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Caf h

Ano 3 - nº 6

A força de uma idéia

D E S A P E G O

Gabriel Prosser:

Um sonho de liberdade

Ousar, Julgar,

Esquecer

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É AQUI QUE A GENTE SE ENCONTRA.

Nova sede de Cafh em São Paulo:

Rua Passaúna, 45 – Brooklin – Tel.: (11) 5543-3775

Travessa da Av. Padre Antonio José dos Santos,

em frente ao Centro de Estudos Musicais Tom Jobim.

Ligue e informe-se sobre as reuniões e atividades abertas,

ou acesse: www.cafh.org/portugues/index.htm

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EDITORIAL

Desapego e o desenvolvimento da noção de ser.

Cafh - A FORÇA DE UMA IDÉIA

Ano III – Nº 6 – Desapego

EXPEDIENTE

EQUIPE EDITORIAL

Dulce M. Cramer de Otero – Editora

Cristina Rymer Woolf

Enrique Sevilla

Marilda Clareth

Rose de Almeida

TRADUÇÃO

Cristina Rymer Woolf

Dulce M. C. de Otero

Marilia Covas Pereira

Sandra Mathias

REVISÃO

Marilda Clareth

Vânia Nogueira

GERÊNCIA FINANCEIRA E DISTRIBUIÇÃO

Sérgio Covas Pereira

APOIO

Sérgio Mathias

Paulo Cesar Ximenes

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

Marco Casemiro – Gerente

CONSULTORIA DE PROJETO EDITORIAL

William Dias Braga

PROJETO GRÁFICO

José M. Cascão Costa

DIREÇÃO DE ARTE E DIAGRAMAÇÃO

Estúdio Maya

JORNALISTA RESPONSÁVEL

Rose de Almeida - MTB 21.807

A Revista Cafh é uma publicação do

Instituto Cafh, entidade jurídica sem

fins lucrativos, que visa estimular o

crescimento pessoal e espiritual de todos

os seres humanos.

INSTITUTO Cafh

Rua Uruçú, 59 - Brooklin – 04562-010

São Paulo - CNPJ 61.688.024.0001-70

Para contato com a revista:

(021) 2294-5273 | institutocafh@cafh.org.br

O desenvolvimento espiritual é um processo que começa quando se concebe um

objetivo que transcende os interesses pessoais estritos. É o despontar da consciência de

ser algo mais do que o mero produto do instinto de conservação e do desejo de autosatisfação.

Assim, a vida espiritual vai se desenvolvendo na medida em que se expande a

nossa noção de ser.

Se a minha noção de ser, é a de ser independente e separado da realidade que me

circunda, minha vida espiritual tem esta característica. Quando minha noção de ser

se expande e incluo em minha consciência e em meu interesse algo mais do que eu

mesmo, assim é também minha vida espiritual.

É impossível desenvolver a vida espiritual se nos aferramos a uma noção de ser

que resiste a expandir-se e a participar.

Mas como posso saber se a minha noção de ser está se expandindo? É muito

simples: basta que eu observe qual é a natureza de meus pensamentos habituais:

como penso, em que penso, o que me preocupa.

A área que cubro com meus pensamentos habituais é, na prática, a que cobre a

minha noção de ser. Naturalmente não estamos falando, neste caso, da consciência de

ser, senão dos limites até onde chega a noção que tenho de “ser no meio”.

Se meus pensamentos habitualmente se centram em mim e no que EU quero, essa

é a minha noção de ser. Nesse caso, o meio não é o “meu” meio, senão que é o “outro”

meio, oposto ao meu. Se meus pensamentos habituais incluem outros seres, eles se

incluem em minha noção de ser e conformam o meu meio.

Quanto mais inclusivos meus pensamentos, mais expansiva minha atitude para

com o “meu” meio, que deixa de ser meu para abrigar o nosso meio, o de muitos, o

de todos.

Este é o campo do desapego, onde se dá o embate entre a força da retenção (medo)

e a da expansão (amor).

Nesta edição, procuramos abordar essa dinâmica sob vários prismas, como nos

mostra nossa matéria de capa, o artigo “Pegar e largar” e o próprio tema da seção

Meditação: “Os Dois Caminhos”.

Outros textos nos chamam a refletir sobre a nossa responsabilidade com os demais:

“Os desafios da aldeia global” e a necessidade de “Olhar para o futuro”.

Temos ainda um comovente depoimento em “Tomada pelas mãos”, que enfeixa os

vários sentimentos que abrigamos em situações que impactam as nossas vidas, numa

riquíssima experiência de desapego e superação.

Não ambicionamos, evidentemente, esgotar o assunto, mas permitir ao leitor

identificar aspectos próximos ou similares em sua própria experiência, assim como

alternativas para lidar com uma realidade que é inerente à condição humana, à

vida de todos nós.

Talvez possamos simplesmente dizer que a vida é uma lição permanente de

desapego. Estar consciente disso pode ser o primeiro passo de nossa caminhada

espiritual.

A todos, uma boa leitura!

Os Editores

Revista Cafh 3

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ÍNDICE

Editorial

Desapego e o desenvolvimento da noção de ser .............................03

Capa

Desapego ......................................................................................05

Reflexões

Os desafios da aldeia global............................................................16

Poster

Crer mas sem Crer ........................................................................18

Meditação

Os dois caminhos...........................................................................20

Artigo

Tomada pelas mãos .......................................................................22

Práticas Espirituais

Pegar e largar, com a mesma liberdade .......................................... 26

Memória

Gabriel Prosser ..............................................................................28

Técnicas de desenvolvimento

O desapego e a evolução do ser......................................................30

Livros

Bondade Originária.......................................................................32

O caminho do homem

Olhar para o futuro........................................................................34

CARTAS

Este é um espaço aberto para os comentários,

críticas e sugestões de nossos leitores. As correspondências devem ser

enviadas para a Revista Cafh:

R. Barão de Guaratiba 218/201 – Glória – CEP 22211-150

Rio de Janeiro, ou email: institutocafh@cafh.org.br

Amigos, a revista Cafh está cada vez melhor, os assuntos

muito bem escolhidos. Na última edição gostei especialmente

das matérias “O Perdão”, “Albert Schweizer” – exemplos de vida

de oferenda e renúncia são sempre muito bem vindos – e de “Eu,

Aqui, Agora”, sem dúvida uma maneira muito boa de concluir a

revista. Enfim, tudo de bom gosto. Tenho deixado a revista em

alguns locais e é sempre muito bem aceita. Sempre que temos

algo interessante, é bom repartir.

| Regina Cabral – Fortaleza, PE |

Prezados editores,

Recebi de uma amiga um exemplar dessa Revista e apreciei

muito. Os textos foram muito inspiradores para mim... e faz

bem saber que há gente preocupada com o desenvolvimento do

ser humano.

| Virgínia T. Gonçalves, Porto Alegre/RS |

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Revista Cafh

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CAPA

OUSAR, JULGAR, ESQUECER

Extraído dos ensinamento de Cafh

Procurar proceder bem e levar uma vida

virtuosa evidencia que desejamos realizar

nosso processo de desenvolvimento.

Mas não assegura que vençamos

o auto-engano de crer-nos o centro

de tudo, nem que deixemos

de voltar repetidamente sobre

nossos problemas,

sem poder superá-los.

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CAPA

Manter-nos em nosso processo de desenvolvimento espiritual

exige muito mais do que agir corretamente e ter virtudes.

A transcendência que damos a nós mesmos e a importância

desmesurada que conferimos a nossas dificuldades mostra que o

que mais nos importa é o que acontece conosco, e este egoísmo é

uma força contrária à de nossa vocação de desenvolvimento.

A rigidez com que sustentamos nossas opiniões e o hábito

de pretender impor nossa vontade aos demais nos fazem tão

dogmáticos como quando tínhamos uma interpretação mais

estreita da realidade.

Se bem que superficialmente estas atitudes nos dêem uma

sensação de segurança, na realidade são as que, sem que nos

demos conta, fazem-nos sentir que estamos estancados; que

nosso desenvolvimento pende de um fio muito fino; sentimos

que se afrouxássemos o esforço para controlar-nos, nosso

egoísmo prevaleceria, daríamos rédeas largas a nossos impulsos e

desejos e perderíamos num instante a amplitude mental e o grau

de amor que pudéssemos ter alcançado.

De um lado, o querer que nos anima a persistir na vocação;

de outro, o desejo de prevalecer, a resistência a esforçar-nos, a

tendência a claudicar diante de impulsos que nos prejudicam,

solapam nossa vontade e põem à prova nossa perseverança.

Esta luta entre “quereres” produz um desejo quase

desesperado de segurança. Queremos ter a segurança de que não

perderemos nada, de que em algum momento vamos poder darnos

os gostos dos quais agora nos privamos; segurança de que,

ainda que tenhamos renunciado a algo, poderemos recuperálo

se mudarmos de idéia. Queremos a segurança de crer que

temos privilégios sobre os demais; que embora a perda de bens

materiais, a enfermidade, a velhice e a morte aconteçam a

outros, seria injusto que acontecessem conosco, pelo menos não

agora, não ainda. Especialmente, aferramo-nos à segurança que

nos dá crer que sempre estivemos e estamos certos, como se essa

ilusão nos permitisse recriar uma história já morta e defendernos

das evidências que põem a descoberto nossas falhas. Pensar o

contrário nos aterroriza tanto que não percebemos nosso medo.

Nosso problema é que buscamos segurança onde nunca a

iremos encontrar, porque é impossível escapar da incerteza

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CAPA

própria da vida. Esta segurança, inalcançável por ser ilusória,

consome nossa força interior e nos debilita espiritualmente, o

que aparentemente nos dá segurança – a idéia de que podemos

possuir algo para sempre e de que estamos certos – é, ao mesmo

tempo, a fonte de nosso medo e de nosso infortúnio.

A ânsia de segurança também nos leva a pensar que nosso

esforço para atuar bem deve nos garantir um futuro sem

sofrimento, e isso nos leva a praticar a virtude. Neste sentido, a

prática das virtudes equivale a uma troca: damos algo para receber

algo; o sacrifício é o preço que pagamos para obter o prêmio

do favor divino. Ainda que

não reconheçamos essa atitude

interesseira quando efetuamos

nosso esforço ascético, nós a

evidenciamos ao esperar algo

dele. Fazemos a conta de nossas

renúncias e dos sacrifícios que

fizemos e lamentamos se não

recebemos o que acreditamos

merecer, quer seja dos outros,

da vida ou de Deus. Quando

não encontramos os frutos

esperados por nossas renúncias,

chegamos a perguntar-nos para

que renunciar, por que sacrificar-nos e desprender-nos do que

temos, se nada “ganhamos” por isso.

O que acontece é que chegamos ao limite a que pode nos

conduzir a ascética da auto-afirmação, sustentada pela ética de

nossas crenças. Esta ascética não tem a força necessária para

impulsionar-nos a superar o medo que não nos permite renunciar

a nós mesmos, e assim transpor esse limite.

O medo marca os limites de nosso desenvolvimento. A ânsia

de segurança não teria poder para vencer nosso bom querer se a

víssemos tal qual é: um engano com o qual tratamos de alimentar

a fantasia de querer um mundo sem incertezas e com leis que

obedeçam a nosso arbítrio.

Temos que dissipar a quimera de pretender que a vida

Nosso problema é que

buscamos segurança onde nunca

a iremos encontrar, porque é

impossível escapar da incerteza

própria da vida.

responda a nossos desejos. Em síntese, temos que aprender a

enfrentar a lei da vida: ousar viver sem apoios e renunciar.

Não obstante, necessitamos usar certos apoios: princípios,

como referências que guiem nossa conduta, postulados para

formular uma teoria que nos dê uma visão inteligível da vida.

Mas nem o apoio doutrinário pode nos dar a segurança de que

estamos certos já que, por um lado, nossas compreensões são

incompletas e, por outro, para que uma doutrina não se reduza

à letra morta de uma circunstância já inexistente, deve evoluir e

responder às novas possibilidades do desenvolvimento humano.

O devenir nos obriga a usar e

deixar, a dar sempre um passo

a mais para compreender e,

baseados nessa compreensão,

seguir adiante.

Também necessitamos para

nosso adiantamento ético e o

da sociedade, assentar a nossa

conduta sobre a prática da

virtude, não como uma troca

para receber recompensas, mas

como um parâmetro para atuar

retamente.

Viver sem apoios é saber

que apoios usar, quando usá-los, como usá-los e quando deixálos,

sabendo que não são mais do que apoios. Pensar e sentir

desta maneira nos dá a ousadia de renunciar sem condições, de

forma total e definitiva, sem nenhuma reserva, sem olhar para

trás.

Renunciar sem condições é renunciar a nós mesmos. Isto

produz uma mudança qualitativa em nosso desenvolvimento

cujo fruto é, simplesmente, liberdade interior.

Estamos habituados a exercer liberdade para fazer ou

conseguir o que desejamos e até mesmo lutamos por ela. Mas

não é esta a liberdade a que estamos nos referindo e sim, aquela

que se expressa em um juízo equânime.

Conhecemos vários tipos de juízos: os que partem do instinto

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CAPA

de conservação, os que resultam de nossas reações emocionais, os

originados em nossos gostos e rejeições, os baseados em nossos

hábitos, os que se desprendem dos valores que nossa cultura nos

transmite.

Estamos condicionados a julgar – de forma inconsciente

e automática – como bom o que promove a sobrevivência de

nossa espécie e como mau o que vai contra ela. Isto nos leva a

evitar situações perigosas para nossa vida e a esquivar-nos do que

alguma vez nos prejudicou. Mas também estamos condicionados

para responder a impulsos – como os que fazem preponderar o

mais forte e o de reproduzir-se

a qualquer custo – que, embora

possam ser julgados como

bons para as espécies em geral,

nem sempre são bons para o

adiantamento humano.

Estímulos fortes nos fazem

reagir emocionalmente e julgar

de imediato o que produz

nossa reação. Bom é o que

nos excita com prazer e mau

aquilo que nos produz repulsa.

As coisas belas ou agradáveis

são as que nos comprazem; as feias ou desagradáveis as que nos

desgostam. Bom é o que está de acordo com os nossos hábitos de

comportamento, aparência e gostos particulares de nossa etnia,

nosso meio e nosso tempo. Formulamos de forma instantânea

e automática juízos negativos sobre o que não se ajusta a esse

padrão.

Nossos condicionamentos nos levam a julgamentos de

bases subjetivas e o que é mais sério, a atribuirmos a nossas

apreciações circunstanciais uma qualidade ou um valor

definitivo.

Pressupomos assim que o bom ou mau, belo ou feio, certo

ou errado para nós, necessariamente deve sê-lo para os outros, e

que essa qualificação é absoluta e permanente. Confundimos o

juízo baseado numa opinião (a nossa) com o juízo equânime.

O juízo baseado numa opinião expressa o valor relativo

Temos de dissipar a quimera

de pretender que a vida responda

a nossos desejos. Em síntese,

temos de aprender a enfrentar

a lei da vida: ousar viver sem

apoios e renunciar.

que damos a uma coisa a respeito de outra e é necessariamente

temporário; circunscreve-se a um contexto e está sujeito à

contraposição de outras opiniões.

O juízo equânime pressupõe a consciência de nossa

incerteza básica e nos leva a tomar distância a respeito de nossa

maneira de sentir e de pensar. Assim podemos discernir o

temporário do permanente, o provável do possível, o particular

do geral, os fatos das opiniões, as evidências das crenças...

Para julgar com equanimidade também temos que levar

em conta o grande peso que pode ter no presente um juízo

feito no passado. E não é fácil

vê-lo com clareza. Muitas

experiências que recordamos

nos chegam acompanhadas de

uma grande carga emocional e

do juízo que, àquele momento,

fizemos delas. Isto faz com

que, em muitos casos, nossas

recordações sejam coisa julgada

e que sentimentos negativos

fiquem enraizados em nosso

interior. O desgosto ou a dor

de um momento se transforma

em rancor e ressentimento; o erro em sentimento de fracasso,

uma má escolha na convicção de não ter mais oportunidades,

uma carência numa ferida que nunca se fecha.

Esta fixação nos ata ao passado subjetivo que fomos

construindo e nos impede de compreender as limitações, nossas

e as dos outros, aceitar e perdoar, apagar de nossa memória o

registro dos agravos recebidos. Em outras palavras, impede-nos

de continuar crescendo interiormente e de viver com liberdade

hoje.

Chamamos “desapego do passado” à capacidade de produzir

este discernimento entre o nosso passado e o juízo que fizemos

sobre ele. Isto nos permite experimentar um desenvolvimento

correlativo com nossa idade e julgar uma mesma experiência

de maneira diferente na infância, na adolescência e na idade

madura. Mais saber se expressa em mais equanimidade.

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CAPA

Ao desapegar-nos do passado, deixamos de computar

o anedotário de nossa vida, de somar nossos sacrifícios, de

medir os esforços feitos, de sentir-nos credores da vida. Assim

acabamos com nossa autocompaixão e com ela terminam nossos

ressentimentos, nossos rancores e, também, nossos medos.

Isto nos permite, por um lado, associar os fatos de nossa vida

com suas causas e suas consequências reais; por outro, ver com

imparcialidade e lucidez nossas reações diante dos fatos e os

efeitos dessas reações em nossa conduta, nossas relações e nossas

decisões atuais.

Desapegar-nos do passado é esquecer sem perder a

memória: ter um juízo equânime do ocorrido.

Tiramos o selo subjetivo com que interpretamos nosso

passado e o incorporamos ao grande contínuo da experiência

humana. Recuperamos assim nossa verdadeira história.

Ao esquecer os juízos que fizemos sobre nós mesmos,

tornamo-nos livres para viver como escolhamos fazê-lo. Ao

esquecer os juízos que fizemos sobre os demais, respeitamos sua

liberdade de ser como querem ser. Desta maneira, promovemos

a paz e a harmonia ao nosso redor.

Cobrimos com um manto de esquecimento as circunstâncias

particulares que experimentamos e mantemos em nossa memória

somente as lições aprendidas. Isto nos permite viver cada dia

como novo, aumentando sem cessar a nossa capacidade e o nosso

saber.

A liberdade interior, que conseguimos pela renúncia a nós

mesmos, nos dá flexibilidade mental e capacidade para encontrar

novos significados no que consideramos sabido; para aplicar de

forma criativa a energia contida em nosso passado, gerando novas

vias de desenvolvimento; para transformar nosso conhecimento

em sabedoria e transmutar nossas experiências em consciência.

Seria impossível unir uma consciência presa a uma história

pessoal, a medos e hábitos alienantes e a idéias ancoradas no

passado à consciência cósmica, infinita e eterna.

Só a renúncia a nós mesmos nos abre o caminho para a

eternidade, pois a liberdade interior por ela gerada transmuta

debilidade e medo em fortaleza intrínseca e uma personalidade

contingente em verdadeira individualidade.

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CAPA

REFLEXÕES SOBRE O DESAPEGO

Otelmo Eggers

Falar sobre o desapego é um pouco, como se costuma dizer,

“chover no molhado”. Referências ao desapego podem ser

encontradas nos textos mais antigos da literatura espiritual da

humanidade. Nos textos budistas, por exemplo, ele aparece com

muita frequência como viraga e indica o completo distanciamento

da mente do apego a todos os fenômenos.

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No Bhagavad Gita e na literatura derivada do hinduísmo, o

desapego é expresso pelo termo sânscrito vairagya e constitui um

dos objetivos a ser alcançado pelo devoto.

Contudo, para que possamos compreender o desapego,

temos primeiramente que entender por que nos apegamos.

Nas ensinanças de Cafh aprendemos que a nossa personalidade

adquirida, nosso ego, é um sistema de condicionamentos

automáticos e inconscientes com o qual nos identificamos a

ponto de considerá-lo nossa identidade. Esse sistema se forma e

se sustenta através de hábitos e impulsos que nos conduzem ao

desejo de poder, à aquisição de bens, à necessidade de êxito e de

aprovação social.

Lévi-Strauss fala sobre a formação de uma estrutura

subjetiva básica que confere a cada pessoa uma matriz, para tentar

explicar quem ela é e para que ela serve no mundo, cunhando a

expressão “Mito Pessoal” para designá-la.

Correntes recentes na área da psicologia corroboram esses

modelos, ao distinguirem vários níveis de vivência de nosso “eu”.

O nível mais corrente é denominado “Eu Conceitual”, e constitui,

grosso modo, o que pensamos sobre nós mesmos, sendo formado

pelos conceitos que cada pessoa vai elaborando a respeito de si

mesma. A maioria das pessoas acaba por confundir-se com esse

“Eu Conceitual” de um modo muito profundo, ou seja, apega-se

ao conceito de quem pensa ser. Quem cai nessa armadilha terá

dificuldade de aceitar, ou até mesmo entender, aspectos da sua

vivência que não cabem na camisa de força do seu autoconceito,

e se dedicará a disfarçar ou negar estes aspectos. A pessoa tenderá

a tornar-se rígida, adotando atitudes de defesa, numa tentativa

de manter a coerência da sua história (ou mito) pessoal.

Resumindo, poderíamos dizer que a personalidade

adquirida não possui uma realidade específica, não passando,

em última análise, de uma descrição. No decorrer de nossa vida,

apegamo-nos a essa descrição e nos posicionamos em relação

a ela como se fosse real, como se fosse nossa única realidade.

Passamos a acreditar que somos “isto”, e que o seremos até o fim.

À medida que continuamos a dar vigência a essa grande ilusão,

não conseguimos ter acesso ao mistério de nossa verdadeira

realidade espiritual. Gastamos nossas energias na defesa desse

“Eu Conceitual”, nos autoafirmando, cuidando da imagem,

nos defendendo, nos preocupando sobre o que dirão os outros a

nosso respeito, buscando a aceitação dos demais, nos defendendo

das críticas, tentando provar que somos os melhores, e assim por

diante.

Para fazer frente ao “Eu Conceitual” e às armadilhas que a

adesão inconsciente ao mesmo cria, postulou-se um outro nível

de vivência da realidade denominado de “Eu Observador”.

O “Eu Observador” corresponde a uma perspectiva mais

transcendente, na qual tomamos consciência de que não somos

nem os conceitos que temos sobre nós, nem os conteúdos que

vivenciamos, que todos estes são eventos com os quais lidamos,

mas que são distintos de nós mesmos. Isso permite que nos

reconheçamos como expectadores dos nossos problemas e

conflitos. E na medida que deixamos de nos confundir com

estes, conseguimos entendê-los melhor.

Essa tomada de distância em relação aos pensamentos e

sentimentos aumenta nossa tolerância a eles, permitindo-nos ver

suas implicações mais amplas com clareza.

Poderíamos dizer que desapegar-se é relacionar-se com o

eu como perspectiva e não como conteúdo. Quando olhamos

para a vida a partir do “Eu Observador” nos desapegamos das

descrições que tomávamos como sendo de nós mesmos. Damonos

conta de que não somos o fluxo dos nossos pensamentos,

que são meramente conteúdos passageiros, mas a consciência

que olha para os mesmos.

Assumir a posição de observador nos permite um contato

íntimo com os conteúdos e o fluxo dos momentos da vida, sem

nos confundir com estes, capacitando-nos a enxergar o sentido

mais amplo dos mesmos. Tornamo-nos capazes de agir de acordo

com valores eleitos conscientemente.

Situar-se nesse nível implica viver a vida de forma

desapegada, aqui e agora, com aceitação e entrega, sem

resistências, apenas deixando que a vida seja.

Otelmo Eggers, psicólogo - Caxias do Sul/RS

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CAPA

FRAGMENTOS

Vânia Nogueira

Omar Lazarte

Sai Baba

Lya Luft

Krishnamurti

Paramahansa

Yoganada

Dalai Lama

12

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OMAR LAZARTE

“Forte como a vida mesma, unido intimamente à natureza

humana, é o sentido de posse expressado nessa necessidade de

atuar com a idéia do ‘eu’ e do ‘meu’. Mas se o homem quiser

progredir no Caminho, não perecer nesses laços e alcançar a

liberação espiritual, deve estar sempre alerta para descobrir seu

sentido apropriativo e eliminá-lo em seus distintos matizes.

A posse é expressão de identificação materialista, é selo de

coisificação, de que nos atamos às coisas. A Renúncia é liberdade

de ter e deixar segundo convenha ao bem de todos. A posse é

separatividade apropriativa; a renúncia é expansão e participação

com o próximo.”

Omar Lazarte – Uma Nova Dimensão de Vida (ECE Editora,

SP, 1979) Págs 31/32

“O homem quer possuir primeiro os bens materiais, busca

a satisfação e a autoafirmação neles, quer acumulá-los sem

medida, e essa necessidade de posse o sacode e tira da inércia e

da passividade.

Mas, através da dor, descobre que as posses materiais dão

somente um prazer passageiro e uma escravidão permanente.”

Omar Lazarte – Uma Nova Dimensão de Vida (ECE Editora,

SP, 1979) Pág. 32

“Na individualidade se tem consciência da necessidade do

conjunto. Não se pensa somente no benefício próprio, senão

que se pensa no benefício de todos. Sabe-se que a conveniência

do indivíduo e do conjunto não se opõem, e sim, que são uma

mesma coisa. Podem parecer antagônicas enquanto o ser vive

no credo de posse egoísta, mas quando aplica a renúncia, o ser

identifica o bem de um com o bem de todos.

A renúncia é a que varre toda separatividade entre indivíduo

e comunidade.”

Omar Lazarte – Uma Nova Dimensão de Vida (ECE Editora,

SP, 1979) Pág. 52

“O homem que se ajusta a um esquema rígido está atado à

inércia, tende a seguir no mesmo estado e direção. Ao encontrar

uma boa regra ou método, segue-o não somente enquanto é

oportuno mas também quando já é inútil e contraproducente.

Ao achar uma nova verdade a estrutura, e assim, fica estancado,

não pode encontrar outras verdades mais amplas.

Mas o ser que renuncia a ter uma verdade estruturada,

expande sua compreensão ao Infinito; o ser que renuncia a ter

uma só direção, faz-se dono de todas as direções.”

Omar Lazarte – Uma Nova Dimensão de Vida (ECE Editora,

SP, 1979) Pág. 55

SAI BABA (Baghavan Sri Sathya Sai Baba)

“Você deve gradualmente livrar-se dos apegos que conduzem

ao extravio. Só então poderá manter-se ereto, sem que o peso da

carga o vergue.”

“Aja conforme diz. Diga conforme sente. Não jogue falso

com sua consciência. Não a sufoque, forçando-a a engajar-se em

ações por ela mesma desaprovadas.”

Sai Baba – Sadhana: O Caminho Interior (Edit. Nova Era,

4ª Ed., 1989) – Págs 145 e 146

LYA LUFT

“A cada transição executamos nossos rituais, perdemos alguns

bens e ganhamos outros, alguns duramente conquistados. Falo

dos bens de dentro.

Esses que nem o banco fechando nem país falindo caducam:

esses que nem o amado morrendo a gente perde; esses que na dor

nos iluminam, na alegria nos ajudam a curtir mais, e no tédio -

quando tudo parece tão sem graça - agitam correntes submersas

de energia mesmo se a superfície parece morta.

Quando pensamos que tudo acabou, que nunca mais

teremos alegria ou emoção, tudo isso que estava guardado e é

bom emerge em plena vigência e força.

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CAPA

É desses tesouros que eu falo: eles podem vencer o que

nos paralisa. Hão de superar essa cultura do aqui e agora, do

aproveitar, do adquirir, do estar na moda, do estar por cima, do

estar-se agitando e curtindo sem parar.”

Lya Luft – Perdas e Ganhos, Ed. Record, 2004, 19ª Ed., crônica

“Dançando com o Espantalho”, próprio – Págs 88/89

KRISHNAMURTI

“Só pode haver amor quando o pensamento do eu está ausente

e a liberdade com relação ao eu reside no autoconhecimento. Com

o autoconhecimento vem a compreensão, e quando o processo

da mente é completo e plenamente revelado e compreendido,

vocês vão saber o que é amar. E verão que o amor nada tem que

ver com a sensação, que ele não é um meio de realização.

Então, o amor existirá por si mesmo, sem ligação com

nenhum resultado. O amor é um estado de ser do qual o “eu”,

com suas identificações, ansiedades e posses, está ausente.”

Krishnamurti – Sobre o Amor e a Solidão (Editora Cultrix, SP,

9ª Ed., 1999) – Págs 54/55

“A mente livre é aquela que foi além desse sentido do

sofrimento; ela está livre de toda mágoa e tem portanto condições

de nunca voltar a ser magoada em nenhuma circunstância. Seja

ela lisonjeada ou insultada, coisa alguma a pode tocar, o que

não quer dizer que ela tenha construído uma resistência. Pelo

contrário, ela é maravilhosamente aberta.”

Krishnamurti – Sobre o Amor e a Solidão (Editora Cultrix, SP,

9ª Ed., 1999) – Pág. 153

PARAMAHANSA YOGANANDA

“O sofrimento é um bom professor para os que aprendem

com ele, rapidamente e de boa vontade, mas torna-se um

tirano para os que resistem e se ressentem. O sofrimento

pode nos ensinar quase tudo. Suas lições nos estimulam a

desenvolver discernimento, autocontrole, desapego, moralidade

e consciência espiritual transcendente. (...) A dor resultante da

perda de riquezas ou de pessoas queridas nos lembra a natureza

temporária de todas as coisas neste mundo de ilusão.”

Paramahansa Yogananda – Onde Existe Luz (Self-Realization

Fellowship, 1997) – Pág. 15

“Todos os dias faça alguma coisa em benefício dos outros,

mesmo que seja algo insignificante. Se você quer amar a Deus,

é preciso amar as pessoas. Elas são filhas Dele.

Você pode ser prestativo no plano material dando aos que

precisam e no plano mental dando conforto aos sofredores,

coragem aos temerosos, amizade divina e apoio moral aos fracos.

Você também semeia bondade, quando desperta nos outros o

interesse por Deus e quando cultiva neles um amor a Deus,

uma fé mais profunda Nele. Quando deixar este mundo, as

riquezas materiais ficarão para trás; mas todas as suas boas ações

o acompanharão.”

Paramahansa Yogananda – Onde Existe Luz (Self-Realization

Fellowship, 1997) – Pág. 78

“O prazer do homem moderno está em obter mais e mais,

não se importando com o que acontece aos outros. Mas não

seria bem melhor viver com simplicidade sem muito luxo e com

menos preocupações? Não há prazer algum em se ocupar tanto

a ponto de não poder aproveitar o que tem (...) Tempo virá em

que a humanidade começará a abandonar essa consciência da

necessidade de tantos bens materiais. Maior segurança e mais

paz serão encontradas na vida simples.”

Paramahansa Yogananda – Onde Existe Luz (Self-Realization

Fellowship, 1997) – Pág. 89

“Se estiver sempre emitindo cheques sem nada depositar na

sua conta bancária, você acabará sem dinheiro. O mesmo acontece

com a sua vida. Sem depósitos regulares de paz na conta da vida,

faltar-lhe-á vigor, calma e felicidade. Finalmente, você será levado

à falência emocional, mental, física e espiritualmente. Porém, a

comunhão diária com Deus reabastecerá permanentemente seu

saldo bancário interno.”

Paramahansa Yogananda – Onde Existe Luz (Self-Realization

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CAPA

Fellowship, 1997) – Pág. 89/90

“Proporcionar felicidade aos outros é de suma importância

para a nossa própria felicidade, além de ser uma experiência

gratificante. Algumas pessoas só pensam na própria família nós e

mais ninguém. Outros preocupam-se apenas com eles próprios

Como é que eu vou ser feliz? Essas são, porém, justamente, as

pessoas que não alcançam a felicidade!”

“Prestando serviço aos outros, espiritual, mental e

materialmente, você encontrará suas próprias necessidades

atendidas. À medida que você se esquece de si mesmo servindo

os outros, descobrirá que, sem tê-lo procurado, a taça da sua

própria felicidade ficará repleta.”

“Viver só para si mesmo é a origem de todo sofrimento.”

Paramahansa Yogananda – Onde Existe Luz (Self-Realization

Fellowship, 1997) – Pág. 124

“Tudo o que partir de você voltará a você. Odeie e receberá

ódio em troca. Quando se deixa invadir por emoções e

pensamentos desarmoniosos, você está se destruindo.

Por que odiar ou ter raiva de alguém? Ame seus inimigos.

Por que arder no calor da ira? Se ficar com raiva, trate de superar

esse estado imediatamente. Saia para uma caminhada, conte até

dez ou quinze, ou desvie a mente para algo agradável. Abandone

o desejo de represália. Quando você se encoleriza, o cérebro se

superaquece, o coração tem problemas com as válvulas, todo

o seu corpo se desvitaliza. Irradie paz e bondade, pois essa é

a natureza da imagem de Deus dentro de você sua verdadeira

natureza. Então, ninguém poderá perturbá-lo.”

Paramahansa Yogananda – Onde Existe Luz (Self-Realization

Fellowship, 1997) – Pág. 137

DALAI LAMA E HOWAR C. CUTLER

“...se nos flagrarmos sendo arrogantes, envaidecidos, com

base nas nossas qualidades ou realizações supostas ou verdadeiras

o antídoto consiste em pensar mais sobre nossos próprios

problemas e sofrimento, numa contemplação dos aspectos

insatisfatórios da existência. Isso irá nos ajudar a baixar o nível

do nosso estado mental exaltado, trazendo-nos mais para o chão.

Já, pelo contrário, se descobrirmos que refletir sobre a natureza

decepcionante da existência, sobre o sofrimento, a dor e temas

semelhantes, faz com que nos sintamos totalmente arrasados

com tudo isso, aí também há o perigo de chegar ao outro

extremo. Nesse caso, poderíamos ficar totalmente desanimados,

indefesos e deprimidos, pensando que não conseguimos fazer

nada, que não servimos para nada. Nessas circunstâncias é

importante a capacidade de elevar nossa mente refletindo sobre

nossas realizações, sobre o progresso que fizemos até o momento

e sobre outras qualidades positivas de modo a poder melhorar

a disposição e escapar daquele estado de espírito desanimado

ou desmoralizado. Portanto, o que é necessário aqui é um tipo

de enfoque muito equilibrado e hábil.”

Dalai Lama e Howard C. Cutler – A Arte da Felicidade (Ed.

Martins Fontes, SP, 2000) – Pág. 219

“Tomemos por exemplo a busca de bens materiais: moradia,

mobília, vestuário e assim por diante. Por um lado, pode-se ver

a pobreza como um tipo de extremo, e temos todo o direito de

lutar para superá-la e para garantir nosso conforto físico. Por

outro lado, o excesso de luxo, a busca exagerada da riqueza é outro

extremo. Nosso objetivo final, ao procurar maior prosperidade, é

uma sensação de satisfação, de felicidade. No entanto, a própria

fundamentação da busca por mais é uma impressão de não ter

o suficiente, um sentimento de insatisfação. Esse sentimento de

insatisfação, de querer sempre mais e mais, não deriva da atração

inerente que os objetos que buscamos exerceriam sobre nosso

desejo; mas deriva, sim, do nosso estado mental.

É por isso que acredito que nossa tendência a chegar a

extremos é muitas vezes nutrida por um sentimento latente de

insatisfação.”

Dalai Lama e Howard C. Cutler – A Arte da Felicidade (Ed.

Martins Fontes, SP, 2000) – Pág. 221/222

Vânia Nogueira, revisora - Florianópolis/SC

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REFLEXÕES

OS DESAFIOS DA ALDEIA GLOBAL

Alexandre Silva Fernandes

Vendo o noticiário sobre a ajuda às vítimas de uma das maiores

tragédias climáticas do Brasil, as enchentes em Santa Catarina,

chamou-me a atenção a figura de um anônimo bombeiro,

entrevistado pelo telejornal, que teve sua casa destruída pela água.

Segundo a reportagem, ele trabalhava dia e noite no resgate das

vítimas, enquanto sua mulher se alojava no próprio Batalhão,

onde ajudava no preparo das refeições.

Fiquei pensando: “Que matéria bem feita. Como acharam

um cara que perdeu tudo e continua ajudando os demais? Ainda

mais um bombeiro, um grande personagem com toda a pinta de

herói... Essa matéria com certeza vai para o Fantástico e o Jornal

Nacional...” Sensacionalismos à parte, este fato me fez refletir sobre

uma situação muito maior: como, nesta sociedade interligada,

onde o pedido de ajuda vem em imagens de helicóptero, com

conta bancária para doações, transmissão pela Internet em

tempo real e com direito a torpedos com as últimas informações,

ainda nos “espantamos” com um gesto de solidariedade, num

mundo tão desenvolvido, repleto de apelos e instrumentos para

a integração e inclusão social, onde atitudes como essas deveriam

ser recorrentes?

A globalização tornou-se a panacéia da modernidade. Por

mundo globalizado entende-se integração, compartilhamento de

tecnologias e hábitos de consumo, sonhos e modos de viver; um

mundo unificado, horizontal, que se assemelharia a uma “Aldeia

Global”. Este termo foi cunhado por Marshall McLuhan na

década de 60, querendo dizer que o progresso tecnológico estava

reduzindo o planeta às mesmas dimensões de uma aldeia, com

a possibilidade de se intercomunicar com qualquer pessoa que

nela vivesse. Para McLuhan, o desenvolvimento das Tecnologias

da Informação (TI) tornaria o mundo mais interdependente, com

estreitas relações comerciais, políticas e sociais, responsáveis pela

diminuição das distâncias, das incompreensões entre as pessoas

e pela emergência de uma consciência interplanetária. McLuhan

acreditava ainda que a profunda interligação entre todas as regiões

do globo originaria uma poderosa teia de dependências mútuas,

promotoras de solidariedade e de luta pelos mesmos ideais de

desenvolvimento sustentável do Planeta, habitat dessa “Aldeia

Global”.

Analisando a questão, podemos constatar realmente que

vivemos em um mundo interativo. Localizo e contato qualquer

pessoa pelo Orkut, compro e pago pela internet, assisto tevê

pelo celular e perco dinheiro a qualquer suspiro do mercado.

Entretanto, com tudo isto, o grau de interação humana ainda é

restrito. Toda a conectividade advinda da sociedade em rede está

afetando a uma pequena parte e a um segmento específico das

relações humanas.

Raros lampejos de clarividência. Ainda estamos muito

distantes dessa consciência global, e mesmo de viver em

uma “Aldeia Global”. Percebemos a união, a coexistência e a

integração muito mais em tudo aquilo que é mundano, material

e sensível do que naquilo que realmente nos identifica e permite

a autoconsciência, através do Espírito.

Na história do desenvolvimento humano, a adaptação do

homem à natureza e à convivência em sociedade a partir de um

estado de consciência racional, fruto da vontade, é um processo

lento, árduo, resultado das inúmeras casualidades, das tentativas

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e erros. Embora a criatividade e potencialidade da mente sejam

infinitas e ilimitadas, sua identificação com o todo enquanto

energia divina é ainda muito rudimentar. Imperam princípios de

sobrevivência instintiva e as pressões do meio e da mente autocentrada

fazem com que toda engenhosidade humana trabalhe

para si própria, como um instrumento de perpetuidade individual

que é, de per si, segregacionista e dissociadora.

A Aldeia Global, como vislumbrada por McLuhan, é uma

quimera virtual, aplicável, somente, às transações comerciais.

Pelo menos no mundo do homo economicus, a máxima quântica

da asa da borboleta que tremula na China e afeta todo o Espaço

é uma realidade evidente. Basta verificar as crises econômicas

que derrubam bolsas em todo o mundo em questão de minutos.

Realmente neste nicho, há aldeia global, mas uma aldeia de poucos

caciques que pouco se importam com os efeitos de suas negociatas

para o resto do mundo. Este tipo de globalização financista não

atinge o “quão bom e alegre é viverem os irmãos em união.”

O modelo de sociedade que construimos caminha para

um futuro perturbador. O estado de consciência mundanomaterialista

está levando a constantes guerras, ao aprofundamento

da intolerância e à crescente disparidade entre ricos e pobres.

Somos educados e criados para ser “alguém na vida” e, para isso,

é necessário seguir um trâmite, percorrer o caminho do sucesso,

onde as escolhas são pré-definidas pela comunidade, sem as quais

não me incluo e não atinjo meu fim. Para a maioria das pessoas, o

que temos e conquistamos é, invariavelmente, tudo o que somos.

Para quebrar esse paradigma é necessária a expansão do

estado de consciência. E um dos caminhos para isso é a ascética

da renúncia vivenciada em Cafh, que vê na prática do desapego

consciente um instrumento de transformação do ser e da vida.

Segundo alguns entendimentos, o desapego é uma das etapas

mais difíceis do desenvolvimento espiritual, por que requer uma

separação de tudo o que é física, emocional e psicologicamente

possuído. Num contexto social onde o acúmulo distingue o bem,

o bom e o belo, causa conflito assumir a perspectiva de que as

posses possam ser verdadeiros laços de egoísmo com o que é

transitório, ilusório e falso.

Quando a alma* é gradualmente despertada – como, por

exemplo, com o ato de surpreender-se ao perceber grandeza

em um simples personagem da tevê – ela deseja buscar sua

própria identidade. A alma não quer mais se identificar com a

personalidade humana; ela procura fazer com que a personalidade

humana se identifique com ela.

Assim tem início o processo de perda da separatividade e da

preocupação com o contingencial, com o efêmero. A alma começa

então a incitar sua personalidade a assumir uma perspectiva

imparcial e um desinteresse pelas posses de qualquer natureza,

libertando-a dos véus e das amarras intelectuais, para desabrochar

o verdadeiro Espírito Humano.

Quando a mente se compromete com a alma e dá início a

este processo, muitas relações egoístas perdem o valor e são

abandonadas. Aos poucos, e de modo harmonioso, ocorre uma

espécie de renúncia pacificadora. Pela contemplação, meditação

e silêncio, a alma se torna consciente do desapego de tudo que é

transitório e ilusório.

Ao identificar os indivíduos como almas, o amor assume um

vínculo superior eterno, como fez o ilustre bombeiro, que abriu

mão de recompor sua própria vida naquele momento para ajudar

os outros. Talvez, na dura realidade enfrentada pelos catarinenses,

seria mesmo ilusório acreditar que daria para reconstruir a sua

vida naquele momento; a sobriedade revelou que seu trabalho

no resgate dos soterrados e desabrigados era mais importante. E

assim ele fez. Ou seja, o amor e o desapego apuraram o seu senso

de urgência, de necessidade e da própria realidade.

Mesmo sem querer, esse bombeiro nos mostrou que é possível

construir uma Aldeia Global que se comunica muito mais com a

energia do coração do que com os códigos binários das tecnologias

digitais. Revelou que a busca da alma pode libertar dos desejos

consumistas as vocações de renúncia, transformando as pessoas

em pequenos heróis, onde a glória, a virtude e a deferência cedem

lugar ao anonimato, ao silêncio e ao desapego.

É só a partir da virtude do trabalho local que seremos globais,

construtores de uma verdadeira Aldeia, pautada na harmonia, na

interdependência e na expansão da consciência.

* Usada no sentido de “ser”, indivíduo. Alexandre S. Fernandes, jornalista - Juiz de Fora/MG

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Crer mas sem Crer

E para bem conhecer minha estrada,

fi co escutando, pálpebra cerrada.

Sim, acredito que é bem pelo ouvido

que Deus avança, sem pressa, tranqüilo

e que meu condutor, surpreendido,

quando Ele chega fi ca assim a ouvi-lo,

– quando Ele chega sem pedir licença,

pois eu não daria (é o que Ele pensa!).

E eu que na prece não acredito

deixo-o aqui livre, solto, expedito.

Que outro remédio eu teria afi nal

eu que não passo de um homem trivial?

Resistiria então? Mas quem resiste

a alguém que vem de tão longe e assiste,

modestamente chega e se instala

sem discussão bem no fundo da sala

no fundo das casa e dos dilemas,

invisível, mas alguém que te fala

Sobre os teus mais recônditos problemas?

Jules Supervielle (1884-1960)

( Extraído do livro “ As mais belas orações de todos os tempos – Rose Marie Muraro – Ed. Pensamento)

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MEDITAÇÃO

OS DOIS CAMINHOS

Domingas Loss

“O ser humano, diferentemente da folha que cai no rio e

está sujeita às eventualidades da correnteza, vai decidindo

como se orienta nela, se no fluxo que se move rumo ao

horizonte ou nos encrespados que terminam na ressaca.”

(Jorge Waxemberg)

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A busca do desenvolvimento da consciência leva-nos à

compreensão de que só podemos mudar a nós mesmos. A partir

dessa constatação, tudo muda, pelo menos para nós. Assim,

se considerarmos a correnteza da vida, somente nós podemos

determinar nosso próprio destino.

Na meditação sobre a Dama do Véu Negro, percebemos e

dissecamos algum aspecto que não entendíamos, e aborrecemos

o que percebemos interiormente como limite aos nossos anseios

de superação e liberação.

Na meditação sobre a desolação, compreendemos o abismo

que existe entre satisfazer nossos desejos e a possibilidade de viver

segundo a nova realidade que percebemos. Se antes atuávamos

movidos pelo instinto, agora percebemos a possibilidade de

liberação.

Na meditação sobre os Dois Caminhos, teremos a

possibilidade de discernir o que queremos alimentar para ser

livres.

Quando nos permitimos experimentar, sem queixas e

lamentações, a desolação causada pela repetição de experiências

que já sabemos que não queremos, descobrimos a força que reside

nos momentos de realização. Alimentamo-nos da compreensão

de que, se em alguns momentos conseguimos viver segundo

uma escolha, é porque esta força está em nós; só necessitamos

alimentá-la.

Tendo desenvolvido uma descrição da realidade que nos

orienta para a transcendência, e tendo compreendido que

somos movidos por instintos e condicionamentos, somos agora

chamados a assegurar nossas conquistas e caminhar com passos

seguros.

Para meditar sobre os Dois Caminhos, devemos apoiar-nos

no fato de que, afinal, sempre temos duas opções a escolher, e

compreender que, ao dizer sim a uma, estamos dizendo não à

outra.

É uma etapa em que temos que tornarmo-nos dogmáticos

conosco mesmos, para reafirmar nossos passos. Lembremonos

de que nossos atos podem invalidar o que nossa mente

compreende. A plenitude dos momentos em que conseguimos

realizar o que nos propomos, ajuda-nos a ter a força necessária

para mantermo-nos na opção escolhida.

Identifiquemos nossos apegos e o que eles nos causam, e o

que geram no meio em que nos relacionamos.

Poderíamos chegar ao cume do monte diretamente pelo

caminho da renúncia, mas nós, seres humanos comuns,

seguimos pelo caminho das inúmeras experiências, e tendemos

a nos distrair com as pedrinhas multicoloridas que vamos

encontrando pelo caminho. Assim, repetimos as experiências,

algumas delas, muitas e muitas vezes; sofremos, fazemos sofrer,

até que passamos à outra experiência e assim por diante.

Identifiquemos nossos apegos. Não são os apegos materiais

que mais nos afastam dos demais. Aprendamos a discernir.

Aprendamos dizer SIM ao que nos sustenta no caminho

escolhido e NÃO ao que nos afasta.

Como exercício pessoal, imagine “algum aspecto da minha

personalidade que consegui compreender e que afeta minha relação

com os demais, mas que, apesar de ter compreendido e conseguido

realizar, diante de qualquer descuido, perco o controle da situação”.

Descrevo para mim mesmo como a situação se apresenta, o que

causa, como me senti quando consegui controlar a situação, que

escolhas tenho a partir desta consciência. Na resposta, reforço

com argumentos a escolha que quero alimentar, e me proponho

terminantemente a desapegar-me daquela que não quero.

Podemos viver nossas vidas através da visão limitada que

nossas experiências passadas nos oferece, ou podemos descobrir

a liberdade de renunciar a aquilo que nos detem.

Desapego é liberdade. Um mundo melhor se faz possível

com nossos esforços de criá-lo em nossas vidas.

Um amor simples e comprometido, que se expressa na

perseverança de nosso trabalho espiritual, dá-nos força nas

dificuldades e uma perspectiva que nos permite discernir qual é

o melhor curso de ação para fazer de nossos ideais uma realidade.

Domingas Covre Loss, odontologista - Vitória/ES

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ARTIGO

TOMADA PELAS MÃOS

Beatriz Pimentel

Quando minha mãe e minha irmã

ingressaram em Cafh, vários anos atrás,

pensei que teria tudo resolvido. Elas me

ensinariam o que estavam aprendendo,

e nossas longas conversas a respeito do

significado da vida me dariam todas as

respostas que precisava. Bem…eu estava

errada. A vida tinha me reservado uma

experiência que me transformaria e revelaria

quem eu realmente sou.

Quando tinha dezoito anos, meu principal objetivo na vida

era seguir carreira em performance pianística, já que vinha

estudando música há cerca de dez anos. Praticava piano uma

média de quatro a seis horas por dia. Era tão entusiasmada e

determinada em superar as dificuldades técnicas das músicas

que tocava, que não me dava conta do próposito verdadeiro da

minha música. Havia ganho prêmios em competições e tocado

em diversos concertos. Orgulho e satisfação pessoal eram tudo

o que eu via na minha frente.

Estava completamente identificada com o que fazia, com

minha profissão, não tinha idéia de que haveria algo além disso.

Eu era uma pianista. Nada mais.

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Um dia, enquanto praticava uma peça difícil, minha mão

direita começou a doer. “Ótimo”, pensei, “isto significa que

estou trabalhando bem os meus músculos”. Sem dor não há

benefício, certo? Errado… Ignorei os avisos do meu corpo

e continuei a praticar mesmo com dor. Depois de semanas

tocando desta forma, num dado momento, não aguentei mais

tocar. A dor era insuportável.

Várias pessoas me alertaram de que devia estar tocando de

forma errada, minha técnica estaria muito tensa, mas não prestei

atenção. Até mesmo meu professor de piano não acreditava que

havia um problema com o jeito que eu tocava.

Por mais de um ano visitei médicos e especialistas, tentei

todos os tipos de tratamento, sem resultados. Minha ansiedade

e frustração aumentavam a cada dia, até o ponto em que

finalmente me dei conta de que ainda não tinha ido ao maior

especialista de todos: Deus. A única coisa que ainda não havia

feito era orar. Precisava orar, pedir orientação e respostas, uma

luz. Estava com medo.

Apesar de não fazer parte de Cafh nesta época, eu já me

relacionava com Deus na imagem feminina da Divina Mãe,

como me ensinara minha mãe. Para mim sempre pareceu

muito natural esta relação com o Divino. Quando comecei

a orar sobre, perguntava à Divina Mãe: “Quem sou eu de

verdade, e por que isto está acontecendo comigo?” Com estas

questões em mente, tinha de procurar dentro de mim por esta

outra pessoa, aquela que não era a pianista. Minha carreira era

tão importante que não podia imaginar a possibilidade de não

tocar mais piano. Mas estava ali, bem na minha frente. Tive

que enfrentar a questão tão temida: “e se minha mão foi tão

prejudicada a ponto de nunca mais poder tocar piano?”

Robert Schumann, compositor e pianista do século

dezenove, viu-se obcecado com a idéia de superar sua técnica

pianística e resolver as limitações físicas de suas mãos. Ele

desenvolveu uma espécie de máquina para fortalecer os dedos

fracos, usando um mecanismo de alongamento e levantamento

de peso. Era como uma academia de ginástica para os dedos!

Schumann usou tanto este aparelho que acabou machucando

as mãos permanentemente, colocando um fim em sua carreira

de pianista virtuoso. Não se sabe ao certo se foi esta a causa da

desordem mental que sofreu, mas provavelmente afetou o triste

fim da sua história: ele passou seus últimos anos num hospício,

com uma confusão mental e depressão profundas.

Talvez ele nunca tenha encontrado uma resposta para

seu destino, mas outra pessoa sim, várias décadas antes dele:

Ludwig van Beethoven, que ainda muito jovem, no auge de

sua carreira de pianista e compositor, começou a perder a

audição. Com a surdez aumentando e sem possibilidade de

cura, a tristeza e o desespero de Beethoven quase o levaram a

tirar a própria vida. Ele escreveu numa carta a seus irmãos: “a

única coisa que me impediu de tirar minha própria vida, depois

que a surdez me atacou, foi minha arte.” “…É impossível para

mim deixar este mundo antes de produzir todas as obras que eu

sinto o impulso de compor. Paciência – esta é a virtude que eu

preciso escolher como minha guia, e agora eu a possuo.” “Deus

poderoso, tu olhas para dentro das profundezas de minha alma,

tu vês dentro de meu coração e tu sabes que ele está repleto de

amor pela humanidade e um desejo de fazer o bem.” Esta é

uma das passagens mais tocantes desta carta que me ajudou a

compreender meu propósito com a música.

Apesar das freqüentes explosões de temperamento, de se

tornar um excêntrico e se isolar completamente para evitar

que as pessoas soubessem de sua surdez, Beethoven tinha uma

enorme paixão e desejo de proclamar uma mensagem divina

ao mundo através de sua música. Afirmava que, enquanto

Deus continuasse a falar com ele, iria prosseguir compondo.

Na verdade, Beethoven dizia que podia escutar dentro de

sua mente a música que já tinha sido criada nos céus – ele era

um canal dos sons divinos. Em meio a tanta raiva e desespero,

acabou compreendendo seu destino. Mesmo depois de ficar

completamente surdo, Beethoven compos as mais lindas

músicas, até o fim de sua vida.

Se Beethoven conseguiu seguir sua vida desta maneira,

depois de sofrer este tremendo desafio, certamente eu

poderia fazer o mesmo. A dor na minha mão nem de perto

se comparava ao drama de um dos maiores compositores da

humanidade. Eu me senti tão pequena…como poderia ter

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ARTIGO

pena de mim mesma? Minha mão não era nada comparada a

isto! Certamente não sou nenhum Schumann ou Beethoven,

mas posso me identificar com eles. Suas vidas me deram uma

idéia de como alguém se sente quando começa a perder o que

é importante para si próprio. Bem, eu achava que tocar piano

era a coisa mais importante para mim, até que começaram os

problemas com minha mão. Isto me fez parar e querer orar.

Orar intensamente, abrindo meu coração e deixando todas

emoções e pensamentos fluirem. Comecei a me perguntar qual

era o sentido da minha vida.

Depois que passei a orar à Divina Mãe, tive o desejo de

entrar em Cafh e fazer o compromisso que eu observara ter

dado um novo sentido às vidas de minha mãe e minha irmã.

Comecei a aprender o que siginificava confiar na vontade

divina.

Paciência era meu maior obstáculo. Eu queria um resultado

rápido, mas não havia nada rápido neste processo de chegar

a lugares desconhecidos dentro de mim mesma. Quando

orava, uma voz interior dizia: “você não é uma pianista

ou musicista”. Como assim? O que mais eu poderia ser?

As respostas vinham muito lentamente, mas uma delas foi

a compreensão de que eu estava temporariamente “tomando

emprestada” a habilidade de tocar piano. Esta habilidade

não era simplesmente para minha satisfação e nem era meu

maior objetivo na vida. Comecei a dar-me conta de que eu

era um canal da Divina Mãe. De alguma forma deveria usar

esta habilidade para os outros, não para mim. Vi que o autoconhecimento

era um processo de descobertas para toda a vida.

Se eu estivesse aberta, as possibilidades seriam infinitas.

Por outro lado, tinha de cuidar do processo físico da cura

da minha mão. Precisava parar de tocar por quanto tempo

fosse necessário, deixar de pensar em concertos e competições.

Deveria dar um tempo para permitir que outras coisas

preenchessem minha mente e meu coração.

Que oportunidade preciosa! À medida que me libertava

deste estado mental, muitas portas começaram a se abrir.

Um dia conheci uma fisioterapeuta, pessoa muito especial

que ajudou a curar-me por fora e por dentro. Fez-me reconhecer

as limitações do meu corpo e a ver as conexões entre meu bemestar

físico, emocional e espiritual – o que seria crucial neste

tratamento. Lentamente minha mão começou a melhorar.

Nessa ocasião, tive a oportunidade de conhecer um

renomado pianista que abriu meus olhos para a forma como

eu tocava piano. Disse-me que eu tocava com muita tensão. Se

quisesse melhorar e seguir tocando no futuro, deveria começar

de novo, dos princípios básicos, aprender tudo outra vez. Que

lição de humildade foi para mim! Imagine só… começar de

novo depois de tantos anos!

Após um ano de fisioterapia voltei a tocar, mas seguindo

os conselhos do pianista. Aprendi muito com esta experiência

de retomar do início, vagarosamente. Primeiro foi humildade,

depois paciência e perseverança. Foi um momento para crescer

espiritualmente e fazer de minha rotina uma rotina espiritual.

Dei-me conta de que não havia uma vida espiritual separada da

vida. Tudo começava a fazer sentido para mim.

Aproveitei para aprender mais sobre música. No passado,

estava sempre tão concentrada em passar horas praticando e

tocando, que nunca lia o suficiente sobre compositores ou

ouvia outros tipos de música clássica. O tempo extra que tinha

agora permitia expandir meus conhecimentos – eu realmente

não sabia nada sobre música!

Outro aspecto positivo desta experiência foi o fato de o

problema ter sido apenas na mão direita; ainda podia tocar com

a esquerda. Normalmente ela é mais fraca em pessoas destras.

Após ter sido orientada pelo renomado pianista, aprendido

como recomeçar, decidi concentrar-me no desenvolvimento

da mão esquerda enquanto a direita melhorava. Como podem

imaginar, minha mão esquerda ficou cada vez mais forte. Meu

professor disse que eu poderia aprender uma peça incrível, um

concerto para piano e orquestra que era tocado apenas com a

mão esquerda. Nem sabia que tal obra existia! Aprender uma

música em que o pianista solista tocava com apenas uma mão…

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ARTIGO

isto soava muito interessante! Maurice Ravel, compositor

impressionista francês, foi um dos compositores contratados a

escrever um concerto para a mão esquerda para um pianista

austríaco que perdeu o braço direito na primeira guerra

mundial. Que obra sensacional Ravel escreveu! Imediatamente

me apaixonei pela música. Esta foi a primeira vez, depois de

tantas fisioterapias, que novamente me preenchia com os sons

maravilhosos do piano. Ser capaz de tocar de novo teve um

significado muito especial,

porque algo dentro de mim

havia se transformado para

sempre.

Dois anos depois, já sem

dores na mão direita, tive a

oportunidade de fazer mestrado

em música nos Estados

Unidos, na Universidade

de Wyoming. Minha nova

professora foi maravilhosa,

ajudou-me principalmente

a prevenir futuros problemas

nas mãos. Ao mesmo tempo, estava tendo uma experiência de

vida muito rica no exterior. Continuei praticando o concerto

de Ravel para a mão esquerda. Como era uma peça difícil e

raramente tocada, recebi vários convites para tocá-la em

público.

Após uma apresentação, tive uma oferta para fazer doutorado

em artes musicais na Universidade de Houston. Mudei-me

então, em busca de novas experiências. Paralelamente, comecei

a dar aulas particulares para crianças e a tocar numa igreja.

Conheci meu esposo maravilhoso e estamos esperando nossa

primeira filhinha. Reconectei-me com um grupo de Cafh, onde

laços de amizade espiritual se desenvolveram outra vez. Que

virada inesperada minha vida deu, mas quão recompensadora!

Minha estória de desafios com as mãos não parou aí.

Parece que vão me acompanhar por toda a vida, mas de formas

“Depois que passei a orar à

Divina Mãe, tive o desejo de

entrar em Cafh ...fazer o que

obervara ter dado um novo

sentido às vidas de minha irmã

e minha mãe. Comecei a

aprender o que significava

confiar na vontade divina.

diferentes e com propósitos diferentes. Há dois anos, comecei

a desenvolver uma artrite na mão esquerda. Não pude evitar

aqueles antigos sentimentos fortes de ansiedade, tristeza e

preocupação.

No entanto, lembrei-me que a Divina Mãe havia me

mostrado que eu tinha um propósito que ia além de minhas

limitações e além de mim mesma. Minha vida estava em Suas

mãos. Eu era um canal de Seu amor. Através da música poderia

tocar o coração das pessoas,

influenciar positivamente

a vida de crianças. Sabia

que a Divina Mãe estava

novamente tentando me

mostrar algo através das mãos:

me lembrar quem sou, ajudar

a aprofundar-me em mim

mesma para reconectar-me

com o divino e redescobrir

meu lugar no mundo. A

Divina Mãe estava me

“sacudindo” para não ficar na

zona de conforto e esquecer minha vocação espiritual.

Este novo episódio de dor na minha mão me fez parar, orar

e oferecer mais uma vez tudo que sou à Divina Mãe. Revisei

meus objetivos, meu propósito na vida, meu compromisso

espiritual e minha direção. Renovei minha energia e amor pelo

caminho.

Agora compreendo que cada vez que algo acontece com

minhas mãos é hora de deter-me, mergulhar no meu interior

de forma mais intensa e profunda; me redescobrir. É hora

de procurar no fundo do meu coração e trazer à superfície o

amor divino que me define e transforma.

Agora eu sei que a Divina Mãe literalmente me tomou pelas

mãos!

Beatriz Pimentel, pianista - Atualmente reside nos EUA

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PRÁTICAS ESPIRITUAIS

PEGAR E LARGAR, COM A MESMA LIBERDADE

José M. Cascão Costa

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Ao refletir sobre o apego – ou o desapego, o que dá na

mesma – me vieram à mente duas historinhas, uma factual,

curiosa, e outra simbólica, mas também muito significativa.

Dizem que numa certa região da África os nativos têm

uma maneira peculiar de caçar macacos: eles colocam alguns

amendoins dentro de uma cabaça (espécie de cumbuca fechada),

onde o macaquinho consegue enfiar a mão aberta para pegar

a comida, mas não consegue tirá-la depois que ele pegou os

amendoins e está com a mão fechada. Como se recusa a largar

a comida, vira uma presa fácil.

A outra historia conta que dois monges budistas viajavam

juntos, quando chegaram às margens de um rio que transbordara

por causa de uma enchente. Encontraram uma linda jovem,

muito atraente e bem vestida,

que lhes pediu que a ajudassem a

atravessar para a outra margem,

pois não queria estragar suas

lindas roupas. Um dos monges

ofereceu-se para carregar a

jovem, pegou-a no colo e alguns

minutos depois a deixou segura,

do outro lado do rio. Os dois

seguiram viagem em silêncio até que o outro monge começou

a se queixar e a censurar o companheiro:

– Como você pôde carregar uma mulher em seu colo,

principalmente uma jovem tão bonita e atraente, isso não está

certo, o contato íntimo com pessoa de outro sexo é contra nossos

preceitos. Como pode violar as regras de um monge?

O que carregara a jovem ficou em silêncio por alguns

minutos, e depois disse:

– Bem, eu a ajudei a atravessar e a deixei lá perto do rio, mas

pelo que vejo você ainda a está carregando.

Tanto o macaquinho apegado a seus amendoins quanto

o monge apegado a seus pensamentos, ilustram o quanto

podemos ficar aprisionados pelas circunstâncias, sejam elas

materiais ou emocionais.

Em geral é isso que somos: vitimas de nós mesmos, quando

estamos possuídos por aquilo que julgamos possuir, sejam bens

Somos vítimas de nós

mesmos quando estamos

possuídos por aquilo

que julgamos possuir.

materiais, afetos, pensamentos, sentimentos e tudo mais que

nos impede de ser livres.

Sim, o apego nos impede de ser livres. Por quê Cristo, Buda,

Ghandi, São Francisco e tantos outros, largaram tudo para

trás e seguiram unicamente o chamado de sua vocação? Não

foi porque ignorassem ou quisessem negar o valor das coisas,

dos amigos, da família, mas porque sabiam que enquanto

não matassem os seus quereres, os seus desejos de ter e de ser,

estariam irremediavelmente acorrentados às circunstâncias.

Portanto, se queremos ser verdadeiramente livres e

felizes, precisamos aprender a pegar e largar com a mesma

naturalidade. A trabalhar como se fôssemos os seres mais

ambiciosos e avarentos, mas com liberdade interior para fazer

o que julgamos ser o certo e o

melhor para todos, sem ficar

“pendurados” nos resultados ou

com medo de “perder” o que

conquistamos. O pior inimigo

numa batalha é aquele que não

tem nada a perder. Sejamos

então guerreiros confiantes, e

a vida sempre nos suprirá do

que precisarmos, em cada momento. Ao contrário, quando

acumulamos sem escrúpulos e sem medida, e retemos cada

vez mais, nossa liberdade de movimentos e nosso campo de

atuação vão se limitando até um ponto em que nos percebemos

paralisados, escravos do que somos e do que temos.

Budha afirmava que toda a dor e sofrimento têm origem no

desejo. Podemos acrescentar que se perpetuam no apego. Até

os nossos melhores momentos, os mais felizes, muitas vezes não

são vividos plenamente, porque temos medo de que se acabem.

Outro fator que nos impede de viver plenamente, é o fato de

quase nunca conseguirmos estar onde estamos, por inteiro. Na

maior parte do tempo ou estamos alimentando lembranças ou

remorsos do passado, ou então divagando e fazendo planos para

o futuro. Enquanto isso, a vida escorre por entre nossos dedos.

José M. Cascão Costa, publicitário - São Paulo/SP

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MEMÓRIA

GABRIEL PROSSER

Um sonho de liberdade

Marilda Clareth

Era uma vez, há muito tempo atrás, um ser muito especial.

Não era um príncipe, um rei ou um personagem de contos de

fadas. A sua história é bonita, linda, encantadora porque sai

do limite de um universo pessoal, centrado em sua própria

existência. O amor fez com que a sua história rompesse

limites, fronteiras, abrindo assim novas possibilidades para

todos os seres humanos.

Vamos então contar. Começa assim: em um país muito

distante, por volta de 1776, em uma bela fazenda, nascia

uma criança. Um lindo menino...aliás toda criança traz em

si uma beleza indescritível. Seus olhos cintilavam, cintilavam

tanto, tanto que se confundiam com as brilhantes estrelas, na

imensidão da noite escura. A luz de seu olhar se irradiava e

iluminava a escuridão mais densa da noite e da simples cabana

onde nascera.

Era, realmente, um menino cujos olhos brilhavam como

pequenas estrelas no infinito céu, reluzentes pérolas perdidas

no imenso oceano da existência. Não se podia imaginar o

caminho que teria que percorrer. Guardava em si a inocência,

a pureza,a grandeza, a divindade que ilumina a vida de

qualquer ser humano... Mas por ironia ou por mistério, esta

criança nascera escrava. Filho de africanos, trazia na alma e no

corpo a herança cravada em sua terra, a mãe África, berço da

humanidade, transformada em continente de dor, miséria, da

diáspora negra. Criancinha ainda, não sabia de seu destino, da

missão que teria de cumprir. Nascera escravo, na fazenda do Sr.

Prosser, seu dono, o seu proprietário.

Mas, apesar destas circunstâncias, tornara-se um jovem

belo e altivo e desde muito cedo descobriu e acalentou em si

um sonho divino. Pode-se dizer que vislumbrou e deixou, sem

nenhuma resistência, habitar em seu coração uma luz, vocação

de amor, que brilhava, ocultamente, no mais íntimo de seu

coração. Um anseio interior de todos os seres humanos. Ele

deixou despertar e crescer, em seu coração, essa chama, esse

sonho encantador que nascera, talvez, da dor de ser negro e de

estar escravo...

Um sonho de rei, de príncipe, de escravo ou de todo ser

humano? Talvez um ideal, cuja chama tivesse se acendido, por

graça divina, para criar a capacidade de transformar a dor em

sacrifício, ensinança, possibilidade de transcendência. Sonho

nascido, então, a partir de uma fagulha de amor, de uma

inquietude, de uma dor indizível ou de um encantamento

que guia a existência humana, desde o primeiro momento

primordial, o instante em que surgira a primeira manifestação

de vida consciente, na face do universo. Talvez este mesmo

sonho tenha nascido, quando pela primeira vez o pulsar da vida

no cosmo foi percebido.

A realeza do sonho deste jovem, certamente, traduzia uma

necessidade ou uma força que se movimenta em direção a um

encontro ou a uma busca de transcendência, de união divina.

Não, não era uma fantasia ou uma alucinação. Era um hino

de esperança, uma sinfonia cuja harmonia congregava em si o

destino da humanidade. A melodia desta sinfonia constituía a

alma da vida, porque era entoada por todas as vozes e por todos

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os silêncios que se interligavam no processo de construção,

explosão e evolução da existência.

Neste hino, predominava um ritmo especial, a expressão da

vida em sua diversidade, a grandeza de ser e de elevar todos os

seres vivos que celebravam e concretizavam a interdependência,

a unidade essencial... era o anseio profundo de criar em si

um caminho ou uma possibilidade de divinizar a existência e

romper elos da corrente do egoísmo, da dor e do sofrimento

humano. Uma tarefa árdua, que exigia renúncia e doação

de si mesmo para dar mais um passo no caminho já aberto

e percorrido por grandes seres

há milênios e milênios. Era um

sonho de liberdade.E o jovem

sonhador chamava-se Gabriel

Prosser.

Nome e sonho de anjo,

uma história simples, difícil

com possibilidades, limitações

e conflitos inerentes á condição

humana. O escravo Gabriel

Prosser não imaginava o caminho que teria de percorrer.

A liberdade, na mente de um negro escravo, poderia ser

uma condenação. Mas a dor de conviver com correntes

que aprisionam fez com o escravo escrevesse a história que

resumimos a seguir.

Nascido em 1776, Gabriel Prosser foi um escravo americano

que planejou e liderou a primeira e, talvez, uma das principais

rebeliões de escravos da história dos EUA. Filho de africana,

Gabriel cresceu como um escravo de Thomas H. Prosser. Era

um homem profundamente religioso, uma figura imponente,

muito alto, corajoso e inteligente.

Ao contrário de muitos escravos, fora educado em sua

juventude e aprendeu o ofício de ferreiro, o que lhe permitiu

trabalhar também fora da plantação para ganhar algum

dinheiro, após pagar uma parcela, impostos, aos seus mestres.

Nesta época, os comerciantes brancos controlavam o fluxo de

A realeza do sonho deste jovem

se traduzia numa necessidade

ou força que se movimenta

em direção a um encontro ou a

uma busca de transcendência,

de união divina.

bens dentro e fora da cidade, exigindo que os escravos hábeis

cobrassem preços muitos baixos pelos trabalhos que faziam. Os

mestres, no entanto, continuavam a cobrar dos escravos uma

taxa alta pelos serviços prestados. Este sistema de exploração

estimulava a revolta dos escravos.

Em 1800, inspirado por um exemplo bíblico, a libertação

do povo de Israel, Prosser e outros escravos planejaram uma

rebelião com o objetivo de criar um estado negro independente,

após matar todos os brancos, exceto os franceses, os metodistas,

os Quarkers e os pobres.

Na noite de 30 de agosto de

1800, seria o início da rebelião,

comandada por Prosser. O

exército de escravos já estava

pronto. Acredita-se que o seu

exército era formado por mais de

10.000 escravos. Mas, neste dia,

uma chuva torrencial, uma terrível

tempestade de trovões impediu

a batalha. Pontes desabadas,

exército dispersado, ruas intransponíveis.

A conspiração foi adiada para o dia seguinte, 31 de agosto.

Porém, traído por dois escravos, Prosser viu seus planos

fracassarem. Prosser e trinta escravos foram capturados e

executados. Conta-se que ofereceram uma recompensa de

U$300 pela cabeça de Prosser.

Morreu enforcado, no dia 07 de outubro de 1800. Por

suas mãos ou sob sua liderança não houve derramamento de

sangue. Parece que foi uma dádiva divina a chuva, a mudança

dos planos de Prosser.

Em 1860, a abolição da escravidão era uma realidade nos

EUA. O ideal de liberdade permaneceu vivo. Prosser viveu a

sua vocação e hoje é lembrado e amado como um sonhador,

um líder, um protetor, um anjo da guarda...

Marilda Clareth, professora - Juiz de Fora/MG

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TÉCNICAS DE DESENVOLVIMENTO

O DESAPEGO E A EVOLUÇÃO DO SER

Paulo Nogueira

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Quando nos tornamos adultos buscamos alcançar os

recursos materiais e intelectuais que necessitamos para satisfazer

as necessidades de sobrevivência, como moradia, alimentação,

conforto e lazer, na medida das necessidades e do nível intelectual

alcançado.

Daí podemos ir sofisticando, indefinidamente, tais recursos,

já que a imaginação é inacabável e as possibilidades de criarmos

opções são infinitas.

Em tal processo podemos avançar, tornando-nos cada vez

mais ricos e renovados, e chegarmos aos limites de longa vida,

assim, apaixonados pelas maravilhas da criação.

É bem verdade que, ao nos depararmos com a finitude da

existência, podemos encontrar algum tédio ou sensação de vazio.

Ficar com a idéia de que valeu somente enquanto as descobertas

e conquistas foram motivadoras.

Se, no entanto, ao atingirmos níveis satisfatórios de recursos,

dedicarmos esforços em fazer o que sabemos, com o objetivo

maior de promover a compreensão e o encontro com os seres

que nos cercam, buscarmos objetivos comuns, entender as

necessidades alheias como também nossas, descobrimos, ao

sermos úteis, alegria sem par.

Esta alegria passa a ser um modo de realização e vida que, aos

poucos, vai nos remetendo ao hábito de praticar ação solidária

até sem nos preocuparmos em conferir os próprios resultados

desta.

A prática missionária do amor incondicional permite que

nos apercebamos da transcendência da vida. É natural, é bela,

preenche a mente e abre-se ao espírito, que vamos reassumindo

até os limiares em que o mais fiel e necessário companheiro, o

nosso corpo, vai exaurindo as próprias energias e, devagarinho,

decompondo-se às origens.

As ensinanças sobre o desapego, em Cafh, buscam apenas

nos colocar nos caminhos naturais de qualidade de vida e evitar

que deixemos de aproveitar a existência, ímpar oportunidade

de evolução do ser.

Ou como no simbolismo arcaico: “O Lago de Ixdoubar

(o subconsciente), escuro, profundo e embevecido, estende-se

aos pés do Viandante. Uma luz vermelha ilumina as águas: é o

reflexo luminoso do manto carmesin de Anhunit (o amor puro).

Ele leva o estandarte da Mãe sobre o barco de Hanou (o próprio

corpo), conduzido pelo cisne de Tammuz (o espírito), e avança

lentamente”.

Paulo Nogueira, psicólogo - Florianópolis/SC

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LIVROS

BONDADE ORIGINÁRIA

Cristina Woolf de Oliveira

Remover gradualmente os condicionamentos que ocultam

a nossa bondade inata é o que nos oferece Eknath Easwaran,

através de um método simples de meditação, praticado por ele

mesmo durante mais de 30 anos.

Escritor e professor de literatura inglesa na Índia, Easwaran

decidiu ir para os EUA com uma bolsa de estudos da Fundação

Fullbright. Lá se estabeleceu, vindo a escrever vários livros

sobre suas descobertas e realizações espirituais, e fundando um

prestigiado centro de meditação. Seu método de meditação é

baseado no amor, na compaixão e no destemor, sentimentos

latentes em cada um de nós, mas que precisam ser descobertos.

Esses sentimentos formam a essência da chamada centelha divina,

ou Bondade Originária, que está oculta em nós, e que, segundo

Eknath, energiza nossas vidas, tornando realidade nossos ideais

espirituais. No misticismo indiano, esse centro divino é chamado

de “atman”, si mesmo.

A verdade, diz o autor, é que caminhamos completamente

distraídos e ignorantes do núcleo de bondade em nossos

corações, ou, como dizem os místicos, do vestígio de nossa

divindade original.

Muitos de nós sentem-se como se estivessem em uma

encruzilhada. Somos hoje obrigados a nos defrontarmos com

questões que antes pertenciam ao meio filosófico, sem que

consigamos encontrar respostas que nos satisfaçam e confortem,

tais como: “para que serve a vida?”, “por que estou aqui?”, “sou

mais do que este corpo?”.

Easwaran, um indiano imerso em uma sociedade altamente

consumista como a norte-americana, nos chama a atenção

para o círculo vicioso que o progresso material nos conduz.

O chamado “ciclo carnavalesco” de fazer coisas, comprá-las,

vendê-las, colecioná-las, consertá-las, livrar-se delas, não é a

meta da vida, diz Eknath. Somente a satisfação espiritual pode

preencher o vácuo em nossos corações.

Meditação, diz Eknath, não é uma técnica de relaxamento.

Ela pode até aliviar as tensões do dia, mas, de modo geral,

meditação dá trabalho. Meditação é simples, mas está longe de

ser fácil, ensina o mestre indiano.

Imaginemos um método que treinasse nossa mente de

modo a fazer com que nossos pensamentos fossem para onde

os mandássemos, e fizéssemos com que eles nos obedecessem

enquanto lá estivessem... Este é o começo do treino, o início

do caminho para onde a meditação pode nos conduzir. A vida

espiritual é uma batalha que os místicos chamam de guerra

interna.

A meditação é uma ferramenta que nos permite manter

a mente funcionando em um rumo estável em todas as

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circunstâncias, protegendo-nos assim do impacto fisiológico

de emoções negativas. Ao transformarmos estados negativos

da mente em positivos, a meditação enche-nos de vitalidade e

estende um escudo protetor contra o estresse da vida.

É interessante notar que algo há muito tempo descrito pelos

místicos, atualmente é defendido até pela ciência: a imunidade

emocional aos estados negativos da mente está ligada à imunidade

física e, até mesmo, à resistência a doenças.

Somos apresentados neste livro à série de oito versos do

Sermão da Montanha, as Bem-aventuranças, narradas pelo

apóstolo Mateus. Eknath as chama de estratégias, que podem

ser utilizadas para se enfrentar “a nossa batalha interna por um

supremo propósito evolutivo”.

São elas a pureza, a humildade, a simplicidade, a paciência,

o amor, a misericórdia, a pacificação e o desejo, descritas pelo

autor com o auxílio de exemplos simples e ilustrativos de sua

própria vida, como sua infância na Índia, como professor de

literatura em uma universidade indiana, como palestrante sobre

meditação nos EUA etc.

Além dessas “estratégias”, Eknath nos recomenda ler as Bem-

Aventuranças com o pensamento voltado para a figura de Jesus

entrando em nosso mundo de sonhos, e mostrando-nos como

podemos despertar e passar do sonho para uma realidade mais

elevada, o reino dos céus aqui na Terra.

O ponto de partida da religião é o treino de nossa mente,

e o propósito da meditação é criar um centro dentro de nós

mesmos para onde possamos nos retirar, e onde nada consiga

nos abalar. Nosso intelecto, uma característica de nossa mente,

é tão útil para tomar decisões em níveis mais superficiais, mas

simplesmente não consegue funcionar no nível mais profundo

de nossos desejos, explica Eknath. Tudo o que pode fazer é

racionalizar as ações que fomos forçados a tomar, arrastados por

nossos desejos inconscientes e poderosos, muitas vezes muito

mais fortes do que nós.

É estimulante saber que não existe limite até onde a mente

humana pode ser treinada. Por exemplo, ao escolhermos o

alimento que ingerimos, começamos a fazer escolhas também

quanto à nossa mente. Nosso corpo funciona de acordo com o

que comemos, portanto, está é a primeira razão por que devemos

ser tão cuidadosos com o que colocamos para dentro dele. Nossa

mente funciona da mesma forma: se colocarmos dentro raiva,

egoísmo, ressentimento, nossa mente perderá seu equilíbrio e

elasticidade, assim como nosso corpo sofrerá revezes com uma

dieta contínua de má qualidade.

Ao pensarmos sempre nos outros, e não somente em nós

mesmos, poupamos energia pessoal, nos revitalizamos. Quando

estamos concentrados apenas em nós mesmos, agitamos nossa

mente com excitação, com desejos, ansiedade, competição e

desapontamento. Isso leva ao desperdício de energia.

Todos nós ansiamos por alcançar a imensa riqueza do mundo

interior; todos nós queremos amar e ser amados, mas o mestre

nos adverte de que isto só será possível quando conseguirmos

remover todo o ciúme, cobiça e ressentimento de nossos

corações, através da meditação, e encontrarmos o puro amor,

quando então penetraremos no mundo interior.

Cristina W. de Oliveira, tradutora - Rio de Janeiro/RJ

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O CAMINHO DO HOMEM

OLHAR PARA O FUTURO

Jorge Waxemberg

Temos que olhar para o futuro para encontrar a chave de

nosso trabalho interior, de nossa realização e de nosso destino.

Dessa maneira não nos confundiremos: olhar para o futuro

não consiste em imaginar utopias nem em projetar sonhos. Olhar

para o futuro é, simplesmente, reconhecer as possibilidades que

temos diante de nós e descobrir nelas o caminho que tem que ser

percorrido para realizá-las.

Não olhemos para trás, não busquemos velhos pontos de

referência. Não nos encerremos no que já foi, nas experiências

feitas, escolhendo o que já sabemos, repetindo os mesmos erros,

consolidando as mesmas estruturas. Olhemos em troca para

diante, sem assustar-nos ante o novo nem ante o desconhecido.

Os caminhos do passado já foram trilhados. Foram úteis, já que

nos trouxeram até aqui. Mas agora estamos em mar aberto, sem

bagagem e, por isso, livres para escolher com sabedoria como

queremos viver e para realizar sem travas nossas possibilidades. É

por isso que temos um caminho virgem para percorrer.

Tudo o que sabemos, tudo o que temos, tudo o que

realizamos, sintetiza-se no que somos hoje. Esta é nossa força

e nossa ciência. A essência do passado está no presente; o

circunstancial, o estruturado, o que não tem vigência, deve-se

deixá-lo para trás. Deste ponto para diante, temos que nos guiar

por nossa vocação, por nossa intuição e pela intrepidez de nosso

amor ao mistério divino.

Nada nos fecha a passagem. Saboreemos a liberdade do

espírito até que nos enamoremos desta de tal maneira que nos

baste somente esse amor para seguir pela nova senda.

Não temos que perder mais tempo. Temos que sacudir a

letargia dos apegos; aprender a pensar sem pôr barreiras em

nosso vôo. Não nos deve assustar nem a altura de nossas

aspirações nem a distância do horizonte sobre o qual fixamos

os olhos, já que o temor aparece somente quando queremos

algo impossível: reter o que já passou.

Temos que olhar para o futuro. Apesar da dor e da incerteza

que reina hoje sobre o mundo, não deixemos de ver no horizonte

as maravilhosas possibilidades que se apresentam diante de

nós e de todos os seres humanos. Temos que aprender dessas

possibilidades e atirar-nos com fé e confiança na realização de

nosso destino e no de toda a humanidade.

N. da E.: Extraído do curso de Cafh “Mensagens III”.

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ACESSE O SEU INTERIOR.

Para saber mais sobre a idéia de Cafh e como

você pode ser um membro ou participar de nossas

atividades e reuniões abertas, visite nosso site.

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Livros publicados no Brasil | ECE - Editora Cultura Espiritual

A ARTE DE VIVER A RELAÇÃO

Jorge Waxemberg

A ASCÉTICA DA RENÚNCIA

Jorge Waxemberg

A BUSCA DO SIGNIFICADO

Joseph B. Fabry

A DANÇA DOS MESTRES WU LI

Gary Zukav

A FILOSOFIA HERMÉTICA

De I-Em-Hotep

mediunicamente à Sra. K. Barkel

A GRAVIDADE E A GRAÇA

Simone Weil

A MÍSTICA E OS MÍSTICOS

Alicia Ortega

A VIDA DE BUDA

Ferdinand Herold

APLICAÇÕES PRÁTICAS DA LOGOTERAPIA

Joseph B. Fabry

BONDADE ORIGINÁRIA

Eknath Easwaran

CONQUISTA DA MENTE

Eknath Easwaran

CRESCER

Gita Lazarte

DA MÍSTICA E DOS ESTADOS DE

CONSCIÊNCIA

Jorge Waxemberg

ESPERA DE DEUS

Simone Weil

GERMES DE FUTURO NO HOMEM

Ramón Pascual Muñoz Soler

MEISTER ECKHART E A MÍSTICA MEDIEVAL

ALEMÃ

Giuseppe Faggin

MIL NOMES DE DEUS

Eknath Easwaran

NUVEM DO DESCONHECIDO

Autor desconhecido

O AMOR NUNCA FALHA

Eknath Easwaran

O ETERNO COMPANHEIRO

Swami Brahamananda

O LIVRO DA GRANDE EXTINÇÃO DE GOTAMA,

O BUDA

O NADA E SUA FORÇA

Miriama Widakowich - Weyland

OS MESTRES

De I-Em-Hotep

mediunicamente à Sra. K. Barkel

PENSAMENTOS DESORDENADOS ACERCA

DO AMOR A DEUS

Simone Weil

RELATOS DE UM PEREGRINO

Autor desconhecido

RÛMÎ E O SUFISMO

Eva de Vitray Meyerovitch

SÃO BENEDITO, O AFRICANO

Pol de Leon Albaret

UMA NOVA DIMENSÃO DE VIDA

Omar Lazarte

VIVER CONSCIENTEMENTE

Jorge Waxemberg

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