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Educacao_e_Cultura_Midiatica_Volume_II

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Educação e <strong>Cultura</strong><br />

Midiática<br />

<strong>Volume</strong> <strong>II</strong>


Universidade do Estado da Bahia - UNEB<br />

Lourisvaldo Valentim da Silva<br />

Reitor<br />

Maria Nadja Nunes Bittencourt<br />

Diretora da Editora<br />

Conselho Editorial<br />

Delcele Mascarenhas Queiroz<br />

José Cláudio Rocha<br />

Josemar Rodrigues de Souza<br />

Márcia Rios da Silva<br />

Maria Edesina Aguiar<br />

Mônica Moreira de Oliveira Torres<br />

Wilson Roberto de Mattos<br />

Yara Dulce Bandeira Ataíde<br />

Suplentes<br />

Kiyoko Abe Sandes<br />

Liana Gonçalves Pontes Sodré<br />

Lynn Rosalina Gama Alves<br />

Ronalda Barreto Silva


Lucila Pesce<br />

Maria Olívia de Matos Oliveira<br />

(Organizadoras)<br />

Educação e <strong>Cultura</strong><br />

Midiática<br />

<strong>Volume</strong> <strong>II</strong><br />

EDUNEB<br />

Salvador<br />

2012


© 2010 EDUNEB<br />

Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,<br />

resumida ou modificada, em Língua Portuguesa ou qualquer outro idioma.<br />

Depósito Legal na Biblioteca Nacional<br />

Impresso no Brasil em 2012.<br />

Ficha Técnica<br />

Coordenação Editorial<br />

Ricardo Baroud<br />

Coordenação de Design e Capa<br />

Sidney Silva<br />

Projeto Gráfico, Editoração, Normalização e Revisão<br />

Grajaú Gráfica e Encadernadora<br />

Ficha Catalográfica - Sistema de Bibliotecas da UNEB<br />

Educação e cultura midiática / Organizado por Lucila Pesce; Maria Olivia<br />

de Matos Oliveira. – Salvador: EDUNEB, 2012.<br />

202 p. v. 2.<br />

ISBN: 978-85-7887-121-5.<br />

Inclui referências.<br />

1. Educação - Inovações tecnológicas. 2. Inovações educacionais. 3.<br />

Tecnologia educacional. I. Pesce, Lucila. <strong>II</strong>. Oliveira, Olívia de Matos.<br />

CDD: 371.334<br />

Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB<br />

Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula<br />

41150-000 - Salvador - Bahia<br />

Fone: + 55 71 3117-5342<br />

www.eduneb.uneb.br<br />

editora@listas.uneb.br


Educação e <strong>Cultura</strong><br />

Midiática


Sumário<br />

Apresentação 9<br />

PARTE I: CULTURA MIDIÁTICA<br />

Educação, Música e Mídia 15<br />

Jusamara Souza e Antonio Dias<br />

Interfaces entre Comunicação e Educação, através<br />

da Produção de Mídias Alternativas: possibilidades<br />

emancipatórias 37<br />

Sandra Maria Loureiro de Souza Farias e Maria Olivia de<br />

Matos Oliveira<br />

Espaços Vividos e Jogos Digitais: ambientes<br />

propícios para produção de novas formas de<br />

letramentos e de conteúdos interativos pela<br />

geração C 65<br />

Lynn Alves e Tânia Maria Hetkowski<br />

PARTE <strong>II</strong>: FORMAÇÃO ONLINE<br />

Projeto Amadeus: criando novas experiências de<br />

aprendizagem em uma educação sem distância 91<br />

Ricardo Amorim, Dinani Amorim e Alex Sandro Gomes


A Edificação dos Saberes para o Exercício da Tutoria<br />

a Distância: o caso dos professores-tutores do curso<br />

de pedagogia a distância da UERJ 121<br />

Edméa Santos<br />

Nova Didática Mediada pelas Tecnologias Digitais 143<br />

Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo<br />

Aulas Multimídias: um caminho possível para<br />

a autonomia intelectual dos educandos na rede<br />

municipal de ensino de Salvador? 169<br />

Iza da Conceição Lopes e Célia Maria Silva de Souza<br />

Sobre os Autores 197


Apresentação<br />

Caro leitor, o segundo volume da coletânea que ora apresentamos<br />

reúne pesquisadores de distintas universidades brasileiras e trata de<br />

dois temas instigantes da sociedade contemporânea: cultura midiática e<br />

processos de formação desenvolvidos nos ambientes digitais.<br />

Os artigos que compõem a primeira parte deste livro – <strong>Cultura</strong><br />

Midiática – revelam, na polissemia das vozes dos autores, uma unicidade<br />

nas reflexões sobre como a mídia se torna presente em todos os aspectos da<br />

vida cotidiana e como o discurso midiático participa do processo histórico<br />

de construção da identidade dos sujeitos, nas interações sociais, afirmando<br />

ou negando a nossa condição de cidadãos.<br />

Essas experiências corroboram com o entendimento de que se<br />

faz necessário explorar, da melhor forma possível, os ambientes virtuais<br />

e “o potencial educacional das mídias, considerando-se os seus aspectos<br />

positivos em cada modalidade de ensino e o uso de metodologias e<br />

tecnologias necessárias para tal”, no dizer de Ricardo Amorim, Dinani<br />

Amorim e Alex Sandro Gomes.<br />

Jusamara Souza e Antonio Dias Nascimento colocam que o desafio<br />

para a educação é permitir a convivência com o mundo digital; porém é<br />

papel da escola ajudar crianças e jovens na aquisição de um censo crítico que<br />

lhes permita fazer as escolhas certas, no que tange aos meios e conteúdos<br />

midiáticos.<br />

Uma nova geração surge, os nativos digitais que navegam na web,<br />

nos jogos eletrônicos, smart fones, GPS, PDA, celulares, buscam criar em<br />

diferentes telas, com a ajuda de técnicas computacionais e telemáticas,<br />

situações que se aproximem do real, das situações vividas nos lares ou<br />

9


nos espaços cotidianos, como apontam Lynn Alves e Tânia Hetwovisk, no<br />

relato de uma pesquisa junto a um grupo de professores que utiliza o jogo<br />

Búzios: ecos da liberdade. Sandra Loureiro de Souza e Maria Olivia de Matos<br />

Oliveira apresentam uma introdução à temática das mídias alternativas e<br />

suas relações com a educação, a partir da possibilidade de emancipação e<br />

de ação do sujeito, através da compreensão das relações entre cultura e os<br />

processos de comunicação na sociedade contemporânea.<br />

O conjunto das reflexões inerentes aos capítulos que compõem<br />

a primeira parte do livro busca, portanto, discutir a importância de se<br />

conhecer o poder da mídia no cotidiano das pessoas, para a partilha<br />

conjunta de significados e compreensão crítica da contemporaneidade.<br />

Na segunda parte do livro – Formação online – os textos voltam-se<br />

para os distintos aspectos inerentes à formação veiculada nos dispositivos<br />

e interfaces digitais. As reflexões sobre as novas linguagens audiovisuais<br />

demandam dos docentes uma nova visão paradigmática capaz de<br />

ressignificar as atuais práticas educacionais, em sintonia com as emergências<br />

dos sujeitos que participam das atuais organizações societárias.<br />

Para apresentar a segunda parte do livro julgamos pertinente iniciar<br />

com as reflexões dos autores Ricardo Amorim (UNEB); Dinani Amorim<br />

(UNEB) e Alex Sandro Gomes (UFPE) que apresentam novas possibilidades<br />

de potencializar aprendizagens em ambientes virtuais e buscam, através do<br />

desenvolvimento do texto, saídas alternativas para a superação do impasse<br />

de uma educação a distância para uma educação sem distância.<br />

Também são abordadas questões relacionadas à docência, no<br />

contexto da cultura midiática. Edméa Santos apresenta dados de uma<br />

pesquisa sobre como são edificados os saberes para o exercício da tutoria<br />

a distância. A análise aborda as especificidades da docência online e os<br />

desafios da cibercultura, relacionando-os com os saberes de professorestutores<br />

que atuam nos cursos de formação de professores da Universidade<br />

do Estado do Rio de Janeiro.<br />

10


Célia Maria Silva Souza e Iza da Conceição Lopes, tendo como corpus<br />

de análise o Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal<br />

de Salvador, consideram o desenvolvimento da autonomia intelectual, a<br />

partir de intervenções pedagógicas que possibilitem espaços de expressão,<br />

participação e criatividade.<br />

Questões relativas à educação veiculada nos dispositivos e interfaces<br />

digitais, como a fragilidade das interações entre a equipe conceptora e<br />

os tutores, o pouco investimento institucional no processo de formação<br />

continuada de professores para o exercício da mediação a distância são<br />

discutidos ao longo das nossas páginas, sobretudo nas linhas assinadas por<br />

Edméa Santos. Para compreender as concepções de aula e sala de aula na<br />

contemporaneidade é preciso, antes de tudo, entender aspectos relacionados<br />

à sala de aula presencial, bem como entender algumas atitudes docentes e<br />

da escola, que revelam resistência em reconhecer a inevitável inserção dos<br />

estudantes na cultura digital.<br />

Nessa perspectiva trazemos à baila as ideias de Iolanda Cortelazzo.<br />

Ao apresentar reflexões sobre uma nova cultura em que professores e alunos<br />

realizam interações colaborativas mediadas pelas tecnologias digitais,<br />

a autora, com propriedade, afirma: “Os hábitos de professores e alunos<br />

não mudaram substancialmente nesses dezoito anos, embora os suportes<br />

tecnológicos sejam significativamente diferentes”.<br />

Nessa miríade de reflexões finalizamos a apresentação do segundo<br />

volume da coletânea por nós organizada. Ao fazê-lo, apontamos mais<br />

dúvidas que certezas, mais interrogativas que afirmativas, porque as questões<br />

pendentes poderão ser esclarecidas ou aprofundadas, na interlocução de<br />

você, leitor, junto a cada um dos autores da presente obra.<br />

Lucila Pesce<br />

Maria Olívia Matos Oliveira<br />

11


Parte I<br />

CULTURA MIDIÁTICA


Educação, Música e Mídia<br />

Jusamara Souza<br />

(UFRGS)<br />

Antonio Dias Nascimento<br />

(UNEB)<br />

Introdução<br />

O uso abusivo dos meios eletrônicos de comunicação por regimes<br />

políticos discricionários que antecederam a Segunda Guerra Mundial e<br />

que a ela sobreviveu fez com que pensadores humanistas os vissem sempre<br />

com desconfiança quanto à sua função formadora. Adorno (1975) chegou a<br />

cunhar a expressão Indústria <strong>Cultura</strong>l para expressar a grande distância que<br />

separava a cultura veiculada pela mídia, da cultura elaborada pelo povo.<br />

Do mesmo modo, Morin (1969) chegou a afirmar que o capitalismo, com o<br />

desenvolvimento da indústria cultural havia ultrapassado a última barreira<br />

a ser transposta – a alma humana.<br />

Com a redemocratização dos países centrais e com a emergência<br />

de novas democracias, no entanto, tornou-se possível o surgimento de<br />

muitas outras expressões midiáticas de tal modo a permitir aos indivíduos<br />

oportunidades de escolhas. Apesar de persistirem os usos mercantilistas e<br />

até mesmo a manipulação político-ideológica dos meios de comunicação,<br />

esses usos são obrigados a conviver também com usos voltados para a<br />

formação humana e até mesmo para a aproximação de povos. Assim,<br />

os meios de comunicação são vistos hoje como campos de disputa que<br />

15


permitem, ao menos, a “reflexividade social” como denominou Giddens<br />

(1994) querendo expressar a possibilidade de ampliação do grau de<br />

informação dos sujeitos, resultante da atuação e do uso massivo dos meios<br />

eletrônicos de comunicação.<br />

Estudando o aprendizado da música pelos jovens através da sua<br />

relação com as mídias eletrônicas Kübler (2003 apud SCHIMELING, 2005,<br />

p. 21) assim se expressa:<br />

Hoje, crianças e jovens crescem convivendo com as<br />

mídias e estas representam um dos componentes<br />

importantes em suas vidas, na busca por identidade<br />

e por socialização. O conceito [de mídia] pretende<br />

abranger tanto as estruturas e mercados das mídias,<br />

como também o confronto subjetivo das crianças e<br />

jovens e sua assimilação. Com isso, o conceito implica<br />

componentes tanto objetivos como subjetivos.<br />

Conforme o autor, há uma profusão das mídia e<br />

dos seus produtos e diferenciam-se as maneiras de<br />

lidar com eles entre crianças e jovens, denotando<br />

assim uma multiplicidade, complexidade, falta de<br />

delimitação clara de previsibilidade nas interações<br />

destes grupos com as mídias.<br />

Diante disso, o que se coloca como grande desafio para a educação,<br />

tanto na família, como na escola, é o de como dotar tanto crianças, como<br />

jovens, de censo crítico na escolha dos meios e dos conteúdos com os quais<br />

se põem em interação. A ideia, portanto, é a de usufruto e convivência com<br />

o mundo virtual e não a de negá-lo ou a de evitá-lo. Se concordarmos com<br />

a visão de um mundo alcançado, observado, vigiado e controlado através<br />

do panóptico, como nos indicou Foucault (1987), com o acesso ao mundo<br />

virtual, tornamo-nos também observadores ativos e vigias do nosso tempo<br />

e do que ocorre ao redor do mundo numa velocidade espantosa e com<br />

16


uma capacidade operativa nunca dantes experimentada, como pode ser<br />

observado, por exemplo, na educação musical.<br />

Nos últimos anos vimos discutindo no Brasil sobre os princípios<br />

epistemológicos que fundamentam as teorias e práticas de educação musical<br />

que vêm se configurando de forma ampla, não se restringindo mais aos<br />

processos de ensino-aprendizagem realizados na escola. Crianças e jovens<br />

hoje talvez “aprendam” música mais em seus ambientes extraescolares<br />

do que na escola propriamente dita. E mesmo a profissionalização ou a<br />

formação de professores de música ou profissionais que lidam com o ensino<br />

de música tem se realizado em espaços antes nunca pensados.<br />

Cada vez mais, pesquisadores buscam compreender os processos de<br />

aprendizagem (transmissão-apropriação) que se estabelecem em formas<br />

e práticas diárias de indivíduos envolvidos em realizações musicais fora<br />

da escola, em contextos extraescolares e suas possíveis articulações com a<br />

escola (ver, entre outros, PRASS, 1998, 2004; ARROYO, 1999; CORRÊA,<br />

2000; RAMOS, 2002; FIALHO, 2003; ARALDI, 2004; SUBTIL, 2007).<br />

Em decorrência do processo de globalização da cultura e da<br />

informação, modificam-se cada vez mais as linguagens e meios técnicos<br />

de distribuição musical. Essas mudanças levam-nos a refletir sobre os<br />

desafios trazidos para o ensino da música na atualidade e da educação de<br />

modo geral. A música na vida cotidiana faz-se cada vez mais presente e<br />

sua massiva utilização por crianças e jovens indica o seu significado para a<br />

educação musical (SOUZA, 2000).<br />

Por isso nos interessam muito particularmente temas como novas<br />

práticas musicais e tecnologias de comunicação, o consumo, a recepção<br />

de música e a formação de identidades através dos meios de comunicação,<br />

músicas da mídia no cotidiano de crianças e jovens; culturas musicais<br />

das ruas (como hip hop), bem como a atuação e formação de professores<br />

17


de música diante das novas questões trazidas pelas transformações da<br />

sensibilidade musical na contemporaneidade (CARVALHO, 1999).<br />

Esses temas são apresentados, num primeiro plano, de uma forma<br />

descritiva pelos dados empíricos disponíveis e, num segundo plano, de<br />

marco interpretativo, são desvendados contextos e estruturas condicionais<br />

para o ensino e aprendizagem de música. Num terceiro plano, mais abstrato,<br />

serão formuladas teorias sobre funções e significados das mídias para<br />

crianças e jovens como, por exemplo, a crescente autosocialização através<br />

das mídias (KÜBLER, 2003, p. 6).<br />

Vale ressaltar, como Toschi (2002, p. 267) alerta, que “[...] mídia não<br />

se confunde com recurso, com equipamento, por mais sofisticado e atual que<br />

seja, mas refere-se a meio tecnológico portador de conteúdos e, portanto,<br />

de sistemas simbólicos”. Como a autora explica: “Por se caracterizar como<br />

tecnologia e conteúdos, as mídias adquirem valor formativo, educativo.<br />

As mídias são criaturas culturais e criam cultura. Mídias são tecnologias,<br />

mas são também meio de divulgação de conteúdos, são, enfim, tecnologias<br />

midiáticas” (TOSCHI, 2002, p. 267-268).<br />

Integrando as atividades cotidianas dos indivíduos, os meios<br />

de comunicação não apenas promovem interações interpessoais, mas<br />

viabilizam novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um<br />

conjunto de materiais simbólicos. A linguagem midiática fornece símbolos,<br />

mitos e recursos que contribuem na formação de uma cultura representativa<br />

de um grande número de indivíduos. Para Kellner (2001, p. 10) trata-se de<br />

uma “pedagogia cultural”, isto é, uma fonte de informação e entretenimento<br />

que muitas vezes nem é percebida como tal, contribuindo para “[...] nos<br />

ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que<br />

temer e desejar – e o que não”.<br />

18


Na análise de Thompson (1998, p. 45-46) durante a recepção e<br />

apropriação dos conteúdos da mídia, os indivíduos encontram-se “[...]<br />

envolvidos num processo de formação pessoal e de autocompreensão<br />

– embora em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais”.<br />

Ao incorporar as mensagens da mídia à própria vida, “[...] o indivíduo<br />

está implicitamente construindo uma compreensão de si mesmo, uma<br />

consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado no tempo e no<br />

espaço” (THOMPSON, 1998, p. 45-46).<br />

Este capítulo pretende discutir algumas questões vinculadas às<br />

práticas pedagógico-musicais presentes na cultura jovem. Interessa-nos<br />

discutir práticas musicais de jovens realizadas pelos meios de comunicação<br />

tais como tocar um instrumento, apreciar ou ouvir música. Muito<br />

particularmente focamos em compreender a aprendizagem musical que aí<br />

se efetiva.<br />

Tomando o conceito de aprendizagem a partir das teorias do<br />

cotidiano nos interessamos pelos sujeitos imersos e envolvidos numa teia<br />

de relações presentes na realidade histórica que é prenhe de significações<br />

culturais. Logo, a aprendizagem não se dá num vácuo, mas num contexto<br />

complexo. Ela é constituída de experiências que nós realizamos no mundo.<br />

Dessa maneira, a aprendizagem pode ser vista como um processo no qual<br />

– consciente ou inconscientemente – criamos sentidos e fazemos o mundo<br />

possível.<br />

Mídias e aprendizagem musical<br />

As mídias estão cada vez mais presentes na vida das crianças e<br />

adolescentes que desde cedo dispõem de i-pods, CD-player, TV, DVDs<br />

e também computadores. Na literatura o termo “mundo das mídias”<br />

19


(Medienwelten), já é consagrado. É um conceito necessário para dizer que<br />

hoje crianças e jovens crescem convivendo naturalmente com as mídias,<br />

que estas representam componentes importantes de suas vidas, de sua<br />

procura de identidade e de sua socialização.<br />

A inserção da música na vida de jovens, foge à relação abstrata que<br />

normalmente as escolas propiciam. Por isso mais do que “se limitar a um<br />

estudo da prática ou do consumo musical unicamente por seu conteúdo ou<br />

gênero de música apreciada ou escutada” a educação musical tem que se<br />

ocupar com o tipo de relação que os jovens mantêm com a música (GREEN,<br />

1987, p. 95).<br />

Os jovens vivem experiências musicais diversificadas: tocam<br />

em bandas de rock, fazem parte de grupos de pagode, funk, hip hop<br />

(DAYRELL, 2002) participam de escolas de samba, cantam em corais<br />

de igrejas, tocam em bandas ou fanfarras. As preferências musicais dos<br />

adolescentes estão ligadas a gêneros musicais que para eles possuem um<br />

significado relacionado à liberdade de expressão e de mudança. Ou seja, a<br />

relação que mantêm com a música representa uma manifestação de uma<br />

identidade cultural caracterizada por dupla pertença: classe de idade e do<br />

meio social (GREEN, 1987, p. 100).<br />

Referindo-se aos gêneros musicais que são difundidos pela mídia,<br />

Green (1987, p. 100) acredita que estes “[...] fazem parte de um processo de<br />

socialização, através dos quais os adolescentes criam suas relações sociais”.<br />

Segundo a autora, esses gêneros musicais “revestem-se aos olhos dos<br />

adolescentes de uma importância superior àquelas que se ligam às relações<br />

‘obrigatórias de família’. É por isso que o adolescente, que é quase sempre<br />

um aluno, sente uma impressão muito forte de liberdade com esses gêneros<br />

musicais” (GREEN, 1987, p. 100).<br />

20


Pais (1993, p. 104) define a música como um signo juvenil geracional,<br />

pelo fato de os jovens atualmente se envolverem “[...] muito mais com<br />

a música do que as gerações mais velhas”. Em relação às preferências<br />

musicais dos jovens, o autor revela que estas “são acompanhadas de atitudes<br />

específicas que reforçam, – mas também ultrapassam – os gostos musicais”,<br />

apontando a questão das “escolhas emblemáticas”, tais como vestuário,<br />

cortes de cabelo, discotecas que tocam determinados tipos de música e que<br />

representam “[...] elementos de identificação dos grupos, dando suporte a<br />

uma certa ‘moral de convivência’ por conivência de gostos” (PAIS, 1993, p.<br />

104).<br />

Apoiados nesses autores, pretendemos discutir como as novas<br />

mídias e a sua naturalização no dia a dia têm provocado outras maneiras<br />

de aprender música, ilustrando-a através de recortes dos dados empíricos<br />

recolhidos por pesquisas recentes 1 . O conceito de aprender nestas<br />

investigações incluiu não somente aprendizagem de conteúdos, geralmente<br />

atribuída à escola, mas também suas competências emocionais e sociais,<br />

uma vez que a experiência com os meios de comunicação considera os<br />

processos de impregnação cotidiana e a imitação, realizados no plano<br />

individual e no coletivo, normalmente no encontro com outras crianças<br />

em casa ou na escola. Privilegiando as abordagens qualitativas os estudos<br />

buscam compreender como as pessoas, sobretudo jovens e crianças, dão<br />

sentido às músicas que ouvem e vêem no dia a dia e que de, certa forma,<br />

lhes oferecem um sentido para si próprias.<br />

É incontestável que a onipresença da música através das mídias<br />

influencia a vida musical dos jovens. No entanto, como essa influência<br />

se manifesta, é uma discussão controvertida. A visão geral sobre diversas<br />

mídias em sua gênese histórica, suas características mais importantes e sobre<br />

1 Aqui fazemos referências a trechos de entrevistas realizadas por Ramos (2002) e Schmeling<br />

(2005).<br />

21


as formas de assimilação pelos jovens abre um espaço de possibilidades que<br />

quase não admite enunciados generalizados sobre as mídia. Ou seja, cada<br />

mídia teria sua especificidade e desenvolvimento ao longo da história.<br />

As mídias integram de maneira “natural” o contexto das crianças e<br />

dos jovens, observando que em seus quartos, “[...] não é possível perceber<br />

a realidade do mundo a não ser através de mídia [...] enriquecem o mundo<br />

dos sentidos. Tais como olhos e ouvidos, prestam seu serviço sem serem<br />

percebidos” (SCHLÄBITZ, 1996, p. 283).<br />

A investigação realizada por Baacke et al. (1998), reflete sobre a<br />

popularidade e a multifuncionalidade da audição musical na vida dos<br />

jovens de hoje. Das 14 funções listadas pelos autores destacam-se:<br />

Sinais de reconhecimento para determinadas<br />

culturas juvenis que se destacam de outros através<br />

de determinadas preferências musicais; fonte de<br />

informações sobre novos estilos de vida, modas,<br />

formas de conduta, etc; delimitação diante de<br />

adultos que não aceitam a música Pop; estímulos<br />

para sonhos e anseios próprios; criação de<br />

identidades através da descoberta de movimento<br />

e corporeidade na dança; solicitação desafio para<br />

a ação, o ser-ativo, o protesto; possibilidade de<br />

isolamento do cotidiano, o que se torna possível<br />

pela colocação de fones de ouvido; possibilidade<br />

de identificação com figuras-padrão como astros<br />

de rock; expressão de protesto e oposição contra<br />

a cultura do cotidiano; recurso para alegrar-se,<br />

melhoria do ânimo, e controle da disposição<br />

(VOLLBRECHT et al., 1997, p. 37).<br />

A maioria dos jovens necessita da música não apenas como fundo<br />

musical, e sim, pode-se dizer, como elemento do cotidiano vivido, do qual<br />

ele não pode ser separado.<br />

22


Ana: Quando eu estou de castigo, eu fico dentro<br />

de casa vendo televisão e escutando o rádio. Ainda<br />

mais quando o meu pai está trabalhando como<br />

agora, minha mãe também, as minhas irmãs ficam<br />

na rua, só fica eu e minha irmã. Tem vez que eu<br />

desligo a televisão e vou direto pro rádio... a gente<br />

arruma a casa, pega as vassouras e fica dançando.<br />

(RAMOS, 2002, p. 121).<br />

Temas escolares e também as diversões tornam-se difíceis, quase<br />

impossíveis, sem fundo musical. O argumento pedagógico da “distração”<br />

nas tarefas escolares pela música parece ter-se transformado no oposto:<br />

somente através do som acompanhante é favorecida a disposição e<br />

capacidade de concentração.<br />

Hoje eu até fui na coordenação e daí falei pra<br />

coordenadora: ´com todo respeito, eu vou te<br />

desrespeitar agora, e vou te informar que, apesar de<br />

ser proibido o uso no colégio de walkman, eu vou<br />

continuar ouvindo´. Falei pra ela: ´vou informar<br />

que eu vou continuar ouvindo.´Porque desde que<br />

eu sou pequeno eles dizem que é proibido, senão,<br />

a gurizada já ouve no meio da explicação, vira<br />

algazarra, quer pedir emprestado, que não sei o<br />

quê, me empresta fita, me empresta CD, não sei<br />

quê, meu fone tá estragado, claro que acontece isso,<br />

mas quando chega a hora de fazer um exercício<br />

[...] Bah, aquela barulheira em volta, [tu] bota teu<br />

fone, te fecha no teu mundo e faz teu trabalho.<br />

(SCHMELING, 2005, p. 68).<br />

Nesta situação, observa-se transformações na estrutura da<br />

percepção, já investigadas por alguns autores como a capacidade dos jovens<br />

de se concentrarem em “vários canais” ao mesmo tempo. Principalmente<br />

adolescentes utilizam o CD como um pano de fundo de determinadas<br />

23


necessidades e interesses. Não o ouvem inteira, pelo contrário, predomina<br />

uma percepção motivada por experiências próprias, quer dizer: certas<br />

cenas e passagens são ouvidas de novo, enquanto outras nem são percebidas<br />

porque não lhes são de importância. A partir do que ouvem do conteúdo<br />

dos CDs pode-se tirar conclusões de seu estado de ânimo.<br />

Também as crianças frequentemente escutam rádio ao lado de outras<br />

atividades. As crianças aproveitam o rádio como meio de retração, ou em<br />

companhia de outras, quando assume a função de acompanhamento de<br />

outras atividades. Ver televisão e ouvir rádio simultaneamente lhes parece<br />

uma tarefa muito simples. Coloca a criança em situações de selecionar,<br />

escutar, cantar e dançar.<br />

Entrevistadora: Tu disseste que quando estás<br />

limpando a casa, tu ligas a televisão e o rádio, pra<br />

ficar escutando e ficar vendo, né?<br />

Elisa: É.<br />

Entrevistadora: E por que tu ligas os dois juntos?<br />

Elisa: Porque quando tá dando música boa no rádio,<br />

eu abaixo a televisão, e escuto o rádio e danço. E<br />

quando tá dando coisa boa, música boa assim na<br />

televisão, eu abaixo o rádio e levanto a televisão [...]<br />

(RAMOS, 2002, p. 122).<br />

As mídias auditivas estão firmemente ancoradas no dia-a-dia<br />

das crianças (RAMOS 2002; SCHMITT 2004). Em seu uso reflete-se<br />

principalmente a variedade de funções da música, à qual as crianças<br />

recorrem. Ela corresponde à necessidade de relaxamento, autodeterminação,<br />

movimento corporal e animação.<br />

Entrevistadora: Olha aqui, vocês ligam a televisão<br />

[...]<br />

Joel: Ligamos.<br />

24


Entrevistadora: E ficam trocando de canal pra<br />

ver onde está dando música, se está dando<br />

música vocês param. Me conta como é que é essa<br />

história?<br />

Joel: A gente não sabe onde tem música. Aí a gente<br />

bota no canal que tem música, daí a gente sabe a<br />

música já canta, se abala, se levanta do sofá, da<br />

cama, de qualquer coisa, começa a cantar, dançar,<br />

daí a gente se abala demais. Vai trocando até achar a<br />

música. (RAMOS, 2002, p. 108).<br />

Os aparelhos de som, em especial, possibilitam uma disponibilidade<br />

a qualquer hora e uma utilização diferenciada, de acordo com o estado de<br />

ânimo. Os aparelhos estão embutidos no dia a dia e ritualizados a ponto de<br />

estar equiparado a outras possibilidades de lazer, não-midiais.<br />

Ana: Até na rua de vez em quando as minhas<br />

amigas ficam dançando. Ontem mesmo era o dia<br />

das mães, e elas estavam dançando aqui, fazendo<br />

umas apresentações. Na minha rua todo mundo<br />

dança e canta. Até essa casa da esquina, na maioria<br />

das vezes, eles estão com o rádio ligado. Hoje é um<br />

milagre eles não estarem com o rádio ligado. E ali na<br />

casa da minha vizinha, também é um milagre não<br />

estarem com o rádio ligado de manhã. Ela liga bem<br />

de manhã cedo quando acorda, só que ela espera a<br />

gente acordar, e depois ela liga pra não incomodar.<br />

Ela liga às 8 horas. (RAMOS, 2002, p. 74).<br />

Para além das mídias<br />

Os padrões de preferência dependem das próprias crianças e dos<br />

jovens, de acordo com as concretas situações e perspectivas de vida e de<br />

experiências individuais.<br />

25


Entrevistadora: Gostas dessa música do Milton<br />

Nascimento?<br />

Duca: Não. Eu acho que é de criança essa música.<br />

Entrevistadora: E o que é uma música de criança?<br />

Duca: Música de criança é que [...] não sei como<br />

te dizer [...] eu gosto de música que tem realidade<br />

mesmo.<br />

Entrevistadora: O que é música que tem realidade?<br />

Duca: Realidade pra mim é negócio de drogas, de<br />

popozuda. (RAMOS, 2002, p. 84).<br />

A recepção dos produtos da mídia não se dá de forma passiva, mas<br />

sim através de um processo “ativo e criativo”, como propõe Thompson<br />

(1998). Ao receber novos conhecimentos e informações, os indivíduos estão<br />

interagindo e reinterpretando estes elementos conforme sua experiência,<br />

sua bagagem cultural e afetiva. Para este autor, “[...] o sentido que os<br />

indivíduos dão aos produtos da mídia varia de acordo com a formação e as<br />

condições sociais de cada um, de tal maneira que a mesma mensagem pode<br />

ser entendida de várias maneiras em diferentes contextos” (THOMPSON,<br />

1998, p. 42).<br />

Ainda segundo o autor, a interpretação de uma mensagem, seu<br />

“significado” ou “sentido” deve ser avaliado como<br />

“[...] um fenômeno complexo e mutável,<br />

continuamente renovado e, até certo ponto,<br />

transformado, pelo próprio processo de recepção,<br />

interpretação e reinterpretação. O significado que<br />

uma mensagem tem para um indivíduo dependerá<br />

em certa medida da estrutura que ele ou ela traz<br />

para o sustentar” (THOMPSON, 1998, p. 44-45).<br />

26


No campo da interação social TV, rádio e outras mídias podem<br />

levar crianças e adolescentes a participar da configuração afetiva do<br />

relacionamento e tornar-se relevante para a participação ou delimitação do<br />

círculo de amizades ou da família. Além disso, a TV e os transmissores de<br />

som oferecidos especialmente a crianças encerram um “capital” pedagógico<br />

que não deve ser subestimado.<br />

Entrevistadora: Parece que tu gostas de cantar junto<br />

com o Joel e o Jonas.<br />

Duca: Sim.<br />

Entrevistadora: E por quê?<br />

Duca: É que eu gosto de cantar porque eles sabem as<br />

músicas que eu sei cantar. Algumas não sei, só o Joel<br />

e o Jonas cantam essas músicas. Aí eles me ensinam.<br />

É que daí, sozinho, não consigo. Eu não fico com<br />

vontade de cantar. Só com alguém. Sozinho, não<br />

consigo. (RAMOS, 2002, p. 149).<br />

De acordo com a análise de Ramos (2002, p. 150),<br />

[...] para as crianças não existe um local específico<br />

para aprender. A relação da criança com a música<br />

estabelecida entre o mundo televisivo e o Escolar<br />

está no próprio ato de querer aprender e como<br />

aprender. O local não define a relação, o que define<br />

é a música que está presente nesses dois mundos.<br />

Existe o mundo televisivo, que se constitui das<br />

interações entre a criança, a música e a televisão. No<br />

mundo Escolar, as interações se estabelecem entre a<br />

criança, a música e outras crianças.<br />

Entrevistadora: A turma e a Escola são importantes<br />

pra tu aprenderes essas canções?<br />

Ana: São. Sem elas, professora, se a gente não tiver<br />

uma companhia, a gente nunca aprende, sempre<br />

tem alguém pra ajudar a gente.<br />

Entrevistadora: Tu gostas então?<br />

Ana: Gosto.<br />

27


Entrevistadora: Aprendes lá em casa [...]<br />

Ana: Em qualquer lugar. Não tem lugar pra mim<br />

aprender [...] qualquer lugar. . (RAMOS, 2002, p.<br />

150).<br />

O ouvir em conjunto, numa roda de amigos, oferece motivação de<br />

diálogo, de conversas, de trocas de experiências e da certeza e afirmação da<br />

mesma preferência/gosto musical. O uso individual espanta o tédio, por<br />

exemplo, durante os temas escolares, como já mencionado. Ela traz uma<br />

disposição emocional, por exemplo, durante a leitura ou serve para superar<br />

maus sentimentos, respectivamente para compensá-los.<br />

Entrevistadora: Tu cantas com teus amigos na<br />

Escola?<br />

Joel: Canto, porque todo mundo abala. Lembra<br />

quando tinha aquele palco ali onde a gente dançava?<br />

Entrevistadora: Sim.<br />

Joel: A diretora botava música, e daí todo mundo<br />

começa a cantar, dançar e chega uma, chega duas,<br />

e daí chega três, chega quatro, até bastante gente, e<br />

todo mundo dança.<br />

Entrevistadora: Isso é importante pra ti?<br />

Joel: É, porque já vê uma pessoa cantando, já se<br />

lembra, já<br />

dança, já abala. Todo<br />

mundo dança.<br />

Entrevistadora: E aí tu aproveitas e cantas com teus<br />

amigos?<br />

Joel: Canto.<br />

Entrevistadora: E a turma e os amigos que tu tens<br />

aqui na Escola são importantes pra tu aprenderes<br />

essas músicas?<br />

Joel: São. Eles cantam a música que eu não sei,<br />

depois no outro dia elas cantam de novo e aí eu já<br />

sei. (RAMOS, 2002, p. 148).<br />

De forma semelhante uma outra criança entrevistada revela:<br />

28


Entrevistadora: Que tipo de música tu cantas na<br />

Escola?<br />

Diane: Às vezes no recreio. Na sala não dá pra cantar<br />

porque a professora não deixa, mas eu consigo.<br />

Entrevistadora: E no recreio, o que tu cantas?<br />

Diane: Eu canto um monte de músicas.<br />

Entrevistadora: Sozinha?<br />

Diane: Às vezes sozinha ou com minhas colegas.<br />

Nós sentamos num banco e cantamos. Eu gosto das<br />

minhas colegas porque são elas que me ensinam.<br />

Entrevistadora: E como é que te ensinam?<br />

Diane: Elas cantam e aí a gente senta num banco<br />

e elas vão me ensinando, aí eu aprendo. (RAMOS,<br />

2002, p. 147).<br />

Essa identificação das crianças com seus pares parece ser uma<br />

referência que a escola insiste em relevar, como se o sentido unívoco do<br />

“estar na escola” estivesse fixada no conhecimento ou na aprendizagem<br />

de conteúdos. Tomar a vida escolar com suas contradições, interrupções<br />

que correspondem à vida cotidiana, à situação real em sociedade tornase<br />

imperioso para que as experiências escolares permaneçam como<br />

experiências significativas (SOUZA, 2000, p. 177-178).<br />

Entrevistadora: Caso tu tenhas que conversar com<br />

a diretora sobre as<br />

músicas dos<br />

alto-falantes, o que tu falarias sobre elas?<br />

Ana: É que ela botou uma música que eu nem sabia<br />

como cantar. Era uma do Zeca Pagodinho [...] eu<br />

não sabia nem dançar. Eu ia pedir pra ela colocar<br />

uma música do É o Tcham, porque sei dançar quase<br />

todas. (RAMOS, 2002, p. 134).<br />

Entrevistadora: O que tu gostarias de perguntar<br />

para a diretora sobre as músicas dos alto-falantes?<br />

Joel: Eu perguntaria pra ela: ‘- Diretora, a senhora<br />

não gosta de música de funk?’. Daí ela: ‘- Sim eu<br />

29


gosto’, ‘- Então porque a senhora não bota lá, todo<br />

mundo já sabe e aí a gente começa a abalá também,<br />

né? (RAMOS, 2002, p. 134).<br />

As crianças interpretam, atribuem significados e filtram o que<br />

circula pela mídia e, assim, inovam a partir de suas experiências e vivências<br />

reais e virtuais. No caso da televisão parte-se do pressuposto de que as<br />

crianças não recebam passivamente aquilo que esse aparato veicula. Ramos<br />

(2002) avalia que as crianças assistem à televisão, e dominam com maestria<br />

o controle do aparelho, e consomem com interesse programas não apenas<br />

destinados a elas, mas também aqueles dirigidos aos adultos.<br />

Ver televisão, não é um ato individual, mas social, porque os meios<br />

se encontram na dimensão do cotidiano infantil e o que circula por esse<br />

aparato suscita e alimenta as interações infantis com a família e com a<br />

escola. As crianças aprendem música a partir da sistematização frente aos<br />

programas de televisão. Elas selecionam os programas diários ou semanais<br />

de que cantores e grupos musicais participam. Os que aprendem se<br />

manifestam de uma maneira espontânea durante o recreio ou na sala de<br />

aula, ou seja, o que a criança aprende sozinha em casa é levado para a escola<br />

numa espécie de “assimilação coletiva” (LURÇAT, 1998).<br />

Ao falar com os colegas da escola sobre os programas que assistem<br />

à televisão, ou sobre algo que escutaram pelo rádio, interagem com os<br />

demais, adaptam-se, questionam, argumentam e percebem que há outros<br />

matizes sociais e culturais. Essa é uma das maneiras pelas quais elas<br />

conhecem o mundo a partir de vivências e experiências musicais comuns<br />

que se expandem e se transformam com e no seu grupo. Nessas interações,<br />

elas tentam decodificar o apreendido, quando misturam ou acrescentam a<br />

suas brincadeiras ou conversas as representações e o conhecimento sobre o<br />

mundo que observam em casa, na escola ou na televisão (RAMOS, 2002).<br />

30


Considerações finais<br />

Os meios de comunicação são fundamentais nas sociedades<br />

contemporâneas, integrando as atividades cotidianas dos indivíduos. Os<br />

meios não apenas promovem interações interpessoais, mas viabilizam<br />

novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um conjunto de<br />

materiais simbólicos. Neste sentido, os media são significativos no processo<br />

de circulação de saberes, de trocas de informações, de transmissão e<br />

apropriação de conhecimentos, de formas de viver e de se expressar,<br />

interferindo na formação dos indivíduos, reconstruindo diariamente,<br />

opiniões, percepções e desejos.<br />

Os usos da música transmitida pelos meios, é hoje, parte<br />

inquestionável do cotidiano dos jovens. Vemos também que novas ofertas<br />

midiáticas como i-pods são aceitas com extrema facilidade. No entanto a<br />

escola parece ainda ignorar as experiências musicais que são feitas pela<br />

mídia, fora do tempo-espaço da escola:<br />

Joel: Eu gosto de ouvir música no final de<br />

semana porque não tem aula e daí eu posso ouvir<br />

bastante. No colégio as professoras colocam às vezes<br />

uns radinhos com músicas só de romance, também<br />

não abala ninguém.<br />

Entrevistadora: A música tem que abalar, Joel?<br />

Joel: Tem que abalar, como é que a pessoa vai cantar<br />

morrendo? (RAMOS, 2002, p. 147).<br />

Com o desenvolvimento dos meios tecnológicos e sua consequente<br />

inovação das práticas musicais, parece importante ouvirmos as crianças e<br />

jovens para que possamos nos aproximar desse novo contexto, conhecendo<br />

assim suas necessidades, expectativas, ideias e conceitos. A nossa busca tem<br />

31


sido descrever os fenômenos pedagógicos musicais com metodologias cada<br />

vez mais aperfeiçoadas e próprias da área. O desafio tem sido propor uma<br />

pedagogia musical coerente com a realidade, numa permanente atualização.<br />

No uso pedagógico de CDs e outras mídias no cotidiano, deve-se<br />

considerar que uma sensibilização do sentido auditivo (como parte de<br />

uma educação estética) geralmente é pensada a partir de uma perspectiva<br />

dos educadores. Porém é necessário não se distanciar do significado que<br />

a música tem para crianças e adolescentes e ignorar as necessidades e as<br />

condições do cotidiano deles. Considerar os aspectos que levam as crianças<br />

e jovens a usar determinados CDs; e que são muito seguros de si quando<br />

compram o que gostam, aquilo que os satisfaz.<br />

Em relação à mídia e aprendizagem, Schläbitz (1996) afirma que<br />

hoje é mais importante saber compreender e manejar do que acumular<br />

conhecimento. Isso equivale a educar a sensibilidade para a diferenciação,<br />

ou seja, para a percepção individual. Não pode ser propósito substituir a<br />

pedagogia musical por entretenimento, de impor o gosto do educador à<br />

criança, mas sim entreter com fantasia e humor, a ponto de satisfazer a<br />

necessidade a qual elas têm direito; satisfazer na criança a necessidade de<br />

empolgação e relaxamento. Pois afinal de contas a criança quer se divertir<br />

com a música e não “aprender”.<br />

Músicas de filmes, histórias de aventuras, de piratas, de fantasmas, de<br />

contos de fadas, não são apenas ouvidas – são vivenciadas. A criança teme<br />

pelo herói que está em perigo, mas ao mesmo tempo sabe do happy end.<br />

Tensão sempre está ligada à tensão/relaxamento e isso para crianças são<br />

experiências muito agradáveis. Porém essas situações não são provocadas<br />

apenas através de conteúdos, mas também através de ruídos e do uso da<br />

música.<br />

32


As transformações que as novas tecnologias trazem, e como os seus<br />

paradigmas afetam a educação musical e a educação em geral, têm sido objeto<br />

de estudo tanto de educadores musicais, como dos educadores de modo<br />

geral. Com os atuais meios de comunicação as crianças estão em contato<br />

com a música nas mais diversas situações. Como tem alertado Souza (2000,<br />

p. 176), “[...] embora normalmente essa vivência não seja acompanhada de<br />

reflexão, é extraordinário o potencial de uma aprendizagem musical efetiva<br />

que aí reside”. Por isso, acreditamos, como escreve Morduchowicz (2001, p.<br />

94-95), que a escola deveria propor:<br />

Uma educação em meios não busca transformar o<br />

capital ou os consumos culturais dos alunos, mas<br />

explorar a relação que os meninos estabelecem<br />

com o mundo (Escolar e não Escolar) e ensinar a<br />

desnaturalizar as representações que o constroem,<br />

cuja compreensão afetará certamente a percepção<br />

que tem do universo, sua observação sobre a<br />

realidade e sua atitude ante o conhecimento.<br />

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2005.<br />

36


Interfaces entre<br />

Comunicação e<br />

Educação, através da<br />

Produção de Mídias<br />

alternativas: possibilidades<br />

emancipatórias<br />

Sandra Maria Farias Loureiro de Souza<br />

(FTC/UNEB)<br />

Maria Olivia de Matos Oliveira<br />

(UNEB)<br />

Introdução<br />

A pesquisa ‘Interfaces entre ‘Educação e Comunicação através<br />

da Produção de Mídias Alternativas: Possibilidades Emancipatórias’ foi<br />

realizada como dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação<br />

em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC, da Universidade do<br />

Estado da Bahia, defendida no ano de 2010.<br />

37


O presente artigo pretende apresentar o percurso metodológico, os<br />

dados coletados e as conclusões resultantes das investigações e reflexões<br />

desenvolvidas durante a pesquisa que abordou a Oi Kabum! Escola de Arte e<br />

Tecnologia, programa não-formal do Oi Futuro, desenvolvido em Salvador<br />

– Bahia, pela organização não-governamental CIPÓ - Comunicação<br />

Interativa. 1<br />

Os processos investigados na referida pesquisa estão fundamentados<br />

na perspectiva das relações entre comunicação e educação, visando as<br />

possibilidades e limites para a participação e inclusão social de jovens de<br />

comunidades periféricas através da produção de mídias alternativas.<br />

O contexto teórico-conceitual da pesquisa<br />

A expansão tecnológica favoreceu a aproximação e a interação com<br />

as TIC dos mais diversos públicos, mesmo aqueles com poucos recursos.<br />

Tornou-se cada vez mais barato adquirir aparatos tecnológicos como<br />

câmeras digitais de fotografia e vídeo, celulares com os mais diferentes<br />

recursos e mesmo computadores, scanners e impressoras, além do acesso<br />

à rede infomatizada – a internet. Através desses aparatos e do acesso à<br />

internet, esses públicos estão produzindo e disseminando mídias – textos e<br />

imagens – com diversidade de discursos para milhões de pessoas em todo<br />

o mundo.<br />

A centralidade das TIC e a produção de mensagens e sentidos<br />

por meio das técnicas e dos processos midiáticos vigentes no mundo<br />

1 A CIPÓ - Comunicação Interativa é uma organização não-governamental, criada em 1999,<br />

em Salvador, BA, reunindo um grupo de profissionais de diferentes áreas: comunicação,<br />

educação e arte que tem como focos a democratização e qualificação dos meios de<br />

acesso, produção e veiculação de mídia e da comunicação; a utilização educativa das TIC;<br />

envolvimento de crianças, adolescentes e jovens na produção de mídia, como jornais, sites,<br />

animações, programas de rádio e TV, vídeos, coletâneas fotográficas, entre outros.<br />

38


contemporâneo são procedimentos que funcionam como mobilizadores de<br />

interações sociais, padrões de comportamento, de consumo e de vida. Neste<br />

movimento ativam também um impulso dialético que estimula o potencial<br />

humano para as transformações, pois tanto podem veicular em larga escala<br />

mensagens e conteúdos que se destinam a manter o status quo, como também<br />

se configuram em terreno fértil para a veiculação de diferentes discursos,<br />

imagens e sons, já que os meios técnicos estão presentes de forma intensa<br />

no cotidiano de todos. Essa condição dialética é analisada por autores<br />

como Santos (2007) e Martin-Barbero (2006), que reconhecem a violência<br />

da informação no mundo globalizado, e que, como afirma Santos (2007,<br />

p. 39), “[...] o que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma<br />

informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde”. O referido<br />

autor avança ainda mais nesta reflexão ao afirmar que esta informação<br />

manipulada “se apresenta como ideologia”.<br />

Dessa forma, ao considerarmos os sistemas contemporâneos de<br />

produção-recepção-disseminação, observamos que há um movimento que<br />

faz a informação circular, produz novas ideias, reflexões e discussões, além<br />

de possibilitar uma maior socialização do conhecimento.<br />

No campo da educação, cada vez mais são promovidas reflexões e<br />

discussões acerca do alcance das TIC, tanto em termos de influência que<br />

exercem sobre os sujeitos, instituições, relações e representações sociais,<br />

como em relação às estratégias para se lidar com as transformações que<br />

afetam os modos de acessar e elaborar informações, ideias e conhecimentos.<br />

Evidentemente, as relações educacionais e escolares e as mediações<br />

pedagógicas estão intensamente impregnadas por esse novo mundo<br />

tecnologizado, pois os processos educativos, sejam eles formais ou nãoformais<br />

– não estão isolados dos acontecimentos mundanos e, dessa forma,<br />

reconhece-se que é extremamente difícil estabelecer os rumos que serão<br />

39


traçados nas próximas décadas para a educação frente aos desafios que<br />

ainda precisam se vencidos.<br />

Nesse âmbito, os fenômenos midiáticos da vida cotidiana, abordados<br />

em um contexto educativo, relacionados à realidade dos educandos,<br />

assumem outra dimensão. Considera-se que o caráter multilateral,<br />

proporcionado pelo acesso às TIC, pode se constituir em fomentador de<br />

crítica, de reflexão e de ação em torno de outras visões de mundo e de<br />

outros projetos de vida.<br />

As mídias alternativas configuram-se em processos de produção<br />

midiática que se identificam com processos de resistência, e podem<br />

configurar-se como possibilidades de transformação social, e mesmo de<br />

subversão das relações de produção e recepção. Downing (2002) trata da<br />

temática das mídias alternativas por meio de uma ampla reflexão acerca do<br />

potencial intrínseco que essa produção pode oferecer, no sentido de romper<br />

com as relações hegemônicas estabelecidas no mundo contemporâneo pela<br />

forte incidência das mídias. Traça um panorama através do qual procura<br />

demonstrar que as mídias alternativas sempre tiveram lugar na história<br />

da humanidade, atestando o caráter não-conformista e a vocação para a<br />

resistência por parte dos sujeitos.<br />

O referido autor alerta para as possibilidades que se apresentam<br />

ao se reconhecer e fomentar essas produções consideradas alternativas,<br />

autônomas, experimentais e mesmo marginais, que são potencializadas<br />

pelo extensivo alcance das Tecnologias da Informação e da Comunicação<br />

(TIC) que vivenciamos em escala global.<br />

Essa discussão é perpassada por uma problemática crucial: o<br />

papel emancipador da educação. O entendimento acerca do trabalho<br />

educativo como prática política, assim como defendido por Giroux (1983),<br />

que se alinha a Freire (2007), o qual relaciona cultura política, educação<br />

40


e transformação, em uma perspectiva por meio da qual a educação é<br />

concebida como um projeto de vida pessoal e coletivo e parte das demandas<br />

sociais e culturais dos sujeitos, sobretudo aquelas relacionadas à educação<br />

das camadas populares. O sujeito, ao vivenciar processos educativos mais<br />

implicados com uma visão política e com uma leitura crítica do mundo<br />

seria, consequentemente, levado a uma concepção mais crítica e estaria<br />

mais apto a fazer escolhas voltadas para seus reais interesses, baseados em<br />

projetos dimensionados pessoal e coletivamente.<br />

A educação, nesta perspectiva, cumpriria o papel de articular a<br />

reflexão com a ação, ao realizar a mediação entre informação, conhecimentos,<br />

ideias e valores veiculados pelas mídias. Este papel consistiria em atuar<br />

como agente de elaboração, transformando informações em conhecimento,<br />

ao desenvolver uma visão crítica das produções e mediações midiáticas, que<br />

estão presentes em todos os setores da vida. Um processo de ressignificação<br />

de ideias, conceitos, valores e propósitos através da reflexão crítica e da<br />

criação de um discurso próprio, como educandos e como sujeitos históricos.<br />

Silva (2006, p. 68), ao refletir sobre os desafios contemporâneos da<br />

educação frente à comunicação afirma:<br />

A escola não se encontra em sintonia com a<br />

emergência da interatividade. Encontra-se alheia<br />

ao espírito do tempo e mantém-se fechada em si<br />

mesma, em seus rituais de transmissão, quando<br />

seu entorno modifica-se fundamentalmente em<br />

nova dimensão comunicacional. Para Martín-<br />

Barbero, um dos pesquisadores mais atentos à interrelação<br />

comunicação e educação, pode-se falar<br />

em ‘esquizofrenia entre modelo de comunicação<br />

que configura uma sociedade progressivamente<br />

organizada sobre informação e o modelo<br />

hegemônico que subjaz o sistema educativo’.<br />

41


É certo que os alunos trazem um conhecimento, construído social<br />

e culturalmente, em grande parte, permeado pela mídia. A percepção<br />

dessa dinâmica pode vir a trazer um novo sentido às relações educativas.<br />

Faz-se necessário reconhecer o que é trazido pelo aluno para os espaços<br />

de conhecimento e conferir significado a uma produção socialmente<br />

construída, e que, via de regra, é considerada como fora do espaço escolar.<br />

Uma produção marginal. Ressignificar esse conteúdo para o aluno, ao<br />

estabelecer as relações desse conteúdo com a vida, talvez seja um ponto de<br />

partida para uma mediação pedagógica que leve em consideração a vida<br />

cotidiana e as necessidades e demandas sociais dos sujeitos implicados.<br />

Nesse contexto, a construção do conhecimento deixa de ser apenas uma<br />

ação cognitiva, e passa a ser reconhecida também como uma produção<br />

social (a qual já é, de fato), mediada por sistemas simbólicos dos quais os<br />

sujeitos dispõem e podem mobilizar a seu favor, como forma de interagir<br />

com mais significado com as diversas vertentes do saber e do conhecimento<br />

humanos. Nessa perspectiva, a mídia atuaria não apenas como produtorareprodutora<br />

de cultura, mas também como espaço de luta simbólica. Um<br />

espaço onde os sujeitos, através de uma visão crítica do conhecimento<br />

e da educação para a vida, teriam a oportunidade de rever seu papel no<br />

mundo, como possíveis participantes, construtores e sujeitos desse mesmo<br />

conhecimento.<br />

O problema da pesquisa<br />

O problema principal desse estudo procurou reconhecer os processos<br />

comunicacionais e tecnológicos presentes na experiência em produção<br />

midiática realizada pela Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, através<br />

das TIC, buscando identificar possibilidades e limites para a inclusão social<br />

de jovens de comunidades populares.<br />

42


Assim, foram propostos os seguintes pontos para questionamento,<br />

reflexão e discussão, a partir do problema: 1. Quais as demandas<br />

socioculturais requeridas pelos sujeitos da pesquisa em termos de<br />

informação, educação e comunicação? 2. Quais as conexões entre a<br />

formação dos jovens no programa em estudo e a apropriação, uso das<br />

mídias e das TIC e as possibilidades e limites para a inserção social?<br />

Como objetivo geral, este estudo buscou analisar os processos<br />

educacionais, comunicacionais e tecnológicos, visando identificar<br />

possibilidades e limites para a inclusão social de jovens de comunidades<br />

populares, através das análises dos conteúdos presentes nas comunicações<br />

e depoimentos colhidos dos jovens egressos do referido programa<br />

educacional.<br />

Para isso, foram propostos os seguintes objetivos específicos:<br />

identificar junto aos sujeitos da pesquisa as demandas socioculturais<br />

por informação, educação e comunicação; identificar conexões entre a<br />

formação de jovens de comunidades populares em um programa educativo,<br />

a apropriação e uso desse conteúdo por esse público-alvo e as repercussões<br />

na vida desses sujeitos; caracterizar as formas de participação, apropriação e<br />

disseminação da produção e do uso da tecnologia por parte desses sujeitos.<br />

As reflexões, análises e discussões tiveram como fonte as relações<br />

presentes na interface educação/comunicação/produção midiática/<br />

tecnologias, que levou em consideração as contradições presentes nesta<br />

relação tão complexa. Os processos investigados têm como fundamentos<br />

a leitura crítica das mensagens midiáticas que circulam na sociedade, por<br />

meio da leitura crítica do mundo e da mídia, a produção midiática (no<br />

processo educativo e fora dele) e a participação em processos educativos<br />

e interativos por meio das TIC, que são as bases da metodologia educativa<br />

pesquisada.<br />

43


Os sujeitos da pesquisa<br />

O público-alvo para o qual se volta o programa educativo investigado<br />

é formado por adolescentes e jovens em fase de escolarização e preparandose<br />

para o mundo do trabalho. Cada turma é formada por jovens que podem<br />

estar no final do Ensino Fundamental (a partir do 7º ano), cursando um dos<br />

três anos do Ensino Médio ou são recém-egressos do 3º ano. São estudantes<br />

de escola pública e moradores das regiões periféricas do Nordeste de<br />

Amaralina e do Subúrbio Ferroviário. Recentemente, passaram a integrar o<br />

programa, adolescentes e jovens do Centro Histórico de Salvador.<br />

Comunidades como o Subúrbio Ferroviário, formado por cerca de<br />

30 bairros e com uma população em torno de 600 mil pessoas e o Nordeste<br />

de Amaralina, com uma população de cerca de 100 mil habitantes e<br />

composto por quatro bairros, surgidos através da ocupação desordenada,<br />

apresentam condições ainda precárias de urbanização e de qualidade de<br />

vida. Os adolescentes compõem grande parte da população desses bairros.<br />

São jovens que buscam alternativas para as situações de exclusão em que<br />

vivem, e buscam participar de atividades culturais e artísticas, porém o<br />

que lhes é oferecido não dá conta de mantê-los distantes das situações de<br />

criminalidade e violência que são características desses bairros.<br />

A trilha metodológica<br />

A abordagem para apreensão e análise tem por base a concepção<br />

dialética, levando em consideração que um campo de grandes conflitos, em<br />

diferentes níveis, se apresenta e demanda a possibilidade de confrontarmos<br />

elementos contraditórios, em busca de uma síntese. Essa síntese precisa<br />

levar em conta aspectos sociais, econômicos, culturais, históricos, mas que<br />

44


não se anulem as subjetividades presentes e que seja possível privilegiar<br />

a complexidade humana e suas possibilidades/potencialidades de<br />

emancipação.<br />

A opção pelo estudo de caso (GOLDENBERG, 1998) visou conhecer<br />

o mais profundamente possível o funcionamento da proposta educativa e<br />

suas relações com os contextos relacionados, nos aspectos sociocultural,<br />

tecnológico, comunicacional e educacional, para assim ser possível<br />

identificar uma contribuição mais efetiva das possibilidades oferecidas e<br />

dos seus limites.<br />

Nas análises desenvolvidas acerca dos objetivos e das ações do<br />

programa, procurou-se descrever e fazer a reflexão sobre quais seriam as<br />

lógicas identitárias implicadas nos processos e relações entre os diversos<br />

elementos presentes, qual o conteúdo crítico que emerge no trabalho e<br />

nas atividades pedagógicas e como esse conteúdo está relacionado e pode<br />

contribuir para uma aprendizagem significativa dos envolvidos, por meio<br />

das mediações realizadas durante as atividades. Além disso, quais seriam as<br />

relações que se estabelecem frente ao uso da tecnologia para esse processo<br />

educativo. Que reflexões e posicionamentos críticos foram provocados nos<br />

participantes e qual a relevância para o contexto de vida dos jovens e para<br />

suas demandas por conhecimento, comunicação e educação, ou seja, para<br />

sua inserção social.<br />

O processo de observação das atividades foi fundamentado a<br />

partir de algumas questões centrais. Esta observação foi realizada pela<br />

pesquisadora durante a sua própria atuação enquanto coordenadora<br />

pedagógica do programa, não sendo possível determinar o número de<br />

horas dispendido no processo.<br />

As atividades observadas possuíam como um dos focos principais<br />

a leitura crítica da mídia. Um ponto importante a ser observado, referiu-<br />

45


se às práticas educativas descritas e como estas estimulariam formas do<br />

educando estabelecer relações com suas vivências e com uma visão de<br />

mundo mais ampla.<br />

Por outro lado, tentou-se estabelecer uma ligação entre o potencial<br />

de aprendizado e a análise crítica da produção midiática, tanto aquela<br />

oriunda da mídia oficial, como a produzida durante o processo educativo.<br />

A produção midiática desenvolvida pelos jovens foi descrita<br />

destacando as mediações presentes nas atividades para a criação dos<br />

produtos, e também nos planejamentos e nas estratégias de pesquisa<br />

desenvolvidas pelo programa educativo, que são base para a elaboração<br />

pelos jovens dos produtos midiáticos, tanto em relação aos conteúdos,<br />

quanto a formatos, contemplando a elaboração de textos e registro de<br />

imagens.<br />

Foram também descritos os processos relacionados à apropriação<br />

das tecnologias, presentes nos processos de desenvolvimento das atividades<br />

e utilizadas no desenvolvimento dos produtos midiáticos. É importante<br />

ressaltar que, neste contexto específico, entende-se o produto como a<br />

concretização da aprendizagem, resultado do processo e totalmente<br />

implicado com ele. Não se pretende estabelecer aqui uma relação de produto<br />

enquanto lógica de mercado. O produto, neste caso, seria o reflexo das<br />

mediações presentes no processo, a partir da análise do perfil dos sujeitos,<br />

dos conteúdos críticos relacionados com esses sujeitos e as representações<br />

identitárias contidas nesta produção.<br />

A partir das entrevistas realizadas, tentou-se traçar uma conexão<br />

entre os processos de aprendizagem e os resultados para os jovens acerca da<br />

inserção social através do mundo do trabalho. Afinal, a formação tem como<br />

um dos objetivos principais a formação técnica e uma possível inserção no<br />

mundo do trabalho.<br />

46


Um ponto de ancoramento, fio condutor das análises, foi a discussão<br />

que se estabeleceu entre a formação e a participação social dos jovens,<br />

principalmente em seus entornos - comunidade. Nessa perspectiva, uma<br />

questão observada foi a articulação ou não entre as práticas educativas com<br />

os processos potenciais de emancipação presentes na proposta educacional<br />

pesquisada. Que potencialidades e limites se apresentaram, de forma<br />

explícita ou implícita no Programa Oi Kabum! e com quais oportunidades<br />

e aprendizados os adolescentes foram confrontados? Como a proposta em<br />

questão se articula com as reflexões da presente investigação? Quais os<br />

resultados da formação dos jovens frente aos desafios que enfrentam?<br />

Foram usados diferentes métodos e instrumentos de coleta de dados:<br />

entrevista semiestruturada; análise de documentos e materiais produzidos<br />

sobre o processo formativo desenvolvido, como fichas de inscrição,<br />

relatórios, planejamentos e avaliações; observação e participação em<br />

atividades e procedimento pedagógicos, que ocorreram durante a própria<br />

atuação da pesquisadora como coordenadora pedagógica do programa<br />

educacional. Consideramos de grande importância, para a análise, essa<br />

participação.<br />

A pesquisa foi estruturada da seguinte forma: foram entrevistados<br />

30 jovens da Turma I (2004 – 2006), sete jovens da Turma <strong>II</strong> (2006 – 2008),<br />

somando 37 jovens no total; foram coletados os dados atualizados referentes<br />

à idade, à escolaridade e inserção no Mundo do Trabalho dos 30 jovens da<br />

turma I e dos sete jovens da Turma <strong>II</strong>.<br />

Procurou-se, nas entrevistas, identificar as expectativas e as<br />

repercussões da formação para as escolhas e trajetórias desses jovens.<br />

Em relação aos dados quantitativos, relacionados à faixa etária, à<br />

escolaridade e à situação de trabalho, foram elaborados gráficos para que<br />

ficasse visível parte da trajetória desse grupo. Nestes gráficos constam os<br />

47


números referentes à conclusão do Ensino Médio, acesso à universidade<br />

e situação atual de trabalho dos 37 jovens. Os nomes dos jovens foram<br />

preservados para garantir o anonimato.<br />

O método de análise dos dados buscou inferir as mensagens contidas<br />

nas falas e expressões dos sujeitos das pesquisas, por meio da análise das<br />

comunicações e diálogos estabelecidos no processo de coleta.<br />

Para a análise qualitativa dos dados, foram consideradas relevantes as<br />

categorias presentes nas comunicações dos sujeitos, previamente definidas<br />

a partir dos objetivos e das propostas dos programas investigados.<br />

Assim, dentre as diversas técnicas de Análise de Conteúdo de Bardin<br />

(2009, p. 199), foi escolhida a análise por categorias que:<br />

Funciona por operações de desmembramento<br />

do texto em unidades, em categorias segundo<br />

reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes<br />

possibilidades de categorização, investigação dos<br />

temas, ou análise temática, que é rápida e eficaz<br />

de se aplicar a discursos diretos (significações<br />

manifestas) e simples.<br />

Em consonância com a técnica escolhida, as respostas às entrevistas,<br />

tratadas como texto, foram separadas em unidades de registro. As unidades<br />

de registro podem ser divididas em palavras ou em temas. Esses temas<br />

são “unidades de significação que se libertam do texto analisado segundo<br />

certos critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura” (BARDIN,<br />

2009, p. 131). São também “núcleos de sentido”, que correspondem ao teor<br />

das comunicações. São analisados em termos de “frequência de aparição”<br />

e “podem significar alguma coisa para o objetivo analítico”. A técnica que<br />

48


enfatiza a análise temática é apropriada para as análises que buscam deduzir<br />

a partir de hipóteses, em direção a novas hipóteses.<br />

Para a aplicação desta técnica foram definidas algumas categorias<br />

para as análises, baseadas nos próprios objetivos do programa pesquisado:<br />

• Contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma<br />

a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o<br />

estigma a que estão associados;<br />

• Formar adolescentes de bairros populares para participarem<br />

ativamente da melhoria de suas comunidades, utilizando a<br />

comunicação e a arte como ferramentas da transformação<br />

social;<br />

• Promover a inserção qualificada de jovens no mundo do<br />

trabalho;<br />

• Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade<br />

técnica, conceitual e estética com e para adolescente sobre<br />

temas relevantes para os jovens e para as comunidades onde<br />

residem.<br />

Como diretrizes gerais para a análise dos dados:<br />

1. Objetivos do programa educativo ao realizar suas ações e<br />

atividades.<br />

2. A fundamentação teórica que medeia a discussão e a análise<br />

dos dados.<br />

3. As comunicações feitas pelos sujeitos da pesquisa.<br />

4. Os dados levantados pela pesquisa.<br />

49


Análise dos dados: possibilidades emancipatórias<br />

Para realizar as análises considera-se relevante partir das seguintes<br />

questões: qual a contribuição social do referido programa educacional<br />

para as comunidades dos jovens participantes e qual o olhar desses jovens<br />

acerca do referido programa? Para além dos objetivos declarados em seus<br />

documentos institucionais, qual é a avaliação feita pelos jovens em relação à<br />

contribuição do programa para uma maior participação social e intervenção<br />

comunitária?<br />

Ao serem perguntados se acreditavam “que o aprendizado<br />

desenvolvido durante o programa educativo contribuiu para modificar<br />

a atuação em relação à comunidade e de que forma aconteceu essa<br />

modificação”, a maioria das respostas aponta para uma visão individualizante<br />

do programa:<br />

Comunidade..., não mudou significativamente, pois um projeto como<br />

este não é abrangente a todos os jovens da comunidade, e enquanto papel<br />

de multiplicador nas comunidades por conta da vida corrida que todos<br />

levamos, ingresso no mercado de trabalho e formação acadêmica, não<br />

houve iniciativa da minha parte juntamente com a falta de projetos voltados<br />

para este fim na comunidade, no qual eu pudesse fazer em paralelo os dois<br />

papéis, multiplicador e tirar o sustento. (Jovem da Turma I - 2004 – 2006).<br />

Ou ainda:<br />

O olhar mudou de apenas reclamão para crítico, mas nunca quis me<br />

envolver numa atuação mais direta em prol da comunidade. (Jovem da<br />

Turma I - 2004 – 2006).<br />

50


Estou vivendo aquele ditado, ‘casa de ferreiro, espeto de pau’; ainda não tive<br />

a oportunidade de passar para a galera da minha comunidade o que aprendi<br />

durante esses 3 anos. (Jovem da Turma <strong>II</strong> - 2006 – 2008).<br />

Esses são alguns exemplos das respostas dadas a essa proposição.<br />

Dos 37 depoimentos colhidos, dentre os jovens das duas turmas formadas,<br />

apenas 4 jovens demonstraram ter realizado ações continuadas nas<br />

comunidades. Ou seja, praticamente 90% dos jovens entrevistados não<br />

atuam nas comunidades como multiplicadores de conhecimento ou<br />

mobilizadores sociais. No entanto, grande parte dos jovens declara que<br />

o programa fomentou uma visão crítica sobre a comunidade, sobretudo<br />

ao reconhecer as qualidades positivas, a cultura local e o valor de seus<br />

moradores:<br />

Vejo a comunidade de forma mais construtiva e acolhedora, mas me sinto<br />

de mãos atadas para uma intervenção mais direta em prol da comunidade.<br />

Tudo isso devido à dinâmica da vida atual: trabalho, estudo etc. (Jovem da<br />

Turma I – 2004 – 2006)<br />

[....] a comunidade tem cultura. [...] a gente tem tipo... é uma coisa nossa ali,<br />

sabe? É uma cultural local, então é legal a gente tá mostrando isso, porque<br />

tem coisas que a gente faz lá que ninguém conhece, isso é meio mirabolante<br />

assim, mas é uma cultura nossa, então. Acho que é legal e a Kabum me<br />

ensinou isso, a ver essa cultura, por mais que todo lugar tenha problema, eu<br />

acho que tem aquela parte bonita, então porque não aproveitar aquela parte<br />

bonita e mostrar? (Jovem da Turma <strong>II</strong> - 2006 – 2008).<br />

Pode-se inferir desses depoimentos que, de forma geral, através<br />

dos jovens, moradores das comunidades, o programa cumpre seu objetivo<br />

51


explicitado de “contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma<br />

a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o estigma a que<br />

estão associados”. Os depoimentos são apoiados pela própria produção<br />

autoral dos jovens, por meio de vídeos, fotografias e materiais gráficos.<br />

Esta produção, elaborada durante a formação e com desdobramentos em<br />

projetos multimídia desenvolvidos no Núcleo de Produção e também em<br />

participação em editais de fomento à produção audiovisual e em festivais,<br />

demonstram a capacidade dos jovens de criar e veicular imagens e sons<br />

baseados nesta valorização da cultura local. Não há um temor nem vergonha<br />

de mostrar as comunidades e seus moradores e valorizar a produção<br />

cultural local.<br />

Um depoimento de um jovem morador do Subúrbio Ferroviário, formado<br />

na Turma <strong>II</strong> (2006 – 2008) atesta o valor e a relevância desse conteúdo da<br />

formação:<br />

Eu produzi o vídeo ‘Candomblé Visão Jovem’, que falava um pouco sobre a<br />

vida do jovem, como ele se insere dentro do Candomblé, então isso foi uma<br />

história do jovem dentro de um terreiro que ele participava. [...] quando a<br />

gente tava na Kabum a gente produziu o vídeo ‘A Cidade de Plástico’ que<br />

foi uma experiência nossa. Então a gente tava convivendo no dia-a-dia com<br />

aquelas pessoas, as pessoas tavam fazendo suas casas de plástico dentro da<br />

comunidade, então nos interessou isso. Não teve nenhum custo, nem nada,<br />

apenas a Kabum nos ajudando. Esse vídeo ganhou (o festival). 2<br />

2 O vídeo-documentário ‘Candomblé Visão Jovem’ foi realizado através de edital interno<br />

promovido pelo Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores e foi selecionado para o<br />

Festival Olhar Circular de <strong>Cultura</strong> Livre 2009, em Alagoas. ‘A Cidade de Plástico’ foi um<br />

vídeo- documentário realizado por jovens da Turma <strong>II</strong> (2006 -2008) da Oi Kabum!, que<br />

mostra a ocupação pelo MSTS (Movimento dos Sem Teto de Salvador) de uma área baldia,<br />

próxima à Lagoa da Paixão, que denominaram A Cidade de Plástico, localizada no Surbúbio<br />

Ferroviário no bairro de Periperi, Salvador, Bahia. O vídeo recebeu o prêmio da IV Mostra<br />

Baiana de Videoclipes 2008, foi selecionado para o Goiânia Mostra Curtas 2008, para o<br />

Festival Olhar Circular de <strong>Cultura</strong> Livre 2009 – Alagoas, e para o Festival Imagens da <strong>Cultura</strong><br />

Popular, promovido pela ONG ‘Favela é Isso Aí’, de Belo Horizonte. Pode ser acessado no site<br />

de vídeos .<br />

52


Segundo Martín-Barbero (2006, p. 15):<br />

[...] a comunicação e a cultura constituem hoje um<br />

campo primordial da batalha política: estratégico<br />

cenário que exige que a política recupere sua<br />

dimensão simbólica – sua capacidade de representar<br />

o vínculo entre cidadãos, o sentimento de pertencer<br />

a uma comunidade – para enfrentar a erosão da<br />

ordem coletiva.<br />

Contudo, a partir das falas dos jovens, percebe-se que os mesmos<br />

não se dão conta plenamente desse potencial mobilizador da comunicação,<br />

através da produção de mídias. Reconhecem a identificação com os fatos<br />

que acontecem nas comunidades, mas apenas intuem as relações que se<br />

estabelecem entre estes fatos e a participação social e política. Essa dicotomia<br />

é expressa por declarações em que os jovens, mesmo estando em condições<br />

de produzir e inserir seus produtos midiáticos, não se vêem como agente de<br />

mudanças fundamentais. Como constatado, a quase totalidade dos jovens<br />

entrevistados declara não estar contribuindo com a comunidade e que, em<br />

suas palavras, neste sentido: “estão de ‘mão atadas’”, “na fase do ‘eu sozinho’”,<br />

de “não contribuir diretamente com a comunidade em que vive”.<br />

Assim, em relação a um dos principais objetivos da Kabum “Formar<br />

adolescentes de bairros populares para participarem ativamente da melhoria<br />

de suas comunidades, utilizando a comunicação e a arte como ferramentas<br />

da transformação social”, não foi possível detectar articulações diretas<br />

significativas, levando-se em consideração as falas dos jovens entrevistados.<br />

Ao se retornar à descrição das atividades educativas do Capítulo<br />

2, constata-se que há um movimento em direção a uma reflexão sobre<br />

o mundo contemporâneo. Segundo afirmação dos educadores, nos<br />

relatórios de ações, os jovens, a partir das atividades de leitura crítica da<br />

53


mídia, demonstravam perceber a forma estereotipada como determinados<br />

programas veiculam a imagem das comunidades populares, porém, não<br />

sabiam analisar criticamente as razões para isso:<br />

A partir de atividades que trataram do tema das representações<br />

sociais construídas pela mídia, os jovens puderem perceber que a periferia<br />

é vista e retratada, na maioria das vezes, de forma exótica ou fatalista, mas<br />

desconhecem as razões para isso. A atividade buscou ampliar a compreensão<br />

sobre os interesses envolvidos na manutenção do discurso amedrontado<br />

sobre a periferia, refletindo como as representações correspondem e<br />

alimentam as relações de poder da sociedade. (Educadora de Vídeo.<br />

Relatório Parcial de Atividades da Turma <strong>II</strong> da Kabum, 2007).<br />

Dentre as atividades realizadas, os jovens analisavam notícias e reportagens<br />

e discutiam critérios de noticiabilidade, estrutura do texto jornalístico<br />

e relação imagem-texto. Também discutiam como se compõe a prática<br />

jornalística, o que caracteriza a linguagem jornalística, quais são os gêneros<br />

jornalísticos e qual o alcance de um jornal comunitário. A reflexão sobre<br />

os interesses da sociedade e os interesses do jornal enquanto empresa<br />

comercial também era discutida nas atividades. As estratégias que os<br />

jornais usam para chamar atenção das pessoas foi outra questão explorada<br />

durante as discussões acerca da mídia. Observando-se o desenvolvimento<br />

das atividades, percebe-se que o programa educativo não tem apenas o foco<br />

na produção, esvaziada de sentido. A produção midiática proposta pelos<br />

educandos é confrontada com a produção da mídia tradicional, com a qual<br />

convivem intensa e cotidianamente, como base para reflexão e discussões<br />

de temáticas fundamentais.<br />

Ao se pronunciar sobre como o programa influenciou sua vida e sua<br />

visão de mundo, um dos jovens do programa declarou:<br />

54


Eu assistia à televisão, via as matérias no jornal sem pensar se o que estavam<br />

dizendo era verdade ou não. Para mim era tudo verdade. Eu não imaginava<br />

que podiam estar passando as informações por causa de interesses<br />

econômicos ou políticos. Na Kabum eu passei a entender melhor a mídia,<br />

suas intenções (Jovem educando de vídeo – Turma <strong>II</strong> – 2006/ 2008).<br />

Ao se analisarem os procedimentos e estratégias para o<br />

desenvolvimento dos produtos realizados no contexto pedagógico descrito,<br />

verifica-se que os mesmos são tratados como materiais educativos. Possuem<br />

como intenção a mobilização dos educandos em torno de temas do seu<br />

interesse, porém relacionados a um plano mais amplo de conhecimento<br />

e aprendizagem. O objetivo é que sejam provocadores e promovam a<br />

reflexão, por meio dessa aprendizagem, no sentido de uma possibilidade<br />

de mudança. Seriam assim, potencialmente, agentes de emancipação, no<br />

sentido de levar o jovem a uma compreensão mais crítica do seu entorno<br />

social. Estes produtos midiáticos se configurariam como estimuladores de<br />

novas indagações e de práticas educativas que geram produtos midiáticos<br />

e produtos midiáticos como meios para a aprendizagem. Contudo, ao se<br />

analisarem as falas dos jovens, ao descreverem seu posicionamento frente<br />

às comunidades e às possibilidades de participação social, percebe-se que<br />

os mesmos, em sua maioria, não se sentem provocados para a atuação<br />

comunitária, um dos importantes objetivos do programa.<br />

Neste sentido, retornamos a Freire (2007) e Giroux (1983), ao<br />

destacar o caráter político e emancipador da educação, ao entender o<br />

trabalho educativo enquanto prática política, que não pode ser abstraída<br />

do seu entorno e implicações sociais. A educação, nessa perspectiva, passa<br />

a ser entendida como a construção e implementação de um projeto de<br />

vida pessoal e coletivo. Na concepção do presente trabalho, o programa<br />

educacional pesquisado de fato promove a inserção social desses jovens,<br />

55


oriundos de comunidades populares, que se qualificam e se apropriam das<br />

oportunidades de trabalho e continuidade dos estudos, como demonstram<br />

os dados. Porém, se não há uma dimensão coletiva, social, no que diz<br />

respeito à amplitude de suas ações, o efeito é pontual, que gera um impacto<br />

reduzido à esfera individual.<br />

Ao se colocar em evidência o potencial mobilizador da produção<br />

de mídias, por meio da apropriação das tecnologias e do acesso ao<br />

conhecimento, inevitavelmente articula-se com a relevância em implicar<br />

essa produção a um movimento não só de mudança de visão. Se há uma<br />

mudança de vida eminentemente individual para esses jovens, é possível que<br />

se esteja reproduzindo um sistema individualista, em que se está “cada um<br />

por si”. Quais as mudanças estruturais, no sentido social e da qualidade das<br />

relações humanas, que podem advir dessas modificações individualizadas?<br />

É certo que o individual é parte do coletivo. A mudança que ocorre em<br />

um indivíduo pode resultar, em um âmbito maior, pelo somatório das<br />

individualidades, em uma mudança sistêmica. Contudo, se não há uma<br />

mudança da visão social e política, implicada com transformações,<br />

qual a garantia de mudança social mais ampla, que alcance impactos<br />

sociais relevantes? Em termos de representatividade social, o alcance que<br />

imaginamos como emancipatório não se efetiva, ficando as mudanças<br />

restritas a casos individuais.<br />

Por outro lado, é preciso observar que há um potencial mobilizador<br />

que permeia as experiências vividas pelos jovens, ao considerarmos a<br />

representatividade que se concretiza nas oportunidades individuais de<br />

continuidade dos estudos e de trabalho, nas áreas de formação específicas<br />

oferecidas. O resultado quantitativo e qualitativo demonstra mudanças<br />

nas vidas dos jovens. Essas modificações podem vir a se configurar como<br />

um indicador, no sentido de representarem as possibilidades de mudança<br />

para esses contingentes populacionais. Em outras palavras, estas conquistas<br />

56


individuais podem representar para o coletivo a realização de sonhos e<br />

desejos que são considerados difíceis, ou mesmo impossíveis, de alcançar,<br />

agindo no nível simbólico.<br />

Outro elemento, potencialmente mobilizador, é a produção<br />

midiática, ao tratar de temas socialmente relevantes para os jovens e suas<br />

comunidades e ao ser proposta, produzida e disseminada pelos próprios<br />

jovens, através de diferentes meios. Esta produção reafirma o potencial<br />

desses jovens de refletir sobre temáticas socialmente relevantes, criar,<br />

produzir e comunicar-se, demonstrando capacidades e habilidades em se<br />

apropriar e elaborar conhecimentos socialmente significativos.<br />

Tomam-se como base os dados dos 37 jovens da Turma I (2004<br />

– 2006) e da Turma <strong>II</strong> (2006 – 2008), para efeito de dados quantitativos,<br />

quanto à conclusão do Ensino Médio, ao acesso à escolarização superior<br />

e à inserção social por meio do trabalho. Essa escolha explica-se, pois os<br />

jovens das turmas mais antigas (formados na Kabum há quatro e há dois<br />

anos) estão na faixa etária entre 20 e 27 anos, fase já crítica em relação à<br />

escolaridade e trabalho, no que diz respeito à transição do sistema escolar<br />

para o mundo do trabalho.<br />

Segundo Pochman (2000, p. 57), no Brasil, devido às condições das<br />

famílias de baixa renda, a necessidade de ingresso no mundo do trabalho<br />

acontece precocemente:<br />

A necessidade de antecipar renda futura ou de<br />

ajudar no orçamento familiar tem pressionado os<br />

filhos, sobretudo os de famílias de menor renda, a<br />

terem uma breve passagem pela escola. Por conta<br />

disso, o ingresso de filhos de famílias humildes no<br />

mercado de trabalho tende a ocorrer na faixa de 10<br />

a 15 anos de idade.<br />

57


O ingresso precoce no mundo do trabalho é uma outra problemática<br />

que necessitaria de um aprofundamento, pois relaciona-se com questões<br />

como acesso e permanência nos diversos níveis de escolaridade. O fomento<br />

ao ingresso no mundo do trabalho, nos primeiros anos da juventude, poderia<br />

significar uma dificuldade para a continuidade dos estudos, principalmente<br />

no Ensino Superior? Afinal, a necessidade de receber um salário para<br />

sobreviver e auxiliar nas despesas familiares pode se tornar uma prioridade.<br />

De qualquer modo, é preciso relacionar as possibilidades de ingresso no<br />

mundo do trabalho à formação e à escolaridade, o que nos apresenta muitas<br />

discussões. Uma das questões a discutir seria a relação entre a inserção dos<br />

jovens no mundo do trabalho e as políticas públicas que qualificassem a<br />

inserção, ao garantirem, concomitantemente, a escolarização, ou seja,<br />

acesso e permanência.<br />

Dos 37 jovens, 24 jovens estão trabalhando. Dentre esses, 13<br />

jovens atuam nas áreas de formação da Kabum como fotógrafos, editores<br />

de imagem, designers, operadores de videoteipe e de câmera de vídeo, em<br />

empregos em emissoras de TV, produtoras, gráficas e lojas de fotografia<br />

digital. Dezesseis trabalham em colocações diversas e oito não trabalham.<br />

Levando-se em consideração a amostragem, é possível notar que há<br />

um índice significativo em termos de trabalho e de acesso às universidades.<br />

Vale ressaltar, que a amostragem em questão foi aleatória e foi coletada<br />

indiscriminadamente, de acordo com os jovens que foram encontrados e<br />

se disponibilizaram a realizar as entrevistas. Contudo, percentualmente, os<br />

dados apresentados são significativos.<br />

Todos os 37 jovens concluíram o Ensino Médio. 18 jovens estão<br />

cursando o Ensino Superior ou já finalizaram o curso. Um jovem está<br />

fazendo um curso técnico e um jovem está iniciando um novo curso<br />

superior, após graduado.<br />

58


Além dos números apresentados, é interessante assinalar algumas<br />

falas dos jovens, em que tentam estabelecer uma relação entre os objetivos<br />

alcançados e a formação vivenciada na Kabum, ao serem perguntados<br />

como viam a própria vida antes e depois do programa:<br />

Uma vida de novas descobertas. Algo que jamais imaginava que<br />

teria acesso um dia. Minha vida agora é um grande incentivo ao talento.<br />

(Jovem Turma I – 2004 – 2006).<br />

Mudou a minha forma de ver o mundo e ‘meu mundo particular’. Adquiri<br />

coragem para me arriscar a sonhar e buscar, além de ter um foco no<br />

planejamento da carreira profissional. (Jovem Turma I – 2004 – 2006).<br />

Vejo a vida de forma muito mais clara quanto aos objetivos e planejamento.<br />

A formação intensificou o que eu tinha de potencial e ajudou a rever o que<br />

tinha a melhorar e o que eu não reconhecia como defeito. (Jovem Turma<br />

I – 2004 – 2006).<br />

Com certeza minha vida mudou. Na Kabum eu pude abrir meus olhos para<br />

a realidade, tanto para as coisas ruins, como a manipulação da mídia e das<br />

pessoas com poder aquisitivo, quanto pras coisas belas. (Jovem Turma <strong>II</strong> –<br />

2006 – 2008).<br />

É evidente que, em relação ao objetivo do programa “Promover a<br />

inserção qualificada de jovens no mundo do trabalho”, há uma concretude.<br />

É possível verificar a inserção dos jovens no mundo do trabalho. Observase<br />

que, além da inserção no emprego, há a continuidade dos estudos,<br />

representada por cerca de 100% de conclusão do Ensino Médio e de 70% do<br />

total desses cursando o Ensino Superior, grande parte em fase de conclusão.<br />

59


O último grande objetivo declarado pelo programa educativo<br />

pesquisado é: “Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade<br />

técnica, conceitual e estética com e para adolescentes sobre temas relevantes<br />

para os jovens e as comunidades onde residem”. Não é difícil constatar a<br />

qualidade dos produtos.<br />

O programa disponibiliza seus vídeos e publicações gratuitamente<br />

para as comunidades, professores, escolas, universidades organizações<br />

comunitárias, e organizações sociais e emissoras de TV, promovem mostras e<br />

exibições públicas. Também participam de festivais e mostras, competitivos<br />

ou não, promovidos por diversas instituições e, por onde passam, a produção<br />

e seus produtores colecionam elogios à qualidade do conteúdo, à técnica<br />

e à expressão artística. Porém, essa qualidade é possível graças, não só à<br />

efetividade da formação oferecida, que pode ser verificada pelos índices de<br />

empregabilidade dos jovens no mercado gráfico e audiovisual de Salvador,<br />

que é bastante competitivo, mas também, essa qualidade é possível devido<br />

ao acesso a uma tecnologia de ponta, a equipamentos, estrutura e materiais<br />

dispendiosos. Essa circunstância pode nos colocar duas situações: por um<br />

lado, seria o caso de considerarmos que há, para esses jovens a falta de<br />

oportunidades. De fato, não há muitos espaços que ofereçam as condições<br />

de formação em comunicação e mídias encontradas na Kabum e, o que<br />

os dados demonstram é que se o jovem tem oportunidades, ele pode se<br />

desenvolver. É importante salientar que o processo seletivo do jovem não<br />

busca jovens com habilidades específicas restritas às linguagens midiáticas<br />

oferecidas e o perfil de ingresso é bastante diversificado. Por outro lado, é<br />

necessário reconhecer que há uma questão que gera muitas discussões, que<br />

se refere ao atendimento limitado a um número pequeno de jovens (80 a<br />

cada seleção, atualmente atingindo três comunidades populares da cidade),<br />

em contraposição a um recurso considerável destinado ao funcionamento<br />

do programa, muito distante da realidade das comunidades de onde são<br />

60


os jovens atendidos e de outros processos educativos, mesmo aqueles<br />

oferecidos por outras ONGs.<br />

Assim, é possível que seja difícil, até para as próprias comunidades<br />

atendidas compreenderem qual seria a contribuição de um programa tão<br />

dispendioso, diante de tantas carências básicas existentes. Para um país<br />

com tantas problemáticas na educação a solucionar, é complexo perceber<br />

uma contribuição que se coloca de forma tão recortada e setorizada em um<br />

universo particular e que, embora destinado às comunidades populares,<br />

não é acessível à maioria. Seria mais uma forma de exclusão?<br />

À Guisa de Conclusão<br />

Ao final, diante da análise dos dados levantados e das comunicações<br />

dos sujeitos envolvidos, constata-se que o programa investigado declara<br />

como um dos principais objetivos trabalhar na perspectiva da construção<br />

do sujeito crítico e se preocupa com a formação política dos jovens. Porém<br />

as ações de educação não propiciam uma formação que consiga concretizar<br />

a formação política dos sujeitos individuais e coletivos no sentido da<br />

sua participação social, comunitária e na esfera pública. Com o grupo<br />

de egressos entrevistados, constata-se que, finalizado o curso, poucos se<br />

dedicam a algum tipo de atividade realizada na comunidade, sejam elas<br />

de ordem política, cultural, esportiva, educativa ou recreativa. Embora<br />

declarem reconhecer a importância que era dada a essas temáticas durante<br />

a formação e perceberem a importância da participação, não se posicionam<br />

como sujeitos históricos ativos, agentes de mudança, nem mesmo local.<br />

Porém, há uma dimensão de efetividade social e política, relacionada a uma<br />

maior sociabilidade, à noção de responsabilidade, ao estímulo positivo para<br />

planejar o futuro e à autoestima.<br />

61


Ao mesmo tempo, observa-se também que há uma relação entre<br />

a formação e as oportunidades de emprego, trabalho e renda para grande<br />

parte dos jovens participantes, além de dados que atestam o acesso à<br />

escolarização, configurando-se em evidências acerca de uma efetivação da<br />

inclusão social dos jovens.<br />

Outro elemento importante que deve ser notado na formação em<br />

questão é a prática pedagógica que, além de não se limitar aos aspectos<br />

técnicos, procura estabelecer nas rotinas a reflexão e a discussão, sobre<br />

temas de interesse dos jovens.<br />

De fato, é relevante discutir, neste contexto, o alcance sociopolítico<br />

dessas iniciativas, a relação trabalho, acesso e permanência a outros níveis<br />

de escolarização e o papel do estado, quanto à sua responsabilidade nessas<br />

questões. Outra problematização recairia sobre o papel das ONGs nesta<br />

relação. Como entidades que buscam promover a inclusão, por meio de<br />

relações colaborativas de parcerias não estariam promovendo também<br />

o conformismo, amortecendo os conflitos necessários às mudanças<br />

significativas?<br />

Contudo, apesar de passível de muitos questionamentos, uma<br />

proposta educativa como esta seria, no mínimo, um campo fértil para<br />

diferentes reflexões, inclusive motivando investigações acerca do que<br />

de fato é relevante para essas comunidades em termos de educação para<br />

a emancipação e para a possibilidade de escolhas conscientes no mundo<br />

contemporâneo.<br />

Referências<br />

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 2009.<br />

62


DOWNING, John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos<br />

sociais. São Paulo: Senac, 2002.<br />

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 12. ed. São<br />

Paulo: Paz e Terra, 2007.<br />

GIROUX, Henri. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez; Autores<br />

Associados, 1983. (Coleção educação contemporânea).<br />

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em<br />

ciências sociais. 2 ed. Rio de Janeiro, 1998.<br />

MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e<br />

hegemonia. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.<br />

POCHMAN, Marcio. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas e a<br />

situação do jovem no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Publisher Brasil,<br />

2000.<br />

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à<br />

consciência universal. 14. ed. São Paulo: Record, 2007.<br />

SILVA, Marco. Sala de aula interativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.<br />

63


Espaços Vividos e Jogos<br />

Digitais: ambientes<br />

propícios para produção<br />

de novas formas de<br />

letramentos e de conteúdos<br />

interativos pela geração C<br />

Lynn Alves<br />

(Senai-Cimatec e UNEB)<br />

Tânia Maria Hetkowski<br />

(UNEB)<br />

Introdução<br />

Segundo Castels (1999), as tecnologias digitais e telemáticas são<br />

capazes, tanto de moldar quanto de reestruturar a vida dos sujeitos. Porém,<br />

não é pretensão afirmar que as mesmas são os únicos meios capazes de<br />

modificar e influenciar o contexto sócio, econômico e educacional, mas a<br />

65


intenção é alavancar discussões acerca das características da Geração C 1 .<br />

Geração que desencadeia e demonstra, nas suas situações e ações vividas,<br />

uma familiaridade com essas tecnologias, potencializando seus usos e suas<br />

influências na ressignificação dos espaços vivificados cotidianamente.<br />

Geração C é o grupo de sujeitos que interagem com as tecnologias digitais<br />

e telemáticas e produzem colaborativamente e conectivamente conteúdos.<br />

Mas como se dá esse processo? Letrados em interfaces<br />

comunicacionais síncronas (ferramentas de comunicação em tempo real)<br />

e assíncronas (ferramentas que apresentam um distanciamento de tempo<br />

entre a mensagem e a resposta), que utilizando a web, celulares, smart fones,<br />

PDAs (Personal digital assistants (PDAs ou Handhelds), ou Assistente<br />

Pessoal Digital ), jogos, notebooks, diferentes telas, digitam freneticamente<br />

muitas vezes através de uma linguagem híbrida (combinação de textos,<br />

imagens e sons), pequenos textos que objetivam informar e comunicar<br />

a um grupo de pessoas, eventos, notícias e principalmente aspectos do<br />

cotidiano destes sujeitos, por exemplo, “jogando Guitar Hero e Rock Band”,<br />

“corrigindo monografias” ou ainda “Participando do Videojogos 2009 –<br />

PT”. Este tipo de comportamento alimenta a pulsão escópica, isto é, o desejo<br />

de ver, de atuar como voyeur, dos seres humanos que têm a necessidade de<br />

saber, curiosamente, o que o outro sujeito está fazendo diariamente.<br />

Na perspectiva de Zagalo (2009):<br />

Por outro lado e tão importante é que devemos<br />

parar e reflectir seriamente sobre o que queremos<br />

que os outros vejam em nós e não recorrer à partilha<br />

por impulso, tão banalizada por ferramentas como<br />

o Twitter ou os comentários rápidos no Facebook<br />

“What’s in Your Mind” no qual expressamos o que<br />

nos passa pela cabeça num determinado minuto ou<br />

1 Expressão utilizada pelos autores Douglas Coupland e Peter Marsh, dentre outros, mas não<br />

existem referências sólidas sobre quem criou o termo.<br />

66


momento, porque estamos chateados ou alterados,<br />

porque alguém nos incomodou, ou porque não<br />

gostamos de uma determinada atitude. No mundo<br />

real uma frase destas é transmitida pela ar e<br />

desaparece nos ouvidos dos poucos que estão por<br />

perto que dificilmente poderão provar o acontecido.<br />

Aqui ficam registros de tudo, é uma extensão de nós<br />

que nos vai registrando e catalogando.<br />

Podemos ver isso claramente em sites de relacionamento como o<br />

Facebook onde se pode encontrar uma janela com a seguinte pergunta: “No<br />

que você está pensando agora?” ou principalmente no Twitter onde com<br />

140 caracteres o usuário mantém informado os seus seguidores sobre os<br />

seus passos.<br />

Esse dilúvio de informações como diria Lèvy (1999), produzido<br />

cotidianamente na web nos leva a uma atenção parcial contínua para garantir<br />

o controle do que está sendo produzido, veiculado e consequentemente<br />

consumido, isto é, mobilizados pelo desejo de “[...] ser um nó vivo em uma<br />

rede, de conectar-se e ser conectado, de não perder nada, sempre em alto<br />

estado de alerta. Isso é fruto da tendência de se mover na vida escaneando<br />

os ambientes, buscando sinais e deslocando a atenção de um problema para<br />

outro” (SANTAELLA, 2007, p. 239).<br />

Contudo, muito do conteúdo produzido não tem o objetivo de<br />

ser mais que informação volátil que em um segundo será esquecido e/ou<br />

deletado não contribuindo efetivamente para a produção de conhecimento.<br />

Dentro desse contexto, questionamos como garantir que o conteúdo<br />

produzido favoreça a produção de conhecimento colaborativo e conectado<br />

em tempo real? Como estes conteúdos, se potencializados pelos sujeitos,<br />

podem ser redimensionados através dos jogos de linguagem e das<br />

representações acerca dos espaços cotidianos?<br />

67


Adentrar hoje no universo acadêmico seja em uma sala de aula,<br />

principalmente da pós-graduação stricto sensu, ou ainda em congressos,<br />

seminários, eventos etc., de distintas áreas, implica se defrontar com uma<br />

audiência que tem seus notebooks ligados e muitas vezes conectados, onde<br />

são produzidas nas telas, textos que na maioria das vezes não têm nenhuma<br />

relação com o que o professor ou orador está falando. Sim, abrem janelas<br />

cognitivas simultaneamente, pois paralelo a interação com os computadores<br />

e acesso a internet, ouvem o palestrante e muitas vezes atendem os celulares.<br />

Este comportamento caracteriza-se como multitarefas (multitasking), pois<br />

motivados pelo desejo de serem mais produtivos, fazem um certo número<br />

de coisas simultaneamente durante um certo tempo (SANTAELLA, 2007),<br />

impacientam-se em ter que ouvir o outro sem estar a produzir.<br />

Neste contexto, o desafio dos espaços de aprendizagem formais é<br />

captar e potencializar estas habilidades para os processos de ensinar e<br />

aprender, viabilizando a produção de conteúdos que vão além da informação<br />

pontual.<br />

Jenkins (2008) traz exemplos interessantes quando nos apresenta a<br />

narrativa transmidiática que dentre outros aspectos favorece a emergência<br />

de consumidores críticos que vão além da recepção dos conteúdos<br />

midiáticos, mas tornam-se produtores de novos conteúdos. Essa passagem<br />

provoca conflitos entre a comunidade dos fanfictions (grupo que através<br />

das interfaces comunicacionais, criam ficções usando personagens e<br />

universos dos conteúdos midiáticos. Por exemplo, fóruns, blog para<br />

discutirem, construírem e reconstruírem as narrativas sobre determinada<br />

obra, como por exemplo, Harry Porter) e as empresas que produzem e<br />

distribuem os discursos midiáticos, já que os fans ampliam os discursos<br />

relativos aos produtos e as empresas têm medo de perder o controle e os<br />

direitos autorais das suas obras (nos referimos aos jogos eletrônicos, livros,<br />

filmes, animações etc.).<br />

68


Mas o que fazem esses fans? Produzem conteúdos que envolvem<br />

a elaboração de textos, de imagens, entre outras linguagens que exigem<br />

leituras prévias e interação com os produtos que os fascinam. Além disto,<br />

exercitam competências gerenciais na medida em que: a) organizam as<br />

comunidades que são formadas por outras pessoas que estão muitas vezes<br />

do outro lado do mapa; b) produzem as informações e c) sistematizam<br />

dados. Estes sujeitos estão imersos em um processo sociocultural no qual<br />

os pares atuam como interventores na zona de desenvolvimento proximal<br />

dos seus parceiros. Tudo isso acontece fora da escola. Uma escola que não<br />

compreende e nem aceita esse tipo de conhecimento, já que não consegue<br />

estabelecer relações entre esse cotidiano e os conteúdos escolares.<br />

Diante deste contexto, configuram-se as dificuldades no que se<br />

refere à produção colaborativa de conteúdos pelos sujeitos, uma vez que<br />

a escola não considera a representação que o sujeito tem em relação<br />

aos redimensionamento das tecnologias digitais e telemáticas na sua<br />

cotidianidade, desconsiderando o perfil dos sujeitos que representam a<br />

Geração C e seus processos colaborativos em busca de saberes científicos<br />

ou narrativos.<br />

Queremos que nossos alunos sejam produtores e leitores de textos,<br />

mas não conseguimos perceber que eles estão se formando no espaço<br />

midiático mobilizados pelo desejo e prazer de conectar-se e sentirem-se<br />

sujeitos autorizados a criar novos e diferenciados processos formativos<br />

vivos. O espaço, neste sentido, é vivo, possui e reconstrói histórias que se<br />

fundamentam, principalmente, nas ações do homem com o meio, através<br />

de instrumentos e de relações subjetivas. Desta forma, os sujeitos produzem<br />

69


novos jogos de linguagens 2 , colaborativamente, com diferentes conteúdos<br />

interativos através da exploração de espaços vividos e buscam criar<br />

situações que se aproximam do real, dos espaços cotidianos e de situações<br />

vividas.<br />

Tecnologias Digitais e Telemáticas: Jogos de Linguagem e<br />

Espaços Cotidianos<br />

O caráter potencialidador das tecnologias digitais e telemáticas está<br />

no movimento que elas podem desencadear nas práticas sociais, culturais,<br />

políticas, pedagógicas entre outras. Segundo Marques (1999, p. 121), ao<br />

mesmo tempo em que a dinâmica do mercado empreende na racionalização<br />

do sujeito, abrem-se<br />

[...] novos espaços: dos saberes emergentes em<br />

circulação, da associação e das metamorfoses das<br />

comunidades pensantes, produzindo, cada qual<br />

seu mundo virtual [...], suas realidades potenciais,<br />

das quais participam mundos heterogêneos, eles<br />

mesmos heterogêneos e múltiplos, sempre em<br />

devir, pensantes.<br />

Destarte, o espaço virtual ou mundo virtual, somente existe se<br />

o pensarmos como potencializador das interfaces comunicacionais, de<br />

conteúdos e de discursos midiáticos entre sujeitos, pois possibilita um<br />

deslocamento de situação pela capacidade de expressar um “[...] contexto<br />

2 Observando as jogadas no jogo de xadrez, Wittgenstein percebeu a analogia do jogo à<br />

linguagem como um todo e não somente relacionada aos sistemas axiomáticos, nascendo<br />

assim a terminologia jogos de linguagem. Porém nesta pesquisa a ideia não é aprofundar as<br />

obras desse autor, mas ampliar as discussões sobre as potencialidades dos jogos de linguagem<br />

na contemporaneidade. Obras como Investigações Filosóficas de Wittgeinstein são essenciais<br />

para futuros estudos.<br />

70


dinâmico acessível a todos e memória comunitária coletiva alimentada em<br />

tempo real” (LÉVY, 1999, p. 146).<br />

Porém, estas perspectivas que perpassam os espaços criativos da<br />

comunidade dos fanfictions se contrapõem aos limites clássicos impostos<br />

pela escola, uma vez que “[...] o saber pós-moderno não é somente o<br />

instrumento dos poderes, mas aguça nossa sensibilidade para as diferenças<br />

e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável” (LYOTARD,<br />

1998, p. xvii). Um saber que não encontra sua razão de ser na homologia,<br />

mas na paralogia dos inventores, isto é, um bom saber é aquele que percebe<br />

“anomalias” e constrói novos conceitos.<br />

Assim, os sujeitos da Geração C conseguem mobilizar estatutos de<br />

saberes diferentes daqueles que versam sobre enunciados aceitos como<br />

saberes. A constituição de saberes, potencializados pelas tecnologias<br />

digitais, conquistada pela nova geração perpassa a constituição de jogos de<br />

linguagem, os quais exigem que os sujeitos compreendam que as regras não<br />

possuem legitimação, mas exigem contato com os jogadores; sem regras não<br />

há jogo e todo enunciado é um lance no jogo. Diante desta interpretação,<br />

compreendemos como os sujeitos da Geração C criam janelas cognitivas<br />

simultaneamente e desenvolvem comportamentos multitarefas, pois o jogo<br />

de linguagem supõe o desejo e o prazer à busca de entrelaçamentos entre o<br />

saber narrativo e o saber científico.<br />

Os princípios dos jogos de linguagem estão atrelados ao movimento<br />

dos jogos convencionais como o jogo de xadrez, exemplificado por<br />

Wittgeinstein em suas obras, os quais, segundo este autor, têm características<br />

familiares, ou seja, possuem regras formais e regras estratégicas, que são<br />

criadas no decorrer das jogadas e, de acordo com essas regras o mais<br />

importante da linguagem não é a significação, mas o uso que o sujeito<br />

71


faz dela. Assim, fica evidenciado que a geração C mobiliza os jogos de<br />

linguagem na contemporaneidade, uma vez que<br />

[...] esses jogos são parte integrante de uma forma<br />

de vida, que é na verdade uma prática humana, logo<br />

se percebe que ele está sujeito a mudanças, assim<br />

como toda prática que nos envolve como seres<br />

humanos. [...], por ser constituído por regras que<br />

norteiam o modo como os jogamos, os jogos de<br />

linguagem podem, ao longo dos anos, terem suas<br />

regras modificadas, ou até mesmo esquecidas (RUY,<br />

2010, p. 9).<br />

A prática humana, através dos processos tecnológicos, desencadeia<br />

jogos de linguagem com a perspectiva de uma interação comunicacional,<br />

possibilitando ao sujeito potencializar e legitimar saberes narrativos, os<br />

quais definem regras de convivência próprios da sociedade, bem como<br />

agregam e valorizavam as pluralidades humanas, uma vez que a tecnologia<br />

criou novos dispositivos que ampliam a capacidade de percepção sensorial<br />

humana, provocando dinâmicas e socialidades singulares, como é o caso<br />

dos sujeitos imersos na tecnologia digital.<br />

Diante disso, compreendemos porque os jovens dominam a lógica<br />

das tecnologias digitais e telemáticas e da produção de sentidos, pois, para<br />

eles, o saber não é entendido apenas como um conjunto de enunciados,<br />

mas como uma pluralidade de jogos de linguagem. Assim, os jogos de<br />

linguagem denotam, nestes sujeitos, a capacidade de entender os espaços<br />

do saber e relacioná-las a partir de simulações nos espaços digitais, ou seja,<br />

os jogos de linguagem podem ser representados através de simulacros,<br />

onde a realidade virtual possibilita o redimensionamento da criatividade e<br />

a representação dos saberes.<br />

72


Tomaz Andrei (2009) denomina, estas possibilidades, de intersecções<br />

entre espaços dos jogos eletrônicos e espaços cotidianos e enfatiza que<br />

[...] a imensa maioria dos jogos eletrônicos utiliza<br />

referências do espaço ‘concreto’ na elaboração<br />

de seus espaços e cenários, assim como de suas<br />

mecânicas. Sejam bases militares, espaços urbanos<br />

ou cenários de diferentes momentos históricos, não<br />

é difícil identificar quais as referências utilizadas<br />

pelos autores de um jogo na construção do mesmo.<br />

No jogo de linguagem a natureza do vínculo social é definidora<br />

na constituição de processos formativos, sejam eles, mediados pelas<br />

tecnologias digitais, sejam eles potencializados por estas tecnologias.<br />

Diante disso, podemos destacar que os jogos de linguagem, através dos<br />

jogos eletrônicos, podem potencializar a criatividade dos sujeitos a partir<br />

de situações referenciais com os espaços vividos.<br />

Na perspectiva de abolir a oposição entre os pressupostos<br />

instrumentais das tecnologias e os discursos de emancipação do sujeito<br />

criativo, percebemos, a cada dia mais, crianças, adolescentes e jovens<br />

descobrirem e construírem novos jogos de linguagem mediados pelos<br />

jogos eletrônicos nos espaços cotidianos. Jogos que exploram noções de<br />

espacialidade e lateralidade, simulações que se aproximam de situações<br />

vividas nos lares, nos espaços formais, públicos, urbanos ou mesmo<br />

históricos, como é o caso do jogo Búzios: ecos da liberdade, objeto desta<br />

discussão, dentre outros mundialmente conhecidos como The Sims,<br />

Civilization, os jogos móveis, os ARGs 3 , entre outros, os quais auxiliam a<br />

Geração C a compreender que o saber não se reduz a ciências, nem mesmo<br />

3 Alternate Reality Games ou jogos de realidade alternativa – neste tipo de jogo é possível<br />

combinar situações que ocorrem em espaços públicos e nos ambientes da WEB, mediados<br />

por celulares, GPS, sites de relacionamento etc.<br />

73


ao conhecimento científico, mas aos processos desejantes e instituintes, ou<br />

seja, aos jogos de linguagem.<br />

Diante do exposto, percebemos que o sujeito contemporâneo,<br />

representado nesta discussão como Geração C, busca agregar os elementos<br />

materiais e imateriais, advindos das tecnologias, para redimensionar<br />

suas formas de aprender e ensinar, uma vez que o sujeito aprende<br />

colaborativamente, ele também ensina, pois a troca de experiências entre<br />

colegas amplia as capacidades cognitivas, motoras, afetivas e sociais. No<br />

que se refere aos elementos imateriais, podemos destacar todo o processo,<br />

acima descrito, sobre os jogos de linguagem que permeiam a construção<br />

de sentidos e significados, pelos sujeitos, em relação aos seus saberes<br />

científicos e narrativos. De outro lado, nos referimos aos processos materiais<br />

e instrumentais das tecnologias, as quais denotam a exploração de técnicas<br />

informáticas, telemáticas, eletrônicas entre outras, as quais possibilitam<br />

o sujeito ampliar as possibilidades de deslocamento, comunicação,<br />

informação, armazenamento, entretenimento, planejamento e simulação.<br />

Ao nos reportarmos às simulações, nos remetemos aos jogos digitais<br />

e às representações dos sujeitos acerca da constituição dos espaços virtuais<br />

cotidianos. Mas o que é espaço? Santos et al. (1988) consideram o espaço<br />

como uma instância da sociedade que contém e é contida por outras<br />

instâncias sociais, econômicas, políticas e tecnológicas. Ademais: “O espaço<br />

é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestida de uma<br />

certa autonomia, na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhe<br />

são próprias” (SANTOS et al., 1988, p. 15), Ou seja, o espaço não se reduz<br />

às debilitações e escalas geográficas, mas a dinâmica dos sujeitos, uma vez<br />

que o espaço é vivo, possui e reconstrói histórias que se fundamentam,<br />

principalmente, nas ações do homem com o meio. Para Santos (1996,<br />

p. 27) “[...] a sociedade seria o ser, e o espaço seria a existência”. E como<br />

funciona a representação dos espaços cotidianos, pelo sujeito criativo e<br />

74


desejante, quando da sua relação com as tecnologias digitais, especialmente<br />

na exploração de jogos digitais?<br />

Portanto, o espaço é social, é histórico e humano e o sujeitos traz,<br />

na sua história de vida, através da constituição de jogos de linguagem, uma<br />

representação do espaço como instância da sociedade, onde, nela convive um<br />

sistema composto por elementos objetivos e subjetivos, os quais permeiam<br />

o campo técnico, humano e social; a complexidade organizacional; a<br />

relevância dos processos de construção da sociedade e; a constituição das<br />

relações (que podem ser efêmeras, colaborativas, familiares, indiferentes ...).<br />

Essa representação sobre a complexidade dos espaços cotidianos, pode ser<br />

atualizada nos espaços virtuais, compreendendo que o virtual significa força<br />

e potência e o mesmo não se opõe ao real, mas potencializa-o. Para Lèvy<br />

(1997, p. 18), “[...] a virtualização é um dos princípios vetores da criação<br />

da realidade”. Dessa forma, os espaços cotidianos são potencializados e<br />

potencializam as simulações, uma vez que elas são representações dos<br />

espaços vividos, elevados à potência.<br />

Para Lèvy (1997, p. 23),<br />

[...] multiplicação contemporânea dos espaços faz<br />

de nós nômades de um estilo: em vez de seguirmos<br />

linhas de errância e de migração dentro de uma<br />

extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de<br />

um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços<br />

se metamorfoseiam e se bifurcam nossos pés,<br />

forçando-nos à heterogênese.<br />

É nesse sentido que a Geração C diferencia-se das outras gerações,<br />

uma vez que conseguem potencializar e metarmorfosear os espaços<br />

cotidianos através das simulações dos jogos digitais e, é neste ínterim,<br />

que nos defrontamos com as dificuldades da escola formal ao explorar<br />

75


diferentes instrumentos e criar metodologias atrativas e criativas para seus<br />

alunos. Corroboramos com Lèvy (1997, p. 14), quando afirma que “se a<br />

virtualização for bloqueada, a alienação se instala, os fins não podem mais<br />

se reinstituídos, nem a heterogênese cumprida: maquinações vivas, abertas,<br />

em devir, transformam-se de súbito em mecanismos mortos”. Da mesma<br />

forma, se podadas as atualizações, as ideias criativas desta nova geração,<br />

tornar-se-ão lineares e suas ações pouco ou nada colaborativas, ou seja, a<br />

inibição da potencialização conduz ao sufocamento dos jogos de linguagem,<br />

a heteronomia de saberes, as limitações das representações do espaço vivo e<br />

a extinção dos desejos e da criatividade.<br />

Delineando uma Prática Pedagógica para a Geração C<br />

Ao compreendermos que as tecnologias contêm elementos<br />

materiais e imateriais, que os jogos de linguagem potencializam o saber<br />

e a representação dos espaços cotidianos e, diante destas constatações,<br />

destacamos que as práticas podem representar tanto a objetivação do homem<br />

e domínio da natureza quanto à subjetivação humana, sua realização e<br />

liberdade. Ademais, as práticas não representam exclusivamente atividades<br />

técnicas de aplicação e produções externas, mas abrem espaços ao sujeito<br />

no que se refere aos saberes, à descoberta, invenção, reflexão e diferença.<br />

Assim, a “práxis” representa a esfera do ser humano e se revela no<br />

segredo do homem enquanto ser autocriativo. Significa e imprime aos<br />

sujeitos, a partir da superação das dicotomias, possibilidades de (re)criar<br />

e (re)construir a realidade humano-social, bem como a capacidade de<br />

gerar novos significados à existência humana, uma vez que a contextura<br />

da sociedade é marcada pela história da ação humana, advinda da arte,<br />

das linguagens, das formas de organização social e política, dos inventos<br />

tecnológicos entre outros, os quais não reproduzem determinada época,<br />

76


mas são expressões da essência, das representações, das ações humanas e<br />

dos processos vivos.<br />

A ação é uma unidade de enlace para compreender o processo e o<br />

movimento de diferentes práticas, ela evidencia alguma potencialidade ou<br />

faculdade da qual o homem dispõe e por meio dela se expressa (SACRISTÁN,<br />

1999). A ação também é uma condição essencial e definidora da condição<br />

humana, bem como possibilita o desenvolvimento social, cultural, histórico,<br />

educacional entre outros.<br />

Neste sentido a prática pedagógica implica compreender que o<br />

contexto pedagógico é formado por diversas práticas cotidianas. Essas<br />

práticas cotidianas orientam e constituem as ações dos professores,<br />

imprimindo significados à sua profissionalização. Elas também representam<br />

as divergências ou convergências que este grupo, professores, encontra para<br />

desenvolver mecanismos de defesa ou de justificativas quanto à sua ação em<br />

sociedade. Tais mecanismos são intensamente penetrados por interesses,<br />

ideologias, dilemas, conhecimentos, crenças, persuasões e representações<br />

cotidianas e pelos quais produzem saberes que legitimam suas práticas<br />

no contexto educacional. Assim, a intervenção pedagógica é influenciada<br />

pelo modo como os professores pensam e como agem diante das diversas<br />

possibilidades da sua vida na escola e fora dela (SACRISTÁN, 1995).<br />

A prática pedagógica demanda que o professor seja um mediador<br />

de diferenças, que consiga perceber que as singularidades acontecem na<br />

sociedade, através dos sujeitos, e no espaço, enquanto existência, superando<br />

práticas instituídas, associadas a discursos homogêneos ‘de que é impossível<br />

mudar a educação’. Hoje “não é mais possível ter uma única forma de<br />

ensinar tudo a todos, pois as coisas não funcionam homogeneamente e,<br />

então, há de se levar em consideração as diferenças” (MARTINS, 1998, p.<br />

66). Essa perspectiva nos remete pensar nas possibilidades dos jogos de<br />

77


linguagem, utilizados comumente pelas novas gerações, das representações<br />

sobre os espaços cotidianos e, das narrativas transmidiáticas, pelas quais<br />

eclodem a virtualização como um dos vetores de criação às comunidades<br />

colaborativas e as explorações de jogos digitais.<br />

Sintonizados com a discussão acima, criamos o curso Produção de<br />

Conteúdos Digitais para professores e licenciandos em Pedagogia, com a<br />

carga horária de quarenta horas, nas quais os docentes\discentes produzem<br />

cotidianamente conteúdos mediados por distintas linguagens para a web.<br />

O objetivo é possibilitar que estes sujeitos interajam com os diferentes<br />

discursos midiáticos que contaram a Revolta dos Alfaiates, que trata da<br />

maior revolta social do Brasil, ocorrida no século XV<strong>II</strong>I na Bahia, que em<br />

consonância com o ideário da Revolução Francesa (liberdade, igualdade<br />

e fraternidade) e com a participação de duas etnias (brancos e negros)<br />

lutaram pela liberdade.<br />

A Revolta dos Alfaiates como é conhecida, diferenciou-se por ter sido<br />

a única de caráter popular, democrático, liberal e contrário a permanência de<br />

uma sociedade escravista, fato que possibilitou o acesso tanto de membros<br />

da classe desprivilegiada (negros, pardos, brancos pobres, escravos, livres,<br />

libertos), como de membros da classe dominante (branco, livres, católicos).<br />

Este fato histórico tem grande relevância para o Estado da Bahia,<br />

que se caracteriza por ser o maior estado com população afro-descendente<br />

e também porque com a aprovação da Lei 10.639/03 (complementada<br />

pela lei 11.645 de 2008) tornou-se obrigatório nas instituições de ensino<br />

fundamental e médio, “[...] o estudo de História da África e dos Africanos,<br />

a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação<br />

da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas<br />

social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.<br />

Assim, torna-se necessário criar diferentes possibilidades de<br />

produções em torno de tal fato que já foi explorado através de outras<br />

linguagens, como uma revista em quadrinhos produzida em 2007 pelo<br />

Olodum, o livro “Animai-vos, povo Bahiense! A conspiração dos Alfaiates”,<br />

organizado por Carlos Domingues, Cícero Lemos e Edyala Yglesias, que<br />

78


eúne textos, ilustrações, peça teatral, música, cordel e roteiro de cinema<br />

numa coletânea repleta de informações sobre essa revolta popular, uma<br />

mesa redonda no Programa “De lá pra cá”, na TV Brasil (Exibido na TV<br />

Brasil no dia 16 nov. 2009). E finalmente através do jogo digital do tipo<br />

adventure Búzios: ecos da liberdade financiado pela Fundação de Amparo à<br />

Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB e Pró-Forte UNEB, desenvolvido pelo<br />

Grupo de Pesquisa Cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />

Científico e Tecnológico - CNPq Comunidades Virtuais 4 .<br />

O jogo foi desenvolvido com o objetivo de se constituir em um<br />

espaço de aprendizagem que simula o contexto da sociedade baiana no<br />

século XV<strong>II</strong>I, resgatando essa importante revolta popular, criando um locus<br />

para que os alunos e professores possam construir conceitos e significados<br />

acerca desse conteúdo histórico mediado por um jogo eletrônico 5 .<br />

Desta forma, embasados na perspectiva da narrativa transmidiática<br />

defendida por Jenkins (2008) que se estrutura como uma nova estética<br />

para atender as novas exigências dos consumidores que passam a ser mais<br />

críticos e produtores de conteúdo, na medida em que participam ativamente<br />

de comunidades de conhecimento, criando um novo universo mediado por<br />

múltiplos suportes midiáticos, inicialmente, convidamos um grupo de oito<br />

professores a interagirem com o jogo Búzios a fim de subsidiar o processo de<br />

desenvolvimento do jogo, dando feedback para garantir que este elemento<br />

tecnológico poderá ser utilizado pelos professores ( Ver na próxima Seção<br />

os dados relativos a essa fase da pesquisa).<br />

No segundo momento da pesquisa (em andamento) estes docentes<br />

e mais dezoito que livremente escolheram fazer parte da comunidade<br />

interagem com as diferentes linguagens (histórias em quadrinho, livros<br />

paradidáticos, cordel, vídeos etc.) que tratam do fato histórico mencionado<br />

acima, para produzir conteúdos interativos para a web, estabelecendo uma<br />

lógica de convergência entre estas mídias.<br />

4 Disponível em: .<br />

5 O Búzios está disponível para download em: .<br />

79


A comunidade é mediada por quatro pesquisadoras (as autoras<br />

deste artigo, uma mestranda e uma bolsista de iniciação científica da área de<br />

pedagogia) e iniciou as atividades da comunidade a partir de uma discussão<br />

sobre a produção de conteúdos midiáticos, possibilitando que os docentes<br />

imergissem no universo dos games, das redes sociais, dos vídeos, dos<br />

fóruns, blogs etc., construindo sentidos que vêm permitindo a produção<br />

de uma narrativa transmidiática que estará disponibilizada na WEB, no site<br />

.<br />

No terceiro momento da pesquisa, iremos analisar percurso dos<br />

docentes para produzir os discursos midiáticos, articulando com os<br />

elementos que foram observados durante a interação com as mídias, isto é,<br />

dificuldades enfrentadas, alternativas encontradas para superá-las, etc. Esta<br />

etapa da pesquisa está prevista para julho de 2010.<br />

Ressaltamos que toda a produção construída pela comunidade<br />

evidenciada está disponível no ambiente Moodle ().<br />

Para efetivar a análise das produções estaremos atentos às<br />

contribuições de Gee (2004). Para o autor, o letramento vai além de<br />

uma realização mental, mas se configura também como práticas sociais<br />

e culturais com implicações econômicas, históricas e políticas. Assim,<br />

atentaremos para o universo no qual estão imersos os professores e como<br />

constroem significado para as novas mídias, especialmente os games e<br />

teremos como indicadores da análise as premissas abaixo pontuadas por<br />

Salem (2007) adequando-as a outras mídias, além dos games. Desta forma,<br />

investigaremos como os docentes:<br />

• Improvisam, criam e subvertem os discursos apresentados;<br />

• Seguem as regras, questionam e testam os limites do sistema<br />

apresentado;<br />

• Entendem como os sistemas operam e como eles podem ser<br />

transformados;<br />

• Modelam e constroem mundos;<br />

80


• Aprendem a navegar em um complexo sistema de recursos fora<br />

do jogo, como os tutoriais, FAQs, inventários, orientações e<br />

fóruns.<br />

A partir destes dados realizaremos a análise para compreender como<br />

os professores constroem conteúdos interativos a partir da interação com as<br />

novas mídias, especialmente, os games.<br />

O Perfil dos Sujeitos da Pesquisa<br />

Como citado anteriormente, realizamos a primeira fase da pesquisa<br />

no período de outubro a novembro de 2009, proporcionando que os oito<br />

professores interagissem com o jogo Búzios. Esse processo de interação<br />

permitiu que delineássemos o perfil dos sujeitos. Foram entrevistados<br />

quatro professoras e quatro professores da rede pública, que não tinham<br />

expertise com os jogos eletrônicos, destacando-se apenas um que já tinha<br />

experiência. O processo de formação acadêmica do grupo está concentrado<br />

em instituições públicas (62%) e instituições privadas (38%). A faixa etária<br />

predominante dos sujeitos entrevistados poderia caracterizá-los como a<br />

geração Atari (empresa criada por Nolan Bushnell que se constituiu em<br />

sinônimo de videogames, presente na memória da geração da década<br />

de 1970 e, de forma mais intensa, dos anos oitenta), isto é, aqueles que<br />

interagiram com os primeiros consoles de videogames. Contudo, apenas<br />

um dos entrevistados deste grupo tinha vivido a experiência de brincar com<br />

os videogames na infância e adolescência. Este professor está em fase de<br />

conclusão de uma dissertação de mestrado que investiga os percursos dos<br />

coordenadores dos projetos financiados pelo Edital 02/2006 da FINEP para<br />

desenvolvimento de jogos eletrônicos voltados para educação. O grupo de<br />

sujeitos envolvidos na pesquisa apresentava a seguinte configuração: 13%<br />

81


na faixa etária de 39 a 49 anos; 25% na faixa etária de 50 a 59 anos; e por fim,<br />

62% na faixa etária de 28-38 anos.<br />

Ao indagar os sujeitos sobre as atividades realizadas no computador,<br />

foi possível perceber uma pequena diferença nas respostas, isto é, os homens<br />

utilizam mais o computador para trabalhar, enquanto as mulheres mantêm<br />

um equilíbrio entre navegar na internet, ouvir música, assistir vídeos no<br />

Youtube e digitar texto. Os dois grupos apresentam percentuais iguais no<br />

que se refere a pesquisar na internet, conforme detalhamento na Figura 1.<br />

Figura 1<br />

Após o delineamento do perfil dos sujeitos, foram investigadas<br />

questões relacionadas com o jogo Búzios e foi interessante perceber que<br />

62% dos entrevistados tinham ouvido falar da Revolta dos Alfaiates, tema<br />

do jogo, mas não lembravam onde, denotando um desconhecimento da<br />

história do seu povo, do seu estado. Tal fato sinaliza um descompasso com<br />

82


as raízes histórico-culturais deste grupo que deveriam ser conhecidas e<br />

socializadas com os alunos, principalmente o fato histórico indicado acima<br />

que tem um significado importante na Bahia.<br />

Neste sentido, emergem dificuldades do professor no que se refere<br />

a compreensão, representação e ação pedagógica sobre o espaço vivido por<br />

sujeitos em determinada época histórica, bem como, neste ínterim, são<br />

desencadeadas as limitações em explorar o lugar, Bahia, como essência à<br />

reconstituição e reinterpretação da história, considerando seus aspectos<br />

políticos, sociais, culturais, econômicos entre outros. Segundo Hetkowski<br />

(2010), quando o espaço é passível de ser sentido, pensado, apropriado e<br />

vivido pelos educadores, nele há convergência sobre fatores humanos<br />

que superam as práticas pedagógicas viciadas e retrógradas. Nesse espaço<br />

vivido, associam-se práticas sociais, políticas, culturais entre outras, as quais<br />

redimensionam as potencialidades das tecnologias digitais e telemáticas,<br />

neste caso através do jogo Búzios.<br />

Ao interagir com o jogo os sujeitos professores sinalizaram<br />

performances distintas, principalmente as mulheres que tiveram um baixo<br />

nível de tolerância com as dificuldades apresentadas no ambiente do game,<br />

conforme Figura 2. Este aspecto está relacionado com as dificuldades,<br />

desses sujeitos, em compreender os jogos de linguagens que permeiam a<br />

sociedade contemporânea e, consequente, se aproximar das dinâmicas<br />

produzidas pela Geração C.<br />

83


Figura 2<br />

Ou seja, o grupo pesquisado encontra-se permeado pelos discursos da<br />

ciência moderna, apoiada no saber e no poder de legitimação da verdade e da<br />

racionalidade, desencadeando enunciados científicos baseados na filosofia<br />

positivista da eficiência e da performatividade, através de uma relação input/<br />

output. No entanto, a nova geração, sob a égide da contemporaneidade e<br />

das influências das informações e dos instrumentos tecnológicos, considera<br />

tanto os saberes das ciências positivistas quanto as perspectivas dos jogos<br />

de linguagem. Assim, consideramos que os pesquisados compreendem<br />

as regras do jogo, mas não a dinâmica das jogadas, bem como não foram<br />

interpelados a compreender as potencialidades das regras estratégicas que<br />

superam a analogia com o modelo matemático.<br />

Isso demonstra e justifica as dificuldades dos professores no que se<br />

refere ao ato de “jogar”, uma vez que o mais importante não é jogar somente<br />

para ganhar, mas pelo gosto e pelo prazer das jogadas e pela ampliação das<br />

84


práticas e relações humanas, as quais criam novos sentidos ao jogo. Porém,<br />

sabemos que a escola, através dos professores, tem muito a descobrir sobre<br />

as potencialidades dos jogos digitais e das dinâmicas que os mesmos podem<br />

desencadear nos processos formativos.<br />

Diante disso, constatamos que apenas um jogador concluiu todas<br />

as fases apresentadas pelo jogo digital Búzios. A versão maio de 2010 do<br />

jogo agregou as contribuições destes sujeitos, permitindo que a nova versão<br />

estivesse mais próxima do universo dos docentes, garantindo assim, a<br />

presença destas mídias no cenário pedagógico.<br />

As dificuldades dos professores podem estar aliadas ao desejo<br />

de “fazer aquilo”, ou mesmo à sua formação, uma vez que sua geração<br />

teve como base o conhecimento científico que segundo Lyotard (1998,<br />

p. 35), “[...] seria o conjunto de enunciados que denotam ou descrevem<br />

os objetos, excluindo-se todos os outros enunciados, e susceptíveis de<br />

serem declarados verdadeiros ou falsos”. Diferentemente dos jogos de<br />

linguagem que permeiam a produção de saberes da Geração C, a qual<br />

associa conhecimentos científicos com saberes narrativos e constituem<br />

formas colaborativas a partir das potencialidades das tecnologias digitais<br />

e telemáticas.<br />

Dentre as dificuldades apontadas pelos jogadores podemos destacar:<br />

movimentação do personagem (62%), abrir menu de interação (74%),<br />

utilizar botões do menu de interação (38%), falar com os personagens<br />

espalhados no cenário (75%), receber itens e acessar o inventário (38%) e<br />

identificar os objetivos do jogo (62%).<br />

É importante, destacar que, nesta primeira fase de análise, avaliamos<br />

apenas o nível de interação e jogabilidade dos sujeitos com o jogo, deixando<br />

as perspectivas sobre produção de conteúdo para a segunda fase da pesquisa<br />

que teve início em abril e término previsto para agosto de 2011.<br />

85


Considerações Finais<br />

Para Santos (1996, p. 51) a “[...] reconstituição dos espaços tem uma<br />

substância científico-tecnológica informacional. Não é nem meio natural,<br />

nem técnico. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de<br />

todas as formas de utilização e funcionamento do espaço [...]”. Desta forma,<br />

podemos perceber que é neste contexto que a Geração C se consolidou e, é<br />

a partir, desta realidade que são desencadeadas novas formas de conceber<br />

os saberes e novas formas de criação e de relação com as tecnologias,<br />

principalmente digitais e telemáticas.<br />

Assim, compreendemos as dificuldades que os educadores<br />

enfrentam, na contemporaneidade, em relação ao domínio das tecnologias<br />

digitais e aos processos de representação dos espaços explorados, simulados<br />

e redimensionados, neste caso, pelos jogos digitais. Corroborando com<br />

Lyotard (1998, p. 30), “[...] o que é preciso para compreender desta maneira<br />

as relações sociais, em qualquer escala [...], não é somente uma teoria da<br />

comunicação, mas uma teoria dos jogos, que inclua a agonística em seus<br />

pressupostos”.<br />

Assim, os dados apontados pela pesquisa ratificam a dificuldade<br />

dos professores, principalmente aqueles que não têm nenhuma experiência<br />

com os jogos, em interagir com o seu universo, construir novos sentidos e<br />

compreender a dinâmica dos jogos de linguagem.<br />

Tal situação termina por desmotivar os docentes para estabelecer<br />

práticas pedagógicas mediadas pelas novas mídias, distanciando-os cada<br />

vez mais do universo da Geração C que busca atividades colaborativas,<br />

conectadas, produzindo novos jogos de linguagem. Para Lèvy (1998),<br />

os saberes aliam-se à velocidade da evolução, às possibilidades da massa<br />

e produz novos saberes mediados por novos instrumentos técnicos, ou<br />

seja, as tecnologias, através de suas potencialidades técnicas e simbólicas<br />

desencadeiam uma nova lógica instituinte, na qual os sujeitos burlam o<br />

86


modelo tradicional com o objetivo de estabelecer processos formativos<br />

baseados nos três aspectos do jogo de linguagem (regras não possuem<br />

legitimação, mas exigem um contrato dos jogadores; sem regra não há jogo<br />

e todo enunciado é um lance no jogo).<br />

A nossa intenção é possibilitar a criação de espaços de saberes<br />

para que os professores possam construir significados para as tecnologias<br />

digitais e telemáticas, produzindo novas formas de letramentos e conteúdos<br />

interativos. Esse é o nosso desafio para as próximas fases da pesquisa, quando<br />

aprofundaremos a investigação em torno das estratégias utilizadas pelos<br />

docentes para possibilitar que o conteúdo produzido favoreça a produção<br />

de saberes colaborativos, de jogos de linguagens, de representações do<br />

espaço vivido, conectados em tempo real.<br />

Referências<br />

CASTELLS, M. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venâncio Majer. 2. ed. São<br />

Paulo: Paz e Terra, 1999. (A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, v. 1).<br />

GEE, James Paul. Lo que nos enseñan los videojuegos sobre el aprendizaje y el<br />

alfabetismo. Málaga: Ediciones Aljibe, 2004.<br />

HETKOWSKI, Tânia Maria. Geotecnologia: como explorar educação cartográfica<br />

com as novas gerações? Belo Horizonte: ENDIPE, 2010.<br />

JENKINS, Henry. <strong>Cultura</strong> da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.<br />

LÈVY, Pierre. O que é virtual. Rio de Janeiro. Ed. 34. 1997.<br />

______. A inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. Cortez:<br />

São Paulo, 1998.<br />

______. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999.<br />

LYOTARD, Jean-Francois. A condição pós-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: José<br />

Olympio, 1998.<br />

87


MARQUES, Mario Osório. A escola no computador: linguagens rearticuladas,<br />

educação outra. Ijuí: Ed. INIJUÍ, 1999.<br />

MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A didática e as contradições da prática. Campinas:<br />

Papirus, 1998.<br />

RUY, Mateus Cazelato. O conceito de jogos de linguagens nas investigações<br />

filosóficas de Wittgeinstein. 2010. Disponível em: .<br />

SACRISTÁN, J. Gimeno. Consciência e acção sobre a prática como libertação<br />

profissional dos professores. In: NOVÓA, António (Org.). Profissão professor.<br />

Portugal: Porto Ed., 1995.<br />

______. Poderes instáveis em Educação. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto<br />

Alegre: Artes Médicas, 1999.<br />

SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo:<br />

Paulus, 2007.<br />

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo globalização e meio técnicocientífico-informacional.<br />

São Paulo: Hucitec, 1996.<br />

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Livre, 5).<br />

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espaços cotidianos. Disponível em: . Acesso em: 20<br />

dez. 2009.<br />

ZAGALO, Nelson. Pré-história e mortalidade, quem somos no Facebook.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 07 dez. 2009.<br />

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São<br />

Paulo: Nova <strong>Cultura</strong>l, 2000. (Col. Os Pensadores).<br />

88


Parte <strong>II</strong><br />

Formação Online


Projeto Amadeus: criando<br />

novas experiências de<br />

aprendizagem em uma<br />

educação sem distância<br />

Ricardo Amorim<br />

(UNEB)<br />

Dinani Amorim<br />

(UNEB)<br />

Alex Sandro Gomes<br />

(UFPE)<br />

SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS<br />

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) vêm ocupando<br />

um papel de extrema importância na Educação contribuindo com o<br />

desenvolvimento de estratégias, técnicas e facilidades para melhorar<br />

o ensino e aprendizagem. Atualmente, para satisfazer as necessidades<br />

educacionais da sociedade – marcada por grandes avanços em ciência<br />

e tecnologia – as TIC representam um elemento capaz de melhorar a<br />

interação e a comunicação na construção do saber, de forma a potencializar,<br />

91


eforçar e transformar a educação no sentido de torná-la mais democrática,<br />

personalizada e flexível. Assim, percebe-se que há, cada vez mais, demandas<br />

educacionais onde são exigidas novas formas de se ensinar e a incorporação<br />

de recursos tecnológicos na Educação.<br />

Neste cenário, a Educação a Distância (EaD) emergiu de forma<br />

adequada a estas novas exigências, pois, conforme ressalta Litto e Formiga<br />

(2006, p. 1), esta modalidade de ensino contribui “[...] para aumentar o acesso<br />

mais democrático ao conhecimento, e racionalização de despesas de livrostexto<br />

e outros materiais para a aprendizagem em todos os níveis”. Na última<br />

década, muitos esforços de pesquisa foram dedicados ao desenvolvimento<br />

de formas de uso da internet em EaD. Com isso, surgiram vários conceitos<br />

como o de Objetos de Aprendizagem, baseados na padronização de material<br />

disponível online com fins de reuso e interoperabilidade entre plataformas<br />

para EaD (WILEY, 2002) e o conceito de Design Instrucional (FILATRO,<br />

2008) cujo propósito é o de ajudar no planejamento didático de atividades<br />

educacionais relacionadas com o uso deste tipo de material. Assim, os<br />

Sistemas de Gestão de Aprendizagem ou, em inglês, Learning Management<br />

System (LMS), geralmente baseados em tecnologia Web, foram criados no<br />

âmbito da EaD para o planejamento, implementação e avaliação de um<br />

processo de aprendizagem específico (WHA, 2004 apud PASSOS, 2006).<br />

Com estes sistemas, o uso de Objetos de Aprendizagem adquiriu<br />

uma dimensão considerável contribuindo para tornar a atividade de<br />

planejamento didático em EaD uma atividade mais complexa. Desta<br />

forma a reutilização/interoperabilidade de material de aprendizagem e<br />

a modelagem do processo educacional tornaram-se aspectos chave em<br />

plataformas do tipo LMS. Neste sentido, a especificação IMS Learning Design<br />

(IMS LD) considera-se como um padrão de fato que permite descrever o<br />

processo de aprendizagem em Unidades de Aprendizagem contendo o<br />

material educacional associado (IMS, 2003). A IMS LD propõe-se a ser<br />

92


um metamodelo pedagógico que suporta o uso de um grande número de<br />

modelos pedagógicos na aprendizagem online, podendo também ser aplicada<br />

nas modalidades presencial e semipresencial. Com esta especificação<br />

são definidos elementos constituintes do processo educacional tais como<br />

objetivos, pré-requisitos, atividades, materiais e ferramentas de apoio que<br />

são representados como Objetos de Aprendizagem e Serviços necessários.<br />

Estes elementos se distribuem em etapas do processo educacional na forma<br />

de um fluxo de aprendizagem.<br />

A aprendizagem via LMS tem trazido vantagens significativas como<br />

a rápida distribuição de conteúdos e redução dos seus custos de produção,<br />

a disponibilidade destes a qualquer hora e local, a possibilidade do aprendiz<br />

determinar o seu próprio ritmo e percurso de aprendizagem e uma melhor<br />

sistematização das intervenções no processo de ensino e aprendizagem por<br />

intermédio de ferramentas de comunicação como e-mail, chat, fórum e<br />

vídeo conferência (AN5, 2005 apud PASSOS, 2006).<br />

As vantagens que este tipo de tecnologia traz para o ensino e<br />

aprendizagem, tem sido motivo de comparações entre a modalidade de EaD<br />

e a educação presencial tradicional. No entanto, o que muitos especialistas<br />

em educação têm observado hoje em dia é que uma modalidade, sozinha,<br />

não é suficiente para cobrir todas as demandas de educação, e com a<br />

qualidade que a nossa sociedade exige. Muito mais que a modalidade, o<br />

importante é que os objetivos de aprendizagem sejam atingidos de acordo<br />

com parâmetros de qualidade desejados. Portanto, para uma educação<br />

de qualidade, faz-se necessário levar em conta os aspectos positivos<br />

nas diversas modalidades, tanto em EaD quanto na educação presencial<br />

tradicional, e fazer uso de metodologias e tecnologias necessárias (TORI,<br />

2001, 2009; ROBLYER, 2006).<br />

93


Neste contexto, como uma das tendências em educação apoiada<br />

por TIC, surgiu o conceito de Blended Learning que se caracteriza pela<br />

combinação de técnicas de ensino e aprendizagem variadas com o uso<br />

de diversas tecnologias educacionais baseadas na web. Nesta modalidade,<br />

podem combinar-se auto-aprendizado e/ou aprendizagem colaborativa<br />

em momentos presenciais ou a distância com o uso de tecnologias como<br />

videoconferência síncrona, streaming de vídeo, áudio e texto (DRISCOLL,<br />

2000).<br />

BASES LEGAIS E DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO A<br />

DISTÂNCIA E SEMIPRESENCIAL NO BRASIL<br />

A modalidade EaD foi legalmente instituída no Brasil em 1996,<br />

com a lei 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional<br />

e, no seu artigo 80, respalda a possibilidade de uso desta modalidade em<br />

todos os níveis educacionais. Este artigo foi posteriormente regulamentado<br />

com o Decreto de N o 5.622 de 2005, onde foram definidas as características<br />

da EaD, as disposições gerais para o seu funcionamento e estabelecida<br />

uma política de garantia de qualidade para esta modalidade, alinhada a<br />

critérios de qualidade estipulados pelo Ministério da Educação (MEC). Em<br />

complemento a estas determinações legais, o MEC, por intermédio da sua<br />

Secretaria Especial de Educação a Distância (SEED), vem editando desde<br />

2003 um documento – Referenciais de Qualidade para a Educação Superior<br />

a Distância, com a sua última versão no ano de 2007 (BRASIL, 2007). Este<br />

documento não tem força de lei, foi elaborado para subsidiar atos legais<br />

do poder público e para ser utilizado como referenciais na organização de<br />

sistemas EaD, com o intuito de induzir a uma harmonização da qualidade<br />

destes sistemas aos padrões requeridos pelo MEC.<br />

94


Em relação ao uso de LMS na oferta de cursos de nível superior na<br />

modalidade a distância convém ressaltar algumas sugestões contidas nos<br />

referenciais de qualidade para EaD. De forma resumida, conforme este<br />

documento, uma instituição de ensino a distância baseada nos referenciais<br />

de qualidade do MEC para EaD, deveria estruturar-se tendo em conta:<br />

1. A concepção de Educação e Currículo. Em função da opção<br />

teórico-metodológica do projeto pedagógico, configura-se a<br />

partir da forma de organizar um curso: em disciplinas, módulos,<br />

áreas, os instrumentos a serem utilizados e a compreensão de<br />

avaliação;<br />

2. Equipe multidisciplinar com funções de planejamento,<br />

implementação e gestão dos cursos a distância, onde<br />

destacam-se três categorias: docentes, tutores e pessoal técnico<br />

administrativo;<br />

3. O uso de meios de comunicação que promovam a interação<br />

entre professores, tutores e estudantes;<br />

4. O material didático. Recomenda-se a integração deste<br />

com diferentes mídias tais como materiais impressos,<br />

radiofônicos, televisivos, de informática, de videoconferências<br />

e teleconferências, dentre outros;<br />

5. As avaliações devem ser compostas de avaliações a distância<br />

e presenciais, zelando pela confiabilidade e credibilidade dos<br />

resultados e havendo uma preponderância destas últimas;<br />

6. Gestão Acadêmico-Administrativa. Adoção de sistema para o<br />

controle de inscrições, avaliações, banco de dados contendo<br />

informações de professores, tutores estudantes, conteúdos (que<br />

95


permita ao professor a sua inserção de forma amigável, rápida<br />

e flexível). O estudante, geograficamente distante, deve dispor<br />

da mesma forma que no ensino tradicional, de serviços como<br />

matrícula, inscrições, requisições, secretaria, tesouraria, etc.<br />

Na legislação Brasileira vigente sobre EaD, há uma regulamentação<br />

que prevê a oferta de carga horária a distância em disciplinas na<br />

modalidade presencial. Assim, parte das disciplinas ou carga horária em<br />

um curso de nível superior reconhecido, pode ser oferecida na modalidade<br />

a distância. Esta modalidade, conforme a portaria de N o 4.059 denomina-se<br />

semipresencial e caracteriza-se como:<br />

[...] quaisquer atividades didáticas, módulos ou<br />

unidades de ensino-aprendizagem centrados na<br />

auto-aprendizagem e com a mediação de recursos<br />

didáticos organizados em diferentes suportes<br />

de informação que utilizem tecnologias de<br />

comunicação remota (BRASIL, 2004, Art. 1º, § 1º).<br />

Ainda de acordo com esta portaria, em um curso, a carga horária<br />

da modalidade semipresencial limita-se a 20% da carga horária total do<br />

mesmo. Neste sentido, uma disciplina poderia ser ofertada em parte<br />

ou integralmente na modalidade EaD desde que o total no curso não<br />

ultrapasse dito percentual. No entanto, as avaliações devem ser realizadas<br />

primordialmente na modalidade presencial.<br />

96


APRESENTANDO O AMADEUS LMS<br />

O sistema Amadeus 1 enquadra-se neste contexto de educação<br />

mesclada como um LMS para a educação presencial, a distância ou mista,<br />

baseado no conceito de Blended Learning no qual se estendeu os estilos de<br />

interação possíveis entre os usuários (PREECE et al., 2002). Este sistema<br />

consiste em um conjunto de soluções orientadas à integração de mídias<br />

digitais diversas com as quais se busca explorar da melhor forma possível o<br />

seu potencial educacional. O Amadeus, acrônimo de Agentes Micromundos<br />

e Análise do DEsenvolvimento no USo de instrumentos, é o projeto<br />

principal do grupo Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional (CCTE)<br />

do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco<br />

(UFPE) 2 .<br />

Os estudos realizados na fase inicial do projeto Amadeus levaram<br />

à identificação de uma série de limitações no uso de plataformas de gestão<br />

da aprendizagem. No geral, a interação entre os participantes neste tipo<br />

de sistema baseia-se na distribuição de artefatos (envio, visualização e<br />

entrega de material em mídias variadas) e na troca de mensagens de forma<br />

síncrona ou assíncrona por intermédio de ferramentas apropriadas (fóruns,<br />

chat e e-mail). Na maioria das plataformas avaliadas, há limitações no<br />

suporte ao trabalho do professor durante o planejamento didático (Design<br />

Instrucional) e na avaliação diagnóstica e continuada (GOMES, 2004), a<br />

percepção entre usuários e sistema é limitada a eventos relacionados com<br />

atividades síncronas (CHRIST, 2005) e há um fraco suporte na manipulação<br />

de objetos de aprendizagem e no uso de padrões de metadados com fins de<br />

1 Disponível em: .<br />

2 Disponível em: .<br />

97


eutilização e interoperabilidade de material educacional (ALVES, 2005;<br />

IMS, 2003).<br />

A plataforma Amadeus foi concebida a partir dos resultados destes<br />

estudos iniciais e de vários anos de pesquisas nas áreas de Interações<br />

Humano Computador (IHC) e Tecnologia Educacional (TE) dentro<br />

do contexto da EaD. Buscou-se o desenvolvimento de uma plataforma<br />

centrada no processo formativo e nas interações entre usuários a partir da<br />

integração com diversas mídias (jogos, simulações, vídeos, texto, áudio e<br />

imagens), com ênfase na utilização de meios que permitem facilitar estas<br />

interações a partir de diversas dimensões percebidas nas atividades sociais<br />

desenvolvidas. Pretendeu-se, a partir disso, ampliar as possibilidades<br />

de acesso dos usuários e obter uma maior participação dos aprendizes<br />

estimulando e facilitando a interação destes. Para tal, utilizam-se meios<br />

distintos como: aplicações próprias para computadores do tipo desktop,<br />

celulares, PDA, TV Digital, jogos, interfaces tangíveis (para analfabetos). A<br />

integração destes meios torna possível aos usuários ter uma percepção de<br />

presença e acesso a interface do Amadeus de forma ubíqua.<br />

Nos últimos anos, com a popularização das tecnologias de EaD,<br />

novas características que ampliam os estilos de interação dos usuários em<br />

relação aos LMS tradicionais passaram a ser requeridas:<br />

• sistemas muito mais orientados ao uso de técnicas pedagógicas<br />

que no uso de recursos tecnológicos;<br />

• aplicabilidade a diversas situações pedagógicas do tipo Blended<br />

Learning;<br />

98


• percurso da aprendizagem muito mais centrado no aluno que<br />

definido a partir de uma sequência lógica determinada pelo<br />

professor;<br />

• possibilidade de adaptação e personalização do ambiente ao<br />

perfil do aprendiz;<br />

• avaliações orientadas à pratica reflexiva e processual.<br />

Estes novos requisitos definem uma tendência da atualidade no<br />

design de LMS e representam, para alguns autores, a segunda geração de<br />

plataformas para EaD. Desta forma, os LMS que ampliam os estilos de<br />

interação com soluções para alinhar-se com estas novas características são<br />

chamamos de LMS de segunda geração (ADAMS; MORGAN, 2007). No<br />

Amadeus, as diversas mídias são integradas e se organizam em módulos<br />

na constituição de cursos ou componentes curriculares aplicáveis nas<br />

modalidades de EaD ou presencial mesclada com EaD, conforme os<br />

princípios do Blended Learning. Com a integração destas mídias, o Amadeus<br />

propõe-se a ser um LMS de segunda geração. Nesta plataforma, estendeuse<br />

o conceito de LMS pela incorporação de novos estilos de interação do<br />

usuário com o sistema, com os conteúdos e entre os demais usuários. Com<br />

isso, busca-se explorar da melhor forma os canais da percepção humana<br />

e atender as diversas formas de aprendizagem, através das características<br />

de cada um destes recursos e aplicá-las no contexto da aprendizagem<br />

(GOMES; TEDESCO, 2002).<br />

Após os primeiros anos do projeto e a partir dos bons resultados<br />

obtidos com a publicação de artigos e formação de pessoal, decidiu-se<br />

distribuir o Amadeus como software livre. Assim, desde março de 2009,<br />

esta plataforma é distribuída sob licença de Software Livre e integra o Portal<br />

99


do Software Público Brasileiro (PSPB) 3 , a partir de onde é possível o acesso<br />

completo ao seu código e a todas as suas funcionalidades. O Amadeus na<br />

sua versão atual, estável e para livre distribuição, está disponível no portal<br />

do software público 4 . Trata-se de uma aplicação do tipo opensource, com as<br />

seguintes características:<br />

• interface simplificada e intuitiva, baseada em princípios de<br />

usabilidade e desenvolvida a partir do uso metodológico de<br />

tecnologias para tornar as páginas Web mais interativas com o<br />

usuário - Web 2.0 e AJAX (GEHTLAND et al., 2006);<br />

• uso de uma ampla gama de mídias, desde os tradicionais chats<br />

até vídeos com discussão simultânea entre vários usuários;<br />

• compartilhamento de vídeos em situações de colaboração<br />

síncrona;<br />

• servidor de jogos multiusuários promovendo formas<br />

alternativas de interação com mídias de jogos;<br />

• sistema de controle de experimentos e medida em tempo real<br />

pela internet;<br />

• percepção da atividade social na interface Web e nos diversos<br />

ambientes interligados;<br />

• mobile learning: estilos de interação por meio de dispositivos<br />

móveis, tais como celulares e PDAs;<br />

• integração com o Sistema Brasileiro de TV Digital.<br />

Ultimamente, muito dos esforços de pesquisa neste LMS tem sido<br />

dedicados ao desenvolvimento de novos estilos de interação. Estes novos<br />

3 Disponível em: .<br />

4 Disponível em: .<br />

100


estilos são categorizados em dois grandes grupos: no primeiro encontramse<br />

os estilos de interação construtivistas, baseados na ação, na manipulação<br />

de metáforas do conhecimento onde os alunos podem modificar a<br />

representação de conceitos com ações diretas (em aplicações como servidor<br />

de jogos, servidor de vídeo, EriMont); e, no segundo, os estilos que<br />

permitem criar novas formas de colaboração, ou estilos sociointeracionistas,<br />

baseadas na percepção. Com esse instrumento, a percepção da presença<br />

de alguém pode induzir outros a realizarem novas ações complementando<br />

atividades previamente iniciadas. Por exemplo, em determinadas atividades<br />

de aprendizagem, com o uso de aplicações ou jogos, as diferentes formas<br />

de percepção tornam possível a negociação e discussão durante seções<br />

síncronas (LOBATO et al., 2008).<br />

EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM COM O AMADEUS<br />

LMS<br />

Nesta seção, descrevem-se alguns cenários de uso do Amadeus<br />

LMS que, embora não represente uma lista exaustiva, permitem dar uma<br />

idéia ampla de como a experiência da aprendizagem ocorre neste ambiente<br />

de aprendizagem. Para tal, inicialmente as principais funcionalidades do<br />

Amadeus LMS são demonstradas e, em seguida, foram considerados o uso<br />

deste LMS no ensino superior nas modalidades de EaD, semipresencial e<br />

presencial em conformidade com a legislação no Brasil.<br />

101


Um passeio pela interface do Amadeus na Web<br />

O objetivo da interface Web do Amadeus é facilitar o trabalho dos<br />

professores por intermédio de ferramentas apropriadas que ajudam nas<br />

suas práticas de ensino e facilitar o uso por parte dos alunos, tornando mais<br />

interessante esse processo, estimulando a interação e o aprendizado pela<br />

ação. As interfaces do ambiente foram criadas para promover as interações<br />

entre os participantes de forma a ampliar as possibilidades de trabalho dos<br />

professores e criar novas formas de relacionamento e interação síncronas<br />

e assíncronas, promovendo a comunicação e colaboração com um foco na<br />

aprendizagem dos alunos. A Figura 1 apresenta os primeiros passos para o<br />

acesso à interface web.<br />

Figura 1 – Primeiro acesso ao sistema. Em (a), tela inicial com o Cadastro de<br />

Usuário; em (b), os dados do novo usuário sendo incluídos e, em (c), a<br />

página inicial de cursos<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

Conforme assinalado na Figura 1a, inicialmente os usuários devem<br />

cadastrar-se no sistema para o acesso aos cursos e, também, para criação de<br />

cursos novos, se o usuário for docente. Caso necessário, o perfil do usuário<br />

pode ser alterado e, para tal, o usuário acessa o próprio nome no canto<br />

superior esquerdo da tela inicial e informa novos dados solicitados pelo<br />

102


sistema com a possibilidade de incluir-se uma foto para o perfil. No caso<br />

de alunos, após concluir esta etapa, estes deverão localizar o curso desejado<br />

e efetuar uma matrícula para o ingresso no mesmo. A Figura 2 mostra os<br />

passos necessários.<br />

Figura 2 – Em (a), duas formas de localizar um curso: por nome e por palavra<br />

chave; em (b), o resultado de uma busca e, em (c), tela inicial do curso<br />

desejado, a partir da qual um aluno pode se inscrever<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

Após matricular-se, o aluno tem acesso a uma tela onde o mesmo<br />

pode ver uma lista de participantes no curso a partir da qual, um primeiro<br />

nível de interação tem início. Os cursos podem ter vários módulos, que<br />

representam etapas no processo educacional, e em cada módulo temse<br />

uma descrição do mesmo, onde podem ser declarados os objetivos de<br />

aprendizagem, materiais associados e ferramentas para o desenvolvimento<br />

de atividades de forma online. Para o acesso a estes módulos, utiliza-se a<br />

opção Visualizar Módulos (FIGURA 3).<br />

103


Figura 3 – Tela inicial e módulos em um curso<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

Em cada módulo, diversos tipos de atividades de aprendizagem<br />

podem ser configurados, como por exemplo: Enquete - aplicável em casos<br />

onde o professor necessita ter um feedback do andamento das aulas; Fórum<br />

- bastante útil em situações em que se necessita promover discussões sobre<br />

assuntos diversos; Entrega de Materiais - que pode ser aplicada no caso de<br />

trabalhos (resumo, revisão bibliográfica, paper, monografia, etc) realizados<br />

por alunos em grupo, ou individualmente (FIGURA 4).<br />

104


Figura 4 – À esquerda, realização de enquete. No centro e à direita, utilização de<br />

fórum<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

Situações didáticas baseadas no uso de interfaces síncronas podem<br />

ser aplicadas em cada módulo. Estas interfaces ampliam a experiência do<br />

usuário e permitem facilitar a aprendizagem. Na Figura 5, vê-se a realização de<br />

uma atividade colaborativa baseada no uso de um diagrama compartilhado<br />

e no uso de chat que, combinados, permitem ampliar a interação entre os<br />

participantes, facilitando a compreensão do assunto tratado.<br />

105


Figura 5 – Atividade colaborativa baseada no uso de gráfico compartilhado e chat<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

De acordo com a Figura 5, o professor pode explicar um diagrama,<br />

os alunos podem fazer perguntas e indicar como está a sua compreensão do<br />

assunto utilizando-se uma ferramenta específica onde estes selecionam um<br />

símbolo correspondente (Smiley). Atividades em grupo com o uso de vídeos<br />

podem ser realizadas a distância. Neste caso, os participantes utilizam um<br />

chat associado para explicações, discussões e dúvidas (FIGURA 6). Caso<br />

necessário, os participantes têm um controle que permite voltar e avançar<br />

no vídeo, conforme o andamento da explicação ou discussão.<br />

106


Figura 6 – Atividade a distância com vídeo, baseada em discussão por<br />

meio de chat<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

Tanto na situação da Figura 5 como na da Figura 6, conforme o<br />

smiley apresentado, o professor pode explicar novamente ou seguir com<br />

outras explicações, em função da compreensão demonstrada pelos alunos.<br />

As atividades envolvendo jogos educacionais podem ser realizadas a<br />

partir de uma interface que permite a integração de jogos armazenados em<br />

um servidor específico. Neste caso, os jogos podem ser multiusuários e os<br />

participantes jogam a distância com a possibilidade de interagir de forma<br />

textual, por meio de chat, o que possibilita perceber a presença e ações dos<br />

participantes (FIGURA 7).<br />

107


Figura 7 – Atividade com o uso de jogos multiusuários<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

Outras formas de interação podem ser utilizadas com o uso de<br />

dispositivos móveis ou aparelho celular. Com o uso destes dispositivos,<br />

busca-se um reforço na percepção, consciência e auto-estudo. Neste sentido,<br />

os alunos podem obter informações sobre atividades e artefatos disponíveis<br />

e, neste caso, a presença é percebida de forma ubíqua (FIGURA 8).<br />

Figura 8 – Uso de dispositivos móveis com o Amadeus LMS<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

108


Com a maioria dos celulares atuais é possível visualizar conteúdos.<br />

Desta forma, estes dispositivos melhoram a consciência dos alunos sobre as<br />

atividades a serem realizadas, permitem promover o autoestudo e o sentido<br />

de responsabilidade sobre tarefas a serem cumpridas.<br />

Com o uso de Lousa Digital, o Amadeus pode ser utilizado como<br />

ferramenta de apoio a aulas presenciais ou em aulas semipresenciais. As<br />

anotações produzidas com a Lousa, durante explicações nas aulas, podem<br />

ser acessadas posteriormente (FIGURA 9).<br />

Figura 9 – Aula presencial com Quadro Digital e conteúdo integrado ao Amadeus<br />

LMS<br />

Fonte: Amorim et al., 2010.<br />

A entrada da TV Digital (TVD) no Brasil cria novas oportunidades<br />

de difusão de conhecimento com a possibilidade de interação entre<br />

109


difusora, conteúdos e usuários desse novo tipo de serviço televisivo. Nesta<br />

linha, foram concebidas soluções para a integração deste sistema de TV<br />

ao Amadeus LMS, criando novas oportunidades de aprendizagem para<br />

a estudantes na modalidade EaD. O objetivo é explorar da melhor forma<br />

o potencial educacional proporcionado pelas novas formas de interação<br />

possíveis com a TVD (FIGURA 10).<br />

Figura 10 – Realização de atividade com a TV Digital integrada<br />

ao Amadeus LMS<br />

Fonte: Gomes, 2010.<br />

No Amadeus, há um conjunto de ferramentas voltadas às<br />

avaliações: nos módulos podem ser configuradas Enquetes e Avaliações<br />

de diversas formas; o registro de acessos e interações dos usuários com o<br />

110


ambiente permite que seja feita uma verificação da participação dos alunos<br />

em atividades disponibilizadas, de forma simplificada (FIGURA 11).<br />

Figura 11 – Realização de um tipo de avaliação<br />

Fonte: Amorim et al., 2010.<br />

111


Assim, a plataforma Amadeus LMS pode ser utilizada em diversos<br />

níveis educacionais. A ampliação das formas de interação dos usuários com<br />

os conteúdos, e dos usuários entre eles, permite a implementação de novas<br />

estratégias de ensino e aprendizagem orientadas por teorias construtivistas<br />

ou sócio-interacionistas do desenvolvimento humano.<br />

Uso do Amadeus na modalidade EaD no nível superior<br />

A integração de mídias variadas e as múltiplas formas de interação<br />

possíveis entre professor, tutor e alunos no Amadeus permitem a sua<br />

utilização em diversas situações de ensino e aprendizagem.<br />

No âmbito do ensino superior a distância, o uso desta plataforma<br />

deve ter em conta a regulamentação referente à modalidade EaD no<br />

Brasil, mencionados no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’. Desta forma,<br />

de acordo com os subitens I, <strong>II</strong> e <strong>II</strong>I (concepção, equipe e uso de meio<br />

de comunicação, respectivamente), no Amadeus, os cursos podem ser<br />

organizados em módulos nos quais conta-se com uma série de ferramentas<br />

de apoio à realização de atividades de ensino e aprendizagem, tais como<br />

chat, fórum, vídeos em grupo, enquete, jogos, mídia para celular, simulações<br />

e avaliações. Os usuários se classificam em tipos e participam nos cursos<br />

conforme a função de professor, tutor e estudantes. Com estes recursos,<br />

diversas situações de ensino e aprendizagem podem ser configuradas a partir<br />

de vários enfoques teórico-metodológicos. A interação entre professor,<br />

tutor e estudantes pode ocorrer a partir de uma diversidade de mídias, com<br />

o uso de chats tradicionais ou com vídeos com discussão simultânea entre<br />

vários usuários, com o uso de jogos ou de dispositivos como PDA e celular.<br />

Algumas destas mídias tais como jogos e simulações multiusuário,<br />

permitem agregar recursos de realidade virtual. A possibilidade de uso de<br />

diversos tipos de mídia como material didático, e de forma integrada, torna<br />

o Amadeus um LMS que se ajusta ao sugerido no subitem IV (material<br />

didático, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’). Diversos tipos de<br />

materiais no formato digital podem ser incluídos facilmente nos módulos<br />

112


pelo professor para uso durante a realização de atividades de ensino e<br />

aprendizagem. Pode-se utilizar desde vídeos, links de Internet e outros<br />

materiais em diversos formatos. São aceitos os formatos de arquivos mais<br />

conhecidos (por exemplo: .doc, .pdf, .ppt, .avi, .wmf etc.).<br />

Avaliar é uma atividade complexa que depende de concepções<br />

teórico-metodológicas e até mesmo pessoais. Em uma plataforma do tipo<br />

LMS, as tecnologias envolvidas permitem oferecer formas alternativas ou<br />

que complementam as formas tradicionais de avaliação. Em relação ao<br />

subitem V (avaliações, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’),<br />

diversas formas de avaliação online podem ser configuradas no Amadeus.<br />

Por exemplo: avaliação do tipo teste (com questões de múltipla escolha,<br />

verdadeiro e falso, discursivas), verificação da participação em fóruns, a<br />

partir do envio de materiais ou com uso de dispositivos de comunicação<br />

síncrona. Estas avaliações podem ser realizadas presencialmente em uma<br />

sala de aula do tipo “laboratório de informática”, em data e horário definido<br />

pelo professor. Orientado à gestão acadêmica, tendo em vista tratar-se<br />

de um LMS, as funções administrativas descritas no subitem VI (gestão<br />

acadêmico-administrativa, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’)<br />

e previstas no Amadeus, referem-se ao cadastro de usuários no sistema,<br />

onde o professor tem um controle sobre quem pode matricular-se em um<br />

dado curso, e à manutenção de informações e conteúdos em banco de<br />

dados.<br />

No ensino superior na modalidade semipresencial<br />

Para a modalidade semipresencial, pode-se utilizar até 20% da<br />

carga horária considerada e deve-se justificar, conforme o que determina a<br />

legislação, a forma de computar o número de horas utilizadas na realização<br />

de atividades e os parâmetros utilizados nas avaliações.<br />

O Amadeus permite o planejamento de diversos tipos de atividades<br />

nas quais a forma de computar as horas necessárias à sua realização depende<br />

113


muito mais da experiência do professor na docência que da tecnologia em<br />

si mesma. Em uma atividade relacionada com leitura de textos e discussão<br />

entre pares, o professor pode configurar um fórum e determinar o tempo<br />

que os alunos necessitam para a leitura e compreensão de textos e, o tempo<br />

necessário para colocar as mensagens (posts) em função da carga horária<br />

semipresencial determinada. A participação dos alunos neste fórum pode<br />

ser avaliada conforme o conteúdo e o número de posts colocados. Atividades<br />

com vídeo e chat permitem o cômputo de horas e avaliação da participação<br />

de forma fácil, tendo em vista que este tipo de atividade utiliza um meio de<br />

interação síncrono.<br />

Nesta modalidade, de acordo com os princípios do Blended Learning,<br />

o uso de uma plataforma do tipo AVA permite ao professor combinar<br />

momentos presenciais com momentos a distância na realização de<br />

atividades orientadas ao auto-estudo ou à colaboração, a partir da utilização<br />

de recursos como fórum, chat, vídeo, áudio ou jogos. No Amadeus, estes<br />

e outros tipos de recursos disponíveis permitem a realização de variadas<br />

atividades de ensino e aprendizagem na modalidade semipresencial<br />

considerando-se os cenários de uso expostos a partir da interface Amadeus<br />

para a Web (ver item Experiência da aprendizagem com o Amadeus LMS).<br />

No ensino superior na modalidade presencial<br />

Na modalidade de ensino presencial, um LMS pode ser utilizado<br />

como instrumento de apoio às aulas presenciais. Neste caso, o uso do<br />

Amadeus LMS serviria como meio de facilitar a aprendizagem em<br />

atividades que se realizam fora do âmbito da sala de aula. Por exemplo,<br />

uma atividade de leitura e discussão de um assunto, definida para realizarse<br />

em um determinado número de aulas, poderia seguir por vários dias em<br />

momentos fora da sala de aula sem comprometer o planejamento das outras<br />

114


atividades. Esta é uma das formas possíveis de se estender as horas/aula<br />

planejadas para determinadas atividades.<br />

Com este LMS, a interação entre participantes pode ser melhorada<br />

nos momentos fora da sala de aula com o uso de quadros de aviso, enquetes,<br />

mensagens e na entrega de trabalhos. O uso de material impresso poderia<br />

reduzir-se consideravelmente com a disponibilização de material de<br />

aprendizagem online e com a realização de avaliações de forma presencial<br />

em salas do tipo “laboratório de informática”.<br />

O uso de Unidades de Aprendizagem padrão IMS LD no<br />

Amadeus<br />

Em uma perspectiva computacional, a especificação IMS LD<br />

permite a descrição de diversas situações de ensino e aprendizagem a<br />

partir de um grande número de estratégias/técnicas pedagógicas. A adoção<br />

desta especificação por softwares do tipo LMS traz uma série de vantagens:<br />

a possibilidade de reutilização de material educacional preparado<br />

previamente cuja qualidade tenha sido comprovada; o (re)uso de material<br />

produzido a partir de plataformas diversas; os materiais educacionais<br />

produzidos com esta especificação podem ser adaptados ao perfil do aluno<br />

permitindo melhorar o rendimento da aprendizagem; e, redução de custos<br />

de produção considerando-se a possibilidade de reuso de material.<br />

Com o objetivo de adaptar o Amadeus ao uso da IMS LD, optou-se<br />

pela integração do banco de dados desta plataforma a um banco de dados<br />

definido a partir de uma ontologia educacional de IMS LD (AMORIM<br />

et al., 2006, 2010), tendo em vista que esta ontologia representa de forma<br />

precisa as definições contidas nos documentos de IMS LD e permite<br />

facilitar a programação de aplicações compatíveis com esta especificação.<br />

Com o banco de dados definido, procedeu-se um estudo para a adequação<br />

das interfaces do Amadeus para a criação, edição, importação e exportação<br />

115


de Unidades de Aprendizagem (UA) no padrão IMS LD. Na Figura 12, vêse<br />

parte do processo de edição de uma UA no Amadeus.<br />

Figura 12 – Processo de criação de uma UA IMS LD no Amadeus<br />

Fonte: Amorim et al., 2010.<br />

Conforme a Figura 12, durante a edição de atividades em um curso<br />

de Plano de Negócios, em (A) a interface do módulo Gestão de Conteúdos;<br />

em (B), a edição de uma atividade de aprendizagem com os seus atributos<br />

conforme IMS LD: Descrição, Objetivos da Aprendizagem/ Pré-requisitos,<br />

116


os Recursos associados, a forma como a atividade deve ser completada e a<br />

descrição do feedback ao completar-se a atividade; e, em (C) uma visão geral<br />

da arquitetura software e as partes relacionadas com este processo de edição<br />

que, neste caso, realiza-se com o Módulo Gestão de Conteúdo (com círculo<br />

em vermelho) utilizando a ontologia IMS LD (diagrama no retângulo<br />

cinza). A aplicação Amadeus LMS é composta por vários componentes que<br />

interagem para o correto funcionamento do sistema, representados em (C)<br />

na Figura 12. Durante a criação de uma UA, a ontologia é fundamental<br />

para garantir que os dados incluídos estão de acordo com as definições na<br />

documentação de IMS LD. Desta forma, garante-se a representação de um<br />

curso dado na forma de uma Unidade de Aprendizagem correta, conforme<br />

esta especificação.<br />

CONCLUSÕES<br />

Neste capítulo apresentamos a plataforma Amadeus de um sistema<br />

de gestão de aprendizagem. O mesmo é composto por um conjunto diverso<br />

e crescente de módulos. A utilização de cada um desses módulos pode ser<br />

planejada com facilidade e a operação de uma metodologia para EAD é<br />

bastante simples. O Amadeus foi todo projetado com técnicas de Design<br />

Centrado no Usuário, o que lhe confere um alto padrão de usabilidade,<br />

portanto, de facilidade de uso. Os diversos cenários de uso no contexto da<br />

educação superior indicam que a adoção do Amadeus facilita os processos<br />

de tutoria e mediação por meio desta plataforma.<br />

117


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Agradecimentos<br />

Este trabalho foi apoiado pelo Instituto Nacional de Ciência e<br />

Tecnologia para Engenharia de Software (INES), financiado pelo CNPq e<br />

FACEPE, processos 573964/2008-4 e APQ-1037-1.03/08.<br />

120


A Edificação dos Saberes<br />

para o Exercício da Tutoria<br />

a Distância: o caso dos<br />

professores-tutores do curso<br />

de pedagogia a distância da<br />

UERJ 1<br />

Edméa Santos<br />

(UERJ)<br />

INTRODUÇÃO<br />

A pesquisa contemporânea sobre formação de professores vem<br />

atentando para a relação complexa e interativa entre histórias de vida,<br />

formação inicial e continuada e as aprendizagens construídas ao longo da<br />

carreira e do exercício da profissão, em que o docente interage e aprendem<br />

com seus estudantes, seus pares, gestores, comunidade escolar e com a<br />

sociedade mais ampla. Nem sempre foi assim. Até a primeira metade do<br />

século XX, o foco sobre a formação de professores centrava-se na formação<br />

1 Este texto é produto da pesquisa “Docência na Cibercultura”, que contou com o apoio do<br />

Edital Universal CNPq 2007, com Programa Prociência UERJ-FAPERJ e com o Programa de<br />

Iniciação Científica da UERJ.<br />

121


inicial direcionada à aprendizagem de saberes disciplinares. Formar<br />

o professor significava, sobretudo, formar profissionais conhecedores<br />

dos conteúdos que deveriam ministrar em seu exercício docente. O que<br />

ensinar? Era e ainda é, em alguns contextos, principalmente na formação<br />

inicial de grande parte dos cursos de Licenciatura e de aperfeiçoamento<br />

no Brasil, a grande questão. Contudo, compartilhamos com D’Ávila (2008)<br />

o entendimento de que, na contemporaneidade, convivemos com diversos<br />

modelos de formação docente, entre os quais se destacam: o modelo<br />

artesanal, o modelo instrumental-tecnicista, o modelo sociopolítico e os<br />

“novos paradigmas de formação”, como a “epistemologia da prática” e a<br />

“fenomenologia existencial”.<br />

Neste trabalho daremos ênfase ao “paradigma da epistemologia da<br />

prática”, onde a partir do conceito de saberes e do processo de edificação dos<br />

saberes docentes segundo Tardif dialogamos com alguns professores-tutores<br />

que atuam nos cursos de Pedagogia e Licenciatura da UERJ no Consórcio<br />

CEDERJ. Desse diálogo mapeamos como estes profissionais formam e se<br />

formam. A expressão “edificação dos saberes” é tratada por Tardif como<br />

metáfora para ilustrar que o processo de formação de professores é um<br />

processo sempre em construção.<br />

SOBRE SABERES E A EDIFICAÇÃO DE SABERES<br />

DOCENTES. DESAFIOS PARA A DOCÊNCIA ONLINE<br />

A formação de professores é composta por uma diversidade de<br />

processos e saberes oriundos dos campos da formação pessoal e profissional,<br />

dos saberes disciplinares e curriculares, da experiência. Por nos apresentar<br />

de forma mais sistematizada uma teoria sobre os tipos e origens dos saberes<br />

da docência e dos docentes, vale a pena destacarmos no Quadro 1 uma<br />

síntese das origens e tipos de saberes docentes segundo Tardif (2002).<br />

122


Origens dos saberes docentes<br />

Tipos de saberes docentes<br />

Saberes pessoais – são provenientes<br />

das vivências familiares, dos<br />

processos sociais primários, da<br />

nossa história de vida em processos<br />

educacionais mais amplos e não<br />

formais.<br />

Saberes da formação escolar – são<br />

provenientes da nossa trajetória<br />

escolar formal, dos modelos de<br />

professores que tivemos e pela<br />

socialização pré-profissional.<br />

Saberes da formação profissional<br />

– são provenientes da preparação<br />

para a vida profissional nos cursos<br />

de formação inicial e continuada<br />

intencionalmente promovidos para a<br />

formação para o mundo do trabalho.<br />

Saberes da experiência – são<br />

provenientes do exercício concreto<br />

da profissão em interação com<br />

os estudantes, as instituições<br />

empregadoras.<br />

Quadro 1 – Edificação dos saberes docentes segundo Tardif<br />

Saberes disciplinares – são<br />

apresentados pelas instituições<br />

formadoras, universidades ou cursos<br />

de formação de professores, a partir<br />

do currículo formal organizado por<br />

campos do conhecimento no formato<br />

de disciplinas.<br />

Saberes curriculares – são<br />

apresentados para além do conteúdo<br />

disciplinar. Correspondem aos<br />

modos e meios a partir dos quais as<br />

instituições organizam seus processos<br />

de ensino e aprendizagem.<br />

Os saberes da experiência costumam<br />

articular os saberes disciplinares e<br />

curriculares, apreendidos em situações<br />

formais com os saberes que emergem<br />

da prática docente via experiência de<br />

sala de aula ou nos demais espaços<br />

sociais da instituição de ensino. Nesse<br />

contexto os professores vivenciam<br />

conflitos e tensões ao articularem, ou<br />

não, saberes pessoais, da formação<br />

escolar e da formação profissional<br />

com as vivências do cotidiano e da<br />

experiência docente. Portanto, os<br />

saberes da experiência são advindos de<br />

todo o processo e formação humana<br />

vivenciados pelos docentes ao longo<br />

da sua itinerância do mundo da vida e<br />

da profissão.<br />

123


No quesito “saberes da experiência”, Tardif apresenta-nos o desafio<br />

de atentarmos para uma epistemologia da prática docente como fonte<br />

de conhecimentos para uma melhor compreensão da docência e do ato<br />

de ensinar para além da racionalidade técnica. O ambiente de trabalho<br />

é, para este autor, o locus privilegiado para a instituição dos saberes da<br />

experiência. Para tanto, é preciso “[...] mobilizar uma ampla variedade de<br />

saberes reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo<br />

e para o trabalho” (TARDIF, 2002, p. 21). Saberes estes que se articulam<br />

como um “amálgama” dos saberes advindos da formação da formação<br />

inicial (disciplinares), da formação continuada, que pode se constituir<br />

por processos formais e não formais de educação, a exemplo dos saberes<br />

edificados a partir da emergência de situações concretas no e do ambiente<br />

de trabalho, em sintonia, ou não, como os processos institucionais e da<br />

sociedade mais ampla.<br />

Nesse sentido, o processo formativo precisa ser narrado pelo<br />

sujeito que aprende com seus pares. Aqui, não só a reflexão de si e sobre<br />

si é importante, como também a partilha desses sentidos pessoais com<br />

os sentidos de outros aprendentes envolvidos no contexto mais amplo do<br />

processo formativo. Nas práticas pedagógicas mediadas por tecnologias<br />

digitais em rede, precisamos atentar para este processo de edificação<br />

dos saberes docentes, questionando inclusive os sentidos dessas práticas<br />

docentes, tratadas, quase sempre como práticas de tutoria.<br />

A educação online é uma modalidade de educação que pode<br />

ser vivenciada ou exercitada tanto para potencializar situações de<br />

aprendizagem mediadas por encontros presenciais, quanto a distância, caso<br />

os sujeitos do processo não possam ou não queiram se encontrar face a<br />

face; ou ainda situações híbridos, nas quais os encontros presenciais podem<br />

ser combinados com encontros mediados por tecnologias telemáticas<br />

(SANTOS, 2005).<br />

124


No Brasil, a educação online é um fenômeno novo. As primeiras<br />

práticas e projetos começam a aparecer com a internet e suas interfaces na<br />

segunda metade da década de 1990. Nos últimos 15 anos contamos com<br />

algumas experiências formativas, principalmente por conta da legislação<br />

brasileira, que vem sendo favorável às práticas de EAD e de educação<br />

online, bem como à emergência, ao crescimento e à diversidade de projetos<br />

e pesquisas na área. A evolução das interfaces digitais da internet, mais<br />

especificamente os ambientes online de aprendizagem, vem contribuindo<br />

para que práticas pessoais e institucionais se desenvolvam.<br />

A formação pessoal e a história de vida são fontes fundamentais na<br />

edificação os saberes da docência. Memórias de professores que tivemos,<br />

sejam dos bons ou dos maus profissionais, acabam corroborando para a<br />

instituição das nossas experiências profissionais e formadoras. Contudo, no<br />

que se refere à formação de professores para a docência online, poucos são<br />

os docentes que podem contar com essas memórias e narrativas.<br />

Nesse sentido, precisamos contar com os saberes da formação<br />

profissional fundados na experiência profissional e curricular. Muitos<br />

docentes online formam-se no contexto das suas primeiras experiências<br />

profissionais, aprendendo com seus pares e em sua relação com seus<br />

estudantes. Muitas instituições costumam formar suas equipes com projetos<br />

de cursos de aperfeiçoamento que se centram, quase sempre, nas diretrizes<br />

e dinâmicas do seu currículo ou desenho didático-específicos. Os processos<br />

de formação curricular, conforme descreve Tardif, são aqueles provenientes<br />

dos processos de organização das práticas específicas de cada instituição<br />

formadora. No caso específico da docência online precisamos conhecer<br />

como os saberes para a docência online estão edificando-se nas práticas<br />

cotidianas, escutando e dialogando com os praticantes e suas narrativas.<br />

Para tanto apresentaremos a seguir dados de como os professores-tutores a<br />

125


distância da UERJ-CERDERJ edificaram e edificam seus saberes no e para<br />

o exercício da docência online.<br />

SABERES DA DOCÊNCIA ONLINE: O CASO DOS<br />

PROFESSORES-TUTORES DA UERJ-CEDERJ<br />

Conforme destacamos no resumo desse texto, trabalhamos com a<br />

abordagem qualitativa e a metodologia da pesquisa-formação. A pesquisaformação<br />

não separa a experiência acadêmica da prática profissional do<br />

pesquisador e dos sujeitos envolvidos. (SANTOS, 2006) Lançamos mão de<br />

diversos dispositivos (conversas informais, diálogos durante grupo de estudo<br />

e pesquisa, análise dos debates em fóruns de discussão online, observação<br />

das práticas pedagógicas via ambiente virtual de aprendizagem, cineclube<br />

e grupo focal), ou seja, meios materiais e intelectuais para mapearmos os<br />

saberes e como estes são edificados no contexto das práticas pedagógicas<br />

e de formação de professores-tutores da UERJ-CEDERJ. Da análise<br />

dos dados chegamos a categorias compreendidas por nós como noções<br />

subsunçoras. As noções subsunçoras são as categorias analíticas frutos da<br />

análise e interpretação dialógica entre empiria e teoria num processo de<br />

aprendizagem significativa (SANTOS, 2005). Entendemos a pesquisa como<br />

prática de formação, portanto como processo legítimo de formação e de<br />

aprendizagem significativa não só referente ao pesquisador coordenador da<br />

pesquisa, como também dos praticantes envolvidos. A seguir traremos das<br />

noções subsunçoras advindas desse diálogo entre teoria e prática.<br />

Conforme ilustramos no item ‘Sobre Saberes e a Edificação...’,<br />

os saberes da docência podem ser edificados no contexto da formação<br />

inicial, continuada, da experiência profissional e da história de vida dos<br />

docentes. Nesses contextos destacamos os saberes curriculares (referentes<br />

ao saberes institucionalizados), disciplinares (referentes aos conteúdos<br />

126


e métodos da disciplina ou área de atuação) e da experiência (referentes<br />

aos saberes que emergem da relação professor-alunos-pares-comunidade<br />

escolar). Em nossa pesquisa com os professores-tutores, verificamos que<br />

grande parte dos saberes mobilizados e edificados surgiu da experiência<br />

da prática pedagógica construída ao logo do exercício profissional na<br />

universidade. Dos saberes da experiência, destacamos a seguir algumas<br />

noções subsunçoras mapeadas por nós.<br />

Relação com os professores-coordenadores<br />

A interação do professor-tutor com seu coordenador de disciplina<br />

inicia-se no momento do processo seletivo. Na parceria entre universidade<br />

e Fundação CEDERJ Cecierj, cabem à universidade a seleção (elaboração<br />

e aplicação dos instrumentos de seleção: prova teórica, entrevista e prova<br />

de títulos) da equipe e a formação continuada e permanente desses<br />

profissionais. Ao consórcio cabe a garantia das condições de formação<br />

continuada (infraestrutura e remuneração da equipe [no modelo de bolsas]).<br />

Após a seleção dos profissionais, o Consórcio CEDERJ é responsável pela<br />

capacitação inicial da equipe. Essa atividade tem como objetivo apresentar<br />

institucionalmente o consórcio, explicando as funções e papéis de cada atorinstituição<br />

envolvidos no sistema. Além disso, são debatidos coletivamente<br />

temas referentes à metodologia de EAD adotada pelo consórcio (concebida<br />

como semipresencial, por contar com a possibilidade de atividades<br />

presenciais serem promovidas nos pólos presenciais), as diretrizes para o<br />

exercício da tutoria a distância e uma breve apresentação da plataforma<br />

de EAD. Após esse momento de capacitação, todos os tutores passam a<br />

interagir diretamente com o seu coordenador de disciplina.<br />

127


Em tese, cabe ao coordenador de disciplina cuidar e garantir da<br />

formação continuada e permanente de sua equipe. Entretanto, nem sempre<br />

essa formação continuada e permanente é garantida. Muitos professorestutores<br />

sinalizaram esse dilema. Grande parte dos coordenadores não<br />

discute suas estratégias com a equipe. A grande maioria se dedica<br />

exclusivamente aos conteúdos e às avaliações presenciais e a distância. Os<br />

encontros formativos, muitas vezes, se limitam às discussões dos temas da<br />

disciplina e muito pouco se discute em relação a metodologia para a prática<br />

online na plataforma.<br />

A plataforma de EAD é um software proprietário, criado e gerido<br />

pelo consórcio para o exercício das atividades online. Em última análise<br />

a plataforma equivale à sala de aula online, na qual os professores-tutores<br />

interagem com seus alunos, que estão geograficamente dispersos. No<br />

contexto do exercício profissional mediado pela plataforma é que os saberes<br />

da tutoria online são edificados. Contudo, a qualidade desse exercício<br />

profissional depende diretamente da relação construída entre o professortutor<br />

com seu coordenador de disciplina. Essa noção subsunçora emergiu<br />

fortemente em todos os dispositivos da pesquisa. Se a relação é dialógica,<br />

coparceira, as práticas fluem com mais qualidade se aproximando mais<br />

da docência online. As práticas vão além da tutoria a distância reativa,<br />

ou seja, uma tutoria a distância reativa se efetua apenas pelo exercício<br />

de “tirar dúvidas” (na plataforma ou no serviço telefônico do 0800) dos<br />

alunos referentes aos conteúdos e atividades disponibilizados no material<br />

institucional e da administração burocrática de cronogramas com datas de<br />

exames, avaliações ou atividades de autoestudo. Vejamos depoimentos dos<br />

praticantes:<br />

A qualidade fica muito a cargo da coordenação de disciplina. Eu tive<br />

uma troca de coordenação de disciplina e minha prática saiu de um polo<br />

128


para outro. Dizia a nova coordenadora: “vamos criar fóruns de discussão,<br />

disponibilizar vídeos, vamos fazer uma avaliação diferenciada, se não tem<br />

como inserir vídeos na plataforma vamos gravar em casa e mandar para<br />

o polo”. Daí vi que o movimento fica outra coisa com o coordenador de<br />

disciplina. Quando eu me deparei com a questão, vi que eu tinha cinco<br />

coordenadores, dois tinham este pensamento e três não. Ai eu percebi<br />

nitidamente que a atuação do tutor depende diretamente do coordenador.<br />

Este ano teve novamente troca de coordenação e eu fiquei cerceada com<br />

todas as letras. Eu já tinha feito fórum de discussão online com mais de 200<br />

alunos, onde tivemos setecentas e tantas entradas. Daí perguntei para a nova<br />

coordenadora “vamos continuar fazendo fórum?” E a nova coordenação disse:<br />

“de jeito nenhum, impossível fazer fórum com tantos alunos, isso é inviável”.<br />

Aí perguntei a ela: “qual a minha atuação na sua disciplina?” Ela respondeu:<br />

“responder a plataforma e o telefone 0800” (Prata, 2009).<br />

Eu tenho uma coordenadora que eu me sinto docente porque ela me solicita,<br />

troca muito comigo e outra que eu sou uma tutora reativa por completo em<br />

outra. Eu percebo isso claramente e é uma confusão dentro de mim. Ora você é<br />

docente, não é nem o poder...é a autoria estabelecida você pode oferecer...e na<br />

outra você não pode (Prata, 2009).<br />

Tem coordenador que não te dá a liberdade, mesmo que você queria não<br />

pode abrir fórum em uma determinada disciplina, porque o coordenador<br />

não permite. Este diferença eu também tive. Passei por quatro coordenações<br />

diferentes. Três coordenações foram completamente reativas [...] A partir do<br />

momento que tem troca, parceria e uma estrutura e um direcionamento você<br />

muda sua prática completamente. [...] por trás de uma boa tutora tem sempre<br />

um bom coordenador (Esmeralda, 2009).<br />

As vozes dos professores-tutores revelam que, se a coordenação da<br />

disciplina não tem clareza do potencial da educação online, as práticas da<br />

tutoria a distância estão comprometidas. Há uma hierarquia no sistema.<br />

129


A prática acadêmica é responsabilidade da coordenação da disciplina.<br />

O coordenador é o professor universitário. A grande maioria dos<br />

coordenadores são professores concursados da universidade, que estudam e<br />

pesquisam na área de atuação da disciplina que coordenam. Os professorestutores<br />

são bolsistas remunerados pelo CEDERJ e não possuem vínculos<br />

empregatícios, direitos trabalhistas e autonomia acadêmica. Contudo,<br />

alguns coordenadores trabalham em regime de coautoria com sua equipe<br />

de tutoria. Esta equipe passa a não ser apenas executora de processos e<br />

produtos, mas também coautora desses processos e produções. Os dados<br />

específicos dessa noção subsunçora revelam que é preciso investimento<br />

não só na formação dos professores-tutores para um bom exercício da<br />

educação online, como também na formação continuada dos professores<br />

coordenadores. Grande parte dos coordenadores são especialistas nos<br />

conteúdos disciplinares e pouco discutem as especificidades da docência<br />

online.<br />

Investimento pessoal e pouco investimento institucional:<br />

formação em espaços plurais de aprendizagem<br />

Após a capacitação que se segue ao processo seletivo, fica a cargo da<br />

grande maioria dos professores-tutores a responsabilidade pela formação<br />

continuada. Os professores-tutores que estão deste o inicio do projeto na<br />

UERJ revelaram que foram poucas as iniciativas institucionais de formação<br />

continuada para o exercício da docência online. A maior parte dos<br />

coordenadores de disciplina encontram-se com suas equipes apenas para<br />

planejar e avaliar as atividades do período (elaboração do cronograma e<br />

guia da disciplina, avaliação dos resultados da aprendizagem dos alunos,<br />

planejamento de atividades e avaliações presenciais e a distância). Apenas<br />

uma pequena parte dos coordenadores criam e fazem gestão de grupos<br />

130


de estudos com suas equipes. Os docentes revelaram que, por iniciativa<br />

própria, o grupo de tutores a distância do curso de Pedagogia criou um<br />

grupo de estudos, no qual textos, pesquisas e práticas pedagógicas eram<br />

compartilhadas num clima de prazer e colegialidade. Esse grupo de estudos<br />

foi dissolvido em 2008, por conta de mudanças na infraestrutura e gestão<br />

geral do projeto na universidade. Revelaram alguns professores-tutores:<br />

De um dia pra noite chegamos aqui e não tínhamos onde ficar.<br />

Literalmente perdemos nossa sala de trabalho. Ficamos sem sala, sem rede,<br />

sem computadores, sem espaço para correção de provas (Esmeralda, 2009).<br />

Em 2007 o projeto-piloto trouxe esperança de valorização. Em<br />

2008 circulava a informação que nada vai mudar, que tudo vai piorar, isso<br />

nos deixou bastante desmotivados. [...] O reconhecimento do trabalho do<br />

professor-tutor demorou a chegar.<br />

O projeto-piloto citado pela tutora corresponde a uma iniciativa de<br />

formação continuada, via pesquisa-ação, na qual trabalhamos com a equipe<br />

de tutoria a distância com um curso online (projeto-piloto da pesquisa em<br />

questão que durou três meses) e em que os 40 professores-tutores puderam<br />

exercitar a discência online noutro ambiente virtual de aprendizagem.<br />

Além de questões específicas da educação e docência online, pudemos<br />

vivenciar com mais intensidade a comunicação síncrona e assíncrona. Uma<br />

professora-tutora chegou a constatar que mesmo atuando com os colegas<br />

num mesmo espaço físico, que é a sala de tutoria a distância, a interação<br />

entre os pares foi mais potencializada durante a interação online no projetopiloto.<br />

Vejamos:<br />

Estamos trabalhando lado a lado por três anos, e a nossa interação não é tão<br />

grande quanto aqui. Viu como o online agrega as pessoas?!?! Está sendo muito<br />

enriquecedor conhecer um pouco mais de cada um! Tenho certeza que nossos<br />

encontros – presenciais ou online – irão bombar daqui por diante (Safira, 2007).<br />

131


Nesse projeto–piloto detectamos que grande parte da equipe<br />

não tinha vivenciado ainda a mediação online nas interfaces síncronas e<br />

assíncronas. Constatamos que grande parte da equipe não mediava sequer<br />

fóruns de discussões online. Grande parte da equipe atuava, e ainda atua<br />

apenas na “sala de tutoria”, que é uma interface específica para tirar dúvidas<br />

dos alunos referentes ao conteúdo do material instrucional.<br />

Além da ação colegiada do grupo de estudos, da participação no<br />

curso online piloto por nós organizado, alguns professores citaram no início<br />

do projeto a participação em grupos de pesquisa. Essa experiência em<br />

grupos de pesquisa foi destacada por alguns professores-tutores que, antes<br />

ou depois de aturem no sistema, puderam, como alunos de graduação, pósgraduação<br />

ou bolsistas em programas variados da universidade, vivenciar<br />

discussões mais formais sobre EAD, Educação e Tecnologias, Informática<br />

na Educação, entre outros. Vejamos algumas falas retiradas do fórum online<br />

sobre memórias da docência online:<br />

Como me tornei um docente online? Tudo começou na UERJ, quando estava<br />

fazendo o curso de Pedagogia, tive o prazer de ter como minha professora e<br />

futura orientadora Raquel Villardi, com quem trabalhei e pesquisei sobre<br />

EAD e o uso das novas Tecnologias no grupo de pesquisa. Essa foi minha 1ª<br />

experiência como docente online. Quando terminei a graduação comecei a<br />

trabalhar no município como Professor <strong>II</strong> e prestei o concurso para tutoria<br />

daqui, continuando depois meus estudos na Pós sobre Tecnologia Educacional<br />

(Rubi, 2007).<br />

Oiê!! Quase toda a minha família é formada por professores, sempre<br />

acompanhei as conversas, eventos, planejamentos, estudos... Vira e mexe estava<br />

“implorando” para ajudá-los (ou atrapalhá-los) de alguma forma. Me formei no<br />

Ensino Médio, antigo Normal, e desde então não parei mais!! Minha experiência<br />

com a EAD começou como aluna, fiz o adicional em Educação Infantil na<br />

Fundação Brasileira de Educação - Projeto Crescer, era semipresencial com<br />

132


materiais impressos, aulas e avaliações mensais (presenciais). Continuei a<br />

minha trajetória como educadora, fiz a graduação em Pedagogia na UERJ o<br />

extinto CPM e/ou PEDSI, ingressei em 2004/2 como tutora a distância das<br />

Licenciaturas e atualmente integro o Laboratório de Tecnologias Cognitivas<br />

na UFRJ como aluna. (...) Tchurma, o LTC tem como objetivo: Investigar a<br />

integração das tecnologias da informação e comunicação em contextos educativos<br />

presenciais e a distância de formação discente, docente e de profissionais nas áreas<br />

das ciências e saúde, por meio de pesquisa, desenvolvimento e implementação de<br />

sistemas hipermídia e de ambientes virtuais de aprendizagem. Há duas linhas<br />

de pesquisas, a da qual participo é a Tecnologia Educacional nas Ciências e na<br />

Saúde. Ultimamente estou até o “topo” envolvida num projeto que iniciaremos<br />

(amanhã) em parceria com a SME/RJ, um curso-piloto chamado: Internet na<br />

Educação - recursos e aplicações para os professores que trabalham nos Núcleos<br />

de Tecnologias, os multiplicadores na Info Educativa. Depois do encontro conto<br />

mais [...] (Vênus, 2007).<br />

Ao sair do normal, entrei para Educação Artística/História da Arte na UERJ.<br />

E lá me apaixonei imensamente pela área. Já gostava, fazia curso de pintura,<br />

desenho. Tive bolsa de iniciação à docência, com a professora Raquel Villardi,<br />

e lá ela me “juntou” mais ainda à área de Design, que tanto gostava. No final da<br />

faculdade estudei também Programação Visual no SENAI, e logo depois entrei<br />

para o Mestrado em Design na PUC-RIO. Isso poderia ter me afastado da área<br />

de educação, mas já trabalhava no Estado, no Município e minha pesquisa era<br />

relacionada ao ensino de Design [...] (Marte, 2007).<br />

As falas revelam a importância da participação em grupos de pesquisa.<br />

A pesquisa é base para a produção do conhecimento, principalmente<br />

quando tem relação direta com a reflexão na e sobre a ação docente.<br />

Infelizmente essas iniciativas não passam, ou passam muito pouco, por<br />

ações institucionalizadas. A partir de 2008, iniciamos de forma intencional,<br />

discussões e debates mais direcionados ao exercício da educação e da<br />

docência online, bem como a discussão mais ampla sobre Cibercultura e<br />

Educação. Nesse contexto contamos com a presença de alguns professores-<br />

133


tutores no GPDOC – Grupo de Pesquisa Docência na Cibercultura – onde<br />

realizamos estudos diversos, como a pesquisa “Docência na cibercultura:<br />

laboratórios de informática, dispositivos móveis e educação online”. Durante<br />

o período de setembro de 2007 até a presente data buscamos desenvolver<br />

algumas experiências formativas com os professores-tutores no contexto<br />

das atividades do grupo de pesquisa. Contudo, percebemos a necessidade<br />

de atuarmos mais formalmente, responsabilizando a UERJ e o CEDERJ<br />

pela formação continuada e permanente de sua equipe de tutoria. Ao<br />

mesmo tempo reconhecemos a importância de envolvermos os tutores em<br />

projetos de pesquisa acadêmica. Vejamos a fala de uma professora-tutora<br />

que é membro do grupo de pesquisa GPDOC de forma livre e espontânea:<br />

Participar do grupo de pesquisa tem contribuído para minha mudança<br />

de postura na forma de trabalhar com a EaD. Pois a partir dos textos lidos,<br />

discutidos, e da reflexão na escrita de diferentes autores, foi possível ver a<br />

diferença da prática do tutor “reativo” para o docente online. Este proporciona<br />

discussões, valoriza o diálogo, trabalha na construção de um ambiente real<br />

de aprendizagem. Ele assume seu papel na construção da interatividade nesse<br />

ambiente. O docente online permite, a partir da sua prática, que o aluno veja<br />

que autonomia no estudo não quer dizer “aprender sozinho”. Isso é impossível!<br />

Sem sentido! Isso é uma “chatonomia”! Pois o diferencial está em cooperar,<br />

pensar junto! Discordar, apresentar argumentos, reconstruir questionamentos<br />

etc. E o docente online está nesse processo, assumindo esse espaço, e sua<br />

responsabilidade!! Tudo que estou falando aqui é conhecimento construído<br />

com minhas colegas (e amigas) do grupo de pesquisa!! É fruto da formação<br />

docente no GPDOC (Pérola, 2009).<br />

A criação do GPDOC aconteceu no momento da minha atuação<br />

como coordenadora de tutoria do curso de Pedagogia da UERJ-CEDERJ.<br />

Atuei na coordenação de tutoria no período de abril de 2008 a junho de<br />

134


2009. A experiência foi bastante gratificante, pois me permitiu conhecer de<br />

perto as dinâmicas e limites da função, junto à complexidade do sistema.<br />

Fazer pesquisa acadêmica e atuar na gestão de processos educacionais foi<br />

uma experiência desafiadora.<br />

A mediação online e a potencialização da aprendizagem do<br />

aluno online<br />

Criar conteúdos hipertextuais, sistematizar narrativas, criar<br />

ambiências para que novas narrativas sejam construídas e socializadas,<br />

provocar novas situações de aprendizagem colaborativas e cooperativas,<br />

não são práticas fáceis. Tornam-se dilemas docentes concretos quando<br />

acreditamos que essas práticas só são interativas se os discentes forem de fato<br />

coautores. Conforme sabemos, os discentes online também são constituídos<br />

por práticas docentes ainda sustentadas por pedagogias transmissoras e<br />

lineares. Muitos não entendem e não se dispõem à cocriação interativa,<br />

ainda preferem o consumo de conteúdos pré-fabricados e a replicagem<br />

destes nos exames para certificação. Contudo, quando a mediação online<br />

é de qualidade, o aluno também se transforma passando a vivenciar a<br />

valorizar mais as práticas interativas.<br />

Quando atuamos para além da tutoria reativa os alunos percebem nitidamente<br />

a mudança. Eu tive a resposta agora na prova presencial. Os alunos deixaram<br />

relatos que adorariam se toda tutoria a distância fosse assim mais interativa<br />

(Esmeralda, 2009).<br />

Quando conseguimos que os estudantes online soltem suas vozes,<br />

suas narrativas, suas imagens, suas oralidades, podemos dizer que a<br />

docência online realmente foi vivenciada. A máxima de Freire (1996, p. 22)<br />

135


“não existe docência sem discência” é proposição também para a docência<br />

online.<br />

Um docente online deve logo de início aprender que o discente<br />

online não tem que responder às suas perguntas do docente, como se ele<br />

estivesse sendo arguído. Nas interfaces assíncronas temos ambiências<br />

comunicacionais para exercitarmos nossa autoria. Como deve se comportar<br />

o docente online nestas mediações? Devemos literalmente explicar para o<br />

discente que a participação pode acontecer quando um colega comenta uma<br />

mensagem de outro, questionando, trazendo uma dúvida para compartilhar<br />

com um colega, e com os docentes, socializando outras leituras, outros<br />

links. Então a participação online se dá como estratégia de coautoria. É<br />

sempre importante agregar novos debates. Um novo enunciado, uma nova<br />

provocação, são sempre novos “pré-textos” para mais e melhores debates<br />

Especificidades da docência online: do uso técnico das<br />

interfaces digitais às autorias na cibercultura<br />

A sala de aula do docente online é o ambiente virtual de aprendizagem<br />

(AVA). Ambientes virtuais de aprendizagem ou “plataformas de EAD”<br />

são soluções informáticas que reúnem, numa mesma plataforma, várias<br />

interfaces de conteúdos e de comunicação síncronas e assíncronas, onde<br />

podemos educar e nos educarmos com os praticantes geograficamente<br />

dispersos, produzindo e interagindo com narrativas digitalizadas que<br />

circulam em rede (SANTOS, 2010). Para muitos professores-tutores,<br />

os primeiros contatos com os AVA são o começo de uma carreira na<br />

cibercultura, bem como uma construção cultural que se expande para além<br />

do AVA utilizado em seu exercício profissional.<br />

Em nossa pesquisa, constatamos que alguns professores-tutores,<br />

antes do ingresso na carreira, já atuavam com outras soluções informáticas<br />

em rede. A experiência com as interfaces digitais e as redes online no social<br />

136


mais amplo pode potencializar a docência online, uma vez que esta ganha<br />

potência quando os sujeitos interagem em rede, trocando e compartilhando<br />

informações, saberes e conhecimentos, de forma colaborativa. Esses saberes<br />

são fundamentais para a autoria na cibercultura. Vejamos o que dizem<br />

alguns professores-tutores que já atuavam nas interfaces digitais antes de<br />

aturem com a plataforma do CEDERJ:<br />

Apesar de ter nascido numa época em que ainda não existia internet, e-mail<br />

(afinal, sou uma senhora balzaca)... o online acabou se fazendo presente na<br />

minha vida. No finalzinho da minha adolescência, a internet começou a se<br />

popularizar. Lembro-me que eu e minha tia dividíamos a prestação de um<br />

“Lentium” e a mensalidade da Domain, um provedor da década de 90. Comecei<br />

minhas investidas virtuais pelo Mirc, UOL e depois ICQ. Foi nessa época<br />

que aprendi a mexer na internet, fuxicando em tudo. Tudo demorava muito.<br />

Lembro-me que só podíamos entrar na internet depois de meia-noite ou aos<br />

domingos, pois a conta de telefone pesaaaaaava! [rs] Aliás, foi num domingo<br />

chuvoso que, conectada à internet discada, conheci meu marido pelo ICQ [...]<br />

Foi amor à primeira teclada (Safira, 2008).<br />

Comecei a procurar um cursinho de informática. Podia ser que lá alguém<br />

conhecesse algumas noções básicas de Didática e me possibilitasse uma real<br />

aprendizagem. Encontrei um na Tijuca, num colégio que ficava na subida do<br />

morro da Formiga. Comecei o curso numa turma grande e, no final, éramos<br />

só eu e o professor. Só não foi tão ruim, porque o que perdi em interação com<br />

os colegas acabei ganhando em aprendizado técnico. Aí, já mais segura, decidi<br />

fazer uma pós-graduação em Informática Educativa na Unicarioca. Daí para<br />

o Mestrado em Educação na linha de pesquisa em Tecnologias de Informação<br />

e Comunicação nos processos educacionais na Estácio de Sá foi um passo.<br />

Quando terminei o mestrado, soube do concurso para tutores AD da UERJ e<br />

me candidatei à única vaga para Didática. Minha coordenadora gostou de mim<br />

e dos meus 25 anos passados em sala de aula e estou aqui. Hoje, continuo dando<br />

aulas no Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro, onde sou professora de<br />

Língua Portuguesa e trabalho como tutora também no FGV Online (Diamante,<br />

2007).<br />

137


Quando essas competências técnicas são mobilizadas, os saberes<br />

pedagógicos e comunicacionais são mais facilmente transpostos, sobretudo<br />

quando temos clareza de que essa transposição não consiste em copiar<br />

do presencial para o online estratégias que não contemplem o espaço da<br />

dialógica e da interatividade.<br />

A partir do momento que começamos a interagir no ciberespaço,<br />

com as potencialidades do hipertexto eletrônico, ao acessar informações<br />

digitalizadas (nos repositórios científicos, nos portais jornalísticos e<br />

artísticos, nas páginas pessoais, nas redes sociais) e interagir com e nas<br />

interfaces comunicacionais (fóruns, chats, blogs, softwares sociais, listas<br />

de discussões, web conferências) começamos a ver a docência presencial<br />

também com outros olhos. Muitos docentes estão tornando-se mais autores.<br />

Além da autoria e planejamento da aula em si, esses docentes tornam-se<br />

autores de imagens, textos, hipertextos, comunicações mais dialógicas e<br />

interativas. Vejamos o que diz a Esmeralda:<br />

Quando eu aprendi a usar a plataforma com suas potencialidades [...] percebi<br />

que, com aquele ambiente que já estava ali, nós poderíamos realmente fazer<br />

uma tutoria online que realmente mediasse. Vi como poderia realmente buscar<br />

o aluno. Porque, no começo (isso durou uns dois anos), vale a pena frisar, o<br />

aluno só participava do fórum para ter nota. Então se tivesse três participações,<br />

ele ganhava uma nota e somava com as avaliações dele. Daí o que eu descobri<br />

depois que eu me especializei [...] quando procurei saber o que de fato era uma<br />

docência online? Qual o potencial das interfaces? Como interagir melhor com<br />

o aluno a partir das interfaces? Daí percebi que os alunos poderiam procurar<br />

o tutor sem precisar de nota. Foi aí que eu comecei a fazer uma tutoria que<br />

lançava mão das interfaces. Não era nada diferente. Com a mesma plataforma,<br />

mas fazendo diferente. Fazendo com que o aluno sentisse a necessidade e o<br />

prazer de estar ali interagindo não só com o tutor, mas também com seus<br />

colegas de turma (Esmeralda, 2009).<br />

138


Esta fala revela como a aprendizagem técnica da plataforma foi falha<br />

e é insuficiente no início do exercício da tutoria a distância. Não há na<br />

instituição uma política de formação para uso da plataforma no contexto<br />

da educação online. Os tutores recebem inicialmente seus logins e senhas e,<br />

com base da experiência de exploração, vão descobrindo aos poucos ou com<br />

ajuda de pares mais experientes as funcionalidades das interfaces. Como a<br />

maior parte dos coordenadores de disciplinas só utilizam a interface “sala<br />

de tutoria”, para tira-dúvidas, a maioria das interfaces não são utilizadas<br />

ou são subutilizadas pelos professores-tutores. Estes, quando buscam<br />

formação, vão aos poucos se apropriando da técnica e inovando suas<br />

práticas nas dinâmicas da cibercultura. Quando os professores já ingressam<br />

no sistema com uma vivência anterior nas interfaces digitais, tudo fica mais<br />

fácil e o desenvolvimento da ação docente fica mais próximo das práticas<br />

de educação online.<br />

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA CONCLUIR: SABERES<br />

EM CONSTRUÇÃO...<br />

Em síntese o processo de edificação dos saberes dos professorestutores,<br />

até o ano de 2009, do curso de Pedagogia UERJ-CEDERJ acontece<br />

nas seguintes mediações:<br />

• Relação professor-tutor com seu coordenador de disciplina –<br />

quanto mais horizontal é a relação entre os sujeitos mais saberes<br />

são mobilizados;<br />

• Investimento pessoal do professor-tutor em sua formação<br />

continuada – quanto mais os professores-tutores interagem<br />

em grupos de estudos e pesquisa, se envolvem que situações de<br />

aprendizagem variadas mais interessante torna-se sua prática<br />

profissional;<br />

139


• Relação professor e aluno online – quanto mais os alunos<br />

participam das atividades online propostas pelos docentes<br />

mais instigante torna-se a prática docente. Quando os alunos<br />

estão interagindo mais no ambiente online e melhores situações<br />

de aprendizagem são mobilizadas, acontece um processo de<br />

retroalimentação nas práticas a online;<br />

• Aprender com a na cibercultura potencializa a prática da<br />

tutoria online – quanto mais os professore-tutore utiliza em<br />

sua vida cotidiana as mídias e interfaces digitais mais saberes<br />

são mobilizados e transpostos para o exercício da sala de aula<br />

online. Quanto mais aprendem a usar sua interface de trabalho<br />

(Plataforma CEDERJ) mais inspirações pedagógicas são<br />

promovidas.<br />

Os dados revelaram que o processo de edificação de saberes<br />

acontece principalmente no contexto da experiência dos professorestutores<br />

em seu exercício profissional, no diálogo com seus pares, alunos<br />

e coordenadores de disciplinas. Há pouco investimento institucional no<br />

processo de formação continuada de professores para o exercício da tutoria<br />

a distância. Urge investimento em políticas de formação continuada, bem<br />

como, melhorias nas condições de trabalho e investimento em processos<br />

de profissionalização da docência online. A formação desses profissionais<br />

não pode ser reduzida a cursos aligeirados de capacitação e nem a práticas<br />

tecnicistas de treinamento. Além de instituir políticas de formação inicial<br />

e continuada temos que questionar os processos de profissionalização<br />

perversos que não contemplam conquistas trabalhistas básicas, conquistadas<br />

pela categoria docente ao longo da história da profissão “professor”.<br />

140


Referências<br />

D’ÁVILA, Cristina. Formação docente na contemporaneidade: limites e<br />

desafios. In: Revista da FAEBA, Salvador, v. 17, n. 30, p. 33-43, jul./dez. 2008.<br />

Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.<br />

São Paulo: Paz e Terra, 1996.<br />

SANTOS, Edméa O. Educação online: cibercultura e pesquisa-formação na<br />

prática docente. 2005. 354 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação,<br />

Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.<br />

______. Portfólio digital: dispositivo e interface para a prática da avaliação<br />

formativa em educação online. In: SILVA, Marco (Org.). Painel: avaliação da<br />

aprendizagem em educação online. Recife: UFPE; ENDIPE, 2006.<br />

______. Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultura. In:<br />

SILVA, M.; PESCE, L.; ZUIN, A. (Org.). Educação online: cenários, formação e<br />

questões didático-metodológicas. Rio de Janeiro: WAK Ed., 2010. p. 29-48.<br />

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,<br />

2002.<br />

141


Nova Didática Mediada<br />

pelas Tecnologias Digitais<br />

Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo<br />

(UTFP)<br />

O objetivo deste capítulo é apresentar reflexões sobre uma nova<br />

cultura em que professores e alunos realizam interações colaborativas<br />

mediadas pelas tecnologias digitais. Essas reflexões são resultados de dezoito<br />

anos de pesquisa junto a professores da Educação Básica e da Educação<br />

Superior como pesquisadora, formadora de formadores, e docente em sala<br />

de aula do Ensino Superior. A análise e interpretação dos dados apoiamse<br />

em eixos que emergiram de uma análise das falas de docentes em<br />

fóruns de discussão presenciais e online, de perguntas feitas em palestras<br />

e comunicações orais nos congressos da ABED. Coletaram-se dados,<br />

também, em oficinas realizadas com professores, em diferentes encontros<br />

do Seminário Pedagogia em Debate e das quatro edições do Seminário<br />

Nacional Promoção de Inclusão Mediada pelas Tecnologias Assistivas. Ao<br />

longo desses anos, constatamos que ainda não se criou de fato uma nova<br />

didática porque os meios mudam, mas as concepções dos professores e dos<br />

alunos permanecem arraigadas a uma cultura mediática unidirecional e<br />

responsiva ou degenera para uma cultura mediática de apatia. Os hábitos<br />

de professores e alunos não mudaram substancialmente nesses dezoito<br />

anos, embora os suportes tecnológicos sejam significativamente diferentes.<br />

Há muita informação e pouco conhecimento. Em paralelo, constatamos,<br />

tanto em instituições de ensino públicas como privadas, inúmeros<br />

143


oásis de interação social intencional e de colaboração que aproveitam<br />

as potencialidades das tecnologias digitais para a criação de redes<br />

colaborativas de aprendizagem. Nesses contextos, constatam-se, a seleção<br />

da informação e o aprofundamento do conhecimento, o desenvolvimento<br />

de comunidades de prática, de pesquisa, de aprendizagem, e produção de<br />

conhecimento. Ensaios, artigos, trabalhos para eventos produzidos em<br />

conjunto, aproveitando os talentos e as capacidades individuais para a<br />

melhoria do indivíduo e do grupo. De que modo? É sobre isso que este<br />

estudo se desenvolve.<br />

Introdução<br />

As transformações sociais ocorridas durante e depois da Segunda<br />

Guerra Mundial provocaram mudanças imediatas no mercado de trabalho,<br />

nos costumes, nos meios de comunicação. As telecomunicações e as redes<br />

de computadores no decorrer da segunda metade do século XX ampliaram<br />

as possibilidades de se informar sobre o que acontece no dia a dia local e<br />

regional. Neste final de primeira década do século XXI, as pessoas em todo<br />

o mundo podem assistir em tempo real a erupção de um vulcão no norte<br />

da Europa; da mesma forma um médico pode coordenar uma cirurgia do<br />

coração com uma nanotecnologia como se ele pudesse estar navegando por<br />

uma artéria e sem estar na mesma sala de cirurgia, até mesmo, estar no<br />

outro lado do mundo.<br />

Se nos perguntarmos como chegamos a essa tecnologia de ponta,<br />

teremos com certeza como resposta: muito estudo, muita pesquisa,<br />

muita indagação, muito comprometimento. Pesquisa, estudo, trabalho,<br />

comprometimento, obstáculos vencidos, conhecimento, habilidades, estas<br />

palavras são a chave para conhecer e aplicar ciência e tecnologia nos dias<br />

atuais.<br />

144


Voltemos, então, os nossos olhos (meus e seus, caro leitor) para a<br />

escola atual brasileira. Digo brasileira, porque sabemos que a escola em<br />

outros países também provoca a mesma preocupação, mas em diferentes<br />

regiões as características são particulares, pois essa instituição social para<br />

ser efetiva precisa ser adequada ao contexto em que se situa. A escola<br />

brasileira, pública e privada, com alguns oásis de qualidade em ambos os<br />

setores, abandonou a sua função específica de trabalhar a preservação do<br />

grupo social, que é manter seus valores e ao mesmo tempo promover a<br />

transformação desse mesmo grupo, corrigindo suas incorreções, preparando<br />

as diferentes gerações para solucionar problemas não resolvidos e buscar a<br />

melhoria de vida. Assumiu funções de alimentação e “guarda” das crianças<br />

e jovens enquanto pais e mães renunciam a essa função primordial de<br />

formação dos filhos, para amealharem bens materiais para “garantir um<br />

melhor futuro” para esses mesmos filhos. Nesse contexto, também como<br />

reflexo das transformações dos meados do século XX, a escola passa a ser<br />

uma escola para todos, mas, ao mesmo tempo, essa escola se empobrece e<br />

seus professores passam a serem trabalhadores sem qualificação adequada<br />

para manter a qualidade que se garantia para uma elite. Os cursos de<br />

Pedagogia se multiplicam e se espalham por todo o país. A EAD, como<br />

modalidade “salvadora da educação brasileira”, permite que um curso tenha,<br />

em um dado momento, em 2008, 17.000 alunos espalhados pelo país, com<br />

a possibilidade de assistir uma teleaula, e ouvir, desde que o desejassem,<br />

uma tutoria do professor pela Rádio Web. E esse curso, a que me refiro, era<br />

na época um oásis de qualidade, pelo menos em relação aos professores, às<br />

aulas, à tutoria central e ao material didático. Porém aí vem outra questão,<br />

e os professores tutores dos polos? São todos qualificados? Constatei que<br />

alguns são muito bem preparados, qualificados, atuantes e formadores de<br />

qualidade, mas a maioria... Será?<br />

145


Estas inquietações são trazidas na introdução deste capítulo, pois<br />

são elas que me instigaram a escrevê-lo e reportar minhas descobertas em<br />

um conjunto de pesquisas que desenvolvo desde minha atividade como<br />

coordenadora do grupo Ensino de Humanidades e Telemática no Núcleo<br />

de Pesquisas Aplicadas em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação, Escola<br />

do Futuro, da USP. Instigaram-me enquanto mestranda e doutoranda<br />

da Faculdade e Educação da USP, professora do mestrado Tecnologia e<br />

Comunicação na UNIBAN, da Graduação no Centro Universitário São<br />

Camilo e na Faculdade Sumaré em São Paulo. Voltaram a provocar as<br />

pesquisas desenvolvidas nos nove anos como pesquisadora na Universidade<br />

Tuiuti do Paraná, dos quais oito anos foram vivenciados como professora do<br />

Programa de Pós-graduação em Educação, Stricto Sensu, além de três anos<br />

como Coordenadora Pedagógica de Educação a Distância na FACINTER.<br />

Os resultados que trago neste capítulo mostram que se passaram quinze<br />

anos dos primeiros resultados de pesquisa sobre formação de professores<br />

e as “novas tecnologias” na educação, mas as constatações não são muito<br />

diferentes. Não se consolidou uma nova didática necessária aos tempos<br />

de redes, hoje mais do que redes de computadores ou de comunicações,<br />

tempos de redes sociais.<br />

As pesquisas que embasam estas reflexões têm a característica de<br />

serem qualitativas e de serem realizadas com base em literatura científica<br />

e ensaios sobre as tecnologias da informação e da comunicação, mídias,<br />

linguagens, formação de professores educação a distância, educação<br />

inclusiva, necessidades especiais, alunos com deficiência, tecnologias<br />

assistivas. Os dados foram coletados em questionários, entrevistas semi<br />

estruturadas, em diálogos espontâneos, em fóruns de discussão, em listas<br />

de discussão, em portfólios de cursos de formação de professores, seguindo<br />

diferentes roteiros e sistematizações, dependendo do objeto de cada<br />

pesquisa. A classificação e seleção de dados partiram de leituras e releituras<br />

146


com o olhar atento para a interrogação de cada pesquisa. Do discurso do<br />

sujeito, passou-se à redução a unidades de significado que permitiram<br />

a emergência de invariantes que foram agrupadas em convergências,<br />

ou categorias abertas. A análise fenomenológica hermenêutica busca<br />

nos testemunhos do sujeito, a sua percepção da realidade, a partir da<br />

estruturação dessa percepção por meio do gesto e da linguagem verbal. Do<br />

grupo de manifestações colhidas, analisam-se todas a partir da pergunta<br />

de pesquisa, buscando as unidades de significação e formulando um<br />

quadro com o “discurso na linguagem do sujeito”, a redução à unidades de<br />

significação, invariantes e as convergências. Trabalha-se assim uma rede de<br />

significados, não permanecendo na pura descrição, mas avançando para a<br />

interpretação em um movimento de reflexão sobre os sentidos dos dados<br />

analisados para os envolvidos na pesquisa (BICUDO, 2000,).<br />

Da atuação de professores em projetos telemáticos<br />

As primeiras pesquisas, de 1992 a 1996, resultaram em<br />

questionamentos que nos levaram a refletir sobre as práticas comunicacionais<br />

mediadas por suportes tecnológicos como as redes de computadores e os<br />

serviços de email, e listas de discussão, mas também os tradicionais meios<br />

de comunicação social, telefone, rádio, TV, fitas de áudio e fitas de vídeo,<br />

e ainda os mais antigos, como o texto escrito (carta, folheto, livro, mural).<br />

“Qual a relação entre aprender, pesquisar, e ensinar para uma melhor<br />

atuação do professor no uso das tecnologias de comunicação em sua prática<br />

pedagógica?”. Chegamos à conclusão de que as práticas comunicacionais<br />

no âmbito escolar foram influenciadas pelo contexto sociocultural, no qual<br />

professores e alunos estavam inseridos, mas essas práticas não incluíam,<br />

no geral, as mídias utilizadas por professores e alunos na interação social<br />

intencional. Constatamos que, em geral, “o por quê, para quê e o que ensinar<br />

147


e aprender na escola“ e “o como, quando, onde, quem com quem ensinar e<br />

aprender na escola”, foram determinados em um currículo documento que<br />

desconsiderava o conhecimento do professor, os interesses, necessidades e<br />

expectativas do aluno, e mesmo a necessidade que a sociedade, incluindo o<br />

mercado de trabalho precisariam num futuro próximo em que esses alunos<br />

se tornariam cidadãos participantes. Assim, os professores recebiam seus<br />

planos de ensino e elaboravam seus planos de aula de forma reativa. Ao<br />

definirem os materiais didáticos e os meios de comunicação, os suportes<br />

tecnológicos que usariam, limitavam-se a repetir o que já era costume, o que<br />

conheciam, ou o que exigisse menor esforço. Quando nos referimos à falta<br />

de qualificação do professor, referimo-nos à qualificação para o magistério<br />

em sua área de formação não para a utilização de tecnologias de informação<br />

e de comunicação como apoio à sua prática pedagógica. Constatamos,<br />

então, na pesquisa com professores envolvidos em projetos pedagógicos<br />

telemáticos, isto é que, pretendiam se comunicar via rede de computadores,<br />

com outras escolas, que um dos problemas era o da formação de professores<br />

para uma prática pedagógica que efetivasse a aprendizagem do aluno:<br />

Como pedir a um coordenador pedagógico, por<br />

exemplo, que acompanhe e oriente seus professores<br />

num projeto pedagógico telemático em que se<br />

discute cidadania, se esse educador não tem claro<br />

para si os problemas de cidadania da comunidade<br />

em que sua escola se encontra, e ignora o significado<br />

da palavra telemática, ou ainda mais grave, não sabe<br />

o que é um projeto pedagógico? Como o professor<br />

de Matemática poderá orientar seus alunos<br />

para organizar planilhas eletrônicas com este ou<br />

aquele software, se não está bem claro para ele o<br />

significado da palavra planilha e que ela não existe<br />

a partir do computador, mas muito antes deste.<br />

Como envolver o professor de Inglês num projeto<br />

pedagógico telemático com professores de Inglês de<br />

outros países, se o que ele sabe fazer nas aulas de<br />

148


Inglês se refere apenas a “ensinar gramática” e não<br />

tem proficiência na língua viva, dinâmica, usada<br />

na comunicação internacional? (CORTELAZZO,<br />

1996, p. 196).<br />

Outra constatação resultante da pesquisa foi que muitos professores<br />

não refletiam ou não tinham claro para si os significados dos conceitos<br />

ensino e aprendizagem fossem os que ensinavam há muito tempo, ou os<br />

que eram iniciantes; Também não tinham explicito quais eram os seus<br />

objetivos de ensino, o que entendiam por técnicas, mídias de ensino e de<br />

aprendizagem. A maioria desses professores não compreendia o que era<br />

trabalho em rede, e redes de comunicações. Ao ouvirem o termo tecnologias<br />

pensavam em computadores e não associavam a palavra mídias com livro<br />

didático, quadro de giz, caderno. Não diferenciava a interdisciplinaridade<br />

da multidisciplinaridade.<br />

Contudo, desde os primeiros anos da década de 1990, parcerias<br />

realizadas entre centros de pesquisa de universidades públicas em<br />

Salvador, São Paulo, Campinas, Florianópolis, Porto Alegre, Pernambuco,<br />

entre outras, e secretarias de educação ou mesmo com escolas públicas e<br />

privadas desenvolveram projetos de capacitação e formação continuada<br />

de professores para a utilização das tecnologias de informação e de<br />

comunicação.<br />

Muitos dos projetos centraram-se apenas no desenvolvimento de<br />

habilidades em relação à tecnologia. Outros projetos eram desenvolvidos<br />

por doutorandos que orientavam os alunos, mas não dialogavam nem<br />

trabalhavam em conjunto com os professores, não possibilitando,<br />

assim, o desenvolvimento de autonomia do professor na coordenação<br />

de novos projetos pedagógicos. Mas outros projetos incorporaram, em<br />

sua preparação, a participação e a interlocução com os professores. Essa<br />

149


colaboração dos professores na elaboração do projeto tinha como finalidade<br />

o desenvolvimento de autonomia dos professores para dar continuidade à<br />

elaboração de novos projetos. Quando os pesquisadores das universidades<br />

ou das secretarias de educação terminavam a sua participação nos projetos<br />

por eles sugeridos e coordenados, os professores teriam se apropriado da<br />

dinâmica dos projetos, aprofundado seus conhecimentos na temática e<br />

desenvolvido novas habilidades. Refiro-me a dois exemplos de projetos na<br />

década de 1990 em Pernambuco: o projeto A Apropriação da Informática<br />

pela Escola Pública, no qual a equipe coordenadora do projeto envolveu<br />

toda a comunidade escolar. Disciplinas como Português, Matemática<br />

e História eram trabalhadas pelos alunos das três turmas de oitava série<br />

do Ensino Fundamental da Escola Arraial Novo do Bom Jesus, da rede<br />

municipal de Recife. Ainda em Pernambuco, o projeto pedagógico<br />

telemático De Olinda a Olanda, usando a BBS Cidadão do Futuro no Brasil,<br />

coordenado pela Ars Consult em conjunto com a Sociedade Nordestina de<br />

Ecologia, teve a participação de ,professores e alunos das escolas públicas<br />

e particulares do Estado de Pernambuco. Os professores foram orientados<br />

a estimular os alunos realizarem pesquisas e produzirem uma exposição, e<br />

encenação no monte dos Guararapes, Pernambuco, no dia 27 de outubro de<br />

1995, sobre o período holandês no Brasil. Mais do que se comunicarem via<br />

rede de computadores os alunos aprenderam procedimentos de pesquisar,<br />

princípios de comunicação, utilizaram mídias tradicionais e integraram<br />

noções de robótica ao trabalharem com Lego Logo. O mais importante é<br />

que os professores, além de conhecerem sobre tecnologias de informação<br />

e de comunicação e suas possíveis aplicações na educação, aprofundaram<br />

seu conhecimento nas áreas de História, Arte, Geografia e Português, e<br />

desenvolveram suas habilidades operacionais em relação à tecnologia<br />

audiovisual e digital.<br />

150


Os dados desses e de outros projetos analisados revelaram que o<br />

comprometimento dos professores com os projetos variava de professor<br />

para professor, porém todos que participavam, acabavam por se envolver,<br />

pois eram orientados pela coordenação pedagógica da escola, e pelo<br />

coordenador do projeto, em um trabalho curricular. Para trabalhar<br />

o projeto telemático como elemento curricular, o professor precisava<br />

articulá-lo com seus objetivos de ensino, compreender as características<br />

do projeto e perceber qual era a sua contribuição para a efetividade da<br />

aprendizagem dos alunos. Assim, nesses projetos, o projeto telemático, via<br />

rede de computadores, não era mais uma novidade, mas mais um meio para<br />

atingir os objetivos educacionais. Em alguns projetos, o uso do computador<br />

demonstrou aos professores e alunos que um meio não substituía o outro.<br />

Por exemplo, percebeu-se que era fundamental, o desenvolvimento<br />

de um jornal impresso, para se poder pensar a produção de um jornal<br />

eletrônico como estratégia de comunicação em alguns projetos. Em vários<br />

testemunhos constatou-se a mesma prática bem sucedida: a coordenação do<br />

projeto trabalhava com os professores, para que constatassem as diferenças<br />

de linguagem quando as mídias são diferentes. Dessa forma, a capacitação<br />

dos professores como preparação do projeto a ser realizado com os alunos<br />

permitia aos professores desenvolverem autonomamente, no futuro, outros<br />

projetos.<br />

Assim, pode-se afirmar que um dos pontos nevrálgicos da<br />

informatização educativa ou da implantação de novas tecnologias didáticas<br />

tem sido a prática de execução desses planos sem a articulação dos mesmos<br />

com uma política educacional ampla que tenha como ponto de partida<br />

programas de capacitação e atualização de todo o corpo pedagógicoadministrativo<br />

escolar. Educadores, profissionais ligados às tecnologias<br />

de informação e comunicação, legisladores e representantes do executivo<br />

continuam produzindo dissertações, teses, artigos durante a década de<br />

151


1990 sobre a necessidade de uma preparação mais consistente do corpo<br />

pedagógico escolar para a execução dos projetos de redes nas escolas. Pelos<br />

dados coletados, constatou-se que novas iniciativas de formação continuada<br />

foram instaladas como resultado de muitas dessas pesquisas. Em alguns<br />

projetos, houve um real envolvimento de professores com a produção de<br />

material didático (avaliação e produção de software educacional); muitos<br />

professores perceberam e se apropriaram do novo papel do professor<br />

comunicador “compromissado com a revalorização do ser humano” que,<br />

segundo Garzón (1994, p. 55 apud CORTELAZZO, 1996, p. 197), se<br />

conceitualiza como “um ser que conhece, e que se comunica”.<br />

Da necessidade de projetos colaborativos na educação<br />

básica e nos cursos de Licenciatura<br />

Os projetos de pesquisa desenvolvidos na primeira metade da<br />

década de 2000 mostraram que se observava, e ainda se observa na prática<br />

tradicional de ensino nos cursos de Licenciatura, em especial nos cursos<br />

de Pedagogia, uma ênfase, na maior parte do curso, na abordagem teórica<br />

em disciplinas de fundamentos desconectadas das questões práticas que o<br />

futuro professor enfrentará na sala de aula – presencial ou virtual. Mais<br />

ainda, os fundamentos são oferecidos aos alunos a partir de textos escritos<br />

em uma linguagem hermética no nível dos pesquisadores especialistas<br />

no tema. Descolados da realidade ou marcados por uma ideologia<br />

doutrinadora, os dados revelam que os textos, xerocopiados, não atraem os<br />

alunos, também porque são descontextualizados do corpo total das obras<br />

de onde foram extraídos.<br />

Da mesma forma, nessa abordagem tradicional, muitas vezes<br />

rotulada como teoria crítica, ou outra denominação parecida, docentes<br />

universitários utilizam como tecnologia de informação e comunicação, a fala,<br />

152


os textos escritos, transparências digitalizadas ou transcritas em programas<br />

de apresentação pelo computador, esquecendo-se das possibilidades que<br />

outras mídias oferecem para a pesquisa e para a produção e divulgação de<br />

conhecimento: a fotografia, o jornal, o cinema, a TV, o vídeo, o computador,<br />

as redes de computadores, a Web.<br />

As pesquisas também desvelaram um contexto na Graduação, e<br />

mesmo nos cursos de Licenciatura, no qual, professores começavam a se<br />

articular colaborativamente para fazerem seus alunos, futuros professores,<br />

inverterem a orientação de sua pesquisa e de sua prática. Professores<br />

pesquisadores e empreendedores estimulam seus alunos, futuros<br />

professores, a buscarem na prática questões que precisam ser solucionadas<br />

ou que implicam melhoria de vida e buscar saber o que já existe na teoria<br />

que pode fazer entender essa prática, e se instrumentar de conhecimento e<br />

metodologia para responder as suas indagações. Os futuros professores são<br />

estimulados a incluir a pesquisa como prática profissional:<br />

As aulas, estudos e leituras dos livros e textos<br />

teóricos constituem-se referências para<br />

as análises dos registros e levantamentos<br />

realizados nas investigações. Deste modo,<br />

o movimento é de relação entre prática<br />

e teoria, e tória e prática. Quanto mais<br />

realizamos levantamentos empíricos de<br />

fatos, acontecimentos e experiências que<br />

ocorrem no cotidiano escolar, maior é o nosso<br />

conhecimento da realidade da escola, quanto<br />

mais examinamos textos e referências, isto o<br />

corpo teórico, mais condições temos de explicar<br />

o que ocorre na escola (CORTELAZZO;<br />

ROMANOWSKI, 2006, p. 5).<br />

153


Uma vez sistematizado o problema, analisados e interpretados os<br />

dados, voltam à teoria para confirmá-la, refutá-la ou ampliá-la. Muitos<br />

desses professores passaram a utilizar as novas tecnologias como uma<br />

forma de fazer os professores discutirem e refletirem sobre sua prática.<br />

Nos cursos de pós-graduação lato sensu, de atualização e, mesmo em<br />

oficinas pedagógicas, os professores que articulavam comunicação,<br />

educação e tecnologia, ainda hoje, levam os profissionais que participam<br />

desses eventos a se aprofundarem em questões fundamentais de suas áreas<br />

de interesse, em didática e em metodologia, tendo como motivação a<br />

discussão, a sensibilização ou a familiarização com as novas tecnologias. As<br />

avaliações colhidas nesses eventos demonstram três tipos de profissionais<br />

que são encontrados no cotidiano da escola: os entusiastas que voltam às<br />

suas instituições querendo executar em sua prática pedagógica o que foi<br />

recém aprendido; os realistas que retornam às suas instituições planejando<br />

conhecer mais e reorganizar sua prática considerando as condições<br />

existentes em suas instituições; e os resistentes que retornam indicando uma<br />

lista de razões para aquelas novas tecnologias, metodologias ou abordagens<br />

apresentadas no evento não sejam sequer pensadas na sua instituição.<br />

A prática colaborativa se intensifica com os avanços da tecnologia<br />

digital que encurta o tempo e a distância. As listas de discussão, os fóruns,<br />

o email aproximam os profissionais depois dos eventos. A comunicação se<br />

estreita e se aprofunda. Dados coletados em listas e fóruns de discussão<br />

demonstram como os professores passam a compartilhar testemunhos sobre<br />

suas dificuldades bem como soluções encontradas, abreviando os tempos<br />

de busca de solução. A maioria dos professores que iniciam esse movimento<br />

já o realizava por meio de carta, fax ou telefone, mas os tempos de intervalo<br />

entre as comunicações eram muito grandes. Com as tecnologias digitais e<br />

as redes de computadores, esses tempos se tornaram cada vez mais curtos.<br />

Assim as trocas se tornaram mais constantes e frequentes.<br />

154


A prática colaborativa, no entanto, exige o cumprimento de uma<br />

série de regras que nem todas as pessoas conseguem cumprir; e, em se<br />

tratando de professores universitários com uma prática cristalizada no<br />

individualismo e na competição, ela fica ainda mais difícil de ser instalada.<br />

As pesquisas desvelaram, então, que muitas práticas continuavam sendo<br />

tradicionais, sob um véu comunicacional inovador, sob um discurso de<br />

aparência colaborativa. A interação social comunicacional ao ser analisada<br />

demonstrava a unidirecionalidade do professor para o aluno, marcante. As<br />

tecnologias digitais estavam sendo utilizadas; os professores afirmavam ter<br />

integrado as tecnologias de informação e comunicação (no seu entender<br />

o uso do computador e da Internet) em sua prática, mas os suportes<br />

tecnológicos eram utilizados com a mesma didática com que era usado o<br />

livro, o retroprojetor ou o vídeo.<br />

A ação colaborativa é uma ação que extrapola os ambientes escolares<br />

ou empresariais. Toda a atividade social, na família, na escola, na igreja,<br />

na sociedade, comporta níveis de colaboração. Os projetos educacionais<br />

colaborativos podem se desenvolver tanto em ambientes formais como<br />

em não formais; portanto, as pessoas precisam expandir suas habilidades<br />

em resolver problemas, criar situações de uma vivência harmoniosa e mais<br />

humana, umas com as outras em direção a um objetivo comum que as reúne.<br />

Os dados dessas pesquisas revelaram que os projetos desenvolvidos em<br />

ambiente escolar articulados com a realidade em que os seus participantes<br />

vivem, produziram maior comprometimento e melhor aprendizagem.<br />

Constituem-se como uma via de mão dupla que traz, da realidade externa à<br />

escola, elementos necessários para a aprendizagem significativa e, da mesma<br />

forma, levam resultados ou descobertas encontrados nesses projetos para<br />

aquela realidade, transformando-a e melhorando-a. As tecnologias digitais<br />

possibilitam que, cada vez mais, essa mão dupla vença as barreiras de tempo<br />

e distância entre professores e entre alunos.<br />

155


Já nos meados da década de 1990, projetos colaborativos se<br />

multiplicavam entre escolas da educação básica de diferentes regiões do<br />

Brasil e, mesmo do mundo.<br />

Da iniciativa isolada de professores nos cursos de<br />

Licenciatura: ausência de uma didática pró-ativa e<br />

colaborativa nos currículos de Licenciatura<br />

No início da década de 2000, as iniciativas de professores em escolas<br />

de educação básica, de cursos de Licenciatura, de cursos de especialização<br />

articuladas, pouco a pouco, às ações de centros de pesquisa de<br />

universidades públicas e privadas começam a se refletir nos currículos dos<br />

cursos de Graduação. Surgem as disciplinas “Tecnologias de Informação<br />

e de Comunicação na Educação”; “Tecnologias Aplicadas ao Ensino de<br />

Matemática”, Laboratório de Multimídia, “Educação a Distância”, entre<br />

outras, na grade curricular. Mas essas disciplinas foram e são atribuídas<br />

aos professores que “mexem com tecnologia”, raramente com formação<br />

em Pedagogia. Esses professores, empreendedores, pró-ativos e entusiastas<br />

acabavam por enfatizar o uso da tecnologia, pois não tiveram nem tempo,<br />

nem possibilidades de se qualificar de forma sistemática, e desenvolver uma<br />

nova didática que aproveitasse as características inerentes a essa utilização<br />

tecnológica; nem tempo para fazer a leitura crítica do uso dessas tecnologias<br />

antecipando seu impacto. Esses professores desenhavam projetos de curta<br />

duração para poderem desenvolver uma nova prática pedagógica. Passaram<br />

a integrar a questão da educação inclusiva e o uso das tecnologias assistivas<br />

que eram dois temas que provocavam e ainda provocam muita resistência<br />

dos gestores e professores em geral:<br />

156


As participações das alunas, dos professores<br />

e dos pesquisadores no Projeto iniciaram um<br />

movimento, ainda muito incipiente, de reflexão<br />

e ação em relação à inclusão de alunos com<br />

deficiência no processo de ensino aprendizagem da<br />

própria Universidade. Houve, também, um fórum<br />

de discussão no Mestrado em Educação sobre a<br />

formação de professores para a Educação Especial<br />

e para o ensino de Pessoas com Necessidades<br />

Especiais. Esse movimento reflete inclusive sobre o<br />

papel que as tecnologias podem ter como apoio aos<br />

professores, aos alunos na sua aprendizagem e, na<br />

sociedade, como tecnologias assistivas facilitando<br />

a sua atuação como cidadão (CORTELAZZO;<br />

ROCHA, 2006).<br />

Como reflexões conclusivas dessas pesquisas, refiro-me à<br />

necessidade de levar os professores atentarem para a questão de identidade<br />

epistemológica a que se refere Pimenta (2002, p. 166): para exercer a<br />

docência, é preciso entendê-la para além da identidade profissional, é<br />

necessário concebê-la como um campo de conhecimentos que abrange<br />

conteúdos específicos, conteúdos filosóficos, conteúdos de teoria da prática<br />

educacional, conteúdos didático-pedagógicos e conteúdos didáticotecnológicos.<br />

Ao mesmo tempo em que o professor aprofunda a sua<br />

consciência de sujeito que percorre sua trajetória com outros sujeitos,<br />

circunstancialmente seus alunos, esse profissional precisa realizar, com eles,<br />

o aprofundamento de sua consciência como sujeito que precisa desenvolver<br />

uma identidade epistemológica, além da profissional ao se pensarem<br />

docentes. Não é suficiente cumprir currículos e aplicar técnicas; faz-se<br />

necessário articulá-los aos outros saberes que servem de terreno firme onde<br />

se pode caminhar com segurança.<br />

157


Da cultura escolar marcada pelas tecnologias digitais<br />

Nos projetos de pesquisa sobre preparação dos professores para a<br />

educação a distância e para uma educação inclusiva, o Núcleo de Pesquisa em<br />

Processos Educacionais Interativos - NUPPEI, integrou pesquisadores das<br />

diversas faculdades da UTP, do Núcleo de Desenvolvimento de Tecnologias<br />

Assistivas NEDETA da Universidade Estadual do Pará, da FACED, da<br />

Universidade Federal da Bahia, entre outras instituições superiores. O<br />

NUPPEI desenvolve pesquisas sobre o uso das tecnologias de informação e<br />

comunicação nos processos educacionais presenciais e/ou a distância a partir<br />

de questões como Quais são as tecnologias de comunicação interativas que<br />

aperfeiçoam o acesso à informação e a construção e compartilhamento de<br />

conhecimentos? De que forma elas podem contribuir para uma formação<br />

profissional inicial de qualidade? Como podem aperfeiçoar o acesso de um<br />

grande número de egressos do sistema educacional formal e propiciar uma<br />

formação continuada? Como as tecnologias de informação e comunicação<br />

apoiam a aprendizagem? Que formas de Avaliação devem ser desenvolvidas<br />

para acompanhar esses processos?<br />

Os pesquisadores tiveram como fundamentação teórica, estudos de<br />

Schensul e Schensul (1992), Singh (2000) e de Ibiapina (2008) em relação<br />

à pesquisa colaborativa; estudos de Behrens (2002 2006) sobre as práticas<br />

pedagógicas e o paradigma da complexidade. Buscaram, nos estudos<br />

de Campos (2003), Varella (2002) Pallof e Pratt (2003), embasamento<br />

sobre colaboração e aprendizagem colaborativa; nos estudos de Blikstein<br />

e Cavallo (2002); fundamentação sobre as tecnologias e suas limitações e<br />

perigos; nos trabalhos de Cortelazzo (2004, 2005, 2006, 2009), Rocha (2009),<br />

Valentini (2003); reflexões sobre tecnologias em educação, ambientes de<br />

aprendizagem e prática pedagógica em EAD, nos livros organizados por<br />

158


Silva (2000, 2003), Campos (2003) e Santos e Silva (2006), teoria e relatos de<br />

experiências sobre ambientes virtuais, e-learning e interatividade.<br />

Os pesquisadores deste projeto estiveram, também, realizando<br />

estudos sobre pesquisa colaborativa, de Mion (2001); estudos sobre<br />

tecnologias assistivas com base nas Diretrizes Nacionais para a Educação<br />

Especial na Educação Básica (BRASIL 2001), na Declaração de Salamanca<br />

(1996); nos textos sobre tecnologias na educação, de Brito (2006), de Fraga e<br />

Pedroso (2006) e de Valente (1998 e 2001); sobre Tecnologias Assistivas, de<br />

Santarosa (1997), de Galvão e Damasceno (2003), de Hogetop e Santarosa<br />

(s.d.); sobre acessibilidade; de Henry (2005); sobre inclusão em EAD, de<br />

Cortinhas (2005). Buscaram também dados em entrevistas e textos de<br />

autores como Oliveira (2007, 2008), Kleina e Alcântara (2008), Cortelazzo,<br />

Palma e Rocha (2008), sobre utilizações de tecnologias assistivas por<br />

diferentes profissionais no processo educativo. Os egressos do curso de<br />

Pedagogia e do Mestrado em Educação realizaram um levantamento de<br />

teses e dissertações nos cinco anos anteriores<br />

É importante ressaltar que esses pesquisadores são professores<br />

que atuam nas salas de aula da educação básica, da graduação e da pósgraduação<br />

(Lato Sensu e Stricto Sensu) e praticam aquele movimento de<br />

buscar na prática as instigações para na teoria conseguir subsídios para<br />

propor soluções ou melhorias na prática e para um desenvolvimento<br />

humano sustentável. Esses pesquisadores são leitores críticos das novas<br />

abordagens teóricas, metodologias de ensino e aprendizagem, bem como<br />

das tecnologias existentes e emergentes do ponto de vista da aplicabilidade<br />

no contexto em que são inseridas. Mais ainda, são “experimentadores”<br />

críticos de novas propostas, aplicando-as num processo colaborativo com<br />

seus alunos, futuros professores, para que aprendam a avaliar as novas<br />

alternativas testando-as.<br />

159


Chamamos a atenção para este fato, pois, constatamos nas falas<br />

dos professores e profissionais de design instrucional e de tecnologias de<br />

informação e de comunicação, a tendência para a importação de modelos<br />

prontos bem sucedidos em outras culturas para a cultura local, provocando<br />

ainda mais a resistência de coordenadores e professores.<br />

Os resultados das pesquisas demonstram que as tecnologias de<br />

informação e de comunicação provocam um período de transição nas<br />

instituições escolares afetando a cultura escolar. As mudanças culturais na<br />

sociedade em geral, principalmente no que se refere, à comunicação social<br />

ocorrem muito mais rapidamente, mas acabam por abalar as estruturas, em<br />

geral, rígidas das instituições de ensino em geral e as de ensino superior<br />

em particular. Altera-se, no âmbito pedagógico, o sistema de transmissão<br />

cultural em aulas expositivas e leituras de textos impressos (na cultura<br />

brasileira, mais textos fotocopiados, do que textos impressos originais) para<br />

o sistema de flexibilização, incorporando a esses elementos outros suportes<br />

tecnológicos digitais e telemáticos. Muitas instituições, segundo os dados<br />

analisados, investem em sua infraestrutura tecnológica, multiplicando<br />

laboratórios de informática, criando seus sites, blogs e twitters, mas<br />

ignorando investimentos necessários para a formação didático-pedagógica<br />

de seus docentes. De modo que a didática nas modalidades de ensino<br />

presencial, semipresencial ou á distância continua com as mesmas<br />

características da didática tradicional ainda presente na prática docente com<br />

a unidirecionalidade do professor ou dos textos teóricos para os alunos nos<br />

diferentes níveis de ensino (da educação fundamental à educação superior).<br />

Como escreve Rivoltella, “trata-se de uma transição, própria da imagem de<br />

uma Brick University (Universidade-tijolo, só muros e edifício) que cede<br />

lugar à Brick-and-click University, onde o click, evidentemente evoca o<br />

teclado e o computador” (RIVOLTELLA, 2003, p. 52 apud RIVOLTELLA,<br />

2004, p. 40). Não se agregam ao sistema formativo, as novas possibilidades<br />

160


que os ambientes online em particular e as tecnologias digitais, no geral<br />

oferecem para a educação. Verificou-se que as ferramentas mais utilizadas<br />

são as de postagem (quadros de aviso, apresentação de ementas e de<br />

bibliografias, indicação de tarefas), seguem-se o uso de fóruns de discussão,<br />

o monitoramento da “clicagem do aluno” e a postagem de instrumentos de<br />

avaliação.<br />

No uso de fóruns de discussão, constataram-se duas práticas:<br />

ou o professor tenta responder a todas as participações dos alunos, e<br />

isso se torna uma tarefa hercúlea: ou o professor deixa que os alunos<br />

se comuniquem livremente; neste caso, as discussões perdem o foco<br />

provocam o distanciamento de muitos alunos. A razão é que uma nova<br />

relação professor/aluno precisa ser desenvolvida, no sentido de permitir a<br />

autonomia com responsabilidade dos alunos. Para isso, impõe-se uma nova<br />

didática, na qual a monitoria, isto é, o acompanhamento e a tutoria (ou seja,<br />

a orientação) são novas funções dos professores. Não há que se responder<br />

a todas as manifestações, mas há que se verificar como ocorrem, quais as<br />

relações estabelecidas entre elas e o tema da discussão e provocar sínteses,<br />

intenções de pesquisa, e novas temáticas de discussão.<br />

Rivoltella (2004) ao tratar dessa questão indica que a monitoria e<br />

a avaliação poderiam ter como coordenadas, três dimensões: a avaliação<br />

do sistema formativo para verificação do que precisa ser melhorado;<br />

a avaliação da aprendizagem para poder aperfeiçoar os instrumentos<br />

online que facilitam o trabalho do professor e dos alunos; e o “controle de<br />

qualidade”, isto é, verificar se os objetivos de ensino e aprendizagem foram<br />

alcançados e a satisfação do professor e dos alunos efetivada. Acrescentamos<br />

a essas três dimensões, uma quarta, a dimensão da avaliação da produção<br />

de conhecimento realizada tanto como resultado da docência como da<br />

aprendizagem na educação superior.<br />

161


Rivoltella (2004) chama a atenção para o fato de que as tecnologias<br />

digitais possibilitam às instituições de ensino ofertar um sistema customer<br />

oriented, isto é, voltada para a clientilização. Os resultados das pesquisas<br />

também revelam que, principalmente nas instituições de ensino privadas<br />

isso vem acontecendo. A proliferação de portais universitários, nos quais<br />

os alunos encontram toda a informação de seu interesse em relação às<br />

questões administrativas e técnico-pedagógicas, mas, novamente, os dados<br />

mostram que há pouco espaço para a divulgação e orientação nas questões<br />

referentes ao conhecimento científico, às práticas pedagógicas e à pesquisa.<br />

A dimensão didática é uma dimensão interna que carece de<br />

visibilidade porque ela é reveladora das práticas estabelecidas entre<br />

professores e alunos, o desenvolvimento de aprendizagem e a produção de<br />

conhecimento. Embora as tecnologias digitais ofereçam instrumentos para<br />

a valorização dessa dimensão, são inovações que não foram incorporadas<br />

de forma sistemática nem pelos docentes nem pelos alunos. Exigem-se<br />

dos professores novas habilidades técnicas e operacionais não exigidas<br />

anteriormente, como por exemplo, as competências relativas à organização<br />

e disponibilidade dos conteúdos. Rivoltella (2004) chama a atenção<br />

para a necessidade dos professores saberem construir um planejamento<br />

completo de suas aulas e um roteiro do curso quase um instrumento de<br />

“cenografia” que indica os tempos e os planos que os alunos seguirão para<br />

poder “navegar” pelo curso. Esse planejamento e roteiro estarão guardados<br />

em uma pasta na sala da coordenação, mas exposto à leitura e crítica dos<br />

alunos que não usufruirão das possibilidades da Web e agregarão valores à<br />

sua aprendizagem se esses instrumentos estiverem desenhados e calcados<br />

apenas sobre uma tecnologia de escrita (no tradicional formato de livros e<br />

artigos impressos).<br />

As atividades didáticas em um ambiente altamente tecnológico<br />

permitem que os docentes desenvolvam em seus alunos atitudes para as<br />

162


atividades colaborativas. Rivoltella (2004) indica que há uma ampliação<br />

das possibilidades de se chegar e esse estado. Parte-se das atividades de<br />

tratamento informático dos testes, que permitem produzir hipertextos<br />

com imagens, atividades de organização e disponibilização de conteúdos<br />

utilizando-se os diferentes recursos disponibilizados na Web, a gestão<br />

da comunicação entre alunos nos bate-papos, fóruns, blogs e twitters, e<br />

finalmente nas atividades colaborativas que permitirão o uso dos talentos<br />

individuais integrados uns aos outros.<br />

Os dados das pesquisas reforçam essa indicação de Rivoltella,<br />

e essa preocupação começa a se desenhar nos últimos anos, visto que as<br />

tecnologias digitais que permitem a exposição desses portais apresentam<br />

os pontos fortes, mas também ressaltam as fraquezas. Assim, alguns<br />

coordenadores de cursos na educação superior começam a se preocupar<br />

com uma nova didática pela imposição do mercado.<br />

Considerações finais: É possível uma nova didática?<br />

Este texto procurou trazer algumas de muitas questões encontradas<br />

nos resultados das pesquisas realizadas no período de 1992 a 2009.<br />

Um período de muitas transformações culturais, introdução no<br />

mercado e na comunicação social de suportes tecnológicos e mídias que<br />

revolucionaram a comunicação e que começam a estarem presentes de uma<br />

forma expressiva nos ambientes educacionais, mesmo à revelia de muitos<br />

professores e gestores.<br />

A área da educação foi invadida por profissionais de informática,<br />

da comunicação do design que, de certa forma, lhe deram novos ares. Os<br />

profissionais da educação, em particulares os pedagogos, são pressionados<br />

a dialogar e a refletir mais exaustivamente sobre interdisciplinaridade, para<br />

163


além de uma multidisciplinaridade em que se justapõem as disciplinas e<br />

os discursos dos seus representantes. São também obrigados a executar<br />

novos papéis e buscar formação e capacitação em outras áreas como a<br />

metodológica e a tecnológica.<br />

Ao ver dos pesquisadores do NUPPEI, esta é uma situação desejável,<br />

pois se obrigam todos, envolvidos na educação, a repensar a organização da<br />

instituição de ensino em que as tecnologias não sejam nem determinantes<br />

da infraestrutura e do serviço, nem ignoradas, mas que seja um componente<br />

no qual gestores, professores e alunos possam se apoiar para conseguir seus<br />

objetivos.<br />

Dessa forma, novas atitudes dos gestores das instituições de ensino<br />

em todos os níveis, mas, começando pela formação de formadores,<br />

fazem-se necessárias. Uma atitude de valorização do capital intelectual e<br />

empreendedor que essas instituições têm em seu corpo de funcionários<br />

de todos os níveis, administrativo, técnico e tecnológico, pedagógico e<br />

científico. Atitude de rede colaborativa, na qual cada recurso humano<br />

trabalha colaborativamente com o outro para que o objetivo maior que é a<br />

aprendizagem do aluno seja alcançada. Atitude de gestão do conhecimento<br />

para uma organização que aprende. Todos esses fatores propiciarão a<br />

fecundação de uma nova didática.<br />

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168


Aulas Multimídias:<br />

um caminho possível para<br />

a autonomia intelectual<br />

dos educandos na rede<br />

municipal de ensino de<br />

Salvador? 1<br />

Célia Maria Silva de Souza<br />

(SECULT – Salvador)<br />

Iza da Conceição Lopes<br />

(SECULT – Salvador)<br />

DIÁLOGO INICIAL<br />

A contemporaneidade e suas implicações, a exemplo da deterioração<br />

das relações institucionais, políticas e ambientais, trazem inúmeros desafios<br />

1 Trabalho apresentado à disciplina Projetos e Experiências, do curso de especialização em<br />

Formação de Professores para Educação Infantil com Mídias Interativas, para obtenção do<br />

título de Especialista em Formação de Professores para a Educação Infantil com Mídias<br />

Interativas.<br />

169


para a população planetária. A velocidade e a quantidade de informações<br />

disponíveis, imbricadas no avanço científico e tecnológico, evidenciam<br />

a necessidade de sujeitos autônomos, que sejam capazes de lidar com a<br />

transitoriedade e as incertezas que signifiquem suas escolhas, a partir de<br />

uma perspectiva fundamentada em novos conceitos éticos, políticos e<br />

estéticos.<br />

Como significar aprendizagens que atendam a essa autonomia? Como<br />

situar, nesse contexto, o uso educacional das TIC, mais especificamente<br />

das aulas multimídias? Em que medida a interação dos educandos com<br />

essas aulas multimídias, mediada em ambientes virtuais de aprendizagem,<br />

favorece a construção da autonomia intelectual?<br />

Essas inquietações, aliadas a algumas mudanças 2 ocorridas no<br />

cenário das Escolas da Rede Pública Municipal de Salvador, concernentes<br />

ao uso das tecnologias a partir da introdução do ‘Programa das Aulas<br />

Multimídias’, bem como a experiência profissional das autoras deste<br />

trabalho, vivenciada como professoras regentes e/ou como multiplicadoras<br />

da cultura tecnológica, em escolas da referida Rede de Ensino, instigaram a<br />

produção deste artigo.<br />

O objetivo do presente estudo é investigar até que ponto a utilização<br />

das Aulas Multimídias, no contexto assinalado, favorece a autonomia dos<br />

alunos. Para tanto, desenvolveu-se um estudo de caso junto aos professores<br />

de uma determinada escola, situada no bairro de Itapuã, através da aplicação<br />

de questionário e de observação participante. Com o pensamento de autores<br />

que situam a complexidade e as demandas da sociedade do conhecimento,<br />

trataram-se as aprendizagens necessárias aos sujeitos para agirem de forma<br />

autônoma, além da integração das TIC na escola.<br />

2 Desde que foi implantado, em 1998, o PETI - Programa de Educação e Tecnologias<br />

Inteligentes passou por várias mudanças. Na última, no início de 2007, através de uma<br />

parceria com uma empresa privada, foi implantado o Programa das Aulas Multimídias.<br />

170


COMPLEXIDADE E DEMANDAS DA SOCIEDADE DO<br />

CONHECIMENTO: EM BUSCA DA AUTONOMIA<br />

Avalanches de informações são distribuídas diariamente nas redes<br />

de computadores, na televisão e em outros meios de comunicação, sejam<br />

eles mais antigos ou mais recentes. É possível ter acesso, no mesmo instante,<br />

a abordagens divergentes de um mesmo assunto. Os conhecimentos<br />

adquiridos na escola, na família e/ou através de qualquer suporte de<br />

informação, rapidamente podem se tornar obsoletos. Apesar da velocidade<br />

e da quantidade de informações disponíveis, “nunca foi tão difícil conhecer”<br />

(MORAN, 2007, p.40). O que se tem de mais concreto na sociedade do<br />

conhecimento são transitoriedades e incertezas.<br />

O enfrentamento dessa realidade coloca vários desafios à educação.<br />

Morin (2001) menciona lacunas existentes no sistema educacional,<br />

salientando saberes imprescindíveis à educação das novas gerações. Nesta<br />

perspectiva, sugere a reorganização da educação através de correções dos<br />

defeitos do sistema. Para tanto, acredita que é fundamental ensinar que o<br />

conhecimento nunca é um reflexo ou um espelho da realidade, mas, sim, a<br />

tradução desta, o que “significa estar sempre buscando modos de conhecer<br />

o próprio ato de conhecer” (MORIN, 2001). Aprender a conhecer, um dos<br />

pilares da educação tratado no Relatório de Delors (1998, p. 90-91), é assim<br />

definido:<br />

Este tipo de aprendizagem que visa não tanto à<br />

aquisição de um repertório de saberes codificados,<br />

mas antes ao domínio dos próprios instrumentos<br />

do conhecimento, pode ser considerado,<br />

simultaneamente, como um meio e como uma<br />

finalidade da vida.<br />

171


Assim, os métodos devem permitir apreender as relações mútuas e<br />

as influências entre o todo e as partes, buscando sempre a contextualização<br />

do objeto – conhecimento pertinente. Neste sentido, Moran (2007, p. 41)<br />

acrescenta:<br />

Conhecer é relacionar, interagir, contextualizar,<br />

incorporar o que vem de fora. Conhecer é saber,<br />

desvendar, ir além da superfície, do previsível, da<br />

exterioridade. Conhecer é aprofundar os níveis<br />

de descoberta, é penetrar mais fundo nas coisas,<br />

na realidade, no nosso interior. Conhecer é tentar<br />

chegar ao nível da sabedoria da integração total,<br />

da percepção da grande síntese que se consegue ao<br />

comunicar-se com uma nova visão de mundo, das<br />

pessoas e com o mergulho profundo no nosso eu.<br />

[...].<br />

Para chegar a esse nível de construção de conhecimentos, os sujeitos<br />

precisarão aprender a agir com certa autonomia intelectual, diante do<br />

objeto em estudo, o que condiciona o sistema educacional a fornecer aos<br />

estudantes meios para gerenciar a quantidade de informação a que tiverem<br />

acesso através da seleção e hierarquização do que lhes for mais útil. Além<br />

disso, as instituições educacionais precisarão dar conta de uma abordagem<br />

que considere tanto o indivíduo, quanto a sociedade e a espécie, parte de<br />

um todo indivisível. Isso sugere compreender a condição humana no seu<br />

aspecto múltiplo, como parte de uma unidade que constitui a identidade da<br />

comunidade planetária, ressaltando também a importância da antropoética<br />

– ética do bem pensar, em que é ponderado o resultado das ações em<br />

nível pessoal, local e global.<br />

Dessa forma, um ensino instrucional, fragmentado em disciplinas,<br />

que privilegie a repetição e a memorização, não dará conta de atender à<br />

formação do pensamento complexo, tão necessário para o enfrentamento<br />

172


dos atuais desafios e mesmo para o entendimento da própria existência.<br />

O ato de aprender requer equilíbrio e alternância entre o pensamento<br />

divergente e o pensamento convergente, o sujeito precisa, ao mesmo tempo,<br />

agenciar confiança com imprevisibilidade e incertezas, sabendo tomar<br />

decisões coerentes. Esse domínio se dará em situações problematizadoras<br />

e contextualizadas que favoreçam o despertar da curiosidade intelectual,<br />

do sentido crítico e da compreensão da realidade, mediante “a aquisição de<br />

autonomia na capacidade de discernir” (DELORS, 1998, p. 91). Segundo<br />

Freire (2003, p. 107),<br />

Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir.<br />

A autonomia vai se construindo na experiência de<br />

várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.<br />

[...] A autonomia, enquanto amadurecimento do<br />

ser para si, é processo, é vir a ser. É neste sentido<br />

que uma pedagogia da autonomia tem de estar<br />

centrada em experiências estimuladoras da decisão<br />

e da responsabilidade, vale dizer, em experiências<br />

respeitosas da liberdade.<br />

Nesses termos, o desenvolvimento da autonomia intelectual<br />

pressupõe o efetivo exercício da liberdade de criação, da autoria, da<br />

criatividade, do correr e do assumir riscos, que, por sua vez, demandam<br />

situações de aprendizagem concretas, desafiadoras, abertas e flexíveis.<br />

Tais situações visam a desenvolver os potenciais do educando com ênfase<br />

na imaginação e criatividade, além de buscar incentivar, no discente,<br />

o empreendedorismo, a pró-atividade e seu papel enquanto agente de<br />

mudanças. Ter autonomia, no sentido aqui descrito, remete a “assumir-se<br />

como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador,<br />

criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar [...]”.<br />

(FREIRE, 2003, p. 41).<br />

173


Foi abarcando essa visão de autonomia e a convicção de que<br />

“aprender é uma aventura criadora” (FREIRE, 2003 p. 69), que se investigou<br />

o atual modelo de integração das novas tecnologias, na Rede Municipal de<br />

Ensino de Salvador, ou seja, o Programa de Aulas Multimídias.<br />

EMERGÊNCIA DO CIBERESPAÇO: UMA VERSÃO<br />

CONTEMPORÂNEA PARA O TERMO MULTIMÍDIA<br />

Por volta dos anos oitenta, o uso da informática, que se limitava<br />

ao setor industrial, foi agregado às telecomunicações, à editoração, ao<br />

cinema e à televisão. Essa tendência à digitalização suscitou novas formas<br />

de mensagens “interativas”. É o que Pierre Lévy (1999, p. 32) chama de o<br />

“prenúncio contemporâneo da multimídia”. Para ele,<br />

O termo “multimídia” significa, em princípio, aquilo<br />

que emprega diversos suportes ou diversos veículos<br />

de comunicação. Infelizmente, é raro que seja usado<br />

neste sentido. Hoje, a palavra refere-se geralmente<br />

a duas tendências principais dos sistemas de<br />

comunicação contemporâneos: a multimodalidade<br />

e a integração digital. (LÉVY, 1999, p. 63).<br />

A concepção de Lévy sobre multimídia, ainda que expressa em um<br />

tom de crítica 3 , remete às diferentes significações que ocorreram ao termo,<br />

3 Lévy defende o uso do termo multimídia para designar vários suportes e formatos em<br />

estratégias que são usados separadamente. Em sua opinião, se “desejamos designar de<br />

maneira clara a confluência de mídias separadas em direção a uma mesma rede digital<br />

integrada, deveríamos usar, de preferência, a palavra ‘unimídia’” (LÉVY, 1999, p. 62). Embora<br />

Carvalho (2002) ache lógica essa colocação de Lévi, do ponto de vista da própria composição<br />

dessa nova tecnologia (vários médias num mesmo suporte), ele não vê contribuição para o<br />

esclarecimento do conceito que vem sendo usado em sua terceira fase de evolução, como um<br />

documento digital interativo que integra diferentes formatos.<br />

174


desde que foi cunhado em 1959 por Levis e Harcleroad, no livro Instrucional<br />

Media and Methods de Broun, conforme foi relatado por Clark e Craing<br />

(apud CARVALHO, 2002). Nessa fase inicial, não se associava o uso desse<br />

termo à utilização dos computadores. Ele era empregado para descrever<br />

uma sessão ou apresentação em que se utilizasse mais de um formato, como<br />

texto, imagem, vídeo, som, dentre outros, em diferentes suportes que não<br />

fossem os informáticos.<br />

Em um segundo momento, surge a expressão “pacotes multimídia”<br />

para designar um conjunto de documentos em diferentes formatos e<br />

suportes – vídeo, cassete, papel – destinados à formação, principalmente<br />

na educação à distância, sendo a estes agregados, posteriormente, os<br />

computadores e softwares educativos (CARVALHO, 2002).<br />

Com a informática ”amigável” e a emergência do ciberespaço, vários<br />

formatos foram combinados em um mesmo documento, dando origem<br />

aos hiperdocumentos. Nessa terceira fase, surgia a expressão “documentos<br />

multimídia interativos”, os quais logo passaram a ser chamados apenas<br />

de documentos multimídias, pois se acreditava já estar implícita em sua<br />

semântica a questão da interatividade. Neste artigo, o termo multimídia<br />

é empregado como o descrito na terceira fase, ou seja, “a conversão<br />

operacional de tecnologias informáticas em interfaces e conectividade de<br />

suas funções integradas” (KAPELIAN apud SILVA, 2002, p. 35).<br />

MULTIMÍDIA COMO OBJETO DE APRENDIZAGEM: UMA<br />

BREVE PERSPECTIVA DO USO DAS TIC EM EDUCAÇÃO<br />

A versatilidade do computador, principal suporte para interação com<br />

a multimídia informática, oferece diversas possibilidades de usos, capazes de<br />

se adequarem a quase todas as concepções de ensino-aprendizagem. Neste<br />

175


sentido, Sancho (2006); Valente (1993); Coscarelli (2006) se reportam às<br />

principais e descrevem o tipo de software educativo utilizado. As correntes<br />

condutivista e neocondutivista concebem esse artefato como máquina de<br />

ensinar ou tutor inteligente. Essa modalidade de uso do computador é<br />

baseada na instrução programada e em métodos de ensino tradicionais.<br />

Como descreve Valente (1993, p. 2):<br />

Quando o computador ensina o aluno, o<br />

computador assume o papel de máquina de ensinar<br />

e a abordagem educacional é a instrução auxiliada<br />

por computador. Essa abordagem tem suas raízes<br />

nos métodos de instrução programada tradicionais,<br />

porém, ao invés do papel ou do livro, é usado o<br />

computador. Os softwares que implementam essa<br />

abordagem podem ser divididos em duas categorias:<br />

tutoriais e exercício-e-prática (“drill-and-practice”).<br />

Esses softwares, apesar de conterem elementos multimídia e, em<br />

alguns casos, apresentarem certo tipo de organização “hipertextual”, têm<br />

características fechadas. Organizam-se geralmente em estrutura linear<br />

seqüencial ou em estrutura de árvore. Nesses dois casos, o conteúdo é<br />

disposto de forma estruturada e ao sujeito resta pouca possibilidade de<br />

criação e intervenção sobre o documento. Limita-se apenas a avançar e<br />

recuar, seguindo o mesmo percurso ou, então, indo com um pouco mais<br />

de possibilidades em que cada nó remete a mais de um descendente<br />

(COSCARELLI, 2006; CARVALHO, 2002; VALENTE, 1993).<br />

A utilização desses aplicativos, na escola, comumente está ligada<br />

a uma disciplina específica, para ajudar o professor a “dar a aula” e fixar<br />

o conteúdo estudado. Nessa perspectiva, as TIC são usadas para “reforçar<br />

as crenças existentes sobre os ambientes de ensino em que ensinar é<br />

176


explicar, aprender é escutar e o conhecimento é o que contém no livrotexto”<br />

(CUBAN, 1993 apud SANCHO, 2006, p. 22). Moran (2007) situa essa<br />

modalidade de uso das TIC no que chama de primeira etapa de apropriação<br />

pedagógica 4 desses recursos nas escolas. Esta forma se reduz à utilização<br />

das “tecnologias para fazer melhor o mesmo” (MORAN, 2007, p. 91), o que<br />

não sugere quebra de paradigmas e mudanças para a Educação.<br />

Outra modalidade de aplicativo, bastante utilizada na escola, são<br />

os jogos educacionais, que, comumente, têm função de atrair e manter o<br />

interesse dos educandos, além de desenvolver habilidades de aplicação de<br />

conhecimentos. Segundo Valente (1993, p. 10), “a pedagogia por trás dessa<br />

abordagem é a de exploração autodirigida ao invés da instrução explícita<br />

e direta”. Para esta concepção, a aprendizagem é mais efetiva quando o<br />

sujeito por si só estabelece relações. Sem dúvida, os jogos educacionais, de<br />

simulação ou não, em função de suas características lúdicas, contribuem<br />

para algum tipo de desenvolvimento cognitivo. Entretanto, na maioria dos<br />

casos, quando os educadores têm objetivos claros para o emprego desses<br />

recursos, são pontuais e se limitam à apropriação ou à fixação de conteúdos.<br />

Essa restrição constitui uma subtilização do recurso.<br />

Já os programas de simulação digital possibilitam a interação dos<br />

estudantes com modelos simplificados do mundo real. Geralmente, são<br />

desenvolvidos para explicar fenômenos e situações em que seria difícil o<br />

contato direto. Para Valente (1993), a possibilidade de o aluno desenvolver<br />

hipóteses, testá-las, analisar resultados e refinar os conceitos coloca esses<br />

programas à frente dos tutoriais. Nesta modalidade, o computador deixa<br />

4 A recorrência às etapas de integração das TIC nas escolas, sugeridas por Moran (2007),<br />

não tem função de transmitir linearidade. Essas etapas foram usadas neste artigo, para efeito<br />

didático e/ou para indicar maior evidência de uma sobre a outra, no processo de apropriação<br />

pedagógica desses recursos pelas escolas. As formas de uso das tecnologias, evidenciadas pelo<br />

autor para cada etapa, coexistem em maior ou menor grau nas instituições de ensino.<br />

177


de ser máquina de ensinar para ser usado como ferramenta de ensino. Vale<br />

salientar que, para o funcionamento efetivo dos programas de simulação,<br />

são necessários sistemas computacionais avançados, o que, na maioria dos<br />

casos, não é a realidade nas instituições escolares.<br />

Com a perspectiva pedagógica da informática, amplia-se o uso do<br />

computador como ferramenta de apoio ao processo de ensino-aprendizagem,<br />

ou seja, “não é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a ferramenta<br />

com a qual o aluno desenvolve algo, e, portanto, o aprendizado ocorre<br />

pelo fato de estar executando uma tarefa por intermédio do computador”.<br />

(VALENTE, 1993, p. 13). Assim, através dos editores de textos, das planilhas<br />

eletrônicas, dos editores de gráficos, gerenciadores de bancos de dados, da<br />

comunicação através da internet, dentre outros, os estudantes realizam<br />

atividades através das quais são oportunizadas aprendizagens e construção<br />

de conhecimentos. Para Valente (1993, p. 13),<br />

Talvez estas ferramentas constituam uma das<br />

maiores fontes de mudança do ensino e do processo<br />

de manipular informação. As modalidades de<br />

software educativos descritos acima podem<br />

ser caracterizados como uma tentativa de<br />

computadorizar o ensino tradicional. Mais ou<br />

menos o que aconteceu nos primórdios do cinema<br />

quando cinema = teatro + câmera. Hoje o cinema<br />

tem sua técnica própria. Este mesmo fenômeno<br />

está acontecendo com o uso dos computadores<br />

na educação. Com a criação destes programas de<br />

manipulação da informação, estamos vendo nascer<br />

uma nova indústria de software educativo que<br />

pode causar um grande impacto na maneira como<br />

ensinamos e como nos relacionamos com os fatos e<br />

com o conhecimento.<br />

178


O pensamento de Valente indica que a tecnologia por si só não<br />

favorecerá ou desfavorecerá o processo educativo, os benefícios virão a<br />

partir de uma utilização intencional dos atores envolvidos. Nesse sentido,<br />

Moran (2007) situa essa perspectiva de utilização das TIC, defendida por<br />

Valente (1993), em uma segunda etapa de integração desses recursos na<br />

escola, sugerindo que proporcionam mudanças parciais por permitirem,<br />

através das possibilidades de criação de plataformas e espaços virtuais de<br />

comunicação, o desenvolvimento de atividades novas, dentro da escola e<br />

à distância. Entretanto, salienta que essas intervenções pontuais convivem<br />

com o ensino tradicional, centrado no professor, evidenciando que o mais<br />

[...] importante, o que vale de verdade, continua<br />

sendo o currículo, as aulas presenciais, as notas.<br />

Típica desta segunda fase é a divisão entre grade<br />

curricular obrigatória (disciplinas) e atividades<br />

virtuais (projetos, webquets) que costumam ser<br />

voluntárias ou consideradas complementares.<br />

A escola continua a mesma, no essencial, mas<br />

há algumas mudanças pontuais, periféricas,<br />

que começam a pressionar por mudanças mais<br />

estruturais. (MORAN, 2007, p. 92).<br />

Referências sobre o computador e a Internet, como máquinas de<br />

ensinar e ferramentas de apoio às práticas pedagógicas, descritas até aqui,<br />

são objeto de discordância de alguns teóricos, dentre eles, Lévy (1999) e<br />

Coscareli (2006). Esses autores acreditam que as tecnologias inteligentes<br />

surgem como possibilidade de mudanças da educação e de uma nova<br />

relação com o saber, mais condizentes com as habilidades exigidas para<br />

superação de desafios do mundo contemporâneo, em constante mutação.<br />

Neste sentido Lévy (1999, p. 172) coloca:<br />

179


Ao prolongar determinadas capacidades cognitivas<br />

humanas (memória, imaginação, percepção),<br />

as tecnologias intelectuais como suporte digital<br />

redefine seu alcance, seu significado e, em algumas<br />

vezes, sua natureza. As novas possibilidades<br />

de criação coletiva distribuída, aprendizagem<br />

cooperativa e colaboração em redes oferecidas pelo<br />

ciberespaço colocam em questão o funcionamento<br />

das instituições e os modos habituais de divisão do<br />

trabalho, tanto nas empresas como nas escolas.<br />

A partir desses pressupostos, vários especialistas sugerem novas<br />

condições ao trabalho escolar, tais como: flexibilização do currículo;<br />

novos espaços e tempos de aprendizagem; reorganização dos ambientes<br />

presenciais; ênfase na metodologia de pesquisa e na resolução de problemas;<br />

adequação do conhecimento ao contexto pessoal, regional e global, uso da<br />

tecnologia como canal de comunicação, produção, divulgação e visibilidade<br />

de vozes não veiculadas na mídia comercial e formação de redes de<br />

solidariedade (LÉVY, 1996; SILVA, 2002; OROFINO, 2005; COSCORELLI,<br />

2006; MORAN, 2007, dentre outros).<br />

As mudanças sugeridas acima encontram vários entraves quando<br />

ocorrem, realmente, no sistema educacional: são lentas nas universidades e<br />

muito inexpressivas nas escolas de ensino fundamental e médio, ocasionadas,<br />

principalmente, pela pressão exercida a essas instituições pelas Secretárias<br />

de Educação, em relação ao currículo, pelas expectativas da família, pelo<br />

que é exigido no vestibular, pela cultura escolar tradicional e pela cultura<br />

social conservadora (MORAN, 2007). Dessa forma, a quebra de paradigmas<br />

esperada na educação, através das novas tecnologias, não ocorreu até aqui<br />

e não ocorrerá apenas pela simples introdução desses recursos no espaço<br />

escolar, mas por uma ampla reforma na própria concepção de Sistema<br />

Escolar que perpassa, dentre outros fatores, pela criação de novos espaços<br />

180


de aprendizagens, pela flexibilização do currículo e, prioritariamente, pela<br />

revolução conceitual do pensamento dos próprios agentes desse Sistema.<br />

MULTIMÍDIA, AUTONOMIA E NOVAS POSSIBILIDADES<br />

HIPERTEXTUAIS<br />

A hipertextualidade, possibilitada pela rede mundial de<br />

computadores, favorece uma forma de pensamento não linear, que permite<br />

ao internauta decidir o seu próprio percurso, selecionar possibilidades,<br />

inferir e interferir sobre o conteúdo e construir coletivamente, tornando-se<br />

co-autor e autor ao mesmo tempo. Neste sentido, Silva (2002, p. 15) coloca:<br />

O hipertexto se apresenta então como novo<br />

paradigma tecnológico que liberta o usuário da<br />

lógica unívoca, [...] ele democratiza a relação do<br />

indivíduo com a informação, permitindo que<br />

ultrapasse a condição de consumidor passivo para<br />

a condição de sujeito operativo, participativo e<br />

criativo. [...] ‘o hipertexto é essencialmente um<br />

sistema interativo’.<br />

Segundo Silva (2002), o conceito de interatividade é fundamentado<br />

na epistemologia da complexidade, podendo então favorecer a construção<br />

de conhecimentos dessa natureza. É importante salientar que interatividade<br />

é a disponibilização de um mais comunicacional de modo expressivamente<br />

complexo, que se fundamenta na participação-intervenção,<br />

bidirecionalidade-hibridização e permutabilidade-potencialidade. A<br />

construção de conhecimentos, a partir desses princípios, é mais aberta e não<br />

se limita apenas ao uso das hipermídias, pode e deve se tornar fundamento<br />

da sala de aula. Para Moran (1998 apud MORAN et al., 2000),<br />

181


A construção do conhecimento, a partir, do<br />

processamento multimídico, é mais “livre,” menos<br />

rígida, com conexões mais abertas, que passam<br />

pelo sensorial, pelo emocional e pela organização<br />

do racional; uma organização provisória, que se<br />

modifica com facilidade, que cria convergências<br />

e divergências instantâneas, que precisa de<br />

processamento múltiplo instantâneo e de respostas<br />

imediatas. (MORAN et al., 2000, p. 19).<br />

Retomando o sentido de autonomia, discutido anteriormente como<br />

exercício da liberdade de criação, da autoria, da criatividade, do correr e<br />

do assumir riscos e enfrentar desafios, pode-se dizer que é perceptível uma<br />

oportuna compatibilidade entre a autonomia e a linguagem da multimídia<br />

hipertextual. Entretanto, é importante perceber:<br />

O fato de incorporar imagens, textos, sons,<br />

animação, e mesmo de interligar informações<br />

em seqüências não-lineares, como atualmente<br />

utilizadas em multimídia, e hipermídia, não é<br />

garantia de boa qualidade pedagógica e de uma nova<br />

abordagem educacional. Programas visualmente<br />

agradáveis, bonitos e até criativos podem continuar<br />

representando o paradigma instrucionista ao<br />

colocar no recurso tecnológico uma série de<br />

informações a ser repassada ao aluno. Desta forma,<br />

continuamos preservando e expandindo a velha<br />

forma como fomos educados, sem refletir sobre o<br />

significado de uma nova prática pedagógica que<br />

utilize esses novos instrumentos. (MORAES, 1997,<br />

p. 16).<br />

Pelo exposto, incorporar as tecnologias na escola não é simplesmente<br />

enchê-las de computadores e softwares, procurando uma maneira mais<br />

fácil e massificante de utilizá-los, pois continuar perpetuando a visão<br />

182


tradicionalista e a fragmentação do conhecimento é simplesmente atingir a<br />

“otimização do péssimo” (MORAES, 1997, p.16).<br />

O PROGRAMA DE AULAS MULTIMÍDIAS DA REDE<br />

MUNICIPAL DE SALVADOR<br />

O Programa de Aulas Multimídias da Rede Municipal de Salvador,<br />

disponibilizado a 150 escolas da referida rede, a partir do início de 2007, é<br />

fruto de uma parceria entre a SMEC – Secretaria Municipal de Educação<br />

e <strong>Cultura</strong> e a Empresa Educandus. Essas instituições são responsáveis por<br />

desenvolver um conjunto de conteúdos multimídias em CD-ROM e web,<br />

envolvendo as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,<br />

Geografia e História. Para o desenvolvimento dessas aulas, foi criado um<br />

Centro de Produção de Aulas (Fábrica do Saber), que conta com profissionais<br />

especializados em cada disciplina pedagógica, além dos profissionais ligados<br />

à área de informática e design. Esse software educacional foi implantado<br />

com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino com o uso da tecnologia,<br />

através “da eficiência ao planejamento e à elaboração de aulas”. Propõe<br />

aprendizado nas diferentes áreas do conhecimento, através da utilização<br />

imediata da tecnologia educacional no processo de ensino-aprendizagem.<br />

Inicialmente, foram elaboradas 32 aulas, para as classes da 1ª à 4ª série e<br />

depois 40 para as classes da 5ª à 8ª, pela própria empresa parceira, sem<br />

nenhuma intervenção dos professores da Rede Municipal de Ensino.<br />

Para a introdução do programa nas escolas, os professores de<br />

tecnologias, 5 que já desenvolviam um trabalho flexível 6 com o uso das TIC,<br />

5 Professor de tecnologias é uma denominação dada, na Rede Pública Municipal de Salvador,<br />

para professores que, em tese, devem disseminar a cultura tecnológica nas escolas.<br />

6 O trabalho era desenvolvido através da produção de home page, blogs, webquest, produção<br />

de vídeos, produção de gráficos, desenhos, textos, dentre outros, frutos de uma parceria entre<br />

o professor de tecnologia e o professor regente.<br />

183


eceberam uma capacitação, desenvolvida pelos técnicos da Educandus,<br />

visando inicialmente à apropriação da nova proposta e, num segundo<br />

momento, à disseminação da mesma para os outros professores da rede.<br />

A implantação do Programa de Aulas Multimídias nas escolas,<br />

foi um momento de expressivas insatisfações de muitos professores.<br />

Essas insatisfações são justificadas pela falta de preparo da maioria dos<br />

professores regentes para operacionalizar os computadores e o novo<br />

software educacional, tendo em vista que se tornariam responsáveis pela<br />

aplicação das aulas. Além disso, questões relacionadas à infraestrutura,<br />

como a desproporção entre a quantidade de alunos e o número de micros, a<br />

lentidão do provedor para abertura das aulas, dificuldades na configuração<br />

das máquinas e acesso à Internet foram apontadas como principais entraves<br />

para o desenvolvimento da proposta.<br />

No que concerne à avaliação do Programa de Aulas Multimídias,<br />

os professores regentes e os de tecnologias dividem opiniões. Alguns<br />

acham que as aulas desenvolvidas são mais um suporte de enriquecimento<br />

e fixação dos conteúdos estudados na sala de aula, enquanto outros<br />

classificam o software como fechado, pautado no estímulo-resposta, com<br />

pouca possibilidade de criação e produção dos educandos, muito parecido<br />

com o livro didático.<br />

• Portal PETI: Aulas Multimídias como Software<br />

Educacional<br />

De acordo com o Manual de descrição, disponibilizado no próprio<br />

ambiente, o Portal é um ambiente virtual de aprendizagem ou Learning<br />

Management System (LMS), que possui recursos de comunicação,<br />

184


armazenamento de informações e gerenciamento de dados, gráficos e<br />

planilhas.<br />

Em tese, esse Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA dispõe de:<br />

Central de Relacionamento: canal de atendimento<br />

para os usuários do portal e para a rede municipal de<br />

educação de Salvador; Professor Web: professores à<br />

disposição para atender os alunos em suas dúvidas<br />

e resolução de exercícios; Gestão de Conteúdos:<br />

permite o gerenciamento de notícias, destaques,<br />

galeria de imagens, quadro de avisos e central de<br />

comunicação entre os usuários do portal; Conteúdo<br />

Didático: conteúdos organizados por disciplina,<br />

para cada segmento de ensino, estruturados em<br />

aulas web, com animações, imagens, mapas, vídeos,<br />

formulários, simulações, jogos virtuais e outros<br />

recursos que contribuem para aprendizagens<br />

em diversos campos do conhecimento; Fórum:<br />

permite a realização de discussões sobre temas<br />

que contribuem para a formação dos professores,<br />

através da criação de redes virtuais que possibilitem<br />

diálogos e trocas significativas; Chat: ferramenta<br />

de comunicação em tempo real entre alunos,<br />

professores e gestores (bate-papo); Painel de<br />

Gestão: relatórios e gráficos para controle de<br />

freqüência, desempenho individual, atividades<br />

realizadas e tempo utilizado em cada atividade<br />

(PORTAL PETI, 2007).<br />

• Descrição e Análise da Estrutura das Aulas<br />

Multimídias<br />

As aulas multimídias, disponibilizadas em CD-ROM e Web, seguem<br />

a mesma estrutura. São organizadas por disciplina, distribuídas na tela<br />

através de ícones. No caso das aulas em CD-ROM, além da organização<br />

185


por disciplina, também se agrupam por série. O ícone de cada disciplina<br />

dá acesso a uma listagem de conteúdos; o ícone de cada conteúdo dá acesso<br />

a uma nova aula. A navegação nessas aulas se dá através de botões que<br />

permitem avançar e retroceder. A linguagem utilizada é composta por texto,<br />

imagem, som e, em alguns casos, por elementos do jogo. Através do áudio,<br />

são dadas orientações para que os alunos possam realizar as atividades<br />

propostas. Há um ícone, em cada aula, chamado professor web, que permite<br />

ao aluno tirar dúvidas, informar erros ou dar sugestões sobre a aula. A<br />

partir das características descritas, o Programa de Aulas Multimídias pode<br />

ser classificado como um software tutorial.<br />

RESULTADO DA PESQUISA<br />

A pesquisa foi realizada com 13 professoras de uma escola da Rede<br />

Pública Municipal de Salvador, situada no bairro de Itapuã. Foi aplicado<br />

um questionário que evidenciou a visão dessas educadoras em relação à<br />

contribuição do Programa de Aulas Multimídias, adotado pela referida<br />

Rede de Ensino, para o desenvolvimento da autonomia dos educandos.<br />

Utilizou-se também a observação participante, visto que, uma das autoras<br />

deste artigo integra o grupo de educadores do Programa.<br />

Como evidenciado na Figura 1, 85% das professoras pesquisadas<br />

responderam que as aulas multimídias favorecem muito o desenvolvimento<br />

da autonomia intelectual dos estudantes, enquanto 15% acham que favorece<br />

pouco.<br />

186


Figura 1 – Em que medida as aulas multimídia favorecem o desenvolvimento da<br />

autonomia intelectual dos educandos<br />

Entretanto, ao justificarem sua opção, 36% dos casos relacionaramna<br />

com a apropriação do uso do computador, enfatizando a atual<br />

necessidade de os sujeitos saberem manusear esse recurso, e 18%, além<br />

de evidenciar esse manuseio, mencionaram o prazer que os participantes<br />

demonstram ao interagir com esse suporte, como pode ser percebido nos<br />

seguintes comentários:<br />

“É importante porque desenvolve o conhecimento tecnológico, já que<br />

vivemos na era tecnológica.”<br />

“É interessante porque, nas aulas multimídias, os alunos gostam de<br />

manusear o computador, tudo lá é mais prazeroso para eles.”<br />

Os 46% restantes apontaram, como principal motivo para a<br />

justificativa, o desenvolvimento do autodidatismo e da aprendizagem<br />

187


colaborativa, bem como a possibilidade de complementar o conteúdo<br />

estudado em sala de aula. Observa-se que, nessas avaliações, não há<br />

referências ao pensamento reflexivo, à metacognição e à criatividade dos<br />

sujeitos diante do objeto da aprendizagem. O entendimento de autonomia<br />

intelectual, enquanto liberdade de criação, possibilidade de fazer relações,<br />

enfrentar desafios, dentre outros apresentados neste artigo, não apareceram<br />

nas respostas das professoras.<br />

Com relação à interação dos educandos com as aulas multimídias<br />

(FIGURA 2), em 54% dos casos, as professoras disseram identificar tentativa<br />

e erro como aspecto sobressalente nessa interação; 15% destacaram o fato de<br />

eles buscarem entender o que é questionado na atividade; já 8% consideram<br />

a necessidade de os alunos tirarem dúvidas como aspecto preponderante;<br />

outros 8% evidenciam a predominância na relação feita pelos alunos entre<br />

conteúdos estudados na sala de aula e os estudados através das aulas de<br />

multimídias.<br />

Figura 2 – Aspecto identificado com maior frequência na interação aluno/aula<br />

multimídia<br />

Quando questionadas em relação ao benefício das aulas multimídias<br />

para a aprendizagem dos alunos (FIGURA 3), as professoras, em 23% de<br />

suas respostas, apontaram que é uma forma prazerosa de aprender; 15%<br />

acreditam que favorece a interatividade; outros 15% sinalizaram que<br />

188


propiciam a criatividade e a produção do aluno; enquanto 8%, não vêem<br />

muito beneficio nas aulas multimídias, pela pouca possibilidade de criação<br />

que o referido recurso oferece; outra professora (8%) vê benefícios para<br />

fixação dos conteúdos. Ninguém marcou as opções “desenvolve a autonomia<br />

intelectual” e “não traz nenhum beneficio”; 23% anularam a questão.<br />

Figura 3 – Benefício que as aulas multimídias trazem para a aprendizagem<br />

Durante a observação feita na mesma escola, em momentos<br />

distintos da interação com as aulas multimídias, nas turmas do 1º, 4º e 5º<br />

anos de escolarização, o item “tentativa e erro” também se apresentou como<br />

o aspecto principal, dessas interações. Os alunos respondiam e clicavam<br />

insistentemente nos ícones para checar a validade de suas respostas. O áudio<br />

repetidamente dizia “tente novamente”, se eles não indicassem a resposta<br />

certa na atividade, ou “parabéns, você acertou”, para os casos de acertos. Isto<br />

foi muito evidente em todas as turmas observadas, principalmente, entre os<br />

alunos com estágio de leitura e escrita menos avançado – que se centram<br />

muito mais em manusear o computador, experimentando o movimento das<br />

imagens e o som do áudio do que na própria atividade.<br />

189


Outro aspecto relevante identificado na observação foi a forma<br />

como as crianças se preocupavam em ajudar outros colegas que sentiam<br />

dificuldade em operacionalizar a aula multimídia. Essa cooperação<br />

diz respeito muito mais ao manuseio do software do que ao conteúdo<br />

propriamente dito.<br />

A tabela abaixo mostra, em ordem crescente, enumerados de um a<br />

cinco, os fatores eleitos pelas professoras como os que mais dificultam o uso<br />

efetivo das aulas multimídias, na escola. De acordo com as opções feitas, a<br />

inadequação da infraestrutura dos laboratórios, que se repete na primeira<br />

e terceira posição, respectivamente com 38% e 23% dos votos, é a principal<br />

dificuldade para o avanço da proposta. Mas, há também a falta de formação<br />

do professor que ficou, na segunda posição, com 23% dos votos e a pouca<br />

possibilidade na abordagem do conteúdo que aparece em duas posições<br />

entre as cinco mais votadas – terceira e quarta – com 23% e 15% dos votos.<br />

Representando 15% das escolhas, ao mesmo tempo aparecem, em<br />

quarto e quinto lugares, a pouca possibilidade de produção, criatividade e<br />

expressão do pensamento oferecida no recurso e a descontextualização das<br />

aulas.<br />

190


Tabela 1 – Fatores que dificultam o uso efetivo das aulas multimídias<br />

POSIÇÃO 1º 2º 3º 4º 5º<br />

FATOR<br />

Falta de<br />

formação<br />

do<br />

professor<br />

Inadequação<br />

da<br />

infraestrutura<br />

Inadequação<br />

da infraestrutura<br />

Pouca<br />

diversidade<br />

na forma de<br />

abordagem<br />

dos conteúdos<br />

Pouca<br />

possibilida-de<br />

de produção,<br />

criatividade e<br />

expressão do<br />

pensamento<br />

do aluno<br />

Pouca<br />

diversidade<br />

na forma de<br />

abordagem<br />

dos conteúdos<br />

Aulas<br />

descontextualizadas<br />

VOTO 38% 23% 23% 23% 15% 15% 15%<br />

191


As impressões das professoras que responderam à pesquisa, na sua<br />

maioria, bem como os dados coletados na observação remetem à utilização<br />

do objeto de aprendizagem em estudo através do estímulo-resposta, isto<br />

é, com pouca reflexão por parte dos estudantes, acerca do que está sendo<br />

realizado.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O ponto de partida deste artigo foi investigar em que medida o<br />

Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal de Salvador<br />

desenvolve a autonomia intelectual dos educandos. Com esse objetivo,<br />

buscou-se significar aprendizagens que favorecem a autonomia necessária<br />

aos sujeitos para conviverem com a velocidade e o acúmulo de informações<br />

disponíveis na contemporaneidade, bem como com os seus desafios.<br />

Com suporte teórico em Morin (2001), apresentou-se a necessidade<br />

de reorganizar a educação, dando ênfase a novos modos de conhecer<br />

que privilegiem a contextualização e interconectividade do objeto do<br />

conhecimento em suas multiplicidades, o que não se prende especificamente<br />

a saberes codificados, mas, sobretudo, a aprender a conhecer o próprio ato<br />

de conhecer.<br />

Além disso, discutiu-se que o desenvolvimento da autonomia<br />

intelectual implica numa abordagem que considere a condição humana<br />

como parte do todo que a constitui, concluindo-se que toda ação, dentro<br />

deste ecossistema, deve se orientar por novos princípios éticos que se<br />

situem em nível pessoal, local e global. Dessa forma, verificou-se que o<br />

ensino instrucional focado em disciplina não dará conta de atender a tais<br />

demandas, muito menos para possibilitar o desenvolvimento da autonomia,<br />

tão necessária aos sujeitos da contemporaneidade.<br />

192


Abordou-se a emergência do ciberespaço como propulsor de<br />

uma nova versão da multimídia, ou seja, a combinação, em um mesmo<br />

suporte digital de texto, imagem e som, trazendo o panorama do seu uso<br />

na educação. A versatilidade do computador como campo fértil, capaz de<br />

atender a quase todas as concepções de ensino. Nesse sentido, esse recurso<br />

pode ser utilizado como máquina de ensinar, ferramenta de ensino ou como<br />

suporte potencializador de novas possibilidades para a educação.<br />

Entretanto, como evidenciado na pesquisa e na revisão de literatura<br />

realizada, a integração das Novas Tecnologias ainda não resultou nas<br />

mudanças anunciadas e esperadas para a educação. Na maioria dos casos,<br />

os recursos tecnológicos tem sido empregados como apêndice das práticas<br />

pedagógicas e como cristalizadores do ensino instrucional. Isso pode ser<br />

comprovado na Rede Pública Municipal de Salvador, através da implantação<br />

do Programa de Aulas Multimídias, que muito se aproxima de uma versão<br />

digital do livro didático, com mais interação e animação.<br />

Os dados da pesquisa revelaram que, apesar desta concepção<br />

instrucional de utilização do computador e da Internet, os estudantes<br />

apresentam certa autonomia em relação ao manuseio desse recurso.<br />

Entretanto, para obter a autonomia defendida por Freire (2003), como<br />

exercício da liberdade de criação e da autoria, que privilegie a metodologia<br />

de resolução de problemas e a pesquisa, o ponto de vista sobre o uso das<br />

TIC deve caminhar em uma direção que proporcione um maior grau de<br />

criatividade, autoria e consumo critico dessas mídias.<br />

Outro dado relevante da pesquisa diz respeito ao uso efetivo do<br />

Programa de Aulas Multimídias que é comprometido pela inadequação<br />

da infraestrutura dos laboratórios de informática, tanto em relação ao<br />

número de microcomputadores para a quantidade de estudantes, como<br />

pela baixa velocidade do provedor para a abertura das aulas. Também é<br />

193


apontada a falta de formação do professor, que se sente despreparado para<br />

operacionalizar as aulas e o computador.<br />

Verificou-se também que o Portal do PETI - Programa de Aulas<br />

Multimídias disponibiliza algumas ferramentas de comunicação que podem<br />

ser usadas para abrir o diálogo entre os estudantes, técnicos e professores.<br />

É uma oportunidade de promover o consumo crítico dessa mídia. No<br />

entanto, na maioria dos casos, esses recursos não são explorados, mesmo<br />

porque, ainda que constituam o que o Programa tem de melhor, não é a<br />

predominância da sua concepção.<br />

Diante do exposto, visualizam-se a premência de se criarem novos<br />

espaços de aprendizagem que facilitem a vivência de processos criativos,<br />

que desenvolvam a autoconfiança e possibilitem às novas gerações<br />

enfrentar desafios, inovar, refletir sobre a realidade, encontrando soluções<br />

alternativas e criativas para melhorar a qualidade de vida no planeta. A<br />

autonomia desejada, como vimos em Freire (2003, p. 107), “é processo, é<br />

vir a ser”, carece, portanto, de oportunidades para o seu desenvolvimento.<br />

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nov. 2007.<br />

195


Sobre os Autores<br />

Antonio Dias Nascimento (UNEB)<br />

Pós-doutor em Educação Musical (Universidade Federal do Rio Grande<br />

do Sul - UFRGS), Doutor em Sociologia com ênfase em Educação<br />

Popular (The University of Liverpool, Inglaterra) e Mestre em Ciências<br />

Sociais (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Graduado em Filosofia<br />

(Universidade Federal de Pernambuco UFPE) e em Comunicação (UFBA).<br />

Professor Titular e Professor Permanente do Programa de Pós-graduação<br />

em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia<br />

(UNEB). E-mail: andiasst@hotmail.com<br />

Alex Sandro Gomes (UFPE)<br />

Doutor em Ciências da Educação (Université de Paris V - René Descartes,<br />

França). Engenheiro Eletrônico e Mestre em Psicologia Cognitiva (UFPE).<br />

Professor Adjunto <strong>II</strong> no Centro de Informática da Universidade Federal de<br />

Pernambuco. Membro da Academia Pernambucana de Ciências. E-mail:<br />

asg@cin.ufpe.br<br />

Célia Maria Silva de Souza (SECULT - Salvador)<br />

Especialista em Formação de Professor para a Educação Infantil com Mídias<br />

Interativas e Bacharel em Pedagogia (Universidade do Estado da Bahia -<br />

UNEB). Professora da Rede de Ensino da Prefeitura Municipal de Salvador<br />

e atua na Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (LIMPURB) na área de<br />

Educação Ambiental Comunitária. E-mail: scelia9@yahoo.com.br<br />

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Dinani Amorim (UNEB)<br />

Doutora em Electrónica y Computación (Universidad de Santiago de<br />

Compostela, Espanha, reconhecido como Ciências da Computação e<br />

Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo - USP).<br />

Especialista em Informática (Universidade Federal de Pernambuco -<br />

UFPE). Graduada em Ciência da Computação (Universidade Católica de<br />

Pernambuco). Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)<br />

e Professora Titular da Faculdade de Ciencias Aplicadas e Sociais de<br />

Petrolina (FACAPE). Atua na área de Inteligência Artificial com ênfase<br />

em Redes Neurais Artificiais e Representação de Conhecimento. E-mail:<br />

dinaniamorim@gmail.com<br />

Edmea Santos (UERJ)<br />

Doutora e Mestre em Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA).<br />

Pedagoga (Universidade Católica de Salvador – UCSal). Professora<br />

Adjunta do Departamento de Estudos de Educação a Distância na área de<br />

Informática da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio<br />

de Janeiro (UERJ). Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação<br />

(UERJ), na linha de pesquisa Cotidiano e <strong>Cultura</strong> Escolar. Ex-professora<br />

visitante no PPGE da UFJF e ex-professora auxiliar no curso de Pedagogia<br />

da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: mea2@uol.com.br<br />

Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo (UTP)<br />

Doutora e Mestre em Educação (Universidade de São Paulo - USP).<br />

Graduada em História (USP). Coordenadora de Tecnologia na Educação<br />

da COTED-CT e Professora do DEPED UTFPR, Campus Curitiba.<br />

Coordenadora de Pesquisa, Iniciação Científica e Editoração Científica -<br />

PROPPE/UTP. Membro da Associação Brasileira de Educação a Distância<br />

(ABED) e do CRIE Curitiba (PR/UNU). Ex-coordenadora do Núcleo de<br />

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Pesquisa em Processos Educacionais Interativos NUPPEI. Ex-pesquisadora<br />

e Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em<br />

Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: iolanda.cortelazzo@<br />

utp.br<br />

Iza Lopes (SECULT - Salvador)<br />

Especialista em Formação de Professores para Educação Infantil com Mídias<br />

Interativas (Universidade do Estado da Bahia - UNEB) e em Tecnologias em<br />

Educação (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Graduada<br />

em Pedagogia (Universidade do Estado da Bahia - UNEB). Professor/<br />

formador da Secretaria Municipal da Educação, <strong>Cultura</strong>, Esporte e Lazer<br />

- SME da Prefeitura Municipal de Salvador. E-mail: iza_lopes2006@yahoo.<br />

com.br<br />

Jusamara Souza (UFRGS)<br />

Doutora em Educação Musical e Mestre (Universidade de Bremen,<br />

Alemanha). Graduada em Instrumento - Piano (Universidade Federal de<br />

Uberlândia). Licenciada em Música e Artes (Universidade de Bremen,<br />

Alemanha). Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D. Professor Adjunto<br />

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Diretora da<br />

Editora da UFRGS. Ex-presidente da Associação Brasileira de Educação<br />

Musical. Atua na área de Artes, com ênfase em Educação musical,<br />

principalmente nos temas Educação Musical, Aprendizagem e Ensino de<br />

Música no Cotidiano, Sociologia da Educação Musical. E-mail: jusa.ez@<br />

terra.com.br<br />

Lynn Alves (UNEB)<br />

Pós-doutora na área de Jogos eletrônicos e Aprendizagem (Università degli<br />

Studi di Torino, Itália). Doutora e Mestre em Educação (Universidade<br />

199


Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia (Faculdade de Educação<br />

da Bahia). Professora Adjunta e Pesquisadora do SENAI-CIMATEC,<br />

Departamento Regional da Bahia (Núcleo de Modelagem Computacional)<br />

e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail:lynnalves@yahoo.<br />

com.br<br />

Maria Olívia de Matos Oliveira (UNEB)<br />

Pós-Doutora em Educação (UERJ); Doutora em Calidad y Procesos de<br />

Innovación Educativa (Universidad Autonoma de Barcelona), Mestre em<br />

Calidad Educativa (Universidade Autónoma de Barcelona) e Mestre em<br />

Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia<br />

(UFBA). Especialista em EAD (Católica Virtual de Brasília). Professor<br />

Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor titular da<br />

Universidade do Estado da Bahia. Trabalha com os processos formativos<br />

a Distância e as tecnologias aplicadas a Educação, atuando principalmente<br />

nas áreas de Formação de Professores para a Educação Infantil e EJA, Mídia<br />

e Mediação Pedagógica. E-mail:oliviamattos@terra.com.br<br />

Ricardo Amorim (UNEB)<br />

Doutor em Electrónica y Computación (Universidad de Santiago de<br />

Compostela, Espanha, reconhecido como Ciências da Computação e<br />

Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo - USP) e<br />

Mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Conhecimento<br />

(Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC). Graduado em Ciência<br />

da Computação (Universidade Católica de Pernambuco). Professor<br />

Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Professor Titular<br />

da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina. E-mail: amorim.<br />

ricardo@gmail.com<br />

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Sandra Maria Farias Loureiro de Souza (FTC)<br />

Pós-graduada em Gestão Educacional (Faculdades Olga Mettig). Mestre<br />

pelo Programa em Educação e Contemporaneidade (Universidade do<br />

Estado da Bahia - UNEB). Licenciada em Desenho e Plástica (Universidade<br />

Federal da Bahia - UFBA). Coordenadora Pedagógica da Oi Kabum<br />

- Escola de Arte e Tecnologia, programa desenvolvido pela Cipó -<br />

Comunicação Interativa em parceria com o Instituto Oi Futuro, Secretaria<br />

do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado da Bahia e<br />

Unesco. E-mail: sandraloureiro17@yahoo.com.br<br />

Tânia Hetkowski (UNEB)<br />

Doutora em Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA) e Mestre<br />

em Educação nas Ciências (Universidade Regional do Noroeste do Estado<br />

do Rio Grande do Sul). Graduada em Pedagogia (Universidade do Oeste<br />

de Santa Catarina). Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia<br />

(UNEB). E-mail: hetk@uol.com.br<br />

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