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V09-18.02.2020-Poeme_Book

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Uma nova casa não abriga somente o corpo: é sustentáculo para a alma. Faz-se necessário escolher com cuidado

e atenção esse espaço que guardará o tênue fio da vida. Um lar, porto para a expressão amorosa ou os necessários

momentos de solidão, não é senão algo de sagrado. Filtrar com os olhos a paisagem em que será pintada sua arquitetura

demanda sabedoria. Entre as paredes que se erguem, rivalizando com a eternidade, tudo pode acontecer. Um filho

nascerá, amores brotarão e talvez sejam rompidos. Brincadeiras irão evidenciar que a seriedade não é a melhor maneira

de esquadrinhar nossa competência. Cairemos e aprenderemos a usar novamente o que há de mais resistente no

humano: a capacidade de fazer tábula rasa do que apenas fere. E sorriremos satisfeitos ao descobrir que toda vitória é

apenas uma antessala para novas conquistas.

Amar as ruas que cercam esse navio imóvel para os sonhos é um modesto exercício filosófico que nos põe

em contato com o que, pretensiosamente, chamamos de banal. Entre as frestas de cimento da calçada, minúsculas

criaturas buscam pelo sol. Brota um tom inesperado de verde onde o cinza parecia ter se apropriado de tudo. A aragem

de certas tardes de primavera, acredite, poderá ser um doce consolo quando o que entendemos pelo sentido das

coisas parecerá apenas um eco distante. Pense nos passos ligeiros, apressados, que revestem com camadas invisíveis

Poema em Exposição

de ternura o caminho que antecede a porta de entrada. Ou na sombra das despedidas, no lento movimento de nossos

pés em busca de repouso. Em meio a isso tudo, o silêncio, o bem mais precioso desses nossos dias. Você poderá abrir

as janelas sem ser agredido pelo mar de ruídos que passeia pelas grandes metrópoles. Sua cidade é grande, mas ainda

é pequena. Pois é permitido conhecer com certa intimidade quem lhe vende o pão, o livro, a ferramenta, a arte. Perto

de tudo e, no entanto, resguardado numa ilha de aquietamento.

Esquadrinhe a anatomia de terra e concreto sobre a qual irá passear todos os dias. Já se deu conta de que

vai morar numa espécie de coração adicional – quente e macio como um colo, um abraço? Ouça a voz dos mestres

orientais, que nos incitam a ampliar a consciência para usufruir melhor o que nos é entregue. As horas merecem ser

gastas poeticamente. Deixe que a dura prosa do cotidiano venha apenas como um intervalo por onde correm os

negócios, as obrigações, o pagamento das faturas. Aprenda a caligrafia dos que são gratos. Expulse com delicadeza

aqueles que fazem da queixa uma espécie de profissão informal. Habite, primeiro, dentro de si mesmo. Mas não

esqueça nunca de treinar suas retinas para os horizontes.

A beleza protege a beleza, disse-nos um fazedor de realidades encantadas. Em breve você estará dentro dela.

Gilmar Marcílio

Escritor e filósofo

Pétala por pétala, grão por grão. Assim os seres lúcidos põem ao resguardo o que parecia destinado ao efêmero. Uma

espiral de luz se torna matéria. Isso não é senão um berço para a felicidade.

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