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04 - Os Construtores de Catedrais - François Figeac - tradizido por Augusto Reis

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<strong>François</strong> <strong>Figeac</strong><br />

OS CONSTRUTORES<br />

E A ORGANIZAÇÃO DOS CANTEIROS 1<br />

Tradução <strong>de</strong> <strong>Augusto</strong> <strong>Reis</strong><br />

Em todas as épocas estudaram-se os monumentos, sua disposição, sua <strong>de</strong>stinação, suas<br />

transformações sucessivas e seus menores <strong>de</strong>talhes; falou-se longamente <strong>de</strong> tudo isso e <strong>de</strong><br />

maneira mais ou menos sábia. Mas dos obreiros que, à custa <strong>de</strong> gênio e constância, elevaram<br />

estas gran<strong>de</strong>s massas <strong>de</strong> pedra, ma<strong>de</strong>ira e metal, nada jamais se disse <strong>de</strong> positivo e verda<strong>de</strong>iramente<br />

satisfatório.<br />

Agricol Perdiguier, dito “Avignonense a Virtu<strong>de</strong>”,<br />

Mémoires d’un Compagnon<br />

O que é admirável é a continuida<strong>de</strong>, a unida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer, <strong>de</strong>ste imenso esforço <strong>de</strong> construtores.<br />

As gerações que se suce<strong>de</strong>m umas às outras formam um todo; tradições e segredos<br />

<strong>de</strong> ofício transmitem-se sem interrupção.<br />

Régine Pernoud,<br />

Lumière du Moyen Age<br />

QUEM FORAM OS CONSTRUTORES?<br />

Se bem que numerosos estudos lhes tenham sido consagrados, 2 a vida e<br />

sobretudo o espírito que animavam os construtores <strong>de</strong> catedrais conservam,<br />

ainda hoje uma gran<strong>de</strong> aura misteriosa. Nada mais normal para<br />

estas pessoas que transformaram suas moradas e seus ofícios em mistério, e cuja<br />

única ambição era trabalhar humil<strong>de</strong>mente para a glória do Soberano Arquiteto dos<br />

Mundos participando, aqui em baixo, da construção da Cida<strong>de</strong> Celeste. Conscientes<br />

<strong>de</strong> ser nada mais do que uma ferramenta a serviço do espírito, suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ofício<br />

se relacionavam, <strong>de</strong> maneira natural, à mais antiga Tradição iniciática, para a qual<br />

a arte <strong>de</strong> construir constitui a Arte <strong>por</strong> excelência, a Arte Real, sagrada <strong>por</strong> natureza.<br />

A arquitetura, com efeito, originou-se <strong>de</strong> Deus e do céu, pois Deus é o único, gran<strong>de</strong> e<br />

admirável arquiteto que or<strong>de</strong>nou e criou, a partir <strong>de</strong> seu próprio Verbo, todo o mecanismo<br />

do mundo, tanto celeste quanto elementar, escreveu Philibert Delorme na introdução<br />

<strong>de</strong> seu Tratado <strong>de</strong> Arquitetura. O serviço ao Príncipe Criador guiava o pensamento<br />

e as mãos dos construtores medievais, para que pu<strong>de</strong>sse ser inscrito na pedra<br />

— material eterno — o po<strong>de</strong>r radiante do Seu Verbo. Desta maneira, estaria preservada,<br />

pela aplicação e transmissão da Tradição iniciática, a “or<strong>de</strong>m” natural da<br />

Criação que une a matéria ao espírito, tornando-os um conjunto estável e harmonioso.<br />

Seus segredos, os construtores os inscreveram em pedra; em Reims, Chartres, Paris<br />

ou Amiens, ou ainda em milhares <strong>de</strong> outros locais, eles revelaram incansavelmente a<br />

luz que jaz escondida na matéria, traçando assim para seus sucessores um caminho<br />

<strong>de</strong> conhecimento que conduz ao coração do Ser. Se <strong>de</strong>sejarmos <strong>de</strong>scobrir este segredo,<br />

será preciso partir em sua busca, ir ao encontro <strong>de</strong> obras <strong>por</strong> eles legadas, escutar e<br />

compreen<strong>de</strong>r sua mensagem através da comunhão com seu espírito, no eterno presen-<br />

1 Tradução do cap. IV da 2 a parte da obra <strong>de</strong> JACQ C. (ed.). Le message initiatique <strong>de</strong>s cathédrales, Ed. La Maison <strong>de</strong> Vie, Paris,<br />

1985. (N. do T.)<br />

2 Para um estudo exclusivamente factual a respeito dos construtores medievais, consultar DU COLOMBIER, P. Les Chantiers <strong>de</strong>s<br />

cathédrales, Paris, 1973; e GIMPEL, J. Les bâtisseurs <strong>de</strong> cathédrales, Paris, 1980.


Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

te da consciência. Assim como eles, sejamos nós também livres <strong>de</strong> qualquer vínculo,<br />

crença e certeza, preocupados somente em participar da Obra que se edifica a cada<br />

dia, pois é através do auto-sacrifício que se afirma a função do construtor. Sigamos<br />

seus passos para que possamos, <strong>por</strong> nossa vez, penetrar no canteiro <strong>de</strong> obras da catedral<br />

que <strong>de</strong>ve ser construída.<br />

Quem foram estes homens, verda<strong>de</strong>iros magos da pedra, que foram capazes,<br />

em algumas poucas décadas, e dispondo <strong>de</strong> meios que hoje nos pareceriam rudimentares,<br />

fazer brotar da terra estas colossais florestas <strong>de</strong> pedra cuja maior parte ainda<br />

existe no coração <strong>de</strong> nossas cida<strong>de</strong>s? Her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> uma tradição milenar, os construtores<br />

medievais são também o produto <strong>de</strong> seu tempo. Na virada do segundo milênio, e<br />

mais ainda no século XII, dois po<strong>de</strong>res se afirmam: o do príncipe e o da Igreja. Esta<br />

última, principalmente, começa a se estruturar, o bispo <strong>de</strong> Roma adquirindo cada vez<br />

mais autorida<strong>de</strong> sobre as questões da Igreja do Oci<strong>de</strong>nte. É o papa que controla sua<br />

organização nomeando os bispos encarregados <strong>de</strong> propagar, nas cida<strong>de</strong>s então em<br />

pleno <strong>de</strong>senvolvimento, o ensinamento do dogma católico e a prática da “fé justa”. Para<br />

a hierarquia católica, era preciso ensinar ao povo a “boa palavra”, a palavra das escrituras.<br />

Assim, as pinturas e ornamentos das igrejas, escreve Durand <strong>de</strong> Men<strong>de</strong>, serão<br />

os substitutos, para os ignorantes, dos ensinamentos escritos. Toda a catedral é<br />

um livro <strong>de</strong> pedra concebido para ser, pela perfeição <strong>de</strong> suas formas, a expressão da<br />

or<strong>de</strong>m invisível que permeia o Universo. Sua arquitetura, sublinha Georges Duby, e-<br />

quivale à retirada do véu, à revelação do mistério.<br />

Já no plano tem<strong>por</strong>al, a catedral é o local on<strong>de</strong> se encontra o bispo, expressão<br />

visível do crescente po<strong>de</strong>r da Igreja que, no século XII, apóia-se nos soberanos,<br />

mas também começa ela própria a se tornar uma monarquia totalitária, segundo<br />

Duby. Para construí-la, a Igreja recorre a artesãos iniciados, organizados em Lojas livres<br />

e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

Ao mesmo tempo, as Or<strong>de</strong>ns Monásticas <strong>de</strong>monstram um <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sem prece<strong>de</strong>ntes sob o impulso <strong>de</strong> São Bernardo, fundador da Or<strong>de</strong>m dos Cistercienses,<br />

que entre outras coisas prega o retorno à estrita observância da Regra <strong>de</strong> São<br />

Bento. <strong>Os</strong> cistercienses optam <strong>por</strong> se retirar do mundo para orar a Deus pela saú<strong>de</strong><br />

dos homens; será então preciso que sejam construídos os edifícios necessários para a<br />

vida da comunida<strong>de</strong>, assim como para a prática dos ofícios. Não há dúvida <strong>de</strong> que <strong>de</strong>terminados<br />

aba<strong>de</strong>s foram eles próprios Mestres-<strong>de</strong>-Obras, mas a maior parte das<br />

construções era realizada <strong>por</strong> irmãos leigos que trabalhavam sob as or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> Mestres<br />

e Companheiros que não pertenciam ao monastério. Construir po<strong>de</strong> até fazer parte<br />

das ativida<strong>de</strong>s monásticas, mas não é consi<strong>de</strong>rada pelos monges uma ativida<strong>de</strong> essencial.<br />

No entanto, a estrutura das construções cistercienses estará perfeitamente adaptada<br />

às suas necessida<strong>de</strong>s. A Abadia é concebida como sendo a oficina <strong>de</strong> Deus, na<br />

qual tudo foi previsto para favorecer o <strong>de</strong>senvolvimento or<strong>de</strong>nado e harmonioso da vida<br />

comunitária. Ritmada pelas horas canônicas, a ativida<strong>de</strong> dos monges se divi<strong>de</strong> entre<br />

o trabalho manual, a prece e o estudo das escrituras. O <strong>de</strong>spojamento dos monastérios<br />

cistercienses é facilmente explicado. Ele correspon<strong>de</strong> ao necessário isolamento<br />

no qual <strong>de</strong>vem viver os homens que fizeram o juramento <strong>de</strong> se consagrar a Deus e não<br />

mais a si mesmos. A estrutura simbólica <strong>de</strong>stes locais respon<strong>de</strong> à sua função e o espaço<br />

consagrado à prece, favorecendo a elevação <strong>de</strong>sta.<br />

A epopéia da construção das catedrais se <strong>de</strong>senvolveu paralelamente à das<br />

abadias e monastérios, às vezes cruzando-se os dois movimentos, às vezes um sustentando<br />

o outro, sem <strong>por</strong>ém se confundirem. Se é verda<strong>de</strong> que os monges tinham preservado<br />

<strong>de</strong>terminados aspectos da Tradição dos construtores no segredo <strong>de</strong> suas bibliotecas,<br />

seria exagerado atribuir-lhes a fortiori o controle dos canteiros das catedrais,<br />

2


Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

pois estes eram domínio das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construtores. <strong>Os</strong> monges sacralizavam o<br />

terreno <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> suas preces, e os construtores <strong>por</strong> meio das obras <strong>de</strong> pedra que<br />

elevam à glória do Príncípio. Para os construtores, o essencial consiste em manifestar<br />

a presença do invisível e em transmitir a Tradição Iniciática. É esta gran<strong>de</strong> obra, chamada<br />

<strong>de</strong> “Dever”, que acaba pro<strong>por</strong>cionando o cimento das confrarias <strong>de</strong> construtores<br />

e explica sua notável unida<strong>de</strong> através do tempo e do espaço. O Dever, com efeito, é<br />

sagrado. Ele ultrapassa o próprio homem, e lhe permite ultrapassar-se a si próprio<br />

realizando o dom <strong>de</strong> sua existência para que o mistério seja revelado. A fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao<br />

Dever leva-o a participar humil<strong>de</strong>mente da oferenda feita ao Príncípio. A partir <strong>de</strong> então,<br />

o trabalho <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma simples ocupação, efetuada <strong>por</strong> prazer ou necessida<strong>de</strong>,<br />

e torna-se um ofício, ou, dito <strong>de</strong> outra maneira, uma prática do Mistério. No mundo<br />

profano em que hoje vivemos é difícil compreen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada todo o alcance<br />

que tinha este termo para o espírito dos homens da Ida<strong>de</strong> Média. Para eles, e-<br />

xercer um ofício significava agir sobre este mundo para transformá-lo e, conseqüentemente,<br />

perpetuar a obra <strong>de</strong> Deus, que é o único artesão. A afirmação unus artifex est<br />

<strong>de</strong>us nos lembra o antigo adágio escolástico. Todos as cor<strong>por</strong>ações <strong>de</strong> ofício estão ligados<br />

ao corpo do Ser Divino. Esta filiação torna-se particularmente evi<strong>de</strong>nte no que diz<br />

respeito aos ofícios construtivos, sendo o Deus criador também o Gran<strong>de</strong> Arquiteto do<br />

Universo. “Deus é o Arquiteto <strong>de</strong> sua própria morada, e é <strong>por</strong> intermédio dos profetas<br />

que Ele revelará aos homens a dimensão <strong>de</strong> sua própria casa” (Êxodo, 35, 8-9). Na I-<br />

da<strong>de</strong> Média, os profetas, também conhecidos <strong>por</strong> serem “aqueles que enxergam além<br />

dos fenômenos aparentes”, são precisamente os construtores que concretizam em pedra<br />

o plano divino. O Aprendiz, o Companheiro, o Mestre, todos pertencem ao mesmo<br />

corpo fraternal cuja função consiste em revelar o Mistério ao sacralizar a matéria. A<br />

construção do templo torna-se assim um autêntico ato <strong>de</strong> criação, uma busca do espírito<br />

que nada <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar à improvisação. A localização, o material, a forma, tudo é<br />

escolhido em função <strong>de</strong> uma utilida<strong>de</strong>, um sentido preciso, <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m que confere<br />

à obra o seu po<strong>de</strong>r. 3 A cada ofício correspon<strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m, uma harmonia característica.<br />

Cada um <strong>de</strong>les <strong>de</strong>ve levar em conta a beleza específica da matéria sobre a qual<br />

trabalha. 4<br />

A FUNÇÃO DO MESTRE-DE-OBRAS<br />

Para construir uma catedral, síntese viva do ofício <strong>de</strong> construtor, será<br />

então preciso um olhar que seja unificador, uma pessoa que, <strong>por</strong> sua<br />

visão <strong>de</strong> conjunto, seja capaz <strong>de</strong> reunir as partes em um todo coerente.<br />

Este olhar, esta visão é a do Mestre-<strong>de</strong>-Obras. Devido ao fato <strong>de</strong> ser aquele que conhece<br />

a linguagem sagrada, língua simbólica que exprime o Mistério da Vida, cabe ao<br />

Mestre formular o informulável. Nenhuma divergência entre seu pensamento — nutrido<br />

pelos Antigos, enriquecido <strong>por</strong> todo o saber e conhecimento da Tradição que concebem<br />

o plano da Obra — e as mãos dos Companheiros, talhadores <strong>de</strong> pedra ou escultores<br />

que perpetuam este pensamento ao lhe conce<strong>de</strong>r forma cor<strong>por</strong>al. Todas estas pessoas<br />

não são artistas, os que estão trabalhando não são indivíduos que projetam suas<br />

fantasias e imaginações, mas sim uma comunida<strong>de</strong> unida sob um mesmo espírito e<br />

um <strong>de</strong>sejo comum <strong>de</strong> trabalhar à glória do Princípio Criador. A construção da casa <strong>de</strong><br />

Deus só po<strong>de</strong> ser um ato <strong>de</strong> criação comunitária. Através <strong>de</strong> sua ação, as comunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> construtores são capazes <strong>de</strong> fazer o céu <strong>de</strong>scer sobre a terra ao edificar estas<br />

formidáveis catedrais, estas Notre Dame <strong>de</strong> pedra, assemelhadas a úteros eternamente<br />

fecundos da Sabedoria Divina. Para estas pessoas, o ato <strong>de</strong> construir é sagrado, e tra-<br />

3 PERNOUD, R. Lumière du Moyen Âge, p. 169.<br />

4 PERNOUD, R., op. cit., p. 170.<br />

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Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

balhar na Obra significa cumprir o Dever, nele empregando toda sua energia, toda sua<br />

fé e todo seu coração. Tal é o objetivo espiritual que une estes homens <strong>de</strong> ofício que<br />

têm como única ambição ser um instrumento útil nas mãos do Princípio, para que<br />

Sua Obra seja realizada.<br />

Mas o trabalho que um Mestre dirige não se restringe unicamente ao edifício<br />

que constrói. Sua tarefa diz respeito igualmente à comunida<strong>de</strong> que constrói o prédio.<br />

Um não acontece sem a outra. Ao edificar a obra, a comunida<strong>de</strong> edifica a si própria<br />

como um corpo vivo bem maior do que os homens que o compõem. Cada Irmão da<br />

comunida<strong>de</strong>, seja ele Aprendiz, Companheiro ou Mestre, tem consciência <strong>de</strong> estar servindo<br />

a uma função <strong>de</strong>terminada, a começar pelo Mestre-<strong>de</strong>-Obras, que tem sobre suas<br />

costas a função mais difícil, que é a <strong>de</strong> conceber o plano e a <strong>de</strong> orientar a comunida<strong>de</strong>,<br />

tanto material quanto espiritualmente, para que ela conduza a Obra a bom termo.<br />

Antes <strong>de</strong> ser arquiteto, o Mestre <strong>de</strong>ve ser um lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> respeitado tanto<br />

<strong>por</strong> sua experiência no ofício quanto <strong>por</strong> suas qualida<strong>de</strong>s espirituais. Obviamente, o<br />

Mestre não atinge este cargo a não ser ao termo <strong>de</strong> uma longa e rigorosa iniciação <strong>de</strong><br />

ofício, quando apren<strong>de</strong> tanto a conhecer a alma humana quanto a alma na matéria.<br />

Em uma Loja <strong>de</strong> construtores, na verda<strong>de</strong>, o trabalho do espírito e das mãos,<br />

o trabalho especulativo e o operativo, são coisas indissociáveis. Ao contrário do arquiteto<br />

mo<strong>de</strong>rno, o Mestre-<strong>de</strong>-Obras não procura realizar a “sua arte pessoal”; no entanto,<br />

o Mestre é um artista no sentido mais nobre do termo, já que se <strong>de</strong>dica inteiramente<br />

à Arte Real. Na Antigüida<strong>de</strong>, o Mestre-<strong>de</strong>-Obras era o rei ou faraó, intermediário entre<br />

os po<strong>de</strong>res criadores e seu povo. O verda<strong>de</strong>iro Mestre-<strong>de</strong>-Obras medieval é o her<strong>de</strong>iro<br />

<strong>de</strong>sta função real e o Irmão <strong>de</strong> todos aqueles que, antes <strong>de</strong>le, consagraram sua<br />

existência a tornar a terra celeste, elevando os edifícios em que a Regra surge logo que<br />

os ritos neles são praticados.<br />

O Mestre é uma pessoa livre, um executivo que reconhece somente uma autorida<strong>de</strong>:<br />

a da Tradição Iniciática. Como já se libertou das mediocrida<strong>de</strong>s humanas, e<br />

como seu coração é sincero e fiel, consegue ver longe e superar com <strong>de</strong>sembaraço dificulda<strong>de</strong>s<br />

que po<strong>de</strong>riam parecer insuperáveis a qualquer outro. Nenhuma outra obra,<br />

observa Régine Pernoud, impõe mais normas e <strong>de</strong>terminações do que a construção <strong>de</strong><br />

uma igreja: orientação, iluminação, necessida<strong>de</strong>s do culto, necessida<strong>de</strong>s materiais advindas<br />

da natureza do solo ou <strong>de</strong> sua localização — tantas dificulda<strong>de</strong>s que, quase<br />

sempre, o Mestre-<strong>de</strong>-Obras parece tê-las resolvido brincando. Sua eficiência não repousa<br />

em teorias complicadas ou em vãs análises, mas sobre uma prática quotidiana<br />

do ofício iniciático que lhe ensinou a conhecer a alma da matéria e a dominar as forças<br />

que operam na criação. Her<strong>de</strong>iro do Conhecimento <strong>de</strong>scoberto <strong>por</strong> seus Irmãos em<br />

espírito, ele o perpetua e enriquece através da prática <strong>de</strong> um nobre empirismo fundado<br />

na Inteligência do Coração e na humilda<strong>de</strong> diante do Mistério da Criação. Quando<br />

traça o projeto da catedral, todo seu ser se coloca em harmonia com a obra nascente.<br />

A arte do Mestre-<strong>de</strong>-Obras fala diretamente ao coração, pois está <strong>de</strong>spojada <strong>de</strong> tudo o<br />

que é inútil. Ela exprime a vonta<strong>de</strong> do Chefe <strong>de</strong> Obra orientada em direção à ação<br />

mais humil<strong>de</strong>. Toda a catedral é um Hino à Criação, um canto melodioso cuja sonorida<strong>de</strong><br />

aérea se eleva em direção ao céu. Ela é palavra <strong>de</strong> vida, mensagem <strong>de</strong> luz, estrela<br />

radiante sobre o caminho do peregrino do Oriente.<br />

O Mestre serve à Obra que está além dos dogmas e crenças. A Arte que pratica<br />

transmite um conhecimento simbólico e esotérico que ultrapassa as formas impostas<br />

pelas crenças religiosas do momento, pois a linguagem simbólica que emprega,<br />

baseada no Número, não é a linguagem <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada época, mas sim a <strong>de</strong> todas<br />

as épocas. A Arte Real integra a arte religiosa mas não se submete a ela. A organização<br />

episcopal, representada pelo Capítulo, era a condutora dos trabalhos. Ela garantia<br />

ao Mestre os meios necessários à construção, fixava os limites gerais no interior<br />

dos quais ele podia operar e supervisionava o conjunto dos trabalhos. O aspecto inte-<br />

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Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

rior e exterior, o número <strong>de</strong> galerias e a iconografia eram com freqüência <strong>de</strong>terminados<br />

pelo clero, mas sua execução era sempre <strong>de</strong>ixada ao encargo do Mestre e <strong>de</strong> sua comunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> construtores. Dos Mestres, aliás, já que a construção se arrastava <strong>por</strong><br />

várias <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos, às vezes mais <strong>de</strong> um século. Assim, não era possível que fosse<br />

obra <strong>de</strong> um só arquiteto. Na prática, cada uma das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> construtores tinha<br />

à sua testa um Mestre, e estas se sucediam no mesmo canteiro. O arquiteto australiano<br />

John James pô<strong>de</strong> estabelecer, a partir <strong>de</strong> um minucioso estudo da Catedral<br />

<strong>de</strong> Chartres, que houve mais <strong>de</strong> trinta campanhas sucessivas realizadas em trinta a-<br />

nos <strong>por</strong> nove “equipes” reconhecíveis <strong>por</strong> suas notas <strong>de</strong> cobrança, claramente caracterizadas.<br />

Na realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo com as necessida<strong>de</strong>s e estação do ano, as comunida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> construtores se <strong>de</strong>slocavam <strong>de</strong> um canteiro para outro, e aí permaneciam somente<br />

o tempo necessário, até que <strong>de</strong>les não mais tivessem necessida<strong>de</strong>, ou até que os<br />

fundos viessem a faltar. Um exame <strong>de</strong>talhado das igrejas do Norte da França mostra<br />

sem sombra <strong>de</strong> dúvidas que obras dos mesmos artesãos, Mestres e escultores, po<strong>de</strong>m<br />

ser encontradas em partes distintas do edifício.<br />

A NECESSÁRIA BUSCA ESPIRITUAL<br />

Se levarmos em conta que os bons artesãos eram em número insuficiente<br />

para satisfazer à <strong>de</strong>manda, o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> canteiros ativos nesta<br />

época po<strong>de</strong>ria ser suficiente para explicar este “nomadismo”. Contudo<br />

existe outra razão, esta mais essencial. Para os construtores, a prática <strong>de</strong> seu ofício<br />

era uma verda<strong>de</strong>ira busca espiritual, renovada constantemente. Para eles, a Criação se<br />

renova a cada dia, assim como o Sol se levanta a cada manhã no Oriente, brilha no<br />

Zênite ao meio-dia e se <strong>de</strong>ita em plenitu<strong>de</strong> no Oci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> prossegue seu curso<br />

para preparar um novo dia, a Obra <strong>de</strong> amanhã. On<strong>de</strong> quer que a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construtores<br />

se encontre, ela terá um dia afortunado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cumpra sua função, participando<br />

da Obra <strong>de</strong> Criação que perpetua no canteiro <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> seu trabalho. Assim<br />

fazendo, ela revela o Mistério do nascimento da Luz, inscrevendo na pedra uma palavra<br />

que é eternida<strong>de</strong>. O Mistério se situa na unida<strong>de</strong> que se multiplica ao infinito <strong>por</strong><br />

meio das formas diariamente renovadas.<br />

A Obra realizada no <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um dia é uma obra completa, conduzida <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

seu começo até seu término, que se inscreve no plano do Mestre-<strong>de</strong>-Obra. O templo,<br />

tanto material quanto espiritual, jamais estará <strong>de</strong>finitivamente concluído, restando<br />

sempre <strong>por</strong> ser construído ou reconstruído. A busca iniciática supõe a realização <strong>de</strong><br />

uma incessante viagem no Espaço e no Tempo, pois os iniciados sabem que toda parada<br />

é sinônimo <strong>de</strong> morte. Tudo e todos que se fixam estão con<strong>de</strong>nados ao envelhecimento<br />

e à <strong>de</strong>struição. É bastante significativo constatar que a verda<strong>de</strong>ira aventura das<br />

catedrais se encerra, no final do século XIII, no exato momento em que os Ofícios se<br />

institucionalizam, na época em que os construtores se fixam em <strong>de</strong>terminadas cida<strong>de</strong>s<br />

para se transformar nos notáveis do local. <strong>Os</strong> construtores integram-se agora nas<br />

Cor<strong>por</strong>ações, mais preocupadas com as honras e vantagens financeiras do que com o<br />

alimento espiritual. É exatamente neste momento que “os melhores artesãos até então<br />

reconhecidos como mestres <strong>de</strong> Ofício são substituídos pelos oficiais reais. A maestria<br />

<strong>de</strong>ixa então <strong>de</strong> estar fundamentada na capacida<strong>de</strong> pessoal e passa a sê-lo no nascimento<br />

ou na intriga. O cargo se torna hereditário” (Cahiers <strong>de</strong> Villard, n o 12, pág. 61).<br />

A humilda<strong>de</strong>, até então indispensável à prática da Arte, <strong>de</strong>saparece, para dar lugar à<br />

busca <strong>de</strong> honrarias. <strong>Os</strong> nomes dos Mestres, até então <strong>de</strong>sconhecidos, passam a ser<br />

gravados, junto ao nome do bispo, no centro dos labirintos, como po<strong>de</strong> ser visto em<br />

Reims ou Amiens, ou mesmo sobre a pedra funerária no interior do próprio edifício.<br />

Não mais se hesita em atribuir aos Mestres títulos honoríficos, títulos estes que acentuam<br />

muito mais sua qualida<strong>de</strong> intelectual do que espiritual, como é o caso do título<br />

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Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

<strong>de</strong> doctor lathomorum, equivalente a “doutor em pedras”, atribuído a Pierre <strong>de</strong> Montreuil<br />

pelos religiosos <strong>de</strong> Saint-Germain-<strong>de</strong>s-Prés.<br />

O começo do século XIV confirma e amplifica este movimento. O uso <strong>de</strong> documentos<br />

escritos — contratos entre Mestre-<strong>de</strong>-Obras e mestre dos serviços, estatutos<br />

<strong>de</strong> Loja, documentos relatando a vida dos canteiros — então se generaliza. Até então<br />

os escritos não eram habituais para pessoas que acreditavam que a Tradição, exclusivamente<br />

oral, repousava sobre o respeito absoluto à palavra dada. Fato bastante significativo,<br />

o termo “Obra” passa a <strong>de</strong>signar cada vez mais freqüentemente não o edifício<br />

a ser construído, mas a organização material e financeira colocada em ação para conservar<br />

e embelezar a catedral. Ela é gerada pelo Capítulo ou, mais raramente, pela<br />

municipalida<strong>de</strong>. É então que <strong>de</strong>terminados Mestres passam a prestar juramento diante<br />

do Capítulo para se tornar “mestre juramentado” e “Mestre-<strong>de</strong>-Obra da catedral”, à<br />

qual passam a permanecer ligados durante toda a sua “carreira”. Até então, fixar-se e<br />

submeter-se <strong>de</strong>sta maneira à autorida<strong>de</strong> eclesiástica laica seria algo impensável para<br />

um autêntico Mestre-<strong>de</strong>-Obra que reconhecesse o “Dever” como sendo o único Mestre.<br />

O juramento que prestava quando era revestido <strong>de</strong>sta nobre função não podia ser feito<br />

senão sobre a Regra, na presença <strong>de</strong> seus Irmãos em espírito. Em 1381, <strong>por</strong> exemplo,<br />

“o Capítulo exige do Mestre Pierre Perrat que renuncie à proprieda<strong>de</strong> dos ‘mol<strong>de</strong>s’, ou<br />

seja, dos gabaritos <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>stinados a realizar perfis e molduras <strong>de</strong> pedra”. Trata-se<br />

<strong>de</strong> um grave atentado à função <strong>de</strong> Mestre: assim como a Regra e as ferramentas,<br />

também os mol<strong>de</strong>s faziam parte do tesouro <strong>de</strong> cada Loja, legados pelo Mestre a seu<br />

sucessor para que a transmissão da Tradição fosse assegurada. Este tesouro era inalienável<br />

e constituia a verda<strong>de</strong>ira assinatura da Loja. Foi <strong>por</strong> esta razão que John James<br />

foi capaz <strong>de</strong> recobrar o mesmo gabarito <strong>de</strong> 1 pé e os mesmos perfis utilizados durante<br />

um século e meio pela mesma comunida<strong>de</strong>. É preciso lembrar que na Ida<strong>de</strong> Média<br />

não havia padronização <strong>de</strong> medidas. Em uma mesma cida<strong>de</strong>, diversas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

pé eram utilizadas, tendo cada ofício a sua própria. Era preciso, então, adaptar-se sem<br />

cessar aos outros, e <strong>por</strong>tanto utilizar as pro<strong>por</strong>ções como os Mestres na construção.<br />

Pensar em termos <strong>de</strong> pro<strong>por</strong>ção era um aspecto essencial na vida medieval. 5<br />

A Régua é a medida própria da comunida<strong>de</strong> dirigida <strong>por</strong> um dado Mestre. É<br />

ele quem lhe conce<strong>de</strong> coerência, pois ela oculta a chave das pro<strong>por</strong>ções <strong>de</strong> on<strong>de</strong> brotarão<br />

as formas tão numerosas quanto as expressões <strong>de</strong> vigor da árvore da Tradição Iniciática.<br />

Este é um atributo essencial da função <strong>de</strong> Mestre.<br />

Nas miniaturas dos canteiros <strong>de</strong> obra on<strong>de</strong> o Mestre-<strong>de</strong>-Obras está representado,<br />

ele é freqüentemente visto tendo em uma mão o esquadro e, na outra, a régua, a<br />

virga. Em latim este termo significa vara, bastão ou cana, mas também galho ver<strong>de</strong>,<br />

haste <strong>de</strong> planta ou muda <strong>de</strong> árvore. Originada da Árvore da Vida da Tradição, este galho<br />

simboliza a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, <strong>de</strong> regeneração que está nas mãos do Mestre.<br />

As catedrais são os frutos dourados originados <strong>de</strong>sta Árvore da Vida que torna a ver<strong>de</strong>jar<br />

sempre que uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construtores está trabalhando. A virga representa,<br />

então, o bastão mágico do Mestre-<strong>de</strong>-Obras com o qual ele domina e reúne os<br />

elementos a fim <strong>de</strong> integrá-los no edifício. Quando funda a catedral, o Mestre planta<br />

este ramo no solo no local exato em que, mais tar<strong>de</strong>, se situará o cruzamento do transepto<br />

da futura catedral. Dito <strong>de</strong> outra maneira, o eixo da Régua é aquele que interliga<br />

o visível e o invisível. Ele permite estabelecer a orientação do céu e das estrelas que<br />

<strong>de</strong>terminará a orientação e consagração do edifício. Por meio da Régua o pensamento<br />

do Mestre se religa à or<strong>de</strong>m celeste; seu projeto <strong>de</strong> obra conce<strong>de</strong> forma tangível à sua<br />

visão, e ele retira seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> além do humano. Com a ajuda da Arte do Traço, o<br />

Mestre traduz na pedra a linguagem simbólica fundamentada nos Números e pro<strong>por</strong>ções.<br />

Por meio da Arte do Traço, o Mestre-<strong>de</strong>-Obras é capaz <strong>de</strong> concretizar na pedra a<br />

5 JAMES, J., op. cit., p. 40.<br />

6


Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

idéia fundamental <strong>de</strong> “reunir o que está disperso”. A visão do homem, com efeito, foi<br />

pulverizada, e seu olhar foi <strong>de</strong>sviado pela ilusão <strong>de</strong> estar no centro da Criação. O autêntico<br />

Mestre-<strong>de</strong>-Obra encarna uma função sagrada, uma função que tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

unificar os contrários e penetrar no coração das pessoas e das coisas. Todas as partes<br />

da Obra estão ligadas entre si <strong>de</strong> maneira coerente, para po<strong>de</strong>rem transcrever a lei <strong>de</strong><br />

harmonia e exatidão que gera a or<strong>de</strong>m e a vida do Universo.<br />

É através da Regra 6 que se <strong>de</strong>scobre e se formula o mistério da Criação. A<br />

Regra e a revelação <strong>de</strong> pro<strong>por</strong>ções que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correm, expressas na pedra <strong>por</strong> meio da<br />

Arte do Traço, explicam ao mesmo tempo a prodigiosa coerência da arte chamada gótica<br />

e sua infinita diversida<strong>de</strong> que revela a abundância da vida. Mesmo em elementos<br />

tão simples quanto as molduras do interior do edifício, contata-se que cada Mestre<br />

soube introduzir sua marca pessoal fazendo o gabarito variar ligeiramente, assinala<br />

John James. Assim, apesar dos rígidos limites impostos pelo Capítulo eclesiástico, aos<br />

quais os Mestres <strong>de</strong>veriam se ater, a produção <strong>de</strong> cada ‘equipe” <strong>de</strong> construtores é<br />

sempre claramente diferenciada. Entretanto, apesar <strong>de</strong>sta diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações,<br />

apesar <strong>de</strong> se suce<strong>de</strong>rem as gerações, o esforço dos construtores sempre conservou<br />

a coerência. Tradições e segredos <strong>de</strong> ofício se transmitem sem hiatos para assegurar a<br />

continuida<strong>de</strong> da Obra. Isto <strong>de</strong>monstra que os autênticos construtores falam todos a<br />

mesma língua, e todos transcrevem na pedra uma mesma escritura simbólica baseada<br />

na geometria sagrada, na ciência das relações e pro<strong>por</strong>ções e na ciência do Número.<br />

Para aqueles que concebem o edifício e escolhem seus ornamentos, as chaves do conhecimento<br />

perfeito se encontram sempre nos números e em suas combinações. Todo<br />

o edifício é construído sobre uma complexa concepção <strong>de</strong> relações numéricas entrecruzadas<br />

que constituem como que um laço estendido para capturar o Espírito e revelar<br />

o incognoscível, o Mistério. Sequer um só gesto criativo feito na catedral foi <strong>de</strong>cidido<br />

sem o concurso da geometria, único modo <strong>de</strong> traduzir na pedra conceitos simbólicos<br />

abstratos, sempre preservando a harmonia do conjunto. O trabalho <strong>de</strong> um Mestre<br />

po<strong>de</strong> ser reconhecido pela maneira pessoal pela qual ele emprega a geometria, através<br />

da qual transcreve sua experiência iniciática e sua percepção da Unida<strong>de</strong>. Nada do<br />

projeto original é aci<strong>de</strong>ntal, nunca há sequer um único <strong>de</strong>talhe da ornamentação que<br />

não esteja subordinado a um <strong>de</strong>talhe da arquitetura; nada daquilo que nos parece pura<br />

exuberância <strong>de</strong> imaginação é <strong>de</strong>ixado ao acaso. Nem uma daquelas bem <strong>de</strong>finidas<br />

expressões faciais e gestos das estátuas foram ali colocados <strong>por</strong> acaso: todos têm significado<br />

preciso e constituem um símbolo, um signo e um chamado.<br />

A linguagem dos símbolos, na verda<strong>de</strong>, é a única que po<strong>de</strong> traduzir o conhecimento<br />

vivenciado do Mistério. Como bem assinala Gershom Sholem, o Divino não<br />

po<strong>de</strong> ser expresso, o que po<strong>de</strong> sê-lo são somente seus símbolos. Através da geometria<br />

sagrada, os Mestres-<strong>de</strong>-Obras e os santeiros inscreveram o símbolo na pedra. São as<br />

relações e pro<strong>por</strong>ções que conce<strong>de</strong>m ao edifício seu sentido, sua harmonia e po<strong>de</strong>r;<br />

são elas a sua estrutura íntima e misteriosa, aquilo que não está submetido aos caprichos<br />

do tempo. Com o passar dos séculos, os critérios estéticos variam, os gostos mudam.<br />

Apesar disso, qualquer pessoa que hoje entra numa catedral, seja qual for a sua<br />

religião, imediatamente percebe a presença do Sagrado. Situada além do tempo, a arte<br />

simbólica dos construtores, a arte do Traço, baseada na geometria, fala diretamente<br />

ao coração. Estas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> artesãos iniciados, que bem merecem o epíteto <strong>de</strong><br />

“mágicos da pedra”, não buscaram formular a “verda<strong>de</strong>”, mas simplesmente a sua experiência<br />

pessoal vivida do Mistério. Para eles, a visão do Divino era inseparável da<br />

prática da Iniciação. A chave da unida<strong>de</strong> das catedrais resi<strong>de</strong> nesta unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> visão<br />

6 No idioma francês, a palavra Règle serve para <strong>de</strong>signar tanto Regra (conjunto <strong>de</strong> normas escritas ou tácitas) quanto Régua<br />

(instrumento <strong>de</strong> medição e traçado). No texto, o autor faz um jogo <strong>de</strong> palavras — irreprodutível em <strong>por</strong>tuguês — em que ambos<br />

os sentidos <strong>de</strong>vem necessariamente ser levados em conta. (N. do T.)<br />

7


Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

que animava os construtores, unida<strong>de</strong> que traduziam na pedra <strong>por</strong> meio da Arte do<br />

Traço. Foi <strong>por</strong> esta razão que vários Mestres-<strong>de</strong>-Obras, cada um exprimindo a Tradição<br />

Iniciática em função <strong>de</strong> sua sensibilida<strong>de</strong> pessoal e da natureza do momento, pu<strong>de</strong>ram<br />

se suce<strong>de</strong>r uns aos outros em um mesmo canteiro sem que a homogeneida<strong>de</strong><br />

do conjunto jamais tivesse sido prejudicada.<br />

Ao chegar ao canteiro, e para conceber a sua obra, para dar a sua contribuição<br />

particular, o Mestre começava sempre a partir daquilo que já havia sido feito <strong>por</strong><br />

seus pre<strong>de</strong>cessores. Ele podia modificar a forma das pedras que seriam colocadas a<br />

partir <strong>de</strong> então, mas jamais daquelas que já estavam em seu lugar. Esta regra fundamental<br />

<strong>de</strong> respeito e humilda<strong>de</strong> explica a maneira pela qual era possível preservar a<br />

coerência do edifício, malgrado a duração particularmente longa <strong>de</strong> sua construção. A<br />

catedral, então, era elevada no correr do tempo como se fosse um processo <strong>de</strong> crescimento<br />

vivo, como uma Árvore da Vida que se gradativamente se enriquecesse <strong>de</strong> novos<br />

ramos, todos diferentes entre si, mas oriundos da mesma Tradição dos construtores.<br />

Graças à geometria, cada gesto que contribuía para a elevação do edifício estava harmoniosamente<br />

inscrito no plano global da obra.<br />

A BUSCA DO VERBO-LUZ<br />

Era assim, então, que o Princípio da Vida, que é Uno <strong>por</strong> natureza, era<br />

expresso através da diversida<strong>de</strong> das formas. Além das aparências, a-<br />

lém das imagens, era à Luz, ao Verbo-Luz que cabia captar e traduzir<br />

na matéria. A busca da Luz Divina constitui a gran<strong>de</strong> tarefa da Ida<strong>de</strong> Média. A este<br />

respeito, a tradição imemorial dos construtores estava <strong>de</strong> pleno acordo com os <strong>de</strong>senvolvimentos<br />

teológicos do momento, pois neste particular a teologia representava para<br />

eles não o discurso acerca <strong>de</strong> Deus, mas o discurso <strong>de</strong> Deus. Para os construtores, o<br />

Universo é a Palavra Divina, e construir o templo significa perpetuar a Criação formulando<br />

o Verbo. O Verbo é a verda<strong>de</strong>ira Luz, escreveu São João, patrono dos construtores,<br />

e a catedral é uma janela aberta para o Princípio. Para os teólogos medievais,<br />

Deus é Luz e Cristo é o Sol <strong>de</strong> Justiça. Tudo <strong>de</strong>ve ser feito para que os fiéis possam se<br />

compenetrar <strong>de</strong>ssa verda<strong>de</strong>. Será então preciso erguer a morada <strong>de</strong> Deus para que o<br />

povo possa ser ensinado. Por meio das pinturas e ornamentos, quem não tem instrução<br />

apren<strong>de</strong>rá pela imagem aquilo que <strong>de</strong>ve compreen<strong>de</strong>r, e as coisas <strong>de</strong>sta maneira<br />

acabam sendo lidas mesmo que as letras sejam ignoradas.<br />

A gran<strong>de</strong> preocupação do clero da Ida<strong>de</strong> Média foi dis<strong>por</strong> <strong>de</strong> santuários cada<br />

vez mais claros, e po<strong>de</strong>-se dizer que todas as <strong>de</strong>scobertas da técnica arquitetônica<br />

conduziram em direção a espaços cada vez maiores no interior da construção, para<br />

que os imensos vitrais pu<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong>ixar passar cada vez mais luz solar. Fiéis à Senda<br />

Iniciática, pragmáticos e eficientes, os Mestres-<strong>de</strong>-Obras adaptaram sua arte a esta<br />

necessida<strong>de</strong> tanto simbólica quanto teológica. Eles notadamente <strong>de</strong>scobriram e generalizaram<br />

o uso do cruzamento <strong>de</strong> ogivas e dos arcobotantes que, em se opondo à força<br />

exercida pelas pare<strong>de</strong>s em direção ao exterior do edifício, permitiu inserir nas pare<strong>de</strong>s<br />

espaços livres on<strong>de</strong> eram dispostos os imensos vitrais que “transmitem a luz do<br />

verda<strong>de</strong>iro Sol, ou seja, <strong>de</strong> Deus, para o interior do coração dos fiéis”, como disse Durand<br />

<strong>de</strong> Men<strong>de</strong>. Para os artesãos iniciados, com efeito, a técnica nasce da Arte, e é a<br />

partir <strong>de</strong>la que <strong>de</strong>corre o <strong>de</strong>senho que lhes permite traduzir na pedra e no espaço a<br />

escritura simbólica, expressão do Princípio Criador. A Arte tem uma função sagrada,<br />

que é a <strong>de</strong> tornar compreensível a presença do Verbo Divino em cada coisa. Isto é <strong>de</strong><br />

fundamental utilida<strong>de</strong>, e é <strong>de</strong>sta utilida<strong>de</strong> que as obras adquirem a sua beleza fundamental,<br />

que <strong>de</strong>corre da perfeita harmonia existente entre o objeto e a finalida<strong>de</strong> para a<br />

qual foi concebido. A arte do artesão construtor é muito mais do que um simples conhecimento<br />

técnico. Seu segredo resi<strong>de</strong> em sua maneira <strong>de</strong> ser, no estado <strong>de</strong> espírito<br />

8


Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

que o acompanha, e não em qualquer fórmula ou postulado teórico. 7 O gesto do artesão<br />

une pensamento e mãos em uma comunhão da qual toma parte todo o Ser, para<br />

que a Obra do Criador posa ser manifestada; trata-se <strong>de</strong> uma doação, uma oferenda<br />

feita com o espírito <strong>de</strong> total <strong>de</strong>sprendimento. É pela prática <strong>de</strong> sua Arte que os construtores<br />

<strong>de</strong>senvolvem sua sensibilida<strong>de</strong> para a linguagem do invisível.<br />

A ORGANIZAÇÃO DO CANTEIRO<br />

Foi exatamente este espírito que sobreviveu e foi transmitido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua<br />

origem, em meio ao segredo das Lojas <strong>de</strong> construtores que se situam no<br />

coração da organização dos canteiros. A arte <strong>de</strong> construir, com efeito,<br />

não po<strong>de</strong> ser individual, pois <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um pensamento e ação comunitários. Mestre<strong>de</strong>-Obras,<br />

talhadores <strong>de</strong> pedra e santeiros, carregadores e pedreiros, carpinteiros, vidreiros<br />

e ferreiros, todos são artesãos hábeis em sua própria arte que concorrem para<br />

a obra comum, participando da manifestação do Verbo. Contrariamente a uma <strong>de</strong>terminada<br />

lenda difundida <strong>por</strong> padres da época, mais interessados em proselitismo do<br />

que em exatidão, lenda esta que foi complacentemente retomada <strong>por</strong> alguns românticos<br />

do século XIX amantes do fantástico, as catedrais não foram construídas <strong>por</strong> uma<br />

multidão entusiasta e inexperiente, mas sim <strong>por</strong> estes homens <strong>de</strong> Ofício que viviam<br />

em comunida<strong>de</strong>. Depositários <strong>de</strong> uma tradição milenar, estavam organizados <strong>de</strong> maneira<br />

bastante rigorosa, obe<strong>de</strong>cendo a uma hierarquia muito bem estabelecida concebida<br />

a partir da hierarquia causal. O Mestre-<strong>de</strong>-Obras é quem dirige a comunida<strong>de</strong>,<br />

tanto espiritualmente quanto materialmente. É ele quem concebe o plano da obra, zela<br />

pela perfeição dos projetos, pela talha rigorosa da pedra, e supervisiona atentamente<br />

todas as etapas da construção. O Mestre transmite suas indicações ao parlier, trabalhador<br />

encarregado <strong>de</strong> ser o <strong>por</strong>ta-voz do Mestre junto aos Companheiros. Esta função<br />

<strong>de</strong> parlier constitui a preparação <strong>de</strong> um futuro Mestre-<strong>de</strong>-Obras. É o parlier quem abre<br />

o canteiro pela manhã e o fecha à noite, após ter verificado se tudo está em or<strong>de</strong>m. Ele<br />

supervisiona os trabalhos dos Companheiros encarregados <strong>de</strong> talhar a pedra e <strong>de</strong> executar<br />

as esculturas. <strong>Os</strong> Aprendizes colocam as pedras, levantam as pare<strong>de</strong>s do edifício<br />

(layeur, quadris lapidibus). Nas tarefas que não exigem nenhuma competência especial,<br />

os homens do Ofício são ajudados <strong>por</strong> trabalhadores braçais e serventes, no mais<br />

das vezes recrutados no próprio local. Desta maneira, qualquer que fosse o número<br />

total <strong>de</strong> obreiros empregados nos canteiros, aliás um número que variava bastante <strong>de</strong><br />

acordo com a estação do ano e com os meios financeiros à disposição, cada um dos<br />

trabalhadores estava sempre ciente do que se esperava <strong>de</strong> seu trabalho.<br />

A vida no canteiro organizava-se sempre em torno <strong>de</strong>ste núcleo <strong>de</strong> artesãos<br />

iniciados que constituíam a Loja. Este termo “Loja” encobre uma realida<strong>de</strong> tanto simbólica<br />

quanto prática. Simbolicamente, a Loja é concebida como um Cosmos, ou, dito<br />

<strong>de</strong> outra maneira, um espaço or<strong>de</strong>nado, um local que tem as dimensões do Universo e<br />

on<strong>de</strong> a Criação se cumpre <strong>de</strong> acordo com a Regra. A Loja está sempre orientada em<br />

função do Oriente Eterno, origem da Tradição dos construtores. O Mestre-<strong>de</strong>-Obras,<br />

como vemos num extrato dos estatutos <strong>de</strong> Bâle, tem sua bancada <strong>de</strong> trabalho situada<br />

no Leste. Ninguém tem o direito <strong>de</strong> usurpar este lugar, “que é o Sol nascente, <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

emerge o Verbo”. O período <strong>de</strong> trabalho é um Tempo sagrado, um período ritual. Todos<br />

os dias, os obreiros realizam suas tarefas do nascer ao <strong>de</strong>itar do Sol, ou, em outras<br />

palavras, a partir do começo até seu término. Assim o fazendo, participam diretamente<br />

da Obra Divina, que se esforçam em perpetuar inscrevendo o Verbo na pedra.<br />

7 O arquiteto Philibert Delorme foi, no século XVI, o primeiro a ex<strong>por</strong> as técnicas do Traço em seu trabalho <strong>de</strong> arquitetura. Até<br />

então, o ensino da técnica havia sido exclusivamente oral. Cada vez que uma tradição se encontra ameaçada <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecer, ela<br />

<strong>de</strong>ve ser escrita. Assim, Philibert Delorme não po<strong>de</strong> ser acusado <strong>de</strong> trair os segredos dos construtores iniciados, pois contribuiu<br />

para a transmissão da Tradição.<br />

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Or<strong>de</strong>m dos Veladores do Templo – OVDT<br />

Fisicamente, a Loja é um abrigo <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira ou pedra on<strong>de</strong> os artesãos guardam<br />

suas ferramentas e as pedras boas. É ali que os talhadores <strong>de</strong> pedra ali se reúnem<br />

para trabalhar, durante o dia, abrigados das intempéries. A entrada neste abrigo<br />

era interditada àqueles que não houvessem prestado o juramento ao “Dever”. Uma vez<br />

chegada a noite, era também ali que eram celebradas as iniciações e banquetes rituais<br />

que ritmavam a vida comunitária. A Loja podia contar com diversos recintos ou “câmaras”,<br />

como é o caso da Câmara dos Traços no interior da qual os Companheiros<br />

aprendiam a conhecer e praticar o <strong>de</strong>senho, <strong>de</strong>senhando plantas arquitetônicas no<br />

solo previamente coberto <strong>por</strong> uma camada <strong>de</strong> gesso. Sob a proteção da inviolabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sta Câmara, os segredos da Arte eram transmitidos <strong>de</strong> maneira prática <strong>de</strong> geração a<br />

geração. A Loja <strong>de</strong> pedreiros da Ida<strong>de</strong> Média é her<strong>de</strong>ira direta da Casa da Vida que e-<br />

xistia anexa a cada templo no antigo Egito. Era na Casa da Vida egípcia que se transmitiam<br />

a Tradição e o segredo da Língua Sagrada, a escritura simbólica que manifestava<br />

o Verbo. O segredo da Obra está na pedra; <strong>por</strong>tanto, talhar a pedra significa revelar<br />

o segredo, colocá-lo em ação, tornar a pedra falante, e <strong>por</strong>tanto torná-la viva.<br />

O trabalho da Loja incluía a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> um Saber, mas não se limitava a<br />

isto. O essencial era participar da vida comunitária em todos os seus aspectos, tanto<br />

materiais quanto ritualísticos ou simbólicos. Vivendo a Regra <strong>de</strong> vida comunitária, os<br />

obreiros regulavam a sua existência e <strong>de</strong>scobriam o espírito do Ofício. A disciplina da<br />

Loja, livremente aceita, era rigorosa mas justa. <strong>Os</strong> tipos <strong>de</strong> faltas passíveis <strong>de</strong> sanção<br />

são bastante significativos: é punido com um castigo quem estraga uma pedra, <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce<br />

a Regra <strong>de</strong> vida ou não conduz a<strong>de</strong>quadamente a Obra em andamento. Este<br />

trabalhador também <strong>de</strong>verá doar uma soma maior ou menor <strong>de</strong> dinheiro para um<br />

tronco comunitário, que servirá para a compra <strong>de</strong> ferramentas ou para o auxílio dos<br />

Irmãos que passem <strong>por</strong> dificulda<strong>de</strong>s. Entre os construtores, fraternida<strong>de</strong> e solidarieda<strong>de</strong><br />

não eram meras palavras vazias, mas representavam uma realida<strong>de</strong> diária. A<br />

prática do Ofício exige uma renúncia completa <strong>de</strong> si próprio. O ego do artesão, com<br />

efeito, não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong> maneira alguma constituir obstáculo à expressão do pensamento<br />

simbólico, energia sutil que anima a Loja. Todos os obreiros têm plena consciência <strong>de</strong><br />

servir à mensagem que transmitem. Eles estão trabalhando para assenhorear-se da<br />

Verda<strong>de</strong> Primordial, tornar audível o Inaudível, enunciar o Verbo. Sabem que é a mão<br />

do Criador que age através das suas. O artesão nada mais é do que um instrumento,<br />

uma ferramenta a serviço <strong>de</strong> uma função que o ultrapassa em gran<strong>de</strong>za. A coesão da<br />

Obra é resultado direto da coesão da comunida<strong>de</strong> que a realiza. Aliás, cada um dos<br />

integrantes da comunida<strong>de</strong> constitui uma Obra em si, completa e acabada, e é através<br />

da magia do plano do Mestre que o indivíduo se insere harmoniosamente no conjunto.<br />

Nem individual, nem coletiva, a Arte dos construtores <strong>de</strong> catedrais é comunitária. Filha<br />

da Tradição Iniciática, ela viverá somente enquanto seus executores permanecerem<br />

fiéis ao Dever e trabalharem <strong>de</strong> acordo com a Regra.<br />

As obras que estes homens nos legaram são ainda hoje tão vivas quanto o foram<br />

em seu primeiro dia <strong>de</strong> existência. Para compreen<strong>de</strong>r sua mensagem e po<strong>de</strong>r perceber<br />

o espírito que as animou, sigamos seus passos no universo sagrado que foram<br />

capazes <strong>de</strong> nos mostrar, para que viva a Tradição!<br />

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