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Arqueologia contextualista

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A arqueologia <strong>contextualista</strong><br />

Autor(es):<br />

Fonte:<br />

Publicado por:<br />

URL<br />

persistente:<br />

Universidade Católica Portuguesa, Departamento de Letras<br />

URI:http://hdl.handle.net/10316.2/23849<br />

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA<br />

FACULDADE DE LETRAS<br />

VISE 7


MÁTHESIS 6 1997 11-32<br />

A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA<br />

JORGE DE ALARCÃO<br />

INTRODUÇÃO<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> surgiu na década de 1980. Hodder, o<br />

fundador da escola, chamou-lhe primeiro arqueologia simbólica e<br />

estrutural (HODDER, 1982); depois, arqueologia <strong>contextualista</strong><br />

(HODDER, 1987); mais recentemente, os mentores desta corrente<br />

parecem preferir a expressão arqueologia interpretativa (TILLEY, 1993;<br />

HODDER et aUi, 1995).<br />

Não é fácil tentar sistematizar o pensamento dos <strong>contextualista</strong>s.<br />

Hodder, num artigo talvez demasiadamente irónico para ser levado<br />

a sério, mas que não deixa de conter uma certa verdade, diz (1992:<br />

158):<br />

"Querem saber outra coisa? Defendo-me quando digo que os meus<br />

textos são susceptíveis de múltiplas leituras ... Mudo de opinião e<br />

contradigo-me a mim mesmo, assumindo novas posições. Não quero que<br />

me ponham uma etiqueta, porque isso permitiria que me controlassem,<br />

que demonstrassem a fraqueza das minhas ideias, que me encurralassem<br />

nas minhas próprias posições. Quero permanecer marginal, livre para<br />

criticar os outros, sem que me possam classificar e sujeitar a uma crítica<br />

que me poria fora de combate. No meu próprio interesse sou ambíguo,<br />

contraditório. Divago ... entre posições alternativas. Assim ninguém me<br />

pode dominar. Não interessa se eu não acredito em nada. Estou acima de<br />

tudo e de todos ... "<br />

McGuire (1992: 18), por seu turno, diz, de Shanks e Tilley, dois dos<br />

mais produtivos discípulos de Hodder, que é necessário "ler por detrás<br />

das suas palavras e nas entrelinhas".<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> usa frequentemente conceitos<br />

imprecisos, multívocos, para não dizer equívocos. Hodder (1990), por<br />

exemplo, constrói uma interpretação do Neolítico sobre o conceito de<br />

domus. Mas que conotação tem este conceito? "Domus não é um termo


12 JORGE DE ALARCÃO<br />

bem definido, com um significado científico rigoroso", diz Hodder, que<br />

prossegue: "Na verdade, a razão principal por que uso termos como<br />

domus é que eles se prestam a uma prestidigitação (sleight of hand)"<br />

(HODDER, 1990: 44-45). É ainda o mesmo Hodder quem diz: "neste<br />

capítulo senti de forma crescente que me permitia uma reconstrução<br />

altamente imaginativa" (HODDER, 1990: 42).<br />

Os <strong>contextualista</strong>s, reconhecendo as dificuldades da interpretação,<br />

admitem que todas as interpretações são incertas e comprazem-se nessa<br />

incerteza. Pretendem desmascarar os "confortáveis termos científicos"<br />

(a expressão é de HODDER, 1990: 46) que, em seu (correcto) entender<br />

~ão históricos e de conotação variável no tempo; mas o sentido de um<br />

termo pode variar no tempo sem deixar de ser, em cada tempo, preciso.<br />

Uma das dificuldades maiores que encontramos no correcto entendimento<br />

dos escritos <strong>contextualista</strong>s deriva do uso de conceitos de<br />

sentido equívoco, "escorregadio" ou "deslizante", como diria o próprio<br />

Hodder.<br />

O discurso dos <strong>contextualista</strong>s adopta, por outro lado, frequentemente,<br />

um movimento espiraliforme: regressa a si mesmo, não tanto<br />

para corrigir e precisar, mas para afirmar que o que anteriormente se<br />

interpretara se deve agora interpretar de maneira ligeiramente diferente.<br />

"À medida que ia escrevendo este livro fui gradualmente definindo o<br />

que entendo pelo termo domus", diz Hodder, (1990: 94). Mas se o<br />

Neolítico é interpretado em função deste conceito, a sua gradual definição<br />

não implica uma reinterpretação do já interpretado?<br />

Não é fácil sistematizar um pensamento que se assume como<br />

ambíguo e algo indisciplinado; mas a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong>, apesar<br />

de todos os seus defeitos (que os seus corifeus apresentam como virtudes)<br />

tem renovado de tal forma a <strong>Arqueologia</strong> que merece séria atenção.<br />

FALTA DE MÉTODO?<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong>, como sublinhou Barrett (1987: 469),<br />

tem pouca unidade: são muito variados os trabalhos que explicitamente<br />

se apelidam de <strong>contextualista</strong>s ou os que podemos classificar sob esta<br />

etiqueta. O próprio Hodder (1992: 86) diz que esta arqueologia "acentua<br />

a diversidade e as vozes múltiplas".<br />

Yengoyan (1985), por seu turno, denuncia nesta corrente a falta<br />

de uma teoria e de uma metodologia. Não cremos, porém, que lhe falte<br />

teoria; e quanto à metodologia, temos de perguntar-nos se uma arqueologia<br />

interpretativa pode formular claras e precisas regras metodológicas.


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 13<br />

Hodder abordou o problema da metodologia de maneira breve<br />

(HODDER, 1987: 6). Se o que a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> pretende é<br />

descobrir o significado dos objectos, o primeiro passo do processo<br />

analítico consiste en identificar o contexto em que esse objecto<br />

regularmente se encontra e o contexto do qual ele está regularmente<br />

ausente. As presenças e as ausências, estatisticamente definidas (porque<br />

dificilmente se encontrarão presenças e ausências absolutas),<br />

seriam o ponto de partida do raciocínio indutivo <strong>contextualista</strong>. Concretamente,<br />

se pretendemos definir o significado de um objecto encontrado<br />

em sepulturas, temos de perguntar-nos se ele se encontra indistintamente<br />

em sepulturas masculinas e femininas, ou apenas em sepulturas<br />

masculinas, eventualmente contraposto a outro objecto regularmente<br />

encontrado em sepulturas femininas.<br />

Hodder, porém, fica por esta primeira regra metodológica para<br />

afirmar que, de seguida, o que se exige é "visão criativa e imaginação<br />

histórica". :e nem sequer esta primeira (e única) regra metodológica é de<br />

universal aplicação no campo da <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> ou interpretativa.<br />

Parece-nos que o problema da metodologia é um falso problema<br />

porque não se pode pedir a uma arqueologia interpretativa que formule<br />

e aplique regras metodológicas claramente definidas. Como disse<br />

Hirsch (Validation in interpretation, cito por RICOEUR, 1982: 175 e<br />

1987: 90), não há regras para fazer justas conjecturas, mas apenas<br />

métodos para validar as conjecturas. A conjectura é esse processo<br />

indutivo pelo qual, em parte raciocinando e em parte adivinhando, se<br />

passa de certos índices a certos factos que aqueles tomam mais ou<br />

menos prováveis (LALANDE, 1991: 506).<br />

O processo interpretativo ou de conjecturação escapa a regras; é<br />

um processo que não se deixa formalizar. Mas, feita uma conjectura,<br />

toma-se necessário validá-la. Ora, a validação não pode conceber-se<br />

tomando como modelo a verificação experimental das ciências exactas<br />

nem a demonstração das matemáticas. A conjectura é uma opinião<br />

que não pode ser demonstrada, mas que pode ser defendida; não se<br />

pode demonstrar que o que se conjectura é necessário e constrangente,<br />

mas pode mostrar-se que é razoável. A validação é uma argumentação,<br />

um discurso persuasivo, e este processo discursivo não é do domínio<br />

da lógica, mas da retórica. "Uma argumentação nunca é capaz de proporcionar<br />

a evidência" (PERELMAN, 1993: 25) mas pode proporcionar<br />

a razoabilidade e a convicção.<br />

Há, frequentemente, no discurso dos <strong>contextualista</strong>s, um deficit de<br />

argumentação. Tomemos o caso de Thomas e Tilley (in TILLEY, 1993:<br />

293), que se interrogam sobre a razão por que machados e vasos


14 JORGE DE ALARCÃO<br />

cerâmicos aparecem frequentemente partidos nos monumentos megalíticos.<br />

Partem de um princípio que facilmente merece a concordância<br />

dos arqueólogos: que a fragmentação de tais peças se não pode<br />

explicar por fenómenos post-deposicionais. Há-de ter, pois, um sentido<br />

simbólico. Os machados eram substitutos de homens e "assim como<br />

os corpos humanos tinham de ser reduzidos, no enterramento, aos<br />

ossos de que esses mesmos corpos se compunham, assim os «corpos»<br />

dos machados tinham de ser quebrados". Similarmente, os vasos<br />

eram «corpos» de mulheres.<br />

A conjectura não é argumentada como devia sê-lo: os autores<br />

limitam-se a observar que os vasos, ornamentados com «mamilos» e<br />

incisões sob a forma de UU concêntricos, contêm uma representação<br />

simbólica de seios e de colares. Mas, para persuadirem os leitores,<br />

poderiam e deveriam ter citado trabalhos de antropologia que exactamente<br />

esclarecem as relações simbólicas entre vasos e corpos<br />

(DAVID, STERNER e GAVUA, 1988: 365-389), o sigQ.ificado da<br />

quebra dos potes (BARLEY, 1994: 112) ou o estudo arqueológico de<br />

Patton (1991), que defende, com argumentos, ser o machado de pedra<br />

polida utilizado em certos contextos como substituto simbólico do falo.<br />

A falta de argumentação não é, porém, um mal endémico da<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> nem podemos pretender que as conjecturas<br />

<strong>contextualista</strong>s nunca são argumentáveis. Como exemplo de uma boa<br />

argumentação podemos citar o estudo de Tim Yates (in TILLEY, 1993:<br />

31-72) sobre as gravuras rupestres suecas que representam antropomorros<br />

sem caracterização sexual, nem homens nem mulheres. Yates<br />

cita o caso dos Sambia da Nova Guiné, para quem as crianças são<br />

bissexuais. Se nós temos de classificar os indivíduos em masculinos ou<br />

femininos, os Sambia admitem uma terceira essência, bissexuada ou<br />

sexualmente indefinida. A bissexualidade é removida e a masculinidade<br />

adquirida por rituais iniciáticos.<br />

Ora, é exactamente nos casos antopológicos que a <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>contextualista</strong> pode vir a encontrar os argumentos que permitam defender<br />

a razoabilidade das conjecturas. Daí a importância da analogia<br />

com povos ditos primitivos, analogia que Hodder defende, considerando<br />

que, "como arqueólogos, a nossa dependência de outras sociedades,<br />

outras culturas e outras mentalidades tem sido e continua a ser imensa"<br />

(HODDER, 1982(a): 27).<br />

Se à <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> falta por vezes a argumentação,<br />

a <strong>Arqueologia</strong> processualista também nem sempre aplica o método<br />

hipotético-dedutivo que propugna. Não podemos invalidar a <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>contextualista</strong> com o argumento de que não propõe regras metódicas<br />

de indução ou de validação.


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 15<br />

FALTA DE TEORIA?<br />

Será a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> ateórica, como alguns pretendem?<br />

Hodder parece dar-lhes razão, quando escreve: "Afirma-se frequentemente<br />

que os arqueólogos e antropólogos têm necessidade de<br />

elaborar uma teoria da cultura material. Esta exigência parece-me<br />

agora suspeita, por assumir que a cultura material constitui uma categoria<br />

relativamente à qual se pode elaborar uma teoria" (HODDER,<br />

1994: 73).<br />

Não obstante as críticas de alguns e a declaração do iniciador da<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong>, parece-nos que há muita teoria, aliás<br />

claramente explicitada, nas investigações <strong>contextualista</strong>s. E se é verdade<br />

que existe algum bricolage teórico, isto é, se esta arqueologia<br />

funde eclecticamente noções de várias posições teóricas possíveis<br />

(McGUIRE, 1992: 8), não vemos que exista, de modo geral, aplicação<br />

de teorias contraditórias.<br />

Aliás, McGuire, que critica a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> por este<br />

bricolage contraditório, não dá dele outro exemplo que não seja a<br />

utilização simultânea da teoria da estruturação de Giddens e da teoria da<br />

sobredeterminação estrutural de Althusser, que se contrariariam.<br />

Não nos parece que McGuire tenha razão. A teoria althusseriana<br />

da sobredeterminação, ou da acumulação de determinações<br />

activas autónomas cuja confluência ou conjugação é necessária para<br />

provocar a mudança (ALTHUSSER, 1975: 92 s.), não é contraditada<br />

por Giddens; a teoria da sobredeterminação de Althusser e a teoria<br />

da estruturação de Giddens podem legitimamente invocar-se ao mesmo<br />

tempo. O que seria contraditório seria tentar conciliar a teoria<br />

althusseriana da causalidade estrutural e o determinismo social deste<br />

autor, com a teoria de estruturação giddensiana - o que os <strong>contextualista</strong>s<br />

não fazem.<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> envolve duas teorias de longo alcance,<br />

para além de outras de alcance médio. São aquelas: uma teoria da<br />

acção e uma teoria da cultura material.<br />

UMA TEORIA DA ACÇÃO<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> envolve uma teoria da acção que<br />

recusa determinismos de qualquer espécie, funcionalistas ou de raíz<br />

marxista.<br />

O funcionalismo, de que a <strong>Arqueologia</strong> processualista se reclama,<br />

e que a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> contesta, seria uma forma de


16 JORGE DE ALARCÃü<br />

determinismo. Os funcionalistas, argumenta-se, têm sido incapazes<br />

de desenvolverem uma visão adequada da conduta humana porque<br />

fazem do comportamento uma mera cadeia de reacções a estímulos<br />

externos ou interpretam o funcionamento dos sistemas sociais em<br />

termos de funcionamento fisiológico. O todo social é um sistema de<br />

partes interactuantes, sistema cujo estado normal é a homeostase, isto é,<br />

o equilíbrio. A forma mais radical do funcionalismo é o funcionalismo<br />

ecológico, que define a cultura como "o sistema de meios que não<br />

dependem directamente de funções genéticas (isto é, extra-somáticas) e<br />

que servem para adaptar indivíduos e grupos aos seus ambientes" (BIN­<br />

FORD, 1979: 323): se as características físicas do meio mudam, o<br />

sistema entra em desequilíbrio e reage transformando-se para repor o<br />

equilíbrio. Se, numa dada região, se verifica um crescimento demográfico<br />

que toma os recursos escassos, o sistema reage criando<br />

mecanismos de contenção da população (por exemplo, o infanticídio)<br />

ou de intensificação da produção (pela invenção de meios técnicos<br />

mais produtivos). O infanticídio ou a invenção de novos meios técnicos<br />

é uma reacção a um estímulo (o desequilíbrio entre a população e os<br />

recursos). Mas, mesmo um funcionalismo ecológico não é um determinismo<br />

radical. Com efeito, a reacção concreta ao estímulo não é uma<br />

reacção automática ou inescapável como aquela relação que, no mundo<br />

físico, une a causa ao seu efeito. No exemplo dado, temos já duas<br />

reacções possíveis ao desequilíbrio: os homens podem optar por conter<br />

o crescimento demográfico (e, mesmo aqui, há várias soluções possíveis)<br />

ou por aumentar a produção; os homens têm, portanto, escolha e a<br />

reacção é, até certo ponto, livre. Mas o indeterminismo que nos parece<br />

compatível com o funcionalismo ecológico não nega o que nos parece<br />

ser a ideia fundamental de tal funcionalismo: que a causa está na<br />

Natureza, no ambiente. É essa a ideia que subjaz à definição binfordiana<br />

da cultura como meio de adaptação ao ambiente. E é essa a teoria<br />

da cultura que os <strong>contextualista</strong>s contestam considerando "extremamente<br />

difícil defender que a mudança cultural e a variabilidade na Pré­<br />

-história são geralmente reactivas, passivas, adaptativas" (HODDER,<br />

1987: 9). Os <strong>contextualista</strong>s definem antes a cultura como meio de<br />

estruturar a interacção dos parceiros no todo social. Mas esta divergente<br />

definição de cultura não resulta de perspectivas também diferentes,<br />

isto é, do facto de uns (os processualistas) considerarem<br />

essencialmente a acção técnica e outros (os <strong>contextualista</strong>s), fundamentalmente,<br />

a acção social? (Sobre a distinção entre acção técnica e social,<br />

vid. ALARCÃO, 1993-94: 20-22).<br />

Se os <strong>contextualista</strong>s contestam o funcionalismo da <strong>Arqueologia</strong><br />

processualista, vão procurar uma fundamentação teórica em Giddens,


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 17<br />

que apresenta a sua obra Central problems in social theory (la.<br />

edição em 1979) como um manifesto anti-funcionalista (GIDDENS,<br />

1990: 7).<br />

Para Giddens, sociólogos e filósofos têm sido incapazes de conciliar<br />

a liberdade da acção com a existência de regras ou normas de<br />

conduta socialmente elaboradas e assumidas. A acção não pode conceber-se<br />

como reacção quase mecânica ou fisiológica de resposta a um<br />

estímulo externo porque implica a consciência, isto é, representações,<br />

previsão de consequências. Implica, antes de mais, a representação ou<br />

consciência da transformabilidade do mundo físico e da transformabilidade<br />

ou reprodutibilidade das relações sociais. Implica, depois, a formulação<br />

de regras ou normas. Desviando-se da definição corrente de<br />

estrutura, que os funcionalistas usam como equivalente de sistema,<br />

Giddens designa por estrutura o conjunto das regras ou normas que os<br />

indivíduos, integrados no todo social, formulam e aplicam; e, por<br />

estruturação, a produção e reprodução, em grande medida consciente,<br />

das normas por sujeitos interactivos num todo social de que se<br />

reconhecem parte integrante (GIDDENS, 1990: 66). Ora, a formulação<br />

de regras corresponde a propósitos, intenções, mais ou menos conscientes;<br />

ou melhor, sempre conscientes, embora nem sempre discursivamente<br />

reflectidos porque são também e em grande parte as intenções<br />

e os propósitos de uma consciência prática (que Bourdieu, melhor<br />

que Giddens, examinou; e Bourdieu é outro dos autores citados pelos<br />

<strong>contextualista</strong>s): o indivíduo que age tem motivos e propósitos para agir<br />

assim, ainda que não possa formular discursivamente, de forma clara,<br />

esses motivos e propósitos.<br />

As normas condicionam a acção, sem serem todavia absolutamente<br />

constrangentes: o indivíduo age desta forma, em obediência a<br />

estas regras, mas podia ter agido doutra forma; as regras sociais estão<br />

sujeitas a crónicas disputas sobre a sua legitimidade (GIDDENS, 1990:<br />

56-57).<br />

As normas, não sendo absolutamente constrangentes, não excluem<br />

a liberdade e o indivíduo escolhe-se livremente quando obedece ou<br />

desobedece às regras. Se eu cumpro a regra do não roubar, escolho-me<br />

como honesto; mas poderia escolher-me como desonesto, violando a<br />

regra. Giddens, negando o carácter absolutamente constrangente das<br />

regras, compatibiliza regra e liberdade, estrutura e acção, que se<br />

concebem numa relação dialéctica.<br />

As normas são aquilo que permite a regularidade ou recorrência<br />

das práticas sociais, mas, ao mesmo tempo, são o resultado dessa mesma<br />

recorrência. A este carácter das normas, que fundamentam uma recorrência<br />

da qual derivam, chama Giddens "dualidade de estrutura". As


18 JORGE DE ALARCÃO<br />

regras ou normas são aplicadas pelos indivíduos na sua acção, mas são<br />

confirmadas por essa acção.<br />

As estruturas, isto é, as normas, não se compreendem se não<br />

remontarmos aos propósitos e motivos subjacentes, que dirigem a<br />

acção. O que a <strong>Arqueologia</strong> contextuaI pretende descobrir a partir dos<br />

vestígios da cultura material são, não apenas as normas, mas também os<br />

motivos e propósitos que levaram os homens a formulá-las. As análises<br />

que Shanks e Tilley realizaram das práticas de manipulação dos<br />

ossos nos túmulos megalíticos (1982) ou das práticas de destruição da<br />

cerâmica ainda nos monumentos megalíticos (1992: 155 s.) são exemplos<br />

dessa análise das normas ou códigos que orientam a acção. No<br />

primeiro caso, os autores são claros quando afirmam que os princípios<br />

(isto é, as regras) segundo os quais os restos humanos eram<br />

manipulados tinham como propósito mistificar as contradições existentes<br />

no seio da sociedade e garantir a manutenção das relações de<br />

poder. O segundo caso é menos claro: estabelece-se uma relação entre a<br />

maior ou menor dispersão da cerâmica fragmentada e a maior ou menor<br />

coesão social do grupo utilizador do monumento mas não se vê qual o<br />

propósito que levava a população, numa época, a dispersar a cerâmica<br />

partida, e noutra, a concentrá-la.<br />

A verdade, porém, é que muitas análises que se pretendem<br />

<strong>contextualista</strong>s são antes behaviouristas. Quando Pearson e Richards<br />

(1994: 41-47) estudam as casas neolíticas das ilhas Órcades, que é que<br />

fazem? Definem uma norma de orientação das casas (estas têm uma<br />

orientação NO/SE; definem uma norma de circulação (os moradores e as<br />

visitas, quando entravam, circulavam em torno da lareira central no<br />

sentido contrário ao dos ponteiros do relógio); definem uma norma da<br />

localização dos sexos e das actividades (o espaço das mulheres era à<br />

esquerda da lareira, para quem entrava e o dos homens, à direita).<br />

A análise de Pearson e Richards desloca a atenção, de uma descrição<br />

do espaço, para uma observação dos homens que circulavam no<br />

espaço e investiga as regras da circulação. Mas é ainda uma análise<br />

behaviourista. Um <strong>contextualista</strong> que se reclame de Giddens deverá<br />

investigar porque é que os homens circulavam daquela maneira e não de<br />

outra, por que motivo a parte da casa consagrada à mulher ficava à<br />

esquerda da lareira e não à direita dela. Não basta descrever a acção (ou<br />

as regras da acção); é necessário compreendê-la, investigar as razões.<br />

Não é suficiente introduzir o homem no espaço. De outro modo, a<br />

pergunta "porquê" fica sem resposta, ou recebe, como resposta, um<br />

mero "porque sim".<br />

Não obstante a citação frequente de Giddens pelos <strong>contextualista</strong>s,<br />

podemos dizer, com MacGregor (1994:81), que a maior parte dos


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 19<br />

arqueólogos não tem dado a devida atenção às implicações da teoria<br />

giddensiana da acção. Com efeito, uma das lições de Giddens é que o<br />

homem age com propósitos e motivos. Esses motivos e propósitos que o<br />

sociólogo (ou arqueólogo) tem de investigar não são os motivos e<br />

propósitos individuais, mas colectivos. É por isso que podemos dizer,<br />

com Thrift (citado por MacGREGOR, 1994: 82) que "os agentes<br />

humanos de Giddens são ainda curiosamente criaturas anónimas".<br />

Mais <strong>contextualista</strong> é a análise que Ch. Brysting Damm faz dos<br />

túmulos individuais neolíticos da Dinamarca ocidental (1991) que, a<br />

partir de certa altura, começaram a construir-se junto das sepulturas<br />

megalíticas. Estas destinavam-se ao enterramento dos membros da<br />

linhagem principal, com exclusão dos membros das linhagens subordinadas.<br />

As sepulturas individuais representam uma contestação dessa<br />

norma que reservava a alguns o direito de serem enterrados num<br />

dólmen. A autora não se limita a definir uma nova norma: a do enterramento<br />

individual junto das sepulturas colectivas. Explica-o como uma<br />

contestação numa perspectiva (também classificável de marxista) que<br />

salienta o conflito de poderes, a negociação social, num preciso contexto<br />

histórico.<br />

Investigar o porquê das normas - eis o projecto nem sempre<br />

cumprido da <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong>.<br />

UMA IDEIA ESTRUTURALISTA<br />

o porquê das normas pode às vezes encontrar-se nas homologias.<br />

O pensamento dito primitivo caracteriza-se (também) pelo estabelecimento<br />

de contrastes que dividem o todo em duas partes antagónicas,<br />

do género: homem/mulher; dia/noite; estação seca/estação<br />

húmida; puro/impuro. Entre os pares de contrastes estabelecem-se<br />

homologias, correspondências, do género: homem/mulher ::<br />

puro/impuro :: verão/inverno.<br />

O mundo é assim dividido em dois grandes campos associativos<br />

(LÉVI-STRAUSS, 1985b: 118, diz campos semânticos), num dos quais<br />

se inscrevem certos seres, coisas, fenómenos e qualidades, inscrevendo-se<br />

no outro campo os seus opostos. Assim, num campo, o homem,<br />

o assado e o grelhado, a secura; no outro, a mulher, o cozido, a humidade<br />

(BOURDIEU, 1994: 411). Deste modo se estabelecem afinidades<br />

entre o que parece não ter relação, isto é, entre os termos alinhados<br />

em cada campo.<br />

Ora este tipo de representação disjuntiva e homológica é acompanhado<br />

de normas de acção que prescrevem ou interditam compor-


20 JORGE DE ALARCÃO<br />

tamentos (LÉVI-STRAUSS, 1985b: 120). Se há relação entre o cozido<br />

e a humidade, devem privilegiar-se de inverno as comidas cozidas (aliás<br />

sem sal nem especiarias, que estão do lado do homem e, portanto, do<br />

estio), e, de verão, as comidas assadas ou grelhadas, fortemente temperadas.<br />

Se, na casa neolítica das Órcades, a mulher e as suas actividades<br />

se situavam do lado esquerdo da lareira e os homens, do lado<br />

direito, não seria porque se estabelecia a seguinte equivalência:<br />

homem/mulher :: luz/sombra :: dia/noite e porque a parte esquerda da<br />

casa era mais sombria que a parte direita, por ficar a entrada mais do<br />

lado direito? A mulher, afim da noite, situava-se do lado da sombra.<br />

Este tipo de explicação pelas homologias é explorado por Hodder<br />

ao analisar as práticas dos Nubas (HODDER, 1982b) ou, no campo da<br />

arqueologia, ao estudar o caso de Çatal Hi'yük, para o qual estabelece as<br />

seguintes homologias: homem/mulher :: vida/morte :: doméstico/selvagem<br />

(HODDER, 1987a): 49) Aliás, posteriormente, Hodder (1990: 10),<br />

reviu as homologias: macho/fêmea :: dentro/fora :: traseira/frente ::<br />

morte/vida :: selvagem/doméstico.<br />

Nesta mesma linha de pensamento se situa Thomas (1991: 69)<br />

quando analisa os depósitos rituais nos fossos dos long barrows do<br />

Neolítico inglês e observa que, de um lado, se encontram ossos de<br />

animais selvagens e, do outro, artefactos. Aqui presume-se a seguinte<br />

homologia: animal selvagem/animal doméstico; coisa não afeiçoada:<br />

artefacto.<br />

UMA TEORIA DA CULTURA MATERIAL<br />

Se os <strong>contextualista</strong>s adoptam, de Giddens, uma teoria da acção,<br />

têm também uma teoria da cultura material que se exprime pela fórmula:<br />

a cultura material é activa.<br />

Não poderemos dizer que a cultura material cria as relações sociais;<br />

mas é insuficiente dizer que as exprime, reflecte ou patenteia;<br />

parece-nos mais correcto dizer que as reforça.<br />

Hodder, (1981:94) cita o caso de uma mulher Lozi (Quénia) que,<br />

vinda, pelo casamento, a uma determinada aldeia e tendo aprendido aí a<br />

fabricar cerâmica, deveria, pelas normas culturais vigentes, ter assimilado<br />

o estilo idêntico ao da farmlia em que, pelo matrimónio, se tinha<br />

integrado. Mas, por se dar mal com o cunhado e com a mulher deste,<br />

começou a fazer uma cerâmica diferente. Neste caso, o fabrico da<br />

cerâmica é um modo de afirmar, numa linguagem muda, a desavença;<br />

mas mais: é um modo de criar a distância, de se afastar, de se pôr à<br />

parte.


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 21<br />

o espaço construído é, antes de mais, o lugar onde se exercem<br />

determinadas actividades: aqui, nesta aldeia, habita-se; acolá, naquele<br />

dólmen, enterram-se os mortos; mais além, naquela gruta, praticam-se<br />

rituais que pretendem levar as divindades a intervirem favoravelmente<br />

no mundo dos homens. Mas, por outro lado, o espaço construído é um<br />

meio de criar distâncias sociais, afastamentos ou aproximações. Em<br />

Goldberg, aldeia rodeada de uma paliçada, uma das habitações estava<br />

ela mesma separada das outras por paliçada própria. Ali vivia o chefe,<br />

cuja paliçada era um meio, não de se defender, mas de se distanciar<br />

dos outros, do comum dos aldeãos. Se o chefe pretendesse reduzir a distância<br />

social, aproximar-se do seu povo, arrancaria a paliçada (HÃRKE,<br />

1979: 46).<br />

Pelo espaço construído, podem criar-se, ou melhor, reforçar-se<br />

distâncias sociais.<br />

Os causewayed camps do Neolítico inglês, quaisquer que tenham<br />

sido as suas funções (EDMONDS, 1993), eram construídos colectivamente<br />

por diversas linhagens que viviam dispersas por vasta área. A<br />

construção e utilização colectiva dos causewayed camps não criava a<br />

solidariedade social: essa solidariedade precedia a construção e era<br />

condição de possibilidade do trabalho comum. Mas a construção e<br />

utilização dos causewayed camps, às quais todos eram chamados, reforçava<br />

a solidariedade social e mantinha-a, reproduzia-a.<br />

Se o espaço é lugar onde se realizam determinadas actividades,<br />

é também lugar a que se acede. O acesso ao espaço pode ser condicionado,<br />

franqueado a todos ou restringido a alguns, e isso ajuda, não<br />

talvez a criar classes, categorias sociais, precedências, hierarquias, mas<br />

a reforçá-las e a reproduzi-las.<br />

É neste sentido que a cultura material pode ser dita activa: se não<br />

tem um papel generativo da intersubjectividade e da interacção, tem<br />

uma função de reforço estruturante (ou desestruturante) das relações<br />

sociais. Defender esta ideia é defender uma teoria da cultura material,<br />

pelo que, uma vez mais, se não pode dizer que a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong><br />

não tem teoria.<br />

UMA TEORIA DO CONHECIMENTO<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> envolve também uma teoria<br />

do conhecimento arqueológico, desenvolvida sobretudo por Shank:s e<br />

Tilley. Não há, para estes autores, reconstituição definitiva do passado:<br />

toda a reconstituição é historicamente situada e destinada a ser ultrapassada.


22 JORGE DE ALARCÃO<br />

Não queremos desenvolver aqui o problema da historicidade das<br />

versões do passado, assunto ao qual consagrámos recentemente um<br />

artigo (ALARCÃO, 1996); mas não podemos deixar de anotar a<br />

importância da reflexão epistemológica nos <strong>contextualista</strong>s.<br />

Na sua obra Reconstructing archaeology, Shanks e Tilley protestam<br />

"contra o mito de um passado fixo e imutável" (1992: 20), contra a ideia<br />

de que o passado pode alguma vez ser fixado de maneira definitiva. O<br />

passado, dizem, é constantemente reinterpretado. O conhecimento<br />

arqueológico "nunca é certo, é sempre provisório e susceptível de ser<br />

representado ou reinscrito num quadro novo" (1992: 21).<br />

Os <strong>contextualista</strong>s comparam frequentemente os vestígios do<br />

passado a um texto que tem de ser lido e interpretado. Mas parecem<br />

esquecer a distinção entre fixação e interpretação do texto. A interpretação<br />

de um texto pressupõe o texto e este pode ser fixado de maneira<br />

definitiva numa edição crítica: a interpretação do texto é que não é<br />

definitiva. Ora, se o "texto" arqueológico , constituído pelos dados, é<br />

passível de acrescento (com novos dados) e eventualmente susceptível<br />

de revisão ou de rectificação, não é menos verdade que muitos dados<br />

podem ser definitivos; e não só os dados, como os factos que deles se<br />

deduzem e as explicações que se apresentam para os factos.<br />

Se a complexidade da história (isto é, do que sucedeu) permite<br />

sempre novas leituras e interpretações, a história (como discurso) não<br />

está condenada a uma revisão permanente que descontrói o construído<br />

e contesta o afirmado: podemos acumular certezas, perfeitamente compatíveis<br />

com verosimilhanças ou probabilidades, como naquele nosso<br />

artigo defendemos. Pretender que tudo é provisório e que nada é certo<br />

parece-nos uma posição epistemológica demasiadamente radical.<br />

A reconstituição do passado é, obviamente, conjectura: deduzem-se<br />

factos, dos dados; presumem-se causas e efeitos; apresentam-se explicações;<br />

definem-se normas; suspeita-se de motivos e propósitos. Ora,<br />

nada disto é dado: tudo é inferido, suposto, por uma consciência: a do<br />

arqueólogo, que constrói o passado e não o reflecte na sua narrativa<br />

como uma coisa se reflecte num espelho.<br />

Diferentes arqueólogos podem inferir coisas diversas. A <strong>Arqueologia</strong><br />

é produção de diversidade textual incompatível com versões<br />

definitivas e conclusivas, dizem Shanks e Tilley. Ora, é aqui que os<br />

autores levam longe demais a sua teoria epistemológica. Se não há uma<br />

versão global definitiva e conclusiva do passado, há factos e explicações<br />

que podem ser considerados definitivos. Sem prejuízo de, dos<br />

mesmos dados, se poderem vir a deduzir ainda outros factos ou de,<br />

para os mesmos factos, se poderem via a apresentar ainda outras<br />

explicações.


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 23<br />

UM ESTUDO DAS ATITUDES<br />

Se a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> pretende descobrir as normas<br />

sociais do comportamento, quer também desvelar as atitudes colectivas.<br />

Estas são "configurações sociais ... que implicam ao mesmo tempo uma<br />

mentalidade, em particular preferências e aversões afectivas, predisposições<br />

a condutas e reacções ... " (GURVITCH, 1979: 111).<br />

As atitudes fundamentam as normas, mas são diferentes das normas;<br />

logicamente, precedem as normas; na realidade, as normas retroagem<br />

sobre as atitudes, reforçando-as, contribuindo para a sua reprodução.<br />

Hodder, em The domestication of Europe, distingue, no Neolítico,<br />

duas atitudes fundamentais (a que chama éticas ou ideologias): a da<br />

domus e a do agrios. A ética da domus valoriza a mulher e a criança, o<br />

trabalho doméstico, a paz, a cooperação social, a previdência, a<br />

segurança, a continuidade, a rotina e conduz, no plano material, ao<br />

cuidado posto na construção e decoração da casa, ao enterramento de<br />

mulheres e crianças no interior das casas ou perto delas, à proliferação<br />

de estatuetas femininas de barro, a uma cerâmica sofisticada nas formas,<br />

por vezes feminomorfa, a uma localização dos povoados em terras<br />

facilmente agricultáveis, a uma dieta baseada nos cereais. A ética do<br />

agrios valoriza o homem e as suas actividades específicas (a caça,<br />

eventualmente a guerra), o risco, a intrepidez, o valor pessoal e conduz,<br />

no plano material, ao aparecimento de armas, à intensificação da caça,<br />

ao surgimento de fortificações, a casas menos elaboradas, a cerâmica<br />

mais simples, a maior cuidado posto nos enterramentos masculinos do<br />

que nos femininos ou infantis.<br />

As atitudes não são apenas relações intersubjectivas, preferências<br />

ou aversões de pessoas por pessoas, de grupos por grupos. Podemos,<br />

como se vê do exemplo precedente, falar de atitudes perante a guerra, o<br />

risco, a tradição e podemos até falar de atitudes perante as coisas.<br />

Sorensen examina a atitude dos povos escandinavos do Bronze Final<br />

perante o ferro, isto é, os objectos de ferro e contesta a ideia de que ao<br />

ferro, pela sua raridade, era atribuído grande valor, sendo este metal<br />

usado para fabricar objectos que eram mais de prestígio, que úteis, e diz:<br />

"Pode, pois, concluir-se que o ferro era usado na Idade do Bronze como<br />

um substituto de "inferior" qualidade e que este novo metal era tratado<br />

essencialmente como um material "desinteressante" e, até certo ponto,<br />

não atraente" (SORENSEN, 1989: 195). Foi uma atitude perante uma<br />

coisa.


24 JORGE DE ALARCÃO<br />

A LEITURA DAS DIMENSÕES SIMBÓLICAS<br />

A distinção de Binford entre itens (ou objectos) tecnómicos e<br />

sociotécnicos é uma distinção pertinente. Os primeiros são os objectos<br />

úteis, os que servem para realizar uma acção técnica: este machado de<br />

pedra serve (ou serviu) para abater árvores; este moinho serve (ou<br />

serviu) para moer grão.<br />

Alguns objectos, porém, servem para indicar o status ou a filiação<br />

grupal: o torque de ouro da Idade do Ferro designava o chefe, como a<br />

coroa designa o rei; as mulheres do Lago Baringo (Quénia) usam<br />

diferentes tipos de brincos consoante a etnia, de modo que pelo brinco se<br />

conhece a filiação étnica da mulher que o usa. São estes os objectos<br />

sociotécnicos.<br />

Destes segundos objectos também se pode dizer que "servem para";<br />

mas a sua função não é o fazer, ou o permitir que qualquer coisa seja<br />

feita (esta árvore, abatida; esta terra, lavrada; este grão, moído). A sua<br />

função é o dizer, o comunicar: não são objectos para uma acção técnica,<br />

mas para uma acção comunicativa.<br />

A estes objectos que comunicam uma qualidade de alguém deve<br />

dar-se o nome de simbólicos. Mas objectos simbólicos são ainda os que<br />

materializam uma ideia (como a balança que materializa a justiça; ou,<br />

em çatal Hüyük, os seios de argila de cujos mamilos despontam bicos<br />

de abutre e que materializam a ideia da morte). E simbólicos são<br />

ainda os objectos que estão por ou em vez de: o machado que pode estar<br />

pelo homem ou pelo falo, o vaso cerâmico que pode estar pela mulher,<br />

como atrás vimos. No símbolo, aliquid stat pro aliquo. São três, portanto,<br />

as dimensões ou funções do simbólico: comunicar, materializar, estar<br />

por.<br />

Os objectos utilitários podem ser simultaneamente simbólicos; ou<br />

o mesmo tipo de objecto pode, num contexto, ser utilitário e noutro,<br />

simbólico. A <strong>Arqueologia</strong> contextuaI adverte para o facto de o aparentemente<br />

utilitário poder ser simbólico.<br />

Se os objectos são, ou podem ser, simbólicos, também podem ser<br />

simbólicos os espaços.<br />

O espaço tem, ou pode ter, uma função prática: esta casa serve para<br />

habitar; este dólmen, para enterrar os mortos. O espaço pode ter uma<br />

função ritual, quando serve de palco para práticas de carácter religioso;<br />

mas não se pode confundir o espaço ritual com o espaço simbólico. Se é<br />

simbólico o que está por, o que é um espaço simbólico?<br />

Tomemos um caso: o dos !Kung. Estes primitivos actuais, caçadores-recolectores,<br />

quando acampam em estação seca, nem sempre se<br />

dão ao trabalho de erguer suas tendas. Mas como podem então obedecer


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 25<br />

à norma de que as mulheres se devem sentar do lado direito da fogueira<br />

e os homens, do lado esquerdo? Para eles, o lado direito da fogueira é o<br />

lado direito de alguém situado na entrada da tenda e voltado para o<br />

exterior, para a fogueira. Mas, não havendo tenda, como podem definir o<br />

direito e o esquerdo? Por outro lado, devem fazer as suas necessidades<br />

nas traseiras da tenda; se esta não existe, como saber onde estão as<br />

traseiras?<br />

O problema é resolvido erguendo dois paus que marcam a entrada<br />

de uma imaginária tenda. Instalando simultaneamente a fogueira, têm<br />

definidas as coordenadas espaciais: sabem onde está o fora e o dentro, o<br />

direito e o esquerdo, a frente e a traseira. As estacas estão pela tenda,<br />

são o símbolo da tenda, ou o espaço da tenda é definido simbolicamente<br />

pelos paus (WHITELA W, 1994: 225)<br />

Demos ainda outros exemplos de simbolização do espaço.<br />

Na casa Kabília (Argélia), um tronco, terminado em forquilha,<br />

serve de apoio à trave-mestra do telhado: o tronco é mulher, a<br />

trave é homem; o tronco é designado por um termo feminino (thigejdith),<br />

a trave, por um masculino (asalas alemmas); a inserção da trave no<br />

tronco é representada como uma cópula do homem e da mulher (1994:<br />

447).<br />

Certas populações africanas decoram com seios de argila os seus<br />

fomos de fundição de minério. Isso explica-se pelo facto de o fomo ser<br />

concebido como um corpo de mulher e a fundição, como uma gestação<br />

(HODDER, 1987: 6).<br />

Talvez em função dos três casos dados como exemplos, devêssemos<br />

distinguir simbologia, de homologia e metáfora. Quando se constitui,<br />

como no caso dos !Kung, um espaço imaginário, teríamos um processo<br />

de simbolização. Quando se concebe, entre elementos do espaço<br />

construído, ou entre continente e conteúdo, uma relação analógica com<br />

outros elementos, noutro plano, teríamos uma homologia: é o caso do<br />

pilar da casa Kabília, que está para a viga como o homem está para a<br />

mulher; é o caso, também, das mamoas de terra compridas do Neolítico<br />

da Europa norte e noroestina, que, sendo túmulos, eram concebidas<br />

como casas, estabelecendo-se entre túmulos e mortos uma relação<br />

analógica com ou homóloga da relação entre casas e vivos (HODDER,<br />

1984; 1990; 1994: 73-86). Quando se atribui, a um espaço construído,<br />

qualquer qualidade que na realidade não tem (um sexo, uma função<br />

fisiológica, como no caso dos fomos africanos), teríamos uma metáfora.<br />

Mas processos de homologização ou de metaforização podem também<br />

ser ditos simbólicos.<br />

Para nós, arqueólogos, ver nas coisas e nos espaços apenas aquilo<br />

que eles são é uma atitude positivista; procurar descobrir o que objectos


26 JORGE DE ALARCÃO<br />

e espaços também foram, por processos de simbolização, é uma atitude<br />

interpretativa que pretende descortinar sentidos segundos. A necessidade<br />

de descobrir estes sentidos é uma das mensagens fundamentais<br />

da <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong>.<br />

A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA E O ESPAÇO<br />

O homem vive no espaço (diríamos melhor, seguindo a lição de<br />

Heidegger, no mundo). Ora, na análise do espaço, o que interessa à<br />

<strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> não é exactamente o que interessa à<br />

<strong>Arqueologia</strong> histórico-culturalista ou à Nova <strong>Arqueologia</strong>. A primeira,<br />

numa atitude descritiva e taximónica que a caracteriza, descreve o<br />

espaço construído e tipifica-o, isto é, classifica-o em tipos (de<br />

monumentos megalíticos, de castros, de casas romanas, etc.). A Nova<br />

<strong>Arqueologia</strong> ou <strong>Arqueologia</strong> processualista, mais atenta aos grandes<br />

espaços, às paisagens humanizadas, aos sistemas de povoamento do<br />

que aos monumentos de per si, procura, acima de tudo, reconstituir a<br />

hierarquia dos lugares, precisar-lhes as funções, definir as áreas de<br />

exploração de cada um (site catchment analysis), reconstituir o<br />

paleoambiente dos lugares.<br />

Na perspectiva dos <strong>contextualista</strong>s, a Nova <strong>Arqueologia</strong> poria a<br />

ênfase no espaço que o homem habitou ou utilizou; a <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>contextualista</strong> poria a ênfase no homem que habitou ou utilizou o espaço.<br />

A <strong>Arqueologia</strong> processualista partiria de uma concepção cartesiana<br />

do espaço como res extensa, analisaria um mundo que existiria independentemente<br />

do homem que o habitou, mundo que poderia ser descrito<br />

sem referência ao homem que o organizou, espaço que não careceria<br />

do homem para existir. A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> partiria<br />

de uma concepção heideggeriana da mundanidade, descreveria o espaço<br />

tal como ele aparecia às consciências que o habitavam. Dizer que<br />

este corredor deste monumento megalítico tem tantos metros de comprimento,<br />

tantos de largura e tantos de altura, é uma descrição objectiva<br />

da res extensa; mas só quando dizemos que o corredor é largo ou<br />

estreito, iluminado ou sombrio, é que estamos a descrevê-lo com referência<br />

a uma consciência. A largura ou estreiteza do corredor está aí<br />

sobre o mundo, é uma qualidade do mundo, mas pressupõe um homem<br />

que o atravessa: em si, o corredor não é largo nem estreito; só o é para<br />

um homem que o percorre e nele se sente à vontade ou apertado. Tal<br />

como este monte, cuja encosta tem um pendor de tantos graus, não é,<br />

em si, nem fácil nem difícil de subir: é fácil para um jovem, difícil<br />

para um velho.


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 27<br />

Talvez a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> desvirtue, para mais facilmente<br />

criticar, o sentido das análises processualistas. Na verdade, a análise dos<br />

territórios de exploração, medindo as distâncias não em centenas de<br />

metros, mas em tempos de marcha, põe o homem no centro da análise<br />

espacial.<br />

Apesar de a <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> ter produzido diversos<br />

textos para uma nova abordagem dos problemas do espaço, o tratamento<br />

deste tema tem de considerar-se incipiente, carente de uma teoria<br />

global suficientemente desenvolvida.<br />

O artigo de Thomas, The hermeneutics of megalithic space, por<br />

exemplo, oscila entre uma fenomelogia histórica da experiência do<br />

espaço (THOMAS, 1993: 75), que o autor pretende fundar, e uma<br />

análise behaviourista.<br />

O princípio de que a análise arqueológica do espaço deve ser<br />

uma análise fenomenológica, isto é, de que o espaço deve ser descrito<br />

não tal qual era, mas tal como aparecia às consciências que o edificavam<br />

e utilizavam, poderá ser um princípio correcto. Mas será tal<br />

descrição exequível? Quando Thomas diz que devemos colocar os<br />

indivíduos nos lugares do passado, mas que não podemos colocar-nos<br />

no lugar dos homens do passado (THOMAS, 1993: 74), não está a negar<br />

o projecto <strong>contextualista</strong> de uma análise fenomenológica do espaço<br />

que pretende fundar? Os primeiros monumentos megalíticos caracterizam-se<br />

por corredores curtos ou mesmo pela ausência de corredores.<br />

Progressivamente, os corredores foram-se tornando mais compridos,<br />

eventualmente baixos e estreitos. Ora, o que caracteriza o espaço<br />

construído, diz Thomas (1993: 79) é o poder condicionar ou canalizar<br />

o movimento do corpo: um dólmen de corredor comprido e baixo<br />

obrigava os homens a rastejarem e demoraria o trânsito do mundo<br />

exterior à câmara onde se encontravam sepultados os antepassados.<br />

Similarmente, quando o mesmo Thomas (1991: 48-51) reconstitui o<br />

percurso de penetração no círculo meridional de postes do monumento<br />

de Durrington Walls, está a descrever, visto de fora, como se fora uma<br />

testemunha contemporânea, o movimento dos indivíduos neste recinto<br />

religioso, mas não está a realizar uma análise fenomenológica da<br />

experiência do espaço; está a reconstituir uma pura série de gestos, sem<br />

compreender os sentimentos que os acompanhavam. Reconstituir os<br />

gestos, imaginar os homens rastejando no corredor dolménico, entrando<br />

desta forma e não de outra no recinto religioso, é uma análise<br />

fenomelógica ou uma descrição behaviourista? Uma análise verdadeiramente<br />

fenomenológica seria uma análise conduzida para a experiência<br />

do espaço: como é que o indivíduo vivia o espaço? como é que vivia o<br />

corredor megalítico? Representava-se o corredor como exíguo, angusto,


28 JORGE DE ALARCÃO<br />

penoso, sombrio? A marcha fazia-se no medo? A posição rastejante<br />

não criaria um sentimento de submissão, de humildade? Se os antepassados,<br />

que estavam ali no túmulo, sendo vividos como seres de alguma<br />

forma ainda presentes, seres que interferiam no mundo, o alongamento<br />

do corredor megalítico não representará uma nova relação dos vivos<br />

com os mortos, agora concebidos como mais distantes e eventualmente<br />

menos intervenientes?<br />

Parece-nos mal definido ainda o que deve ser uma fenomenologia<br />

histórica da experiência do espaço e insuficientemente examinada a<br />

questão de saber se essa análise é possível.<br />

Os ensaios de fenomenologia da paisagem realizados por Tilley<br />

(1994) não vão muito longe; são, em grande parte, estudos de<br />

intervisibilidade ou do campo de visiblidade aberto a quem estacionasse<br />

junto dos monumentos. Não interessa dizer que este monumento estava<br />

a 300 metros do mar; interessa verificar se o mar era visível do monumento;<br />

não interessa verificar que estes dois castros distam 5 quilómetros<br />

um do outro; interessa saber se de um, se via o outro. Ora, esta<br />

proposta não apresenta qualquer originalidade, porque estudos deste<br />

. tipo vêm sendo feitos desde há muito por quem não se reclama de<br />

fenomenologias nem de contextualismos.<br />

Tilley avança um pouco mais quando diz que o espaço em que os<br />

homens se moviam não era um espaço neutro, mas um espaço vivido<br />

emocionalmente, com lugares que "diziam" mais que outros, uns, cheios<br />

de história, outros, de sagrado: aqui, tinham residido antepassados;<br />

além, residiam poderes sagrados; mais além ainda, este afloramento<br />

rochoso, por exemplo, estava carregado de memórias cosmogónicas,<br />

ligado aos seres sobrenaturais que haviam constituído o mundo. A afirmação<br />

é pacífica: todo o espaço está cheio de referências, associações<br />

ancestrais, mitos. Mas o :que nos interessaria seria conhecer os refer;::ntes,<br />

o que o espaço diria aos homens, as memórias e os mitos - e isto<br />

parece impossível.<br />

Mas, para além de pretenderem fundar essa talvez impossível fenomenologia<br />

histórica, os <strong>contextualista</strong>s lançam sobre o espaço construído<br />

um outro olhar, procurando ler nele as relações sociais.<br />

As casas do neolítico danubiano, observa Hodder (1990: 119-123),<br />

vão-se tornando, de rectangulares, em trapezoidais; ao mesmo tempo, é<br />

possível que o festo dos telhados, primeiramente horizontal, se tenha<br />

tornado oblíquo, descaindo para a rectaguarda. Assim, as fachadas<br />

foram-se tornando mais altas e largas que as traseiras. Numa perspectiva<br />

processualista, esta evolução seria entendida como progressiva<br />

adaptação aos ventos. Numa interpretação <strong>contextualista</strong>, é considerada<br />

em termos de relações sociais: a casa de maior fachada simboliza


A ARQUEOLOGIA CONTEXTUALISTA 29<br />

ou denuncia maior status e a escalada de alguns no sentido do engrandecimento<br />

das respectivas fachadas, uma luta pelo status no seio da<br />

aldeia.<br />

A análise das tendas dos Saami por Yates (1989) é um outro<br />

exemplo de como as relações sociais (neste caso, entre homens e<br />

mulheres) estruturam o espaço interno das habitações: a oposição<br />

acentuada dos sexos (tão acentuada que até existe um vocábulo para o<br />

urinar dos homens diferente do que designa o urinar das mulheres)<br />

determina uma divisão acentuada do espaço interior das tendas, com<br />

entradas separadas para homens e mulheres.<br />

Se o espaço construído evidencia ou denuncia as relações sociais,<br />

se é um dado onde essas relações se podem ler, é porque essas relações<br />

determinam o espaço, isto é, são a causa ou a razão da forma<br />

concreta que o espaço assume; mas há aqui uma dualidade giddensiana:<br />

as relações sociais determinam o espaço cuja forma, por seu turno, as<br />

reforça, as firma, as perpetua; o espaço é condição de possibilidade da<br />

recorrência ou reprodução das relações sociais.<br />

CONCLUSÃO<br />

A <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong> é tão rica de programas, propósitos<br />

e perspectivas, tão variada, que não é fácil resumi-la. Pretendemos<br />

apenas salientar algumas das suas ideias principais e absolvê-la<br />

da crítica de falta de método e de teoria. Este nosso artigo deve, aliás,<br />

ser lido a par com outras páginas que sobre a mesma arqueologia já<br />

escrevemos (ALARCÃO, 1996a).<br />

Podemos, todavia, e para concluir, perguntar se o programa é<br />

exequível. Serão praticáveis a análise das estruturas (no sentido<br />

giddensiano), isto é, das normas que governam a acção, a análise dos<br />

significados simbólicos, das atitudes, a fenomenologia histórica do<br />

espaço?<br />

Talvez, até certo ponto. Mas, em primeiro lugar, a <strong>Arqueologia</strong><br />

<strong>contextualista</strong> exige uma formação antropológica e etnoarqueológica<br />

profunda, porque é na análise dos primitivos actuais que se colhem<br />

as ideias inspiradoras da interpretação dos dados arqueológicos. "A<br />

possibilidade do progresso de uma arqueologia não-behaviourista,<br />

contextuaI, depende em larga medida do desenvolvimento dos estudos<br />

etnoarqueológicos" (HODDER, 1992: 42).<br />

Em segundo lugar, como o próprio Hodder reconhece (1990: 86),<br />

os dados têm de ser abundantes para permitirem interpretações <strong>contextualista</strong>s.<br />

Os pobres dados com que trabalha a maioria dos arqueó-


30 JORGE DE ALARCÃO<br />

logos não permite análises das do género das propostas pelos <strong>contextualista</strong>s.<br />

As interpretações da <strong>Arqueologia</strong> <strong>contextualista</strong>, finalmente, são,<br />

muitas vezes, meramente possíveis ou verosímeis; não alcançam nível<br />

de verdade nem suscitam convicção.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALARCÃO, Jorge de, 1993-94: "A <strong>Arqueologia</strong> e o Tempo",<br />

Conimbriga, 32-33: 9-56<br />

ALARCÃO, Jorge de, 1996: "A historicidade do encontro com o<br />

passado", Máthesis, 5: 123-142<br />

ALARCÃO, Jorge de, 1996a: Para uma conciliação das<br />

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