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Cometa - Thais Simone - 08-02-2020

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T H A I S S I M O N E



T H A I S S I M O N E



T H A I S S I M O N E

Poesia para todos os universos.


Título | Cometa

Edição | Autor

Ano Edição | 2020

Tipo de Suporte | Papel

Páginas | 84

Editor(a) | Thais Simone Procópio Silva Dixini

Capa | Rogério Júnio

Diagramação | Rogério Júnio

Revisão | Ágata Kaiser, Fátima Aparecida dos Santos

e José Pedro Afonso da Silva

Prefácio | Ágata Kaiser

Ilustrações | Rogério Júnio

Copyright © Thais Simone, 20 20

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


Corpos celestes rodopiam por este céu.

Celestiais em amor, em criação.

Planam? Em mim não. Eles me sustentam.

Dedico a vocês este Cometa: José Pedro.

Virgínia. Gustavo. Léo. Alfredo. Greicielly.

Obrigada pelos olhares

que às vezes me emprestam.

Sou grata por caçarem estrelas, luas e

cometas comigo, seja no labor do dia,

seja no silêncio da noite.


Ora (direis) ouvir estrelas!

Ágata Kaiser

Logo na primeira das Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria

Rilke aconselha Franz Xaver Kappus, o poeta a quem dirige seus

escritos, a parar de pedir opiniões a respeito de seus poemas. E

então lhe diz:

Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo.

Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende

suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse

a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto, acima

de tudo, pergunte a si mesmo na hora mais tranquila de sua

noite: “Sou mesmo forçado a escrever?”. Escave dentro de si uma

resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela

pergunta severa por um forte e simples “sou”, então construa a

1

sua vida de acordo com essa necessidade.

Este trecho de Rilke explica a segunda publicação de Thais

Simone, relativamente ágil se comparada à do seu primeiro livro,

Ausente. Cometa é um atestado de que a autora é forçada a

escrever, morreria se lhe fosse vedado escrever, e construiu a sua

vida de acordo com essa necessidade. Os poemas que nos são

ofertados nesse livro ora se assemelham a flashes de luz natural que

surgem de surpresa em noites calmas a cujos céus estamos atentos;

ora se assemelham a luzes artificiais, fogos de artifício, que sabemos

como surgem e quando explodem, mas que ainda assim nos

causam estupor. Alguns se assemelham, também, a nebulosas ou

buracos negros, que nos estarrecem pela magnitude ou nos

absorvem para uma escuridão sem fim.

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1

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta e A canção de amor e de

morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke. Traduções de Paulo Rónai e

Cecília Meireles. 4ª. edição. São Paulo: Globo, 2013, p. 22.


A metáfora é a estrela que mais brilha neste céu de palavras.

Contrastes, antíteses, jogos com a linguagem cotidiana e suas

expressões, a quebra de automatismo na ambiguidade daquilo que

é corriqueiro e irrompe com novo significado, a constante

metalinguagem – explícita ou velada, a transição de sentidos em um

mesmo vocábulo ao longo de um poema, por exemplo, são alguns

dos outros recursos que orbitam esta estrela e provocam o efeito

poético no leitor.

A subjetividade de um eu-lírico que não cansa de se dizer

permanece potente. No entanto, aqui esse “eu” diz de si e se

presenteia aos outros, tanto para aqueles a quem lhe dedica um

poema em especial quanto para aqueles que se identificam ali,

mesmo que no anonimato. O sentimento que reverbera no texto e

ressoa na leitura rasga e ilumina o escuro interno como um cometa o

faz no céu noturno.

O maior presente deste livro, porém, é que ele está repleto de

pequenas celebrações. Muitos desses poemas, antes de serem

expressões subjetivas, homenagens a conhecidos, espelhos a

desconhecidos, arcabouços de recursos da linguagem poética, são

registros solenes daquilo que é simples, certo e fugaz. A infância, a

avó, uma peça de roupa, o seu desnudamento, a pedra, o sono, a

falta dele, o medo, a vida e a morte – tudo são razões para celebrar

e, diferente do cometa que vem como um lampejo de luz e some,

criar permanência naquilo que o tempo é incapaz de conter.

E como se não bastasse, tresloucado amigo que lê este livro,

longe de qualquer senso, semelhante à racionalidade de Bilac, este

"eu" apresenta a Thais Simone como “ela”, distante, alheia, outra.

Aquela, a desassossegada, como se não fosse “ela” o “eu” que

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08

também abre as janelas, pálida de espanto, e vê cintilar a Via-

Láctea, e ouve e entende estrelas. Para, então, como uma confissão

de sua condição de poeta, traduzi-las e jogá-las na nossa cara.


“Disfarça, tem gente olhando.

Uns, olham pro alto,

cometas, luas, galáxias.

Outros, olham de banda,

lunetas, luares, sintaxes.

De frente ou de lado,

sempre tem gente olhando,

olhando ou sendo olhado.

Outros olham para baixo,

procurando algum vestígio

do tempo que a gente acha,

em busca do espaço perdido.

Raros olham para dentro,

já que dentro não tem nada.

Apenas um peso imenso,

a alma, esse conto de fada.”

Paulo Leminski


Observatório

O Cometa é um convite para olhar o céu que existe do lado de

fora e para sondar o universo do lado de dentro.

Brincar com o brilho ao se aproximar do sol antes de se lançar de

volta à escuridão.

Espiar essa luz que nos atravessa e nos revela.

Permitem-se olhares nus, lentes, telescópios, mas a travessia

deste corpo menor é melhor apreciada fechando-se os olhos e

viajando-se pelas linhas, pelas palavras e pelas páginas com

poeiras de poesia. Aguçar outros sentidos é opcional.

Há uma elipse traçada. Chegar-se-á ao destino, eventualmente.

Apenas não há garantias entre os corpos menores do sistema

solar. A trajetória pode ser a esperada, mas o seu regresso não dá o

privilégio de não se alterar aquele que (per)segue o Cometa.

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Núcleo

Gelo,

rocha,

poeira.

Frio,

maciço

e fragmentos.

Na escuridão

o sol revela

detritos do ser

em movimento.


Ego

Vivo imerso nesse mundo

caçando identidades.

Às vezes sou único.

Solidão. Liberdade.

Outras sou legião.

Entrego-me a vontades.

Quando rodo entre outros:

loucos estão sãos.

Os certos: presos a imagens.

Se nego meu abismo profundo

é por medo da verdade.

O espanto me movimenta,

a angústia me desafia.

Resta ao amor pelo mundo

a arte de sobreviver.

Ao final, não me concluo.

Entre perdas e perdidos

transformo véus em nuvens

e elas passam.

Não sou todo

porque me busco.

Se sou todos,

me sobra

nada.

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Destino

Ontem éramos não mais que promessas

para viver hoje cheios de lembranças.

Sina essa de querer do passado,

a juventude.

Do futuro,

a sabedoria,

mas sem noção

do que fazer

com o resto do dia.

Insatisfação transborda

sem saída.

Mas em essência,

na escuridão que o espelho não enxerga,

o tempo grita:

nada muda.

Transforme-se.

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Grãos

Sempre andei de mãos dadas com o tempo.

Os anos passaram comigo distraída entre teus dedos,

perdendo-me em suspiros

ao tentar voltar para o antigo abrigo.

Sou dessas feita de ânsias,

tantas que se assomam e me reconstroem todo dia.

Nunca acordei sendo a mesma,

mas disso não te queixaste.

De vez em quando,

sentias falta do que fui

enquanto admiravas o que ainda seria.

Esquecidos do vento que me carregava,

ou de tuas mãos que me moldavam,

já estive distante...

Tão longe que não me alcançavas.

E tão perto que me fundia.

Tuas mãos de vidro

continuam capazes de mover pêndulos

e regular relógios.

E eu ali

sempre escapulindo e voltando

aos teus dedos.

Eu sou aquela que os homens não retêm

a areia do tempo.

A que parte,

quebrando a ampulheta,

é a mesma que corre contigo,

o único capaz de me conter.

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Fragmento

Cristal arrebentado.

Pedaço menor vira pó e não há o que salvar.

Descarte-os com cuidado.

Cacos maiores são achados:

as decomposições a partir do caos

e seus desvios de beleza.

A luz em um único pedaço de cristal

transforma a cor.

Carrega leveza de arco-íris.

Ergue-se sobre nossas cabeças,

sem se poder apontar início ou fim.

Não importa.

Luz de prisma se eleva

acima da queda, do estilhaço ou de nós.

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Coração

Trago comigo o começo da busca.

Núcleo feito de palavras comuns

emendadas pela dúvida

e provocadas pela sabedoria,

ainda que culpem o desejo.

Guardo a preciosidade de tudo que precisam,

não do que almejam.

Não dito caminhos.

Essa sina me é desconhecida.

Estejam livres para escolhê-los.

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Dores

Não sinto dor como os outros.

O que consome,

cria dúvida,

atormenta,

me acorda.

O que me apontam de pecado

me parece natural

e casto.

Meu sexo é forte,

mas delicado.

Aguento,

mas me incomodo com facilidade.

Eu incomodo

e castro olhares.

Encaro quaisquer raios

e caço tempestades.

Estou sempre em combate

contra essa paz,

guerra disfarçada.

Meu pensamento é pungente

e dói.

Dói de morrer,

mas não morro.

Teimo.

Raro é um instante,

sempre uma surpresa.

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18

Luto contra a idolatria da beleza,

porque não creio em superfícies.

No fundo, prefiro a sutileza.

O que me parece belo,

outros ignoram:

honestidade,

retidão,

generosidade.

Coisa simples me faz feliz.

O complicado

me faz poema.

Então descubro,

sem pudor,

que minha pena corre violenta.

Tudo que escreve carrega essa doce brutalidade,

ainda que velada.

Se tem véu,

eu arranco.

Se é mentira,

aponto.

Se sou eu,

minto,

porque prefiro sonhar acordado.

Garanto: não há dor maior que essa.


Polar

Você sente mais do que entende

e é mais do que sabe.

Você imagina mais do que cria,

se desfaz com facilidade.

Quando esse outro você assume,

corre riscos desnecessários.

Fala mais que deve,

é mais ansioso que feliz de verdade.

Ele se cala.

O silêncio só é assustador

quando a palavra não se declara.

Então vem o rótulo,

as drogas,

a família que parte ou se parte.

Ninguém para salvar,

sem ter o que resgatar,

resta o abandono

na melhor idade.

Do tratamento

só falam em controle

que é da ignorância,

o retalho.

Há esperança na luz,

lucidez

e no esconderijo da alma,

o remendo.

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Fobia

Medo de avião

por causa dos tropeços

e do sapato alto

pela altura.

Medo da alma negra,

sempre a alheia.

A sua própria

desconhece-se.

Medo do ladrão

e da violência,

até da que lhe imputam.

Medo de sofrer.

Medo do carro na estrada

que carrega

o que quer estar.

Apocalipse é esquecer

e virar meteoro que desaba.

Medo do tempo,

esse ser sempre perdido

entre lamentos.

Medo da correspondência

não acontecer.

Medo se tem até do fantasma

e de tudo por conhecer.

Lista grande é a dos medos do homem

que tem tanto o que perder nessa vida,

mas só uma coisa viva para temer.

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Cuidar

Cura.

Processo lento.

Igual saudade,

não são isentas de dor,

mas carecem de amor

pelo corpo, pela alma.

Curar(-se) (o outro)

dedicação à busca,

à procura pela liberdade

do ser em seu momento,

em seu movimento,

em seu espaço.

Reconstruir-se o tempo todo

e amar(-se).

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Luz acesa

Insone mais uma vez.

Coisa primitiva

acorda sem motivo

procurando voz,

movimento e dor,

causas de medo.

Coisa elaborada

busca razão,

palavra e conforto

para combater o receio.

Ambas esperam.

O mesmo sol que cega,

esclarece.

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Na noite

Natureza morta nos cerca.

À consciência refúgio é sonhar.

Entre um olho fechado e outro

jaz portal de transcendência.

A criação se achega

ao esquisito,

ao absurdo.

Fareja segurança no impossível.

Alma livre certa do existir.

Se desperta, seria louca.

Na noite,

foro rebelde

incapaz de julgamentos,

constrói mundos.

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Oração

Ore fora de hora.

Agradecer pelo sol,

pelo pão,

pelo irmão,

pela solidão de quem não está só.

O ser completo se busca

para se encontrar mutilado.

Por quê? Deus não explica.

Então não suplique.

Abrace a dúvida.

Talvez aí nasça a fé.

Acolha com amor.

O talvez que ora é perdão.

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Penitente

Alma que passa,

procura e anseia,

esqueça de quem é

o corpo onde viceja.

Alma em eterna busca,

você quase sabe de si

e de seus desejos.

Caçadora de momentos,

não é na carne que ama

que alcançará clareza.

Alma, caminhe

rumo ao poço profundo

onde mora, onde arqueja.

Viva na escuridão

para perceber a luz

do todo

e sua beleza.

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Natureza

A natureza é sábia.

Círculo incansável

transitando plácido de um horizonte a outro,

mesmo que você esteja cansado.

Sábia quando não é eterna.

Tira do pai, dá ao filho

em força e espírito.

É sábia!

Gera o forte, testa a dúvida.

Observa.

Não salva, recria.

Sábia é a natureza

mesmo que roube suspiros da mãe

e encerre esperas.

Lava rostos com enxurradas.

Ela se renova

no feminino que se adapta

ao masculino que convida.

Sua natureza pensa que sabe,

mesmo se seu coração for fraco.

Renove-se e se estranhe.

Essa sua natureza faz de você o ser que passa.

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Nebulosa

Gesta a expectativa

do que sente,

mas não conhece.

Ignora o concepto.

Gesta o pensamento

latente ou fugitivo.

Ignora se ele é certo.

Gesta seu fardo

com peso de festa.

Não ignores o movimento

rumo ao mundano

ou ao secreto.

Parteja a estrela,

palavra viva,

fruto da criação divina.

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Limiar

Perdendo de vista o que é celeste,

o que é terreno;

o que é caos,

o que é sereno.

tudo é grande,

mundo enorme,

e eu, assim, tão humano.

Perco de vista quem sou.

Ponto no céu.

Ponto no mar.

Estou solto nos azuis,

só o amor a me segurar.

Sou nada no imenso.

Mas sou eu,

muito eu,

no horizonte do meu pensar.

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Coma

Atmosfera difusa

na luz revelada.

Cabeleira exposta

em milhões de átomos

quebrados.

Denunciam o corpo

celeste

e menor.

O eu

divino

e feroz.

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Corpo

Ele treme à noite.

Noite fria.

Medo.

Desejo.

Pura exaustão.

Tremula luz em foco.

Acorda a coragem,

guia o prazer.

Só de pensar,

treme a mão

sobre o corpo da lua.

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Vígil

Insone outra vez.

Culpa da febre,

do calafrio

e do suor no torso.

Desejo não é sonho,

é fracasso.

O sonho deixa a gente dormir em paz.

Desejo, não.

Esse desperta,

arde e consome.

Enquanto isso,

a gente some,

nos dissolvendo

em carícias sem beijo

até clarear.

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Revolto

Estou à beira do precipício,

ali, naquela quina do penhasco,

bem onde o mundo acaba.

Os cabelos açoitam o rosto

e o vestido,

que, sem saber já não me continha,

está indócil por continuar agarrado ao corpo.

Aos meus pés, o mar.

É sempre em água

que o mundo se esvai,

como a que me escorre pela face.

Amarro cada desejo

à esperança

nos fios de cabelo

e os liberto.

Sacudidos pela nova força

eles açoitam ou se afastam.

Pequenos olhos piscam aturdidos,

testemunhas de um desespero

que chamo fé.

Estou à beira do precipício,

de costas para o mundo que se acaba,

e com os cabelos em festa.

Pairo ali,

naquela quina do penhasco,

bem onde os sonhos partem.

Observo

um selvagem amanhecer.

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Legados

Esse sonho pagão

de mulher redimida

não fui eu quem o teve.

O brilho no olho,

no escuro da noite insone,

pertence à busca esquecida.

A boca rasgada

partilhando a alegria

vem do desejo escondido.

O perfume marcante

abraçando o reencontro

é para deleite e registro.

O beijo indomado,

quase possível,

na imaginação sobrevive.

A mão pairando no horizonte

à procura da sua

essa é minha.

E ela carrega o mesmo afã

na saudação

e na partida.

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O véu

Ela se cobre com o véu

pelo mistério que ele evoca.

São suaves os toques

que o tecido exige

para ocultar o corpo

ou desvelar a alma.

A timidez a encobrir

o prazer de descobrir-se.

O véu seduz,

desperta os sentidos

ao brincar com os olhos

e com as mãos que o manejam.

Quem controla o véu

que paira no ar

quando o tecido se move

sem revelar?

Embora ele acredite

que domine os segredos

capazes de desnudá-la,

embora seja nele

o desejo despertado,

o véu só cai

pelas mãos que o dominam

e manipulam.

E, sempre,

quem o manipula

é ela.

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Melindre

Na sua ausência

só há um breve recordar,

uma fantasia

e mais nada...

Espero sua presença...

Em sua presença

esqueço o tempo,

sonho acordada,

esqueço tudo...

Mas não quero me entregar!

Exijo sua ausência!

Neste momento

me irrita seu silêncio

e me aborrecem suas palavras!

Fale sem dizer

e será querido.

Quero

e não quero.

Amo

e odeio.

Almejo tanto seu silêncio

quanto suas palavras.

A mulher,

ambígua por natureza,

deseja apenas.

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Desafio

Não compreendo a voz

que deixa essa boca

e tem forma de tudo, menos de adeus.

Não reconheço esse olhar de dúvida

de quem pensa mais do que parece querer.

Se decidir enfrentar,

seja o medo, o desejo ou o eu,

suspenda tudo,

da respiração à mirada.

Porque se esse tremor pousar em boca ávida,

o eu não será mais seu.

Só se concede o que já não lhe pertence.

Então se não vai,

tome logo da boca que não é sua

o fôlego meu.

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Toque

Suas mãos já foram mais rápidas,

mais rudes, mais implacáveis.

Já domaram cabelos com mais força,

mais egos massagearam.

Se mentiam, o ignoravam.

Antes suas mãos não sabiam que diziam tanto.

Para provocar movimentos,

apenas roubavam suspiros

e calavam falas.

Agora elas amadurecem.

A prática fez ciência,

sencientes,

também fez delas sagazes.

O tempo que cobra o viço,

não pôde roubar o amor à arte.

Para suas mãos

tudo é uma questão de ainda.

Mãos que ainda querem,

ainda trançam e buscam.

Seguras, sabem que ainda agradam.

Erguidas em honra ao passado,

encontra presentes.

Suas mãos

antes trilhavam por fios dúbios, indecisos,

agora correm gentis,

sem a pressa da vulgaridade.

Hoje são antigas as mãos.

Sabem o que fazem.

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Receita

Amor guardado

em bolha de sabão

perde-se no ar

e explode quase sem som.

Fonte da juventude

corre do outro lado

sorrindo à vontade

entre os anéis de uma saudação.

Abraço saudoso

no primeiro encontro

e sonhar acordado

com tudo que poderia acontecer,

senão...

Admirar a beleza

da pessoa alheia,

um amor platônico

feito oração.

Beijo em boca

doce de suspiros,

morangos

e uma raspinha de limão.

38


Vinho

Conheci seu corpo:

veludo no toque da mão dedicada.

Conheci suas cores

em tons de rubro:

provocação em imagem.

Conheci seu sabor,

os mil gostos de cada uva

e outros das misturas que dela fazem.

Vinho e beijo.

O prazer depende da química.

Delicada seleção de pecados.

Seja suave ou seco,

seja jovem, verde ou reservado,

não importa.

Apenas se derrame em minha taça.

Enovele-se em minha língua,

dobre minha resistência

e me conduza...

levemente inebriada.

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Trivial

Noite.

Dia que expressa sua falta

um desqualificado sinônimo de ausência

e de pecado.

Noite.

Momento ideal:

vão,

inconsequente,

abrigo de sombras

para imaginações frágeis.

Noite.

Vultos vagam saudosos

onde estiveram

procurando reflexos

do que já foram,

do que seriam,

caso ficassem,

caso não fossem

covardia.

Noite.

Antro de escuridão,

desejo

e medo.

Odes à lua:

a verdade desnuda

bebendo sangue de amantes

em pequenas doses de malícia.

40


Aéreo

Vida estranha é essa

de viajante

que decide seguir sozinho.

Mas enquanto uns andam,

correm,

fazem seu caminho,

outros cruzam o céu.

Eita!

Vida estranha essa

de quem está livre de raízes!

Mas...

Quem voa mal saúda quem vai lá embaixo.

Foge!

Confusão raivosa em seu movimento.

Vida estranha essa a da escapulida!

Agitação,

surpresa

e euforia.

Acalmem-se, seres do ar.

Guardem sua pena.

Porque a estrada que lhe mostram

jamais foi aberta!

Já o céu

não tem destino ou viela.

Vida estranha essa

a que dá o mesmo céu

ao passarinho

e aos olhos que observam.

41


Cabeleira

Cachos soltos.

Fios lisos.

Conexões de todos os tipos.

Cores.

Amores.

Unem céu e corpo,

etéreo e mundano.

razão e falta de juízo.

Atravessam o cosmo urbano.

Sujos ou limpos,

cobrem as ruas.

Aparência pura.

O cometa em cada um

nasce do espírito

mesmo em gente careca.

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Cauda

Radiação solar

e o que ela dispersa:

corações partidos,

o fim

de alguns dilemas.

De longe admirar

o rastro do poema.

Cauda de cometa

carrega fardos:

amizade, coragem,

tudo que no espaço

se dilacera.


Véu de cometa

Pedaço que é meu

cerne encantado.

Rasgo,

corto,

atravesso

o universo alado.

Poeira do caos,

cruzo a escuridão;

sou dela o reflexo:

sem luz

sou movimento

com os olhos fechados.

O calor me guia:

sou maior ao ser adivinhado.

Descoberto em minha indiferença,

sou transformado.

Amo as curvas do universo

e as elipses às quais sou destinado.

Não sou o tempo,

mas dele dou notícia.

Quer saber de mim?

Olhe logo.

Voltarei

em um instante.

Não no seu.

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Supernova

Brilha!

Brilha, rude estrelinha!

Brilha e avisa

a esse povo de meu Deus

desse estado interessante

de ser subjugado.

Esbraveja com luz

a agonia de ser astro.

Deixa que olhem.

Resplandece tudo o que pode.

Estoura,

explode antes do anonimato.

Brilha o seu suspiro de luz,

sua despedida do infinito impensável.

Nada te resta.

Não.

Nada vai restar!

Brilha e destrói tudo.

Deixa tudo faltar.

Ah, é.

Resta isso:

um olhar de telescópio.

Enxerido vigilante

e testemunha embasbacada.

Sobra todo o espanto

do eu dilacerado.

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Exéquias

Pessoa aberta,

palavra certa,

rumo ignoto,

pensamento roto,

corpo no chão.

Colchão de penas,

beleza cérea,

sorriso perdido,

olhar vão.

Mirada molhada,

partida finda,

terra e lágrima.

Adeus ao caixão.

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Ao pó

Nem sempre temos os mesmos ídolos,

mas muitos têm referências.

Ícones, inspirações,

amores platônicos.

Exemplos.

Contemplá-los é brincar de prisma.

Eles mudam nossa percepção,

nos provocam.

São raios de luz:

não podemos tocá-los.

Eles nos alcançam

e aquecem.

Mesmo quando anoitece

a luz que parte

transcende a crença

no amanhecer.

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Criança

Inspiro o perfume do tempo

para espirrar lembranças.

Vem em mim saudade

da maçã,

da panela lascada,

do café guardado no pote de alumínio.

Nostalgia:

recordar-se sem encher os olhos de água.

Na infância da qual mal me lembro

volto para casa

à luz da lua cheia.

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Lulu

Uma poesia leve antes de dormir.

Só mais uma...

(promessa).

Uma noite curta para seguir.

Cansaço sem sono.

(revirando, revirar).

Um raio de luz fria na ponta do nariz.

Carinho de mãe, beijo de colibri

(Hipnotizar).

E assim, namorando a lua, adormeci.

(Entregar é quase sonhar).

49


Rodopio

Ela me pediu um favor

como quem pede sorriso.

Entrou pela sala nova

dançando entre as luzes

e me mirou através das lentes

de uma câmera secreta.

Não sei o que ela viu,

só ouvi seu clique

e movimento.

Girando e girando,

exibiu sua coleção de versos:

tudo misturado com pó de diamante.

O que me pediu

não foi fardo grande assim.

Cabia no coração

quando salta em festa.

Deixei-a com seus segredos

a sonhar com cometas.

Enquanto ela jazia,

esperando um beijo,

sussurrei:

"Boa noite,

Branca de Neve!"

E saí atrás dos poemas dela.

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Carta

Amiga, naturalmente

desnaturada:

esqueço-me de você todos os dias

só para ser surpreendida

pelas conexões de nossas almas.

Entre nós não há (des)culpas.

Talvez por amarmos tudo

que nos apontam como defeitos.

Mas sim, sinto sua falta.

Tudo que não tenho, invento:

corações, quimeras, asteroides,

palavras ou dragões.

Só não pude inventá-la.

Não, minha amiga,

é im-pos-sí-vel inventá-la!

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Afeto

Você e sua amizade esquisita

me deixa em dúvida se somos certos.

Aparece quando eu acho que não preciso,

silencia quando tudo é dor,

mas não sai do meu lado.

Sua lembrança vira sorriso.

Quando piso na bola,

você denuncia a falha

com piada ou esporro.

Ou você é doido,

ou somos amigos.

Encontrar você é lidar com o avesso do espelho.

Ódio e amor correndo no meio.

Isso incomoda e me move.

Semelhantes em tantas coisas,

a gente cresce na dessemelhança

de um irmão, um escolhido ou intrometido

e em todos os desiguais dos quais nos cercamos.

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Perseverante

Enquanto alguns celebram a ida,

outros participam da glória

e curtem o sol que banha os caminhos primeiros.

Ande!

Homem nasce com dois pés:

feito para estrada

e para o corpo se mover como um só.

Nem sempre.

Faça seu trajeto

como se faz no baile.

Suave é o caminho dos que começam a jornada

dançando sua fé.

Vá com ela:

seu pé esquerdo

ou o avesso do que é direito.

Siga seguro.

A estrada não é mais que retas ou curvas.

Vá mesmo inseguro.

Confie no outro pé.

53


Passado

Esse passo

aprendi agora.

Não ando mais como outrora.

Hoje vou mais longe.

A passada nova tem o peso do ontem,

mas ontem havia estrada.

Reta, certa.

Só não sabia onde me levava.

Hoje não tenho mais linha.

Sei que vou para o norte

com a sensação de infinito.

Esse passo

sem caminho desenhado

é de quem já deixou a estrada,

largou o vazio

e vive sem nada.

Nada é preciso.

O passo que aprendi

é inseguro e sozinho.

Deixa sangue nas pegadas

porque sou eu

reconstruindo o meu caminho.

54


Os escuros

O ídolo cruza o tempo.

A criança, um momento.

Luz, nós somos cegos.

Fantasias vão parar em sonhos.

Amigos ficam.

Amores vagam.

Adivinha:

tudo que é afeto se movimenta,

como a luz do amanhã

que é certa.

E nós continuamos cegos.

55


Asas

Asas que me querem,

que me envolvem,

que me levam.

Sustentam meu ar,

meu caminhar.

Asas de imaginação

do meu pensar,

instrumentos da ação que me move

para cá e para lá.

Minhas asas são para voar.

Querem mudar.

56


Terrenos

Outros corpos jazem pelo universo.

Nem todos (se) interessam.

Somos terrenos demais,

mal entendemos de nós.

Sequer suportamos

observar o que temos por perto.

Somos humanos.

Amontoados de poeira

vivendo em um desses corpos fugazes.

Corpos que erram.

Da necessidade de reconhecimento

sondamos no que parece distante

uma alma.

Esta nos impulsiona,

apesar da força

da gravidade.

Por ela, alguns viajam,

enquanto outros

escrevem.


Princípio

Início com nuvem

pode virar tempestade.

Sol

pretende ser doce em primavera.

Arde no verão.

Vento fala de outonos e de folhas secas.

O frio denuncia invernos,

água de geladeira

e gente sem canção.

E a seca é a língua do sertanejo.

Tudo certo e previsível

até enfiarem versos início adentro.

Misturaram tudo.

Às vezes é assim.

No início de tudo

não se atinava com nada,

até o mundo ter poesia.

Criou-se por inspiração.

58


Convite

Falar é fácil

Ter ciência não.

A conexão para a fala é primitiva.

A ciência exige menos reflexo.

Refletir tortura.

Falar só dói nos outros.

59


O caminho

O caminho

se apresenta.

Longo,

se estende daqui

até o pensamento.

Dança sobre pedras

onde nascem árvores

e florescem desafios.

Não tenha medo,

diz a voz do lobo.

Tenha nada,

responde o louco.

Segue

cheio de sombras,

tortuoso,

quase vazio.

O caminho

se apresenta:

é perigoso.

Já dragou pessoas inteiras

e as conduziu

ao infinito.

60


Antes

Antes da flor

há o começo,

feitio do talvez.

Do caule

se equilibra uma oferta

na folha ao vento.

Antes da flor

há esperança

rasgando o céu

como semente.

Germina no pó

pela luz

no escuro ventre.

Sua raiz caminha para a água

na delicadeza

que a bruta terra leva.

Antes da flor

vem a dúvida:

que se revele a promessa

feita em broto.

61


Cerrado

Frio de cerrado:

Tem neblina

dançando sobre a terra.

Vem para dentro de casa

com seu pé

que mata de susto

tudo o que estiver

debaixo do cobertor.

Na colina

baila a cerração,

esse sentimento

de nuvem

ao redor do peito.

Parece tão leve

esse peso

que o vento carrega.

Gelo dá em qualquer lugar:

em pé,

em planta,

e em gente

quando a saudade aperta.

Lá vem geada.

Corre.

Corre para esquentar.

62


Terra

Passo firme.

Cruzo estradas.

No alto da ribanceira

o chão se acaba.

Sem solo

e sem pegada

cai a alma.

Anda por terra que faz criaturas do barro

e as cobre ao final.

Arrasto os pés pelo mundo,

esse mesmo que agora acaba.

Perco rumo

e voo fundo

para o inferno de areia

e cristal de lágrima.

Reergo pelo som do vento

e sigo outra estrada.

Novo é o caminho,

mas agonizo ao ver o morro.

E se o chão acabar de novo?

Ouço dos ares a cantiga:

chão é mundo, querida,

e o mundo não acaba.

Perdê-lo é mais fácil.

Um rodopio de vida e pronto.

Sem chão.

Sem pó.

Sem nada.

63


Letárgicos

Gente anda pela terra.

O pé não sente o grão

ou coisa singela.

Não reage ao sol.

Não se cobre da chuva.

Participa da apatia.

Vida entorpecida,

descuidada,

distraída.

Não me olha.

Não se vê.

Não se sabe semente manifesta.

64



Rascunho

Trinta e seis assuntos inacabados

espreitam pela janela.

Olhares famintos

como velas.

Uma aldeia inteira ao relento.

São trinta e seis,

sem refinamento.

Nada de títulos

nessa turba de ideias

perdida em balões vazios.

Aguardam sem medo o destino:

silêncio ou desafio.

66


Travessa

Essa palavra nos chama à vida todos os dias.

Desperta corpo,

invoca energias

palpáveis, invisíveis.

Cria confusões,

faz alarde,

canta,

vibra.

Ela nasce no peito

e se abre na boca,

igual a beijo.

Grava em alma

coisas de ser.

Acolhe outras

com lealdade.

Abrange complexos sentimentos sem idade.

A palavra que dança

entre seus lábios

não tem sentido.

É nada

do que se esperava.

Só se revela

na agonia

e ao pé do ouvido

para se calar em segredo.

67


Maldição

Que se acabe o papel

esse branco delator

de tempo inútil,

ladrão de folhas,

devorador de almas.

Que não haja mais árvore cortada

para produzi-lo.

Que acabe a tinta

que o mancha.

Que ele se faça inútil

e frágil como é,

como sou

ao encará-lo.

68


Corvo

Palavra dormente e preguiçosa

ergue-se como uma pena

e risca sem interesse ou idioma.

Quando pousa, é frenesi,

com discurso desconexo.

Ódio se assoma em espera eterna.

Se a obscuridade do corvo se mantém

em caderno imaculado, é grave.

Verde esperança carrega pensamentos felizes.

Achega-se. Talvez ela faça o corvo voar.

Ele voa, mas engole o inseto.

Não se ouve lamento,

enterro sem lágrima.

O bicho segue calado.

Mantém a pequena besta presa ao túmulo.

Nesse estado, a palavra é surda e muda.

Cansado de evitar a luz,

ele abre as asas.

Dói mais do que quando a fala queima com a verdade.

A criatura não fala.

Falam por ela,

dão ao silêncio o nome de uma doença.

Felizmente, aquela é ave sem medo.

Encara o espantalho

e se sacode num riso sardônico.

Sua letra protesta:

doença é não escrever.

69


No susto

De repente,

declara-se o amor pela vida.

Não a minha,

que passa despercebida há muito,

mas pela que grita lá fora.

Não é o habitual.

Mais fácil é reclamar da pobre

com o furor de paixão

não correspondida.

De repente, ama-se

essa que nos persegue

por esquinas escusas

e vidraças empoeiradas.

Que raro descobrir-se amando.

De repente,

passamos por ela

ciente das flores nas canetas.

Amamos aquela vida escritora

que nos seus recônditos

é poeta.

70


Rejeitos

Vento de mudança trouxe à tona papéis perdidos.

Letras esquecidas

e as infinitas ilusões que as criaram.

Personagens inteiros dormiam.

Todos pretendiam ser pessoas,

fragmentos empoetizados.

A maioria sequer nasceu,

desejo de vida feita de abortos.

As sobras nascidas tiveram como destino certo

a prisão em um papel sujo de adjetivos.

Exatamente como este.

Fadadas à existência dos miseráveis,

jogadas vida (a)fora.

Expostas à infâmia,

e a uma força rude que não era sua.

Entre uma tarde de domingo e o adeus, o azar.

Tão delicados. Tão cheios de vícios.

Para sempre perdidos

os papéis dos personagens.

Sua sina

– sepultura final –

não seria revelada.

71


Ladrão

Por mais livre que seja o verso,

por mais movimento que ganhe o verbo,

continuo com sede.

Com fome.

Estou quase morrendo.

Mal consigo respirar.

Ah, gente que lê poema, compreendei!

Ainda há muitas almas para roubar.

72


Impressão

Letra não impressiona mais.

Foto. Foto. Foto.

Foto virou fato,

mesmo as sem contexto,

especialmente as desprovidas de contexto.

O fato mal é lido.

Boato é difundido

- tudo bem. Sempre foi.

Interpretação? Pra quê?

As coisas são o que parecem,

não são o que são,

nem são simplesmente.

E eu aqui,

preocupada com a Verdade,

teimando em escrever poesia...

Coisa mais descabida.

73


No papel

Escrever é falar com a criança

que não nasceu.

É ter irmã.

É ter aliança.

Até a que não aconteceu.

Escrever é dizer para dentro,

projetar em letra,

ler a espera

e crescer no silêncio.

74


Artes

A palavra me expressa.

Seja dura, seja suave,

poesia, literatura,

elas abrem minha boca

e se projetam.

A arte não.

A arte me fecha.

Dá um nó na garganta

e não me permite a fala.

A arte me sai

do mesmo jeito que entra:

pelos olhos.

75


Cometa

Não sou daqui.

Venho do lugar onde os caminhos

levam a nada,

porque o importante é caminhar.

Engana-se. Eu não sou daqui.

Fui inventado durante o sono

para possibilidades infinitas.

Meu corpo pequeno

foi moldado pelo vento

em barro de terra negra

mesclada à água do mar

e cozido em fogo sereno.

No princípio, tudo era assim.

Não. Daqui não sou.

Sou fragmento

vindo de outro espaço.

Por isso, esse vazio que me rodeia.

De onde eu vim, isso se chama aura.

Não se iluda.

Não pertenço a este lugar.

Apenas me perdi aqui.

E por um tempo incerto

minha órbita fará o seu trajeto.

Aproveite este momento.

Ele está chegando ao fim.

76



Agradecimentos

Houve asteroides. Uma “chuva” de meteoritos. Esses, que

cruzaram os céus durante meu vislumbre de vida, me mostraram

ângulos e riscaram o firmamento, nem sempre durante a noite. Há

uma infinidade de números entre os corpos celestes que se fizeram

meus, ainda que por um momento. Entre eles alguns devem ser

nomeados.

Ágata e o começo. Gratidão pelo céu sereno.

Fafá, amiga que caça comigo as estrelas que caem nas palavras.

Flávio, aquele que busca a luz, acaba incandescendo em si

próprio. Nesse universo ele desvela amizade.

Gê, o poeta. Por que todas as estrelas são distantes?

Nelma, a leitora de estrelas e das cartas, inclusive aquelas para o

jovem poeta.

Neném por me mostrar o que está além do céu.

Roger na capa de herói, desses que voam conosco.

A turma da filosofia que teimou em pensar comigo.

E por fim, aos meus mortos e sua herança óbvia, não

necessariamente longínqua.

78


Autobiografia

Foto: Flávio Silva

Ela nasceu para ser Thais, assim com

“h” e dispensando acento. Dessas

delicadezas que só o silente agá tem para

dar civilidade ao som e ocultar a rudeza. A

expectativa dos outros era essa.

Mineira de Belo Horizonte, não se deu

conta da arte, só da inquietação

insuportável. Um encontro a fez imaginar

um mundo impensável. Seu nome era

Oswaldo França Júnior, convidado da

escola. Até hoje ela lamenta ter perdido o livro com a dedicatória

que aceitou com tanta vergonha. O autor lhe dizia que um dia seus

braços iam se abrir. A imaginação dela tomou essas asas.

Sempre amou idiomas, o seu e os alheios. Inglês, espanhol.

Descobriu que há coisas que só podem ser ditas em língua distante.

Sossegou? Não.

Em algum momento de seu caminho teve que estudar alguma

coisa que acalmasse a fome de saber. Evitando as Humanas,

mergulhou fundo na Medicina. Não sabia quão humana se faria

com isso, contrariando as previsões de sua família.

Essa foi sua primeira encarnação ou a primeira reconhecida.

Nesse período suas letras foram tomadas por termos técnicos,

exceto quando em presença de alguns seres sensíveis. Poucos

poemas sobreviveram.

Mulheres às quais a vida lhes nega irmãs de sangue ficam

caçando uma irmã de alma. Encontrou-a entre pedras como a de

Ágata. Sua arte começou a emergir ali.

79


Para se arriscar na rede, escreveu em espanhol, mais por inibição

que por ousadia.

O acalmar-se não aconteceu e ela tomou coragem de mostrar

seu poema em sua língua natal. Isso aconteceu em Patos de Minas.

Seu primeiro livro independente – Ausente – se rebelou para sair

da gaveta em 2015, dez anos depois de ter sido escrito. Só foi

impresso em 2016 para ser lançado oficialmente em 2017.

Precisou ser assim para que a autora-palavra maturasse. Esse

Ausente ganhou as gavetas, os óculos e os dedos de muitos amigos,

conhecidos e de gente de bem.

Ao invés de o primeiro livro ajudar no tal aquietar-se, agravou o

sentimento.

Ela foi fazer pós-graduação em Filosofia e depois em Psicologia

Fenomenológica e Existencial. No entanto, o título que ela aceita é o

de poeta. Este ela teve que agarrar com as mãos. Como o Cometa.

Para viajar, ela o carrega por perto, como um lápis ou caneta.

80


Observatório

Núcleo

Ego

Destino

Grãos

Fragmento

Coração

Dores

Polar

Fobia

Cuidar

Luz acesa

Na noite

Oração

Penitente

Natureza

Nebulosa

Limiar

Coma

Corpo

Vígil

Revolto

Legados

O véu

Melindre

10

11

12

13

14

15

16

17

19

20

21

22

23

24

25

26

27

28

29

30

31

32

33

34

35

81

Sumário


Desafio

Toque

Receita

Vinho

Trivial

Aéreo

Cabeleira

Cauda

Véu de cometa

Supernova

Exéquias

Ao pó

Criança

Lulu

Rodopio

Carta

Afeto

Perseverante

Passado

Os escuros

Asas

36

37

38

39

40

41

42

43

44

45

46

47

48

49

50

51

52

53

54

55

56

82


Terrenos

Princípio

Convite

O caminho

Antes

Cerrado

Terra

Letárgicos

Pulsar

Rascunho

Travessa

Maldição

Corvo

No susto

Rejeitos

Ladrão

Impressão

No papel

Artes

Cometa

Autobiografia

57

58

59

60

61

62

63

64

65

66

67

68

69

70

71

72

73

74

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79

83


Formato: 14,8cm x 21cm

Tipologia: Futura Bk BT 11 e Butler Ligth 14

1ª Edição: 2020



Poesia para todos os universos.

Os poemas agarrados na cabeleira deste Cometa percorreram

céus terrenos, traçaram uma elipse pelo cosmos para conquistar o

nosso íntimo vazio, levando fragmento de palavra ao espaço dentro e

fora de nós.

Ele nos carrega por uma coleção de escritos etéreos, mundanos ou

fincados no chão. Sensível, a presença andarilha deste pequeno astro

só é detectada ao se aproximar do sol guardado em cada leitor.

Entregue-se ao pó de letras que só a poesia concentra, carrega e

dispersa.

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