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TATIANA E RODRIGO<br />

12.10.2018


O INÍCIO


Tem gente que não espera o amor aparecer, vai até ele e o pega<br />

no laço. Mesmo quando ainda nem sabe que é o amor, ou que<br />

virá a ser. Primeiro aparece a intuição, dá uma cutucadinha,<br />

a pessoa ouve o instinto interior e quando vê já trouxe uma<br />

grande paixão pra dentro da sua vida.<br />

Não que ela imaginasse que essa história terminaria em um altar<br />

dizendo ‘sim’, mas Tatiana tinha um objetivo definido quando<br />

achou o perfil de Rodrigo, mais conhecido como Bob, no<br />

falecido Orkut e o adicionou. Segundo ela, a ideia era apenas<br />

fazer novas amizades.<br />

−Eu morava com uma amiga, a Débora, e ficava impressionada<br />

que a gente tinha a mesma idade, morava juntas, estudava<br />

juntas, mas o círculo social dela tinha um milhão de amigos!<br />

Só que ela era esportista, membro de liga universitária, e eu só<br />

conhecia o pessoal da nossa sala da faculdade. Aí ela discordou<br />

“não, não é assim não, dá uma olhada no grupo da UFV que<br />

você encontra mais gente que você conhece”.<br />

A tarefa parecia simples, só que tinha um “porém”. Quem conhece<br />

a Tatix sabe de como a memória dela é maravilhosa... Só<br />

que não. Depois de muito fuçar o grupo da universidade na<br />

rede social, achou umas dez pessoas que ela conhecia. Ou pelo<br />

menos achava que conhecia.


Outras pessoas tentariam começar a amizade de uma forma<br />

mais tradicional, quem sabe com o famoso “Oi, tudo bem?”.<br />

Mas não a Tatix. Sem explicar quem era ela e porque enviava<br />

uma solicitação de amizade, mandou apenas uma frase que julgava<br />

resumir tudo muito bem: “Te vi na reta”.<br />

− Na hora eu pensei “Tá querendo me pegar” – lembra Bob.<br />

Solicitação aceita, a amizade evoluiu do Orkut para o MSN,<br />

que era melhor de bater papo. E como conversavam! Só conversavam,<br />

diga-se de passagem, porque o primeiro encontro<br />

demorou alguns meses para se acontecer.<br />

Bob disse que queria levá-la ao restaurante italiano sonho de<br />

10 em 10 universitários da UFV: o La Coccinella. O problema<br />

era que estudante não tinha lá muita grana para bancar a programação,<br />

por isso a demora em chamá-la para sair. Enquanto<br />

isso, conversavam todos os dias pelo aplicativo de mensagens.


Conhecida por ter um amplo guarda-roupa, Tatix não pode<br />

idealizar o look do primeiro encontro porque quando saiu de<br />

casa naquele dia nem sabia que terminaria a noite conhecendo<br />

Bob. Arrumou-se para ir ao aniversário de uma amiga e lá o<br />

telefone tocou:<br />

− Ó, tô com grana hoje, vamos?<br />

Ela gelou. Não o conhecia direito, e se fosse um louco, psicopata?<br />

Tudo bem que parecia gente boa nas conversas pela internet,<br />

mas não custava nada se precaver. Chamou as amigas, incluindo<br />

a aniversariante, para vigiar o encontro da janela.<br />

Na primeira impressão, uma surpresa: ele era mais bonito do<br />

que parecia pela foto do Orkut. Chegou a duvidar se era ele<br />

mesmo, mas também não tinha certeza se ele estava tão diferente<br />

assim ou a memória dela que não era grande coisa mesmo.<br />

Para ambos, apesar de ser a primeira vez que se viam, a sensação<br />

era de que já se conheciam há tempos. Tanto entrosamento<br />

fez com que Tatix já esperasse um fim de noite especial.<br />

No entanto, Bob decidiu surpreendê-la novamente.


- Aí a gente teve o encontro todo, foi engraçado. Levei ela em<br />

casa e a Tatix já chegou com a chave balançando pra subir. Pensei<br />

“É agora”. Aí eu falei “Boa noite”.<br />

Não era bem o que ela esperava.<br />

-Ele me levou até meu prédio e chegando lá achei que ele ia me<br />

beijar, porque a gente tinha passado a noite inteira flertando,<br />

ele tinha sido muito fofo durante o jantar. Quando ele chegou<br />

na porta da minha casa, que achei que ia me beijar, acho que<br />

já estava até de biquinho, aí ele me deu um tapinha nas costas<br />

e foi embora.<br />

A revolta tomou conta daquela mulher. Subiu indignada até o<br />

terceiro andar, colocou o pijama e imediatamente ligou o computador.<br />

Em poucos minutos lá estava ele online também.<br />

-Nós devíamos ter estendido a noite, né? – comentou Bob.<br />

Ainda brava, ela concordou.<br />

-Então me encontra em 15 minutos no gramado da UFV – chamou<br />

ele.


Não teve dúvidas. Ela queria beijá-lo nem que fosse só para<br />

tirá-lo de sua cabeça. Voltou a se vestir, agasalhando-se bem<br />

por conta do frio, calçou um tênis e lá foi encontrá-lo novamente.<br />

Se achou que chegaria já mandando ver, não foi bem<br />

assim que aconteceu. Voltaram a conversar.<br />

- Aí a gente passou a madrugada toda batendo papo, um frio<br />

danado, demorou a beça pra ele me beijar. Eu já tava quase desistindo,<br />

tinha até uma galera atrás da gente jogando rugby na<br />

grama, eu lembro direitinho disso...<br />

-Não, Tatix, isso foi outro dia – interrompe ele. – Quem joga<br />

rugby às 11:30 da noite?<br />

Com ou sem rugby, o fato é que o beijo finalmente saiu.


Datas, componentes dos cenários e outros detalhes são pontos<br />

que eles não se lembram exatamente. Bom, algumas das coisas<br />

esquecidas não chegam a ser um mero detalhe, como o dia<br />

em que oficializaram a relação, mas o esquecimento tem certa<br />

razão de ser.<br />

O casal não sabe precisar um dia, foi algo entre três a seis meses<br />

depois que se conheceram, quando Tatix decidiu colocar Bob<br />

na parede sobre a natureza do relacionamento deles.<br />

Isso porque desde o primeiro beijo eles se viam praticamente<br />

todos os dias. Por acaso do destino, passaram até a trabalhar<br />

juntos numa revista de economia, na qual se inscreveram sem<br />

saber que o outro também havia tentando vaga para o mesmo<br />

projeto. Além disso, Bob se tornou monitor de uma disciplina<br />

que Tatix cursava. Tanta convivência aumentava a paixão, mas<br />

ela precisava de segurança.


-Porque eu tava nessa dúvida, e eu ficava mesmo sem graça<br />

de ligar e ele achar que eu tava pressionando, dando muito<br />

em cima. Ou então eu ficava encanada de deixar de ligar e ele<br />

pensar que eu tinha perdido o interesse, que não queria mais<br />

nada. Aí cheguei um dia na casa dele muito estressada e ele perguntando<br />

por que eu tava assim e eu falando que não era nada<br />

e ele insistiu a tarde toda.<br />

Aí eu fiquei puta e falei “Você quer saber por que eu tô estressada?<br />

É porque a gente ta junto há meses e até agora você não me<br />

pediu em namoro e eu não sei que porra é essa”.<br />

Pasmo, ele respondeu:<br />

-Ué, a gente já não tá namorando? Andou de mão dada de dia<br />

já é namoro.<br />

Para ela não era bem assim, era necessário dizer exatamente o<br />

ponto em que se encontravam, mas conversar resolveu o conflito<br />

de idéias.<br />

Estavam enfim namorando.


UM PASSO DE CADA VEZ


O relacionamento havia evoluído, mas cada novidade precisava<br />

ser assimilada e aprendida. Algumas em situações bem embaraçosas.<br />

Após o primeiro encontro em maio e o pedido oficial<br />

em alguns meses depois, a rotina do casal tinha passado por<br />

poucos momentos marcantes até então. Por isso mesmo, Tatix<br />

amou quando ele a convidou a passar um feriado na casa dos<br />

pais dele em Botucatu, interior de São Paulo.<br />

- Em outubro, na semana do meu aniversario teve a Semana do<br />

Fazendeiro, um evento na UFV. Daí não tinha aula e era folga<br />

pra todo mundo, a não ser para quem participava. Eu lembro<br />

que todo mundo agendou viagem pra casa e eu ia ficar em Viçosa<br />

porque tinha ido pra Cabo Verde recentemente. Ele chegou<br />

todo bonitinho e falou “Olha, quero muito que você vá comigo<br />

pra Botucatu”. Eu pensei “Gente, ele quer que eu conheça a<br />

família dele e quer comemorar meu aniversário, que fofura, não<br />

quer que eu fique sozinha em Viçosa pra gente comemorar lá”.<br />

Isso na minha cabeça.<br />

Não era bem assim. Bob não sabia sobre o aniversário, até<br />

porque a informação não estava disponível perfil do Orkut<br />

dela. A visita corria bem até essa data, quando ela não recebeu<br />

a esperada surpresa, nem presente, nem sequer um “parabéns”.


Pelo menos não do namorado, porque os amigos e familiares<br />

não paravam de ligar para a aniversariante. Estranhando o<br />

celular que não parava de tocar, Bob perguntava quem ligava,<br />

mas ela se recusava a responder, até o momento em que um<br />

ex-namorado ligou para parabenizá-la.<br />

- E ele ficou todo bravinho “Por que seu ex tá te ligando? O<br />

que ele que com você?”. Aí eu falei “Ele quer me dar parabéns<br />

porque hoje é meu aniversário”. A cara do Bob bateu no chão<br />

e voltou. Porque ele não sabia, não fazia ideia, não tinha me<br />

levado pra Botucatu pra comemorar nada. Ele só queria viajar.<br />

Mal entendido desfeito, o modo era tentar reparar. Aproveitando<br />

que a família dele já havia marcado de sair para comer<br />

pizza, ele anunciou o aniversário dela para todos. Ao ouvir de<br />

um dos parentes que Tatix era “pra casar”, ele cometeu a nova<br />

falha no passeio.<br />

-Ele mandou na lata “Deus me livre, nunca vou casar” – recorda<br />

Tatix. – Minha sogra levantou da cadeira, pegou ele, levou<br />

pra fora e falou “Não fala isso perto da menina, tadinha, ela<br />

veio aqui hoje conhecer sua família”.


Apesar das gafes, o namoro sobreviveu e se fortaleceu. A grande<br />

prova de fogo viria dali a mais de um ano, depois que ela se formou<br />

e ele ainda tinha alguns períodos para encarar antes de se<br />

graduar. Formada e diplomada, Tatix decidiu que não queria<br />

encarar um relacionamento à distância. Já havia conhecido essa<br />

situação e sofrido por isso anteriormente, motivo pelo qual não<br />

via sentido em passar por tudo de novo.<br />

-Falei que não queria mais viver isso e pra mim acabou. “Infelizmente<br />

gosto muito de você, mas não vai dar”. Aí ele chegou<br />

em mim e falou “Não, vamos fazer um pacto. Eu te prometo<br />

que eu vou te ver uma vez por mês. Ou eu vou, ou você vem,<br />

mas a gente vai dar um jeito de ser ver uma vez por mês. Se a<br />

gente começar a falhar nesse pacto é porque não é prioridade<br />

na nossa vida estar junto e então a gente pode acabar. Mas se a<br />

gente conseguir se ver pelo menos uma vez por mês é porque<br />

a gente tá se esforçando pra ficar junto então a gente continua<br />

enquanto der”.<br />

Soava como um bom plano, por isso decidiram manter o compromisso.<br />

Mesmo com as dificuldades financeiras de uma<br />

recém-formada e de um universitário, os dois conseguiam<br />

cumprir o combinado e se encontrarem pelo menos uma vez<br />

a cada trinta dias.


Mas nem todo o esforço dedicado ao namoro podia apagar os<br />

problemas que cada um enfrentava e que acabavam por influenciar<br />

no comportamento que tinham um para com o outro.<br />

Ela em um emprego que não a satisfazia profissionalmente, ele<br />

tendo que acostumar com a falta de sua companheira e sentindo-se<br />

solitário em uma cidade que respirava festa e alegria.<br />

Individualmente enfrentando suas próprias batalhas internas,<br />

nem sempre sobrava carinho para dedicar ao outro e as tentações<br />

externas de outras possíveis paixões bateram à porta do<br />

casal. Abalados diante de um amor que fraquejava, parecia que<br />

seria o fim até que o senhor “não vou casar nunca” decidiu ir<br />

além: levou Tatix para comprar uma aliança de compromisso.<br />

Ainda não era o aguardado pedido de casamento, mas, pela primeira<br />

vez, essa possibilidade havia sido discutida e considerada<br />

como um futuro real para os dois.<br />

A situação voltou a ficar mais favorável quando ele também se<br />

formou e puderam voltar a traçarem planos juntos.


-Eu dei um fumo na Tatix antes. Ela falava ‘’Ah, quero trabalhar<br />

em revista, não sei o quê” e ela se formou e foi trabalhar na<br />

escola da família dela. Eu perguntei “Pra que você se formou?”.<br />

Eu ficava puto dela ter baixado as expectativas. E eu “Faz um<br />

mestrado, se inscreve e vai, você tá perdendo tempo aí’.<br />

- Foi você que achou pra mim o edital – lembra ela.<br />

- Fui eu que te levei. Dezoito horas de viagem.<br />

A aprovação no mestrado significou um avanço para a carreira<br />

de Tatix, mas também para o relacionamento dos dois. Antes<br />

muito distantes um do outro, agora moravam no interior de São<br />

Paulo em cidades vizinhas e se conseguiam se ver toda semana,<br />

isso quando não passavam ainda mais tempo juntos.<br />

Após dois anos, tiveram que reavaliar os planos quando o mestrado<br />

dela chegou ao fim. Na iminência de ser chamada pelo<br />

concurso em que havia sido aprovada, ela decidiu voltar para<br />

Minas. Bob não titubeou e decidiu ir junto.<br />

Ainda sem ter sido convocada e ele ainda se estruturando para<br />

montar a própria empresa de assessoria ambiental, moraram<br />

por sete meses na casa da mãe de Tatix até que se estruturassem<br />

financeiramente para começar uma nova vida a dois.


RUMO AO ALTAR: A SAGA


O primeiro passo da nova vida foi decidir onde iam morar. Ela<br />

era jornalista concursada federal em Muzambinho e ele professor<br />

de geografia concursado do estado de São Paulo, podendo<br />

dar aulas em Mococa, fronteira com o sul de Minas. Assim, decidiram<br />

por Guaxupé, cidade que oferecia boa estrutura e estava<br />

próxima às cidades onde os dois trabalhavam.<br />

Bob já tinha certeza de que Tatix era a mulher da vida dele, por<br />

isso era inevitável fazer novos planos. Mas a medida que o tempo<br />

passava, por várias vezes ele ouviu um ultimato disfarçado<br />

de comentário:<br />

-Com mais de 30 anos eu não caso – dizia ela.<br />

Mas essa era só a primeira parte. Quem casa, quer casa, diz o<br />

ditado. Tatix argumentava que não via sentido em gastar em<br />

aluguel um valor que daria para ser a mensalidade de um financiamento<br />

do imóvel próprio. Assim, compraram um lote e<br />

começaram a construção.<br />

Passo importante, mas não o definitivo para seguirem adiante.<br />

-Se é pra casar eu quero festa – declarou a futura noiva.


Não pela ostentação, mas como ambos haviam estudado fora de<br />

suas cidades natais e feito diversas amizades que hoje moravam<br />

distantes, uma festa seria a ocasião perfeita para celebrarem a<br />

união junto às pessoas especiais de suas vidas.<br />

Ok, ia ter festa. Mas podiam marcar para alguns anos dali pra<br />

frente? Isso também não, porque esbarrava em mais uma situação:<br />

ela não acreditava em noivado longo.<br />

- Eu sempre falei pra ele “eu detesto noivado de mil anos”.<br />

Sabe? A pessoa que fica noiva só pra mudar de status? Pra mim<br />

o noivado é um período de cerca de um ano para preparar<br />

o casamento. Ele falou várias vezes “vamos ficar noivo”. E eu<br />

“você vai me pedir em casamento e a gente vai casar o ano que<br />

vem?” e ele “não, a gente não vai casar o ano que vem”. E eu<br />

“então nem me pede, porque se for pra me pedir, eu vou marcar<br />

a data pra daqui um ano”.<br />

Dando aulas no ensino fundamental, médio e superior e ainda<br />

já fazendo um mestrado, depois de um tempo Bob sentiu que já<br />

tinha condições de fazer o tão aguardado pedido.<br />

Faltava só o anel.


Tatix sempre havia comentado que para pedir em noivado a<br />

aliança deveria ser em ouro branco. Disposto a realizar todos<br />

os sonhos da amada, ele comprou um solitário do jeito que ela<br />

sempre havia mencionado e começou a preparar o ambiente<br />

para que o momento fosse perfeito.<br />

Como ela era apaixonada com luzes, decorou a casa com luzinhas<br />

de Natal, mesmo dezembro estando longe. Já havia programado<br />

fazer um jantar romântico quando a quase noiva veio<br />

com a bomba:<br />

- Você acredita que eu descobri que o anel de noivado tem que<br />

ser dourado?<br />

Indignado, mas sem poder externar a insatisfação, o pedido<br />

teve que ser adiado. Mas em pouco tempo ele já tinha um novo<br />

plano. Estavam com viagem marcada para Gramado, no Rio<br />

Grande do Sul, cidade que inspira o romantismo.<br />

Seria a oportunidade perfeita.


Bob programou-se para trocar a aliança de ouro branco pela<br />

dourada numa loja franqueada dentro do aeroporto de Guarulhos,<br />

de onde sairiam para ir para Gramado. No entanto,<br />

chegaram ao local já perto do momento de embarque, o que<br />

impediu que o plano fosse concretizado.<br />

-Eu fiquei frustrada – relembra Tatix. – A gente foi pra lá e<br />

tava tudo muito romântico, muito lindo, muito fofo. Teve um<br />

dia que a gente foi jantar num restaurante bacana. Depois no<br />

hotel tinha uma piscina, a gente nadou junto, uma delícia. Aí<br />

chegando no quarto ele diz “olha, eu tenho uma coisa pra te dar<br />

que você vai gostar muito”. E eu achando que ele ia me pedir<br />

em casamento. Quando ele me deu o presente, era uma Go Pro,<br />

uma câmera.<br />

- A minha proposta inicial era colocar o anel na câmera, ela<br />

abrir como se fosse uma decepção e estaria a aliança lá. Mas ela<br />

decidiu mudar de cor e não tinha dado tempo de trocar o anel<br />

antes da viagem – explica Bob.<br />

Segunda tentativa desfeita, era hora de partir para o Plano C:<br />

Natal. Anel dourado devidamente trocado, cidade cheia de luzes<br />

como ela gostava, tudo pronto para o pedido ser realizado.<br />

Até que...


- Acredita que eu descobri que não precisa ser dourado, pode<br />

ser ouro branco mesmo? Até prefiro ouro branco, acho mais<br />

bonito –comentou ela.<br />

Bob teve que respirar fundo.<br />

-Aí eu peguei, joguei o anel lá em casa e “ah, não sei mais o que<br />

vou fazer com esse isso”. Aí eu falei “não, já fiz o negócio de trocar<br />

mesmo, vou deixar aqui em casa e penso pra frente”.<br />

Logo após o Natal, já tinham uma viagem marcada para o Rio<br />

de Janeiro no início do ano que estava prestes a começar. Deixou<br />

para pensar no Plano D depois da viagem, mas um novo fato<br />

veio estragar tudo. Quando voltaram, a casa estava toda revirada.<br />

Haviam sido assaltados e o anel de noivado estava entre os<br />

itens levados pelo ladrão.<br />

Depois de tanto planejar e sonhar o pedido perfeito, eis que já<br />

não tinha nem anel para contar história. Também não tinha<br />

condições de comprar uma nova aliança como a anterior,<br />

porque dentre os outros prejuízos do assalto estava o computador<br />

dele, no qual estava toda a sua pesquisa de mestrado. Sem<br />

dados, sem diploma. Um outro gosto amargo para lidar.


A frustração deu lugar ao desprendimento. Comprou uma<br />

nova aliança, a quarta da história, porém mais simples que as<br />

anteriores. Decidido a seguir em frente, aproveitou uma nova<br />

oportunidade. Havia sido aprovado para a segunda etapa de<br />

um concurso para professor universitário no Paraná e decidiu<br />

de uma vez por todas que o pedido seria feito em Curitiba.<br />

Não que o cenário estivesse inspirando romantismo. A prova<br />

estava marcada para o mesmo dia em que o ex-presidente Lula<br />

iria depor diante do juiz Sérgio Moro e o clima na cidade não<br />

era nada amistoso. Mas a tensão no ar não os prejudicou. Ao<br />

contrário, ajudou a criar a situação planejada.<br />

Bob já havia feito reserva em um restaurante sofisticado, mas<br />

não podia revelar isso para que ela não desconfiasse. Como a<br />

maioria dos estabelecimentos estavam fechados diante do clima<br />

tenso na cidade, foi fácil sugerir que fossem para o ponto já<br />

escolhido.<br />

Localizado no 40º andar de um prédio, de noite a vista da cidade<br />

era recheada de luzes, bem ao estilo que Tatix gostava. O<br />

cardápio era comida italiana assim como no primeiro encontro<br />

deles. Só faltava uma coisa...


-Eu fui pegar o bilhetinho pra entregar junto com a aliança.<br />

Não quis entregar no meio da comida com medo dela não ver.<br />

Imagina perder o quarto anel? Aí fiz um bilhetinho.<br />

- O bilhete tinha três quadradinhos pra assinalar, como um<br />

check. O primeiro estava escrito “luzinhas” e tinha um check.<br />

O segundo quadradinho era “jantar italiano”, porque a gente se<br />

conheceu no La Coccinela e ele queria me pedir em casamento<br />

num lugar que tivesse comida italiana do mesmo jeito.<br />

O segundo quadradinho também já estava assinalado. E o último<br />

quadradinho estava branco e escrito “pra sempre comigo?”<br />

e era pra eu assinalar, e o bilhete veio com a caixinha da aliança.<br />

Dali pra frente eu só chorei.<br />

Entre sorrisos e lágrimas, ela conseguiu dar a única resposta<br />

possível: sim.<br />

Vencida essa nova fase, tudo começou a fluir melhor dali em<br />

diante. Bob foi aprovado no concurso para professor universitário<br />

no Paraná enquanto Tatix recebeu convite para o pós-doutorado<br />

mesmo antes de defender a tese dela. Novidades profissionais<br />

que abrem espaço para que a obra da casa deles possa<br />

terminar antes do previsto.


Dores de cabeça só com a preparação do casamento, algo que<br />

quem já casou sabe bem do que se trata. Decisões infinitas para<br />

se tomar a respeito de tudo: data, local, convidados, convites,<br />

cardápio, roupas, atrações... Uma correria e uma loucura que<br />

muito em breve eles sentirão saudades.<br />

Ao olharem para toda a estrada percorrida em dez anos juntos,<br />

os dois enxergam com orgulho a construção do relacionamento.<br />

Não foi um amor arrebatador, daquele que a primeira vista<br />

tinham certeza de que passariam o resto da vida juntos.<br />

Mas assim como a casa que estão construindo, o relacionamento<br />

foi se definindo em tijolo por tijolo a cada dificuldade vencida,<br />

a cada nova experiência vivida. Nessa obra, a admiração<br />

mútua foi a argamassa que selou os tijolos e fez com que a estrutura<br />

permanecesse firme.


- Para mim foram dez anos de amizade, de amor que foi se<br />

desenvolvendo – define Tatix. – Eu fui vendo que ele é um cara<br />

apaixonado por psicologia, filosofia... Ele tem a capacidade de<br />

citar textos abrindo aspas, coisa que eu nunca vou fazer, porque<br />

eu tenho uma memória horrível. Ele gosta de animais, de meio<br />

ambiente, tem facilidade absurda pra aprender outros idiomas.<br />

Ele dá aula com uma paixão que eu nunca vi alguém dar, ele<br />

gosta realmente. Apesar de ter dado aula em escolas que tinham<br />

infra-estrutura terrível, ele ia todo dia felizão porque sabia<br />

que modificava a vida dos alunos de alguma forma, sabe? Cada<br />

ato dele me fez admirá-lo mais e o amor foi crescendo diretamente<br />

proporcional à admiração.


Da mesma forma, perceber todo o companheirismo de Tatix<br />

fez aquele cara que dizia que não ia casar nunca descobrir o<br />

tanto que estaria perdendo caso não tivesse lutado pelo casamento<br />

que tão facilmente rejeitava antes.<br />

-São as qualidades morais que fazem você gostar da pessoa. É<br />

uma mistura de amor e muito empenho de fazer as coisas acontecerem.<br />

Passar tudo que a gente passou, não só de distâncias,<br />

mas também de grana, a gente superou muita barreira para<br />

conseguir se ver e não vai mudar porque tudo vai acontecendo<br />

naturalmente.<br />

Apesar do tanto que amadureceram, no fundo ainda são os<br />

mesmos de dez anos atrás. Ela preocupada em planejar o futuro,<br />

ele pedindo calma para que tudo aconteça no tempo<br />

próprio. Diferenças que não precisam ser superadas, porque se<br />

complementam.<br />

Hoje e sempre.

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