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Teresa Nazar: Freedom and Audacity in the Sixties

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e que transcendem o meramente particular para projetar-se

ainda mais a proposta inicial da artista, um confronto direto

americana reflete um mundo agitado, cheio de cartazes lumi-

e cola PVA, parafusos, interruptores, cabos elétricos, arrebites

esteticamente no universal.

com o conturbado momento histórico da época.

nosos, produtos alimentícios e garrafas de coca-cola”. 6

– objetos côncavos ou convexos – convivem formalmente nas

Assim, os fragmentos e os recortes de materiais industrializa-

Ao expor fragmentos e detritos da decantada sociedade tec-

Em depoimento, iconoclasticamente, a autora reforça a sua

composições e alegorias visuais de Teresa Nazar. Metáforas que

dos se transformam em ferramentas primordiais para a sua cria-

nológica, a artista realiza uma experiência estética diferenciada:

independência estética afirmando que as nomenclaturas e as

abrigam objetos, formas e cores vibrantes: operações simbólicas

ção plástica. Uma forma talvez de sinalizar um tempo difícil, não

uma crítica ao estatuto real da contemporaneidade que privilegia

classificações artísticas deviam ser eliminadas: “Chegou um

desvinculadas de relações imediatistas de significados-signifi-

só para o Brasil, sua pátria adotada, mas para o mundo em geral.

os processos produtivos tecnológicos vigentes, em detrimento da

momento que você não precisa dizer: isto é uma pintura, um de-

cantes, somente testemunhas da realidade circundante. Para a

Visionariamente, a pintora entendeu os fatos, hoje considerados

humanidade. Daí a aparente instabilidade criada em suas obras,

senho, uma gravura ou uma escultura. Você pode utilizar todos os

artista, os materiais funcionam como coautores da obra, pois

históricos (o Ato Institucional Número 5, a prisão dos estudantes

tensão permanente entre superfícies e volumes.

materiais escultóricos, gráficos, pictóricos em uma única obra”. 7

expressam intrinsecamente o essencial, o indisfarçável, certa

do 3º Congresso da UNE, a proibição da exposição no Museu de

Felicitada pelos principais críticos de arte brasileira, Teresa

Apesar da não concordância explícita da artista, de sua filia-

verdade inalcançável à arte por outros meios. Os materiais,

Arte Moderna do Rio de Janeiro de artistas brasileiros seleciona-

Nazar aprofundou ainda mais as suas pesquisas estéticas.

ção à Pop-Art, algumas de suas obras (distantes do marketing e

muitas vezes constroem tensões, integrantes e inseparáveis

dos para representar o Brasil na Quinta Bienal de Paris, o Pacto de

Mário Schenberg, ao escrever sobre esta nova fase da artista,

da apologia de consumo) se aproximam, tangenciam conceitu-

do ideário visual concretizado pela artista. Uma cosmogonia

Varsóvia, o fim da Primavera de Praga, as grandes manifestações

afirmou: “Na VIII Bienal, Teresa causou uma grande surpresa

almente esta corrente artística.

visual que redimensiona as discussões sobre a própria criação

estudantis e greves em Paris, o assassinato do líder pacifista

pelo progresso rapidíssimo que realizara em pouco tempo. Ver-

Após ser aclamada pelo crítico Mário Schenberg como “ar-

artística (iniciada por Teresa Nazar com as suas pinturas dos anos

Martin Luther King e até as transgressões criativas do Festival

dadeiro salto. Sua pintura ganhara um arrojo e uma liberdade

tista da vanguarda paulista” e alcançar visibilidade nacional por

1950), para um diálogo mais amplo com diferentes técnicas e

de Woodstock). Enfim, um tempo que exigia posicionamentos

imprevisíveis, graças à sua audácia no emprego de novos ma-

intermédio de suas participações com grande destaque em duas

diversificados materiais, assim os seus quadros avolumam-se e

claros, sem subterfúgios. A artista reformula radicalmente a sua

teriais e a virada para novas formas de realismo... Sua visão do

Bienais Internacionais de São Paulo - a pintora foi convidada

testam os limites sacralizados da pintura: uma tradução parti-

obra situando-a neste novo contexto histórico, traduzindo em

mundo não podia ser transmitida adequadamente pela simples

(em plena ditadura militar) para realizar junto com os mais im-

cular, convincente, sensível de Teresa Nazar.

criações visuais seu engajamento social, estético.

representação gráfica e colorística tradicional”. 1 Em 1966, Fre-

portantes artistas daquela época: Hélio Oiticica, Antonio Dias,

Com esse resgate histórico da produção plástica de Teresa

Objetos subtraídos do cotidiano, industrializados são apro-

derico de Morais acrescentou: “Do último ano para cá, Teresa

Rubens Gerchman, Nicolas Vlavianos, Pedro Escosteguy, Maria

Nazar nos anos 1960, a Galeria Berenice Arvani reforça a opinião

priados como matéria de ressignificação poética. Destituídos de

Nazar transformou radicalmente sua temática, iniciando uma

Helena Chartuni e Carlos Vergara – de um dos mais polêmicos

de Walter Zanini que, em 2005, afirmou que Teresa Nazar “criou

seu destino original, desprovidos de qualquer tipo de glamour,

série interessantíssima sobre vôos de astronautas, na qual usa

eventos da década de 60: o Happening na Avenida São Luís/

múltiplos campos de imagens, construídos através de grande

ganham uma nova potência quando migram para a arte. Denun-

materiais dos mais diversos – placas de metal, restos de objetos

Galeria Atrium de São Paulo, que, segundo Carlos Vergara, foi

liberdade de formas articuladas, singulares... é recorrente o

ciam o estado efêmero da vida, ressignificam valores.

industrializados, etc. – como que a sugerir a mesma ambiência

para desmitificar a arte: “Somos realistas. As coisas devem ser

assemblage de coisas industrializadas ... descobrimos em seus

Os cânones tradicionais do bom gosto, se aplicados à primeira

dos vôos interplanetários... É preciso prestar atenção em Teresa

vistas como são. Vamos tirar o paletó da obra de arte para que

cenários geralmente conturbados, uma presença significativa

vista na obra desta fase da artista, são inutilizáveis. Teresa Nazar

Nazar”. 2 Harry Laus também destacou a sua grande mudança

o público se sinta à vontade para ver”. 8

de razões femininas, sócio-culturalmente e psicologicamente

deliberadamente incorporou e ao mesmo tempo ultrapassou as

artística: “Teresa Nazar abandonou a pintura de cavalete e de-

Em entrevista para o jornal O Estado de São Paulo Teresa

entre as maiores de um período de luta por emancipações ... A

características artísticas das correntes reinantes da época: Novo

dica-se a serrar, parafusar, pregar elementos dos mais variados

acrescentou “o propósito do apeningue é social e artístico ser-

contribuição de Teresa Nazar permanece.” 11

Dadaísmo, Novo Realismo, Nova Figuração, Pop-Art. Assim como

para a realização de seus quadros. É uma pintora da vanguarda

vindo-se da psicologia do choque para despertar no espectador

Susan Sontag, Teresa Nazar entendeu a significativa contribuição

da estética Camp para aquele período. A pintora decisivamente

paulista”. 3 Antonio Bento, em 1966, reforçou: “A temática ‘pop’ é

adequada às novas realizações da artista... Teresa Nazar utiliza-se

o impacto ante a obra de arte... algo momentâneo, que pode

chocar o meio mostrando a insignificância das coisas e das idéias,

João J. Spinelli

eliminou o que seria assimilável facilmente, substituindo-o

de objetos e chapas prateadas, que revitalizam a sua composi-

o desprezo pelos valores estabelecidos e também algo mais: a

por uma composição vigorosa à margem do caudal da arte de

ção... uma pintura inovadora e anticonformista, baseada numa

validade na escolha dos meios de expressão artística”. 9

1 SCHENBERG, Mário. “Teresa Nazar”. Galeria Atrium, São Paulo, 18 de agosto

imediata intelecção e consecutiva comercialização, à procura

temática da nossa época, como a da navegação sideral, com os

Este evento, um manifesto iconoclasta, na época foi aclama-

de 1966.

de uma arte objetual, entre a pintura e a escultura, uma crítica

seus foguetes, cápsulas e astronautas, heróis modernos empe-

do e ao mesmo tempo detestado pelo público e parte da crítica

2 MORAIS, Frederico. “A melhor Exposição é a de Teresa Nazar”. O Globo, Rio

direta à sociedade industrial de consumo, que lhe possibilitou

nhados na aventura da conquista do cosmo”. 4 O historiador de

de arte. Os críticos mais engajados com a arte contemporânea

de Janeiro, 18 de setembro de 1966.

uma visão particular do mundo, índice da liberdade artística

arte José Roberto Teixeira Leite confirmou: “a artista destacou-se

o defenderam. O diretor do Museu de Arte de São Paulo – MASP,

3 LAUS, Harry. “Coexistência Pacífica”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 de

alcançada pela imaginação irrestrita desta artista.

por suas interpretações pictóricas do cotidiano, bem como pela

Pietro Maria Bardi, com discernimento e firmeza afirmou: “a

setembro de 1966.

Independente e livre de objetivos esculturais, os materiais

série de quadros dedicados aos astronautas e aos vôos espaciais,

arte brasileira continua a se desenvolver como estava previsto,

4 BENTO, Antonio. “Os Astronautas de Teresa Nazar”. Última Hora, Rio de

industrializados escolhidos pela artista impulsionam e dinami-

servindo-se então de uma linguagem claramente influenciada

participando sempre, e cada vez com mais intensidade, dos mo-

Janeiro, 16 de setembro de 1966.

zam a composição final da obra: lâminas finas, maleáveis são

pela Pop norte-americana”. 5

vimentos de renovação que surgem agora, uns após outros, em

5 LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário Crítico da Pintura. Rio de Janeiro:

recortadas arqueadas, dobradas, sanfonadas. Além dos metais,

Apesar de Teresa Nazar não concordar, muitos críticos inseri-

toda parte. Para muitos isto é errado; para outros, justo... tudo o

ArtLivre, 1988. p. 349. Verbete Nazar, Teresa.

Teresa Nazar acrescentou em seus painéis materiais plastificados,

ram a sua produção visual na Pop-Art. A artista, em depoimento

que escapa do campo do conhecimento fácil e corriqueiro ainda

6 A Arte de Impacto de Teresa Nazar. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1966

tecidos variados, pregos e até parafusos.

para o Jornal do Brasil, discordou: “Há muito tempo – por ne-

não é aceito”. 10

7 FAAP. Departamento de Pesquisa e Documentação de Arte Brasileira da

Perfeitamente integrados à composição, adquirem certa

cessidade e obrigação – acabei com a pintura de cavalete. Creio

Ao se apropriar e adequar para a arte objetos e materiais até

Fundação Armando Álvares Penteado. São Paulo, 27 de setembro de 1977.

autonomia de aparência inesperada, incomum. Apesar de optar

nos materiais que procuro e utilizo porque, através deles, chego

hoje relegados culturalmente, a pintora institui formalmente

8 Vamos participar desse apeningue. O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 de

pela não utilização de materiais considerados nobres e sacrali-

a concretizar um pedaço do tempo no qual existi”. Em seguida

uma nova leitura, um novo olhar. Para esta artista não existiam

agosto de 1966.

zados pelas artes plásticas, seus painéis superam vicissitudes

completou: “Minha arte é bem distinta daquilo que os pop-art

materiais nobres ou menos nobres. Cabia unicamente ao criador

9 Apeningue, o que é? O Estado de São Paulo. 12 de agosto de 1966

e alcançam densidades unívocas. As emendas e as suturas, re-

americanos mostram em suas obras, pois, sendo o artista um

rever e superar padrões e convenções estipulados por antigas

10 BARDI, Pietro Maria. Simpatia para com o “happening” dos artistas. Diário

solutivamente visíveis ressaltam não apenas as precariedades

termômetro de sua época, ele retratará os símbolos do mundo

gerações de artistas e ou historiadores de arte. Assim, telas

de São Paulo, 17 de agosto de 1966

destes materiais, mas da própria humanidade. As confrontações

que o rodeia dentro de seus limites geográficos. O homem ame-

de arame, palhas de aço (Bombril), tecidos, placas metálicas

11 ZANINI, Walter. Sobre Teresa Nazar. In Tereza Nazar na Vanguarda Paulista.

formais e figurativas aparentemente contraditórias reforçam

ricano não tem tempo de parar para pensar. Por isso a Pop-Art

recortadas ou dobradas, madeira, gesso misturado com estopa

Spinelli. João. [ET alii]. São Paulo. Museu de Arte Brasileira – FAAP - 2005 p. 14

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