pé passivamente<br />

com água ao nível do pescoço pode manter uma temperatura cen¬<br />

tral aproximadamente constante por pelo menos uma hora.90,99<br />

Os indivíduos na água termoneutra quase não correm risco de<br />

"choque do frio" na imersão inicial e da hipotermia experimen¬<br />

tada na exposição súbita à água fria.10"<br />

Quando a imersão ocorre em água com temperatura mais fria<br />

que o limite lermoneulro inferior, as alterações fisiológicas ime¬<br />

diatas são um rápido declínio na temperatura da pele, vasocons¬<br />

trição periférica que resulta em tremores e aumento do metabo¬<br />

lismo, da ventilação, da frequência cardíaca, do débito cardíaco<br />

e da PAM. Para compensar qualquer perda de calor na água, a<br />

produção de calor tem que ocorrer por aumento da atividade<br />

física, do tremor ou ambos. Caso isso não ocorra, a temperatura<br />

central continua a cair e o tremor cessa, e essas respostas fisioló¬<br />

gicas diminuem proporcionalmente com a queda da temperatura<br />

central."11<br />

O maior risco de hipotermia por imersão começa geralmente<br />

com temperatura da água inferior a 25°C."n Como a capacidade<br />

de dissipação de calor da água é 24 vezes maior que a do ar,<br />

os indivíduos correm um risco maior de hipotermia na água.<br />

Entretanto, a atividade física contínua (isto é, nadar para manler-se<br />

aquecido) na água fria acaba se tornando prejudicial, pelo<br />

aumento da perda de calor por convecção para a água fria que<br />

circunda o corpo, resultando em início mais rápido da hipoter¬<br />

mia. Essa compreensão resultou na recomendação para que os<br />

indivíduos minimizem a perda de calor durante a imersão na<br />

água fria usando a postura para reduzir o escape de calor (PREC)<br />

(HELP- heath escape lessening posture) ou a posição amonto¬<br />

ada. quando múltiplas vítimas de imersão ficam juntas101 (Fig.<br />

20-19).<br />

A temperatura central mais baixa registrada com recuperação<br />

neurológica integral de um lactente com hipotermia acidental é<br />

de '15°C.103 Em um adulto, 13,7"C é a mais baixa temperatura cen¬<br />

tral registrada em um sobrevivente de hipotermia acidental. Isso<br />

ocorreu com uma mulher de 29 anos de idade, que lutou para se<br />

salvar por mais de 40 minutos antes que os sintomas da hipoter¬<br />

mia grave afetassem a contração muscular."9 Ela esteve imersa<br />

por mais de 80 minutos antes que um grupo de socorro chegasse<br />

e a reanimação cardiopulmonar (RCP) fosse iniciada durante o<br />

transporte para o hospital local. Depois de três horas de reaquecimento<br />

contínuo, sua temperatura central retornou ao normal, e<br />

ela sobreviveu com função fisiológica normal.<br />

Este caso de hipotermia acidental ilustra por que todos os<br />

socorristas que tratam de doentes hipotérmicos não devem inter¬<br />

romper as intervenções terapêuticas e declarar o doente morto<br />

até que ele tenha sido reaquecido até acima de 35°C e ainda assim<br />

FIGURA 20-19 Técnicas para redução das taxas de<br />

resfriamento para sobreviventes em água fria. A. Postura de<br />

redução do escape de calor (HELP). B. Técnica de Huddle.<br />

não apresente evidência de função cardiorrespiratória e neuro¬<br />

lógica. Este é um dos muitos cenários nos quais o doente recebe<br />

alta do hospital com função neurológica completa depois de uma<br />

RCP prolongada no campo. As lições desse caso e de outros com<br />

um desfecho similar são que a impressão inicial desses doentes<br />

não é justificativa para interromper o suporte básico ou avançado<br />

à vida até que temperatura central tenha retornado ao normal; os<br />

procedimentos avançados para salvar a jdda são também ime¬<br />

diatamente iniciados. Essa é a razão pela qual a seguinte frase<br />

foi criada:<br />

"Os doentes não estão mortos até que estejam quentes e mortos<br />

Seja intencional ou não intencional, a imersão em água iria<br />

(cabeça para fora) ocorre durante lodo o ano nos Estados Unidos,<br />

como resultado de atividades recreativas e industriais,bem como<br />

de acidentes. Se o indivíduo sobrevive ao incidente inicial com<br />

submersão sem se afogar, ele corre o risco de hipotermia, depen¬<br />

dendo da temperatura da água. As respostas do corpo à imersão<br />

em água fria podem ser divididas nas três fases a seguir:101<br />

ÿ<br />

Primeirafase. Esta fase começa coin um reflexo<br />

cardiovascular conhecido como resposta do "choque do frio"<br />

que ocorre rapidamente (em 2-4 minutos) depois da imersão<br />

e começa com um rápido resfriamento da pele, vasoconstrição<br />

periférica, um reflexo do engasgamento e incapacidade para<br />

manter o fôlego, hiperventilação e taquicardia.75,07 A resposta<br />

do engasgamento pode levar à aspiração e ao afogamento,<br />

dependendo da localização da cabeça do indivíduo acima ou<br />

abaixo da água. Essas respostas podem levai- à morte súbita<br />

imediata ou à morte em alguns minutos depois da imersão<br />

por causa de várias situações nesse cenário, incluindo<br />

síncope ou convulsões que resultam em afogamento, parada<br />

vagal e fibrilação ventricular.""'104'101'


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 507<br />

0 Segundafase. Se a vítima sobrevive à fase do choque do frio,<br />

ocorre um resfriamento significativo dos tecidos periféricos<br />

nos primeiros 30 minutos de imersão. Esse resfriamento<br />

tem um efeito deletério na capacidade motora grosseira e<br />

delicada das extremidades, causando rigidez dos dedos,<br />

pobre coordenação e perda da força muscular, tornando<br />

quase impossível nadar, segurar uma linha de resgate<br />

ou realizai- outras atividades motoras para a<br />

sobrevivência.1"1,101<br />

ÿ3<br />

Terceira fase. Sobreviver às primeiras duas fases sem se<br />

afogar coloca o indivíduo em risco de hipotermia pela perda<br />

contínua de calor e redução da temperatura central nas<br />

imersões com mais de 30 minutos de duração. Se a vítima<br />

não for capaz de se manter acima da superfície da água por<br />

causa de fadiga e de hipotermia, ela correrá o risco de se<br />

tornar uma vítima de submersão, que leva à aspiração e ao<br />

afogamento.75,9" O quanto um indivíduo pode sobreviver na<br />

água fria depende de muitos fatores.<br />

Foi estimado que uma vítima de submersão não pode<br />

sobreviver por mais de uma hora se a temperatura da<br />

água for 0"C, e se a temperatura da água for de 15°C, a<br />

sobrevivência é incomum depois de seis horas.10"<br />

A Guarda Costeira dos EUA e outras organizações de busca<br />

e salvamento usam instruções-padrão para ajudar na estimativa<br />

de quanto os indivíduos podem sobreviver na água iria. Essas<br />

instruções são modelos matemáticos que estimam a laxa de res¬<br />

friamento da temperatura central com base na influência das<br />

seguintes variáveis: (1) temperatura da água e estado do mar; (2)<br />

isolamento pela roupa; (3) composição do corpo (quantidade de<br />

gordura, músculos e ossos); (4) quantidade de corpo imerso na<br />

água; (5) comportamento (p. ex., movimentação excessiva) e pos¬<br />

tura (p. ex., PREC, amontoamento) do corpo na água; e (6) termogênese<br />

do tremor.109"111<br />

Os primeiros estudos, nas décadas de 1960 e 1970, suge¬<br />

riram que, durante a imersão acidental em água fria, a melhor<br />

opção não é o autorresgate, tentando nadar grandes distâncias<br />

até chegai- a um local seguro, mas permanecer no local, flutuar<br />

no colete salva-vidas ou se agarrai- a destroços e não nadar em<br />

círculos para se manter aquecido. Pesquisas mais recentes suge¬<br />

riram que o autorresgate a nado durante a imersão acidental em<br />

água fria (10-14°C) é uma opção viável, com base nas seguintes<br />

condições:<br />

—<br />

a. Sobrevida inicial à fase de choque frio nos primeiros<br />

minutos de exposição à água fria.<br />

b. A decisão de tentar o autorresgate ou esperar pelo resgate<br />

deve ser rápida, antes que a capacidade de tomá-la seja<br />

prejudicada pela progressão da hipotermia.<br />

c. Baixa probabilidade de resgate pelos primeiros socorristas<br />

na área.<br />

d. Se a vítima puder chegar à praia em 45 minutos de nado,<br />

com base em sua condição física e capacidade de nadar.<br />

e. Em média, a vítima de imersão em água Iria usando colete<br />

salva-vidas deve ser capaz de nadar aproximadamente<br />

800 metros na água a 10°C antes de ficar incapacitada<br />

pelo resfriamento muscular e fadiga dos braços, e não pela<br />

hipotermia geral.<br />

f. A distância.de nado em água iria ó cerca de 1/3 da coberta<br />

em água aquecida.112<br />

Efeitos Fisiopatológicos da Hipotermia sobre o Organismo. Seja<br />

devida à exposição a ambientes frios ou à imersão, a hipotermia<br />

afeta todos os principais sistemas orgânicos, particularmente<br />

os sistemas cardíaco, renal e nervoso central. À medida que a<br />

temperatura central do corpo diminui até 35°C, ocorrem as taxas<br />

máximas de vasoconstrição, de tremor e metabólica, com aumen¬<br />

tos nas frequências cardíaca e respiratória e na pressão sanguí¬<br />

nea. A demanda de oxigénio para o metabolismo cerebral dimi¬<br />

nui de 6% até 10% por 1°C de queda na temperatura central, e<br />

o metabolismo cerebral fica preservado. Quando a temperatura<br />

central cai entre 30"C e 35°C, a função cognitiva, função cardíaca,<br />

taxa metabólica, frequência respiratória e frequência do tremor<br />

tornam-se significativamente diminuídas ou completamente ini¬<br />

bidas. Neste ponto, os mecanismos limitados de defesa fisioló¬<br />

gica para impedir a perda de calor do corpo estão submersos, e<br />

a temperatura central cai rapidamente. Na temperatura central<br />

de 29,5°C, o débito cardíaco e a taxa metabólica estão reduzidos<br />

em aproximadamente 50%. A ventilação e a perfusão são inade¬<br />

quadas e não atendem à demanda metabólica, provocando hipo¬<br />

xia celular, aumento no ácido lálico e, eventualmente, acidoses<br />

metabólica e respiratória. A oxigenação e o fluxo sanguíneo são<br />

mantidos nas regiões centrais e no cérebro.<br />

A bradicardia ocorre em uma grande porcentagem dos doen¬<br />

tes como efeito direto do frio na despolarização das células marca-passo<br />

e na sua propagação mais lenta através do sistema de<br />

condução. É importante observar que o uso de atropina, assim<br />

como de outros medicamentos cardíacos, é geralmente ineficaz<br />

para aumentai- a frequência cardíaca quando o miocárdio está<br />

frio.1' Quando a temperatura central cai abaixo de 30"C, o miocár¬<br />

dio se torna irritável. Os intervalos PR, QRS e QTC estão prolon¬<br />

gados. Alterações no segmento ST e na onda T e as ondas J (ou de<br />

Osborne) podem estar presentes e podem simular outras anorma¬<br />

lidades do ECG, tais como um infarto agudo do miocárdio (IAM).<br />

As ondas J são uma característica marcante no ECG de doentes<br />

hipotérmicos e vistas em aproximadamente um terço dos doentes<br />

com hipotermia de moderada a grave (< 32°C). A onda J é descrita<br />

como uma deflexão "em corcova" entre o complexo QRS e a parte<br />

precoce do segmento ST.113 O onda J é mais bem visualizada nas<br />

derivações aVL, aVF e laterais esquerdas (Fig. 20-20).<br />

A fibrilação atrial e a bradicardia extremas se desenvolvem e<br />

podem continuar entre 28"C e 32°C. Quando a temperatura cen¬<br />

tral alcança 26,7"C a 28°C, qualquer estímulo físico do coração<br />

pode causar fibrilação ventricular (FV). A RCP ou a manipulação<br />

abrupta (na avaliação ou algum movimento) do doente pode ser<br />

suficiente para causar FV. Nestes extremos inferiores de tempe¬<br />

ratura central, o pulso e a pressão sanguínea não são detectáveis,<br />

e as articulações tornam-se rígidas. As pupilas tornam-se fixas e<br />

dilatadas nas temperaturas centrais extremamente baixas. Nova¬<br />

mente, não se deve presumir que o doente esteja morto até que<br />

ele tenha sido reaquecido e não apresente sinais de vida (ECG,<br />

pulso, ventilação e função do SNC).<br />

Com a exposição aguda ao frio, o fluxo renal aumenta por<br />

causa do desvio do sangue durante a vasoconstrição. Isto pode<br />

resultar em um fenómeno denominado diurese fria, no qual o<br />

doente produz mais urina e, assim, sofre desidratação. Em 27°C<br />

a 30°C, o fluxo sanguíneo renal está deprimido em 50%. Neste<br />

nível hipotérmico de moderado a grave, a diminuição do débito


508 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Hone<br />

25na'n<br />

(Onn'nV<br />

4Ó»fé<br />

CO63<br />

12SI.tR v7*<br />

ilea:<br />

Age:<br />

S*.-:<br />

Lac:<br />

Vent, ri<br />

PH into:<br />

QP.5 dur.<br />

QT'QTc<br />

Hf<br />

Rocei;<br />

floonir<br />

Referred by:<br />

Ur.ec r.f »rn~u<br />

FIGURA 20-20<br />

Onda J ou de Osborne em doentes com hipotermia.<br />

. cardíaco provoca uma queda no fluxo sanguíneo renal e na taxa<br />

de filtração glomerular, que por sua vez resultam em insuficiên¬<br />

cia renal aguda (IRA).<br />

Avaliação. É imperativo que se avalie a segurança da cena, na<br />

chegada. Todos os socorristas precisam assegurar sua segurança<br />

e proteção contra a exposição ao frio enquanto trabalham nesse<br />

ambiente. Deve haver um alto nível de suspeita para hipotermia<br />

mesmo quando as condições ambientais não sejam altamente<br />

sugestivas (p. ex., vento, umidade, temperatura). Alguns doen¬<br />

tes podem apresentar queixas vagas de fadiga, letargia, náusea,<br />

vómitos e tontura. Nos doentes traumatizados e criticamente<br />

enfermos, é importante começar a avaliação e presumir a hipo¬<br />

termia, protegendo o doente do ambiente frio; a avaliação começa<br />

com o ABC. A função neurológica é avaliada e monitorizada fre¬<br />

quentemente. Os doentes gravemente hipotérmicos geralmente<br />

apresentam taquipneia, torpor e coma. As temperaturas retais<br />

não são geralmente avaliadas no campo ou usadas amplamente<br />

como um sinal vital na maioria dos sistemas pré-hospitalares.<br />

As ambulâncias que têm acesso a um termómetro geralmente<br />

transportam termómetros orais ou retais (para lactentes) padrão<br />

com o limite inferior de 35,5"C. Os termómetros eletrônicos habi¬<br />

tualmente não são úteis nas situações de hipotermia para leituras<br />

precisas. A temperatura mensurada por infravermelho da mem¬<br />

brana timpânica (TM) tende a ser precisa caso aferida com cui¬<br />

dado, certificando que a sonda está na membrana e não no canal<br />

auditivo, o que pode afetar a leitura. Além disso, a orelha não<br />

deve conter cerume ou sangue. A medida precisa das temperatu¬<br />

ras hipotérmicas requer o uso de um termómetro retal com maior<br />

extensão para as temperaturas inferiores. A Figura 20-21 mostra<br />

as respostas fisiológicas antecipadas na diminuição das tempera¬<br />

turas centrais.<br />

Os sinais de b'emor e o estado mental são importantes na<br />

avaliação da suspeita de hipotermia. Os doentes levemente hipo¬<br />

térmicos (temperatura central > 32°C) esfarão com tremores e<br />

mostram, geralmente, sinais de alteração do nível de consciência<br />

(NC) (p. ex., confusão, fala arrastada, alteração da marcha, dese¬<br />

quilíbrio). Neste último caso, apresentarão lentidão e serão nor¬<br />

malmente encontrados parados, sentados ou deitados. O pessoal<br />

de segurança e os socorristas podem interpretar erradamente essa<br />

situação como intoxicação por droga ou pelo álcool ou como um<br />

acidente vascular' cerebral (AVC, derrame) nos doentes idosos.<br />

Entretanto, o NC de um doente não é um indicador confiável do<br />

grau de hipotermia; alguns doentes mantiveram-se conscientes<br />

com temperaturas centrais abaixo de 27"C.<br />

Quando a temperatura central do doente cai abaixo de 32nC, ele<br />

apresentará hipotermia moderada e provavelmente não se quei¬<br />

xará de frio. O tremor estará ausente e o NC do doente estará<br />

muito diminuído, possivelmente até inconsciente e comatoso.<br />

Ás pupilas do doente reagirão lentamente ou poderão estar dila¬<br />

tadas e fixas. Os pulsos palpáveis poderão estar diminuídos ou<br />

ausentes, e a PAS pode ser baixa ou inaudível. As ventilações do<br />

doente poderão estar tão lentas quanto duas respirações/minuto.<br />

Um ECG pode mostrar arritmias, sendo a fibrilação atrial a mais<br />

frequente. À medida que o miocárdio se torna progressivamente<br />

mais frio e mais irritável por volta de 28°C, a FV ó observada<br />

com maior frequência. Em virtude das alterações no metabolismo<br />

cerebral, podem ser observadas evidências de "retirada parado¬<br />

xal do vestuário", que podem ser observadas antes que o doente<br />

perca a consciência. Esta é uma tentativa do doente de remover


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 509<br />

FIGURA 20-21 Características Fisiológicas da Hipotermia<br />

EB °F Características<br />

37,6 99,6 ±1 Temperatura retal normal<br />

37,0 98,6 ±1 Temperatura oral normal<br />

36,0 96,8 Aumento da taxa metabólica e da pressão arterial e tônus muscular pré-tremor<br />

35,0 95,0 Temperatura da urina 34,8°C; máxima termogênese pelos tremores<br />

34,0 93,2 Desenvolvimento de amnésia; disartria e falta de bom senso; má adaptação do comportamento; máximo estímulo<br />

respiratório; taquicardia e, então, bradicardia progressiva.<br />

33,3 91,4 Desenvolvimento de ataxia e apatia; depressão linear do metabolismo cerebral; taquipneia e, então, diminuição<br />

progressiva do volume-minuto respiratório; diurese fria<br />

32,0 89,6 Estupor; 25% de redução no consumo de oxigénio<br />

31,0 87,8 Extinção da termogênese por tremor<br />

30,0 86,0 Desenvolvimento de fibrilação atrial e outras disritmias; poliquilotermia; pupilas e débito cardíaco a dois terços do<br />

normal; insulina é ineficaz<br />

29,0 84,2 Progressiva redução do nível de consciência, do pulso e da respiração; dilatação das pupilas; retirada paradoxal das<br />

roupas<br />

28,0 82,4 Redução do limiar de fibrilação ventricular; 50% de redução do consumo de oxigénio e do pulso; hipoventilação<br />

27,0 80,6 Perda dos reflexos e da movimentação voluntária<br />

26,0 78,8 Graves desequilíbrios ácido-básicos; ausência de reflexos ou resposta à dor<br />

25,0 77,0 Fluxo cerebral a um terço do normal; perda de autorregulação cerebrovascular; débito cardíaco a 45% do normal;<br />

pode haver desenvolvimento de edema pulmonar<br />

24,0 75,2 Hipotensão e bradicardia significativas<br />

23,0 73,4 Ausência de reflexos corneais ou oculocefálicos; arreflexia<br />

22,0 71,6 Risco máximo de fibrilação ventricular; redução de 75% no consumo de oxigénio<br />

20,0 68,0 Menor reinício da atividade eletromecânica do coração; pulso a 20% do normal<br />

19,0 66,2 Silenciamento eletroencefalográfico<br />

18,0 64,4 Assístole<br />

15,0 59,0 Menor sobrevida em caso de hipotermia acidental em crianças<br />

13,7 56,8 Menor sobrevida em caso de hipotermia acidental em adultos<br />

10,0 50,0 92% de redução do consumo de oxigénio<br />

9,0 48,2 Menor sobrevida da hipotermia terapêutica<br />

(Modificado de Danzl DF: Accidental hypothermia. InAuerbach PS: Wilderness medicine, ed 5, St. Louis, 2007, Mosbv Elsevier.)<br />

*<br />

seu vestuário embora em ambiente frio. Acredita-se que isso<br />

represente uma resposta a uma insuficiência termorregulatória<br />

iminente.<br />

O tratamento clínico da hipotermia está baseado nos três<br />

níveis seguintes de temperatura corporal retal, como recomen¬<br />

dado pela American Heart Association para o uso de suporte car¬<br />

díaco avançado:<br />

ÿ<br />

Hipotermia leve acima de 34°C até abaixo de 36°C<br />

ÿ<br />

Hipotermia moderada de 30°C até 34°C<br />

h Hipotermiagrave abaixo de 30°C<br />

Tratamento<br />

O cuidado pré-hospitalar do doente hipotérmico consiste na<br />

prevenção de perda adicional de calor, manipulação cuidadosa,


510 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

iniciai1transporte rápido e reaquecimento. Isto inclui remover o<br />

doente da ibnte de frio para uma ambulância aquecida ou para<br />

um abrigo aquecido se o transporte não estiver imediatamente<br />

disponível. (Consulte a seção Transporte Prolongado.) As rou¬<br />

pas úmidas devem ser removidas cortando-as com a tesoura de<br />

trauma para evitar movimentação e agitação desnecessárias do<br />

doente. A preocupação quanto ao desencadeamento das arritmias<br />

ventriculares causadas pela manipulação do doente não deve<br />

retardar a aplicação das intervenções críticas. Essa preocupação<br />

torna-se mais realista nos doentes com hipotermia grave (< 30°C).<br />

A cabeça e o corpo do doente devem ser cobertos com cobertores<br />

quentes ou sacos de dormir, seguindo por uma camada externa<br />

impermeável ao vento pata evitar a perda de calor por convecção<br />

e por evaporação.<br />

Se o doente estiver consciente e alerta, deve evitar bebidas<br />

alcoólicas e com cafeína. Antecipe a ocorrência de hipoglicemia<br />

e avalie a glicemia. Em doentes com hipotermia discreta e glice¬<br />

mia normal, forneça fluidos mornos, altamente calóricos ou glicosados.<br />

Em vítimas com hipotermia moderada e baixa glicemia,<br />

administre fluidos por via IV,com dextrose a 50% (D50), segundo<br />

o protocolo médico, e repita a glicemia a cada cinco minutos,<br />

para determinar a necessidade de outro bolo de D50. Os doentes<br />

hipotérmicos precisam de alto fluxo de oxigénio porque apresen¬<br />

tam diminuição da liberação de oxigénio paia os tecidos; a curva<br />

de dissociação da oxiemoglobina desvia-se para a esquerda com a<br />

diminuição da temperatura central. O alto fluxo de oxigénio deve<br />

ser oferecido com máscara dotada de válvula unidirecional. Ide¬<br />

almente, o doente pode se beneficiar mais se o oxigénio for aque¬<br />

cido e umidificado (42-46"C). Se possível, o oxigénio aquecido<br />

administrado antes da movimentação pode evitar a FV durante o<br />

transporte.<br />

Nos doentes hipotérmicos não responsivos, o reaquecimento<br />

passivo será insuficiente para aumentar a temperatura central.<br />

Esses doentes irão precisar de um dispositivo para protegera via<br />

aérea, e isto deve ser iniciado dependendo da rigidez da man¬<br />

díbula. Se a intubação endotraqueal não for possível sem uma<br />

manipulação grosseira, continue com a ventilação com máscara<br />

e ambu e considere outra abordagem da via aérea (p. ex., Combitube,<br />

máscara laríngea, intubação nasal). No mínimo use uma<br />

cânula nasofaríngea ou orofaríngea com ventilação com máscara<br />

e ambu.<br />

Solução fisiológica, idealmente com glicose a 5%, deve ser<br />

aquecida até 43°C e administrada sem agitai' o doente. Ao doente<br />

hipotérmico não devem ser infundidos líquidosfrios (na tempe¬<br />

ratura da saia) porquejsio pode resfriar ainda mais o doente ou<br />

pode retardar o reaquecimento. Quando as soluções salinas ou<br />

glicosadas não estiverem disponíveis, qualquer solução crista¬<br />

lóide aquecida é satisfatória. Forneça um aporte hídrico de 500<br />

a 1.000 mL e evite que a solução congele ou se torne mais fria<br />

colocando a bolsa da solução por baixo do doente para infun¬<br />

dir líquidos aquecidos sob pressão. O efeito de reaquecimento<br />

com fluido IV aquecido é o mínimo que o socorrista pode adolar<br />

em relação ao reaquecimento, além de fazer um bom julgamento<br />

para decidir se os líquidos (por via oral ou IV) valem o risco<br />

de aspiração, de tosse e de estímulos dolorosos ao doente. Não<br />

está recomendado colocar compressas quentes ou massagear as<br />

extremidades do doente. Tipicamente, o reaquecimento externo<br />

ativo ocorre apenas na região torácica, sem reaquecimento ativo<br />

das extremidades. Isso evitará o aumento da circulação perifé¬<br />

rica, provocando um aumento na quantidade de sangue frio que<br />

retorna das extremidades para o tórax antes do reaquecimento<br />

central. O alimento do retorno de sangue periférico pode aumen¬<br />

tar a acidose e a hipercalemia e pode, de fato, diminuir a tempe¬<br />

ratura central ("queda posterior"). Isso complica a reanimação e<br />

pode precipitar FV.<br />

Instruções Nacionais para o Tratamento dos<br />

Distúrbios Relacionados ao Frio<br />

Cuidado Cardiovascular de Emergência: Instruções<br />

Básicas e Avançadas para Salvar Vidas no<br />

Tratamento da Hipotermia<br />

As instruções para a reanimação do doente hipotérmico evoluí¬<br />

ram durante muitas décadas. A revisão mais recente das instru¬<br />

ções para os Cuidados Cardiovasculares de Emergência (CCE) da<br />

American Heart Association em colaboração com o International<br />

Liaison Committee on Resuscitation representa os últimos acha¬<br />

dos na pesquisa dos cuidados cardiovasculares. As instruções<br />

CCE aluais foram publicadas pela American Heart Association<br />

no jornal Circulation em dezembro de 2005. nr'<br />

A vítima hipotérmica pode apresentar muitos desafios para<br />

os socorristas dos SME, particularmente o doente inconsciente<br />

com hipotermia de moderada a grave. Como na hipotermia grave<br />

a temperatura central é menor que 30°C, o doente pode se apre¬<br />

sentar sem pulsos ou respirações detectáveis, devido ao débito<br />

cardíaco reduzido e à diminuição da pressão arterial. Historica¬<br />

mente, o desafio tem sido determinar o início das intervenções<br />

com suporte básico (BLS) ou avançado (ALS) à vida, com base<br />

na viabilidade do doente. Além disso, pode ser difícil determinar<br />

com as testemunhas se esses doentes apresentaram uma exposi¬<br />

ção hipotérmica primária ou, por exemplo, uma parada cardíaca<br />

ou acidente vascular que precedeu a hipotermia. Outras preocu¬<br />

pações para o socorrista são proteger o doente hipotérmico com<br />

um miocárdio potencialmente irritável de qualquer manipulação<br />

grosseira e iniciai' as compressões torácicas para o doente com<br />

pulso não detectável quando ambas as intervenções puderem<br />

iniciar FV.114<br />

Independentemente de qualquer cenário que tenha criado a<br />

hipotermia primária ou secundária, os procedimentos que sal¬<br />

vam a vida com base na apresentação clínica em geral não devem<br />

ser evitados, seja em um cenário urbano com transporte por cur¬<br />

tas distâncias ou no ambiente rural com potenciais retardos no<br />

transporte, quando podem ser necessários maiores cuidados com<br />

o doente (veja discussão mais adiante).<br />

Avaliação das Instruções de Suporte Básico à Vida<br />

para o Tratamento de Hipotermia de Leve a Grave<br />

Os doentes hipotérmicos devem ser mantidos em uma posição<br />

horizontal durante todo o tempo para evitar o agravamento da<br />

hipotensão, pois eles frequentemente estão depletados de volume<br />

pela diurese pelo frio. Pode ser difícil sentir ou detectar a respi¬<br />

ração e o pulso no doente hipotérmico. Portanto, recomenda-se<br />

uma avaliação inicial da respiração e em seguida do pulso por 60<br />

segundos, para confirmar um dos seguintes:<br />

h<br />

ÿ<br />

s<br />

Parada respiratória<br />

Parada cardíaca sem pulso (assislolia, taquicardia ventricu¬<br />

lar, FV)<br />

Bradicardia (necessitando de RCP)


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 511<br />

Se o doente não estiver respirando, comece a respiração de<br />

resgate imediatamente. Comece as compressões torácicas em<br />

qualquer doente hipotérmico que esteja sem pulso e não apre¬<br />

sente sinais detectáveis de circulação.11'1 Se houver dúvidas<br />

quanto à detecção de um pulso, comece as compressões. Nunca<br />

interrompa as intervenções de BLS até que o doente esteja reaquecido.<br />

Se for determinado que o doente está em parada cardí¬<br />

aca, use as instruções de BLS aluais, como já determinado.115<br />

Um deslibrilador externo automático (DEA) deve ser usado se<br />

houver taquicardia ventricular sem pulso ou a FV. As instruções<br />

atuais da CCE (consulte o algoritmo da ACLS para tratamento<br />

da hipotermia) recomendam que esses doentes sejam tratados<br />

com a realização de até cinco ciclos (dois minutos) de RCP (um<br />

ciclo é constituído por 30 compressões para duas respirações)<br />

antes de checar o ritmo do ECG e tentar o choque quando um<br />

DEA estiver disponível.1 15 Se for determinado um ritmo tratável<br />

com choque, dê um choque e continue com cinco ciclos de RCP.<br />

Se o doente hipotérmico não responde ao primeiro choque com<br />

um pulso detectável, novas tentativas de desfibrilar devem ser<br />

adiadas, e os esforços devem ser dirigidos para uma RCP efetiva<br />

com ênfase no reaquecimento do doente a mais de 30°C antes<br />

da nova tentativa de desíibrilação.113 Quando se aplica compres¬<br />

são torácica em um doente hipotérmico, é necessária uma força<br />

maior, porque a elasticidade da parede torácica fria diminui.1113<br />

Se a temperatura central estiver abaixo de 30°C, a conversão para<br />

ritmo sinusal normal não ocorre normalmente até que uni rea¬<br />

quecimento da temperatura central para um nível superior a este<br />

tenha acontecido.11'<br />

A importância de não declarar os doentes mortos até que<br />

eles tenham sido reaquecidos e se mantenham sem resposta é<br />

ainda maior hoje, com novas evidências de estudos com vítimas<br />

hipotérmicas, indicando que o frio exerce um eleito protetor<br />

nos órgãos vitais.117,110 (Ver discussão adiante sobre parada car¬<br />

díaca e o efeito protetor da hipotermia leve na seção Transporte<br />

Prolongado.)<br />

Instruções de Suporte Avançado à Vida em<br />

Cardiologia (ACLS) para o Tratamento da Hipotermia<br />

O tratamento da hipotermia grave em campo se mantém contro¬<br />

versa.11'1 Entretanto, as instruções para a administração dos pro¬<br />

cedimentos de suporte avançado à vida em cardiologia (ACLS)<br />

são diferentes daquelas para o doente normotérmico. Os doentes<br />

hipotérmicos inconscientes precisam de proteção da via aérea e<br />

precisam ser inlubadcisNNão retarde o tratamento da via aérea<br />

sob a preocupação de iniciar uma FV. Como observado anterior¬<br />

mente, se um ritmo que precise de choque for observado, desfibrile<br />

imediatamente com 120-200 joules bifásicos ou 360 joules<br />

monofásicos, recomece a RCP e adie o uso das drogas cardíacas<br />

e novas tentativas de desíibrilação até que a temperatura central<br />

esteja acima de 30°C. Se possível,inicie os procedimentos de rea¬<br />

quecimento ativo com oxigénio úmido e aquecido e soluções IV<br />

aquecidas e prepare o doente para o transporte evitando perda<br />

adicional de calor.<br />

O desafio dos procedimentos de ACLS em um doente hipo¬<br />

térmico é que o coração pode não responder às drogas do ACLS,<br />

ao marca-passo e à desíibrilação.1111Além disso, as drogas ACLS,<br />

(p. ex., epinefrina, amiodarona, lidocaína, procainamide) podem<br />

se acumular a níveis tóxicos na circulação, com a administra¬<br />

ção repetida no doente gravemente hipotérmico, particularmente<br />

quando o doente é reaquecido.11'1 Consequentemente, recomenda-se<br />

não usar medicações IV nos doentes com uma temperatura<br />

central abaixo de 30"C. Se um doente hipotérmico inicialmente<br />

apresentar uma temperatura central acima de 30nC, ou se um<br />

doente gravemente hipotérmico foi reaquecido até acima dessas<br />

temperaturas, as medicações IV podem ser administradas. Con¬<br />

tudo, intervalos mais longos entre administrações são recomen¬<br />

dados no lugar dos intervalos padrões entre as administrações de<br />

drogas no ACLS.11'1 O uso de desíibrilação repetida está indicado<br />

se a temperatura central continua a subir acima de 30°C, consis¬<br />

tentemente com as instruções atuais para o ACLS.110<br />

Finalmente, os procedimentos BLS/ACLS realizados em<br />

campo devem apenas ser suspensos nos doentes com lesões<br />

incompatíveis com a vida ou se o corpo estiver congelado de<br />

tal forma que as compressões torácicas sejam impossíveis, ou se<br />

a boca e o nariz estiverem bloqueados com gelo.11,11'1 A Figura<br />

20-22 oferece um algoritmo com as instruções para tratamento<br />

das hipotermias leves, moderadas e graves tanto para doentes<br />

com pulso quanto para os sem pulso.11'1<br />

Prevenção das Lesões Relacionadas ao Frio<br />

A prevenção das lesões pelo frio nos doentes, em você mesmo<br />

e nos outros socorristas é vital na cena. As recomendações para<br />

prevenção das lesões relacionadas ao frio incluem:<br />

1. Observe os fatores de risco geralmente aceitos para as<br />

lesões por frio:<br />

e Fadiga<br />

0 Desidratação<br />

0 Subnutrição<br />

Falta de experiência com clima frio<br />

Ei Raça negra<br />

s Uso de tabaco<br />

si Fator de resfriamento pelo vento<br />

2. Quando você não puder se manter seco em condições frias,<br />

úmidas e com vento, encerre suas atividades externas e<br />

busque abrigo tão logo possível.<br />

3. Lembre-se de que indivíduos com uma história de lesão<br />

pelo frio correm um risco maior de lesão subsequente.<br />

4. Evite a desidratação.<br />

5. Evite álcool em ambientes frios.<br />

6. Use a técnica do amontoamento com os outros se ocorrer<br />

imersão acidental em água fria. É mais provável que você<br />

sobreviva caso se mantenha quieto na água fria com menos<br />

de 20°C, e não tente nadar para a praia, a menos que esteja<br />

próxima.<br />

7. Aumente sua probabilidade de sobrevivência nos ambientes<br />

frios:<br />

e Mantendo o desejo de sobreviver.<br />

s Com adaptabilidade e improvisação.<br />

a Otimismo e crença de que o evento é apenas uma<br />

situação temporária.<br />

e Mantendo-se calmo e racional nas experiências bizarras<br />

e com senso de humor.<br />

8. As extremidades frias ou quase congeladas podem ser<br />

aquecidas com o calor do corpo, colocando os dedos nas<br />

axilas ou virilhas. Os dedos do pé e os pés podem ser<br />

colocados no estômago de outra pessoa.


512 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Algoritmo para hipotermia<br />

Tratamento inicial para todos os doentes<br />

•Remova as roupas molhadas<br />

•Proteja-o contra a perda de calor e do resfriamento pelo<br />

vento (use cobertores e equipamento de isolamento)<br />

•Mantenha-o na posição horizontal<br />

•Evite movimentos bruscos e atividade excessiva<br />

•Monitorize a temperatura central<br />

•Monitorize o ritmo cardíacol<br />

:<br />

T<br />

Avalie a responsividade, a respiração e o pulso<br />

Pulso e respiração presentes<br />

Pulso e respiração ausentes<br />

Qual é a temperatura central<br />

34"C-36°C<br />

Hipotermia leve<br />

• Reaquecimento passivo<br />

• Reaquecimento interno ativo<br />

30°C-34°C<br />

Hipotermia moderada<br />

• Reaquecimento passivo<br />

• Reaquecimento externo ativo apenas<br />

das áreas do tronco"<br />

< 30"C<br />

Hipotermia grave<br />

• Sequência de reaquecimento ativo<br />

(a seguir)<br />

Reaquecimento interno ativo<br />

• Líquidos IV aquecidos (43"C)<br />

• Oxigénio úmido e aquecido (42°C-46°C)<br />

• Lavagem peritoneal (com líquidos sem KCI)<br />

• Reaquecimento extracorpóreo<br />

• Sondas de reaquecimento esofágico4<br />

Continue o reaquecimento interno até que<br />

• Temperatura central > 35°C ou<br />

• Retorno da circulação espontânea ou<br />

• Interrompa os esforços para reanimação<br />

Inicie RCP<br />

Aplique um choque<br />

- Manual e bifásico: especifico do aparelho<br />

(tipicamente de 120 a 200J).<br />

- Se desconhecido, use 200J<br />

- Monofásico: 360J<br />

Reinicie a RCO imediatamente<br />

Tente, confirme e assegure as vias aéreas<br />

Ventile com oxigénio aquecido e úmido<br />

(42°C até 46°C)2<br />

Estabeleça um acesso IV<br />

Infunda SF aquecida (43°C)2<br />

• Continue com a RCP<br />

• Suspenda as medicações IV<br />

• Limite a um choque para FV/TV<br />

• Transporte para o hospital<br />

Qual é a temperatura central?<br />

Continue RCP<br />

Dê as medicações IV conforme indicação (porém<br />

com intervalos mais longos que os padronizados)<br />

Repita as defibrilações para FV/TV à medida que<br />

a temperatura central aumente<br />

Observações:<br />

1.Isto pode exigir eletrodos de agulha através da pele.<br />

2. Muitos especialistas pensam que estas intervenções devem ser feitas apenas<br />

no hospital, embora a prática varie.<br />

3. Os métodos incluem aparelhos de aquecimento a carvão ou elétricos, garrafas<br />

de água quente, compressas quentes, fontes de calor radiante e camas e<br />

travesseiros com aquecimento.<br />

4. As sondas para reaquecimento esofágico são muito utilizadas internacionalmente,<br />

e espera-se que se tornem disponíveis nos Estados Unidos.<br />

FIGURA 20-22 Algoritmo para hipotermia da American Heart Association (AHA) das Instruções de 2005 para Reanimação<br />

Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência. Nota: o lavado peritoneal, o reaquecimento extracorpóreo e a<br />

colocação de tubos esofágicos para reaquecimento são, de modo geral, procedimentos de realização apenas hospitalar.<br />

(American Heart Association: Handbook of emergency cardiovascular care for healthcare providers, Chicago, 2006, AHA.)


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 513<br />

9. Mantenha roupas de proteção contra o clima frio (p. ex.,<br />

botas, meias, luvas, gorro de inverno, calças e jaqueta com<br />

isolamento, capa externa à prova de vento] no seu carro<br />

para o caso de emergências inesperadas durante os meses<br />

frios do inverno. Evite roupas que absorvem umidade ou<br />

que estejam tímidas, o que exacerbaria a perda de calor (use<br />

lã ou fleece).<br />

10. A queimadura pelo frio pode ocorrer rapidamente ao tocar<br />

objetos metálicos no frio com suas mãos nuas; use sempre<br />

luvas.<br />

11. Compreenda que o índice do resfriamento pelo vento<br />

(Fig. 20-23) é composto pela velocidade do vento e pela<br />

temperatura do ar, e esteja pronto para se vestir para o frio<br />

extremo com roupas com isolamento térmico e à prova de<br />

vento.<br />

12. Mantenha os pés secos com meias que transfiram a umi¬<br />

dade dos seus pés para os sapatos.<br />

13. Não ande na neve com sapatos de cano curto; se você não<br />

tiver os sapatos apropriados e as roupas de proteção, tente<br />

ficar em uma área protegida; não deite ou repouse<br />

direlamente na neve. Deite sobre galhos de árvore, sobre<br />

um colchonete ou sobre um poncho.<br />

14. Use um saco de dormir do lado de lora e não use roupas que<br />

irão absorver ou reter suor; qualquer suor relido nas suas<br />

roupas irá aumentar a perda de calor e causar tremor.<br />

15. As loções com base aquosa na face, nas mãos e nas orelhas<br />

aumentarão o risco de crestadura e de congelamento.<br />

Use uma loção de base oleosa (p. ex., Chapstick®,<br />

Vaseline®).<br />

16. As luvas sem divisórias paia os dedos são mais efetivas em<br />

aprisionar o ar aquecido em volta de todos os dedos que<br />

uma luva com cinco dedos.<br />

17. Quando se protegem as extremidades inferiores do clima<br />

frio, é comum não considerar a proteção da região genital.<br />

Use calças grossas, roupa de baixo longa, meias de Lycra®,<br />

calças Gore-Tex®; e qualquer combinação destas peças de<br />

roupa funciona bem.<br />

18. Para evitar o congelamento:<br />

Não use roupas apertadas, luvas ou bolas que restrinjam<br />

a circulação.<br />

h Exercite os dedos das mãos e dos pés e a face<br />

periodicamente para mantê-los aquecidos e para<br />

detectar áreas de dormência.<br />

s Trabalhe ou pratique exercícios com um parceiro que<br />

observe os sinais de alerta das lesões pelo frio e da<br />

hipotermia.<br />

s Use roupas com isolamento térmico e as mantenha secas;<br />

leve roupa de baixo, meias e sapatos extras todo o tempo.<br />

E Fique atento para dormências e formigamentos.<br />

Gráfico do resfriamento pelo vento<br />

Imo 40 35 30 25 20 15<br />

Temperatura (°F)<br />

10 5 0 -5 -10 -15 -20 -25 -30 -35 -40 -45<br />

5 36 31 25 19 13 7 1 -5 -11 -16 -22 -28 -34 -40 -46 -52 -57 -63<br />

10 34 27 21 15 9 3 -4 -10 -16 -22 28 -35 -41 -47 -53 -59 -66 -72<br />

15 32 25 19 13 6 0 -7 -13 -19 -26 -32 -39 -45 -51 -58 -64 -71 -77<br />

20 30 24 17 11 4 -2 -9 -15 -22 -29 -35 -42 -48 -55 -61 -68 -74 -81<br />

25 29 23 16 9 3 -4 -11 -17 -24 -31 -37 -44 -51 -58 -64 -71 -78 -84<br />

30 28 22 15 8 1 -5 -12 -19 -26 -33 -39 -46 -53 -60 -67 -73 -80 -87<br />

35. 21 14 7 0 -7 -14 -21 -27 34 -41 -48 -55 -62 -69 -76 -82 -89<br />

40 27 20 13 6 -1 -8 -15 -22 -29 -36 -43 -50 -57 -64 -71 -78 -84 -91<br />

45 26 19 12 5 -2 -9 -16 -23 -30 -37 -44 -51 -58 -65 -72 -79 -86 -93<br />

50 26 19 12 4 -3 -10 -17 -24 -31 -38 -45 -52 -60 -67 -74 -81 -88 -95<br />

55 25 18 11 4 -3 -11 -18 -25 -32 -39 -46 -54 -61 -68 -75 -82 -89 -97<br />

60 25 17 10 3 -4 -11 -19 -26 -33 -40 -48 -55 -62 -69 -76 -84 -91 -98<br />

FIGURA 20-23 índice de resfriamento pelo vento.<br />

(Cortesia do National Weather Service (Serviço Nacional de Meteorologia].)<br />

Tempos de congelamento: Q 30 minutos Q 10 minutos | 1 5 minutos<br />

Resfriamento pelo vento (°F) = 35,74 + 0,6215T- 35,75 (V0.16) + 0.4275T<br />

Onde, T =Temperatura do ar (°F) V = Velocidade do vento (mph)


514 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Transporte Prolongado<br />

Às vezes a localização de um doente provoca um retardo no<br />

transporte ou um transporte prolongado para uma instalação<br />

apropriada, com a necessidade de extensão dos cuidados pré-<br />

-hospitalares. Consequentemente, os socorristas dos SME podem<br />

precisar considerar opções de tratamento além das que seriam<br />

usadas no transporte rápido. Como o doente será tratado depen¬<br />

derá do tempo até os cuidados definitivos, protocolos médicos<br />

aprovados, equipamento e suprimentos à mão, recursos adicio¬<br />

nais e pessoal localização do doente e gravidade das lesões.<br />

Algumas considerações sobre os cuidados extras que devem<br />

ser aplicados aos doentes com lesões de moderada a grave em<br />

cada um dos ambientes discutidos neste capítulo são oferecidas<br />

aqui. Como em lodos os cuidados com o doente, compreende-se<br />

que as prioridades são a segurança da cena, o ABCDE e o uso<br />

de avaliações-padrão e procedimentos adequados de tratamento<br />

para esses ambientes. Se o controle médico estiver disponível,<br />

faça sempre uma consulta precoce e se comunique rotineira¬<br />

mente durante todo o período de atendimento ao doente. Quais¬<br />

quer dos procedimentos listados que estejam fora do escopo da<br />

prática devem ser usados por outros socorristas credenciados.<br />

Também é importante saber que todas as instituições têm<br />

protocolos estabelecidos para a interrupção da RCP. (Consulte<br />

uma discussão da American Heart Association sobre os aspectos<br />

éticos de não aplicar ou de suspender os esforços BLS e ALS<br />

para reanimação."5) A Wilderness Medical Society recomenda<br />

que, uma vez que a RCP seja iniciada, ela deve continuar até que<br />

a reanimação seja bem-sucedida com um doente acordado, até<br />

que os socorristas estejam exaustos, até que os socorristas este¬<br />

jam em perigo, até que o doente tenha sido entregue para o tra¬<br />

tamento definitivo ou até que o doente não responda a esforços<br />

de reanimação prolongados (aproximadamente 30 minutos).121A<br />

National Association of SEM Physicians também oferece instru¬<br />

ções para a interrupção da RCP no ambiente pré-hospitalar (veja<br />

a discussão no capítulo sobre avaliação do doente, p. 29). 122 Se<br />

o controle médico estiver disponível, comece as consultas sobre<br />

o doente precocemente, se possível, para considerações sobre a<br />

interrupção da RCP depois de um tempo total de 20 minutos,<br />

dependendo das circunstâncias especiais do doente. (Consulte o<br />

Capítulo 21 para outras situações [p.ex., submersão em água fria,<br />

acidente com raios] nas quais a RCP pode ser prolongada por<br />

tempo maior que 20 a 30 minutos.)121<br />

Doença Relacionada ao Calor<br />

Intermação<br />

h Providencie o resfriamento de todo o corpo o mais rápido<br />

possível. Pense em usar qualquer acesso disponível à<br />

água. Coloque o corpo em água fria até o nível do pescoço<br />

(mantenha o controle do corpo e protejaa via aérea) ou<br />

"borrife" todo o corpo com água (p. ex., líquidos IV, solução<br />

fisiológica, garrafas de água, água dos frascos de hidratação)<br />

e ofereça uma fonte contínua de corrente de vento (p. ex.,<br />

corrente natural de vento, abanar com uma toalha, ligar os<br />

ventiladores).<br />

0 Quando possível, mantenha o controle médico informado<br />

sobre o estado do doente e receba orientações médicas<br />

adicionais.<br />

ra<br />

e<br />

Ei<br />

Pare de resfriar o corpo quando a temperatura retal<br />

atingir 39°C. Em seguida, proteja o doente do tremor e da<br />

hipotermia.<br />

Enquanto estiver resfriando o doente, trate da via aérea de<br />

doentes não responsivos e inicie uma boa ventilação com<br />

máscara e ambu com alto fluxo de oxigénio. Obtenha um<br />

acesso venoso, hidrate com 500 mL de SE e avalie os sinais<br />

vitais. O doente deve ler os sinais vitais avaliados depois de<br />

cada 500 mL. O volume total de líquidos não deve exceder<br />

um a dois litros na primeira hora. Um litro adicional pode<br />

ser considerado durante a segunda hora se os cuidados<br />

pré-hospitalares forem estendidos.9<br />

A próxima prioridades é tratar qualquer atividade<br />

convulsiva e a hipoglicemia pelo protocolo médico com<br />

diazepam e dextrose, respectivamente.<br />

Coloque o doente na posição de recuperação e continue<br />

a avaliação para incluir AVDI, sinais vitais, temperatura<br />

retal e glicemia. Providencie os cuidados de suporte e as<br />

necessidades corporais básicas durante todo o período de<br />

atendimento.<br />

Hiponatremia<br />

b Corrija a concentração sanguínea de sódio presumidamente<br />

baixa. Se o doente puder ingerir alimentos pela boca e, se<br />

disponível, ofereça batatas fritas, biscoitos salgados ou outro<br />

alimento com sal, bebida isolônica ou que contenha sódio<br />

ou dê duas colheres de chá de sal misturadas em 470 mL de<br />

água. A administração de tabletes de sal, isoladamente, não<br />

é recomendada; os tabletes devem ser acompanhados por<br />

ÿ<br />

e<br />

m<br />

eh<br />

e<br />

s<br />

fluidos, e há o risco de aumentar demais os níveis de sódio.<br />

Obtenha um acesso venoso. Comece SE com uma<br />

velocidade de infusão para manter a veia. Verifique o<br />

controle médico para considerar uma taxa de infusão de<br />

250 a 500 mL/h, baseado no retardo estimado do transporte<br />

do doente para o hospital. Não use líquidos IV hipotônicos,<br />

pois poderá piorar o edema cerebral.<br />

Em um doente com sinais ou sintomas graves (convulsão<br />

ou coma), considere a administração de furosemida (um<br />

diurético, se disponível) para reduzir o conteúdo de água<br />

corporal extracelular e, ao mesmo tempo, forneça algum<br />

sódio, infundindo SF IV a 250 até 500 mL/h.<br />

Avalie o edema cerebral e o aumento da PIC. Estabeleça<br />

o escore inicial na escala de coma de Glasgow (GCS) e<br />

reavalie a cada 10 minutos como um indicador do progresso<br />

do edema cerebral e da progressão da PIC. (Trate o edema<br />

cerebral, conforme as recomendações; consulte o Capítulo 8.)<br />

Esteja preparado para lidar com náuseas e os vómitos em<br />

jato. Pegue um lado de um saco grande de lixo e faça um<br />

orifício de aproximadamente 30 cm para a cabeça do doente<br />

abaixo da borda. Coloque a cabeça do doente através do<br />

orifício de forma que possa olhar para o centro do saco.<br />

Esteja preparado para coletar a urina quando a diurese<br />

começar. Use um grande saco de lixo como fralda ou um<br />

balde, ou outro recipiente.<br />

Dê oxigénio suplementai- para os doentes letárgicos ou<br />

obnubilados. Tratea via aérea dos doentes não responsivos<br />

e inicie uma boa ventilação com máscara e ambu (não<br />

hiperventile; ver Capítulo 8), com oxigénio a 10 inspirações/<br />

minuto.


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 515<br />

s Meça a glicemia e forneça dextrose IV, conforme o protocolo,<br />

para os doentes hipoglicêmicos.<br />

e Monitorize as convulsões e administre um anticonvulsivante<br />

(p. ex., diazepam, inicialmente 2-5 mg IV/IM, e diminua<br />

progressivamente conforme o protocolo médico).<br />

0 Coloque os doentes inconscientes em decúbito lateral<br />

esquerdo. Continue com a avaliação permanente do doente.<br />

Doença Relacionada ao Frio<br />

Congelamento<br />

0 Inicie líquidos IV para manter a veia pérvia antes de iniciar<br />

os procedimentos de reaquecimento. Caso o acesso venoso<br />

s<br />

°<br />

não seja possível, a via IO é uma alternativa.<br />

Em uma situação de transporte demorado, deve ser<br />

considerado o reaquecimento ativo. O reaquecimento alivo<br />

rápido pode reverter a lesão direta dos cristais de gelo nos<br />

tecidos, porém pode não modificar a gravidade da lesão.10<br />

E importante evitar que o tecido descongelado recongele,<br />

pois isso piora significativamente o prognóstico quando<br />

comparado ao descongelamento passivo. Assim, se torna<br />

essencial, na tomada de decisão, saber quando e onde<br />

começar o reaquecimento alivo e se deve ou não realizá-lo.<br />

Um procedimento-padrão de reaquecimento é imergir o<br />

membro afetado em água corrente aquecida entre 40°C<br />

e 42°C, em um recipiente suficientemente grande para.<br />

acomodar os tecidos enregelados sem que estes toquem<br />

suas laterais ou fundo.86 A água deve estar morna, mas<br />

não quente, à mão normal. (Note que esta nova faixa<br />

térmica é menor do que a previamente recomendada,<br />

'<br />

uma vez que reduz a dor do doente enquanto levemente<br />

diminui a velocidade da fase de reaquecimento). Se<br />

disponível, um termómetro oral ou retal deve ser usado<br />

para medir a temperatura da água. Uma temperatura<br />

abaixo da recomendada irá descongelar o tecido, porém<br />

é menos benéfica para o descongelamento rápido e para<br />

a sobrevivência do tecido. Qualquer temperatura mais<br />

elevada causará uma dor maior e pode causar uma lesão<br />

por queimadura.'10 Evite o reaquecimento ativo com fontes<br />

intensas de calor (p. ex., colocar perto de uma fogueira).<br />

Continue a imersão até que o tecido esteja macio e flexível,<br />

o que pode levar até 30 minutos. A movimentação ativa da<br />

extremidade durante a imersão é benéfieaÿsem esfregar ou<br />

massagear diretamente a parle afetada.<br />

0 Durante o descongelamento rápido, o doente sente dor<br />

extrema. Trate com 5 a 10 mg IV de morfina e repita, se<br />

necessário. Ofereça 400 mg de ibuprofeno por via oral<br />

a cada 12 horas, isoladamente ou em combinação com<br />

morfina. O ácido acetil salicílico pode ser dado em caso<br />

de indisponibilidade de ibuprofeno, embora sua dose<br />

ideal não tenha sido determinada (o ácido acetil salicílico<br />

é contraindicado em doentes pediátricos, dado o risco de<br />

desenvolvimento de síndrome de Reye).<br />

e O retorno da cor normal, do calor e da sensibilidade da<br />

pele na parte afetada são sinais favoráveis. Seque todas<br />

as partes afetadascom ar aquecido (não seque com toalha<br />

as parles afetadas) e, idealmente, aplique aloe vera Lópico<br />

na pele, coloque gaze estéril entre os dedos dos pés e das<br />

mãos, aplique bandagens, talas e eleve a extremidade. Cubra<br />

todas as extremidades com material isolante e envolva com<br />

um materialimpermeável e resistente ao vento (p. ex., saco<br />

de lixo) como uma camada externa, particularmente se o<br />

doente estiver em ambiente externo no transporte para uma<br />

instituição.<br />

Hipotermia<br />

a Comece os procedimentos ativos de reaquecimento. O ponto<br />

principal é impedir a maior perda de calor.<br />

b Administração de fluidos aquecidos por via IV (40°C-42°C).<br />

e O tremor é a melhor maneira de reaquecer isoladamente os<br />

doentes levemente hipotérmicos no cenário pré-hospitalar,<br />

quando comparado com os métodos externos de reaque¬<br />

cimento. Os doentes hipotérmicos que podem ter tremor<br />

máximo podem aumentar a temperatura central em até<br />

aproximadamente 3°C-4°C por hora. As fontes externas de<br />

calor são frequentemente usadas; entretanto, oferecem ape¬<br />

nas um benefício mínimo.8" Para o doente com hipotermia<br />

moderada ou grave, estas considerações continuam impor¬<br />

tantes nas situações de atendimentos prolongados quando<br />

usadas em combinação com proteção e isolamento para a<br />

hipotermia.<br />

® Algumas fontes externas de calor são as seguintes:<br />

e<br />

b<br />

1. O oxigénio sob máscara, aquecido (no máximo 48°C)<br />

e umidificado pode evitar a perda de calor durante a<br />

ventilação e oferecer alguma transferência de calor para<br />

o tórax a partir do trato respiratório.<br />

2. O contato corpo a corpo tem o mérito de transferir<br />

calor, porém muitos estudos não mostraram qualquer<br />

vantagem, exceto nos doentes levemente hipotérmicos.<br />

3. Aquecedores elétricos e portáteis não oferecem<br />

vantagem adicional. '<br />

4. O ar aquecido sob pressão tem algum benefício para<br />

minimizar as temperaturas centrais pós-resfriamento<br />

("pós-queda"); ele oferece uma taxa efetiva de<br />

aquecimento comparável ao tremor para os doentes<br />

levemente hipotérmicos.<br />

Isole todos os doentes no cenário remoto para minimizar a<br />

perda de calor. Prepare um envoltório para a hipotermia<br />

com várias camadas. Coloque uma grande folha de plás¬<br />

tico impermeável no assoalho ou no chão. Acrescente uma<br />

camada isolante de cobertores ou um saco de dormir por<br />

cima da camada impermeável. Coloque o doente sobre a<br />

camada isolante junto com quaisquer fontes externas de<br />

calor. Acrescente uma segunda camada de isolante sobre o<br />

doente. O lado esquerdo do envoltório para hipotermia é<br />

dobrado primeiro sobre o doente, em seguida o lado direito.<br />

A cabeça do doente é coberta para evitar a perda de calor,<br />

mantendo uma abertura para a face para<br />

permitir a avaliação do doente.<br />

Avalie se há hipoglicemia. Oferecer dextrose assegura que<br />

o combustível adequado (açúcar) estará disponível para o<br />

metabolismo muscular durante o tremor e evita hipoglice¬<br />

mia adicional. Os doentes alertas podem consumir líquidos<br />

adocicados e aquecidos pela boca.


516 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

ST'— W MIM<br />

Esta mulher de 76 anos de idade apresenta doença de<br />

Alzheimer branda a moderada. Os indivíduos acometidos<br />

por essa doença podem perambular e apresentar surtos<br />

de alucinação e psicose. Nesses doentes, a taxa de<br />

mortalidade é alta caso não sejam encontrados em 24<br />

horas, por desidratação e hipotermia ou afogamento. A<br />

taxa de mortalidade é maior quando estes doentes são<br />

expostos a altas temperaturas ou climas frios e chuvosos.<br />

Esses indivíduos podem apresentar problemas de visão,<br />

prejudicando o campo de visão periférica, levando ao<br />

característico comportamento de seguir em frente até atingir<br />

alguma forma de barreira (p. ex., cercas, arbustos, folhagens<br />

com espinhos, poços ou fontes de água). Não é incomum que<br />

esses doentes, ao mudarem de casa, tentem retornar a sua<br />

residência anterior, apesar de não terem certeza do caminho.<br />

Aborde esses doentes de frente, com bom contato visual, e<br />

mova-se, lentamente, para seu lado. Fale com eles de forma<br />

simples e clara. Dar ordens e discutir não é benéfico e pode<br />

fazer com que o doente tenha uma reação indesejável. Após<br />

a rápida avaliação inicial da via aérea, da respiração e da<br />

circulação e de todas as lesões ou condições primárias e<br />

secundárias, pense sobre o ambiente, já que essa doente<br />

foi exposta, por muitas horas, a uma temperatura de -9°C,<br />

com vento, o que acelera a perda de calor corpóreo por<br />

convecção, além da perda por condução por permanecer<br />

deitado ou sentado em uma superfície fria (p. ex., banco,<br />

pedra ou terra). É preciso pôr, rapidamente, algum material<br />

protetor sob e sobre a doente, reduzindo a transferência de<br />

calor corpóreo caso haja qualquer retardo em sua colocação<br />

na maca e na ambulância aquecida. Não retarde o transporte,<br />

esperando pela chegada da unidade paramédica ao local,<br />

desde que você mesmo possa levar a doente, a não ser<br />

que a distância seja muito curta. Além disso, não retarde o<br />

transporte na tentativa de administração de quaisquer formas<br />

de reaquecimento ativo ou fluidos por via IV, uma vez que<br />

tais medidas são pouco benéficas ao doente. Nas regiões<br />

em que o transporte é prolongado, considere a avaliação da<br />

temperatura retal com uma sonda hipotérmica (que lê baixas<br />

temperaturas corpóreas), se possível, administre oxigénio<br />

aquecido e umidificado (máximo 42°C), fluidos aquecidos<br />

(40°C-42°C) por via IV e, meticulosamente, enrole a vítima<br />

em um cobertor para hipotermia (ou seja, múltiplos cobertores<br />

com camada externa à prova d'água, da cabeça aos pés).<br />

Manipule todos os doentes hipotérmicos com cuidado, já<br />

que movimentos bruscos podem desencadear taquicardia<br />

ou fibrilação ventricular, pois o miocárdio é irritável quando<br />

frio. Forneça cuidados de suporte, com oxigénio em alto<br />

fluxo, e monitore a saturação de oxigénio com oximetria<br />

de pulso e o ritmo cardíaco. Lembre-se de que todos os<br />

doentes hipotérmicos não são considerados mortos até que<br />

tenham sido reaquecidos e tenham o óbito declarado no<br />

hospital. ÿ<br />

RESUMO<br />

Os socorristas inevitavelmente se defrontarão com encon¬<br />

tros em meio ambiente imprevisível, tais como os descri¬<br />

tos neste capítulo.<br />

O conhecimento básico das emergênciasambientais comuns<br />

é necessário para oferecer avaliação e tratamento rápidos no<br />

cenário pré-hospitalar.<br />

Não é fácil lembrar este tipo de informação porque esses<br />

problemas não são encontrados com frequência. Portanto,<br />

lembre-se dos princípios gerais envolvidos.<br />

Na doença relacionada ao calor, trate os doentes com<br />

intermação com resfriamento efetivo e rápido de todo o<br />

corpo para reduzir rapidamente a temperatura central.<br />

Na doença relacionada ao frio, manuseie cuidadosamente<br />

todos os doentes com hipotermia moderada a grave, demo¬<br />

rando o necessário para removê-los do ambiente frio e<br />

começai- o reaquecimento passivo, enquanto monitora a<br />

temperatura central - o principal elemento na prevenção<br />

da maior perda de calor.<br />

Lembre-se de que as drogas e a desfibrilação são geral¬<br />

mente ineficazes quando a temperatura central é menor<br />

que 30°C.<br />

Os doentes não estão mortos até que estejam quentes e<br />

mortos.<br />

Lembre-se de que você deve manter sua própria segurança.<br />

Existem muitos casos em que os socorristas perderam suas<br />

vidas tentando lazer um resgate.


CAPÍTULO 20 Trauma Ambiental I: Calor e Frio 517<br />

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122. Bailey DE, Wydro GC, Cone DC: Position paper of Lhe National<br />

Association of EMS Physicians: Termination of resuscitation in<br />

the prehospital setting for adult patients suffering nontraumatic<br />

cardiac arrest. Prehosp Emerg Care 4:190, 2000.<br />

Leituras Sugeridas<br />

Auerbach PS, editor: Wilderness medicine, ed 5, St. Louis, 2007,<br />

Mosby.<br />

Fregly MJ, Blalteis CM: Environmentalphysiology,VolsI& II,American<br />

Physiological Society, New York, 1996, Oxford University Press.<br />

Pandolf KB, Burr RE, editors: Medical aspects of harsh environments.<br />

Vol 1, Washington, DC, 2001, Office of the Surgeon General, Borden<br />

Institute/TMMPublications.


CAPITULO 21<br />

Trauma Ambiental II:<br />

Afogamento, Raios,<br />

Mergulho e Altitude<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Listar cinco fatores de risco para um incidente de quase-afogamento.<br />

Listar três sinais ou sintomas que podem ocorrer em um doente após um incidente<br />

de quase-afogamento.<br />

Listar cinco métodos de prevenção de afogamento.<br />

Explicar a regra do "30-30" na prevenção de lesão por raios.<br />

Diferenciar o uso da triagem "reversa" em incidente com múltiplas vítimas de raips<br />

de seu uso em outros cenários com múltiplas vítimas.<br />

Diferenciar os sinais e sintomas da doença de descompressão tipo I e tipo II.<br />

Explicar duas intervenções primárias de tratamento da doença de descompressão<br />

tipo II e da embolia arterial gasosa.<br />

Listar dois fatores de risco fundamentais para a doença das grandes altitudes.<br />

Discutir as similaridades e as diferenças entre a doença aguda da montanha e o<br />

edema cerebral das grandes altitudes.


522 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

Às 4h15 da tarde, em uma tarde de verão quente e úmida, a Unidade 10, com dois paramédicos e um socorrista residente,<br />

retornava à central quando recebeu um chamado para atender um homem inconsciente no 18o buraco do clube de golfe da cidade.<br />

Durante o transporte ao local, o chefe do turno informou que uma tempestade havia ocorrido no clube, menos de 15 minutos<br />

atrás, com chuva, neblina e raios, enfatizando a falta de segurança do local, já que ainda havia relâmpagos nas adjacências. Ao<br />

chegar ao 18° buraco, você vê um jogador de golfe, deitado à distância, e outro sentado embaixo de uma árvore, junto com<br />

diversas testemunhas. O local agora parece seguro; há grandes galhos de árvore caídos, e as nuvens escuras da tempestade<br />

movem-se rapidamente para o leste. Enquanto você se prepara para avaliar as vítimas, os outros paramédicos e o residente trazem<br />

as maletas médicas e estão colhendo informações dos transeuntes. Um jogador de golfe, não ferido, declara que a tempestade<br />

chegou subitamente, com ventos e chuva intensa, muitos relâmpagos e trovões. Os dois jogadores de golfe feridos correram em<br />

busca de abrigo, para baixo de uma grande árvore, e os outros dois correram para a sede do clube. Aparentemente, um relâmpago<br />

atingiu a árvore, desceu pelo tronco e atingiu a terra, próximo aos dois jogadores. A princípio, ele pensou que ambos haviam sido<br />

atingidos pelo relâmpago - um parecia morto, e o outro, ferido e confuso.<br />

O local é seguro? Como você começa a avaliação imediata dessas duas vítimas? Quais são suas prioridades de triagem?<br />

Como você avalia e trata as lesões causadas por raios? Qual é a preocupação médica subjacente em vítimas atingidas por<br />

raios? Há outras lesões primárias ou secundárias a serem consideradas neste caso?<br />

Acada ano, nos Estados Unidos, ocorrem morbidade<br />

e mortalidade significativas, em decorrência de uma<br />

variedade de condições ambientais, como afogamento<br />

ou quase-afogamento, raios, mergulho recreativo e grandes<br />

altitudes. (Consulte o Capítulo 20 para as condições relaciona¬<br />

das ao calor e ao frio.) Assim, é importante que os socorristas<br />

conheçam os pequenos e os grandes distúrbios associados a<br />

cada tipo de ambiente, compreendam a anatomia, a fisiologia e<br />

a fisiopatologia envolvidas, e façam a avaliaçãoVo tratamento<br />

do doente. Ao mesmo tempo, eles devem prevenir as lesões em<br />

si mesmos e nos demais profissionais de segurança pública.<br />

Afogamento ou<br />

Quase-afogamento<br />

Os incidentes de submersão em água que provocam lesão são<br />

muito comuns nos Estados Unidos e em todo o mundo. O afo¬<br />

gamento continua sendo uma causa importante de morte evitá¬<br />

vel em lodos os grupos etários,1 mas é epidêmico em crianças.2<br />

A Organização Mundial da Saúde estima que, anualmente, há<br />

mais de 400.000 mortes provocadas por incidentes não inten¬<br />

cionais de submersão, não incluindo as mortes por afogamento<br />

resultantes de enchentes, suicídios ou homicídios.3 As lesões<br />

por submersão representam um custo substancial para a socie¬<br />

dade; estima-se que entre 450 e 650 milhões de dólares ou mais<br />

sejam gastos anualmente com esses doentes somente nos Estados<br />

Unidos."' A terminologia que descreve esses doentes continua a<br />

evoluir. Há 35 anos, "afogamento" era definido como o processo<br />

através do qual animais que respiram ar sucumbem quando sub¬<br />

mersos em um líquido, e "quase-afogamento" foi definido como<br />

submersão associada à sobrevivência, pelo menos temporária.5<br />

O termo "afogamento secundário" foi utilizado para descrever<br />

os doentes que inicialmente se recuperavam de uma lesão por<br />

submersão, mas depois vinham a falecer por insuficiência respi¬<br />

ratória secundária à submersão.6,7 Entretanto, este último termo<br />

tem sido questionado nos últimos tempos, e alguns especialistas<br />

sugerem que ele não seja mais utilizado.6<br />

As definições mais aceitas para o afogamento e quase-afoga¬<br />

mento são:<br />

h<br />

h<br />

Afogamento: morte dentro das primeiras 24 horas após o<br />

incidente de submersão.<br />

Quase-afogamento: sobrevivência por pelo menos 24 horas<br />

após a submersão. 5,r',n,!)<br />

Uma vez que é iniciado o atendimento de reanimação local<br />

em todos os acidentes aquáticos, pode ser mais prático evitar<br />

o uso destes dois termos, e em vez disso empregar a expressão<br />

incidente de submersão, que compreende os afogamentos e os<br />

quase-afogamentos. Além disso, o termo incidente de submersão<br />

aplica-se independentemente da evolução do doente no local, a<br />

caminho do hospital ou, mais tarde, no hospital. Isso pode ajudar<br />

a evitai' que os socorristas de lodos os tipos façam qualquer jul¬<br />

gamento no sentido de interromper as manobras de reanimação<br />

com base no mecanismo de trauma, duração da submersão, tem¬<br />

peratura da água ou ausência de sinais vitais.1" Este último ponto<br />

é muito importante, porque existem diversos registros de doentes<br />

que sobreviveram após longos períodos (>30 minutos) de submer¬<br />

são em água gelada.11'13 O início das manobras de reanimação<br />

cardiopulmonar (RCP) de modo imediato e efetivo e a ativação<br />

dos serviços médicos de emergência (SME) pelos espectadores


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 523<br />

são dois fatores importantes que influenciam a sobrevivência da<br />

vítima de submersão.14<br />

As estratégias de prevenção são vitais no esforço de dimi¬<br />

nuir os índices de incidentes por submersão nos Estados Unidos.<br />

Muitos programas educacionais enfatizam a redução da entrada<br />

não intencional na água de lactentes e de crianças, incentivando<br />

a instalação de diversos tipos de barreiras ao redor de piscinas<br />

(p. ex., cercas de isolamento, coberturas para piscinas, alarmes<br />

etc.) e o uso de equipamentos de flutuação pessoal, como coletes<br />

salva-vidas. Além disso, a reanimação cardiopulmonar iniciada<br />

por alguém que tenha presenciado o incidente, antes da chegada<br />

dos socorristas, está associada ao melhor prognóstico.1''<br />

Epidemiologia<br />

A morte por afogamento não intencional é a sétima causa de<br />

morte em todas as idades, a segunda maior causa de morte entre<br />

um e 14 anos de idade e a quinta causa de morte nos lactentes<br />

(menos de um ano de idade).1 Os lactentes têm risco de afoga¬<br />

mento em banheiras, baldes e vasos sanitários.14 A incidência<br />

de quase-afogamento pode ser de 500 a 600 vezes maior que a<br />

incidência de afogamentos.1'' Em 2000, houve 3.281 casos de afo¬<br />

gamento não intencional nos Estados Unidos, e para cada criança<br />

que se afogou, três outras sobreviveram e necessitaram de tra¬<br />

tamento de emergência para o incidente de submersão. A cada<br />

semana, aproximadamente 40 crianças morrem por afogamento,<br />

115 são hospitalizadas e 12 sofrem lesão cerebral irreversível.2<br />

O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) registrou<br />

um total de 7.546 vítimas de submersão (fatais e não fatais) em<br />

2001 e 2002 1 (Fig. 21-1). Destas, 3.372 pessoas sofreram afoga¬<br />

mento não intencional em vários ambientes de recreação, como<br />

piscinas, oceanos ou rios. Em comparação, 4.174 vítimas não<br />

fatais de submersão não intencional foram tratadas em prontosocorro,<br />

nos Estados Unidos. Os índices de incidentes não falais<br />

e fatais foram mais elevados nas crianças de até quatro anos de<br />

idade e nos homens de todas as idades. O índice de incidentes<br />

não falais dos homens foi quase o dobro do índice das mulheres.<br />

As piscinas foram responsáveis por 75% dos incidentes de sub¬<br />

mersão não falais, enquanto 70% das submersões fatais ocorre¬<br />

ram em ambientes nalurais>como oceanos, lagos e rios.<br />

Fatores de Submersão<br />

Alguns fatores específicos colocam os indivíduos em maior risco<br />

de incidentes por submersão.3,0, 14,10 O reconhecimento desses<br />

fatores aumenta o nível de atenção e ajuda a criar estratégias e<br />

políticas de prevenção para minimizar as ocorrências. Para lac¬<br />

tentes e crianças pequenas, o principal fator de risco é a supervi¬<br />

são inadequada e para adolescentes e adultos é o comportamento<br />

de risco e o uso de drogas ou álcool.14<br />

Capacidade de Nadar<br />

Não existe associação consistente entre a capacidade de nadar<br />

e o afogamento. Homens da raça branca apresentam uma maior<br />

incidência de afogamentos do que as mulheres da raça branca,<br />

mesmo sendo referido que eles nadam melhor/' Apesar de as<br />

mulheres da raça negra não nadarem muito bem, elas têm um<br />

índice de afogamentos muito baixo.1' Um estudo mostrou que<br />

pessoas que não nadam ou são iniciantes foram responsáveis por<br />

73% dos afogamentos em piscinas domiciliares e 82% dos inci¬<br />

dentes em canais, lagos e açudes.18<br />

FIGURA 21-1 . Afogamentos/Quase-afogamentos<br />

Não Intencionais — Estados Unidos, 2001-2002<br />

Característica Não fatais* Fatais*<br />

IDADE (anos)<br />

0-4 2.168 442<br />

5-14 1.058 333<br />

>15 948 2.563<br />

Desconhecida — 34<br />

SEXO<br />

Masculino 2.721 2.789<br />

Feminino 1.452 583<br />

LOCAL<br />

Piscinas 2.571 596<br />

Fontes naturais de<br />

água (oceano,<br />

lagos, rios)<br />

909 1.467<br />

Outros 513 1.309<br />

DESTINO<br />

Atendido/Liberado 1.925 —<br />

Internado 2.233 —<br />

Outros 16 —<br />

Total 4.174 3.372<br />

(Dados do Centers for Disease Control and Prevention: Nonfatal and fatal drownings<br />

in recreational water settings- United States, 2001-2002. MMWR 53(21):447,2004.)<br />

'Número estimado.<br />

Desmaio em Água Rasa<br />

Alguns nadadores, em um esforço de aumentar a sua distância de<br />

nado,hiperventilam de modo intencional antes de nadar debaixo<br />

de água, de modo a diminuir a pressão parcial de dióxido de car¬<br />

bono arterial (PaC02), uma vez que o nível dc CO., estimula a res¬<br />

piração em doentes não acometidos pela DPOC.1'1Essa redução na<br />

PaC02 diminui o feedback ao centro respiratório no hipolálamo<br />

durante o período em que a respiração é presa. Esses indivíduos<br />

são suscetíveis a incidentes por submersão, pois a pressão par¬<br />

cial arterial de oxigénio (PaOU não é significativamente alterada<br />

pela hiperventilação. Conforme o indivíduo continua a nadai- por<br />

baixo d'água, a PaO., cai muito, podendo causar perda de consci¬<br />

ência e hipoxia cerebral.<br />

Imersão Acidental em Água Gelada<br />

Outra situação que põe as pessoas em grande risco de afogamento<br />

ou quase-afogamento é a imersão em água gelada. As alterações<br />

fisiológicas que ocorrem com a imersão em água gelada podem<br />

ter um efeito desastroso ou um efeito protetor do frio sobre o


524 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

organismo, dependendo de várias circunstâncias. Os resultados<br />

adversos são mais comuns, resultando em colapso cardiovascu¬<br />

lar e morte súbita minutos após a imersão em água gelada.<br />

Idade<br />

É reconhecido que o afogamento é um acidente que ocorre em<br />

pessoas jovens, com as crianças pequenas o grupo mais aietado,<br />

por causa da sua natureza inquisitiva e pela ausência de supervi¬<br />

são dos pais. As crianças com menos de 11111 ano têm os maiores<br />

índices de afogamento.1,20<br />

Sexo<br />

Os homens constituem mais da metade das vítimas de submersão,<br />

coin duas incidências máximas relacionadas à idade. O primeiro<br />

pico de incidência de afogamento em homens ocorre por volta<br />

dos dois anos de idade, depois diminui até os 10 anos de idade,<br />

e a seguir aumenta rapidamente para atingir um novo pico aos 18<br />

anos. Homens mais velhos podem apresentar um maior risco de<br />

afogamento por causa de maiores índices de exposição às atividades<br />

aquáticas, maior consumo de álcool quando próximos da água<br />

e comportamento mais arriscado.3,21<br />

Raça<br />

Crianças da raça negra estão mais envolvidas em incidentes de<br />

submersão do que crianças da raça branca. As crianças negras<br />

tendem a afogar-se em açudes, lagos e outras fontes naturais de<br />

água.1 O índice de afogamento de crianças negras do sexo mas¬<br />

culino é três vezes maior do que o de crianças brancas do sexo<br />

masculino; 22<br />

Localização<br />

Os incidentes por submersão tipicamente ocorrem em piscinas<br />

domiciliares e no oceano,mas também ocorrem em baldes.0 Casas<br />

em áreas rurais com poços abertos levam a um aumento de sete<br />

vezes no risco de afogamento de uma criança pequena.5 Outros<br />

lugares perigosos são barris de água, fontes e cisternas.<br />

Álcool e Drogas<br />

O álcool é a principal droga associada a incidentes por<br />

submersão,21 provavelmente por causar uma diminuição da<br />

capacidade de discernimento.2'1 Em adultos, até 20% a 30% dos<br />

incidentes em barcos e de submersão envolvem o uso de álcool,<br />

nos quais os ocupantes não pensaram direito, estavam em alta<br />

velocidade, sem coletes salva-vidas 011 dirigiam a embarcação de<br />

modo imprudente.3,25,26<br />

Doença Subjacente ou Trauma<br />

O início de uma doença causado por uma patologia subjacente<br />

pode ser responsável pelas vítimas de submersão. Hipoglicemia,<br />

inlarto do miocárdio, arritmias cardíacas, depressão e tendências<br />

suicidas e síncope predispõem a incidentes de afogamento.1'1 Um<br />

estudo recente relatou que o risco de afogamento em pessoas com<br />

epilepsia é 15 a 19 vezes maior do que o observado na população<br />

geral.2'1 Lesões de coluna cervical e traumas de crânio devem ser<br />

suspeitados em todos os incidentes sem testemunhas e nas lesões<br />

que envolvem praticantes de boclyboard,surfe vítimas de mergu¬<br />

lho em águas rasas ou águas com objelos submersos, como pedras<br />

ou árvores (Figs 21-2 e 2'l-3).<br />

Abuso Infantil<br />

Uma alta incidência de abuso infantil de incidentes por submer¬<br />

são é registrada, particularmente em banheiras. Um estudo rea¬<br />

lizado em crianças que sofreram submersão em banheiras entre<br />

1982 e 1992 demonstrou que 67% apresentavam achados de his¬<br />

tória ou fisiológicos compatíveis com o diagnóstico de abuso ou<br />

negligência.2' Consequentemente, é altamente recomendado que<br />

qualquer suspeita de submersão em banheiras seja comunicado<br />

aos serviços sociais locais para uma investigação apropriada.<br />

Hipotermia<br />

O afogamento pode resultar diretamente de uma imersão prolon¬<br />

gada que leva a hipotermia (Cap. 20).<br />

Mecanismo de Lesão<br />

s<br />

Um cenário comum de um incidente de imersão parcial ou total<br />

em água começa com uma situação que cria uma resposta de<br />

pânico, que leva a prender a respiração, falta de ar e aumento<br />

da atividade física em um esforço de se manter ou chegar até<br />

a superfície da água. De acordo com o que a maioria das teste¬<br />

munhas relata, raramente as vítimas de submersão são vistas<br />

gritando ou acenando por ajuda enquanto lutam para se manter<br />

acima da superfície da água. Pelo contrário, elas são vistas flu¬<br />

tuando na superfície, imóveis, ou mergulham e não conseguem<br />

subir. Na continuação do incidente de submersão, um esforço<br />

FIGURA 21-2 Imobilização da coluna vertebral na água. FIGURA 21-3 Imobilização da coluna vertebral na água.


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 525<br />

inspiratório reflexo joga água na faringe e na laringe, causando<br />

uma resposta de sufocamento e laringoespasmo. O laringoespasmo<br />

é o primeiro passo do sufocamento, que, por sua vez, faz<br />

com que a vítima perca a consciência e venha a afundar ainda<br />

mais na água.<br />

Há anos existem controvérsias a respeito da fisiopatologia do<br />

afogamento e do quase-afogamenlo, principalmente sobre as dife¬<br />

renças entre o afogamento em água doce e em água salgada e sobre<br />

a entrada ou não cle água nos pulmões.0,10,1'1 Aproximadamente<br />

15% dos afogamentos são denominados "afogamentos secos",<br />

porque um laringoespasmo intenso impede a aspiração de líquido<br />

paia os pulmões. Os 85% dos incidentes de submersão restantes são<br />

considerados "afogamentos molhados",nosquais o laringoespasmo<br />

relaxa, a glote se abre e a vítima aspira água para os pulmões.2"<br />

Teoricamente, existem efeitos diferentes sobre o sistema pulmonar<br />

quando água doce (hipotônica) ou água salgada (hipertônica) entra<br />

no pulmão. No afogamento em água doce, o líquido hipotônico<br />

entra no pulmão e passa dos alvéolos para o espaço intravascular,<br />

causando uma sobrecarga de volume e um efeito dilucional sobre<br />

os elelrólitos e outros componentes do plasma. Por sua vez, na<br />

aspiração de água salgada, o líquido hipertônico entra nos pul¬<br />

mões e provoca a passagem de mais líquido do espaço intravascu¬<br />

lar para os alvéolos, causando edema pulmonar e hipertonicidade<br />

do plasma.<br />

Recentemente foi demonstrado que não existem reais dife¬<br />

renças entre os afogamentos secos e molhados e entre a aspiração<br />

de água doce e água salgada. l4,-3,3° Para os socorristas, a denomi¬<br />

nação comum em qualquer um desses quatro cenários de sub¬<br />

mersão é o de hipoxia causada por laringoespasmo ou aspiração<br />

de água. O tratamento no local deve ser direcionado para a rever¬<br />

são da hipoxia, prevenindo a parada cardíaca.<br />

Sobrevivendo a uma Submersão em Águas Geladas<br />

Entre os diversos casos de submersão prolongada um caso por<br />

mais de 66 minutos, alguns doentes chegaram ao hospital com<br />

hipotermia grave e se recuperaram, com função neurológica<br />

completa ou parcial.31 blesses incidentes de submersão, a menor<br />

temperatura corporal registrada foi "13,7 nC em uma mulher adul¬<br />

ta.32 Em outro caso, uma criança sobreviveu intacta depois de ter<br />

licado submersa em água gelada durante 40 minutos, com uma<br />

temperatura corporal de 24 °C. Depois de uma hora de reanima¬<br />

ção, a circulação espontânea retornou.3"1<br />

Não existem explicações para esses casos, mas a hipotermia<br />

é considerada protetora. A imersão em águas geladas pode levar<br />

a uma rápida hipotermia devido à perda de calor pela superfí¬<br />

cie e resfriamento central. Além disso, a deglutição ou aspiração<br />

de água gelada podem contribuir para o rápido resfriamento. A<br />

hipotermia de início rápido no afogamento em água doce pode<br />

resultar em resfriamento central pela aspiração pulmonar e<br />

rápida absorção de água gelada com o subsequente resfriamento<br />

cerebral.<br />

Outro fator que pode explicar a sobrevivência de algumas<br />

crianças é o reflexo de mergulho dos mamíferos. O reflexo de<br />

mergulho dos mamíferos diminui a frequência cardíaca, desvia<br />

sangue para o cérebro e fecha a via aérea. Entretanto, evidências<br />

recentes indicam que o reflexo do mergulho, presente em vários<br />

mamíferos, permanece ativo somente em 15% a 30% dos huma¬<br />

nos, apesar de poder explicar em parte a sobrevivência de algu¬<br />

mas crianças. n<br />

Toda vítima de incidente de submersão deve receber esforços<br />

completos de reanimação, a despeito da presença ou ausência de<br />

qualquer um desses fatores. Os fatores descritos a seguir pare¬<br />

cem influenciar o prognóstico da vítima de submersão em água<br />

gelada.<br />

Idade. Muitas reanimações bem-sucedidas em lactentes e crian¬<br />

ças foram registradas nos Estados Unidos e na Europa. A menor<br />

massa corporal de uma criança resfria mais rapidamente do que<br />

o corpo do adulto, levando a uma menor formação de produtos<br />

nocivos pelo metabolismo anaeróbio, causando menos lesões<br />

irreversíveis.<br />

Tempo de Submersão. Quanto menor a duração da submersão,<br />

menor o risco de lesão celular pela hipoxia. Devem ser obtidas<br />

informações precisas sobre o tempo de submersão. A imersão<br />

superior a 66 minutos provavelmente é fatal. Uma abordagem<br />

razoável à reanimação da vítima de submersão, portanto, é<br />

iniciá-la caso a duração do incidente lenha sido inferior a uma<br />

hora.<br />

Temperatura da Agua. A água com temperatura igual ou abaixo de<br />

21°C é capaz de induzir hipotermia. Quanto mais fria for a água,<br />

maior a chance de sobrevivência, provavelmente devido à rápida<br />

diminuição da temperatura cerebral e do metabolismo, quando o<br />

corpo é resfriado rapidamente.<br />

Luta. As vítimas de afogamento que se debatem menos têm mais<br />

chance de ser reanimadas (a menos que seus esforços sejam<br />

bem-sucedidos e evitem o afogamento). Menos esforço significa<br />

menor liberação de hormônios (p. ex., epinefrina) e menor ativiclade<br />

muscular; isto significa menor produção de calor (energia) e<br />

menor vasodilatação. Por sua vez, isto leva àréUução da demanda<br />

muscular por oxigénio, resultando em menor déficit tecidual da<br />

molécula e menor produção de C02 e ácido láctico. Assim, a taxa<br />

de resfriamento do doente é maior, podendo melhorar as chances<br />

de reanimação.<br />

Qualidade da água. Os doentes geralmente têm melhor evolução<br />

após a reanimação se a submersão tiver ocorrido em águas lim¬<br />

pas, em vez de em águas barrentas ou contaminadas.<br />

Qualidade da RCP e dos Esforços de Reanimação. Doentes que<br />

recebem RCP adequada e eficiente,associada a medidas apropria¬<br />

das de reaquecimento e de suporte avançado à vida (Advanced<br />

Life Support- ALS), geralmente apresentam melhor evolução do<br />

que os doentes nos quais uma ou mais medidas deixaram de ser<br />

apropriadas. O início imediato da RCP é um fator crucial para os<br />

doentes com hipotermia por submersão. Estudos antigos e atu¬<br />

ais mostram que a RCP inadequada está diretamente relacionada<br />

com uma evolução ruim.3'1,33 Consulte em outras fontes as diretrizes<br />

atuais de suporte básico à vida (Basic Life Support- BLS).31'<br />

LesõesouDoençasAssociadas. Os doentes com lesões ou doenças<br />

preexistentes, ou que ficam doentes ou sofrem lesão juntamente<br />

com a submersão, não apresentam resultados tão bons quanto os<br />

indivíduos saudáveis.


526 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Avaliação<br />

As prioridades iniciais de qualquer doente vítima de submersão<br />

incluem:<br />

i. Prevenir lesões tanto para o doente como para as pessoas que<br />

prestam o socorro.<br />

2. Iniciar rapidamente a retirada da água e o transporte para o<br />

pronto-socorro.<br />

3. Resgatar da água de forma segura (avente a possibilidade de<br />

causa relacionada a mergulhos e a necessidade de imobiliza¬<br />

ção da coluna vertebral).<br />

4. Avaliar os ABCs (via aérea, ventilação e circulação).<br />

5. Reverter a hipoxia e a acidose.<br />

6. Restaurar ou manter a estabilidade cardiovascular.<br />

7. Impedir que ocorra mais perda de calor corporal e iniciar os<br />

esforços de reaquecimento em doentes hipotérmicos.<br />

Inicialmente, é mais seguro presumir que a vítima de sub¬<br />

mersão está hipóxica e hipotérmica, até que se prove o contrá¬<br />

rio. Consequentemente, devem ser feitos todos os esforços para<br />

estabelecer uma respiração eficiente durante o resgate na água<br />

e para retirar o doente da água e de outras fontes de frio, para<br />

diminuir ao máximo a continuação da perda de calor. Deve ser<br />

feita uma avaliação rápida do doente para procurar,lesões com<br />

risco de vida e uma avaliação da possibilidade de trauma cra¬<br />

niano e de lesão de coluna cervical, particularmente se houver<br />

suspeita de trauma associado ao incidente de submersão (p. ex.,<br />

quedas, acidentes náuticos, mergulho em água com perigos suba¬<br />

quáticos). Entretanto, foi demonstrado que a vítima típica de sub¬<br />

mersão tem uma incidência baixa de lesões traumáticas, a não<br />

ser que tenha mergulhado na água.:'7 Verifique os sinais vitais<br />

e avalie bem os campos pulmonares das vítimas de submersão,<br />

pois podem apresentar uma ampla variedade de distúrbios respi¬<br />

ratórios, incluindo falta de ar, estertores, roncos e sibilos. Esses<br />

doentes podem não ter sintomas inicialmente e depois piorar<br />

rapidamente e apresentai- sinais de edema pulmonar.<br />

Avalie a saturação de oxigénio pela oximetria de pulso. Ava¬<br />

lie os distúrbios do ritmo cardíaco; os doentes que sofreram sub¬<br />

mersão muitas veze's apresentam arritmias secundárias a hipoxia<br />

e hipotermia. Avalie o nível de consciência e a função neuroló¬<br />

gica de todas as extremidades, pois muitas vítimas de submer¬<br />

são desenvolvem lesão neurológica permanente. Determine a<br />

glicemia do doente, já que a hipoglicemia pode ter sido a causa<br />

do incidente de submersão. Faça a avaliação do escore da escala<br />

de coma de Glasgow (GCS) e continue a avaliar sua evolução.<br />

Remova todas as roupas molhadas e avalie a temperatura retal<br />

(em caso de disponibilidade de termómetros adequados e pos¬<br />

sibilidade de realização), para determinar o nível de hipotermia,<br />

iniciando os procedimentos para minimizar a maior perda de<br />

calor. (Consulte o Capítulo 20 para tratamento da hipotermia.)<br />

As variáveis a seguir são preditivas de uma evolução mais<br />

favorável nas vítimas de quase-afogamento:<br />

ÿ<br />

Crianças de três anos ou mais<br />

a Sexo feminino<br />

h Temperatura da água inferior a 10 °C<br />

ÿ<br />

Duração da submersão inferior a 10 minutos<br />

h Ausência de aspiração<br />

h Intervalo entre o acidente e o início do BLS inferior a 10<br />

minutos<br />

e Retorno rápido de um débito cardíaco espontâneo<br />

h Débito cardíaco espontâneo na chegada ao pronto-socorro<br />

a Temperatura central inferior a 35°C<br />

ÿ<br />

Ausência de coma e escore da GCS acima de 6 na chegada<br />

ao pronto-socorro<br />

ÿ<br />

Pupilas responsivas<br />

Tratamento<br />

Um doente que sofreu alguma forma de incidente de submersão,<br />

mas que não apresenta quaisquer sinais ou sintomas no momento<br />

da avaliação inicial, ainda precisa ser encaminhado ao hospital<br />

após o exame no local, devido à possibilidade de aparecimento<br />

tardio dos sintomas. Muitos doentes assintomáticos são libera¬<br />

dos em 6 a 8 horas, dependendo dos achados clínicos no hospi¬<br />

tal. Em um estudo conduzido com 52 nadadores que sofreram<br />

um incidente de submersão e foram, a princípio, considerados<br />

assintomáticos imediatamente após o incidente, 21 (40%) desen¬<br />

volveram dispneia e desconforto respiratório devido à hipoxia<br />

em 4 horas.30 De modo geral, lodos os doentes sintomáticos são<br />

internados por pelo menos 24 horas, para cuidados de suporte<br />

e observação, uma vez que a avaliação clínica inicial pode ser<br />

enganosa. É importante obter uma boa história do incidente,<br />

detalhando o tempo estimado de submersão e a história médica<br />

pregressa.<br />

Todas as vítimas de submersão devem receber oxigénio em<br />

alto fluxo (12-15 litros/minuto) independentemente do estado<br />

respiratório ou saturação de oxigénio, devido à preocupação de<br />

desconforto respiratório tardio, particularmente se o doente vier<br />

a ter falta de ar. Monitore o eletrocardiograma (ECG) prestando<br />

atenção a arritmias. Obtenha um acesso vpnoso e infunda solu¬<br />

ção fisiológica ou Ringer lactato (RL) para manter a veia (PMV).<br />

Transporte o doente para um pronto-socorro para avaliação. Uma<br />

vez que, depois de um quase-afogamento, muitos doentes ficam<br />

assintomáticos, eles podem recusar o transporte, por não terem<br />

nenhuma queixa importante imediata. Nesses casos, oriente o<br />

doente sobre os sinais e sintomas tardios em um incidente de<br />

quase-afogamento, explicando que muitas vítimas desenvolvem<br />

complicações secundárias à lesão pulmonar. É necessária persu¬<br />

asão firme e persistente para que o doente concorde em ser trans¬<br />

portado ou vá para o pronto-socorro mais próximo para avaliação<br />

mais detalhada e observação. Caso o doente esteja inflexível na<br />

recusa ao atendimento, deve ser informado sobre as possíveis<br />

ramificações de sua decisão e assinar o documento de recusa de<br />

atendimento contra aconselhamento médico.<br />

• Um doente sintomático que tem história de submersão e<br />

sinais de desconforto respiratório (p. ex., ansiedade, taquipneia,<br />

dificuldade de respirai-, tosse) é considerado com lesão pulmonar<br />

por submersão até que a avaliação hospitalar prove o contrário.<br />

Deve-se dar ênfase à correção da hipoxia, acidose e hipotermia.<br />

Todos os doentes com suspeita de trauma devem ter a coluna<br />

cervical imobilizada. Nos doentes não responsivos, use a aspi¬<br />

ração para desobstruir a via aérea e mantenha-a aberta com um<br />

dispositivo auxiliar para ela. A hipoxia e a acidose podem ser<br />

corrigidas com um suporte ventilatório efetivo. Os doentes em<br />

apneia devem ser ventilados com máscara e ambu. A inlubação<br />

traqueal deve ser considerada precocemente para proteger as vias


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 527<br />

aéreas nos doentes em apneià, cianóticos ou com diminuição do<br />

nível de consciência, já que as vítimas de submersão deglutem<br />

uma grande quantidade de água e têm risco de vomitar e aspirar o<br />

conteúdo gástrico. A manobra de Seilick (pressão cricoide) deve<br />

ser aplicada durante a ventilação manual com máscara e ambu e<br />

a intubação. impedindo a regurgitação e a aspiração. Monitore o<br />

ECG para avaliar distúrbios de frequência e de ritmo e procure<br />

evidências de um evento cardíaco que possa ler precedido ou<br />

acompanhado o incidente de submersão. O doente deve rece¬<br />

ber oxigénio a 100% (12-15 litros/minuto) com uma máscara de<br />

fluxo unidirecional. Obtenha acesso venoso e infunda solução<br />

fisiológica ou Ringer lactato PMV. Transporte o doente para o<br />

pronto-socorro local.<br />

Reanimação do Doente<br />

O início rápido de RCP efeliva e dos procedimentos-padrão de<br />

suporte avançado de vida nas vítimas de submersão em parada<br />

cardíaca associam-se a maiores chances de sobrevivência.6 As<br />

vítimas podem apresentar assistolia, atividade elélrica sem pulso<br />

(AESP) ou taquicardia/fibrilação ventricular sem pulso. Siga a<br />

versão aluai das direlrizes da American Heart Association (AHA),<br />

para o ALS pediátrico e de adultos, e Advanced Cardiac Life<br />

Support (ACLS) para o tratamento desses ritmos."'<br />

Como apre¬<br />

sentado rapidamente no Capítulo 20, é atualmente recomendado<br />

a uso da hipotermia terapêutica em doentes que permanecem em<br />

coma por parada cardíaca provocada por fibrilação ventricular;<br />

esta prática pode ser igualmente eficaz em paradas cardíacas<br />

de outras etiologias, mas não foi comprovadamente benéfica na<br />

indução da hipotermia em vítimas de afogamento."<br />

A estabilização de rotina da coluna vertebral cervical durante<br />

o resgate aquático não é necessária, a não ser que as razões que<br />

levaram à submersão indiquem a probabilidade de ocorrência de<br />

trauma (p. ex., mergulho, uso de tobogãs, sinais de lesão, uso<br />

de álcool)." Na ausência destes indicadores, a ocorrência de lesão<br />

medular é improvável. A estabilização cervical e outras formas<br />

de imobilização da coluna vertebral durante o resgate aquático<br />

pode causar retardo do manejo da via aérea, de modo que que a<br />

reanimação possa ser iniciada.<br />

Não se recomenda a reanimação cardiopulmonar no resgate<br />

dentro da água, pois a profundidade das compressões do tórax den¬<br />

tro da água não é eficaz. Além de retardar o início de uma rea¬<br />

nimação efeliva fora da água, a tentativa de reanimação dentro<br />

da água expõe as pessoas que estão prestando o resgate ao risco<br />

de fadiga, água gelada, ondas e correntes de água. Deve ser dada<br />

ênfase ao estabelecimento de uma via aérea pérvia e em oferecer<br />

ventilação de resgate nos doentes apneicos assim que possível,<br />

dependendo da posição do doente na água, do número de socor¬<br />

ristas e do equipamento disponível (p. ex., prancha para uso na<br />

água).<br />

Quando o resgate na praia (ou em qualquer outro local)<br />

envolver um terreno inclinado, não se recomenda mais colocar o<br />

doente com a cabeça para baixo (nem cabeça para cima) em um<br />

esforço para facilitar a drenagem da via aérea. Foi demonstrado<br />

que a reanimação é mais bem-sucedida quando o doente é colo¬<br />

cado no chão em posição supina, na horizontal, paralelo à água,<br />

com ventilação e compressão torácica eficientes. Manter o doente<br />

no chão, na horizontal, evita a diminuição do fluxo sanguíneo<br />

cerebral durante a compressão do tórax, que pode ocorrer quando<br />

o doente é colocado com a cabeça para cima, ou o aumento da<br />

pressão intracraniana, que pode ocorrer quando o doente é colo¬<br />

cado com a cabeça para baixo. Além disso, não existem evidên¬<br />

cias que indiquem mais eficácia da drenagem pulmonar com<br />

alguma manobra em particular.<br />

No passado, foi sugerido utilizar a manobra de Heimlich nas<br />

vítimas de afogamento. No entanto, a manobra de Heimlich foi idea¬<br />

lizada para a obstrução de via aérea e não remove a água da via<br />

aérea nem dos pulmões. Em vez disso, ela pode induzir o vómito<br />

nas vítimas de afogamento, aumentando o risco de aspiração.<br />

Atualmente a AHA e o Institute of Medicine recomendam não<br />

usar a manobra de Heimlich, a menos que a via aérea esteja blo¬<br />

queada por corpos estranhos."19 Se o doente recuperar a respira¬<br />

ção espontânea, ele deve ser colocado em decúbito lateral direito,<br />

com a cabeça em uma posição ligeiramente inferior à do tronco<br />

para diminuir o risco de aspiração se o doente vomitar. (O Capí¬<br />

tulo 20 esboça os procedimentos de suporte avançado de vida na<br />

reanimação do doente hipotérmico. Veja na Figura 20-6 o algo¬<br />

ritmo de hipotermia. Essas direlrizes são as mesmas para todos<br />

os doentes hipotérmicos, qualquer que seja a fonte de exposição<br />

ao frio.)<br />

Use as diretrizes estabelecidas pelo protocolo médico dos<br />

SME da sua região para determinar os critérios de morte evidente.<br />

As direlrizes aceitáveis para considerar que uma vítima está em<br />

morte evidente são: temperatura retal normal em um doente com<br />

assístole, apneia, lividez post-mortem, rigor mortis ou outras<br />

lesões incompatíveis com a vida. Um doente retirado de água<br />

morna sem sinais vitais ou que tenha sido submetido a esforços<br />

de reanimação mal-sucedidos por mais de 30 minutos pode ser<br />

considerado morto no local. 3,9 Consulte o controle médico local<br />

precocemente em todos os casos de remoção de uma vítima de<br />

submersão em água gelada. Esses doentes devem ser tratados<br />

como doentes hipotérmicos, com base na temperatura retal.<br />

A Figura 21-4 resume a avaliação e o tratamento da vítima<br />

de submersão.<br />

Prevenção<br />

Os socorristas têm grandes oportunidades de difundir a segu¬<br />

rança na água e educar as pessoas de suas comunidades, com<br />

ênfase na comunicação dos falores de risco de áreas previamente<br />

identificadas. Além disso, deve ser enfatizada a prevenção para<br />

todas as equipes de socorristas dos SME e o resto do pessoal de<br />

segurança pública, que vai para o local do afogamento, de modo<br />

que não venham a tornar-se também vítimas de submersão. Uma<br />

vítima de quase-afogamenlo em pânico e se debatendo pode ser<br />

perigosa para um socorrista aquático não preparado, o que pode<br />

provocar um afogamento duplo. Os socorristas devem avaliar o<br />

problema rapidamente, controlar o local para impedir que curio¬<br />

sos entrem na água e assegurar sua própria segurança.<br />

Muitas organizações de segurança na água recomendam o<br />

uso de profissionais altamente habilitados que façam regular¬<br />

mente treinamento em resgate aquático, retirada e reanimação.<br />

Entretanto, na ausência desses profissionais, os primeiros socor¬<br />

ristas devem considerar a sua própria segurança e a segurança<br />

dos outros socorristas antes de tentar um resgate dentro da água.<br />

As seguintes orientações são recomendadas para o resgate seguro<br />

de uma vítima que está na água:<br />

ALCANÇAR - Tente realizar o resgate aquático alcançando a<br />

vítima com um mastro, pedaço de pau, remo ou qualquer<br />

coisa, de modo que o socorrista fique em terra ou no barco.<br />

J


528 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 21-4<br />

O Doente Vítima de Submersão: Resumo da Avaliação e Tratamento<br />

História Exame Intervenção<br />

DOENTE ASSINTOMÁTICO<br />

Tempo de submersão Aparência Administrar oxigénio por máscara:<br />

8-10 litros/minuto<br />

Descrição do incidente Sinais vitais Acesso venoso PMV<br />

Queixas Trauma de cabeça e pescoço Reexamine o doente, conforme necessário<br />

Exame do tórax: campos pulmonares<br />

História médica pregressa Monitorar ECG Transportar o doente para o PS<br />

DOENTE SINTOMÁTICO<br />

Descrição do incidente Aparência geral Administrar oxigénio por máscara<br />

unidirecional, 12-15 litros/minuto<br />

Tempo de submersão, temperatura da água,<br />

contaminação da água, vómitos, tipo de<br />

resgate<br />

Nível de consciência (AVDI)<br />

Acesso venoso PMV; intubar precocemente,<br />

se necessário<br />

Sintomas Sinais vitais; monitorar ECG Transportar o doente para o PS<br />

Reanimação no local<br />

Avaliar os ABCDEs, sinais vitais, DEA ou<br />

monitorar ECG<br />

Iniciar precocemente a reanimação<br />

cardiopulmonar; oxigénio a 100%, 12-<br />

15 litros/minuto com máscara e ambu;<br />

considerar a passagem de sonda<br />

nasogástrica se houver distensão<br />

gástrica; usar os procedimentos do ACLS<br />

para FV e assístole; usar o algoritmo de<br />

hipotermia do ACLS<br />

(Modificado de Newman AB: Submersion incidents. In Auerbach PS: Wilderness medicine: management of wilderness and environmental emergencies, ed 5,<br />

St Louis, 2007, Mosby Etsevier.) ,<br />

PMV, para manter veia; ECG, eletrocardiograma; PS, pronto-socorro; DEA, desfibrilador externo automático, ACLS, Advanced Cardiac Life Support, Suporte Avançado<br />

de Vida em Cardiologia; FV, fibrilação ventricular.<br />

AVDI, Alerta; responde a estímulo Verbal; responde a estímulo Doloroso; Inconsciente.<br />

ABCDEs, via aérea (A,airway), ventilação (B,breathing), circulação (C, circulation), incapacidade, estado neurológico (D, disability), exposição/ambiente<br />

(E, exposure, environment).<br />

Tenha cuidado para não ser inadvertidamente puxado para<br />

a água.<br />

JOGAR - Quando alcançar não é possível, jogue algo para a<br />

vítima, como um colete salva-vidas ou cordas, para que ela<br />

flutue.<br />

REBOCAR- Assim que a vítima tiver uma linha de resgate, reboque-a<br />

com segurança.<br />

ATRAVESSAR - Caso a entrada na água seja necessária, é prefe¬<br />

rível usar um barco ou remo para alcançai1a vítima, vestindo<br />

equipamento de flutuação pessoal (EFP).5<br />

Resgates a nado não são recomendados, a não ser que o respondedor<br />

tenha treinamento adequado, já que a vítima pode,<br />

rapidamente, entrar em pânico e ser violenta, criando um possí¬<br />

vel afogamento duplo. Muitos socorristas bem-inlencionados tornam-se<br />

vítimas, já que sua própria segurança não foi a prioridade.<br />

Veja, na Figura 21-5A-C, algumas opções de sistemas de resgate<br />

aquático de vítimas de submersão e/ou trauma (protetor para<br />

coluna vertebral em C) e movimentação em águas profundas.<br />

A instrução da comunidade a respeito dos incidentes de sub¬<br />

mersão deve incluir as seguintes recomendações:<br />

Praias<br />

b Nade sempre perto de um salva-vidas<br />

h Pergunte ao salva-vidas quais são os locais seguros para<br />

. nadar<br />

h Não superestime a sua capacidade de nadar<br />

h Cuide sempre de suas crianças<br />

ÿ<br />

Nade longe de píeres, pedras e estacas<br />

b Evite a ingestão de álcool e de refeições pesadas antes de<br />

nadar<br />

b Leve as crianças perdidas até o salva-vidas mais próximo<br />

b Saiba que mais de 80% dos afogamentos no oceano ocor¬<br />

rem em áreas de correntes marinhas<br />

b Nunca lente resgatai- alguém sem saber o que está fazendo;<br />

muitas pessoas morrem durante essas tentativas


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raids, Mergulho e Altitude 529<br />

"Fí-T.i<br />

liKL<br />

FIGURA 21-5 Opções de equipamentos de resgate aquático de doentes. A. Bóias salva-vidas com cabos. B. Boia de reboque.<br />

C. Equipamento para resgate aquático.<br />

a Se lbr pescar nas pedras, lenha cuidado com as ondas que<br />

podem jogá-lo no oceano<br />

a Não mergulhe em águas rasas: há perigo de lesão cervical<br />

h Fique longe de animais marinhos<br />

0 Leia e siga os sinais existentes nas praias<br />

Residências _<br />

s É necessária a supervisão de um adulto, observando cui¬<br />

dadosamente todas as crianças<br />

s Nunca deixe uma criança sozinha perto de uma piscina<br />

ou ao redor de uma fonte de água, como uma banheira ou<br />

balde<br />

s Instale uma cerca (1,2 metro) ao redor da piscina com um<br />

portão automático<br />

a Não permita que as crianças utilizem bóias de braço ou<br />

outros equipamentos cheios de ar<br />

0 Evite brinquedos que atraiam as crianças para perlo de<br />

piscinas<br />

o Desligue as bombas dos filtros enquanto a piscina estiver<br />

sendo utilizada<br />

h Use telefones sem lio e celulares quando estiver perto da<br />

piscina, para evitar a necessidade de sair de perlo da pis¬<br />

cina para atender o telefone em outro local<br />

0 Mantenha o equipamento de resgate (p. ex., gancho do<br />

pastor, salva-vidas) e um telefone perto da piscina<br />

a Não tente nem permita que façam hiperventilação para<br />

aumentar o tempo de nado debaixo de água<br />

ÿ<br />

Não mergulhe em água rasa<br />

Todas as crianças devem aprender a nadar por volta dos<br />

dois anos de idade<br />

Depois que as crianças terminarem de nadar, feche o<br />

acesso à piscina para que não possam voltar (a colocação<br />

de travas ou alarmes sonoros em portões*é recomendada)<br />

Todos os membros da família e outras pessoas que cuidam<br />

das crianças devem aprender as manobras de RCP1"<br />

Lesões Relacionadas ao<br />

Mergulho Recreativo<br />

O mergulho autónomo recreativo, com o uso de self-contained<br />

underwater breathing apparatus (SCUBA), é uma atividade<br />

comum, apreciada por indivíduos de muitas faixas etárias. A<br />

popularidade dessa atividade continua a crescer, com mais de<br />

400.000 novos mergulhadores certificados a cada ano, totali¬<br />

zando atualmente mais de cinco milhões de mergulhadores autó¬<br />

nomos nos Estados Unidos.'10 '11 Em relação ao número crescente<br />

de novos mergulhadores a cada ano, as taxas de lesões são bai¬<br />

xas, mas a preocupação com a aptidão física para mergulhar está<br />

aumentando, por causa da diversidade dos mergulhadores, do<br />

aumento da idade, da baixa aptidão física e de problemas médi¬<br />

cos subjacentes. Quando ocorrem problemas, as condições na<br />

água são implacáveis. Atualmente, existem direlrizes médicas<br />

que indicam os riscos relativos e temporários para a saúde e as<br />

contraindicações absolutas para o mergulho.'"


530 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

As lesões nos mergulhadores podem vir de muitos perigos<br />

subaquáticos (p. ex., navios naufragados, recifes de coral) ou do<br />

conlalo com perigos da vida marinha. No entanto, na maioria das<br />

vezes, os socorristas são chamados para atender lesões e mortes<br />

relacionadas ao mergulho autónomo causadas pelo disbarismo,<br />

ou alteração da pressão ambiental, que é responsável pela maio¬<br />

ria dos distúrbios médicos graves relacionados ao mergulho. O<br />

mecanismo de lesão baseia-se nos princípios das leis dos gases,<br />

quando ocorre a respiração de gases comprimidos (p. ex., oxigé¬<br />

nio, dióxido de carbono, nitrogénio) a profundidades e pressões<br />

subaquáticas variáveis.<br />

A maioria das lesões relacionadas com o mergulho autónomo<br />

causadas pelo disbarismo apresenta sinais e sintomas imediatos<br />

ou durante os primeiros 60 minutos após a volta à superfície,<br />

mas alguns sintomas podem demorai- até 48 horas após o mer¬<br />

gulho para aparecer, quando o indivíduo já deixou o local de<br />

mergulho e voltou para casa. Consequentemente, com o aumento<br />

do número de mergulhadores que vão e vêm dos lugares mais<br />

populares de mergulho dos Estados Unidos, Caribe e outros<br />

locais remotos, existe uma maior possibilidade de ser chamado<br />

paia atender lesões relacionadas com o mergulho em locais dis¬<br />

tantes do sítio real de mergulho. Os socorristas precisam reco¬<br />

nhecer esses distúrbios relacionados com o mergulho, prestar o<br />

atendimento inicial e iniciar precocemente os preparativos para<br />

o transporte para o PS local ou para tratamento na câmara de<br />

descompressão mais próxima."'<br />

Epidemiologia<br />

A Divers Alert Network (DAN) (Rede de Alerta de Mergulhado¬<br />

res) compila um extenso banco de dados de morbidade e morta¬<br />

lidade baseado nos dados dos acidentes atendidos nas câmaras<br />

de recompressão da América do Norte que participam da rede.<br />

Em 2000, eles publicaram um relatório reunindo dados de 11<br />

anos (1987 a 1997).'10 A maioria das lesões por mergulho ocorre<br />

nas regiões noroeste (38%) e sudeste (32%) dos Estados Unidos,<br />

durante os meses de maio a setembro, com pico no mês de agosto.<br />

Oitenta e sete por cento das lesões ocorrem no oceano e 9% em<br />

água doce (lagos e pedreiras). Os homens são atingidos com uma<br />

frequência entre três e quatro vezes maior do que nas mulheres.<br />

A principal causa de lesão por mergulho é a doença da descom¬<br />

pressão. De 1970 a 1998, o número de mortes relacionadas ao<br />

mergulho variou de 66 a 147 por ano.'" Oitenta por cento das<br />

mortes ocorreram em homens, sendo a idade média entre 38 e<br />

42 anos. As causas de morte foram: afogamento (50-70%), fatores<br />

cardiovasculares (6-14%), embolia gasosa arterial (5-14%) e<br />

doença da descompressão (0-2%). Ainda que o afogamento tenha<br />

sido a principal causa de morte, não está claro o que levou ao<br />

afogamento, como problemas de equipamento, pânico, desorien¬<br />

tação, hipotermia, ataque cardíaco ou embolia gasosa arterial.<br />

Muitas das mortes por afogamento durante o mergulho autó¬<br />

nomo na verdade são embolias gasosas arteriais que levam ao<br />

afogamento secundário.42 A Figura 21-6 resume o relatório de<br />

2000 da DAN sobre as lesões e mortes relacionadas ao mergulho<br />

autónomo. Veja, nas Figuras 21-7 e 21-8, um resumo do número<br />

anual de lesões por mergulho e fatalidades, segundo o relatório<br />

de 2006 da DAN.43<br />

O pânico ou quase-pânico pode explicar muitos aciden¬<br />

tes em mergulhos recreativos e ser a causa de muitas mortes e<br />

lesões (Fig. 21-9).40,44 Em uma recente pesquisa nacional, mais<br />

da metade.de mergulhadores relataram ter tido pelo menos um<br />

episódio de pânico ou quase-pânico. A causa primária das baixas<br />

em mergulhos é o afogamento; 60% de todas as mortes são provo¬<br />

cadas por problemas específicos, como a ausência de ar (por Hear<br />

preso em redes de pesca, cordas ou algas marinhas), a embolia<br />

aérea, a narcose e o pânico. A ocorrência de pânico foi significa¬<br />

tivamente maior em mulheres (64%) do que em homens (50%),<br />

mas mais homens (48%) do que mulheres (35%) perceberam que<br />

o evento podia ser fatal.43<br />

FIGURA 21-6 Perfil das Lesões de Mergulho Autónomo<br />

em 11Anos (1987-1997)<br />

LESÕES 1987-1997<br />

Idade (média de cada ano) 33-37<br />

Percentagem de mergulhadores com mais<br />

de 50 anos<br />

7% (1997)<br />

Relação homens/mulheres 3-4:1<br />

PERFIL DOS MERGULHADORES<br />

Média do número de dias mergulhando 1<br />

Mediana do número de dias mergulhando 2-4<br />

Número de mergulhos 1-7<br />

Média da profundidade máxima<br />

SINTOMAS<br />

Dor e torpor<br />

Paralisia<br />

Perda da consciência<br />

Disfunção vesical<br />

DOENÇA DA DESCOMPRESSÃO<br />

22-29 metros, água<br />

salgada<br />

Tipo II 65%—70%<br />

Tipo 1 20%—30%<br />

Embolia gasosa arterial 10%—20%<br />

MORTES (VARIAÇÃO = 66-147) 1970-1998<br />

Média de idade 38-42<br />

Sexo masculino 80%<br />

CAUSAS DA MORTE<br />

50%—65%<br />

3%—10%<br />

Afogamento 50%—70%<br />

Cardiovascular 6%—14%<br />

Embolia gasosa arterial 5%—14%<br />

Doença da descompressão 0%-2%<br />

(De: Divers Alert Network: Eleven-year trends (1987-1997) in diving activity: The DAN<br />

annual review of recreational SCUBA diving injuries and fatalities based on 2000 data.<br />

InReport on decompression illness, diving fatalities and Project Dive<br />

exploration, Durham, NC, 2000, Divers Alert Network.)<br />

t<br />

4%-7%<br />

0.5%-2%


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 531<br />

1.400-<br />

1.200-<br />

(/)<br />

8 1.000-<br />

ro<br />

oj 800-<br />

•o<br />

§ 600-<br />

o-<br />

87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04<br />

Ano<br />

-o- Notificado à DAN Relato enviado Residentes nos Estados Unidos e Canadá<br />

FIGURA 21-7 Lesões anuais por mergulho.<br />

(De DAN Report on Decompression Illness, Diving Fatalities and Project Dive Exploration: 2006 Edition [Based on 2004 Data) © 2006 Divers Alert Network.)<br />

! 400-<br />

200-<br />

160-<br />

140-<br />

w<br />

-8 120-<br />

ro<br />

1 1°0-<br />

03<br />

S 80-<br />

Q)<br />

60-<br />

o<br />

| 40-<br />

Z 20-<br />

130<br />

112 114<br />

109 110<br />

119 116 97<br />

110<br />

102 103<br />

0-<br />

70 72 74 76 78 80 82 84 86 88 81 93 95 97 99 01 03 05<br />

Ano<br />

FIGURA 21-8 Número anual de baixas norte-americanas e canadenses em mergulhos. O número de baixas norte-americanas e<br />

canadenses registrado variou substancialmente de ano para ano. A contagem anual foi relativamente estável nos últimos anos,<br />

menor do que a média total ± desvio-padrão, igual a 98±21 (variando de 66-147).<br />

(De Annual Record of US and Canadian Diving Fatalities from the DAN Report on Decompression Illness and Project Dive Exploration: 2006 Edition [Based on 2004 Data) © 2006 Divers Alert Network.)<br />

(O anual registro anual de baixas norte-americanas e canadenses em mergulhos foi iniciado em 1970 por John McAnilf, da University of Rhode Island, e transferido à DAN em 1989.)<br />

104<br />

85 82 83<br />

09 89<br />

Efeitos Mecânicos da Pressão<br />

As lesões relacionadas ao mergulho autónomo secundárias<br />

à variação da pressão atmosférica, ou disbarismo, podem ser<br />

divididas em dois tipos: (1) as condições nas quais a variação<br />

da pressão no meio subaquático resulta em trauma tecidual ou<br />

barotrauma nos espaços fechados do corpo que contêm ar (p. ex.,<br />

ouvidos, seios da face, intestinos, pulmões) e (2) os problemas<br />

que ocorrem pela respiração de gases comprimidos com pressão<br />

parcial elevada, como na doença da descompressão.<br />

O barotrauma associado ao mergulho autónomo relaciona-se<br />

diretamente aos efeitos da pressão do ar c da água sobre o mer¬<br />

gulhador. Ao nível do mar, a pressão atmosférica sobre o corpo<br />

é 760 Torr, que é essencialmente o mesmo que milímetros de<br />

mercúrio [mm Hg) ou 14,7 libras por polegada quadrada (PSI).<br />

Este valor também é conhecido como uma atmosfera (1 aim).<br />

Conforme o mergulhador desce mais profundamente na água, a<br />

pressão absoluta aumenta 1aim a cada 10 metros de água do<br />

mar. Consequentemente, uma profundidade de 10 metros equi¬<br />

vale a uma pressão de 2 atm (ar [1 aim] e 10 melros de água [1<br />

aim]) sobre o corpo. A Figura 21-10 lista as unidades de pressão<br />

comuns no meio subaquático.<br />

Quando um mergulhador submerge abaixo da maior pressão<br />

de água do mar, o efeito das forças exercidas sobre o corpo difere,<br />

dependendo dos compartimentos teciduais. A força aplicada a<br />

um tecido sólido age de maneira similar a um meio fluido, e o<br />

mergulhador geralmente desconhece a força de compressão. O<br />

ar contido nos espaços aéreos do corpo é comprimido conforme<br />

o mergulhador desce. Por outro lado, estes gases expandem-se<br />

quando o mergulhador sobe em direção à superfície. A lei de<br />

Boyle e a lei de Henry explicam os efeitos da pressão sobre o<br />

corpo submerso na água.<br />

Lei de Boyle<br />

A lei de Boyle diz que o volume de uma determinada massa de<br />

gás é inversamente proporcional à pressão absoluta exercida<br />

sobre ele. Em outras palavras, à medida que o mergulhador desce


532 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 21-9<br />

Pânico do Mergulhador<br />

Em DivingMedicine for Scuba Divers* os autores revisaram mais<br />

de 2.500 baixas em mergulhos recreativos durante um período de<br />

20 anos. Esses casos ocorreram nos Estados Unidos, na Austrália<br />

e Nova Zelândia. A idade média dos mergulhadores foi de 33 anos,<br />

mas 10% deles tinham mais de 50 anos. É pertinente dizer que<br />

90% desses mergulhadores morreram com seus cintos de lastro<br />

ainda colocados. Cinquenta por cento desses.mergulhadores<br />

não inflaram seu compensador de flutuação. Além disso, 25%<br />

apresentaram problemas para voltar à superfície e 50% destes<br />

mergulhadores na verdade morreram na superfície da água.<br />

Mais importante, porém, é que pelo menos 39% das mortes<br />

foram associadas ao pânico, e este número poderia ser, como<br />

relatado por outros autores, de até 80%. 0 pânico provavelmente<br />

é responsável por muitas mortes ocorridas na superfície. Em uma<br />

situação de pânico, o mergulhador tenso geralmente tem apenas<br />

uma coisa em mente: chegar à superfície o mais rápido possível.<br />

Em tal situação, o mergulhador tende a esquecer de respirar<br />

normalmente, o que pode resultar em embolia gasosa.<br />

Hoje, em nosso mundo em constante evolução, a ansiedade<br />

e até mesmo os ataques de pânico são cada vez mais comuns.<br />

As razões do pânico durante o mergulho são similares: excessiva<br />

ansiedade, levando à perda de autocontrole. Os mergulhadores<br />

podem sentir que estão perdendo o controle da situação e são<br />

incapazes de se soltarem. Isso inicia o ciclo de pânico-aumento<br />

da apreensão e do medo pode causar mais estresse, provocando<br />

ainda mais apreensão e medo. Isso pode levar à decisão<br />

irracional de subir à superfície a qualquer custo.<br />

Indivíduos que apresentam tendência à ansiedade são<br />

mais suscetíveis ao pânico. Alguns sinais imediatos de estresse<br />

incluem respiração rápida, a olhos esbugalhados, agitação,<br />

espasmos frequentes ou aparência "petrificada de medo".<br />

Diversos fatores estressantes podem desencadear o ciclo de<br />

pânico, incluindo má condição física, fadiga ao final do mergulho<br />

ou a luta contra uma corrente forte. 0 pânico pode ocorrer quando<br />

o mergulhador saudável não consegue encontrar o barco e está<br />

com pouco ar. De modo geral, falhas em equipamentos não são<br />

observadas, embora existam fatores relevantes: má manutenção,<br />

levando à flutuação livre do regulador; ou, muito comumente,<br />

excesso de peso, provocando fadiga e mau controle de flutuação.<br />

A perda de equipamento- pé de pato, máscara facial ou<br />

computador - pode iniciar o estresse. 0 mau monitoramento do ar,<br />

da profundidade e do tempo pode levar à súbita compreensão de<br />

que a quantidade de ar é insuficiente ao retorno ao barco a nado<br />

subaquático.<br />

0 ambiente pode contribuir para o estresse, seja pelo mar<br />

agitado, pelas correntes fortes ou pela má visibilidade. Além<br />

disso, este pode ser primeiro mergulho noturno ou de maior<br />

profundidade do indivíduo. Do ponto de vista psicológico, há<br />

diversos fatores que podem estar envolvidos, incluindo uso de<br />

álcool e/ou drogas; os limitados intervalos de profundidade e<br />

tempo; a necessidade de ir além de seu próprio limite; e a forte<br />

dependência em um colega.<br />

Como então, pode-se prevenir o ciclo de pânico? Primeiro, é<br />

preciso estar bem treinado, fisicamente apto e informado sobre<br />

o ambiente de mergulho e as condições que serão enfrentadas.<br />

Mergulhe dentro dos limites de seu treinamento e condição física.<br />

Caso você sinta o pânico crescer, PARE, DESCANSE e PENSE<br />

sobre o que está acontecendo e por quê, e decida o qual é a<br />

melhor solução. Somente, então, você deve AGIR. Caso que queira<br />

ir para a superfície, faça-o lentamente-de forma controlada,<br />

não às pressas. Se você acha que está subindo muito depressa,<br />

diminua o ritmo e respire.<br />

Lembre-se, ao voltar à superfície, de inflar seu controlador<br />

de flutuação e soltar seu cinto de lastro, em caso de emergência,<br />

você pode flutuar, aumentando suas chances de voltar ao barco.<br />

Caso você sinta que tem tendência ao pâtnico,tente evitar<br />

quaisquer mergulhos onde possa haver estresse e mergulhe com<br />

colegas que o conhecem bem e podem auxiliá-lo em uma situação<br />

de ansiedade.<br />

0 que quer que aconteça, não entre em pânico.<br />

(Modificado por Bennett, PB: Don't Panic Whatever happens, try to keep a cool head in a hot situation. Alert Diver, Janeiro/Fevereiro, 1998.)<br />

' Edmonds C, McKenzie B, Thomas R, Pennefather J. Diving Medicine for Scuba Divers. 3rd Edition, Carl Edmonds-Publisher, Manly, Australia, 2010.<br />

FIGURA 21-10 Unidades Comuns de Pressão no Meio<br />

Subaquático<br />

Profundidade<br />

Torr ou mm Hg<br />

(FSW) PSIA ATA (absoluto)<br />

Nível do mar 14,7 1 760<br />

33 29,4 2 1.520<br />

66 44,1 3 2.280<br />

99 58,8 4 3.040<br />

132 73,5 5 3.800<br />

165 88,2 6 4.560<br />

198 102,9 7 5.320<br />

ATA, atmosfera absoluta, mm Hg, milímetros de mercúrio.<br />

na água para uma profundidade maior, a pressão aumenta e o<br />

volume de gás (p. ex., o volume dos pulmões) diminui; o inverso<br />

também é verdadeiro, o volume aumenta quando o mergulhador<br />

retorna à superfície. Este é o princípio por trás dos efeitos do<br />

barotrauma e da embolia gasosa arterial no corpo. A Figura 21-11<br />

mostra os efeitos da pressão sobre o volume e o diâmetro de uma<br />

'bolha de ar.<br />

Lei de Henry<br />

Em uma temperatura constante, a quantidade de gás que se dis¬<br />

solve em um líquido é diretamente proporcionai à pressão parcial<br />

daquele gás fora do líquido. A lei de Henry é fundamental para<br />

entender como o gás de um cilindro de ar comprimido (tanque de<br />

mergulho autónomo) se comporta no corpo durante a descida do<br />

mergulhador. Por exemplo, a pressão parcial crescente do nitro¬<br />

génio faz este se dissolver no líquido tecidual conforme a pressão<br />

aumenta durante a descida e no retorno para a superfície o nitro-


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 533<br />

Pressão<br />

Profundidade<br />

Volume<br />

da bolha<br />

de gás<br />

Diâmetro<br />

da bolha<br />

de gás<br />

rÿ- 1 ATA<br />

100%<br />

100%<br />

2 ATA<br />

3 ATA<br />

4 ATA<br />

5 ATA<br />

6 ATA<br />

FIGURA 21-11 Lei de Boyle. O volume de uma determinada quantidade de gás, em temperatura constante, varia inversamente<br />

com a pressão.<br />

(De Kizer KW. Van Hoesen KB: Diving Medicine. In Aueibach PS: Wilderness medicine, ed 5, St Louis, 2007, Mosby Elsevier.)<br />

génio lorma bolhas nos tecidos. Esta lei descreve os princípios<br />

que explicam por que ocorre a doença da descompressão.<br />

Lesões Relacionadas ao Mergulho<br />

Barotrauma<br />

O barotrauma, também conhecido como "compressão", é a forma<br />

mais comum de lesão relacionada ao mergulho autónomo.'"1<br />

Apesar de muitas formas de barotrauma causarem dor, muitas<br />

se resolvem espontaneamente sem a necessidade de envolvi¬<br />

mento dos SME nem de terapia em câmara de recompressão.<br />

Entretanto, algumas lesões por superpressurização pulmonar<br />

são muito sérias. Durante o mergulho autónomo, ocorre baro¬<br />

trauma dentro de cavidades corporais não compressíveis cheias<br />

de gás (p. ex., os seios da face). Se a pressão nesses espaços não<br />

puder ser equalizada durante o mergulho, quando a pressão do<br />

ambiente aumenta, ocorre ingurgitamento vascular, hemorragia<br />

e edema de mucosa, por causa da diminuição do volume de ar<br />

quando o mergulhador desce, e ruptura dos tecidos, por causa<br />

do aumento do volume de ar quando o mergulhador sobe. A<br />

Figura 21-12 resume os sinais e sintomas do barotrauma e seu<br />

tratamento. As diversas formas de barotrauma são descritas a<br />

seguir.<br />

Barotrauma da Descida<br />

Compressão da Máscara. Geralmente ocorre em mergulhadores<br />

inexperientes ou desatentos, que não conseguem equilibrar a<br />

pressão em suas máscaras faciais, quando a pressão externa da<br />

água aumenta, durante a descida.<br />

Avaliação. Examine os tecidos ao redor dos olhos e as conjun¬<br />

tivas, procurando ruptura de capilares. Os sinais e sintomas são<br />

equimoses na pele e hemorragia conjuntival.


534 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 21-12<br />

Compressão da<br />

máscara<br />

Compressão dos seios<br />

da face<br />

Compressão do ouvido<br />

médio<br />

Barotrauma do ouvido<br />

interno<br />

Barotrauma do ouvido<br />

externo<br />

Compressão do dente<br />

Vertigem alternobárica<br />

Barotrauma pulmonar<br />

Enfisema de<br />

subcutâneo<br />

Pneumotórax<br />

Pneumotórax<br />

hipertensivo<br />

Embolia gasosa<br />

arterial (EGA)<br />

Barotrauma: Sinais, Sintomas Comuns e Tratamento<br />

Sinais/Sintoma<br />

Congestão da córnea, hemorragia conjuntival<br />

Dor, sangramento nasal<br />

Dor, vertigens, ruptura da membrana do tímpano,<br />

perda auditiva, vómitos<br />

Zumbidos, vertigens, ataxia, perda auditiva<br />

Dificuldades para fazer a manobra de Valsalva,<br />

dor de ouvido, secreção sanguinolenta, possível<br />

ruptura da membrana do tímpano<br />

Dor de dente durante o mergulho<br />

Pressão, dor no ouvido afetado, vertigens,<br />

zumbidos<br />

Dor retroesternal; alteração da voz; enfisema de<br />

subcutâneo<br />

Dor e crepitação retroesternal; voz metálica,<br />

edema de pescoço, dispneia, escarro<br />

sanguinolento<br />

Dor torácica aguda, diminuição do murmúrio<br />

vesicular<br />

Cianose, distensão das veias cervicais, desvio da<br />

traqueia<br />

Arresponsivo, confusão, dor de cabeça, distúrbios<br />

visuais, convulsões<br />

Tratamento*<br />

Autolimitante; repouso, compressão fria, medicação para a<br />

dor<br />

Medicação para a dor, descongestionantes, antihistamínicos<br />

Descongestionantes, anti-histamínicos, medicações para a<br />

dor; pode necessitar de antibióticos; evitar mergulhar e voar<br />

Repouso no leito; elevar a cabeça; evitar ruídos altos;<br />

laxativos; evitar atividades extenuantes; não mergulhar ou<br />

voar durante meses<br />

Manter o canal auditivo seco; pode ser necessário usar<br />

antibióticos, se houver infecção<br />

Autolimitado; medicamentos para a dor<br />

Geralmente de curta duração; descongestionantes; proibir<br />

mergulhos até a melhora, com normalização da audição<br />

Avaliar os ABCs e a função neurológica; oxigénio a 100%,<br />

12-15 litros/minuto, por máscara de fluxo unidirecional;<br />

transportar o doente em decúbito dorsal; precisa afastar a<br />

possibilidade de EGA<br />

Repouso; evitar mergulhar ou voar; oxigénio e terapia de<br />

recompressão somente nos casos graves<br />

Oxigénio a 100%, 12-15 litros/minuto, por máscara de<br />

fluxo unidirecional; monitorar a oximetria de pulso;<br />

transportar em posição de conforto; avaliação de possível<br />

pneumotórax hipertensivo<br />

Toracocentese com agulha calibre 14; oxigénio a 100%,<br />

12-15 litros/minuto, com máscara de fluxo unidirecional;<br />

monitorar a oximetria de pulso *<br />

Avaliar os ABCs e a função neurológica; iniciar suporte<br />

básico ou avançado à vida (BLS/ALS); controlar as<br />

convulsões; oxigénio a 100%, 12-15 litros/minuto, por<br />

máscara de fluxo unidirecional; transportar o doente em<br />

decúbito dorsal; infundir volume por via intravenosa, sem<br />

glicose (1-2 ml/kg/hora); monitorar o ECG; consultar a DAN<br />

(9919-684-8111) para localizar a câmara de recompressão<br />

mais próxima (tratamento primário)<br />

(De Clenney TL, Lassen LF: Recreational scuba diving injuries, Am Fam Physician 53(5): 1761, 1996; e Kizer KW: Diving medicine. In Auerbach PS: Wilderness medicine:<br />

management of wilderness and environmental emergencies, ed 5, St Louis, 2007, Mosby Elsevier.)<br />

'Deve haver boa orientação do doente no local em relação às lesões leves causadas pelo barotrauma, pois algumas dessas lesões são autolimitantes, e outras precisam de<br />

avaliação médica; outras necessitam do encaminhamento do doente para um médico ou pronto-socorro e não necessitam de transporte em ambulância.<br />

Tratamento. O barotrauma da máscara é autolimitado; não se<br />

deve mergulhar até que as alterações dos tecidos tenham melho¬<br />

rado. Coloque compressas frias sobre os olhos; repouso e medica¬<br />

ções para a dor, conforme a necessidade.<br />

Compressão do Dente. Um achado muito raro, esta forma de baro¬<br />

trauma ocorre quando fica gás aprisionado no interior de um<br />

dente após obturações, exlrações dentárias recentes, tratamento<br />

de canal ou restaurações defeituosas. Durante a descida, o dente<br />

pode encher-se de sangue ou pode implodir pelo aumento da<br />

pressão externa. Durante a subida, o ar que lenha sido forçado<br />

para dentro do dente se expandirá, causando dor ou a explosão<br />

do dente. Para prevenir contra a compressão do dente, recomenda-se<br />

não mergulhar durante as primeiras 24 horas após qualquer<br />

tratamento dentário.<br />

Avaliação<br />

Examine o dente afetado para ver se ele está intacto. Os sinais e<br />

sintomas são dor e fratura do dente.<br />

Tratamento<br />

Encaminhar para avaliação dentária; tratar a dor, se necessário.


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 535<br />

Compressão do Ouvido Médio. Esta compressão ocorre em 40%<br />

dos mergulhadores e é considerada a lesão mais comum dos<br />

mergulhadores.'19 A compressão do ouvido ocorre próximo à<br />

superfície, quando acontecem as maiores alterações de pressão<br />

durante a descida do mergulhador. Os mergulhadores precisam<br />

começar a equalizar a pressão no ouvido médio desde o início<br />

da descida, de modo que a diferença de pressão através da mem¬<br />

brana timpânica não provoque o seu rompimento. Os mergulha¬<br />

dores precisam equalizar a pressão forçando o ar na direção do<br />

ouvido médio através da tuba de Eustáquio, seja por manobra de<br />

Valsalva ou de Frenzel.'13 Se a membrana do tímpano se romper,<br />

permitindo a entrada de água no ouvido médio, o mergulhador<br />

sentirá dor e vertigens. Mergulhadores com infecção de via aérea<br />

superior ou alergias podem ter dificuldades de equalizar a pres¬<br />

são do ouvido médio durante o mergulho e devem verificar se<br />

conseguem fazer manobra de Valsalva na superfície, antes de<br />

mergulhar.<br />

Avaliação. Examine o canal auditivo externo, verificando se há<br />

sangue decorrente da ruptura da MT. Os sinais e sintomas são<br />

dor, vertigens, perda auditiva, se tiver ocorrido ruptura da MT,<br />

e vómitos.<br />

Tratamento. Não permitir que ocorram variações de pressão<br />

(mergulho ou voo). Os doentes podem necessitar de desconges¬<br />

tionantes, se não houver rompimento da MT; podem ser necessá¬<br />

rios antibióticos, se houver ruptura da MT,e antieméticos podem<br />

ser necessários, dada a ocorrência de vertigem e vómito. O doente<br />

deve ser encaminhado para avaliação audiométrica. Transporte<br />

na posição ereta ou em posição de conforto.<br />

Compressão dos Seios da Face. Normalmente, a pressão nos seios<br />

da face se equalize facilmente durante a descida e a subida do<br />

mergulhador, /j. pressão aumenta pelo mesmo mecanismo da<br />

compressão do ouvido médio, mas a compressão dos seios não<br />

é tão comum. Durante a descida do mergulhador, ocorre uma<br />

incapacidade de manutenção da pressão nos seios, formando-se<br />

um vácuo na cavidade sinusal, o que causa dor intensa, trauma<br />

da parede mucosa e sangramento na cavidade sinusal. Essa com¬<br />

pressão pode ser causada por congestão, sinusite, hipertrofia da<br />

mucosa, rinite ou pólipos nasais.40 Também pode ocorrer com¬<br />

pressão sinusal reversa durante a subida (ver discussão adiante<br />

sobre Barotrauma Sinusal).<br />

Avaliação. Examine o nariz à procura de secreções; os sinais e<br />

sintomas são dor intensa sobre o seio afetado ou drenagem san¬<br />

guinolenta, geralmente oriunda dos seios frontais.<br />

Tratamento. Nenhum tratamento específico é necessário no<br />

local, a menos que se observe um sangramento intenso, devendo<br />

então ser feito o tratamento da epislaxe, através da compressão<br />

firme da parte carnosa da narina do doente imediatamente abaixo<br />

dos ossos nasais. Transporte em posição de conforto.<br />

Barotrauma de Ouvido Interno.Apesar de ser muito menos comum<br />

do que a compressão do ouvido médio, esta é a forma mais séria<br />

de barotrauma do ouvido, pois pode levar à surdez permanen¬<br />

te. :,(l O barotrauma do ouvido interno ocorre quando o mergulha¬<br />

dor desce e não consegue equalizar a pressão no ouvido médio.<br />

Novas tentativas forçadas podem resultar em uma grande eleva¬<br />

ção na pressão do ouvido médio e romper a estrutura da janela<br />

redonda.<br />

Avaliação. Examine o canal auditivo externo, procurando qual¬<br />

quer tipo de secreção. Os sinais e sintomas são zumbidos, ver¬<br />

tigens, perda auditiva, sensação de preenchimento ou de "blo¬<br />

queio" no ouvido afetado, náuseas, vómitos, palidez, diaforese,<br />

desorientação e ataxia.<br />

Tratamento. O doente deve evitar atividades extenuantes, ruí¬<br />

dos de volume elevado e variações de pressão (mergulho ou voo).<br />

O transporte deve ser feito em posição elevada. É recomendado<br />

que se faça precocemente uma avaliação médica com a DAN ou<br />

em pronto-socorro, pois pode ser difícil determinar se se trata da<br />

doença da descompressão do ouvido interno e se há necessidade<br />

de tratamento imediato em câmara de recompressão.<br />

Barotrauma da Subida (Compressão Reversa)<br />

Vertigem Alternobárica. E uma forma incomum de barotrauma,<br />

que ocorre pelo movimento do gás em expansão através da tuba<br />

de Eustáquio, desenvolvendo uma pressão desigual no ouvido<br />

médio,o que pode causar vertigens. Apesar de os sintomas serem<br />

de curta duração, a vertigem pode desencadear pânico nos mer¬<br />

gulhadores, levando a outras formas de lesão, causadas pela<br />

subida rápida à superfície (p. ex., embolia gasosa, quase-alogamenlo,<br />

afogamento).<br />

Avaliação. Examine o canal auditivo externo, procurando qual¬<br />

quer tipo de secreção; avalie se há perda auditiva. Os sinais e sin¬<br />

tomas têm curta duração, o que resulta em vertigens transitórias,<br />

pressão no ouvido afetado, zumbidos e perda ajidiliva.<br />

Tratamento. Não é necessária nenhuma intervenção específica;<br />

recomenda-se não mergulhar até a recuperação plena da audi¬<br />

ção. Oriente sobre o uso de descongestionantes, se necessário. Se<br />

os sintomas desaparecerem rapidamente, não é necessário levar<br />

para o hospital; encaminhe para acompanhamento médico, se<br />

necessário.<br />

Barotrauma dos Seios da Face. Esta forma de compressão dos<br />

seios da face pode ocorrer durante a subida, se houver alguma<br />

forma de bloqueio nas aberturas dos seios que impeça o escape<br />

do gás em expansão. O gás em expansão aumenta a pressão sobre<br />

a membrana mucosa que reveste os seios, causando dor e hemor¬<br />

ragia.. O barotrauma de seios da face ocorre em mergulhadores<br />

com infecção de via aérea superior ou alergias. E comum que<br />

os mergulhadores utilizem descongestionantes antes de mergu¬<br />

lhar, como medida preventiva, para ajudar a equalizar a pressão<br />

do ouvido médio durante o mergulho. Entretanto, os benefícios<br />

da vasoconstrição podem desaparecer na profundidade, causar<br />

expansão do tecido da mucosa e levar a bloqueio do seio durante<br />

o retorno à superfície.<br />

Avaliação. Examine o nariz, procurando secreções. Os sinais e<br />

sintomas são dor intensa sobre o seio afetado e hemorragia nasal.<br />

geralmente oriundo dos seios frontais.


536 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Tratamento. Não é necessário nenhum tratamento específico<br />

no local, a menos que se observe sangramento intenso, devendo<br />

então ser leito o tratamento da epistaxe, através da compressão<br />

firme da parte carnosa da narina do doente logo abaixo dos ossos<br />

nasais. Transporte em posição de conforto.<br />

Compressão Gastrointestinal. Ocorre quando o gás em expansão<br />

fica encarcerado no intestino durante a subida para a superfície.<br />

O barotrauma gastrointestinal ocorre em mergulhadores novatos,<br />

que frequentemente fazem manobras de Valsalva quando estão<br />

de cabeça para baixo, o que força o ar para o estômago. Também<br />

pode ocorrer em mergulhadores que mascam chicletes durante<br />

o mergulho ou que lenham consumido refrigerantes ou outros<br />

alimentos produtores de gás antes de mergulhar.<br />

Avaliação. Examine os quadrantes abdominais. Os sinais e sin¬<br />

tomas são distensão abdominal, eructação e flatulência.<br />

Tratamento. A compressão gastrointestinal em geral se resolve<br />

espontaneamente e raramente precisa de atendimento médico;<br />

encaminhe para avaliação médica se a dor e a sensação de pleni¬<br />

tude não se resolverem. O tratamento em câmara de recompressão<br />

só é necessário nos casos graves.<br />

Barotraumapor Hiperinsuflação Pulmonar. A hiperinsuflação pul¬<br />

monar é uma forma grave de barotrauma que resulta da expansão<br />

do gás nos pulmões durante a subida. Normalmente, o mergulha¬<br />

dor elimina o gás em expansão pela expiração normal, quando<br />

retorna à superfície. Se o gás em expansão não for eliminado,<br />

ocorre ruptura de alvéolos, que por sua vez pode causai1 várias<br />

formas de lesão, dependendo da quantidade de ar que escapa do<br />

pulmão e de sua localização final. Um cenário comum é o de<br />

um mergulhador que fez uma subida rápida e descontrolada para<br />

a superfície, por estar ficando sem arfcom pânico ou perda do<br />

cinto de lastro. Esses tipos de lesões são conjuntamente denomi¬<br />

nados de síndrome da hiperpressurização pulmonar (SHPP) ou<br />

"explosão do pulmão".<br />

As cinco formas de SHPP são: (1) hiperdistensão com lesão<br />

local, (2) enfisema de mediastino, (3) enfisema de subcutâneo, (4)<br />

pneumotórax e (5) embolia arterial gasosa.<br />

Hiperdistensão com Lesão Local. Esta é a forma mais leve de<br />

SHPP, em que ocorre apenas um pequeno barotrauma pulmonar<br />

isolado.<br />

Avaliação. Ausculte os campos pulmonares, verificando se<br />

existe diminuição murmúrio vesicular. Pode haver dor torácica<br />

ou não. Geralmente aparece sangue no escarro (hemoptise).<br />

Tratamento. Deixe o doente em repouso e trate os sintomas con¬<br />

forme a necessidade. Monitore os sinais vitais e a saturação de<br />

oxigénio pela oximetria de pulso; forneça oxigénio, 2-4 litros/<br />

minuto, por sonda nasal. Transporte o doente em posição de con¬<br />

forto. O doente necessita continuar a avaliação médica, para des¬<br />

cartar formas mais graves de SHPP e deve evitar mais exposição<br />

à pressão (mergulho ou voo comercial).<br />

Enfisema de Mediastino. Esta é a forma mais comum de SHPP,<br />

causada pelo escape de gás dos alvéolos rompidos, que peneira<br />

no espaço intersticial e chega ao mediastino.<br />

Avaliação..É uma condição geralmente benigna; examine os<br />

campos pulmonares, verificando se há diminuição do murmúrio<br />

vesicular. Os sinais e sintomas são rouquidão, sensação de dis¬<br />

tensão cervical e discreta dor torácica relroeslernal; muitas vezes<br />

há uma dor surda ou sensação de aperto que piora com a respira¬<br />

ção e a tosse. Examine o tórax e o pescoço à procura de enfisema<br />

subcutâneo. Nos casos graves, o mergulhador tem dor torácica,<br />

dispneia e dificuldade de deglutição.<br />

Tratamento. Deixe o doente em repouso. Monitore os sinais<br />

vitais e a saturação de oxigénio pela oximetria de pulso; forneça<br />

oxigénio, entre 2 e 4 lifros/minulo, por cateter nasal. Geralmente,<br />

o enfisema de mediastino não requer tratamento específico nem<br />

terapia de recompressão. Raros casos precisam ser clinicamente<br />

avaliados para afastai1outras causas de dor torácica e formas gra¬<br />

ves da SHPP. Transporte o doente em decúbito dorsal; evite nova<br />

exposição à pressão (mergulho ou voo comercial).<br />

Enfisema de Subcutâneo. O ar que escapa dos alvéolos rompidos<br />

continua a mover-se para cima, para a região do pescoço, da cla¬<br />

vícula e do tórax.<br />

Avaliação. Examine os campos pulmonares, verificando se há<br />

diminuição do murmúrio vesicular. Os sinais e sintomas são<br />

edema, crepitação, rouquidão, dor de garganta e dificuldade de<br />

deglutição.<br />

Tratamento. Não há necessidade de nenhum tratamento espe¬<br />

cífico, além do repouso. Monitore os sinais vitais e a saturação<br />

de oxigénio pela oximetria de pulso. Forneça oxigénio por sonda<br />

nasal, 2-4 litros/minuto. O doente precisa continuar a avaliação<br />

clínica para afastai1 a possibilidade de formas mais graves de<br />

SHPP. Transporte-o em decúbito dorsal. s<br />

O doente deve evitar<br />

nova exposição à pressão (mergulho ou voo comercial).<br />

Pneumotórax. O pneumotórax ocorre em menos de 10% das<br />

SHPP, pois, para formar pneumotórax, o ar deve escapar através<br />

da pleura visceral e acumular-se à volta do pulmão. Isso exige<br />

que o ar vença uma resistência maior do que a necessária para<br />

escapar através do espaço intersticial, entre o pulmão e a pleura<br />

visceral. Se o mergulhador estiver na profundidade quando<br />

ocorre a ruptura pulmonar, o resultado pode ser um pneumo¬<br />

tórax hipertensivo, à medida que o gás que escapa se acumula à<br />

volta do pulmão e se expande conforme o mergulhador sobe em<br />

direção à superfície.<br />

Avaliação. Examine os campos pulmonares, verificando se há<br />

diminuição do murmúrio vesicular. Os sinais e sintomas variam<br />

dependendo do tamanho do pneumotórax e incluem dor torácica<br />

aguda, diminuição do murmúrio vesicular, falta de ar, enfisema<br />

subcutâneo e dispneia. Avalie o doente continuamente, pois um<br />

pneumotórax simples pode transformar-se em um pneumotórax<br />

hipertensivo.<br />

Tratamento. Deixe o doente cm repouso. Monitore os sinais<br />

vitais e a saturação de oxigénio pela oximetria de pulso; ofe¬<br />

reça oxigénio através de sonda nasal, 2-4 litros/minuto. Trate o<br />

pneumotórax hipertensivo segundo os padrões do suporte avan¬<br />

çado â vida (Advanced Life Support [ALS]), com uma agulha de


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 537<br />

toracostomia calibre 14, se necessário. Transporte o doente em<br />

posição de conforto. O doente necessita de uma avaliação clínica<br />

detalhada para afastar a possibilidade de formas mais graves de<br />

SI-IPP e deve evitar mais exposição à pressão (mergulho ou voo<br />

comercial). Terapia de recompressão em geral não é necessária.<br />

Embolia Gasosa Arterial. É a complicação mais temida da SHPP<br />

e. depois do afogamento, é a principal causa de morte em mergu¬<br />

lhadores, responsável por 30% de todas as mortes.51 A EGA pode<br />

ocorrer em qualquer uma das quatro formas da SHPP descritas<br />

anteriormente, como resultado do escape de ar e formação de<br />

êmbolos de ar. A EGA tipicamente ocorre em mergulhadores que<br />

sobem para a superfície de modo descontrolado, sem exalação<br />

apropriada, causando lesão pulmonar por hiperinsuflação. Entre¬<br />

tanto, a EGA pode ocorrer em mergulhadores que sobem lenta¬<br />

mente, sem patologia pulmonar subjacente. Durante a subida,<br />

uma vez que a hiperinsuflação tenha explodido os alvéolos, o<br />

ar entra na circulação capilar venosa pulmonar, e as bolhas de<br />

gás entram no átrio esquerdo e ventrículo esquerdo, saindo do<br />

coração pela aorta, sendo distribuídas para a vasculatura cere¬<br />

bral, coronária e demais vasculatura sistémica. As bolhas de gás<br />

podem entrar na circulação coronária, causando oclusão, que<br />

leva a arritmias, parada cardíaca ou infarto do miocárdio.52 Se<br />

as bolhas de gás entrarem na circulação cerebral, o mergulhador<br />

apresenta sinais e sintomas similares ao de um acidente vascular<br />

cerebral agudo.<br />

Ao contrário da doença da descompressão, que pode apre¬<br />

sentar sintomas horas após o mergulho, os sintomas da EGA apa¬<br />

recem imediatamente na superfície da água ou tipicamente após<br />

dois minutos. Qualquer perda de consciência depois da chegada<br />

do mergulhador à superfície deve ser considerada como EGA até<br />

que se prove o contrário. "1 O tratamento primário da EGA é a<br />

terapia em câmara de recompressãcp(hiperbárica).<br />

Historicamente, recomendava-se que os doentes com EGA<br />

fossem transportados na posição de Trendelenburg, com base<br />

na crença de que esse posicionamento evitaria a circulação das<br />

bolhas na vasculatura sistémica. Entretanto, evidências recentes<br />

demonstraram que o posicionamento com a cabeça para baixo<br />

não impede a circulação sistémica de bolhas de nitrogénio, faz<br />

com que a oxigenação do doente seja mais difícil e pode pio¬<br />

rar o edema cerebral.03 Atualmenle, recomenda-se que todos os<br />

doentes com EGA sejam mantidos em decúbito dorsal, no local<br />

e durante o transporte. O decúbito dorsal também permite uma<br />

maior velocidade de eliminação das bolhas de nitrogénio.54'55<br />

Doença da Descompressão<br />

A doença da descompressão (DDC) está relacionada direlamenle<br />

com a lei de Henry. Quando os mergulhadores autónomos res¬<br />

piram ar comprimido contendo oxigénio (21%), dióxido de car¬<br />

bono (0,03%) e nitrogénio (79%), a quantidade de gás dissolvida<br />

no líquido é direlamenle proporcional à pressão parcial do gás<br />

cm contato com o líquido. O oxigénio é utilizado no corpo para o<br />

metabolismo corporal, quando em solução e não forma bolhas de<br />

ar durante a subida de águas profundas.<br />

O nitrogénio, um gás inerte não utilizado no metabolismo, é<br />

a fonte primária de preocupação na DDC. O nitrogénio é cinco<br />

vezes mais solúvel em gordura do que na água e se dissolve nos<br />

tecidos de modo proporcional ao aumento da pressão ambiente.<br />

Consequentemente, quanto mais profundo for o mergulho e<br />

quanto mais tempo o mergulhador permanecer na profundidade,<br />

maior será a quantidade de nitrogénio dissolvida nos tecidos.<br />

Durante a subida para a superfície, o nitrogénio absorvido deve<br />

ser eliminado. Se não houver tempo adequado para eliminar o<br />

nitrogénio durante a subida, o nitrogénio desprende-se dos teci¬<br />

dos na forma de bolhas de gás intravasculares, causando obstru¬<br />

ção dos sistemas vascular e linfático e distensão dos tecidos e<br />

ativando a resposta inflamatória.0''<br />

A maioria dos mergulhadores apresenta a DDC dentro da<br />

primeira hora após o retorno à superfície, embora alguns apre¬<br />

sentem os sintomas nas primeiras seis horas após o retorno.<br />

Somente 2% dos mergulhadores vão ter os sintomas entre 24<br />

e 48 horas após a volta para a superfície. Tradicionalmente, os<br />

sintomas da DDC são classificados como Tipo I. uma forma leve<br />

que envolve os sistemas cutâneo, linfático e musculoesquelético,<br />

ou Tipo II. uma forma grave que envolve os sistemas neuroló¬<br />

gico e cardiopulmonar. O termo síndrome cln descompressão foi<br />

proposto para englobar a DDC Tipo I e Tipo II e a EGA.57,5" Os<br />

sintomas leves da DDC variam de fadiga a mal-estar. Entretanto,<br />

FIGURA 21-13<br />

Fatores Relacionados à Doença<br />

de Descompressão (DDC)<br />

FATORES DO HOSPEDEIRO<br />

Mau condicionamento físico<br />

Idade avançada<br />

Sexo feminino<br />

Hipotermia<br />

Uso de álcool ou drogas<br />

Forame oval patente<br />

Obesidade<br />

Privação do sono<br />

Desidratação »<br />

Nutrição inadequada<br />

Esforços pesados em águas profundas ou fadiga<br />

Condições clínicas subjacentes (p. ex., asma)<br />

História prévia de DDC<br />

FATORES AMBIENTAIS<br />

Temperaturas extremas<br />

Águas revoltas<br />

Viajar de avião depois de mergulhar<br />

Exercícios intensos na profundidade<br />

Narcose pelo nitrogénio<br />

Pressão parcial de dióxido de carbono arterial elevada<br />

Água fria<br />

FALHAS DO EQUIPAMENTO E TÉCNICA INAPROPRIADA<br />

Violação das tabelas de descompressão<br />

Dificuldade para flutuar<br />

Subida rápida<br />

Ficar sem ar<br />

Falha do regulador<br />

Equipamento inadequado ou mal conhecido pelo<br />

mergulhador<br />

(De Barratt DM, Harch PG, Van Meier K: Decompression illness in divers: a review ol lhe literature.<br />

Neurologist 8:186, 2002.)


538 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

os sintomas leves podem ser precursores de sinais e sintomas<br />

mais graves, incluindo torpor, fraqueza e paralisia. Atualmente<br />

os estudos sugerem que clinicamente é mais importante descre¬<br />

ver a DDC pela região do corpo afetada e não como TipoIe Tipo<br />

II.'11 Esta sugestão é válida para os socorristas, para assegurar que<br />

mesmo os doentes com sintomas leves de DDC sejam igualmente<br />

tratados de modo agressivo, utilizando oxigénio a 100%, e sejam<br />

levados para uma avaliação para terapia de recompressão. Muitos<br />

mergulhadores com formas leves de DDC não são submetidos a<br />

uma avaliação médica. Os mergulhadores podem demorar até 32<br />

horas para procurar tratamento médico, pois a negação da DDC é<br />

comum na população de mergulhadores autónomos/1'-1<br />

Vários fatores predispõem o mergulhador à DDC/'0,01 Há<br />

alguns fatores de risco conhecidos que aumentam a entrada de<br />

nitrogénio nos tecidos durante a descida e retardam sua liberação<br />

durante a subida. Certos fatores do indivíduo e do ambiente, bem<br />

como falhas do equipamento e técnica inadequada, aumentam o<br />

risco de DDC (Fig. 21-13).<br />

Dor nos Membros (DDC Tipo I). Esta forma de DDC resulta da<br />

formação de bolhas no sistema musculoesquelético, ocorrendo<br />

tipicamente em uma ou mais articulações. As articulações mais<br />

comumente envolvidas são os ombros, as mãos e os tornozelos."10<br />

A dor é descrita como uma dor articulai- intensa com sensação<br />

de atrito durante o movimento. A dor começa gradualmente,<br />

apresentando-se como uma dor profunda, incómoda, de inten¬<br />

sidade leve a intensa. As vítimas geralmente tentam aliviar a dor<br />

flexionando as articulações, daí o nome comum desta doença,<br />

dobramento. Apesar de esta forma de DDC não ter risco de vida,<br />

ela indica que há bolhas na circulação venosa. Pode levar a for¬<br />

mas mais graves se não for tratada.<br />

Acometimento Cutâneo e Linfático (DDC Tipo I).Esta forma de DDC<br />

é rara. Ela representa uma eliminação inadequada de bolhas que<br />

se formam na pele ou no sistema linfático. As "dobras cutâneas"<br />

são raras e geralmente não são sérias, mas sinais de pele com<br />

rendilhado ou aspecto marmóreo são considerados precursores<br />

de problemas neurológicos." Os sintomas incluem um eritema<br />

intenso que evolui para manchas avermelhadas ou descoloração<br />

azulada da pele.1'2 A obstrução linfática pode levar a edema e<br />

pele com aspecto de casca de laranja [peau cl'orange).<br />

Acometimento Cardiopulmonar (DDC Tipo II). Esta forma grave de<br />

DDC é conhecida como "sufocamento" e ocorre quando as bolhas<br />

venosas inundam o sistema capilar pulmonar. Pode ocorrer hipo¬<br />

tensão por causa da embolia aérea venosa maciça nos pulmões.<br />

Os sintomas são tosse não produtiva, dor torácica retroeslernal,<br />

cianose, dispneia, choque e parada cardiorrespiratória. Este dis-<br />

FIGURA 21-14<br />

Condições Sinais/Sintoma Tratamento<br />

DDC TIPO 1<br />

Dobras na pele<br />

DDC com dor nos membros<br />

DDC TIPO II<br />

"Sufocamento"<br />

cardiopulmonar<br />

Sistema nervoso<br />

Cerebral<br />

Medula espinal<br />

Ouvido interno<br />

Doença da Descompressão (DDC): Sinais, Sintomas e Tratamento<br />

Prurido intenso; placas eritematosas nos ombros<br />

e no tórax superior; a pele de aparência<br />

marmórea pode preceder a sensação de<br />

—-queimação e o prurido nos ombros e no tronco;<br />

cianose localizada e edema com depressão.<br />

Dor à palpação em uma articulação grande;<br />

dor de leve até grave em articulação ou em<br />

extremidade; a dor geralmente é constante,<br />

mas pode ser latejante em 75% dos casos;<br />

sensação de crepitação ao movimentar uma<br />

articulação; piora com o movimento. A DDC<br />

tipo 1 pode progredir para DDC Tipo II.<br />

Dor retroesternal, tosse leve, dispneia, tosse não<br />

produtiva, cianose, taquipneia, taquicardia,<br />

choque e parada cardíaca<br />

Muitas alterações visuais, dores de cabeça,<br />

confusão, desorientação, náuseas e vómitos<br />

Dor lombar, sensação de peso ou fraqueza, torpor,<br />

paralisia, retenção urinária, incontinência fecal<br />

Vertigens, ataxia<br />

Autolimitada, resolve-se espontaneamente; observar,<br />

pela possibilidade de aparecerem sinais tardios de<br />

DDC com dor em membros.<br />

Apenas a dor leve geralmente se resolve sozinha;<br />

observe a dor moderada ou grave durante 24 horas.<br />

Administrar oxigénio a 100%, 12-15 litros/minuto,<br />

com máscara de fluxo unidirecional; transportar<br />

todos os doentes em decúbito dorsal; terapia<br />

intravenosa com soluções sem glicose (1-2 ml/kg/<br />

hora); consultar a DAN (919-684-8111) a respeito<br />

da câmara de recompressão mais próxima, para<br />

tratamento definitivo.<br />

ABCs; oxigénio a 100%, 12-15 litros/minuto, por<br />

máscara de fluxo unidirecional; suporte básico<br />

ou avançado de vida, conforme a necessidade;<br />

líquidos intravensos sem glicose (1-2 ml/kg/hora);<br />

transportar todos os doentes em decúbito dorsal;<br />

consultar precocemente a DAN (919-684-8111) a<br />

respeito da câmara de recompressão mais próxima,<br />

para tratamento definitivo.<br />

(De Barratt DM, Harch PG, Van Meter K: Decompression illness in divers: a review of the literature. Neurologist 8:186, 2002; e Kizer KW Van Hoesen KB: Diving medicine. In Auerbach PS:<br />

Wilderness medicine, Ed5, St Louis, 2007, Mosby Elsevier.)


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 539<br />

túrbio assemelha-se à síndrome da angústia respiratória aguda<br />

(SARA)."3<br />

Acometimento da Medula Espinal (DDC Tipo II). A substância<br />

branca da medula espinal é vulnerável à formação de bolhas e<br />

o nitrogénio é altamente solúvel no tecido da medula espinal<br />

(mielina). O local mais comum desta forma de DDC é a coluna<br />

torácica inferior, seguido pelas regiões lombar/sacral e cervical.50<br />

Os sinais e sintomas mais comuns são dor lombar e sensação de<br />

"peso" nas pernas. Nesta forma de DDC, o doente geralmente dá<br />

uma declaração vaga, na tentativa de descrever "sensações estra¬<br />

nhas" ou parestesias, que podem progredir para fraqueza, torpor<br />

e paralisia. Também foi referida disfunção intestinal e vesical,<br />

levando à retenção urinária."'1<br />

A Figura 21-14 resume os sinais e sintomas da doença de des¬<br />

compressão e o seu tratamento.<br />

Avaliação<br />

Deve ser feita uma abordagem padronizada dos doentes com EGA<br />

e DDC, para garantir que o atendimento que recebem seja consis¬<br />

tente. É recomendável que todos os doentes com lesões relacio¬<br />

nadas ao mergulho autónomo sejam examinados pensando nos<br />

sinais e sintomas de EGA e DDC, porque o tratamento primário e<br />

essencial é a câmara de recompressão.<br />

Embolia Gasosa Arterial<br />

Aproximadamente 5% de todos os doentes com EGA apresen¬<br />

tam imediatamente apneia, perda de consciência e parada car¬<br />

díaca. Outros apresentam sinais e sintomas semelhantes ao de<br />

um acidente vascular cerebral agudo com perda de consciência,<br />

letargia, confusão, hemiparesia, convulsões, vertigens, alterações<br />

visuais, alterações sensitivas e cefaleia.<br />

Doença da Descompressão<br />

A DDCTipoIcaracteriza-se por dor profunda em uma articulação<br />

e inclui formas leves de prurido cutâneo (coceira intensa) e obs¬<br />

trução de vasos linfáticos (linfedema). A DDC Tipo II caracteri¬<br />

za-se por sintomas que envolvem o sistema nervoso central, indo<br />

desde fraqueza e torpor até paralisia. Obtenha um perfil do mer¬<br />

gulho e a história clínica dos eventos que levaram à lesão relacio¬<br />

nada ao mergulho, conversando com outro colega de mergulho,<br />

incluindo (!) tempo de início dos sinais e sintomas; (2) tipo de<br />

gás usado na respiração (p. ex., ai- ou gases mistos; Heliox); (3)<br />

perfil do mergulho (atividade do mergulho, profundidade, dura¬<br />

ção, frequência de mergulhos, intervalo na superfície, intervalo<br />

entre os mergulhos); (4) localização do mergulho e condições da<br />

água; (5) fatores de risco do mergulho; (6) problemas médicos<br />

e de equipamento que possam ter ocorrido debaixo d'água, na<br />

descida e na subida; (7) se o mergulho teve descompressão ou<br />

não; (8) velocidade de subida; (9) parada(s) para descompressão;<br />

(10) nível de atividade pós-mergulho; (11) viagem aérea pós-mergulho,<br />

com tipo e duração; (12) história clínica passada e aluai<br />

(DDC); (13) uso de medicamentos; e (14) uso atual de álcool ou<br />

drogas ilícitas."5<br />

Tratamento<br />

Assegure os ABCs, proteja a via aérea, inicie os procedimentos de<br />

suporte básico (BLS) ou avançado (ALS) de vida, se necessário.<br />

Ofereça oxigénio a 100%, '12-15 litros/minuto, administre soro<br />

fisiológico ou Ringer lactato (nada de glicose) (1-2 ml/kg/hora).<br />

Monitore os sinais vitais, a oximetria de pulso e o ECG; avalie<br />

e trate a glicemia, conforme necessário; controle as convulsões.<br />

Proteja o doente de hipotermia e consulte o controle médico<br />

local ou a DAN a respeito da câmara de recompressão mais pró¬<br />

xima (tratamento primário) (ver Fig. 21-15 para informações de<br />

contato sobre a DAN). A terapia de recompressão padrão com<br />

oxigénio hiperbárico a 100% é feita de acordo com as tabelas<br />

de tratamento da Marinha dos Estados Unidos.1'" Transporte o<br />

doente em decúbito dorsal. Em todas as lesões relacionadas ao<br />

mergulho autónomo, se for feita evacuação aérea, de helicóp¬<br />

tero ou outra aeronave não pressurizada, recomenda-se voar o<br />

mais baixo possível (p. ex., 500 pés, cerca de 150 metros), não<br />

excedendo os 1.000 pés (cerca de 300 melros), para minimizar<br />

maior expansão das bolhas (lei de Boyle) e maior trauma por<br />

disbarismo.'11,55<br />

O tratamento definitivo de barotraumas específicos, incluindo<br />

â EGA e a DDC, é feito através da administração de oxigénio 100%<br />

por máscara, duas a três vezes a pressão atmosférica ao nível do<br />

mar, em uma câmara de recompressão.07 (Para uma discussão<br />

mais completa sobre os métodos de tratamento de recompressão<br />

para as lesões relacionadas ao mergulho autónomo, consulte o<br />

Manual de Mergulho da Marinha dos Estados Unidos ou outras<br />

fontes.'11,0"). O doente heneficia-se imediatamente, com base nos<br />

princípios da lei de Boyle, pelo aumento da pressão ambiente, a<br />

FIGURA 21-15<br />

Informações de Contato da Divers<br />

Alert Network DAN (Rede de Alerta<br />

de Mergulhadores) para Consultas<br />

de Emergência e Não Emergência<br />

Emergênciasrelacionadas ao mergulho (Lembre:chame<br />

primeiro os socorristas locais, depois a DAN!)<br />

1-919-684-8111<br />

1-919-684-4DAN (a cobrar)<br />

1-800-446-2671 (ligação gratuita)<br />

+1-919-684-9111 (linha para a América Latina)<br />

Assistência de Viagem para Emergências não Relacio¬<br />

nadas ao Mergulho<br />

1-800-DAN-EVAC (1-800-326-3822)<br />

Se estiver fora dos EUA, Canadá, Porto Rico, Baha¬<br />

mas, Ilhas Virgens Inglesas ou Ilhas Virgens<br />

Americanas, ligue<br />

+1-215-245-2461 (a cobrar)<br />

Questões Médicas não Emergenciais<br />

. 1-800-446-2671 ou 1-919-684-2948,<br />

Seg a Sex, 9-20 h (horário do leste)<br />

Todas as outras Dúvidas<br />

1-800-446-2671 ou 1-919-684-2948<br />

1-919-490-6630 (fax)<br />

1-919-492-3040 (fax- Departamento Médico)<br />

The Peter B. Bennett Center<br />

Divers Alert Network<br />

The Peter B. Bennett Center<br />

6 West Colony Place<br />

Durham, NC27705 USA<br />

(De http://www.diversalerlnetwork.org/contact/index.asp. Accessed Sept 4, 2010.)


540 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 21-16<br />

Terapia de Recompressão em Lesões Relacionadas ao Mergulho Autónomo<br />

Os objetivos da terapia de recompressão por lesões relacio¬<br />

nadas ao mergulho autónomo, provocadas por barotrauma com<br />

superinflação pulmonar e doença de descompressão (DDC) são<br />

comprimir as bolhas e aumentar o suprimento de oxigénio aostecidos.<br />

A terapia de recompressão inclui os seguintes mecanismos:<br />

E Redução do volume das bolhas nos capilares pulmonares e<br />

filtração<br />

Promoção da reabsorção das bolhas em solução<br />

Aumento da oxigenação dos tecidos<br />

Correção da hipoxia<br />

Aumentar o gradiente de difusão do nitrogénio<br />

a Redução do edema<br />

Redução da permeabilidade dos vasos sanguíneos<br />

Todos os mergulhadores com embolia gasosa arterial (EGA) e<br />

DDC devem ser considerados candidatos à recompressão precoce<br />

em instituição de tratamento hiperbárico, já que a terapia é mais<br />

eficaz quando iniciada em até 6 horas após o aparecimento dos<br />

sintomas. Os mergulhadores nem sempre estão próximos às<br />

câmaras de recompressão quando surgem os sintomas, e pode<br />

haver atrasos consideráveis no transporte terrestre ou aéreo até<br />

tais equipamentos. Nos Estados Unidos, contate a Diver's Alert<br />

Network (DAN) acerca da assistência médica a mergulhadores e<br />

para determinar qual a câmara de recompressão mais próxima.<br />

Enquanto isso, coloque o doente em posição supina. A remoção<br />

de nitrogénio pode ser feita através da administração de oxigénio a<br />

100% por máscara e de fluidos (soro fisiológico ou Ringer lactato)<br />

por via IV, a 1 a 2 ml/kg/h, garantindo a adequação do volume<br />

intravascular e da perfusão capilar. Durante o tratamento de<br />

recompressão, doentes acometidos por EGA ou DDC normalmente<br />

são submetidos a 2,5 a 3,0 atm por 2 a 4 horas, enquanto respiram<br />

oxigénio a 100%. A terapia mais prolongada e repetida pode ser<br />

necessária caso o doente não apresente melhora clínica. Os<br />

princípios da recompressão terapêutica incluem os seguintes:<br />

Quaisquer dores ou sinais e sintomas neurológicos nas<br />

primeiras 24 horas após um mergulho são provocados pela DDC<br />

até prova em contrário.<br />

Quaisquer dores ou sinais e sintomas neurológicos nas<br />

primeiras 48 horas após voar depois de mergulhar são<br />

provocados pela DDC até prova em contrário.<br />

Todo mergulhador com sinais e sintomas de DDC devem ser<br />

submetidos ao tratamento de recompressão.<br />

Nunca deixe de tratar casos suspeitos.<br />

A instituição precoce do tratamento melhora o prognóstico,<br />

enquanto seu retardo o piora.<br />

e Atrasos prolongados nunca devem excluir a realização do<br />

tratamento, porque os mergulhadores respondem à terapia dias<br />

a semanas após a lesão.<br />

h Monitore cuidadosamente o doente quanto a sinais de alívio ou<br />

progressão dos sintomas.<br />

a 0 tratamento inadequado pode levar a recidivas.<br />

a Mantenha o tratamento até atingir o platô clínico.<br />

(Modificado de: Tibbies PM, Edelsberg JS: Hyperbaric oxygen therapy. N EnglJ Med 334(25):1642, 1996; de Barratt DM, Harch PG, Van Meter K: Decompression illness in<br />

divers: A review of the literature. Neurologist 8:186, 2002; e de Kizer KW, Van Hoesen KB: Diving medicine. In Auerbach PS: Wilderness medicine ed 5, St. Louis, 2007, Mosby<br />

Elsevier.)<br />

diminuição cia formação de bolhas e o aumento da concentração<br />

de oxigénio nos tecidos. A Figura 21-16 descreve a terapia de<br />

recompressão e de oxigénio hiperbárico (OHB).<br />

Prevenção das Lesões Relacionadas ao<br />

Mergulho Autónomo<br />

Milhões de mergulhadores autónomos certificados precisam<br />

de reciclagem frequente para prevenir e reconhecer as lesões<br />

relacionadas ao mergulho autónomo. Esse número inclui mui¬<br />

tas equipes de mergulhadores profissionais dos Estados Unidos,<br />

como salva-vidas, bombeiros, policiais, profissionais de busca e<br />

salvamento, a Guarda Costeira e o Departamento de Defesa, que<br />

dependem dos SMEs focais para prestar o atendimento médico<br />

inicial e fazer o acompanhamento, além do transporte para os<br />

hospitais focais ou câmaras de recompressão. Recomenda-se<br />

enfaticamente que haja colaboração entre as equipes de mergulho<br />

e os SMEs focais para desenvolver cenários clínicos durante o<br />

treinamento de mergulho. Essa colaboração deve incluir frequen¬<br />

tes treinamentos de mergulho autónomo em condições subaquá¬<br />

ticas e focalizações variadas, juntamente com cenários de resgate<br />

na água e atendimento médico inicial, que são da maior impor¬<br />

tância para a segurança e a eficácia do resgate e da recuperação<br />

dos nadadores/mergulhadores. A coordenação do treinamento<br />

de mergulho autónomo entre os membros da equipe médica de<br />

mergulho e os socorristas dos SMEs locais assegurará a comu¬<br />

nicação efetiva e a continuidade apropriada do tratamento feito<br />

no focal. Essa coordenação deve incluir consultas baseadas em<br />

cenários com o controle médico focai e a DAN.<br />

Aptidão Física para Mergulhar<br />

Os profissionais responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar<br />

que respondem a incidentes relacionados a mergulhos não<br />

somente devem avaliar os mergulhadores, de todas as faixas etá¬<br />

rias, quanto à presença de distúrbios primários relacionados ao<br />

incidente de submersão, DDC ou EGA, mas também por doeu-


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 541<br />

FIGURA 21-17<br />

Aptidão ao Mergulho: Doenças<br />

que Impedem ou Desaconselham a<br />

Realização de Mergulho Autónomo<br />

CONTRAINDICAÇÕES ABSOLUTAS AO MERGULHO<br />

Epilepsia ou outras doenças convulsivas<br />

Gestação<br />

Doença coronariana sintomática<br />

Anemia falciforme<br />

Doença de Ménière<br />

Incapacidade crónica de equalização dos seios da face<br />

e/ou da orelha média<br />

Asma aguda com função pulmonar anormal<br />

Doença pulmonar cística ou cavitária<br />

Doença pulmonar obstrutiva ou restritiva<br />

Defeito em septo atrial<br />

Pneumotórax espontâneo<br />

Perfuração crónica da membrana timpânica<br />

Presença de gás no espaço intraorbital<br />

DESACONSELHAM A PRÁTICA DO MERGULHO AUTÓNOMO<br />

Convulsões<br />

Lesão cefálica<br />

Síncope inexplicada<br />

Pneumotórax<br />

Asma<br />

Doença pulmonar bolhosa<br />

Defeito em septo atrial<br />

Persistência do forame oval<br />

Doença coronariana<br />

Disritmia<br />

Hipertensão<br />

Distúrbios em orelha, nariz ou garganta<br />

Diabetes<br />

Gestação<br />

Enxaqueca<br />

Anemia falciforme (doente ou portador)<br />

Distúrbios de pânico<br />

(De Kizer KW, Van Hoesen KB: Diving Medicine. In Auerbach PS: Wilderness<br />

Medicine ed 5, St. Louis, 2007, Mosby Elsevier.)<br />

ças subjacentes (p. ex., cardíaca, pulmonar, neurológica, endó¬<br />

crina, psiquiátrica ou uma combinação de distúrbios médicos e<br />

disbáricos). O ideal é que lodos os novos mergulhadores devem<br />

passar por uma avaliação médica antes de iniciar o treinamento<br />

de mergulho autónomo. Estão listadas a seguir cinco recomenda¬<br />

ções médicas gerais para a identificação de indivíduos com risco<br />

elevado de ter problema relacionado ao mergulho. Essas reco¬<br />

mendações baseiam-se em um consenso de especialistas médicos<br />

em mergulho." ,li" Consulte também a Figura 21-17 para as con¬<br />

traindicaçõos absolutas e condições específicas de preocupação<br />

quanto ao mergulho com cilindro. As recomendações incluem:<br />

s A incapacidade de equalizar a pressão em um ou mais dos<br />

espaços aerados do corpo aumenta o risco de barotrauma.<br />

a Problemas clínicos ou psiquiátricos podem manifestar-se<br />

debaixo d'água ou em locais de mergulho distantes e<br />

podem pôr em risco a vida do mergulhador, por causa do<br />

problema propriamente dito, pelo lato de ocorrer na água<br />

ou por não haver disponibilidade de atendimento médico<br />

adequado.<br />

s A perfusão tecidual inadequada ou a difusão de gases<br />

inertes aumentam o risco de DDC.<br />

ÿ<br />

Más condições físicas aumentam o risco de DDC ou de<br />

problemas clínicos relacionados com o exercício. Os fatores<br />

que comprometem a condição física podem ser fisioló¬<br />

gicos ou farmacológicos.<br />

3 Nas gestantes, o feto pode ter risco aumentado de lesão<br />

disbárica.<br />

Por muitos anos, os diabéticos questionaram os especialis¬<br />

tas médicos acerca do banimento de indivíduos que controlam<br />

a glicemia dos mergulhos com cilindro. Em junho de 2005, um<br />

workshop internacional foi realizado nos Estados Unidos, sendo<br />

conjuntamente patrocinado pela Undersea andHyperbaricMedi¬<br />

cai Society (UHMS) e Divers Alert Network (DAN), com mais de<br />

50 especialistas médicos e pesquisadores, de lodo o mundo,<br />

para desenvolver orientações direcionadas aos mergulhadores<br />

recreativos com diabetes. Foi decidido que candidatos a mer¬<br />

gulho que usam medicação (agentes hipoglicemiantes orais ou<br />

insulina) para o Iralamenlo da diabetes, mas que são qualificados<br />

ao esporte, podem realizá-lo cilindro. Critérios estritos, porém,<br />

precisam ser atendidos antes do mergulho. Os especialistas con¬<br />

cordaram que os diabéticos sob controle dietético atendem, com<br />

facilidade, às novas orientações. As orientações consensuais (Fig.<br />

21-18) são compostas por 19 pontos, sob categorias de seleção e<br />

acompanhamento, escopo do mergulho e manejo da glicemia no<br />

dia do evento.<br />

Voar Depois de Mergulhar<br />

Como os mergulhos são feitos em muitos locais populares dos<br />

Estados Unidos e em locais remotos fora dos Estados Unidos,<br />

algumas pessoas podem mergulhar na véspera de tomar o avião.<br />

Devido ao princípio de Boyle, voar tão pouco tempo após um<br />

mergulho pode aumentar o risco de doença de descompressão,<br />

durante o voo ou depois da chegada ao destino, por causa da pres¬<br />

são atmosférica reduzida em uma aeronave comercial pressuri¬<br />

zada ou não pressurizada. A Figura 21-19 lista as recomendações<br />

atuais da DAN para voar com segurança depois de mergulhar.'"<br />

Relâmpago<br />

O relâmpago é a maior ameaça a pessoas e propriedades durante<br />

a temporada de tempestades, perdendo apenas para as enchentes<br />

nas mortes provocadas por este tipo de evento nos Estados Uni¬<br />

dos desde 1959. 7(1 Nos Estados Unidos, o National Weather Ser¬<br />

vice estima que 100.000 tempestades com raios ocorram a cada<br />

ano, que os relâmpagos estão presentes em todas as tempestades.<br />

Relata-se que os relâmpagos iniciam aproximadamente 75.000


542 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 21-18<br />

Orientações para Mergulho Recreativo por Doentes com Diabetes<br />

SELEÇÃO E SUPERVISÃO<br />

o Idade >18 anos (>16 anos caso em programa especial de<br />

treinamento)<br />

Retardar mergulho após iniciar/mudar medicação<br />

-3 meses com agentes hipoglicêmicos orais (AHO)<br />

-1 ano após instituição de terapia com insulina<br />

a Ausência de episódios de hipoglicemia ou hiperglicemia<br />

requerendo intervenção de um terceiro indivíduo por pelo<br />

menos um ano<br />

a Ausência de histórico de hipoglicemia desconhecida<br />

HbA1c 9% indicam a necessidade de maior avaliação e<br />

possível modificação da terapia<br />

Ausência de complicações secundárias significativas da<br />

diabetes<br />

0 Médico/especialista em diabetes deve realizar uma revisão<br />

anual e determinar que o mergulhador tem bom entendimento<br />

da doença e do efeito de exercícios após a consulta com<br />

médico especialista em mergulho, conforme solicitado<br />

Avaliação da presença de isquemia silente em candidatos >40<br />

anos de idade -<br />

- após a avaliação inicial, a verificação periódica da<br />

presença de isquemia silente pode ser feita de acordo com<br />

as orientações locais/nacionais de avaliação de diabéticos<br />

0 candidato documenta a intenção de seguir o protocolo<br />

para mergulhadores com diabetes e a interromper a prática e<br />

procurar auxílio médico em caso de ocorrência de quaisquer<br />

eventos adversos durante o mergulho que possam estar<br />

relacionados à diabetes<br />

ESCOPO DE MERGULHO<br />

b O mergulho deve ser planejado de modo a evitar<br />

- profundidades >100 fsw (30 msw)<br />

- duração>60 minutos<br />

- paradas obrigatórias de descompressão<br />

- ambientes fechados (p. ex., cavernas, destroços)<br />

- situações que podem exacerbar a hipoglicemia (p. ex., frio<br />

prolongado e mergulhos difíceis)<br />

0 colega/líder de mergulho deve ser informado da doença do<br />

mergulhador e das etapas a seguir em caso de problema<br />

0 colega de mergulho não deve ser diabético<br />

TRATAMENTO DA GLICEMIA NO DIA DO MERGULHO<br />

Autoavaliação geral da condição física para o mergulho<br />

a Glicemia >150 mg-dL-1 (8,3 mmol-L-1), estável ou em elevação,<br />

antes da entrada na água<br />

- completar, no mínimo, três glicemias pré-mergulho<br />

para avaliar as tendências em 60 minutos, 30 minutos e<br />

imediatamente antes do mergulho<br />

- alterações nas dosagens de AHO ou insulina na noite<br />

anterior ou no dia do mergulho podem auxiliar o manejo da<br />

glicemia<br />

h Retardar o mergulho caso a glicemia seja<br />

-300 mg-dL-1 (16,7 mmol-L-1)<br />

b Medicamentos de resgate<br />

- leve glicose para administração oral em todos os<br />

mergulhos, em local de fácil acesso<br />

-tenha glucagon para administração parenteral à superfície<br />

8 Em caso de hipoglicemia observada sob a água, o mergulhador<br />

deve voltar à superfície (com um colega), estabelecer a<br />

flutuação positiva, ingerir glicose e sair da água<br />

b Avalie a glicemia frequentemente nas 12-15 primeiras horas<br />

após o mergulho<br />

Garanta que, nos dias de mergulho, a hidratação seja adequada<br />

b Registre todos os mergulhos (incluindo os resultados da<br />

glicemia e todas as informações pertinentes ao manejo da<br />

diabetes)<br />

(De Pollock NW, Uguccioni DM, Dear GdeL, editores: Diabetes and recreational diving: Guidelines for the future. Proceedings of the UHMS/DAN 2005 June 19Workshop. Durham,<br />

NC: Divers Alert Network; 2005.)<br />

incêndios florestais todos os anos, e 40% de todos os incêndios/ 1<br />

A forma mais destrutiva do relâmpago é o raio de nuvem a terra<br />

(Fig. 21-20). Baseado no sistema de detecção de relâmpagos<br />

em tempo real, é estimado que raios de nuvem a terra ocorram,<br />

aproximadamente, 20 milhões de vezes por ano, com até 50.000<br />

relâmpagos por hora durante uma tarde de verão.'- ''1 Nos Esta¬<br />

dos Unidos, a região central da Flórida apresenta o maior número<br />

de relâmpagos por ano (veja, na Figura 21-21, a distribuição de<br />

relâmpagos naquele país). Os relâmpagos ocorrem com maior fre¬<br />

quência de junho a agosto, mas são observados, o ano todo, na<br />

Flórida e na costa sudeste do Golfo do México/'1<br />

Desde a década de 1950, o número de mortes causadas por<br />

relâmpagos nos Estados Unidos foi reduzido, talvez pela dimi¬<br />

nuição do número de pessoas trabalhando ao ar livre, em áreas<br />

rurais, pela melhoria dos sistemas de alerta de tempestades, pelo<br />

aumento da educação do público e pela melhoria do atendi¬<br />

mento médico 7'1 Os últimos relatos indicam que os relâmpagos<br />

matam 50 a 300 indivíduos por ano, causando lesões em cerca de<br />

1.000.71,/G As principais ameaças à vida relacionadas a relâmpa¬<br />

gos são as lesões neurológicas e cardiopulmonares.<br />

Epidemiologia<br />

Com base em uma publicação da National Oceanic and Atmos¬<br />

pheric Administration (NOAA) dos Estados Unidos, denominada<br />

Dados de Tempestades, 3.529 mortes (média de 98 mortes por<br />

ano), 9.818 lesões e 19.814 danos a propriedades foram relatadas<br />

durante um período de 36 anos, entre 1959 e 1994, e relaciona¬<br />

das a relâmpagos.'" Esse relatório mostrou que, naquele país, os<br />

quatro estados com maior número de acidentes (mortes e lesões)<br />

causados por relâmpagos são Flórida (523), Michigan (732), Pen¬<br />

silvânia (644) e Carolina do Norte (629). O maior número de mor¬<br />

tes foi observado na Flórida (345), na Carolina do Norte (165),<br />

no Texas (164) e em Nova York (128). A Figura 21-22 mostra a<br />

categorização das lesões e mortes causadas por raios, em cada<br />

estado norte-americano, entre 1959 e 1994.


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 543<br />

FIGURA 21-19<br />

DiretrízesAtuais da DiversAlert Network<br />

(Rede deAlerta de Mergulhadores) para<br />

Viagens Aéreas Seguras após o Mergulho<br />

As diretrizes a seguirsão resultado do consenso dos participantes<br />

do Workshop 2002 "Voar depois de Mergulhar". Aplicam-se<br />

aos mergulhos seguidos de voos em cabines a altitudes de 610<br />

m a 2.438 m para mergulhadores sem sintomas de doença de<br />

descompressão (DDC). Os intervalos em solo antes dos voos não<br />

garantem que não possa ocorrer DDC. Intervalos mais longos<br />

reduzem ainda mais o risco de DDC.<br />

s Para um único mergulho sem descompressão, sugere-se um<br />

intervalo mínimo de 12 horas antes de voar.<br />

b Para múltiplos mergulhos por dia ou vários dias de mergulho,<br />

sugere-se um intervalo mínimo de 18 horas antes de voar.<br />

Para os mergulhadores que necessitam de paradas para<br />

descompressão,existem poucasevidências parafundamentaruma<br />

recomendação, e parece prudente um intervalo substancialmente<br />

maior que 18 horas antes davoar.<br />

FIGURA 21-20 Um raio de nuvem a terra, com relâmpago de<br />

padrão estriado.<br />

(De Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE: Lighlning injuries. In Auerbach PS:<br />

Wilderness medicine, ed 5, SI. Louis, 2007, Mosby Elsevier.)<br />

11> Raios<br />

:m'* ano'<br />

Raios por<br />

quilômelro<br />

quadrado<br />

por ano<br />

0,5<br />

0.25<br />

0.12<br />

0.06<br />

0.03<br />

0,016<br />

FIGURA 21-21 A. Distribuição de relâmpagos nos Estados Unidos, com a maior concentração na região sudeste. B. Distribuição<br />

de relâmpagos em todo o mundo.<br />

(De Huílines GR, Orville RE: Lighlning ground flash density and thunderstorm duration in the continental United States, 1989-1996.JAppl Meteoro138:1013, 1999.)


544 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Mortes e lesões<br />

A<br />

Alasca: O<br />

Havaí: 4<br />

D.C.: 23<br />

Porto Rico: 36<br />

Classificação<br />

ÿ 1-10<br />

ÿ 11-20<br />

ÿ 21-30<br />

ÿ 31-52<br />

Taxa de<br />

mortes/lesões<br />

Classificação<br />

ÿ 1-10<br />

ÿ 11-20<br />

ÿ 21-30<br />

ÿ 31-52<br />

FIGURA 21-22 Classificação de cada estado norte-americano quanto a acidentes com relâmpagos (mortes e lesões) de 1959 a<br />

1994. A. Acidentes por estado. B. Acidentes em relação à população do estado. C. Ocorrências relacionadas a relâmpagos em 2009.<br />

(Resultados (A & B) de Curran EB, Holle RL, Lopez RE: Lightning latalilies, injuries, and damage reports in the United States Irom 1959-1994. NOAA Tech Memo NWS SW-193, 1997, Parle C de<br />

hltp://w\mwealher.gov/om/lightning/(atalities09.htm. Acessado em 5 de setembro de 2010.)


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 545<br />

Segundo uma revisão dos atestados de óbito listando os raios<br />

como causa de morte, ocorreram 1.318 óbitos decorrentes de<br />

tais incidentes entre *1980 e 1995 nos Estados Unidos.77 Daque¬<br />

les indivíduos que morreram durante esse período de 16 anos,<br />

*1.125 (85%) eram do sexo masculino, e 896 (68%) tinham entre<br />

*15 e 44 anos de idade. A maior taxa de morte por raios foi obser¬<br />

vada em indivíduos entre 15 e 19 anos de idade (seis mortes por<br />

10.000.000). A análise mostra que cerca de 30% dos indivíduos<br />

atingidos morreram, e 74% dos sobreviventes apresentaram inca¬<br />

pacidades permanentes. Além disso, as vítimas que .apresentam<br />

queimaduras no crânio ou em membros inferiores são mais suscelíveis<br />

à morte.'8 Dentre os indivíduos mortos por raios, 52%<br />

estavam em ambientes abertos (sendo que 25% deles estavam<br />

trabalhando). A morte ocorreu em uma hora em 63% das vítimas<br />

de relâmpagos.<br />

Mecanismo de Lesão<br />

A lesão provocadapor relâmpagos pode ser resultante dos seguin¬<br />

tes cinco mecanismos:<br />

a Ataque clireto ocorre quando u/n indivíduo está em<br />

ambiente aberto e não é capaz de encontrar um abrigo.<br />

0 Contato lateral ou respingo ocorre quando o relâmpago<br />

atinge um objelo (p. ex., terra, edifício, árvore) e respinga em<br />

uma ou mais vítimas. O salto de correnLe do primeiro objeto<br />

atingido pode respingar em um indivíduo. Os respingos<br />

ocorrem de indivíduo a indivíduo, árvore a indivíduo e até<br />

mesmo em ambientes fechados, do lio de telefone ao indiví¬<br />

duo usando o aparelho.<br />

0 Contato ocorre quando o indivíduo está em contato direto<br />

com o objeto que é atingido ou com um respingo.<br />

H Voltagem de corrente ou corrente de terra ocorre quando<br />

o relâmpago atinge a terra ou um objeto adjacente. A dis¬<br />

seminação da corrente é radial. O tecido humano tem<br />

menos resistência do que a terra, e o trajeto da corrente, por<br />

exemplo, sobe por um membro inferior e desce pelo outro,<br />

seguindo a via de menor resistência.<br />

0 Indireto. O trauma fechado pode ser decorrente de uma<br />

onda de choque produzida pelo relâmpago, que pode jogar<br />

o indivíduo a até *10 metros. As lesões podem ser resultantes<br />

de incêndios florestais, incêndios em edifício e explosões<br />

provocadas pelos raios.' 'ÿ7!Uil)<br />

ITá seis fatores conhecidos que determinam a gravidade da<br />

lesão elétrica e da corrente do relâmpago: o tipo de circuito, a<br />

duração da exposição, a voltagem, a amperagem, a resistência do<br />

tecido e a via de corrente. Uma vez conlatado pelo relâmpago ou<br />

outra fonte elétrica de alta voltagem, o calor gerado no interior<br />

do corpo é diretamente proporcional à quantidade de corrente, à<br />

resistência tecidual e a duração do contato. Conforme a resistên¬<br />

cia dos diversos tecidos aumenta (p. ex., de nervo a músculo e<br />

osso), o calor gerado pela passagem de corrente também é maior.<br />

E fácil assumir que as lesões causadas por raios são similares<br />

aquelas provocadas por eletricidade em alta voltagem. Existem,<br />

porém, diferenças significativas entre os dois mecanismos de<br />

lesão.<br />

Um relâmpago é formado por corrente direta (DC), diferente<br />

da corrente alternada (AC), que é responsável pelas lesões eléfiicas<br />

industriais e domésticas. Um relâmpago produz milhões de<br />

volts de corrente e 30.000 a 50.000 amp; além disso, a duração<br />

de exposição é instantânea (10-100 milissegundos). A tempera¬<br />

tura do relâmpago varia conforme seu diâmetro, mas a temperatura<br />

média é de aproximadamente 8.000 °C.7(' Comparativamente, até<br />

mesmo a eletricidade de alta voltagem tende a ler voltagem muito<br />

menor do que um raio. O principal falor que distingue as lesões<br />

provocadas por relâmpagos daquelas causadas pela eletricidade<br />

em alta voltagem, alterando o padrão lesionai, é a duração da<br />

exposição à corrente.71' A Figura 21-23 lista as diferenças entre<br />

as lesões causadas por raios e por eletricidade de alta voltagem<br />

produzida por gerador.<br />

As vezes, o relâmpago pode provocar padrões lesionais simi¬<br />

lares àqueles causados pela eletricidade em alta voltagem, já que<br />

em raras ocasiões a exposição pode ser longa, durando até 0,5<br />

segundo. Esse tipo de relâmpago, denominado "raio quente", é<br />

capaz de provocar queimaduras profundas, explodindo árvores<br />

e causando incêndios ambientais. O relâmpago pode provocar<br />

ferimentos de entrada e saída no corpo, mas sua via mais comum,<br />

após atingir a vítima, é atravessar o corpo. Este fenómeno é deno¬<br />

minado corrente de flashover (combustão súbita generalizada).<br />

FIGURA 21-23<br />

Comparação entre as Lesões Causadas por Raios e as Lesões Elétricas por Alta Voltagem<br />

Fator Raios Alta voltagem<br />

Nível de energia 30 milhões de volts; 50.000 ampères Geralmente muito menor<br />

Tempo de exposição Breve, instantâneo Prolongado<br />

Trajeto Faísca, orifício Profundo, interno<br />

Queimaduras Superficiais, leves Profundas, internas<br />

Coração Parada cardíaca primária e secundária, assístole Fibrilação<br />

Rins Mioglobinúria ou hemoglobinuria raras Frequente insuficiência renal com mioglobinúria<br />

Fasciotomia Raramente necessária, se necessária alguma vez Comum, deve ser feita precocemente e de modo<br />

extenso<br />

Trauma fechado Efeito explosivo do trovão Queda, ser arremessado<br />

(Tabela modificada de Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE: Lightning injuries. In Auerbach PS: Wilderness medicine: management of wilderness and environmental<br />

emergencies, ed 5, St Louis 2007, Mosby Elsevier.)


546 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 21-24<br />

Lesões por Raios: Sinais e Sintomas Comuns e Tratamento<br />

Lesões Sinais/Sintoma Tratamento<br />

Leves<br />

Moderadas<br />

Graves<br />

Sensação estranha nas extremidades;<br />

confusão; amnésia; perda temporária da<br />

consciência; surdez ou cegueira; ruptura<br />

da membrana do tímpano.<br />

Desorientação, agitação, paralisias, fraturas,<br />

trauma fechado, ausência de pulso em<br />

membros inferiores, choque medular,<br />

convulsões, parada cardiorrespiratória<br />

temporária, coma.<br />

Qualquer um dos acima, otorreia, fibrilação<br />

ventricular ou assístole.<br />

Segurança da cena; ABCDEs; história clínica<br />

e exame secundário; monitorar o ECG;<br />

oferecer oxigénio e transportar todos os<br />

doentes com lesões leves.<br />

Segurança da cena; ABCDEs; história clínica<br />

e exame secundário; monitorar o ECG;<br />

reanimação cardiorrespiratória precoce,<br />

quando necessário; oferecer oxigénio e<br />

transportar todos os doentes.<br />

Reanimação cardiopulmonar e<br />

procedimentos avançados para a<br />

manutenção da vida; se houve múltiplas<br />

vítimas, use triagem "reversa".<br />

(Dados de O Keele GM, Zane RD: Lightning injuries, Emerg Med Clin NorthAm 22:369, 2004; e Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE: Lightning injuries. In Auerbach PS: Wilderness<br />

medicine: management of wilderness and environmental emergencies,ed 5, St Louis 2007, Mosby Elsevier.)<br />

A corrente de Jlashover pode também entrar pelos olhos, pelas<br />

orelhas, pelo nariz e pela boca. Acredita-se que este fluxo de cor¬<br />

rente é a razão das muitas sobi/evidas aos relâmpagos. Sabe-se<br />

também que a corrente de jlashover pode vaporizai- a umidade<br />

da pele ou explodir parte das roupas ou sapatos da vítima. A<br />

imensa corrente de jlashover gera grandes campos magnéticos,<br />

que, por sua vez, podem induzir correntes elétricas secundárias<br />

no interior do corpo, causando parada cardíaca e outras lesões<br />

internas."1-"2<br />

Lesões Provocadas por Relâmpagos<br />

As lesões causadas por raios variam de ferimentos superficiais<br />

menores a traumas multissistêmicos importantes e morte. A<br />

Figura 21-24 lista os sinais e sintomas comuns das lesões por<br />

raios. Como ferramenta de determinação da probabilidade de<br />

recuperação ou o prognóstico das vítimas, estas podem ser colo¬<br />

cadas em uma de três categorias de lesão, de acordo com sua<br />

gravidade: menor, moderada e maior.45<br />

Lesões de gravidade menor<br />

Doentes com lesões de gravidade menor estão alertas e relatam<br />

sensação desagradável e anormal (diseslesia) no membro afetado.<br />

Em casos mais graves, as vítimas relatam que foram atingidas na<br />

cabeça ou que uma explosão as atingiu, já que estão incertos da<br />

fonte. O doente pode apresentar:<br />

o Confusão (breve ou horas a dias)<br />

e Amnésia (breve ou horas a dias)<br />

a Rompimento da membrana timpânica<br />

o Surdez temporária<br />

0 Cegueira<br />

ÿ<br />

Inconsciência temporária<br />

ÿ<br />

Parestesia temporária<br />

a Dor muscular<br />

ÿ<br />

Queimaduras cutâneas (raras)<br />

ÿ<br />

Paralisia transiente<br />

As vítimas apresentam sinais vitais normais ou hiperten¬<br />

são branda e transiente; recuperação geralmente é gradual e<br />

completa.71'<br />

Lesões de gravidade moderada<br />

As vítimas com lesão de gravidade moderada apresentam lesões<br />

progressivas, únicas ou mullissistêmicas, sendo que algumas são<br />

fatais. Nesta categoria, alguns doentes também apresentam incapa¬<br />

cidades permanentes. Os doentes podem apresentar:<br />

Efeitos imediatos «<br />

E3 Sinais neurológicos<br />

0 Convulsões<br />

a Parada cardíaca<br />

h Confusão, amnésia<br />

h Cegueira<br />

n Tontura<br />

a Contusão provocada pela onda de choque<br />

h Trauma fechado (p. ex., fraturas)<br />

o Dor torácica, dores musculares<br />

ÿa<br />

Rompimento da membrana timpânica<br />

h Cefaleia, náusea, síndrome de pós-concussão<br />

0 Rompimento da membrana timpânica (comum)<br />

Efeitos tardios<br />

0 Déficits de memória<br />

b Alterações neuropsicológicas<br />

h Problemas de codificação e recuperação<br />

o Distração<br />

ÿ<br />

Alterações de personalidade<br />

a Irritabilidade<br />

h Dor crónica<br />

a Convulsões'1'<br />

Dependendo da localização do relâmpago, o acometimento<br />

do centro respiratório do cérebro pode resultar em parada respi-


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 547<br />

ratória prolongada, que pode levar a uma parada cardíaca secun¬<br />

dária, como resultante da hipoxia.7'' Nesta categoria, as vítimas<br />

podem apresentar parada cardiopulmonar imediata, embora a<br />

automaticidade inerente ao coração possa provocar um retorno<br />

espontâneo ao ritmo sinusal normal.78 Como a parada cardiopul¬<br />

monar imediata é a maior ameaça, os profissionais responsáveis<br />

pelo atendimento pré-hospitalar precisam, rapidamente, avaliar<br />

a via aérea, a respiração e a circulação em todos os indivíduos<br />

atingidos por raios e monitorar, continuamente, o ECG, para diag¬<br />

nóstico de eventos cardíacos secundários.<br />

Lesões de gravidade maior<br />

As vítimas com lesões graves (cardiovasculares ou neurológicas)<br />

provocadas por raios ou retardo da RCP apresentam mau prog¬<br />

nóstico. Ao chegar ao local, o profissional responsável pelo aten¬<br />

dimento pré-hospitalar pode encontrar o doente em parada car¬<br />

díaca, com assístole ou fibrilação ventricular (FV). O relâmpago<br />

provoca um extenso contrachoque de DC,que, simultaneamente,<br />

despolariza todo o miocárdio.01 A American Heart Association<br />

recomenda a realização de vigorosas medidas de reanimação<br />

naqueles indivíduos que parecem mortos à avaliação inicial.<br />

Isso é baseado em muitos relatos de excelente recuperação após<br />

paradas\cardíacas induzidas por relâmpago e no fato de que as<br />

vítimas, pessa categoria, são, em sua grande maioria, jovens e não<br />

cardiopatas.80<br />

Não é incomum observar runa parada cardíaca com recupe¬<br />

ração espontânea da atividade elétrica após o indivíduo ter sido<br />

atingido por um raio, mas qualquer parada respiratória contínua<br />

pode causar parada cardíaca secundária por hipoxia.80,81 Caso<br />

tenha ocorrido isquemia cardíaca e neurológica prolongadas,<br />

pode ser muito difícil reanimar estes doentes.70 Outros acha¬<br />

dos comuns são o rompimento da membrana timpânica, com<br />

presença de liquor e sangue no canal auditivo, lesões oculares<br />

e diversas formas de trauma fechado decorrentes de quedas,<br />

incluindo contusões de tecidos moles e fraturas de crânio, coste¬<br />

las, membros e coluna vertebral. Muitos doentes dessa categoria<br />

não apresentam evidências de queimaduras. Naqueles doentes<br />

que apresentam queimaduras cutâneas provocadas por relâmpa¬<br />

gos, geralmente menos do que 20% da área corpórea superficial<br />

total é acometida.""<br />

Lesões do sistema nervoso central (SNC) são comumente<br />

observadas em vítimas de raios e foram classificadas em quatro<br />

grupos:<br />

Efeitos sobre o SNC de Grupo 1 (Imediatos e Transientes): perda<br />

de consciência (75%), parestesia (130%); fraqueza (80%); con¬<br />

fusão, amnésia e cefaleias.<br />

Efeitos sobre o SNC de Grupo 2 (Imediatos e Prolongados): neuropalia<br />

isquêmica por hipoxia; hemorragia intracraniana; der¬<br />

rame cerebral pós-parada.<br />

Efeitos sobre o SNC de Grupo 3 (Síndromes Neurológicas Possi¬<br />

velmente Tardias): distúrbios em neurónios motores e distúr¬<br />

bios da movimentação.<br />

Efeitossobre o SNC de Grupo4 (Traumas por Quedas ou Explosões):<br />

hematomas subdurals e epidurals e hemorragia subaracnoide.<br />

Avaliação<br />

Ao chegar ao local, assim como em qualquer outro chamado,<br />

a prioridade é a segurança dos profissionais responsáveis pelo<br />

atendimento pré-hospitalar e dos demais profissionais de segu¬<br />

rança pública. Descubra se ainda há chance de ocorrência de<br />

relâmpagos na área. Tenha a tempestade se aproximado ou já pas¬<br />

sado, ainda há uma fonte de perigo que nem sempre é aparente,<br />

uma vez que os raios continuam sendo ameaças muito reais por<br />

até 16 quilómetros de distância.70 Na ausência de testemunhas,<br />

o mecanismo de lesão pode ser incerto, já que um relâmpago<br />

pode atingir um indivíduo em um dia ensolarado. Em caso de<br />

dúvida acerca do mecanismo de lesão, imediatamente avalie a<br />

via aérea, a respiração, a circulação, a presença de outras doenças<br />

e o ambiente, além de quaisquer condições com risco de morte,<br />

como em qualquer emergência. Esses doentes não possuem carga<br />

elétrica, e tocá-los não é perigoso. Avalie o ritmo cardíaco da<br />

vítima, através do ECG. É comum observar alterações inespecíficas<br />

no segmento ST e na onda T, mas evidências mais específicas<br />

de infarto do miocárdio, com elevação da onda Q ou do segmento<br />

ST raramente são observadas.0,1<br />

Assim que o doente estiver estável, uma detalhada avaliação<br />

da cabeça aos pés é necessária, para identificar a ampla gama de<br />

lesões que podem ocorrer nesse tipo de trauma. Avalie o doente<br />

quanto ao conhecimento da situação e à função neurológica de<br />

todos os membros, uma vez que estes podem apresentar paralisia<br />

transiente (denominada queraunoparalisia). As vítimas de raios<br />

são conhecidas por apresentarem uma disfunção autónoma, que<br />

faz com que as pupilas fiquem dilatadas, mimetizando traumas<br />

encefálicos."'1 Examine os olhos, uma vez que 55% das vítimas<br />

apresentam alguma forma de lesão ocular. Pesquise a presença<br />

de sangue ou liquor no canal auditivo-50% dessas vítimas apre¬<br />

sentam rompimento de uma ou ambas membranas timpânicas.<br />

Em todas as vítimas de raios, a probabilidade de ocorrência de<br />

trauma fechado é alta, por serem jogadas contra um objeto sólido<br />

ou pela queda de objetos sobre os doentes. Precauções relacio¬<br />

nadas à colima vertebral cervical são necessárias durante a ava¬<br />

liação, minimizando a ocorrência de novas lesões. Avalie a pele<br />

quanto a sinais de quaisquer queimaduras, variando de primeiro<br />

grau à espessura total. É comum observar uma aparência penuginosa<br />

na pele, denominada "lesão de Lichtenberg", mas estes<br />

padrões não são queimaduras e se resolvem em 24 horas. É mais<br />

comum observai" queimaduras secundárias à ignição de roupas e<br />

ao aquecimento de jóias ou outros objetos.<br />

Tratamento<br />

As prioridades de tratamento da vítima de raios são garantir a<br />

segurança do local, para você mesmo e sua equipe poderem esta¬<br />

bilizar a via aérea, a respiração e a circulação. Em caso de ausên¬<br />

cia de respiração ou circulação espontânea, inicie a RCP, por até<br />

cinco ciclos (dois minutos) e avalie o ritmo cardíaco com um desfibrilador<br />

automático externo (AED), com base nas orientações<br />

atuais.33 Use as medidas do suporte avançado à vida no trata¬<br />

mento da parada cardiopulmonar induzida por raios, com base<br />

nas atuais orientações da AHA para o suporte cardíaco e doentes<br />

pediátricos, como discutido.30 Avalie e hate o choque e a hipo¬<br />

termia. Administre oxigénio em alto fluxo a todos os doentes com<br />

ferimentos de gravidade moderada a intensa. A administração de<br />

fluidos por via intravenosa deve ser iniciada à taxa de manuten¬<br />

ção da veia aberta, uma vez que doentes atingidos por raios, dife¬<br />

rentemente daqueles feridos por eletricidade em alta voltagem,<br />

não apresentam extensa destruição tecidual e queimaduras que<br />

requeiram maiores quantidade de fluidos. Estabilize quaisquer


548 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

fraturas e imobilize a coluna vertebral cervical de doentes com<br />

traumas fechados. As vítimas atingidas por raios que apresen¬<br />

tam lesões de qualquer gravidade precisam ser encaminhados ao<br />

pronto-socorro, para maior avaliação e observação. O transporte<br />

pode ser feito por terra ou ar, com base em sua disponibilidade,<br />

distância e tempo até a chegada ao hospital, risco total à equipe<br />

de voo e o benefício ao doente.<br />

Como previamente mencionado, vítimas de relâmpagos apre¬<br />

sentam maior probabilidade de desfecho positivo quando sub¬<br />

metidas à reanimação precoce e eficaz. Há poucas evidências,<br />

porém, que sugiram que estes doentes possam recuperar o pulso<br />

após a instituição do suporte básico ou avançado à vida por mais<br />

do que 20 a 30 minutos.'1 Antes da interrupção da reanimação,<br />

todos os esforços devem ser feitos para estabilizar o doente atra¬<br />

vés do manejo da via aérea, associado à administração de oxigé¬<br />

nio cm alto fluxo e ventilação assistida e à correção da hipovolemia,<br />

hipotermia e acidose.<br />

Caso o incidente envolva múltiplas vítimas, os princípios<br />

de triagem devem ser imediatamente implementados. As regras<br />

normais de triagem são focar os limitados recursos profissionais<br />

e materiais nos doentes que apresentam lesões moderadas e gra¬<br />

ves, rapidamente passando por aqueles indivíduos com ausência<br />

de respiração e circulação. Na existência de múltiplos doentes<br />

atingidos por raios, porém, as regras se alteram, passando a ser<br />

a triagem "reversa" e a "reanimação do morto", uma vez que<br />

esses doentes estão em parada respiratória ou parada cardíaca<br />

e apresentam alta probabilidade de recuperação caso tratados<br />

demoradamente.7"-85 Por outro lado, outros doentes que sobrevi¬<br />

vem a relâmpagos apresentam pouca probabilidade de deteriora¬<br />

ção, a não ser na presença de traumas e hemorragias ocultas.<br />

Prevenção<br />

Com numerosas tempestades com raios ocorrendo o ano todo, os<br />

relâmpagos são comuns. O público e os profissionais responsá¬<br />

veis pelo atendimento pré-hospitalar devem ser educados acerca<br />

de sua prevenção e dos muitos mitos e concepções erróneas<br />

relacionadas aos relâmpagos (Fig. 21-25). Diversos recursos de<br />

prevenção de raios são dados por agências como o Notional Wea¬<br />

ther Service/NOAA, o NationalLightning Safety Institute, a Cruz<br />

Vermelha norte-mericana e a Federal Emergency Management<br />

Agency {FEMA).S0<br />

Orientações oficiais para prevenção e tratamento de lesões<br />

provocadas por raios foram publicadas por comissões médicas<br />

nacionais e internacionais.1"' Os profissionais responsáveis pelo<br />

atendimento pré-hospitalar que trabalham em regiões montanho¬<br />

sas são mais suscetíveis a relâmpagos, especialmente aqueles que<br />

aluam como guardas florestais e em operações de busca e resgate,<br />

além de outros profissionais de segurança pública que atuam em<br />

grandes altitudes e áreas remotas. Durante tempestades com raios<br />

em ambientes selvagens, é difícil encontrar áreas protegidas. É<br />

sempre recomendado acompanhar a previsão do tempo, uma<br />

vez que, nas montanhas, trovões e relâmpago ocorrem principal¬<br />

mente nos meses de verão, ao final da tarde e à noite. Assim, o<br />

adágio "para cima ao meio-dia e para baixo às 2 horas da tarde"<br />

nos lembra a retornar às áreas mais baixas entre o meio e o fim da<br />

tarde, reduzindo o risco de ocorrência de lesões provocadas por<br />

raios. O melhor local para fugir de uma tempestade com relâm¬<br />

pagos nas montanhosas é uma cabana ou refúgio. Fique longe de<br />

portas e janelas abertas. As barracas não protegem contra raios, e<br />

FIGURA 21-25<br />

Mitos e Conceitos Errados a<br />

Respeito dos Raios<br />

MITOS GERAIS<br />

ss 0 indivíduo atingido por um raio invariavelmente morre<br />

eí A principal causa de morte é por queimaduras<br />

6i Uma vítima atingida por um raio explode em chamas ou é<br />

reduzida a cinzas<br />

® Depois de atingidas, as vítimas ficam eletrificadas<br />

Os indivíduos só têm risco de serem atingidos quando há<br />

nuvens de tempestade no céu por cima deles<br />

b Estar dentro de um prédio durante uma tempestade protege<br />

100% contra raios<br />

b A crença de que um raio nunca cai duas vezes no mesmo<br />

lugar é falsa<br />

s 0 uso de calçado com sola de borracha e de capa de chuva<br />

protege a pessoa<br />

e São os pneus de borracha dos carros que protegem o<br />

indivíduo de lesões<br />

s 0 uso de jóias e metais aumenta o risco de atrair um raio<br />

a 0 raio sempre atinge o objeto mais alto<br />

a Na ausência de chuva, os raios não têm perigo nenhum<br />

a Pode haver raios sem trovões<br />

CONCEITOS ERRADOS<br />

Alguns mitos e conceitos errados por parte dos socorristas<br />

podem afetar adversamente o atendimento e a evolução dos<br />

doentes.<br />

G Quem não morrer ao ser atingido por um raio, não terá<br />

problema nenhum.<br />

o Se a vítima não apresentar sinais externos de lesão, a lesão<br />

não pode sertão grave.<br />

a As lesões causadas por raios devem ser tratadas da mesma<br />

maneira que as demais lesões elétricas por alta voltagem.<br />

® As vítimas de raios podem recuperar-se, mesmo que a<br />

reanimação cardiopulmonar demore muitas horas.<br />

(Modificado de O Keefe GM, Zane RD: Lightning injuries. Emerg Med Clin North<br />

Am 22:369, 2004; e Cooper MA, Andrews CJ, Holle RL, Lopez RE: Lightning injuries. In<br />

Auerbach PS: Wilderness medicine, ed 5, St. Louis, 2007, Mosby Elsevier.)<br />

suas estacas podem agir com para-raios. Cavernas e vales maiores<br />

são protetores, mas cavernas pequenas conferem pouca proteção<br />

caso o indivíduo esteja próximo à abertura e às paredes laterais.<br />

Leitos úmidos de rios são mais perigosos do que áreas abertas.<br />

Fique longe de penhascos e cumes de montanhas, linhas de alta<br />

tensão e pistas de esqui. Não fique próximo à base de árvores<br />

altas, uma vez que o relâmpago segue pelo tronco até o chão.<br />

Em uma floresta, é melhor ficai- em um grupamento de árvores<br />

menores. Se você for pego em espaços abertos, não se sente ou<br />

deite. É melhor agachar, com os pés ou joelhos juntos, mantendo


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 549<br />

o menor conlato possível com o chão, minimizando a ocorrência<br />

de lesões pela corrente de terra. Tente usar algum isolante entre<br />

você e a terra, como uma cobertura seca, para se ajoelhar ou sen¬<br />

tar. Membros de grupos devem ficar separados uns dos outros,<br />

mas dentro do campo de visão, para reduzir o número de feridos<br />

por correntes de terra ou relâmpagos laterais enfie indivíduos.<br />

Avente a possibilidade de uso de pequenos detectores portáteis<br />

de relâmpagos, de modo a receber um alerta prévio e implemen¬<br />

tar as etapas de prevenção antes da chegada da tempestade.<br />

Os profissionais responsáveis pelo atendimento pré-hospitalar<br />

e outros profissionais de segurança pública devem estabele¬<br />

cer procedimentos de acompanhamento da previsão do tempo,<br />

recebendo alertas atualizados de tempestade durante o dia como<br />

método de prevenção.<br />

Na educação da população, uma frase ensinada a crianças<br />

e adultos é "Caso veja, corra; se escutar, tudo bem". Outra útil<br />

regra é a "30-30". Quando o tempo entre ver o relâmpago e<br />

ouvir os trovões é de 30 segundos ou menos, os indivíduos estão<br />

em perigo e devem buscar um abrigo adequado. Além disso, é<br />

recomendado retornar à atividade ao ar livre somente após 30<br />

minutos após o último relâmpago ou trovão, já que a tempestade<br />

ainda é perigosa e um raio pode ocorrer em um espaço de até 16<br />

quilómetros."7,1"1Outra medida da proximidade dos raios é a regra<br />

entre o clarão e o estrondo, na qual cinco segundos equivalem a<br />

1,5 quilómetro: após um relâmpago, a cada cinco segundos até o<br />

som de trovão equivale a 1,5 quilómetro de distância. A seguir,<br />

estão as orientações de segurança para prevenção de relâmpagos<br />

durante tempestades:<br />

Em ambientes fechados<br />

1. Procure um edifício e fique longe de janelas e portas abertas,<br />

lareiras, banheiras e chuveiros e objetos metálicos, como pias<br />

e utensílios.<br />

2. Desligue o rádio e o computador e evite telefones com fio; use<br />

o telefone apenas em emergências.<br />

3. Desligue todos os aparelhos e equipamentos elétricos antes<br />

da chegada da tempestade.<br />

Ao ar livre<br />

1. Evite objetos metálicos, como bicicletas, tratores e cercas.<br />

2. Evite objetos altos, como árvores, e abaixe-se.<br />

3. Evite áreas próximas a oleodutos, fios de alta tensão e pistas<br />

de esqui.<br />

4. Evite campos abertos.<br />

5. Evite abrigos abertos (p. ex., abrigos para carros ou ônibus),<br />

dependendo de seu tamanho total, já relâmpagos laterais ou<br />

terrestres podem ocorrer.<br />

6. Livre-se de bastões de esqui e tacos de golfe, que podem<br />

atrair relâmpagos.<br />

7. Em grandes eventos públicos ao ar livre, procure ônibus ou<br />

minivans nas adjacências.<br />

8. Fique no interior de um veículo com capota, evitando con¬<br />

versíveis; mantenha as janelas fechadas e evite a presença de<br />

itens metálicos no veículo.<br />

9. Barracas oferecem pouca ou nenhuma proteção; evite esta¬<br />

cas metálicas e objetos úmidos.<br />

10. Na ausência de abrigos, todos os indivíduos devem ficar a<br />

'10 a 15 metros de distância, evitando contatos por respingo<br />

e correntes de terra.<br />

11. Tente lazer-o menor conlato possível com a terra.<br />

12. Agache-se, colocando os pés juntos, recubra as orelhas com<br />

as mãos e fique sobre algum material isolante. Uma posição<br />

alternativa é ajoelhar-se ou sentar-se de pernas cruzadas.<br />

*13. Não fique em pé, de cócoras, abraçado ou encostado a árvo¬<br />

res altas; procure uma área baixa, com árvores menores ou<br />

arbustos.<br />

14. Procure grandes cavernas e fique longe de sua abertura e<br />

paredes laterais.<br />

15. Caso esteja em áreas elevadas ou ao lado de uma montanha,<br />

procure um terreno mais baixo.<br />

16. Procure valas, a não ser que haja conlato com a água.<br />

17. Na água, vá imediatamente para a terra e fique longe da mar¬<br />

gem; evite nadar, ficar em barcos ou em objetos altos dentro<br />

d'água.70,76<br />

Sobreviventes de lesões causadas por raios podem enfiar¬<br />

em contato com a Lightning Strike & Electric Shock Survivors<br />

International, Inc. A LS&ESSI, Inc. é um grupo de apoio sem<br />

fins lucrativos para sobreviventes, suas famílias e outras pessoas<br />

interessadas. ITá membros em todos os Estados Unidos e mais 13<br />

outros países (http://www.liglitning-sfiike.org/).<br />

Grandes Altitudes<br />

Nos Estados Unidos, mais de 40 milhões de pessoas viajam anu¬<br />

almente rumo a altitudes superiores a 2.400 metros, para par¬<br />

ticipar de alividades como snow boarding, esqui alpino, cami¬<br />

nhadas, camping, concertos e festivais. Assim, muitas pessoas<br />

têm risco de ser acometidas por doenças relacionadas às grandes<br />

altitudes, que podem manifestar-se dentro de Jjoras ou dias após<br />

a chegada à altitude. Por isso, os socorristas precisam estai- fami¬<br />

liarizados com os fatores predisponentes, os sinais e sintomas, o<br />

tratamento médico e as técnicas de prevenção para reduzir a morbidade<br />

e a mortalidade das doenças das grandes altitudes. Esta<br />

seção apresenta três problemas médicos causados diretamente<br />

pelo ambiente de grandes altitudes e destaca condições médicas<br />

específicas subjacentes que pioram em consequência da hipoxia<br />

induzida pelas grandes altitudes, também conhecidas como con¬<br />

dições clínicas exacerbadas pela altitude<br />

Epidemiologia<br />

Doença das grandes altitudes é um termo que engloba duas sín¬<br />

dromes cerebrais e uma síndrome pulmonar: (1) doença aguda<br />

da niontanha (DAM); (2) edema cerebral das grandes altitudes<br />

(ECGA); e (3) edema pulmonar das grandes altitudes (EPGA).<br />

Apesar de o risco de adquirir a doença das grandes altitudes<br />

ser baixo, uma vez adquirida a doença, a progressão pode ser<br />

fatal."0<br />

A doença aguda das montanhas é uma forma leve da doença<br />

das grandes altitudes que raramente ocorre abaixo dos 2.000 m,<br />

mas sua incidência aumenta de 1,4% para 25% com o aumento<br />

da altitude de 2.060 m para 2.440 m.91,92 Acima dos 2.500 m, a<br />

DAM tem uma incidência de 20% a 25% dos casos, e a 3.123 m<br />

sua incidência é de 40% a 50% dos casos."'1 A incidência da DAM<br />

é superior a 90% quando a subida para aproximadamente 3.123


550 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

m acontece em horas, em vez de dias."'1 Além disso, alguns pou¬<br />

cos casos de doença das grandes altitudes (5% a 10%) evoluem de<br />

sintomas leves para ECGA, uma forma grave de doença das gran¬<br />

des altitudes."4 O ECGA é a forma neurológica grave da doença<br />

das grandes altitudes e apresenta uma baixa incidência de 0,01% na<br />

população geral em uma altitude acima dos 2.500 m, que aumenta<br />

para 1% a 2% nos indivíduos com maior atividade física.""<br />

O EPGA é raro, mas é responsável pela maioria das mortes<br />

decorrentes da doença das grandes altitudes."'1 A incidência do<br />

EPGA é de 0,01% a 0,1% a 2.500 m na população geral, aumen¬<br />

tando para 2% a 6% em alpinistas acima dos 4.000 m. A morta¬<br />

lidade global do EPGA é de 11%,aumentando para 44% quando<br />

não balada."" Foram registrados 47 casos de EPGA em Vail, Colo¬<br />

rado, entre 1975 e 1982. Eram homens jovens e saudáveis, que<br />

estavam esquiando a uma altitude média de 2.300 m.":'<br />

Hipoxia Hipobárica<br />

Existem três níveis definidos de altitude. Grande altitude é defi¬<br />

nida como uma elevação entre 1.500 m e 3.500 m. Esta é uma alti¬<br />

tude comum nas cadeias montanhosas do oeste dos Estados Uni¬<br />

dos, onde a doença das grandes altitudes é registada com maior<br />

frequência do que em outras regiões do país."1' Altitude muito<br />

grande é definida como uma elevação entre 3.500 m e 5.500 m e é<br />

a altitude mais comum para as formas sérias de doença das gran¬<br />

des altitudes."7 Altitudes extremas são definidas como elevações<br />

aciima de 5.500 m.94 Com o aumento progressivo da altitude, o<br />

mlaio ambiente torna-se muito hostil para um indivíduo não acli¬<br />

matado à menor disponibilidade de oxigénio, condição também<br />

conhecida como hipoxia hipobárica.<br />

As grandes altitudes formam um ambiente peculiar, por<br />

haver uma menor disponibilidade de oxigénio para a respira¬<br />

ção, levando a uma hipoxia celular. A lei de Boyle afirma que o<br />

volume de um gás é inversamente proporcional à pressão externa<br />

que alua sobre ele, e por isso o ar é menos denso nas grandes<br />

altitudes (ver as leis dos gases na seção sobre lesões relacionadas<br />

com o mergulho). Em comparação com o nível do mar, ou 1atm,<br />

a pressão atmosférica a 5.500 m é reduzida em aproximadamente<br />

50% (0,5 atm).94-"" Esta relação corresponde à lei de Henry, que<br />

diz que a concenfoação de um gás em uma solução é proporcional<br />

à pressão parcial desse gás.<br />

Mesmo que a concentração de oxigénio permaneça em 21%<br />

em todas as altitudes, a menor pressão atmosférica em maiores<br />

altitudes resulta em uma diminuição da pressão parcial do oxi¬<br />

génio (PO.,). Por exemplo, a P02 é de 160 mm Hg ao nível do<br />

mar (1atm) e de 80 mm Hg a 5.500 m (0,5 atm), o que resulta em<br />

uma menor disponibilidade de oxigénio durante a respiração. A<br />

Figura 21-26 mostra que, conforme a altitude aumenta, do nível<br />

do mar até altitudes extremas, ocorre uma diminuição propor¬<br />

cional na pressão barométrica, nos gases arteriais e na saturação<br />

arterial de oxigénio (Sa02). Pode-se dizer que a Sa02 permanece,<br />

na média, acima de 91% em adultos saudáveis e aclimatados até<br />

chegarem a uma altitude de 2.810 m. Os socorristas são treina¬<br />

dos para fornecer suporte respiratório agressivo com oxigénio<br />

a 100% para lodos os doentes sintomáticos com oximetria de<br />

pulso mostrando SaOL, de 91%, que é indicativa de hipoxia leve<br />

(86% a 91%).<br />

Essa relação entre o aumento da altitude e a hipoxia pro¬<br />

gressiva constitui a base para os ajustes fisiológicos agudos na<br />

frequência respiratória e no débito cardíaco e para as alterações<br />

bioquímicas.99 Consequentemente, a hipoxia e a hipoxia hipobá¬<br />

rica levam os indivíduos não aclimatados a desenvolver a doença<br />

das grandes altitudes."0<br />

Doenças das Grandes Altitudes<br />

Fatores Relacionados com a Doença das Grandes<br />

Altitudes<br />

A ocorrência da doença das grandes altitudes depende de vários<br />

fatores específicos para cada exposição à altitude.<br />

Aumento da Altitude e Velocidade de Subida. A ocorrência e a<br />

gravidade da doença das grandes altitudes estão primariamente<br />

relacionadas com a velocidade de subida, a altitude atingida e a<br />

duração da permanência porque estes três fatores aumentam o<br />

esfresse hipóxico sobre o corpo.<br />

FIGURA 21-26<br />

Relação entre Altitute, Pressão Barométrica (Pb), Gases Arteriais e Saturação de Oxigénio*<br />

Altitude (metros) Altitude (pés) Pb (mm Hg) Pa02 (mm Hg) Sa02 (%) PaC02 (mm Hg)<br />

Nível do mar Nível do mar 760 100 98,0 40,0<br />

1.646 5.400 630 73,0 95,1 35,6<br />

2.810 9.200 543 60,0 91,0 33,9<br />

3.660 12.020 489 47,6 84,5 29,5<br />

4.700 15.440 429 44,6 78,0 27,1<br />

5.340 17.500 401 43,1 76,2 ' 25,7<br />

6.140 20.140 356 35,0 65,6 22,0<br />

(Modificadode Hackett PH, RoachRC: High-altitude medicine. InAuerbach PS: Wilderness medicine:management of wilderness andenvironmentalemergencies,<br />

ed 5, St Louis 2007, Mosby Elsevier.)<br />

'Dados são valores médios para indivíduos entre 20 e 40 anos.<br />

PaOs, pressão parcial de oxigénio arterial; Sa02, saturação de oxigénio arterial; Paco2, pressão parcial de dióxido de carbono arterial.


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 551<br />

História Prévia de Doença das Grandes Altitudes. Uma história<br />

prévia documentada de doença das grandes altitudes é um<br />

indicador valioso de suscetibilidade para subsequentes doen¬<br />

ças das grandes altitudes, quando se retorna para a mesma<br />

altitude na mesma velocidade de subida.100 A incidência de<br />

EPGA aumenta de 10% para 60% nos indivíduos com histó¬<br />

ria de EPGA que sobem abruptamente para uma altitude de<br />

4.560 m.,m<br />

Pré-aclimatação. Morar permanentemente acima de 900 m<br />

funciona como uma pré-aclimatação relativa e está associado à<br />

menor gravidade da doença das grandes altitudes, quando se sobe<br />

a altitudes maiores. Entretanto, essa proteção é limitada se a<br />

velocidade de subida for rápida ou ao se atingir uma altitude<br />

extrema.99,100<br />

Idade e Sexo. A idade, mas não o sexo, é um fator para o desen¬<br />

volvimento de DAM: a incidência é menor nos doentes com mais<br />

de 50 anos. O EPGA é mais frequente e mais grave em crianças<br />

e adultos jovens, sendo registrado em proporções iguais entre<br />

homens e mulheres nestes grupos etários.90,102<br />

Condicionamento Físico e Esforço. O início e a gravidade da<br />

doença das grandes altitudes independem do condicionamento<br />

Tísico: o condicionamento não acelera.a aclimatação à altitude.<br />

Um alto nível de condicionamento permite que os indivíduos<br />

façamj maiores esforços, mas o esforço vigoroso na chegada às<br />

grandes altitudes aumenta a hipoxia e acelera o início da doença<br />

das grandes altitudes.96,103<br />

Medicamentos e Intoxicantes. Qualquer substância que deprima<br />

a ventilação e cause distúrbios nos padrões de sono na altitude<br />

deve ser evitada, porque irá exacerbar ainda mais a hipoxia indu¬<br />

zida pela altitude. Essas substâncias incluem álcool, barbitúricos<br />

e opiáceos.9'1,104<br />

Condições Clínicas Preexistentes.É importante notar que, quando<br />

estudos clínicos são usados para determinar a dose eficaz de<br />

medicamentos para tratamento da doença de grandes altitudes,<br />

geralmente incluem alguns indivíduos saudáveis, sem problemas<br />

médicos subjacente. Hoje, porém,muitos dos viajantes a altitudes<br />

mais elevadas e dos indivíduos que se mudam para regiões mais<br />

altas apresentam doenças subjacentes, como diabetes, hiperten¬<br />

são, doença cardíaca ou depressão. As atuais recomendações para<br />

manejo da doença das grandes altitude podem não ser adequadas<br />

a esses doentes, dadas as possíveis interações medicamentosas<br />

e a existência de insuficiência renal e/ou hepática. Um recente<br />

artigo de revisão discute o uso de medicamentos na prevenção e<br />

no tratamento da doença de grandes altitudes (/. e., DAM, ECGA<br />

e EPGA) em indivíduos saudáveis e a seleção de drogas e doses<br />

em doentes com doenças subjacentes.105 A Figura 2*1-27 lista as<br />

condições clínicas subjacentes que são agravadas pelas grandes<br />

altitudes (baixo risco, atenção e contraindicação)* Outras condi¬<br />

ções clínicas específicas que sabidamente aumentam a suscetibi¬<br />

lidade à doença das grandes altitudes:<br />

s<br />

s<br />

Anomalias cardiopulmonares congénitas: ausência de<br />

artéria pulmonar, hipertensão pulmonar primária, cardiopatias<br />

congénitas<br />

Cirurgia da artéria carótida: irradiação ou retirada dos cor¬<br />

pos carotídeo<br />

Frio. A exposição a ambientes frios aumenta o risco de EPGA,<br />

pois o frio aumenta a pressão arterial pulmonar. 11,5<br />

Doença Aguda da Montanha<br />

A DAM é uma síndrome autolimitada e inespecífica, facilmente<br />

confundida com diversas outras condições, como gripe, exaus¬<br />

tão, ressaca e desidratação, por causa dos sintomas em comum.<br />

Um painel de consenso definiu a DAM como a presença de dores<br />

de cabeça em uma pessoa não aclimatada que tenha chegado<br />

recentemente a uma altitude acima de 2.500 me apresente um ou<br />

FIGURA 21-27<br />

Condições Clínicas Comuns que Pioram nas Grandes Altitudes sem o Uso de Oxigénio<br />

PROVAVELMENTE NÃO TEM RISCO AUMENTADO CONTRAINDICAÇÕES<br />

Jovem e velho DP0C moderada Anemia falciforme (com história de crises)<br />

Condicionado e não condicionado Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) DP0C grave<br />

Obesidade compensada Hipertensão pulmonar<br />

Diabetes Síndromes de apneia do sono ICC descompensada<br />

Após cirurgia de bypass coronariano Arritmias complicadas<br />

(sem angina)<br />

Angina estável/doença coronariana<br />

Doença pulmonar obstrutiva crónica (DP0C) Gestação de alto risco<br />

leve<br />

Anemia falciforme<br />

Asma<br />

Doenças cerebrovasculares<br />

Gestação de baixo risco<br />

Qualquer causa de restrição da circulação<br />

Hipertensão controlada<br />

pulmonar<br />

Distúrbio convulsivo controlado<br />

Distúrbio convulsivo (sem tratamento)<br />

Distúrbios psiquiátricos<br />

Ceratotomia (incisão na córnea) radial<br />

Doenças neoplásicas<br />

Doenças inflamatórias<br />

(De Hackett PH, Roach RC: High-allilude medicine. In Auerbach PS: Wilderness medicine, ed 5, St. Louis, 2007, Mosby Elsevier.)


552 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

mais sintomas de DAM.""' Entretanto, a DAM pode ocorrer já<br />

a 2.000 m. A DAM atualmente é vista como uma forma leve de<br />

edema cerebral, que geralmente precede o ECGA e o EPGA (na<br />

outra extremidade do espectro, o ECGA é a forma mais grave de<br />

DAM).10"100 A maioria dos casos de DAM não progride para for¬<br />

mas mais graves de doença das grandes altitudes, a menos que<br />

haja uma exposição continuada a uma maior altitude.<br />

O sintoma principal da DAMé a dor de cabeça leve a intensa,<br />

causada pela vasodilatação cerebral induzida pela hipoxia.""1Os<br />

doentes descrevem a dor de cabeça como latejante, localizada<br />

nas regiões occipital ou temporal e que piora durante a noite<br />

011 quando o doente acorda. Outros sintomas incluem náuseas,<br />

vómitos, insónia, tontura, prostração, fadiga e dificuldade para<br />

dormir. Pode ocorrer também mal-eslar, anorexia e diminuição<br />

do débito urinário. É importante reconhecer os sintomas iniciais<br />

da DAM. de modo que a continuação da subida não faça com<br />

que uma condição evitável se transforme em uma forma grave<br />

de ECGA.<br />

O início dos sintomas da DAM pode ocorrer já uma hora após<br />

a chegada a grandes altitudes, mas tipicamente ocorre seis a dez<br />

horas após a chegada. Os sintomas geralmente atingem um pico<br />

em 24 a 72 horas e diminuem após três a sete dias. Se o início dos<br />

sintomas ocorrer depois de três dias, o doente não tiver dor de<br />

cabeça e não melhorar com oxigenoterapia, provavelmente não<br />

se trata de DAM.""<br />

Avaliação. Se o doente estiver alerta, é fundamental obter uma<br />

boa história clínica, que inclua o início e a gravidade dos sinto¬<br />

mas, velocidade da subida, duração da exposição, o uso de medi¬<br />

camentos que podem causar desidratação, a ingestão de álcool e<br />

o nível de esforço físico. Avalie os sinais vitais, incluindo a oximetria<br />

de pulso. Avalie também a situação de qualquer condição<br />

clínica subjacente, conforme a história clínica.<br />

Como a dor de cabeça é o achado mais comum da DAM,avalie<br />

a localização e característica desta dor. As respirações de Cheyne-<br />

Stokes são um achado comum em indivíduos que subiram acima<br />

de 3.000 melros. Os achados de tosse seca e dispneia aos esforços<br />

são comuns na altitude e nem sempre são específicos de DAM.<br />

Ausculte os campos pulmonares, pois é comum que haja esterto¬<br />

res na DAM. Avalie a função neurológica, procurando ver especi¬<br />

ficamente se existe ataxia ou letargia excessiva; esses sintomas são<br />

indicativos de ECGA.<br />

Tratamento. Descer 500 m a 1.000 m proporcionará a mais rápida<br />

resolução dos sintomas. A DAM leve se resolverá de modo espon¬<br />

tâneo, mas os doentes devem evitar novas subidas e esforços até<br />

que os sintomas desapareçam. Administre analgésicos para a<br />

dor de cabeça e antieméticos para as náuseas. Se os sintomas<br />

forem moderados, desça com o doente para menores altitudes e<br />

forneça oxigénio, 2 a 4 litros/minuto, por cateter nasal. Avalie a<br />

oximetria de pulso e mantenha a Sa02 acima de 90%. Se a Sa02<br />

for inferior a 90%, aumente o oxigénio em 1-2 litros/minuto de<br />

cada vez e reavalie. Para os doentes com sintomas neurológicos,<br />

veja o tratamento para ECGA. Os doentes com problemas clíni¬<br />

cos subjacentes exacerbados pela altitude devem ser transporta¬<br />

dos com oxigénio para avaliação médica da doença primária e<br />

da doença das grandes altitudes que ocorreu secundariamente.<br />

A Figura 21-28 resume os sinais e sintomas, o tratamento e a<br />

prevenção da DAM.<br />

Em 2001, a International Society for Mountain Medicine<br />

publicou uma declaração consensual recomendando a utilização<br />

de algoritmos terapêuticos adultos (para DAM, ECGA e EPGA),<br />

com ajustes das doses pediátricas de droga (Fig. 21-29). 1111<br />

Edema Cerebral das Grandes Altitudes<br />

O ECGA é uma síndrome neurológica muito grave que pode ocor¬<br />

rer em indivíduos com DAM ou EPGA. Em altitudes acima de<br />

2.438 m, o fluxo sanguíneo cerebral aumenta em consequência<br />

da vasodilatação induzida pela hipoxia. O mecanismo de lesão<br />

parece estar relacionado com uma combinação de vasodilatação<br />

cerebral persistente, aiunenlo da permeabilidade através da bar¬<br />

reira hematoencefálica e incapacidade de compensar suficiente¬<br />

mente o excesso de edema cerebral.110<br />

O ECGA pode ocorrer entre três a cinco dias após a chegada<br />

a 2.750 m, mas geralmente ocorre em altitudes acima de 3.600 m,<br />

com o início dos sintomas ocorrendo em algumas horas. Pode<br />

haver alguns sintomas leves a moderados de DAM, mas a marca<br />

registrada do ECGA é a alteração do nível de consciência e a ata¬<br />

xia, associadas a torpor, letargia e comportamento irracional, que<br />

evolui para coma. A morte resulta de herniação cerebral." 1<br />

Avaliação. Se os doentes estiverem alerta, à semelhança da DAM,<br />

é fundamental obter uma boa história médica, incluindo o iní¬<br />

cio e a gravidade dos sintomas, velocidade da subida, duração<br />

da exposição e nível de esforço físico. Avalie os sinais vitais<br />

incluindo a oximetria de pulso. Avalie também a situação de<br />

qualquer condição clínica subjacente, conforme a história clí¬<br />

nica. É importante avaliar o murmúrio vesicular, porque existe<br />

uma forte associação entre ECGA e EPGA.<br />

Tratamento. Ao aparecerem os primeiro.1? sinais ou sintomas de<br />

ECGA, faça imediatamente o planejamento de tratamento e eva¬<br />

cuação. A maior prioridade para qualquer doente com ECGA é a<br />

descida imediata, juntamente com a administração de oxigénio<br />

em alto fluxo (15 litros/minuto) por máscara de fluxo unidirecional<br />

e a moniloração da Sa02 até 90% ou superior. Doentes<br />

inconscientes devem ser tratados como os doentes com trauma<br />

craniano (Cap. 9), incluindo intubação e outros procedimentos<br />

de suporte avançado à vida.9'<br />

Ver a Figura 21-28 para um resumo de sinais e sintomas, tra¬<br />

tamento e prevenção do ECGA.<br />

Edema Pulmonar das Grandes Altitudes<br />

O início do EPGA segue um padrão similar ao que acontece na<br />

DAM e no ECGA, ocorrendo em indivíduos não aclimatados<br />

que sobem rapidamente para grandes altitudes. Entretanto, esta<br />

doença das grandes altitudes apresenta um mecanismo de lesão<br />

diferente da DAM e do ECGA, porque o EPGA é induzido pela<br />

hipoxia hipobárica. O EPGA é uma forma de edema pulmonar<br />

não cardiogênico associado a hipertensão pulmonar e elevação<br />

da pressão capilar.""1Mais de 50% dos doentes com EPGA apre¬<br />

sentam DAM, e 14% têm ECGA."2 Os sinais e sintomas geral¬<br />

mente aparecem durante a segunda noite (início entre um e três<br />

dias) e raramente ocorrem quatro dias após a chegada a uma<br />

determinada altitude.11"1 O aparecimento do EPGA e a veloci¬<br />

dade de progressão são acelerados por exposição ao frio, esforço


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 553<br />

FIGURA 21-28<br />

Doença das Grandes Altitudes (DAM, ECGA, EPGA): Sinais, Sintomas, Tratamento e Prevenção<br />

Sinais/Sintomas<br />

Leve: Dores de cabeça, náuseas, tontura e<br />

fadiga nas primeiras 12 horas<br />

Moderada:Dor de cabeça moderada a intensa,<br />

muitas náuseas, vómitos, diminuição do<br />

apetite, tontura, insónia, retenção de líqui¬<br />

dos por 12ou mais horas<br />

DAM por mais de 24 horas, ataxia, confusão,<br />

comportamento bizarro, prostração intensa<br />

Dispneia em repouso, tosse produtiva, ester¬<br />

tores, limitação grave para o exercício,<br />

cianose, torpor, taquicardia, taquipneia,<br />

baixa saturação de oxigénio<br />

Tratamento<br />

DOENÇA AGUDA DA MONTANHA (DAM)<br />

Oxigénio, 1-2 litros/minuto, por cateter nasal<br />

e/ou descer 500-1.000 m, evitar continuar<br />

a subir até que os sintomas desapareçam.<br />

Dar analgésicos e antieméticos, conforme<br />

a necessidade<br />

Descer, considerar a administração de dexametasona<br />

(4 mg PO/IM a cada 6 horas) e/<br />

ou acetazolamida (125-250 mg PO BID);<br />

caso a descida não seja possível, obser¬<br />

vação vigilante da deterioração; oxigénio<br />

(1-2 litros/minuto) e/ou terapia hiperbárica<br />

portátil (2-4 psi) por algumas horas, se<br />

possível<br />

Prevenção<br />

EDEMA CEREBRAL DAS GRANDES ALTITUDES (ECGA)<br />

Descer imediatamente pelo menos 1.000 m<br />

Oferecer oxigénio, 2-4 litros/minuto; titular<br />

para manter Sa02 >90%, pela oximetria de<br />

pulso; dexametasona (a princípio, 8 mg IV/<br />

IM/PO,então 4 mg q 6 horas);terapia hiper¬<br />

bárica caso a descida não seja possível<br />

Subir lentamente; passar a noite em alti¬<br />

tude intermediária, evitar esforço físico<br />

excessivo, evitar o transporte direto para<br />

2.750 m.<br />

Considerar o uso de acetazolamida (125-250 mg<br />

duas vezes ao dia); começar um dia antes<br />

da subida e continuar por dois dias.<br />

Tratar a DAM precocemente.<br />

As mesmas medidas listadas acima. Dexametasona<br />

2 mg q 6 horas ou 4 mg q 12<br />

horas PO, começando no dia da subida<br />

e com interrupção cautelosa após 2 dias<br />

em máxima altitude; considere a adminis¬<br />

tração de Gingko biloba 120-180 mg/dia<br />

em doses divididas, começando 1-5 dias<br />

antes da descida<br />

Como na DAM<br />

EDEMA PULMONAR DAS GRANDES ALTITUDES (EPGA)<br />

Administrar oxigénio,4-6 litros/minuto, a seguir<br />

titular para manter Sa02 > 90%, pela oxi¬<br />

metria de pulso.<br />

Fazer o menos exercício possível; evitar a<br />

hipotermia; descer 500-1.000 m; conside¬<br />

rar a administração de nifedipina (10 mg<br />

PO, então 30 mg de liberação prolongada<br />

PO q 12-24 horas) na ausência de HACE;<br />

considerar a administração de beta-agonistas<br />

por via inalatória (saimeterol, 125<br />

mcg inalado q 12 horas ou albuterol); con¬<br />

siderar o uso de máscara EPAP; adminis¬<br />

tração de dexametasona apenas em caso<br />

de desenvolvimento de HACE<br />

Subir lentamente; evitar esforços excessivos.<br />

Consideraro uso de nifedipina de liberação<br />

prolongada (20-30 mg a cada 12 horas) na<br />

pessoa com episódios repetidos de EPGA<br />

(Modificado de Gallagher AS, Hacketl PH: High altitude illness Emerg Clin North Am 22:329, 2004; and Hackett PH, Roach RC: High altitude illness,NEnglJMed<br />

345(2):107, 2001.)<br />

FIGURA 21-29<br />

Dose de Medicamentos em Crianças com Doença das Grandes Altitudes<br />

DAM<br />

ECGA<br />

EPGA<br />

Acetazolamida 2,5 mg/kg/dose p.o. a cada 8 a 12 horas (máximo de 250 mg por dose)<br />

Dexametosona 0,15 mg/kg p.o. a cada seis horas<br />

Nifedipina 0,5 mg/kg/dose p.o. a cada oito horas (máximo 20 mg em cápsulas e 40 mg em comprimidos; a forma de libera¬<br />

ção lenta é preferida). A nifedipina apenas em necessária em raros casos, em que a resposta ao oxigénio ou à descida é<br />

insatisfatória<br />

Dexametosona 0,15 mg/kg p.o. a cada seis horas<br />

(De Pollard AJ, Niermeyer S, Barry PB, Bartsch P, Berghold F, Bishop RA, et al: Children at high altitude: An international consensus statemet by an ad hoc committee of the<br />

International Socienty for Mountain Medicine. High Alt Med Biol 2001;2:389-401.)


554 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

vigoroso e continuação da subida. Em comparação com as duas<br />

outras doenças das grandes altitudes, o EPGA é responsável pelo<br />

maior número de mortes.<br />

Avaliação. A avaliação do doente, incluindo os sinais vitais, aus¬<br />

culta pulmonar e história clínica são vitais na caracterização do<br />

EPGA,que é definido pela presença de pelo menos dois sintomas<br />

(p. ex., dispneia em repouso, tosse, fraqueza ou diminuição da<br />

performance aos esforços; aperto ou congestão torácica) e pelo<br />

menos dois sinais (p. ex., crepitação ou sibilos, cianose central,<br />

taquipneia ou taquicardia)."'1 Os estertores geralmente estão pre¬<br />

sentes nos campos pulmonares, começando na axila direita, e<br />

eventualmente se tornam bilaterais. Avalie a presença de febre,<br />

que é um sinal frequente no EPGA. Os achados tardios durante<br />

a progressão do EPGA são: taquicardia em repouso, taquipneia e<br />

escarro tingido de sangue. Sem tratamento, os sintomas evoluem<br />

em horas ou dias para estertores de grossas bolhas, insuficiência<br />

respiratória e eventualmente morte.<br />

Tratamento. A recuperação mais rápida ocorre com a descida<br />

de pelo menos 500 m a 1.000 m, mas inicialmente os doentes<br />

demonstram uma boa melhora com repouso e oxigénio. Mante¬<br />

nha os doentes aquecidos e evite qualquer tipo de esforço. Esses<br />

doentes precisam melhorar a oxigenação arterial; administre oxi¬<br />

génio a 4-6 litros/minutos ou titule o fluxo do oxigénio até que<br />

a Sa02 seja de 90% ou superior. Reavalie os sinais vitais depois<br />

de iniciar o oxigénio, pois a melhora da oxigenação arterial dimi¬<br />

nui a taquicardia e a taquipneia. Como o EPGA é uma forma de<br />

edema pulmonar não cardiogênico, a administração de diuréti¬<br />

cos não é de grande valia. Alguns relatos de caso sugeriram resul¬<br />

tados favoráveis com o uso de pressão positiva contínua na via<br />

aérea em doentes com EPGA grave; pesquisas específicas, porém,<br />

não foram realizadas e tal equipamento geralmente não está dis¬<br />

ponível nos ambientes com maior probabilidade de ocorrência<br />

desta doença.115,1 16<br />

Ver a Figura 21-28 para um resumo de sinais e sintomas, tra¬<br />

tamento e prevenção do EPGA.<br />

Prevenção<br />

A doença aguda das grandes altitudes em indivíduos não acli¬<br />

matados é evitável. O fator comum para o início da DAM, ECGA<br />

e EPGA é a velocidade de subida para maiores altitudes. A<br />

doença da altitude pode ocorrer em esquiadores que viajam por<br />

linhas aéreas comerciais que saem de manhã cedo de cidades<br />

ao nível do mar, chegam a uma grande altitude e, no início da<br />

tarde, começam a esquiar entre 2.100 e 4.500 m. Outro cenário<br />

com risco para doença das grandes altitudes é o chamado para<br />

ajuda mútua de vários profissionais de segurança pública que<br />

vivem abaixo dos 1.000 m. Eles rapidamente se juntam e che¬<br />

gam a altitudes de 2.750 m, ou mais, para ajudar as equipes<br />

locais de voluntários de busca e salvamento, subindo por trilhas<br />

para altitudes maiores, para procurar por algum excursionista<br />

perdido. Por isso, tanto os ocorristas que trabalham em terra<br />

como os que fazem socorro aéreo, responsáveis pela transferên¬<br />

cia do doente para outro hospital ou pela evacuação médica de<br />

locais remotos, em grandes altitudes, precisam possuir o conhe¬<br />

cimento necessário para minimizar o risco de doença das gran¬<br />

des altitudes, para a própria segurança e para a segurança do<br />

grupo.<br />

As diretrizes gerais para a prevenção da doença das grandes<br />

altitudes para quem voa para altitudes acima dos 2.500 m são:<br />

s<br />

ra<br />

e<br />

ia<br />

e<br />

ÿ<br />

a<br />

o<br />

a<br />

a<br />

b<br />

Faça o mínimo de atividades durante as primeiras 24 horas<br />

na altitude<br />

Uma parada entre 1.500 a 1.800 m por 24 a 36 horas é muito<br />

benéfica<br />

Faça uma subida gradual de não mais de 600 m por dia<br />

Tire um dia de descanso a cada 600-1.200 m<br />

Evite grandes esforços durante os três primeiros dias<br />

Mantenha-se bem hidratado com água<br />

Evite álcool, medicamentos para dormir e outros sedativos<br />

Tenha uma dieta rica em carboidratos<br />

Evite o esforço excessivo<br />

Evite fumar<br />

O treinamento físico não previne a doença das grandes<br />

altitudes'17<br />

As "regras de ouro" da doença das grandes altitudes são:<br />

1. Se você ficar doente na altitude, os sintomas são causados<br />

pela altitude, até que se prove o contrário.<br />

2. Se você tiver sintomas relacionados à altitude, não suba<br />

mais.<br />

3. Se você se sentir mal ou estiver piorando, ou se não conse¬<br />

guir caminhar- em linha reta encostando o calcanhar de um<br />

pé no hálux do outro pé, desça imediatamente.<br />

4. Uma pessoa acometida pela doença da altitude deve estar<br />

sempre acompanhada por um responsável que possa descer<br />

com ela ou providenciar a descida, se for necessário.9'1<br />

Medicamentos Profiláticos para a Doença das<br />

Grandes Altitudes<br />

Para a prevenção da DAM e do ECGA, os indivíduos que via¬<br />

jam do nível do mar para locais acima dos 3.000 m para dormir<br />

por um dia ou indivíduos que já tenham antecedentes de DAM<br />

devem considerar o tratamento profilático. A droga de escolha é<br />

a acetazolamida por via oral (Diamox®), 125 a 250 mg duas vezes<br />

ao dia, iniciando um dia antes da subida e continuando durante<br />

dois dias em altitude máxima. A droga alternativa é a dexametasona<br />

(Decadron®), quatro mg por via oral ou intramuscular a<br />

cada seis horas e continuando por dois dias na altitude máxima.<br />

A combinação das duas drogas mostrou-se mais eficiente do que o<br />

uso de qualquer uma das duas drogas isoladamente.10'1,105 Outros<br />

'estudos demonstraram o benefício do uso de Ginkgo biloba na<br />

prevenção da DAM durante a subida gradual até 5.000 m ou<br />

redução dos sintomas da DAM em 50% durante a subida rápida<br />

para 4.100 m. 100,117 A aspirina (325 mg) a cada quatro horas redu¬<br />

ziu a incidência de dores de cabeça de 50% para 7%. 107 Para a<br />

prevenção do EPGA em indivíduos com história de vários episó¬<br />

dios, recomenda-se o uso da profilaxia com nifedipina oral, 20 a<br />

30 mg (formulação de liberação prolongada) a cada 12 horas. Atualmenle,<br />

o tratamento profilático deve ser evitado como método<br />

de prevenção das doenças de grandes altitudes em crianças, dada<br />

a insuficiência de estudos clínicos.1 10<br />

J


CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II:Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 555<br />

Transporte Prolongado<br />

Quase-afogamento<br />

0 Doentes assintomáticos podem tornar-se sintomáticos em<br />

uma situação de atendimento prolongado com um atraso de<br />

quatro horas antes dos sintomas pulmonares.<br />

0 Avalie a oximetria de pulso antes e depois da administração<br />

de oxigénio. Forneça oxigénio em alto fluxo (12 a 15 litros/<br />

minuto) por máscara de fluxo unidirecional.<br />

0 Qualquer doente com valores de oximetria de pulso infe¬<br />

riores a 30%, alteração do nível de consciência, apneia ou<br />

coma pode precisar o mais rapidamente possível ativar o<br />

tratamento das vias aéreas para proteção contra aspiração.<br />

Qualquer doente que continue hipóxico, com oximetria de<br />

pulso abaixo de 85% após a administração de oxigénio em<br />

alto fluxo, é candidato à CPAP ou intubação de sequência<br />

rápida.<br />

0 É necessário o uso liberal da aspiração através do tubo<br />

traqueal, para remoção de secreções pulmonares e da água<br />

aspirada durante a submersão.<br />

0 Consulte o controle médico, se disponível, sobre a sedação e<br />

a curarização do doente, para assegurar intubação, oxigena¬<br />

ção e ventilação eiétivas.<br />

s Outro método eficiente para assegurar oxigenação e veiítilação<br />

efetivas é o uso da pressão expiratória final positiva (PEEP)<br />

em vítimas deÿipneia pós-submersão.5,14 A PEEP aumenta o<br />

diâmetro das vias aéreas pequena e grande, melhorando a rela¬<br />

ção ventilação/perfusão e a oxigenação arterial.<br />

0 . Determine o escore na escala de Glasgow (GCS) e avalie<br />

repetidamente, pois o GCS tem valor preditivo do prognós¬<br />

tico do doente.<br />

0 Previna a hipotermia e a hipoglicemia. Todo o doente em<br />

coma deve ter sua glicemia aferida ou, se isto não for possí¬<br />

vel, receber glicose por via intravenosa.<br />

0 Pode ser necessário passar uma sonda nasogáslrica para<br />

diminuir o conteúdo gástrico e a água deglutida durante a<br />

submersão.<br />

Lesões Causadas por Raios<br />

0 Inicie muito rapidamente a reanimação cardiopulmonar<br />

(RCP).<br />

0 Quando houver múltiplas vítimas e necessidade de prestar<br />

atendimento prolongado, use a "triagem reversa" e reanime<br />

primeiro as vítimas que parecerem mortas. Contudo, a<br />

RCP prolongada (várias horas) dessas vítimas não tem bom<br />

resultado, havendo pouco benefício em fazer RCP ou utilizai'<br />

procedimentos de suporte avançado de vida em cardiologia<br />

(ACLS) por mais de 20 a 30 minutos. Devem ser tentadas<br />

todas as medidas para estabilizar o doente, para corrigir a<br />

hipoxia, hipovolemia, hipotermia e acidose, antes de inter¬<br />

romper a reanimação.71<br />

0 Avalie o edema cerebral e o aumento da pressão intracra¬<br />

niana (PIC). Estabeleça o GCS inicial e reavalie a cada 10<br />

minutos, como um indicador de edema cerebral progressivo<br />

e aumento da PIC. (Para recomendações de tratamento do<br />

edema cerebral, consulte o Cap. 9.)<br />

Lesões Relacionadas ao Mergulho Autónomo<br />

Recreativo<br />

0 O protocolo de tratamento padrão das lesões relacionadas ao<br />

mergulho autónomo que causam síndrome de hiperpressurização<br />

pulmonar (p. ex., EGA, DDC) é o<br />

fornecimento de oxigénio em alto fluxo (12-15 litros/minuto<br />

por máscara de fluxo unidirecional) no local e continuar<br />

a terapia de oxigénio durante o transporte do doente até a<br />

câmara de recompressão mais próxima para terapia com<br />

oxigénio hiperbárico (OHB).<br />

0 Faça uma extensa avaliação neurológica, reavaliando fre¬<br />

quentemente, para verificar se há progressão dos sinais e<br />

sintomas.<br />

0 Use analgésicos para o controle da dor. Considere também<br />

a possibilidade de administrar aspirina (325 ou 650 mg)<br />

pela sua atividade antiplaquetária.41 Alguns dados isolados<br />

sugerem benefícios do uso da aspirina em doentes com DDC<br />

e EGA que têm edema cerebral, choque e outros problemas,<br />

após o tratamento com OHB e altas doses de corticoesteroides<br />

por via parenteral.41,119 O regime-padrão utilizado é a<br />

administração de hemisuccinato de hidrocortisona (1.000<br />

mg) ou succinato sódico de metilprednisolona (125 mg),<br />

seguido de dexametasona, 4 a 6 mg a cada seis horas, por 72<br />

horas. Entretanto, esta abordagem terapêutica não é ampla¬<br />

mente aceita, por faltarem publicações de pesquisas clínicas<br />

que demonstrem a eficácia destas drogas nesses doentes.41<br />

0 Use a Divers Alert Network (DAN), telefone 919-684-8111,<br />

nos Estados Unidos, e o controle médico local para a loca¬<br />

lização da câmara de recompressão mais próxima. Antes de<br />

transportar o doente para terapia com OHB, contate diretamente<br />

a câmara, porque esta pode não estar disponível<br />

para a recompressão. A DAN é a fonte médica primária para<br />

a consulta sobre lesões relacionadas ao mergulho e para a<br />

recomendação de câmaras de recompressão e sua disponibi¬<br />

lidade em todo o mundo. Quando estiver<br />

transportando por via aérea, use preferencialmente uma<br />

aeronave que possa manter uma pressão atmosférica seme¬<br />

lhante à do nível do mar durante o voo. As aeronaves não<br />

pressurizadas devem manter altitudes abaixo dos 1.000 pés<br />

(cerca de 300 metros), durante o transporte para a câmara de<br />

recompressão.<br />

Doença das Grandes Altitudes<br />

0 A doença aguda da montanha (DAM) leve a moderada pode<br />

ser tratada com oxigénio em baixos volumes, 2-4 litros/<br />

minuto por cateter nasal, titulado com incrementos<br />

de 1a 2 litros/minuto (Sa02 >90%) e com uma combinação<br />

de analgésicos (p. ex., aspirina, 650 mg; acetaminofeno, 650-<br />

1.000 mg; ibuprofeno, 400-600 mg) para as dores de cabeça e<br />

proclorperazina (5-10 mg IM) para as náuseas. Outras medi¬<br />

cações utilizadas no tratamento da DAM leve a moderada<br />

são a acetazolamida por via oral (125-250 mg, duas vezes ao<br />

dia) e a dexametasona (4 mg, VO ou IM, a cada seis horas) até<br />

que os sintomas desapareçam. Trate o ECGA com oxigénio,<br />

2 a 4 litros/minuto por catater nasal, para manter a Sa02<br />

superior a 90% e com dexametasona (8 mg VO, IV ou IM<br />

inicialmente, em seguida 4 mg a cada seis horas); considere


556 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

h<br />

a<br />

o liso de acetazolamida oral (125-250 mg duas vezes ao dia),<br />

se for demorar paia descer.<br />

Se ocorrer uma forma grave de ECGA e o doente estiver<br />

comatoso, Lrate-o de acordo com as recomendações para<br />

edema cerebral (Cap. 9).<br />

O tratamento prolongado do EPGA consiste primariamente<br />

na administração de oxigénio, 4-6 litros/minuto através de<br />

cateter nasal (> 90% Sa02), até a melhora dos sintomas e no<br />

uso de nifedipine por via oral (10 mg inicialmente, seguidos<br />

de 30 mg, comprimidos de liberação prolongada, a cada 12 a<br />

24 horas). Se o doente também apresentar ECGA, acrescente<br />

dexametasona (8 mg VO ou IM a cada seis horas).<br />

h<br />

O uso de câmaras hiperbáricas portáteis, como o saco<br />

Gamovv (Altitude Technologies) ou o sistema HELP (Live<br />

High, Boulder, Colorado), tem tido bons resultados no trata¬<br />

mento da doença das grandes altitudes.'" Estes sacos pres¬<br />

surizados de tecido, que são leves, simulam a descida para<br />

uma menor altitude, podendo ser utilizados com ou sem<br />

uso de oxigénio suplementar ou medicação (p. ex., acetazo¬<br />

lamida, dexametasona, nifedipine). Eles são inflados através<br />

de bombas manuais até 2 psi, o que equivale a descer 1.600<br />

m, dependendo da altitude inicial. O uso destas câmaras<br />

durante duas a três horas pode efetivamente melhorar os<br />

sintomas. O ideal é utilizar essa tecnologia<br />

enquanto se aguarda o transporte para tratamento definitivo.<br />

RESUMO<br />

Os socorristas enfrentarão inevitavelmente problemas ambientais<br />

imprevisíveis como os descritos neste capítulo. É necessário ter o<br />

conhecimento básico das emergências ambientais mais comuns, para<br />

ser capaz de fazer rapidamente a avaliação e o atendimento no préhospitalar.<br />

Não é fácil lembrar esse tipo de informação, pois esses<br />

problemas não são frequentes. Portanto, lembre-se dos princípios<br />

gerais envolvidos:<br />

Afogamento e quase-afogamento. Considere que todos os<br />

doentes com quase-afogamento apresentam insuficiência<br />

respiratória até que se prove o contrário; corrija a hipoxia, acidose<br />

e hipotermia, conforme a necessidade.<br />

Raios. Doentes com lesões graves causadas por raios precisam<br />

de rápida avaliação do estado cardiopulmonar. Use a "triagem<br />

reversa" quando houver múltiplas vítimas. 0 início precoce da RCP<br />

é a chave para a sobrevivência.<br />

Lesões relacionadas ao mergulho autónomo recreativo. Os<br />

doentes com doença de descompressão grave e embolia gasosa<br />

arterial precisam de oxigénio em alto fluxo e rápido tratamento<br />

em uma câmara de recompressão para terem melhor prognóstico.<br />

Consulte a Divers Alert Network, DAN, 919-684-8111.<br />

b Doença das grandes altitudes. As intervenções-chave para a<br />

doença aguda da montanha e para o edema cerebral ou pulmonar<br />

das grandes altitudes são: descer pelo menos 500 m a 1.000 m,<br />

repouso e oxigénio.<br />

•J<br />

Em todas as situações, lembre-se de que o pessoal de segurança<br />

deve ser preservado. Há muitos casos de pessoal dos SME e de outros<br />

socorristas que perderam suas vidas ao tentarem fazer um resgate.


tante, mas realize a triagem reversa das vítimas. Primeiro, es ou metabólicas. ®<br />

CAPÍTULO 21 Trauma Ambiental II: Afogamento, Raios, Mergulho e Altitude 557<br />

SOLUÇÃO DE CENÁRIO<br />

...<br />

Ao chegar ao clube de campo, você espera encontrar um<br />

único doente do sexo masculino inconsciente no 18° buraco,<br />

mas deve estar pensando na presença de mais jogadores<br />

feridos, já que esse esporte é normalmente disputado em<br />

grupos de quatro. É frequentemente relatado que, quando<br />

ressuscite os "mortos", uma vez que essas vítimas geral¬<br />

mente sofreram parada respiratória ou cardíaca e apresen¬<br />

tam alta probabilidade de recuperação caso o manejo da<br />

respiração, a RCP e/ou a desfibrilação cardíaca seja realizado<br />

logo após o evento. Conduza, então, uma meticulosa avalia¬<br />

um relâmpago atinge a terra, há respingos de energia ção, da cabeça aos pés, enfatizando os olhos, os canais au¬<br />

elétrica em muitas direções, atingindo múltiplos jogadores<br />

de golfe que estão próximos uns aos outros. É importante,<br />

ditivos e sinais de trauma fechado. Realize um rápido exame<br />

neurológico, já que muitas vítimas apresentam paralisia tran¬<br />

portanto, realizar uma avaliação remota e procurar por siente nos membros superiores ou inferiores. Seu exame<br />

diversas vítimas, ver onde elas estão, se se movem ou estão<br />

inconscientes, e ainda se há qualquer possível ameaça aos<br />

deve também identificar quaisquer ferimentos de entrada ou<br />

saída do relâmpago no corpo. Queimaduras de relâmpago<br />

!<br />

doentes, às testemunhas ou à equipe médica. Apesar de por contato direto são raras, mas podem ser observadas pela<br />

você não ouvir trovões ou ver relâmpagos, o paramédicochefe<br />

deve comunicar que ainda há uma ameaça ambiental metálicos quentes (p. ex., fivelas de cintos) que tocam a<br />

ignição de roupas e sapatos ou ser causadas por objetos<br />

e estar constantemente alerta, dada a presença de nuvens pele; estes objetos devem ser removidos. Após a avaliação<br />

escuras de tempestade na área. Sabe-se que um raio pode de todas as vítimas, administre a todos os feridos graves<br />

atingir a mesma área mais de uma vez, e que relâmpagos já<br />

atingiram pessoas ao ar livre, mesmo quando a tempestade<br />

oxigénio em alto fluxo e fluidos por via IV, em taxa de ma¬<br />

nutenção da veia aberta, monitore o ECG quanto a anomalias<br />

tinha acabado e está a 16 quilómetros de distância. Note do ritmo cardíaco, coloque talas em quaisquer fraturas e im¬<br />

que as vítimas não sãóÿeletricamentê carregadas e não são<br />

uma ameaça elétrica aos profissionais médicos ou a outros<br />

socorristas, de modo que o tratamento não deve deixar de<br />

ser oferecido com base nessa crença infundada.<br />

Em incidentes com múltiplos feridos, a avaliação rápida<br />

da via aérea, ventilação e circulação é extremamente impor¬<br />

obilize em maca todas as vítimas com trauma fechado. Pense<br />

logo na possibilidade de aparecimento de hipotermia, caso o<br />

doente esteja molhado de chuva e deitado em uma superfície<br />

fria. Todas as vítimas, de qualquer gravidade, precisam ser<br />

transportadas ao pronto-socorro, para avaliação e tratamen¬<br />

to de quaisquer complicações neurológicas, cardiopulmonar-<br />

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560 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

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Sutton JR, Coates G, Remmers JE, editors: Hypoxia: The adaptations,<br />

Philadelphia, 1990, BC Dekker.


Atendimento ao<br />

Traumatizado em<br />

Locais Remotos<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a<br />

/ Listar quatro fatores que distinguèm os contextos dos SME "em locais remotos" e<br />

/ Dada uma situação e localização particular de um doente, listar quatro fatores<br />

que afetam a decisão sobre se é mais apropriado o atendimento típico de "locais<br />

remotos" ou "na rua".<br />

/ Descrever os métodos usados para evacuação improvisada em locais remotos.<br />

/ Descrever os métodos usados para lidar com as necessidades de excreção durante<br />

as remoções, bem como as consequências médicas potenciais se isso não for<br />

controlado.<br />

Explicar as razões para o axioma que diz que "todo doente em locais remotos está<br />

hipotérmico, hipoglicêmico e hipovolêmico, até prova em contrário".<br />

/ Explicar o significado da sigla FPS (fator de proteção solar).<br />

Descrever maneiras-padrão de tratar ferimentos com hemorragia em áreas<br />

remotasj<br />

•/<br />

Descrever as razões, as indicações específicas e a técnica de irrigação de feridas<br />

• Explicar quando, no contexto de locais remotos, está indicada ou não a tentativa<br />

de reanimação cardiopulmonar. ' n


562 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

CENÁRIO<br />

—<br />

São 9 horas da manhã, e você trabalha como membro da equipe local de busca e salvamento que está procurando um<br />

caçador perdido desde as 18 horas do dia anterior. O caçador foi encontrado próximo de onde você está, por uma equipe<br />

que usa cães adestrados (K9 team). Ao chegar, você verifica que o caçador, embora esteja gelado, está alerta e orientado,<br />

reclamando de uma fratura na perna direita e de uma laceração de 5 cm na cabeça, na região occipital. Durante a noite,<br />

a temperatura caiu para 3°C. Ele explica que no fim da tarde do dia anterior, estava tentando retornar à estrada, quando<br />

escorregou em uma pedra molhada, prendendo a perna entre duas pedras. Ele improvisou uma tala usando alguns gravetos<br />

e pano rasgado de sua camisa. Ele está a aproximadamente 3 km do ponto de acesso mais próximo, em terreno rochoso. Ao<br />

exame, você encontra um homem de 40 anos alerta e orientado, com Glasgow de 15. A avaliação secundária revela apenas<br />

uma fratura angulada, exposta, na perna direita, sem hemorragia ativa, e uma laceração no couro cabeludo, com coágulo.<br />

Como você trataria esse doente no local?<br />

O Tratamento Adequado<br />

Depende do Contexto<br />

Embora o riosso conhecimento médico, compreensão e tecnolo¬<br />

gia se modifiquem de mês para mês, os princípios do tratamento<br />

médico mudam pouco ao longo dos anos. "O doente com lesão<br />

grave deve ser transportado o mais rapidamente possível, sem<br />

exame detalhado ou tratamento das condições não críticas".1<br />

Contudo, o tratamento apropriado ainda é um pouco depen¬<br />

dente do contexto e a definição de "exame detalhado" e "con¬<br />

dições não críticas" pode ser diferente em uma rua da cidade<br />

e nas profundezas do interior de uma caverna (Fig. 22-1). Este<br />

conceito foi introduzido no Capítulo 3, mostrando como a situ¬<br />

ação, o nível de conhecimento, a habilidade, as condições do<br />

local e o equipamento disponível podem alterar o atendimento<br />

do doente traumatizado.<br />

Considere um doente com uma fratura-luxação complexa<br />

de ombro. Qual o tratamento adequado na sala de operações<br />

(SO)? Em muitos casos, o tratamento envolve redução cruenta<br />

e fixação interna (RCFI). Contudo, o tratamento adequado na<br />

SO pode não ser o tratamento adequado no pronto-socorro (PS).<br />

Não seria adequado tentar uma redução cruenta no PS. No PS,<br />

o doente deve fazer radiografias para avaliar a fratura-luxação,<br />

receber medicação analgésica de duração curta, e deve ser feita<br />

redução fechada da luxação, para diminuir a dor e o edema,<br />

realinhar grosseiramente os ossos e diminuir a pressão sobre<br />

nervos e vasos sanguíneos. Entretanto, a RCFI definitiva deve<br />

ser feita mais tarde, na SO.<br />

Além disso, o tratamento apropriado no PS pode não ser o<br />

tratamento apropriado na rua. A equipe da ambulância pode<br />

não dispor de uma área grande, quente e seca. Ela pode estar tra¬<br />

balhando na chuva ou na neve, o doente pode estar pendurado<br />

de cabeça para baixo dentro de um veículo esmagado, e uma FIGURA 22-1 Terreno em local remoto.


CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 563<br />

ia Se o atendimento "de rua" dos SME não é o ideal, como<br />

saber qual é o tratamento ideal? Isso está escrito?<br />

[3<br />

Como lidar, no local, com situações nas quais você não tem<br />

certeza de qual pode ser exalamenle a lesão? Por exemplo,<br />

no caso acima, como você determinaria se existe fraturaluxação<br />

ao examinar o doente, estando você pendurado de<br />

cabeça para baixo, quer em um veículo esmagado quer<br />

em uma corda oscilando sobre um fosso profundo dentro<br />

de uma caverna?<br />

h Como você decide, para um doente em particular em uma<br />

situação específica, o que é mais adequado, o tratamento<br />

"de rua" ou o atendimento de locais remotos?<br />

ta O que caracteriza uma situação como "local remoto" ou<br />

"de rua"? E como ficam todos os casos "intermediários"?<br />

FIGURA 22-2 O atendimento ao traumatizado em locais<br />

remotos frequentemente é dificultado por condições ambientais<br />

adversas, lama, vegetação rasteira e espaços confinados.<br />

equipe de resgate pode estar usando ferramentas potentes para<br />

cortar e esmagar metal bem à sua volta. Na rua, o socorrista deve<br />

avaliar a segurança da cena, resgatar a vítima de perigos imedia¬<br />

tos, avaliar se há outras lesões, verificar a condição neurovascu¬<br />

lar distal do braço, imobilizar o ombro, administrar medicação<br />

contra a dor e transportar rapidamente para o PS. Na rua, não<br />

seria apropriado tentar a redução cruenta da fratura-luxação.<br />

Finalmente, o tratamento adequado na rua pode não ser o<br />

tratamento adequado em um local de difícil acesso (Fig. 2-2). O<br />

que dizer se, em vez de estar em um veículo esmagado, o doente<br />

tivesse caído de uma corda quando estava cerca de 800 metros<br />

para dentro de uma caverna calcária nas montanhas, tendo pela<br />

frente uma evacuação de várias horas através das passagens da<br />

caverna, seguindo-se uma remoção por via terrestre de várias<br />

horas até o hospital mais próximo? Na maioria das condições,<br />

tratamento adequado é tratamento adequado, seja ele feito na<br />

SO, no PS, na rua ou em local remoto, sendo limitado somente<br />

pelo equipamento e pelo treinamento.<br />

No entanto, em um pequeno, mas significativo número de<br />

situações, existem grandes diferenças entre o tratamento ade¬<br />

quado prestado pelos serviços médicos de emergência (SME)<br />

"na rua" e o tratamento adequado prestado pelos SME em locais<br />

remotos. Esse fato traz à tona as seguintes questões importantes,<br />

que serão discutidas adiante neste capítulo:<br />

h<br />

O atendimento "de rua" dos SME é sempre o ideal para<br />

locais remotos?<br />

Mantenha em mente o doente com a fratura-luxação de<br />

ombro e estas dúvidas, enquanto continua lendo. Não podem<br />

ser dadas respostas definitivas a todas as perguntas — muitas<br />

vezes a resposta é "depende" — mas, pelo menos, pode ser pro¬<br />

videnciada boa informação de base, de modo que os socorristas<br />

possam, conforme necessário e em uma situação particular de<br />

atendimento a um doente, responder à pergunta. A filosofia do<br />

suporte pré-liospitalar de vida no trauma (PHTLS) sempre tem<br />

sido a de que, dada uma boa base de conhecimento e princípioschave,<br />

os socorristas, como os técnicos em emergências médi¬<br />

cas (TEM), são capazes de tomar decisões bem fundamentadas a<br />

respeito do tratamento dos doentes.<br />

Este capítulo considera diversas questões de "locais remo¬<br />

tos", que foram selecionadas porque são fundamentais para o<br />

atendimento ideal do doente nessas condições ou porque são<br />

problemas comuns nesses locais, para os quais o tratamento é<br />

diferente do tratamento nas "ruas".<br />

O mais importante é que este capítulo oferece uma visão<br />

geral dos muitos problemas envolvidos nas emergências médi¬<br />

cas em locais remotos. Os socorristas que trabalham formal¬<br />

mente em locais remotos devem obter treinamento específico<br />

para tratar destes doentes. Além disso, a orientação médica por<br />

um médico especializado deve ser um componente integral das<br />

alividades médicas em locais remotos.<br />

O Contexto dos "SME em<br />

Locais Remotos"<br />

Muitos Lermos são utilizados para designar regiões distantes da<br />

civilização: locais remotos, sertão, selva, áreas isoladas. O pes¬<br />

soal dos SME tende a agregar todos esses termos sob a rubrica<br />

"locais remotos" e falar em "SME em locais remotos". A defini¬<br />

ção dicionarizada de "local remoto" (wilderness) é a seguinte:<br />

1. a: área ou região não cultivada e não habitada por seres<br />

humanos;<br />

b: área essencialmente não alterada pela atividade<br />

humana, com sua comunidade de vida desenvolvida<br />

naturalmente;<br />

c: área ou região vazia ou sem caminhos;<br />

d: parte de um jardim reservada para mata;


564 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

2. estado selvagem ou não cultivado;<br />

3. a; multidão ou massa confusa: número ou quantidade<br />

indefinidamente grande;<br />

b: situação desconcertante."<br />

O nosso uso de "locais remotos" difere da definição do dicio¬<br />

nário, contudo, porque nós estamos pensando no atendimento<br />

do doente. A nossa definição na realidade é a resposta a uma<br />

pergunta: "Quando é que devemos pensar em SME em locais<br />

remotos?" Isto é, "Quando é que devemos pensar e trabalhar de<br />

maneira diferente daquela como trabalhamos na rua?"<br />

A resposta a esta pergunta vai além da simples questão geo¬<br />

gráfica e envolve as seguintes considerações:<br />

h Acesso à cena<br />

e Tempo (condições meteorológicas)<br />

e Luz do dia<br />

Q Tipo de terreno<br />

n Necessidades especiais de transporte e manipulação<br />

b Tempo de acesso e de transporte<br />

E3 Disponibilidade de pessoal<br />

s Comunicações<br />

h Riscos presentes<br />

0 Disponibilidade de equipamento médico e de resgate<br />

0 Padrões de lesão próprios do ambiente específico<br />

Existem inúmeros exemplos em potencial, além da visão tradi¬<br />

cional de local remoto:<br />

1. Em uma cidade, após um terremoto, pode ser muito difícil<br />

chegar aos feridos ou soterrados, pode não haver estrada<br />

para o transporte, e os sistemas locais dos SME podem não<br />

funcionar. Nessa situação, os doentes tendem a permanecer<br />

no local durante tempo considerável. Eles vão ter as mes¬<br />

mas necessidades de atendimento que um andarilho que<br />

caiu nas montanhas e está a horas-ou dias- de distância<br />

de um hospital.<br />

2. Uma pessoa que lenha caído em um local de aterro sani¬<br />

tário suburbano, tarde da noite, durante uma tempestade<br />

de neve, corre os mesmos riscos de uma pessoa em locais<br />

remotos. O doente pode necessitar de uma equipe de res¬<br />

gate com cordas, machados para gelo e ganchos de ferro e<br />

de paramédicos que possam prever e enfrentar problemas<br />

como hipotermia, necessidades higiénicas, prevenção de<br />

úlceras de pressão, tratamento de feridas e necessidades de<br />

alimento e de líquidos.<br />

Nós frequentemente falamos em "SME em áreas remotas",<br />

mas na realidade, todo o SME funciona em um espectro. Em<br />

um extremo está uma cena a meio quarteirão de um centro de<br />

trauma Nível I, e no outro extremo estão cenários como o pico<br />

do Monte Everest ou a parte mais profunda do sistema de caver¬<br />

nas Mamooth-Flint Ridge, no Kentucky. Assim, em última aná¬<br />

lise, onde acaba a "rua" e começa o "local remoto"? A resposta<br />

é "Depende". Depende da distância da ambulância (e do PS).<br />

Depende das condições climáticas. Depende do terreno. Mais<br />

importante ainda, depende da natureza da lesão ou doença e<br />

dos recursos do pessoal dos SME e do resgate no local. Retorna¬<br />

remos a este tópico no final do capítulo.<br />

Padrões.de Lesão em Locais Remotos<br />

Conforme mencionado no Capítulo 1, a morte decorrente de<br />

trauma tem uma distribuição trimodal (com três picos). O pri¬<br />

meiro pico de morte ocorre de segundos a minutos após a lesão.<br />

As mortes que ocorrem durante esse período geralmente são<br />

causadas por lacerações no cérebro, tronco cerebral, medula<br />

espinhal alta, coração, aorta ou outros grandes vasos c podem<br />

ser mais bem controladas por meio de medidas preventivas,<br />

como o uso de capacetes e cintos de segurança. Apenas alguns<br />

poucos doentes podem ser salvos e apenas em áreas urbanas<br />

nas quais o transporte rápido de emergência está disponível.<br />

O segundo pico de morte ocorre de minutos a horas depois da<br />

lesão. Para reduzir este segundo pico de mortes por trauma,<br />

são feitas a avaliação e a reanimação rápidas. As mortes que<br />

ocorrem durante esse período geralmente são causadas por<br />

hematomas subdurals e epidurals, hemopneumotórax, ruptura<br />

de baço, lacerações de fígado, fraturas de bacia ou lesões múl¬<br />

tiplas associadas à perda sanguínea significativa. Os princípios<br />

fundamentais do atendimento ao traumatizado aprendidos neste<br />

curso podem ser mais bem aplicados a esses doentes. O terceiro<br />

pico de morte ocorre vários dias ou semanas após a lesão inicial<br />

e é quase sempre causado por sepse e falência de órgãos.<br />

O curso PHTLS é direcionado principalmente para o salva¬<br />

mento dos doentes do segundo "pico" da distribuição trimodal<br />

das mortes. Nas áreas remotas, a maioria dos que sobrevivem<br />

para serem resgatados já superou o primeiro e, geralmente, a<br />

maior parte do segundo "pico" do gráfico da distribuição tri¬<br />

modal da mortalidade; entretanto, a presença de profissionais<br />

médicos treinados na equipe de resgate também pode evitar<br />

mortes relacionadas a este segundo pico. Mais frequentemente,<br />

o atendimento médico em áreas remotas concentra-se em "O<br />

que podemos fazer agora para não deixar o doente morrer ou ter<br />

maiores complicações mais tarde?" Precisamos assegurar que o<br />

doente não venha a apresentar problemas como insuficiência<br />

renal por desidratação, infecção muito grave por baixa resistên¬<br />

cia por desnutrição, embolia pulmonar decorrente de trombose<br />

venosa profunda (coágulos sanguíneos nas pernas que se sol¬<br />

tam e vão para os pulmões) e infecções por úlceras de decúbito<br />

(escaras).<br />

Segurança<br />

Nas áreas remotas, ainda mais do que na rua, a segurança da<br />

cena é fundamental. Um socorrista ferido ou morto não ajuda<br />

em nada. Ainda se aplicam as considerações sobre a segurança<br />

da cena válidas para a "rua"-mesmo em áreas remotas, a queda<br />

de um avião de passageiros pode oferecer problemas similares<br />

aos de uma colisão de automóvel -, mas outros pontos devem<br />

ser considerados também. Lá, os perigos que cercam a cena<br />

geralmente são muito menos evidentes do que na rua; eles ten¬<br />

dem a "afetar" furtivamente os socorristas desatentos.<br />

O socorrista e o doente estarão expostos ao tempo e às<br />

mudanças climáticas, como uma frente fria a caminho, com<br />

chuva de granizo, podem complicar as operações ou até machu¬<br />

car ou matar o socorrista e a vítima. Se o resgate se estender por<br />

horas, a falta de alimentos e de água pode causar débililação.<br />

Muitas vezes, o terreno é irregular e plantas e animais veneno¬<br />

sos podem complicar o atendimento ao doente (Fig. 22-3). Os<br />

socorristas precisam estar atentos aos perigos específicos do


CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 565<br />

ambiente, como quedas de rochas, risco de avalanche, enchente,<br />

exposição a atmosfera ou altitude nociva e redemoinhos na base<br />

de cachoeiras.<br />

Portanto, é essencial que se façam preparações e se tomem<br />

as precauções adequadas para garantir a segurança, a saúde e<br />

o bem-estar da equipe médica. Todos os membros da equipe<br />

devem estar informados sobre os riscos e perigos do ambiente<br />

específico no qual irão trabalhar. Cada membro da equipe deve<br />

conhecer suas limitações e não exceder suas capacidades na<br />

tentativa de resgatar uma vítima ferida. Cada um deverá estar<br />

adequadamente preparado, com a roupa apropriada e o equi¬<br />

pamento necessário para o resgate à mão. Por último, assegu¬<br />

rar que as necessidades médicas da equipe de resposta sejam<br />

preenchidas deve ser parte integral do plano de resgate.<br />

Qualquer Lugar Pode Ser um Local Remoto<br />

Até o final deste capítulo, lalaremos sobre "SME em locais remolos",<br />

"locais remotos" e "doentes em locais remotos". É bom lem¬<br />

brar, entretanto, que o "local remoto" pode estar a cinta distância<br />

da estrada, caso esteja escuro e o tempo esteja ruim, ou até mesmo<br />

na estrada, caso um desastre lenha interrompido as estradas ou<br />

impossibilitado os hospitais próximos de aceitar doentes.<br />

Tomada de Decisão nos<br />

SME: Equilibrando Riscos<br />

e Benefícios<br />

Socorristas e paramédicos experientes (e até mesmo médicos<br />

e enfermeiras) sabem que procedimentos como cuidar de via<br />

aérea e de feridas são a parte fácil da medicina. A parte difícil<br />

é quando fazer o quê: tomar decisões. Com frequência ainda<br />

maior do que na rua, em locais remotos um risco tem de ser<br />

cuidadosamente pesado contra outro e contra os benefícios<br />

potenciais.<br />

Para este doente em particular, neste contexto particular,<br />

com estes recursos em particular e com esta probabilidade em<br />

particular de que esta ajuda em particular chegue neste tempo<br />

particular no futuro, quais são os riscos potenciais? Quais são os<br />

benefícios potenciais? Os SME em locais remotos são em grande<br />

parle a arte do compromisso: equilibrar os riscos e benefícios<br />

particulares para cada doente.<br />

Para ilustrar a tomada de decisão dos SME em locais remo¬<br />

tos, continuaremos a discussão sobre o que fazer com a possível<br />

lesão de coluna, apresentada no Capítulo 10. t<br />

"Descartando Lesão" de Coluna Cervical em<br />

Locais Remotos<br />

Uma jovem saudável de 22 anos estava escalando uma rocha em<br />

um desfiladeiro ao longo de um rio, quando sofreu uma queda<br />

de uma altura de 20 metros. Todos os pinos (âncoras espetadas<br />

nas fendas da rocha) de seu equipamento foram arrancados um<br />

a um, de modo que ela caiu toda a extensão até ao solo, mas<br />

foi desacelerada por cada pino que se ia soltando. Ela estava<br />

usando capacete, mas bateu a cabeça e sofreu uma breve perda<br />

de consciência. Quando você e seu colega chegam ao local,após<br />

uma caminhada de uma hora subindo o rio a partir do local em<br />

que a ambulância foi estacionada, no fim da estrada, ela está<br />

consciente e alerta, reclamando apenas de leve dor de cabeça,<br />

apresentando exame físico e neurológico normal. Está no fim do<br />

outono, está escurecendo, o local mais próximo para pouso de<br />

helicóptero é na estrada, lá para trás, a uma hora de caminhada,<br />

e existe previsão de neve para esta noite. Ela necessita ser imo¬<br />

bilizada? Você tem de pedir auxílio de uma equipe com maca de<br />

Stokes e prancha longa? Ou você pode levá-la andando?<br />

FIGURA 22-3 Declives íngremes e chão irregular são um<br />

perigo no salvamento em locais remotos.<br />

História do Tratamento da Coluna Cervical na "Rua"<br />

A imobilização de coluna nos traumatizados graves tornou-se<br />

o padrão de atendimento há algumas décadas. Apesar de as


566 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

fraturas instáveis de coluna cervical serem raras nos pacientes<br />

doentes traumatizados alertas, e mesmo sem haver nenhuma<br />

evidência de que a imobilização de coluna seja eficaz para<br />

evitar paralisia nesses doentes, prender um doente sobre uma<br />

prancha parecia não fazer mal a ninguém. Portanto, durante<br />

todos esses anos, os socorristas utilizaram a imobilização de<br />

coluna em um número cada vez maior de doentes. Tem sido<br />

reconhecido, desde então, que os doentes sofrem dor, que vai<br />

aumentando com o tempo de imobilização na prancha longa.<br />

Os estudos mostram que ocorre dor moderada com 30 minutos<br />

e dor intensa após aproximadamente 45 minutos.•'<br />

À medida que o treinamento dos TEM se tornou mais<br />

amplamente utilizado por equipes de busca e salvamento em<br />

áreas remotas, a prática de imobilizai- todas as vítimas sobre<br />

em prancha após um acidente não parecia fazer sentido, prin¬<br />

cipalmente se o doente estivesse em uma montanha em uma<br />

tempestade de neve, e a prancha mais próxima estivesse a 15<br />

quilómetros de distância e 3.000 metros para baixo. Assim, as<br />

equipes de busca e salvamento e os médicos que trabalham com<br />

elas desenvolveram direlrizes, com base na literatura disponí¬<br />

vel, determinando quando não imobilizar os doentes traumati¬<br />

zados em áreas remotas.'1<br />

Como descrito no Capítulo 10, um grande e importante<br />

estudo multicêntrico, denominado "NEXUS", mostrou que,<br />

no hospital, muitos traumatizados podem ter a coLuna cervical<br />

"liberada" sem necessidade de radiografias, se forem utilizados<br />

os seguintes critérios de seleção:<br />

não houver.nenhum equipamento de imobilização de coluna<br />

cà mão? É necessário enviar algum dos socorristas para buscar<br />

esse equipamento na ambulância, em uma caminhada de quatro<br />

horas, ida e volta?<br />

E se o doente estiver em uma caverna, com o nível da água<br />

subindo? O doente e os socorristas poderiam ler a rota de saída<br />

cortada, afogando-se, se a equipe demorar? E se o doente estiver<br />

na montanha, longe da ambulância e houver uma tempestade se<br />

aproximando? Qual o risco para o doente e para os socorristas,<br />

se forem obrigados a passar a noite na montanha?<br />

Em cada uma dessas situações, os socorristas na cena deparam-se<br />

com as duas opções a seguir:<br />

s Ficar e esperar a chegada do equipamento de imobilização.<br />

Ei Iniciar uma evacuação improvisada, sem imobilização de<br />

coluna.<br />

Nenhuma das opções é ideal: contudo, os socorristas têm<br />

de fazer a escolha. Para fazer a escolha de maneira inteligente,<br />

precisam ser feitas e respondidas as seguintes perguntas:<br />

e Quais são os riscos de uma evacuação improvisada sem<br />

imobilização de coluna, e quais os riscos de se esperar pela<br />

chegada do equipamento de imobilização, parei este doente<br />

em particular, nesta situação particular?<br />

h Quais os benefícios de deslocar o doente sem esperar pela<br />

imobilização de coluna, em comparação com aguardar a<br />

chegada do equipamento de imobilização, para este doente<br />

em particular, nesta situação particular?<br />

h<br />

a<br />

s<br />

ia<br />

b<br />

Ausência de dor à palpação na linha média posterior da<br />

coluna cervical<br />

Ausência de déficit neurológico focal<br />

Nível normal de consciência<br />

Nenhuma evidência de intoxicação<br />

Ausência de dor clinicamente evidente que possa desviar a<br />

atenção do doente da dor de lesão na coluna cervical<br />

Os benefícios da imobilização de coluna dependem da pro¬<br />

babilidade de que esse doente em particular tenha lesão instá¬<br />

vel de coluna.<br />

No estudo NEXUS, mesmo os doentes que não satisfizeram<br />

os critérios do estudo e não puderam ser "liberados", apresen¬<br />

taram um risco muito baixo de ter fratura instável de coluna, a<br />

saber:<br />

Variantes desses critérios têm sido usadas por muitos siste¬<br />

mas SME. Alguns poucos estudos apontam alguns problemas<br />

com o uso desses critérios no local. O texto dos "protocolos<br />

seletivos de imobilização de coluna" de alguns SME desvia-se<br />

significativamente do texto acima, gerando preocupações sobre<br />

se eles realmente refletem os critérios do NEXUS. Contudo,<br />

geralmente se aceita que os critérios do NEXUS, aplicados ade¬<br />

quadamente, são um guia razoável para a seleção dos doentes<br />

que não necessitam ser imobilizados em prancha longa, quer<br />

na rua quer em locais remotos. Embora o NEXUS possa ser útil<br />

para inferência no contexto dos SME, deve-se ter em mente<br />

que o estudo não foi desenhado como um ensaio para estudar<br />

a imobilização de coluna no pré-hospitalar, mas sim para ava¬<br />

liação da necessidade de fazer radiografias de coluna cervical<br />

no hospital.<br />

Todavia, o problema em locais remotos não é tão simples. E<br />

se um doente não satisfizer completamente esses critérios? Isso<br />

significa que ele tem de ser imobilizado?<br />

Como discutido anteriormente, o sistema SME em locais<br />

remotos é a arte do compromisso, e em nenhum outro assunto<br />

isso é mais evidente do que ao tomar decisões sobre a imobili¬<br />

zação de coluna.<br />

O que fazer se o doente tiver uma potencial lesão de coluna,<br />

estiver a duas horas de caminhada da estrada mais próxima e<br />

a<br />

a<br />

a<br />

Apenas 2% dos doentes que não satisfizeram o protocolo<br />

NEXUS de "liberação" tinham Iraturas "clinicamente<br />

relevantes".<br />

Desses 2%, apenas uma pequena fração provavelmente<br />

necessitava de tratamento específico.<br />

Dessa pequena fração, apenas uma pequena parte prova¬<br />

velmente linha lesões que poderiam pôr em risco a medula<br />

espinhal, caso não fossem imobilizados, e a maioria dessas<br />

lesões ocorreu em doentes com múltiplas Iraturas graves e<br />

múltiplas lesões com risco de vida.<br />

Portanto, parece provável que, nos doentes em áreas remo¬<br />

tas que sobrevivem tempo suficiente para serem resgatados, a<br />

incidência de lesão instável de coluna vertebral deve ser infe¬<br />

rior a 1%.<br />

Os socorristas que estão na cena necessitam avaliar os riscos<br />

e benefícios potenciais para tomar uma decisão fundamentada.<br />

Evacuações Improvisadas<br />

Ao discutir lesão de coluna no contexto de locais remotos, foi<br />

mencionada a ideia de iniciar uma evacuação improvisada em<br />

vez de aguardar uma maca e o equipamento de imobilização de<br />

coluna (Fig. 22-4).


CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 567<br />

FIGURA 22-4 Por causa da irregularidade do terreno, pode ser<br />

necessário ter criatividade e habilidades técnicas de salvamento<br />

para retirar os doentes com segurança de locais remotos.<br />

FIGURA 22-5<br />

Suprimentos para necessidades fisiológicas.<br />

Transportar doentes em áreas remotas é uma tarefa extrema¬<br />

mente difícil, demorada e potencialmente perigosa tanto para<br />

o doente quanto para quem está realizando o transporte. Quem<br />

não tem experiência em busca e salvamento (BS) geralmente<br />

subestima o tempo e a dificuldade de uma evacuação em área<br />

remota por um fator de pelo menos a metade ou, às vezes, até<br />

por um falor cinco vezes menor, nas evacuações mais difíceis,<br />

principalmente resgate em cavernas.<br />

Se alguém sem experiência em BS disser "Vamos levar umas<br />

duas lioras para tirar o doente daqui", multiplique o tempo por<br />

três e espere que a demora seja de seis horas ou mais, se o doente<br />

estiver em uma caverna, se a equipe de resgate for reduzida, se<br />

as condições do terreno forem particularmente difíceis ou se o<br />

tempo estiver ruim.Éespecialmente importante lembrar-se disso,<br />

se estiver ficando escuro ou o tempo estiver piorando.<br />

Remover um doente caminhando, mesmo com o auxílio<br />

de algumas pessoas, é quase sempre muito mais rápido. Se o<br />

doente puder andar e o fizer cie imediato, em vez de aguardar<br />

uma maca ou imobilização de coluna, a evacuação será muito,<br />

muito mais rápida, terminando muito antes. Caso o doente não<br />

possa caminhar (p. ex., devido a uma halura no tornozelo), pode<br />

ser possível carregá-lo nos ombros ou improvisar uma padiola<br />

com alguns galhos de árvore e corda.<br />

Atendimento do Doente em<br />

Locais Remotos<br />

Necessidades de Excreção<br />

A verdade descrita em um livro infantil popular intitulado<br />

Everyone Poops1' aplica-se também aos doentes em áreas remolas.<br />

Em razão dos períodos de transporte relativamente curtos<br />

em um ambiente urbano, a maioria dos pacientes doentes não<br />

tem necessidade de eliminação. Os doentes traumatizados quase<br />

nunca defecam durante o atendimento pré-hospilalar nem no<br />

PS. Todavia, se você estiver cuidando de um doente que está<br />

em uma área remota há 11111 ou mais dias e demorar várias horas<br />

para chegar até ele, é muitomais provável que ele precise urinar<br />

ou defecar.<br />

Dispor de suprimentos de atendimento que incluam fraldas<br />

descartáveis para colocar debaixo do doente, ter papel higié¬<br />

nico, ou até parar no caminho para permitir que o doente urine<br />

ou evacue são todas elas medidas razoáveis (Fig. 22-5).<br />

Homens e mulheres são capazes de urinar mesmo estando<br />

imobilizados em uma maca de Slokes (Fig. 22-6) com prancha<br />

a vácuo de corpo inteiro (vacuum splint), se a imobilização for<br />

cuidadosamente planejada e a maca for inclinada na direção<br />

dos pés. Para as mulheres, é necessário um pequeno funil, que<br />

as mulheres que fazem trilha frequentemente levam.<br />

No entanto, as pessoas que ficam deitadas de costas por<br />

muito tempo tendem a desenvolver úlceras de pressão (escaras).<br />

Estas podem acabar por precisar de cirurgia, resultando em per¬<br />

manência mais longa no hospital. Alguns doentes até morrem<br />

de infecção e de outras complicações relacionadas às úlceras<br />

de decúbito.<br />

Permanecer deitado sobre a própria urina ou fezes por<br />

muito tempo (algumas horas, nem precisa que sejam dias)<br />

aumenta a probabilidade de úlceras de pressão. Se o atendi¬<br />

mento do doente durar apenas alguns minutos em um trans¬<br />

porte curto, a urina e as fezes não são um grande problema.<br />

Porém, se o socorrista estiver cuidando do doente por diversas<br />

horas e o entregar no PS deitado sobre as próprias fezes, as<br />

enfermeiras poderão, com Ioda a razão, reclamar do nível do<br />

atendimento.


568 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

FIGURA 22-6<br />

Maca de Stokes.<br />

Necessidades de Alimento e Água<br />

Todo doente em área remota deve ser considerado como estando<br />

com Frio, fome e sede; 011 seja, hipotérmico, desnutrido e desi¬<br />

dratado, ou se você preferir um bom mnemónico à custa de leve<br />

imprecisão, hipotérmico, hipoglicêmico e hipovolêmico.<br />

A desnutrição é muito mais do que apenas hipoglicemia<br />

(açúcar baixo no sangue), e nem todos os doentes desnutridos<br />

estão significativamente hipoglicêmicos. A desidratação é mais<br />

do que simples hipovolemia, que se refere apenas ao volume<br />

dentro do sistema vascular. Doentes desidratados também per¬<br />

deram água de suas células e de seus espaços intersticiais.<br />

Na rua, geralmente não se dá água nem alimento para os<br />

doentes. Existem boas razões para não alimentar os doentes<br />

na rua. Um paciente doente não vai morrer de fome nem ficar<br />

desidratado em poucos minutos. Se o doente precisar ir para o<br />

centro cirúrgico, a presença de água ou alimento no estômago é<br />

prejudicial, pois aumenta a probabilidade de vómitos ou, mais<br />

ainda, de regurgitação passiva, que pode resultar em aspiração<br />

enquanto estiver anestesiado.<br />

No entanto, o estômago só necessita estar vazio por algu¬<br />

mas horas antes da anestesia. Se um doente trazido de uma área<br />

remota necessitar de cirurgia, quase sempre serão necessárias<br />

algumas horas para que ele seja preparado para o procedimento,<br />

em qualquer caso.<br />

Como observado anteriormente, nos doentes de locais remo¬<br />

tos, o foco é assegurar que ele não morra logo após a internação.<br />

Manter o doente morto de fome raramente é bom para ele. Ali¬<br />

mentar o doente hoje faz com ele esteja melhor amanhã. Por¬<br />

tanto, lodo doente de local remoto razoavelmente consciente<br />

deve receber alimento e água.<br />

Vómito e aspiração são sempre um perigo, e é sempre<br />

importante prestar muita atenção na via aérea do doente (p. ex.,<br />

posicionamento lateral nos transportes prolongados, mesmo<br />

se o doente precisar de imobilização de coluna). Contudo, os<br />

socorristas devem mesmo assim tentar dar comida e água para<br />

as vítimas em áreas remotas, mesmo que tenham vomitado uma<br />

ou duas vezes, contanto que a via aérea esteja protegida.<br />

Uso da Prancha Longa<br />

Outras medidas preventivas importantes para os doentes em<br />

áreas remotas, principalmente aqueles que precisam de trans¬<br />

porte prolongado, incluem a prevenção das úlceras de pressão<br />

(escaras), do seguinte modo:<br />

e<br />

b<br />

a<br />

Permitir (e ajudar) o doente a virar-se de um lado para o<br />

outro, na maca.<br />

Manter a região sacral (nádegas) do doente limpa e seca.<br />

Fazer acolchoamenlo adequado.<br />

Se o doente necessitar realmente de imobilização de coluna,<br />

a prevenção de úlceras de decúbito é ainda mais importante,<br />

embora seja também ao mesmo tempo mais difícil. As técnicas<br />

para se evitarem as úlceras de decúbito durante a imobilização<br />

de coluna incluem:<br />

ÿ<br />

a<br />

Colocar o doente em imobilizador a vácuo (vacuum splint<br />

ou matelcis coquille), em vez de prancha longa rígida. Os<br />

imobilizadores a vácuo proporcionam excelente imobili¬<br />

zação de coluna, com menor probabilidade de causarem<br />

úlceras de decúbito.0""<br />

Se não houver disponibilidade de imobilizador a vácuo de<br />

corpo inteiro, acolchoar bem a prancha longa e acrescentar<br />

apoio debaixo da coluna lombar, dos joelhos e do pescoço.


CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 569<br />

ta<br />

Estudos demonstram que a imobilização em prancha longa<br />

sem acolchoamento causa dor forte mesmo em pessoas<br />

sem lesão em cerca de 45 minutos e necrose da pele (morte<br />

celular) em cerca de 90 minutos.1-10"1'1<br />

Carregar a maca primeiramente de um dos lados e depois<br />

do outro, de modo que a pressão seja exercida sobre um<br />

quadril de cada vez e não o tempo lodo sobre o sacro.<br />

*7»<br />

PAHADISC OQLP*<br />

Para evitar trombose venosa profunda e embolia pulmonar,<br />

fazer o seguinte:<br />

DUHTUl<br />

Neutrogena<br />

HCAiTMYOirintr<br />

Oil-Free<br />

tUHítOOC 10«K>M<br />

® Imobilizar os doentes de modo que possam mover as per¬<br />

nas; não as amarrar muito apertadas.<br />

Considerar a possibilidade de fazer paradas de descanso,<br />

para permitir que os doentes saiam da maca para esticar as<br />

pernas.<br />

Considerar a possibilidade de administração uma dose de<br />

aspirina, caso não haja contraindicações.<br />

PjrtOÍ* iW<br />

4ILUIIIMI<br />

FIGURA 22-7<br />

Filtro solar.<br />

Se houver suspeita leve de lesão de coluna cervical, mas<br />

não de coluna lombar, pode mesmo assim ser adequado per¬<br />

mitir que o doente, estando alerta, saia da maca, mantendo o<br />

colar cervical, e, com ajuda de muitas mãos treinadas, permitir<br />

que estique as pernas e cuide de suas necessidades de elimina¬<br />

ção. Conversar com um médico com experiência em SME em<br />

locais remotos pode trazer tranquilidade, se essa possibilidade<br />

for considerada.<br />

Proteção Solar<br />

Outros riscos a considerar em áreas remotas são quedas de<br />

rochas, avalanches e inundação de cavernas. Entretanto, um<br />

risco que vale a pena discutir aqui com mais detalhe é a pro¬<br />

teção solar.<br />

Os raios solares ultravioleta (UV) podem danificar a pelede<br />

forma aguda, às vezes gravemente, e com efeito retardado.<br />

A lesão aguda pode incluir queimaduras de segundo e terceiro<br />

graus, observadas em algumas vítimas de exposição à luz solar,<br />

e lais queimaduras graves podem causar choque ou morte. A<br />

lesão tardia manifesta-se como aumento do risco de câncer de<br />

pele.<br />

A luz ultravioleta tem duas frequências: A e B (UVA e UVB).<br />

Antes, pensava-se que a luz UVA fosse inofensiva, mas atualmente<br />

sabe-se que ela atua em sinergia com a luz UVB, cau¬<br />

sando queimadura solar. Assim, para serem eficazes, os mate¬<br />

riais ou cremes protetores solares devem bloquear tanto UVA<br />

como UVB.<br />

A proteção solar é medida pelofalor cie proteção solar (FPS)<br />

(Fig. 22-7). O FPS é uma medida numérica de quanto a roupa ou<br />

o creme aumenta a dose mínima de luz UV necessária para fazer<br />

a pele ficar vermelha. Por exemplo, uma loção de filtro solar<br />

com FPS 45 proporciona proteção contra queimadura solar por<br />

cerca de 45 vezes mais tempo do que sem o filtro.<br />

Para testar o FPS da roupa, segure uma peça de roupa contra<br />

uma lâmpada. Se a imagem da lâmpada puder ser vista através<br />

do tecido, o FPS é ligeiramente inferior a 15. Se for vista a luz<br />

da lâmpada, mas não a sua imagem, o FPS do tecido situa-se na<br />

faixa de 15 a 60.<br />

Devem ser aplicadas sobre a pele exposta loções com FPS<br />

no mínimo de 15, para reduzir ao mínimo o potencial de lesão<br />

decorrente da exposição ao sol. Nos transportes demorados,<br />

deve-se utilizar loção com FPS 30. Se houver sudorese profusa,<br />

a loção deve ser reaplicada com frequência. Alguns doentes<br />

podem apresentar reação alérgica aguda, se a loção contiver<br />

ácido para-aminobenzoico (PABA). Portanto, recomenda-se o<br />

uso de produtos sem PABA para evitar esta complicação.<br />

A queimadura de sol é tratada como qualquer outra quei¬<br />

madura, e o tratamento é essencialmente o* mesmo em locais<br />

remotos e na rua. A única diferença importante é que, em áreas<br />

remotas, o socorrista necessita estar atento e tratar a perda<br />

potencial de líquidos, a desidratação ou, às vezes, até o choque<br />

e reconhecer que os doentes com queimadura solar têm risco<br />

maior de hipotermia.<br />

Aspectos Específicos dos<br />

SME em Locais Remotos<br />

Está seção aborda algumas das situações mais importantes em<br />

que o atendimento adequado em locais remotos é diferente do<br />

atendimento realizado nas ruas.<br />

Tratamento das Feridas<br />

O tratamento das feridas abrange:<br />

h<br />

ta<br />

Hemostasia (parar a hemorragia)<br />

Antissepsia (prevenção de infecção)


570 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

h<br />

o<br />

Restauração da função (devolver à pele a sua função protetora<br />

e restaurar a função normal de um membro ou outra<br />

parte do corpo)<br />

Cosmética (aparência agradável)<br />

Em áreas remotas, a prevenção de infecção e a restauração<br />

da função assumem grande importância.<br />

Hemostasia<br />

O controle da hemorragia faz parle da avaliação primária. Na<br />

rua, a hemorragia arterial pode matar. Em áreas remotas, entre¬<br />

tanto, mesmo a hemorragia venosa pode matar, se persistir por<br />

tempo suficiente; cada eritrócito é importante. Portanto, o con¬<br />

trole da hemorragia, com a utilização de medidas-padrão como<br />

a compressão direta, é tão ou mais importante ainda em áreas<br />

remotas. A menos que haja pessoal da área médica no grupo da<br />

pessoa machucada, uma hemorragia intensa não estancado pro¬<br />

vavelmente resultará na morte do doente antes da chegada da<br />

equipe de resgate. Os programas educacionais para aqueles que<br />

se aventuram em situações de áreas remotas devem considerar<br />

as seguintes técnicas que podem salvar vidas:<br />

b<br />

Deve-sc fazer compressão digital direta por 10 a 15 minu¬<br />

tos sobre o local da hemorragia, seguida de curativo<br />

compressivo.<br />

Os agentes hemostáticos tópicos podem ser úteis no<br />

atendimento em locais remotos para controlar hemorragia<br />

intensa. Os socorristas podem se deparar com doentes<br />

feridos que já tiveram esses agentes aplicados por outros<br />

membros do grupo. Alguns desses agentes estão à venda<br />

para o público. No entanto, é importante lembrar que,<br />

mesmo com o uso desses agentes, a compressão direta<br />

sobre a lesão continua sendo parte do processo de<br />

tratamento (Cap. 8).<br />

Podem ser utilizados torniquetes quando todos os outros<br />

métodos de controle da hemorragia tiverem fracassado,<br />

sendo que a prioridade é a preservação da vida em relação<br />

à preservação do membro afetado. O torniquete deve ser<br />

aplicado acima da ferida, o mais próximo possível dela.<br />

Ele deve ser afrouxado a cada 10 a 15 minutos, para que<br />

seja feita nova avaliação da necessidade de se continuar<br />

com o procedimento e para permitir fluxo sanguíneo para<br />

a extremidade, na tentativa de prolongar a viabilidade<br />

desta.<br />

Prevenção de Infecção<br />

Após lesão em local remoto, pode decorrer um longo tempo até<br />

a ferida receber tratamento definitivo em um PS. O tratamento<br />

rotineiro de uma ferida no PS inclui a limpeza adequada para<br />

evitar infecção. Feridas contaminadas por sujeira ou causadas<br />

pela penetração de um objeto sujo são limpas com irrigação de<br />

alta pressão. Feridas não contaminadas são limpas com irriga¬<br />

ção de baixa pressão.<br />

A irrigação de alta pressão pode causar edema das feridas,<br />

mas em caso de contaminação por sujeira e bactérias, o bene¬<br />

fício de remover as bactérias supera os riscos do edema.14,15 A<br />

infecção pode instalar-se rapidamente. Depois de uma ferida<br />

permanecer aberta por cerca de oito horas, as bactérias já se dis¬<br />

seminaram da pele para a profundidade da ferida e a sutura da<br />

lesão provavelmente originará uma infecção profunda. Infec¬<br />

ções profundas das feridas desenvolvem pressão, afastando os<br />

leucócitos, que constituem o mecanismo normal de defesa do<br />

corpo contra infecção.<br />

O tratamento de rotina da ferida na "rua" não inclui a lim¬<br />

peza. porque faz sentido retardar a limpeza por alguns minu¬<br />

tos até a chegada do doente ao PS, que está mais bem apare¬<br />

lhado para fazer a limpeza da ferida e a avaliação do doente.<br />

O PS pode determinar se o doente sofreu laceração de tendão<br />

ou nervo, fratura associada, laceração do baço ou hematoma<br />

subdural.<br />

Retardar o tratamento da ferida não faz sentido em uma<br />

área remota. Se demorar horas para chegar ao PS, deve ser feita<br />

a limpeza da ferida. Em áreas extremamente remotas, a ferida<br />

pode até mesmo infectar antes de o doente chegar ao PS, vários<br />

dias depois.<br />

Os estudos mostraram que a irrigação precoce é essencial<br />

para a remoção de bactérias e redução das infecções da ferida.16'10<br />

Não é necessário nem prático carregar soluções estéreis para irri¬<br />

gação de feridas. Não é necessária a adição de antissépticos à<br />

água.1" Água potável é suficientemente boa para a irrigação da<br />

ferida. Água de riachos ou neve derretida pode ser tratada com<br />

qualquer tratamento-padrão para tornar a água potável em locais<br />

remotos.14,20'24<br />

Para limpar uma ferida não contaminada, como uma lace¬<br />

ração causada pela batida da testa contra o capacete de um<br />

companheiro, basta lavá-la jogando água sobre a ferida. Geral¬<br />

mente é usada uma seringa, disponível no PS, mas esguichar<br />

um pouco de água limpa, de uma garrafa de água potável, por<br />

exemplo, tem o mesmo efeito. *<br />

Se a ferida for contaminada, deve ser irrigada com pres¬<br />

são suficiente para remover as bactérias. Os estudos originais<br />

demonstraram que uma seringa de 35 ml com uma agulha 18G<br />

proporciona pressão apropriada (5-15 psi).25'27 Esguiche a água,<br />

com pressão alta, por toda a ferida. Contudo, isto constitui um<br />

sério risco de transmissão de palógenos pelo sangue; portanto,<br />

é necessária a proteção confea o sangue que espirra durante a<br />

irrigação. E fundamental usar proteção para os olhos e luvas.<br />

Às vezes, é necessário utilizar um pacote de gazes ou um<br />

pano limpo, usando luvas, para remover sujeira grossa ou corpo<br />

estranho. Pode ser necessário tratar a dor do doente antes da<br />

limpeza da ferida. Depois da irrigação, fazer um curativo e<br />

enfaixar a ferida. Trocar o curativo limpo pelo menos uma vez<br />

por dia.<br />

Se a ferida ficar aberta, um curativo úmido evita lesão tecidual<br />

por ressecamento; trocar ou pelo menos reumedecer o<br />

curativo com água limpa várias vezes ao dia. Na maioria dos<br />

casos, porém, como a ferida quase se fecha com o enfaixamento,<br />

pode ser feito um curativo seco.<br />

Geralmente é feita a administração precoce de antibióticos,<br />

na chegada ao pronto-socorro, nos doentes com trauma signifi¬<br />

cativo. Não são administrados antibióticos na maioria dos sis¬<br />

temas médicos de emergências pré-hospitalares civis, em razão<br />

dos períodos de transporte muito curtos nas áreas urbanas. O<br />

tratamento definitivo, contudo, pode ser muito retardado no


CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 571<br />

contexto de locais remotos, em função das distâncias mais lon¬<br />

gas a serem cobertas e das considerações táticas de resgate em<br />

terreno irregular.<br />

Após o trauma, os antibióticos devem ser dados adminis¬<br />

trados logo que possível, para maximizar a capacidade de pre¬<br />

venir infecção da ferida. Verificou-se que a administração de<br />

benzilpenicilina por via intramuscular dentro de uma hora após<br />

a lesão era eficaz na prevenção de infecções por estreptococos<br />

em um modelo de infecção de feridas em porcos. Todavia, se<br />

a administração fosse retardada para seis horas-após a lesão, a<br />

medicação não era eficaz.2" Uma revisão militar recente sobre<br />

o uso de antibióticos no campo de batalha recomendou que<br />

sejam usados antibióticos se houver previsão de que a chegada<br />

à unidade de tratamento médico demore.três horas ou mais.2"<br />

Entretanto, essa revisão não citou evidência que documentasse<br />

a eficácia de antibióticos administrados depois de uma hora na<br />

prevenção de infecções da ferida.<br />

Restauração da Função e da Estética:<br />

Fechamento das Feridas emTVreas Remotas<br />

Em virtude da falta de iluminação adequada, de radiografia e de<br />

um local quente e seco para trabalhar, não faz sentido fazer o<br />

fechamento definitivo de uma ferida em uma área remota. Toda¬<br />

via, é possível simplesmente limpar a ferida, fazer um curativo,<br />

enfaixar e tratar bem da ferida por quatro dias e, então, fazer<br />

um fechamento primário retardado. Quatro dias depois, con¬<br />

tanto que não haja infecção, é seguro fechar a ferida como se ela<br />

tivesse acabado de acontecer. Embora as bactérias colonizem a<br />

ferida logo após a lesão, afinal suficientes defesas do organismo<br />

(isto é, leucócitos) entraram na ferida, deixando-a pronta para<br />

ser fechada com segurança. Isso ocorre cerca de quatro dias<br />

após a lesão inicial.<br />

Já que é possível fazer o fechamento primário retardado, não<br />

há motivo premente para fechar as feridas nas áreas remotas.<br />

Caso um cirurgião ou alguém com experiência em fechamento<br />

de feridas esteja presente, a ferida poderá ser fechada no local.<br />

Contudo, ainda é razoável apenas fazer a limpeza e o curativo,<br />

enfaixar a ferida e deixar o fechamento para mais tarde.<br />

O fechamento de uma ferida em uma área remota pode ser<br />

importante em uma situação: quando a hemorragia não puder<br />

ser controlada de nenhuma outra maneira. Essas situações são<br />

incomuns e geralmente envolvem laceração de couro cabeludo.<br />

Por esse motivo, algumas equipes de SME de locais remotos são<br />

treinadas para utilizar grampos cirúrgicos descartáveis para o<br />

fechamento de lesões de couro cabeludo. Todavia, o fechamento<br />

de feridas é complexo e não deve ser tentado sem treinamento e<br />

experiência suficientes.<br />

Luxações<br />

Um homem saudável de 20 anos de idade estava em um caiaque<br />

em um riacho de águas limpas, quando a ponta do remo bateu<br />

num galho baixo de uma árvore. Agora seu ombro direito está<br />

edemaciado, deformado e dolorido. Ele não consegue cruzai- o<br />

braço direito sobre o tórax. Os pulsos distais, o tempo de reenchimento<br />

capilar, a sensibilidade e os movimentos estão intac¬<br />

tos. Saindo da ambulância, você e seu colega TEM andaram<br />

'1,5 km através da floresta até chegar ao riacho. Você deve "imo¬<br />

bilizar como está" ou tentar reduzir o que parece ser uma luxa¬<br />

ção anterior do ombro?<br />

A prática comum para fraturas e luxações na rua é "imobili¬<br />

zar como está" e transportar para tratamento definitivo. A única<br />

exceção é o doente cujo pulso não seja palpável; nesses casos, a<br />

extremidade deverá ser realinhada anatomicamente.<br />

Embora "imobilizar como está" seja uma boa regra geral<br />

para a rua, "fazê-lo parecer normal" é uma regra geral melhor<br />

para o contexto de locais remotos. Certamente, é apropriada<br />

tanto para fraturas como para luxações, quando o transporte for<br />

retardado.<br />

Existem muitos tipos de luxações - dedo da mão, dedo do<br />

pé, ombro, patela, joelho, cotovelo, quadril, tornozelo e mandí¬<br />

bula -, e todos foram reduzidos com sucesso em áreas remotas,<br />

alguns mais facilmente que outros. Geralmente é muito fácil<br />

reduzir luxações de tornozelo (que quase sempre são fraturasluxações),<br />

paleia, dedo do pé, ou da mão, exceto da articulação<br />

interfalangiana proximal do dedo indicador, em alguns casos.<br />

Luxações de cotovelo, joelho e quadril geralmente são muito<br />

difíceis. Todas são muito mais fáceis com treinamento e prática,<br />

e, em particular, é necessário treino e experiência para saber,<br />

sem radiografia, quando uma articulação provavelmente sofreu<br />

luxação e tentar a redução.<br />

Os cursos de TEM e de paramédicos raramente dão treina¬<br />

mento em redução de luxações. Porém, como luxações em áreas<br />

remotas são tão comuns, a redução de luxações é ensinada em<br />

quase todos os treinamentos de primeiros socorros, primeiros<br />

socorristas e TEM para áreas remotas. E aconselhável que todos<br />

aqueles que podem vir a trabalhar nos SME em áreas remotas<br />

ou quem viaja regularmente por regiões remotas faça um desses<br />

cursos.<br />

r<br />

Reanimação Cardiopulmonar em Areas<br />

Remotas<br />

Parada Cardíaca por Trauma<br />

Alguns sinais podem ser uniformemente considerados como<br />

equivalentes à impossibilidade de sobrevivência, como:<br />

b Decapitação<br />

s Transecção do tronco<br />

Doente congelado, tão duro que é impossível comprimir o<br />

tórax<br />

£3 Doente com temperatura retal muito baixa e igual à do<br />

ambiente<br />

e Estado avançado de decomposição (ver discussão mais<br />

adiante)<br />

Os seguintes sinais presumíveis de morte podem ser usa¬<br />

dos pelos socorristas, embora nenhum sinal seja confiável por<br />

si só:<br />

s<br />

Higor mortis. A rigidez post-mortem é bem conhecida,<br />

mas nem sempre está presente, e rigidez similar é fre¬<br />

quentemente observada em doentes hipoténnicos, porém<br />

semiconscientes.<br />

í


572 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

® Lividez dependente (manchas de hipóstase). É comum em<br />

cadáveres, mas também pode ser encontrada junto com<br />

necrose por compressão e em congelamento, em alguns<br />

doentes expostos às intempéries da natureza por muito<br />

tempo.<br />

Decomposição. Geralmente evidente por si só.<br />

h Ausência de sinais presumíveis de vida. A hipotermia<br />

pode simular a morte, pois os pulsos podem não ser pal¬<br />

páveis e a respiração pode ser indetectável, com as pupilas<br />

dilatadas e sem sinais de consciência. Entretanto, alguns<br />

doentes gravemente hipotérmicos foram ocasionalmente<br />

reanimados, com recuperação neurológica completa.<br />

Sabemos que a parada cardíaca por trauma "na rua" tem<br />

mau prognóstico, mesmo se o local se encontrar a poucos minu¬<br />

tos de um centro de trauma Nível I. Nenhuma pessoa sobrevive<br />

mais do que uns poucos minutos de reanimação cardiopulmonar<br />

(RCP), depois de parada cardíaca por trauma.30'33 Essa rea¬<br />

lidade é reconhecida em muitos protocolos de SME, como se<br />

segue:<br />

Na parada cardíaca por trauma, uiiciar a RCP com estabili¬<br />

zação da coluna cervical, se:<br />

1. A parada cardíaca ocorrer na presença da equipe dos SME.<br />

2. A vítima de trauma penetrante tiver apresentado sinais<br />

vitais dentro dos 15 minutos anteriores à chegada da equipe<br />

dos SME.<br />

Portanto, no contexto de áreas remotas, a RCP não é apro¬<br />

priada para parada cardíaca por trauma. E apropriado que os<br />

socorristas e os membros das equipes de resgate de montanha<br />

examinem o doente e, em seguida, de forma delicada, mas<br />

firme, digam aos companheiros que a vítima está morta, e não<br />

há nenhum motivo para iniciar a reanimação. Embora frequen¬<br />

temente seja difícil usar a palavra "morto", eufemismos mui¬<br />

tas vezes levam a mal-entendidos e interpretações erradas do<br />

que realmente está sendo dito. Os socorristas e os membros da<br />

equipe de resgate de montanha devem, então, lidar apropriada¬<br />

mente com as reações de negação e de dor que são esperadas,<br />

verificando a segurança da cena, principalmente se a escuridão<br />

que se aproxima puder fazer com que a evacuação da área seja<br />

perigosa para os companheiros da vítima, que estão exaustos<br />

mental e fisicamente.<br />

Parada Cardíaca de Causa Clínica<br />

Falamos em parada cardíaca de causa clínica quando um doente<br />

apresenta dor torácica e a seguir sofre parada cardíaca. Nova¬<br />

mente, no contexto de áreas remotas, as chances de sobrevi¬<br />

vência são pequenas ou inexistentes, quando o doente demora<br />

mais do que alguns poucos minutos até ser submetido a RCP ou<br />

desfibrilação.1-1'30 É possível que a equipe de resgate esteja trans¬<br />

portando um doente com dor no tórax quando o doente sofre<br />

parada cardíaca. Embora atualmente sejam fabricados alguns<br />

desfibriladores leves, a relação entre necessidade de uso e peso<br />

dos desfibriladores é tão baixa, que eles raramente são carrega¬<br />

dos pelas equipes de resgate em áreas remotas.<br />

Existe uma variedade de outras causas de parada cardíaca<br />

em áreas remotas, e, no exemplo anterior, é provável que tenha<br />

ocorrido parada cardíaca com fibrilação ventricular (FV) secun¬<br />

dária a hipotermia ou parada cardíaca secundária a embolia<br />

pulmonar. Nessas paradas cardíacas, entretanto, a sobrevida é<br />

ainda menos provável do que na parada cardíaca secundária a<br />

infarto do miocárdio.<br />

Entretanto, parada cardíaca "não traumática" em áreas<br />

remotas pode ter sobrevida nas seguintes condições:<br />

h Hipotermia""'<br />

e Submersão em água fria'11"1'1<br />

E3 Vítima de queda de raio'"'<br />

b Eletrocussão<br />

e Overdose de drogas<br />

® Soterramento por avalanche'"'<br />

Em lodos esses casos, um doente pode parecer estar em<br />

parada cardíaca, mas ainda poder ser reanimado por RCP<br />

básica. Na hipotermia em particular, existe um ditado que diz<br />

que "ninguém está morto até que esteja quente e morto" (ver<br />

Capítulo 20). Uma minoria significativa daqueles que aparen¬<br />

temente estão mortos, pelos mecanismos listados acima, pode<br />

ser reanimada. Existem considerações especiais para cada uma<br />

dessas situações; por exemplo, a segurança da cena naqueles<br />

que foram eletrocutados e ainda estão em contato com a linha<br />

de força em área remota ou o conhecimento de que a compres¬<br />

são cardíaca externa pode realmente induzir parada cardíaca<br />

em FV no doente hipotérmico cujo coração está batendo apenas<br />

o suficiente para mantê-lo vivo.'1'"50 Embora apropriada para um<br />

curso de TEM em áreas remotas, a discussão detalhada desses<br />

tópicos está além dos objetivos deste capítulo.<br />

Entretanto, duas regras-padrão de RCP em áreas remotas<br />

são:<br />

e<br />

Se o doente parecer estar em parada cardíaca por causas<br />

outras que não trauma, tentar RCP por 15 a 30 minutos;<br />

se ela não reanimar o doente, parar a RCP e considerar o<br />

doente morto.<br />

13 Entretanto, não iniciar RCP caso ela coloque os socor¬<br />

ristas em risco e diminua as chances de retirada da cena<br />

com segurança, em função das condições de luz do dia,<br />

terreno, condições climáticas e disponibilidade de abrigo<br />

próximo.30<br />

Mordidas e Picadas<br />

Mordidas e picadas são problemas comuns em locais remotos.<br />

O tipo exato de mordida ou picada mais provável em uma deter¬<br />

minada área remota depende do local.<br />

Picadas de Abelha<br />

A picada mais disseminada, comum e mortal é a da abelha<br />

comum, pelo menos para aqueles que são alérgicos. A maioria<br />

das reações às picadas de abelha é dor local intensa (embora<br />

breve) e, em alguns casos, edema e vermelhidão local persis¬<br />

tente por um ou dois dias; estas últimas reações provavelmente<br />

estão diretamente relacionadas à toxina injetada e não são uma<br />

indicação de alergia.<br />

Alguns indivíduos picados evoluem em poucos minutos<br />

para uma reação alérgica generalizada. Esta pode variar desde<br />

urticária até reação anafilática generalizada. Embora o espectro


I<br />

CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 573<br />

exato de reação alérgica generalizada dependa do conteúdo da<br />

toxina injetada (que varia entre as muitas espécies de abelhas e<br />

vespas) e da história alérgica do doente, um ou mais dos seguin¬<br />

tes sintomas são geralmente observados:<br />

Urticaria (erupções) (Fig. 22-8)<br />

Edema labial<br />

Rouquidão ou estridor<br />

Sibilos e/ou Falta de ar<br />

Cólicas abdominais, vómito ou diarreia<br />

Taquicardia ou bradicardia<br />

Hipotensão<br />

Síncope<br />

Choque<br />

Aqueles que têm história de reação alérgica generalizada a<br />

uma picada apresentam maior probabilidade de ter outra reação<br />

generalizada na próxima. Entretanto, os venenos variam tanto<br />

entre as diferentes espécies que, apesar de história de alergia<br />

generalizada no passado, um doente pode não ter nenhuma rea¬<br />

ção generalizada ã próxima picada.<br />

Um doente com urticaria levc-depois de uma picada pro¬<br />

vavelmente ficará bem. Se um doente com placas de urticaria<br />

depois de uma picada evoluir para uma anafilaxia "real", no<br />

entanto, o melhor sinal precoce é a rouquidão. A principal causa<br />

de morte após alergia a picada de abelha é a obstrução da via<br />

aérea por edema, e a rouquidão geralmente é o primeiro sinal de<br />

edema da via aérea. Qualquer doente com reação generalizada à<br />

picada de abelha necessita de tratamento imediato.<br />

As intervenções do suporte básico de vida (SBV) geralmente<br />

preconizam manter o doente na horizontal ou em posição de<br />

conforto, fazendo o tratamento-padrão da via aérea e oferecendo<br />

oxigénio.<br />

Uma intervenção simples, porém útil, é a remoção ade¬<br />

quada do ferrão espetado. Embora apenas uma pequena fração<br />

das picadas de abelha ainda mantenha o ferrão espetado, geral¬<br />

mente são necessários bons olhos e luz clara ou uma lente de<br />

aumento para ver o ferrão, e a remoção inadequada deste pode<br />

ser mortal. Espremer o ferrão espetado com pinça, alicate ou<br />

tenaz pode injetar mais veneno para dentro da pele. Em vez<br />

disso, a raspagem cuidadosa com um cartão de crédito ou com<br />

a lâmina de uma faca pode remover o ferrão sem injetar mais<br />

veneno na pele.<br />

É importante remover os ferrões espetados logo que possí¬<br />

vel; a bolsa de veneno continua a injetar veneno mesmo depois<br />

que a abelha saiu voando.<br />

Os principais medicamentos para o tratamento das picadas<br />

de abelha são os seguintes:<br />

1. Epinefrina (adrenalina). Embora a epinefrina alue apenas<br />

por poucos minutos, ela pode salvar a vida.<br />

2. Anti-histamínicos (p.ex., difenidramina [Benadryl'-]). Qual¬<br />

quer pessoa que necessite de epinefrina por causa de alergia<br />

à picada de abelha deve receber um anti-histamínico.<br />

3. Esteroides (p. ex., prednisona). A maioria das pessoas que<br />

necessita de epinefrina também requer o uso de esteroides.<br />

Algumas equipes de Busca e Salvamento (BS) em áreas<br />

remotas têm medicação para alergia à picada de abelha em seus<br />

kits médicos; os TEM da equipe recebem treinamento especial<br />

para seu uso. Além disso, algumas pessoas com história de aler¬<br />

gia à picada de abelha levam esses medicamentos em seu kit<br />

pessoal de primeiros socorros.<br />

A droga mais importante é a epinefrina. Ela está disponível<br />

na forma de auloinjetor do tamanho de uma canela (p.ex., Epi-<br />

Pen®), que muitas vezes é prescriLa para qualquer doente que<br />

tenha tido alergia generalizada à picada de abelha. Esses autoinjelores<br />

são encontrados em muitos kits de primeiros socorros<br />

para áreas remotas.<br />

Picada de Cobra<br />

Existem muitas espécies de cobras venenosas. Poucas são encon¬<br />

tradas em latitudes setentrionais. A maioria ocorre em áreas tro¬<br />

picais, e muitas são mortíferas. Embora muitas cobras tenham<br />

glândulas venenosas, apenas dois tipos de cobra na América do<br />

Norte possuem veneno forte o suficiente para causar mais que<br />

uma pequena irritação em seres humanos.<br />

ST-"<br />

FIGURA 22-8 Urticária alérgica. FIGURA 22-9 Cobra coral.<br />

(De Forbes CD, Jackson WF: World atlas and text of clinicalmedicine, ed 3, London, (De Sanders M:Mosby's paramedic textbook ,ed 3, SI. Louis, 2006, Mosby.)<br />

1993, Mosby-Year Book Europe Limiled.)


574 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

Cobras corais são cobras pequenas, encontradas nas regiões<br />

do sul da América do Norte, que apresentam um veneno que é<br />

neurotóxico e causa paralisia (Fig. 22-0). Entretanto, as cobras<br />

são pequenas, têm presas pequenas, não podem abrir muito a<br />

boca, em comparação com as cobras maiores, e necessitam mas¬<br />

tigar para permitir a penetração do veneno; portanto, envenena¬<br />

mentos sérios não são comuns.<br />

As víboras crotalídeas (Fig. 22-10) são amplamente encon¬<br />

tradas em grandes porções da América do Norte e incluem cas¬<br />

cavéis de vários tipos, serpentes cabeças-de-cobre (copperheads)<br />

(Fig. 22-11) e serpentes venenosas piscívoras water moccasins<br />

ou cottonmouths (Fig. 22-12). A maioria das picadas de víboras<br />

não ocorre em áreas remotas, mas em áreas rurais,suburbanas ou<br />

até mesmo urbanas. Um exemplo clássico é o do homem embria¬<br />

gado que estava beijando sua cascavel de estimação, quando foi<br />

picado nos lábios ou na língua.<br />

As picadas de cobra não são tão raras quanto poderíamos<br />

pensar. A situação lica mais complicada pela variedade de tra¬<br />

tamentos pré-hospitalares tentados por doentes, curiosos ou às<br />

vezes pelo pessoal dos SME. O único tratamento que se mos¬<br />

"jfií<br />

y v 'ÿ<br />

*ÿ i I ; /<br />

• ÿÿÿÿ, !ÿ<br />

'<br />

-t>i.I'M<br />

trou eficaz para o envenenamento por picada de cobra é o antiveneno,<br />

que é muito caro (milhares de dólares por um único<br />

tratamento) e, portanto, não está rotineiramente presente no kit<br />

de primeiros socorros. De fato, o único atendimento de "rua"<br />

comprovadamente útil é o transporte para o hospital.<br />

A primeira coisa a fazer no tratamento da picada de cobra<br />

é observar os sinais de envenenamento (foi injetado veneno).<br />

Apenas uma fração das picadas de víboras realmente causa<br />

envenenamento, e os sinais são bastante claros. Embora geral¬<br />

mente os sinais e sintomas de envenenamento se desenvolvam<br />

em poucos minutos, algumas vezes eles podem ser retardados<br />

por 6 a ti horas ou talvez até mais, de modo que é adequado<br />

começar o transporte para o hospital após uma suspeita de<br />

picada de cobra. Os sinais de envenenamento incluem:<br />

a. Edema, equimose e dor locais muito intensos<br />

b. Hemorragia contínua da picada<br />

c. Parestesia nos dedos das mãos e dos pés (a parestesia é uma<br />

sensação incomum, geralmente causada por lesão nervosa<br />

ou anormalidades bioquímicas; uma sensação de "alfineta¬<br />

das e agulhadas" é uma parestesia comum)<br />

d. Gosto metálico na boca<br />

e. Sensação de ansiedade intensa ("desgraça iminente")<br />

f. Náuseas, vómitos e dor abdominal<br />

Os tratamentos a seguir têm sido recomendados durante<br />

vários anos, mas não são apoiados pela literatura e não devem<br />

ser feitos:<br />

1. Repouso. Algumas recomendações insistem que aqueles<br />

que tiverem sido picados devem sempre evitar esforço<br />

físico. Mortes causadas por picadas de cobra na América do<br />

Norte são muito raras'1, e é muito improvável que o esforço<br />

de andar para sair de uma área remota acarreie piora signifi¬<br />

cativa do estado da vítima. O ideal é que a vítima possa ser<br />

carregada. Entretanto, caso a espera pelo transporte atrase a<br />

chegada da vítima ao hospital, ela deve caminhar, qualquer<br />

que seja a ajuda que lhe possa ser dada.<br />

FIGURA 22-10 Cobra cascavel.<br />

(De Sanders M: Mosby's paramedic textbook, ed 3, St. Louis, 2006, Mosby.)<br />

FIGURA 22-11 Cobra cabeça-de-cobre (copperhead).<br />

(De Auerbach PS: Wilderness Medicine:Management of wildeness and environment<br />

emergencies, ed 4, St. Louis, 2001, Mosby.)<br />

FIGURA 22-12 Cobra water moccasin (cottonmouth).<br />

(De Auerbach PS: Wilderness Medicine:Management of wildeness and environment<br />

emergencies, ed 4, St. Louis, 2001, Mosby.)


CAPÍTULO 22 Atendimento ao Traumatizado em Locais Remotos 575<br />

2. Capturar a cobra e levá-la para o hospital. Há muitos rela¬<br />

tos de curiosos que tentaram capturar uma cobra suposta¬<br />

mente venenosa e foram picados durante a tentativa. Há um<br />

único antiveneno utilizado para todos os venenos de víbo¬<br />

ras domésticas, e o tratamento é baseado no grau clínico de<br />

envenenamento, dependendo dos sinais e sintomas clínicos<br />

prévios. Portanto, a identificação de uma cobra doméstica é<br />

de pouca importância em comparação com o perigo das ten¬<br />

tativas de capturá-la. Uma fotografia digital da cobra pode<br />

ser útil, mas a identificação não vale o risco de mais uma<br />

picada.<br />

3. Sucção. Foi demonstrado que a sucção, com ou sem corte,<br />

é inútil para picadas de cobra venenosa. O kit para pica¬<br />

das de cobra com material para sucção deve ser deixado de<br />

fora de todos os kits de primeiros socorros e nunca deve ser<br />

utilizado.52,53<br />

4. Choque elétrico. Mostrou-se que o choque elétrico, apli¬<br />

cado na cobra ou na picada da cobmÿé totalmente ineficaz e<br />

nunca deve ser utilizado.54,55<br />

5. Compressasfrias. Foi demonstrado que as compressas frias<br />

aumentam a lesão tecidual das picadas de víboras na Amé¬<br />

rica do Norte e não devem ser utilizadas.51'<br />

6. Talas, torniquetes arteriais ou venosos, constritores linfáti¬<br />

cos ou ataduras elásticas. Embora amplamente recomenda¬<br />

dos, nenhum destes tratamentos se mostrou eficaz e pode<br />

piorar a lesão local na área da picada. 57,00<br />

O Contexto dos "SME<br />

em Locais Remotos"<br />

Revisitado<br />

No início deste capítulo, perguntamos quando é que o SME se<br />

torna "SME em locais remotos": "Quando é que devemos pen¬<br />

sar em SME de locais remotos; ou seja, quando é que devemos<br />

pensar e agir de forma diferente do que fazemos na rua?"<br />

Com base neste capítulo, o leitor provavelmente pode dar a<br />

resposta curta: "Depende".<br />

Tempo, distância, condições climáticas e de terreno, lodos<br />

influenciam na decisão. A decisão de que um doente particular,<br />

em uma situação particular, com um conjunto de lesões parti¬<br />

culares, necessita de atendimento de "locais remotos", em vez<br />

de atendimento de "rua" é uma decisão médica-uma decisão<br />

que é mais bem tomada pelo socorrista que está diretamente<br />

envolvido no atendimento do doente. Caso o socorrista no local<br />

possa entrar em contalo com um médico experiente dos SME,<br />

principalmente um médico que possua experiência ou treina¬<br />

mento em SME de locais remotos, definitivamente vale a pena<br />

procurar aconselhamento. Em última análise, a decisão cabe ao<br />

socorrista que está no local.<br />

O PITTLS sempre sustentou que, com uma boa base de<br />

conhecimentos e princípios-chave, socorristas, outros profissio¬<br />

nais dos SME e TEM são capazes de tomar decisões racionais a<br />

respeito do atendimento do doente.<br />

RESUMO<br />

Enquanto muitos dos princípios dos SME de locais remolos<br />

são os mesmos dos SME de "rua", preferências e práti¬<br />

cas podem variar, por causa das circunstâncias peculiares.<br />

Raramente os doentes de áreas remotas necessitam de<br />

mais ou de diferentes procedimentos invasivos; eles<br />

necessitam, em geral, de socorristas com boa capacidade<br />

de pensamento crítico.<br />

Situações clínicas nas quais o atendimento em locais<br />

remotos é diferente: liberação da coluna cervical, irriga¬<br />

ção de feridas, redução de luxações e cessação da RCR<br />

Tratar de doentes em áreas remotas requer que os socor¬<br />

ristas tenham um bom entendimento acerca de problemas<br />

médicos relacionados ao ambiente (Capítulos 20 e 21).<br />

Ao tratar de doentes em locais remotos, os socorristas<br />

também têm de considerar as necessidades de alimento e<br />

água e de eliminação.<br />

Um princípio básico do atendimento em locais remotos é<br />

que todos os doentes estão hipotérmicos, hipoglicêmicos<br />

e hipovolêmicos.


576 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

---- - —<br />

SOLUÇÃO DO CENÁRIO<br />

..... '<br />

'~w'<br />

Como TEM de locais remotos da equipe, você rapidamente<br />

examina o doente e encontra uma fratura exposta de tíbia e<br />

fibula. Embora a queda também tenha causado uma laceração<br />

no couro cabeludo, o exame da coluna cervical revela que<br />

não há qualquer necessidade de imobilização de coluna. Você<br />

também está preocupado com o fato de o doente ter ficado<br />

exposto a baixas temperaturas durante toda a noite, mas está<br />

até certo ponto aliviado, pois o nível de consciência dele é<br />

normal, sugerindo apenas, na pior das hipóteses, hipotermia<br />

leve. Você decide tratar a hipotermia utilizando técnicas de<br />

reaquecimento passivo. Você pede via rádio para a equipe de<br />

resgate trazer uma tala para a perna e uma maca de Stokes.<br />

Enquanto espera a chegada da equipe de resgate, você<br />

realinha a fratura e faz um curativo no ferimento da perna.<br />

Você também começa a reidratar o caçador, uma vez que ele<br />

não tinha nenhuma água com ele durante a noite. Você lhe dá<br />

algumas barras de carboidratos de elevado valor energético,<br />

já que ele não se alimenta desde o meio-dia do dia anterior.<br />

Depois, você examina o ferimento da cabeça e vê que ele<br />

está contaminado com sujeira e detritos. Você irriga a ferida<br />

e faz um curativo. A equipe de resgate leva 90 minutos para<br />

chegar ao local onde você está. Você imobiliza a perna com a<br />

tala. Visto que você concluiu não ser necessária imobilização<br />

cervical, você coloca o doente diretamente na cesta de Stokes<br />

para o transporte. Nesse momento, você tem 12 socorristas<br />

disponíveis e inicia o transporte do doente em direção ao ponto<br />

de resgate. Após uma hora, você andou apenas 800 metros.<br />

Mais socorristas são chamados para auxiliar no resgate. Como<br />

paramédico da equipe, além do atendimento ao doente, você<br />

também é responsável pela saúde e segurança da equipe.<br />

Você deve certificar-se de que os membros da equipe tenham<br />

protetor solar, pois já é quase meio-dia. Você monitora o<br />

estado de hidratação não apenas do doente, mas também dos<br />

membros da equipe, lembrando a eles de fazer intervalos e<br />

beber bastante líquido. Finalmente, após duas horas e meia,<br />

você chega à ambulância e passa o doente para a equipe que<br />

fará o transporte até o hospital local, a cerca de 30 quilómetros<br />

de distância. ÿ<br />

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CAPITULO 23<br />

Suporte Médico de<br />

Emergência em Operações<br />

Táticas Civis (SMEOT)<br />

OBJETIVOS DO CAPITULO<br />

Ao final deste capítulo, o leitor estará apto a:<br />

Descrever os componentes do suporte médico de emergência em operações<br />

táticas.<br />

Entender as funções operacionais e de apoio do SMEOT<br />

Explicar os benefícios de um programa de Suporte Médico de Emergência em<br />

Operações Táticas (SMEOT).<br />

Discutir como o atendimento médico de emergência difere em cada uma das três<br />

zonas de atendimento.<br />

Relatar como a metodologia de avaliação a distância pode ser utilizada em uma<br />

missão tática.<br />

Descrever o papei do suporte médico nas operações contra o terrorismo


580 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

........<br />

CENÁRIO<br />

..... . '<br />

- ...... —<br />

' - - - !*gppP!P Wf —<br />

Sua unidade de atendimento pré-hospitalar dá cobertura à equipe locai da SWAT e possui um rigoroso programa de<br />

treinamento integrado com os policiais da comunidade. Sua equipe recebe um chamado telefónico acerca de uma ocorrência<br />

doméstica com sinais de violência. Quando você chega, dois policiais cruzam o quintal do suspeito e abordam a casa. Tiros<br />

são disparados da janela da frente, ferindo os policiais. Um deles cai à porta da casa do suspeito. O segundo policial cai<br />

próximo a um muro baixo. Outro policial próximo a você grita: "Precisamos pegá-los. Venha!". Você agarra o policial pelo<br />

braço e olha para o comandante da SWAT.<br />

Que ações você deve ter? Como você examina e trata os policiais feridos, levando em conta o perigo na cena?<br />

ÿ.........<br />

yiSTORICO E EVOLUÇÃO<br />

DO SMEOT<br />

O Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis<br />

(SMEOT) é um sistema de atendimento fora do hospital dedicado<br />

ao aumento da probabilidade de sucesso de operações policiais<br />

especiais e promoção da segurança pública.1 O SMEOT é estru¬<br />

turado com os princípios da medicina militar, da medicina em<br />

ambientes selvagens, da resposta a desastres, do sistema urbano<br />

de busca e resgate e do SME convencional, criando um sistema de<br />

atendimento que apoia missões policiais e maximiza o resultado<br />

clínico de vítimas traumatizadas em ambientes distantes e com<br />

poucos recursos, ao mesmo tempo em que minimiza os riscos aos<br />

socorristas. Este capítulo traz uma breve introdução aos papéis e<br />

responsabilidades do SMEOT. A participação no SMEOT exige<br />

treinamento específico e habilidades que estão além do escopo<br />

deste capítulo.<br />

A primeira equipe da SWAT foi desenvolvida em Los Angeles,<br />

em 1968. Logo depois, concretizou-se a ideia de ler uma equipe<br />

"médica" no time. O SMEOT compreende um amplo espectro<br />

de serviços médicos, com estrutura e função modificadas, para<br />

operar em ambientes lálicos dinâmicos e de alto risco. Desde sua<br />

origem, na década de 1960, como apoio às operações da SWAT,<br />

o SMEOT evoluiu, passando a ser uma área de habilidades espe¬<br />

ciais. O suporte profissional ao SMEOT foi iniciado pela comuni¬<br />

dade policial e expandiu-se à arena médica, seguindo o modelo<br />

militar de ter um "profissional da saúde" à disposição durante<br />

operações de alto risco. Hoje, o SMEOT é muito apoiado por<br />

estas duas comunidades. O curso de Suporte Médico Operacional<br />

Contra Narcóticos e Terrorismo (CONTOMS, Counter Narcotics<br />

& Terrorism Operational Medical Support) foi desenvolvido há<br />

mais de 20 anos. Esse programa desenvolveu um curriculum de<br />

SMEOT baseado em evidências, e aplicou esse curso em socorris¬<br />

tas treinados e durante 56 horas de imersão fez com que eles rea¬<br />

lizassem atendimento médico em ambientes láticos. Através do<br />

CONTOMS, desenvolveu-se um banco de dados de lesões que se<br />

tornou a base para as pesquisas necessárias que auxiliam a eficá¬<br />

cia da medicina tática. A Associação Nacional de Oficiais Táticos<br />

(National Tactical Officers Association — NTOA) considerou o<br />

SMEOT "um importante elemento da polícia tática" e começou a<br />

promover treinamentos em medicina tática.2 Após os ataques de<br />

11 de setembro de 2001, tanto a Associação Nacional de Médi¬<br />

cos de Serviços Médicos de Emergência [National Association of<br />

EmergencyMedical Sendee Physicians (NAEMSP) quanto o Colé¬<br />

gio Americano de Médicos de Emergência (American College of<br />

Emergency Physician (ACEP) apoiaram, formalmente, a integra¬<br />

ção das habilidades do SME em operações policiais especiais.3,4<br />

As orientações do Atendimento a Vítimas em Combale Tático<br />

[Tactical Combat Casually Care — TCCC) são atualmente consi¬<br />

deradas o padrão de atendimento na medicina tática militar. O<br />

Comité de Trauma do Colégio Americano de Cirurgiões [Ameri¬<br />

can College of Surgeons Committee on Trauma — ACS-COT) e<br />

a Associação Nacional dos Técnicos de Medicina de Emergên¬<br />

cia [National Association of Emergency Medical Technicians —<br />

NAEMT),através de seu programa PHTLS,apoiam as orientações<br />

do TCCC.:> Apesar de as operações especiais militares e policiais<br />

serem únicas, seus aspectos operacionais de atendimento médico<br />

são similares. As orientações do TCCC representam um grande<br />

ponto inicial de padronização dos protocolos dos SMEOT e são<br />

apoiadas pela NTOA.<br />

COMPONENTES DO<br />

SMEOT<br />

Considerações e Conceitos Básicos<br />

Nos Estados Unidos, a maioria das agências federais e muitas das<br />

agências estaduais e municipais da polícia, possuem programas<br />

de suporte médico-lático. Para a polícia, a expressão "operações<br />

especiais" indica aquelas atividades que são muito perigosas,<br />

complexas ou técnicas para serem realizadas por unidades de<br />

patrulha uniformizadas. As equipes especiais são responsáveis<br />

por essas missões, enfatizando o treinamento, a coordenação e a<br />

velocidade, a furtividade e a violência da ação para garantir seu<br />

sucesso. Tais operações geralmente utilizam tecnologia avançada,<br />

como menos sistemas de armas letais, comunicações criptografadas,<br />

blindagem, obtenção remota de imagens, equipamentos de<br />

captura acústica e similares. As equipes de operações especiais<br />

são geralmente compostas pelos profissionais mais ágeis, rápi¬<br />

dos, brilhantes e motivados. Nos Estados Unidos, as unidades<br />

podem ter vários nomes, como Táticas e Armas Especiais [Spe-


CAPÍTULO 23 Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis (SMEOT) 581<br />

ciai Weapons and Tactics- SWAT). Equipe de Resposta Especial<br />

[Special Response Team — SRT), Equipe de Resgate de Seques¬<br />

trados (Hostage Rescue Team — TIRT), Equipe de Contra-Ataque<br />

(Counter Assault Team — CAT), Equipe de Resposta de Emergên¬<br />

cia (Emergency Response Team — ERT) e Unidade de Operações<br />

Especiais (Special Operations Unit — SOU).<br />

O SMEOT auxilia essas unidades e incorpora muitas disci¬<br />

plinas divergentes, com o objetivo comum de otimizar a saúde, a<br />

segurança e o bem-estar da comunidade policial e daqueles que<br />

ela protege. De modo amplo, estes componentes podem ser divi¬<br />

didos em funções operacionais e de apoio.<br />

Denúe os componentes operacionais, estão incluídos:<br />

0 Missões de Operações Especiais da Polícia: O ponto prin¬<br />

cipal do SMEOT é o fornecimento de suporte médico a<br />

equipes táticas. Esse suporte envolve diversas medidas<br />

adaptadas ao ambiente inóspito e potencialmente hostil<br />

das operações especiais e inclui medicina preventiva, con-<br />

Ixole de lesões e atendimento sob fogo, táticas especiais<br />

de remoção e resgate, redução da queda de desempenho,<br />

inteligência médica, avaliação da ameaça médica, avalia¬<br />

ção e amparo do doente, entre outras.<br />

h Medicina marítima: O aumento das alividades de patru¬<br />

lhamento de portos e as operações de interdição de litoral<br />

no apoio a missões antiterrorismo, de tráfico humano e<br />

operações antinarcóticos requererem treinamento espe¬<br />

cializado e suporte médico. Esse amplo espectro de apoio<br />

inclui a medicina a bordo, a medicina de mergulho e as<br />

operações táticas de resgate de nadadores.<br />

n Medicina de emergência relacionada a materiais perigo¬<br />

sos: O treinamento relacionado a materiais perigosos é<br />

focado nas questões médicas relacionadas às equipes espe¬<br />

cializadas envolvidas na detecção, avaliação e mitigação de<br />

substâncias perigosas e armas de desfiuição em massa. As<br />

equipes de apoio médico são responsáveis pelo moniloramento<br />

médico e pela avaliação antes da entrada dos profis¬<br />

sionais necessários, pelo monitoramento de ambientes<br />

possivelmente contaminados, pelo suporte a operações de<br />

resgate e retirada de emergência, pela descontaminação e<br />

pelo tratamento de doentes expostos a agentes tóxicos.<br />

e Descarte de artilharia explosiva (DAE): As equipes de<br />

DAE, ou "esquadrões antibomba" encontram ameaças<br />

únicas, incluindo lesões por explosões, exposição a<br />

substâncias químicas industriais tóxicas e riscos ambien¬<br />

tais associados ao uso de equipamentos de proteção<br />

individual. O amplo suporte médico às operações de<br />

DAE inclui monitoramento das condições ambientais<br />

e da redução do desempenho técnico, estadiamenlo de<br />

tratamento e recursos de resgate, consulta sobre os eleitos<br />

médicos e fisiológicos de explosões, tratamento de lesões<br />

causadas por explosões e outras exposições e apoio médico-legal<br />

às investigações pós-explosão.<br />

Proteção médica executiva: O destacamento de segurança<br />

é geralmente fornecido a altos executivos e dignitários,<br />

indivíduos sob ameaças específicas e prisioneiros impor¬<br />

tantes, alvos valiosos, garantindo o b'ansporte seguro do<br />

"Principal". O acometimento do Principal por doenças<br />

ou lesões constitui o insucesso da missão, independen¬<br />

temente de sua origem ou causa. A proteção médica<br />

executiva envolve o espectro completo do apoio médico<br />

ao "Principal" e ao destacamento de segurança. Esse<br />

suporte inclui o planejamento da missão, a inteligência<br />

médica, a avaliação das vulnerabilidades médicas do Prin¬<br />

cipal, o treinamento médico especial do destacamento de<br />

segurança, quando necessário, os protocolos integrados<br />

de ação médica e tática imediata e o atendimento clínico<br />

móvel.<br />

Suas funções de apoio incluem:<br />

ia Inteligência médica e planejamento da missão: A<br />

inteligência médica e o planejamento integrado da missão<br />

são componentes críticos da polícia tática, do contraterrorismo<br />

e das operações com grandes números de baixas.<br />

Os componentes críticos incluem a avaliação dos padrões<br />

climáticos, da possível exposição a substâncias químicas<br />

(p. ex., buscas e apreensão em laboratórios clandestinos),<br />

resposta a surtos de doenças infecciosas, planejamento de<br />

evacuação de contingência e coordenação entre agências.<br />

s A consultoria médica envolve a obtenção em tempo ade¬<br />

quado de conselhos e recomendações apropriadas sobre<br />

assuntos relacionados à saúde, à segurança e ao desem¬<br />

penho de suas atividades, para os membros da comuni¬<br />

dade policial e, em determinadas circunstâncias especiais,<br />

para os indivíduos que eles devem proteger. Por exemplo,<br />

os responsáveis pela medicina protetora podem<br />

aconselhar um determinado policial a respeito de um<br />

problema médico, ou uma agência intçira, a respeito do<br />

planejamento global de saúde, ou o comandante opera¬<br />

cional a respeito dos efeitos médicos de uma determinada<br />

operação tática nos ocupantes de um prédio.<br />

® Saúde ocupacional: Os socorristas trabalham muito<br />

próximos a profissionais de saúde ocupacional, de modo<br />

a facilitar a abordagem ampla e bem integrada à condição<br />

física necessária às tarefas desempenhadas, às imuniza¬<br />

ções, à proteção auditiva, à proteção ocular e à redução de<br />

o<br />

lesões nas costas.<br />

Apoio veterinário: Muitas unidades policiais e de opera¬<br />

ções especiais utilizam cães e cavalos. O apoio veterinário<br />

ao SMEOT envolve a medicina preventiva, o controle<br />

de lesões e orientações básicas de atendimento médicoveterinário<br />

e ressuscitação dos cães policiais, assim como<br />

a ligação ao atendimento especializado avançado.<br />

VANTAGENS DOS<br />

PROGRAMAS DE SMEOT<br />

Equipes táticas são especialmente treinadas e equipadas para<br />

enfrentai- situações policiais extraordinárias. n Tais equipes rea-


582 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

lizam tarefas que são muito perigosas ou tecnicamente muito<br />

complexas para serem resolvidas por policiais comuns, e, assim,<br />

estão sempre superando seus limites. A proteção médica e o<br />

SMEOT incorporam muitas disciplinas divergentes, com o objetivo<br />

comum de otimizar a saúde, a segurança e o bem-estar da<br />

comunidade policial e daqueles por ela protegidos. Esse suporte<br />

médico especializado dado por profissionais treinados e expe¬<br />

rientes neste campo é uma das ferramentas que permitem que as<br />

equipes de operações especiais superem seus limites de modo<br />

seguro. O especialista em proteção médica garante que o desem¬<br />

penho de todos os policiais seja máximo e que esses profissio¬<br />

nais voltem para casa em segurança ao fim do dia. O SMEOT<br />

traz ainda mais benefícios, além do aumento da probabilidade de<br />

sucesso da missão, incluindo:<br />

e<br />

h<br />

h<br />

a<br />

Morbidade e Mortalidade: O objetivo de um programa<br />

de SMEOT bem conduzido é reduzir a mortalidade e a<br />

morbidade de policiais, criminosos e vítimas. É também<br />

provável que reduza as lesões que ocorrem em serviço e os<br />

custos decorrentes de invalidez dos serviços de segurança<br />

pública. A redução do tempo de trabalho perdido para<br />

esses policiais é um benefício significativo da medicina<br />

tática porque o efetivo humano é o recurso mais precioso<br />

de qualquer equipe especializada. Os seus membros pos¬<br />

suem perícia, qualificações e certificados normalmente<br />

adquiridos ao longo de muito tempo e não podem ser<br />

prontamente substituídos por policiais menos treinados.<br />

A equipe ficará desfalcada caso um de seus membros for<br />

ferido ou seja incapaz de realizar suas tarefas.<br />

Moral: Os programas de SMEOT exercem impactos posi¬<br />

tivos sobre o moral da equipe. Espera-se que os membros<br />

da equipe se arrisquem muito em situações perigosas. A sua<br />

disposição para se empenhai- completamente na missão, em<br />

um momento em que decisões de vida ou de morte devem<br />

ser tomadas em fiações de segundo, aumenta ao saberem<br />

que, no caso de serem feridos, têm imediatamente à sua<br />

disposição a melhor assistência médica possível. Noventa e<br />

quatro por cento das equipes com programas integrados ao<br />

SMEOT relatam melhora operacional.7,0<br />

Responsabilidade: A disponibilidade de assistência<br />

médica na linha de frente pode melhorar significativa¬<br />

mente a posição de um grupo policial, no que já é uma<br />

situação de grande responsabilidade. A atuação de uma<br />

equipe tática pode, às vezes, contribuir para a criação de<br />

riscos, e algumas situações tornam-se necessariamente<br />

menos estáveis, por algum tempo, durante seu processo de<br />

resolução. Criai- um risco e reconhecer que pessoas pos¬<br />

sam ser feridas e depois não conseguir resolver a situação<br />

decorrente desse risco pode aumentar a responsabilidade<br />

da polícia. O destacamento de um elemento do SMEOT<br />

mostrou-se uma resposta apropriada, que minimiza essa<br />

responsabilidade.<br />

Transferência de prisioneiros: A presença de um profis¬<br />

sional da área médica tática pode dispensai- a transfe¬<br />

rência desnecessária, do ponto de vista médico, de pri¬<br />

sioneiros para o hospital para avaliação. Casos recentes<br />

de processos transitados em julgado têm mostrado que<br />

os policiais que acompanham prisioneiros perigosos ao<br />

pronto-socorro ou a um hospital têm a obrigação espe¬<br />

cial de proteger os outros indivíduos da ação desses<br />

prisioneiros. 0,10 Em princípio, o público não possui o<br />

direito constitucional de ser protegido pelo estado contra<br />

o dano causado por terceiros. Todavia, quando a ação da<br />

polícia cria um risco previsível ao levar um prisioneiro<br />

perigoso para uma unidade hospitalar, ela fica com a<br />

obrigação especial de proteger os outros indivíduos que<br />

possam estar presentes.<br />

ORIENTAÇÕES PRÁTICAS<br />

DO SMEOT<br />

O Suporte Tático de Emergência é bastante distinto do SME<br />

convencional. Diferentemente do SME convencional, os amplos<br />

programas do SMEOT incluem manutenção da saúde, medicina<br />

preventiva (p. ex., imunizações, higiene do sono e condição<br />

física), avaliações de ameaças médicas e coordenação do atendi¬<br />

mento com diversas instituições médicas locais. Da perspectiva<br />

operacional, os socorristas do SMEOT frequentemente encaram<br />

decisões de tratamento e liberação. Muitos estados norte-americanos<br />

incluem adendos específicos às suas orientações de SME,<br />

relacionados ao SMEOT.11 Os socorristas do SMEOT e seus diretores<br />

médicos devem conhecer tais orientações ao trabalhar no<br />

ambiente tático.<br />

O conjunto de habilidades médicas do SMEOT é consistente<br />

com SME convencional, embora geralmente expandido. Apesar<br />

dos conjuntos de habilidades poderem ser similares, a aplicação<br />

destas habilidades no SMEOT tende a ser bastante influenciada<br />

pela situação tática e pelo perfil da missão. O uso de máscaras<br />

laríngeas (ML), por exemplo, pode ser clinicamente indicado<br />

em um caso sob condições operacionais normais, mas, caso<br />

haja necessidade de transporte do ferido através de uma zona<br />

de perigo ou em um terreno acidentado, tais máscaras não são<br />

seguras e, portanto, podem não ser adequadas.<br />

BARREIRAS PARA<br />

O ACESSO DOS SME<br />

TRADICIONAIS<br />

O cenário de uma operação policial especial apresenta inúmeras<br />

barreiras para o acesso dos serviços médicos de emergência (SME)<br />

tradicionais. A área geralmente é isolada. No interior desse perí¬<br />

metro, raramente fica claro quais são as áreas, se houver alguma,<br />

seguras para passagem ou para realização das atividades médi¬<br />

cas. E imperativo que o componente médico não passe a ser um<br />

fardo. Os recursos policiais que já são escassos não devem ser<br />

desviados para a missão de suporte médico.<br />

Foi identificado que o tempo que os SME levam para chegar<br />

ao local em que está a vítima é uma causa significativa de demora<br />

no início do atendimento pré-hospitalar em suas operações con¬<br />

vencionais. Em um estudo, a ação policial para garantir a segu-


CAPÍTULO 23 Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis (SMEOT) 583<br />

rança da cena causou atraso em 12% de todos os atendimentos<br />

dos SME e foi a causa da maior demora na chegada até o doente,<br />

39 minutos.12 Este tipo de atraso pode ser muito maior durante<br />

missões táticas. Programas integrados de SMEOT minimizam o<br />

retardo, uma vez que o socorristas médicos rotineiramente traba¬<br />

lham neste perímetro, como parle vital da equipe.13<br />

Alguns comandantes de bombeiros e de equipes de resgate e<br />

diretores de SME podem não concordai- que o seu pessoal trabalhe<br />

em medicina tática, porque percebem o quanto isso pode ser peri¬<br />

goso. Quando perguntados por que os bombeiros sob seu comando<br />

entram em prédios em chamas — uma situação dé perigo bastante<br />

evidente — eles muitas vezes respondem que o combate ao fogo é<br />

diferente das operações táticas, já que o pessoal é mais bem trei¬<br />

nado e equipado de maneira apropriada contra a ameaça de fogo.<br />

O mesmo argumento é válido para o SMEOT. Como observado no<br />

cenário inicial deste capítulo, constitui uma violação do Princípio<br />

Básico do Suporte Pré-Hospitalar de Vida no Trauma (PHTLS) usar<br />

o pessoal dos SME mal treinado e com equipamento inadequado<br />

para a tarefa de entrar em um perímetro protegido pela polícia<br />

que ainda não seja considerado seguro. Todavia, simplesmente<br />

esperar que o doente seja levado para fora desse perímetro pode<br />

resultai- na perda desnecessária da vida, visto que foi demonstrado<br />

que o atendimento médico avançado, na linha de frente, reduz a<br />

mortalidade.1'1,15 A solução óbvia é que o suporte médico das ope¬<br />

rações táticas especiais seja executado por socorristas bem treina¬<br />

dos e equipados de maneira adequada, capazes de agir,"de forma<br />

segura, no interior do perímetro isolado.<br />

ZONAS DE ATENDIMENTO<br />

E ZONAS DE OPERAÇÃO<br />

Durante missões táticas, o conceito de operação da equipe poli¬<br />

cial tática (CONOP) divide a área-alvo em "Zonas de Operação".<br />

As equipes estabelecem um perímetro interno e um perímetro<br />

externo, como fronteiras relativamente estáticas que definem<br />

a "zona segura" (além do perímetro externo), a "zona morna"<br />

(entre os perímetros externo e interno) e a "zona morta".10 As<br />

orientações do SMEOT dividem a área de operação em "Zonas de<br />

Atendimento", definidas como quente, morna efria.1' O presente<br />

modelo TCCC de Atendimento sob Fogo, Atendimento Tático a<br />

Campo e Atendimento à Evacuação Tática é mais atual e define<br />

melhor a ameaça tática às zonas específicas:<br />

ia<br />

b<br />

e<br />

Atendimento sob Fogo- Zona Quente<br />

Atendimento Tático a Campo- Zona Morna<br />

Evacuação Tática- Zona Fria<br />

Usando o modelo do TCCC ou o formato "Quente, Morna e<br />

Fria", mais antigo, o atendimento prestado em cada zona é essen¬<br />

cialmente o mesmo. As zonas de atendimento são mais dinâmi¬<br />

cas, influenciadas por avaliações, minuto a minuto, da ameaça, e<br />

não precisam ser concêntricas ou contíguas; no ambiente tático,<br />

os níveis de ameaça mudam rapidamente. Da mesma forma, as<br />

zonas de atendimento nem sempre coincidem com as zonas de<br />

operação. Os profissionais do SMEOT devem entender a interrelação<br />

entre estes dois paradigmas, de modo a atuarem de forma<br />

eficaz no ambiente tático (Fig. 23-1).<br />

FIGURA 23-1<br />

Orientações Práticas do SMEOT<br />

ATENDIMENTO SOB FOGO- ZONA QUENTE<br />

1. Proteção e cobertura: Impedir a ocorrência de mais<br />

lesões no doente ou socorrista<br />

2. Neutralização da ameaça, como possível (p. ex., fogo<br />

direto, fumaça, postura ameaçadora etc.)<br />

3. Colocação de torniquete em hemorragias de membros<br />

com potencial risco de vida<br />

4. NÃO:<br />

a. Realize o tratamento invasivo da via aérea<br />

b. Realize RCP<br />

c. Imobilize a coluna cervical<br />

ATENDIMENTO TÁTICO A CAMPO- ZONA MORNA<br />

(X- A- R- C- D- E)<br />

1. controle da hemorragia com eXsanguinação (torniquete,<br />

curativo hemostático, bandagem com pressão)<br />

2. via Aérea: Avaliação quanto à presença de obstrução<br />

e manutenção da via aérea com tubo nasofaríngeo,<br />

equipamento supraglótico,tubo endotraqueal ou<br />

via aérea cirúrgica. (Esta decisão é baseada no<br />

treinamento e nas orientações da unidade.)<br />

3. Respiração: Avaliação e tratamento de ferimentos<br />

torácicos com aspiração, pneumotórax hipertensivo<br />

4. Circulação: Avaliação<br />

5. Disfunção Neurológica: Colocação de talas,<br />

imobilização da coluna cervical em lesões de alto risco<br />

6. Exposição: Proteção do doente da hipotermia.<br />

Exposições ao calor, a substâncias químicas ou<br />

substâncias tóxicas podem também ser fatores de risco<br />

EVACUAÇÃO TÁTICA A CAMPO-ZONA FRIA/EVACUAÇÃO<br />

1. Atendimento e transporte convencional do SME<br />

2. Certifique-se de que as vias de saída da equipe médica<br />

e das ambulâncias estejam desobstruídas<br />

3. Considerações de estadiamento<br />

4. Alertas de equipamentos secundários e ameaças<br />

não convencionais (p. ex., enchentes, multidões ou<br />

incêndio)<br />

Atendimento sob Fogo (Zona Quente)<br />

Durante atendimento sob fogo, a ameaça é direta e imediata. A<br />

proteção aos doentes e equipe médica é limitada. Nesta área, as<br />

operações são extremamente perigosas e devem ser limitadas<br />

aos profissionais de reconhecimento e da equipe tática. Na zona<br />

quente, a segurança da operação requer o uso de equipamentos de<br />

proteção individual (ou seja, capacetes balísticos, óculos, coletes,<br />

botas etc.) e movimentação tática (ou seja, disciplina relacionada<br />

a luz e ruídos e uso de coberturas ou esconderijos). Um policial<br />

caído em frente a uma casa, com um atirador escondido atrás de<br />

uma janela, é uma zona quente característica.<br />

A resposta a incidentes na zona quente é bastante arriscada. O<br />

Atendimento sob Fogo difere, significativamente, dos princípios<br />

do SME convencional. As ações imediatas incluem evacuação


584 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

de feridos, sob proteção, O atendimento médico é direcionado à<br />

redução da ocorrência de novas lesões à vítima, à prevenção de<br />

ocorrência de lesões na equipe lática, ao subjugo da ameaça e ao<br />

controle de hemorragias em membros que possam comprome¬<br />

ter a vida. Não se deve perder tempo na imobilização da coluna<br />

vertebral cervical em vítimas de trauma cervical penetrante, no<br />

tratamento da via aérea 011 em outras medidas "heróicas", como<br />

a RCP.<br />

O "autoauxílio" e o "auxílio a colegas" são componentes cru¬<br />

ciais do Atendimento sob Fogo. Resultados de operações milita¬<br />

res no Iraque e no Afeganistão indicam que o treinamento dos<br />

profissionais em autoauxílio e no auxílio a colegas reduz a mor¬<br />

talidade.1" A autoaplicação de um torniquete em uma lesão balís¬<br />

tica com risco de morte na artéria femoral, por exemplo, poderia<br />

salvar a vítima, assim como impedir a exposição desnecessária<br />

dos profissionais do SMEOT ao fogo hostil. No Atendimento<br />

sob Fogo, o uso de torniquetes em hemorragias de membros é<br />

o padrão. Os benefícios relacionados à mortalidade claramente<br />

compensam o baixo risco de comprometimento nervoso 011<br />

vascular.1"<br />

Atendimento Tático a Campo (Zona Morna)<br />

Durante a fase de atendimento tático a campo, as ameaças exis¬<br />

tem, mas não são diretas ou imediatas. No caso do policial caído<br />

em frente à casa, por exemplo, os princípios do Atendimento<br />

Tático a Campo devem ser aplicados após este ser colocado atrás<br />

de uma proteção adequada (p. ex., uma espessa parede de tijolos<br />

fora do campo de visão do atirador). Os níveis de ameaça variam<br />

de modo significativo na fase de atendimento tático a campo da<br />

operação, requerendo que a resposta médica seja flexível e fluida.<br />

O atendimento tático a campo é o mais complexo. O profissional<br />

do SMEOT deve ser capaz de analisar falores dinâmicos, com<br />

coleta rápida de dados e considerando todas as decisões médi¬<br />

cas em termos de risco relativo ao doente e ao socorrista. No<br />

ambiente do SMEOT, o local relativamente seguro pode voltar a<br />

ser ameaçador com situação de Atendimento sob Fogo a qualquer<br />

momento (Fig. 23-2).<br />

Durante o atendimento tático a campo, não há algoritmo tera¬<br />

pêutico padronizado. Muitas unidades modelam sua resposta<br />

segundo as orientações militares do TCCC.20,21 Caso latinamente<br />

adequado, o atendimento deve incluir rápidas avaliações táticas<br />

primária e secundária. As intervenções devem ser focadas na<br />

rápida estabilização das principais causas evitáveis de morte por<br />

trauma no ambiente tático: a hemorragia em membros, o pneu¬<br />

motórax hipertensivo e as obstruções simples da via aérea.<br />

O controle de hemorragias na fase de Atendimento Tático<br />

a Campo é crucial. A hemorragia grave em membros pode ser<br />

rapidamente controlada e deve ser a primeira prioridade. Desde<br />

que sua colocação seja possível, os torniquetes são o tratamento<br />

de escolha em hemorragias de membros que possam compro¬<br />

meter a vida. Atualmente, diversos curativos hemostáticos são<br />

comercializados. Esses agentes foram considerados eficazes em<br />

combales e laboratórios militares.—'2" Alguns agentes mais anti¬<br />

gos provocam queimaduras térmicas ou coagulação do sangue.<br />

As orientações do TCCC recomendam o uso de gaze impregnada<br />

com hemostáticos em feridas nas quais a colocação de torniquete<br />

não é possível. Qualquer administração de agentes hemostáticos<br />

deve ser aprovada pelo diretor médico da unidade. Bandagens<br />

com pressão também devem ser utilizadas na zona morna.<br />

O tratamento da via aérea durante esta fase é adequado<br />

quando o doente apresenta sinais de obstrução iminente da via<br />

aérea ou colapso cardiovascular. O estímulo respiratório é um<br />

dos reflexos humanos mais primitivos. Quando taticamente<br />

possível, portanto, deve-se permitir que o doente consciente<br />

encontre uma posição confortável. Em um doente inconsciente,<br />

sem sinais de obstrução, a via aérea nasofaríngea é a primeira<br />

boa opção. A intubação endotraqueal sob visão ou às cegas, rea¬<br />

lizada por profissionais adequadamente treinados do SMEOT,<br />

utilizando equipamentos adequados (p. ex., tubo laríngeo 011<br />

Combitube) são alternativas aceitáveis, desde que a situação<br />

lática permita. A situação tática pode requerer a realização de<br />

operações em ambientes com pouca luz e significativa restrição<br />

de movimentos (Fig. 23-3). O treinamento realista e apropriado,<br />

portanto, é de extrema importância. Eni doentes inconscien¬<br />

tes com obstrução da via aérea ou trauma facial, as orientações<br />

do TCCC indicam a cricotiroidoslomia como procedimento de<br />

escolha.2'1 Obviamente, sua realização requer um programa for¬<br />

mal de treinamento e uma análise de risco-benelício pelo diretor<br />

médico do SMEOT.<br />

FIGURA 23-2 Atendimento tático a campo. Observe a<br />

proteção conferida pela viatura policial e pelos escudos.<br />

(Cortesia de Matt Sztajnkrycer)<br />

FIGURA 23-3 Treinamento em intubação com pouca luz.<br />

(Cortesia de David Callaway)


CAPÍTULO 23 Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis (SMEOT) 585<br />

O tratamento de traumas torácicos por contusão e por feri¬<br />

mentos penetrantes é bastante importante para os socorristas do<br />

SMEOT. Esses profissionais devem estar bastante familiarizados<br />

com o tratamento de ferimentos torácicos soprantes e pneumo¬<br />

tórax hipertensivo. Os programas de SMEOT devem treinar os<br />

socorristas quanto à aplicação adequada de curativos oclusivos<br />

e à descompressão com agulha do pneumotórax hipertensivo.<br />

Em doentes com trauma torácico penetrante com desconforto<br />

respiratório importante, indica-se a realização de descompressão<br />

com agulha (do lado acometido pelo trauma penetrante) após<br />

a estabilização do doente.25 Caso a descompressão com agulha<br />

seja realizada, sua documentação adequada é importante, já que<br />

o doente pode necessitar a colocação de um dreno torácico ou<br />

outras intervenções.<br />

Diversas intervenções do SME convencional podem ser ina¬<br />

dequadas em situações táticas- em particular, a imobilização da<br />

coluna cervical, a reanimação cardiopulmonar e a imediata insti¬<br />

tuição do acesso intravenoso. A imobilização da coluna cervical<br />

é uma intervenção demorada, com valor relativamente pequeno<br />

em traumas penetrantes.20,27 Uma equipe experiente, com dois<br />

paramédicos, requer, em média, 5 minutos e meio para realizar,<br />

adequadamente, a imobilização da coluna cervical. Esta demora<br />

e exposição podem ser mortais, não somente para o doente, mas<br />

também para os socorristas. Da mesma forma, caso a ameaça<br />

de ocorrência de mais lesões seja maior do que o risco de lesão<br />

riíedular, a imobilização da coluna cervical pode ser retardada.<br />

O trauma fechado, provocado por quedas ou acidentes com veí¬<br />

culos, é uma exceção de alto risco, e a imobilização da coluna<br />

cervical deve ser aventada caso a situação tática permita.<br />

Da mesma maneira, a reanimação cardiopulmonar é pouco<br />

eficaz em paradas cardíacas traumáticas, e aumenta a exposição<br />

do socorrista.2" Desta forma, a RCP tem papel muito limitado na<br />

resposta médica tática e deve ser aventada apenas em vítimas<br />

de quase-afogamenlo, eletrocussão, hipotermia e algumas expo¬<br />

sições a substâncias tóxicas. Por fim, muitos estudos agora mos¬<br />

tram o benefício ou a equivalência da reanimação normolensiva e<br />

hipotensiva ("equilibrada") em doentes vítimas de traumas.2" Da<br />

mesma forma, o retardo da instituição do acesso venoso é acei¬<br />

tável em determinados cenários táticos. A menor ênfase na imo¬<br />

bilização da coluna cervical, na RCP e na instituição do acesso<br />

venoso nas fases de Atendimento sob Fogo e Atendimento Tcítico<br />

a Campo ilustram algumas das diferenças entre o SMEOT e o<br />

SME convencional. Estes exemplos não têm a pretensão de subs¬<br />

tituir o julgamento clínico do profissional do SMEOT.<br />

de 51 dias do Ramo Davidiano em Waco, Texas, Estados Unidos,<br />

os profissionais do SMEOT podem querer estabelecer um posto<br />

médico avançado para atendimentos de urgências e necessidades<br />

médicas de rotina da equipe tática. De modo geral, nessa área, o<br />

atendimento médico deve ser paralelo aos padrões convencionais<br />

do SME de suporte básico e avançado à vida e PHTLS. Porém,<br />

maior ênfase é colocada na preservação de evidências forenses e<br />

na manutenção da saúde. Os profissionais do SMEOT podem rea¬<br />

lizar exames de corpo de delito antes da prisão de suspeitos.<br />

Mesmo em uma área considerada segura, os profissionais<br />

devem permanecer vigilantes. Operações táticas são complexas e<br />

dinâmicas. Durante o incidente em Columbine, nos Estados Uni¬<br />

dos, em 1999, os criminosos atingiram os socorristas com bombas<br />

em canos e equipamentos explosivos improvisados. Felizmente,<br />

devido a falhas técnicas, esses equipamentos não detonaram. O<br />

FBI relata diversas emboscadas intencionais de policiais ocorri¬<br />

das nos últimos cinco anos. Manuais de treinamento de terroris¬<br />

tas detalham explicitamente operações em que um suspeito atrai<br />

policiais a um local e, então, arma uma emboscada para os socor¬<br />

ristas. Diligência e atenção à situação são os pilares da segurança<br />

em operações realizadas por socorristas do SMEOT.<br />

Remoção e Evacuação de Acidentes<br />

No ambiente lálico, a movimentação de feridos está relacionada<br />

a muitos desafios únicos. A remoção de feridos é um processo<br />

fisicamente cansativo, que interrompe o fluxo da missão e pode<br />

colocar a equipe em risco. Antes da remoção de qualquer ferido,<br />

o policial médico deve analisar o risco de trânsito e a probabili¬<br />

dade de sobrevida do doente.22 O risco de trânsito é composto<br />

por quatro componentes: tempo (T), rota (R), capacidade (C) e<br />

capacidade de prestação de atendimento médico (M) (Fig. 23-4).<br />

O tempo requerido para movimentação de um ferido até a<br />

zona segura é influenciado pela distância, pela carga de equi¬<br />

pamentos do doente, pelos níveis relativos de ameaça na área e<br />

pela condição física da equipe. Em algumas áreas de operação,<br />

o criminoso pode ler o comando de um campo de fogo, criando<br />

grandes áreas inseguras. No incidente ocorrido na Texas Tower,<br />

nos Estados Unidos,em 1966,por exemplo, um ex-fuzileiro ficou<br />

no deck de observação do 28° andar do edifício administrativo<br />

Evacuação Tática a Campo (Zona Fria)<br />

A Evacuação Tática a Campo ocorre em um local da zona opera¬<br />

cional segura, além do perímetro externo, e é uma área de risco<br />

relativamente baixo. O perímetro externo isola o incidente e é<br />

gerenciado por policiais, com a missão primária de controle do<br />

local, isolamento do evento e segurança pública geral. Durante<br />

a Evacuação Tática a Campo, o atendimento médico continua<br />

durante o transporte ao centro trauma que receberá o doente.<br />

Esse atendimento é mais parecido com o prestado pelo SME con¬<br />

vencional a vítimas de trauma.<br />

Sob decisão do comandante do incidente, o controle médico<br />

deve ser estabelecido fora do alcance das armas do criminoso. Os<br />

comandantes de missões podem designar o SME e mais recursos<br />

médicos para esta área. Em missões prolongadas, como o cerco<br />

FIGURA 23-4 Evacuação em atendimento sob fogo. A<br />

velocidade é extremamente importante.


586 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

da Universidade do Texas, com um rifle de caça de alto poder de<br />

fogo, e matou pessoas que estavam a quarteirões de distância.<br />

O segundo componente do risco de trânsito é a rota do trajeto.<br />

As zonas de fogo apresentam formato irregular, e são áreas<br />

geográficas incongruentes, com níveis de risco dinâmicos. A<br />

remoção pode requerer a passagem por zonas lineares de perigo<br />

e, neste caso, o valor do tratamento no local deve ser comparado<br />

à necessidade de realização imediata de intervenções avançadas<br />

que podem salvar vidas.<br />

Os comandantes devem considerar sua capacidade antes da<br />

instituição de uma missão de resgate. A eficácia do resgate requer<br />

o trabalho de diversos profissionais, equipamento especializado<br />

(p. ex., maca, Skedco, armaduras ou tirantes) e agressiva postura<br />

protetora.<br />

Por fim, os profissionais devem considerar sua capacidade de<br />

prestar atendimento em trânsito; durante a rápida movimentação<br />

da maca por uma zona de fogo, por exemplo, pode ser impossível<br />

manter a manobra de abertura manual da mandíbula. Neste caso,<br />

a inserção de tubos para abertura da via aérea, antes da movimen¬<br />

tação, pode ser prudente. O risco de trânsito ou de movimentação<br />

do doente através de uma possível zona de fogo é relacionado ao<br />

tempo necessário para travessia da área e aos riscos associadas<br />

à rota escolhida e aqueles decorrentes da prestação do atendi¬<br />

mento essencial durante o transporte. Assim como muitas deci¬<br />

sões tomadas no ambiente tático, a experiência e o bom senso são<br />

extremamente importantes.<br />

CONJUNTOS DE<br />

HABILIDADES<br />

ESPECÍFICAS DO SMEOT<br />

Metodologia para Avaliação Rápida e Remota<br />

(RAM)<br />

A metodologia de avaliação rápida e remota (RAM, Rapid and<br />

Remote Assessment Methodology) foi desenvolvida pelo pro¬<br />

grama de Suporte Médico Operacional contra Terrorismo e Nar¬<br />

cóticos (CONTOMS, Counter Narcotics and Terrorism Operatio¬<br />

nalMedical Support) da Universidade de Ciências da Saúde das<br />

Forças Armadas (Uniformed Services University of the Health<br />

Sciences), a escola médica do Departamento de Defesa.33 O<br />

principal propósito deste algoritmo de avaliação é aumentar ao<br />

máximo a possibilidade de remover e tratar uma vítima que pode<br />

ser salva, ao mesmo tempo em que se minimizam os riscos para<br />

os socorristas, na tentativa de fazer um resgate desnecessário. Os<br />

resgates desnecessários classificam-se em duas categorias: aqueles<br />

ein que a vítima pode sair sozinha e aqueles em que a vítima já está<br />

morta (designado de maneira mais apropriada de "recuperação do<br />

corpo"). A metodologia RAM permite uma abordagem organizacfe,<br />

avaliando a totalidade das circunstâncias a partir de uma posição<br />

protegida, antes de recomendar ao comandante que ordene uma<br />

tentativa de resgate.<br />

O primeiro passo da RAM é avaliar se a área é segura. Caso<br />

positivo, está indicado o atendimento padrão do SME depois de<br />

se assegurar de que o doente não é, ele mesmo, uma ameaça. Se<br />

a área não estiver segura, utilize a inteligência disponível para<br />

determinar se o doente é um agressor ou se, de alguma outra<br />

forma, representa ameaça. Neste caso, não se indica nenhuma<br />

intervenção médica até se obter o controle da ameaça. Agir de<br />

outra forma pode colocar em risco a segurança dos policiais, dos<br />

socorristas e de outros indivíduos inocentes. Se a vítima não for<br />

considerada um agressor, deve ser iniciada a avaliação remota.<br />

Tente avaliar a natureza da lesão e a estabilidade da condição do<br />

doente. A observação remota é a primeira técnica a ser empre¬<br />

gada, pois permite que os socorristas colham informações sem<br />

revelar ao inimigo a sua posição ou as suas intenções. A tecno¬<br />

logia à disposição das equipes SWAT melhora a confiabilidade<br />

desta avaliação. Por exemplo, um bom par de binóculos ou ócu¬<br />

los de visão noturna pode muitas vezes ajudar a determinar se o<br />

doente está respirando, a frequência e a característica da venti¬<br />

lação, a presença de hemorragia com risco de vida e a presença<br />

de lesões evidentes, incompatíveis com a vida. No tempo frio,<br />

o vapor da condensação do ar expirado pode muitas vezes ser<br />

observado na boca do doente. Podem ser utilizados equipamen¬<br />

tos de detecção acústica para captar fala, gemidos e até mesmo o<br />

ruído da respiração. A tecnologia de imagem térmica melhorou<br />

tanto nos últimos anos que atualmente encontra-se sob pesquisa<br />

para possível aplicação na RAM.<br />

Se a condição do doente parecer estável, devem ser trans¬<br />

mitidas, se possível, instruções de autoatendimento e de tranquilização,<br />

devendo a remoção médica aguardar para quando<br />

melhorar a situação tática. (O comandante pode decidir fazer<br />

uma retirada tática a qualquer momento, porém a situação tática,<br />

e não a estabilidade da condição médica do doente, é que irá<br />

determinai- essa decisão.) Se o doente estiver instável, o risco da<br />

remoção deve ser avaliado contra os benefícios de iniciar ime¬<br />

diatamente o atendimento médico. Embora essa seja uma deci¬<br />

são do comando, o líder da equipe confia muito na avaliação<br />

que o socorrista faz sobre a condição do doente e a necessidade<br />

de remoção imediata. Se a relação risco-benefício for suficien¬<br />

temente grande, deve ser feita a remoção,.com apenas os proce¬<br />

dimentos essenciais de reanimação realizados nas zonas mais<br />

seguras.<br />

Isso pode parecer ser uma abordagem relativamente óbvia,<br />

mas é importante ter uma estrutura para a tomada de decisão que<br />

favoreça uma boa avaliação, antes que a emoção se sobreponha à<br />

razão e se arrisque fazer um resgate desnecessário. A experiência<br />

militar está cheia de exemplos de um grande número de baixas<br />

ocorridas na tentativa de recuperar um cadáver ou de resgatar<br />

uma vítima que eventualmente se levantou e correu para um<br />

abrigo, sem necessidade de ajuda.34,35<br />

Inteligência Médica<br />

Gs profissionais do suporte médico precisam manter contato pró¬<br />

ximo aos componentes da inteligência policial. Estes policiais<br />

obtêm e recebem dados acerca de possíveis atividades terroristas,<br />

mas tendem a hesitar a compartilhar a informação livremente,<br />

mesmo dentro da comunidade policial, dada a preocupação com<br />

o comprometimento de suas fontes. Alguns autores sugerem que<br />

os profissionais médicos não são parte da inteligência e, portanto,<br />

são pouco atuantes na fase anterior à ocorrência do evento, sendo<br />

necessários somente depois do ataque.30 O tipo de informação<br />

que pode ser disponibilizada à inteligência, porém, é extrema¬<br />

mente importante ao planejamento adequado, e a medicina tática<br />

deve desenvolver mecanismos que permita sua inclusão no com-


CAPÍTULO 23 Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis (SMEOT) 587<br />

partilhamenlo dos dados da inteligência policial. Além disso,<br />

após o estabelecimento dessa relação, o médico pode auxiliar os<br />

policiais da inteligência na classificação da informação segundo<br />

sua relevância, para notificação e preparação prévias da missão<br />

tradicional do SME.<br />

Em meados da década de 1990, em um incidente com a ame¬<br />

aça de liberação de gás sarin em um importante centro de diver¬<br />

são norte-americano (o Incidente em Harbor), o corpo de bombei¬<br />

ros local foi excluído do compartilhamento de informações e do<br />

planejamento entre os policiais federais, estaduais e municipais.<br />

Assim, o "chefe do corpo de bombeiros foi bastante pressionado<br />

para instituir, rapidamente, um plano de ação para lidai- com<br />

uma possível liberação de gás sarin".-17<br />

No processo de análise da inteligência, a opinião médica<br />

pode ser bastante valiosa. Os dados médicos precisam ser inter¬<br />

pretados, e é difícil que profissionais de outras áreas consigam<br />

avaliar a importância da informação médica ou mesmo reconhe¬<br />

cer o valor médico da inteligência geral.<br />

Amparo ao Doente<br />

A função primária de um sistema de SMEOT é suprir a distân¬<br />

cia entre o ponto de lesão ou doença e a entrada no sistema de<br />

atendimento à saúde. O trabalho do médico, porém, não acaba<br />

quando o doente-é-encaminhado ao sistema de atendimento à<br />

saúde. O médico continua a atuar na defesa do doente, garan¬<br />

tindo que o tratamento adequado seja prestado no momento correto.<br />

O sucesso depende do estabelecimento de boas relações de<br />

trabalho com os sistemas locais de SME e instituição recepto¬<br />

ras, sejam estas regulares ou em uma única missão. Quando a<br />

jurisdição do médico é uma área geográfica bem definida, o pro¬<br />

grama médico da equipe lálica pode ser integrado com ao sistema<br />

local, de modo que a transferência de atendimento seja isenta de<br />

intercorrências.<br />

Como componente do sistema de saúde, a equipe médica<br />

policial deve garantir que as necessidades da família do doente<br />

sejam atendidas e que a cadeia de comando seja obedecida. Diag¬<br />

nósticos e planos terapêuticos, que podem ser descritos pelo<br />

cirurgião de plantão ao médico em 3 minutos, podem ser tradu¬<br />

zidos em terminologia leiga e explicados de forma mais simples<br />

à família, ao comandante da unidade, ao chefe e outros profissio¬<br />

nais em 15 ou 20 minutos.<br />

Exame de Corpo de Delito<br />

Como anteriormente observado, a presença de um médico lálico<br />

pode eliminar a transferência desnecessária de prisioneiros e<br />

policiais para avaliação em hospital. No SME diário, o transporte<br />

do doente ao pronto-socorro é ocasionalmente visto como uma<br />

"válvula de segurança", garantindo que todos os doentes rece¬<br />

bam atendimento adequado, transferindo a tomada de decisões<br />

do ambiente a campo para o ambiente hospitalar. De modo geral,<br />

esta é uma estratégia apropriada e eficaz. O médico tático sempre'<br />

tem o dever maior de prestar atendimento adequado sob essas<br />

circunstâncias. No entanto, evitar riscos desnecessários em uma<br />

instituição médica fixa é uma importante contribuição à segu¬<br />

rança operacional total. Esses profissionais geralmente têm trei¬<br />

namento formal e extensa experiência no exame de doentes que<br />

serão presos.<br />

O CENTRO DE COMANDO<br />

DO SMEOT<br />

Operações Médicas Antiterroristas<br />

Muitas necessidades de atendimento médico durante o desen¬<br />

rolar da crise contra o terrorismo são diferentes das necessida¬<br />

des de atendimento às consequências do terrorismo e podem ser<br />

mais bem executadas por socorristas médicos com treinamento<br />

em operações especiais. A investigação policial e o combale às<br />

atividades terroristas são feitos de uma maneira mais discreta,<br />

que protege a equipe, as fontes de inteligência e as ações penden¬<br />

tes e evita a interrupção desnecessária da infraestrutura essencial<br />

ou do comércio. Essas operações são conduzidas segundo diretrizes<br />

estritas de segurança operacional. Esta é uma abordagem<br />

necessária; uma resposta de segurança pública desproporcional à<br />

ameaça pode causar um transtorno no dia a dia das pessoas cau¬<br />

sado pela própria resposta, bem como fazer com que a imprensa<br />

dê maior cobertura à causa dos terroristas, permitindo, dessa<br />

maneira, que os terroristas alcancem os seus objetivos de instilar<br />

medo na população. Até mesmo as brincadeiras podem ser uma<br />

ferramenta efetiva para os terroristas, desde que utilizadas desta<br />

forma.35-30,39 Por conseguinte, devem ser minimizados os sinais<br />

operacionais de atividade de suporte médico, em termos de tama¬<br />

nho, nível de atividade, equipamento e logística. Isso é mais bem<br />

realizado pelos socorristas habituados a trabalhar no ambiente<br />

policial, em circunstâncias nas quais o atendimento médico não<br />

é a missão principal. Eles trabalham regularmente e de forma<br />

efetiva de modo discreto ou dissimulado, com o mínimo de equi¬<br />

pamento e material.<br />

As investigações de terrorismo são altamente dinâmicas e<br />

frequentemente cruzam as fronteiras de jurisdição, dificultando<br />

o uso do SME convencional no apoio a operações de manejo de<br />

crises. Além disso, a unidade médica que regularmente trabalha<br />

com os profissionais envolvidos no manejo de crises é integrada,<br />

de modo mais eficaz, à operação. Por essas razões, o SMEOT com¬<br />

pletamente integrado, de fácil movimentação entre as equipes<br />

policiais, é geralmente mais ajustada ao apoio do componente de<br />

manejo de crise de um incidente terrorista.<br />

A segurança operacional e das comunicações deve ser man¬<br />

tida. Os autores do Plano Federal de Resposta [FederalResponse<br />

Plan) (agora denominado National Response Framework) reco¬<br />

nheceram isso quando escreveram que somente representantes<br />

especialmente designados pela Federal Emergency Management<br />

Agency, FEMA, poderiam analisar os relatórios policiais sigi¬<br />

losos para identificar informações úteis para ajudai- a gerenciar<br />

uma possível consequência.'"1 Os meios de comunicação social<br />

serão extremamente sensíveis a mudanças na rotina diária dos<br />

hospitais e dos SME caso as práticas de rotina sejam alteradas,<br />

antecedendo uma missão contra o terrorismo. Os socorristas das<br />

operações médicas especiais já devem possuir o conhecimento<br />

necessário sobre técnicas de investigação e segurança, bem como<br />

treinamento em procedimentos de segurança e a tecnologia neces¬<br />

sária (p. ex., rádios cifrados) para implementai- os procedimentos<br />

de segurança operacional e das comunicações.15 O material uti¬<br />

lizado no suporte médico para cuidar da crise também deve ser<br />

leve e fácil de ser transportado, de forma a adaptar-se à unidade<br />

à qual prestam apoio. A prioridade para o transporte mecanizado<br />

de materiais e equipamentos é para itens não médicos de suporte


588 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

da missão primária, como equipamento eletxônico de comunica¬<br />

ção e vigilância, armas e equipamento de proteção pessoal. Como<br />

fazem regularmente com outros tipos de missão, os socorristas<br />

táticos devem ser capazes de selecionar um conjunto de material<br />

que seja versátil e ao mesmo tempo minimize as exigências de<br />

peso e espaço.<br />

Eventos com Vítimas em Massa<br />

Incidentes com vítimas em massa (IVM) são cada vez mais com¬<br />

plexos e requerem extensa colaboração inleragência. Os profis¬<br />

sionais do SMEOT desempenham um papel único nesses even¬<br />

tos. Em primeiro lugar, os programas de SMEOT tendem a ligar<br />

os policiais ao corpo de bombeiros e aos sistemas de SME. Além<br />

disso, os profissionais do SMEOT estão acostumados a trabalhar<br />

em ambientes caóticos, perigosos e com poucos recursos. Em<br />

terceiro lugar, esses profissionais têm ampla experiência na uti¬<br />

lização de diversos meios de comunicação, operações de ação<br />

imediata e planejamento de missões. Por fim, os IVM são cada<br />

vez mais perigosos e violentos. Nos Estados Unidos, os últimos<br />

principais IVM (p. ex., furacão Katrina, tiroteio na Virginia Tech<br />

e o blackout da região nordeste do país, em 2003) foram associa¬<br />

dos ao aumento da criminalidade e da violência. Os socorristas<br />

do SMEOT são essenciais ao sistema de resposta coordenada em<br />

um IVM."<br />

RESUMO<br />

Os princípios da assistência médica no ambiente tático<br />

são, de modo geral, os mesmos a que os socorristas já<br />

estão acostumados.<br />

A precariedade e os perigos do ambiente operacional<br />

exigem que o benefício de cada intervenção médica seja<br />

pesado contra os riscos inerentes à realização dessa inter¬<br />

venção. Isso exige uma habilidade específica na tomada<br />

de decisões, e o socorrista tático deve ponderar constan¬<br />

temente o benefício de uma determinada intervenção<br />

em relação aos riscos especiais inerentes à realização da<br />

intervenção neste ambiente.<br />

A modificação de técnicas, o reordenamento de priori¬<br />

dades e a avaliação contínua do risco permitem que o<br />

socorrista tático possa fazer o melhor para a maioria das<br />

pessoas.<br />

A intervenção médica no seu grau máximo pode, na<br />

realidade, causar a morte de terceiros, e não deve ser<br />

empreendida de modo desnecessário.


CAPÍTULO 23 Suporte Médico de Emergência em Operações Táticas Civis (SMEOT) 589<br />

1 SOLUÇÃO DC> CENÁRIO<br />

O comandante da SWAT ordena que você utilize a Metodologia<br />

de Avaliação Rápida (RAM) para determinar a utilidade do<br />

esforço para o resgate. Você usa seus binóculos e a equipe<br />

da SWAT emprega equipamento acústico para examinar os<br />

dois policiais feridos. O primeiro policial, deitado à porta da<br />

casa do atirador, não apresenta movimentação da parede<br />

torácica nem sinais de condensação próximos à boca. Apesar<br />

dos chamados de seus companheiros, você não é capaz de<br />

detectar respostas no equipamento acústico. O segundo<br />

policial conseguiu se esconder atrás de uma parede baixa<br />

de tijolos. Você pode ver um sangramento na porção inferior<br />

da coxa do policial. Felizmente, você fez muito treinamento<br />

em medicina tática com seus policiais. Você fala com ele<br />

através do rádio seguro da equipe e o instrui acerca da<br />

colocação do torniquete, dois dedos acima do ferimento. 0<br />

policial consegue colocar o torniquete e comunica que não<br />

apresenta outras lesões.<br />

Com base em sua recomendação e a avaliação da amea¬<br />

ça, o comandante da SWAT decide não realizar o resgate de<br />

alto risco do policial que não apresenta sinais vitais. Você<br />

continua em contato com o segundo policial ferido, enquanto<br />

os negociadores trabalham para convencer o suspeito a<br />

se entregar. Você contata o Centro de Trauma e informa<br />

o possível encaminhamento de um ferido. Trinta minutos<br />

mais tarde, o suspeito se entrega e é preso. Sua equipe<br />

transporta o ferido ao hospital local, onde ele é submetido a<br />

uma cirurgia vascular, que salva seu membro inferior e sua<br />

vida. ÿ<br />

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590 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

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Glossário<br />

aceleração Súbita mudança do repouso para movimento<br />

ou elevação da velocidade de um movimento, por<br />

exemplo, transferência de energia em uma colisão tra¬<br />

seira: ocorre quando o objeto mais lento ou estacioná¬<br />

rio é atingido por trás.<br />

acetábulo Parte da articulação do quadril, de formato arre¬<br />

dondado, localizada na superfície lateral da pelve, que<br />

articula com a cabeça do fémur.<br />

acidose Acúmulo de ácidos e redução do pH do sangue.<br />

acidose metabólica Acidose resultante do aumento da<br />

produção de ácidos, decorrente de alterações ou ano¬<br />

malias em processos metabólicos.<br />

adolescente Criança com o corpo de tamanho e desenvol¬<br />

vimento físico, normalmente, encontrados em indiví¬<br />

duos entre 13 e 16 anos de idade.<br />

adrenalina (epinefrina) Substância química liberada pelas<br />

adrenais, que estimula o coração a elevar o débito car¬<br />

díaco, através do aumento da força e da frequência de<br />

contrações.<br />

adulto Um indivíduo (geralmente de 16 anos de idade ou<br />

mais) cujo corpo alcançou a maturidade e terminou sua<br />

progressão através das fases de crescimento e desen¬<br />

volvimento pediátricos.<br />

aerossol Partículas sólidas e líquidas suspensas no ar.<br />

air bagsColchões de ar automaticamente inflados em frente<br />

ao motorista ou passageiro de um veículo em caso de<br />

colisão, para amortecer o impacto. Os colchões absor¬<br />

vem, lentamente, a energia, aumentando a distância de<br />

parada do corpo. Esses colchões são projetados apenas<br />

para amortecer o movimento para frente ao impacto<br />

inicial.<br />

alívio axial Remoção do peso da cabeça da coluna verte¬<br />

bral cervical.<br />

altitude elevada Uma elevação acima de 1.500-3.500<br />

metros.<br />

altitude extrema Elevações superiores a 5.500 metros.<br />

altitude muito elevada Níveis de elevação entre 3.500-<br />

5.500 metros.<br />

alvéolos Os sacos aéreos terminais do trato respiratório,<br />

onde este se encontra com o sistema circulatório e<br />

ocorre a troca gasosa.<br />

ambiente austero Um ambiente no qual recursos, supri¬<br />

mentos, equipamentos, profissionais, transportes e<br />

outros aspectos dos ambientes físicos, políticos, sociais<br />

e económicos são extremamente limitados.<br />

amnésia Perda de memória.<br />

amnésia anterógrada Amnésia de eventos ocorridos após<br />

o jrauma precipitante; incapacidade de formar novas<br />

memórias.<br />

amnésia retrógrada Perda de memória de eventos e situ¬<br />

ações ocorridos imediatamente antes (período prétrauma<br />

imediato) da lesão ou doença. Também pode<br />

indicar a perda de memória de eventos passados.<br />

amputação Separação (remoção) total de uma parte, cirúr¬<br />

gica ou não, do restante do corpo.<br />

analgesia O alívio de dor.<br />

aneurisma traumático Dilatação, ruptura ou laceração<br />

anormal de um vaso sanguíneo importante (geral¬<br />

mente uma artéria), provocada por uma lesão ou a ela<br />

relacionada.<br />

angina (angina pectoris) Uma intensa dor torácica, seme¬<br />

lhante a uma compressão, na porção esternal média,<br />

provocada pela anóxia miocárdica. A angina tende a se<br />

irradiar para o braço, mais comumente o esquerdo, ou<br />

a mandíbula, e é associada à sensação de sufocação e<br />

morte iminente.<br />

anidrose Ausência de sudorese.<br />

anisocoria Desigualdade no tamanho das pupilas.<br />

anterocaudal Para frente e em direção aos pés.<br />

anticoagulante Substância ou droga que impede ou retarda<br />

a coagulação ou a formação de coágulos sanguíneos.<br />

anti-hipertensivo Droga que reduz a pressão arterial alta<br />

(hipertensão).<br />

apneia Ausência de respiração espontânea.<br />

aracnoide (membrana aracnoide) Membrana transparente,<br />

similar a uma teia de aranha, entre a dura-máter e a<br />

pia-máter; a medial dentre as três membranas meníngeas<br />

que envolvem o cérebro.<br />

arcos neurais Os dois lados curvos das vértebras.<br />

arcos zigomáticos Ossos que formam a área superior das<br />

bochechas da face. Lateralmente, na região superior<br />

aos molares, se estendem mais anteriormente do que<br />

a maxila, dando ao indivíduo algumas de suas caracte¬<br />

rísticas faciais únicas; também denominado maçãs do<br />

rosto.<br />

área da superfície corporal (ASC) Superfície externa do<br />

corpo, recoberta pela pele; a porcentagem da área da<br />

superfície total do corpo representada por qualquer<br />

parte corpórea. A ASC é usacla como fator na determi¬<br />

nação do tamanho de uma queimadura.<br />

asfixia traumática Decorrente de lesões por trauma fechado<br />

e esmagamento do tórax e do abdome, associadas ao<br />

grande aumento da pressão intravascular, que levam ao<br />

rompimento de capilares.<br />

atelectasia Colapso de alvéolos ou de parte do pulmão.<br />

aterosclerose Estreitamento de vasos sanguíneos; doença<br />

em que a camada interna da parede arterial é espessada,<br />

dado o acúmulo de depósitos de gordura no lúmen da<br />

artéria.<br />

atlas Primeira vértebra cervical (Cl), onde se apoia o<br />

crânio.<br />

avaliação primária A avaliação inicial de via aérea, venti¬<br />

lação, circulação, estado neurológico e ambiente/exposiç.ão,<br />

com objetivo de identificação e tratamento de<br />

quaisquer lesões associadas a risco de morte.<br />

avaliação secundária Avaliação da cabeça aos pés do<br />

doente vítima de trauma. Esta avaliação é apenas reali¬<br />

zada após o término da avaliação primária e na ausên¬<br />

cia de alterações associadas a risco imediato de morte;<br />

a avaliação secundária é geralmente feita durante o<br />

transporte em casos de urgência.<br />

avulsão Ruptura ou dilaceração de uma parte; separação<br />

de uma porção de tecido.<br />

áxis Segunda vértebra cervical (C2); seu formato permite<br />

uma ampla possibilidade de rotação da cabeça. Além<br />

591


592 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

disso, áxis (ou eixo) pode indicar a linha imaginária<br />

que passa através do centro do corpo.<br />

barorreceptor Terminação nervosa sensorial que é estimu¬<br />

lada por alterações da pressão arterial. Os barorreceptores<br />

são encontrados nas paredes dos átrios do cora¬<br />

ção, na veia cava, no arco aórtico e no seio carótido.<br />

bebé Criança entre sete semanas e um ano de idade.<br />

biomecânica Processo de busca do mecanismo de lesão<br />

de um incidente, para determinação de quais serão<br />

as lesões mais provavelmente observadas em resul¬<br />

tado das forças e movimentos ocorridos; a ciência do<br />

movimento.<br />

bolsa (ambu) e máscara Equipamento de ventilação mecâ¬<br />

nica composto por uma bolsa autoinflável feita de<br />

plástico ou borracha e diversas valvas unidirecionais;<br />

apertar a bolsa resulta na ventilação com pressão posi¬<br />

tiva através da máscara ou do tubo endotraqueal. Este<br />

equipamento pode ser usado com ou sem oxigénio<br />

suplementar.<br />

bradicardia Frequência cardíaca inferior a 60 batimentos<br />

por minuto.<br />

bronquíolos A menor divisão dos brônquios.<br />

caixa craniana Espaço no interior do crânio ou o próprio<br />

crânio.<br />

cãibras por calor Espasmos agudos e dolorosos dos mús¬<br />

culos voluntários após o trabalho físico extenuante em<br />

ambiente quente, especialmente quando o indivíduo<br />

não está aclimatado à temperatura.<br />

camada subcutânea Camada de pele imediatamente abaixo<br />

da derme, composta por tecido elástico e fibroso, assim<br />

como por depósitos de tecido adiposo.<br />

cânula nasofaríngea Dispositivo colocado na narina,<br />

seguindo o assoalho da cavidade nasal diretamente<br />

posterior à nasofaringe. Esta cânula é comumente tole¬<br />

rada por doentes com reflexo do vómito presente.<br />

cânula orofaríngea Dispositivo que, quando colocado na<br />

orofaringe, superior à língua, a mantém para frente,<br />

auxiliando a manutenção da desobstrução. E usado<br />

somente em doentes que não apresentam reflexo do<br />

vómito.<br />

capacidade pulmonar total O volume total de ar nos pul¬<br />

mões após a inalação forçada.<br />

capilares Os menores vasos sanguíneos. Diminutos vasos<br />

sanguíneos, com lúmen equivalente ao de uma célula,<br />

permitindo a difusão e a osmose de oxigénio e nutrien¬<br />

tes através de suas paredes.<br />

capnografia (dióxido de carbono corrente final) Método de<br />

monitoramento da pressão parcial de dióxido de car¬<br />

bono em uma amostra de gás. Essa pressão pode ser<br />

bastante correlacionada à pressão parcial arterial de<br />

dióxido de carbono (PaC02).<br />

cardiovascular Referente à combinação de coração e vasos<br />

sanguíneos.<br />

catarata Lente leitosa que bloqueia e distorce a luz que<br />

entra no olho, borrando a visão.<br />

catecolaminas Grupo de substâncias químicas produzi¬<br />

das pelo corpo, que atuam como importantes neurotransmissores.<br />

As principais catecolaminas sintetiza¬<br />

das pelo organismo são a dopamina, a adrenalina (tam¬<br />

bém denominada epinefrina) e a noradrenalina (também<br />

chamada norepinefrina). São parte do mecanismo<br />

simpático de defesa usado pelo corpo para prepará-lo<br />

para a ação.<br />

caudal Em direção ao final das costas (cóccix).<br />

cavitação Deslocamento forçado dos tecidos do corpo<br />

de sua posição normal, levando à formação de uma<br />

cavidade temporária ou permanente (p. ex., quando o<br />

corpo é atingido por um projétil, a aceleração das par¬<br />

tículas de tecido, distanciando-se do projétil, produz<br />

uma área de lesão, com formação de uma grancle cavi¬<br />

dade temporária).<br />

cefálico Relacionado ou em direção à cabeça.<br />

células quimiorreceptoras Células que estimulam impulsos<br />

nervosos em resposta a estímulos químicos. Determi¬<br />

nadas células quimiorreceptoras controlam a frequên¬<br />

cia ventilatória.<br />

cena Ambiente onde ocorreu o trauma e que deve ser ava¬<br />

liado. Em uma colisão automobilística, também devem<br />

ser avaliados o número de veículos, as forças atuantes<br />

em cada um e o grau e tipo de danos sofridos.<br />

centro cardioacelerador Centro cerebral que ativa a res¬<br />

posta simpática, aumentando a frequência cardíaca.<br />

centro cardioinibidor Porção da medula que reduz ou inibe<br />

a atividade do coração.<br />

cerebelo A porção do cérebro que repousa abaixo do cére¬<br />

bro e atrás da medula oblonga e é responsável pela<br />

coordenação do movimento.<br />

cérebro A maior parte do encéfalo; responsável pelo con¬<br />

trole de funções intelectuais, sensoriais e motoras<br />

específicas.<br />

choque Falência generalizada da perfusão tecidual com<br />

hemácias oxigenadas, levando ao metabolismo anaeró¬<br />

bico e à redução da produção de energia.<br />

choque cardiogênico Choque resultante cia falência da ati¬<br />

vidade de bombeamento do coração; sua causa pode<br />

ser intrínseca, por dano clireto ao próprio coração, ou<br />

extrínseca, relacionada a um problema fora do órgão.<br />

choque compensado Inadequação da perfusão periférica,<br />

evidenciada por sinais de menor perfusão orgânica, mas<br />

não acompanhado por alterações da pressão arterial.<br />

choque distributivo Choque que ocorre quando o compar¬<br />

timento vascular cresce de forma»desproporcional ao<br />

aumento do volume de fluidos.<br />

choque hemorrágico Choque hipovolêmico resultante da<br />

perda de sangue.<br />

choque hipovolêmico Choque provocado pela perda de<br />

sangue ou fluido.<br />

choque medular Termo que se refere a uma lesão à medula<br />

espinhal, resultando na perda temporária de função<br />

sensitiva e motora.<br />

choque neurogênico Choque que ocorre quando uma lesão<br />

na coluna vertebral cervical danifica a medula espinhal<br />

acima do local de saída dos nervos do sistema nervoso<br />

simpático, interferindo, assim, na vasoconstrição nor¬<br />

mal e reduzindo a pressão arterial.<br />

choque psicogêllico Choque neurogênico temporário<br />

resultante de estresse psicológico (desmaio).<br />

choque séptico Choque resultante da liberação de hormônios<br />

localmente ativos provocada por uma infecção sis¬<br />

témica disseminada; as paredes cios vasos sanguíneos<br />

são danificadas, gerando vasodilatação periférica e<br />

extravasamento de fluidos dos capilares para o espaço<br />

intersticial.<br />

chumbinho Pequenas esferas metálicas usadas como muni¬<br />

ção de armas de fogo.<br />

chumbo grosso Grandes esferas metálicas usadas como<br />

munição de armas de fogo.<br />

cianose Coloração azulada da pele, de membranas muco¬<br />

sas ou leitos ungueais, indicando a presença de hemo¬<br />

globina não oxigenada e a ausência de concentrações<br />

adequadas de oxigénio no sangue; a cianose é geral-


GLOSSÁRIO 593<br />

mente secundária à ventilação inadequada ou à redu¬<br />

ção da perfusão.<br />

cifose Curvatura para frente, como uma corcova, da coluna<br />

vertebral, comumente associada ao processo de enve¬<br />

lhecimento. A cifose pode ser provocada pelo envelhe¬<br />

cimento ou pelo acometimento da coluna vertebral por<br />

doenças como as riquetsioses e a tuberculose.<br />

cílios Estruturas pilosas localizadas em células, que<br />

impulsionam partículas estranhas e muco para fora<br />

dos brônquios.<br />

cisalhamento Força associada à mudança de veloci¬<br />

dade, que provoca a secção ou laceração de partes<br />

corpóreas.<br />

coagulopatia Disfunção da coagulação normal do sangue.<br />

colisão Energia trocada entre um objeto em movimento e<br />

um tecido do corpo humano ou entre o corpo humano<br />

em movimento e um objeto estacionário.<br />

coluna vertebral cervical A área do pescoço da coluna ver¬<br />

tebral, contendo sele vértebras (C1-C7).<br />

coluna vertebral coccígea A porção mais caudal da coluna<br />

vertebral; contém três das cinco vértebras que formam<br />

o cóccix.<br />

coluna vertebral lombar Parte da coluna vertebral encon¬<br />

trada na região mais baixa das costas, inferior à coluna<br />

vertebral torácica, contendo as cinco vértebras lomba¬<br />

res (L1-L5).<br />

coluna vertebral sacral (sacro) Parte da coluna vertebral<br />

abaixo da coluna vertebral lombar, contendo as cinco<br />

vértebras sacrais (S1-S5), que são conectadas por arti¬<br />

culações imóveis e formam o sacro. O sacro é a base de<br />

sustentação de peso da coluna vertebral, sendo tam¬<br />

bém parte da cintura pélvica.<br />

coluna vertebral torácica A parte da coluna vertebral entre<br />

a coluna vertebral cervical (superiormente) e a coluna<br />

vertebral lombar (inferiormente), contendo as *12 vér¬<br />

tebras torácicas (Tl-T'12). Os 12 pares de costelas se<br />

conectam às vértebras torácicas.<br />

comando unificado O processo pelo qual o comando do<br />

incidente, de todas as agências, responde a um evento,<br />

trabalhando juntos em seu gerenciamento.<br />

complacência Sentimento de segurança face a um possível<br />

perigo despercebido.<br />

complicação Uma dificuldade secundária a uma lesão,<br />

doença ou tratamento. Pode também indicar a sobre¬<br />

posição de lesões ou incidentes que, embora sem rela¬<br />

ção específica, afetam ou modificam o prognóstico<br />

original.<br />

compressão Tipo de força envolvido em impactos, fazendo<br />

com que tecidos, órgãos ou outras partes do corpo<br />

sejam espremidos entre dois ou mais objetos ou áreas<br />

corpóreas.<br />

compressão medular Pressão sobre a medula espinhal pro¬<br />

vocada por aumento de volume; pode levar à isquemia<br />

tecidual e, em alguns casos, requer descompressão,<br />

para impedir a perda permanente de função.<br />

crtnpressibilidade Capacidade de deformação por transfe¬<br />

rência de energia.<br />

concussão Uma alteração temporária da função neuro¬<br />

lógica, mais comumente acompanhada por perda de<br />

consciência; há ausência de anomalias intracranianas<br />

na tomografia computadorizada (TC).<br />

concussão medular Ruptura temporária das funções da<br />

medula espinhal, distai ao sítio de lesão medular.<br />

côndilos occipitais As duas proeminências laterais ao osso<br />

occipital, na parte de trás da cabeça.<br />

condução Transferência de calor entre dois objetos em<br />

contato direto um com o outro.<br />

consumo de oxigénio O volume de oxigénio consumido<br />

pelo corpo em 1minuto.<br />

contaminação primária Exposição a substâncias tóxicas<br />

em seu ponto de liberação.<br />

contaminação secundária Exposição a substâncias tóxicas<br />

após seu transporte a partir do ponto de origem, por uma<br />

vítima, um socorrista ou um pedaço de equipamento.<br />

contração ventricular prematura contração irregular e pre¬<br />

matura dos ventrículos, devido a um estímulo ectópico<br />

que desencadeia a contração, ao invés do estímulo nor¬<br />

mal do marca-passo fisiológico. Este é o segundo ritmo<br />

cardíaco anormal mais comum.<br />

contraindicação Qualquer sinal, sintoma, impressão clí¬<br />

nica, doença ou circunstância que indica que um dado<br />

tratamento ou sua progressão é inadequado. Uma con¬<br />

traindicação relativa é geralmente considerada uma<br />

contraindicação, mas, sob circunstâncias especiais,<br />

pode ser sobrepujada pelo médico como prática médica<br />

aceitável com base em uma avaliação caso a caso.<br />

contralateral Do lado oposto.<br />

convecção Transferência de calor pela movimentação ou<br />

circulação de um gás ou líquido, como observado no<br />

aquecimento da água ou do ar em contato com o corpo,<br />

na remoção deste ar (como vento) ou água e, então,<br />

no reaquecimento do ar ou água que repõe o que foi<br />

perdido.<br />

corpo vertebral Porção das vértebras que sustenta a maior<br />

parte do peso da coluna vertebral.<br />

crânio É formado pela fusão de diversos ossos em uma<br />

única estrutura durante a infância e abriga e protege<br />

o cérebro.<br />

crepitação Som característico decorrente do contato direto<br />

entre extremidades ósseas.<br />

criança em idade escolar Criança com o corpo de tama¬<br />

nho e desenvolvimento físico normalmente observado<br />

entre os 6 e os 12 anos de idade.<br />

criança pequena A criança com o corpo de tamanho e<br />

desenvolvimento físico normalmente encontrados<br />

entre cerca de *1 e 2 anos de idade..<br />

cricotiroidostomia cirúrgica Procedimento de abertura da<br />

via aérea de um doente, na altura da traqueia, através<br />

da secção da membrana cricotiroide no pescoço.<br />

crise hipertensiva Súbito e intenso aumento da pres¬<br />

são arterial, acompanhado por sinais de dano orgâ¬<br />

nico, como insuficiência renal ou comprometimento<br />

cardíaco.<br />

débito cardíaco O volume de sangue bombeado pelo cora¬<br />

ção a cada contração (relatado em litros por minuto).<br />

decorticação Característica postura patológica observada<br />

em doente com aumento de pressão intracraniana;<br />

quando se faz umestímulo doloroso, o doente apresenta<br />

rigidez, com extensão das costas e dos membros infe¬<br />

riores, flexão dos braços e fechamento dos punhos.<br />

defesa involuntária Rigidez ou espasmo dos músculos da<br />

parede abdominal em resposta à peritonite.<br />

defesa voluntária Durante a palpação de uma área sensível<br />

do abdome, o paciente tensiona os músculos abdomi¬<br />

nais dessa região.<br />

densidade O número de partículas em cada dada área de<br />

tecido.<br />

dermátomo Área sensorial do corpo de responsabilidade de<br />

uma raiz nervosa. Coletivamente, os dermátomos per¬<br />

mitem o mapeamento de áreas do corpo de cada nível<br />

espinhal, auxiliando a localização da lesão medular.<br />

derme Camada de pele imediatamente abaixo da epi¬<br />

derme, formada por uma estrutura de tecidos conjunti¬<br />

vos, contendo vasos sanguíneos, terminações nervosas,<br />

glândulas sebáceas e glândulas sudoríparas.


594 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

tlescerebração Postura característica observada após um<br />

estímulo doloroso; os membros ficam rígidos e esten¬<br />

didos e a cabeça é retraída. Uma das formas de postura<br />

patológica (resposta) comnmente associada ao aumento<br />

da pressão intracraniana.<br />

descompressão brusca Achado ao exame físico, em que<br />

uma pressão profunda é exercida no abdome e, então,<br />

rapidamente liberada, provocando dor intensa.<br />

descontaminação Redução da quantidade ou remoção de<br />

agentes tóxicos químicos, biológicos ou radiológicos.<br />

deslocamento inferior Quando um veículo interrompe sua<br />

movimentação para frente, o ocupante geralmente con¬<br />

tinua sua trajetória, descendo pelo banco e seguindo<br />

adiante, em direção ao painel ou volante.<br />

deslocamento superior A via de colisão de um veículo<br />

motorizado, na qual o corpo se movimenta para frente<br />

e por cima do volante; o tórax ou o abdome colidem<br />

com o volante e a cabeça atinge o para-brisa. Na posi¬<br />

ção sentada, comum em passageiros de veículos, após<br />

o término do deslocamento inferior, os joelhos são<br />

parados pelo painel, e o corpo continua a trajetória<br />

superior. Em alguns caminhões, o motorista fica com¬<br />

pletamente ereto, e seus pés são parados pelos pedais,<br />

e, assim, o deslocamento superior pode ser óbservado<br />

primeiro.<br />

diafisária Parte da haste de um osso longo; pode também<br />

se referir a algo que acometa esta região.<br />

diafragma Músculo em formato de cúpula que divide o<br />

tórax e o abdome, atuante no processo ventilatório.<br />

diástole Relaxamento ventricular (enchimento ventricu¬<br />

lar).<br />

difusão Movimento de solutos (substâncias dissolvidas em<br />

água) através de uma membrana.<br />

difusão pulmonar Movimento do oxigénio dos alvéolos<br />

pela membrana capilar até as hemácias ou o plasma.<br />

direção médica off-line Protocolos por escrito que<br />

podem direcionar grande parte do atendimento préhospitalar.<br />

direção médica on-line Orientação médica que permite<br />

que o socorrista discuta o atendimento do doente por<br />

rádio ou telefone durante a sua realização.<br />

disartria Dificuldade de fala.<br />

disbarismo Alterações fisiológicas resultantes de modifica¬<br />

ções da pressão ambiental.<br />

disco intervertebral Disco cartilaginoso que repousa entre<br />

o corpo de cada vértebra e age como absorvedor de<br />

choque.<br />

disritmia (cardíaca) Frequência cardíaca anormal ou ritmo<br />

cardíaco desordenado.<br />

distensão Uma lesão na qual ligamentos são estendidos ou<br />

mesmo parcialmente lacerados.<br />

distensão da veia jugular (DVJ) A sustentação da pressão<br />

do lado direito do coração provoca acúmulo de sangue<br />

na veia e sua distensão (aumento de volume) no pes¬<br />

coço, dado o menor enchimento do lado esquerdo do<br />

coração e menor débito cardíaco esquerdo.<br />

distração Separação de duas estruturas; ou seja, separação<br />

dos componentes fraturados de um osso ou parte da<br />

coluna vertebral.<br />

doença de Alzheimer Uma forma de doença cerebral comuniente<br />

associada à demência senil prematura.<br />

doente vítima de trauma multissistêmico Doente com lesões<br />

em mais de um sistema orgânico.<br />

dor fantasma Sensibilidade em parte ou membro faltante<br />

após a amputação.<br />

dura-máter Membrana externa que recobre a medula<br />

espinhal e o cérebro; a mais externa das três camadas<br />

meníngeas. Literalmente, significa "mãe rígida".<br />

eclampsia Síndrome observada em gestantes que inclui<br />

hipertensão, edema periférico e convulsões; também<br />

chamada toxemia da gestação.<br />

edema Condição local ou generalizada em que tecidos do<br />

corpo contêm uma quantidade excessiva de fluido;<br />

geralmente inclui aumento de volume do tecido.<br />

edentulismo Ausência de dentes.<br />

efeitos quaternários Lesões geradas por explosão que<br />

incluem queimaduras e intoxicações por combustíveis<br />

e metais, traumas por desabamentos, síndromes sépti¬<br />

cas e contaminação ambiental.<br />

eletrólitos Substâncias que se separam em íons eletricamente<br />

carregados quando dissolvidas em solução.<br />

elevação do mento Uma forma de abertura da via aérea de<br />

um doente com suspeita de lesão na coluna vertebral<br />

cervical; adaptação da manobra de elevação do mento<br />

clássica, que inclui a imobilização manual da cabeça<br />

em posição alinhada e neutra.<br />

elevação do mento no trauma Manobra utilizada para ali¬<br />

viar uma variedade de obstruções anatómicas da via<br />

aérea de um doente que está respirando espontanea¬<br />

mente. E realizada segurando-se o mento e os dentes<br />

incisivos inferiores e tracionando-os para a frente.<br />

empiema Coleção de pus no espaço pleural.<br />

energia cinética (EC) Energia disponível ao movimento.<br />

Função do peso de um item e sua velocidade. EC = Vz<br />

da massa x velocidade ao quadrado.<br />

energia elétrica Energia resultante da movimentação de<br />

elétrons entre dois pontos.<br />

energia mecânica A energia que um objeto possui quando<br />

está em movimento.<br />

energia por radiação Qualquer onda eletromagnética que<br />

trafega em raios e não possui massa física.<br />

energia química A energia, geralmente em forma de calor,<br />

que resulta da interação de uma substância química<br />

com outra ou com o tecido humano.<br />

energia térmica Energia associada ao aumento de tempe¬<br />

ratura e ao calor.<br />

epiderme A camada mais externa de pele, formada intei¬<br />

ramente por células epiteliais mortas, sem vasos<br />

sanguíneos.<br />

epífise A extremidade dos ossos longos.<br />

epiglote Estrutura em forma de folha que age como porta<br />

ou valva e direciona o ar até a traqueia e os sólidos e<br />

líquidos até o esôfago.<br />

equimose Mancha ou área avermelhada ou arroxeada, de<br />

formato irregular, resultante de uma hemorragia sob a<br />

pele.<br />

escala de Coma de Glasgow Escala de avaliação e quan¬<br />

tificação do nível de consciência ou inconsciência,<br />

através da determinação das melhores respostas dadas


GLOSSÁRIO 595<br />

pelo doente a estímulos padronizados, incluindo aber¬<br />

tura dos olhos e respostas verbais e motoras.<br />

escalpe A cobertura mais externa da cabeça.<br />

escarotomia Incisão feita para permitir que os tecidos<br />

subjacentes à pele lesionada por graves queimadu¬<br />

ras, rígida e similar a couro, se expandam conforme o<br />

aumento de volume.<br />

escore de trauma pediátrico (ETP) Sistema de classifica¬<br />

ção baseado em informações clínicas que predizem a<br />

gravidade da lesão e pode ser usado no processo de<br />

triagem.<br />

escore revisado de trauma Um método de classificação<br />

e quantificação da gravidade do trauma sofrido pelo<br />

doente.<br />

espaço epidural espaço possível entre a dura-máter,<br />

adjacente ao cérebro e o crânio. Contém as artérias<br />

meníngeas.<br />

espaço morto Espaço que contém o ar que nunca atinge<br />

os alvéolos e não participa do importante processo de<br />

troca gasosa.<br />

espaço pericárdico O espaço existente entre o músculo<br />

cardíaco (miocárdio) e o pericárdio.<br />

espaço peritoneal Espaço localizado na cavidade abdomi¬<br />

nal anterior, que contém os intestinos, o baço, o fígado,<br />

o estômago e a vesícula biliar. O espaço peritoneal é<br />

revestido por peritônio.<br />

espaço retroperitoneal Espaço localizado na cavidade<br />

abdominal posterior, que contém os rins, os ureteres,<br />

a bexiga, os órgãos reprodutivos, a veia cava inferior,<br />

a aorta abdominal, o pâncreas, parte do duodeno, o<br />

cólon e o reto.<br />

espaço subaracnoide Espaço entre a pia-máter e a mem¬<br />

brana aracnoide; contém liquor e as veias meníngeas.<br />

O espaço subaracnoide é um local frequente de hema¬<br />

tomas subdurais.<br />

estenose medular Estreitamento do canal medular.<br />

eucapnia Concentração sanguínea normal de dióxido de<br />

carbono.<br />

euvolemia Volume sanguíneo circulante normal.<br />

evaporação Mudança de líquido a vapor.<br />

evisceração Deslocamento de uma porção do intestino ou<br />

de outro órgão abdominal através de uma ferida aberta e<br />

sua protrusão externa, saindo da cavidade abdominal.<br />

exame sensitivo Exame clínico da capacidade sensitiva e<br />

de resposta, para determinação da presença ou ausên¬<br />

cia de perda de sensibilidade em cada um dos quatro<br />

membros.<br />

exaustão por calor Resultante da excessiva perda de flui¬<br />

dos e eletrólitos através da sudorese e da ausência de<br />

reposição fluida adequada decorrentes da exposição<br />

a altas temperaturas por um dado período de tempo,<br />

geralmente vários dias.<br />

expiração Ato de forçar o ar para fora dos pulmões atra¬<br />

vés do relaxamento dos músculos intercostais e do<br />

diafragma, fazendo com que as costelas e o diafragma<br />

retornem às suas posições de repouso.<br />

explosão Reações físicas, químicas ou nucleares que resul¬<br />

tam na liberação quase instantânea de grandes quanti¬<br />

dades de energia na forma de calor e na rápida expan¬<br />

são de gás altamente comprimido; é capaz de projetar<br />

fragmentos em velocidade extremamente alta.<br />

exsanguinação Perda de todo o volume sanguíneo, levando<br />

à morte.<br />

faringe A garganta; estrutura tubular que é uma passagem<br />

dos tratos respiratórios e digestórios. A orofaringe é a<br />

área da faringe posterior à boca; a nasofaringe: área da<br />

faringe além das coanas.<br />

fase do evento O momento exato do trauma.<br />

fase pós-evento Esta fase é iniciada assim que a energia<br />

de uma colisão é absorvida e o doente sofre o trauma;<br />

também se refere à fase de atendimento pré-hospitalar<br />

que inclui o tempo de resposta, o "período de ouro" e<br />

a análise do chamado.<br />

fase pré-evento/pré-colisão Esta fase inclui todos os even¬<br />

tos que precedem um incidente (p. ex., ingestão de dro¬<br />

gas e álcool) e as doenças que antecedem o incidente<br />

(p. ex., enfermidades agudas ou preexistentes). Esta<br />

fase inclui também a prevenção da lesão e preparação<br />

da equipe.<br />

fenómeno de Cushing Combinação de aumento da pressão<br />

arterial e a bradicardia resultante que pode ser obser¬<br />

vado com o aumento da PIC.<br />

ferimento estrelado Ferimento em formato de estrela.<br />

ferimentos por contato Tipo de ferimento que ocorre<br />

quando o cano da arma encosta no doente no momento<br />

em que o tiro é disparado, provocando um ferimento<br />

de entrada circular, geralmente associado a uma quei¬<br />

madura visível, fuligem ou marca (tatuagem) do bocal<br />

da arma.<br />

fisiopatologia Estudo da alteração dos processos fisiológi¬<br />

cos normais por doença ou lesão.<br />

Fi02 Fração de oxigénio no ar inspirado, expresso em deci¬<br />

mai. Uma Fi02 de 0,85 indica que 85 centésimos ou<br />

85% do ar inspirado é oxigénio.<br />

fita de ressuscitação de Broselow Sistema comercial de<br />

estimativa de dose de medicamentos e tamanho de equi¬<br />

pamentos baseado no comprimento do doente.<br />

flexão Um movimento de dobramento da articulação, que<br />

reduz o ângulo entre os ossos. Na região cervical, cor¬<br />

responde ao movimento para frente cia cabeça, aproxi¬<br />

mando o queixo do esterno.<br />

flexão cervical Dobramento da cabeça para frente ou para<br />

baixo, provocando a flexão do pescoço.<br />

fluido intersticial O fluido extracelular localizado entre a<br />

parede celular e a parede capilar.<br />

fluido intracelular Fluido existente no interior das células.<br />

fluido pleural Fluido que cria uma tensão superficial entre<br />

as duas membranas pleurais, unindo-as.<br />

fluido sinovial Fluido encontrado no interior das articula¬<br />

ções.<br />

forame Pequena abertura.<br />

forame magno A abertura na base do crânio, através do<br />

qual passa a medula oblonga.<br />

forame vertebral Orifício localizado na estrutura óssea das<br />

vértebras, permitindo a passagem de vasos sanguíneos<br />

e nervos.<br />

forames intervertebrals Incisura que permite a passagem<br />

de nervos na lateral inferior da vértebra.<br />

forames vertebrais Orifícios presentes no corpo vertebral.<br />

força G (força gravitacional) Força medida de aceleração,<br />

desaceleração ou centrífuga.<br />

fórmula de Parkland Fórmula para reposição de fluidos em<br />

doentes queimados.<br />

fósforo branco Um agente incendiário usado na produção<br />

de munições.<br />

fotofobia Sensibilidade à luz.


596 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

fragmentação Quando um objeto se parte, criando múlti¬<br />

plas partes ou entulho, e, portanto, produzindo mais<br />

detritos e maior troca de energia.<br />

fratura Quebra de osso. Uma fratura simples é fechada,<br />

sem laceração ou abertura da pele. Uma fratura exposta<br />

é aquela em que a lesão inicial ou uma extremidade<br />

óssea, gera uma ferida aberta no sítio de fratura, ou pró¬<br />

ximo a ele. Em uma fratura cominutiva, há um ou mais<br />

fragmentos ósseos soltos.<br />

fratura basilar de crânio Fratura do assoalho do crânio.<br />

fratura de Colles Fratura do punho. Quando a vítima cai<br />

para frente, sobre a mão estendida na tentativa de<br />

proteger o restante do corpo da queda, a fratura pode<br />

resultar em uma deformidade em garfo.<br />

fratura exposta Uma fratura óssea em que há perda de inte¬<br />

gridade da pele.<br />

fratura fechada Uma fratura óssea em que não há perda de<br />

integridade da pele.<br />

função pulmonar Via aérea permeável, ventilação, difusão<br />

e perfusão sob controle, fazendo com que o sangue<br />

arterial contenha oxigénio suficiente ao metabolismo<br />

aeróbico e nível de dióxido de carbono adequado à<br />

manutenção do equilíbrio ácido-básico tecidual.<br />

geriátrico Relacionado ao envelhecimento e ao diagnós¬<br />

tico e tratamento de lesões e doenças que afetam os<br />

idosos.<br />

glicogênio Formado por moléculas de glicose, é usado no<br />

armazenamento de carboidratos.<br />

hematócrito Medida da porcentagem de hemácias 110<br />

volume sanguíneo total.<br />

hematoma epidural Coleção de hemorragia arterial entre o<br />

crânio e a dura-máter.<br />

hematoma subdural Coleção de sangue entre a dura-máter<br />

e a membrana aracnoide.<br />

hemianestesia Perda de sensibilidade em um lado do<br />

corpo.<br />

hemiparesia Fraqueza limitada a um lado do corpo.<br />

hemiplegia Paralisia em um lado do corpo.<br />

hemoglobina Molécula encontrada nas hemácias, respon¬<br />

sável pelo transporte de oxigénio.<br />

hemopericárdio Acúmulo de sangue 110 interior do<br />

espaço pericárdico, que pode levar ao tamponamento<br />

pericárdico.<br />

hemoptise Expectoração de sangue através da tosse.<br />

hemorragia Também indica a perda de uma grande quanti¬<br />

dade de sangue em um curto período de tempo, para o<br />

exterior ou o interior do corpo.<br />

hemorragia subaracnoide Sangramento no espaço preen¬<br />

chido por liquor abaixo da membrana aracnoide.<br />

hemotórax Presença de sangue no espaço pleural.<br />

herniação do cíngulo O giro do cingido, assim como a<br />

superfície medial dos hemisférios cerebrais, é forçado<br />

soía a foice, geralmente como resultado de hemorragia<br />

ou edema, provocando lesão nesses hemisférios e no<br />

mesencéfalo.<br />

herniação tentorial O processo pelo qual parte do cérebro<br />

é empurrada para baixo, através da incisura tentorial,<br />

devido ao aumento de pressão intracraniana.<br />

herniação tonsilar O processo pelo qual o cérebro é em¬<br />

purrado para baixo, em direção ao forame magno,<br />

empurrando o cerebelo e a medula para frente, provo¬<br />

cando lesão e, por fim, morte.<br />

herniação uncal O processo pelo qual uma massa em<br />

expansão (geralmente uma hemorragia ou um aumento<br />

de volume) ao longo da porção convexa do cérebro<br />

empurra a porção medial do lobo temporal para baixo,<br />

através do tentório que sustenta o cérebro, provocando<br />

lesões no tronco cerebral.<br />

hipercalemia Aumento da concentração sanguínea de<br />

potássio.<br />

hipercapnia Aumento do nível de dióxido de carbono no<br />

corpo.<br />

hipercloremia Aumento da concentração sanguínea de<br />

cloreto.<br />

hiperextensão Extensão extrema ou anormal de uma arti¬<br />

culação; posição de máxima extensão. A hiperexten¬<br />

são do pescoço é observada quando a cabeça é esten¬<br />

dida posteriormente à posição neutra, e pode resultar<br />

em fratura ou deslocamento de vértebras ou lesões na<br />

medula espinhal em um doente com coluna vertebral<br />

instável.<br />

hiperflexão Flexão extrema ou anormal de uma articula¬<br />

ção; posição de máxima flexão. O aumento da flexão do<br />

pescoço pode resultar em fratura ou deslocamento de<br />

vértebras ou lesões na medula espinhal em um doente<br />

com coluna vertebral instável.<br />

hiperglicemia Elevação da concentração sanguínea de glicose.<br />

hiper-hidratação Entrada excessiva de água.<br />

hiper-rotação Rotação excessiva.<br />

hipertensão Pressão arterial maior do que o limite superior<br />

da faixa normal; geralmente determinada pela pressão<br />

sistólica maior que 140 mm Hg.<br />

hipertensão intracraniana Aumento da pressão intracraniana.<br />

hipertermia Temperatura corpórea muito maior do que a<br />

faixa normal.<br />

hipertônica Pressão osmótica maior do que a sérica ou<br />

plasmática.<br />

hipertrofia miocárdica Aumento da mússa muscular e do<br />

tamanho do coração.<br />

hiperventilação neurogênica central Padrão ventilatório<br />

patológico, rápido e superficial associado ao trauma<br />

craniano e ao aumento da pressão intracraniana.<br />

hipoclorito, soluções de Soluções usadas na produção de<br />

alvejantes domésticos e detergentes industriais.<br />

hipofaringe A menor porção da faringe, que se continua<br />

anteriormente com a laringe e posteriormente no<br />

esôfago.<br />

hipoglicemia Redução da concentração sanguínea de<br />

glicose.<br />

hipoperfusão Insuficiência do fluxo sanguíneo às células<br />

na presença de sangue adequadamente oxigenado.<br />

hipotálamo Área do cérebro que age como centro termorregulador<br />

e termostato corpóreo para controle neuroló¬<br />

gico e regulação hormonal da temperatura do corpo.<br />

hipotensão Pressão arterial abaixo da faixa normal<br />

aceitável.<br />

hipotensão ortostática Redução na pressão arterial de um<br />

doente que está deitado e tenta levantar ou sentar, geral¬<br />

mente manifestada por vertigem, tontura ou síncope.<br />

hipotermia Temperatura central corpórea subnormal, geral¬<br />

mente entre 26 °C e 32 °C.<br />

hipotermia primária Redução na temperatura corpórea que<br />

ocorre quando indivíduos saudáveis não estão prepa¬<br />

rados para enfrentar uma enorme exposição, aguda ou<br />

crónica, ao frio.


GLOSSÁRIO 597<br />

hipotermia secundária Redução na temperatura corpórea<br />

em consequência de distúrbio sistémico, incluindo<br />

hipotireoidismo, hipoadrenalismo, trauma, carcinoma<br />

e sepse.<br />

hipotônica Solução de menor pressão osmótica do que<br />

outra. Também indica a menor pressão osmótica do<br />

que o soro ou o plasma normal.<br />

hipoventilação Ventilação inadequada causada pela redu¬<br />

ção do volume-minuto a valores abaixo dos normais.<br />

hipovolemia Volume de sangue ou fluido inadequados<br />

(abaixo do normal).<br />

Hipoxia (hipoxemia) Deficiência de oxigénio; disponibili¬<br />

dade inadequada de oxigénio. Oxigenação deficiente<br />

dos pulmões devido ao volume-minuto inadequado<br />

(troca de ar nos pulmões) ou queda na concentração<br />

de oxigénio do ar inspirado. Hipoxia celular significa<br />

oxigenação inadequada das células.<br />

história SAMPLA Um mnemónico para recordação dos<br />

componentes da anamnese: sintomas, alergias, medi¬<br />

camentos, passado médico e cirúrgico prévio, última<br />

refeição e eventos que provocaram a lesão.<br />

homeostasia Ambiente interno constante e estável. Equilí¬<br />

brio necessário aos processos vitais saudáveis.<br />

homeotérmico Animal de sangue quente.<br />

iminência hipotenar Porção carnosa da palma da mão,<br />

junto à margem ulnar.<br />

imobilização anatómica Imobilização em prancha longa<br />

em posição supina.<br />

impacto rotacional Quando um veículo atinge a lateral<br />

frontal ou traseira de outro, provocando uma rotação<br />

que o distancia do ponto de impacto. Ocorre também<br />

quando uma ponta do veículo atinge um objeto imóvel<br />

ou que se move de forma mais lenta ou ainda que vem<br />

em direção oposta, provocando uma rotação.<br />

impressão geral Análise simultânea, de 15 a 30 segundos,<br />

da condição do doente. A impressão geral é focada no<br />

estado ventilatório, circulatório e neurológico imediato<br />

do doente.<br />

inalação O processo de trazer ar para os pulmões.<br />

incidente com múltiplas vítimas (IMV) Um incidente (como<br />

uma colisão de avião, desabamento de um edifício ou<br />

um incêndio) que produz um grande número de víti¬<br />

mas através de um mecanismo, em um mesmo local e<br />

ao mesmo tempo.<br />

incisura (incisura tentorial) Abertura no tentório cerebelar,<br />

na junção entre o mesencéfalo e o cérebro. O tronco<br />

encefálico é inferior à incisura.<br />

índice de estresse por calor A combinação da temperatura<br />

ambiente e a umidade relativa.<br />

intermação Uma aguda e perigosa reação à exposição ao<br />

calor, caracterizada por alta temperatura corpórea e<br />

alteração do estado mental.<br />

intervalo lúcido Período de função mental normal entre<br />

períodos de desorientação, inconsciência ou doença<br />

mental.<br />

intraósseo dentro da medula óssea.<br />

intubação Colocação de um tubo através de um orifício<br />

corporal. A intubação endotraqueal corresponde à<br />

inserção de um tubo respiratório através da boca ou<br />

do nariz até a traqueia, formando uma via aérea para<br />

administração de oxigénio ou gás anestésico.<br />

intubação endotraqueal Inserção de umgrande tubo na tra¬<br />

queia, para ventilação direta de fora do corpo.<br />

ipsilateral Do mesmo lado.<br />

isquemia Deficiência local de suprimento sanguíneo<br />

devido à obstrução da circulação a uma parte corpórea<br />

ou um tecido.<br />

laceração aórtica Laceração completa ou parcial de uma<br />

ou mais camadas do tecido da aorta.<br />

laceração medular Ocorre quando tecido da medula espi¬<br />

nhal é lacerado ou seccionado.<br />

laringe Estrutura localizada imediatamente acima da tra¬<br />

queia, que contém as cordas vocais e os músculos que<br />

as movimentam.<br />

leis do movimento Leis científicas relacionadas ao movi¬<br />

mento. A primeira lei do movimento de Newton diz<br />

que um corpo em repouso permanece em repouso e um<br />

corpo em movimento permanece em movimento a não<br />

ser que atingido por alguma força externa.<br />

lesão Dano provocado por evento, originário da liberação<br />

de energias físicas específicas ou da presença de barrei¬<br />

ras ao fluxo normal de energia.<br />

lesão cerebral primária Trauma direto ao cérebro, asso¬<br />

ciado a lesões vasculares.<br />

lesão cerebral secundária Uma extensão da magnitude<br />

da lesão cerebral primária, por fatores como hipoxia<br />

e hipertensão, que resultam em déficits neurológicos<br />

maiores e mais permanentes.<br />

lesão intencional Lesão associada a um ato de violência<br />

interpessoal ou autodirecionada.<br />

lesão por contragolpe Uma lesão a uma parte do cérebro<br />

localizada do lado oposto à lesão primária.<br />

lesões por compressão Lesões provocadas por intensas<br />

forças de esmagamento; podem ser observadas na<br />

estrutura externa do corpo ou em órgãos internos.<br />

lesão por golpe Uma lesão cerebral localizada do mesmo<br />

lado que o ponto de impacto.<br />

lesões primárias provocadas por explosões Lesões que<br />

são causadas pela pressão da onda deexplosão (p. ex.,<br />

hemorragia pulmonar, pneumotórax, perfuração do<br />

trato gastrointestinal).<br />

lesões secundárias provocadas por explosões Lesões que<br />

ocorrem quando a vítima é atingida por vidros que¬<br />

brados, estilhaços ou outros detritos derivados da<br />

explosão.<br />

lesões terciárias provocadas por explosões As lesões<br />

decorrentes de uma explosão causadas pelo arremesso<br />

da vítima contra algum objeto. Estas lesões são simi¬<br />

lares àquelas decorrentes da ejeção de veículos e de<br />

quedas de alturas significativas, ou ainda às observa¬<br />

das quando a vítima é jogada contra um objeto pela<br />

onda de força resultante de uma explosão. As lesões<br />

terciárias são geralmente injúrias por contusão.<br />

ligamento Faixa de tecido rígido e fibroso que conecta<br />

óssos.<br />

ligamento arterioso Resquício da circulação fetal e ponto<br />

de fixação no arco da aorta.<br />

limbo Junção entre a córnea e a esclera.<br />

linfedema Obstrução dos vasos linfáticos, provocando<br />

edema.<br />

liquor (líquidocefalorraquidiano-LCR) Fluidoencontrado<br />

no espaço subaracnoide e na bainha da dura-máter; age<br />

como absorvedor de choque, protegendo o cérebro e a<br />

medula espinhal de impactos.<br />

luxação Lesão em tecidos moles que ocorre ao redor de<br />

uma articulação quando os músculos ou tendões são


598 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

estendidos ou lacerados em qualquer ponto de sua<br />

extensão.<br />

máscara com reservatório sem reinalação Uma máscara<br />

de oxigénio com reservatório e válvulas unidirecionais<br />

que impedem a reinalação, permitindo a saída do ar<br />

exalado. Administra oxigénio em altas concentrações,<br />

entre 85% e 100%, quando ligada a uma fonte de alto<br />

fluxo do gás.<br />

massa Peso da vítima.<br />

mediastino Porção medial da cavidade torácica, contendo<br />

o coração, os grandes vasos, a traqueia, os brônquios<br />

principais e o esôfago.<br />

medula (medula oblonga) Parte do tronco encefálico. A<br />

medula é o centro regulador primário de controle autó¬<br />

nomo do sistema cardiovascular,<br />

membrana cricotireoide Delgada camada de tecido rígido<br />

localizada entre as cartilagens tireoidiana e cricoide,<br />

é o sítio da abertura cirúrgica criada durante a<br />

cricotiroidostomia.<br />

membrana semipermeável Membrana que permite a pas¬<br />

sagem de fluidos (solventes), mas não de substâncias<br />

dissolvidas.<br />

meninges As três membranas que recobrem o tecido cere¬<br />

bral e a medula espinhal.<br />

metabolismo A soma de todas as alterações físicas e quími¬<br />

cas que ocorrem no interior de um organismo; todas as<br />

transformações energéticas e materiais que ocorrem no<br />

interior das células vivas.<br />

metabolismo aeróbico Metabolismo baseado em oxigénio,<br />

que é o principal processo de combustão do organismo;<br />

este é o processo mais eficiente de produção de energia<br />

celular.<br />

metabolismo anaeróbico Metabolismo que não utiliza oxi¬<br />

génio; é um processo ineficiente de produção de ener¬<br />

gia celular.<br />

miocárdio Camada medial e mais espessa da parede cardí¬<br />

aca; é composta pelo músculo cardíaco. De modo geral,<br />

este termo é usado em referência a todos os músculos<br />

do coração.<br />

mioglobina Proteína encontrada em músculos, responsá¬<br />

vel por sua característica cor vermelha.<br />

mioglobinúria A liberação de mioglobina na corrente san¬<br />

guínea em quantidades consideráveis faz com que a<br />

urina tenha cor avermelhada ou semelhante à do chá,<br />

além de causar intoxicação e insuficiência renal.<br />

miose Contração das pupilas; o doente geralmente se<br />

queixa de visão borrada.<br />

movimento paradoxal Movimento provocado pela com¬<br />

binação da menor pressão intratorácica à maior pres¬<br />

são atmosférica, gerando um segmento instável que se<br />

move para dentro do organismo, ao invés de para fora,<br />

durante a inspiração.<br />

músculos intercostais Músculos localizadas entre as coste¬<br />

las, conectando-as umas às outras.<br />

narinas Aberturas do nariz que permitem a passagem do ai¬<br />

de fora para a garganta. As narinas anteriores são loca¬<br />

lizadas na face. As narinas posteriores correspondem<br />

ao par de aberturas atrás da cavidade nasal, onde há a<br />

conexão com a porção superior da garganta.<br />

nasofaringe Porção superior da via aérea, situada acima do<br />

palato mole.<br />

necrose coagulativa Tipo de dano tecidual que resulta da<br />

exposição a ácidos; o tecido lesionado forma uma bar¬<br />

reira que impede a penetração mais profunda da subs¬<br />

tância química.<br />

necrose por liquefação O tipo de lesão tecidual que ocorre<br />

quando um álcali (base) danifica o tecido humano; a<br />

base liquefaz o tecido, permitindo a penetração mais<br />

profunda das substâncias químicas.<br />

necrosetubular aguda (NTA) Danoagudo aos túbulos renais,<br />

geralmente devido à isquemia associada ao choque.<br />

neonato A criança, do nascimento às seis semanas de<br />

idade.<br />

nervo oculomotor O terceiro nervo craniano; controla a<br />

contração das pupilas e determinados movimentos<br />

oculares.<br />

nervo vago O 10° nervo craniano; quando estimulado,<br />

reduz a frequência cardíaca, independentemente dos<br />

níveis de catecolaminas. Desempenha funções motoras<br />

e sensoriais e tem a maior distribuição dentre todos os<br />

nervos cranianos.<br />

Newton, primeira lei do movimento de Um corpo em<br />

repouso permanece em repouso e um corpo em movi¬<br />

mento permanece em movimento, desde que não haja<br />

uma força externa.<br />

normoidratação Estado fisiológico de equilíbrio da água<br />

corpórea.<br />

nó sinoatrial Nó focalizado na junção da veia cava supe¬<br />

rior com o átrio cardíaco direito; considerado o marca-passo<br />

ou ponto inicial do batimento cardíaco. Em<br />

pessoas saudáveis, a estimulação conferida por este nó<br />

provoca a contração atrial e, então, dos ventrículos.<br />

noradrenalina (norepinefrina) Substância química liberada<br />

pelo sistema nervoso simpático, que desencadeia a<br />

contração dos vasos sanguíneos, reduzindo seu lúmen<br />

e melhorando sua proporção ao volume restante de<br />

fluido.<br />

obnubilação Diminuição da capacidade mental, geral¬<br />

mente resultante de trauma ou doença.<br />

olhos de guaxinim (equimose periorbital) Área de equimose<br />

ao redor de cada olho, limitada às margens orbitais.<br />

orofaringe Porção da faringe que repousa entre o palato<br />

mole e a região superior da epiglote.<br />

osmose O movimento da água (ou de outros solventes)<br />

através da membrana entre uma área hipotônica e uma<br />

área hipertônica.<br />

ossos chatos Ossos finos, achatados e compactos, como o<br />

esterno, as costelas e a escápula.<br />

ossos curtos Metacarpos, metatarsos e falanges.<br />

ossos da sutura Ossos chatos que formam o crânio.<br />

ossos longos Fémur, úmero, ulna, rádio, tíbia e fibula.<br />

ossos sesamoides Geralmente pequenos e arredondados,<br />

são os ossos localizados no interior de tendões.<br />

osteófise Calcificação óssea.<br />

osteomielite Infecção óssea.<br />

osteoporose Perda da densidade óssea normal,com adelga¬<br />

çamento do tecido ósseo e desenvolvimento de peque¬<br />

nos orifícios nos ossos. Este distúrbio pode provocar<br />

dor (especialmente na porção inferior das costas), fraturas<br />

frequentes, perda de altura corporal e diversas<br />

deformidades. É comumente uma parte do processo<br />

normal de envelhecimento.<br />

oxímetro de pulso Equipamento que mensura a saturação<br />

arterial de oxiemoglobina. Este valor é determinado<br />

pela medida da razão de absorção entre a luz vermelha<br />

e infravermelha que atravessa o tecido.


GLOSSÁRIO 599<br />

palpação Forma de examinar um doente por meio da apli¬<br />

cação das mãos ou dos dedos sobre a superfície externa<br />

do corpo, para detecção de evidências de doenças, ano¬<br />

malias ou lesões subjacentes.<br />

para-anestesia Perda de sensibilidade nos membros<br />

inferiores.<br />

paraplegia Paralisia dos membros inferiores.<br />

paresia Fraqueza localizada ou paralisia parcial (e não<br />

total) relacionada, em alguns casos, a inflamações ou<br />

lesões em nervos.<br />

PEARRL(PupiVs equal and round, reactive to light) Termo<br />

utilizado para descrever pupilas iguais arredonda¬<br />

das, reativas à luz, durante a avaliação dos olhos dos<br />

doentes, determinando se estas apresentam formato<br />

redondo, aparência normal e reagem adequadamente<br />

à luz, contraindo-se, ou se são anormais e não respon¬<br />

dem a estímulos. De modo geral, a presença de reflexo<br />

consensual é incluída neste termo.<br />

pediátrico Relacionado a crianças (indivíduos do nasci¬<br />

mento aos 16 anos de idade) ou a lesões e doenças que<br />

as afetam.<br />

perfusão Passagem de sangue através de um órgão ou uma<br />

parte do corpo.<br />

pericárdio Membrana rígida, fibrosa e flexível, porém inelástica,<br />

que cerca o coração.<br />

pericardiocentese Procedimento que remove sangue ou<br />

fluido acumulado no interior do espaço pericárdico.<br />

Período de Ouro O período de tempo até o atendimento<br />

definitivo de um doente para obtenção do melhor<br />

resultado possível.<br />

peristalse (ou peristaltismo) Movimentos musculares pro¬<br />

pulsivos dos intestinos.<br />

peritônio Revestimento da cavidade abdominal.<br />

peritonite Inflamação do peritônio.<br />

pia-máter Fina membrana vascular bastante aderida ao<br />

cérebro e à medula espinhal e às porções proximais<br />

dos nervos; a mais interna dentre as três membranas<br />

meníngeas que recobrem o cérebro.<br />

pleura Delgada membrana que reveste o lado interno da<br />

cavidade torácica e os pulmões. A parte que recobre<br />

a cavidade torácica é denominada pleura parietal; a<br />

prega que reveste os pulmões é denominada pleura<br />

visceral.<br />

pleura parietal Fina membrana que reveste o lado interno<br />

da cavidade torácica.<br />

pleura visceral Fina membrana que recobre a superfície<br />

externa de cada pulmão.<br />

pneumotórax Lesão que resulta na presença de ar no espaço<br />

pleural, comumente levando ao colapso pulmonar. Um<br />

pneumotórax pode ser aberto, com presença de uma<br />

lesão na parede torácica; ou fechado, resultante de<br />

trauma fechado ou espontâneo.<br />

pneumotórax aberto (ferida torácica aspirativa) Um feri¬<br />

mento penetrante no tórax que provoca a abertura da<br />

parede torácica, gerando uma via preferencial do fluxo<br />

de ar entre o ambiente externo e o tórax.<br />

pneumotórax hipertensivo Ocorre quando a pressão do ar<br />

no espaço pleural excede a pressão atmosférica, impos¬<br />

sibilitando a saída de ar. O lado acometido apresenta<br />

hiperinflação, comprimindo o pulmão ipsilateral e<br />

desviando o mediastino, o que leva ao colapso parcial<br />

do outro pulmão. O pneumotórax hipertensivo tende<br />

a ser progressivo e está associado a risco de morte<br />

iminente.<br />

pneumotórax simples Presença de ar no interior do espaço<br />

pleural.<br />

politraumatismo Veja doente vítima de trauma multissistêmico.<br />

pós-carga Pressão contra a qual o ventrículo esquerdo<br />

deve bombear (ejetar) o sangue a cada batimento.<br />

posição de cheirar Posição levemente superior e ante¬<br />

rior da cabeça e do pescoço, que otimiza a ventila¬<br />

ção, assim como a visualização durante a intubação<br />

endotraqueal.<br />

pré-carga O volume e a pressão do sangue que chega<br />

ao coração vindo do sistema circulatório sistémico<br />

(retorno venoso).<br />

pré-escolar Criança com corpo de tamanho e desenvolvi¬<br />

mento físico normalmente observados entre os 2 e os 6<br />

anos de idade.<br />

pregas vestibulares As falsas cordas vocais que direcionam<br />

o fluxo de ar através das cordas vocais.<br />

presbiacusia Declínio gradual da audição.<br />

presbiopia Incapacidade de distinção de objetos próximos<br />

que ocorre com a idade.<br />

pressão arterial diastólica Pressão em repouso entre as<br />

contrações ventriculares, medida em milímetros de<br />

mercúrio (mm Hg).<br />

pressão arterial média A pressão média no sistema vas¬<br />

cular, estimada pela soma de um terço da pressão de<br />

pulso à pressão diastólica.<br />

pressão arterial sistólica Pico da pressão arterial produ¬<br />

zida pela força de contração (sístole) dos ventrículos<br />

do coração.<br />

pressão de perfusão cerebral A quantidade de pressão<br />

necessária para manter o fluxo sanguíneo cerebral; cal¬<br />

culada como a diferença entre a pressão arterial média<br />

(PAM) e a pressão intracraniana (PIC).<br />

pressão de pulso Aumento na pressão criado cada vez que<br />

um novo bôlus de sangue deixa o ventrículo esquerdo<br />

a cada contração. Também indica a diferença entre as<br />

pressões arteriais sistólica e diastólica (pressãosistólica<br />

menos pressão diastólica é igual a pressão de pulso).<br />

pressão extraluminal Pressão no tecido adjacente ao vaso.<br />

pressão oncótica Pressão que determina a quantidade de<br />

fluido no interior do espaço vascular.<br />

pressão transmural Diferença entre a pressão no interior<br />

do vaso sanguíneo e a pressão exterior.<br />

priapismo Ereção prolongada. Pode ser provocada por cál¬<br />

culo urinário, anemia falciforme ou lesão na porção<br />

inferior da coluna vertebral.<br />

processo espinhoso Estrutura caudal na região posterior<br />

das vértebras.<br />

processo odontoide A protrusão na superfície superior<br />

da segunda vértebra (áxis), ao redor da qual há a rota¬<br />

ção da primeira vértebra cervical (atlas), permitindo a<br />

movimentação da cabeça a cerca de 180 graus.<br />

processo transverso Protuberâncias existentes em cada<br />

lado da vértebra, próximas às margens laterais.<br />

projétil Um objeto metálico único, bala.<br />

prurido Coceira intensa.<br />

pulso paradoxal Situação na qual a pressão arterial sistólica<br />

do doente cai mais do que 10 a 15 mm Hg durante cada<br />

inspiração, geralmente devido ao efeito cio aumento da


600 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

pressão intratorácica, como observado no pneumotó¬<br />

rax hipertensivo ou no tamponamento pericárdico.<br />

quadriplegia Paralisia de todos os quatro membros.<br />

queimadura de espessura completa (de terceiro grau) Quei¬<br />

madura da epiderme, derme e tecido subcutâneo (pode<br />

ser mais profunda). A pele pode parecer chamuscada<br />

ou similar a couro, e pode haver sangramento.<br />

queimaduras de espessura parcial (de segundo grau)<br />

Queimaduras que acometem a epiderme e a derme. A<br />

pele apresenta áreas eritematosas, bolhas ou feridas<br />

abertas.<br />

queimadura de quarto grau Lesão por queimadura que<br />

envolve todas as camadas da pele, assim como o tecido<br />

adiposo subjacente, os músculos, os ossos ou os órgãos<br />

internos.<br />

queimadura química Queimadura que ocorre quando a<br />

pele entra em contato com diversos agentes cáusticos.<br />

queimaduras superficiais (de primeiro grau) Queimaduras<br />

que acometem apenas a epiderme; a pele é eritematosa,<br />

inflamada e dolorida.<br />

queraunoparalisia Paralisia transitória resultante do aco¬<br />

metimento por raios.<br />

quilograma-força Medida da força mecânica relacio¬<br />

nada a uma carga. Força = Massa X Desaceleração ou<br />

Aceleração.<br />

quimiorreceptor Terminação nervosa sensorial que é esti¬<br />

mulada e responde a um dado estímulo químico; está<br />

localizada fora do sistema nervoso central. Quimiorreceptores<br />

são encontrados em grandes artérias do tórax<br />

e do pescoço, nos botões gustativos e nas células olfatórias<br />

do nariz.<br />

rabdomiólise traumática Veja síndrome de esmagamento.<br />

radiação Transferência direta de energia de um objeto<br />

aquecido a um mais frio, por radiação infravermelha.<br />

raiz dorsal Raiz nervosa espinhal responsável pelos impul¬<br />

sos sensoriais.<br />

raiz ventral Raiz nervosa espinhal responsável pelos<br />

impulsos motores.<br />

reação parassimpática aguda por estresse Reduz as fun¬<br />

ções orgânicas e pode resultar em síncope.<br />

reação simpática aguda ao estresse A resposta de "luta ou<br />

fuga", na qual as funções orgânicas são estimuladas e<br />

há mascaramento da dor, dada a liberação de adrena¬<br />

lina e noradrenalina.<br />

reflexo consensual Contração reflexa de uma pupila quando<br />

uma luz forte incide sobre o outro olho. A ausência<br />

de reflexo consensual é considerada um sinal positivo de<br />

lesão cerebral ou ocular.<br />

regra dos nove Divisão topográfica (geralmente em áreas<br />

de 9% e '18%) do corpo, para estimativa da área super¬<br />

ficial corpórea que sofreu queimaduras.<br />

resistência vascular sistémica A quantidade de resistência<br />

ao fluxo de sangue através dos vasos. Aumenta con¬<br />

forme a maior contração dos vasos sanguíneos. Qual¬<br />

quer alteração no diâmetro do lúmen ou na elastici¬<br />

dade do vaso pode influenciar a resistência vascular.<br />

respiração Processo ventilatório e circulatório total envol¬<br />

vido na troca de oxigénio e dióxido de carbono entre a<br />

atmosfera e as células do organismo. Ocasionalmente,<br />

em medicina, seu significado é limitado ao processo<br />

respiratório e às etapas da ventilação.<br />

respiração atáxica Respiração errática, sem ritmo. Comumente<br />

associada a trauma craniano e ao aumento da<br />

pressão intracraniana.<br />

respiração celular O uso de oxigénio pelas células para<br />

produção de energia.<br />

respiração de Cheyne-Stokes Padrão ventilatório patoló¬<br />

gico, com períodos de ventilação lenta e superficial,<br />

passando a rápida e profunda e, então, retornando a<br />

lenta e superficial e daí passando por um curto período<br />

de apneia. Comumente associada a lesão cerebral trau¬<br />

mática e ao aumento da pressão intracraniana.<br />

respiração externa Transferência de moléculas de oxigé¬<br />

nio da atmosfera para o sangue.<br />

respiração interna Movimento ou difusão de moléculas de<br />

oxigénio das hemácias às células teciduais.<br />

resposta de luta ou fuga Resposta de defesa do sistema<br />

nervoso simpático que simultaneamente acelera o<br />

batimento cardíaco e aumenta a força de contração do<br />

coração, contrai as artérias para que a pressão arterial<br />

se eleve e aumenta a frequência ventilatória.<br />

rolamento Movimento de tombamento. Projéteis geral¬<br />

mente tombam, quando a parte da frente encontra<br />

resistência.<br />

rolamento em bloco Modo de rolai- um indivíduo com pos¬<br />

sível lesão em coluna vertebral de um lado ao outro ou<br />

de forma completa, ao mesmo tempo em que a coluna<br />

é protegida, manualmente, da movimentação excessiva<br />

e perigosa. É usado para colocação de doentes com sus¬<br />

peita de instabilidade da coluna vertebral em pranchas<br />

longas.<br />

ruptura diafragmática (herniação diafragmática) Laceração<br />

ou secção do diafragma, de modo que as cavidades,<br />

abdominal e torácica, não mais são separadas, permi¬<br />

tindo que o conteúdo abdominal entre na cavidade<br />

torácica. De modo geral, é resultánte do aumento da<br />

pressão intra-abdominal, gerando uma laceração no<br />

diafragma.<br />

saco durai Membrana fibrosa que recobre o cérebro e conti¬<br />

nua em direção inferior até a segunda vértebra sacral.<br />

SAR (Search and Rescue) Busca e resgate.<br />

SARA Ver síndrome da angústia respiratória aguda.<br />

segurança Avaliação de todos os possíveis perigos para ter<br />

garantias de que não mais existem ameaças ou riscos.<br />

senescência O processo de envelhecimento.<br />

sensibilidade isquêmica Sensibilidade das células de um<br />

tecido à ausência de oxigénio, antes da morte celular.<br />

sepse Infecção que se dissemina pelo corpo todo.<br />

sequência rápida de intubação (SRI) Método de intubação<br />

que inclui recursos farmacológicos para sedação e rela¬<br />

xamento muscular.<br />

sinal de Battle's Descoloração posterior e levemente infe¬<br />

rior ao pavilhão auricular, devido a hemorragia no<br />

tecido subcutâneo provocado por uma fratura basilar<br />

occipital.<br />

sinal de Cullen Equimose ao redor do umbigo.<br />

sinal de Grey Turner Equimose nos flancos.<br />

sinal do cinto de segurança Equimose ou abrasão que<br />

atravessa o tórax ou o abdome, resultante da compres¬<br />

são do tronco contra a proteção no ombro ou o cinto<br />

abdominal.<br />

síncope Desmaio.


GLOSSÁRIO 601<br />

síndrome anterior da medula Dano à porção anterior cia<br />

meclula espinhal, geralmente causado por fragmentos<br />

ósseos ou pressão sobre as artérias espinhais.<br />

síndrome central da medula Dano à porção central da<br />

medula espinhal, geralmente decorrente cla hiperextensão<br />

da área cervical.<br />

síndrome compartimentai Achados clínicos relacionados à<br />

isquemia e ao comprometimento da circulação decor¬<br />

rentes de uma lesão vascular, que provoca hipoxia dos<br />

músculos de um membro. O edema celular produz<br />

aumento de pressão em um compartimento fechado<br />

ósseo ou de uma faseia.<br />

síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) Insufi¬<br />

ciência respiratória resultante de danos aos capilares<br />

e alvéolos do pulmão, levando ao extravasamento cle<br />

fluido nos espaços intersticiais e alvéolos.<br />

síndrome da hipotensão supina Redução na pressão arte¬<br />

rial provocada pela compressão da veia cava pelo útero<br />

gravídico.<br />

síndrome de Brown-Séquard Provocada por uma lesão<br />

penetrante em que há hemitransecção cia medula espi¬<br />

nhal, acometendo apenas um lado do cordão.<br />

síndrome de Don Juan Padrão de lesão observado em víti¬<br />

mas que caem ou pulam cie certa altura, caindo sobre os<br />

pés. Fraturas bilaterais do calcâneo (osso do tornozelo)<br />

são geralmente associadas a esta síndrome. Após cair<br />

em pé, interrompendo o movimento, o corpo é forçado<br />

em flexão, já que peso da cabeça, do torso e da pelve,<br />

ainda em movimento, passa a ser uma carga. Este peso<br />

pode causar fraturas por compressão da coluna verte¬<br />

bral nas áreas torácicas e lombares.<br />

síndrome de esmagamento Consequências fisiológicas<br />

decorrentes do grave trauma muscular após esmaga¬<br />

mento cie parte do corpo sob peso intenso, manifesta¬<br />

das por insuficiência renal e morte.<br />

síndrome de radiação aguda As consequências fisiológicas<br />

da irradiação total do corpo.<br />

sistema de comando do incidente O sistema que define a<br />

cadeia cie comando e organização dos diversos recur¬<br />

sos que respondem a um desastre.<br />

sistema imunológico Grupo cie respostas cie diversos órgãos<br />

e células que protege o corpo cie micro-organismos,<br />

corpos estranhos e tumores. Os principais componen¬<br />

tes do sistema imunológico são a medula óssea, o timo,<br />

os tecidos linfoides, o baço e o fígado.<br />

sistema nervoso autónomo Parte do sistema nervoso cen¬<br />

tral que direciona e controla as funções involuntárias<br />

do corpo.<br />

sistema nervoso parassimpático A divisão do sistema ner¬<br />

voso que mantém as funções orgânicas normais.<br />

sistema nervoso simpático Divisão do sistema nervoso que<br />

produz a resposta cie luta ou fuga.<br />

sístole Contração ventricular.<br />

situação Eventos, relações e papéis das partes que, assim<br />

como o doente, foram envolvidos em uma ocorrência.<br />

A situação (p. ex., briga doméstica, colisão de um único<br />

veículo sem razão aparente, idosos que moram sozi¬<br />

nhos, um tiroteio) é importante na avaliação da cena.<br />

sonda com ponta em tonsila Cateter rígido de aspiração<br />

projetado para a rápida remoção cie grandes quantida¬<br />

des de fluido, vómito, sangue e detritos cia boca e da<br />

faringe, evitando sua aspiração.<br />

sonda de whistle Cateter flexível usada na aspiração da<br />

cavidade nasal, da porção profunda da orofaringe ou<br />

de tubo enclotraqueal; permite a aspiração intermitente<br />

e controlada. Seu nome é derivado cia abertura, similar<br />

à de um apito, localizado na região proximal cia ponta<br />

da soncla. A aspiração não é feita pela ponta distai até<br />

que este orifício seja coberto pelo dedo do operador,<br />

formando um sistema fechado até a abertura na ponta<br />

clistal.<br />

sublimação Observada quando sólidos emitem vapores,<br />

sem passai1pelo estado líquido.<br />

subtriagem Problema originário do não reconhecimento<br />

de doentes gravemente feridos, que são, erroneamente,<br />

levados a um cenLro não especializado em traumas.<br />

supertriagem Encaminhamento erróneo de doentes com<br />

ferimentos mínimos ou não feridos a centros especiali¬<br />

zados em traumas.<br />

suprimento de oxigénio O processo cie transferência de oxi¬<br />

génio da atmosfera às hemácias durante a ventilação<br />

e o transporte dessas hemácias aos tecidos através do<br />

sistema cardiovascular.<br />

tamponamento pericárdico Compressão do coração pelo<br />

acúmulo cie sangue no saco pericárdico, que cerca o<br />

músculo do coração (miocárdio); também ocasional¬<br />

mente denominado tamponamento cardíaco.<br />

taquicardia Frequência cardíaca anormalmente alta, defi¬<br />

nida como superior a 100 batimentos por minuto em<br />

adultos.<br />

taquipneia Aumento da frequência ventilatória.<br />

taxa metabólica basal Número cie calorias que o corpo<br />

queima em repouso, produzindo calor como subpro¬<br />

duto do metabolismo.<br />

tempo de resposta Intervalo cie tempo entre a ocorrência<br />

de um incidente e a chegada dos serviços médicos de<br />

emergência ao local.<br />

tenda cerebelar (tentório) Um dobramento da dura-máter<br />

que recobre o cerebelo. O tentório é parte do assoalho<br />

cia região superior do crânio, imediatamente abaixo do<br />

cérebro.<br />

tendão Uma faixa de tecido fibroso rígido e inelástico que<br />

conecta um músculo a um osso.<br />

tetania Contração ou espasmos musculares cie duração<br />

prolongada.<br />

tórax (cavidade torácica) Cilindro oco sustentado por 12<br />

pares cie costelas que se articulam, posteriormente,<br />

com a coluna vertebral torácica, sendo que 10 pares se<br />

articulam, anteriormente, com o esterno. Os dois pares<br />

menores apresentam articulação somente posterior<br />

(às vértebras) e são denominados costelas flutuantes.<br />

A cavidade torácica é definida e delimitada, inferior¬<br />

mente, pelo diafragma.<br />

tórax instável (retalho costal móvel) Tórax com um seg¬<br />

mento instável, dada a presença cie múltiplas costelas<br />

fraturadas em dois ou mais lugares acompanhada ou<br />

não por fratura cie esterno.<br />

tração da mandíbula Manobra que permite a abertura da<br />

via aérea cie um doente traumatizado enquanto sua<br />

cabeça e sua coluna cervical são mantidas alinhadas<br />

em posição neutra.<br />

tração da mandíbula no trauma Esta manobra permite<br />

a desobstrução da via aérea com pouca ou nenhuma<br />

movimentação da cabeça e da coluna vertebral cervi¬<br />

cal. É realizada posicionando os polegares em cada


602 ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR AO TRAUMATIZADO<br />

arco zigomático e os indicadores e os dedos médios<br />

sob a mandíbula, em mesmo ângulo, empurrando-a<br />

para frente.<br />

transecção medular completa Secção completa da medula<br />

espinhal; todos os tratos espinhosos são interrompi¬<br />

dos, com perda de todas as funções medulares distais<br />

ao sítio de lesão.<br />

transecção medular incompleta Transecção parcial da<br />

medula espinhal em que alguns tratos e funções moto¬<br />

ras/sensoriais permanecem intactos.<br />

tratamento definitivo Tratamento que dá uma solução à<br />

doença ou lesão do doente após o estabelecimento do<br />

diagnóstico definitivo. Tratamento final que é, sem<br />

dúvida, o que um dado doente necessita para resolução<br />

de seu problema.<br />

trato respiratório Via para movimentação de ar entre o<br />

ambiente externo e os alvéolos; inclui a cavidade nasal,<br />

a cavidade oral, a faringe, a laringe, a traqueia, os brôn¬<br />

quios e os pulmões.<br />

tratos nervosos ascendentes Vias nervosas presentes na<br />

medula espinhal, que carreiam impulsos sensoriais de<br />

partes corpóreas até o cérebro.<br />

trauma fechado Trauma não penetrante provocado pelo<br />

impacto de um objeto movimentando-se rapidamente;<br />

ferimento ou hematoma.<br />

trauma fechado medular Lesão ou hemorragia no tecido da<br />

medula espinhal, que também pode resultar na perda<br />

temporária das funções medulares distais à lesão.<br />

trauma fechado miocárdico Hematoma no coração ou no<br />

músculo cardíaco.<br />

trauma fechado pulmonar Trauma fechado dos pulmões.<br />

Pode ser secundário a trauma fechado ou penetrante.<br />

trauma penetrante Trauma resultante da penetração de um<br />

objeto na pele, provocando lesões em estruturas subja¬<br />

centes. Esses traumas geralmente produzem cavidades<br />

permanentes e temporárias.<br />

triagem Palavra de origem francesa que significa "clas¬<br />

sificar"; processo no qual um grupo de doentes é<br />

classificado de acordo com a sua prioridade de necessi¬<br />

dade de atendimento. Na presença de poucos doentes,<br />

a triagem envolve a avaliação de cada indivíduo, dando<br />

prioridade às lesões mais graves e, então, passando aos<br />

problemas menores. Em incidentes com múltiplas víti¬<br />

mas, a triagem é feita pela determinação da urgência e<br />

da possibilidade de sobrevida.<br />

Trendelenburg, posição de Posição em que a cabeça do<br />

doente fica mais baixa e os membros inferiores mais<br />

altos. Em geral, é obtida elevando-se a extremidade<br />

inferior da maca ou da prancha longa acima do nível<br />

da cabeça. Nesta posição (com o abdome mais acima<br />

do que o tórax), o peso do conteúdo abdominal pres¬<br />

siona o diafragma, gerando certa dificuldade ventilatória.<br />

Na posição de Trendelenburg modificada, a cabeça<br />

e o torso ficam na horizontal, e somente as pernas são<br />

elevadas, minimizando a ocorrência de problemas<br />

ventilatories.<br />

tronco cerebral Porção do cérebro que conecta os hemisfé¬<br />

rios cerebrais à medula espinhal.<br />

ulceração pelo frio (frostbite) Congelamento real do tecido<br />

corpóreo resultante da exposição a temperaturas extre¬<br />

mamente baixas.<br />

unco Porção medial do lobo temporal.<br />

vagai Relacionado à estimulação do nervo vago (10- nervo<br />

craniano); resposta do sistema parassimpático reduz a<br />

frequência cardíaca e a força de contração, mantendo o<br />

organismo no limite inferior de trabalho. Essa resposta<br />

normalmente sobrepuja a liberação de substâncias<br />

químicas pelo sistema nervoso simpático, mantendo<br />

a frequência cardíaca em uma variação aceitável. A<br />

estimulação vagai acidental, porém, pode resultar em<br />

bradicardia indesejável, reduzindo ainda mais o débito<br />

cardíaco e a circulação do doente.<br />

vapor Sólido ou líquido em estado gasoso, geralmente visí¬<br />

vel como uma delicada nuvem ou névoa.<br />

velocidade Rapidez e direção do deslocamento de uma<br />

massa.<br />

ventilação Movimento do ar para dentro e fora dos pul¬<br />

mões através do processo normal de ventilação; pro¬<br />

cesso mecânico pelo qual o ai- passa da atmosfera para<br />

o interior do organismo, através da boca, do nariz, da<br />

faringe, da traqueia, dos brônquios e dos bronquíolos<br />

e para dentro e fora dos alvéolos. A ventilação de um<br />

doente é feita por inspirações com pressão positiva<br />

através de um equipamento especial, como bolsa e<br />

máscara, e dando tempo para a ocorrência da expira¬<br />

ção passiva; é usada em doentes apneicos ou que não<br />

conseguem respirar por conta própria.<br />

ventilação gástrica Presença indesejável de ar no esôfago e<br />

até o estômago, em vez de nos pulmões.<br />

ventilação transtraqueal percutânea (VTP) Procedimento<br />

para ventilar um doente, que consiste na inserção de<br />

uma agulha calibre 16 ou maior na luz da traqueia,<br />

através da membrana cricotireoidea, ou, diretamente,<br />

através da parede traqueal.<br />

vértebra Qualquer um dos 33 segmentos ósseos da coluna<br />

vertebral. »<br />

vértebras lombares As cinco vértebras da coluna verte¬<br />

bral localizadas abaixo das vértebras torácicas, são<br />

as maiores e permitem a movimentação em diversas<br />

orientações.<br />

vestimenta pneumática antichoque (PASG) Vestimenta<br />

projetada para colocar pressão em uma área inferior do<br />

corpo e impedir o acúmulo de sangue no abdome e na<br />

pelve. Também denominada calças militares ou médi¬<br />

cas antichoque (MAST).<br />

via aérea desobstruída Via aérea permeável de tamanho<br />

suficiente à troca de volumes normais de ar.<br />

via aérea obstruída não permeabilidade da via aérea.<br />

vigilância Processo de coleta de dados em uma comuni¬<br />

dade, geralmente relacionados a doenças infecciosas.<br />

volatilidade Probabilidade de passagem de sólidos ou<br />

líquidos à forma gasosa em temperatura ambiente.<br />

volume corrente Volume de ar normalmente trocado a cada<br />

ventilação. Cerca de 500 ml de ar são trocados entre<br />

os pulmões e a atmosfera a cada ventilação por indiví¬<br />

duos adultos saudáveis em repouso.<br />

volume-minuto Quantidade de ar trocada a cada minuto;<br />

calculado pela multiplicação do volume de cada ven¬<br />

tilação (volume corrente) pelo número de ventilações<br />

por minuto (frequência ventilatória)<br />

volume residual Ar que permanece preso nos alvéolos e<br />

brônquios, não podendo ser exalado, mesmo à força.


GLOSSÁRIO 603<br />

da contaminação, onde pacientes expostos são descon-<br />

taminados pela equipe responsável.<br />

zona quente Área geográfica de maior contaminação por<br />

um material perigoso; somente profissionais espe-<br />

cialmente treinados e equipados podem entrar nesta<br />

área.<br />

volume sistólico Volume de sangue bombeado a cada contração<br />

(débito) do ventrículo esquerdo.<br />

zona fria Area geográfica livre da contaminação por material<br />

perigoso.<br />

zona morna Área geográfica de menor contaminação de<br />

material perigoso e localização do corredor de redução


S<br />

índice<br />

A<br />

Abdome, 122-123<br />

Abordagem da saúde pública para a<br />

prevenção de lesões, 26-27<br />

Abrasão da córnea, 230<br />

Abuso, 130<br />

Abuso ao idoso, 411, 417-418, 419Í<br />

Abuso infantil, 369-370, 396-398, 524<br />

Acervo de conhecimentos do socorrisla,<br />

36-37<br />

Acesso intraósseo (BIG), 204<br />

Acesso intravenoso, 203<br />

Acesso vascular intraósseo, 203-204, 213-<br />

214<br />

Acesso venoso, 203-204, 213-214, 391-392<br />

Acidente, 3, 23<br />

Acidente de trabalho, 19, 29<br />

Acidentes com veículos motorizados, 52-53<br />

airbags, 60<br />

capotamento, 57-58<br />

cinto de segurança, 59-60<br />

impacto frontal, 52-54<br />

impacto lateral, 56-57<br />

impacto rotacional, 57<br />

impacto traseiro, 54-56<br />

incompatibilidade de veículos, 58-59<br />

lesões em pedestres, 62-63<br />

três colisões, 52<br />

Acidentes de motocicleta, 61<br />

Acido cianídrico, 460<br />

Acido lluorídrico, 372<br />

Ácidos, 370<br />

Aclimatação ao calor, 494-495, 497-498f,<br />

497f<br />

Acondicionamento, 125<br />

Aconselhamento e prevenção no local. 28<br />

Aerossol, 459<br />

AESP. Ver Atividade elétrica sem pulso<br />

(AESP)<br />

Afeganistão, 80<br />

Afogamento, 522. Ver Incidentes de<br />

submersão<br />

Afogamento em mergulho com apneia, 523<br />

Afogamento secundário, 522<br />

Agentes anti-inflamalórios não hormonais,<br />

414<br />

Agentes biológicos, 463-468<br />

Agentes heinostáticos, 201<br />

Agentes heinostáticos tópicos, 201<br />

Agentes hipoglicemianlos, 414<br />

Agentes incendiários, 458<br />

Agentes nervosos, 461-462<br />

Agentes químicos, 459-463<br />

Agentes vesicanles, 372, 463<br />

AgHBs. Ver Antígcno de superfície de<br />

hepatite B AgHBsVHB. Ver Hepatite<br />

B (VHB)<br />

Os números de página seguidos de f indi¬<br />

cam figuras.<br />

Airbag, 60, 3801"<br />

Albumina, 205<br />

Algoritmo da triagem SALT, 107f<br />

Algoritmo de avaliação, 120-121f<br />

Algoritmo de resposta ao trauma, 4291"<br />

Algoritmo de tratamento da via aérea, 1401"<br />

Algoritmo para avaliação primária, 349f<br />

Algoritmo para conduta em choque, 209f<br />

Alívio de ansiedade, 347<br />

Altitude extrema, 550<br />

Altitude muito elevada, 550<br />

Altura uterina, 3281"<br />

Alvéolo, 136, 293, 293f<br />

Ambiente austero, 434<br />

Ameaças de bomba (distâncias seguras de<br />

evacuação), 98f<br />

Amónia, 462<br />

Amputação, 347-348<br />

Amputação pré-hospitalar, 348, 350f<br />

Anastomoses, 502<br />

Anemia, 227<br />

Anidrose, 486<br />

Anisocoria, 124<br />

Anos potenciais de vida perdidos (APVP),<br />

18<br />

Ansiólise, 347<br />

Anticoagulantes, 414<br />

Antígcno de superfície de hepatite B<br />

(AgHBs). 92<br />

Antilevvisita britânico (ALB), 463<br />

Antraz, 465-466<br />

Antraz cutâneo, 465<br />

Antraz gastrointestinal, 465-466<br />

Antraz por inalação, 465<br />

Aorta abdominal, 320<br />

Aorta descendente, 308f<br />

Apêndice vermiforme, 319f<br />

Aplicação da prancha longa em pé, 273-<br />

276<br />

Apoio de cabeça, 56, 561"<br />

Apoplose, 223<br />

Aprendizado independente, 443<br />

Aptidão física, 493-494, 496f<br />

Arco aórtico, 1841", 308f<br />

Arcos neurais, 247<br />

Área de contato, 48-49<br />

Área de tratamento, 441<br />

Armas de alta energia, 72-73<br />

Armas de baixa energia, 71-72<br />

Armas de destruição em massa, 97,<br />

440-441. Ver Explosão e armas de<br />

destruição em massa<br />

Armas de energia média, 72<br />

Armas de fogo, 73f<br />

Armazenamento de drogas dos SME em<br />

temperaturas extremas, 500<br />

Armazenamento de drogas em<br />

temperaturas extremas, 500<br />

Artéria anterior, 1841"<br />

Artéria aorta, 1841"<br />

Artéria arqueada, 184f<br />

Artéria axilar, 184f<br />

Artéria braquial, 184f<br />

Artéria braquiocefálica, 1841"<br />

Artéria carótida comum direita, 184f<br />

Artéria carótida comum esquerda, 1841"<br />

Artéria carótida externa, 1841"<br />

Artéria carótida interna, 1.841'<br />

Artéria celíaca, 184f<br />

Artéria coronária direita, 1841'<br />

Artéria coronária esquerda, 184f<br />

Artéria digital, 184f<br />

Artéria dorsal do pé, 1841"<br />

Artéria esplénica, 184f<br />

Artéria facial, 184f<br />

Artéria femoral, 184f<br />

Artéria fibular, 184f<br />

Artéria ilíaca comum, 184f<br />

Artéria ilíaca externa, 184f, 320<br />

Artéria ilíaca interna, 1841"<br />

Artéria mesenlérica interior, 184f<br />

Artéria mesenlérica superior, 184f, 320<br />

Artéria metatarsiana dorsal, 184f<br />

Artéria poplílea, 1841'<br />

Artéria pulmonar, 1841'<br />

Artéria radial, 1841'<br />

Artéria renal, 1841"<br />

Artéria subclávia esquerda, 184f<br />

Artéria tibial posterior, 1841"<br />

Artéria ulnar, 1841'<br />

Artérias, 184f<br />

Asfixia, 77, 538 ,<br />

Asfixia traumática, 309, 310f<br />

Asfixiantes, 367-368<br />

Aspiração, 141-142<br />

Aspirina, 554<br />

Assento infantil, 284-285<br />

Assentos de segurança infantil, 4<br />

Ataduras pélvicas, 3451'<br />

Ataque terrorista por bomba em Madri<br />

(2004), 441f<br />

Atendimento ao trauma em áreas remotas,<br />

561-577<br />

coluna cervical, 565-566<br />

evacuações improvisadas, 566-567<br />

fechando feridas em áreas remotas, 571<br />

hemostasia, 570<br />

luxação, 571<br />

necessidades fisiológicas, 568<br />

padrões de lesão, 564<br />

parada cardiorrespiratória em áreas<br />

remotas, 572<br />

picada de abelha, 572-573<br />

picada de cobra, 573-575<br />

prevenção de lesão. 570-571<br />

proteção solar, 569<br />

requisitos de alimentação e água, 568<br />

segurança, 564-565<br />

tratamento de feridas, 569<br />

uso da prancha longa, 568-569<br />

605


606 ÍNDICE<br />

Atendimento de Emergência e Transporte<br />

do Doente e do Acidentado. 8<br />

Atendimento em desastres, 431-448<br />

área de tratamento, 441<br />

armadilhas, 443-445<br />

atendimento emergencial abrangente,<br />

433-434<br />

auloatendimenlo, 444<br />

busca e resgate, 437-438<br />

comunicações, 444<br />

descontaminação, 441<br />

ciclo do desastre, 432-433<br />

educação e treinamento, 443<br />

equipes de assistência médica, 440<br />

estresse do trabalhador, 442-443<br />

etapas do processo, 4371"<br />

Falha na notificação a hospitais, 445<br />

kit alimentar, 4361'<br />

kit de primeiros socorros, 436f<br />

lista de suprimentos de emergência, 4351"<br />

preocupações médicas, 434<br />

prontidão, 434, 444<br />

questões de saúde pública, 434<br />

recursos de suprimento e equipamento,<br />

444-445<br />

resposta inicial. 437<br />

mídia, 445<br />

resposta psicológica, 441-443<br />

SCl, 436<br />

segurança da cena, 444<br />

terrorismo/ADMs, 440-441<br />

transporte, 440<br />

tratamento, 439<br />

triagem, 438-439<br />

Atendimento pré-hospitalar ao<br />

traumatizado (PHTLS)<br />

ciência e arte, 33-41<br />

filosofia, 2, 35<br />

fundamento, 37<br />

objetivo, 9<br />

preferências, 35<br />

princípios de ouro. Ver Princípios de<br />

ouro do atendimento pré-hospitalar<br />

princípios, 35<br />

terminologia da avaliação, lllf<br />

Atendimento tático pré-hospitalar, 37,<br />

584-585<br />

Atenuação, 433<br />

Aterosclerose, 408<br />

Ativan, 462<br />

Atividade elétrica sem pulso (AESP), 129,<br />

305<br />

Atropina, 150f, 461<br />

Ausência de pulso, 350f<br />

Auloatendimenlo, 444<br />

Avaliação ABCDE<br />

avaliação primária, 112-117<br />

choque, 193-197<br />

lesão cerebral traumática, 228-229<br />

queimaduras, 360-361<br />

trauma geriátrico, 411-412<br />

trauma pediátrico, 382-387<br />

Avaliação da cena, 88-89<br />

Avaliação e tratamento do doente, 109-132<br />

abdome, 122-123<br />

abordagem ABCDE, 112-117<br />

abuso, 130<br />

algoritmo de avaliação, 120-1211'<br />

avaliação primária (avaliação inicial),<br />

111-117<br />

avaliação secundária, 119-124<br />

cabeça, 121, 122f<br />

comunicação, 128<br />

controle de hemorragia, 114-115<br />

ECG, 116<br />

empacotamento, 125<br />

esquema de triagem pré-hospitalar, 126<br />

estabilização da coluna cervical, *112-113<br />

exame neurológico, *124<br />

exposição/ambiente, 117<br />

extremidades, *124<br />

histórico SAMPLE, 121<br />

impressão geral, 112<br />

incapacidade, 115-1*17<br />

intervenção limitada na cena, 117-118<br />

moniloramento e reavaliação, 126-128<br />

parada cardiopúlmonar traumática, 128-<br />

*129<br />

pelve, 124<br />

perfusão, 115<br />

período de ouro, 110<br />

pescoço, 122,123f<br />

prioridades, *111<br />

reanimação, 117-119<br />

respiração (ventilação), 113-114<br />

RTS, 125-126<br />

sinais vitais, *119-12*1<br />

terapia líquida, 118-119<br />

terminologia, lllf<br />

tórax, 122<br />

transporte, 1*18, 125, 126, *130-131<br />

transporte prolongado, 130-131<br />

tratamento da dor, *129-130<br />

ver, ouvir, sentir, 119<br />

via aérea, 112-113<br />

Avaliação LEMON, *145, *146-1471'<br />

Avaliação primária (avaliação inicial), 111-<br />

117<br />

Avaliação secundária, 119-124<br />

Avaliação simultânea, 1*18f<br />

Avaliação ullrassonográfica direcionada ao<br />

trauma (FAST), 326<br />

AVDI, 116-117, 388<br />

Aventais, 94<br />

B<br />

Baço, 3191'<br />

Balas, 77<br />

Bandagem israelense para traumas, 215<br />

Banks, Sam, 7<br />

Barodontalgia, 534<br />

Barorreceplores, 295 '<br />

Barotrauma, 533-536<br />

Barotrauma da orelha interna, 535<br />

Barotrauma pulmonar, 536<br />

Barotrauma sinusal, 535<br />

Bases, 370<br />

Batalha de Bull Run, 7<br />

Bebidas isolônicas, 4921'<br />

Benzodiazepínicos, 347<br />

Betabloqueadores, 4*14<br />

BIG. Per Acesso intraósseo (BIG)<br />

Biomecânica, 45<br />

Biomecânica do trauma, 43-85<br />

área de conlato, 48-49<br />

avaliação, 82<br />

cavitação, 49-50<br />

densidade, 48<br />

energia, 45-50<br />

lesões por impacto, 79-82<br />

princípios gerais, 45<br />

trauma fechado. Ver Trauma fechado<br />

trauma penetrante. Per Trauma<br />

penetrante<br />

Bloqueadores do canal de cálcio, 4*14<br />

Bola mestra, 49<br />

Bolhas, 3581'<br />

Bolsa-máscara, 153<br />

Bomba suja, 441<br />

Bombas secundárias, 99<br />

Botulismo, 468<br />

Botulismo alimentar, 468<br />

Botulismo de ferida, 468<br />

Botulismo intestinal, 468<br />

Botulismo por inalação, 468<br />

Boyd, David, 8<br />

Bradiassistolia, 129<br />

Bradipneia, *113<br />

Bronquíolos, 136<br />

Brônquios principais, 1351", 136<br />

Brotoeja, 483<br />

Bulbo olfativo, 22"lf<br />

Busca de literatura computadorizada, 1Of<br />

Busca e resgate, 434, 437-438<br />

Bush, George W., 100<br />

c<br />

Cabeça, 121, 1221'<br />

Cãibras musculares (calor), 483, 4841"<br />

Canal anal, 3191'<br />

Canal hipoglosso, 2(19f<br />

Canal óptico, 2*191'<br />

Cânula King. 168-169<br />

Cânula nasofaríngea (CNF), 143, 1431", "162-<br />

163<br />

Cânula orofaríngea (COF), 143, *143f<br />

Cânulas supraglólicas, 143-144, 143f, 166-<br />

169<br />

Capacetes, 4<br />

Capacidade pulmonar total (CPT), 2951"<br />

Capilares, 293, 293f<br />

Capnografia, 155, 297<br />

Capotamento, 57-58<br />

Carcinoma hepatocelular, 921'<br />

Caroline, Nancy, 8<br />

Carroll, Robert, 39<br />

Cartilagem aritonoide, *136f<br />

Cascavel, 574f<br />

Catarata, 409<br />

Categorias das lesões por explosão, 81f,<br />

456r<br />

Causas de mortalidade relacionadas à<br />

lesão, 17<br />

Cavidade nasal, "135f<br />

Cavidade oral, 136f<br />

Cavidade peritoneal, 318<br />

Cavidade permanente, 50<br />

Cavidade temporária, 49<br />

Cavitação, 49-50, 73


It<br />

ÍNDICE 607<br />

Ceco, 3191"<br />

Cefazolina, 352<br />

Cegueira da neve, 501<br />

Cegueira dupla, 9<br />

Cena, 87-108<br />

ADM, 97<br />

condições de tempo/iluminação, 89<br />

crime, 96-97<br />

descontaminação, 97-99<br />

design de estradas, 90<br />

dispositivos secundários, 99<br />

estrutura de comando, 99-101<br />

materiais perigosos, 94-96, 97-99<br />

PAIs, 101<br />

patógenos transmitidos pelo sangue,<br />

92-94<br />

posicionamento do veículo e dispositivos<br />

de advertência, 90-91<br />

precauções padrão, 93-94<br />

segurança do trânsito, 89<br />

trajes refletivos, 90<br />

triagem, 101-107<br />

violência, 91-92<br />

zonas do controle da cena, 97, 98i"<br />

Cena do crime, 96-97<br />

Cena violenta, 91-92<br />

Centro termorregulalório, 479<br />

Ceralile solar, 501<br />

Cerebelo, 220f, 221, 221f<br />

Cérebro, 220-221, 2201", 2211'<br />

Cetamina, 347<br />

Champion, Howard, 8, 125<br />

Choque, 179-216, 423f<br />

acesso vascular, 203-204, 213-214<br />

algoritmo, 208f, 2091'<br />

avaliação, 192-197<br />

avaliação AI3CDE, 193-197<br />

avaliação primária, 193-197<br />

avaliação secundária, 195-196<br />

circulação, 194-195, 198-201<br />

complicações, 191-192<br />

coração, 182-183<br />

definição de, 180<br />

exposição do corpo e ambiente, 198, 201-<br />

203<br />

fatores de confusão, 196-197<br />

fisiologia, 181-182<br />

habilidades específicas (ilustrações),<br />

212-216<br />

hemorragia, 194, 198-201, 207<br />

incapacidade, 195, 201<br />

lesões musculoesqueléticas, 196<br />

perguntas a fazer, 198<br />

princípio de Fick, 182<br />

reanimação volômica, 204-207, 208f<br />

sangue, 185-186<br />

sinais vitais, 195-196<br />

sinais/sintomas, 189Í"<br />

sistema nervoso, 186<br />

tipos, 187-191<br />

torniquete, 209-211, 211f, 215-216<br />

transporte, 203, 207-210<br />

transporte prolongado, 207-210<br />

tratamento, 197-207<br />

vasos sanguíneos, 184-185<br />

ventilação, 193-194, 198<br />

via aérea, 198<br />

'<br />

Choque anafilático, 190<br />

Choque cardiogênico, 190-191<br />

Choque distributivo, 189<br />

Choque frio, 506f<br />

Choque hemorrágico, 187-188<br />

Choque hipovolêmico, 187<br />

Choque medular, 253<br />

Choque neurogênico, 189-190<br />

Choque psicogênico, 190<br />

Choque séptico, 190<br />

Choque vasogênico, 189<br />

Choque vasovagal, 190<br />

Chumbinho, 77, 781'<br />

Chumbo de grosso calibre, 77, 78f<br />

Cianida, 460<br />

Cianose, 296, 301f<br />

Ciclo de Krebs, 181<br />

Ciclo do desastre, 432-433<br />

Cifose, 409, 4091"<br />

Cílios. 407<br />

Cimento, 372<br />

Cintos de segurança, 59-60, 380f<br />

Circulação<br />

avaliação primária, 114-115<br />

choque, 194-195, 198-201<br />

lesão cerebral traumática, 228, 237<br />

queimaduras, 360-361<br />

trauma geriátrico, 412, 416<br />

trauma pediátrico, 385-386, 391<br />

trauma torácico, 295<br />

Cisalhamento, 51<br />

abdome, 69-70<br />

cabeça, 66<br />

pescoço, 66<br />

tórax, 68<br />

Clavícula, 335f<br />

Cloreto 2-PAM, 461<br />

Cloreto de pralidoxima, 461<br />

Coagulopatia, 191<br />

Cobra cabeça de cobre (copperhead), 574f<br />

Cobra cascavel, 574f<br />

Cobra coral, 573<br />

Cobra water moccasin (cotlonmouth), 574f<br />

Cóccix, 249<br />

Colapso associado ao esforço, 484-485<br />

Colar cervical, 259, 267-268<br />

Colares cervicais rígidos, 259, 267-268<br />

Colisão, 45<br />

Colisão de impacto angular, 61<br />

Colisão frontal, 61<br />

Colisões com impacto rotacional, 57<br />

Colisões de impacto frontal, 52-54<br />

Colisões de impacto lateral, 56-57<br />

Colisões por impacto traseiro, 54-56<br />

Colocação de lalas, 342, 343f<br />

Cólon ascendente, 319f, 320<br />

Cólon descendente, 3'19f, 320<br />

Cólon sigmoide, 319f<br />

Coluna cervical, 335f<br />

Coluna lombar, 335f<br />

Coluna torácica, 335f<br />

Coluna vertebral, 247-249<br />

Comandante da triagem, 438<br />

Comandante do sistema de incidentes, 100,<br />

449<br />

Comandos estatutários, 26<br />

Combilube, 166-167<br />

Comité de Cuidados a Vítimas de Combate<br />

Tático (TCCC), 37<br />

Como fazer. Ver Registros sobre<br />

"habilidades específicas"<br />

Comoção cardíaca, 306-307<br />

Complacência, 29<br />

Compressão, 51<br />

abdome, 68-69<br />

cabeça, 66<br />

pescoço, 66<br />

tórax, 68-70<br />

Compressão, 533<br />

Compressão axial, 253<br />

Compressão da máscara de mergulho, 533<br />

Compressão da orelha média, 534-535<br />

Compressão medular, 253<br />

Compressão sinusal, 535<br />

Concussão cerebral, 232<br />

Concussão medular, 253<br />

Condição do doente, 36<br />

Condições ameaçadoras à vida, 4241'<br />

Condições de tempo/iluminação, 89<br />

Condução, 480<br />

Cone de pressão, 225<br />

Cones refletivos, 90, 91f<br />

Congelamento, 502-504, 503, 515<br />

Congelamento de primeiro grau, 503<br />

Congelamento de quarto grau, 503<br />

Congelamento de segundo grau, 503<br />

Congelamento de terceiro grau, 503<br />

Congelamento profundo, 503<br />

Congelamento superficial, 503,<br />

Constrição da pupila, 1241"<br />

Consulta médica, 581<br />

Consumo de oxigénio, 128<br />

Contaminação primária, 459<br />

Contaminação secundária*459<br />

Contato com respingos, 542<br />

CONTOMS. Ver Suporte médico<br />

operacional contra narcóticos e<br />

terrorismo, (CONTOMS)<br />

Contusão cardíaca, 304-305<br />

Contusão medular, 253<br />

Contusão pulmonar, 296, 298<br />

Contusões cerebrais, 235<br />

Convecção, 480<br />

Convenção de Haia de 1899, 73<br />

Convulsões, 227<br />

Cor da pele, 115, 194-195<br />

Coração, 182-183<br />

Coração direito, 183<br />

Coração esquerdo, 183<br />

Corda vocal, 1361'<br />

Cordas para resgate, 5291'<br />

Cornetos, 123f, 136f<br />

Corrente terra, 545<br />

Costelas, 335f<br />

Costelas flutuantes, 292<br />

Cowley, R. Adams, 5, 110, 181, 422<br />

CPT. Ver Capacidade pulmonar total (CPT)<br />

Crepitação articular, 337<br />

Crestadura, 500<br />

Crianças. Ver Trauma pediátrico<br />

abuso, 369-370, 396-398<br />

crânio, 218


608 ÍNDICE<br />

doença da altitude, 553f<br />

gravidade das lesões, 425<br />

queimaduras, 361, 365, 369-370<br />

trauma na coluna, 261-262, 284-287<br />

Cricolireoidoslomia cirúrgica, 152, 176-177<br />

Cricolireoidoslomia por agulha, 176-177<br />

Curativo hemostático, 364f<br />

Curry, George, J., 7<br />

Custo do atendimento, 2<br />

Cyanokit, 368<br />

D<br />

DAE. Ver Descarte de Artilharia Explosiva<br />

DAM. Ver Doença aguda de montanha<br />

(DAM)<br />

Dano ao músculo cardíaco, 190<br />

DC. Ver Débito cardíaco (DC)<br />

DD. Ver Doença de descompressão (DD)<br />

DD tipo 1, 538, 538f, 539<br />

DD tipo II, 538, 538Í, 539<br />

Débito cardíaco (DC), 184<br />

Declaração de S. Pelerburgo de 1868, 73<br />

Declaração no leito de morte, 97<br />

Decorticação, postura de, 116, 225<br />

Defesa do doente, 587<br />

Defesa involuntária, 324<br />

Defesa voluntária, 324<br />

Deformidades por luxação articular, 338f<br />

Densidade, 48<br />

Densidade da água, 48<br />

Densidade do ar, 48<br />

Densidade sólida, 48<br />

Densidades teciduais, 48<br />

Dermalomos, 251, 252f<br />

Derme, 357, 3571", 479<br />

Desastre, 432<br />

Desastre nuclear de Chernobyl, 469<br />

Desastres radiológicos, 469-473<br />

Descarte de Artilharia Explosiva (DAE),<br />

581<br />

Descerebração, postura de, 116, 225<br />

Descompressão axial, 259<br />

Descompressão da cavidade torácica por<br />

agulha, 302, 314-316<br />

Descontaminação, 97-99, 441, 452<br />

Desidratação, 482-483, 484Í, 500<br />

Desidratação voluntária, 482<br />

Design das estradas, 90<br />

Deslocamento inferior, 53-54<br />

Deslocamento superior, 52-53<br />

Desnaturação, 357<br />

Desviadores de tráfego, 77<br />

Desvio de traquina, 30'lf<br />

Detector manual de dióxido de carbono<br />

expirado, "155 f<br />

Dextran, 205<br />

Diafragma, 68, 123f, 292, 293f, 319f, 320<br />

Diamox, 554<br />

Diástole, 183, 184<br />

Diazepam, 461<br />

Dilatação da pupila, 124f<br />

Dióxido de carbono expirado (ETCO.,), 155<br />

Direlrizes de atividades físicas, 496f<br />

Dirigir embriagado, 4<br />

Disco intervertebral, 248f, 251<br />

Dispositivo de extricação de Kendrick<br />

(KED), 277<br />

Dispositivo de imobilização infantil, 286-<br />

287<br />

Dispositivo EZ 10, 204, 204f<br />

Dispositivo para rebocar, 529f<br />

Dispositivos de dispersão de radiação, 469<br />

Dispositivos de sinalização de tráfego, 911'<br />

Dispositivos ventilatórios, 152-153<br />

Disritmia, 190<br />

Distância de parada, 47<br />

Distensão gástrica, 385<br />

Distensões, 351-352<br />

Diurese induzida pelo frio, 500<br />

Doação de órgãos, 239<br />

Dobras na pele, 538<br />

Dobras vestibulares, 134<br />

Doença aguda de montanha (DAM), 551-<br />

552, 553f<br />

Doença de descompressão (DD), 537-539<br />

Doença de descompressão cutânea, 538<br />

Doença de grandes altitudes, 549-556<br />

condições médicas pré-existentes, 551,<br />

551f<br />

crianças, 5531'<br />

dados científicos, 5501'<br />

DAM, 551-552, 553f<br />

ECGA, 552, 5531'<br />

EPGA, 552-554<br />

epidemiologia, 549-550<br />

fatores a considerar, 550-551<br />

hipoxia hipobárica, 550<br />

medicações, 553f, 554<br />

prevenção, 553f, 554<br />

sinais/sintomas, 553f<br />

transporte prolongado, 555-556<br />

tratamento, 5531"<br />

Doença relacionada à altitude. Ver Doença<br />

de grandes altitudes<br />

Doença relacionada ao frio, 500<br />

desidratação, 500<br />

doenças principais, 501-510<br />

doenças secundárias, 500, 501<br />

epidemiologia, 478-479<br />

hipotermia. Ver Hipotermia<br />

prevenção, 511-513<br />

transporte prolongado, 515<br />

úlcera pelo frio (congelamento), 502-504,<br />

515<br />

Doenças relacionadas ao calor, 481-498<br />

aclimatação ao calor, 494-495, 497-4981",<br />

497f<br />

algoritmo de tratamento, 4891"<br />

desidratação, 482-483<br />

doenças principais, 484-489<br />

doenças secundárias, 483-484<br />

epidemiologia, 478<br />

exaustão por calor, 4841', 485-486<br />

fatores de risco, 481-482, 481f<br />

hiponatremia, 484f, 487-489, 514-515<br />

índice de estresse de calor, 492f<br />

índice VVGTB, 492-493<br />

intermação, 4841", 486-487, 514<br />

prevenção, 489-499<br />

reabilitação de incidente de emergência,<br />

495-498, 499f<br />

transporte prolongado, 514-515<br />

Doente com trauma multissistêmico,lllf,<br />

423<br />

Doente crítico de trauma, 1181'<br />

Doente de câncer, 2<br />

Doente de trauma cm único órgão, lllf<br />

Dor à descompressão, 324<br />

Dor fantasma, 348f<br />

Dormonid, 1501", 347<br />

Doutrina de Monro-Kellie, 223, 224, 2241"<br />

Dueto alveolar, 135f<br />

Dueto biliar, 320<br />

DUMBELS, mneumônica, 461<br />

Duodeno, 320<br />

Duramaler, 218, 2191'<br />

E<br />

EAMDs. Ver Equipes de assistência médica<br />

para desastres (EAMDs)<br />

ECG. Ver Escala de Coma de Glasgow<br />

(ECG)<br />

EGGA. Ver Edema cerebral de grande<br />

altitude (ECGA)<br />

Eclâmpsia, 329<br />

Economia da lesão, 18<br />

Edema cerebral, 225<br />

Edema cerebral de grande altitude (ECGA),<br />

552, 5531<br />

Edema por calor, 483<br />

Edema pulmonar de grande altitude<br />

(EPGA), 552-554<br />

Edelato de dicobalto, 368<br />

Educação e treinamento para desastres, 443<br />

Educação, 25-26<br />

Efeito de massa, 223<br />

Efeito do saco de papel. 67-68, 68f<br />

Efeito dominó, 49<br />

Efeito fole. 69<br />

Elasticidade, 50<br />

Elevação do queixo no trauma, 141, 1411",<br />

159 ,<br />

Embolia gasosa arterial (EGA), 536-537,<br />

539<br />

EMS Agenda for lhe Future, 16, 28<br />

Encefalopatia hiponatrêmica associada ao<br />

exercício (EHAE), 488, 489<br />

Encefalopatia hipóxica, 149<br />

Enchimento, 77<br />

Endoflalmite, 231<br />

Endotélio capilar, 2931"<br />

Energia, 19-20, 45-40<br />

Energia cinética, 47<br />

Energia de radiação, 20<br />

Energia elétrica, 20<br />

Energia mecânica, 19<br />

Energia química, 20<br />

Energia térmica, 20<br />

Enfisema mediastinal, 536<br />

Enfisema subcutâneo, 536<br />

Engenharia, 26<br />

Envelhecimento, 405-410. Ver lambem<br />

Trauma geriátrico<br />

Envenenamento por cianida, 367-368<br />

EPGA. Ver Edema pulmonar de grande<br />

altitude (EPGA)<br />

EPI. Ver Equipamento de proteção<br />

individual (EPI)<br />

Epiderme, 357, 357f, 479<br />

Epiglote, 134, 136f<br />

Epitélio alveolar, 293f


ÍNDICE 609<br />

Época do Larrey, 6-7<br />

Equilíbrio de temperatura, 479<br />

Equilíbrio térmico, 479<br />

Equimose periorbitária, 230<br />

Equipamento de proteção individual (EPI),<br />

93-94. 97<br />

desastre radiológico, 472<br />

episódios de ADM, 450, 459<br />

níveis, 450. 451f, 459<br />

vestir/remover, 4641'<br />

Equipamento de proteção individual nível<br />

A, 450, 451í, 459<br />

Equipamento de proteção individual nível<br />

13,450,45'lf, 459<br />

Equipamento de proteção individual nível<br />

C, 450, 4511', 459<br />

Equipamento de proteção individual nível<br />

D. 450, 451f, 459<br />

Equipamento disponível, 37<br />

Equipamento para proteção do paciente<br />

dentro d'agua, 5291'<br />

Equipes de assistência médica para<br />

desastres (EAMDs), 440<br />

Era Farrington, 7<br />

Eritema por calor, 403<br />

Escala de Coma de Glasgow (ECG), 0, 116,<br />

116f, 228<br />

Escápula, 335f<br />

Escarotomias, 366, 367f<br />

Escore de trauma (TS), 125<br />

Escore de trauma pediátrico (PTS), 387-388<br />

Escore de trauma revisado (RTS), 125-126,<br />

387<br />

Esôfago, 123f, 1361', 320<br />

Espaço epidural, 218, 219f<br />

Espaço morto, 136, 2951'<br />

Espaço pleural, 293f<br />

Espaço retroperineal, 318<br />

Espaço subaracnoide, 2191'<br />

Espaço subdural, 2191', 220<br />

Espingardas, 77<br />

Esqueleto, 335f<br />

Esqueleto humano, 335f<br />

Esquema de decisão de triagem, 126<br />

Esquema de triagem pré-hospitalar, 126<br />

Estabilização da coluna cervical, '112-113<br />

Estabilização e alinhamento manual da<br />

cabeça, 258-259<br />

Estatística mundial relacionada à lesões,<br />

17<br />

Estenose medular, 410<br />

Esterno, 123f, 3351'<br />

Estimativa do tamanho da queimadura,<br />

361-362<br />

Estômago, 3191'<br />

Estradas rurais, 90<br />

Estratégias ativas, 25<br />

Estratégias de prevenção de lesões, 24-25f,<br />

25<br />

Estratégias passivas, Paleia, 3351'<br />

Estreitamento gastrointestinal (GI), 535,<br />

536<br />

Estrela Azul da Vida, 8<br />

Estresse dos profissionais, 442-443<br />

Estrutura de comando, 99-101<br />

ETCO., Ver Dióxido de carbono expirado<br />

(ETCO,)<br />

Etiquetas de triagem, 104f<br />

Etomidato, 150f<br />

Eupneia, 114<br />

Evacuação, 434<br />

Evacuação em combate, 37<br />

Evacuação médica (MEDEVAC), 37<br />

Evacuação lática de campo, 585<br />

Evaporação, 480<br />

Evidência classe I,9<br />

Evidência classe II, 9<br />

Evidência classe III, 9<br />

Evidência, 9<br />

Evidência Forense, l'17f<br />

Evidência médica, 9<br />

Evisceração, 327<br />

Evisceração abdominal, 327<br />

Exalação, 293<br />

Exame neurológico, *124<br />

Exaustão por calor, 4841", 485-486<br />

Exaustão por calor induzida pelo esforço,<br />

485<br />

Exercícios teóricos, 443<br />

Expiração, 293<br />

Explosão e armas de destruição em massa,<br />

440-441, 447-475<br />

agentes biológicos, 463-468<br />

agentes incendiários, 458<br />

agentes químicos, 459-463<br />

avaliação da cena/SCI, 448-450<br />

avaliação e conduta, 458, 459-460, 472<br />

desastres radiológicos, 469-473<br />

descontaminação, 452<br />

EPI, 450, 45lf,459, 4641', 472<br />

explosões e explosivos, 452-458<br />

mecanismos da lesão, 454-456<br />

padrão de lesão, 457-458<br />

transporte, 458, 460, 472<br />

triagem, 450-452<br />

Explosivos, 454<br />

Explosivos de baixa intensidade, 454<br />

Explosões e explosivos, 452-458<br />

Exposição adequada, 78<br />

Exposição do corpo. Ver Exposição/<br />

ambiente<br />

Exposição do corpo inteiro, 470<br />

Exposição/ambiente<br />

avaliação primária, 117<br />

choque, 195, 201-203<br />

lesão cerebral traumática, 229<br />

queimaduras, 361<br />

trauma geriátrico, 412<br />

trauma pediátrico, 387<br />

Exposições mucoculâneas,'92<br />

Exposições percutâneas, 92<br />

Extremidade lacerada, 351, 352<br />

Extricação rápida, 280-283<br />

F<br />

FASTI, 204<br />

Face, 122F<br />

Falanges, 3351"<br />

Faringe, 123f, 134, 135f<br />

Farrington, J. D. "Deke", 7<br />

Fáscia muscular, 349<br />

Fase de impacto, 433<br />

Fase de impacto, 45<br />

Fase de recuperação, 433<br />

Fase de resgate, 433<br />

Fase do evento, 4-5<br />

Fase pós-acidente, 45<br />

Fase pós-evenlo, 5-6<br />

Fase pré-acidente, 45<br />

Fase pré-evenlo, 3-4<br />

Fase pródroma, 432<br />

FAST. Ver Avaliação ultrassonográfica<br />

direcionada a trauma (FAST)<br />

Fator de proteção solar (FPS), 569<br />

FB. Ver Fósforo branco (FB).<br />

Fémur, 335f<br />

Fenómeno da pressão, 454<br />

Fenómeno de Cushing, 225<br />

Fentanil, 150f, 347<br />

Ferida torácica aspirativa, 299<br />

Ferimentos de contato, 77, 791'<br />

Ferimentos a distância intermediária, 78,<br />

79f<br />

Ferimentos de curta distância, 78, 79f<br />

Ferimentos de longa distância, 78, 79f<br />

Fibrilação ventricular/taquicardia<br />

ventricular sem pulso, 129<br />

Fibula, 335f<br />

Fígado, 319f<br />

Fildes, Sir Luke, 34<br />

File ofLife, 414, 4151'<br />

Flexão esplénica, 3191'<br />

Flexão hepática, 3191', 320<br />

Fluido intracelular, 185<br />

Fluxo sanguíneo cerebral (FSC), 221-222<br />

Fontanelas, 218<br />

Forame intervertebral, 248f, 250<br />

Forame magno, 218, 2191"<br />

Forame oval, 219f<br />

Forame vertebral, 247<br />

*<br />

Forame lácero, 219f<br />

Fósforo branco (FB), 372, 458<br />

Fosgênio, 462<br />

Fossa hipofisária, 219f<br />

FPS. Ver Fator de proteção solar (FPS)<br />

FracPac, tipo de tala moldável com tiras<br />

343f<br />

Fragmentação, 70-71<br />

armas de alta energia, 73<br />

ativa/passiva, 71<br />

lesões por explosão, 81<br />

Fragmentação ativa, 70<br />

Fragmentação passiva, 70<br />

Fratura aberta, 340-342<br />

Fratura com afundamento craniano, 230<br />

Fratura da coluna cervical, 2<br />

Fratura de crânio exposta, 230<br />

Fratura fechada, 340-342<br />

FraturaIde Le Fort, 231, 232f<br />

Fratura IIde Le Fort, 231, 232f<br />

Fratura III de Le Fort, 231, 232f<br />

Fratura piramidal, 231<br />

Fraturas, 340-345<br />

Fraturas acetabularcs, 344<br />

Fraturas cranianas, 230<br />

Fraturas da base do crânio, 230<br />

Fraturas da cintura pélvica, 344<br />

Fraturas da porção média da lace, 231


610 ÍNDICE<br />

Fraturas de compressão anterior-posterior,<br />

344<br />

Fraturas cie compressão lateral, 344<br />

Fraturas de costela, 297<br />

Fraturas do fémur, 342-344<br />

Fraturas dos ramos, 344<br />

Fraturas lineares, 230<br />

Fraturas mandibulares, 231-232<br />

Fraturas nasais, 231<br />

Fraturas pélvicas, 341-342, 344-345<br />

Fraturas verticais de cisalhamento, 344<br />

Frequência respiratória, 113. Ver<br />

Frequência ventilatória<br />

Frequência ventilatória<br />

choque, 196<br />

doentes pediátricos, 3841'<br />

níveis, 113-114<br />

tratamento da via aérea, 113f<br />

Frieira, 501<br />

FSC. Ver Fluxo sanguíneo cerebral (FSC)<br />

G<br />

Gás, 459<br />

Gás lacrimogéneo, 372<br />

Gaze de combate, 201<br />

GEIC. Ver Gerenciamento do estresse em<br />

incidente crítico (GEIC)<br />

Gelignite (explosivo gelatinoso), 454<br />

Geloiusine, 205<br />

Genlran, 205<br />

Gerenciamento do estresse em incidente<br />

crítico (GEIC), 442<br />

Gingko biloba, 554<br />

Glândula tireóide, 123f<br />

Glicogênio, 396<br />

Gradiente térmico, 479<br />

Grandes altitudes, 550<br />

Graus de Recomendação, Avaliação,<br />

Desenvolvimento e Estimação<br />

(GRADE), 9<br />

Gravidez<br />

choque, 197<br />

gravidade das lesões, 425<br />

trauma abdominal, 327-330<br />

Gross, Samuel, 180<br />

H<br />

Habilidades específicas (trauma<br />

vertebromedular), 267-288<br />

aplicação da prancha longa em pé,<br />

273,276<br />

assento infantil, 284-285<br />

colar cervical, 267-268<br />

dispositivo de imobilização de crianças,<br />

286-287<br />

extricação rápida, 280-283<br />

imobilização em posição sentada, 277-<br />

279<br />

remoção de capacete, 288-289<br />

rolamento em bloco, 269-272<br />

Habilidades específicas (via aérea e<br />

ventilação), 158-177<br />

cânula nasofaríngea, 162-163<br />

cânula orofaríngea, 159-161<br />

cânula supraglótica, 166-169<br />

cricotireoidostomia por punção, 176-177<br />

elevação do queixo no trauma, 159<br />

intubação orotraqueal direta, 172-173<br />

intubação orotraqueal lace a face, 174-<br />

175<br />

manobra alternativa de tração da<br />

mandíbula, 158<br />

método de inserção de lâmina na língua,<br />

161<br />

método de inserção na língua e<br />

mandíbula, 160<br />

ML, 170-171<br />

tração da mandíbula no trauma, 158<br />

ventilação com bolsa-máscara, 164-165<br />

ventilação percutânea transtraqueal ,<br />

176-177<br />

Haddon, William Jr., 21, 25<br />

Hampton, Oscar, 7<br />

Harris, Jeffrey, 8<br />

HBIG. Ver Imunoglobulina humana contra<br />

hepatite B (HBIG)<br />

Hematoma epidural, 233-234<br />

Hematoma intracerebral, 226, 235<br />

Hematoma intracraniano, 233<br />

Hematoma subdural, 234-235<br />

Hemorragia<br />

choque, 194, 198-201, 207<br />

controle da, 114-115<br />

externa, 114<br />

princípios de ouro, 426<br />

subaracnoide, 235<br />

subconjuntival, 230-231<br />

suporte médico tático de emergência, 584<br />

trauma musculoesquelético, 339-340<br />

trauma pediátrico, 381-382<br />

Hemorragia arterial, 114<br />

Hemorragia classe I, 187-188<br />

Hemorragia classe II, 187f, 188<br />

Hemorragia classe III, 187f, 188<br />

Hemorragia classe IV, 187f, 188<br />

Hemorragia externa, 114<br />

Hemorragia subaracnoide, 235<br />

Hemorragia subaracnoide traumática<br />

(HSAt), 235<br />

Hemorragia subconjuntival, 230-231<br />

Hemostasia, 570<br />

Hcmotórax, 296, 303-304<br />

Hepatite, 92-93<br />

Hepatite B (VHB), 92-93, 92f<br />

Hepatite C (VHC)<br />

Hepatite virai, 92-93<br />

Herniação, 223-225<br />

I-Ierniação do cíngulo, 224<br />

Herniação tonsilar, 224<br />

Herniação uncal, 224<br />

Hespan, 205<br />

Hidratação, 490-491, 493, 494f, 495f<br />

Hidroxocobalamina, 368<br />

Hifema, 231<br />

Hipercapnia, 227<br />

Hiperglicemia, 227<br />

Hiper-hidratação, 482<br />

Hiperoxigenação, 142<br />

Hipertensão, 408<br />

Hipertensão intracraniana, 226<br />

Hipertrofia miocárdica, 408<br />

Hiperventilação, 222-223<br />

Hipervenlilação neurogênica central, 225<br />

Hipocapnia, 227<br />

Hipofaringe, 134, 1361'<br />

Hipófise, 221f<br />

Hipoglicemia, 227<br />

Hiponalremia, 484Í, 487-489, 514-515<br />

Hiponatremia dilucional, 484f, 487-489<br />

Hiponalremia induzida pelo esforço, 484f,<br />

487-489<br />

Hipoperfusão hipóxica, 181<br />

Hipotálamo, 479<br />

Hipotensão, 226<br />

Hipotensão ortostática, 485<br />

Hipotermia, 117,410, 504-512<br />

afogamento, 523-524<br />

algoritmo, 5121"<br />

avaliação, 508-510<br />

característica fisiológica, 509f<br />

diretrizes nacionais, 510-511<br />

efeitos fisiopatológicos, 507-508<br />

faixas de gravidade, 505f<br />

imersão, 506-507<br />

onda J. 507, 5081'<br />

transporte prolongado, 515<br />

tratamento, 510<br />

Hipotermia acidental. Ver Hipotermia<br />

Hipotermia por imersão, 506-507<br />

Hipotermia primária, 505<br />

Hipotermia secundária, 505<br />

Hipoventilação, 137, 138<br />

Hipovolemia relativa, 189<br />

Hipoxemia, 138<br />

Hipoxia, 138, 226-227, 380-381<br />

Hipóxia cerebral, 226-227<br />

Hipoxia hipobárica, 550<br />

História médica, 428<br />

Histórico SAMPLE! 229<br />

HIV. Ver Vírus da imunodeficiência<br />

humana (HIV)<br />

H1V-1, 93f<br />

HIV-2, 93f<br />

Holcomb, John, 8<br />

Homeostase, 480-481<br />

Homeostase térmica, 379<br />

Homeotermos, 479<br />

Hora de ouro, 5, 110, 422<br />

Hospedeiro, agente e alteração ambiental,<br />

20-22<br />

Hoyt, Walter, 8<br />

HSAt. Ver Hemorragia subaracnoide<br />

traumática (HSAt)<br />

I<br />

Icterícia, 92f<br />

Idade<br />

afogamento, 523-524, 525<br />

choque, 196<br />

crianças. Ver Trauma pediátrico<br />

doença relacionada ao calor, 482<br />

pessoas idosas. Ver Trauma geriátrico<br />

Idade avançada, 404<br />

Identificação do falor de risco, 27<br />

IIE. Ver Inlermação induzida por exercício<br />

(HE)<br />

íleo, 319f


ÍNDICE 611<br />

Imersão acidental em água fria, 523-524<br />

Imobilização do doente, princípios, 258<br />

Imobilização do tronco em prancha, 260,<br />

269-276<br />

Imobilização em posição sentada, 277-279<br />

Impacto das lesões na saúde pública, 18<br />

Impressão geral, 112<br />

IMS. Ver Sistema Nacional de<br />

Gerenciamento de Incidentes de<br />

Incêndio (IMS)<br />

Imunoglobulina humana contra hepatite 13<br />

(HBIG), 92<br />

IMV. Ver Incidente com múltiplas vítimas<br />

Inalação, 293<br />

Incapacidade<br />

avaliação primária. 115-117<br />

choque, 195, 201<br />

lesão cerebral traumática, 228-229,<br />

237-238<br />

queimaduras, 361<br />

trauma geriátrico, 412<br />

trauma pediátrico, 386-387<br />

Incidente com múltiplas vítimas (IMV). Ver<br />

Atendimento a desastres<br />

Incidentes de submersão, 522-529<br />

avaliação, 526, 5281'<br />

epidemiologia, 523<br />

fatores a considerar, 523-524<br />

mecanismo da lesão, 524-525<br />

praias, 528-529<br />

prevenção, 527-529<br />

reanimação do doente, 527<br />

sobrevivendo à submersão em água fria,<br />

525-526<br />

transporte prolongado, 555<br />

tratamento, 526-527, 528f<br />

Incompatibilidade de veículos, 58-59<br />

índice de frio do vento, 513f<br />

índice de temperatura de globo (YVBGT),<br />

492-493<br />

índice YVBGT. Ver índice de temperatura de<br />

globo (YVBGT)<br />

Infusão intraóssea pediátrica, 39'lf<br />

Insuficiência hepática, 191<br />

Insuficiência renal aguda, 191<br />

INT. Ver Intubação nasotraqueal (INT) às<br />

cegas<br />

Inteligência, 101<br />

Inteligência médica, 586-587<br />

Inteligência médica e planejamento da<br />

missão, 581<br />

Intermação, 484f, 486-487, 514<br />

Intermação clássica, 486, 487f<br />

Intermação induzida por exercício (IIE),<br />

486, 487f<br />

Intervalo lúcido, 234<br />

Intervenção abrangendo a comunidade,<br />

28-29<br />

Intervenção da fase do evento, 23<br />

Intervenção limitada na cena,117-118<br />

Intervenção pós-evenlo, 23<br />

Intervenção primária, 23<br />

Intervenções individuais, 28<br />

Intervenções pré-evento, 23<br />

Intoxicação por água, 484f, 487-489<br />

Intubação digital, 151<br />

Intubação endotraqueal, 144-151, 390f<br />

Intubação endotraqueal pediátrica, 3901"<br />

Intubação face a face, 148<br />

Intubação farmacologicamente assistida,<br />

148, 150f<br />

Intubação nasotraqueal, 146-147<br />

Intubação nasotraqueal (INT) às cegas,<br />

146-147<br />

Intubação orotraqueal, 146, 172-175<br />

Intubação orotraqueal face a face, 174-175<br />

Intubação orotraqueal sob visão direta,<br />

172-173<br />

Intubação pediátrica pré-hospitalar, 390f<br />

Intubação tátil, 151<br />

Ionização, 469<br />

Iraque, 80<br />

Isquemia, 181, 181f, 225<br />

J<br />

Jaslovv, David, 29<br />

Jejuno, 319f<br />

Jennet, Bryan, 8<br />

K<br />

KED. Ver Dispositivo de extricação de<br />

Kendrick (KED)<br />

Kelvin, Lord', 193<br />

Kennedy, Robert, 7<br />

King LT, 168-169<br />

Kinnane, J. M., 29<br />

Kit de alimentação, 436f<br />

Kit de antídoto para cianida, 368<br />

Kit de primeiros socorros, 436f<br />

Kit Lilly, 368<br />

Kit Mark-1, 462<br />

Kit Pasadena, 368<br />

Kit pré-hospitalar de amputação , 350f<br />

Kocher, Emil Theodor, 73<br />

L<br />

Laceração aórtica, 68<br />

Laceração medular, 253<br />

Laceração palpebral, 230<br />

Laringe, 123f, 134, 135f, 136f<br />

Larrey, Dominic Jean, 6-7<br />

Lavagem de mãos, 94<br />

LCR. Ver Líquido cefalorraquidiano (LCR)<br />

LCT. Ver Lesão Cerebral Traumática<br />

Lei de Boyle, 531-532, 533f, 550<br />

Lei de conservação de energia, 46<br />

Lei de Henry, 532-533, 550<br />

Lei de Starling, 184<br />

Leis de uso de capacete em motocicletas, 4<br />

Lesão, 19<br />

Lesão cerebral primária, 223<br />

Lesão cerebral secundária, 223-227<br />

Lesão cerebral traumática, 217-243<br />

algoritmo, 240f<br />

anatomia, 218-221<br />

avaliação primária, 227-229<br />

avaliação secundária, 229<br />

biomecânica, 227<br />

circulação, 228, 237<br />

crianças, 392-393<br />

exposição/ambiente, 229<br />

fisiologia, 221-223<br />

fraturas cranianas, 230<br />

fraturas da porção média da face, 231<br />

fraturas mandibulares, 231-232<br />

fraturas nasais, 231<br />

incapacidade, 228-229, 237-238<br />

lesão cerebral primária, 223<br />

lesão cerebral secundária, 223-227<br />

lesões cerebrais, 232-235<br />

lesões do couro cabeludo, 229-230<br />

lesões faciais, 230-231<br />

lesões laríngeas, 232<br />

morte cerebral, 239<br />

pessoas idosas, 411<br />

transporte, 238-239<br />

tratamento, 235-239<br />

vasos sanguíneos cervicais, lesões a, 232<br />

ventilação, 228, 236-237<br />

via aérea, 227, 236<br />

Lesão cutânea por frio localizada, 510<br />

Lesão de contato por congelamento, 500<br />

Lesão fragmentada, 80-81<br />

Lesão intencional, 22<br />

Lesão por congelamento, 502<br />

Lesão por frio não congelante, 501-502<br />

Lesão por instrumento perfurante, 94, 94f<br />

Lesão pulmonar induzida por toxina, 368<br />

Lesão pulmonar por explosão, 4571"<br />

Lesão torácica. Ver Trauma torácico<br />

Lesões a pedestres, 62-63<br />

Lesões abertas no globo ocular, 231<br />

Lesões agudas, processo de<br />

atendimento, 40<br />

Lesões cerebrais, 232-235<br />

Lesões da coluna cervical alta, 254<br />

Lesões do couro cabeludo, 229-230<br />

Lesões dos tecidos moles, 337<br />

Lesões em estradas, 3<br />

í<br />

Lesões esportivas, 65-66<br />

Lesões faciais, 230-231<br />

Lesões genitourinárias, 330<br />

Lesões laríngeas, 232<br />

Lesões na medula, 253-254<br />

Lesões não intencionais, 22-23<br />

Lesões oculares, 230-231<br />

Lesões por alta voltagem elétrica, 545f<br />

Lesões por explosão secundárias, 81f, 456,<br />

456f<br />

Lesões por explosão terciárias, 81f, 456,<br />

4561'<br />

Lesões por impacto, 79-82<br />

a física da explosão, 79-80<br />

categorização, 81f<br />

lesão de etiologia múltipla, 81-82<br />

lesão por fragmentos, 80-81<br />

lesões relacionadas às explosões, 80<br />

ondas de explosão e o corpo, 80<br />

Lesões por inalação de fumaça, 367-368<br />

Lesões por queimadura, 355-375<br />

anatomia da pele, 356-357<br />

atendimento inicial às queimaduras,<br />

363-364<br />

avaliação ABCDE, 360-361<br />

crianças, 361, 365, 369-370<br />

curativos, 362<br />

estimativa do tamanho da queimadura,<br />

361-362


612 ÍNDICE<br />

lesão pulmonar induzida por toxina, 368<br />

lesões por inalação de fumaça, 367-368<br />

pessoas idosas, 411<br />

profundidade da queimadura, 357-359<br />

queimaduras circunlerenciais, 366<br />

queimaduras elélricas, 366<br />

queimaduras por contato, 369<br />

queimaduras por radiação, 370<br />

queimaduras químicas, 370-372<br />

reanimação volêmica, 364-365<br />

regra das palmas das mãos, 362<br />

regra dos nove, 361, 361f<br />

resfriamento de queimadura, 363<br />

tabela de Lund-Browder, 361-362, 362f<br />

transporte, 362<br />

zonas de lesão por queimadura, 357:3571'<br />

Lesões por raios, 541-549<br />

avaliação, 547<br />

diretrizes de segurança, 549<br />

epidemiologia, 542<br />

lesão grave, 546-547<br />

lesão moderada, 546<br />

lesão secundária, 545-546<br />

lesões por alta voltagem elélrica,<br />

comparação, 5451"<br />

mecanismo da lesão, 542, 545<br />

mitos/conceitos erróneos, 5481"<br />

prevenção, 548-549<br />

sinais/sintomas, 546f<br />

transporte prolongado, 555<br />

tratamento, 546f, 547-548<br />

Lesões primárias por explosões, 80, 81f,<br />

454, 456, 456f<br />

Lesões quaternárias por explosão, 81f, 456,<br />

456Í<br />

Lesões quinarias por explosão, 80, 81f, 456,<br />

456f<br />

Lesões relacionadas a explosões, 80<br />

Lesões relacionadas a mergulho<br />

subaquático, 529-541<br />

barotrauma, 533-536<br />

DD, 537-539<br />

diabetes, 542f<br />

efeitos mecânicos da pressão, 531<br />

epidemiologia, 530, 5311"<br />

forma física para mergulhar, 540-541<br />

informação de contato da DAN (Divers<br />

alart network), 539f<br />

lei de Boyle, 531-532, 533f<br />

lei de Henry, 532-533<br />

pânico, 532f<br />

prevenção, 540-541<br />

terapia de recompressão, 540f<br />

transporte prolongado, 555<br />

tratamento, 539<br />

unidades de pressão, 532f<br />

voar após mergulhar, 541, 543f<br />

Lesões relacionadas ao mergulho<br />

recreativo. Ver Lesões relacionadas a<br />

mergulho subaquático<br />

Lesões térmicas, 395-396<br />

Letlerman, Jonathan, 7<br />

Lewis, Frank, 8<br />

Lewisite, 463<br />

Liberação descontrolada de energia, 20<br />

Lidocaína, 150f<br />

Ligamento, 335<br />

Língua, 1231', 136f<br />

Líquido cefalorraquidiano (LCR), 220<br />

Líquido extracelular, 185<br />

Líquido intersticial, 186<br />

Líquido intravascular, 186<br />

Líquido intravenoso, 428<br />

Líquidos, 459<br />

Lista de suprimentos de emergência, 4351'<br />

Literatura, 9-11<br />

Literatura médica, 9-11<br />

Literatura sobre SME, 9-11<br />

Lividez dependente, 571<br />

Lobo frontal, 220f<br />

Lobo occipital, 220f<br />

Lobo parietal, 220f<br />

Lobo temporal, 220f<br />

Lorazepam, 462<br />

Luvas, 93<br />

Luxações, 345-346, 571<br />

Luz ultravioleta, 569<br />

MASS, 438<br />

Maceração, 501<br />

MADD. Ver Mães contra motoristas<br />

embriagados (Mothers Against Drunk<br />

Drivers MADD)<br />

Mães contra motoristas embriagados<br />

(Mothers Against Drunk Drivers<br />

MADD), 4<br />

Magnésio, 458<br />

Mallampari, classificação de, 147f<br />

Manchas mongólicas azuis, 3971'<br />

Mandíbula, 122f, 335f<br />

Manobra alternativa de Lração da<br />

mandíbula, 158<br />

Máscara laríngea (ML), 151, 151f, 170-171<br />

Máscaras, 93<br />

Máscaras de bolso, 153<br />

Materiais perigosos, 94-96, 97-99<br />

Matriz de Haddon, 21, 22f<br />

Maltox, Ken, 8<br />

Maxila, 1221'<br />

MCQ. Ver Melhoria contínua da qualidade<br />

(MCQ)<br />

McSwain, N. E., 6<br />

Mealo acústico interno, 219f<br />

Mediastino, 293, 293f<br />

Medicamentos não prescritos, 414<br />

Medicina de emergência contra materiais<br />

perigosos (HAZMAT), 581<br />

Medicina de proteção executiva, 581<br />

Medicina marítima, 581<br />

Medline, lOf<br />

Medula, 2201', 22'lf, 250, 251f<br />

Medula oblonga, 221f<br />

Meia-idade, 404<br />

Melhoria contínua da qualidade (MCQ).<br />

152<br />

Membrana aracnoide, 219f, 220<br />

Membrana cricotireoidea, 152<br />

Meninges, 2191'<br />

Mergulho. Ver Lesões relacionadas a<br />

mergulho subaquático<br />

Metabolismo, 181<br />

Metabolismo aeróbico, 181<br />

Metabolismo anaeróbico, 181<br />

Metabolismo homeostático, 479<br />

Metacarpos, 3351"<br />

Metatarsos, 335f<br />

Método de dois socorristas (ventilação com<br />

bolsa-máscara), 165<br />

Método de inserção de lâmina na língua,<br />

161<br />

Método de inserção na língua e mandíbula,<br />

160<br />

Metodologia de Avaliação Rápida e<br />

Remota(RAM), 586<br />

Midazolam, 1501", 462<br />

Mídia, 445<br />

Miles, A. B., 7<br />

Miliaria rubra, 483<br />

Missões de Cumprimento da Lei das<br />

Operações Especiais, 581<br />

MMRS. Ver Sistema Metropolitano de<br />

Respostas Médicas (MMRS)<br />

Mnemónico da triagem START, 106f<br />

Modelo do queijo suíço, 21, 23f<br />

Momento de aprendizado, 28<br />

Monitor de C02 pré-hospilalar Masimo,<br />

367f<br />

Monitor de DC, 367f<br />

Monitoramento e reavaliação, 125-128<br />

Morando, Rocco, 8<br />

Morfina, 347<br />

Morte cerebral. 239<br />

Morte e Deficiência por Acidentes: a<br />

Doença Negligenciada da Sociedade<br />

Moderna, 16<br />

"Morte em uma Vala" (Farrington), 7<br />

Morte negra, 466<br />

Mortes em acidentes de motocicleta, 4<br />

Mortes em estradas, 31'<br />

Mostarda de enxofre, 463<br />

Mostarda de enxofre e de nitrogénio, 372<br />

MTYVHF (2U a 6a leira), 461<br />

Músculo abdominal transverso, 336f<br />

Músculo adutor longo, 3361'<br />

Músculo adutor magno, 3361'<br />

Músculo bíceps braquial, 336f<br />

Músculo bíceps femoral, 336f<br />

Músculo braquial, 336f<br />

Músculo braquiorradial, 336f<br />

Músculo bucinador, 3361'<br />

Músculo da linha alba, 336f<br />

Músculo deltóide, 3361'<br />

Músculo esternocleidomastoideo, 336f<br />

Músculo fibular longo, 3361"<br />

Músculo frontal, 336f<br />

Músculo glúteo máximo, 336f<br />

Músculo glúteo médio, 3361'<br />

Músculo grácil, 3361"<br />

Músculo iliopsoas, 336f<br />

Músculo latíssimo do dorso, 336f<br />

Músculo masseter, 3361"<br />

Músculo oblíquo externo, 3361'<br />

Músculo oblíquo interno, 3361'<br />

Músculo orbicular da boca,' 336f<br />

Músculo orbicular do olho, 336f<br />

Músculo peitoral maior, 336f<br />

Músculo quadriceps femoral, 336f<br />

Músculo reto abdominal, 336f<br />

Músculo reto femoral, 336f<br />

Músculo sarlório, 336Í"


ÍNDICE 613<br />

Músculo semimembranoso, 33BI"<br />

Músculo semitenclinoso, 3361"<br />

Músculo serrátil anterior, 3361*<br />

Músculo sóleo, 336f<br />

Músculo temporal, 3361'<br />

Músculo tibial anterior, 3361'<br />

Músculo trapézio, 3361"<br />

Músculo triceps braquial, 3361'<br />

Músculo vasto lateral, 336f<br />

Músculo vasto medial, 3361'<br />

Músculo zigomático, 336F<br />

Músculos, 3361'<br />

Músculos inlercoslais, 292<br />

N<br />

Narinas externas, 1361'<br />

Nariz, 1231'<br />

Nasofaringe, 134, 136f<br />

Necrose coagulativa, 370-371<br />

Necrose por liquefação, 371<br />

Necrose tubular aguda (NTA), 191<br />

Negligência contributiva, 56<br />

Nervo abducente, 2211'<br />

Nervo acessório, 22 1 1'<br />

Nervo craniano, 221, 221i, 2511'<br />

Nervo espinhal, 2511'<br />

Nervo facial, 221T<br />

Nervo glossofaríngeo, 2211'<br />

Nervo hipoglosso, 2211'<br />

Nervo mediano, 25'lf<br />

Nervo oculomotor, 22If<br />

Nervo óptico, 221f<br />

Nervo radial, 2511'<br />

Nervo trigêmeo, 2211"<br />

Nervo troclear, 221 1"<br />

Nervo ulnar, 25If<br />

Nervo vago, 221 1"<br />

Nervo vestibulococlear, 2211'<br />

Neutrons, 470<br />

Newton, Primeira lei do movimento de ,<br />

45, 47, 70<br />

Newton, Segunda lei do movimento de , 46<br />

NEXUS, 566<br />

N1MS. Per Sistema Nacional de<br />

Gerenciamento de Incidentes (NIMS)<br />

Nitrogénio, 537<br />

Nível da cicatriz umbelical, 251<br />

Nível de consciência, 115, 116, 138, 194<br />

Nível de quiescência, 432<br />

Nível dos mamilos, 251<br />

Norcuron, 1501*<br />

Normohidratação, 482<br />

NREMT. Per Registro nacional dos técnicos<br />

em emergência médica (NREMT)<br />

NTA. Per Necrose tubular aguda (NTA)<br />

0<br />

Objetos encravados, 326-327<br />

Obstrução mecânica, 138-139<br />

Olho, 124<br />

Olhos de guaxinim, 230, 3971'<br />

Onda de choque, 454<br />

Onda de cisalhamento, 454<br />

Onda de explosão, 454<br />

Onda de Osborne, 507, 5081'<br />

Onda de tensão, 454<br />

Onda ), 507, 508f<br />

Ondas de estresse, 454<br />

Operações médicas antilerrorismo, 587<br />

Órbita. 1221'<br />

Organização dos Recursos de Combale<br />

a Incêndios da Califórnia para<br />

Enfrentar Possíveis Emergências<br />

(FIRESCOPE), 99-100<br />

Orifício de saída, 73-74<br />

Orifícios de entrada e saída, 73-74<br />

Orolaringe, 134, 136f<br />

Osmose, 186<br />

Osso "esfenoide, 2191'<br />

Osso frontal, 122f, 219f<br />

Osso nasal, 122f<br />

Osso occipital, 122f, 2191'<br />

Osso parietal, 1221', 2191*<br />

Osso temporal, 1221', 2191'<br />

Osso zigomático, 1221*<br />

Ossos chatos, 335<br />

Ossos curtos, 334<br />

Ossos de suturas, 335<br />

Ossos do carpo, 335f<br />

Ossos do tarso, 3351"<br />

Ossos longos, 334<br />

Ossos sesamoides, 335<br />

Osleofitose, 410<br />

Osteomielite, 340<br />

Osteoporose. 409, 410<br />

Oxigenação, 293<br />

Oxigénio, 150f<br />

Oximetria de pulso, 154-155, 297<br />

Oxímetros de pulso e capnógrafo portáteis,<br />

367<br />

P<br />

PaCO,, 155<br />

Padrão de Gerenciamento de Incidentes de<br />

Serviços de Emergência, 100<br />

Padrão NFPA 1561, 100<br />

Padrão NFPA 1584, 495-498<br />

PAis. Per Planos de Ação de Incidentes<br />

(PA Is)<br />

Palato duro, 1361"<br />

Palato mole, 136f<br />

PAM. Per Pressão arterial média (PAM)<br />

Pâncreas, 320<br />

Pancuronia, 1501'<br />

Pânico do mergulhador, 532f<br />

Parada cardiopulmonar, 128-129<br />

Parada cardiorrespiratória traumática, 128-<br />

129<br />

Parkland, fórmula de 364-365<br />

PAS. Per Pressão arterial sislólica (PAS)<br />

PASG. Ver Vestimenta pneumática<br />

antichoque (PASG)<br />

Palógenos transmitidos pelo sangue, 92-94<br />

Pavulon, 150f<br />

PCO,, 155<br />

Pé de imersão, 501<br />

PEARRL, 116<br />

Pé-de-trincheira, 501<br />

PEEP fisiológico, 154<br />

PEEP. Per Pressão positiva expiratória final<br />

(PEEP)<br />

Pele, 115, 356-357, 410, 479<br />

Pele úmida, 115<br />

Pelve, 124, 335f<br />

Pensamento crítico. 38-40<br />

Percussão, 296-297<br />

Perda insensível, 480<br />

Perfil, 70<br />

Perlluorocarbonos (PFCs), 206<br />

Perfusão, 115<br />

Período antigo, 6<br />

Período de ouro, 110, 422<br />

Período de permanecer e agir, 8<br />

Período de resgate e transporte, 8<br />

Periósteo, 2191"<br />

Peritonile, 319, 323f<br />

Pérnio, 501<br />

Pescoço, 122, 1231*<br />

Pessoas idosas. Per Trauma geriátrico<br />

Peste, 466<br />

Peste bubônica, 466<br />

Peste pneumónica, 466<br />

PFCs. Per Perfluorocarbonos (PFCs)<br />

PHTLS. Per Atendimento pré-hospitalar ao<br />

traumatizado (PHTLS)<br />

Pia mater, 219f, 220<br />

Picada de abelha, 572-573<br />

Picada de cobra, 573-575<br />

Placa cribriforme, 2'19f<br />

Placa, 408<br />

Placenta prévia, 328f<br />

Planos de Ação de Incidentes (PAls), 101<br />

Platina, 10 minutos de, 427, 428<br />

Pleura parietal, 293, 2931'<br />

Pleura visceral, 293, 2931'<br />

Plexo braquial, 25lf<br />

Pneumotórax, 298-302, 536<br />

Pneumotórax aberto, 299-300<br />

Pneumotórax hiperlensivo, 191, 300-302,<br />

385<br />

Pneumotórax simples, 298, 299<br />

Polilrauma, 423<br />

Pólvora, 77<br />

Ponte, 2201', 221f<br />

Pós-carga, 184<br />

Posição da cabeça neutra alinhada, 260-262<br />

Posição de consenso, 11<br />

Posição do cheirador, 382, 3831'<br />

Posição para reduzir o escape de calor<br />

(PREC), 506, 506!<br />

Posicionamento do veículo e dispositivos<br />

de advertência, 90-91<br />

PPC. Ver Pressão de perfusão cerebral<br />

(PPC)<br />

Prancha longa, 3431*<br />

Precaução contra contaminação por<br />

gotícuias, 465<br />

Precauções contra aerossóis, 465<br />

Precauções de contato, 464<br />

Precauções padrão, 93-94<br />

Pré-eclâmpsia, 329<br />

Pré-oxigenação, 141<br />

Presbiacusia, 409<br />

Presbiopia, 409<br />

Pressão arterial<br />

eboque, 196<br />

doentes pediátricos, 3861'<br />

ruptura aórtica, 308f<br />

Pressão arterial média (PAM). 184, 221-222<br />

Pressão arterial sislólica (PAS), 222<br />

Pressão de perfusão cerebral (PPC), 222


614 ÍNDICE<br />

Pressão de pulso, 184<br />

Pressão direta, 114<br />

Pressão positiva expiratória final (PEEP),<br />

153-154<br />

Prevenção de lesões, 15-31<br />

abordagem de saúde pública, 26-27<br />

classificação da lesão, 22-23<br />

educação, 25-26<br />

energia fora de controle, 20<br />

engenharia, 26<br />

Equipe de SME, 19, 29<br />

escopo do problema, 17-19<br />

estratégias, 24-25f, 25<br />

identificação do falor de risco, 27<br />

intervenção abrangendo a comunidade,<br />

28-29<br />

intervenções individuais, 28<br />

lesão como doença, 20-21<br />

lesão, definida, 19<br />

matriz de Haddon, 21, 22f<br />

meta, 23<br />

modelo do queijo suíço, 21, 231"<br />

oportunidades de intervenção, 23, 25<br />

papel do SME, 27-29<br />

prevenção como solução, 23<br />

sanção, 26<br />

supervisão, 27<br />

Prevenção de lesões por veículos<br />

motorizados, 396<br />

Prevenção primária, 23<br />

Prevenção secundária, 21<br />

Prevenção terciária, 21<br />

Primeira Batalha de Bull Run, 7<br />

Primeira Convenção de Genebra, 7<br />

Primeiro pico de morte, 564<br />

Princípio de Fick, 182<br />

Princípio do não prejuízo, 429-430<br />

Princípios básicos. Ver Princípios de ouro<br />

do atendimento pré-hospitalares<br />

Princípios de ouro do atendimento préhospilalar,<br />

421-430<br />

abordagem da avaliação primária, 424-<br />

425<br />

algoritmo, 429f<br />

biomecânica, 424<br />

comunicação com a instituição de<br />

emergência receptora, 428-429<br />

hemorragia, 426<br />

história médica, 428<br />

imobilização da coluna, 426-427<br />

líquido intravenoso, 428<br />

morte, por que ocorre, 422-423<br />

princípio do não prejuízo, 429-430<br />

segurança, 423-424<br />

situação da cena, 424<br />

temperatura corporal, 426<br />

terapia de choque, 426<br />

transporte, 427-428<br />

tratamento da via aérea, 425<br />

uso da tala, 426<br />

ventilação/oxigénio, 425-426<br />

Princípios gerais. Ver Princípios de ouro do<br />

atendimento pré-hospitalar<br />

Prioridade ABCDE, 39<br />

Processo clinoide anterior, 219f<br />

Processo da doença, 20<br />

Processo da lesão, 20<br />

Processo de oxigenação, 138<br />

Processo espinhoso, 247, 248f<br />

Processo transverso, 247, 2481'<br />

Produção metabólica de calor, 479<br />

Profundidade da queimadura, 357-359<br />

Projéteis expansivos, 701"<br />

Prontidão, 433<br />

Proteção nível B, 99<br />

Proteção ocular, 93-94<br />

Proteções faciais, 93<br />

Protetor solar, 569f<br />

Protocolo de exposição, 95f<br />

Protocolos, 2<br />

PTS. Ver Escore de trauma pediátrico (PTS)<br />

Pulando da motocicleta, 61<br />

Pulso<br />

condição circulatória, 115<br />

doentes pediátricos, 3861'<br />

Pulso paradoxal, 306f<br />

Pupila, 124f<br />

Pupila dilatada, 225<br />

Pupilas desiguais, 124f<br />

q<br />

Quadro de permanência a distância segura<br />

de explosivos, 455f<br />

Quase afogamento, 522. Ver também<br />

Incidentes de submersão<br />

Quedas, 64-65, 411<br />

Queimadura de segundo grau profunda,<br />

358<br />

Queimadura de sol, 569<br />

Queimaduras circunferenciais, 366<br />

Queimaduras de cigarro, 396<br />

Queimaduras de contato, 369, 396<br />

Queimaduras de espessura completa, 359<br />

Queimaduras de espessura parcial, 358<br />

Queimaduras de primeiro grau, 358, 358f<br />

Queimaduras de quarto grau, 359, 3591'<br />

Queimaduras de segundo grau, 358, 358f<br />

Queimaduras de terceiro grau, 358-359<br />

Queimaduras por eletricidade, 366<br />

Queimaduras por radiação, 370<br />

Queimaduras químicas, 370-372<br />

Queimaduras superficiais de segundo grau,<br />

358<br />

Queimaduras superficiais, 358<br />

Quiasma óptico, 221f<br />

Quimiorreceptores, 293<br />

R<br />

Rabdomiólise traumática, 3501'<br />

Radiação, 480<br />

Radiação de partículas alfa, 469<br />

Radiação de partícula beta, 469<br />

Radiação gama, 469-470<br />

Radiação ionizante, 469<br />

Rádio, 335f<br />

Randomização, 9<br />

IRAS. Ver Sistema de ativação reticular<br />

(RAS)<br />

RCD. Ver Relatório de cuidados ao doente<br />

(RCD)<br />

RCP. Ver Reanimação cardiopulmonar<br />

(RCP)<br />

Reabilitação no incidente de emergência,<br />

495-498, 4991'<br />

Reanimação, 117-119<br />

Reanimação cardiopulmonar, (RCP), 5, 585<br />

Reanimação volêmica, 205-207, 208f,<br />

364-365<br />

Reason, James, 21<br />

Recuperação, 434<br />

Recursos de treinamento do comando de<br />

incidentes, 103f<br />

Registro nacional dos técnicos em<br />

emergência médica (NREMT), 8<br />

Regra 3-3-2, 146f<br />

Regra das palmas das mãos, 362<br />

Regra dos nove, 361, 3611', 395<br />

Regulação comportamental, 479<br />

Relatório de cuidados ao doente (RCD), 429<br />

Relatórios de atendimento pré-hospitalar,<br />

128<br />

Remoção de equipamento esportivo, 261f,<br />

288-289<br />

Remoção do capacete, 288-289<br />

Resfriamento de queimadura, 363<br />

Resistência vascular sistémica (RVS), 184<br />

Respiração, 293<br />

Respiração celular, 293<br />

Respiração externa, 138<br />

Respiração interna (celular), 138<br />

Respiração ritmada, 164<br />

Resposta, 434<br />

Resposta a incidente com múltiplas vítimas<br />

(IMV), 432<br />

Resposta de lutar ou fugir, 186<br />

Restrição abaixo da ideal, 396<br />

Resumo histórico<br />

era Farrington, 7<br />

era moderna, 8-9<br />

hospitais, militares e necrotérios, 7<br />

período antigo, 6<br />

período de Larrey, 6-7<br />

Reto, 319f<br />

Rifles, 77<br />

Rigor mortis, 571<br />

Ringer lactato, 118, 205<br />

Rolamento, 70<br />

Rolamento em bloco, 269-272<br />

RTS. Ver Escore de Trauma Revisado (RTS)<br />

Ruptura da membrana timpflnica, 80<br />

Ruptura diafragmática, 309-310<br />

Ruptura do globo ocular, 231<br />

Ruptura do útero, 328f<br />

Ruptura traqueal ou brônquica, 309f<br />

Ruptura traqueobrônquica, 307-309<br />

Ruptura traumática da aorta, 307<br />

Disfunção valvar, 190<br />

RVS. Ver Resistência vascular sistémica<br />

(RVS)<br />

s<br />

Sacos alveolares, 135f<br />

Sacro, 249, 250, 320, 335f<br />

SADRA. Ver Síndrome da angústia<br />

respiratória aguda (SARA)


t<br />

ÍNDICE 615<br />

SALT triagem, 1071", 438<br />

SAMPLE, histórico 121<br />

Sanção, 26<br />

Sangramento capilar, 114<br />

Sangramento venoso, 114<br />

Sangue, 185-186<br />

Sarin, 460<br />

Saturação arterial da oxiemoglobina<br />

(SpO,), 154-155<br />

Saúde ocupacional, 581<br />

Schwartz, Lew, 8<br />

SCI. Ver Sistema de comando de incidentes<br />

(SCO<br />

Segunda Batalha de Bull Run, 7<br />

Segundo pico de morte, 564<br />

Segurança no trânsito, 89<br />

Seios paranasals, 123f<br />

Semtex, 454<br />

Senescência, 405<br />

Sepse, 319<br />

Sequência rápida de intubação (SRI), 148,<br />

149f<br />

Simulações, 443<br />

Simulações de atendimento pré-hospilalar,<br />

443<br />

Sinais vitais<br />

avaliação secundária, 119-121<br />

choque, 195-196<br />

trauma pediátrico, 3881"<br />

Sinal de Batlle, 230<br />

Sinal de Cullen, 324<br />

Sinal de Grey Turner, 324<br />

Sinal do cinto de segurança, 324f, 3941'<br />

Síncope por calor, 484<br />

Síndrome aguda da radiação (SAR), 370,<br />

470, 471f<br />

Síndrome anterior da medula, 253, 2541'<br />

Síndrome central da medula, 253, 254f<br />

Síndrome compartimentai, 348-350<br />

Síndrome da angústia respiratória aguda<br />

(SARA), 191<br />

Síndrome de Brown-Séquard, 254, 254f<br />

Síndrome de Don Juan, 64-65<br />

Síndrome de esmagamento, 350-351<br />

Síndrome de hiperpressurização pulmonar<br />

(POPS), 536<br />

Síndromes de herniação clínica, 225<br />

Sistema de ativação reticular (RAS), 221<br />

Sistema de comando de incidentes (SCI),<br />

99-110, 102-103f, 436, 449<br />

Sistema de comando unificado, 100<br />

Sistema Metropolitano de Respostas<br />

Médicas (MMRS), 440<br />

Sistema Nacional de Gerenciamento de<br />

Incidentes (NIMS), 100, 103f<br />

Sistema Nacional de Gerenciamento de<br />

Incidentes de Incêndio (IMS), 100<br />

Sistema nervoso, 186<br />

Sistema nervoso autonômico, 186<br />

Sistema nervoso simpático, 186<br />

Sistema parassimpático, 186<br />

Sistema respiratório, 1351'<br />

Sistema terrestre de comando de<br />

incêndios, 100<br />

Sístole, 183<br />

Situação, 36<br />

SMEOT. Ver Suporte médico em<br />

emergências de operações táticas<br />

civis (TEMS)<br />

SOFTT. Ver Torniquete Tático das Forças<br />

de Operação Especiais (SOFTT)<br />

Sólido, 459<br />

Solução salina normal, 205<br />

Soluções coloides sintéticas, 205<br />

Soluções cristalóides hiperlônicas, 205,<br />

382<br />

Soluções cristalóides hipotônicas, 382<br />

Soluções cristalóides isotônicas, 205, 382<br />

Soluções de hipoclorilo, 372<br />

Soluções salinas hipertônicas, 205<br />

Spaite, Dan, 10<br />

SpO,. Ver Saturação arterial da<br />

oxiemoglobina (SpO,)<br />

START, algoritmo de triagem, 1071'<br />

Stewart, Ronald, 422<br />

Sublimação, 459<br />

Substitutos do sangue, 206<br />

Sublriagem, 126<br />

Succinilcolina, 1501'<br />

Sulco central, 220f<br />

Sulco lateral, 2201'<br />

Superpressão de explosão, 79<br />

Supertriagem, 126<br />

Suporte médico de emergência em<br />

operações táticas civis (SMEOT),<br />

579-590<br />

barreiras ao acesso dos SME<br />

convencionais, 582-583<br />

componentes operacionais, 581<br />

defesa do paciente, 587<br />

exame de corpo de delito, 587<br />

funções de apoio, 581<br />

incidentes com múltiplas vítimas, 588<br />

inteligência médica, 586-587<br />

operações médicas antiterrorismo, 587<br />

orientações práticas, 582, 583f<br />

RAM, 586<br />

vantagens dos programas SMEOT, 581-<br />

582<br />

visão histórica global, 580<br />

zonas de atendimento/zonas de operação,<br />

583-586<br />

Suporte médico em emergências de<br />

operações táticas (SMEOT). Ver<br />

Suporte médico em emergências de<br />

operações táticas civis (SMEOT)<br />

Suporte médico operacional contra<br />

narcóticos e terrorismo,<br />

(CONTOMS), 580, 586<br />

Suporte veterinário, 581<br />

Suprimento de oxigénio, 138<br />

Suprimentos para eliminação, 567f<br />

Tabela Lund-Browder, 361-362, 362f<br />

Tala à vácuo, 343f<br />

Talas de Ilação, 343f, 344<br />

Talas moldáveis, 3431'<br />

Talas rígidas, 3431"<br />

Tamponamento cardíaco, 190-191, 305-306<br />

Taquicardia ventricular sem pulso, 129<br />

Taquipneia, 114<br />

Taquipneia grave, 114<br />

Taxa metabólica basal, 479<br />

TCCC. Ver Comité de Cuidados a Vítimas<br />

de Combate Tático (TCCC)<br />

Teasdale, Graham, 8<br />

Técnica de Huddle, 506f<br />

TEM básico, 8<br />

Temperatura central, 479<br />

Temperatura da pele, 115, 195<br />

Tempo de preenchimento capilar, 115, 195<br />

Tempo de resposta, 5<br />

Tendão, 335<br />

Tendão da perna, 3361'<br />

Tendão de Aquiles, 336f<br />

Tendão do calcâneo, 336f<br />

Terapia de recompressão, 540f<br />

Terapia líquida, 118-119, 393<br />

Terceiro pico de morte, 564<br />

Terminologia da avaliação, lllf<br />

Termite, 458<br />

Termorregulação, 479-480<br />

Termorregulação fisiológica, 479<br />

Terrorismo, 440-441. Ver Explosão c armas<br />

de destruição em massa<br />

Tetania pelo calor, 483<br />

Tíbia, 335f<br />

TME. Ver Torniquete militar de emergência<br />

(TME)<br />

TOBHBs. Ver Transportadores de oxigénio<br />

baseados em hemoglobina (HBOCs)<br />

Tochas, 90<br />

Tonsila laríngea, 123f<br />

Tonsilas, 1361'<br />

Toracostomia por tubo, 302-303<br />

Tórax, 122, 292<br />

Tórax instável, 67f, 297-298<br />

Torniquete, 115<br />

choque, 199-201<br />

habilidades específicas (bandagem<br />

israelense para traumas), 215-216<br />

Torniquete de aplicação em combale, 200<br />

Torniquete militar de emergência (TME),<br />

200<br />

Torniquete Tático das Forças de Operação<br />

Especiais (SOFTT), 200<br />

Toxemia da gestação, 329<br />

Toxicidade por monóxido de carbono, 368,<br />

369<br />

Toxidrome, 460<br />

Toxidrome asfixiante, 460<br />

Toxidrome colinérgico, 460<br />

Toxidrome irritante, 459<br />

Toxina botulínica, 468<br />

Trabalho respiratório, 295f<br />

Tração da mandíbula, 141, 141f, 158<br />

Trajes refletivos, 90<br />

Transecção completa da medula, 253<br />

Transecção da medula, 253<br />

Transecção incompleta da medula, 253<br />

Transportadores de oxigénio baseados em<br />

hemoglobina (TOBII), 206<br />

Transporte, 125<br />

atendimento em desastres, 440<br />

choque, 203, 207-210


616 ÍNDICE<br />

duração do, 126<br />

explosões/armas de destruição em massa,<br />

458,460,472<br />

inspeção primária, 118<br />

lesão cerebral traumática, 238-239<br />

princípios de ouro, 427-428<br />

prolongado. Ver Transporte prolongado<br />

queimaduras, 360<br />

trauma ambiental, 514-515, 555-556<br />

trauma geriátrico, 418-419<br />

trauma musculoesquelético, 352<br />

trauma na coluna, 264<br />

trauma pediátrico, 392, 398-399<br />

trauma torácico, 310-311<br />

Transporte prolongado, 130-131<br />

choque, 207-210<br />

doença de grandes altitudes, 555-556<br />

doenças relacionadas ao calor, 514-515<br />

doenças relacionadas ao frio, 515<br />

equipamento, 131<br />

equipe, 13*1<br />

lesão cerebral traumática, 238-239<br />

lesão por raio, 555<br />

lesões relacionadas a mergulho<br />

subaquático, 555<br />

quase afogamento, 555<br />

questões relativas ao doente, 130<br />

tratamento da via aérea, 155-156<br />

trauma gcriátrico, 418-419<br />

trauma musculoesquelético, 352<br />

trauma na coluna, 264<br />

trauma pediátrico, 398-399<br />

trauma torácico, 310-311<br />

Traqueia, 1231', 134, 1351', 1361", 2931'<br />

Tratamento da dor, 129-130, 346-347, 392<br />

avaliação c tratamento do doente,<br />

129-130<br />

trauma musculoesquelético, 346-347<br />

trauma pediátrico<br />

Tratamento médico definitivo, 434<br />

Tratamento pré-hospilalar e período de<br />

atendimento, 8<br />

Trato olfativo, 221f<br />

Trato respiratório inferior, 1351'<br />

Trato respiratório superior, 1351'<br />

Tratos da medula espinhal, 2501'<br />

Tratos nervosos ascendentes, 250<br />

Tratos nervosos descendentes, 250<br />

Trauma<br />

abdominal. Ver Trauma abdominal<br />

ambiental. Ver trauma ambiental<br />

biomecânica. Ver Biomecânica do trauma<br />

cabeça. Ver Lesão cerebral traumática<br />

coluna. Ver Trauma na coluna<br />

como causa de morte, 2<br />

contuso. Ver Trauma fechado<br />

custo do atendimento, 2<br />

fase do evento, 4-5<br />

fase pós-evento, 5-6<br />

fase pré-evenlo, 3-4<br />

fases, 45<br />

geriátrico. Ver Trauma geriálrico<br />

hora de ouro, 5<br />

musculoesquelético. Ver Trauma<br />

musculoesquelético<br />

pediátrico. Ver Trauma pediátrico<br />

penetrante. Ver Trauma penetrante<br />

preparação, 4<br />

térmico, 478-481<br />

torácico. Ver Trauma torácico<br />

Trauma abdominal, 317-331<br />

anatomia, 3*18-319<br />

avaliação primária, 323<br />

avaliação secundária, 323-324<br />

avaliação, 32*1-326<br />

cinemática, 321-322<br />

crianças, 394<br />

evisceração, 327<br />

exames especiais/principais indicadores,<br />

326<br />

FAST, 326<br />

fisiopalologia, 319-321<br />

gestante, 327-330<br />

lesões genitourinárias, 330<br />

objetos encravados, 326-327<br />

tratamento, 326<br />

trauma fechado, 322-323<br />

trauma penetrante, 32*1-322<br />

Trauma ambiental, 477-560<br />

afogamento. Ver Incidentes de submersão<br />

altitude. Ver Doença de grandes altitudes<br />

armazenamento de drogas dos SME em<br />

temperaturas extremas, 500<br />

doença relacionada ao calor. Ver Doenças<br />

relacionadas ao calor<br />

doença relacionada ao frio. Ver Doença<br />

relacionada ao frio<br />

mergulho. Ver Lesões relacionadas a<br />

mergulho subaquático<br />

raios. Ver Lesões por raios<br />

transporte prolongado, 514-515, 555-556<br />

Trauma de extremidade, 394-395<br />

Trauma fechado, 5*1-69<br />

abdome, 68-70<br />

acidentes de trânsito. Ver Acidentes com<br />

veículos motorizados (AVM)<br />

cabeça, 66<br />

definido, 49<br />

lesões esportivas, 65-66<br />

pescoço, 66<br />

princípios mecânicos, 5*1-52<br />

quedas, 64-65<br />

tórax, 67-68<br />

trauma abdominal, 322-323<br />

trauma medular, 255<br />

&ÿ<br />

trauma torácico, 296<br />

Trauma geriátrico, 403-420<br />

abuso ao idoso, 411, 4*17-418, 4*191"<br />

alterações fisiológicas, 413<br />

avaliação, 410-414<br />

avaliação ABCDE, 4*11-4*12<br />

avaliação secundária, 412-414<br />

circulação, 412, 416<br />

considerações legais, 417<br />

controle de temperatura, 4*16<br />

desafios de comunicação, 4*13<br />

disposição, 418<br />

doença pré-existente, 406f, 407f<br />

exposição/ambiente, 412<br />

fatores ambientais, 4*13<br />

file of life, 414, 415f<br />

gravidade das lesões, 425<br />

imobilização, 416<br />

incapacidade, 412<br />

LCT, 4 *1*1<br />

medicamentos, 414<br />

nutrição e sistema imune, 410<br />

orelhas, nariz e garganta, 406<br />

pele, 410<br />

percepção à dor, 409<br />

problemas médicos crónicos, 406<br />

quedas, 411<br />

queimaduras, 4*11<br />

sistema cardiovascular, 407-408<br />

sistema musculoesquelético, 409-4*10<br />

sistema nervoso, 408<br />

sistema renal, 409<br />

sistema respiratório, 406-407<br />

transporte, 418-419<br />

transporte prolongado, 418-419<br />

tratamento, 414, 416<br />

trauma veicular, 4*1*1<br />

ventilação, 411-412, 414<br />

via aérea, 411, 414<br />

visão e audição, 408-409<br />

Trauma medular, 245-289. Ver também<br />

Habilidades específicas (Trauma<br />

vértebra medular)<br />

anatomia e fisiologia, 247-25*1<br />

avaliação, 254-257<br />

avaliando as habilidades de imobilização,<br />

2631'<br />

colar cervical, 259, 267-268<br />

como foi causado, 246-247<br />

completando a imobilização, 262-263<br />

conceitos científicos, 246<br />

crianças, 261-262, 284-287, 393-394<br />

erros comuns, 263<br />

estabilização e alinhamento manual da<br />

cabeça, 258-259<br />

esteroides, 264 .<br />

exame neurológico, 254<br />

fisiopalologia, 25*1-254<br />

imobilização do tronco à prancha, 260,<br />

269-276<br />

imobilizando o doente, princípios, 258<br />

indicações para imobilização da coluna,<br />

256, 2571'<br />

lesões da medula, 253-254<br />

lesões esqueléticas, 252-253<br />

mecanismos da lesão, 253, 255<br />

pacientes obesos, 263-264<br />

posição da cabeça neutra alinhada, 260-<br />

262<br />

remoção de equipamento esportivo, 261f,<br />

288-289<br />

sinais/sintomas, 258Í"<br />

transporte, 264<br />

transporte prolongado, 264<br />

tratamento, 256-263<br />

trauma fechado, 255<br />

trauma penetrante, 255-256<br />

Trauma musculoesquelético, 333-353<br />

algoritmo, 349f<br />

alívio da ansiedade, 347<br />

amputação, 347-348<br />

anatomia/fisiologia, 334, 335<br />

avaliação, 336-338


ÍNDICE 617<br />

avaliação primária, 337<br />

avaliação secundária, 337-338<br />

biomecânica, 336-337<br />

deslocamento, 345-346<br />

doente crítico com trauma<br />

multissistêmico, 346<br />

extremidade lacerada, 351, 352<br />

extremidades, 3381', 3391', 351, 352<br />

extremidades inferiores, 339f<br />

extremidades superiores, 338f<br />

fraturas, 340-345<br />

fraluras do fémur, 342-344<br />

fraturas pélvicas, 341-342, 344-345<br />

hemorragia, 339-349<br />

lesões associadas, 338, 3391'<br />

síndrome compartimentai, 340-350<br />

síndrome de esmagamento, 350-351<br />

torção, 352<br />

transporte, 352<br />

transporte prolongado, 352<br />

tratamento da dor, 346-347<br />

Trauma pediátrico, 377-401<br />

abuso, 369-370, 396-398<br />

acesso venoso, 391-392<br />

avaliação ABCDE, 302-387<br />

avaliação secundária, 308-309<br />

biomecânica, 379<br />

cintos de segurança/airbags, 3801'<br />

circulação, 385-386, 391<br />

escore de trauma pediátrico, 387-308,<br />

3071'<br />

exposição/ambiente, 307<br />

hemorragia, 381-382<br />

hipoxia, 380-381<br />

homeoslase térmica, 379<br />

incapacidade, 386-387<br />

LCT, 392-393<br />

lesões abdominais, 394<br />

lesões térmicas, 395-396<br />

lesões torácicas, 394<br />

padrões comuns de lesão, 379, 3791'<br />

prevenção conIra lesões por veículos<br />

motorizados, 396<br />

questões psicossociais, 379-300<br />

reposição volêmica, 392<br />

sinais vitais, 3801'<br />

transporte, 392, 390-399<br />

transporte prolongado, 398-399<br />

tratamento, 389-392<br />

tratamento da dor, 392<br />

trauma de extremidade, 394-395<br />

trauma na coluna, 393-394<br />

ventilação, 384-385, 389-391<br />

via aérea, 302-384, 309<br />

Trauma penetrante, 70-79<br />

abdome, 76<br />

armas de alta energia, 72-73<br />

armas de baixa energia, 71-72<br />

armas de média energia, 72<br />

cabeça, 74-75<br />

definido, 49<br />

extremidades, 76<br />

ferimentos por arma de fogo, 77<br />

fragmentação, 70-71<br />

orifícios de entrada e saída, 73-74<br />

perfil, 70<br />

tombamenlo, 70<br />

tórax, 75<br />

trauma abdominal, 321-322<br />

trauma na coluna, 256<br />

trauma torácico, 295-296<br />

Trauma térmico, 478-481<br />

Trauma torácico, 291-316<br />

afundamento de tórax, 297-298<br />

anatomia, 292-293<br />

asfixia traumática, 309, 310Í"<br />

avaliação, 296-297<br />

circulação, 295<br />

commotio cordis, 306-307<br />

contusão pulmonar, 298<br />

crianças, 394<br />

descompressão por punção, 302, 314-316<br />

fisiologia, 293-295<br />

fraturas de costela, 297<br />

habilidades específicas (ilustração), 314-<br />

316<br />

hemolórax, 303-304<br />

lesão cardíaca contusa, 304-305<br />

lesão contusa, 296<br />

lesão penetrante, 295-296<br />

pneumotórax, 298-302<br />

ruptura diafragmatica, 309-310<br />

ruptura traqueobrônquica, 307-309<br />

ruptura traumática da aorta, 307<br />

tamponamento cardíaco, 305-306<br />

toracoslomia por tubo, 302-303<br />

transporte prolongado, 310-311<br />

transporte, 310-311<br />

ventilação, 293-295<br />

Treinamento em grupo, 443<br />

Treinamento em materiais perigosos, 94<br />

Treinamento para intubação com pouca<br />

iluminação, 584<br />

Tremor, 479<br />

Tríade de Beck, 306<br />

Tríade epidemiológica, 20f<br />

Tríade letal, 505<br />

Triagem<br />

atendimento em desastres, 430-439<br />

cena, 101-107<br />

esquema de triagem pré-bospitalar, 126<br />

explosões e armas de destruição em<br />

massa, 450-452<br />

Triagem e estabilização inicial, 434<br />

Triagem START, 1051"<br />

Triângulo da lesão, 19<br />

Tribunais, 26<br />

Tronco cerebral, 2201', 221<br />

Trunkey, Donald, 5, 8<br />

TS. Ver Escore de trauma (TS)<br />

Tubo endolraqueal (TET), 144f<br />

Tubo torácico, 302-303<br />

u<br />

Ulna, 335f<br />

Úmero, 335f<br />

Urticaria, 500<br />

Urticária alérgica, 5731*<br />

Urticária pelo frio, 500<br />

Úvula, 136f<br />

V<br />

Valium, 461<br />

Vapor, 459<br />

Varicela, 466, 467f<br />

Varíola, 466-468<br />

Varíola major, 466<br />

Varíola minor, 466<br />

Vasodilatação induzida pelo frio (VIDE),<br />

502<br />

Vasodilatação reflexa, 502<br />

Vasos cervicais, lesões aos, 232<br />

Vasos sanguíneos, 184-185<br />

Vc. Ver Volume corrente (VT)<br />

VDIF. Ver Vasodilatação induzida pelo frio<br />

(VIDF)<br />

Vecurônio, 1501"<br />

Veia cava inferior, 320<br />

Veia cava superior, 320<br />

Veia ilíaca externa, 320<br />

Veias do pescoço distendidas, 3011'<br />

Veículo-alvo, 54<br />

Veículo-projétil, 54<br />

Venenos pulmonares, 463<br />

Ventilação, 137, 293. Ver Via aérea e<br />

ventilação; Respiração<br />

avaliação primária, 113-114<br />

choque, 193-194, 190<br />

lesão cerebral traumática , 228, 236-237<br />

queimaduras, 360<br />

trauma geriátrico, 411-412, 416<br />

trauma pediátrico, 384-385, 389-391<br />

trauma torácico, 293-295<br />

Ventilação A/C, 153<br />

Ventilação atáxica, 225<br />

Ventilação com bolsa-máscara, 164-165<br />

Ventilação de Cheyne-Stokes, 225<br />

Ventilação mandatória intermitente (VMI),<br />

153<br />

Ventilação minuto (Vr:), 295f<br />

Ventilação transtraqueal percutânea (VTP),<br />

151-152, 176-177<br />

Ventiladores de pressão positiva, 153-154<br />

Ver, ouvir, sentir, 119<br />

Vértebras, 247<br />

Vértebras cervicais, 249<br />

Vértebras coccígeas, 249<br />

Vértebras lombares, 249<br />

Vértebras sacrais, 249<br />

Vértebras torácicas, 249<br />

Vertigem alternobárica, 535<br />

Vesicanles, 372<br />

Vesícula biliar, 320<br />

Vestimenta pneumática anlichoque (PASG),<br />

201,202f<br />

VHC. Ver Hepatite C (VHC)<br />

Via aérea (abordagem ABCDE). Ver Via<br />

aérea e ventilação<br />

avaliação primária, 112<br />

choque, 190<br />

lesão cerebral traumática, 228, 236<br />

queimaduras, 360<br />

trauma geriátrico, 411, 414<br />

trauma pediátrico, 382-384, 389<br />

Via aérea e ventilação, 133-177. Ver<br />

Via aérea (abordagem ABCDE);


618 ÍNDICE<br />

habilidades específicas (via aérea e<br />

ventilação)<br />

algoritmo, 140f<br />

anatomia, 134-136<br />

aspiração. 141-142<br />

avaliação LEMON, 145, 146-1471'<br />

cânula nasofaríngea (CNE), 143, 162-163<br />

cânula nasofaríngea (COF) 143, '159-161<br />

cânula supraglólica, 143-144, 166-169<br />

capnogralia, 155<br />

cricotireoidostomia cirúrgica, 152, *176-<br />

177<br />

dispositivos ventilatórios, 152-154<br />

fisiologia, 136-130<br />

função neurológica diminuída, 138<br />

intubação digital, 151<br />

intubação endotraqueal, 144-151<br />

intubação face a face, 148<br />

intubação farmacologicamente assistida,<br />

148, 1501'<br />

intubação nasotraqueal, 146-147<br />

intubação orotraqueal, 146, 172-175<br />

manobras manuais, 141 -<br />

MCQ, 152<br />

ML, 151, 170-171<br />

obstrução mecânica, 138-139<br />

oximetria de pulso, 154-155<br />

processo de oxigenação, 138<br />

transporte prolongado, 155-156<br />

ventilação percutânea transtraqueal<br />

(VPT), 151-152, 176-177<br />

Via aérea inferior, 134-136<br />

Via aérea superior, 134<br />

Via principal de fluxo, 155<br />

Víboras, 574<br />

Vigilância, 27<br />

Vírus da imunodeficiência humana (HIV),<br />

93, 93f<br />

Visão global de alta qualidade, 11<br />

VM. Ver Ventilação minuto (V,,)<br />

VMI. Ver Ventilação mandatória<br />

intermitente (VMI)<br />

Volatilidade, 459<br />

Voltagem do solo (rasteira), 545<br />

Voltagem propagada, 545<br />

Volume corrente (Vc), 137, 2951"<br />

Volume minuto, 137<br />

Volume sistólico, 184<br />

Volumes/relações pulmonares, 295f<br />

W<br />

Warren, John Collins, 180<br />

z<br />

Zona de coagulação, 357, 3571"<br />

Zona de estase, 357, 357f<br />

Zona de hiperemia, 357, 357f<br />

Zona fria, 96, 97, 98f, 372, 449f, 450, 585<br />

Zona morna, 96, 97, 98f, 372, 449f, 450,<br />

584<br />

Zona quente, 95, 97, 98f, 372, 4491", 450,<br />

583<br />

Zonas de controle da cena, 97, 981"<br />

Zonas de controle de cena de materiais<br />

perigosos, 372


Princípios de Ouro do Atendimento<br />

Pré-hospitalar ao Traumatizado<br />

1. Garantir a segurança dos socorristas e da vitima.<br />

2. Avaliar a situação pará determinar a necessidade de recursos adicionais.<br />

3. Reconhecer a cinemática envolvida nas lesões.<br />

4. Reconhecer as lesões com risco de vida já no exame primário.<br />

5. Manter a coluna cervical estabilizada, enquanto se faz o atendimento<br />

adequado da via aérea.<br />

6. Providenciar suporte ventilatório e oferecer oxigénio para manter a Sa02 acima<br />

de 95%.<br />

7. Controlar toda a hemorragia externa significativa.<br />

8. Tomar as medidas iniciais para o tratamento do choque, incluindo a<br />

restauração e a manutenção da temperatura normal do organismo e a<br />

imobilização adequada das lesões musculoesqueléticas.<br />

9. Considerar o uso do PASG nos pacientes com choque descompensado<br />

(pressão arterial sistólica < 90 mmHg) e suspeita de hemorragia pélvica,<br />

intraperitoneal ou retroperitoneal e nos pacientes com hipotensão grave<br />

(pressão arterial sistólica < 60 mmHg).<br />

10. Manter a estabilização manual da coluna até que o paciente esteja imobilizado<br />

em prancha longa.<br />

11. Quando se tratar de pacientes traumatizados graves, iniciar o transporte para<br />

o hospital apropriado mais próximo dentro de 10 minutos após a chegada ao<br />

local.<br />

12. A caminho do hospital, iniciar a reposição de volume com soluções aquecidas.<br />

13. Uma vez adequadamente tratadas ou descartadas as lesões com risco de vida,<br />

obter a história médica do paciente e fazer o exame secundário.<br />

14. Acima de tudo, não causar mais dano.

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