Educacao_e_Cultura_Midiatica_Volume_II
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Educação e <strong>Cultura</strong><br />
Midiática<br />
<strong>Volume</strong> <strong>II</strong>
Universidade do Estado da Bahia - UNEB<br />
Lourisvaldo Valentim da Silva<br />
Reitor<br />
Maria Nadja Nunes Bittencourt<br />
Diretora da Editora<br />
Conselho Editorial<br />
Delcele Mascarenhas Queiroz<br />
José Cláudio Rocha<br />
Josemar Rodrigues de Souza<br />
Márcia Rios da Silva<br />
Maria Edesina Aguiar<br />
Mônica Moreira de Oliveira Torres<br />
Wilson Roberto de Mattos<br />
Yara Dulce Bandeira Ataíde<br />
Suplentes<br />
Kiyoko Abe Sandes<br />
Liana Gonçalves Pontes Sodré<br />
Lynn Rosalina Gama Alves<br />
Ronalda Barreto Silva
Lucila Pesce<br />
Maria Olívia de Matos Oliveira<br />
(Organizadoras)<br />
Educação e <strong>Cultura</strong><br />
Midiática<br />
<strong>Volume</strong> <strong>II</strong><br />
EDUNEB<br />
Salvador<br />
2012
© 2010 EDUNEB<br />
Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica,<br />
resumida ou modificada, em Língua Portuguesa ou qualquer outro idioma.<br />
Depósito Legal na Biblioteca Nacional<br />
Impresso no Brasil em 2012.<br />
Ficha Técnica<br />
Coordenação Editorial<br />
Ricardo Baroud<br />
Coordenação de Design e Capa<br />
Sidney Silva<br />
Projeto Gráfico, Editoração, Normalização e Revisão<br />
Grajaú Gráfica e Encadernadora<br />
Ficha Catalográfica - Sistema de Bibliotecas da UNEB<br />
Educação e cultura midiática / Organizado por Lucila Pesce; Maria Olivia<br />
de Matos Oliveira. – Salvador: EDUNEB, 2012.<br />
202 p. v. 2.<br />
ISBN: 978-85-7887-121-5.<br />
Inclui referências.<br />
1. Educação - Inovações tecnológicas. 2. Inovações educacionais. 3.<br />
Tecnologia educacional. I. Pesce, Lucila. <strong>II</strong>. Oliveira, Olívia de Matos.<br />
CDD: 371.334<br />
Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB<br />
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula<br />
41150-000 - Salvador - Bahia<br />
Fone: + 55 71 3117-5342<br />
www.eduneb.uneb.br<br />
editora@listas.uneb.br
Educação e <strong>Cultura</strong><br />
Midiática
Sumário<br />
Apresentação 9<br />
PARTE I: CULTURA MIDIÁTICA<br />
Educação, Música e Mídia 15<br />
Jusamara Souza e Antonio Dias<br />
Interfaces entre Comunicação e Educação, através<br />
da Produção de Mídias Alternativas: possibilidades<br />
emancipatórias 37<br />
Sandra Maria Loureiro de Souza Farias e Maria Olivia de<br />
Matos Oliveira<br />
Espaços Vividos e Jogos Digitais: ambientes<br />
propícios para produção de novas formas de<br />
letramentos e de conteúdos interativos pela<br />
geração C 65<br />
Lynn Alves e Tânia Maria Hetkowski<br />
PARTE <strong>II</strong>: FORMAÇÃO ONLINE<br />
Projeto Amadeus: criando novas experiências de<br />
aprendizagem em uma educação sem distância 91<br />
Ricardo Amorim, Dinani Amorim e Alex Sandro Gomes
A Edificação dos Saberes para o Exercício da Tutoria<br />
a Distância: o caso dos professores-tutores do curso<br />
de pedagogia a distância da UERJ 121<br />
Edméa Santos<br />
Nova Didática Mediada pelas Tecnologias Digitais 143<br />
Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo<br />
Aulas Multimídias: um caminho possível para<br />
a autonomia intelectual dos educandos na rede<br />
municipal de ensino de Salvador? 169<br />
Iza da Conceição Lopes e Célia Maria Silva de Souza<br />
Sobre os Autores 197
Apresentação<br />
Caro leitor, o segundo volume da coletânea que ora apresentamos<br />
reúne pesquisadores de distintas universidades brasileiras e trata de<br />
dois temas instigantes da sociedade contemporânea: cultura midiática e<br />
processos de formação desenvolvidos nos ambientes digitais.<br />
Os artigos que compõem a primeira parte deste livro – <strong>Cultura</strong><br />
Midiática – revelam, na polissemia das vozes dos autores, uma unicidade<br />
nas reflexões sobre como a mídia se torna presente em todos os aspectos da<br />
vida cotidiana e como o discurso midiático participa do processo histórico<br />
de construção da identidade dos sujeitos, nas interações sociais, afirmando<br />
ou negando a nossa condição de cidadãos.<br />
Essas experiências corroboram com o entendimento de que se<br />
faz necessário explorar, da melhor forma possível, os ambientes virtuais<br />
e “o potencial educacional das mídias, considerando-se os seus aspectos<br />
positivos em cada modalidade de ensino e o uso de metodologias e<br />
tecnologias necessárias para tal”, no dizer de Ricardo Amorim, Dinani<br />
Amorim e Alex Sandro Gomes.<br />
Jusamara Souza e Antonio Dias Nascimento colocam que o desafio<br />
para a educação é permitir a convivência com o mundo digital; porém é<br />
papel da escola ajudar crianças e jovens na aquisição de um censo crítico que<br />
lhes permita fazer as escolhas certas, no que tange aos meios e conteúdos<br />
midiáticos.<br />
Uma nova geração surge, os nativos digitais que navegam na web,<br />
nos jogos eletrônicos, smart fones, GPS, PDA, celulares, buscam criar em<br />
diferentes telas, com a ajuda de técnicas computacionais e telemáticas,<br />
situações que se aproximem do real, das situações vividas nos lares ou<br />
9
nos espaços cotidianos, como apontam Lynn Alves e Tânia Hetwovisk, no<br />
relato de uma pesquisa junto a um grupo de professores que utiliza o jogo<br />
Búzios: ecos da liberdade. Sandra Loureiro de Souza e Maria Olivia de Matos<br />
Oliveira apresentam uma introdução à temática das mídias alternativas e<br />
suas relações com a educação, a partir da possibilidade de emancipação e<br />
de ação do sujeito, através da compreensão das relações entre cultura e os<br />
processos de comunicação na sociedade contemporânea.<br />
O conjunto das reflexões inerentes aos capítulos que compõem<br />
a primeira parte do livro busca, portanto, discutir a importância de se<br />
conhecer o poder da mídia no cotidiano das pessoas, para a partilha<br />
conjunta de significados e compreensão crítica da contemporaneidade.<br />
Na segunda parte do livro – Formação online – os textos voltam-se<br />
para os distintos aspectos inerentes à formação veiculada nos dispositivos<br />
e interfaces digitais. As reflexões sobre as novas linguagens audiovisuais<br />
demandam dos docentes uma nova visão paradigmática capaz de<br />
ressignificar as atuais práticas educacionais, em sintonia com as emergências<br />
dos sujeitos que participam das atuais organizações societárias.<br />
Para apresentar a segunda parte do livro julgamos pertinente iniciar<br />
com as reflexões dos autores Ricardo Amorim (UNEB); Dinani Amorim<br />
(UNEB) e Alex Sandro Gomes (UFPE) que apresentam novas possibilidades<br />
de potencializar aprendizagens em ambientes virtuais e buscam, através do<br />
desenvolvimento do texto, saídas alternativas para a superação do impasse<br />
de uma educação a distância para uma educação sem distância.<br />
Também são abordadas questões relacionadas à docência, no<br />
contexto da cultura midiática. Edméa Santos apresenta dados de uma<br />
pesquisa sobre como são edificados os saberes para o exercício da tutoria<br />
a distância. A análise aborda as especificidades da docência online e os<br />
desafios da cibercultura, relacionando-os com os saberes de professorestutores<br />
que atuam nos cursos de formação de professores da Universidade<br />
do Estado do Rio de Janeiro.<br />
10
Célia Maria Silva Souza e Iza da Conceição Lopes, tendo como corpus<br />
de análise o Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal<br />
de Salvador, consideram o desenvolvimento da autonomia intelectual, a<br />
partir de intervenções pedagógicas que possibilitem espaços de expressão,<br />
participação e criatividade.<br />
Questões relativas à educação veiculada nos dispositivos e interfaces<br />
digitais, como a fragilidade das interações entre a equipe conceptora e<br />
os tutores, o pouco investimento institucional no processo de formação<br />
continuada de professores para o exercício da mediação a distância são<br />
discutidos ao longo das nossas páginas, sobretudo nas linhas assinadas por<br />
Edméa Santos. Para compreender as concepções de aula e sala de aula na<br />
contemporaneidade é preciso, antes de tudo, entender aspectos relacionados<br />
à sala de aula presencial, bem como entender algumas atitudes docentes e<br />
da escola, que revelam resistência em reconhecer a inevitável inserção dos<br />
estudantes na cultura digital.<br />
Nessa perspectiva trazemos à baila as ideias de Iolanda Cortelazzo.<br />
Ao apresentar reflexões sobre uma nova cultura em que professores e alunos<br />
realizam interações colaborativas mediadas pelas tecnologias digitais,<br />
a autora, com propriedade, afirma: “Os hábitos de professores e alunos<br />
não mudaram substancialmente nesses dezoito anos, embora os suportes<br />
tecnológicos sejam significativamente diferentes”.<br />
Nessa miríade de reflexões finalizamos a apresentação do segundo<br />
volume da coletânea por nós organizada. Ao fazê-lo, apontamos mais<br />
dúvidas que certezas, mais interrogativas que afirmativas, porque as questões<br />
pendentes poderão ser esclarecidas ou aprofundadas, na interlocução de<br />
você, leitor, junto a cada um dos autores da presente obra.<br />
Lucila Pesce<br />
Maria Olívia Matos Oliveira<br />
11
Parte I<br />
CULTURA MIDIÁTICA
Educação, Música e Mídia<br />
Jusamara Souza<br />
(UFRGS)<br />
Antonio Dias Nascimento<br />
(UNEB)<br />
Introdução<br />
O uso abusivo dos meios eletrônicos de comunicação por regimes<br />
políticos discricionários que antecederam a Segunda Guerra Mundial e<br />
que a ela sobreviveu fez com que pensadores humanistas os vissem sempre<br />
com desconfiança quanto à sua função formadora. Adorno (1975) chegou a<br />
cunhar a expressão Indústria <strong>Cultura</strong>l para expressar a grande distância que<br />
separava a cultura veiculada pela mídia, da cultura elaborada pelo povo.<br />
Do mesmo modo, Morin (1969) chegou a afirmar que o capitalismo, com o<br />
desenvolvimento da indústria cultural havia ultrapassado a última barreira<br />
a ser transposta – a alma humana.<br />
Com a redemocratização dos países centrais e com a emergência<br />
de novas democracias, no entanto, tornou-se possível o surgimento de<br />
muitas outras expressões midiáticas de tal modo a permitir aos indivíduos<br />
oportunidades de escolhas. Apesar de persistirem os usos mercantilistas e<br />
até mesmo a manipulação político-ideológica dos meios de comunicação,<br />
esses usos são obrigados a conviver também com usos voltados para a<br />
formação humana e até mesmo para a aproximação de povos. Assim,<br />
os meios de comunicação são vistos hoje como campos de disputa que<br />
15
permitem, ao menos, a “reflexividade social” como denominou Giddens<br />
(1994) querendo expressar a possibilidade de ampliação do grau de<br />
informação dos sujeitos, resultante da atuação e do uso massivo dos meios<br />
eletrônicos de comunicação.<br />
Estudando o aprendizado da música pelos jovens através da sua<br />
relação com as mídias eletrônicas Kübler (2003 apud SCHIMELING, 2005,<br />
p. 21) assim se expressa:<br />
Hoje, crianças e jovens crescem convivendo com as<br />
mídias e estas representam um dos componentes<br />
importantes em suas vidas, na busca por identidade<br />
e por socialização. O conceito [de mídia] pretende<br />
abranger tanto as estruturas e mercados das mídias,<br />
como também o confronto subjetivo das crianças e<br />
jovens e sua assimilação. Com isso, o conceito implica<br />
componentes tanto objetivos como subjetivos.<br />
Conforme o autor, há uma profusão das mídia e<br />
dos seus produtos e diferenciam-se as maneiras de<br />
lidar com eles entre crianças e jovens, denotando<br />
assim uma multiplicidade, complexidade, falta de<br />
delimitação clara de previsibilidade nas interações<br />
destes grupos com as mídias.<br />
Diante disso, o que se coloca como grande desafio para a educação,<br />
tanto na família, como na escola, é o de como dotar tanto crianças, como<br />
jovens, de censo crítico na escolha dos meios e dos conteúdos com os quais<br />
se põem em interação. A ideia, portanto, é a de usufruto e convivência com<br />
o mundo virtual e não a de negá-lo ou a de evitá-lo. Se concordarmos com<br />
a visão de um mundo alcançado, observado, vigiado e controlado através<br />
do panóptico, como nos indicou Foucault (1987), com o acesso ao mundo<br />
virtual, tornamo-nos também observadores ativos e vigias do nosso tempo<br />
e do que ocorre ao redor do mundo numa velocidade espantosa e com<br />
16
uma capacidade operativa nunca dantes experimentada, como pode ser<br />
observado, por exemplo, na educação musical.<br />
Nos últimos anos vimos discutindo no Brasil sobre os princípios<br />
epistemológicos que fundamentam as teorias e práticas de educação musical<br />
que vêm se configurando de forma ampla, não se restringindo mais aos<br />
processos de ensino-aprendizagem realizados na escola. Crianças e jovens<br />
hoje talvez “aprendam” música mais em seus ambientes extraescolares<br />
do que na escola propriamente dita. E mesmo a profissionalização ou a<br />
formação de professores de música ou profissionais que lidam com o ensino<br />
de música tem se realizado em espaços antes nunca pensados.<br />
Cada vez mais, pesquisadores buscam compreender os processos de<br />
aprendizagem (transmissão-apropriação) que se estabelecem em formas<br />
e práticas diárias de indivíduos envolvidos em realizações musicais fora<br />
da escola, em contextos extraescolares e suas possíveis articulações com a<br />
escola (ver, entre outros, PRASS, 1998, 2004; ARROYO, 1999; CORRÊA,<br />
2000; RAMOS, 2002; FIALHO, 2003; ARALDI, 2004; SUBTIL, 2007).<br />
Em decorrência do processo de globalização da cultura e da<br />
informação, modificam-se cada vez mais as linguagens e meios técnicos<br />
de distribuição musical. Essas mudanças levam-nos a refletir sobre os<br />
desafios trazidos para o ensino da música na atualidade e da educação de<br />
modo geral. A música na vida cotidiana faz-se cada vez mais presente e<br />
sua massiva utilização por crianças e jovens indica o seu significado para a<br />
educação musical (SOUZA, 2000).<br />
Por isso nos interessam muito particularmente temas como novas<br />
práticas musicais e tecnologias de comunicação, o consumo, a recepção<br />
de música e a formação de identidades através dos meios de comunicação,<br />
músicas da mídia no cotidiano de crianças e jovens; culturas musicais<br />
das ruas (como hip hop), bem como a atuação e formação de professores<br />
17
de música diante das novas questões trazidas pelas transformações da<br />
sensibilidade musical na contemporaneidade (CARVALHO, 1999).<br />
Esses temas são apresentados, num primeiro plano, de uma forma<br />
descritiva pelos dados empíricos disponíveis e, num segundo plano, de<br />
marco interpretativo, são desvendados contextos e estruturas condicionais<br />
para o ensino e aprendizagem de música. Num terceiro plano, mais abstrato,<br />
serão formuladas teorias sobre funções e significados das mídias para<br />
crianças e jovens como, por exemplo, a crescente autosocialização através<br />
das mídias (KÜBLER, 2003, p. 6).<br />
Vale ressaltar, como Toschi (2002, p. 267) alerta, que “[...] mídia não<br />
se confunde com recurso, com equipamento, por mais sofisticado e atual que<br />
seja, mas refere-se a meio tecnológico portador de conteúdos e, portanto,<br />
de sistemas simbólicos”. Como a autora explica: “Por se caracterizar como<br />
tecnologia e conteúdos, as mídias adquirem valor formativo, educativo.<br />
As mídias são criaturas culturais e criam cultura. Mídias são tecnologias,<br />
mas são também meio de divulgação de conteúdos, são, enfim, tecnologias<br />
midiáticas” (TOSCHI, 2002, p. 267-268).<br />
Integrando as atividades cotidianas dos indivíduos, os meios<br />
de comunicação não apenas promovem interações interpessoais, mas<br />
viabilizam novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um<br />
conjunto de materiais simbólicos. A linguagem midiática fornece símbolos,<br />
mitos e recursos que contribuem na formação de uma cultura representativa<br />
de um grande número de indivíduos. Para Kellner (2001, p. 10) trata-se de<br />
uma “pedagogia cultural”, isto é, uma fonte de informação e entretenimento<br />
que muitas vezes nem é percebida como tal, contribuindo para “[...] nos<br />
ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que<br />
temer e desejar – e o que não”.<br />
18
Na análise de Thompson (1998, p. 45-46) durante a recepção e<br />
apropriação dos conteúdos da mídia, os indivíduos encontram-se “[...]<br />
envolvidos num processo de formação pessoal e de autocompreensão<br />
– embora em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais”.<br />
Ao incorporar as mensagens da mídia à própria vida, “[...] o indivíduo<br />
está implicitamente construindo uma compreensão de si mesmo, uma<br />
consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado no tempo e no<br />
espaço” (THOMPSON, 1998, p. 45-46).<br />
Este capítulo pretende discutir algumas questões vinculadas às<br />
práticas pedagógico-musicais presentes na cultura jovem. Interessa-nos<br />
discutir práticas musicais de jovens realizadas pelos meios de comunicação<br />
tais como tocar um instrumento, apreciar ou ouvir música. Muito<br />
particularmente focamos em compreender a aprendizagem musical que aí<br />
se efetiva.<br />
Tomando o conceito de aprendizagem a partir das teorias do<br />
cotidiano nos interessamos pelos sujeitos imersos e envolvidos numa teia<br />
de relações presentes na realidade histórica que é prenhe de significações<br />
culturais. Logo, a aprendizagem não se dá num vácuo, mas num contexto<br />
complexo. Ela é constituída de experiências que nós realizamos no mundo.<br />
Dessa maneira, a aprendizagem pode ser vista como um processo no qual<br />
– consciente ou inconscientemente – criamos sentidos e fazemos o mundo<br />
possível.<br />
Mídias e aprendizagem musical<br />
As mídias estão cada vez mais presentes na vida das crianças e<br />
adolescentes que desde cedo dispõem de i-pods, CD-player, TV, DVDs<br />
e também computadores. Na literatura o termo “mundo das mídias”<br />
19
(Medienwelten), já é consagrado. É um conceito necessário para dizer que<br />
hoje crianças e jovens crescem convivendo naturalmente com as mídias,<br />
que estas representam componentes importantes de suas vidas, de sua<br />
procura de identidade e de sua socialização.<br />
A inserção da música na vida de jovens, foge à relação abstrata que<br />
normalmente as escolas propiciam. Por isso mais do que “se limitar a um<br />
estudo da prática ou do consumo musical unicamente por seu conteúdo ou<br />
gênero de música apreciada ou escutada” a educação musical tem que se<br />
ocupar com o tipo de relação que os jovens mantêm com a música (GREEN,<br />
1987, p. 95).<br />
Os jovens vivem experiências musicais diversificadas: tocam<br />
em bandas de rock, fazem parte de grupos de pagode, funk, hip hop<br />
(DAYRELL, 2002) participam de escolas de samba, cantam em corais<br />
de igrejas, tocam em bandas ou fanfarras. As preferências musicais dos<br />
adolescentes estão ligadas a gêneros musicais que para eles possuem um<br />
significado relacionado à liberdade de expressão e de mudança. Ou seja, a<br />
relação que mantêm com a música representa uma manifestação de uma<br />
identidade cultural caracterizada por dupla pertença: classe de idade e do<br />
meio social (GREEN, 1987, p. 100).<br />
Referindo-se aos gêneros musicais que são difundidos pela mídia,<br />
Green (1987, p. 100) acredita que estes “[...] fazem parte de um processo de<br />
socialização, através dos quais os adolescentes criam suas relações sociais”.<br />
Segundo a autora, esses gêneros musicais “revestem-se aos olhos dos<br />
adolescentes de uma importância superior àquelas que se ligam às relações<br />
‘obrigatórias de família’. É por isso que o adolescente, que é quase sempre<br />
um aluno, sente uma impressão muito forte de liberdade com esses gêneros<br />
musicais” (GREEN, 1987, p. 100).<br />
20
Pais (1993, p. 104) define a música como um signo juvenil geracional,<br />
pelo fato de os jovens atualmente se envolverem “[...] muito mais com<br />
a música do que as gerações mais velhas”. Em relação às preferências<br />
musicais dos jovens, o autor revela que estas “são acompanhadas de atitudes<br />
específicas que reforçam, – mas também ultrapassam – os gostos musicais”,<br />
apontando a questão das “escolhas emblemáticas”, tais como vestuário,<br />
cortes de cabelo, discotecas que tocam determinados tipos de música e que<br />
representam “[...] elementos de identificação dos grupos, dando suporte a<br />
uma certa ‘moral de convivência’ por conivência de gostos” (PAIS, 1993, p.<br />
104).<br />
Apoiados nesses autores, pretendemos discutir como as novas<br />
mídias e a sua naturalização no dia a dia têm provocado outras maneiras<br />
de aprender música, ilustrando-a através de recortes dos dados empíricos<br />
recolhidos por pesquisas recentes 1 . O conceito de aprender nestas<br />
investigações incluiu não somente aprendizagem de conteúdos, geralmente<br />
atribuída à escola, mas também suas competências emocionais e sociais,<br />
uma vez que a experiência com os meios de comunicação considera os<br />
processos de impregnação cotidiana e a imitação, realizados no plano<br />
individual e no coletivo, normalmente no encontro com outras crianças<br />
em casa ou na escola. Privilegiando as abordagens qualitativas os estudos<br />
buscam compreender como as pessoas, sobretudo jovens e crianças, dão<br />
sentido às músicas que ouvem e vêem no dia a dia e que de, certa forma,<br />
lhes oferecem um sentido para si próprias.<br />
É incontestável que a onipresença da música através das mídias<br />
influencia a vida musical dos jovens. No entanto, como essa influência<br />
se manifesta, é uma discussão controvertida. A visão geral sobre diversas<br />
mídias em sua gênese histórica, suas características mais importantes e sobre<br />
1 Aqui fazemos referências a trechos de entrevistas realizadas por Ramos (2002) e Schmeling<br />
(2005).<br />
21
as formas de assimilação pelos jovens abre um espaço de possibilidades que<br />
quase não admite enunciados generalizados sobre as mídia. Ou seja, cada<br />
mídia teria sua especificidade e desenvolvimento ao longo da história.<br />
As mídias integram de maneira “natural” o contexto das crianças e<br />
dos jovens, observando que em seus quartos, “[...] não é possível perceber<br />
a realidade do mundo a não ser através de mídia [...] enriquecem o mundo<br />
dos sentidos. Tais como olhos e ouvidos, prestam seu serviço sem serem<br />
percebidos” (SCHLÄBITZ, 1996, p. 283).<br />
A investigação realizada por Baacke et al. (1998), reflete sobre a<br />
popularidade e a multifuncionalidade da audição musical na vida dos<br />
jovens de hoje. Das 14 funções listadas pelos autores destacam-se:<br />
Sinais de reconhecimento para determinadas<br />
culturas juvenis que se destacam de outros através<br />
de determinadas preferências musicais; fonte de<br />
informações sobre novos estilos de vida, modas,<br />
formas de conduta, etc; delimitação diante de<br />
adultos que não aceitam a música Pop; estímulos<br />
para sonhos e anseios próprios; criação de<br />
identidades através da descoberta de movimento<br />
e corporeidade na dança; solicitação desafio para<br />
a ação, o ser-ativo, o protesto; possibilidade de<br />
isolamento do cotidiano, o que se torna possível<br />
pela colocação de fones de ouvido; possibilidade<br />
de identificação com figuras-padrão como astros<br />
de rock; expressão de protesto e oposição contra<br />
a cultura do cotidiano; recurso para alegrar-se,<br />
melhoria do ânimo, e controle da disposição<br />
(VOLLBRECHT et al., 1997, p. 37).<br />
A maioria dos jovens necessita da música não apenas como fundo<br />
musical, e sim, pode-se dizer, como elemento do cotidiano vivido, do qual<br />
ele não pode ser separado.<br />
22
Ana: Quando eu estou de castigo, eu fico dentro<br />
de casa vendo televisão e escutando o rádio. Ainda<br />
mais quando o meu pai está trabalhando como<br />
agora, minha mãe também, as minhas irmãs ficam<br />
na rua, só fica eu e minha irmã. Tem vez que eu<br />
desligo a televisão e vou direto pro rádio... a gente<br />
arruma a casa, pega as vassouras e fica dançando.<br />
(RAMOS, 2002, p. 121).<br />
Temas escolares e também as diversões tornam-se difíceis, quase<br />
impossíveis, sem fundo musical. O argumento pedagógico da “distração”<br />
nas tarefas escolares pela música parece ter-se transformado no oposto:<br />
somente através do som acompanhante é favorecida a disposição e<br />
capacidade de concentração.<br />
Hoje eu até fui na coordenação e daí falei pra<br />
coordenadora: ´com todo respeito, eu vou te<br />
desrespeitar agora, e vou te informar que, apesar de<br />
ser proibido o uso no colégio de walkman, eu vou<br />
continuar ouvindo´. Falei pra ela: ´vou informar<br />
que eu vou continuar ouvindo.´Porque desde que<br />
eu sou pequeno eles dizem que é proibido, senão,<br />
a gurizada já ouve no meio da explicação, vira<br />
algazarra, quer pedir emprestado, que não sei o<br />
quê, me empresta fita, me empresta CD, não sei<br />
quê, meu fone tá estragado, claro que acontece isso,<br />
mas quando chega a hora de fazer um exercício<br />
[...] Bah, aquela barulheira em volta, [tu] bota teu<br />
fone, te fecha no teu mundo e faz teu trabalho.<br />
(SCHMELING, 2005, p. 68).<br />
Nesta situação, observa-se transformações na estrutura da<br />
percepção, já investigadas por alguns autores como a capacidade dos jovens<br />
de se concentrarem em “vários canais” ao mesmo tempo. Principalmente<br />
adolescentes utilizam o CD como um pano de fundo de determinadas<br />
23
necessidades e interesses. Não o ouvem inteira, pelo contrário, predomina<br />
uma percepção motivada por experiências próprias, quer dizer: certas<br />
cenas e passagens são ouvidas de novo, enquanto outras nem são percebidas<br />
porque não lhes são de importância. A partir do que ouvem do conteúdo<br />
dos CDs pode-se tirar conclusões de seu estado de ânimo.<br />
Também as crianças frequentemente escutam rádio ao lado de outras<br />
atividades. As crianças aproveitam o rádio como meio de retração, ou em<br />
companhia de outras, quando assume a função de acompanhamento de<br />
outras atividades. Ver televisão e ouvir rádio simultaneamente lhes parece<br />
uma tarefa muito simples. Coloca a criança em situações de selecionar,<br />
escutar, cantar e dançar.<br />
Entrevistadora: Tu disseste que quando estás<br />
limpando a casa, tu ligas a televisão e o rádio, pra<br />
ficar escutando e ficar vendo, né?<br />
Elisa: É.<br />
Entrevistadora: E por que tu ligas os dois juntos?<br />
Elisa: Porque quando tá dando música boa no rádio,<br />
eu abaixo a televisão, e escuto o rádio e danço. E<br />
quando tá dando coisa boa, música boa assim na<br />
televisão, eu abaixo o rádio e levanto a televisão [...]<br />
(RAMOS, 2002, p. 122).<br />
As mídias auditivas estão firmemente ancoradas no dia-a-dia<br />
das crianças (RAMOS 2002; SCHMITT 2004). Em seu uso reflete-se<br />
principalmente a variedade de funções da música, à qual as crianças<br />
recorrem. Ela corresponde à necessidade de relaxamento, autodeterminação,<br />
movimento corporal e animação.<br />
Entrevistadora: Olha aqui, vocês ligam a televisão<br />
[...]<br />
Joel: Ligamos.<br />
24
Entrevistadora: E ficam trocando de canal pra<br />
ver onde está dando música, se está dando<br />
música vocês param. Me conta como é que é essa<br />
história?<br />
Joel: A gente não sabe onde tem música. Aí a gente<br />
bota no canal que tem música, daí a gente sabe a<br />
música já canta, se abala, se levanta do sofá, da<br />
cama, de qualquer coisa, começa a cantar, dançar,<br />
daí a gente se abala demais. Vai trocando até achar a<br />
música. (RAMOS, 2002, p. 108).<br />
Os aparelhos de som, em especial, possibilitam uma disponibilidade<br />
a qualquer hora e uma utilização diferenciada, de acordo com o estado de<br />
ânimo. Os aparelhos estão embutidos no dia a dia e ritualizados a ponto de<br />
estar equiparado a outras possibilidades de lazer, não-midiais.<br />
Ana: Até na rua de vez em quando as minhas<br />
amigas ficam dançando. Ontem mesmo era o dia<br />
das mães, e elas estavam dançando aqui, fazendo<br />
umas apresentações. Na minha rua todo mundo<br />
dança e canta. Até essa casa da esquina, na maioria<br />
das vezes, eles estão com o rádio ligado. Hoje é um<br />
milagre eles não estarem com o rádio ligado. E ali na<br />
casa da minha vizinha, também é um milagre não<br />
estarem com o rádio ligado de manhã. Ela liga bem<br />
de manhã cedo quando acorda, só que ela espera a<br />
gente acordar, e depois ela liga pra não incomodar.<br />
Ela liga às 8 horas. (RAMOS, 2002, p. 74).<br />
Para além das mídias<br />
Os padrões de preferência dependem das próprias crianças e dos<br />
jovens, de acordo com as concretas situações e perspectivas de vida e de<br />
experiências individuais.<br />
25
Entrevistadora: Gostas dessa música do Milton<br />
Nascimento?<br />
Duca: Não. Eu acho que é de criança essa música.<br />
Entrevistadora: E o que é uma música de criança?<br />
Duca: Música de criança é que [...] não sei como<br />
te dizer [...] eu gosto de música que tem realidade<br />
mesmo.<br />
Entrevistadora: O que é música que tem realidade?<br />
Duca: Realidade pra mim é negócio de drogas, de<br />
popozuda. (RAMOS, 2002, p. 84).<br />
A recepção dos produtos da mídia não se dá de forma passiva, mas<br />
sim através de um processo “ativo e criativo”, como propõe Thompson<br />
(1998). Ao receber novos conhecimentos e informações, os indivíduos estão<br />
interagindo e reinterpretando estes elementos conforme sua experiência,<br />
sua bagagem cultural e afetiva. Para este autor, “[...] o sentido que os<br />
indivíduos dão aos produtos da mídia varia de acordo com a formação e as<br />
condições sociais de cada um, de tal maneira que a mesma mensagem pode<br />
ser entendida de várias maneiras em diferentes contextos” (THOMPSON,<br />
1998, p. 42).<br />
Ainda segundo o autor, a interpretação de uma mensagem, seu<br />
“significado” ou “sentido” deve ser avaliado como<br />
“[...] um fenômeno complexo e mutável,<br />
continuamente renovado e, até certo ponto,<br />
transformado, pelo próprio processo de recepção,<br />
interpretação e reinterpretação. O significado que<br />
uma mensagem tem para um indivíduo dependerá<br />
em certa medida da estrutura que ele ou ela traz<br />
para o sustentar” (THOMPSON, 1998, p. 44-45).<br />
26
No campo da interação social TV, rádio e outras mídias podem<br />
levar crianças e adolescentes a participar da configuração afetiva do<br />
relacionamento e tornar-se relevante para a participação ou delimitação do<br />
círculo de amizades ou da família. Além disso, a TV e os transmissores de<br />
som oferecidos especialmente a crianças encerram um “capital” pedagógico<br />
que não deve ser subestimado.<br />
Entrevistadora: Parece que tu gostas de cantar junto<br />
com o Joel e o Jonas.<br />
Duca: Sim.<br />
Entrevistadora: E por quê?<br />
Duca: É que eu gosto de cantar porque eles sabem as<br />
músicas que eu sei cantar. Algumas não sei, só o Joel<br />
e o Jonas cantam essas músicas. Aí eles me ensinam.<br />
É que daí, sozinho, não consigo. Eu não fico com<br />
vontade de cantar. Só com alguém. Sozinho, não<br />
consigo. (RAMOS, 2002, p. 149).<br />
De acordo com a análise de Ramos (2002, p. 150),<br />
[...] para as crianças não existe um local específico<br />
para aprender. A relação da criança com a música<br />
estabelecida entre o mundo televisivo e o Escolar<br />
está no próprio ato de querer aprender e como<br />
aprender. O local não define a relação, o que define<br />
é a música que está presente nesses dois mundos.<br />
Existe o mundo televisivo, que se constitui das<br />
interações entre a criança, a música e a televisão. No<br />
mundo Escolar, as interações se estabelecem entre a<br />
criança, a música e outras crianças.<br />
Entrevistadora: A turma e a Escola são importantes<br />
pra tu aprenderes essas canções?<br />
Ana: São. Sem elas, professora, se a gente não tiver<br />
uma companhia, a gente nunca aprende, sempre<br />
tem alguém pra ajudar a gente.<br />
Entrevistadora: Tu gostas então?<br />
Ana: Gosto.<br />
27
Entrevistadora: Aprendes lá em casa [...]<br />
Ana: Em qualquer lugar. Não tem lugar pra mim<br />
aprender [...] qualquer lugar. . (RAMOS, 2002, p.<br />
150).<br />
O ouvir em conjunto, numa roda de amigos, oferece motivação de<br />
diálogo, de conversas, de trocas de experiências e da certeza e afirmação da<br />
mesma preferência/gosto musical. O uso individual espanta o tédio, por<br />
exemplo, durante os temas escolares, como já mencionado. Ela traz uma<br />
disposição emocional, por exemplo, durante a leitura ou serve para superar<br />
maus sentimentos, respectivamente para compensá-los.<br />
Entrevistadora: Tu cantas com teus amigos na<br />
Escola?<br />
Joel: Canto, porque todo mundo abala. Lembra<br />
quando tinha aquele palco ali onde a gente dançava?<br />
Entrevistadora: Sim.<br />
Joel: A diretora botava música, e daí todo mundo<br />
começa a cantar, dançar e chega uma, chega duas,<br />
e daí chega três, chega quatro, até bastante gente, e<br />
todo mundo dança.<br />
Entrevistadora: Isso é importante pra ti?<br />
Joel: É, porque já vê uma pessoa cantando, já se<br />
lembra, já<br />
dança, já abala. Todo<br />
mundo dança.<br />
Entrevistadora: E aí tu aproveitas e cantas com teus<br />
amigos?<br />
Joel: Canto.<br />
Entrevistadora: E a turma e os amigos que tu tens<br />
aqui na Escola são importantes pra tu aprenderes<br />
essas músicas?<br />
Joel: São. Eles cantam a música que eu não sei,<br />
depois no outro dia elas cantam de novo e aí eu já<br />
sei. (RAMOS, 2002, p. 148).<br />
De forma semelhante uma outra criança entrevistada revela:<br />
28
Entrevistadora: Que tipo de música tu cantas na<br />
Escola?<br />
Diane: Às vezes no recreio. Na sala não dá pra cantar<br />
porque a professora não deixa, mas eu consigo.<br />
Entrevistadora: E no recreio, o que tu cantas?<br />
Diane: Eu canto um monte de músicas.<br />
Entrevistadora: Sozinha?<br />
Diane: Às vezes sozinha ou com minhas colegas.<br />
Nós sentamos num banco e cantamos. Eu gosto das<br />
minhas colegas porque são elas que me ensinam.<br />
Entrevistadora: E como é que te ensinam?<br />
Diane: Elas cantam e aí a gente senta num banco<br />
e elas vão me ensinando, aí eu aprendo. (RAMOS,<br />
2002, p. 147).<br />
Essa identificação das crianças com seus pares parece ser uma<br />
referência que a escola insiste em relevar, como se o sentido unívoco do<br />
“estar na escola” estivesse fixada no conhecimento ou na aprendizagem<br />
de conteúdos. Tomar a vida escolar com suas contradições, interrupções<br />
que correspondem à vida cotidiana, à situação real em sociedade tornase<br />
imperioso para que as experiências escolares permaneçam como<br />
experiências significativas (SOUZA, 2000, p. 177-178).<br />
Entrevistadora: Caso tu tenhas que conversar com<br />
a diretora sobre as<br />
músicas dos<br />
alto-falantes, o que tu falarias sobre elas?<br />
Ana: É que ela botou uma música que eu nem sabia<br />
como cantar. Era uma do Zeca Pagodinho [...] eu<br />
não sabia nem dançar. Eu ia pedir pra ela colocar<br />
uma música do É o Tcham, porque sei dançar quase<br />
todas. (RAMOS, 2002, p. 134).<br />
Entrevistadora: O que tu gostarias de perguntar<br />
para a diretora sobre as músicas dos alto-falantes?<br />
Joel: Eu perguntaria pra ela: ‘- Diretora, a senhora<br />
não gosta de música de funk?’. Daí ela: ‘- Sim eu<br />
29
gosto’, ‘- Então porque a senhora não bota lá, todo<br />
mundo já sabe e aí a gente começa a abalá também,<br />
né? (RAMOS, 2002, p. 134).<br />
As crianças interpretam, atribuem significados e filtram o que<br />
circula pela mídia e, assim, inovam a partir de suas experiências e vivências<br />
reais e virtuais. No caso da televisão parte-se do pressuposto de que as<br />
crianças não recebam passivamente aquilo que esse aparato veicula. Ramos<br />
(2002) avalia que as crianças assistem à televisão, e dominam com maestria<br />
o controle do aparelho, e consomem com interesse programas não apenas<br />
destinados a elas, mas também aqueles dirigidos aos adultos.<br />
Ver televisão, não é um ato individual, mas social, porque os meios<br />
se encontram na dimensão do cotidiano infantil e o que circula por esse<br />
aparato suscita e alimenta as interações infantis com a família e com a<br />
escola. As crianças aprendem música a partir da sistematização frente aos<br />
programas de televisão. Elas selecionam os programas diários ou semanais<br />
de que cantores e grupos musicais participam. Os que aprendem se<br />
manifestam de uma maneira espontânea durante o recreio ou na sala de<br />
aula, ou seja, o que a criança aprende sozinha em casa é levado para a escola<br />
numa espécie de “assimilação coletiva” (LURÇAT, 1998).<br />
Ao falar com os colegas da escola sobre os programas que assistem<br />
à televisão, ou sobre algo que escutaram pelo rádio, interagem com os<br />
demais, adaptam-se, questionam, argumentam e percebem que há outros<br />
matizes sociais e culturais. Essa é uma das maneiras pelas quais elas<br />
conhecem o mundo a partir de vivências e experiências musicais comuns<br />
que se expandem e se transformam com e no seu grupo. Nessas interações,<br />
elas tentam decodificar o apreendido, quando misturam ou acrescentam a<br />
suas brincadeiras ou conversas as representações e o conhecimento sobre o<br />
mundo que observam em casa, na escola ou na televisão (RAMOS, 2002).<br />
30
Considerações finais<br />
Os meios de comunicação são fundamentais nas sociedades<br />
contemporâneas, integrando as atividades cotidianas dos indivíduos. Os<br />
meios não apenas promovem interações interpessoais, mas viabilizam<br />
novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um conjunto de<br />
materiais simbólicos. Neste sentido, os media são significativos no processo<br />
de circulação de saberes, de trocas de informações, de transmissão e<br />
apropriação de conhecimentos, de formas de viver e de se expressar,<br />
interferindo na formação dos indivíduos, reconstruindo diariamente,<br />
opiniões, percepções e desejos.<br />
Os usos da música transmitida pelos meios, é hoje, parte<br />
inquestionável do cotidiano dos jovens. Vemos também que novas ofertas<br />
midiáticas como i-pods são aceitas com extrema facilidade. No entanto a<br />
escola parece ainda ignorar as experiências musicais que são feitas pela<br />
mídia, fora do tempo-espaço da escola:<br />
Joel: Eu gosto de ouvir música no final de<br />
semana porque não tem aula e daí eu posso ouvir<br />
bastante. No colégio as professoras colocam às vezes<br />
uns radinhos com músicas só de romance, também<br />
não abala ninguém.<br />
Entrevistadora: A música tem que abalar, Joel?<br />
Joel: Tem que abalar, como é que a pessoa vai cantar<br />
morrendo? (RAMOS, 2002, p. 147).<br />
Com o desenvolvimento dos meios tecnológicos e sua consequente<br />
inovação das práticas musicais, parece importante ouvirmos as crianças e<br />
jovens para que possamos nos aproximar desse novo contexto, conhecendo<br />
assim suas necessidades, expectativas, ideias e conceitos. A nossa busca tem<br />
31
sido descrever os fenômenos pedagógicos musicais com metodologias cada<br />
vez mais aperfeiçoadas e próprias da área. O desafio tem sido propor uma<br />
pedagogia musical coerente com a realidade, numa permanente atualização.<br />
No uso pedagógico de CDs e outras mídias no cotidiano, deve-se<br />
considerar que uma sensibilização do sentido auditivo (como parte de<br />
uma educação estética) geralmente é pensada a partir de uma perspectiva<br />
dos educadores. Porém é necessário não se distanciar do significado que<br />
a música tem para crianças e adolescentes e ignorar as necessidades e as<br />
condições do cotidiano deles. Considerar os aspectos que levam as crianças<br />
e jovens a usar determinados CDs; e que são muito seguros de si quando<br />
compram o que gostam, aquilo que os satisfaz.<br />
Em relação à mídia e aprendizagem, Schläbitz (1996) afirma que<br />
hoje é mais importante saber compreender e manejar do que acumular<br />
conhecimento. Isso equivale a educar a sensibilidade para a diferenciação,<br />
ou seja, para a percepção individual. Não pode ser propósito substituir a<br />
pedagogia musical por entretenimento, de impor o gosto do educador à<br />
criança, mas sim entreter com fantasia e humor, a ponto de satisfazer a<br />
necessidade a qual elas têm direito; satisfazer na criança a necessidade de<br />
empolgação e relaxamento. Pois afinal de contas a criança quer se divertir<br />
com a música e não “aprender”.<br />
Músicas de filmes, histórias de aventuras, de piratas, de fantasmas, de<br />
contos de fadas, não são apenas ouvidas – são vivenciadas. A criança teme<br />
pelo herói que está em perigo, mas ao mesmo tempo sabe do happy end.<br />
Tensão sempre está ligada à tensão/relaxamento e isso para crianças são<br />
experiências muito agradáveis. Porém essas situações não são provocadas<br />
apenas através de conteúdos, mas também através de ruídos e do uso da<br />
música.<br />
32
As transformações que as novas tecnologias trazem, e como os seus<br />
paradigmas afetam a educação musical e a educação em geral, têm sido objeto<br />
de estudo tanto de educadores musicais, como dos educadores de modo<br />
geral. Com os atuais meios de comunicação as crianças estão em contato<br />
com a música nas mais diversas situações. Como tem alertado Souza (2000,<br />
p. 176), “[...] embora normalmente essa vivência não seja acompanhada de<br />
reflexão, é extraordinário o potencial de uma aprendizagem musical efetiva<br />
que aí reside”. Por isso, acreditamos, como escreve Morduchowicz (2001, p.<br />
94-95), que a escola deveria propor:<br />
Uma educação em meios não busca transformar o<br />
capital ou os consumos culturais dos alunos, mas<br />
explorar a relação que os meninos estabelecem<br />
com o mundo (Escolar e não Escolar) e ensinar a<br />
desnaturalizar as representações que o constroem,<br />
cuja compreensão afetará certamente a percepção<br />
que tem do universo, sua observação sobre a<br />
realidade e sua atitude ante o conhecimento.<br />
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2005.<br />
36
Interfaces entre<br />
Comunicação e<br />
Educação, através da<br />
Produção de Mídias<br />
alternativas: possibilidades<br />
emancipatórias<br />
Sandra Maria Farias Loureiro de Souza<br />
(FTC/UNEB)<br />
Maria Olivia de Matos Oliveira<br />
(UNEB)<br />
Introdução<br />
A pesquisa ‘Interfaces entre ‘Educação e Comunicação através<br />
da Produção de Mídias Alternativas: Possibilidades Emancipatórias’ foi<br />
realizada como dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação<br />
em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC, da Universidade do<br />
Estado da Bahia, defendida no ano de 2010.<br />
37
O presente artigo pretende apresentar o percurso metodológico, os<br />
dados coletados e as conclusões resultantes das investigações e reflexões<br />
desenvolvidas durante a pesquisa que abordou a Oi Kabum! Escola de Arte e<br />
Tecnologia, programa não-formal do Oi Futuro, desenvolvido em Salvador<br />
– Bahia, pela organização não-governamental CIPÓ - Comunicação<br />
Interativa. 1<br />
Os processos investigados na referida pesquisa estão fundamentados<br />
na perspectiva das relações entre comunicação e educação, visando as<br />
possibilidades e limites para a participação e inclusão social de jovens de<br />
comunidades periféricas através da produção de mídias alternativas.<br />
O contexto teórico-conceitual da pesquisa<br />
A expansão tecnológica favoreceu a aproximação e a interação com<br />
as TIC dos mais diversos públicos, mesmo aqueles com poucos recursos.<br />
Tornou-se cada vez mais barato adquirir aparatos tecnológicos como<br />
câmeras digitais de fotografia e vídeo, celulares com os mais diferentes<br />
recursos e mesmo computadores, scanners e impressoras, além do acesso<br />
à rede infomatizada – a internet. Através desses aparatos e do acesso à<br />
internet, esses públicos estão produzindo e disseminando mídias – textos e<br />
imagens – com diversidade de discursos para milhões de pessoas em todo<br />
o mundo.<br />
A centralidade das TIC e a produção de mensagens e sentidos<br />
por meio das técnicas e dos processos midiáticos vigentes no mundo<br />
1 A CIPÓ - Comunicação Interativa é uma organização não-governamental, criada em 1999,<br />
em Salvador, BA, reunindo um grupo de profissionais de diferentes áreas: comunicação,<br />
educação e arte que tem como focos a democratização e qualificação dos meios de<br />
acesso, produção e veiculação de mídia e da comunicação; a utilização educativa das TIC;<br />
envolvimento de crianças, adolescentes e jovens na produção de mídia, como jornais, sites,<br />
animações, programas de rádio e TV, vídeos, coletâneas fotográficas, entre outros.<br />
38
contemporâneo são procedimentos que funcionam como mobilizadores de<br />
interações sociais, padrões de comportamento, de consumo e de vida. Neste<br />
movimento ativam também um impulso dialético que estimula o potencial<br />
humano para as transformações, pois tanto podem veicular em larga escala<br />
mensagens e conteúdos que se destinam a manter o status quo, como também<br />
se configuram em terreno fértil para a veiculação de diferentes discursos,<br />
imagens e sons, já que os meios técnicos estão presentes de forma intensa<br />
no cotidiano de todos. Essa condição dialética é analisada por autores<br />
como Santos (2007) e Martin-Barbero (2006), que reconhecem a violência<br />
da informação no mundo globalizado, e que, como afirma Santos (2007,<br />
p. 39), “[...] o que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma<br />
informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde”. O referido<br />
autor avança ainda mais nesta reflexão ao afirmar que esta informação<br />
manipulada “se apresenta como ideologia”.<br />
Dessa forma, ao considerarmos os sistemas contemporâneos de<br />
produção-recepção-disseminação, observamos que há um movimento que<br />
faz a informação circular, produz novas ideias, reflexões e discussões, além<br />
de possibilitar uma maior socialização do conhecimento.<br />
No campo da educação, cada vez mais são promovidas reflexões e<br />
discussões acerca do alcance das TIC, tanto em termos de influência que<br />
exercem sobre os sujeitos, instituições, relações e representações sociais,<br />
como em relação às estratégias para se lidar com as transformações que<br />
afetam os modos de acessar e elaborar informações, ideias e conhecimentos.<br />
Evidentemente, as relações educacionais e escolares e as mediações<br />
pedagógicas estão intensamente impregnadas por esse novo mundo<br />
tecnologizado, pois os processos educativos, sejam eles formais ou nãoformais<br />
– não estão isolados dos acontecimentos mundanos e, dessa forma,<br />
reconhece-se que é extremamente difícil estabelecer os rumos que serão<br />
39
traçados nas próximas décadas para a educação frente aos desafios que<br />
ainda precisam se vencidos.<br />
Nesse âmbito, os fenômenos midiáticos da vida cotidiana, abordados<br />
em um contexto educativo, relacionados à realidade dos educandos,<br />
assumem outra dimensão. Considera-se que o caráter multilateral,<br />
proporcionado pelo acesso às TIC, pode se constituir em fomentador de<br />
crítica, de reflexão e de ação em torno de outras visões de mundo e de<br />
outros projetos de vida.<br />
As mídias alternativas configuram-se em processos de produção<br />
midiática que se identificam com processos de resistência, e podem<br />
configurar-se como possibilidades de transformação social, e mesmo de<br />
subversão das relações de produção e recepção. Downing (2002) trata da<br />
temática das mídias alternativas por meio de uma ampla reflexão acerca do<br />
potencial intrínseco que essa produção pode oferecer, no sentido de romper<br />
com as relações hegemônicas estabelecidas no mundo contemporâneo pela<br />
forte incidência das mídias. Traça um panorama através do qual procura<br />
demonstrar que as mídias alternativas sempre tiveram lugar na história<br />
da humanidade, atestando o caráter não-conformista e a vocação para a<br />
resistência por parte dos sujeitos.<br />
O referido autor alerta para as possibilidades que se apresentam<br />
ao se reconhecer e fomentar essas produções consideradas alternativas,<br />
autônomas, experimentais e mesmo marginais, que são potencializadas<br />
pelo extensivo alcance das Tecnologias da Informação e da Comunicação<br />
(TIC) que vivenciamos em escala global.<br />
Essa discussão é perpassada por uma problemática crucial: o<br />
papel emancipador da educação. O entendimento acerca do trabalho<br />
educativo como prática política, assim como defendido por Giroux (1983),<br />
que se alinha a Freire (2007), o qual relaciona cultura política, educação<br />
40
e transformação, em uma perspectiva por meio da qual a educação é<br />
concebida como um projeto de vida pessoal e coletivo e parte das demandas<br />
sociais e culturais dos sujeitos, sobretudo aquelas relacionadas à educação<br />
das camadas populares. O sujeito, ao vivenciar processos educativos mais<br />
implicados com uma visão política e com uma leitura crítica do mundo<br />
seria, consequentemente, levado a uma concepção mais crítica e estaria<br />
mais apto a fazer escolhas voltadas para seus reais interesses, baseados em<br />
projetos dimensionados pessoal e coletivamente.<br />
A educação, nesta perspectiva, cumpriria o papel de articular a<br />
reflexão com a ação, ao realizar a mediação entre informação, conhecimentos,<br />
ideias e valores veiculados pelas mídias. Este papel consistiria em atuar<br />
como agente de elaboração, transformando informações em conhecimento,<br />
ao desenvolver uma visão crítica das produções e mediações midiáticas, que<br />
estão presentes em todos os setores da vida. Um processo de ressignificação<br />
de ideias, conceitos, valores e propósitos através da reflexão crítica e da<br />
criação de um discurso próprio, como educandos e como sujeitos históricos.<br />
Silva (2006, p. 68), ao refletir sobre os desafios contemporâneos da<br />
educação frente à comunicação afirma:<br />
A escola não se encontra em sintonia com a<br />
emergência da interatividade. Encontra-se alheia<br />
ao espírito do tempo e mantém-se fechada em si<br />
mesma, em seus rituais de transmissão, quando<br />
seu entorno modifica-se fundamentalmente em<br />
nova dimensão comunicacional. Para Martín-<br />
Barbero, um dos pesquisadores mais atentos à interrelação<br />
comunicação e educação, pode-se falar<br />
em ‘esquizofrenia entre modelo de comunicação<br />
que configura uma sociedade progressivamente<br />
organizada sobre informação e o modelo<br />
hegemônico que subjaz o sistema educativo’.<br />
41
É certo que os alunos trazem um conhecimento, construído social<br />
e culturalmente, em grande parte, permeado pela mídia. A percepção<br />
dessa dinâmica pode vir a trazer um novo sentido às relações educativas.<br />
Faz-se necessário reconhecer o que é trazido pelo aluno para os espaços<br />
de conhecimento e conferir significado a uma produção socialmente<br />
construída, e que, via de regra, é considerada como fora do espaço escolar.<br />
Uma produção marginal. Ressignificar esse conteúdo para o aluno, ao<br />
estabelecer as relações desse conteúdo com a vida, talvez seja um ponto de<br />
partida para uma mediação pedagógica que leve em consideração a vida<br />
cotidiana e as necessidades e demandas sociais dos sujeitos implicados.<br />
Nesse contexto, a construção do conhecimento deixa de ser apenas uma<br />
ação cognitiva, e passa a ser reconhecida também como uma produção<br />
social (a qual já é, de fato), mediada por sistemas simbólicos dos quais os<br />
sujeitos dispõem e podem mobilizar a seu favor, como forma de interagir<br />
com mais significado com as diversas vertentes do saber e do conhecimento<br />
humanos. Nessa perspectiva, a mídia atuaria não apenas como produtorareprodutora<br />
de cultura, mas também como espaço de luta simbólica. Um<br />
espaço onde os sujeitos, através de uma visão crítica do conhecimento<br />
e da educação para a vida, teriam a oportunidade de rever seu papel no<br />
mundo, como possíveis participantes, construtores e sujeitos desse mesmo<br />
conhecimento.<br />
O problema da pesquisa<br />
O problema principal desse estudo procurou reconhecer os processos<br />
comunicacionais e tecnológicos presentes na experiência em produção<br />
midiática realizada pela Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, através<br />
das TIC, buscando identificar possibilidades e limites para a inclusão social<br />
de jovens de comunidades populares.<br />
42
Assim, foram propostos os seguintes pontos para questionamento,<br />
reflexão e discussão, a partir do problema: 1. Quais as demandas<br />
socioculturais requeridas pelos sujeitos da pesquisa em termos de<br />
informação, educação e comunicação? 2. Quais as conexões entre a<br />
formação dos jovens no programa em estudo e a apropriação, uso das<br />
mídias e das TIC e as possibilidades e limites para a inserção social?<br />
Como objetivo geral, este estudo buscou analisar os processos<br />
educacionais, comunicacionais e tecnológicos, visando identificar<br />
possibilidades e limites para a inclusão social de jovens de comunidades<br />
populares, através das análises dos conteúdos presentes nas comunicações<br />
e depoimentos colhidos dos jovens egressos do referido programa<br />
educacional.<br />
Para isso, foram propostos os seguintes objetivos específicos:<br />
identificar junto aos sujeitos da pesquisa as demandas socioculturais<br />
por informação, educação e comunicação; identificar conexões entre a<br />
formação de jovens de comunidades populares em um programa educativo,<br />
a apropriação e uso desse conteúdo por esse público-alvo e as repercussões<br />
na vida desses sujeitos; caracterizar as formas de participação, apropriação e<br />
disseminação da produção e do uso da tecnologia por parte desses sujeitos.<br />
As reflexões, análises e discussões tiveram como fonte as relações<br />
presentes na interface educação/comunicação/produção midiática/<br />
tecnologias, que levou em consideração as contradições presentes nesta<br />
relação tão complexa. Os processos investigados têm como fundamentos<br />
a leitura crítica das mensagens midiáticas que circulam na sociedade, por<br />
meio da leitura crítica do mundo e da mídia, a produção midiática (no<br />
processo educativo e fora dele) e a participação em processos educativos<br />
e interativos por meio das TIC, que são as bases da metodologia educativa<br />
pesquisada.<br />
43
Os sujeitos da pesquisa<br />
O público-alvo para o qual se volta o programa educativo investigado<br />
é formado por adolescentes e jovens em fase de escolarização e preparandose<br />
para o mundo do trabalho. Cada turma é formada por jovens que podem<br />
estar no final do Ensino Fundamental (a partir do 7º ano), cursando um dos<br />
três anos do Ensino Médio ou são recém-egressos do 3º ano. São estudantes<br />
de escola pública e moradores das regiões periféricas do Nordeste de<br />
Amaralina e do Subúrbio Ferroviário. Recentemente, passaram a integrar o<br />
programa, adolescentes e jovens do Centro Histórico de Salvador.<br />
Comunidades como o Subúrbio Ferroviário, formado por cerca de<br />
30 bairros e com uma população em torno de 600 mil pessoas e o Nordeste<br />
de Amaralina, com uma população de cerca de 100 mil habitantes e<br />
composto por quatro bairros, surgidos através da ocupação desordenada,<br />
apresentam condições ainda precárias de urbanização e de qualidade de<br />
vida. Os adolescentes compõem grande parte da população desses bairros.<br />
São jovens que buscam alternativas para as situações de exclusão em que<br />
vivem, e buscam participar de atividades culturais e artísticas, porém o<br />
que lhes é oferecido não dá conta de mantê-los distantes das situações de<br />
criminalidade e violência que são características desses bairros.<br />
A trilha metodológica<br />
A abordagem para apreensão e análise tem por base a concepção<br />
dialética, levando em consideração que um campo de grandes conflitos, em<br />
diferentes níveis, se apresenta e demanda a possibilidade de confrontarmos<br />
elementos contraditórios, em busca de uma síntese. Essa síntese precisa<br />
levar em conta aspectos sociais, econômicos, culturais, históricos, mas que<br />
44
não se anulem as subjetividades presentes e que seja possível privilegiar<br />
a complexidade humana e suas possibilidades/potencialidades de<br />
emancipação.<br />
A opção pelo estudo de caso (GOLDENBERG, 1998) visou conhecer<br />
o mais profundamente possível o funcionamento da proposta educativa e<br />
suas relações com os contextos relacionados, nos aspectos sociocultural,<br />
tecnológico, comunicacional e educacional, para assim ser possível<br />
identificar uma contribuição mais efetiva das possibilidades oferecidas e<br />
dos seus limites.<br />
Nas análises desenvolvidas acerca dos objetivos e das ações do<br />
programa, procurou-se descrever e fazer a reflexão sobre quais seriam as<br />
lógicas identitárias implicadas nos processos e relações entre os diversos<br />
elementos presentes, qual o conteúdo crítico que emerge no trabalho e<br />
nas atividades pedagógicas e como esse conteúdo está relacionado e pode<br />
contribuir para uma aprendizagem significativa dos envolvidos, por meio<br />
das mediações realizadas durante as atividades. Além disso, quais seriam as<br />
relações que se estabelecem frente ao uso da tecnologia para esse processo<br />
educativo. Que reflexões e posicionamentos críticos foram provocados nos<br />
participantes e qual a relevância para o contexto de vida dos jovens e para<br />
suas demandas por conhecimento, comunicação e educação, ou seja, para<br />
sua inserção social.<br />
O processo de observação das atividades foi fundamentado a<br />
partir de algumas questões centrais. Esta observação foi realizada pela<br />
pesquisadora durante a sua própria atuação enquanto coordenadora<br />
pedagógica do programa, não sendo possível determinar o número de<br />
horas dispendido no processo.<br />
As atividades observadas possuíam como um dos focos principais<br />
a leitura crítica da mídia. Um ponto importante a ser observado, referiu-<br />
45
se às práticas educativas descritas e como estas estimulariam formas do<br />
educando estabelecer relações com suas vivências e com uma visão de<br />
mundo mais ampla.<br />
Por outro lado, tentou-se estabelecer uma ligação entre o potencial<br />
de aprendizado e a análise crítica da produção midiática, tanto aquela<br />
oriunda da mídia oficial, como a produzida durante o processo educativo.<br />
A produção midiática desenvolvida pelos jovens foi descrita<br />
destacando as mediações presentes nas atividades para a criação dos<br />
produtos, e também nos planejamentos e nas estratégias de pesquisa<br />
desenvolvidas pelo programa educativo, que são base para a elaboração<br />
pelos jovens dos produtos midiáticos, tanto em relação aos conteúdos,<br />
quanto a formatos, contemplando a elaboração de textos e registro de<br />
imagens.<br />
Foram também descritos os processos relacionados à apropriação<br />
das tecnologias, presentes nos processos de desenvolvimento das atividades<br />
e utilizadas no desenvolvimento dos produtos midiáticos. É importante<br />
ressaltar que, neste contexto específico, entende-se o produto como a<br />
concretização da aprendizagem, resultado do processo e totalmente<br />
implicado com ele. Não se pretende estabelecer aqui uma relação de produto<br />
enquanto lógica de mercado. O produto, neste caso, seria o reflexo das<br />
mediações presentes no processo, a partir da análise do perfil dos sujeitos,<br />
dos conteúdos críticos relacionados com esses sujeitos e as representações<br />
identitárias contidas nesta produção.<br />
A partir das entrevistas realizadas, tentou-se traçar uma conexão<br />
entre os processos de aprendizagem e os resultados para os jovens acerca da<br />
inserção social através do mundo do trabalho. Afinal, a formação tem como<br />
um dos objetivos principais a formação técnica e uma possível inserção no<br />
mundo do trabalho.<br />
46
Um ponto de ancoramento, fio condutor das análises, foi a discussão<br />
que se estabeleceu entre a formação e a participação social dos jovens,<br />
principalmente em seus entornos - comunidade. Nessa perspectiva, uma<br />
questão observada foi a articulação ou não entre as práticas educativas com<br />
os processos potenciais de emancipação presentes na proposta educacional<br />
pesquisada. Que potencialidades e limites se apresentaram, de forma<br />
explícita ou implícita no Programa Oi Kabum! e com quais oportunidades<br />
e aprendizados os adolescentes foram confrontados? Como a proposta em<br />
questão se articula com as reflexões da presente investigação? Quais os<br />
resultados da formação dos jovens frente aos desafios que enfrentam?<br />
Foram usados diferentes métodos e instrumentos de coleta de dados:<br />
entrevista semiestruturada; análise de documentos e materiais produzidos<br />
sobre o processo formativo desenvolvido, como fichas de inscrição,<br />
relatórios, planejamentos e avaliações; observação e participação em<br />
atividades e procedimento pedagógicos, que ocorreram durante a própria<br />
atuação da pesquisadora como coordenadora pedagógica do programa<br />
educacional. Consideramos de grande importância, para a análise, essa<br />
participação.<br />
A pesquisa foi estruturada da seguinte forma: foram entrevistados<br />
30 jovens da Turma I (2004 – 2006), sete jovens da Turma <strong>II</strong> (2006 – 2008),<br />
somando 37 jovens no total; foram coletados os dados atualizados referentes<br />
à idade, à escolaridade e inserção no Mundo do Trabalho dos 30 jovens da<br />
turma I e dos sete jovens da Turma <strong>II</strong>.<br />
Procurou-se, nas entrevistas, identificar as expectativas e as<br />
repercussões da formação para as escolhas e trajetórias desses jovens.<br />
Em relação aos dados quantitativos, relacionados à faixa etária, à<br />
escolaridade e à situação de trabalho, foram elaborados gráficos para que<br />
ficasse visível parte da trajetória desse grupo. Nestes gráficos constam os<br />
47
números referentes à conclusão do Ensino Médio, acesso à universidade<br />
e situação atual de trabalho dos 37 jovens. Os nomes dos jovens foram<br />
preservados para garantir o anonimato.<br />
O método de análise dos dados buscou inferir as mensagens contidas<br />
nas falas e expressões dos sujeitos das pesquisas, por meio da análise das<br />
comunicações e diálogos estabelecidos no processo de coleta.<br />
Para a análise qualitativa dos dados, foram consideradas relevantes as<br />
categorias presentes nas comunicações dos sujeitos, previamente definidas<br />
a partir dos objetivos e das propostas dos programas investigados.<br />
Assim, dentre as diversas técnicas de Análise de Conteúdo de Bardin<br />
(2009, p. 199), foi escolhida a análise por categorias que:<br />
Funciona por operações de desmembramento<br />
do texto em unidades, em categorias segundo<br />
reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes<br />
possibilidades de categorização, investigação dos<br />
temas, ou análise temática, que é rápida e eficaz<br />
de se aplicar a discursos diretos (significações<br />
manifestas) e simples.<br />
Em consonância com a técnica escolhida, as respostas às entrevistas,<br />
tratadas como texto, foram separadas em unidades de registro. As unidades<br />
de registro podem ser divididas em palavras ou em temas. Esses temas<br />
são “unidades de significação que se libertam do texto analisado segundo<br />
certos critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura” (BARDIN,<br />
2009, p. 131). São também “núcleos de sentido”, que correspondem ao teor<br />
das comunicações. São analisados em termos de “frequência de aparição”<br />
e “podem significar alguma coisa para o objetivo analítico”. A técnica que<br />
48
enfatiza a análise temática é apropriada para as análises que buscam deduzir<br />
a partir de hipóteses, em direção a novas hipóteses.<br />
Para a aplicação desta técnica foram definidas algumas categorias<br />
para as análises, baseadas nos próprios objetivos do programa pesquisado:<br />
• Contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma<br />
a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o<br />
estigma a que estão associados;<br />
• Formar adolescentes de bairros populares para participarem<br />
ativamente da melhoria de suas comunidades, utilizando a<br />
comunicação e a arte como ferramentas da transformação<br />
social;<br />
• Promover a inserção qualificada de jovens no mundo do<br />
trabalho;<br />
• Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade<br />
técnica, conceitual e estética com e para adolescente sobre<br />
temas relevantes para os jovens e para as comunidades onde<br />
residem.<br />
Como diretrizes gerais para a análise dos dados:<br />
1. Objetivos do programa educativo ao realizar suas ações e<br />
atividades.<br />
2. A fundamentação teórica que medeia a discussão e a análise<br />
dos dados.<br />
3. As comunicações feitas pelos sujeitos da pesquisa.<br />
4. Os dados levantados pela pesquisa.<br />
49
Análise dos dados: possibilidades emancipatórias<br />
Para realizar as análises considera-se relevante partir das seguintes<br />
questões: qual a contribuição social do referido programa educacional<br />
para as comunidades dos jovens participantes e qual o olhar desses jovens<br />
acerca do referido programa? Para além dos objetivos declarados em seus<br />
documentos institucionais, qual é a avaliação feita pelos jovens em relação à<br />
contribuição do programa para uma maior participação social e intervenção<br />
comunitária?<br />
Ao serem perguntados se acreditavam “que o aprendizado<br />
desenvolvido durante o programa educativo contribuiu para modificar<br />
a atuação em relação à comunidade e de que forma aconteceu essa<br />
modificação”, a maioria das respostas aponta para uma visão individualizante<br />
do programa:<br />
Comunidade..., não mudou significativamente, pois um projeto como<br />
este não é abrangente a todos os jovens da comunidade, e enquanto papel<br />
de multiplicador nas comunidades por conta da vida corrida que todos<br />
levamos, ingresso no mercado de trabalho e formação acadêmica, não<br />
houve iniciativa da minha parte juntamente com a falta de projetos voltados<br />
para este fim na comunidade, no qual eu pudesse fazer em paralelo os dois<br />
papéis, multiplicador e tirar o sustento. (Jovem da Turma I - 2004 – 2006).<br />
Ou ainda:<br />
O olhar mudou de apenas reclamão para crítico, mas nunca quis me<br />
envolver numa atuação mais direta em prol da comunidade. (Jovem da<br />
Turma I - 2004 – 2006).<br />
50
Estou vivendo aquele ditado, ‘casa de ferreiro, espeto de pau’; ainda não tive<br />
a oportunidade de passar para a galera da minha comunidade o que aprendi<br />
durante esses 3 anos. (Jovem da Turma <strong>II</strong> - 2006 – 2008).<br />
Esses são alguns exemplos das respostas dadas a essa proposição.<br />
Dos 37 depoimentos colhidos, dentre os jovens das duas turmas formadas,<br />
apenas 4 jovens demonstraram ter realizado ações continuadas nas<br />
comunidades. Ou seja, praticamente 90% dos jovens entrevistados não<br />
atuam nas comunidades como multiplicadores de conhecimento ou<br />
mobilizadores sociais. No entanto, grande parte dos jovens declara que<br />
o programa fomentou uma visão crítica sobre a comunidade, sobretudo<br />
ao reconhecer as qualidades positivas, a cultura local e o valor de seus<br />
moradores:<br />
Vejo a comunidade de forma mais construtiva e acolhedora, mas me sinto<br />
de mãos atadas para uma intervenção mais direta em prol da comunidade.<br />
Tudo isso devido à dinâmica da vida atual: trabalho, estudo etc. (Jovem da<br />
Turma I – 2004 – 2006)<br />
[....] a comunidade tem cultura. [...] a gente tem tipo... é uma coisa nossa ali,<br />
sabe? É uma cultural local, então é legal a gente tá mostrando isso, porque<br />
tem coisas que a gente faz lá que ninguém conhece, isso é meio mirabolante<br />
assim, mas é uma cultura nossa, então. Acho que é legal e a Kabum me<br />
ensinou isso, a ver essa cultura, por mais que todo lugar tenha problema, eu<br />
acho que tem aquela parte bonita, então porque não aproveitar aquela parte<br />
bonita e mostrar? (Jovem da Turma <strong>II</strong> - 2006 – 2008).<br />
Pode-se inferir desses depoimentos que, de forma geral, através<br />
dos jovens, moradores das comunidades, o programa cumpre seu objetivo<br />
51
explicitado de “contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma<br />
a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o estigma a que<br />
estão associados”. Os depoimentos são apoiados pela própria produção<br />
autoral dos jovens, por meio de vídeos, fotografias e materiais gráficos.<br />
Esta produção, elaborada durante a formação e com desdobramentos em<br />
projetos multimídia desenvolvidos no Núcleo de Produção e também em<br />
participação em editais de fomento à produção audiovisual e em festivais,<br />
demonstram a capacidade dos jovens de criar e veicular imagens e sons<br />
baseados nesta valorização da cultura local. Não há um temor nem vergonha<br />
de mostrar as comunidades e seus moradores e valorizar a produção<br />
cultural local.<br />
Um depoimento de um jovem morador do Subúrbio Ferroviário, formado<br />
na Turma <strong>II</strong> (2006 – 2008) atesta o valor e a relevância desse conteúdo da<br />
formação:<br />
Eu produzi o vídeo ‘Candomblé Visão Jovem’, que falava um pouco sobre a<br />
vida do jovem, como ele se insere dentro do Candomblé, então isso foi uma<br />
história do jovem dentro de um terreiro que ele participava. [...] quando a<br />
gente tava na Kabum a gente produziu o vídeo ‘A Cidade de Plástico’ que<br />
foi uma experiência nossa. Então a gente tava convivendo no dia-a-dia com<br />
aquelas pessoas, as pessoas tavam fazendo suas casas de plástico dentro da<br />
comunidade, então nos interessou isso. Não teve nenhum custo, nem nada,<br />
apenas a Kabum nos ajudando. Esse vídeo ganhou (o festival). 2<br />
2 O vídeo-documentário ‘Candomblé Visão Jovem’ foi realizado através de edital interno<br />
promovido pelo Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores e foi selecionado para o<br />
Festival Olhar Circular de <strong>Cultura</strong> Livre 2009, em Alagoas. ‘A Cidade de Plástico’ foi um<br />
vídeo- documentário realizado por jovens da Turma <strong>II</strong> (2006 -2008) da Oi Kabum!, que<br />
mostra a ocupação pelo MSTS (Movimento dos Sem Teto de Salvador) de uma área baldia,<br />
próxima à Lagoa da Paixão, que denominaram A Cidade de Plástico, localizada no Surbúbio<br />
Ferroviário no bairro de Periperi, Salvador, Bahia. O vídeo recebeu o prêmio da IV Mostra<br />
Baiana de Videoclipes 2008, foi selecionado para o Goiânia Mostra Curtas 2008, para o<br />
Festival Olhar Circular de <strong>Cultura</strong> Livre 2009 – Alagoas, e para o Festival Imagens da <strong>Cultura</strong><br />
Popular, promovido pela ONG ‘Favela é Isso Aí’, de Belo Horizonte. Pode ser acessado no site<br />
de vídeos .<br />
52
Segundo Martín-Barbero (2006, p. 15):<br />
[...] a comunicação e a cultura constituem hoje um<br />
campo primordial da batalha política: estratégico<br />
cenário que exige que a política recupere sua<br />
dimensão simbólica – sua capacidade de representar<br />
o vínculo entre cidadãos, o sentimento de pertencer<br />
a uma comunidade – para enfrentar a erosão da<br />
ordem coletiva.<br />
Contudo, a partir das falas dos jovens, percebe-se que os mesmos<br />
não se dão conta plenamente desse potencial mobilizador da comunicação,<br />
através da produção de mídias. Reconhecem a identificação com os fatos<br />
que acontecem nas comunidades, mas apenas intuem as relações que se<br />
estabelecem entre estes fatos e a participação social e política. Essa dicotomia<br />
é expressa por declarações em que os jovens, mesmo estando em condições<br />
de produzir e inserir seus produtos midiáticos, não se vêem como agente de<br />
mudanças fundamentais. Como constatado, a quase totalidade dos jovens<br />
entrevistados declara não estar contribuindo com a comunidade e que, em<br />
suas palavras, neste sentido: “estão de ‘mão atadas’”, “na fase do ‘eu sozinho’”,<br />
de “não contribuir diretamente com a comunidade em que vive”.<br />
Assim, em relação a um dos principais objetivos da Kabum “Formar<br />
adolescentes de bairros populares para participarem ativamente da melhoria<br />
de suas comunidades, utilizando a comunicação e a arte como ferramentas<br />
da transformação social”, não foi possível detectar articulações diretas<br />
significativas, levando-se em consideração as falas dos jovens entrevistados.<br />
Ao se retornar à descrição das atividades educativas do Capítulo<br />
2, constata-se que há um movimento em direção a uma reflexão sobre<br />
o mundo contemporâneo. Segundo afirmação dos educadores, nos<br />
relatórios de ações, os jovens, a partir das atividades de leitura crítica da<br />
53
mídia, demonstravam perceber a forma estereotipada como determinados<br />
programas veiculam a imagem das comunidades populares, porém, não<br />
sabiam analisar criticamente as razões para isso:<br />
A partir de atividades que trataram do tema das representações<br />
sociais construídas pela mídia, os jovens puderem perceber que a periferia<br />
é vista e retratada, na maioria das vezes, de forma exótica ou fatalista, mas<br />
desconhecem as razões para isso. A atividade buscou ampliar a compreensão<br />
sobre os interesses envolvidos na manutenção do discurso amedrontado<br />
sobre a periferia, refletindo como as representações correspondem e<br />
alimentam as relações de poder da sociedade. (Educadora de Vídeo.<br />
Relatório Parcial de Atividades da Turma <strong>II</strong> da Kabum, 2007).<br />
Dentre as atividades realizadas, os jovens analisavam notícias e reportagens<br />
e discutiam critérios de noticiabilidade, estrutura do texto jornalístico<br />
e relação imagem-texto. Também discutiam como se compõe a prática<br />
jornalística, o que caracteriza a linguagem jornalística, quais são os gêneros<br />
jornalísticos e qual o alcance de um jornal comunitário. A reflexão sobre<br />
os interesses da sociedade e os interesses do jornal enquanto empresa<br />
comercial também era discutida nas atividades. As estratégias que os<br />
jornais usam para chamar atenção das pessoas foi outra questão explorada<br />
durante as discussões acerca da mídia. Observando-se o desenvolvimento<br />
das atividades, percebe-se que o programa educativo não tem apenas o foco<br />
na produção, esvaziada de sentido. A produção midiática proposta pelos<br />
educandos é confrontada com a produção da mídia tradicional, com a qual<br />
convivem intensa e cotidianamente, como base para reflexão e discussões<br />
de temáticas fundamentais.<br />
Ao se pronunciar sobre como o programa influenciou sua vida e sua<br />
visão de mundo, um dos jovens do programa declarou:<br />
54
Eu assistia à televisão, via as matérias no jornal sem pensar se o que estavam<br />
dizendo era verdade ou não. Para mim era tudo verdade. Eu não imaginava<br />
que podiam estar passando as informações por causa de interesses<br />
econômicos ou políticos. Na Kabum eu passei a entender melhor a mídia,<br />
suas intenções (Jovem educando de vídeo – Turma <strong>II</strong> – 2006/ 2008).<br />
Ao se analisarem os procedimentos e estratégias para o<br />
desenvolvimento dos produtos realizados no contexto pedagógico descrito,<br />
verifica-se que os mesmos são tratados como materiais educativos. Possuem<br />
como intenção a mobilização dos educandos em torno de temas do seu<br />
interesse, porém relacionados a um plano mais amplo de conhecimento<br />
e aprendizagem. O objetivo é que sejam provocadores e promovam a<br />
reflexão, por meio dessa aprendizagem, no sentido de uma possibilidade<br />
de mudança. Seriam assim, potencialmente, agentes de emancipação, no<br />
sentido de levar o jovem a uma compreensão mais crítica do seu entorno<br />
social. Estes produtos midiáticos se configurariam como estimuladores de<br />
novas indagações e de práticas educativas que geram produtos midiáticos<br />
e produtos midiáticos como meios para a aprendizagem. Contudo, ao se<br />
analisarem as falas dos jovens, ao descreverem seu posicionamento frente<br />
às comunidades e às possibilidades de participação social, percebe-se que<br />
os mesmos, em sua maioria, não se sentem provocados para a atuação<br />
comunitária, um dos importantes objetivos do programa.<br />
Neste sentido, retornamos a Freire (2007) e Giroux (1983), ao<br />
destacar o caráter político e emancipador da educação, ao entender o<br />
trabalho educativo enquanto prática política, que não pode ser abstraída<br />
do seu entorno e implicações sociais. A educação, nessa perspectiva, passa<br />
a ser entendida como a construção e implementação de um projeto de<br />
vida pessoal e coletivo. Na concepção do presente trabalho, o programa<br />
educacional pesquisado de fato promove a inserção social desses jovens,<br />
55
oriundos de comunidades populares, que se qualificam e se apropriam das<br />
oportunidades de trabalho e continuidade dos estudos, como demonstram<br />
os dados. Porém, se não há uma dimensão coletiva, social, no que diz<br />
respeito à amplitude de suas ações, o efeito é pontual, que gera um impacto<br />
reduzido à esfera individual.<br />
Ao se colocar em evidência o potencial mobilizador da produção<br />
de mídias, por meio da apropriação das tecnologias e do acesso ao<br />
conhecimento, inevitavelmente articula-se com a relevância em implicar<br />
essa produção a um movimento não só de mudança de visão. Se há uma<br />
mudança de vida eminentemente individual para esses jovens, é possível que<br />
se esteja reproduzindo um sistema individualista, em que se está “cada um<br />
por si”. Quais as mudanças estruturais, no sentido social e da qualidade das<br />
relações humanas, que podem advir dessas modificações individualizadas?<br />
É certo que o individual é parte do coletivo. A mudança que ocorre em<br />
um indivíduo pode resultar, em um âmbito maior, pelo somatório das<br />
individualidades, em uma mudança sistêmica. Contudo, se não há uma<br />
mudança da visão social e política, implicada com transformações,<br />
qual a garantia de mudança social mais ampla, que alcance impactos<br />
sociais relevantes? Em termos de representatividade social, o alcance que<br />
imaginamos como emancipatório não se efetiva, ficando as mudanças<br />
restritas a casos individuais.<br />
Por outro lado, é preciso observar que há um potencial mobilizador<br />
que permeia as experiências vividas pelos jovens, ao considerarmos a<br />
representatividade que se concretiza nas oportunidades individuais de<br />
continuidade dos estudos e de trabalho, nas áreas de formação específicas<br />
oferecidas. O resultado quantitativo e qualitativo demonstra mudanças<br />
nas vidas dos jovens. Essas modificações podem vir a se configurar como<br />
um indicador, no sentido de representarem as possibilidades de mudança<br />
para esses contingentes populacionais. Em outras palavras, estas conquistas<br />
56
individuais podem representar para o coletivo a realização de sonhos e<br />
desejos que são considerados difíceis, ou mesmo impossíveis, de alcançar,<br />
agindo no nível simbólico.<br />
Outro elemento, potencialmente mobilizador, é a produção<br />
midiática, ao tratar de temas socialmente relevantes para os jovens e suas<br />
comunidades e ao ser proposta, produzida e disseminada pelos próprios<br />
jovens, através de diferentes meios. Esta produção reafirma o potencial<br />
desses jovens de refletir sobre temáticas socialmente relevantes, criar,<br />
produzir e comunicar-se, demonstrando capacidades e habilidades em se<br />
apropriar e elaborar conhecimentos socialmente significativos.<br />
Tomam-se como base os dados dos 37 jovens da Turma I (2004<br />
– 2006) e da Turma <strong>II</strong> (2006 – 2008), para efeito de dados quantitativos,<br />
quanto à conclusão do Ensino Médio, ao acesso à escolarização superior<br />
e à inserção social por meio do trabalho. Essa escolha explica-se, pois os<br />
jovens das turmas mais antigas (formados na Kabum há quatro e há dois<br />
anos) estão na faixa etária entre 20 e 27 anos, fase já crítica em relação à<br />
escolaridade e trabalho, no que diz respeito à transição do sistema escolar<br />
para o mundo do trabalho.<br />
Segundo Pochman (2000, p. 57), no Brasil, devido às condições das<br />
famílias de baixa renda, a necessidade de ingresso no mundo do trabalho<br />
acontece precocemente:<br />
A necessidade de antecipar renda futura ou de<br />
ajudar no orçamento familiar tem pressionado os<br />
filhos, sobretudo os de famílias de menor renda, a<br />
terem uma breve passagem pela escola. Por conta<br />
disso, o ingresso de filhos de famílias humildes no<br />
mercado de trabalho tende a ocorrer na faixa de 10<br />
a 15 anos de idade.<br />
57
O ingresso precoce no mundo do trabalho é uma outra problemática<br />
que necessitaria de um aprofundamento, pois relaciona-se com questões<br />
como acesso e permanência nos diversos níveis de escolaridade. O fomento<br />
ao ingresso no mundo do trabalho, nos primeiros anos da juventude, poderia<br />
significar uma dificuldade para a continuidade dos estudos, principalmente<br />
no Ensino Superior? Afinal, a necessidade de receber um salário para<br />
sobreviver e auxiliar nas despesas familiares pode se tornar uma prioridade.<br />
De qualquer modo, é preciso relacionar as possibilidades de ingresso no<br />
mundo do trabalho à formação e à escolaridade, o que nos apresenta muitas<br />
discussões. Uma das questões a discutir seria a relação entre a inserção dos<br />
jovens no mundo do trabalho e as políticas públicas que qualificassem a<br />
inserção, ao garantirem, concomitantemente, a escolarização, ou seja,<br />
acesso e permanência.<br />
Dos 37 jovens, 24 jovens estão trabalhando. Dentre esses, 13<br />
jovens atuam nas áreas de formação da Kabum como fotógrafos, editores<br />
de imagem, designers, operadores de videoteipe e de câmera de vídeo, em<br />
empregos em emissoras de TV, produtoras, gráficas e lojas de fotografia<br />
digital. Dezesseis trabalham em colocações diversas e oito não trabalham.<br />
Levando-se em consideração a amostragem, é possível notar que há<br />
um índice significativo em termos de trabalho e de acesso às universidades.<br />
Vale ressaltar, que a amostragem em questão foi aleatória e foi coletada<br />
indiscriminadamente, de acordo com os jovens que foram encontrados e<br />
se disponibilizaram a realizar as entrevistas. Contudo, percentualmente, os<br />
dados apresentados são significativos.<br />
Todos os 37 jovens concluíram o Ensino Médio. 18 jovens estão<br />
cursando o Ensino Superior ou já finalizaram o curso. Um jovem está<br />
fazendo um curso técnico e um jovem está iniciando um novo curso<br />
superior, após graduado.<br />
58
Além dos números apresentados, é interessante assinalar algumas<br />
falas dos jovens, em que tentam estabelecer uma relação entre os objetivos<br />
alcançados e a formação vivenciada na Kabum, ao serem perguntados<br />
como viam a própria vida antes e depois do programa:<br />
Uma vida de novas descobertas. Algo que jamais imaginava que<br />
teria acesso um dia. Minha vida agora é um grande incentivo ao talento.<br />
(Jovem Turma I – 2004 – 2006).<br />
Mudou a minha forma de ver o mundo e ‘meu mundo particular’. Adquiri<br />
coragem para me arriscar a sonhar e buscar, além de ter um foco no<br />
planejamento da carreira profissional. (Jovem Turma I – 2004 – 2006).<br />
Vejo a vida de forma muito mais clara quanto aos objetivos e planejamento.<br />
A formação intensificou o que eu tinha de potencial e ajudou a rever o que<br />
tinha a melhorar e o que eu não reconhecia como defeito. (Jovem Turma<br />
I – 2004 – 2006).<br />
Com certeza minha vida mudou. Na Kabum eu pude abrir meus olhos para<br />
a realidade, tanto para as coisas ruins, como a manipulação da mídia e das<br />
pessoas com poder aquisitivo, quanto pras coisas belas. (Jovem Turma <strong>II</strong> –<br />
2006 – 2008).<br />
É evidente que, em relação ao objetivo do programa “Promover a<br />
inserção qualificada de jovens no mundo do trabalho”, há uma concretude.<br />
É possível verificar a inserção dos jovens no mundo do trabalho. Observase<br />
que, além da inserção no emprego, há a continuidade dos estudos,<br />
representada por cerca de 100% de conclusão do Ensino Médio e de 70% do<br />
total desses cursando o Ensino Superior, grande parte em fase de conclusão.<br />
59
O último grande objetivo declarado pelo programa educativo<br />
pesquisado é: “Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade<br />
técnica, conceitual e estética com e para adolescentes sobre temas relevantes<br />
para os jovens e as comunidades onde residem”. Não é difícil constatar a<br />
qualidade dos produtos.<br />
O programa disponibiliza seus vídeos e publicações gratuitamente<br />
para as comunidades, professores, escolas, universidades organizações<br />
comunitárias, e organizações sociais e emissoras de TV, promovem mostras e<br />
exibições públicas. Também participam de festivais e mostras, competitivos<br />
ou não, promovidos por diversas instituições e, por onde passam, a produção<br />
e seus produtores colecionam elogios à qualidade do conteúdo, à técnica<br />
e à expressão artística. Porém, essa qualidade é possível graças, não só à<br />
efetividade da formação oferecida, que pode ser verificada pelos índices de<br />
empregabilidade dos jovens no mercado gráfico e audiovisual de Salvador,<br />
que é bastante competitivo, mas também, essa qualidade é possível devido<br />
ao acesso a uma tecnologia de ponta, a equipamentos, estrutura e materiais<br />
dispendiosos. Essa circunstância pode nos colocar duas situações: por um<br />
lado, seria o caso de considerarmos que há, para esses jovens a falta de<br />
oportunidades. De fato, não há muitos espaços que ofereçam as condições<br />
de formação em comunicação e mídias encontradas na Kabum e, o que<br />
os dados demonstram é que se o jovem tem oportunidades, ele pode se<br />
desenvolver. É importante salientar que o processo seletivo do jovem não<br />
busca jovens com habilidades específicas restritas às linguagens midiáticas<br />
oferecidas e o perfil de ingresso é bastante diversificado. Por outro lado, é<br />
necessário reconhecer que há uma questão que gera muitas discussões, que<br />
se refere ao atendimento limitado a um número pequeno de jovens (80 a<br />
cada seleção, atualmente atingindo três comunidades populares da cidade),<br />
em contraposição a um recurso considerável destinado ao funcionamento<br />
do programa, muito distante da realidade das comunidades de onde são<br />
60
os jovens atendidos e de outros processos educativos, mesmo aqueles<br />
oferecidos por outras ONGs.<br />
Assim, é possível que seja difícil, até para as próprias comunidades<br />
atendidas compreenderem qual seria a contribuição de um programa tão<br />
dispendioso, diante de tantas carências básicas existentes. Para um país<br />
com tantas problemáticas na educação a solucionar, é complexo perceber<br />
uma contribuição que se coloca de forma tão recortada e setorizada em um<br />
universo particular e que, embora destinado às comunidades populares,<br />
não é acessível à maioria. Seria mais uma forma de exclusão?<br />
À Guisa de Conclusão<br />
Ao final, diante da análise dos dados levantados e das comunicações<br />
dos sujeitos envolvidos, constata-se que o programa investigado declara<br />
como um dos principais objetivos trabalhar na perspectiva da construção<br />
do sujeito crítico e se preocupa com a formação política dos jovens. Porém<br />
as ações de educação não propiciam uma formação que consiga concretizar<br />
a formação política dos sujeitos individuais e coletivos no sentido da<br />
sua participação social, comunitária e na esfera pública. Com o grupo<br />
de egressos entrevistados, constata-se que, finalizado o curso, poucos se<br />
dedicam a algum tipo de atividade realizada na comunidade, sejam elas<br />
de ordem política, cultural, esportiva, educativa ou recreativa. Embora<br />
declarem reconhecer a importância que era dada a essas temáticas durante<br />
a formação e perceberem a importância da participação, não se posicionam<br />
como sujeitos históricos ativos, agentes de mudança, nem mesmo local.<br />
Porém, há uma dimensão de efetividade social e política, relacionada a uma<br />
maior sociabilidade, à noção de responsabilidade, ao estímulo positivo para<br />
planejar o futuro e à autoestima.<br />
61
Ao mesmo tempo, observa-se também que há uma relação entre<br />
a formação e as oportunidades de emprego, trabalho e renda para grande<br />
parte dos jovens participantes, além de dados que atestam o acesso à<br />
escolarização, configurando-se em evidências acerca de uma efetivação da<br />
inclusão social dos jovens.<br />
Outro elemento importante que deve ser notado na formação em<br />
questão é a prática pedagógica que, além de não se limitar aos aspectos<br />
técnicos, procura estabelecer nas rotinas a reflexão e a discussão, sobre<br />
temas de interesse dos jovens.<br />
De fato, é relevante discutir, neste contexto, o alcance sociopolítico<br />
dessas iniciativas, a relação trabalho, acesso e permanência a outros níveis<br />
de escolarização e o papel do estado, quanto à sua responsabilidade nessas<br />
questões. Outra problematização recairia sobre o papel das ONGs nesta<br />
relação. Como entidades que buscam promover a inclusão, por meio de<br />
relações colaborativas de parcerias não estariam promovendo também<br />
o conformismo, amortecendo os conflitos necessários às mudanças<br />
significativas?<br />
Contudo, apesar de passível de muitos questionamentos, uma<br />
proposta educativa como esta seria, no mínimo, um campo fértil para<br />
diferentes reflexões, inclusive motivando investigações acerca do que<br />
de fato é relevante para essas comunidades em termos de educação para<br />
a emancipação e para a possibilidade de escolhas conscientes no mundo<br />
contemporâneo.<br />
Referências<br />
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 2009.<br />
62
DOWNING, John. Mídia radical: rebeldia nas comunicações e movimentos<br />
sociais. São Paulo: Senac, 2002.<br />
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 12. ed. São<br />
Paulo: Paz e Terra, 2007.<br />
GIROUX, Henri. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Cortez; Autores<br />
Associados, 1983. (Coleção educação contemporânea).<br />
GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em<br />
ciências sociais. 2 ed. Rio de Janeiro, 1998.<br />
MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e<br />
hegemonia. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.<br />
POCHMAN, Marcio. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas e a<br />
situação do jovem no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Publisher Brasil,<br />
2000.<br />
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à<br />
consciência universal. 14. ed. São Paulo: Record, 2007.<br />
SILVA, Marco. Sala de aula interativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.<br />
63
Espaços Vividos e Jogos<br />
Digitais: ambientes<br />
propícios para produção<br />
de novas formas de<br />
letramentos e de conteúdos<br />
interativos pela geração C<br />
Lynn Alves<br />
(Senai-Cimatec e UNEB)<br />
Tânia Maria Hetkowski<br />
(UNEB)<br />
Introdução<br />
Segundo Castels (1999), as tecnologias digitais e telemáticas são<br />
capazes, tanto de moldar quanto de reestruturar a vida dos sujeitos. Porém,<br />
não é pretensão afirmar que as mesmas são os únicos meios capazes de<br />
modificar e influenciar o contexto sócio, econômico e educacional, mas a<br />
65
intenção é alavancar discussões acerca das características da Geração C 1 .<br />
Geração que desencadeia e demonstra, nas suas situações e ações vividas,<br />
uma familiaridade com essas tecnologias, potencializando seus usos e suas<br />
influências na ressignificação dos espaços vivificados cotidianamente.<br />
Geração C é o grupo de sujeitos que interagem com as tecnologias digitais<br />
e telemáticas e produzem colaborativamente e conectivamente conteúdos.<br />
Mas como se dá esse processo? Letrados em interfaces<br />
comunicacionais síncronas (ferramentas de comunicação em tempo real)<br />
e assíncronas (ferramentas que apresentam um distanciamento de tempo<br />
entre a mensagem e a resposta), que utilizando a web, celulares, smart fones,<br />
PDAs (Personal digital assistants (PDAs ou Handhelds), ou Assistente<br />
Pessoal Digital ), jogos, notebooks, diferentes telas, digitam freneticamente<br />
muitas vezes através de uma linguagem híbrida (combinação de textos,<br />
imagens e sons), pequenos textos que objetivam informar e comunicar<br />
a um grupo de pessoas, eventos, notícias e principalmente aspectos do<br />
cotidiano destes sujeitos, por exemplo, “jogando Guitar Hero e Rock Band”,<br />
“corrigindo monografias” ou ainda “Participando do Videojogos 2009 –<br />
PT”. Este tipo de comportamento alimenta a pulsão escópica, isto é, o desejo<br />
de ver, de atuar como voyeur, dos seres humanos que têm a necessidade de<br />
saber, curiosamente, o que o outro sujeito está fazendo diariamente.<br />
Na perspectiva de Zagalo (2009):<br />
Por outro lado e tão importante é que devemos<br />
parar e reflectir seriamente sobre o que queremos<br />
que os outros vejam em nós e não recorrer à partilha<br />
por impulso, tão banalizada por ferramentas como<br />
o Twitter ou os comentários rápidos no Facebook<br />
“What’s in Your Mind” no qual expressamos o que<br />
nos passa pela cabeça num determinado minuto ou<br />
1 Expressão utilizada pelos autores Douglas Coupland e Peter Marsh, dentre outros, mas não<br />
existem referências sólidas sobre quem criou o termo.<br />
66
momento, porque estamos chateados ou alterados,<br />
porque alguém nos incomodou, ou porque não<br />
gostamos de uma determinada atitude. No mundo<br />
real uma frase destas é transmitida pela ar e<br />
desaparece nos ouvidos dos poucos que estão por<br />
perto que dificilmente poderão provar o acontecido.<br />
Aqui ficam registros de tudo, é uma extensão de nós<br />
que nos vai registrando e catalogando.<br />
Podemos ver isso claramente em sites de relacionamento como o<br />
Facebook onde se pode encontrar uma janela com a seguinte pergunta: “No<br />
que você está pensando agora?” ou principalmente no Twitter onde com<br />
140 caracteres o usuário mantém informado os seus seguidores sobre os<br />
seus passos.<br />
Esse dilúvio de informações como diria Lèvy (1999), produzido<br />
cotidianamente na web nos leva a uma atenção parcial contínua para garantir<br />
o controle do que está sendo produzido, veiculado e consequentemente<br />
consumido, isto é, mobilizados pelo desejo de “[...] ser um nó vivo em uma<br />
rede, de conectar-se e ser conectado, de não perder nada, sempre em alto<br />
estado de alerta. Isso é fruto da tendência de se mover na vida escaneando<br />
os ambientes, buscando sinais e deslocando a atenção de um problema para<br />
outro” (SANTAELLA, 2007, p. 239).<br />
Contudo, muito do conteúdo produzido não tem o objetivo de<br />
ser mais que informação volátil que em um segundo será esquecido e/ou<br />
deletado não contribuindo efetivamente para a produção de conhecimento.<br />
Dentro desse contexto, questionamos como garantir que o conteúdo<br />
produzido favoreça a produção de conhecimento colaborativo e conectado<br />
em tempo real? Como estes conteúdos, se potencializados pelos sujeitos,<br />
podem ser redimensionados através dos jogos de linguagem e das<br />
representações acerca dos espaços cotidianos?<br />
67
Adentrar hoje no universo acadêmico seja em uma sala de aula,<br />
principalmente da pós-graduação stricto sensu, ou ainda em congressos,<br />
seminários, eventos etc., de distintas áreas, implica se defrontar com uma<br />
audiência que tem seus notebooks ligados e muitas vezes conectados, onde<br />
são produzidas nas telas, textos que na maioria das vezes não têm nenhuma<br />
relação com o que o professor ou orador está falando. Sim, abrem janelas<br />
cognitivas simultaneamente, pois paralelo a interação com os computadores<br />
e acesso a internet, ouvem o palestrante e muitas vezes atendem os celulares.<br />
Este comportamento caracteriza-se como multitarefas (multitasking), pois<br />
motivados pelo desejo de serem mais produtivos, fazem um certo número<br />
de coisas simultaneamente durante um certo tempo (SANTAELLA, 2007),<br />
impacientam-se em ter que ouvir o outro sem estar a produzir.<br />
Neste contexto, o desafio dos espaços de aprendizagem formais é<br />
captar e potencializar estas habilidades para os processos de ensinar e<br />
aprender, viabilizando a produção de conteúdos que vão além da informação<br />
pontual.<br />
Jenkins (2008) traz exemplos interessantes quando nos apresenta a<br />
narrativa transmidiática que dentre outros aspectos favorece a emergência<br />
de consumidores críticos que vão além da recepção dos conteúdos<br />
midiáticos, mas tornam-se produtores de novos conteúdos. Essa passagem<br />
provoca conflitos entre a comunidade dos fanfictions (grupo que através<br />
das interfaces comunicacionais, criam ficções usando personagens e<br />
universos dos conteúdos midiáticos. Por exemplo, fóruns, blog para<br />
discutirem, construírem e reconstruírem as narrativas sobre determinada<br />
obra, como por exemplo, Harry Porter) e as empresas que produzem e<br />
distribuem os discursos midiáticos, já que os fans ampliam os discursos<br />
relativos aos produtos e as empresas têm medo de perder o controle e os<br />
direitos autorais das suas obras (nos referimos aos jogos eletrônicos, livros,<br />
filmes, animações etc.).<br />
68
Mas o que fazem esses fans? Produzem conteúdos que envolvem<br />
a elaboração de textos, de imagens, entre outras linguagens que exigem<br />
leituras prévias e interação com os produtos que os fascinam. Além disto,<br />
exercitam competências gerenciais na medida em que: a) organizam as<br />
comunidades que são formadas por outras pessoas que estão muitas vezes<br />
do outro lado do mapa; b) produzem as informações e c) sistematizam<br />
dados. Estes sujeitos estão imersos em um processo sociocultural no qual<br />
os pares atuam como interventores na zona de desenvolvimento proximal<br />
dos seus parceiros. Tudo isso acontece fora da escola. Uma escola que não<br />
compreende e nem aceita esse tipo de conhecimento, já que não consegue<br />
estabelecer relações entre esse cotidiano e os conteúdos escolares.<br />
Diante deste contexto, configuram-se as dificuldades no que se<br />
refere à produção colaborativa de conteúdos pelos sujeitos, uma vez que<br />
a escola não considera a representação que o sujeito tem em relação<br />
aos redimensionamento das tecnologias digitais e telemáticas na sua<br />
cotidianidade, desconsiderando o perfil dos sujeitos que representam a<br />
Geração C e seus processos colaborativos em busca de saberes científicos<br />
ou narrativos.<br />
Queremos que nossos alunos sejam produtores e leitores de textos,<br />
mas não conseguimos perceber que eles estão se formando no espaço<br />
midiático mobilizados pelo desejo e prazer de conectar-se e sentirem-se<br />
sujeitos autorizados a criar novos e diferenciados processos formativos<br />
vivos. O espaço, neste sentido, é vivo, possui e reconstrói histórias que se<br />
fundamentam, principalmente, nas ações do homem com o meio, através<br />
de instrumentos e de relações subjetivas. Desta forma, os sujeitos produzem<br />
69
novos jogos de linguagens 2 , colaborativamente, com diferentes conteúdos<br />
interativos através da exploração de espaços vividos e buscam criar<br />
situações que se aproximam do real, dos espaços cotidianos e de situações<br />
vividas.<br />
Tecnologias Digitais e Telemáticas: Jogos de Linguagem e<br />
Espaços Cotidianos<br />
O caráter potencialidador das tecnologias digitais e telemáticas está<br />
no movimento que elas podem desencadear nas práticas sociais, culturais,<br />
políticas, pedagógicas entre outras. Segundo Marques (1999, p. 121), ao<br />
mesmo tempo em que a dinâmica do mercado empreende na racionalização<br />
do sujeito, abrem-se<br />
[...] novos espaços: dos saberes emergentes em<br />
circulação, da associação e das metamorfoses das<br />
comunidades pensantes, produzindo, cada qual<br />
seu mundo virtual [...], suas realidades potenciais,<br />
das quais participam mundos heterogêneos, eles<br />
mesmos heterogêneos e múltiplos, sempre em<br />
devir, pensantes.<br />
Destarte, o espaço virtual ou mundo virtual, somente existe se<br />
o pensarmos como potencializador das interfaces comunicacionais, de<br />
conteúdos e de discursos midiáticos entre sujeitos, pois possibilita um<br />
deslocamento de situação pela capacidade de expressar um “[...] contexto<br />
2 Observando as jogadas no jogo de xadrez, Wittgenstein percebeu a analogia do jogo à<br />
linguagem como um todo e não somente relacionada aos sistemas axiomáticos, nascendo<br />
assim a terminologia jogos de linguagem. Porém nesta pesquisa a ideia não é aprofundar as<br />
obras desse autor, mas ampliar as discussões sobre as potencialidades dos jogos de linguagem<br />
na contemporaneidade. Obras como Investigações Filosóficas de Wittgeinstein são essenciais<br />
para futuros estudos.<br />
70
dinâmico acessível a todos e memória comunitária coletiva alimentada em<br />
tempo real” (LÉVY, 1999, p. 146).<br />
Porém, estas perspectivas que perpassam os espaços criativos da<br />
comunidade dos fanfictions se contrapõem aos limites clássicos impostos<br />
pela escola, uma vez que “[...] o saber pós-moderno não é somente o<br />
instrumento dos poderes, mas aguça nossa sensibilidade para as diferenças<br />
e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável” (LYOTARD,<br />
1998, p. xvii). Um saber que não encontra sua razão de ser na homologia,<br />
mas na paralogia dos inventores, isto é, um bom saber é aquele que percebe<br />
“anomalias” e constrói novos conceitos.<br />
Assim, os sujeitos da Geração C conseguem mobilizar estatutos de<br />
saberes diferentes daqueles que versam sobre enunciados aceitos como<br />
saberes. A constituição de saberes, potencializados pelas tecnologias<br />
digitais, conquistada pela nova geração perpassa a constituição de jogos de<br />
linguagem, os quais exigem que os sujeitos compreendam que as regras não<br />
possuem legitimação, mas exigem contato com os jogadores; sem regras não<br />
há jogo e todo enunciado é um lance no jogo. Diante desta interpretação,<br />
compreendemos como os sujeitos da Geração C criam janelas cognitivas<br />
simultaneamente e desenvolvem comportamentos multitarefas, pois o jogo<br />
de linguagem supõe o desejo e o prazer à busca de entrelaçamentos entre o<br />
saber narrativo e o saber científico.<br />
Os princípios dos jogos de linguagem estão atrelados ao movimento<br />
dos jogos convencionais como o jogo de xadrez, exemplificado por<br />
Wittgeinstein em suas obras, os quais, segundo este autor, têm características<br />
familiares, ou seja, possuem regras formais e regras estratégicas, que são<br />
criadas no decorrer das jogadas e, de acordo com essas regras o mais<br />
importante da linguagem não é a significação, mas o uso que o sujeito<br />
71
faz dela. Assim, fica evidenciado que a geração C mobiliza os jogos de<br />
linguagem na contemporaneidade, uma vez que<br />
[...] esses jogos são parte integrante de uma forma<br />
de vida, que é na verdade uma prática humana, logo<br />
se percebe que ele está sujeito a mudanças, assim<br />
como toda prática que nos envolve como seres<br />
humanos. [...], por ser constituído por regras que<br />
norteiam o modo como os jogamos, os jogos de<br />
linguagem podem, ao longo dos anos, terem suas<br />
regras modificadas, ou até mesmo esquecidas (RUY,<br />
2010, p. 9).<br />
A prática humana, através dos processos tecnológicos, desencadeia<br />
jogos de linguagem com a perspectiva de uma interação comunicacional,<br />
possibilitando ao sujeito potencializar e legitimar saberes narrativos, os<br />
quais definem regras de convivência próprios da sociedade, bem como<br />
agregam e valorizavam as pluralidades humanas, uma vez que a tecnologia<br />
criou novos dispositivos que ampliam a capacidade de percepção sensorial<br />
humana, provocando dinâmicas e socialidades singulares, como é o caso<br />
dos sujeitos imersos na tecnologia digital.<br />
Diante disso, compreendemos porque os jovens dominam a lógica<br />
das tecnologias digitais e telemáticas e da produção de sentidos, pois, para<br />
eles, o saber não é entendido apenas como um conjunto de enunciados,<br />
mas como uma pluralidade de jogos de linguagem. Assim, os jogos de<br />
linguagem denotam, nestes sujeitos, a capacidade de entender os espaços<br />
do saber e relacioná-las a partir de simulações nos espaços digitais, ou seja,<br />
os jogos de linguagem podem ser representados através de simulacros,<br />
onde a realidade virtual possibilita o redimensionamento da criatividade e<br />
a representação dos saberes.<br />
72
Tomaz Andrei (2009) denomina, estas possibilidades, de intersecções<br />
entre espaços dos jogos eletrônicos e espaços cotidianos e enfatiza que<br />
[...] a imensa maioria dos jogos eletrônicos utiliza<br />
referências do espaço ‘concreto’ na elaboração<br />
de seus espaços e cenários, assim como de suas<br />
mecânicas. Sejam bases militares, espaços urbanos<br />
ou cenários de diferentes momentos históricos, não<br />
é difícil identificar quais as referências utilizadas<br />
pelos autores de um jogo na construção do mesmo.<br />
No jogo de linguagem a natureza do vínculo social é definidora<br />
na constituição de processos formativos, sejam eles, mediados pelas<br />
tecnologias digitais, sejam eles potencializados por estas tecnologias.<br />
Diante disso, podemos destacar que os jogos de linguagem, através dos<br />
jogos eletrônicos, podem potencializar a criatividade dos sujeitos a partir<br />
de situações referenciais com os espaços vividos.<br />
Na perspectiva de abolir a oposição entre os pressupostos<br />
instrumentais das tecnologias e os discursos de emancipação do sujeito<br />
criativo, percebemos, a cada dia mais, crianças, adolescentes e jovens<br />
descobrirem e construírem novos jogos de linguagem mediados pelos<br />
jogos eletrônicos nos espaços cotidianos. Jogos que exploram noções de<br />
espacialidade e lateralidade, simulações que se aproximam de situações<br />
vividas nos lares, nos espaços formais, públicos, urbanos ou mesmo<br />
históricos, como é o caso do jogo Búzios: ecos da liberdade, objeto desta<br />
discussão, dentre outros mundialmente conhecidos como The Sims,<br />
Civilization, os jogos móveis, os ARGs 3 , entre outros, os quais auxiliam a<br />
Geração C a compreender que o saber não se reduz a ciências, nem mesmo<br />
3 Alternate Reality Games ou jogos de realidade alternativa – neste tipo de jogo é possível<br />
combinar situações que ocorrem em espaços públicos e nos ambientes da WEB, mediados<br />
por celulares, GPS, sites de relacionamento etc.<br />
73
ao conhecimento científico, mas aos processos desejantes e instituintes, ou<br />
seja, aos jogos de linguagem.<br />
Diante do exposto, percebemos que o sujeito contemporâneo,<br />
representado nesta discussão como Geração C, busca agregar os elementos<br />
materiais e imateriais, advindos das tecnologias, para redimensionar<br />
suas formas de aprender e ensinar, uma vez que o sujeito aprende<br />
colaborativamente, ele também ensina, pois a troca de experiências entre<br />
colegas amplia as capacidades cognitivas, motoras, afetivas e sociais. No<br />
que se refere aos elementos imateriais, podemos destacar todo o processo,<br />
acima descrito, sobre os jogos de linguagem que permeiam a construção<br />
de sentidos e significados, pelos sujeitos, em relação aos seus saberes<br />
científicos e narrativos. De outro lado, nos referimos aos processos materiais<br />
e instrumentais das tecnologias, as quais denotam a exploração de técnicas<br />
informáticas, telemáticas, eletrônicas entre outras, as quais possibilitam<br />
o sujeito ampliar as possibilidades de deslocamento, comunicação,<br />
informação, armazenamento, entretenimento, planejamento e simulação.<br />
Ao nos reportarmos às simulações, nos remetemos aos jogos digitais<br />
e às representações dos sujeitos acerca da constituição dos espaços virtuais<br />
cotidianos. Mas o que é espaço? Santos et al. (1988) consideram o espaço<br />
como uma instância da sociedade que contém e é contida por outras<br />
instâncias sociais, econômicas, políticas e tecnológicas. Ademais: “O espaço<br />
é uma estrutura social dotada de um dinamismo próprio e revestida de uma<br />
certa autonomia, na medida em que sua evolução se faz segundo leis que lhe<br />
são próprias” (SANTOS et al., 1988, p. 15), Ou seja, o espaço não se reduz<br />
às debilitações e escalas geográficas, mas a dinâmica dos sujeitos, uma vez<br />
que o espaço é vivo, possui e reconstrói histórias que se fundamentam,<br />
principalmente, nas ações do homem com o meio. Para Santos (1996,<br />
p. 27) “[...] a sociedade seria o ser, e o espaço seria a existência”. E como<br />
funciona a representação dos espaços cotidianos, pelo sujeito criativo e<br />
74
desejante, quando da sua relação com as tecnologias digitais, especialmente<br />
na exploração de jogos digitais?<br />
Portanto, o espaço é social, é histórico e humano e o sujeitos traz,<br />
na sua história de vida, através da constituição de jogos de linguagem, uma<br />
representação do espaço como instância da sociedade, onde, nela convive um<br />
sistema composto por elementos objetivos e subjetivos, os quais permeiam<br />
o campo técnico, humano e social; a complexidade organizacional; a<br />
relevância dos processos de construção da sociedade e; a constituição das<br />
relações (que podem ser efêmeras, colaborativas, familiares, indiferentes ...).<br />
Essa representação sobre a complexidade dos espaços cotidianos, pode ser<br />
atualizada nos espaços virtuais, compreendendo que o virtual significa força<br />
e potência e o mesmo não se opõe ao real, mas potencializa-o. Para Lèvy<br />
(1997, p. 18), “[...] a virtualização é um dos princípios vetores da criação<br />
da realidade”. Dessa forma, os espaços cotidianos são potencializados e<br />
potencializam as simulações, uma vez que elas são representações dos<br />
espaços vividos, elevados à potência.<br />
Para Lèvy (1997, p. 23),<br />
[...] multiplicação contemporânea dos espaços faz<br />
de nós nômades de um estilo: em vez de seguirmos<br />
linhas de errância e de migração dentro de uma<br />
extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de<br />
um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços<br />
se metamorfoseiam e se bifurcam nossos pés,<br />
forçando-nos à heterogênese.<br />
É nesse sentido que a Geração C diferencia-se das outras gerações,<br />
uma vez que conseguem potencializar e metarmorfosear os espaços<br />
cotidianos através das simulações dos jogos digitais e, é neste ínterim,<br />
que nos defrontamos com as dificuldades da escola formal ao explorar<br />
75
diferentes instrumentos e criar metodologias atrativas e criativas para seus<br />
alunos. Corroboramos com Lèvy (1997, p. 14), quando afirma que “se a<br />
virtualização for bloqueada, a alienação se instala, os fins não podem mais<br />
se reinstituídos, nem a heterogênese cumprida: maquinações vivas, abertas,<br />
em devir, transformam-se de súbito em mecanismos mortos”. Da mesma<br />
forma, se podadas as atualizações, as ideias criativas desta nova geração,<br />
tornar-se-ão lineares e suas ações pouco ou nada colaborativas, ou seja, a<br />
inibição da potencialização conduz ao sufocamento dos jogos de linguagem,<br />
a heteronomia de saberes, as limitações das representações do espaço vivo e<br />
a extinção dos desejos e da criatividade.<br />
Delineando uma Prática Pedagógica para a Geração C<br />
Ao compreendermos que as tecnologias contêm elementos<br />
materiais e imateriais, que os jogos de linguagem potencializam o saber<br />
e a representação dos espaços cotidianos e, diante destas constatações,<br />
destacamos que as práticas podem representar tanto a objetivação do homem<br />
e domínio da natureza quanto à subjetivação humana, sua realização e<br />
liberdade. Ademais, as práticas não representam exclusivamente atividades<br />
técnicas de aplicação e produções externas, mas abrem espaços ao sujeito<br />
no que se refere aos saberes, à descoberta, invenção, reflexão e diferença.<br />
Assim, a “práxis” representa a esfera do ser humano e se revela no<br />
segredo do homem enquanto ser autocriativo. Significa e imprime aos<br />
sujeitos, a partir da superação das dicotomias, possibilidades de (re)criar<br />
e (re)construir a realidade humano-social, bem como a capacidade de<br />
gerar novos significados à existência humana, uma vez que a contextura<br />
da sociedade é marcada pela história da ação humana, advinda da arte,<br />
das linguagens, das formas de organização social e política, dos inventos<br />
tecnológicos entre outros, os quais não reproduzem determinada época,<br />
76
mas são expressões da essência, das representações, das ações humanas e<br />
dos processos vivos.<br />
A ação é uma unidade de enlace para compreender o processo e o<br />
movimento de diferentes práticas, ela evidencia alguma potencialidade ou<br />
faculdade da qual o homem dispõe e por meio dela se expressa (SACRISTÁN,<br />
1999). A ação também é uma condição essencial e definidora da condição<br />
humana, bem como possibilita o desenvolvimento social, cultural, histórico,<br />
educacional entre outros.<br />
Neste sentido a prática pedagógica implica compreender que o<br />
contexto pedagógico é formado por diversas práticas cotidianas. Essas<br />
práticas cotidianas orientam e constituem as ações dos professores,<br />
imprimindo significados à sua profissionalização. Elas também representam<br />
as divergências ou convergências que este grupo, professores, encontra para<br />
desenvolver mecanismos de defesa ou de justificativas quanto à sua ação em<br />
sociedade. Tais mecanismos são intensamente penetrados por interesses,<br />
ideologias, dilemas, conhecimentos, crenças, persuasões e representações<br />
cotidianas e pelos quais produzem saberes que legitimam suas práticas<br />
no contexto educacional. Assim, a intervenção pedagógica é influenciada<br />
pelo modo como os professores pensam e como agem diante das diversas<br />
possibilidades da sua vida na escola e fora dela (SACRISTÁN, 1995).<br />
A prática pedagógica demanda que o professor seja um mediador<br />
de diferenças, que consiga perceber que as singularidades acontecem na<br />
sociedade, através dos sujeitos, e no espaço, enquanto existência, superando<br />
práticas instituídas, associadas a discursos homogêneos ‘de que é impossível<br />
mudar a educação’. Hoje “não é mais possível ter uma única forma de<br />
ensinar tudo a todos, pois as coisas não funcionam homogeneamente e,<br />
então, há de se levar em consideração as diferenças” (MARTINS, 1998, p.<br />
66). Essa perspectiva nos remete pensar nas possibilidades dos jogos de<br />
77
linguagem, utilizados comumente pelas novas gerações, das representações<br />
sobre os espaços cotidianos e, das narrativas transmidiáticas, pelas quais<br />
eclodem a virtualização como um dos vetores de criação às comunidades<br />
colaborativas e as explorações de jogos digitais.<br />
Sintonizados com a discussão acima, criamos o curso Produção de<br />
Conteúdos Digitais para professores e licenciandos em Pedagogia, com a<br />
carga horária de quarenta horas, nas quais os docentes\discentes produzem<br />
cotidianamente conteúdos mediados por distintas linguagens para a web.<br />
O objetivo é possibilitar que estes sujeitos interajam com os diferentes<br />
discursos midiáticos que contaram a Revolta dos Alfaiates, que trata da<br />
maior revolta social do Brasil, ocorrida no século XV<strong>II</strong>I na Bahia, que em<br />
consonância com o ideário da Revolução Francesa (liberdade, igualdade<br />
e fraternidade) e com a participação de duas etnias (brancos e negros)<br />
lutaram pela liberdade.<br />
A Revolta dos Alfaiates como é conhecida, diferenciou-se por ter sido<br />
a única de caráter popular, democrático, liberal e contrário a permanência de<br />
uma sociedade escravista, fato que possibilitou o acesso tanto de membros<br />
da classe desprivilegiada (negros, pardos, brancos pobres, escravos, livres,<br />
libertos), como de membros da classe dominante (branco, livres, católicos).<br />
Este fato histórico tem grande relevância para o Estado da Bahia,<br />
que se caracteriza por ser o maior estado com população afro-descendente<br />
e também porque com a aprovação da Lei 10.639/03 (complementada<br />
pela lei 11.645 de 2008) tornou-se obrigatório nas instituições de ensino<br />
fundamental e médio, “[...] o estudo de História da África e dos Africanos,<br />
a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação<br />
da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas<br />
social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”.<br />
Assim, torna-se necessário criar diferentes possibilidades de<br />
produções em torno de tal fato que já foi explorado através de outras<br />
linguagens, como uma revista em quadrinhos produzida em 2007 pelo<br />
Olodum, o livro “Animai-vos, povo Bahiense! A conspiração dos Alfaiates”,<br />
organizado por Carlos Domingues, Cícero Lemos e Edyala Yglesias, que<br />
78
eúne textos, ilustrações, peça teatral, música, cordel e roteiro de cinema<br />
numa coletânea repleta de informações sobre essa revolta popular, uma<br />
mesa redonda no Programa “De lá pra cá”, na TV Brasil (Exibido na TV<br />
Brasil no dia 16 nov. 2009). E finalmente através do jogo digital do tipo<br />
adventure Búzios: ecos da liberdade financiado pela Fundação de Amparo à<br />
Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB e Pró-Forte UNEB, desenvolvido pelo<br />
Grupo de Pesquisa Cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento<br />
Científico e Tecnológico - CNPq Comunidades Virtuais 4 .<br />
O jogo foi desenvolvido com o objetivo de se constituir em um<br />
espaço de aprendizagem que simula o contexto da sociedade baiana no<br />
século XV<strong>II</strong>I, resgatando essa importante revolta popular, criando um locus<br />
para que os alunos e professores possam construir conceitos e significados<br />
acerca desse conteúdo histórico mediado por um jogo eletrônico 5 .<br />
Desta forma, embasados na perspectiva da narrativa transmidiática<br />
defendida por Jenkins (2008) que se estrutura como uma nova estética<br />
para atender as novas exigências dos consumidores que passam a ser mais<br />
críticos e produtores de conteúdo, na medida em que participam ativamente<br />
de comunidades de conhecimento, criando um novo universo mediado por<br />
múltiplos suportes midiáticos, inicialmente, convidamos um grupo de oito<br />
professores a interagirem com o jogo Búzios a fim de subsidiar o processo de<br />
desenvolvimento do jogo, dando feedback para garantir que este elemento<br />
tecnológico poderá ser utilizado pelos professores ( Ver na próxima Seção<br />
os dados relativos a essa fase da pesquisa).<br />
No segundo momento da pesquisa (em andamento) estes docentes<br />
e mais dezoito que livremente escolheram fazer parte da comunidade<br />
interagem com as diferentes linguagens (histórias em quadrinho, livros<br />
paradidáticos, cordel, vídeos etc.) que tratam do fato histórico mencionado<br />
acima, para produzir conteúdos interativos para a web, estabelecendo uma<br />
lógica de convergência entre estas mídias.<br />
4 Disponível em: .<br />
5 O Búzios está disponível para download em: .<br />
79
A comunidade é mediada por quatro pesquisadoras (as autoras<br />
deste artigo, uma mestranda e uma bolsista de iniciação científica da área de<br />
pedagogia) e iniciou as atividades da comunidade a partir de uma discussão<br />
sobre a produção de conteúdos midiáticos, possibilitando que os docentes<br />
imergissem no universo dos games, das redes sociais, dos vídeos, dos<br />
fóruns, blogs etc., construindo sentidos que vêm permitindo a produção<br />
de uma narrativa transmidiática que estará disponibilizada na WEB, no site<br />
.<br />
No terceiro momento da pesquisa, iremos analisar percurso dos<br />
docentes para produzir os discursos midiáticos, articulando com os<br />
elementos que foram observados durante a interação com as mídias, isto é,<br />
dificuldades enfrentadas, alternativas encontradas para superá-las, etc. Esta<br />
etapa da pesquisa está prevista para julho de 2010.<br />
Ressaltamos que toda a produção construída pela comunidade<br />
evidenciada está disponível no ambiente Moodle ().<br />
Para efetivar a análise das produções estaremos atentos às<br />
contribuições de Gee (2004). Para o autor, o letramento vai além de<br />
uma realização mental, mas se configura também como práticas sociais<br />
e culturais com implicações econômicas, históricas e políticas. Assim,<br />
atentaremos para o universo no qual estão imersos os professores e como<br />
constroem significado para as novas mídias, especialmente os games e<br />
teremos como indicadores da análise as premissas abaixo pontuadas por<br />
Salem (2007) adequando-as a outras mídias, além dos games. Desta forma,<br />
investigaremos como os docentes:<br />
• Improvisam, criam e subvertem os discursos apresentados;<br />
• Seguem as regras, questionam e testam os limites do sistema<br />
apresentado;<br />
• Entendem como os sistemas operam e como eles podem ser<br />
transformados;<br />
• Modelam e constroem mundos;<br />
80
• Aprendem a navegar em um complexo sistema de recursos fora<br />
do jogo, como os tutoriais, FAQs, inventários, orientações e<br />
fóruns.<br />
A partir destes dados realizaremos a análise para compreender como<br />
os professores constroem conteúdos interativos a partir da interação com as<br />
novas mídias, especialmente, os games.<br />
O Perfil dos Sujeitos da Pesquisa<br />
Como citado anteriormente, realizamos a primeira fase da pesquisa<br />
no período de outubro a novembro de 2009, proporcionando que os oito<br />
professores interagissem com o jogo Búzios. Esse processo de interação<br />
permitiu que delineássemos o perfil dos sujeitos. Foram entrevistados<br />
quatro professoras e quatro professores da rede pública, que não tinham<br />
expertise com os jogos eletrônicos, destacando-se apenas um que já tinha<br />
experiência. O processo de formação acadêmica do grupo está concentrado<br />
em instituições públicas (62%) e instituições privadas (38%). A faixa etária<br />
predominante dos sujeitos entrevistados poderia caracterizá-los como a<br />
geração Atari (empresa criada por Nolan Bushnell que se constituiu em<br />
sinônimo de videogames, presente na memória da geração da década<br />
de 1970 e, de forma mais intensa, dos anos oitenta), isto é, aqueles que<br />
interagiram com os primeiros consoles de videogames. Contudo, apenas<br />
um dos entrevistados deste grupo tinha vivido a experiência de brincar com<br />
os videogames na infância e adolescência. Este professor está em fase de<br />
conclusão de uma dissertação de mestrado que investiga os percursos dos<br />
coordenadores dos projetos financiados pelo Edital 02/2006 da FINEP para<br />
desenvolvimento de jogos eletrônicos voltados para educação. O grupo de<br />
sujeitos envolvidos na pesquisa apresentava a seguinte configuração: 13%<br />
81
na faixa etária de 39 a 49 anos; 25% na faixa etária de 50 a 59 anos; e por fim,<br />
62% na faixa etária de 28-38 anos.<br />
Ao indagar os sujeitos sobre as atividades realizadas no computador,<br />
foi possível perceber uma pequena diferença nas respostas, isto é, os homens<br />
utilizam mais o computador para trabalhar, enquanto as mulheres mantêm<br />
um equilíbrio entre navegar na internet, ouvir música, assistir vídeos no<br />
Youtube e digitar texto. Os dois grupos apresentam percentuais iguais no<br />
que se refere a pesquisar na internet, conforme detalhamento na Figura 1.<br />
Figura 1<br />
Após o delineamento do perfil dos sujeitos, foram investigadas<br />
questões relacionadas com o jogo Búzios e foi interessante perceber que<br />
62% dos entrevistados tinham ouvido falar da Revolta dos Alfaiates, tema<br />
do jogo, mas não lembravam onde, denotando um desconhecimento da<br />
história do seu povo, do seu estado. Tal fato sinaliza um descompasso com<br />
82
as raízes histórico-culturais deste grupo que deveriam ser conhecidas e<br />
socializadas com os alunos, principalmente o fato histórico indicado acima<br />
que tem um significado importante na Bahia.<br />
Neste sentido, emergem dificuldades do professor no que se refere<br />
a compreensão, representação e ação pedagógica sobre o espaço vivido por<br />
sujeitos em determinada época histórica, bem como, neste ínterim, são<br />
desencadeadas as limitações em explorar o lugar, Bahia, como essência à<br />
reconstituição e reinterpretação da história, considerando seus aspectos<br />
políticos, sociais, culturais, econômicos entre outros. Segundo Hetkowski<br />
(2010), quando o espaço é passível de ser sentido, pensado, apropriado e<br />
vivido pelos educadores, nele há convergência sobre fatores humanos<br />
que superam as práticas pedagógicas viciadas e retrógradas. Nesse espaço<br />
vivido, associam-se práticas sociais, políticas, culturais entre outras, as quais<br />
redimensionam as potencialidades das tecnologias digitais e telemáticas,<br />
neste caso através do jogo Búzios.<br />
Ao interagir com o jogo os sujeitos professores sinalizaram<br />
performances distintas, principalmente as mulheres que tiveram um baixo<br />
nível de tolerância com as dificuldades apresentadas no ambiente do game,<br />
conforme Figura 2. Este aspecto está relacionado com as dificuldades,<br />
desses sujeitos, em compreender os jogos de linguagens que permeiam a<br />
sociedade contemporânea e, consequente, se aproximar das dinâmicas<br />
produzidas pela Geração C.<br />
83
Figura 2<br />
Ou seja, o grupo pesquisado encontra-se permeado pelos discursos da<br />
ciência moderna, apoiada no saber e no poder de legitimação da verdade e da<br />
racionalidade, desencadeando enunciados científicos baseados na filosofia<br />
positivista da eficiência e da performatividade, através de uma relação input/<br />
output. No entanto, a nova geração, sob a égide da contemporaneidade e<br />
das influências das informações e dos instrumentos tecnológicos, considera<br />
tanto os saberes das ciências positivistas quanto as perspectivas dos jogos<br />
de linguagem. Assim, consideramos que os pesquisados compreendem<br />
as regras do jogo, mas não a dinâmica das jogadas, bem como não foram<br />
interpelados a compreender as potencialidades das regras estratégicas que<br />
superam a analogia com o modelo matemático.<br />
Isso demonstra e justifica as dificuldades dos professores no que se<br />
refere ao ato de “jogar”, uma vez que o mais importante não é jogar somente<br />
para ganhar, mas pelo gosto e pelo prazer das jogadas e pela ampliação das<br />
84
práticas e relações humanas, as quais criam novos sentidos ao jogo. Porém,<br />
sabemos que a escola, através dos professores, tem muito a descobrir sobre<br />
as potencialidades dos jogos digitais e das dinâmicas que os mesmos podem<br />
desencadear nos processos formativos.<br />
Diante disso, constatamos que apenas um jogador concluiu todas<br />
as fases apresentadas pelo jogo digital Búzios. A versão maio de 2010 do<br />
jogo agregou as contribuições destes sujeitos, permitindo que a nova versão<br />
estivesse mais próxima do universo dos docentes, garantindo assim, a<br />
presença destas mídias no cenário pedagógico.<br />
As dificuldades dos professores podem estar aliadas ao desejo<br />
de “fazer aquilo”, ou mesmo à sua formação, uma vez que sua geração<br />
teve como base o conhecimento científico que segundo Lyotard (1998,<br />
p. 35), “[...] seria o conjunto de enunciados que denotam ou descrevem<br />
os objetos, excluindo-se todos os outros enunciados, e susceptíveis de<br />
serem declarados verdadeiros ou falsos”. Diferentemente dos jogos de<br />
linguagem que permeiam a produção de saberes da Geração C, a qual<br />
associa conhecimentos científicos com saberes narrativos e constituem<br />
formas colaborativas a partir das potencialidades das tecnologias digitais<br />
e telemáticas.<br />
Dentre as dificuldades apontadas pelos jogadores podemos destacar:<br />
movimentação do personagem (62%), abrir menu de interação (74%),<br />
utilizar botões do menu de interação (38%), falar com os personagens<br />
espalhados no cenário (75%), receber itens e acessar o inventário (38%) e<br />
identificar os objetivos do jogo (62%).<br />
É importante, destacar que, nesta primeira fase de análise, avaliamos<br />
apenas o nível de interação e jogabilidade dos sujeitos com o jogo, deixando<br />
as perspectivas sobre produção de conteúdo para a segunda fase da pesquisa<br />
que teve início em abril e término previsto para agosto de 2011.<br />
85
Considerações Finais<br />
Para Santos (1996, p. 51) a “[...] reconstituição dos espaços tem uma<br />
substância científico-tecnológica informacional. Não é nem meio natural,<br />
nem técnico. A ciência, a tecnologia e a informação estão na base mesma de<br />
todas as formas de utilização e funcionamento do espaço [...]”. Desta forma,<br />
podemos perceber que é neste contexto que a Geração C se consolidou e, é<br />
a partir, desta realidade que são desencadeadas novas formas de conceber<br />
os saberes e novas formas de criação e de relação com as tecnologias,<br />
principalmente digitais e telemáticas.<br />
Assim, compreendemos as dificuldades que os educadores<br />
enfrentam, na contemporaneidade, em relação ao domínio das tecnologias<br />
digitais e aos processos de representação dos espaços explorados, simulados<br />
e redimensionados, neste caso, pelos jogos digitais. Corroborando com<br />
Lyotard (1998, p. 30), “[...] o que é preciso para compreender desta maneira<br />
as relações sociais, em qualquer escala [...], não é somente uma teoria da<br />
comunicação, mas uma teoria dos jogos, que inclua a agonística em seus<br />
pressupostos”.<br />
Assim, os dados apontados pela pesquisa ratificam a dificuldade<br />
dos professores, principalmente aqueles que não têm nenhuma experiência<br />
com os jogos, em interagir com o seu universo, construir novos sentidos e<br />
compreender a dinâmica dos jogos de linguagem.<br />
Tal situação termina por desmotivar os docentes para estabelecer<br />
práticas pedagógicas mediadas pelas novas mídias, distanciando-os cada<br />
vez mais do universo da Geração C que busca atividades colaborativas,<br />
conectadas, produzindo novos jogos de linguagem. Para Lèvy (1998),<br />
os saberes aliam-se à velocidade da evolução, às possibilidades da massa<br />
e produz novos saberes mediados por novos instrumentos técnicos, ou<br />
seja, as tecnologias, através de suas potencialidades técnicas e simbólicas<br />
desencadeiam uma nova lógica instituinte, na qual os sujeitos burlam o<br />
86
modelo tradicional com o objetivo de estabelecer processos formativos<br />
baseados nos três aspectos do jogo de linguagem (regras não possuem<br />
legitimação, mas exigem um contrato dos jogadores; sem regra não há jogo<br />
e todo enunciado é um lance no jogo).<br />
A nossa intenção é possibilitar a criação de espaços de saberes<br />
para que os professores possam construir significados para as tecnologias<br />
digitais e telemáticas, produzindo novas formas de letramentos e conteúdos<br />
interativos. Esse é o nosso desafio para as próximas fases da pesquisa, quando<br />
aprofundaremos a investigação em torno das estratégias utilizadas pelos<br />
docentes para possibilitar que o conteúdo produzido favoreça a produção<br />
de saberes colaborativos, de jogos de linguagens, de representações do<br />
espaço vivido, conectados em tempo real.<br />
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LÈVY, Pierre. O que é virtual. Rio de Janeiro. Ed. 34. 1997.<br />
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87
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WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Trad. José Carlos Bruni. São<br />
Paulo: Nova <strong>Cultura</strong>l, 2000. (Col. Os Pensadores).<br />
88
Parte <strong>II</strong><br />
Formação Online
Projeto Amadeus: criando<br />
novas experiências de<br />
aprendizagem em uma<br />
educação sem distância<br />
Ricardo Amorim<br />
(UNEB)<br />
Dinani Amorim<br />
(UNEB)<br />
Alex Sandro Gomes<br />
(UFPE)<br />
SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS<br />
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) vêm ocupando<br />
um papel de extrema importância na Educação contribuindo com o<br />
desenvolvimento de estratégias, técnicas e facilidades para melhorar<br />
o ensino e aprendizagem. Atualmente, para satisfazer as necessidades<br />
educacionais da sociedade – marcada por grandes avanços em ciência<br />
e tecnologia – as TIC representam um elemento capaz de melhorar a<br />
interação e a comunicação na construção do saber, de forma a potencializar,<br />
91
eforçar e transformar a educação no sentido de torná-la mais democrática,<br />
personalizada e flexível. Assim, percebe-se que há, cada vez mais, demandas<br />
educacionais onde são exigidas novas formas de se ensinar e a incorporação<br />
de recursos tecnológicos na Educação.<br />
Neste cenário, a Educação a Distância (EaD) emergiu de forma<br />
adequada a estas novas exigências, pois, conforme ressalta Litto e Formiga<br />
(2006, p. 1), esta modalidade de ensino contribui “[...] para aumentar o acesso<br />
mais democrático ao conhecimento, e racionalização de despesas de livrostexto<br />
e outros materiais para a aprendizagem em todos os níveis”. Na última<br />
década, muitos esforços de pesquisa foram dedicados ao desenvolvimento<br />
de formas de uso da internet em EaD. Com isso, surgiram vários conceitos<br />
como o de Objetos de Aprendizagem, baseados na padronização de material<br />
disponível online com fins de reuso e interoperabilidade entre plataformas<br />
para EaD (WILEY, 2002) e o conceito de Design Instrucional (FILATRO,<br />
2008) cujo propósito é o de ajudar no planejamento didático de atividades<br />
educacionais relacionadas com o uso deste tipo de material. Assim, os<br />
Sistemas de Gestão de Aprendizagem ou, em inglês, Learning Management<br />
System (LMS), geralmente baseados em tecnologia Web, foram criados no<br />
âmbito da EaD para o planejamento, implementação e avaliação de um<br />
processo de aprendizagem específico (WHA, 2004 apud PASSOS, 2006).<br />
Com estes sistemas, o uso de Objetos de Aprendizagem adquiriu<br />
uma dimensão considerável contribuindo para tornar a atividade de<br />
planejamento didático em EaD uma atividade mais complexa. Desta<br />
forma a reutilização/interoperabilidade de material de aprendizagem e<br />
a modelagem do processo educacional tornaram-se aspectos chave em<br />
plataformas do tipo LMS. Neste sentido, a especificação IMS Learning Design<br />
(IMS LD) considera-se como um padrão de fato que permite descrever o<br />
processo de aprendizagem em Unidades de Aprendizagem contendo o<br />
material educacional associado (IMS, 2003). A IMS LD propõe-se a ser<br />
92
um metamodelo pedagógico que suporta o uso de um grande número de<br />
modelos pedagógicos na aprendizagem online, podendo também ser aplicada<br />
nas modalidades presencial e semipresencial. Com esta especificação<br />
são definidos elementos constituintes do processo educacional tais como<br />
objetivos, pré-requisitos, atividades, materiais e ferramentas de apoio que<br />
são representados como Objetos de Aprendizagem e Serviços necessários.<br />
Estes elementos se distribuem em etapas do processo educacional na forma<br />
de um fluxo de aprendizagem.<br />
A aprendizagem via LMS tem trazido vantagens significativas como<br />
a rápida distribuição de conteúdos e redução dos seus custos de produção,<br />
a disponibilidade destes a qualquer hora e local, a possibilidade do aprendiz<br />
determinar o seu próprio ritmo e percurso de aprendizagem e uma melhor<br />
sistematização das intervenções no processo de ensino e aprendizagem por<br />
intermédio de ferramentas de comunicação como e-mail, chat, fórum e<br />
vídeo conferência (AN5, 2005 apud PASSOS, 2006).<br />
As vantagens que este tipo de tecnologia traz para o ensino e<br />
aprendizagem, tem sido motivo de comparações entre a modalidade de EaD<br />
e a educação presencial tradicional. No entanto, o que muitos especialistas<br />
em educação têm observado hoje em dia é que uma modalidade, sozinha,<br />
não é suficiente para cobrir todas as demandas de educação, e com a<br />
qualidade que a nossa sociedade exige. Muito mais que a modalidade, o<br />
importante é que os objetivos de aprendizagem sejam atingidos de acordo<br />
com parâmetros de qualidade desejados. Portanto, para uma educação<br />
de qualidade, faz-se necessário levar em conta os aspectos positivos<br />
nas diversas modalidades, tanto em EaD quanto na educação presencial<br />
tradicional, e fazer uso de metodologias e tecnologias necessárias (TORI,<br />
2001, 2009; ROBLYER, 2006).<br />
93
Neste contexto, como uma das tendências em educação apoiada<br />
por TIC, surgiu o conceito de Blended Learning que se caracteriza pela<br />
combinação de técnicas de ensino e aprendizagem variadas com o uso<br />
de diversas tecnologias educacionais baseadas na web. Nesta modalidade,<br />
podem combinar-se auto-aprendizado e/ou aprendizagem colaborativa<br />
em momentos presenciais ou a distância com o uso de tecnologias como<br />
videoconferência síncrona, streaming de vídeo, áudio e texto (DRISCOLL,<br />
2000).<br />
BASES LEGAIS E DE QUALIDADE NA EDUCAÇÃO A<br />
DISTÂNCIA E SEMIPRESENCIAL NO BRASIL<br />
A modalidade EaD foi legalmente instituída no Brasil em 1996,<br />
com a lei 9.394 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional<br />
e, no seu artigo 80, respalda a possibilidade de uso desta modalidade em<br />
todos os níveis educacionais. Este artigo foi posteriormente regulamentado<br />
com o Decreto de N o 5.622 de 2005, onde foram definidas as características<br />
da EaD, as disposições gerais para o seu funcionamento e estabelecida<br />
uma política de garantia de qualidade para esta modalidade, alinhada a<br />
critérios de qualidade estipulados pelo Ministério da Educação (MEC). Em<br />
complemento a estas determinações legais, o MEC, por intermédio da sua<br />
Secretaria Especial de Educação a Distância (SEED), vem editando desde<br />
2003 um documento – Referenciais de Qualidade para a Educação Superior<br />
a Distância, com a sua última versão no ano de 2007 (BRASIL, 2007). Este<br />
documento não tem força de lei, foi elaborado para subsidiar atos legais<br />
do poder público e para ser utilizado como referenciais na organização de<br />
sistemas EaD, com o intuito de induzir a uma harmonização da qualidade<br />
destes sistemas aos padrões requeridos pelo MEC.<br />
94
Em relação ao uso de LMS na oferta de cursos de nível superior na<br />
modalidade a distância convém ressaltar algumas sugestões contidas nos<br />
referenciais de qualidade para EaD. De forma resumida, conforme este<br />
documento, uma instituição de ensino a distância baseada nos referenciais<br />
de qualidade do MEC para EaD, deveria estruturar-se tendo em conta:<br />
1. A concepção de Educação e Currículo. Em função da opção<br />
teórico-metodológica do projeto pedagógico, configura-se a<br />
partir da forma de organizar um curso: em disciplinas, módulos,<br />
áreas, os instrumentos a serem utilizados e a compreensão de<br />
avaliação;<br />
2. Equipe multidisciplinar com funções de planejamento,<br />
implementação e gestão dos cursos a distância, onde<br />
destacam-se três categorias: docentes, tutores e pessoal técnico<br />
administrativo;<br />
3. O uso de meios de comunicação que promovam a interação<br />
entre professores, tutores e estudantes;<br />
4. O material didático. Recomenda-se a integração deste<br />
com diferentes mídias tais como materiais impressos,<br />
radiofônicos, televisivos, de informática, de videoconferências<br />
e teleconferências, dentre outros;<br />
5. As avaliações devem ser compostas de avaliações a distância<br />
e presenciais, zelando pela confiabilidade e credibilidade dos<br />
resultados e havendo uma preponderância destas últimas;<br />
6. Gestão Acadêmico-Administrativa. Adoção de sistema para o<br />
controle de inscrições, avaliações, banco de dados contendo<br />
informações de professores, tutores estudantes, conteúdos (que<br />
95
permita ao professor a sua inserção de forma amigável, rápida<br />
e flexível). O estudante, geograficamente distante, deve dispor<br />
da mesma forma que no ensino tradicional, de serviços como<br />
matrícula, inscrições, requisições, secretaria, tesouraria, etc.<br />
Na legislação Brasileira vigente sobre EaD, há uma regulamentação<br />
que prevê a oferta de carga horária a distância em disciplinas na<br />
modalidade presencial. Assim, parte das disciplinas ou carga horária em<br />
um curso de nível superior reconhecido, pode ser oferecida na modalidade<br />
a distância. Esta modalidade, conforme a portaria de N o 4.059 denomina-se<br />
semipresencial e caracteriza-se como:<br />
[...] quaisquer atividades didáticas, módulos ou<br />
unidades de ensino-aprendizagem centrados na<br />
auto-aprendizagem e com a mediação de recursos<br />
didáticos organizados em diferentes suportes<br />
de informação que utilizem tecnologias de<br />
comunicação remota (BRASIL, 2004, Art. 1º, § 1º).<br />
Ainda de acordo com esta portaria, em um curso, a carga horária<br />
da modalidade semipresencial limita-se a 20% da carga horária total do<br />
mesmo. Neste sentido, uma disciplina poderia ser ofertada em parte<br />
ou integralmente na modalidade EaD desde que o total no curso não<br />
ultrapasse dito percentual. No entanto, as avaliações devem ser realizadas<br />
primordialmente na modalidade presencial.<br />
96
APRESENTANDO O AMADEUS LMS<br />
O sistema Amadeus 1 enquadra-se neste contexto de educação<br />
mesclada como um LMS para a educação presencial, a distância ou mista,<br />
baseado no conceito de Blended Learning no qual se estendeu os estilos de<br />
interação possíveis entre os usuários (PREECE et al., 2002). Este sistema<br />
consiste em um conjunto de soluções orientadas à integração de mídias<br />
digitais diversas com as quais se busca explorar da melhor forma possível o<br />
seu potencial educacional. O Amadeus, acrônimo de Agentes Micromundos<br />
e Análise do DEsenvolvimento no USo de instrumentos, é o projeto<br />
principal do grupo Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional (CCTE)<br />
do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco<br />
(UFPE) 2 .<br />
Os estudos realizados na fase inicial do projeto Amadeus levaram<br />
à identificação de uma série de limitações no uso de plataformas de gestão<br />
da aprendizagem. No geral, a interação entre os participantes neste tipo<br />
de sistema baseia-se na distribuição de artefatos (envio, visualização e<br />
entrega de material em mídias variadas) e na troca de mensagens de forma<br />
síncrona ou assíncrona por intermédio de ferramentas apropriadas (fóruns,<br />
chat e e-mail). Na maioria das plataformas avaliadas, há limitações no<br />
suporte ao trabalho do professor durante o planejamento didático (Design<br />
Instrucional) e na avaliação diagnóstica e continuada (GOMES, 2004), a<br />
percepção entre usuários e sistema é limitada a eventos relacionados com<br />
atividades síncronas (CHRIST, 2005) e há um fraco suporte na manipulação<br />
de objetos de aprendizagem e no uso de padrões de metadados com fins de<br />
1 Disponível em: .<br />
2 Disponível em: .<br />
97
eutilização e interoperabilidade de material educacional (ALVES, 2005;<br />
IMS, 2003).<br />
A plataforma Amadeus foi concebida a partir dos resultados destes<br />
estudos iniciais e de vários anos de pesquisas nas áreas de Interações<br />
Humano Computador (IHC) e Tecnologia Educacional (TE) dentro<br />
do contexto da EaD. Buscou-se o desenvolvimento de uma plataforma<br />
centrada no processo formativo e nas interações entre usuários a partir da<br />
integração com diversas mídias (jogos, simulações, vídeos, texto, áudio e<br />
imagens), com ênfase na utilização de meios que permitem facilitar estas<br />
interações a partir de diversas dimensões percebidas nas atividades sociais<br />
desenvolvidas. Pretendeu-se, a partir disso, ampliar as possibilidades<br />
de acesso dos usuários e obter uma maior participação dos aprendizes<br />
estimulando e facilitando a interação destes. Para tal, utilizam-se meios<br />
distintos como: aplicações próprias para computadores do tipo desktop,<br />
celulares, PDA, TV Digital, jogos, interfaces tangíveis (para analfabetos). A<br />
integração destes meios torna possível aos usuários ter uma percepção de<br />
presença e acesso a interface do Amadeus de forma ubíqua.<br />
Nos últimos anos, com a popularização das tecnologias de EaD,<br />
novas características que ampliam os estilos de interação dos usuários em<br />
relação aos LMS tradicionais passaram a ser requeridas:<br />
• sistemas muito mais orientados ao uso de técnicas pedagógicas<br />
que no uso de recursos tecnológicos;<br />
• aplicabilidade a diversas situações pedagógicas do tipo Blended<br />
Learning;<br />
98
• percurso da aprendizagem muito mais centrado no aluno que<br />
definido a partir de uma sequência lógica determinada pelo<br />
professor;<br />
• possibilidade de adaptação e personalização do ambiente ao<br />
perfil do aprendiz;<br />
• avaliações orientadas à pratica reflexiva e processual.<br />
Estes novos requisitos definem uma tendência da atualidade no<br />
design de LMS e representam, para alguns autores, a segunda geração de<br />
plataformas para EaD. Desta forma, os LMS que ampliam os estilos de<br />
interação com soluções para alinhar-se com estas novas características são<br />
chamamos de LMS de segunda geração (ADAMS; MORGAN, 2007). No<br />
Amadeus, as diversas mídias são integradas e se organizam em módulos<br />
na constituição de cursos ou componentes curriculares aplicáveis nas<br />
modalidades de EaD ou presencial mesclada com EaD, conforme os<br />
princípios do Blended Learning. Com a integração destas mídias, o Amadeus<br />
propõe-se a ser um LMS de segunda geração. Nesta plataforma, estendeuse<br />
o conceito de LMS pela incorporação de novos estilos de interação do<br />
usuário com o sistema, com os conteúdos e entre os demais usuários. Com<br />
isso, busca-se explorar da melhor forma os canais da percepção humana<br />
e atender as diversas formas de aprendizagem, através das características<br />
de cada um destes recursos e aplicá-las no contexto da aprendizagem<br />
(GOMES; TEDESCO, 2002).<br />
Após os primeiros anos do projeto e a partir dos bons resultados<br />
obtidos com a publicação de artigos e formação de pessoal, decidiu-se<br />
distribuir o Amadeus como software livre. Assim, desde março de 2009,<br />
esta plataforma é distribuída sob licença de Software Livre e integra o Portal<br />
99
do Software Público Brasileiro (PSPB) 3 , a partir de onde é possível o acesso<br />
completo ao seu código e a todas as suas funcionalidades. O Amadeus na<br />
sua versão atual, estável e para livre distribuição, está disponível no portal<br />
do software público 4 . Trata-se de uma aplicação do tipo opensource, com as<br />
seguintes características:<br />
• interface simplificada e intuitiva, baseada em princípios de<br />
usabilidade e desenvolvida a partir do uso metodológico de<br />
tecnologias para tornar as páginas Web mais interativas com o<br />
usuário - Web 2.0 e AJAX (GEHTLAND et al., 2006);<br />
• uso de uma ampla gama de mídias, desde os tradicionais chats<br />
até vídeos com discussão simultânea entre vários usuários;<br />
• compartilhamento de vídeos em situações de colaboração<br />
síncrona;<br />
• servidor de jogos multiusuários promovendo formas<br />
alternativas de interação com mídias de jogos;<br />
• sistema de controle de experimentos e medida em tempo real<br />
pela internet;<br />
• percepção da atividade social na interface Web e nos diversos<br />
ambientes interligados;<br />
• mobile learning: estilos de interação por meio de dispositivos<br />
móveis, tais como celulares e PDAs;<br />
• integração com o Sistema Brasileiro de TV Digital.<br />
Ultimamente, muito dos esforços de pesquisa neste LMS tem sido<br />
dedicados ao desenvolvimento de novos estilos de interação. Estes novos<br />
3 Disponível em: .<br />
4 Disponível em: .<br />
100
estilos são categorizados em dois grandes grupos: no primeiro encontramse<br />
os estilos de interação construtivistas, baseados na ação, na manipulação<br />
de metáforas do conhecimento onde os alunos podem modificar a<br />
representação de conceitos com ações diretas (em aplicações como servidor<br />
de jogos, servidor de vídeo, EriMont); e, no segundo, os estilos que<br />
permitem criar novas formas de colaboração, ou estilos sociointeracionistas,<br />
baseadas na percepção. Com esse instrumento, a percepção da presença<br />
de alguém pode induzir outros a realizarem novas ações complementando<br />
atividades previamente iniciadas. Por exemplo, em determinadas atividades<br />
de aprendizagem, com o uso de aplicações ou jogos, as diferentes formas<br />
de percepção tornam possível a negociação e discussão durante seções<br />
síncronas (LOBATO et al., 2008).<br />
EXPERIÊNCIA DA APRENDIZAGEM COM O AMADEUS<br />
LMS<br />
Nesta seção, descrevem-se alguns cenários de uso do Amadeus<br />
LMS que, embora não represente uma lista exaustiva, permitem dar uma<br />
idéia ampla de como a experiência da aprendizagem ocorre neste ambiente<br />
de aprendizagem. Para tal, inicialmente as principais funcionalidades do<br />
Amadeus LMS são demonstradas e, em seguida, foram considerados o uso<br />
deste LMS no ensino superior nas modalidades de EaD, semipresencial e<br />
presencial em conformidade com a legislação no Brasil.<br />
101
Um passeio pela interface do Amadeus na Web<br />
O objetivo da interface Web do Amadeus é facilitar o trabalho dos<br />
professores por intermédio de ferramentas apropriadas que ajudam nas<br />
suas práticas de ensino e facilitar o uso por parte dos alunos, tornando mais<br />
interessante esse processo, estimulando a interação e o aprendizado pela<br />
ação. As interfaces do ambiente foram criadas para promover as interações<br />
entre os participantes de forma a ampliar as possibilidades de trabalho dos<br />
professores e criar novas formas de relacionamento e interação síncronas<br />
e assíncronas, promovendo a comunicação e colaboração com um foco na<br />
aprendizagem dos alunos. A Figura 1 apresenta os primeiros passos para o<br />
acesso à interface web.<br />
Figura 1 – Primeiro acesso ao sistema. Em (a), tela inicial com o Cadastro de<br />
Usuário; em (b), os dados do novo usuário sendo incluídos e, em (c), a<br />
página inicial de cursos<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
Conforme assinalado na Figura 1a, inicialmente os usuários devem<br />
cadastrar-se no sistema para o acesso aos cursos e, também, para criação de<br />
cursos novos, se o usuário for docente. Caso necessário, o perfil do usuário<br />
pode ser alterado e, para tal, o usuário acessa o próprio nome no canto<br />
superior esquerdo da tela inicial e informa novos dados solicitados pelo<br />
102
sistema com a possibilidade de incluir-se uma foto para o perfil. No caso<br />
de alunos, após concluir esta etapa, estes deverão localizar o curso desejado<br />
e efetuar uma matrícula para o ingresso no mesmo. A Figura 2 mostra os<br />
passos necessários.<br />
Figura 2 – Em (a), duas formas de localizar um curso: por nome e por palavra<br />
chave; em (b), o resultado de uma busca e, em (c), tela inicial do curso<br />
desejado, a partir da qual um aluno pode se inscrever<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
Após matricular-se, o aluno tem acesso a uma tela onde o mesmo<br />
pode ver uma lista de participantes no curso a partir da qual, um primeiro<br />
nível de interação tem início. Os cursos podem ter vários módulos, que<br />
representam etapas no processo educacional, e em cada módulo temse<br />
uma descrição do mesmo, onde podem ser declarados os objetivos de<br />
aprendizagem, materiais associados e ferramentas para o desenvolvimento<br />
de atividades de forma online. Para o acesso a estes módulos, utiliza-se a<br />
opção Visualizar Módulos (FIGURA 3).<br />
103
Figura 3 – Tela inicial e módulos em um curso<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
Em cada módulo, diversos tipos de atividades de aprendizagem<br />
podem ser configurados, como por exemplo: Enquete - aplicável em casos<br />
onde o professor necessita ter um feedback do andamento das aulas; Fórum<br />
- bastante útil em situações em que se necessita promover discussões sobre<br />
assuntos diversos; Entrega de Materiais - que pode ser aplicada no caso de<br />
trabalhos (resumo, revisão bibliográfica, paper, monografia, etc) realizados<br />
por alunos em grupo, ou individualmente (FIGURA 4).<br />
104
Figura 4 – À esquerda, realização de enquete. No centro e à direita, utilização de<br />
fórum<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
Situações didáticas baseadas no uso de interfaces síncronas podem<br />
ser aplicadas em cada módulo. Estas interfaces ampliam a experiência do<br />
usuário e permitem facilitar a aprendizagem. Na Figura 5, vê-se a realização de<br />
uma atividade colaborativa baseada no uso de um diagrama compartilhado<br />
e no uso de chat que, combinados, permitem ampliar a interação entre os<br />
participantes, facilitando a compreensão do assunto tratado.<br />
105
Figura 5 – Atividade colaborativa baseada no uso de gráfico compartilhado e chat<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
De acordo com a Figura 5, o professor pode explicar um diagrama,<br />
os alunos podem fazer perguntas e indicar como está a sua compreensão do<br />
assunto utilizando-se uma ferramenta específica onde estes selecionam um<br />
símbolo correspondente (Smiley). Atividades em grupo com o uso de vídeos<br />
podem ser realizadas a distância. Neste caso, os participantes utilizam um<br />
chat associado para explicações, discussões e dúvidas (FIGURA 6). Caso<br />
necessário, os participantes têm um controle que permite voltar e avançar<br />
no vídeo, conforme o andamento da explicação ou discussão.<br />
106
Figura 6 – Atividade a distância com vídeo, baseada em discussão por<br />
meio de chat<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
Tanto na situação da Figura 5 como na da Figura 6, conforme o<br />
smiley apresentado, o professor pode explicar novamente ou seguir com<br />
outras explicações, em função da compreensão demonstrada pelos alunos.<br />
As atividades envolvendo jogos educacionais podem ser realizadas a<br />
partir de uma interface que permite a integração de jogos armazenados em<br />
um servidor específico. Neste caso, os jogos podem ser multiusuários e os<br />
participantes jogam a distância com a possibilidade de interagir de forma<br />
textual, por meio de chat, o que possibilita perceber a presença e ações dos<br />
participantes (FIGURA 7).<br />
107
Figura 7 – Atividade com o uso de jogos multiusuários<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
Outras formas de interação podem ser utilizadas com o uso de<br />
dispositivos móveis ou aparelho celular. Com o uso destes dispositivos,<br />
busca-se um reforço na percepção, consciência e auto-estudo. Neste sentido,<br />
os alunos podem obter informações sobre atividades e artefatos disponíveis<br />
e, neste caso, a presença é percebida de forma ubíqua (FIGURA 8).<br />
Figura 8 – Uso de dispositivos móveis com o Amadeus LMS<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
108
Com a maioria dos celulares atuais é possível visualizar conteúdos.<br />
Desta forma, estes dispositivos melhoram a consciência dos alunos sobre as<br />
atividades a serem realizadas, permitem promover o autoestudo e o sentido<br />
de responsabilidade sobre tarefas a serem cumpridas.<br />
Com o uso de Lousa Digital, o Amadeus pode ser utilizado como<br />
ferramenta de apoio a aulas presenciais ou em aulas semipresenciais. As<br />
anotações produzidas com a Lousa, durante explicações nas aulas, podem<br />
ser acessadas posteriormente (FIGURA 9).<br />
Figura 9 – Aula presencial com Quadro Digital e conteúdo integrado ao Amadeus<br />
LMS<br />
Fonte: Amorim et al., 2010.<br />
A entrada da TV Digital (TVD) no Brasil cria novas oportunidades<br />
de difusão de conhecimento com a possibilidade de interação entre<br />
109
difusora, conteúdos e usuários desse novo tipo de serviço televisivo. Nesta<br />
linha, foram concebidas soluções para a integração deste sistema de TV<br />
ao Amadeus LMS, criando novas oportunidades de aprendizagem para<br />
a estudantes na modalidade EaD. O objetivo é explorar da melhor forma<br />
o potencial educacional proporcionado pelas novas formas de interação<br />
possíveis com a TVD (FIGURA 10).<br />
Figura 10 – Realização de atividade com a TV Digital integrada<br />
ao Amadeus LMS<br />
Fonte: Gomes, 2010.<br />
No Amadeus, há um conjunto de ferramentas voltadas às<br />
avaliações: nos módulos podem ser configuradas Enquetes e Avaliações<br />
de diversas formas; o registro de acessos e interações dos usuários com o<br />
110
ambiente permite que seja feita uma verificação da participação dos alunos<br />
em atividades disponibilizadas, de forma simplificada (FIGURA 11).<br />
Figura 11 – Realização de um tipo de avaliação<br />
Fonte: Amorim et al., 2010.<br />
111
Assim, a plataforma Amadeus LMS pode ser utilizada em diversos<br />
níveis educacionais. A ampliação das formas de interação dos usuários com<br />
os conteúdos, e dos usuários entre eles, permite a implementação de novas<br />
estratégias de ensino e aprendizagem orientadas por teorias construtivistas<br />
ou sócio-interacionistas do desenvolvimento humano.<br />
Uso do Amadeus na modalidade EaD no nível superior<br />
A integração de mídias variadas e as múltiplas formas de interação<br />
possíveis entre professor, tutor e alunos no Amadeus permitem a sua<br />
utilização em diversas situações de ensino e aprendizagem.<br />
No âmbito do ensino superior a distância, o uso desta plataforma<br />
deve ter em conta a regulamentação referente à modalidade EaD no<br />
Brasil, mencionados no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’. Desta forma,<br />
de acordo com os subitens I, <strong>II</strong> e <strong>II</strong>I (concepção, equipe e uso de meio<br />
de comunicação, respectivamente), no Amadeus, os cursos podem ser<br />
organizados em módulos nos quais conta-se com uma série de ferramentas<br />
de apoio à realização de atividades de ensino e aprendizagem, tais como<br />
chat, fórum, vídeos em grupo, enquete, jogos, mídia para celular, simulações<br />
e avaliações. Os usuários se classificam em tipos e participam nos cursos<br />
conforme a função de professor, tutor e estudantes. Com estes recursos,<br />
diversas situações de ensino e aprendizagem podem ser configuradas a partir<br />
de vários enfoques teórico-metodológicos. A interação entre professor,<br />
tutor e estudantes pode ocorrer a partir de uma diversidade de mídias, com<br />
o uso de chats tradicionais ou com vídeos com discussão simultânea entre<br />
vários usuários, com o uso de jogos ou de dispositivos como PDA e celular.<br />
Algumas destas mídias tais como jogos e simulações multiusuário,<br />
permitem agregar recursos de realidade virtual. A possibilidade de uso de<br />
diversos tipos de mídia como material didático, e de forma integrada, torna<br />
o Amadeus um LMS que se ajusta ao sugerido no subitem IV (material<br />
didático, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’). Diversos tipos de<br />
materiais no formato digital podem ser incluídos facilmente nos módulos<br />
112
pelo professor para uso durante a realização de atividades de ensino e<br />
aprendizagem. Pode-se utilizar desde vídeos, links de Internet e outros<br />
materiais em diversos formatos. São aceitos os formatos de arquivos mais<br />
conhecidos (por exemplo: .doc, .pdf, .ppt, .avi, .wmf etc.).<br />
Avaliar é uma atividade complexa que depende de concepções<br />
teórico-metodológicas e até mesmo pessoais. Em uma plataforma do tipo<br />
LMS, as tecnologias envolvidas permitem oferecer formas alternativas ou<br />
que complementam as formas tradicionais de avaliação. Em relação ao<br />
subitem V (avaliações, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’),<br />
diversas formas de avaliação online podem ser configuradas no Amadeus.<br />
Por exemplo: avaliação do tipo teste (com questões de múltipla escolha,<br />
verdadeiro e falso, discursivas), verificação da participação em fóruns, a<br />
partir do envio de materiais ou com uso de dispositivos de comunicação<br />
síncrona. Estas avaliações podem ser realizadas presencialmente em uma<br />
sala de aula do tipo “laboratório de informática”, em data e horário definido<br />
pelo professor. Orientado à gestão acadêmica, tendo em vista tratar-se<br />
de um LMS, as funções administrativas descritas no subitem VI (gestão<br />
acadêmico-administrativa, descrito no item ‘Bases Legais e de Qualidade...’)<br />
e previstas no Amadeus, referem-se ao cadastro de usuários no sistema,<br />
onde o professor tem um controle sobre quem pode matricular-se em um<br />
dado curso, e à manutenção de informações e conteúdos em banco de<br />
dados.<br />
No ensino superior na modalidade semipresencial<br />
Para a modalidade semipresencial, pode-se utilizar até 20% da<br />
carga horária considerada e deve-se justificar, conforme o que determina a<br />
legislação, a forma de computar o número de horas utilizadas na realização<br />
de atividades e os parâmetros utilizados nas avaliações.<br />
O Amadeus permite o planejamento de diversos tipos de atividades<br />
nas quais a forma de computar as horas necessárias à sua realização depende<br />
113
muito mais da experiência do professor na docência que da tecnologia em<br />
si mesma. Em uma atividade relacionada com leitura de textos e discussão<br />
entre pares, o professor pode configurar um fórum e determinar o tempo<br />
que os alunos necessitam para a leitura e compreensão de textos e, o tempo<br />
necessário para colocar as mensagens (posts) em função da carga horária<br />
semipresencial determinada. A participação dos alunos neste fórum pode<br />
ser avaliada conforme o conteúdo e o número de posts colocados. Atividades<br />
com vídeo e chat permitem o cômputo de horas e avaliação da participação<br />
de forma fácil, tendo em vista que este tipo de atividade utiliza um meio de<br />
interação síncrono.<br />
Nesta modalidade, de acordo com os princípios do Blended Learning,<br />
o uso de uma plataforma do tipo AVA permite ao professor combinar<br />
momentos presenciais com momentos a distância na realização de<br />
atividades orientadas ao auto-estudo ou à colaboração, a partir da utilização<br />
de recursos como fórum, chat, vídeo, áudio ou jogos. No Amadeus, estes<br />
e outros tipos de recursos disponíveis permitem a realização de variadas<br />
atividades de ensino e aprendizagem na modalidade semipresencial<br />
considerando-se os cenários de uso expostos a partir da interface Amadeus<br />
para a Web (ver item Experiência da aprendizagem com o Amadeus LMS).<br />
No ensino superior na modalidade presencial<br />
Na modalidade de ensino presencial, um LMS pode ser utilizado<br />
como instrumento de apoio às aulas presenciais. Neste caso, o uso do<br />
Amadeus LMS serviria como meio de facilitar a aprendizagem em<br />
atividades que se realizam fora do âmbito da sala de aula. Por exemplo,<br />
uma atividade de leitura e discussão de um assunto, definida para realizarse<br />
em um determinado número de aulas, poderia seguir por vários dias em<br />
momentos fora da sala de aula sem comprometer o planejamento das outras<br />
114
atividades. Esta é uma das formas possíveis de se estender as horas/aula<br />
planejadas para determinadas atividades.<br />
Com este LMS, a interação entre participantes pode ser melhorada<br />
nos momentos fora da sala de aula com o uso de quadros de aviso, enquetes,<br />
mensagens e na entrega de trabalhos. O uso de material impresso poderia<br />
reduzir-se consideravelmente com a disponibilização de material de<br />
aprendizagem online e com a realização de avaliações de forma presencial<br />
em salas do tipo “laboratório de informática”.<br />
O uso de Unidades de Aprendizagem padrão IMS LD no<br />
Amadeus<br />
Em uma perspectiva computacional, a especificação IMS LD<br />
permite a descrição de diversas situações de ensino e aprendizagem a<br />
partir de um grande número de estratégias/técnicas pedagógicas. A adoção<br />
desta especificação por softwares do tipo LMS traz uma série de vantagens:<br />
a possibilidade de reutilização de material educacional preparado<br />
previamente cuja qualidade tenha sido comprovada; o (re)uso de material<br />
produzido a partir de plataformas diversas; os materiais educacionais<br />
produzidos com esta especificação podem ser adaptados ao perfil do aluno<br />
permitindo melhorar o rendimento da aprendizagem; e, redução de custos<br />
de produção considerando-se a possibilidade de reuso de material.<br />
Com o objetivo de adaptar o Amadeus ao uso da IMS LD, optou-se<br />
pela integração do banco de dados desta plataforma a um banco de dados<br />
definido a partir de uma ontologia educacional de IMS LD (AMORIM<br />
et al., 2006, 2010), tendo em vista que esta ontologia representa de forma<br />
precisa as definições contidas nos documentos de IMS LD e permite<br />
facilitar a programação de aplicações compatíveis com esta especificação.<br />
Com o banco de dados definido, procedeu-se um estudo para a adequação<br />
das interfaces do Amadeus para a criação, edição, importação e exportação<br />
115
de Unidades de Aprendizagem (UA) no padrão IMS LD. Na Figura 12, vêse<br />
parte do processo de edição de uma UA no Amadeus.<br />
Figura 12 – Processo de criação de uma UA IMS LD no Amadeus<br />
Fonte: Amorim et al., 2010.<br />
Conforme a Figura 12, durante a edição de atividades em um curso<br />
de Plano de Negócios, em (A) a interface do módulo Gestão de Conteúdos;<br />
em (B), a edição de uma atividade de aprendizagem com os seus atributos<br />
conforme IMS LD: Descrição, Objetivos da Aprendizagem/ Pré-requisitos,<br />
116
os Recursos associados, a forma como a atividade deve ser completada e a<br />
descrição do feedback ao completar-se a atividade; e, em (C) uma visão geral<br />
da arquitetura software e as partes relacionadas com este processo de edição<br />
que, neste caso, realiza-se com o Módulo Gestão de Conteúdo (com círculo<br />
em vermelho) utilizando a ontologia IMS LD (diagrama no retângulo<br />
cinza). A aplicação Amadeus LMS é composta por vários componentes que<br />
interagem para o correto funcionamento do sistema, representados em (C)<br />
na Figura 12. Durante a criação de uma UA, a ontologia é fundamental<br />
para garantir que os dados incluídos estão de acordo com as definições na<br />
documentação de IMS LD. Desta forma, garante-se a representação de um<br />
curso dado na forma de uma Unidade de Aprendizagem correta, conforme<br />
esta especificação.<br />
CONCLUSÕES<br />
Neste capítulo apresentamos a plataforma Amadeus de um sistema<br />
de gestão de aprendizagem. O mesmo é composto por um conjunto diverso<br />
e crescente de módulos. A utilização de cada um desses módulos pode ser<br />
planejada com facilidade e a operação de uma metodologia para EAD é<br />
bastante simples. O Amadeus foi todo projetado com técnicas de Design<br />
Centrado no Usuário, o que lhe confere um alto padrão de usabilidade,<br />
portanto, de facilidade de uso. Os diversos cenários de uso no contexto da<br />
educação superior indicam que a adoção do Amadeus facilita os processos<br />
de tutoria e mediação por meio desta plataforma.<br />
117
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Agradecimentos<br />
Este trabalho foi apoiado pelo Instituto Nacional de Ciência e<br />
Tecnologia para Engenharia de Software (INES), financiado pelo CNPq e<br />
FACEPE, processos 573964/2008-4 e APQ-1037-1.03/08.<br />
120
A Edificação dos Saberes<br />
para o Exercício da Tutoria<br />
a Distância: o caso dos<br />
professores-tutores do curso<br />
de pedagogia a distância da<br />
UERJ 1<br />
Edméa Santos<br />
(UERJ)<br />
INTRODUÇÃO<br />
A pesquisa contemporânea sobre formação de professores vem<br />
atentando para a relação complexa e interativa entre histórias de vida,<br />
formação inicial e continuada e as aprendizagens construídas ao longo da<br />
carreira e do exercício da profissão, em que o docente interage e aprendem<br />
com seus estudantes, seus pares, gestores, comunidade escolar e com a<br />
sociedade mais ampla. Nem sempre foi assim. Até a primeira metade do<br />
século XX, o foco sobre a formação de professores centrava-se na formação<br />
1 Este texto é produto da pesquisa “Docência na Cibercultura”, que contou com o apoio do<br />
Edital Universal CNPq 2007, com Programa Prociência UERJ-FAPERJ e com o Programa de<br />
Iniciação Científica da UERJ.<br />
121
inicial direcionada à aprendizagem de saberes disciplinares. Formar<br />
o professor significava, sobretudo, formar profissionais conhecedores<br />
dos conteúdos que deveriam ministrar em seu exercício docente. O que<br />
ensinar? Era e ainda é, em alguns contextos, principalmente na formação<br />
inicial de grande parte dos cursos de Licenciatura e de aperfeiçoamento<br />
no Brasil, a grande questão. Contudo, compartilhamos com D’Ávila (2008)<br />
o entendimento de que, na contemporaneidade, convivemos com diversos<br />
modelos de formação docente, entre os quais se destacam: o modelo<br />
artesanal, o modelo instrumental-tecnicista, o modelo sociopolítico e os<br />
“novos paradigmas de formação”, como a “epistemologia da prática” e a<br />
“fenomenologia existencial”.<br />
Neste trabalho daremos ênfase ao “paradigma da epistemologia da<br />
prática”, onde a partir do conceito de saberes e do processo de edificação dos<br />
saberes docentes segundo Tardif dialogamos com alguns professores-tutores<br />
que atuam nos cursos de Pedagogia e Licenciatura da UERJ no Consórcio<br />
CEDERJ. Desse diálogo mapeamos como estes profissionais formam e se<br />
formam. A expressão “edificação dos saberes” é tratada por Tardif como<br />
metáfora para ilustrar que o processo de formação de professores é um<br />
processo sempre em construção.<br />
SOBRE SABERES E A EDIFICAÇÃO DE SABERES<br />
DOCENTES. DESAFIOS PARA A DOCÊNCIA ONLINE<br />
A formação de professores é composta por uma diversidade de<br />
processos e saberes oriundos dos campos da formação pessoal e profissional,<br />
dos saberes disciplinares e curriculares, da experiência. Por nos apresentar<br />
de forma mais sistematizada uma teoria sobre os tipos e origens dos saberes<br />
da docência e dos docentes, vale a pena destacarmos no Quadro 1 uma<br />
síntese das origens e tipos de saberes docentes segundo Tardif (2002).<br />
122
Origens dos saberes docentes<br />
Tipos de saberes docentes<br />
Saberes pessoais – são provenientes<br />
das vivências familiares, dos<br />
processos sociais primários, da<br />
nossa história de vida em processos<br />
educacionais mais amplos e não<br />
formais.<br />
Saberes da formação escolar – são<br />
provenientes da nossa trajetória<br />
escolar formal, dos modelos de<br />
professores que tivemos e pela<br />
socialização pré-profissional.<br />
Saberes da formação profissional<br />
– são provenientes da preparação<br />
para a vida profissional nos cursos<br />
de formação inicial e continuada<br />
intencionalmente promovidos para a<br />
formação para o mundo do trabalho.<br />
Saberes da experiência – são<br />
provenientes do exercício concreto<br />
da profissão em interação com<br />
os estudantes, as instituições<br />
empregadoras.<br />
Quadro 1 – Edificação dos saberes docentes segundo Tardif<br />
Saberes disciplinares – são<br />
apresentados pelas instituições<br />
formadoras, universidades ou cursos<br />
de formação de professores, a partir<br />
do currículo formal organizado por<br />
campos do conhecimento no formato<br />
de disciplinas.<br />
Saberes curriculares – são<br />
apresentados para além do conteúdo<br />
disciplinar. Correspondem aos<br />
modos e meios a partir dos quais as<br />
instituições organizam seus processos<br />
de ensino e aprendizagem.<br />
Os saberes da experiência costumam<br />
articular os saberes disciplinares e<br />
curriculares, apreendidos em situações<br />
formais com os saberes que emergem<br />
da prática docente via experiência de<br />
sala de aula ou nos demais espaços<br />
sociais da instituição de ensino. Nesse<br />
contexto os professores vivenciam<br />
conflitos e tensões ao articularem, ou<br />
não, saberes pessoais, da formação<br />
escolar e da formação profissional<br />
com as vivências do cotidiano e da<br />
experiência docente. Portanto, os<br />
saberes da experiência são advindos de<br />
todo o processo e formação humana<br />
vivenciados pelos docentes ao longo<br />
da sua itinerância do mundo da vida e<br />
da profissão.<br />
123
No quesito “saberes da experiência”, Tardif apresenta-nos o desafio<br />
de atentarmos para uma epistemologia da prática docente como fonte<br />
de conhecimentos para uma melhor compreensão da docência e do ato<br />
de ensinar para além da racionalidade técnica. O ambiente de trabalho<br />
é, para este autor, o locus privilegiado para a instituição dos saberes da<br />
experiência. Para tanto, é preciso “[...] mobilizar uma ampla variedade de<br />
saberes reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo<br />
e para o trabalho” (TARDIF, 2002, p. 21). Saberes estes que se articulam<br />
como um “amálgama” dos saberes advindos da formação da formação<br />
inicial (disciplinares), da formação continuada, que pode se constituir<br />
por processos formais e não formais de educação, a exemplo dos saberes<br />
edificados a partir da emergência de situações concretas no e do ambiente<br />
de trabalho, em sintonia, ou não, como os processos institucionais e da<br />
sociedade mais ampla.<br />
Nesse sentido, o processo formativo precisa ser narrado pelo<br />
sujeito que aprende com seus pares. Aqui, não só a reflexão de si e sobre<br />
si é importante, como também a partilha desses sentidos pessoais com<br />
os sentidos de outros aprendentes envolvidos no contexto mais amplo do<br />
processo formativo. Nas práticas pedagógicas mediadas por tecnologias<br />
digitais em rede, precisamos atentar para este processo de edificação<br />
dos saberes docentes, questionando inclusive os sentidos dessas práticas<br />
docentes, tratadas, quase sempre como práticas de tutoria.<br />
A educação online é uma modalidade de educação que pode<br />
ser vivenciada ou exercitada tanto para potencializar situações de<br />
aprendizagem mediadas por encontros presenciais, quanto a distância, caso<br />
os sujeitos do processo não possam ou não queiram se encontrar face a<br />
face; ou ainda situações híbridos, nas quais os encontros presenciais podem<br />
ser combinados com encontros mediados por tecnologias telemáticas<br />
(SANTOS, 2005).<br />
124
No Brasil, a educação online é um fenômeno novo. As primeiras<br />
práticas e projetos começam a aparecer com a internet e suas interfaces na<br />
segunda metade da década de 1990. Nos últimos 15 anos contamos com<br />
algumas experiências formativas, principalmente por conta da legislação<br />
brasileira, que vem sendo favorável às práticas de EAD e de educação<br />
online, bem como à emergência, ao crescimento e à diversidade de projetos<br />
e pesquisas na área. A evolução das interfaces digitais da internet, mais<br />
especificamente os ambientes online de aprendizagem, vem contribuindo<br />
para que práticas pessoais e institucionais se desenvolvam.<br />
A formação pessoal e a história de vida são fontes fundamentais na<br />
edificação os saberes da docência. Memórias de professores que tivemos,<br />
sejam dos bons ou dos maus profissionais, acabam corroborando para a<br />
instituição das nossas experiências profissionais e formadoras. Contudo, no<br />
que se refere à formação de professores para a docência online, poucos são<br />
os docentes que podem contar com essas memórias e narrativas.<br />
Nesse sentido, precisamos contar com os saberes da formação<br />
profissional fundados na experiência profissional e curricular. Muitos<br />
docentes online formam-se no contexto das suas primeiras experiências<br />
profissionais, aprendendo com seus pares e em sua relação com seus<br />
estudantes. Muitas instituições costumam formar suas equipes com projetos<br />
de cursos de aperfeiçoamento que se centram, quase sempre, nas diretrizes<br />
e dinâmicas do seu currículo ou desenho didático-específicos. Os processos<br />
de formação curricular, conforme descreve Tardif, são aqueles provenientes<br />
dos processos de organização das práticas específicas de cada instituição<br />
formadora. No caso específico da docência online precisamos conhecer<br />
como os saberes para a docência online estão edificando-se nas práticas<br />
cotidianas, escutando e dialogando com os praticantes e suas narrativas.<br />
Para tanto apresentaremos a seguir dados de como os professores-tutores a<br />
125
distância da UERJ-CERDERJ edificaram e edificam seus saberes no e para<br />
o exercício da docência online.<br />
SABERES DA DOCÊNCIA ONLINE: O CASO DOS<br />
PROFESSORES-TUTORES DA UERJ-CEDERJ<br />
Conforme destacamos no resumo desse texto, trabalhamos com a<br />
abordagem qualitativa e a metodologia da pesquisa-formação. A pesquisaformação<br />
não separa a experiência acadêmica da prática profissional do<br />
pesquisador e dos sujeitos envolvidos. (SANTOS, 2006) Lançamos mão de<br />
diversos dispositivos (conversas informais, diálogos durante grupo de estudo<br />
e pesquisa, análise dos debates em fóruns de discussão online, observação<br />
das práticas pedagógicas via ambiente virtual de aprendizagem, cineclube<br />
e grupo focal), ou seja, meios materiais e intelectuais para mapearmos os<br />
saberes e como estes são edificados no contexto das práticas pedagógicas<br />
e de formação de professores-tutores da UERJ-CEDERJ. Da análise<br />
dos dados chegamos a categorias compreendidas por nós como noções<br />
subsunçoras. As noções subsunçoras são as categorias analíticas frutos da<br />
análise e interpretação dialógica entre empiria e teoria num processo de<br />
aprendizagem significativa (SANTOS, 2005). Entendemos a pesquisa como<br />
prática de formação, portanto como processo legítimo de formação e de<br />
aprendizagem significativa não só referente ao pesquisador coordenador da<br />
pesquisa, como também dos praticantes envolvidos. A seguir traremos das<br />
noções subsunçoras advindas desse diálogo entre teoria e prática.<br />
Conforme ilustramos no item ‘Sobre Saberes e a Edificação...’,<br />
os saberes da docência podem ser edificados no contexto da formação<br />
inicial, continuada, da experiência profissional e da história de vida dos<br />
docentes. Nesses contextos destacamos os saberes curriculares (referentes<br />
ao saberes institucionalizados), disciplinares (referentes aos conteúdos<br />
126
e métodos da disciplina ou área de atuação) e da experiência (referentes<br />
aos saberes que emergem da relação professor-alunos-pares-comunidade<br />
escolar). Em nossa pesquisa com os professores-tutores, verificamos que<br />
grande parte dos saberes mobilizados e edificados surgiu da experiência<br />
da prática pedagógica construída ao logo do exercício profissional na<br />
universidade. Dos saberes da experiência, destacamos a seguir algumas<br />
noções subsunçoras mapeadas por nós.<br />
Relação com os professores-coordenadores<br />
A interação do professor-tutor com seu coordenador de disciplina<br />
inicia-se no momento do processo seletivo. Na parceria entre universidade<br />
e Fundação CEDERJ Cecierj, cabem à universidade a seleção (elaboração<br />
e aplicação dos instrumentos de seleção: prova teórica, entrevista e prova<br />
de títulos) da equipe e a formação continuada e permanente desses<br />
profissionais. Ao consórcio cabe a garantia das condições de formação<br />
continuada (infraestrutura e remuneração da equipe [no modelo de bolsas]).<br />
Após a seleção dos profissionais, o Consórcio CEDERJ é responsável pela<br />
capacitação inicial da equipe. Essa atividade tem como objetivo apresentar<br />
institucionalmente o consórcio, explicando as funções e papéis de cada atorinstituição<br />
envolvidos no sistema. Além disso, são debatidos coletivamente<br />
temas referentes à metodologia de EAD adotada pelo consórcio (concebida<br />
como semipresencial, por contar com a possibilidade de atividades<br />
presenciais serem promovidas nos pólos presenciais), as diretrizes para o<br />
exercício da tutoria a distância e uma breve apresentação da plataforma<br />
de EAD. Após esse momento de capacitação, todos os tutores passam a<br />
interagir diretamente com o seu coordenador de disciplina.<br />
127
Em tese, cabe ao coordenador de disciplina cuidar e garantir da<br />
formação continuada e permanente de sua equipe. Entretanto, nem sempre<br />
essa formação continuada e permanente é garantida. Muitos professorestutores<br />
sinalizaram esse dilema. Grande parte dos coordenadores não<br />
discute suas estratégias com a equipe. A grande maioria se dedica<br />
exclusivamente aos conteúdos e às avaliações presenciais e a distância. Os<br />
encontros formativos, muitas vezes, se limitam às discussões dos temas da<br />
disciplina e muito pouco se discute em relação a metodologia para a prática<br />
online na plataforma.<br />
A plataforma de EAD é um software proprietário, criado e gerido<br />
pelo consórcio para o exercício das atividades online. Em última análise<br />
a plataforma equivale à sala de aula online, na qual os professores-tutores<br />
interagem com seus alunos, que estão geograficamente dispersos. No<br />
contexto do exercício profissional mediado pela plataforma é que os saberes<br />
da tutoria online são edificados. Contudo, a qualidade desse exercício<br />
profissional depende diretamente da relação construída entre o professortutor<br />
com seu coordenador de disciplina. Essa noção subsunçora emergiu<br />
fortemente em todos os dispositivos da pesquisa. Se a relação é dialógica,<br />
coparceira, as práticas fluem com mais qualidade se aproximando mais<br />
da docência online. As práticas vão além da tutoria a distância reativa,<br />
ou seja, uma tutoria a distância reativa se efetua apenas pelo exercício<br />
de “tirar dúvidas” (na plataforma ou no serviço telefônico do 0800) dos<br />
alunos referentes aos conteúdos e atividades disponibilizados no material<br />
institucional e da administração burocrática de cronogramas com datas de<br />
exames, avaliações ou atividades de autoestudo. Vejamos depoimentos dos<br />
praticantes:<br />
A qualidade fica muito a cargo da coordenação de disciplina. Eu tive<br />
uma troca de coordenação de disciplina e minha prática saiu de um polo<br />
128
para outro. Dizia a nova coordenadora: “vamos criar fóruns de discussão,<br />
disponibilizar vídeos, vamos fazer uma avaliação diferenciada, se não tem<br />
como inserir vídeos na plataforma vamos gravar em casa e mandar para<br />
o polo”. Daí vi que o movimento fica outra coisa com o coordenador de<br />
disciplina. Quando eu me deparei com a questão, vi que eu tinha cinco<br />
coordenadores, dois tinham este pensamento e três não. Ai eu percebi<br />
nitidamente que a atuação do tutor depende diretamente do coordenador.<br />
Este ano teve novamente troca de coordenação e eu fiquei cerceada com<br />
todas as letras. Eu já tinha feito fórum de discussão online com mais de 200<br />
alunos, onde tivemos setecentas e tantas entradas. Daí perguntei para a nova<br />
coordenadora “vamos continuar fazendo fórum?” E a nova coordenação disse:<br />
“de jeito nenhum, impossível fazer fórum com tantos alunos, isso é inviável”.<br />
Aí perguntei a ela: “qual a minha atuação na sua disciplina?” Ela respondeu:<br />
“responder a plataforma e o telefone 0800” (Prata, 2009).<br />
Eu tenho uma coordenadora que eu me sinto docente porque ela me solicita,<br />
troca muito comigo e outra que eu sou uma tutora reativa por completo em<br />
outra. Eu percebo isso claramente e é uma confusão dentro de mim. Ora você é<br />
docente, não é nem o poder...é a autoria estabelecida você pode oferecer...e na<br />
outra você não pode (Prata, 2009).<br />
Tem coordenador que não te dá a liberdade, mesmo que você queria não<br />
pode abrir fórum em uma determinada disciplina, porque o coordenador<br />
não permite. Este diferença eu também tive. Passei por quatro coordenações<br />
diferentes. Três coordenações foram completamente reativas [...] A partir do<br />
momento que tem troca, parceria e uma estrutura e um direcionamento você<br />
muda sua prática completamente. [...] por trás de uma boa tutora tem sempre<br />
um bom coordenador (Esmeralda, 2009).<br />
As vozes dos professores-tutores revelam que, se a coordenação da<br />
disciplina não tem clareza do potencial da educação online, as práticas da<br />
tutoria a distância estão comprometidas. Há uma hierarquia no sistema.<br />
129
A prática acadêmica é responsabilidade da coordenação da disciplina.<br />
O coordenador é o professor universitário. A grande maioria dos<br />
coordenadores são professores concursados da universidade, que estudam e<br />
pesquisam na área de atuação da disciplina que coordenam. Os professorestutores<br />
são bolsistas remunerados pelo CEDERJ e não possuem vínculos<br />
empregatícios, direitos trabalhistas e autonomia acadêmica. Contudo,<br />
alguns coordenadores trabalham em regime de coautoria com sua equipe<br />
de tutoria. Esta equipe passa a não ser apenas executora de processos e<br />
produtos, mas também coautora desses processos e produções. Os dados<br />
específicos dessa noção subsunçora revelam que é preciso investimento<br />
não só na formação dos professores-tutores para um bom exercício da<br />
educação online, como também na formação continuada dos professores<br />
coordenadores. Grande parte dos coordenadores são especialistas nos<br />
conteúdos disciplinares e pouco discutem as especificidades da docência<br />
online.<br />
Investimento pessoal e pouco investimento institucional:<br />
formação em espaços plurais de aprendizagem<br />
Após a capacitação que se segue ao processo seletivo, fica a cargo da<br />
grande maioria dos professores-tutores a responsabilidade pela formação<br />
continuada. Os professores-tutores que estão deste o inicio do projeto na<br />
UERJ revelaram que foram poucas as iniciativas institucionais de formação<br />
continuada para o exercício da docência online. A maior parte dos<br />
coordenadores de disciplina encontram-se com suas equipes apenas para<br />
planejar e avaliar as atividades do período (elaboração do cronograma e<br />
guia da disciplina, avaliação dos resultados da aprendizagem dos alunos,<br />
planejamento de atividades e avaliações presenciais e a distância). Apenas<br />
uma pequena parte dos coordenadores criam e fazem gestão de grupos<br />
130
de estudos com suas equipes. Os docentes revelaram que, por iniciativa<br />
própria, o grupo de tutores a distância do curso de Pedagogia criou um<br />
grupo de estudos, no qual textos, pesquisas e práticas pedagógicas eram<br />
compartilhadas num clima de prazer e colegialidade. Esse grupo de estudos<br />
foi dissolvido em 2008, por conta de mudanças na infraestrutura e gestão<br />
geral do projeto na universidade. Revelaram alguns professores-tutores:<br />
De um dia pra noite chegamos aqui e não tínhamos onde ficar.<br />
Literalmente perdemos nossa sala de trabalho. Ficamos sem sala, sem rede,<br />
sem computadores, sem espaço para correção de provas (Esmeralda, 2009).<br />
Em 2007 o projeto-piloto trouxe esperança de valorização. Em<br />
2008 circulava a informação que nada vai mudar, que tudo vai piorar, isso<br />
nos deixou bastante desmotivados. [...] O reconhecimento do trabalho do<br />
professor-tutor demorou a chegar.<br />
O projeto-piloto citado pela tutora corresponde a uma iniciativa de<br />
formação continuada, via pesquisa-ação, na qual trabalhamos com a equipe<br />
de tutoria a distância com um curso online (projeto-piloto da pesquisa em<br />
questão que durou três meses) e em que os 40 professores-tutores puderam<br />
exercitar a discência online noutro ambiente virtual de aprendizagem.<br />
Além de questões específicas da educação e docência online, pudemos<br />
vivenciar com mais intensidade a comunicação síncrona e assíncrona. Uma<br />
professora-tutora chegou a constatar que mesmo atuando com os colegas<br />
num mesmo espaço físico, que é a sala de tutoria a distância, a interação<br />
entre os pares foi mais potencializada durante a interação online no projetopiloto.<br />
Vejamos:<br />
Estamos trabalhando lado a lado por três anos, e a nossa interação não é tão<br />
grande quanto aqui. Viu como o online agrega as pessoas?!?! Está sendo muito<br />
enriquecedor conhecer um pouco mais de cada um! Tenho certeza que nossos<br />
encontros – presenciais ou online – irão bombar daqui por diante (Safira, 2007).<br />
131
Nesse projeto–piloto detectamos que grande parte da equipe<br />
não tinha vivenciado ainda a mediação online nas interfaces síncronas e<br />
assíncronas. Constatamos que grande parte da equipe não mediava sequer<br />
fóruns de discussões online. Grande parte da equipe atuava, e ainda atua<br />
apenas na “sala de tutoria”, que é uma interface específica para tirar dúvidas<br />
dos alunos referentes ao conteúdo do material instrucional.<br />
Além da ação colegiada do grupo de estudos, da participação no<br />
curso online piloto por nós organizado, alguns professores citaram no início<br />
do projeto a participação em grupos de pesquisa. Essa experiência em<br />
grupos de pesquisa foi destacada por alguns professores-tutores que, antes<br />
ou depois de aturem no sistema, puderam, como alunos de graduação, pósgraduação<br />
ou bolsistas em programas variados da universidade, vivenciar<br />
discussões mais formais sobre EAD, Educação e Tecnologias, Informática<br />
na Educação, entre outros. Vejamos algumas falas retiradas do fórum online<br />
sobre memórias da docência online:<br />
Como me tornei um docente online? Tudo começou na UERJ, quando estava<br />
fazendo o curso de Pedagogia, tive o prazer de ter como minha professora e<br />
futura orientadora Raquel Villardi, com quem trabalhei e pesquisei sobre<br />
EAD e o uso das novas Tecnologias no grupo de pesquisa. Essa foi minha 1ª<br />
experiência como docente online. Quando terminei a graduação comecei a<br />
trabalhar no município como Professor <strong>II</strong> e prestei o concurso para tutoria<br />
daqui, continuando depois meus estudos na Pós sobre Tecnologia Educacional<br />
(Rubi, 2007).<br />
Oiê!! Quase toda a minha família é formada por professores, sempre<br />
acompanhei as conversas, eventos, planejamentos, estudos... Vira e mexe estava<br />
“implorando” para ajudá-los (ou atrapalhá-los) de alguma forma. Me formei no<br />
Ensino Médio, antigo Normal, e desde então não parei mais!! Minha experiência<br />
com a EAD começou como aluna, fiz o adicional em Educação Infantil na<br />
Fundação Brasileira de Educação - Projeto Crescer, era semipresencial com<br />
132
materiais impressos, aulas e avaliações mensais (presenciais). Continuei a<br />
minha trajetória como educadora, fiz a graduação em Pedagogia na UERJ o<br />
extinto CPM e/ou PEDSI, ingressei em 2004/2 como tutora a distância das<br />
Licenciaturas e atualmente integro o Laboratório de Tecnologias Cognitivas<br />
na UFRJ como aluna. (...) Tchurma, o LTC tem como objetivo: Investigar a<br />
integração das tecnologias da informação e comunicação em contextos educativos<br />
presenciais e a distância de formação discente, docente e de profissionais nas áreas<br />
das ciências e saúde, por meio de pesquisa, desenvolvimento e implementação de<br />
sistemas hipermídia e de ambientes virtuais de aprendizagem. Há duas linhas<br />
de pesquisas, a da qual participo é a Tecnologia Educacional nas Ciências e na<br />
Saúde. Ultimamente estou até o “topo” envolvida num projeto que iniciaremos<br />
(amanhã) em parceria com a SME/RJ, um curso-piloto chamado: Internet na<br />
Educação - recursos e aplicações para os professores que trabalham nos Núcleos<br />
de Tecnologias, os multiplicadores na Info Educativa. Depois do encontro conto<br />
mais [...] (Vênus, 2007).<br />
Ao sair do normal, entrei para Educação Artística/História da Arte na UERJ.<br />
E lá me apaixonei imensamente pela área. Já gostava, fazia curso de pintura,<br />
desenho. Tive bolsa de iniciação à docência, com a professora Raquel Villardi,<br />
e lá ela me “juntou” mais ainda à área de Design, que tanto gostava. No final da<br />
faculdade estudei também Programação Visual no SENAI, e logo depois entrei<br />
para o Mestrado em Design na PUC-RIO. Isso poderia ter me afastado da área<br />
de educação, mas já trabalhava no Estado, no Município e minha pesquisa era<br />
relacionada ao ensino de Design [...] (Marte, 2007).<br />
As falas revelam a importância da participação em grupos de pesquisa.<br />
A pesquisa é base para a produção do conhecimento, principalmente<br />
quando tem relação direta com a reflexão na e sobre a ação docente.<br />
Infelizmente essas iniciativas não passam, ou passam muito pouco, por<br />
ações institucionalizadas. A partir de 2008, iniciamos de forma intencional,<br />
discussões e debates mais direcionados ao exercício da educação e da<br />
docência online, bem como a discussão mais ampla sobre Cibercultura e<br />
Educação. Nesse contexto contamos com a presença de alguns professores-<br />
133
tutores no GPDOC – Grupo de Pesquisa Docência na Cibercultura – onde<br />
realizamos estudos diversos, como a pesquisa “Docência na cibercultura:<br />
laboratórios de informática, dispositivos móveis e educação online”. Durante<br />
o período de setembro de 2007 até a presente data buscamos desenvolver<br />
algumas experiências formativas com os professores-tutores no contexto<br />
das atividades do grupo de pesquisa. Contudo, percebemos a necessidade<br />
de atuarmos mais formalmente, responsabilizando a UERJ e o CEDERJ<br />
pela formação continuada e permanente de sua equipe de tutoria. Ao<br />
mesmo tempo reconhecemos a importância de envolvermos os tutores em<br />
projetos de pesquisa acadêmica. Vejamos a fala de uma professora-tutora<br />
que é membro do grupo de pesquisa GPDOC de forma livre e espontânea:<br />
Participar do grupo de pesquisa tem contribuído para minha mudança<br />
de postura na forma de trabalhar com a EaD. Pois a partir dos textos lidos,<br />
discutidos, e da reflexão na escrita de diferentes autores, foi possível ver a<br />
diferença da prática do tutor “reativo” para o docente online. Este proporciona<br />
discussões, valoriza o diálogo, trabalha na construção de um ambiente real<br />
de aprendizagem. Ele assume seu papel na construção da interatividade nesse<br />
ambiente. O docente online permite, a partir da sua prática, que o aluno veja<br />
que autonomia no estudo não quer dizer “aprender sozinho”. Isso é impossível!<br />
Sem sentido! Isso é uma “chatonomia”! Pois o diferencial está em cooperar,<br />
pensar junto! Discordar, apresentar argumentos, reconstruir questionamentos<br />
etc. E o docente online está nesse processo, assumindo esse espaço, e sua<br />
responsabilidade!! Tudo que estou falando aqui é conhecimento construído<br />
com minhas colegas (e amigas) do grupo de pesquisa!! É fruto da formação<br />
docente no GPDOC (Pérola, 2009).<br />
A criação do GPDOC aconteceu no momento da minha atuação<br />
como coordenadora de tutoria do curso de Pedagogia da UERJ-CEDERJ.<br />
Atuei na coordenação de tutoria no período de abril de 2008 a junho de<br />
134
2009. A experiência foi bastante gratificante, pois me permitiu conhecer de<br />
perto as dinâmicas e limites da função, junto à complexidade do sistema.<br />
Fazer pesquisa acadêmica e atuar na gestão de processos educacionais foi<br />
uma experiência desafiadora.<br />
A mediação online e a potencialização da aprendizagem do<br />
aluno online<br />
Criar conteúdos hipertextuais, sistematizar narrativas, criar<br />
ambiências para que novas narrativas sejam construídas e socializadas,<br />
provocar novas situações de aprendizagem colaborativas e cooperativas,<br />
não são práticas fáceis. Tornam-se dilemas docentes concretos quando<br />
acreditamos que essas práticas só são interativas se os discentes forem de fato<br />
coautores. Conforme sabemos, os discentes online também são constituídos<br />
por práticas docentes ainda sustentadas por pedagogias transmissoras e<br />
lineares. Muitos não entendem e não se dispõem à cocriação interativa,<br />
ainda preferem o consumo de conteúdos pré-fabricados e a replicagem<br />
destes nos exames para certificação. Contudo, quando a mediação online<br />
é de qualidade, o aluno também se transforma passando a vivenciar a<br />
valorizar mais as práticas interativas.<br />
Quando atuamos para além da tutoria reativa os alunos percebem nitidamente<br />
a mudança. Eu tive a resposta agora na prova presencial. Os alunos deixaram<br />
relatos que adorariam se toda tutoria a distância fosse assim mais interativa<br />
(Esmeralda, 2009).<br />
Quando conseguimos que os estudantes online soltem suas vozes,<br />
suas narrativas, suas imagens, suas oralidades, podemos dizer que a<br />
docência online realmente foi vivenciada. A máxima de Freire (1996, p. 22)<br />
135
“não existe docência sem discência” é proposição também para a docência<br />
online.<br />
Um docente online deve logo de início aprender que o discente<br />
online não tem que responder às suas perguntas do docente, como se ele<br />
estivesse sendo arguído. Nas interfaces assíncronas temos ambiências<br />
comunicacionais para exercitarmos nossa autoria. Como deve se comportar<br />
o docente online nestas mediações? Devemos literalmente explicar para o<br />
discente que a participação pode acontecer quando um colega comenta uma<br />
mensagem de outro, questionando, trazendo uma dúvida para compartilhar<br />
com um colega, e com os docentes, socializando outras leituras, outros<br />
links. Então a participação online se dá como estratégia de coautoria. É<br />
sempre importante agregar novos debates. Um novo enunciado, uma nova<br />
provocação, são sempre novos “pré-textos” para mais e melhores debates<br />
Especificidades da docência online: do uso técnico das<br />
interfaces digitais às autorias na cibercultura<br />
A sala de aula do docente online é o ambiente virtual de aprendizagem<br />
(AVA). Ambientes virtuais de aprendizagem ou “plataformas de EAD”<br />
são soluções informáticas que reúnem, numa mesma plataforma, várias<br />
interfaces de conteúdos e de comunicação síncronas e assíncronas, onde<br />
podemos educar e nos educarmos com os praticantes geograficamente<br />
dispersos, produzindo e interagindo com narrativas digitalizadas que<br />
circulam em rede (SANTOS, 2010). Para muitos professores-tutores,<br />
os primeiros contatos com os AVA são o começo de uma carreira na<br />
cibercultura, bem como uma construção cultural que se expande para além<br />
do AVA utilizado em seu exercício profissional.<br />
Em nossa pesquisa, constatamos que alguns professores-tutores,<br />
antes do ingresso na carreira, já atuavam com outras soluções informáticas<br />
em rede. A experiência com as interfaces digitais e as redes online no social<br />
136
mais amplo pode potencializar a docência online, uma vez que esta ganha<br />
potência quando os sujeitos interagem em rede, trocando e compartilhando<br />
informações, saberes e conhecimentos, de forma colaborativa. Esses saberes<br />
são fundamentais para a autoria na cibercultura. Vejamos o que dizem<br />
alguns professores-tutores que já atuavam nas interfaces digitais antes de<br />
aturem com a plataforma do CEDERJ:<br />
Apesar de ter nascido numa época em que ainda não existia internet, e-mail<br />
(afinal, sou uma senhora balzaca)... o online acabou se fazendo presente na<br />
minha vida. No finalzinho da minha adolescência, a internet começou a se<br />
popularizar. Lembro-me que eu e minha tia dividíamos a prestação de um<br />
“Lentium” e a mensalidade da Domain, um provedor da década de 90. Comecei<br />
minhas investidas virtuais pelo Mirc, UOL e depois ICQ. Foi nessa época<br />
que aprendi a mexer na internet, fuxicando em tudo. Tudo demorava muito.<br />
Lembro-me que só podíamos entrar na internet depois de meia-noite ou aos<br />
domingos, pois a conta de telefone pesaaaaaava! [rs] Aliás, foi num domingo<br />
chuvoso que, conectada à internet discada, conheci meu marido pelo ICQ [...]<br />
Foi amor à primeira teclada (Safira, 2008).<br />
Comecei a procurar um cursinho de informática. Podia ser que lá alguém<br />
conhecesse algumas noções básicas de Didática e me possibilitasse uma real<br />
aprendizagem. Encontrei um na Tijuca, num colégio que ficava na subida do<br />
morro da Formiga. Comecei o curso numa turma grande e, no final, éramos<br />
só eu e o professor. Só não foi tão ruim, porque o que perdi em interação com<br />
os colegas acabei ganhando em aprendizado técnico. Aí, já mais segura, decidi<br />
fazer uma pós-graduação em Informática Educativa na Unicarioca. Daí para<br />
o Mestrado em Educação na linha de pesquisa em Tecnologias de Informação<br />
e Comunicação nos processos educacionais na Estácio de Sá foi um passo.<br />
Quando terminei o mestrado, soube do concurso para tutores AD da UERJ e<br />
me candidatei à única vaga para Didática. Minha coordenadora gostou de mim<br />
e dos meus 25 anos passados em sala de aula e estou aqui. Hoje, continuo dando<br />
aulas no Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro, onde sou professora de<br />
Língua Portuguesa e trabalho como tutora também no FGV Online (Diamante,<br />
2007).<br />
137
Quando essas competências técnicas são mobilizadas, os saberes<br />
pedagógicos e comunicacionais são mais facilmente transpostos, sobretudo<br />
quando temos clareza de que essa transposição não consiste em copiar<br />
do presencial para o online estratégias que não contemplem o espaço da<br />
dialógica e da interatividade.<br />
A partir do momento que começamos a interagir no ciberespaço,<br />
com as potencialidades do hipertexto eletrônico, ao acessar informações<br />
digitalizadas (nos repositórios científicos, nos portais jornalísticos e<br />
artísticos, nas páginas pessoais, nas redes sociais) e interagir com e nas<br />
interfaces comunicacionais (fóruns, chats, blogs, softwares sociais, listas<br />
de discussões, web conferências) começamos a ver a docência presencial<br />
também com outros olhos. Muitos docentes estão tornando-se mais autores.<br />
Além da autoria e planejamento da aula em si, esses docentes tornam-se<br />
autores de imagens, textos, hipertextos, comunicações mais dialógicas e<br />
interativas. Vejamos o que diz a Esmeralda:<br />
Quando eu aprendi a usar a plataforma com suas potencialidades [...] percebi<br />
que, com aquele ambiente que já estava ali, nós poderíamos realmente fazer<br />
uma tutoria online que realmente mediasse. Vi como poderia realmente buscar<br />
o aluno. Porque, no começo (isso durou uns dois anos), vale a pena frisar, o<br />
aluno só participava do fórum para ter nota. Então se tivesse três participações,<br />
ele ganhava uma nota e somava com as avaliações dele. Daí o que eu descobri<br />
depois que eu me especializei [...] quando procurei saber o que de fato era uma<br />
docência online? Qual o potencial das interfaces? Como interagir melhor com<br />
o aluno a partir das interfaces? Daí percebi que os alunos poderiam procurar<br />
o tutor sem precisar de nota. Foi aí que eu comecei a fazer uma tutoria que<br />
lançava mão das interfaces. Não era nada diferente. Com a mesma plataforma,<br />
mas fazendo diferente. Fazendo com que o aluno sentisse a necessidade e o<br />
prazer de estar ali interagindo não só com o tutor, mas também com seus<br />
colegas de turma (Esmeralda, 2009).<br />
138
Esta fala revela como a aprendizagem técnica da plataforma foi falha<br />
e é insuficiente no início do exercício da tutoria a distância. Não há na<br />
instituição uma política de formação para uso da plataforma no contexto<br />
da educação online. Os tutores recebem inicialmente seus logins e senhas e,<br />
com base da experiência de exploração, vão descobrindo aos poucos ou com<br />
ajuda de pares mais experientes as funcionalidades das interfaces. Como a<br />
maior parte dos coordenadores de disciplinas só utilizam a interface “sala<br />
de tutoria”, para tira-dúvidas, a maioria das interfaces não são utilizadas<br />
ou são subutilizadas pelos professores-tutores. Estes, quando buscam<br />
formação, vão aos poucos se apropriando da técnica e inovando suas<br />
práticas nas dinâmicas da cibercultura. Quando os professores já ingressam<br />
no sistema com uma vivência anterior nas interfaces digitais, tudo fica mais<br />
fácil e o desenvolvimento da ação docente fica mais próximo das práticas<br />
de educação online.<br />
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA CONCLUIR: SABERES<br />
EM CONSTRUÇÃO...<br />
Em síntese o processo de edificação dos saberes dos professorestutores,<br />
até o ano de 2009, do curso de Pedagogia UERJ-CEDERJ acontece<br />
nas seguintes mediações:<br />
• Relação professor-tutor com seu coordenador de disciplina –<br />
quanto mais horizontal é a relação entre os sujeitos mais saberes<br />
são mobilizados;<br />
• Investimento pessoal do professor-tutor em sua formação<br />
continuada – quanto mais os professores-tutores interagem<br />
em grupos de estudos e pesquisa, se envolvem que situações de<br />
aprendizagem variadas mais interessante torna-se sua prática<br />
profissional;<br />
139
• Relação professor e aluno online – quanto mais os alunos<br />
participam das atividades online propostas pelos docentes<br />
mais instigante torna-se a prática docente. Quando os alunos<br />
estão interagindo mais no ambiente online e melhores situações<br />
de aprendizagem são mobilizadas, acontece um processo de<br />
retroalimentação nas práticas a online;<br />
• Aprender com a na cibercultura potencializa a prática da<br />
tutoria online – quanto mais os professore-tutore utiliza em<br />
sua vida cotidiana as mídias e interfaces digitais mais saberes<br />
são mobilizados e transpostos para o exercício da sala de aula<br />
online. Quanto mais aprendem a usar sua interface de trabalho<br />
(Plataforma CEDERJ) mais inspirações pedagógicas são<br />
promovidas.<br />
Os dados revelaram que o processo de edificação de saberes<br />
acontece principalmente no contexto da experiência dos professorestutores<br />
em seu exercício profissional, no diálogo com seus pares, alunos<br />
e coordenadores de disciplinas. Há pouco investimento institucional no<br />
processo de formação continuada de professores para o exercício da tutoria<br />
a distância. Urge investimento em políticas de formação continuada, bem<br />
como, melhorias nas condições de trabalho e investimento em processos<br />
de profissionalização da docência online. A formação desses profissionais<br />
não pode ser reduzida a cursos aligeirados de capacitação e nem a práticas<br />
tecnicistas de treinamento. Além de instituir políticas de formação inicial<br />
e continuada temos que questionar os processos de profissionalização<br />
perversos que não contemplam conquistas trabalhistas básicas, conquistadas<br />
pela categoria docente ao longo da história da profissão “professor”.<br />
140
Referências<br />
D’ÁVILA, Cristina. Formação docente na contemporaneidade: limites e<br />
desafios. In: Revista da FAEBA, Salvador, v. 17, n. 30, p. 33-43, jul./dez. 2008.<br />
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.<br />
São Paulo: Paz e Terra, 1996.<br />
SANTOS, Edméa O. Educação online: cibercultura e pesquisa-formação na<br />
prática docente. 2005. 354 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Educação,<br />
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.<br />
______. Portfólio digital: dispositivo e interface para a prática da avaliação<br />
formativa em educação online. In: SILVA, Marco (Org.). Painel: avaliação da<br />
aprendizagem em educação online. Recife: UFPE; ENDIPE, 2006.<br />
______. Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultura. In:<br />
SILVA, M.; PESCE, L.; ZUIN, A. (Org.). Educação online: cenários, formação e<br />
questões didático-metodológicas. Rio de Janeiro: WAK Ed., 2010. p. 29-48.<br />
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,<br />
2002.<br />
141
Nova Didática Mediada<br />
pelas Tecnologias Digitais<br />
Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo<br />
(UTFP)<br />
O objetivo deste capítulo é apresentar reflexões sobre uma nova<br />
cultura em que professores e alunos realizam interações colaborativas<br />
mediadas pelas tecnologias digitais. Essas reflexões são resultados de dezoito<br />
anos de pesquisa junto a professores da Educação Básica e da Educação<br />
Superior como pesquisadora, formadora de formadores, e docente em sala<br />
de aula do Ensino Superior. A análise e interpretação dos dados apoiamse<br />
em eixos que emergiram de uma análise das falas de docentes em<br />
fóruns de discussão presenciais e online, de perguntas feitas em palestras<br />
e comunicações orais nos congressos da ABED. Coletaram-se dados,<br />
também, em oficinas realizadas com professores, em diferentes encontros<br />
do Seminário Pedagogia em Debate e das quatro edições do Seminário<br />
Nacional Promoção de Inclusão Mediada pelas Tecnologias Assistivas. Ao<br />
longo desses anos, constatamos que ainda não se criou de fato uma nova<br />
didática porque os meios mudam, mas as concepções dos professores e dos<br />
alunos permanecem arraigadas a uma cultura mediática unidirecional e<br />
responsiva ou degenera para uma cultura mediática de apatia. Os hábitos<br />
de professores e alunos não mudaram substancialmente nesses dezoito<br />
anos, embora os suportes tecnológicos sejam significativamente diferentes.<br />
Há muita informação e pouco conhecimento. Em paralelo, constatamos,<br />
tanto em instituições de ensino públicas como privadas, inúmeros<br />
143
oásis de interação social intencional e de colaboração que aproveitam<br />
as potencialidades das tecnologias digitais para a criação de redes<br />
colaborativas de aprendizagem. Nesses contextos, constatam-se, a seleção<br />
da informação e o aprofundamento do conhecimento, o desenvolvimento<br />
de comunidades de prática, de pesquisa, de aprendizagem, e produção de<br />
conhecimento. Ensaios, artigos, trabalhos para eventos produzidos em<br />
conjunto, aproveitando os talentos e as capacidades individuais para a<br />
melhoria do indivíduo e do grupo. De que modo? É sobre isso que este<br />
estudo se desenvolve.<br />
Introdução<br />
As transformações sociais ocorridas durante e depois da Segunda<br />
Guerra Mundial provocaram mudanças imediatas no mercado de trabalho,<br />
nos costumes, nos meios de comunicação. As telecomunicações e as redes<br />
de computadores no decorrer da segunda metade do século XX ampliaram<br />
as possibilidades de se informar sobre o que acontece no dia a dia local e<br />
regional. Neste final de primeira década do século XXI, as pessoas em todo<br />
o mundo podem assistir em tempo real a erupção de um vulcão no norte<br />
da Europa; da mesma forma um médico pode coordenar uma cirurgia do<br />
coração com uma nanotecnologia como se ele pudesse estar navegando por<br />
uma artéria e sem estar na mesma sala de cirurgia, até mesmo, estar no<br />
outro lado do mundo.<br />
Se nos perguntarmos como chegamos a essa tecnologia de ponta,<br />
teremos com certeza como resposta: muito estudo, muita pesquisa,<br />
muita indagação, muito comprometimento. Pesquisa, estudo, trabalho,<br />
comprometimento, obstáculos vencidos, conhecimento, habilidades, estas<br />
palavras são a chave para conhecer e aplicar ciência e tecnologia nos dias<br />
atuais.<br />
144
Voltemos, então, os nossos olhos (meus e seus, caro leitor) para a<br />
escola atual brasileira. Digo brasileira, porque sabemos que a escola em<br />
outros países também provoca a mesma preocupação, mas em diferentes<br />
regiões as características são particulares, pois essa instituição social para<br />
ser efetiva precisa ser adequada ao contexto em que se situa. A escola<br />
brasileira, pública e privada, com alguns oásis de qualidade em ambos os<br />
setores, abandonou a sua função específica de trabalhar a preservação do<br />
grupo social, que é manter seus valores e ao mesmo tempo promover a<br />
transformação desse mesmo grupo, corrigindo suas incorreções, preparando<br />
as diferentes gerações para solucionar problemas não resolvidos e buscar a<br />
melhoria de vida. Assumiu funções de alimentação e “guarda” das crianças<br />
e jovens enquanto pais e mães renunciam a essa função primordial de<br />
formação dos filhos, para amealharem bens materiais para “garantir um<br />
melhor futuro” para esses mesmos filhos. Nesse contexto, também como<br />
reflexo das transformações dos meados do século XX, a escola passa a ser<br />
uma escola para todos, mas, ao mesmo tempo, essa escola se empobrece e<br />
seus professores passam a serem trabalhadores sem qualificação adequada<br />
para manter a qualidade que se garantia para uma elite. Os cursos de<br />
Pedagogia se multiplicam e se espalham por todo o país. A EAD, como<br />
modalidade “salvadora da educação brasileira”, permite que um curso tenha,<br />
em um dado momento, em 2008, 17.000 alunos espalhados pelo país, com<br />
a possibilidade de assistir uma teleaula, e ouvir, desde que o desejassem,<br />
uma tutoria do professor pela Rádio Web. E esse curso, a que me refiro, era<br />
na época um oásis de qualidade, pelo menos em relação aos professores, às<br />
aulas, à tutoria central e ao material didático. Porém aí vem outra questão,<br />
e os professores tutores dos polos? São todos qualificados? Constatei que<br />
alguns são muito bem preparados, qualificados, atuantes e formadores de<br />
qualidade, mas a maioria... Será?<br />
145
Estas inquietações são trazidas na introdução deste capítulo, pois<br />
são elas que me instigaram a escrevê-lo e reportar minhas descobertas em<br />
um conjunto de pesquisas que desenvolvo desde minha atividade como<br />
coordenadora do grupo Ensino de Humanidades e Telemática no Núcleo<br />
de Pesquisas Aplicadas em Novas Tecnologias Aplicadas à Educação, Escola<br />
do Futuro, da USP. Instigaram-me enquanto mestranda e doutoranda<br />
da Faculdade e Educação da USP, professora do mestrado Tecnologia e<br />
Comunicação na UNIBAN, da Graduação no Centro Universitário São<br />
Camilo e na Faculdade Sumaré em São Paulo. Voltaram a provocar as<br />
pesquisas desenvolvidas nos nove anos como pesquisadora na Universidade<br />
Tuiuti do Paraná, dos quais oito anos foram vivenciados como professora do<br />
Programa de Pós-graduação em Educação, Stricto Sensu, além de três anos<br />
como Coordenadora Pedagógica de Educação a Distância na FACINTER.<br />
Os resultados que trago neste capítulo mostram que se passaram quinze<br />
anos dos primeiros resultados de pesquisa sobre formação de professores<br />
e as “novas tecnologias” na educação, mas as constatações não são muito<br />
diferentes. Não se consolidou uma nova didática necessária aos tempos<br />
de redes, hoje mais do que redes de computadores ou de comunicações,<br />
tempos de redes sociais.<br />
As pesquisas que embasam estas reflexões têm a característica de<br />
serem qualitativas e de serem realizadas com base em literatura científica<br />
e ensaios sobre as tecnologias da informação e da comunicação, mídias,<br />
linguagens, formação de professores educação a distância, educação<br />
inclusiva, necessidades especiais, alunos com deficiência, tecnologias<br />
assistivas. Os dados foram coletados em questionários, entrevistas semi<br />
estruturadas, em diálogos espontâneos, em fóruns de discussão, em listas<br />
de discussão, em portfólios de cursos de formação de professores, seguindo<br />
diferentes roteiros e sistematizações, dependendo do objeto de cada<br />
pesquisa. A classificação e seleção de dados partiram de leituras e releituras<br />
146
com o olhar atento para a interrogação de cada pesquisa. Do discurso do<br />
sujeito, passou-se à redução a unidades de significado que permitiram<br />
a emergência de invariantes que foram agrupadas em convergências,<br />
ou categorias abertas. A análise fenomenológica hermenêutica busca<br />
nos testemunhos do sujeito, a sua percepção da realidade, a partir da<br />
estruturação dessa percepção por meio do gesto e da linguagem verbal. Do<br />
grupo de manifestações colhidas, analisam-se todas a partir da pergunta<br />
de pesquisa, buscando as unidades de significação e formulando um<br />
quadro com o “discurso na linguagem do sujeito”, a redução à unidades de<br />
significação, invariantes e as convergências. Trabalha-se assim uma rede de<br />
significados, não permanecendo na pura descrição, mas avançando para a<br />
interpretação em um movimento de reflexão sobre os sentidos dos dados<br />
analisados para os envolvidos na pesquisa (BICUDO, 2000,).<br />
Da atuação de professores em projetos telemáticos<br />
As primeiras pesquisas, de 1992 a 1996, resultaram em<br />
questionamentos que nos levaram a refletir sobre as práticas comunicacionais<br />
mediadas por suportes tecnológicos como as redes de computadores e os<br />
serviços de email, e listas de discussão, mas também os tradicionais meios<br />
de comunicação social, telefone, rádio, TV, fitas de áudio e fitas de vídeo,<br />
e ainda os mais antigos, como o texto escrito (carta, folheto, livro, mural).<br />
“Qual a relação entre aprender, pesquisar, e ensinar para uma melhor<br />
atuação do professor no uso das tecnologias de comunicação em sua prática<br />
pedagógica?”. Chegamos à conclusão de que as práticas comunicacionais<br />
no âmbito escolar foram influenciadas pelo contexto sociocultural, no qual<br />
professores e alunos estavam inseridos, mas essas práticas não incluíam,<br />
no geral, as mídias utilizadas por professores e alunos na interação social<br />
intencional. Constatamos que, em geral, “o por quê, para quê e o que ensinar<br />
147
e aprender na escola“ e “o como, quando, onde, quem com quem ensinar e<br />
aprender na escola”, foram determinados em um currículo documento que<br />
desconsiderava o conhecimento do professor, os interesses, necessidades e<br />
expectativas do aluno, e mesmo a necessidade que a sociedade, incluindo o<br />
mercado de trabalho precisariam num futuro próximo em que esses alunos<br />
se tornariam cidadãos participantes. Assim, os professores recebiam seus<br />
planos de ensino e elaboravam seus planos de aula de forma reativa. Ao<br />
definirem os materiais didáticos e os meios de comunicação, os suportes<br />
tecnológicos que usariam, limitavam-se a repetir o que já era costume, o que<br />
conheciam, ou o que exigisse menor esforço. Quando nos referimos à falta<br />
de qualificação do professor, referimo-nos à qualificação para o magistério<br />
em sua área de formação não para a utilização de tecnologias de informação<br />
e de comunicação como apoio à sua prática pedagógica. Constatamos,<br />
então, na pesquisa com professores envolvidos em projetos pedagógicos<br />
telemáticos, isto é que, pretendiam se comunicar via rede de computadores,<br />
com outras escolas, que um dos problemas era o da formação de professores<br />
para uma prática pedagógica que efetivasse a aprendizagem do aluno:<br />
Como pedir a um coordenador pedagógico, por<br />
exemplo, que acompanhe e oriente seus professores<br />
num projeto pedagógico telemático em que se<br />
discute cidadania, se esse educador não tem claro<br />
para si os problemas de cidadania da comunidade<br />
em que sua escola se encontra, e ignora o significado<br />
da palavra telemática, ou ainda mais grave, não sabe<br />
o que é um projeto pedagógico? Como o professor<br />
de Matemática poderá orientar seus alunos<br />
para organizar planilhas eletrônicas com este ou<br />
aquele software, se não está bem claro para ele o<br />
significado da palavra planilha e que ela não existe<br />
a partir do computador, mas muito antes deste.<br />
Como envolver o professor de Inglês num projeto<br />
pedagógico telemático com professores de Inglês de<br />
outros países, se o que ele sabe fazer nas aulas de<br />
148
Inglês se refere apenas a “ensinar gramática” e não<br />
tem proficiência na língua viva, dinâmica, usada<br />
na comunicação internacional? (CORTELAZZO,<br />
1996, p. 196).<br />
Outra constatação resultante da pesquisa foi que muitos professores<br />
não refletiam ou não tinham claro para si os significados dos conceitos<br />
ensino e aprendizagem fossem os que ensinavam há muito tempo, ou os<br />
que eram iniciantes; Também não tinham explicito quais eram os seus<br />
objetivos de ensino, o que entendiam por técnicas, mídias de ensino e de<br />
aprendizagem. A maioria desses professores não compreendia o que era<br />
trabalho em rede, e redes de comunicações. Ao ouvirem o termo tecnologias<br />
pensavam em computadores e não associavam a palavra mídias com livro<br />
didático, quadro de giz, caderno. Não diferenciava a interdisciplinaridade<br />
da multidisciplinaridade.<br />
Contudo, desde os primeiros anos da década de 1990, parcerias<br />
realizadas entre centros de pesquisa de universidades públicas em<br />
Salvador, São Paulo, Campinas, Florianópolis, Porto Alegre, Pernambuco,<br />
entre outras, e secretarias de educação ou mesmo com escolas públicas e<br />
privadas desenvolveram projetos de capacitação e formação continuada<br />
de professores para a utilização das tecnologias de informação e de<br />
comunicação.<br />
Muitos dos projetos centraram-se apenas no desenvolvimento de<br />
habilidades em relação à tecnologia. Outros projetos eram desenvolvidos<br />
por doutorandos que orientavam os alunos, mas não dialogavam nem<br />
trabalhavam em conjunto com os professores, não possibilitando,<br />
assim, o desenvolvimento de autonomia do professor na coordenação<br />
de novos projetos pedagógicos. Mas outros projetos incorporaram, em<br />
sua preparação, a participação e a interlocução com os professores. Essa<br />
149
colaboração dos professores na elaboração do projeto tinha como finalidade<br />
o desenvolvimento de autonomia dos professores para dar continuidade à<br />
elaboração de novos projetos. Quando os pesquisadores das universidades<br />
ou das secretarias de educação terminavam a sua participação nos projetos<br />
por eles sugeridos e coordenados, os professores teriam se apropriado da<br />
dinâmica dos projetos, aprofundado seus conhecimentos na temática e<br />
desenvolvido novas habilidades. Refiro-me a dois exemplos de projetos na<br />
década de 1990 em Pernambuco: o projeto A Apropriação da Informática<br />
pela Escola Pública, no qual a equipe coordenadora do projeto envolveu<br />
toda a comunidade escolar. Disciplinas como Português, Matemática<br />
e História eram trabalhadas pelos alunos das três turmas de oitava série<br />
do Ensino Fundamental da Escola Arraial Novo do Bom Jesus, da rede<br />
municipal de Recife. Ainda em Pernambuco, o projeto pedagógico<br />
telemático De Olinda a Olanda, usando a BBS Cidadão do Futuro no Brasil,<br />
coordenado pela Ars Consult em conjunto com a Sociedade Nordestina de<br />
Ecologia, teve a participação de ,professores e alunos das escolas públicas<br />
e particulares do Estado de Pernambuco. Os professores foram orientados<br />
a estimular os alunos realizarem pesquisas e produzirem uma exposição, e<br />
encenação no monte dos Guararapes, Pernambuco, no dia 27 de outubro de<br />
1995, sobre o período holandês no Brasil. Mais do que se comunicarem via<br />
rede de computadores os alunos aprenderam procedimentos de pesquisar,<br />
princípios de comunicação, utilizaram mídias tradicionais e integraram<br />
noções de robótica ao trabalharem com Lego Logo. O mais importante é<br />
que os professores, além de conhecerem sobre tecnologias de informação<br />
e de comunicação e suas possíveis aplicações na educação, aprofundaram<br />
seu conhecimento nas áreas de História, Arte, Geografia e Português, e<br />
desenvolveram suas habilidades operacionais em relação à tecnologia<br />
audiovisual e digital.<br />
150
Os dados desses e de outros projetos analisados revelaram que o<br />
comprometimento dos professores com os projetos variava de professor<br />
para professor, porém todos que participavam, acabavam por se envolver,<br />
pois eram orientados pela coordenação pedagógica da escola, e pelo<br />
coordenador do projeto, em um trabalho curricular. Para trabalhar<br />
o projeto telemático como elemento curricular, o professor precisava<br />
articulá-lo com seus objetivos de ensino, compreender as características<br />
do projeto e perceber qual era a sua contribuição para a efetividade da<br />
aprendizagem dos alunos. Assim, nesses projetos, o projeto telemático, via<br />
rede de computadores, não era mais uma novidade, mas mais um meio para<br />
atingir os objetivos educacionais. Em alguns projetos, o uso do computador<br />
demonstrou aos professores e alunos que um meio não substituía o outro.<br />
Por exemplo, percebeu-se que era fundamental, o desenvolvimento<br />
de um jornal impresso, para se poder pensar a produção de um jornal<br />
eletrônico como estratégia de comunicação em alguns projetos. Em vários<br />
testemunhos constatou-se a mesma prática bem sucedida: a coordenação do<br />
projeto trabalhava com os professores, para que constatassem as diferenças<br />
de linguagem quando as mídias são diferentes. Dessa forma, a capacitação<br />
dos professores como preparação do projeto a ser realizado com os alunos<br />
permitia aos professores desenvolverem autonomamente, no futuro, outros<br />
projetos.<br />
Assim, pode-se afirmar que um dos pontos nevrálgicos da<br />
informatização educativa ou da implantação de novas tecnologias didáticas<br />
tem sido a prática de execução desses planos sem a articulação dos mesmos<br />
com uma política educacional ampla que tenha como ponto de partida<br />
programas de capacitação e atualização de todo o corpo pedagógicoadministrativo<br />
escolar. Educadores, profissionais ligados às tecnologias<br />
de informação e comunicação, legisladores e representantes do executivo<br />
continuam produzindo dissertações, teses, artigos durante a década de<br />
151
1990 sobre a necessidade de uma preparação mais consistente do corpo<br />
pedagógico escolar para a execução dos projetos de redes nas escolas. Pelos<br />
dados coletados, constatou-se que novas iniciativas de formação continuada<br />
foram instaladas como resultado de muitas dessas pesquisas. Em alguns<br />
projetos, houve um real envolvimento de professores com a produção de<br />
material didático (avaliação e produção de software educacional); muitos<br />
professores perceberam e se apropriaram do novo papel do professor<br />
comunicador “compromissado com a revalorização do ser humano” que,<br />
segundo Garzón (1994, p. 55 apud CORTELAZZO, 1996, p. 197), se<br />
conceitualiza como “um ser que conhece, e que se comunica”.<br />
Da necessidade de projetos colaborativos na educação<br />
básica e nos cursos de Licenciatura<br />
Os projetos de pesquisa desenvolvidos na primeira metade da<br />
década de 2000 mostraram que se observava, e ainda se observa na prática<br />
tradicional de ensino nos cursos de Licenciatura, em especial nos cursos<br />
de Pedagogia, uma ênfase, na maior parte do curso, na abordagem teórica<br />
em disciplinas de fundamentos desconectadas das questões práticas que o<br />
futuro professor enfrentará na sala de aula – presencial ou virtual. Mais<br />
ainda, os fundamentos são oferecidos aos alunos a partir de textos escritos<br />
em uma linguagem hermética no nível dos pesquisadores especialistas<br />
no tema. Descolados da realidade ou marcados por uma ideologia<br />
doutrinadora, os dados revelam que os textos, xerocopiados, não atraem os<br />
alunos, também porque são descontextualizados do corpo total das obras<br />
de onde foram extraídos.<br />
Da mesma forma, nessa abordagem tradicional, muitas vezes<br />
rotulada como teoria crítica, ou outra denominação parecida, docentes<br />
universitários utilizam como tecnologia de informação e comunicação, a fala,<br />
152
os textos escritos, transparências digitalizadas ou transcritas em programas<br />
de apresentação pelo computador, esquecendo-se das possibilidades que<br />
outras mídias oferecem para a pesquisa e para a produção e divulgação de<br />
conhecimento: a fotografia, o jornal, o cinema, a TV, o vídeo, o computador,<br />
as redes de computadores, a Web.<br />
As pesquisas também desvelaram um contexto na Graduação, e<br />
mesmo nos cursos de Licenciatura, no qual, professores começavam a se<br />
articular colaborativamente para fazerem seus alunos, futuros professores,<br />
inverterem a orientação de sua pesquisa e de sua prática. Professores<br />
pesquisadores e empreendedores estimulam seus alunos, futuros<br />
professores, a buscarem na prática questões que precisam ser solucionadas<br />
ou que implicam melhoria de vida e buscar saber o que já existe na teoria<br />
que pode fazer entender essa prática, e se instrumentar de conhecimento e<br />
metodologia para responder as suas indagações. Os futuros professores são<br />
estimulados a incluir a pesquisa como prática profissional:<br />
As aulas, estudos e leituras dos livros e textos<br />
teóricos constituem-se referências para<br />
as análises dos registros e levantamentos<br />
realizados nas investigações. Deste modo,<br />
o movimento é de relação entre prática<br />
e teoria, e tória e prática. Quanto mais<br />
realizamos levantamentos empíricos de<br />
fatos, acontecimentos e experiências que<br />
ocorrem no cotidiano escolar, maior é o nosso<br />
conhecimento da realidade da escola, quanto<br />
mais examinamos textos e referências, isto o<br />
corpo teórico, mais condições temos de explicar<br />
o que ocorre na escola (CORTELAZZO;<br />
ROMANOWSKI, 2006, p. 5).<br />
153
Uma vez sistematizado o problema, analisados e interpretados os<br />
dados, voltam à teoria para confirmá-la, refutá-la ou ampliá-la. Muitos<br />
desses professores passaram a utilizar as novas tecnologias como uma<br />
forma de fazer os professores discutirem e refletirem sobre sua prática.<br />
Nos cursos de pós-graduação lato sensu, de atualização e, mesmo em<br />
oficinas pedagógicas, os professores que articulavam comunicação,<br />
educação e tecnologia, ainda hoje, levam os profissionais que participam<br />
desses eventos a se aprofundarem em questões fundamentais de suas áreas<br />
de interesse, em didática e em metodologia, tendo como motivação a<br />
discussão, a sensibilização ou a familiarização com as novas tecnologias. As<br />
avaliações colhidas nesses eventos demonstram três tipos de profissionais<br />
que são encontrados no cotidiano da escola: os entusiastas que voltam às<br />
suas instituições querendo executar em sua prática pedagógica o que foi<br />
recém aprendido; os realistas que retornam às suas instituições planejando<br />
conhecer mais e reorganizar sua prática considerando as condições<br />
existentes em suas instituições; e os resistentes que retornam indicando uma<br />
lista de razões para aquelas novas tecnologias, metodologias ou abordagens<br />
apresentadas no evento não sejam sequer pensadas na sua instituição.<br />
A prática colaborativa se intensifica com os avanços da tecnologia<br />
digital que encurta o tempo e a distância. As listas de discussão, os fóruns,<br />
o email aproximam os profissionais depois dos eventos. A comunicação se<br />
estreita e se aprofunda. Dados coletados em listas e fóruns de discussão<br />
demonstram como os professores passam a compartilhar testemunhos sobre<br />
suas dificuldades bem como soluções encontradas, abreviando os tempos<br />
de busca de solução. A maioria dos professores que iniciam esse movimento<br />
já o realizava por meio de carta, fax ou telefone, mas os tempos de intervalo<br />
entre as comunicações eram muito grandes. Com as tecnologias digitais e<br />
as redes de computadores, esses tempos se tornaram cada vez mais curtos.<br />
Assim as trocas se tornaram mais constantes e frequentes.<br />
154
A prática colaborativa, no entanto, exige o cumprimento de uma<br />
série de regras que nem todas as pessoas conseguem cumprir; e, em se<br />
tratando de professores universitários com uma prática cristalizada no<br />
individualismo e na competição, ela fica ainda mais difícil de ser instalada.<br />
As pesquisas desvelaram, então, que muitas práticas continuavam sendo<br />
tradicionais, sob um véu comunicacional inovador, sob um discurso de<br />
aparência colaborativa. A interação social comunicacional ao ser analisada<br />
demonstrava a unidirecionalidade do professor para o aluno, marcante. As<br />
tecnologias digitais estavam sendo utilizadas; os professores afirmavam ter<br />
integrado as tecnologias de informação e comunicação (no seu entender<br />
o uso do computador e da Internet) em sua prática, mas os suportes<br />
tecnológicos eram utilizados com a mesma didática com que era usado o<br />
livro, o retroprojetor ou o vídeo.<br />
A ação colaborativa é uma ação que extrapola os ambientes escolares<br />
ou empresariais. Toda a atividade social, na família, na escola, na igreja,<br />
na sociedade, comporta níveis de colaboração. Os projetos educacionais<br />
colaborativos podem se desenvolver tanto em ambientes formais como<br />
em não formais; portanto, as pessoas precisam expandir suas habilidades<br />
em resolver problemas, criar situações de uma vivência harmoniosa e mais<br />
humana, umas com as outras em direção a um objetivo comum que as reúne.<br />
Os dados dessas pesquisas revelaram que os projetos desenvolvidos em<br />
ambiente escolar articulados com a realidade em que os seus participantes<br />
vivem, produziram maior comprometimento e melhor aprendizagem.<br />
Constituem-se como uma via de mão dupla que traz, da realidade externa à<br />
escola, elementos necessários para a aprendizagem significativa e, da mesma<br />
forma, levam resultados ou descobertas encontrados nesses projetos para<br />
aquela realidade, transformando-a e melhorando-a. As tecnologias digitais<br />
possibilitam que, cada vez mais, essa mão dupla vença as barreiras de tempo<br />
e distância entre professores e entre alunos.<br />
155
Já nos meados da década de 1990, projetos colaborativos se<br />
multiplicavam entre escolas da educação básica de diferentes regiões do<br />
Brasil e, mesmo do mundo.<br />
Da iniciativa isolada de professores nos cursos de<br />
Licenciatura: ausência de uma didática pró-ativa e<br />
colaborativa nos currículos de Licenciatura<br />
No início da década de 2000, as iniciativas de professores em escolas<br />
de educação básica, de cursos de Licenciatura, de cursos de especialização<br />
articuladas, pouco a pouco, às ações de centros de pesquisa de<br />
universidades públicas e privadas começam a se refletir nos currículos dos<br />
cursos de Graduação. Surgem as disciplinas “Tecnologias de Informação<br />
e de Comunicação na Educação”; “Tecnologias Aplicadas ao Ensino de<br />
Matemática”, Laboratório de Multimídia, “Educação a Distância”, entre<br />
outras, na grade curricular. Mas essas disciplinas foram e são atribuídas<br />
aos professores que “mexem com tecnologia”, raramente com formação<br />
em Pedagogia. Esses professores, empreendedores, pró-ativos e entusiastas<br />
acabavam por enfatizar o uso da tecnologia, pois não tiveram nem tempo,<br />
nem possibilidades de se qualificar de forma sistemática, e desenvolver uma<br />
nova didática que aproveitasse as características inerentes a essa utilização<br />
tecnológica; nem tempo para fazer a leitura crítica do uso dessas tecnologias<br />
antecipando seu impacto. Esses professores desenhavam projetos de curta<br />
duração para poderem desenvolver uma nova prática pedagógica. Passaram<br />
a integrar a questão da educação inclusiva e o uso das tecnologias assistivas<br />
que eram dois temas que provocavam e ainda provocam muita resistência<br />
dos gestores e professores em geral:<br />
156
As participações das alunas, dos professores<br />
e dos pesquisadores no Projeto iniciaram um<br />
movimento, ainda muito incipiente, de reflexão<br />
e ação em relação à inclusão de alunos com<br />
deficiência no processo de ensino aprendizagem da<br />
própria Universidade. Houve, também, um fórum<br />
de discussão no Mestrado em Educação sobre a<br />
formação de professores para a Educação Especial<br />
e para o ensino de Pessoas com Necessidades<br />
Especiais. Esse movimento reflete inclusive sobre o<br />
papel que as tecnologias podem ter como apoio aos<br />
professores, aos alunos na sua aprendizagem e, na<br />
sociedade, como tecnologias assistivas facilitando<br />
a sua atuação como cidadão (CORTELAZZO;<br />
ROCHA, 2006).<br />
Como reflexões conclusivas dessas pesquisas, refiro-me à<br />
necessidade de levar os professores atentarem para a questão de identidade<br />
epistemológica a que se refere Pimenta (2002, p. 166): para exercer a<br />
docência, é preciso entendê-la para além da identidade profissional, é<br />
necessário concebê-la como um campo de conhecimentos que abrange<br />
conteúdos específicos, conteúdos filosóficos, conteúdos de teoria da prática<br />
educacional, conteúdos didático-pedagógicos e conteúdos didáticotecnológicos.<br />
Ao mesmo tempo em que o professor aprofunda a sua<br />
consciência de sujeito que percorre sua trajetória com outros sujeitos,<br />
circunstancialmente seus alunos, esse profissional precisa realizar, com eles,<br />
o aprofundamento de sua consciência como sujeito que precisa desenvolver<br />
uma identidade epistemológica, além da profissional ao se pensarem<br />
docentes. Não é suficiente cumprir currículos e aplicar técnicas; faz-se<br />
necessário articulá-los aos outros saberes que servem de terreno firme onde<br />
se pode caminhar com segurança.<br />
157
Da cultura escolar marcada pelas tecnologias digitais<br />
Nos projetos de pesquisa sobre preparação dos professores para a<br />
educação a distância e para uma educação inclusiva, o Núcleo de Pesquisa em<br />
Processos Educacionais Interativos - NUPPEI, integrou pesquisadores das<br />
diversas faculdades da UTP, do Núcleo de Desenvolvimento de Tecnologias<br />
Assistivas NEDETA da Universidade Estadual do Pará, da FACED, da<br />
Universidade Federal da Bahia, entre outras instituições superiores. O<br />
NUPPEI desenvolve pesquisas sobre o uso das tecnologias de informação e<br />
comunicação nos processos educacionais presenciais e/ou a distância a partir<br />
de questões como Quais são as tecnologias de comunicação interativas que<br />
aperfeiçoam o acesso à informação e a construção e compartilhamento de<br />
conhecimentos? De que forma elas podem contribuir para uma formação<br />
profissional inicial de qualidade? Como podem aperfeiçoar o acesso de um<br />
grande número de egressos do sistema educacional formal e propiciar uma<br />
formação continuada? Como as tecnologias de informação e comunicação<br />
apoiam a aprendizagem? Que formas de Avaliação devem ser desenvolvidas<br />
para acompanhar esses processos?<br />
Os pesquisadores tiveram como fundamentação teórica, estudos de<br />
Schensul e Schensul (1992), Singh (2000) e de Ibiapina (2008) em relação<br />
à pesquisa colaborativa; estudos de Behrens (2002 2006) sobre as práticas<br />
pedagógicas e o paradigma da complexidade. Buscaram, nos estudos<br />
de Campos (2003), Varella (2002) Pallof e Pratt (2003), embasamento<br />
sobre colaboração e aprendizagem colaborativa; nos estudos de Blikstein<br />
e Cavallo (2002); fundamentação sobre as tecnologias e suas limitações e<br />
perigos; nos trabalhos de Cortelazzo (2004, 2005, 2006, 2009), Rocha (2009),<br />
Valentini (2003); reflexões sobre tecnologias em educação, ambientes de<br />
aprendizagem e prática pedagógica em EAD, nos livros organizados por<br />
158
Silva (2000, 2003), Campos (2003) e Santos e Silva (2006), teoria e relatos de<br />
experiências sobre ambientes virtuais, e-learning e interatividade.<br />
Os pesquisadores deste projeto estiveram, também, realizando<br />
estudos sobre pesquisa colaborativa, de Mion (2001); estudos sobre<br />
tecnologias assistivas com base nas Diretrizes Nacionais para a Educação<br />
Especial na Educação Básica (BRASIL 2001), na Declaração de Salamanca<br />
(1996); nos textos sobre tecnologias na educação, de Brito (2006), de Fraga e<br />
Pedroso (2006) e de Valente (1998 e 2001); sobre Tecnologias Assistivas, de<br />
Santarosa (1997), de Galvão e Damasceno (2003), de Hogetop e Santarosa<br />
(s.d.); sobre acessibilidade; de Henry (2005); sobre inclusão em EAD, de<br />
Cortinhas (2005). Buscaram também dados em entrevistas e textos de<br />
autores como Oliveira (2007, 2008), Kleina e Alcântara (2008), Cortelazzo,<br />
Palma e Rocha (2008), sobre utilizações de tecnologias assistivas por<br />
diferentes profissionais no processo educativo. Os egressos do curso de<br />
Pedagogia e do Mestrado em Educação realizaram um levantamento de<br />
teses e dissertações nos cinco anos anteriores<br />
É importante ressaltar que esses pesquisadores são professores<br />
que atuam nas salas de aula da educação básica, da graduação e da pósgraduação<br />
(Lato Sensu e Stricto Sensu) e praticam aquele movimento de<br />
buscar na prática as instigações para na teoria conseguir subsídios para<br />
propor soluções ou melhorias na prática e para um desenvolvimento<br />
humano sustentável. Esses pesquisadores são leitores críticos das novas<br />
abordagens teóricas, metodologias de ensino e aprendizagem, bem como<br />
das tecnologias existentes e emergentes do ponto de vista da aplicabilidade<br />
no contexto em que são inseridas. Mais ainda, são “experimentadores”<br />
críticos de novas propostas, aplicando-as num processo colaborativo com<br />
seus alunos, futuros professores, para que aprendam a avaliar as novas<br />
alternativas testando-as.<br />
159
Chamamos a atenção para este fato, pois, constatamos nas falas<br />
dos professores e profissionais de design instrucional e de tecnologias de<br />
informação e de comunicação, a tendência para a importação de modelos<br />
prontos bem sucedidos em outras culturas para a cultura local, provocando<br />
ainda mais a resistência de coordenadores e professores.<br />
Os resultados das pesquisas demonstram que as tecnologias de<br />
informação e de comunicação provocam um período de transição nas<br />
instituições escolares afetando a cultura escolar. As mudanças culturais na<br />
sociedade em geral, principalmente no que se refere, à comunicação social<br />
ocorrem muito mais rapidamente, mas acabam por abalar as estruturas, em<br />
geral, rígidas das instituições de ensino em geral e as de ensino superior<br />
em particular. Altera-se, no âmbito pedagógico, o sistema de transmissão<br />
cultural em aulas expositivas e leituras de textos impressos (na cultura<br />
brasileira, mais textos fotocopiados, do que textos impressos originais) para<br />
o sistema de flexibilização, incorporando a esses elementos outros suportes<br />
tecnológicos digitais e telemáticos. Muitas instituições, segundo os dados<br />
analisados, investem em sua infraestrutura tecnológica, multiplicando<br />
laboratórios de informática, criando seus sites, blogs e twitters, mas<br />
ignorando investimentos necessários para a formação didático-pedagógica<br />
de seus docentes. De modo que a didática nas modalidades de ensino<br />
presencial, semipresencial ou á distância continua com as mesmas<br />
características da didática tradicional ainda presente na prática docente com<br />
a unidirecionalidade do professor ou dos textos teóricos para os alunos nos<br />
diferentes níveis de ensino (da educação fundamental à educação superior).<br />
Como escreve Rivoltella, “trata-se de uma transição, própria da imagem de<br />
uma Brick University (Universidade-tijolo, só muros e edifício) que cede<br />
lugar à Brick-and-click University, onde o click, evidentemente evoca o<br />
teclado e o computador” (RIVOLTELLA, 2003, p. 52 apud RIVOLTELLA,<br />
2004, p. 40). Não se agregam ao sistema formativo, as novas possibilidades<br />
160
que os ambientes online em particular e as tecnologias digitais, no geral<br />
oferecem para a educação. Verificou-se que as ferramentas mais utilizadas<br />
são as de postagem (quadros de aviso, apresentação de ementas e de<br />
bibliografias, indicação de tarefas), seguem-se o uso de fóruns de discussão,<br />
o monitoramento da “clicagem do aluno” e a postagem de instrumentos de<br />
avaliação.<br />
No uso de fóruns de discussão, constataram-se duas práticas:<br />
ou o professor tenta responder a todas as participações dos alunos, e<br />
isso se torna uma tarefa hercúlea: ou o professor deixa que os alunos<br />
se comuniquem livremente; neste caso, as discussões perdem o foco<br />
provocam o distanciamento de muitos alunos. A razão é que uma nova<br />
relação professor/aluno precisa ser desenvolvida, no sentido de permitir a<br />
autonomia com responsabilidade dos alunos. Para isso, impõe-se uma nova<br />
didática, na qual a monitoria, isto é, o acompanhamento e a tutoria (ou seja,<br />
a orientação) são novas funções dos professores. Não há que se responder<br />
a todas as manifestações, mas há que se verificar como ocorrem, quais as<br />
relações estabelecidas entre elas e o tema da discussão e provocar sínteses,<br />
intenções de pesquisa, e novas temáticas de discussão.<br />
Rivoltella (2004) ao tratar dessa questão indica que a monitoria e<br />
a avaliação poderiam ter como coordenadas, três dimensões: a avaliação<br />
do sistema formativo para verificação do que precisa ser melhorado;<br />
a avaliação da aprendizagem para poder aperfeiçoar os instrumentos<br />
online que facilitam o trabalho do professor e dos alunos; e o “controle de<br />
qualidade”, isto é, verificar se os objetivos de ensino e aprendizagem foram<br />
alcançados e a satisfação do professor e dos alunos efetivada. Acrescentamos<br />
a essas três dimensões, uma quarta, a dimensão da avaliação da produção<br />
de conhecimento realizada tanto como resultado da docência como da<br />
aprendizagem na educação superior.<br />
161
Rivoltella (2004) chama a atenção para o fato de que as tecnologias<br />
digitais possibilitam às instituições de ensino ofertar um sistema customer<br />
oriented, isto é, voltada para a clientilização. Os resultados das pesquisas<br />
também revelam que, principalmente nas instituições de ensino privadas<br />
isso vem acontecendo. A proliferação de portais universitários, nos quais<br />
os alunos encontram toda a informação de seu interesse em relação às<br />
questões administrativas e técnico-pedagógicas, mas, novamente, os dados<br />
mostram que há pouco espaço para a divulgação e orientação nas questões<br />
referentes ao conhecimento científico, às práticas pedagógicas e à pesquisa.<br />
A dimensão didática é uma dimensão interna que carece de<br />
visibilidade porque ela é reveladora das práticas estabelecidas entre<br />
professores e alunos, o desenvolvimento de aprendizagem e a produção de<br />
conhecimento. Embora as tecnologias digitais ofereçam instrumentos para<br />
a valorização dessa dimensão, são inovações que não foram incorporadas<br />
de forma sistemática nem pelos docentes nem pelos alunos. Exigem-se<br />
dos professores novas habilidades técnicas e operacionais não exigidas<br />
anteriormente, como por exemplo, as competências relativas à organização<br />
e disponibilidade dos conteúdos. Rivoltella (2004) chama a atenção<br />
para a necessidade dos professores saberem construir um planejamento<br />
completo de suas aulas e um roteiro do curso quase um instrumento de<br />
“cenografia” que indica os tempos e os planos que os alunos seguirão para<br />
poder “navegar” pelo curso. Esse planejamento e roteiro estarão guardados<br />
em uma pasta na sala da coordenação, mas exposto à leitura e crítica dos<br />
alunos que não usufruirão das possibilidades da Web e agregarão valores à<br />
sua aprendizagem se esses instrumentos estiverem desenhados e calcados<br />
apenas sobre uma tecnologia de escrita (no tradicional formato de livros e<br />
artigos impressos).<br />
As atividades didáticas em um ambiente altamente tecnológico<br />
permitem que os docentes desenvolvam em seus alunos atitudes para as<br />
162
atividades colaborativas. Rivoltella (2004) indica que há uma ampliação<br />
das possibilidades de se chegar e esse estado. Parte-se das atividades de<br />
tratamento informático dos testes, que permitem produzir hipertextos<br />
com imagens, atividades de organização e disponibilização de conteúdos<br />
utilizando-se os diferentes recursos disponibilizados na Web, a gestão<br />
da comunicação entre alunos nos bate-papos, fóruns, blogs e twitters, e<br />
finalmente nas atividades colaborativas que permitirão o uso dos talentos<br />
individuais integrados uns aos outros.<br />
Os dados das pesquisas reforçam essa indicação de Rivoltella,<br />
e essa preocupação começa a se desenhar nos últimos anos, visto que as<br />
tecnologias digitais que permitem a exposição desses portais apresentam<br />
os pontos fortes, mas também ressaltam as fraquezas. Assim, alguns<br />
coordenadores de cursos na educação superior começam a se preocupar<br />
com uma nova didática pela imposição do mercado.<br />
Considerações finais: É possível uma nova didática?<br />
Este texto procurou trazer algumas de muitas questões encontradas<br />
nos resultados das pesquisas realizadas no período de 1992 a 2009.<br />
Um período de muitas transformações culturais, introdução no<br />
mercado e na comunicação social de suportes tecnológicos e mídias que<br />
revolucionaram a comunicação e que começam a estarem presentes de uma<br />
forma expressiva nos ambientes educacionais, mesmo à revelia de muitos<br />
professores e gestores.<br />
A área da educação foi invadida por profissionais de informática,<br />
da comunicação do design que, de certa forma, lhe deram novos ares. Os<br />
profissionais da educação, em particulares os pedagogos, são pressionados<br />
a dialogar e a refletir mais exaustivamente sobre interdisciplinaridade, para<br />
163
além de uma multidisciplinaridade em que se justapõem as disciplinas e<br />
os discursos dos seus representantes. São também obrigados a executar<br />
novos papéis e buscar formação e capacitação em outras áreas como a<br />
metodológica e a tecnológica.<br />
Ao ver dos pesquisadores do NUPPEI, esta é uma situação desejável,<br />
pois se obrigam todos, envolvidos na educação, a repensar a organização da<br />
instituição de ensino em que as tecnologias não sejam nem determinantes<br />
da infraestrutura e do serviço, nem ignoradas, mas que seja um componente<br />
no qual gestores, professores e alunos possam se apoiar para conseguir seus<br />
objetivos.<br />
Dessa forma, novas atitudes dos gestores das instituições de ensino<br />
em todos os níveis, mas, começando pela formação de formadores,<br />
fazem-se necessárias. Uma atitude de valorização do capital intelectual e<br />
empreendedor que essas instituições têm em seu corpo de funcionários<br />
de todos os níveis, administrativo, técnico e tecnológico, pedagógico e<br />
científico. Atitude de rede colaborativa, na qual cada recurso humano<br />
trabalha colaborativamente com o outro para que o objetivo maior que é a<br />
aprendizagem do aluno seja alcançada. Atitude de gestão do conhecimento<br />
para uma organização que aprende. Todos esses fatores propiciarão a<br />
fecundação de uma nova didática.<br />
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168
Aulas Multimídias:<br />
um caminho possível para<br />
a autonomia intelectual<br />
dos educandos na rede<br />
municipal de ensino de<br />
Salvador? 1<br />
Célia Maria Silva de Souza<br />
(SECULT – Salvador)<br />
Iza da Conceição Lopes<br />
(SECULT – Salvador)<br />
DIÁLOGO INICIAL<br />
A contemporaneidade e suas implicações, a exemplo da deterioração<br />
das relações institucionais, políticas e ambientais, trazem inúmeros desafios<br />
1 Trabalho apresentado à disciplina Projetos e Experiências, do curso de especialização em<br />
Formação de Professores para Educação Infantil com Mídias Interativas, para obtenção do<br />
título de Especialista em Formação de Professores para a Educação Infantil com Mídias<br />
Interativas.<br />
169
para a população planetária. A velocidade e a quantidade de informações<br />
disponíveis, imbricadas no avanço científico e tecnológico, evidenciam<br />
a necessidade de sujeitos autônomos, que sejam capazes de lidar com a<br />
transitoriedade e as incertezas que signifiquem suas escolhas, a partir de<br />
uma perspectiva fundamentada em novos conceitos éticos, políticos e<br />
estéticos.<br />
Como significar aprendizagens que atendam a essa autonomia? Como<br />
situar, nesse contexto, o uso educacional das TIC, mais especificamente<br />
das aulas multimídias? Em que medida a interação dos educandos com<br />
essas aulas multimídias, mediada em ambientes virtuais de aprendizagem,<br />
favorece a construção da autonomia intelectual?<br />
Essas inquietações, aliadas a algumas mudanças 2 ocorridas no<br />
cenário das Escolas da Rede Pública Municipal de Salvador, concernentes<br />
ao uso das tecnologias a partir da introdução do ‘Programa das Aulas<br />
Multimídias’, bem como a experiência profissional das autoras deste<br />
trabalho, vivenciada como professoras regentes e/ou como multiplicadoras<br />
da cultura tecnológica, em escolas da referida Rede de Ensino, instigaram a<br />
produção deste artigo.<br />
O objetivo do presente estudo é investigar até que ponto a utilização<br />
das Aulas Multimídias, no contexto assinalado, favorece a autonomia dos<br />
alunos. Para tanto, desenvolveu-se um estudo de caso junto aos professores<br />
de uma determinada escola, situada no bairro de Itapuã, através da aplicação<br />
de questionário e de observação participante. Com o pensamento de autores<br />
que situam a complexidade e as demandas da sociedade do conhecimento,<br />
trataram-se as aprendizagens necessárias aos sujeitos para agirem de forma<br />
autônoma, além da integração das TIC na escola.<br />
2 Desde que foi implantado, em 1998, o PETI - Programa de Educação e Tecnologias<br />
Inteligentes passou por várias mudanças. Na última, no início de 2007, através de uma<br />
parceria com uma empresa privada, foi implantado o Programa das Aulas Multimídias.<br />
170
COMPLEXIDADE E DEMANDAS DA SOCIEDADE DO<br />
CONHECIMENTO: EM BUSCA DA AUTONOMIA<br />
Avalanches de informações são distribuídas diariamente nas redes<br />
de computadores, na televisão e em outros meios de comunicação, sejam<br />
eles mais antigos ou mais recentes. É possível ter acesso, no mesmo instante,<br />
a abordagens divergentes de um mesmo assunto. Os conhecimentos<br />
adquiridos na escola, na família e/ou através de qualquer suporte de<br />
informação, rapidamente podem se tornar obsoletos. Apesar da velocidade<br />
e da quantidade de informações disponíveis, “nunca foi tão difícil conhecer”<br />
(MORAN, 2007, p.40). O que se tem de mais concreto na sociedade do<br />
conhecimento são transitoriedades e incertezas.<br />
O enfrentamento dessa realidade coloca vários desafios à educação.<br />
Morin (2001) menciona lacunas existentes no sistema educacional,<br />
salientando saberes imprescindíveis à educação das novas gerações. Nesta<br />
perspectiva, sugere a reorganização da educação através de correções dos<br />
defeitos do sistema. Para tanto, acredita que é fundamental ensinar que o<br />
conhecimento nunca é um reflexo ou um espelho da realidade, mas, sim, a<br />
tradução desta, o que “significa estar sempre buscando modos de conhecer<br />
o próprio ato de conhecer” (MORIN, 2001). Aprender a conhecer, um dos<br />
pilares da educação tratado no Relatório de Delors (1998, p. 90-91), é assim<br />
definido:<br />
Este tipo de aprendizagem que visa não tanto à<br />
aquisição de um repertório de saberes codificados,<br />
mas antes ao domínio dos próprios instrumentos<br />
do conhecimento, pode ser considerado,<br />
simultaneamente, como um meio e como uma<br />
finalidade da vida.<br />
171
Assim, os métodos devem permitir apreender as relações mútuas e<br />
as influências entre o todo e as partes, buscando sempre a contextualização<br />
do objeto – conhecimento pertinente. Neste sentido, Moran (2007, p. 41)<br />
acrescenta:<br />
Conhecer é relacionar, interagir, contextualizar,<br />
incorporar o que vem de fora. Conhecer é saber,<br />
desvendar, ir além da superfície, do previsível, da<br />
exterioridade. Conhecer é aprofundar os níveis<br />
de descoberta, é penetrar mais fundo nas coisas,<br />
na realidade, no nosso interior. Conhecer é tentar<br />
chegar ao nível da sabedoria da integração total,<br />
da percepção da grande síntese que se consegue ao<br />
comunicar-se com uma nova visão de mundo, das<br />
pessoas e com o mergulho profundo no nosso eu.<br />
[...].<br />
Para chegar a esse nível de construção de conhecimentos, os sujeitos<br />
precisarão aprender a agir com certa autonomia intelectual, diante do<br />
objeto em estudo, o que condiciona o sistema educacional a fornecer aos<br />
estudantes meios para gerenciar a quantidade de informação a que tiverem<br />
acesso através da seleção e hierarquização do que lhes for mais útil. Além<br />
disso, as instituições educacionais precisarão dar conta de uma abordagem<br />
que considere tanto o indivíduo, quanto a sociedade e a espécie, parte de<br />
um todo indivisível. Isso sugere compreender a condição humana no seu<br />
aspecto múltiplo, como parte de uma unidade que constitui a identidade da<br />
comunidade planetária, ressaltando também a importância da antropoética<br />
– ética do bem pensar, em que é ponderado o resultado das ações em<br />
nível pessoal, local e global.<br />
Dessa forma, um ensino instrucional, fragmentado em disciplinas,<br />
que privilegie a repetição e a memorização, não dará conta de atender à<br />
formação do pensamento complexo, tão necessário para o enfrentamento<br />
172
dos atuais desafios e mesmo para o entendimento da própria existência.<br />
O ato de aprender requer equilíbrio e alternância entre o pensamento<br />
divergente e o pensamento convergente, o sujeito precisa, ao mesmo tempo,<br />
agenciar confiança com imprevisibilidade e incertezas, sabendo tomar<br />
decisões coerentes. Esse domínio se dará em situações problematizadoras<br />
e contextualizadas que favoreçam o despertar da curiosidade intelectual,<br />
do sentido crítico e da compreensão da realidade, mediante “a aquisição de<br />
autonomia na capacidade de discernir” (DELORS, 1998, p. 91). Segundo<br />
Freire (2003, p. 107),<br />
Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir.<br />
A autonomia vai se construindo na experiência de<br />
várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.<br />
[...] A autonomia, enquanto amadurecimento do<br />
ser para si, é processo, é vir a ser. É neste sentido<br />
que uma pedagogia da autonomia tem de estar<br />
centrada em experiências estimuladoras da decisão<br />
e da responsabilidade, vale dizer, em experiências<br />
respeitosas da liberdade.<br />
Nesses termos, o desenvolvimento da autonomia intelectual<br />
pressupõe o efetivo exercício da liberdade de criação, da autoria, da<br />
criatividade, do correr e do assumir riscos, que, por sua vez, demandam<br />
situações de aprendizagem concretas, desafiadoras, abertas e flexíveis.<br />
Tais situações visam a desenvolver os potenciais do educando com ênfase<br />
na imaginação e criatividade, além de buscar incentivar, no discente,<br />
o empreendedorismo, a pró-atividade e seu papel enquanto agente de<br />
mudanças. Ter autonomia, no sentido aqui descrito, remete a “assumir-se<br />
como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador,<br />
criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar [...]”.<br />
(FREIRE, 2003, p. 41).<br />
173
Foi abarcando essa visão de autonomia e a convicção de que<br />
“aprender é uma aventura criadora” (FREIRE, 2003 p. 69), que se investigou<br />
o atual modelo de integração das novas tecnologias, na Rede Municipal de<br />
Ensino de Salvador, ou seja, o Programa de Aulas Multimídias.<br />
EMERGÊNCIA DO CIBERESPAÇO: UMA VERSÃO<br />
CONTEMPORÂNEA PARA O TERMO MULTIMÍDIA<br />
Por volta dos anos oitenta, o uso da informática, que se limitava<br />
ao setor industrial, foi agregado às telecomunicações, à editoração, ao<br />
cinema e à televisão. Essa tendência à digitalização suscitou novas formas<br />
de mensagens “interativas”. É o que Pierre Lévy (1999, p. 32) chama de o<br />
“prenúncio contemporâneo da multimídia”. Para ele,<br />
O termo “multimídia” significa, em princípio, aquilo<br />
que emprega diversos suportes ou diversos veículos<br />
de comunicação. Infelizmente, é raro que seja usado<br />
neste sentido. Hoje, a palavra refere-se geralmente<br />
a duas tendências principais dos sistemas de<br />
comunicação contemporâneos: a multimodalidade<br />
e a integração digital. (LÉVY, 1999, p. 63).<br />
A concepção de Lévy sobre multimídia, ainda que expressa em um<br />
tom de crítica 3 , remete às diferentes significações que ocorreram ao termo,<br />
3 Lévy defende o uso do termo multimídia para designar vários suportes e formatos em<br />
estratégias que são usados separadamente. Em sua opinião, se “desejamos designar de<br />
maneira clara a confluência de mídias separadas em direção a uma mesma rede digital<br />
integrada, deveríamos usar, de preferência, a palavra ‘unimídia’” (LÉVY, 1999, p. 62). Embora<br />
Carvalho (2002) ache lógica essa colocação de Lévi, do ponto de vista da própria composição<br />
dessa nova tecnologia (vários médias num mesmo suporte), ele não vê contribuição para o<br />
esclarecimento do conceito que vem sendo usado em sua terceira fase de evolução, como um<br />
documento digital interativo que integra diferentes formatos.<br />
174
desde que foi cunhado em 1959 por Levis e Harcleroad, no livro Instrucional<br />
Media and Methods de Broun, conforme foi relatado por Clark e Craing<br />
(apud CARVALHO, 2002). Nessa fase inicial, não se associava o uso desse<br />
termo à utilização dos computadores. Ele era empregado para descrever<br />
uma sessão ou apresentação em que se utilizasse mais de um formato, como<br />
texto, imagem, vídeo, som, dentre outros, em diferentes suportes que não<br />
fossem os informáticos.<br />
Em um segundo momento, surge a expressão “pacotes multimídia”<br />
para designar um conjunto de documentos em diferentes formatos e<br />
suportes – vídeo, cassete, papel – destinados à formação, principalmente<br />
na educação à distância, sendo a estes agregados, posteriormente, os<br />
computadores e softwares educativos (CARVALHO, 2002).<br />
Com a informática ”amigável” e a emergência do ciberespaço, vários<br />
formatos foram combinados em um mesmo documento, dando origem<br />
aos hiperdocumentos. Nessa terceira fase, surgia a expressão “documentos<br />
multimídia interativos”, os quais logo passaram a ser chamados apenas<br />
de documentos multimídias, pois se acreditava já estar implícita em sua<br />
semântica a questão da interatividade. Neste artigo, o termo multimídia<br />
é empregado como o descrito na terceira fase, ou seja, “a conversão<br />
operacional de tecnologias informáticas em interfaces e conectividade de<br />
suas funções integradas” (KAPELIAN apud SILVA, 2002, p. 35).<br />
MULTIMÍDIA COMO OBJETO DE APRENDIZAGEM: UMA<br />
BREVE PERSPECTIVA DO USO DAS TIC EM EDUCAÇÃO<br />
A versatilidade do computador, principal suporte para interação com<br />
a multimídia informática, oferece diversas possibilidades de usos, capazes de<br />
se adequarem a quase todas as concepções de ensino-aprendizagem. Neste<br />
175
sentido, Sancho (2006); Valente (1993); Coscarelli (2006) se reportam às<br />
principais e descrevem o tipo de software educativo utilizado. As correntes<br />
condutivista e neocondutivista concebem esse artefato como máquina de<br />
ensinar ou tutor inteligente. Essa modalidade de uso do computador é<br />
baseada na instrução programada e em métodos de ensino tradicionais.<br />
Como descreve Valente (1993, p. 2):<br />
Quando o computador ensina o aluno, o<br />
computador assume o papel de máquina de ensinar<br />
e a abordagem educacional é a instrução auxiliada<br />
por computador. Essa abordagem tem suas raízes<br />
nos métodos de instrução programada tradicionais,<br />
porém, ao invés do papel ou do livro, é usado o<br />
computador. Os softwares que implementam essa<br />
abordagem podem ser divididos em duas categorias:<br />
tutoriais e exercício-e-prática (“drill-and-practice”).<br />
Esses softwares, apesar de conterem elementos multimídia e, em<br />
alguns casos, apresentarem certo tipo de organização “hipertextual”, têm<br />
características fechadas. Organizam-se geralmente em estrutura linear<br />
seqüencial ou em estrutura de árvore. Nesses dois casos, o conteúdo é<br />
disposto de forma estruturada e ao sujeito resta pouca possibilidade de<br />
criação e intervenção sobre o documento. Limita-se apenas a avançar e<br />
recuar, seguindo o mesmo percurso ou, então, indo com um pouco mais<br />
de possibilidades em que cada nó remete a mais de um descendente<br />
(COSCARELLI, 2006; CARVALHO, 2002; VALENTE, 1993).<br />
A utilização desses aplicativos, na escola, comumente está ligada<br />
a uma disciplina específica, para ajudar o professor a “dar a aula” e fixar<br />
o conteúdo estudado. Nessa perspectiva, as TIC são usadas para “reforçar<br />
as crenças existentes sobre os ambientes de ensino em que ensinar é<br />
176
explicar, aprender é escutar e o conhecimento é o que contém no livrotexto”<br />
(CUBAN, 1993 apud SANCHO, 2006, p. 22). Moran (2007) situa essa<br />
modalidade de uso das TIC no que chama de primeira etapa de apropriação<br />
pedagógica 4 desses recursos nas escolas. Esta forma se reduz à utilização<br />
das “tecnologias para fazer melhor o mesmo” (MORAN, 2007, p. 91), o que<br />
não sugere quebra de paradigmas e mudanças para a Educação.<br />
Outra modalidade de aplicativo, bastante utilizada na escola, são<br />
os jogos educacionais, que, comumente, têm função de atrair e manter o<br />
interesse dos educandos, além de desenvolver habilidades de aplicação de<br />
conhecimentos. Segundo Valente (1993, p. 10), “a pedagogia por trás dessa<br />
abordagem é a de exploração autodirigida ao invés da instrução explícita<br />
e direta”. Para esta concepção, a aprendizagem é mais efetiva quando o<br />
sujeito por si só estabelece relações. Sem dúvida, os jogos educacionais, de<br />
simulação ou não, em função de suas características lúdicas, contribuem<br />
para algum tipo de desenvolvimento cognitivo. Entretanto, na maioria dos<br />
casos, quando os educadores têm objetivos claros para o emprego desses<br />
recursos, são pontuais e se limitam à apropriação ou à fixação de conteúdos.<br />
Essa restrição constitui uma subtilização do recurso.<br />
Já os programas de simulação digital possibilitam a interação dos<br />
estudantes com modelos simplificados do mundo real. Geralmente, são<br />
desenvolvidos para explicar fenômenos e situações em que seria difícil o<br />
contato direto. Para Valente (1993), a possibilidade de o aluno desenvolver<br />
hipóteses, testá-las, analisar resultados e refinar os conceitos coloca esses<br />
programas à frente dos tutoriais. Nesta modalidade, o computador deixa<br />
4 A recorrência às etapas de integração das TIC nas escolas, sugeridas por Moran (2007),<br />
não tem função de transmitir linearidade. Essas etapas foram usadas neste artigo, para efeito<br />
didático e/ou para indicar maior evidência de uma sobre a outra, no processo de apropriação<br />
pedagógica desses recursos pelas escolas. As formas de uso das tecnologias, evidenciadas pelo<br />
autor para cada etapa, coexistem em maior ou menor grau nas instituições de ensino.<br />
177
de ser máquina de ensinar para ser usado como ferramenta de ensino. Vale<br />
salientar que, para o funcionamento efetivo dos programas de simulação,<br />
são necessários sistemas computacionais avançados, o que, na maioria dos<br />
casos, não é a realidade nas instituições escolares.<br />
Com a perspectiva pedagógica da informática, amplia-se o uso do<br />
computador como ferramenta de apoio ao processo de ensino-aprendizagem,<br />
ou seja, “não é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a ferramenta<br />
com a qual o aluno desenvolve algo, e, portanto, o aprendizado ocorre<br />
pelo fato de estar executando uma tarefa por intermédio do computador”.<br />
(VALENTE, 1993, p. 13). Assim, através dos editores de textos, das planilhas<br />
eletrônicas, dos editores de gráficos, gerenciadores de bancos de dados, da<br />
comunicação através da internet, dentre outros, os estudantes realizam<br />
atividades através das quais são oportunizadas aprendizagens e construção<br />
de conhecimentos. Para Valente (1993, p. 13),<br />
Talvez estas ferramentas constituam uma das<br />
maiores fontes de mudança do ensino e do processo<br />
de manipular informação. As modalidades de<br />
software educativos descritos acima podem<br />
ser caracterizados como uma tentativa de<br />
computadorizar o ensino tradicional. Mais ou<br />
menos o que aconteceu nos primórdios do cinema<br />
quando cinema = teatro + câmera. Hoje o cinema<br />
tem sua técnica própria. Este mesmo fenômeno<br />
está acontecendo com o uso dos computadores<br />
na educação. Com a criação destes programas de<br />
manipulação da informação, estamos vendo nascer<br />
uma nova indústria de software educativo que<br />
pode causar um grande impacto na maneira como<br />
ensinamos e como nos relacionamos com os fatos e<br />
com o conhecimento.<br />
178
O pensamento de Valente indica que a tecnologia por si só não<br />
favorecerá ou desfavorecerá o processo educativo, os benefícios virão a<br />
partir de uma utilização intencional dos atores envolvidos. Nesse sentido,<br />
Moran (2007) situa essa perspectiva de utilização das TIC, defendida por<br />
Valente (1993), em uma segunda etapa de integração desses recursos na<br />
escola, sugerindo que proporcionam mudanças parciais por permitirem,<br />
através das possibilidades de criação de plataformas e espaços virtuais de<br />
comunicação, o desenvolvimento de atividades novas, dentro da escola e<br />
à distância. Entretanto, salienta que essas intervenções pontuais convivem<br />
com o ensino tradicional, centrado no professor, evidenciando que o mais<br />
[...] importante, o que vale de verdade, continua<br />
sendo o currículo, as aulas presenciais, as notas.<br />
Típica desta segunda fase é a divisão entre grade<br />
curricular obrigatória (disciplinas) e atividades<br />
virtuais (projetos, webquets) que costumam ser<br />
voluntárias ou consideradas complementares.<br />
A escola continua a mesma, no essencial, mas<br />
há algumas mudanças pontuais, periféricas,<br />
que começam a pressionar por mudanças mais<br />
estruturais. (MORAN, 2007, p. 92).<br />
Referências sobre o computador e a Internet, como máquinas de<br />
ensinar e ferramentas de apoio às práticas pedagógicas, descritas até aqui,<br />
são objeto de discordância de alguns teóricos, dentre eles, Lévy (1999) e<br />
Coscareli (2006). Esses autores acreditam que as tecnologias inteligentes<br />
surgem como possibilidade de mudanças da educação e de uma nova<br />
relação com o saber, mais condizentes com as habilidades exigidas para<br />
superação de desafios do mundo contemporâneo, em constante mutação.<br />
Neste sentido Lévy (1999, p. 172) coloca:<br />
179
Ao prolongar determinadas capacidades cognitivas<br />
humanas (memória, imaginação, percepção),<br />
as tecnologias intelectuais como suporte digital<br />
redefine seu alcance, seu significado e, em algumas<br />
vezes, sua natureza. As novas possibilidades<br />
de criação coletiva distribuída, aprendizagem<br />
cooperativa e colaboração em redes oferecidas pelo<br />
ciberespaço colocam em questão o funcionamento<br />
das instituições e os modos habituais de divisão do<br />
trabalho, tanto nas empresas como nas escolas.<br />
A partir desses pressupostos, vários especialistas sugerem novas<br />
condições ao trabalho escolar, tais como: flexibilização do currículo;<br />
novos espaços e tempos de aprendizagem; reorganização dos ambientes<br />
presenciais; ênfase na metodologia de pesquisa e na resolução de problemas;<br />
adequação do conhecimento ao contexto pessoal, regional e global, uso da<br />
tecnologia como canal de comunicação, produção, divulgação e visibilidade<br />
de vozes não veiculadas na mídia comercial e formação de redes de<br />
solidariedade (LÉVY, 1996; SILVA, 2002; OROFINO, 2005; COSCORELLI,<br />
2006; MORAN, 2007, dentre outros).<br />
As mudanças sugeridas acima encontram vários entraves quando<br />
ocorrem, realmente, no sistema educacional: são lentas nas universidades e<br />
muito inexpressivas nas escolas de ensino fundamental e médio, ocasionadas,<br />
principalmente, pela pressão exercida a essas instituições pelas Secretárias<br />
de Educação, em relação ao currículo, pelas expectativas da família, pelo<br />
que é exigido no vestibular, pela cultura escolar tradicional e pela cultura<br />
social conservadora (MORAN, 2007). Dessa forma, a quebra de paradigmas<br />
esperada na educação, através das novas tecnologias, não ocorreu até aqui<br />
e não ocorrerá apenas pela simples introdução desses recursos no espaço<br />
escolar, mas por uma ampla reforma na própria concepção de Sistema<br />
Escolar que perpassa, dentre outros fatores, pela criação de novos espaços<br />
180
de aprendizagens, pela flexibilização do currículo e, prioritariamente, pela<br />
revolução conceitual do pensamento dos próprios agentes desse Sistema.<br />
MULTIMÍDIA, AUTONOMIA E NOVAS POSSIBILIDADES<br />
HIPERTEXTUAIS<br />
A hipertextualidade, possibilitada pela rede mundial de<br />
computadores, favorece uma forma de pensamento não linear, que permite<br />
ao internauta decidir o seu próprio percurso, selecionar possibilidades,<br />
inferir e interferir sobre o conteúdo e construir coletivamente, tornando-se<br />
co-autor e autor ao mesmo tempo. Neste sentido, Silva (2002, p. 15) coloca:<br />
O hipertexto se apresenta então como novo<br />
paradigma tecnológico que liberta o usuário da<br />
lógica unívoca, [...] ele democratiza a relação do<br />
indivíduo com a informação, permitindo que<br />
ultrapasse a condição de consumidor passivo para<br />
a condição de sujeito operativo, participativo e<br />
criativo. [...] ‘o hipertexto é essencialmente um<br />
sistema interativo’.<br />
Segundo Silva (2002), o conceito de interatividade é fundamentado<br />
na epistemologia da complexidade, podendo então favorecer a construção<br />
de conhecimentos dessa natureza. É importante salientar que interatividade<br />
é a disponibilização de um mais comunicacional de modo expressivamente<br />
complexo, que se fundamenta na participação-intervenção,<br />
bidirecionalidade-hibridização e permutabilidade-potencialidade. A<br />
construção de conhecimentos, a partir desses princípios, é mais aberta e não<br />
se limita apenas ao uso das hipermídias, pode e deve se tornar fundamento<br />
da sala de aula. Para Moran (1998 apud MORAN et al., 2000),<br />
181
A construção do conhecimento, a partir, do<br />
processamento multimídico, é mais “livre,” menos<br />
rígida, com conexões mais abertas, que passam<br />
pelo sensorial, pelo emocional e pela organização<br />
do racional; uma organização provisória, que se<br />
modifica com facilidade, que cria convergências<br />
e divergências instantâneas, que precisa de<br />
processamento múltiplo instantâneo e de respostas<br />
imediatas. (MORAN et al., 2000, p. 19).<br />
Retomando o sentido de autonomia, discutido anteriormente como<br />
exercício da liberdade de criação, da autoria, da criatividade, do correr e<br />
do assumir riscos e enfrentar desafios, pode-se dizer que é perceptível uma<br />
oportuna compatibilidade entre a autonomia e a linguagem da multimídia<br />
hipertextual. Entretanto, é importante perceber:<br />
O fato de incorporar imagens, textos, sons,<br />
animação, e mesmo de interligar informações<br />
em seqüências não-lineares, como atualmente<br />
utilizadas em multimídia, e hipermídia, não é<br />
garantia de boa qualidade pedagógica e de uma nova<br />
abordagem educacional. Programas visualmente<br />
agradáveis, bonitos e até criativos podem continuar<br />
representando o paradigma instrucionista ao<br />
colocar no recurso tecnológico uma série de<br />
informações a ser repassada ao aluno. Desta forma,<br />
continuamos preservando e expandindo a velha<br />
forma como fomos educados, sem refletir sobre o<br />
significado de uma nova prática pedagógica que<br />
utilize esses novos instrumentos. (MORAES, 1997,<br />
p. 16).<br />
Pelo exposto, incorporar as tecnologias na escola não é simplesmente<br />
enchê-las de computadores e softwares, procurando uma maneira mais<br />
fácil e massificante de utilizá-los, pois continuar perpetuando a visão<br />
182
tradicionalista e a fragmentação do conhecimento é simplesmente atingir a<br />
“otimização do péssimo” (MORAES, 1997, p.16).<br />
O PROGRAMA DE AULAS MULTIMÍDIAS DA REDE<br />
MUNICIPAL DE SALVADOR<br />
O Programa de Aulas Multimídias da Rede Municipal de Salvador,<br />
disponibilizado a 150 escolas da referida rede, a partir do início de 2007, é<br />
fruto de uma parceria entre a SMEC – Secretaria Municipal de Educação<br />
e <strong>Cultura</strong> e a Empresa Educandus. Essas instituições são responsáveis por<br />
desenvolver um conjunto de conteúdos multimídias em CD-ROM e web,<br />
envolvendo as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,<br />
Geografia e História. Para o desenvolvimento dessas aulas, foi criado um<br />
Centro de Produção de Aulas (Fábrica do Saber), que conta com profissionais<br />
especializados em cada disciplina pedagógica, além dos profissionais ligados<br />
à área de informática e design. Esse software educacional foi implantado<br />
com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino com o uso da tecnologia,<br />
através “da eficiência ao planejamento e à elaboração de aulas”. Propõe<br />
aprendizado nas diferentes áreas do conhecimento, através da utilização<br />
imediata da tecnologia educacional no processo de ensino-aprendizagem.<br />
Inicialmente, foram elaboradas 32 aulas, para as classes da 1ª à 4ª série e<br />
depois 40 para as classes da 5ª à 8ª, pela própria empresa parceira, sem<br />
nenhuma intervenção dos professores da Rede Municipal de Ensino.<br />
Para a introdução do programa nas escolas, os professores de<br />
tecnologias, 5 que já desenvolviam um trabalho flexível 6 com o uso das TIC,<br />
5 Professor de tecnologias é uma denominação dada, na Rede Pública Municipal de Salvador,<br />
para professores que, em tese, devem disseminar a cultura tecnológica nas escolas.<br />
6 O trabalho era desenvolvido através da produção de home page, blogs, webquest, produção<br />
de vídeos, produção de gráficos, desenhos, textos, dentre outros, frutos de uma parceria entre<br />
o professor de tecnologia e o professor regente.<br />
183
eceberam uma capacitação, desenvolvida pelos técnicos da Educandus,<br />
visando inicialmente à apropriação da nova proposta e, num segundo<br />
momento, à disseminação da mesma para os outros professores da rede.<br />
A implantação do Programa de Aulas Multimídias nas escolas,<br />
foi um momento de expressivas insatisfações de muitos professores.<br />
Essas insatisfações são justificadas pela falta de preparo da maioria dos<br />
professores regentes para operacionalizar os computadores e o novo<br />
software educacional, tendo em vista que se tornariam responsáveis pela<br />
aplicação das aulas. Além disso, questões relacionadas à infraestrutura,<br />
como a desproporção entre a quantidade de alunos e o número de micros, a<br />
lentidão do provedor para abertura das aulas, dificuldades na configuração<br />
das máquinas e acesso à Internet foram apontadas como principais entraves<br />
para o desenvolvimento da proposta.<br />
No que concerne à avaliação do Programa de Aulas Multimídias,<br />
os professores regentes e os de tecnologias dividem opiniões. Alguns<br />
acham que as aulas desenvolvidas são mais um suporte de enriquecimento<br />
e fixação dos conteúdos estudados na sala de aula, enquanto outros<br />
classificam o software como fechado, pautado no estímulo-resposta, com<br />
pouca possibilidade de criação e produção dos educandos, muito parecido<br />
com o livro didático.<br />
• Portal PETI: Aulas Multimídias como Software<br />
Educacional<br />
De acordo com o Manual de descrição, disponibilizado no próprio<br />
ambiente, o Portal é um ambiente virtual de aprendizagem ou Learning<br />
Management System (LMS), que possui recursos de comunicação,<br />
184
armazenamento de informações e gerenciamento de dados, gráficos e<br />
planilhas.<br />
Em tese, esse Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA dispõe de:<br />
Central de Relacionamento: canal de atendimento<br />
para os usuários do portal e para a rede municipal de<br />
educação de Salvador; Professor Web: professores à<br />
disposição para atender os alunos em suas dúvidas<br />
e resolução de exercícios; Gestão de Conteúdos:<br />
permite o gerenciamento de notícias, destaques,<br />
galeria de imagens, quadro de avisos e central de<br />
comunicação entre os usuários do portal; Conteúdo<br />
Didático: conteúdos organizados por disciplina,<br />
para cada segmento de ensino, estruturados em<br />
aulas web, com animações, imagens, mapas, vídeos,<br />
formulários, simulações, jogos virtuais e outros<br />
recursos que contribuem para aprendizagens<br />
em diversos campos do conhecimento; Fórum:<br />
permite a realização de discussões sobre temas<br />
que contribuem para a formação dos professores,<br />
através da criação de redes virtuais que possibilitem<br />
diálogos e trocas significativas; Chat: ferramenta<br />
de comunicação em tempo real entre alunos,<br />
professores e gestores (bate-papo); Painel de<br />
Gestão: relatórios e gráficos para controle de<br />
freqüência, desempenho individual, atividades<br />
realizadas e tempo utilizado em cada atividade<br />
(PORTAL PETI, 2007).<br />
• Descrição e Análise da Estrutura das Aulas<br />
Multimídias<br />
As aulas multimídias, disponibilizadas em CD-ROM e Web, seguem<br />
a mesma estrutura. São organizadas por disciplina, distribuídas na tela<br />
através de ícones. No caso das aulas em CD-ROM, além da organização<br />
185
por disciplina, também se agrupam por série. O ícone de cada disciplina<br />
dá acesso a uma listagem de conteúdos; o ícone de cada conteúdo dá acesso<br />
a uma nova aula. A navegação nessas aulas se dá através de botões que<br />
permitem avançar e retroceder. A linguagem utilizada é composta por texto,<br />
imagem, som e, em alguns casos, por elementos do jogo. Através do áudio,<br />
são dadas orientações para que os alunos possam realizar as atividades<br />
propostas. Há um ícone, em cada aula, chamado professor web, que permite<br />
ao aluno tirar dúvidas, informar erros ou dar sugestões sobre a aula. A<br />
partir das características descritas, o Programa de Aulas Multimídias pode<br />
ser classificado como um software tutorial.<br />
RESULTADO DA PESQUISA<br />
A pesquisa foi realizada com 13 professoras de uma escola da Rede<br />
Pública Municipal de Salvador, situada no bairro de Itapuã. Foi aplicado<br />
um questionário que evidenciou a visão dessas educadoras em relação à<br />
contribuição do Programa de Aulas Multimídias, adotado pela referida<br />
Rede de Ensino, para o desenvolvimento da autonomia dos educandos.<br />
Utilizou-se também a observação participante, visto que, uma das autoras<br />
deste artigo integra o grupo de educadores do Programa.<br />
Como evidenciado na Figura 1, 85% das professoras pesquisadas<br />
responderam que as aulas multimídias favorecem muito o desenvolvimento<br />
da autonomia intelectual dos estudantes, enquanto 15% acham que favorece<br />
pouco.<br />
186
Figura 1 – Em que medida as aulas multimídia favorecem o desenvolvimento da<br />
autonomia intelectual dos educandos<br />
Entretanto, ao justificarem sua opção, 36% dos casos relacionaramna<br />
com a apropriação do uso do computador, enfatizando a atual<br />
necessidade de os sujeitos saberem manusear esse recurso, e 18%, além<br />
de evidenciar esse manuseio, mencionaram o prazer que os participantes<br />
demonstram ao interagir com esse suporte, como pode ser percebido nos<br />
seguintes comentários:<br />
“É importante porque desenvolve o conhecimento tecnológico, já que<br />
vivemos na era tecnológica.”<br />
“É interessante porque, nas aulas multimídias, os alunos gostam de<br />
manusear o computador, tudo lá é mais prazeroso para eles.”<br />
Os 46% restantes apontaram, como principal motivo para a<br />
justificativa, o desenvolvimento do autodidatismo e da aprendizagem<br />
187
colaborativa, bem como a possibilidade de complementar o conteúdo<br />
estudado em sala de aula. Observa-se que, nessas avaliações, não há<br />
referências ao pensamento reflexivo, à metacognição e à criatividade dos<br />
sujeitos diante do objeto da aprendizagem. O entendimento de autonomia<br />
intelectual, enquanto liberdade de criação, possibilidade de fazer relações,<br />
enfrentar desafios, dentre outros apresentados neste artigo, não apareceram<br />
nas respostas das professoras.<br />
Com relação à interação dos educandos com as aulas multimídias<br />
(FIGURA 2), em 54% dos casos, as professoras disseram identificar tentativa<br />
e erro como aspecto sobressalente nessa interação; 15% destacaram o fato de<br />
eles buscarem entender o que é questionado na atividade; já 8% consideram<br />
a necessidade de os alunos tirarem dúvidas como aspecto preponderante;<br />
outros 8% evidenciam a predominância na relação feita pelos alunos entre<br />
conteúdos estudados na sala de aula e os estudados através das aulas de<br />
multimídias.<br />
Figura 2 – Aspecto identificado com maior frequência na interação aluno/aula<br />
multimídia<br />
Quando questionadas em relação ao benefício das aulas multimídias<br />
para a aprendizagem dos alunos (FIGURA 3), as professoras, em 23% de<br />
suas respostas, apontaram que é uma forma prazerosa de aprender; 15%<br />
acreditam que favorece a interatividade; outros 15% sinalizaram que<br />
188
propiciam a criatividade e a produção do aluno; enquanto 8%, não vêem<br />
muito beneficio nas aulas multimídias, pela pouca possibilidade de criação<br />
que o referido recurso oferece; outra professora (8%) vê benefícios para<br />
fixação dos conteúdos. Ninguém marcou as opções “desenvolve a autonomia<br />
intelectual” e “não traz nenhum beneficio”; 23% anularam a questão.<br />
Figura 3 – Benefício que as aulas multimídias trazem para a aprendizagem<br />
Durante a observação feita na mesma escola, em momentos<br />
distintos da interação com as aulas multimídias, nas turmas do 1º, 4º e 5º<br />
anos de escolarização, o item “tentativa e erro” também se apresentou como<br />
o aspecto principal, dessas interações. Os alunos respondiam e clicavam<br />
insistentemente nos ícones para checar a validade de suas respostas. O áudio<br />
repetidamente dizia “tente novamente”, se eles não indicassem a resposta<br />
certa na atividade, ou “parabéns, você acertou”, para os casos de acertos. Isto<br />
foi muito evidente em todas as turmas observadas, principalmente, entre os<br />
alunos com estágio de leitura e escrita menos avançado – que se centram<br />
muito mais em manusear o computador, experimentando o movimento das<br />
imagens e o som do áudio do que na própria atividade.<br />
189
Outro aspecto relevante identificado na observação foi a forma<br />
como as crianças se preocupavam em ajudar outros colegas que sentiam<br />
dificuldade em operacionalizar a aula multimídia. Essa cooperação<br />
diz respeito muito mais ao manuseio do software do que ao conteúdo<br />
propriamente dito.<br />
A tabela abaixo mostra, em ordem crescente, enumerados de um a<br />
cinco, os fatores eleitos pelas professoras como os que mais dificultam o uso<br />
efetivo das aulas multimídias, na escola. De acordo com as opções feitas, a<br />
inadequação da infraestrutura dos laboratórios, que se repete na primeira<br />
e terceira posição, respectivamente com 38% e 23% dos votos, é a principal<br />
dificuldade para o avanço da proposta. Mas, há também a falta de formação<br />
do professor que ficou, na segunda posição, com 23% dos votos e a pouca<br />
possibilidade na abordagem do conteúdo que aparece em duas posições<br />
entre as cinco mais votadas – terceira e quarta – com 23% e 15% dos votos.<br />
Representando 15% das escolhas, ao mesmo tempo aparecem, em<br />
quarto e quinto lugares, a pouca possibilidade de produção, criatividade e<br />
expressão do pensamento oferecida no recurso e a descontextualização das<br />
aulas.<br />
190
Tabela 1 – Fatores que dificultam o uso efetivo das aulas multimídias<br />
POSIÇÃO 1º 2º 3º 4º 5º<br />
FATOR<br />
Falta de<br />
formação<br />
do<br />
professor<br />
Inadequação<br />
da<br />
infraestrutura<br />
Inadequação<br />
da infraestrutura<br />
Pouca<br />
diversidade<br />
na forma de<br />
abordagem<br />
dos conteúdos<br />
Pouca<br />
possibilida-de<br />
de produção,<br />
criatividade e<br />
expressão do<br />
pensamento<br />
do aluno<br />
Pouca<br />
diversidade<br />
na forma de<br />
abordagem<br />
dos conteúdos<br />
Aulas<br />
descontextualizadas<br />
VOTO 38% 23% 23% 23% 15% 15% 15%<br />
191
As impressões das professoras que responderam à pesquisa, na sua<br />
maioria, bem como os dados coletados na observação remetem à utilização<br />
do objeto de aprendizagem em estudo através do estímulo-resposta, isto<br />
é, com pouca reflexão por parte dos estudantes, acerca do que está sendo<br />
realizado.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
O ponto de partida deste artigo foi investigar em que medida o<br />
Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal de Salvador<br />
desenvolve a autonomia intelectual dos educandos. Com esse objetivo,<br />
buscou-se significar aprendizagens que favorecem a autonomia necessária<br />
aos sujeitos para conviverem com a velocidade e o acúmulo de informações<br />
disponíveis na contemporaneidade, bem como com os seus desafios.<br />
Com suporte teórico em Morin (2001), apresentou-se a necessidade<br />
de reorganizar a educação, dando ênfase a novos modos de conhecer<br />
que privilegiem a contextualização e interconectividade do objeto do<br />
conhecimento em suas multiplicidades, o que não se prende especificamente<br />
a saberes codificados, mas, sobretudo, a aprender a conhecer o próprio ato<br />
de conhecer.<br />
Além disso, discutiu-se que o desenvolvimento da autonomia<br />
intelectual implica numa abordagem que considere a condição humana<br />
como parte do todo que a constitui, concluindo-se que toda ação, dentro<br />
deste ecossistema, deve se orientar por novos princípios éticos que se<br />
situem em nível pessoal, local e global. Dessa forma, verificou-se que o<br />
ensino instrucional focado em disciplina não dará conta de atender a tais<br />
demandas, muito menos para possibilitar o desenvolvimento da autonomia,<br />
tão necessária aos sujeitos da contemporaneidade.<br />
192
Abordou-se a emergência do ciberespaço como propulsor de<br />
uma nova versão da multimídia, ou seja, a combinação, em um mesmo<br />
suporte digital de texto, imagem e som, trazendo o panorama do seu uso<br />
na educação. A versatilidade do computador como campo fértil, capaz de<br />
atender a quase todas as concepções de ensino. Nesse sentido, esse recurso<br />
pode ser utilizado como máquina de ensinar, ferramenta de ensino ou como<br />
suporte potencializador de novas possibilidades para a educação.<br />
Entretanto, como evidenciado na pesquisa e na revisão de literatura<br />
realizada, a integração das Novas Tecnologias ainda não resultou nas<br />
mudanças anunciadas e esperadas para a educação. Na maioria dos casos,<br />
os recursos tecnológicos tem sido empregados como apêndice das práticas<br />
pedagógicas e como cristalizadores do ensino instrucional. Isso pode ser<br />
comprovado na Rede Pública Municipal de Salvador, através da implantação<br />
do Programa de Aulas Multimídias, que muito se aproxima de uma versão<br />
digital do livro didático, com mais interação e animação.<br />
Os dados da pesquisa revelaram que, apesar desta concepção<br />
instrucional de utilização do computador e da Internet, os estudantes<br />
apresentam certa autonomia em relação ao manuseio desse recurso.<br />
Entretanto, para obter a autonomia defendida por Freire (2003), como<br />
exercício da liberdade de criação e da autoria, que privilegie a metodologia<br />
de resolução de problemas e a pesquisa, o ponto de vista sobre o uso das<br />
TIC deve caminhar em uma direção que proporcione um maior grau de<br />
criatividade, autoria e consumo critico dessas mídias.<br />
Outro dado relevante da pesquisa diz respeito ao uso efetivo do<br />
Programa de Aulas Multimídias que é comprometido pela inadequação<br />
da infraestrutura dos laboratórios de informática, tanto em relação ao<br />
número de microcomputadores para a quantidade de estudantes, como<br />
pela baixa velocidade do provedor para a abertura das aulas. Também é<br />
193
apontada a falta de formação do professor, que se sente despreparado para<br />
operacionalizar as aulas e o computador.<br />
Verificou-se também que o Portal do PETI - Programa de Aulas<br />
Multimídias disponibiliza algumas ferramentas de comunicação que podem<br />
ser usadas para abrir o diálogo entre os estudantes, técnicos e professores.<br />
É uma oportunidade de promover o consumo crítico dessa mídia. No<br />
entanto, na maioria dos casos, esses recursos não são explorados, mesmo<br />
porque, ainda que constituam o que o Programa tem de melhor, não é a<br />
predominância da sua concepção.<br />
Diante do exposto, visualizam-se a premência de se criarem novos<br />
espaços de aprendizagem que facilitem a vivência de processos criativos,<br />
que desenvolvam a autoconfiança e possibilitem às novas gerações<br />
enfrentar desafios, inovar, refletir sobre a realidade, encontrando soluções<br />
alternativas e criativas para melhorar a qualidade de vida no planeta. A<br />
autonomia desejada, como vimos em Freire (2003, p. 107), “é processo, é<br />
vir a ser”, carece, portanto, de oportunidades para o seu desenvolvimento.<br />
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nov. 2007.<br />
195
Sobre os Autores<br />
Antonio Dias Nascimento (UNEB)<br />
Pós-doutor em Educação Musical (Universidade Federal do Rio Grande<br />
do Sul - UFRGS), Doutor em Sociologia com ênfase em Educação<br />
Popular (The University of Liverpool, Inglaterra) e Mestre em Ciências<br />
Sociais (Universidade Federal da Bahia – UFBA). Graduado em Filosofia<br />
(Universidade Federal de Pernambuco UFPE) e em Comunicação (UFBA).<br />
Professor Titular e Professor Permanente do Programa de Pós-graduação<br />
em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia<br />
(UNEB). E-mail: andiasst@hotmail.com<br />
Alex Sandro Gomes (UFPE)<br />
Doutor em Ciências da Educação (Université de Paris V - René Descartes,<br />
França). Engenheiro Eletrônico e Mestre em Psicologia Cognitiva (UFPE).<br />
Professor Adjunto <strong>II</strong> no Centro de Informática da Universidade Federal de<br />
Pernambuco. Membro da Academia Pernambucana de Ciências. E-mail:<br />
asg@cin.ufpe.br<br />
Célia Maria Silva de Souza (SECULT - Salvador)<br />
Especialista em Formação de Professor para a Educação Infantil com Mídias<br />
Interativas e Bacharel em Pedagogia (Universidade do Estado da Bahia -<br />
UNEB). Professora da Rede de Ensino da Prefeitura Municipal de Salvador<br />
e atua na Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (LIMPURB) na área de<br />
Educação Ambiental Comunitária. E-mail: scelia9@yahoo.com.br<br />
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Dinani Amorim (UNEB)<br />
Doutora em Electrónica y Computación (Universidad de Santiago de<br />
Compostela, Espanha, reconhecido como Ciências da Computação e<br />
Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo - USP).<br />
Especialista em Informática (Universidade Federal de Pernambuco -<br />
UFPE). Graduada em Ciência da Computação (Universidade Católica de<br />
Pernambuco). Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)<br />
e Professora Titular da Faculdade de Ciencias Aplicadas e Sociais de<br />
Petrolina (FACAPE). Atua na área de Inteligência Artificial com ênfase<br />
em Redes Neurais Artificiais e Representação de Conhecimento. E-mail:<br />
dinaniamorim@gmail.com<br />
Edmea Santos (UERJ)<br />
Doutora e Mestre em Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA).<br />
Pedagoga (Universidade Católica de Salvador – UCSal). Professora<br />
Adjunta do Departamento de Estudos de Educação a Distância na área de<br />
Informática da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio<br />
de Janeiro (UERJ). Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação<br />
(UERJ), na linha de pesquisa Cotidiano e <strong>Cultura</strong> Escolar. Ex-professora<br />
visitante no PPGE da UFJF e ex-professora auxiliar no curso de Pedagogia<br />
da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: mea2@uol.com.br<br />
Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo (UTP)<br />
Doutora e Mestre em Educação (Universidade de São Paulo - USP).<br />
Graduada em História (USP). Coordenadora de Tecnologia na Educação<br />
da COTED-CT e Professora do DEPED UTFPR, Campus Curitiba.<br />
Coordenadora de Pesquisa, Iniciação Científica e Editoração Científica -<br />
PROPPE/UTP. Membro da Associação Brasileira de Educação a Distância<br />
(ABED) e do CRIE Curitiba (PR/UNU). Ex-coordenadora do Núcleo de<br />
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Pesquisa em Processos Educacionais Interativos NUPPEI. Ex-pesquisadora<br />
e Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em<br />
Educação da Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: iolanda.cortelazzo@<br />
utp.br<br />
Iza Lopes (SECULT - Salvador)<br />
Especialista em Formação de Professores para Educação Infantil com Mídias<br />
Interativas (Universidade do Estado da Bahia - UNEB) e em Tecnologias em<br />
Educação (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro). Graduada<br />
em Pedagogia (Universidade do Estado da Bahia - UNEB). Professor/<br />
formador da Secretaria Municipal da Educação, <strong>Cultura</strong>, Esporte e Lazer<br />
- SME da Prefeitura Municipal de Salvador. E-mail: iza_lopes2006@yahoo.<br />
com.br<br />
Jusamara Souza (UFRGS)<br />
Doutora em Educação Musical e Mestre (Universidade de Bremen,<br />
Alemanha). Graduada em Instrumento - Piano (Universidade Federal de<br />
Uberlândia). Licenciada em Música e Artes (Universidade de Bremen,<br />
Alemanha). Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D. Professor Adjunto<br />
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Diretora da<br />
Editora da UFRGS. Ex-presidente da Associação Brasileira de Educação<br />
Musical. Atua na área de Artes, com ênfase em Educação musical,<br />
principalmente nos temas Educação Musical, Aprendizagem e Ensino de<br />
Música no Cotidiano, Sociologia da Educação Musical. E-mail: jusa.ez@<br />
terra.com.br<br />
Lynn Alves (UNEB)<br />
Pós-doutora na área de Jogos eletrônicos e Aprendizagem (Università degli<br />
Studi di Torino, Itália). Doutora e Mestre em Educação (Universidade<br />
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Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia (Faculdade de Educação<br />
da Bahia). Professora Adjunta e Pesquisadora do SENAI-CIMATEC,<br />
Departamento Regional da Bahia (Núcleo de Modelagem Computacional)<br />
e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail:lynnalves@yahoo.<br />
com.br<br />
Maria Olívia de Matos Oliveira (UNEB)<br />
Pós-Doutora em Educação (UERJ); Doutora em Calidad y Procesos de<br />
Innovación Educativa (Universidad Autonoma de Barcelona), Mestre em<br />
Calidad Educativa (Universidade Autónoma de Barcelona) e Mestre em<br />
Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA). Graduada em Pedagogia<br />
(UFBA). Especialista em EAD (Católica Virtual de Brasília). Professor<br />
Titular da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professor titular da<br />
Universidade do Estado da Bahia. Trabalha com os processos formativos<br />
a Distância e as tecnologias aplicadas a Educação, atuando principalmente<br />
nas áreas de Formação de Professores para a Educação Infantil e EJA, Mídia<br />
e Mediação Pedagógica. E-mail:oliviamattos@terra.com.br<br />
Ricardo Amorim (UNEB)<br />
Doutor em Electrónica y Computación (Universidad de Santiago de<br />
Compostela, Espanha, reconhecido como Ciências da Computação e<br />
Matemática Computacional pela Universidade de São Paulo - USP) e<br />
Mestre em Engenharia de Produção com ênfase em Mídia e Conhecimento<br />
(Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC). Graduado em Ciência<br />
da Computação (Universidade Católica de Pernambuco). Professor<br />
Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Professor Titular<br />
da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina. E-mail: amorim.<br />
ricardo@gmail.com<br />
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Sandra Maria Farias Loureiro de Souza (FTC)<br />
Pós-graduada em Gestão Educacional (Faculdades Olga Mettig). Mestre<br />
pelo Programa em Educação e Contemporaneidade (Universidade do<br />
Estado da Bahia - UNEB). Licenciada em Desenho e Plástica (Universidade<br />
Federal da Bahia - UFBA). Coordenadora Pedagógica da Oi Kabum<br />
- Escola de Arte e Tecnologia, programa desenvolvido pela Cipó -<br />
Comunicação Interativa em parceria com o Instituto Oi Futuro, Secretaria<br />
do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado da Bahia e<br />
Unesco. E-mail: sandraloureiro17@yahoo.com.br<br />
Tânia Hetkowski (UNEB)<br />
Doutora em Educação (Universidade Federal da Bahia - UFBA) e Mestre<br />
em Educação nas Ciências (Universidade Regional do Noroeste do Estado<br />
do Rio Grande do Sul). Graduada em Pedagogia (Universidade do Oeste<br />
de Santa Catarina). Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia<br />
(UNEB). E-mail: hetk@uol.com.br<br />
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