Revista Relatos
Revista feita por Cíntia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne para um trabalho da Faculdade Cásper Líbero. A edição é sobre a vida de Andrea Martins, uma bailarina inspiradora.
Revista feita por Cíntia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne para um trabalho da Faculdade Cásper Líbero.
A edição é sobre a vida de Andrea Martins, uma bailarina inspiradora.
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RELATOS
Capa por: Cíntia Miyuki,
Íris Chadi e Luísa Cerne
Foto por: Erika Pugliesi
ANDREA MARTINS
Bailarina de 46 anos,
empreendedora e formada em
Rádio e TV, ela é apaixonada
pelas experiências que a vida pode
proporcionar.
ENCANTANDO COM O
CORPO
Dançarina desde os 3 anos, Andrea achou
na dança um jeito de se expressar.
DIVERSAS VIVÊNCIAS
“Precisamos explorar o máximo de
conhecimento, para nos tornarmos
melhor, em qualquer coisa.”
UM NOVO RUMO
Andrea investe em seu negócio
‘Gastronomia Consciente’.
REFLEXÕES
Quais reflexões uma pessoa como
Andrea nos deixa?
Especial
O desafio está com o bailarino
todos os dias”
Andrea Martins é dançarina desde o berço e já passou
por tudo no mundo da dança. De fraturas a memórias
engraçadas, ela vê a área como um desafio gratificante.
Fonte: Arquivo Pessoal
Aos três anos, já era uma bailarina. Andrea Martins
começou a ter aulas de dança em 1976, na pré-escola.
Não iniciou a vida de dançarina com Ballet Clássico,
como muitas crianças, mas, sim, com um estilo de dança livre,
sem muitas regras e amarras, que hoje seria chamado de contemporâneo.
Mas, na época, não tinha esse nome.
Andrea (atrás) em aula de dança.
Cíntia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne
Após esse começo criativo, Andrea,
ou Deia para os mais próximos,
transitou por diversos estilos: jazz musical,
dança moderna, modern jazz, jazz
tradicional, sapateado e contemporâneo.
Mas aprender tudo isso não foi
fácil.
Profissionalmente, para um
dançarino se sustentar, além de dar
aulas, que Deia fez desde os 15 anos,
uma possibilidade é ter projetos de
apresentações. Para conseguir uma
aprovação, às vezes há toda uma cadeia
de interesses por trás que faz com que
seu trabalho, mesmo de qualidade, não
seja aprovado.
“Viver de arte
neste país já é um
enorme desafio”
Além disso, Deia ressalta
as dificuldades físicas de se trabalhar
com a dança. Ela já teve que aguentar
diversas dores de horas e mais horas
dançando, como na época em que dava
aula em sete lugares diferentes para se
sustentar. E foi nessa época que sua
dor mais forte, a dor de fraturar o lábrum
do quadril, despontou.
Em sua última aula do
dia, numa noite de 2008, Deia foi
demonstrar um movimento para os
alunos, mas torceu a perna do jeito
errado. O fêmur, osso da coxa, se
descolou do lábrum, cartilagem que
encapa esse osso. “Eu achei que
nunca mais fosse andar na vida”.
Mas andou. Não só andou como
continuou dançando. Seu médico
havia dito que era uma fratura que
necessitava de cirurgia, mas ela teria
que parar de dançar por pelo
menos seis meses e não aceitou
fazer o procedimento.
Deia continuou
dando aulas mesmo
depois da fratura. “Eu
já ouvi de médicos que
o bailarino é quase
um alienígena, porque
ele transforma muito
o corpo.”
Sem ter feito cirurgia, Andrea
reconhece os limites de seu corpo.
Ela sabe que subir e descer muitos
degraus não é viável, pois a dor ainda
existe. “A dor está aqui, mas ela está
meio dormindo, às vezes acorda, dá
uma espreguiçada, mas ai eu mando
ela dormir de novo.”
Como se isso tudo não bastasse,
Deia conta também das dificuldades
sociais de ser dançarina, pois há
muito preconceito envolvido. “Hoje
Fonte: RT Photo Studio
em dia as pessoas acham chique”, ela
diz, mas Deia já escutou desavisados
perguntando se ela era prostituta, ao
contar que era bailarina. Pelo menos,
Andrea conseguiu levar os comentários
na brincadeira.
“Eu levo tudo para
o lado do humor”, conta,
rindo sobre desastres
que já aconteceram
no palco, como cair ou
esquecer os passos.
Na hora, é desesperador, mas,
hoje, são cenas engraçadas de sua vida.
Com dedicação e uma divertida
paixão pela dança, Deia alcançou
sonhos neste universo. Dançou em
duas companhias, a Companhia Fixa
da USP e a Companhia da Marize Matias
e, por esta última, se apresentou
no Theatro Municipal, seu espetáculo
mais memorável.
Depois de anos se dedicando
profissionalmente à dança, há quase
dois anos ela deixou de lado os
palcos e as salas de aula. Hoje Andrea
dança em casa, montando seus
próprios exercícios. Agora, ela se
dedica a outras experiências.
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Várias vivências em
uma vida só
era, chegando até a esconder as
cartas que a família mandava para
ela. Logo depois, Andrea retornou
ao Brasil para ficar.
Além da dança, que ocupou grande parte de sua vida, Andrea teve uma longa lista de
outras experiências que a marcaram e são responsáveis por quem ela é hoje
É
assim que Andrea Martins descreve
sua vida. Além da dança,
entre outras coisas, ela trabalhou
em outras áreas, fez faculdade e um
intercâmbio quando era adolescente.
FORMAÇÃO EM RÁDIO E TV
Andrea se formou em Rádio e
TV pela Fundação Armando Alvares
Penteado (FAAP), que na época era
a melhor faculdade do Brasil na área.
Ela escolheu fazer esse curso devido
ao seu amor pela dança, pois achava
que eram parecidas pela presença no
palco. O interesse dela era principalmente
na produção, entender o processo
de construção de um projeto.
Ela nunca teve vontade de trabalhar
em uma emissora de televisão, por
exemplo, pois não pensava em fazer
algo além de dançar.
“Eu escolhi me
dedicar à dança.
Por mais que eu
gostasse de outras
coisas o carrochefe
da minha vida
sempre foi a dança”
“Acho que foram 15 vidas em uma”
Deia também entrou em Arquitetura
na Universidade Presbiteriana
Mackenzie, influenciada pelo
pai, que trabalhava na área de construção.
No entanto, um intercâmbio
de seis meses na Inglaterra fez com
que mudasse de ideia e optasse definitivamente
por Rádio e TV.
O INTERCÂMBIO
O motivo pelo qual Andrea
passou seis meses em outro país foi
para ser ‘babá’ de uma amiga chamada
Júlia. O pai de Júlia queria que
ela fosse estudar fora, mas, por ser
muito controlador e não confiar na
filha, sugeriu que Andrea também
Por Cíntia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne
fosse, para cuidar dela. Deia sempre
foi muito responsável, e a dança
a deixou ainda mais disciplinada.
Mesmo assim, logo no primeiro dia
em que elas chegaram na Inglaterra
a amiga arranjou um namorado.
No intercâmbio Deia se interessou
por um homem mais velho
que era barman em um bar
frequentado por estudantes. Quando
o curso de inglês terminou, ela
voltou para o Brasil, mas se arrependeu.
Vendeu o carro que tinha
ganhado para pagar a passagem de
volta à Inglaterra. No entanto, o
sonho virou pesadelo quando ela
descobriu o quão possessivo ele
Andreia e sua amiga Júlia na Inglaterra, em 1991. Fonte: arquivo pessoal
“Enquanto todas
as minhas amigas
estavam festejando
eu estava dançando,
perdendo as peles
do dedo, fazendo
bolha no pé”
OUTROS TRABALHOS
Apesar da dança ter sido o
carro-chefe da vida de Andrea, ela também
teve diversos trabalhos paralelos.
Na época em que ela dançava em companhia,
chegou a trabalhar à noite como
caixa de uma pizzaria-bar para complementar
a renda. O expediente começava
às 18h30 e ia até o último cliente ir
embora. Na manhã seguinte, ela tinha
aula de dança, ia para a faculdade, dava
aula à tarde e à noite voltava para o bar.
Trabalhou também com Rádio e
TV em uma casa de shows na Vila Olimpia,
onde cuidava da produção de apresentações,
pois a casa recebia muitas
companhias internacionais de musical.
Ela fazia a parte técnica das apresentações,
colocava microfone nos atores,
certificava que tudo estava posicionado
e pronto para a apresentação.
PARQUE DA MÔNICA
Apesar disso tudo, Andrea só
parou de dar aula de dança quando
seu segundo filho nasceu, época em
que ela começou a trabalhar no Parque
da Mônica. Em um período de fé-
Andrea quando trabalhou na produção do musical Chiquititas, em 1999. Fonte: arquivo pessoal
rias uma amiga bailarina que trabalhava
lá a chamou, pois estavam precisando
de alguém para fazer as performances
como Magali. Ela planejou ir só uma
vez, mas acabou gostando e ficou.
A experiência de trabalhar no
parque foi muito importante, porque
envolvia um estudo da personagem,
conhecer seus gostos e sua rotina,
saber o tom de voz e a assinatura. Ficou
seis anos trabalhando no Parque,
normalmente como Magali, mas às vezes
como outros personagens, como
a Rosinha, a Múmia ou a Dorinha. A
experiência foi muito interessante
pelo fato de Andrea ter trabalhado a
vida inteira dando aulas para crianças,
e durante esse período ela pode voltar
a ser uma.
“Quando você faz
um personagem,
você é aquilo”
Todas essas experiências foram
essenciais para moldar a mulher que-
Andrea é hoje.
“Por isso que eu falo como
é importante a junção das
experiências. Você sempre
vai ser melhor se tem
experiências em outras
áreas da vida”
Andrea em performance no Parque da Mônica, em
2009. Fonte: arquivo pessoal
RELATOS 4 5
“Levar alguma coisa
que você acredita para
alguêm é muito bonito”
Fonte: Arquivo pessoal
Um novo rumo
Andrea deixa de dar aulas de dança e entra no
universo gastronômico
Por Cíntia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne
Fonte: Arquivo pessoal
O
projeto mais recente de Andrea
se intitula “Gastronomia
Consciente”. No último ano,
movida pelo seu desejo de compartilhar
suas crenças com outras pessoas,
decidiu abrir um negócio de alimentos
veganos por encomenda. “O alimento
vem carregado de muitas informações,
experiências e emoções.” Conta Andrea
“Então você levar alguma coisa
que você acredita para alguém, diferente
do que ele normalmente está
acostumado, é muito bonito.”
Além de ser uma cozinha exclusivamente
vegana, ela também é
livre de glúten, o que exige um cuidado
extra, visto que para pessoas
celíacas ou intolerantes ao glúten, o
consumo dele pode ser fatal. Assim
os alimentos que compõe o cardápio
do negócio seguem um perfil muito
específico. Alguns deles pertencem a
um cardápio fixo, enquanto outros
surgem a partir de um teste, podendo
ser descartados, ou colocados à venda.
Isso ocorre porque Andrea possui
uma cozinha experimental, que se caracteriza
pela criação de pratos a partir
de seu repertório culinário.
Repertório que se
construiu desde seu tempo
como bailarina profissional.
“Eu comecei a
estudar alimentação principalmente
porque o bailarino
em geral se alimenta
muito mal, e eu era um
deles”. E foi a partir deste
interesse que Andrea ingressou
em cursos de formação
em vários setores
da alimentação.
Seu próximo objetivo
é expandir seu negócio,
passando a fornecer também
pequenos workshops.
Atualmente, Andrea está
desenvolvendo a plataforma,
mas pretende em breve
ensinar coisas simples
como: como fazer leite vegetal,
como tirar o ovo da receita, entre
outras, de modo a levar uma experiencia
nova a mais pessoas. “É importante
que você faça, aprenda e goste do que
fez. A grande questão é você experimentar
coisas novas” conclui Andrea.
Fonte: Arquivo pessoal
RELATOS
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Julgando a arte
Deia crê que as pessoas são polivalentes e multidisciplinares,
pois o conhecimento que se obtém em um momento da vida pode
ser aplicado futuramente. “Eu acredito que nós somos polivalentes:
a gente precisa explorar o máximo de informação e conhecimento,
para se tornar melhor, em qualquer coisa.”
A importância do diploma
Andrea parte do princípio de que obter um diploma é diferente
de possuir habilidade real em uma área. Para ter conhecimento
e ser bom em algo, não é preciso necessariamente ter uma formação
nisso. “Não acredito em diploma, diploma é só um papel que
qualquer um pode ter. A diferença entre o diploma e a expertise
que você recebe de verdade é como você atua na área.”
Dança como natureza humana
Cíntia Miyuki, Íris Chadi e Luísa Cerne
Assim como Andrea teve contato com a dança desde pequena, ela
acredita que a dança contemporânea é algo que se encontra presente em
todas as pessoas, desde o nascimento. Trata-se de algo intrínseco à natureza
humana. “Se você reparar, todos nós quando nascemos somos bailarinos
contemporâneos. A natureza humana é um corpo em movimento. A dança
moderna explora essa biodinâmica do corpo, que é natural do corpo humano.”
A gratificação de lecionar
Após muitos anos dando aula, Andrea afirma que lecionar possui um
aspecto muito enriquecedor. Ao corrigir e entender as particularidades do
aluno frente uma técnica pré estabelecida de dança, ela reformula o que ela
acredita sobre a dança. Assim, ela ia ampliando seu conhecimento a partir de
seus alunos.
Andrea ressalta dois aspectos de festivais de dança, um positivo e outro
negativo: a possibilidade de conhecer novas pessoas, técnicas, escolas e formas
de se expressar mostra um benefício de participar desses eventos. Contudo, neles
a dança é julgada de forma muito dura. “Se a gente for ver um quadro em um
museu, cada um vai ver uma coisa, a gente tem visões diferentes, tem muito a ver
com os sentimentos e emoções que você carrega dentro de você”, diz Andrea.
“Quando você é julgado e recebe uma nota em cima da arte, você desvaloriza
todo esse processo.”
O poder da cozinha
Andrea defende que uma alimentação saudável é essencial e que, devido
a uma cultura alimentar rodeada de alimentos sem valor nutricional, às vezes é
difícil chegar até ela. Por isso, um de seus desejos é que através de sua cozinha
ela participe da mudança na vida de algumas pessoas. “Na dança você transforma
um corpo que não sabe dançar em um que sabe e com a comida é a
mesma coisa” conclui.
Fonte: RT Photo Studio
Acúmulo de experiências
A grande variedade de experiências vividas por Andrea a ajudaram a
ser uma pessoa melhor em todas as áreas exercidas por ela, principalmente
na dança, que esteve presente em sua vida desde sempre. “Ao longo da vida eu
nunca parei de dançar, mas a quantidade de vezes que eu acessei uma informação
que estava comigo sobre exploração de imagem, qualidade de imagem, nos meus
espetáculos, foi enorme.”
Se expressando na dança
Apesar de admirar o ballet clássico, Andrea acredita que o gênero é
muito técnico, não permitindo que o artista expresse seus sentimentos. É na
dança contemporânea que Andrea afirma que o bailarino pode se manifestar,
se for de sua vontade ele pode representar uma janela, um animal, e até ele
mesmo, as possibilidades são infinitas.
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