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Editorial<br />
Rap e hip hop: do gueto ao mainstream<br />
A ascensão dos gêneros marginalizados se deu com o empurrão de uma diva do pop<br />
Em 1990, Mariah Carey surgiu na indústria da<br />
música aos 20 anos de idade. A jovem artista<br />
despontou com sua voz de cinco oitavas,<br />
dominando as rádios com baladas poderosas,<br />
compostas e produzidas por ela. Um talento nato<br />
– muitas vezes comparado a Whitney Houston e<br />
Celine Dion, cantoras que já tinham estrada – mas<br />
que trouxe técnicas vocais distintas e incríveis.<br />
Nascida e criada em Nova York, filha de mãe branca<br />
irlandesa e pai negro venezuelano, Mariah mudavase<br />
de casa constantemente devido ao preconceito<br />
da vizinhança com a família birracial. Um dos<br />
bairros em que ela cresceu era um gueto no melhor<br />
estilo do Bronx, Harlem e Brooklyn. Suas principais<br />
referências são o soul de Aretha Franklin, o pop de<br />
Michael Jackson e Prince, além dos beats de hip hop<br />
populares nos bairros mais pobres. Mariah é uma<br />
bairrista old school. Uma artista com musicalidade<br />
plural, que vai do R&B clássico (Mine Again, de 2005)<br />
ao rap provocativo (Obsessed, de 2009).<br />
Após a colaboração com Ol’ Dirty Bastard, Mariah<br />
tirou os dois pés do pop por um bom tempo. A<br />
artista passou a remixar e assinar canções com<br />
rappers. Missy Elliott e Jay-Z (em Heartbreaker,<br />
1999); Snoop Dogg (em Crybaby, 2000); Ja Rule (em<br />
If We, 2001); Busta Rhymes (em I Know What You<br />
Want, 2003); Nicki Minaj (em Up Out My Face, 2010) e<br />
YG (em I Don’t, 2017) são algumas das participações<br />
no catálogo de Carey, que impulsionou o rap no<br />
mercado por conta de sua influente trajetória como<br />
uma máquina de hits. Fora do hip-pop, a lista de<br />
feats também inclui, entre muitos outros, Whitney<br />
Houston, num dueto icônico em 1998.<br />
O império do rap/hip hop nos Estados Unidos não<br />
teria sido construído de forma tão poderosa se os<br />
artistas continuassem vendendo seus discursos<br />
apenas nas periferias. É parecido com o que nós<br />
conhecemos no Brasil: o estigma do funk como “som<br />
sem qualidade” e ainda limitado a poucos espaços.<br />
1995 marcou o início do hip-pop. Mariah já era<br />
uma artista consagrada de soul e R&B que atingia<br />
números estratosféricos em vendas de discos,<br />
com músicas vocalmente imbatíveis – destaque<br />
para o “som de apito”, nota aguda que é sua marca<br />
registrada –, e uma coleção de singles no topo das<br />
paradas (8, na época). Uma diva do pop de um milhão<br />
de dólares e um rapper gangsta alcoólatra seriam<br />
a dupla impensável para uma canção de sucesso.<br />
Mas a união aleatória funcionou. Ol’ Dirty Bastard<br />
foi convidado para adicionar suas rimas de rap ao<br />
remix de Fantasy – primeira música de trabalho do<br />
álbum Daydream, aclamado pelo público e pela<br />
crítica –, que leva o sample de “Genius of Love”,<br />
de 1981, da banda Tom Tom Club, a qual Mariah<br />
ouvia quando adolescente, mesclado com R&B<br />
moderno, dance-pop, funk e hip hop em um<br />
tom pesado de baixo como pano de fundo.<br />
A contribuição de Mariah Carey para a música<br />
vai além do surgimento de um novo vocal que<br />
influenciou gerações entoando letras sensíveis<br />
em melodias viciantes. O pioneirismo dos 27<br />
anos de carreira da cantora pode ter como uma<br />
das vertentes a artisticidade de servir à música<br />
independentemente do gênero. Além dos nomes já<br />
citados, 50 Cent, Lil Wayne, Drake e Kendrick Lamar<br />
não estariam ou não se manteriam no mainstream<br />
se não fosse por Fantasy lá atrás.<br />
Mariah Carey com o rapper ODB, falecido em 2004.<br />
(Foto: Getty Images)<br />
O remix clássico entrou para a história por ser<br />
a porta de entrada da popularização do hip<br />
hop/rap para o grande público e a indústria<br />
fonográfica. O modelo hip-pop, seguido até<br />
hoje, foi reproduzido por cantoras como<br />
Beyoncé em Crazy in Love, de 2003, e Rihanna<br />
em Umbrella, de 2007, ambos trabalhos em<br />
parceria com Jay-Z.