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A Vida É Um Sonho!

Quase um século da história de Dores do Indaiá, retratadas nas memórias do Paulo do Posto, o radioamador PY4AWU. 200 páginas recheadas de crônicas históricas, fatos emocionantes e causos divertidos. Somados a belíssimas fotos do passado de nossa cidade, tornam essa obra uma leitura amenta e deliciosa!

Quase um século da história de Dores do Indaiá, retratadas nas memórias do Paulo do Posto, o radioamador PY4AWU.

200 páginas recheadas de crônicas históricas, fatos emocionantes e causos divertidos. Somados a belíssimas fotos do passado de nossa cidade, tornam essa obra uma leitura amenta e deliciosa!

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A<br />

vida<br />

´e um<br />

sonho<br />

Histórias, casos e causos<br />

de quase toda uma vida


A<br />

vida<br />

sonho<br />

´e um<br />

Histórias, casos e causos<br />

de quase toda uma vida<br />

Paulo Ribeiro de Andrade<br />

Volume 1<br />

1ª edição<br />

Dores do Indaiá, MG / 2019<br />

MEM RABILIS


MEM<br />

RABILI S<br />

Projeto editorial, copidesque<br />

e projeto gráfico<br />

Renato P. Ribeiro<br />

Texto<br />

Paulo Ribeiro de Andrade<br />

Arqueologia de textos e informações<br />

no computador do autor e organização<br />

de conteúdo<br />

João Roberto P. Ribeiro<br />

Digitalização e tratamento de imagens<br />

Marcos P. Ribeiro<br />

Pesquisa de fotos do acervo da família<br />

Márcia A. P. Ribeiro<br />

Digitação<br />

Beatriz Ribeiro<br />

Editoração eletrônica<br />

Memorabilis Editora<br />

Revisão:<br />

Eliane Amélia C. Vieira Martins<br />

Apoio de revisão:<br />

João Roberto P. Ribeiro, Graciela Ribeiro<br />

Registro ISBN<br />

Ana Paula da Silva<br />

Impressão e acabamento<br />

Formato Artes Gráficas<br />

Créditos das fotos:<br />

Capa, 1ª orelha, e páginas 1, 4, 36, 39, 46,<br />

77, 81, 82, 83, 86, 93, 95, 115, 120, 128,<br />

130, 133, 156, 161, 162, 166, 167, 169,<br />

170, 171, 172,174, 175, 176, 177, 178,<br />

179, 180, 185, 186, 189 e 190: acervo da<br />

família Pinto Ribeiro<br />

4ª capa: Marina de Castro Ribeiro<br />

2ª orelha e páginas 34 e 35: Paulo César<br />

Pinto Ribeiro<br />

Páginas 13 e 23: Renato P. Ribeiro<br />

Página 196: Paula Faria Ribeiro<br />

Páginas 48, 52, 62, 72, 78, 90 e 119:<br />

acervo de Branca Caetano Guimarães<br />

Páginas 18, 21, 27, 29, 31, 33, 40, 43, 50,<br />

58, 68, 96, 98, 104, 110, 116, 118, 144,<br />

150, 152, 153, 155 e 183: acervo de<br />

Rodolfo Argolo e Castro, gentilmente<br />

cedidas pela Associação dos Amigos de<br />

Dores do Indaiá (ADI)<br />

Páginas 134, 141, 147 e 148: acervo de<br />

Edgar Chagas<br />

Páginas 122 e 127: site da Diocese de Luz<br />

Página 53: acervo digitalizado da<br />

Fundação Biblioteca Nacional<br />

Página 55: acervo digitalizado do Museu<br />

de Arte Brasileira<br />

A553v<br />

Andrade, Paulo Ribeiro de<br />

A vida é um sonho! : histórias, casos e causos de quase toda<br />

uma vida / Paulo Ribeiro de Andrade. – Belo Horizonte : Biografa,<br />

2019.<br />

200 p. ; 16x23,5cm.<br />

ISBN 978-85-66229-23-3<br />

1. Biografia. 2. Memória – Dores de Indaiá (MG). 3. Radioamadores<br />

– Estações emissoras – Dores de Indaiá (MG). I. Título.<br />

CDU 929<br />

CDD 920<br />

Ficha catalográfica elaborada por Ana Paula da Silva CRB-6 / 2390


“Só seremos<br />

universais se<br />

conhecermos<br />

e amarmos<br />

nossa aldeia.”<br />

Liev Tolstoi


Prólogo<br />

O pai de todas as histórias<br />

Nas minhas mais antigas lembranças de infância, recordo-<br />

-me de meu pai contando suas histórias. Episódios corriqueiros<br />

de sua vida, de sua família, dos familiares, da cidade onde nasceu<br />

e sempre morou. Fatos simples muitas vezes, mas descritos<br />

com tanta vivacidade e entusiasmo, enriquecidos com algumas<br />

doses de imaginação, que até hoje encantam quem o conhece.<br />

Ele é daquelas pessoas que qualquer citação ou lembrança<br />

fazem faiscar “causos” da memória.<br />

Foi de tanto ouvir histórias assim que nasceu em mim a<br />

vontade de registrá-las, para que se tornassem perenes e esse


passado sempre estivesse presente. Dessa vontade, nasceram<br />

duas editoras dedicadas às memórias e biografias: primeiro, a<br />

Biografa – o livro da sua vida!, que Clarice Laender conduz com<br />

muita sensibilidade, e a Memorabilis – onde o inesquecível se torna eterno,<br />

da qual sou o editor.<br />

Este livro é, então, ao mesmo tempo um sonho realizado e<br />

um tributo de gratidão ao contador de histórias que, com seu<br />

entusiasmo e exemplo, nos contagiou com o gosto por ouvir e<br />

registrar os fatos vividos. <strong>É</strong> uma correspondência afetiva e um<br />

dever moral cumprido, pelo que nos ensinou a reconhecer, valorizar<br />

e perpetuar o passado.<br />

O título desta obra surgiu naturalmente, inspirado por um<br />

post que papai publicou em 20 de dezembro de 2016 na página<br />

do Facebook “Amigos dorenses e suas histórias”, e que foi novamente<br />

veiculado um ano depois. Eu não imaginava que este<br />

nome A vida é um sonho! seria, além de poético e sentimental –<br />

bem ao gosto do Paulo Ribeiro – totalmente pertinente ao conjunto<br />

dos textos que foram selecionados e preparados para esta<br />

edição. Não me recordava que, em muitos deles, a imagem do<br />

sonho foi utilizada para evocar os tempos pretéritos e permitir<br />

que fossem etéreos e eternos como um sonho bom!<br />

Assim, reforço o convite do PY4AWU para que, juntos e<br />

acordados, você, leitor, venha sonhar conosco histórias emocionantes,<br />

hilárias ou surpreendentes, onde nossa aldeia foi o palco<br />

ou o picadeiro de dramas universais.<br />

Com gratidão,<br />

Renato Ribeiro


Sumário<br />

19<br />

25<br />

37<br />

41<br />

49<br />

53<br />

59<br />

63<br />

69<br />

73<br />

79<br />

87<br />

91<br />

97<br />

105<br />

O martelinho de pau<br />

Barra do Funchal<br />

O balão azul<br />

O retorno à cidade<br />

Armazém para Todos<br />

Férias na roça<br />

O sonho de ter uma bicicleta<br />

O terror da meninada<br />

Meu primeiro rádio<br />

Caminhos antigos<br />

Escola Técnica de Comércio São Luiz<br />

Conhecendo Belo Horizonte<br />

Década de 1940: dolorosas perdas<br />

Primeiras eleições após a ditadura<br />

Conto do vigário<br />

107<br />

O homem que comia o outro vivo!


111<br />

117<br />

123<br />

129<br />

151<br />

157<br />

163<br />

181<br />

187<br />

191<br />

197<br />

Histórias de dar pano para as mangas!<br />

Quando o posto de combustíveis entrou na minha vida<br />

<strong>Um</strong>a amizade acima das formalidades<br />

Casa Radiante<br />

Saudades nas ondas do rádio<br />

135<br />

144<br />

<strong>Um</strong> tributo a Josué Chagas<br />

Rádio Cultura: nascimento e agonia<br />

de uma emissora de rádio<br />

Cine-Teatro Indaiá<br />

Armazém Indaiá<br />

Nasce um radioamador<br />

173<br />

Cartões QSL: os registros indeléveis<br />

de minha trajetória<br />

O casamento do radioamador<br />

Reencontros inolvidáveis<br />

A lha desterrada<br />

<strong>Um</strong>a promessa, não um epílogo


modo que eu ficasse bem protegido. O frio era intenso. Ela<br />

e meu pai se acomodaram ao meu lado. Nas mãos de Deus<br />

estava a minha sorte!<br />

Tarde da noite, o trem partiu. A locomotiva, resfolegando,<br />

começou a subida da serra. No silêncio da noite<br />

gelada só se ouvia o ranger de suas rodas nos trilhos, rompendo<br />

os íngremes caminhos. De quando em quando,<br />

para quebrar a monotonia daqueles ermos, ouvia-se o seu<br />

apito melancólico e triste, cujos ecos, reverberando de quebrada<br />

em quebrada, perdiam-se nas profundezas daqueles<br />

abismos soturnos. Ao meu lado, no vagão de carga, meu<br />

pai e minha mãe, num ambiente de angústia e solidão, rezavam<br />

para que o auxílio divino intercedesse por mim.<br />

A Estrada de Ferro Paracatu atingiu a Barra do Funchal em<br />

1937, mas jamais chegou à cidade que lhe deu o nome. Em<br />

1968, foi erradicado o trecho Bom Despacho–Barra do<br />

Funchal, e, em 1994, o restante do ramal<br />

31


No negrume da noite, a viagem prosseguia lentamente<br />

até que a locomotiva atravessou os píncaros da serra e,<br />

encontrando a planície, pudesse avançar com mais velocidade.<br />

Chegamos à cidade antes dos primeiros alvores do<br />

dia. Levaram-me para a casa de minha avó Etelvina, que<br />

ficava na Praça São Sebastião. Meu pai saiu apressado à<br />

procura do médico.<br />

Não fui dessa vez! Não tinha chegado a minha hora!<br />

Deus me daria uma missão para cumprir e a finalidade de<br />

minha vida estava longe de ser atingida. Recuperado,<br />

regressamos à Barra do Funchal e somente no ano seguinte,<br />

de mudada, retornamos a Dores do Indaiá.<br />

Na foto acima, imagem da estação ferroviária de Dores<br />

do Indaiá nos anos de 1940. A partir da década de 1950,<br />

o Brasil começou a sair dos trilhos com a implementação<br />

do plano de crescimento do presidente Juscelino<br />

Kubitschek, que priorizava a construção de rodovias.<br />

Em 22 de maio de 1962, o último trem passou em Dores<br />

do Indaiá deixando saudades vivas até hoje<br />

32


<strong>Um</strong>a vista de parte da<br />

cidade nos anos 1940,<br />

onde se vê:<br />

1. Avenida Francisco<br />

Campos.<br />

2. Rua Dr. Zacarias.<br />

3. Escola Normal Dr.<br />

Francisco Campos.<br />

4. Estação ferroviária.<br />

5. Antiga igreja de N.<br />

Senhora do Rosário.<br />

6. Prédio do antigo<br />

presídio municipal.<br />

7. Antigo coreto na<br />

praça da Matriz<br />

33


O retorno à<br />

cidade<br />

Lá pelos anos de 1939, voltamos a morar na cidade,<br />

depois da temporada na Barra do Funchal. Em Dores do<br />

Indaiá, fomos morar numa casa de um amarelo desbotado,<br />

quase de frente à Praça dos Coqueiros. Era uma casa malconservada<br />

e sem forros. <strong>Um</strong>a verdadeira tapera!<br />

Deitados em nossas camas, ficávamos vendo pelas<br />

frestas das telhas os respingos de Sol batendo na parede. A<br />

casa pertencia a uma velha senhora que, não morando<br />

mais no município, reservou para si um cômodo onde guardava<br />

seus pertences. Meninos curiosos, pelo buraco da<br />

fechadura tentávamos adivinhar o que tinha naquele quarto<br />

misterioso.<br />

O quintal da casa era enorme e ensombrado por inúmeras<br />

árvores frutíferas. No tempo das mangas maduras,<br />

o chão ficava coalhado delas. <strong>Um</strong> enxame de mosquitos se<br />

atropelavam naquele ambiente propício. Eu, então com<br />

meus 6 anos de idade, gostava de brincar ali, sozinho, com<br />

brinquedos que eu mesmo construía.<br />

Não sei se por estarmos muito próximos da zona<br />

rural, fui acometido pela malária. Já portador de uma bronquite<br />

crônica, tinha agora os momentos críticos das sezões.<br />

41


Esta foto, de 1939, registra a<br />

inauguração da casa que meu<br />

pai mandou construir, na<br />

Rua Mário Campos.<br />

Naquela época, era praxe<br />

dar uma festa para<br />

celebrar a abertura da<br />

casa, independentemente<br />

se o proprietário já<br />

estivesse descapitalizado<br />

com os custos da obra.<br />

Essa é uma imagem<br />

muito especial,<br />

porque podem-se<br />

ver muitos dorenses<br />

saudosos e queridos!<br />

46


1. Vinícius, carpinteiro.<br />

2. Antônio Melato, que foi o construtor da casa.<br />

3. José Nogueira.<br />

4. Juca Pinto.<br />

5. Carlito Corrêa.<br />

6. Alexandre Lacerda.<br />

7. Iraci Pinto, com seu filho Paulo.<br />

8. Osvaldo Diniz.<br />

9. Meu irmão mais velho, Waldir<br />

Ribeiro.<br />

10. Zilá Soares.<br />

11. Emílio Pinto Fiúza.<br />

12. Eu.<br />

13. Oldemar Pinto Fiúza.<br />

14. Meu irmão, José Maria Ribeiro.<br />

15. Meu irmão mais novo, Osvaldo<br />

Ribeiro de Andrade.<br />

16. Minha irmã Wolanda Ribeiro,<br />

carregando nossa irmã,<br />

Maria Amélia.<br />

17. Tia Carmelita.<br />

18. Minha avó paterna,<br />

Etelvina Fiúza.<br />

19. Meu avô materno, vovô<br />

Inácio Ribeiro de<br />

Andrade.<br />

20. Minha avó materna,<br />

Francisca, vovó<br />

Dindinha.<br />

21. Tio Pedro Ribeiro de<br />

Andrade.<br />

22. Chico Morais.<br />

23. Orlando Fiúza.<br />

24. José Machado<br />

1<br />

Minha outra irmã, Terezinha Ribeiro de Andrade, não<br />

apareceu na foto porque tinha ido buscar uns copos.<br />

17<br />

16<br />

18 19<br />

3<br />

4<br />

2 7<br />

5<br />

6<br />

12<br />

11<br />

13 14<br />

15<br />

20<br />

8<br />

9<br />

10<br />

26<br />

25. Meu pai, João Ribeiro Coelho, o<br />

João da Vó para os amigos, ou o Papai<br />

João para os netos.<br />

26. Minha mãe, Maria Teixeira<br />

de Andrade, carinhosamente<br />

chamada de Mamãe Lilia<br />

pelos netos.<br />

21<br />

25<br />

24<br />

22<br />

23<br />

47


O prédio onde o Armazém para Todos se estabeleceu era<br />

bem amplo e adequado aos planos de meu pai. Na foto<br />

acima, está à esquerda, na esquina. Ao fundo, vê-se a<br />

Escola Normal. A divisão interna dos quartos do imóvel<br />

era feita apenas por tapumes de madeira, que facilmente<br />

foram postos abaixo na reforma. Interessante é que, no<br />

lugar das janelas que davam frente para a rua, haviam<br />

grandes portas, indicando que, muito provavelmente, ali<br />

já havia funcionado uma casa comercial<br />

48


permanecia ouvindo a conversa sem saber que naquele<br />

instante estava sendo traçado o meu destino. Não sei se<br />

tudo foi uma coincidência. A verdade é que o posto de<br />

gasolina foi construído e levou o nome de Posto São<br />

Geraldo, em homenagem ao santo padroeiro de seu proprietário.<br />

Era o segundo posto da cidade e trazia a bandeira<br />

da distribuidora de combustíveis Shell.<br />

O tempo passou e nos princípios do ano de 1952,<br />

quando eu tinha 18 anos, não sei por que, meu pai e Preguinho<br />

fizeram uma permuta: a loja de tecidos pelo posto<br />

de gasolina. As suas casas residenciais também entraram<br />

no negócio.<br />

O Posto S. Geraldo revendia somente produtos da Shell,<br />

uma vez que, naquela época, e por muitas décadas ainda,<br />

os postos eram obrigados por lei a comprar de uma única<br />

distribuidora de combustíveis. Em 1997 isso mudou, quando<br />

os postos ˝bandeira branca˝ foram permitidos<br />

118


Homem de muitos talentos e grande simpatia, Josué<br />

Chagas descobriu-se como radialista e locutor da<br />

rádio que fundou, junto à Djalma Melgaço e Nilo<br />

Peçanha. Dono de uma voz poderosa e uma senso de<br />

humor aguçado, fez história por mais de três décadas<br />

em nossa cidade e região, levando entretenimento,<br />

cultura e conhecimento pelas ondas da ZYZ22 – Rádio<br />

Cultura de Dores do Indaiá<br />

134


Saudade nas<br />

ondas do rádio<br />

<strong>Um</strong> tributo a Josué Chagas<br />

Conheci Josué Chagas por acaso. Menino ainda, eu<br />

era aprendiz de mecânico numa oficina que ficava onde é,<br />

hoje, o Posto Tapuia. <strong>Um</strong> dia, chega lá Josué, numa velha<br />

motocicleta, falhando, cheia de problemas. Pediu algumas<br />

ferramentas emprestadas e, agachado, ficou mexe daqui,<br />

mexe dali, sem encontrar o defeito. Foi quando apareceu<br />

um senhor, todo sem jeito e perguntou-lhe:<br />

― Josué, o que é bom para tosse?<br />

Josué, sem nem levantar a cabeça, respondeu:<br />

― Tossir!<br />

O coitado do homem, gente simples, todo acanhado<br />

foi embora.<br />

Josué, comentaram, era um sujeito atencioso e prestativo,<br />

só que o homem chegou na hora errada. A moto problemática<br />

tinha esgotado sua paciência. Todos os que presenciaram<br />

o acontecido acharam graça.<br />

Então vim a saber que Josué tinha sido enfermeiro na<br />

Santa Casa, e agora tinha uma pequena farmácia na avenida,<br />

motivo pelo qual fora consultado.<br />

135


O tempo foi passando, nunca mais o vi até que surgiu<br />

o assunto da fundação da Rádio Cultura, sendo ele um dos<br />

seus idealizadores. Eu, desde menino, sempre gostei de<br />

eletrônica e um de meus passatempos prediletos era fazer<br />

minhas experiências nessa área. Montava pequenos transmissores,<br />

que eram usados como estações de rádio piratas.<br />

Essas estações ficavam no porão de minha casa.<br />

Eu tinha meus 15 anos e, nessas façanhas, acompanhava-me<br />

um amigo que, de vez em quando, saía de bicicleta<br />

pelas redondezas para verificar como estava o nosso<br />

ibope. Somente colocávamos músicas. Falar, nem pensar!<br />

Nem microfone tínhamos. Se falássemos, podíamos ser<br />

descobertos e autuados. Nossa emissora dispunha apenas<br />

de um toca-discos velho, que fora por nós mesmos recuperado.<br />

Ficávamos orgulhosos ao comprovar que o nosso<br />

repertório de músicas agradava em cheio a audiência.<br />

Quem quisesse ouvir a sua música predileta na nossa rádio,<br />

era só nos emprestar o disco.<br />

Tudo corria às mil maravilhas até que, um dia, a porta<br />

se abre de repente e, sem cerimônia alguma, vai entrando<br />

Josué, o dono da nossa futura rádio. Pela antena que ficava<br />

do lado de fora de minha casa, ele nos encontrou. Tremendo<br />

de susto e medo pensamos: chegou a nossa hora, ele vai<br />

nos denunciar, mas o Zué – como passou a ser carinhosamente<br />

conhecido – apenas olhou tudo, sorriu e, sem<br />

nenhuma censura, foi-se embora.<br />

Acho que ele nem se lembrou mais do ocorrido.<br />

Porém, preocupado com possíveis desdobramentos que<br />

uma denúncia poderia trazer, desmanchei tudo e fiquei<br />

136


Na foto acima, consegui reconhecer quase todos: o<br />

primeiro da esquerda para a direita, é Josué Chagas; o<br />

quarto sou eu; ao meu lado está Djalma Melgaço,<br />

ladeado por meu irmão, Osvaldo. No canto direito, está<br />

o Miguel da Luz, responsável durante anos pela<br />

manutenção da rede elétrica da cidade, carregando<br />

Edgar Chagas, um dos filhos mais novos do radialista<br />

estava a Rádio Cultura, na pessoa de Josué Chagas, abrilhantando<br />

o momento e levando, por meio das ondas da ZYV22<br />

– Rádio Cultura de Dores do Indaiá, aos mais recônditos lugares,<br />

as novidades do fato notório.<br />

Diferente era a sensibilidade do povo daquele tempo.<br />

Na sua simplicidade tudo era motivo de encanto e de emoção.<br />

Vivíamos alegres e felizes com nossas conquistas, conquistas<br />

que, com o passar do tempo, paulatinamente fomos<br />

perdendo. A primeira grande perda foi quando calou-se de<br />

vez Josué Chagas. Sua voz deixou de ser ouvida quando a<br />

148


O novo cinema da cidade foi uma<br />

iniciativa que gerou um enorme<br />

entusiasmo em todos os dorenses!<br />

Acima está o folheto de propaganda<br />

que foi distribuído no dia da inauguração,<br />

e, ao lado, os dois primeiros ingressos,<br />

sendo que o primeiro tem as assinaturas<br />

da Diretoria da EMDIL<br />

150


Cine-Teatro<br />

Indaiá<br />

“Cada homem que passa tem uma história para contar,<br />

uma história que somente a ele pertence.”<br />

Anotei essa frase de um filme que assisti no Cine-Teatro Indaiá. Se não me<br />

falha a memória, essa linda afirmativa é a última fala do filme Obrigado,<br />

Doutor, película de 1948, da Atlântida Cinematográfica. Perdoem-me se eu<br />

estiver errado, mas já fazem muitos anos desde então.<br />

Outro empreendimento que marcou época foi o<br />

nosso Cine-Teatro Indaiá. Construído pela Empresa<br />

Melhoramentos Dores do Indaiá Ltda. (EMDIL) – uma<br />

sociedade entre dorenses empreendedores, com objetivos<br />

explícitos de trazer benfeitorias à cidade –, foi inaugurado<br />

em 28 de janeiro de 1951.<br />

Em sua noite de estreia, reverberando o grande entusiasmo<br />

que animava a cidade, houve duas sessões superlotadas.<br />

Tenho a nítida recordação de que o filme exibido foi<br />

o musical Escola de Sereias, estrelado por Esther Williams<br />

e Red Skelton, apesar de o folheto que se vê na página ao<br />

lado anunciar uma programação diferente.<br />

Qualificado como um dos melhores cinemas da<br />

região, tinha uma programação esmerada onde se exibiam<br />

os mais famosos filmes da época. Para mostrar a elegância<br />

desse cinema, basta lembrar que, para assistir às suas ses-<br />

151


O gosto pelo sétima arte em Dores do Indaiá é tão antigo<br />

quanto a criação do cinema falado. Essa foto, de 1928, um<br />

ano depois de ˝O Cantor de Jazz˝ estrear, é de nosso<br />

primeiro cinema. Nessa época, também já era palco para<br />

festas e apresentações teatrais<br />

sões, era obrigatório aos homens o uso do paletó, completando<br />

sua vestimenta.<br />

Sendo um cineteatro, seu amplo palco foi o cenário<br />

privilegiado para os principais eventos de nossa sociedade,<br />

como festas de formatura, festivais de música, apresentações<br />

de teatro, shows e inúmeras outras comemorações e<br />

festividades de relevância.<br />

Como nossa energia elétrica era precaríssima, a<br />

empresa dispunha de um possante gerador elétrico acionado<br />

por um motor Mercedes Benz, para atender sua necessidade<br />

de consumo.<br />

152


Nasce um<br />

radioamador<br />

Ramiro Botinha, PY4VN, meu tio, era radioamador e,<br />

todas as noites, passava mensagens para seus familiares.<br />

― Alô fulano, alô sicrano, aqui tudo bem! ― e contava<br />

as notícias do dia.<br />

Meu pai, sempre naquela hora, estava ali, atento, com<br />

os ouvidos colados no rádio para ficar a par dos acontecimentos.<br />

De minha parte, achava interessante aquele monólogo<br />

que, por alguns momentos, mantinha conectados uma<br />

infinidade de parentes, moradores em cidades diversas.<br />

Quando meu tio estava falando, eu tinha vontade de responder,<br />

de dizer :<br />

― Estamos aqui ouvindo! ― o que eu sabia que não<br />

teria efeito porque, nas conversações entre radioamadores,<br />

enquanto um fala os outros só podem escutar. E mesmo<br />

assim, em minha casa nem tínhamos um transmissor,<br />

somente um rádio comum que, ajustado na frequência<br />

certa, captava as transmissões do tio Ramiro.<br />

Minha curiosidade levou-me a escutar outros radioamadores<br />

que, em rodadas – jargão dos radioamadores que<br />

163


o. A escola era uma referência nacional, frequentada,<br />

inclusive, por membros das Forças Armadas. Na ocasião,<br />

solteiro, desimpedido, pedi demissão do meu trabalho e<br />

parti para o Rio de Janeiro com a intenção de aprender o<br />

tal Código Morse.<br />

As primeiras providências que tomei ao chegar na<br />

capital do país – afinal, Brasília ainda estava em construção<br />

– foi me associar à Labre (Liga de Amadores Brasileiros de<br />

Rádio Emissão) e me matricular na Escola Edison, que<br />

ficava na Rua da Carioca, 59, 3º andar.<br />

Este é o primeiro dos meus cadernos de exercícios do<br />

curso de telegrafia. Com constância, método adequado e<br />

paciência, fui aprendendo o que antes me parecia ser<br />

muito difícil. O professor, quando chegamos à fase final,<br />

ditava muitas vezes em inglês ou de trás para frente<br />

166


174<br />

Em 1961, fiz meu primeiro contato<br />

internacional, com o colega espanhol<br />

EA3GX, de Barcelona. A<br />

partir de então, passei a colecionar<br />

incontáveis comunicações estrangeiras,<br />

e o mundo todo ficou mais<br />

perto de Dores do Indaiá


175<br />

Este QSL ao lado, apesar de parecer<br />

muito simples e sem importância, é<br />

uma de minhas “figurinhas premiadas”<br />

porque na Etiópia não há mais que<br />

uma dezena de radioamadores, o que<br />

significa que fazer contato com um<br />

deles é uma grande sorte


176<br />

Da Mongólia, recebi dois cartões<br />

QSL que me mostraram um fato<br />

muito interessante e inspirador<br />

para mim: pai – JT1CO – e filha –<br />

JT1CC – compartilham da mesma<br />

afinidade pelo radioamadorismo


Do Distrito Federal ao Japão, da<br />

Slovênia à Sibéria, de Luanda ao<br />

Canadá... no decorrer dessas mais de<br />

seis décadas de dedicação ao radioamadorismo<br />

pude fazer contato com<br />

todos os continentes do mundo<br />

177

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