04.05.2017 Views

Arquitetura para Papéis Sociais Ativos

Abordagem de certos conceitos que devem embasar o trabalho do designer visando o ajuste entre a satisfação das necessidades físicas e psicológicas de usuários com alguma deficiência física e as condições ambientais do espaço edificado. A ênfase está na abrangência do design universal enquanto expressão física e simbólica da qualidade de vida. Em se tratando do design em todos os níveis (produtos, edifícios, assentamentos urbanos), as necessidades ambientais de portadores de deficiência devem ser consideradas como medidores numa escala de aferição para a qualidade ambiental. Necessidades específicas de indivíduos que estão fora da distribuição normal sobre desempenho físico advém de falhas existentes no espaço edificado em atender a "diversidade do desempenho vital" como aspecto característico de todos os usuários. Elementos do espaço de edificações construidas em respeito à essas necessidades, ao interferirem nas fronteiras mecânicas da deficiência, atuam igualmente sobre certos fatores ambientais que motivam as reações de preconceito e que impedem que portadores de deficiência possam desempenhar papéis sociais ativos com naturalidade e espontaneidade.

Abordagem de certos conceitos que devem embasar o trabalho do designer visando o ajuste entre a satisfação das necessidades físicas e psicológicas de usuários com alguma deficiência física e as condições ambientais do espaço edificado.
A ênfase está na abrangência do design universal enquanto expressão física e simbólica da qualidade de vida. Em se tratando do design em todos os níveis (produtos, edifícios, assentamentos urbanos), as necessidades ambientais de portadores de deficiência devem ser consideradas como medidores numa escala de aferição para a qualidade ambiental. Necessidades específicas de indivíduos que estão fora da distribuição normal sobre desempenho físico advém de falhas existentes no espaço edificado em atender a "diversidade do desempenho vital" como aspecto característico de todos os usuários. Elementos do espaço de edificações construidas em respeito à essas necessidades, ao interferirem nas fronteiras mecânicas da deficiência, atuam igualmente sobre certos fatores ambientais que motivam as reações de preconceito e que impedem que portadores de deficiência possam desempenhar papéis sociais ativos com naturalidade e espontaneidade.

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Arquitetura</strong> <strong>para</strong> <strong>Papéis</strong> <strong>Sociais</strong> <strong>Ativos</strong><br />

Marcelo Pinto Guimarães<br />

GUIMARÃES, M.P, "<strong>Arquitetura</strong> Para Papés <strong>Sociais</strong> <strong>Ativos</strong>."<br />

Belo Horizonte: CVI-BH/EA-UFMG. Junho, 1994<br />

Pretende-se aqui a abordagem de certos conceitos que devem embasar o trabalho do<br />

designer visando o ajuste entre a satisfação das necessidades físicas e psicológicas de<br />

usuários com alguma deficiência física e as condições ambientais do espaço edificado.<br />

A ênfase está na abrangência do design universal enquanto expressão física e<br />

simbólica da qualidade de vida. Em se tratando do design em todos os níveis<br />

(produtos, edifícios, assentamentos urbanos), as necessidades ambientais de<br />

portadores de deficiência devem ser consideradas como medidores numa escala de<br />

aferição <strong>para</strong> a qualidade ambiental. Necessidades específicas de indivíduos que estão<br />

fora da distribuição normal sobre desempenho físico advém de falhas existentes no<br />

espaço edificado em atender a "diversidade do desempenho vital" como aspecto<br />

característico de todos os usuários. Elementos do espaço de edificações construidas<br />

em respeito à essas necessidades, ao interferirem nas fronteiras mecânicas da<br />

deficiência, atuam igualmente sobre certos fatores ambientais que motivam as reações<br />

de preconceito e que impedem que portadores de deficiência possam desempenhar<br />

papéis sociais ativos com naturalidade e espontaneidade.<br />

Vigorosos e vulneráveis<br />

Certamente, a capacidade física influi no desenvolvimento pessoal de mecanismos de<br />

adaptação e de tolerância às constantes mudanças que caracterizam cada estágio de<br />

vida. Alguns indivíduos, vigorosos, se adaptam mais e melhor que outros, vulneráveis.<br />

Uma inversão populacional advém dos meios tecnológicos <strong>para</strong> a saúde, e a<br />

esmagadora maioria de pessoas "normais" ou vigorosas que sempre prevaleceu em<br />

todo o mundo vem cedendo lugar a um número crescente de pessoas "vulneráveis",<br />

com problemas físicos de idade avançada, pelo modo de vida sedentário, ou por<br />

sequelas de doenças ou de acidentes.<br />

As pessoas vulneráveis possuem características próprias e não se ajustam<br />

perfeitamente aos modelos ou classificações distintas. O termo portador de deficiência é<br />

vago e pouco efetivo como referencial atribuido à parte dessa população de<br />

característica física variada e variável. São pessoas de idades diferentes, de ambos os<br />

sexos, possuem lesões de tipos e gravidade completamente distintas, e vivem em


condições sociais diversas. A provável habilidade desta população <strong>para</strong> o uso do<br />

espaço ambiental edificado depende ainda da visão de mundo de cada pessoa, do tipo<br />

de elemento ambiental que usa, e da localização de ambos no contexto socio-cultural<br />

em que são integrantes. Tal habilidade se amplia em cada pessoa a partir da atitude<br />

exploratória, ora em ambientes que desafiam, ora nos que intimidam.<br />

Ambientes que desafiam ou intimidam<br />

Um mesmo espaço pode conter situações diferenciadas em função da percepção das<br />

pessoas e do contexto em que ocorre a interação social. Assim, <strong>para</strong> uma mesma<br />

pessoa e num mesmo lugar sob contexto diferenciado, ambientes podem ter condições<br />

que desafiam ou que intimidam.<br />

Os ambientes que desafiam são estimulantes. A reação natural do usuário desenvolve<br />

suas aptidões físicas e psicológicas, além de aprimorar o relacionamento social. O<br />

usuário adquire competência ambiental, adaptando-se conforme as circunstâncias e<br />

assumindo a postura adequada <strong>para</strong> papéis sociais ativos de exploração do espaço<br />

edificado.<br />

Nos ambientes que intimidam, certos elementos do espaço edificado não permitem a<br />

algumas pessoas se adaptarem ao modo de vida social de certa cultura por causa da<br />

deficiência física (de ordem motora, estética, orgânica, sensorial ou mental).<br />

Para muitas pessoas, tais barreiras ambientais são quase imperceptíveis. Atuam dentro<br />

de níveis de conforto considerados suportáveis, só dispendendo um esforço maior em<br />

certas circunstâncias ocasionais. Porém, estas barreiras se constituirão num<br />

impedimento ou numa situação estressante que inibe a expressão das habilidades de<br />

usuários portadores de deficiência e oferecem poucas oportunidades <strong>para</strong> o<br />

desenvolvimento de seu potencial. O usuário se torna um incompetente ambiental e,<br />

nas incontáveis frustrações do dia-a-dia, não consegue entender espaços não<br />

explorados e não consegue se socializar pelo processo comum a todos.<br />

Instrumentação ambiental<br />

Mais importante do que se garantir um ambiente totalmente livre de barreiras é<br />

possibilitar que todos os indivíduos sejam habilitados a transpor suas limitações através<br />

da instrumentação ambiental e através da experiência acumulada de papéis sociais<br />

ativos. A instrumentação de usuários deve ocorrer através da natural existência de<br />

alternativas de uso ambiental adequadas ao desempenho dos indivíduos no contexto<br />

social de que fazem parte. O espaço ambiental deverá direcionar tais alternativas <strong>para</strong><br />

as necessidades de diferentes populações-alvo.


Através do planejamento ambiental, pode-se intervir nas circunstâncias físicas e psicosociais<br />

da relação pessoa-ambiente com a correta distinção entre os aspectos de<br />

desafio ou de intimidação presentes no espaço edificado. Prover condições ambientais<br />

satisfatórias a pessoas portadoras de deficiência poderia significar a alteração dos<br />

tradicionais níveis de conforto, de forma a abranger um padrão de normalidade mais<br />

amplo. No entanto, não se poderia atingir níveis de conforto <strong>para</strong> a satisfação de todos,<br />

a partir deste padrão considerado "normal". Por mais amplo que seja, nos limites desse<br />

padrão sempre haverá pessoas com pouca habilidade de ajuste. Requer-se então, que<br />

os níveis de conforto sejam repensados de maneira a formar limites flexíveis que se<br />

ajustem às habilidades de diferentes pessoas com pouca capacidade de adaptação.<br />

Assim, as alternativas se complementam em geral <strong>para</strong> instrumentar a competência<br />

ambiental de qualquer usuário.<br />

Níveis de conforto flexíveis<br />

A criação de ambientes e produtos com níveis de conforto flexíveis implica em se<br />

estabelecerem novos valores simbólicos <strong>para</strong> o uso do espaço edificado e em se<br />

alterarem as relações entre as pessoas. O atendimento "personalizado" ao usuário<br />

requer a flexibilidade da organização de funções e de operações nos equipamentos e<br />

nas ações administrativas. A adaptabilidade ambiental e de produtos que respeitam as<br />

diferenças pessoais deve reconhecer as características peculiares dos usuários com ou<br />

sem deficiência aparente ao prover os elementos do espaço edificado de forma flexível,<br />

ajustável, removível e de acessórios adequados à habilidade particular de qualquer<br />

usuário.<br />

Como base à essa adaptabilidade está a acessibilidade ambiental que, de forma<br />

gradual, chega a atingir a sofisticação de detalhamento necessária <strong>para</strong> atender<br />

portadores de deficiência múltipla, com pouca competência ambiental. O design livre de<br />

barreiras teve o seu início no planejamento de "instalações especiais" de maneira<br />

prover o espaço e a "acomodação" de portadores de deficiência na vida normal da<br />

sociedade, principalmente, através da acessibilidade <strong>para</strong> usuários em cadeiras de<br />

rodas. A adaptabilidade alterou a visão dialética da acessibilidade ambiental de<br />

portadores de deficiência, em que certas condições ambientais são consideradas<br />

simplesmente como sendo ou não sendo acessíveis. Tal visão impedia que a<br />

acessibilidade fosse absorvida pelo grande mercado consumidor, numa franca<br />

associação com o estigma da própria deficiência. O design universal, por sua vez,<br />

abrangeu a adaptabilidade ambiental num espectro mais amplo, por considerá-la nos<br />

estágios iniciais de cada idéia, qual seja potencial e indiscriminada a todos os produtos.<br />

Essa abordagem mais universal, absoluta, enfoca as habilidades em potencial de todos<br />

os usuários, portadores ou não de deficiências, e o impacto ambiental das intervenções


ambientais que visem aprimorar tais habilidades. Surgiu pela síntese conceitual de<br />

vários campos do conhecimento (a ergonomia, a psicologia ambiental, a sociologia, a<br />

antropologia, entre outros), e depende tanto das investigações científicas quanto das<br />

proposições em design.<br />

Ainda hoje nas intervenções construtivas, infelizmente, tem prevalecido a forma<br />

dialética da acessibilidade ambiental. Isso ocorre porque a construção de ambientes<br />

pressupostamente acessíveis não ultrapassa aos critérios mínimos <strong>para</strong> a supressão<br />

de barreiras a certos tipos de deficiência. Tal reducionismo lógico e pragmático da<br />

acessibilidade repercute então, de modo <strong>para</strong>doxal, em falhas de seus objetivos de<br />

instrumentação <strong>para</strong> a competência ambiental. Assim, a abordagem deturpada da<br />

acessibilidade pode atribuir ao usuário com necessidades especiais uma imagem social<br />

desfavorável e estigmatizada por expor uma condição de excessiva vulnerabilidade,<br />

mais acentuada até do que a exposta como real deficiência.<br />

Importância de contextualização<br />

Considerando-se a importância do meio ambiente social <strong>para</strong> o desenvolvimento<br />

psicológico dos indivíduos com ou sem deficiência aparente, o desenvolvimento de<br />

competência ambiental decorre do reforço que a aprovação social sugere sobre<br />

atuações bem sucedidas. Neste aspecto, os efeitos do estigma da deficiência quando<br />

associados à acessibilidade podem ser mais perceptíveis. A demonstração de<br />

competência no uso ambiental estabelece um posicionamento de valor simbólico de<br />

cada pessoa perante o grupo, o qual passa a reconhecer e a respeitar no indivíduo a<br />

sua capacidade demonstrada de preservar e de estabelecer formas de comportamento<br />

social. O exame das circunstâncias do uso ambiental evidencia que, em geral, alguns<br />

usuários do espaço edificado não podem assumir o controle sobre certos fatores de<br />

uso ambiental necessários <strong>para</strong> a socialização. Incluem-se entre esses fatores: a<br />

seleção circunstancial das relações entre os indivíduos que reforça os laços de<br />

convívio (proximidade); o controle da exposição de si mesmo (privacidade) da<br />

informação pessoal (identidade) ; e a defesa do espaço pessoal (territoriedade)<br />

expressa em cada relação social.<br />

De fato, a eficácia da acessibilidade está diretamente relacionada com a maior<br />

qualidade do uso ambiental, e este decorre do correto desempenho de papéis sociais<br />

ajustados ao contexto de cada ação. Para se obter independência,a capacidade de<br />

execução de determinadas tarefas sem o intermédio de auxílio por outros, deve-se<br />

antes ter alcançado a autonomia, a tomada de decisões junto a outros sobre a<br />

mudança dos fatores condicionantes à atividade pessoal. Assim, as alternativas de<br />

instrumentação irão predisporem-se à liberdade <strong>para</strong> portadores de deficiência<br />

desempenhar papéis sociais ativos.


É necessária a manutenção de um posicionamento crítico a partir do conhecimento<br />

adquirido, de forma a se complementar a lacuna de informações que seriam adquiridas<br />

da pesquisa e do design. Ao expressar a conciliação intuitiva entre os aspectos<br />

culturais e tecnológicos em elementos do espaço edificado, as proposições ambientais<br />

do design traduzem numa formulação pragmática os conceitos teoricamente<br />

formulados em pesquisas. Exemplo disso, são os conceitos, entre outros, de<br />

"acessibilidade ambiental" expressos em forma de largura de aberturas e<br />

funcionamento de fechamentos, assentamento de níveis nas edificações, rotas de<br />

circulação, etc; e o de "privacidade": em forma de orientação de entradas, de circulação<br />

seletiva, posicionamento de móveis, bloqueio visual e sonoro, proximidade funcional,<br />

etc. Num processo intermitente, a eficácia das soluções em design deve ser<br />

direcionada <strong>para</strong> confirmar ou rejeitar hipóteses derivadas de pesquisas; por outro lado,<br />

cada proposição ambiental deve ser avaliada por métodos científicos que<br />

predisponham a constante reformulação conceitual. Devido à insuficiência atual de<br />

informações, só o acúmulo dessas experiências é que pode assegurara instrumentação<br />

em alternativas ambientais mais satisfatórias e a evolução dos atuais métodos de<br />

investigação.<br />

Exceção faz parte da regra<br />

Mensagens simbólicas de valores sociais são expressos na relação dos indivíduos com<br />

o ambiente e podem contribuir <strong>para</strong> o relacionamento entre as pessoas, com ou sem<br />

deficiência aparente. Para que isso ocorra, as noções do "ser impossível" devem ser<br />

entendidas apenas como um "estado de espírito" e as de "exceção" devem ser<br />

encaradas como "parte inerente da regra". Este é um desafio de transformação e de<br />

gerenciamento ambiental que exige, antes de mais nada, uma evolução de atitudes e<br />

de comportamentos.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!