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O Açougueiro
Copyright © 2020 by LUIZ JUNIOR
Publicado de maneira independente por Luiz Junior pela Amazon.
Revisão: Marcos Colares
Preparação: Leandro Zapata
Capa: Gustavo Silva
Diagramação: Leandro Zapata
Essa é uma obra de ficção. Nomes, personagens, organizações, lugares e situações são
frutos da imaginação deste autor ou usados como ficção. Qualquer semelhança com a
realidade ou fatos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, total ou em partes, através de
quaisquer meios. Os direitos autorais e morais do autor foram contemplados.
"Algumas pessoas simplesmente não valem mais a pena"
Autor Anônimo
Capítulo 1
– Ela desapareceu! Desapareceu! De-sa-pa-re-ceu! Aline! A minha Aline!
A mulher estava prestes a entrar em choque. Adonias sabia disso. Não pelo cabelo
desgrenhado, nem pelo rosto molhado pelas lágrimas em quantidade suficiente para
afogar um pássaro. Não pelas mãos que se mexiam a todo instante, ou pela risada nervosa
que a mulher soltava entre as frases algumas vezes desconexas. Mas, sim, por causa
daquela expressão.
Já havia visto aquilo muitas e muitas vezes. Lembrava-se de quando havia visto
aquela expressão pela primeira vez. Em outra mãe. Seu filho havia sido atropelado por
um caminhão, e ele tinha apenas cinco anos de idade. O olhar parecia algo vidrado, mas
também com algum brilho que, juntamente com as pupilas dilatadas, dava a ela um olhar
excêntrico.
Na sua infância, certa vez, havia visto algo assim. Ele tinha sete ou oito anos, não
se lembrava. Armando, seu melhor amigo, estava estatelado, olhos esbugalhados, vazios,
brilhantes, tensos.
– Ei, Armando, você está bem?
O amigo apenas esticou o braço, apontando algo distante. Adonias acompanhou o
braço fino e branco do menino para onde ele mostrava, e no primeiro momento não
conseguiu distinguir. Logo, porém, percebeu: que se tratava de um corpo.
– Nossa, quem é?
Armando, porém, não articulou palavra, tão nervoso ficara com a imagem de um
homem aparentemente assassinado.
Adonias não se intimidou. Avançou rapidamente para ver o que havia acontecido.
Qualquer outro garoto ou garota da idade dele teria fugido em pânico, ao ver o rosto do
homem totalmente desfigurado – fruto, pensou, de um espancamento violento. Adonias
aguçou os ouvidos, e o povo falava de algum acerto de contas com traficantes. A mãe
falava sempre, nos jantares em família, que o bairro estava ficando excessivamente
violento. O pai balançava a cabeça e apenas concordava, e logo ia conferir cada portão
para ver se estava trancado.
Foi naquele dia que Adonias havia decidido – um dia, iria trabalhar com a solução
de crimes. Iria aprender e fazer de tudo para ser um excelente profissional.
Durante seus quase 40 anos na Civil, havia visto de tudo. Estupros, assassinatos,
guerras entre gangues, crimes passionais. E, em todas as ocasiões, alguém da família da
vítima – normalmente uma mãe ou um pai – apresentava o mesmo olhar.
Perdido e distante.
Como o da mãe à sua frente.
– Acalme-se... – pediu.
Apesar da experiência do Delegado, a mulher não reagiu. Passava as mãos
nervosamente pelos cabelos, tentando engolir o choro.
– Ai meu Deus, Aline! Aline!
Adonias levantou-se e se aproximou da mulher. Colocando-se a seu lado e apoiou
seus braços sobre os ombros dela, tentando passar confiabilidade e segurança.
– Pronto. Consegue me contar o que houve?
A mulher fungou um pouco, mas logo ele soube que a tática havia surtido efeito.
As pupilas haviam finalmente voltado ao normal.
– Aline. Ela... ela saiu ontem por este horário. Disse que passaria a noite na casa de
uma amiga. Desde ontem estou tentando falar com ela... e nada! Hoje consegui o telefone
da amiga... e ela me contou que Aline não chegou lá...
– Sei... Mas essa amiga... sabia que ela iria para lá?
– Ah, sim! Ela sabia... mas quando Aline não chegou, não se preocupou. Estava
com sono e foi dormir.
– Entendo... E quantos anos tem sua filha?
– 16.
– Sim. A senhora possui uma foto nítida que a gente possa utilizar em uma eventual
busca?
– S-sim... – respondeu a mãe, imediatamente procurando dentro de sua bolsa. Logo
mostrou uma fotografia em papel, daquelas antigas. Segurava tão forte, que quase dobrava
a foto ao meio.
Adonias segurou a foto com suavidade.
– Não se preocupe, senhora. Vamos encontrar sua filha.
Ele olhou para a foto.
Seu coração sobressaltou-se. Seu instinto profissional ficara em alerta.
Capítulo 2
Duas semanas atrás
Adonias pegou o lenço e cobriu a boca e o nariz evitando o cheiro pútrido que
preenchia o ar que estava causando muito enjoo em todos. Ele se lembrou imediatamente
da última vez que tivera aquilo.
Naquele dia de verão, ele havia convidado sua filha Ângela para ir ao parque de
diversões. Fazia algum tempo que não a via – o excesso de trabalho o estava impedindo
de vê-la. Se lembrou da conversa que tivera com a mãe dela.
– Você é um irresponsável!
– Natasha, não... eu... eu não tive muito tempo! Estou exausto... como delegado,
agora tenho que botar aquela delegacia em ordem! O Dantas deixou um monte de
pendências, sabe...? E agora sou eu quem tem que botar em ordem.
– Você nunca teve tempo pra gente! Por isso o fim!
– Eu sei! Eu... eu falhei... mas quero corrigir. Ela já está com 16, e não quero mais
estar ausente!
O silêncio do outro lado da linha deixou tudo ainda mais aterrador. Ele sentiu a
respiração ofegar e fios gelados de suor escorrer pela sua testa. Mas ele tinha que tentar.
Simplesmente sabia disso.
O dia com Ângela foi... terrível.
Ela permaneceu a maior parte do tempo muda, imersa no aparelho celular. Qualquer
tentativa de contato feito por ele era repelida por um “uhum”, e só.
Adonias estava desolado.
Ela já estava com 16 anos! 16! Ele já podia ver os garotos um pouco mais velhos
chegando para azarar sua princesa! Ele queria... saber! Queria dizer para ela tomar
cuidado com os garotos, porque eles tinham sempre más intenções. Ele sabia! Afinal,
também havia tido 17 anos um dia.
Uma gritaria o atraiu. Ele olhou para a direção dos gritos, a tempo de ver alguns
garotos gritando em um tal Barco Viking. Viu como os grupos saíam invariavelmente
rindo e conversando, não importava a diferença de idade. E resolveu arriscar.
Se arrependeu logo depois. O balanço rápido do brinquedo, as idas e vindas, para
lá e para cá, como um ioiô gigantesco que se enrolava sobre seu próprio estômago, e logo
Adonias estava sentindo o estômago borbulhar. A cor da sua pele fugiu imediatamente.
Ao seu lado, Ângela esboçava um sorriso amarelado.
Em minutos intermináveis, o barco parou.
A garotada desceu frenética, mas ele ficou cambaleando. O que aconteceu logo em
seguida não foi nada honrado. Sem cerimônia, lavou o chão.
E ele ainda havia ficado triste ao perceber que a frieza da filha em relação a ele não
havia mudado.
Mas, naquele momento, ele sabia. Não haveria diversão. O enjoo que sentia não
teria final feliz.
Ali estava o corpo de uma jovem de não mais que dezesseis anos (a perícia
descobriria que ela tinha dezessete). O corpo havia sido terrivelmente castigado. As
pernas da menina estavam abertas e a parte de baixo, nua, indicava possível agressão
sexual.
Havia muito sangue espalhado pelas pernas e pelo solo, misturado com a terra, e
moscas estavam depositando seus ovos há algum tempo. O bico de um dos seios havia
sido cortado, e, além disso, apresentava um corte enorme que por pouco não o arrancara,
diferentemente do outro, que havia desaparecido. Havia marcas de perfuração por todo o
corpo.
A perícia concluiu que ela havia sido espancada por algum tipo de cabo de vassoura
com pregos. O corte havia sido feito com faca, e os bicos arrancados com tesouras. O
pior, porém, estava por vir.
– Delegado?
Ao ouvir a voz o chamando, Adonias logo voltou a cabeça. À sua frente estava o
escrivão.
– Prossiga.
– Delegado, a perita Cristina, do IML, quer conversar um pouco contigo.
– E por que não a transferiu?
– Porque ela quer que o senhor vá pessoalmente até lá.
Adonias estranhou – a praxe era receber um relatório com fotos, números e
possibilidades. Sentiu um arrepio imediato em seu corpo. Aquilo não era, com certeza,
um bom presságio.
(Só porque faltam apenas seis meses para minha aposentadoria!), pensou.
Instantes depois, ele estava lá.
Na mesa, o cadáver aberto da menina que encontrara na tarde do dia anterior.
Olhando para ele, fixamente, estava a perita.
– Sinceramente espero que a minha vinda aqui tenha valido a pena.
– Você verá – respondeu a perita. – Bem, basicamente encontramos marcas de
sêmen na vagina da menina, e também em sua boca e face. A suspeita inicial, de que uma
madeira com pregos havia sido usada, se confirmou. Encontramos um prego com lascas
de madeira alojado em seu crânio. Os seios também. Um instrumento cortante
extremamente afiado foi utilizado. Arrisco dizer que foi uma... espada.
Ela observou um pouco o delegado. Era impressão ou ele havia tremido um pouco
os olhos?
– Isto poderia ter vindo em um relatório. Para que eu tinha que vir aqui?
– Para ver isso – disse a mulher, mostrando pequenas joias esverdeadas em sua mão
direita.
– O que são essas coisas? – perguntou. – Parecem esmeraldas...
– Vidro. E dos mais comuns.
O delegado refletiu por um momento.
– E onde isso estava?
– Incrustados nas paredes da vagina, e mais um bocado no colo do útero.
Adonias franziu a testa.
Cristina continuou após fazer uma pausa dramática.
– Este maníaco colou vidro de garrafa quebrada em um taco de madeira, e cortou a
moça por dentro, rasgando suas partes íntimas como se fossem retalhos de pano.
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BOA LEITURA!