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4 Livro 9º ano 2020 Final pdf

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Nao sei,

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so sei que

acabou

9º ANO | 2020


APRESENTAÇÕES

As dúvidas e incertezas de 2020 também fizeram parte do cenário da escritura

dos livros. Como seria o processo de reescrita, se a maioria dos alunos se

encontravam em casa?

Daí, lançamos mão do Google Drive nunca, antes, usado com crianças tão

pequenas. E novamente, junto com as famílias, conseguimos chegar a cada aluno, um

a um, no incansável processo de escrever, refazer, melhorar e reescrever. Muitas mãos

e muitos olhares fizeram parte de cada texto dessa coletânea, quando o que há de

mais significativo são as marcas deixadas pelo aluno, pois cada intervenção realizada

cuidou para não alterar suas vivências, compreensão de mundo, habilidades e

subjetividades.

Alguns aspectos da estrutura do texto do aluno foram mexidos e remexidos, mas

tudo a partir do entendimento e da aprovação. Nem tudo que é sugerido, é acatado e

denota até onde a intervenção pode acontecer. E nessa negociação entre orientador e

aluno/autor, tudo ocorre na linha do respeito, na área do compartilhamento e

alinhamento das ideias.

É hora de folhear e ler as histórias de 2020 que ficarão eternizadas no formato

do Livro do Final do Ano, um tesouro construído por todos os alunos da Casa Escola

ao longo de sua existência.

Priscila Griner

Diretora Pedagógica

Eu tenho medo do excesso que seja em qualquer sentido

Mas também do retrocesso que por aí escondido

Às vezes é o que notamos, passar o que já passamos

Jamais será esquecido

Moraes Moreira

Esse ano nos serviu de uma grande lição, pois, nos mostrou com isolamento,

uma nova experiência de reconstruir o nosso universo simbólico, compartilhando

nossas angustias e conquistas em um ambiente virtual, situação nunca antes vivida

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com essa intensidade. Foi nesse cenário, onde cada aluna e aluno, ao seu modo,

buscou nas superações a possibilidade de trazer as suas “experienciações” cotidianas

por uma escrita que possibilita tomar o mundo como verdadeiro. Vimo-nos nos

aproximar por uma tela, experienciamos nossas dificuldades diante uma internet que

caiu, de um cansaço que bateu, mas também, vivenciamos a construção de um saber

coletivo ancorado nessas superações, conquistas de cada um de nós, que, como já

dizia o poeta, jamais serão esquecidas.

Jorge Raminelli

Coordenador Pedagógico

Ano de 2020, que ano! Esse ano vivenciamos toda a complexidade de

sentimentos e sensações, surgidas no encontro com o desconhecido. O desconhecido

é território da insegurança, pode trazer tristezas, mas também alegrias. Esse ano

termina com essa percepção movediça, e a única certeza que podemos ter é a de que

sem o outro, sem a interação, os dias se tornam empobrecidos. Como diz Mia Couto

em um de seus escritos, “mesmo no invisível, há uma porta”. 2020 também foi assim,

uma porta para novas formas de agir, de sentir, de aprender, novas formas de viver.

Nossa experiência literária resume tudo isso. No momento adverso, nós criamos novas

portas ficcionais que resumem experimentação da linguagem e da vida. fiquem à

vontade para entrar!

Thayane Morais

Professora de Língua Portuguesa

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E

DEDICATÓRIA

Dedico este livro especialmente a

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

Com carinho,

___________________________________________

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FICHA TÉCNICA

AUTORES E ILUSTRADORES – TURMA – 9º ANO MATUTINO – 2020

Alice Pereira de Melo

Amália de Sousa Lohss

Ana Luiza Galvão de Souza e Silva

Caio Marinho Soares Sousa

Emília Leandro Souto

Hannah Helena de Lima Carneiro

João Pinheiro Cordeiro Brumatti

Lucas Cosme Pereira de Melo

Luiza Duarte Paulino de Sousa

Luiza Pernambuco Toledo de Macêdo

Mateus Ariel Barbosa Pereira

Pedro Gabriel Bautista

Rafael Rangel de Carvalho

Tarcísio Alves Soares Neto

Tiago Cosme Pereira de Melo

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ORIENTADORES E REVISORES

Ana Priscila Griner (Diretora pedagógica, Especialista em Produção Textual e

Literatura, Mestra em Linguística)

Almog Griner (Administradora e Doutora em Administração)

Thayane Morais (Professora de Língua Portuguesa, Mestra em Estudos da Linguagem)

Jorge Raminelli (Coordenador Pedagógico, Mestre em Psicobiologia e Doutorando em

Ensino de Ciências e Matemática)

Natália Dantas (Professora da Biblioteca, Graduada em Pedagogia e Mestre em

Educação)

Renata Barcellos (Professora de Língua Inglesa)

Larissa Dantas (Professora da Biblioteca, Graduada em Pedagogia e Especialista em

Neurociências)

Dília Doolan Fernandes (Professora e Coordenadora de Língua Inglesa, Graduada em

Letras e Pedagogia)

CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL NA MONTAGEM

Jorge Raminelli

Iara Lopes

ASSESSORIA DE ILUSTRAÇÃO

João Tavares (Professor de Artes)

Raiane Pereira (Designer)

EDIÇÃO

Jorge Raminelli

Thayane Morais

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SUMÁRIO

Alice Pereira de Melo – QUEM FOI? – A RETOMADA – ...................................... 08

Amália de Sousa Lohss – A CULPA – .................................................................. 15

Ana Luiza Galvão de Souza e Silva – KIZABUXIKWAI – ..................................... 19

Caio Marinho Soares Sousa – LIBERDADE SEQUESTRADA – ......................... 24

Emília Leandro Souto – ORDINARIEDADE – ....................................................... 29

Hannah Helena de Lima Carneiro – ESBOÇOS DE UM CARNAVAL – .............. 36

João Pinheiro Cordeiro Brumatti – CAOS EM IONIA – ....................................... 41

Lucas Cosme Pereira de Melo – NOVA 12 – ....................................................... 44

Luiza Duarte Paulino de Sousa – LÆNESTOL: UM CONTO DE TERROR – ..... 49

Luiza Pernambuco Toledo de Macêdo – AMIZADE – ......................................... 55

Mateus Ariel Barbosa Pereira – GRAYSCALE – .................................................. 60

Pedro Gabriel Bautista – “ELE” – .......................................................................... 62

Rafael Rangel de Carvalho – O SONHADOR – ................................................... 68

Tarcísio Alves Soares Neto – FINAL ALTERNATIVO – ....................................... 70

Tiago Cosme Pereira de Melo – O ORGULHO – ................................................. 79

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QUEM FOI? - A RETOMADA

Alice Pereira de Melo

resultado da investigação - maio/2019

A morte de Joe, por algum motivo, ainda me incomodava, apesar de terem se

passado cinco meses do assassinato. Depois que sua ex-namorada, Mayra, foi presa,

eu, o Lucas e a Julia voltamos aliviados para a escola. Mesmo assim, lembro que,

enquanto interrogávamos Mayra, o seu olhar vazio e triste parecia-me, no fundo, ser

sincero.

Depois disso, eu comecei a sentir-me culpada, uma culpa tão grande que não

saía de minha cabeça nem por um instante. Resolvi dividir o meu sentimento com

meus amigos Lucas e Julia. Lucas, sem paciência, disse:

— Ah, não, Alice! Já estou vendo acontecer tudo de novo.

Ele claramente estava cansado das minhas histórias, até porque Lucas nunca

gostou muito de participar das investigações, mas eu não podia negar o que sentia.

Então, insisti muito para que retomássemos as investigações acerca da morte de Joe.

Após um bom tempo de discussão, eles finalmente concordaram em voltar.

Inicialmente, com a autorização que consegui com meu tio, que é advogado,

fomos ao Centro de Detenção conversar com a Mayra, para ver o que ela tinha para

dizer em sua defesa. Quando cheguei à sala de vis comunicação, estava muito

nervosa, porém tentei não demonstrar. Mayra pegou o gancho do telefone e suplicou:

— Não fui eu! Não fui eu! Eles me obrigaram, eu juro!

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Fiquei muito confusa, quem eram “eles”? Por que ela mataria o próprio

namorado? Eram muitas perguntas sem respostas ainda.

Pedimos muito para que esclarecesse, mas Mayra não falava mais nada além

da negação de que não fora ela.

Diante de tantas dúvidas, percebemos que a melhor coisa a se fazer era voltar a

balada e checar tudo outra vez. Nada poderia deixar de passar em nossas novas

investigações. Logo após o assassinato, a boate foi fechada, ninguém se sentia seguro

de frequentá-la, portanto fui direto ao Mathias que trabalhava lá como vigia. Ele me deu

as chaves sem maiores objeções.

Nesse mesmo dia, Lucas não pode ir conosco, pois estava doente. Eu e Julia

aproveitamos a balada vazia e vasculhamos tudo, até o telhado.

Enquanto olhávamos as câmeras de segurança, resolvemos rever o momento

em que Joe conversava com o homem que o agrediu. Percebemos uma movimentação

estranha um pouco antes de Mayra se esconder atrás da árvore para ouvir a discussão

entre os dois. Ela foi abordada por dois homens barbudos que, irritados, apontavam

para outro lugar, e Mayra obedeceu.

Então, pedimos ajuda ao meu amigo que trabalhava antes na boate para

identificar quem eram aqueles homens. Mathias contou que eles sempre frequentavam

a balada e que, de certa forma, mandavam no lugar. Ele disse que os homens se

chamavam Marcos e Vitor, mas nunca tinha falado com eles. Mathias ainda nos contou

que viu a dupla conversando com Mayra e que ela parecia desesperada. Suspeitamos

que Mayra havia sido orientada a ficar escondida atrás da árvore pelos dois malencarados,

mas não sabemos o porquê.

Resolvemos, então, falar com Mayra novamente e meu tio, como sempre, deu

seu jeitinho. Ao contarmos o que vimos nas câmeras, Mayra se viu pressionada e

disse, enquanto chorava aos prantos, que foi tudo culpa do MVL. Ela afirmava que era

inocente e o tempo da visita se esgotou.

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Assim que chegamos ao meu quarto, fomos pesquisar quem era MVL.

Descobrimos que era uma organização conhecida por matar traidores. Assim,

começamos a desconfiar que ela foi obrigada a matar seu namorado. Mas ainda não

sabíamos muita coisa sobre essa organização, MVL...

Uns dias se passaram e Lucas melhorou, então voltamos às buscas. Lembrei

que, enquanto assistíamos às câmeras, as imagens tremiam muito, como se ventasse

fortemente. Também identifiquei uma quarta pessoa nas imagens que passou

rapidamente pelos meus olhos. Na correria, ela deixou algo, como se fosse um

embrulho, cair próximo à Mayra e aos dois homens.

Desconfiada, voltei para conversar com Mayra, e o policial ligado ao meu tio

fingiu que nem me viu e me deixou entrar direto. Mayra disse que naquele embrulho

havia uma faca que fora usada para matar Joe. E passados alguns minutos, Mayra

esclareceu que na balada, ela estava atrás da árvore para vigiar. E depois acrescentou:

— Se eu deixasse ele escapar, eu morreria.

Julia, calada até aquele momento, arregalou os olhos e disse espantada:

— Ela está falando de Joe... — O que fazia muito sentido, já que,

provavelmente, Mayra estava encarregada de observá-lo para que o MVL pudesse

concluir o assassinato.

Então, Julia e eu percebemos que, quando Joe estava indo embora, havia dois

homens atrás dele.

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O quebra-cabeça estava começando a ser decifrado. Os homens que seguiam

Joe eram do MVL, só podiam ser. Mas o que significava MVL, afinal? Bem, como

Mathias disse que o nome dos mal-encarados eram Marcos e Vitor, fazia todo o sentido

serem as inicias de seus nomes, mas não sabíamos de quem era o “L”, ou qual dos

três havia matado o Joe.

Na noite do crime, quando cheguei à balada, um pouco atrasada, comprimente

Julia, Joe e Mayra; Lucas havia ido ao banheiro. Enquanto os meus amigos se

divertiam dançando, eu estava sentada mexendo em meu celular. Nos fundos da

boate, o sinal da internet era melhor, então fui até lá tentar uma conexão boa. Lá do

fundo, vi Lucas correndo e quando ele me viu, cumprimentou-me e voltou para

encontrar meus outros amigos.

Eu tinha esquecido desse acontecimento, foi tudo muito rápido na hora. Depois

de um tempo pensando nisso, resolvi, no outro dia, contar para Julia na minha casa de

frente à parede onde estavam todas as minhas anotações. Ela, com o seu jeito quieto e

observador de ser, disse que já vinha observando Lucas há um tempo e que pensou

em uma coisa absurda:

— Olha, amiga, eu posso estar enlouquecendo, não sei, mesmo assim... E se foi

o Lucas?

Eu achei aquilo impossível. Por que o Lucas? Ele não tinha motivos para

assassinar alguém. Então Julia começou a explicar que desde o 4º ano, antes de eu

chegar à escola, Lucas já havia se apaixonado perdidamente por Mayra. Era mais que

um amor, era uma fixação. Então, esse amor continuou por muito tempo, mas Lucas

disse que tinha superado quando Mayra começou a namorar Joe.

Logo após a escola, fui conversar com Lucas e ele confirmou que gostava de

Mayra, mas que eram águas passadas e acrescentou que Joe sabia disso, porém se

contradisse falando: “Ele não ligou para os meus sentimentos, ele me traiu”. Naquele

momento, Lucas estava muito alterado. Fui embora. Contei tudo para Julia na escola e

que havia gravado toda a conversa, caso fosse necessário resgatá-la em outro

momento.

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Dias depois, conversei com Mayra novamente e ela me revelou de maneira

estranha:

— Guardo algo importante embaixo da minha cama.

Ela ficou repetindo essa frase umas quatro vezes. Então fui até sua casa e

encontrei um celular dentro de uma caixa, embaixo de sua cama. Coloquei-o para

carregar e comecei a abrir todos os aplicativos. Enquanto via suas fotos, achei um

vídeo com baixa qualidade, o qual parecia uma conversa de alguns homens com ela. O

vídeo que Mayra gravou mostrava que ela estava bem assustada e negando com a

cabeça. Então, vi pelos gestos que eles a mandaram ficar ali, vigiando.

Levei a gravação para Julia e ela conseguiu melhorar a qualidade da imagem e

do som. Quando o assistimos novamente, identificamos que os homens que

conversaram com Mayra estavam na balada “Night Club”, nos fundos dela. Fomos até

Mathias e ele confirmou que eles eram Marcos e Vitor. Vimos também alguém correndo

ao fundo. Prestamos atenção ao áudio e ouvimos um homem dizendo:

— Sigam ele! Quando eu der o sinal, ele já estará morto.

Pedi para que Julia pausasse o vídeo no rosto do menino, para que víssemos se

nós o conhecíamos. Eu não queria acreditar no que eu vi, mas não podia evitar o

espanto. O garoto que aparecia na filmagem era Lucas. Eu fiquei sem entender, pois

se a voz que se ouvia era muito parecida com a dele e foi ele quem apareceu na

imagem, então foi Lucas quem matou o Joe. Por que fez aquilo? Vingança? Fiquei em

choque.

Fomos até a casa de Lucas, ele parecia muito pálido, um olhar de tristeza.

Questionei a sua saúde e ele nos disse que estava muito mal, arrependido. Perguntei

qual era o motivo dessa tristeza toda e ele disse:

— Eu não conseguia segurar, era mais forte do que eu! Eu a amava muito! Ele

tirou tudo o que eu tinha! Tive que fazer alguma coisa!

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Aí eu entendi o que estava acontecendo, ele queria se vingar de Joe por ter

começado a namorar Mayra, por isso ele o matou. Apesar de Lucas ser meu amigo, eu

não poderia ter a confissão dele em mãos e não fazer nada.

Cheguei à delegacia e mostrei todas as provas que tinha para o delegado: a

gravação, os áudios, a câmera de segurança. Lucas concordou em se entregar.

Enquanto eu mostrava o vídeo, Julia perguntou para Lucas como é que as digitais na

faca eram de Mayra, se não foi ela a culpada?

Ele confessou:

— Eu limpei minhas digitais e obriguei Mayra a colocar as suas por toda a faca,

porque caso a faca fosse encontrada, ninguém desconfiaria de mim.

Ainda sem acreditar no que aconteceu, despedi-me de Lucas e ele,

imediatamente, foi preso por homicídio.

Por um instante, senti-me, finalmente, aliviada, mas com muita raiva de Lucas. E

antes deu ir embora, ele se aproximou e sussurrou no meu ouvido:

— Ó, Alice, um dia você vai entender e me agradecer por salvar a sua vida.

FIM

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SAUDADE GRANDE

Entrei na Casa Escola aos dois anos de idade, então

foram muitas histórias, momentos de felicidade, de aprendizado

e de evolução constante, então eu acho extremamente

complicado resumir tudo o que vivi nela em apenas algumas

linhas. Por isso, como explicaram-me, esse é um texto sobre

memórias, e não uma biografia, como eu havia entendido antes.

Para mim, a definição de como eram as escolas sempre

foi a Casa Escola, muito porque eu nunca tinha frequentado

outra instituição, mas com o passar dos anos, eu percebi que ela

trata os alunos de uma forma muito diferente das demais. Ela

me ensinou a perceber que os pequenos detalhes também têm o seu valor, a como

tratar as diferenças, a ser mais responsável, através das planilhas, a debater sobre

temas atuais ao mesmo tempo que respeito a opinião dos outros.

Todas essas coisas acabam sendo esquecidas por muitos, pois uma escola não

tem a função de apenas nos ensinar mais e mais matérias, mas, também, possui uma

grande influência para a nossa formação como ser humano. Por isso, a atenção que a

Casa Escola sempre deu para que houvesse uma boa comunicação entre professor e

aluno, por meio da tutoria, possíveis melhoras na instituição, nos momentos de

assembleia e a preocupação com a saúde mental dos alunos, nos encontros com a

psicóloga, os quais foram extremamente importantes para minha evolução.

Como eu disse no início, seria muito complicado resumir tudo o que eu passei na

Casa Escola em todos esses anos, mas ela deixará ótimas lembranças e aprendizados

que certamente contribuíram para a minha formação como pessoa e para que eu tenha

orgulho de quem eu me tornei. De qualquer forma, as pessoas, a energia, as

experiências e o lugar acolhedor certamente farão falta quando eu a deixar. Sei que

será uma saudade grande, mas serão memórias que nunca serão esquecidas.

Alice Pereira de Melo

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A CULPA

Amália de Sousa Lohss

Jaqueline era uma menina dócil e obediente, nunca quebrou uma regra sequer,

fazia tudo como pediam e suas notas eram as mais altas da escola. Jaqueline tinha

uma família rica, sua mãe trabalhava na imprensa, já o pai, o Eduardo, era dono da

empresa de geladeiras da cidade. Por causa do trabalho dos pais, Jaqueline teve que

se mudar, foi para uma cidade totalmente diferente da que ela conhecia, era uma

cidade de rebeldes, uma cidade um tanto fora do comum para ela, com pichações nas

paredes, manifestações e ativistas ambientais. Jaqueline, idealista que era, ficou

maravilhada com a cidade, achou o que faltava na sua vida, achou uma causa.

A empresa de seu pai contratou novos funcionários, o negócio crescia cada vez

mais, pois a cidade era grande e a quantidade de clientes aumentava toda semana.

Jaqueline, já adaptada a cidade, entrou para um grupo que lutava pelos direitos dos

trabalhadores. Seu pai nunca se interessou muito pela causa que a garota defendia,

pois sempre achou que era bobagem, e que não iria ter nenhuma relevância. Jaqueline

sentia que ele estava meio distante, não deixava que ela entrasse em seu escritório, e

também desviava do assunto quando ela perguntava sobre seu trabalho, mas a garota

nunca se importou muito com isso. Ela não comentava muito sobre suas atividades e

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experiências com seu novo grupo de amigos, nem mesmo com a mãe, que também

nunca se interessou o suficiente para perguntar. Sua mãe tinha matérias para todas as

semanas, tudo corria perfeitamente. Até perfeito demais.

Em uma excursão da escola, foram visitar a fábrica do pai de Jaqueline, porém,

Eduardo não sabia que a escola iria com a turma de sua filha. Chegando lá, a garota

ficou horrorizada com a situação dos empregados da fábrica, que trabalhavam em

situação precária, sem tempo para descansar e sem a menor segurança. Todos viram

o que estava acontecendo!

Quando chegou em casa, Jaqueline foi questionar o pai, falou que não era certo

o que ele estava fazendo e, por isso, ela e o pai tiveram uma grande discussão. Como

castigo, Jaqueline foi forçada a sair de seu grupo. A menina só podia sair para ir à

escola e voltar para casa, nada a mais nada a menos. Em casa o clima era tenso, não

trocava uma palavra sequer com seu pai, só os olhares de desprezo.

Meses se passaram nessa situação até que algo aconteceu na fábrica. Vários

trabalhadores morreram devido a um acidente, que foi horrível. Houve uma explosão

em um dos setores por falta de supervisão dos componentes químicos utilizados pela

fábrica. Por conta da falta de estrutura e de saídas de emergência, muitos funcionários

ficaram presos e acabaram sufocados por falta de ar, outros, saíram com sequelas,

queimaduras de terceiro grau e até mesmo perda de membros.

Depois disso, os grupos ativistas manifestavam em frente à casa de Jaqueline,

falavam frases como "você vai pagar", "isso não vai ser esquecido". A garota passava o

dia no seu quarto, não conseguia olhar nos olhos de seu próprio pai, ela não dormia

pois quando se deitava, pensava no mal que uma pessoa de sua própria família fez,

uma pessoa que dorme no quarto ao lado. Jaqueline decidiu fugir de casa, não

aguentava mais viver ao lado do monstro que seu pai havia se tornado.

Quando Jaqueline saiu de casa, no meio da noite, as ruas só tinham os

manifestantes. Os olhares de ódio e decepção rasgavam Jaqueline, como leões

famintos olhando para suas presas. A cada passo que ela dava mais pessoas vinham

se aproximando. Jaqueline sentia como se algo de horrível estivesse prestes a

acontecer, quando alguém gritou, “É ela a filha do cara da fábrica. Vamos pegar ela!

ele vai receber na pele o que nós sentimos”. Todos começaram a correr atrás de

Jaqueline, a pobre garota tentou falar, mas era tarde demais, a sede de vingança já

tinha consumido as pessoas.

Jaqueline foi espancada até a morte.

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MEMÓRIAS DE UMA AMÁLIA

Sendo sincera, não faço a menor ideia de como fazer

esse texto, e nem como começar, mas vamos lá.

Quando eu cheguei na Casa Escola, eu tinha 6 anos.

Lembro-me de alguns mínimos detalhes, lembro que eu já

conhecia uma pessoa na sala e eu estava morrendo de medo

de não conseguir fazer novas amizades, e também, não sei

porque, lembro que tinha medo de não gostar da comida (a

comida era maravilhosa). Na realidade, não lembro muito do

meu fundamental 1. Ao meu ver, a minha experiência

realmente significativa na Casa Escola só começou no

Fundamental 2.

A chegada no sexto ano acho que mudou minha visão totalmente. Tive novas

experiências e fortaleci amizades, criei novas amizades também. Tive uma experiência

maravilhosa na exposição pedagógica com o nosso trabalho feminista, chamando

"Além do batom vermelho" que me abriu os olhos para o que acontecia no mundo com

as chamadas minorias. A partir daí meu interesse por questões sociais, como racismo,

homofobia e machismo, aumentou cada vez mais, e eu acho que, diferente de outras

escolas, a Casa Escola falou sobre isso com a minha turma com abertura e

aprofundando, tratando de temas polêmicos e complexos de uma forma muito

interessante. Inclusive, agradeço muito a Caniggia pelas aulas maravilhosas sobre

esses assuntos, acho que nunca vou esquecer das aulas em cima das mesas, e suas

análises maravilhosas.

No sexto ano o meu GR (na época ainda se chamava de GR) era o grêmio, que

organizava as assembleias, com isso perdi minha vergonha de falar em público e sou

muito grata por isso, pois acho que me ajudou a criar novas amizades, e socializar com

muita facilidade. Penso que se eu for falar por tudo que eu sou grata, esse texto iria

ficar gigante, pois sou grata por todas as pessoas que fizeram da Casa Escola o que

ela é.

Chegando no sétimo ano eu mudei de tutoria, fui para a de Beth que me ajudou

a ser bem mais organizada e a planejar meus estudos. No sétimo ano eu saí do vôlei e

voltei umas 4 vezes, não me lembro ao certo porque, inclusive, desculpa Larissa por ter

saído! (não sei o que seria de mim hoje sem o vôlei).

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O oitavo ano foi um ano de descobertas, fiz novas amizades, amizades

maravilhosas que espero nunca perder o contato, tive novas experiências, e mudei de

tutoria, fui para a tutoria maravilhosa de Vanessinha, e finalmente entrei no NI de jogos

e eventos (que foi uma experiência que eu realmente adorei), no oitavo ano eu saí da

ginástica olímpica. Nesse ano acho que tive a melhor viagem com a Casa Escola, que

foi para pipa. Eu já tinha ido algumas vezes, mas dessa vez foi totalmente diferente

pois estava com meus amigos e foi extremamente divertido. Na exposição pedagógica

do oitavo ano, eu pude ver como funciona a indústria da carne e fiquei horrorizada e

indignada, até tentei virar vegetariana (aguentei por 1 mês, pois, infelizmente, adoro

carne). Eu sempre imaginei como seria o meu nono ano, mas nunca imaginei que seria

assim, sem poder ver os amigos e os queridos profs., a moça da cantina e até mesmo

Robério. Sem ter a convivência e o contato físico diário, sem os jogos de queimada e

as conversas paralelas no meio da aula.

A Casa Escola me fez como eu sou hoje, essa escola é diferente das outras, é

um lugar em que eu me senti acolhida e pude ser eu mesma, me deu amizades

maravilhosas que eu espero levar para a vida toda, ela é uma escola que me deu voz e

me ensinou o quão importante é lutar pelo o que queremos, me ajudou a enxergar os

meus direitos e tive o prazer de aprender tudo isso com os melhores professores que

tiraram minhas dúvidas e sempre muito atenciosos (eu não sei como que Vanessa me

aguentou por tanto tempo). Não sei como vai ser nas outras escolas, mas se for

metade do que a Casa Escola foi para mim, acho que já tenho muita sorte.

Não estou falando que a Casa Escola é perfeita, pois já passei por situações

desconfortáveis, mas nada é perfeito, e adoro a Casa Escola mesmo com suas falhas.

Eu realmente amo essa escola com todos os seus defeitos porque nada nesse mundo

é perfeito, e tenho certeza que sentirei muitas saudades, até mesmo do estresse de

fazer a calourada e o Halloween com o NI que eu adoro. Sentirei muita saudade da

tutoria com essa pessoa maravilhosa que é Vanessa. Não quero dizer adeus, mas sim

um oi para esse novo ciclo da minha vida... Espero que todos os futuros “nonos” não

tenham que passar por uma situação semelhante a essa de quarenta.

E queria agradecer muito a todos os professores que me fizeram a pessoa que

sou hoje, sou muito grata por ter tido vocês na minha vida.

Amália Lohss

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KIZABUXIKWAI

Ana Luiza Galvão de Souza e Silva

— Para com isso Carol!

— Que foi, Júlia? Você tem medo mesmo de uma lenda urbana? Já tem no

nome: lenda!

— Sim, mas a gente está no meio do nada e você me conta isso…

— No meio do nada, Júlia? É só o quintal de Luiza, e estamos em um

aniversário! Se você quiser é só entrar em casa.

— Você só está fazendo isso para eu falar com a mãe de Luiza porque quer ficar

sozinha com suas amigas!

— Bem, você que inventou de vir.

— Mas eu vou ficar e estou com medo.

— Tá, tá, vai dormir que passa.

Então Carol foi conversar com suas amigas, enquanto Júlia, sua irmã, entrava

em casa, onde estavam os pais de Luiza e havia luz. Carol estava com raiva por sua

irmã caçula ir junto com ela à festa, então tentava aterrorizá-la para ficar sozinha. Mas

não demorou muito para o medo de Júlia falar mais alto.

— Oi.

— O que foi, Júlia?

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— Estou com medo! Já te disse! Não quero ficar com os adultos.

—E eu não quero ficar com você.

Luiza, a aniversariante, conhecia as meninas havia muito tempo. Fazia o sétimo

ano com Carol e praticava yoga no mesmo local que Júlia. Não falava muito com a

menina pela diferença de idade, mas sabia que era admirada por ela. Por esse motivo,

tentava ser gentil e se importava com Júlia. Após ouvir aquilo, ela ficou curiosa.

— Por que você está com medo, Júlia?

— A Carol me contou uma história muito estranha.

— Que história?

Elas saíram de perto das cabanas e foram para perto das mesas, onde estavam

as outras convidadas e toda a comida. Quando chegaram lá, as meninas as chamaram

para brincar de esconde-esconde, mas não estavam interessadas. Carol não gostava

de correr, Luiza queria escutar a história e Júlia nem cogitava ficar escondida em um

local apertado e escuro, além do mais, queria ter alguém para compartilhar o medo.

Então, Carol voltou a falar.

— Bem, certa vez, um menino muito, mas muito tímido, escreveu em um papel

que queria desaparecer, enquanto sua professora pedia-o para responder uma questão

no quadro. O menino fez um pacto com o demo…

— Não fala!

— Ai, Júlia, me deixa contar a história.

— Bem, o pacto dizia que o menino poderia desaparecer sempre que quisesse,

era só pensar na palavra kizabuxikwai enquanto batia, fortemente, os pés no chão.

Para voltar ao normal, precisava recitar, com a pronúncia certa, o poema:

“Eu queria desaparecer,

Mas não quero mais.

Embora de Kizabuxikwai!”

— Nossa, ninguém saberia como falar isso.

— É, Luiza, isso é impossível.

— E ainda assim tem gente que tem medo da história, não é, Júlia?

— Tá bom, continua.

— Bem, quando ele lembrava dessa palavra, ele não era lembrado, ou seja,

ninguém percebia sua existência, era como se nunca tivesse nascido. O problema é

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que esse menino era muito tímido, muito mesmo. Sempre ficava se esforçando para

lembrar da palavra, até que já não era mais difícil recordá-la. Já era algo como mesa,

sabe? Uma palavra simples.

— Tá, e aí?

— E aí que esquecemos de palavras simples algumas vezes, e nesses casos

precisamos nos esforçar para lembrá-las. Isso foi o que aconteceu com ele.

— Então ele nunca mais ficou invisível?

— Não era só ficar invisível, era sumir. Bem, não foi isso, ele estava em um

palco, ia cantar para tentar ganhar um concurso.

— Como uma pessoa tímida faz isso?

— É coisa de escola, ele era obrigado. Sabe como é, né? Então, ele fez. Estava

muito nervoso e não conseguia lembrar da palavra. Teve um ataque. Começou a bater

os pés desesperadamente até lembrar da palavra.

— Que bom, não é?

— Então, ele desapareceu, como sempre fazia, só que ele foi para o mundo

dele, para onde ele sempre ia, um mundo igualzinho ao nosso só que sem ninguém, o

mundo de kizabuxikwai. A questão é que dessa vez, dessa única vez, ele decidiu não

voltar mais. A vergonha que ele passou foi tanta que transformou a mente dele, que já

não queria mais ser lembrado. Assim, ele decidiu ficar lá para sempre, pois sabia que,

se voltasse, ficaria indo sempre a esse mundo mesmo.

— Nossa!

Nem mesmo Luiza sabia porque havia dito aquilo. Se seria porque a história era

muito boba ou porque, de certa forma, ela teve uma sensação de estar sendo

observada e pensou se não seria o menino.

— Então ele ficou preso no mundo de Kizabuxikwai para sempre.

— Que triste, coitadinho. Tudo isso só por vergonha.

— Coitadinho nada! Você vai ver!

— Sim, coitadinho não é a melhor palavra. Ele passou alguns dias assim e

pensou numa forma de melhorar a vivência dele naquele mundo. O menino pensou em

anotar sua história em um papel, mas ele não colocou a parte ruim…

— Para que ele fez isso? Para passar o tempo?

— Você vai ver! Então, o menino segurou o papel e, por alguns segundos, voltou

ao mundo e deixou o papel numa mesa de sala de aula, voltando rapidamente a

Kizabuxikwai.

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— E então?

— Então, alguém encontrou o papel e espalhou a história pelo mundo.

— Para quê?

—Ele fez isso para alguém passar pelo que ele passou, fazendo com que ele

tenha companhia. É isso, fim. Então, desde essa época, todos que chegam no mundo

ficam lá, pois, mesmo que muitos tentem, ele nunca disse a pronúncia certa de

kizabuxikwai para ninguém. Assim, ninguém mais saia de lá.

— Que horror! Mas, se ninguém sai de lá, como você sabe dessa história?

— PORQUE EU VOLTEI DE LÁ!!!

Carol riu da cara de espanto de Júlia e Luiza, mas, na verdade, não sabia

responder àquilo, já que havia achado a história na internet e não havia pensado nesse

detalhe. Assim, tratou de terminar logo a conversa.

— Bem, vamos dormir, cansei de falar, estou com sede, onde tem água, Luiza?

— Eu trago para você.

De certa forma, amedrontada, Luiza foi pegar água se sentindo uma boba pelo

susto que levou com o grito de Carol. Então as meninas foram às cabanas, onde as

outras amigas contavam para o esconde-esconde.

— Ei, Júlia, vamos brincar de kizabuxikwai?

— Para de ser chata, Carol. Você vai acabar esquecendo disso depois de

qualquer forma…

— Meu Deus, como você é medrosa.

— Não tenta isso!

— Você não manda em mim pirralha, e, de qualquer forma, isso é só uma

história. Só você para acreditar nisso… Vai dormir.

— Hunf, boa noite.

Na manhã seguinte, Júlia acordou e pensou que deveria ter comprado uma

cabana menor, ficou um vão muito grande sobrando naquela de duas pessoas. Para

que aquilo? Pensou o quão estranho foi Luiza convidá-la, afinal, elas não se falavam

muito. Ainda assim, ficou muito feliz com a proposta. Pensava que gostaria de ter uma

irmã. Quem sabe elas não seriam uma dupla de cabana àquele momento? “Luiza é tão

legal comigo, gostaria de ter alguém como ela de irmã”. No fim, deixou aquilo de lado e

voltou a dormir, afinal, não escutava nenhum barulho, devia ser cedo, e o café só sairia

às 9h.

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CASINHA

Foram cerca de 10 anos na Casa Escola, e

quantas coisas eu fiz. Impossível seria dizer tudo, mas

possível é ter noção de que a Casa Escola me mudou,

mudou minha família e mudou a minha forma de olhar o

mundo.

Pintar parede do parquinho; dizer que ia ao

banheiro só para fugir dele; aprender a ler, escrever e

calcular; cozinhar; brincar; estudar para provas; atuar;

pintar; desenhar; correr; comer; escrever; criar

amizades; brigar; crescer.

Crescer. Crescer de acordo com o dicionário, é progredir, é se desenvolver

fisicamente, mas, na realidade, crescer é muito mais. Se na Casa Escola eu cresci,

então eu descobri o mundo, eu percebi que a grande casa onde eu “morava” nos

intervalos não serve mais para dar festas. Na realidade, nessa casa, não cabem nem 5

pessoas e ela é cheia de areia. Eu, agora, sei que, mesmo que você queira crescer,

tem que aproveitar o agora. O parquinho, todo mundo queria fugir dele, mas foi só

chegar no fundamental que já ficavam querendo voltar.

Eu vou sentir muita falta de Alice me chamando para ir jogar queimada, de

roubar a pipoca doce de Luiza, de Vanessa brigando com o povo (e eu caladinha

dando graças porque não era comigo), das conversas existencialistas de Thayane (que

eu não entendia nada, mas era legal ouvir). Vou sentir falta das mágicas de Bel, porque

mesmo que a “fada” seja Sabrina, quando Bel começa a falar de matemática, aí que as

folhas voam e todo mundo fica boquiaberto. Questões complexas passam a parecer

uma adição.

A Casa Escola não só me fez crescer, como me ensinou a crescer cada vez

mais. A escola me preparou para seguir, me preparou para a vida, e mesmo que toda a

minha trajetória tenha sido maravilhosa, estou ansiosa para o que vem pela frente. Está

no nome: casa, essa escola me faz me sentir em um lar, mas eu estou de mudança.

Ana Luiza Galvão

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LIBERDADE SEQUESTRADA

Caio Marinho Soares Sousa

Não era dia para conversas, estávamos todos presos em algum lugar frio e

hostil. Não tínhamos comida nem água suficientes, muitos de nós estavam doentes e

fracos pela falta de alimento e pelo balanço incessante que nos fazia vomitar. O que

tínhamos em excesso eram ratos e baratas. Tudo a nossa volta estava sujo, e por

pequenas frestas de luz, quase não conseguíamos nos enxergar.

Agora quero que você imagine como seria ser arrancado de sua família,

acorrentado, trancafiado, privado de luz, de água e comida. Imagine ser negociado,

jogado em um porão quente, úmido e superlotado por semanas sem ter a mínima

noção de seu destino. Tente imaginar...

Eu sou Bomani. Fui um entre os milhões de africanos escravizados,

sequestrados da África, e levados ilegalmente como mão de obra, apenas como mão

de obra, para o Brasil. O ano era 1877.

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Tudo de ruim que listei anteriormente aconteceu comigo, entre outras coisas

que não consigo expor aqui. Só pude escrever sobre isso muito tempo após a minha

morte, quando finalmente tive paz.

Não sei se você está interessado em saber, mas o significado do meu nome é

“guerreiro”. Parece que fui escolhido para ser testado. Em Angola, morava com minha

mãe na savana. Meu pai já tinha morrido quando eu tinha apenas alguns meses. Já a

causa de sua morte, eu não sei. Quando fui arrancado do meu país, já no último ano de

tráfico do Ciclo da Angola, tinha apenas 11 anos. Você consegue imaginar que infância

maravilhosa eu tive? Eu não conhecia o que era liberdade.

E você me perguntaria: “Mas como você sobreviveu por meses dentro do navio

tendo apenas 11 anos?” Bem, eu avisei, fiz jus ao meu nome.

Logo quando cheguei ao Brasil, fui vendido por um preço muito barato para um

homem (branco) que queria que eu fizesse todos os trabalhos que um adulto exerceria.

Quando não completava o serviço no tempo ou na qualidade que ele queria, batia-me

com um chicote. O dono da fazenda morava com sua mulher e com sua filha

Ao completar meus 15 anos, a filha do senhor tinha 4 anos. Certo dia, ela foi ao

celeiro onde eu trabalhava e ficou a me observar estranhamente, com aqueles lindos

olhinhos azuis, com um olhar penetrante e puro. De início, ela não falou nenhuma

palavra. Eu mesmo nunca poderia trocar palavras com ela, mas a menina, depois de

tanto me observar, perdeu a vergonha do nada e veio falar comigo. Foi bem na hora

em que o pai dela chegou e, imediatamente, providenciou minha venda. Dias depois,

após ele me chicotear impiedosamente sem deixar marcas, fui vendido para um senhor

de engenho e nunca mais vi os olhinhos azuis daquela garotinha. O ano era 1881.

Chegando ao engenho, percebi que tudo só iria piorar. O trabalho que eu teria

que fazer seria dobrado e a dificuldade também. O pior de tudo era que eles não

usavam chicotes, e sim tochas com fogo. Eles derrubavam brasas em nossas costas

quando, como na fazenda anterior, demorávamos ou não trabalhávamos na qualidade

que eles queriam. Quando não fazíamos o esperado, éramos amarrados no tronco e

chicoteados pelos capitães do mato, tão escravos como nós, mas que, agora, vigiavam

nosso trabalho como se fossem brancos.

Após viver durante três anos naquele engenho, eu não podia mais continuar ali.

Eu, juntamente com Jafari e Adeben, decidimos fugir durante aquela tarde. Nós não

tínhamos como fugir à noite, pois dormíamos literalmente acorrentados. Mas havia o

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portão dos fundos, por onde era trazida toda a cana. E bastou o capitão do mato dar às

costas, que corremos sem parar.

Passamos por dentro da plantação de cana-de-açúcar, o que cortava os nossos

ombros e braços. Era muito difícil trafegar por dentro do canavial. Em minutos, ouvimos

o latido dos cães que já estavam nos procurando. Adeben logo foi pego, ele estava

muito fraco e não conseguia correr direito.

Enquanto corria loucamente por dentro do mato, sem um caminho certo para

traçar, ouvi o grito de Adeben e, logo em seguida, dois disparos. Eu sabia o que tinha

acontecido e não podia fazer nada. Jafari corria atrás de mim, não paramos até

encontrarmos um casebre em que morava uma família de um escravo liberto. Nós

perguntamos se podíamos nos esconder na casa deles.

A família nos acolheu e nos deixaram ficar o tempo que quiséssemos, mas

tínhamos que ficar escondidos ao longo do dia. Esse casal tinha um filho e uma filha:

Danso e Zuri. À noite, eu e Jafari ajudávamos nas atividades domésticas e com o Seu

Eresto pegávamos no trabalho mais pesado. Tudo em silêncio. Ele, como homem livre,

levava-me para o trabalho, mas não me tratava com um escravo.

Eu e Jafari tínhamos uma relação muito saudável com as crianças. O Seu Eresto

e a Dona Ayo depositavam muita confiança na gente e todos tínhamos uma relação

muito legal. Após mais ou menos um mês e meio, conversei com Jafari, e decidimos

que precisávamos partir. De certa forma estávamos trazendo mais despesas e

colocando a família de Seu Eresto em risco.

Mesmo assim, nós não sabíamos que a coisa não estava boa para o nosso lado.

O dono do engenho do qual fugimos era um homem muito mesquinho e a nossa fuga

significava para ele uma perda financeira. Ele queria nos punir por isso e,

provavelmente caçar as nossas cabeças. Não era hora de relaxar. Estávamos no ano

de 1886 e o Brasil ainda era o único país da América que não havia abolido a

escravatura. Ser dono de escravo era normal e, ainda, valioso.

A mata seria nosso próximo refúgio. E daí encontramos um quilombo bem

afastado do litoral, nossa nova moradia. Foi onde conheci Amara, o amor da minha

vida. Pode parecer clichê, mas foi realmente um amor à primeira vista. Nós dois

tínhamos momentos muito especiais e eu a amava muito.

Lá no quilombo, todos os homens precisavam caçar para alimentar a tribo. Em

um dia de caça, o Jafari não retornou. Achávamos que tivesse sido morto por uma

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onça. Eu não participei dessa caçada, pois estava doente. Esse foi o pior dia da minha

vida, pois meu melhor amigo não voltou da caçada.

Em 1888, mais exatamente no dia 13 de maio, tinham acabado os suprimentos

no quilombo e precisávamos de abastecimento. Era a minha vez de me expor e ir à

aldeia. Procurei me esconder, me camuflar, e me passar por outra pessoa. Tudo isso

só para comprar mantimentos com um senhorzinho negro liberto. Foi quando o meu

destino mudou novamente e para pior.

Antes de sair do quilombo, Amara disse que queria me contar algo e que seria

uma surpresa, mas iria esperar até eu voltar. Pedi para que me contasse logo, mas ela

disse: “Quando voltar, saberá.”

Mal cheguei à venda, fui abordado pelo dono do engenho do qual fugi. Ele já

estava me esperando. Um de seus capangas se abaixou e pegou no chão algo

enrolado em um pano. Quando notei, vi que era a cabeça decepada de Jafari.

No mesmo momento vomitei e tentei correr, mas seus capangas me pegaram.

Logo depois, me levaram para um matagal ali perto e me acorrentaram.

E tudo começou outra vez, me açoitaram impiedosamente com seus chicotes.

Enquanto estava preso, voltou-me à mente as imagens da minha mãe, dos lindos olhos

azuis da garota da primeira senzala, do dia em que fugi, da amável família com quem

morei junto com Jafari, do dia em que Jafari foi morto pelos homens que estavam a me

bater naquele momento, de minha linda mulher que eu amava tanto. Eu sabia o que ela

queria me contar, ela estava grávida! E eu seria pai...

Enquanto eu morria, eu só pensava nos momentos que eu me senti mais vivo e

mais próximo à liberdade. Eu não poderia realizar o desejo de minha linda Amara, de

voltar para casa e receber dela a melhor notícia da minha vida e realizar meu sonho.

Após um golpe na cabeça, fui assassinado no dia 13 de maio de 1888, Dia da

Abolição da Escravatura no Brasil, aos 22 anos, deixando para trás uma filha que não

havia nascido ainda e minha linda mulher.

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ATRÁS DE NOVAS RAÍZES

É difícil saber que daqui para frente não terá mais a Casa

Escola na minha vida.

Todos os diferenciais da escola que fazem parte da nossa

rotina, como o acolhimento que temos, expor nossa opinião, a

atenção especial que temos por parte dos professores e dos

funcionários. A escola ser menor também nos ajuda muito a

conviver e conhecer todas as pessoas da escola, que com

certeza foram muito importantes para minha formação e para

quem sou hoje, com um agradecimento especial a todos os

professores que sempre nos aguentaram.

Minha jornada na Casa Escola é muito longa, pois desde os 2 anos que estudo

aqui. Costumo dizer que aprendemos não só as matérias básicas, mas também lições

e experiências que levaremos para a vida toda.

Minha chegada ao Fundamental II foi algo que me marcou. Quando era menor,

via as turmas maiores como “os reis da escola”, principalmente os do 9º ano. Agora

que chegou “o nosso reinado”, o qual esperávamos ansiosamente, tudo isso de

pandemia acontece e praticamente perdemos nosso ano que, na minha opinião, é um

dos mais importantes para a formação.

Uma das inspirações que nós tínhamos era a turma do 9º ano de 2017, a turma

do meu irmão. Eles eram muito unidos e vendo assim de longe era uma relação muito

bonita, mas por ter meu irmão mais velho estudando na mesma escola que eu, sempre

aproveitava para “tirar uma onda” com ele e sempre acabava dando em briga. No final,

eu sempre me dava mal e ficava de fora do futebol do intervalo, pois ele falava para os

amigos dele, que eram maiores, não me escolherem para os times deles.

Enfim, sentir falta de tudo o que vivemos é algo inegável, pois até de dar bom

dia para Robério correndo pelo portão e tomando café ao mesmo tempo por estar

muito atrasado, vai me fazer sentir falta. “Só percebemos o valor da água depois que a

fonte seca”.

Um grande obrigado a Casa Escola e para todas as pessoas que fizeram parte

dessa longa jornada de tantas aventuras. Apesar de saber que é necessário, é muito

triste saber que estou saindo, mas em direção à uma nova fase.

Caio Marinho

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ORDINARIEDADE

Emília Leandro Souto

Bicho estranho esse, o humano.

Dorme bem tarde, desperta cedo de seu sono, vai ao trabalho, volta do trabalho,

dorme, e repete tudo de novo. Não se cansa de fazer a mesma coisa todos os dias?

Os mais velhos e mais novos ficam esperando sempre sua hora chegar. Hora de

ambos amadurecerem, passarem de fase. É uma ideia estranha. Os velhos demoram

mais para fazer as coisas, aparentam ter mais tempo que os pequenos, que fazem tudo

correndo, apesar de ainda estarem com a vida inteira pela frente. Já adultos, pensam

que sabem controlar o poder, quando é este que os controla... Nunca satisfeitos,

sempre querendo mais. Enganando, julgando, cegando a si mesmos. Passam a vida

inteira sem saber o que são, o que querem. Sempre buscando o que nem sabem ser.

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Quando têm algo, não percebem sua importância, e quando perdem, querem de volta o

que sempre tiveram. Passam a buscar tudo que é contrário ao que tinham. E tudo que

passam a achar, não os satisfazem.

No meu prédio vivem alguns humanos assim.

Trata-se de um prédio ordinário como qualquer outro. A construção de esquina

de 7 andares, amarelo-ovo desbotado, frequentemente passava despercebida pelos

distraídos pedestres, a caminharem em minha calçada de ladrilhos rachados,

justamente por não passar de uma mera parte do cenário sereno de um bairro remoto.

O Sol nascia detrás do prédio, vestindo-o de luz. Na entrada, passo pelo Porteiro. Ele

vivia tomando café para se manter acordado no trabalho. Por trás da cabeleira negra

encaracolada, seus pequenos olhos pretos pareciam observar cada minucioso detalhe.

Sempre andava com um radinho de pilha para lá e para cá, mesmo que não houvesse

ninguém na outra linha. Sigo mais em frente, e lá vem o Homem Barbado do 6º andar,

apressado como sempre. Tinha uma barraca de alimentos logo ao lado do prédio.

Vendia frutas, verduras, queijos, pães; era movimentada nas terças-feiras. Um homem

dedicado e prático, ainda que um tanto impaciente. Dizem que já foi preso, embora não

pareça capaz de fazer mal a uma mosca. Ele me olha um pouco, mas não diz nada.

Cumprimenta o Porteiro e segue rumo à barraca, em sua infinita pressa.

Adentrando o edifício, é possível ouvir as conversas indistintas e repetitivas dos

humanos, sempre apressados para chegar a algum lugar. Vinha chegando do elevador

o Marechal, em sua cadeira de rodas. Marechal havia perdido as pernas uns 3 anos

atrás, quando servia ao exército. Era o síndico do meu prédio, morava no 1º andar e

estava sempre de olho no que estava acontecendo. Mesmo na cadeira, emanava um ar

de respeito e superioridade. Logo atrás vinha sua mulher, Dona, reclamando com seu

marido pela 3ª vez no dia a respeito do orçamento da doceria. Dona era uma mulher

grande. Era uma daquelas mães de todos, sabe? Insistia em fazer uma feijoada para o

prédio inteiro aos domingos. O pátio ficava cheio. Passavam também uns amigos e

amigos de amigos para pegar uma quentinha, quando sobrava. Era uma senhora

modesta, gentil e alegre, sempre querendo cuidar e ajudar, mas tinha uma mania de

perfeição. Não vendia nada que não estivesse perfeito, cada doce era finalizado com

uma precisão cirúrgica. Mas no momento estava frustrada com a mania de seu marido

de fugir de qualquer discussão entre os dois.

Iam brigando pela portaria até que passara a Viúva do 5º andar. Era meio doida,

ela. Quando seu marido morreu, ficou doente. Não doente de saúde, mas de cabeça

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mesmo. De saúde estava muito bem, mas criou uma mania de achar que não estava.

Cada dia era uma doença diferente. Quando não era dor de cabeça, era no quadril, na

barriga, na lombar, nos pés. Bastava pegar um resfriado que passava semanas sem

sair, achando que ia morrer. Eram 7 remédios por dia. Viúva criou também uma mania

de religião, rezava 3 pai-nossos na saída, 4 na volta. Uma mulher supersticiosa e

também apegada. Sua casa era cheia de retratos de um homem cabeludo de olhos

azuis e um arco na cabeça, e de um outro de cabelos negros e nariz achatado. Eu

mesmo não conhecia o primeiro sujeito, mas o segundo era seu marido. Acho meio

sinistro guardar tantos retratos de uma pessoa que já deixou de viver. É como uma

forma de tentar mantê-la no mundo dos vivos. Mas quem disse que os mortos querem

continuar vivendo aqui embaixo?

Outra coisa sobre humanos: não sabem acatar a ideia de morte. Parecem não

aceitar que no fim todo mundo desaparece.

A Viúva estava descendo pela escada de mármore do saguão de meu prédio,

perdida em seus pensamentos confusos, quando foi abordada por Marechal,

perguntando-lhe sobre o pagamento do aluguel, em uma desesperada tentativa de fugir

das garras de sua esposa. A Viúva de repente pareceu nervosa e prometeu-lhe pagar

no dia seguinte, ao que Marechal aceitou e tomou como desculpa para acompanhá-la

até a portaria, deixando sua esposa conversando sozinha, irritada. Dona solta um

suspiro de frustração e vêm conversar comigo: “Mas ele não tem jeito mesmo, né?”,

fiquei calado, continuei seguindo em frente, para longe das confusões dos humanos.

Era assim perpetuamente. Sempre faziam as mesmas coisas. As mesmas brigas, as

mesmas conversas, os mesmos velhos hábitos. Ia-se repetindo dia a dia, sem que

percebessem. Tinham vezes que eu me perguntava se os dias estavam realmente

passando, ou apenas brincando de esconder, sem querer terminar nunca.

Avistei um vulto detrás das plantas plastificadas da recepção. Resolvi ignorar,

mas o vulto passou novamente. Fui investigar. Era a Menininha do 2º andar brincando

de se esconder. Ela era uma pequena humana, doce, esperta e valente. Não tinha

medo de monstros e fantasmas, muito menos do escuro. Não queria ser bailarina nem

cantora, queria ser fotógrafa. Todos os dias pegava sua camerazinha verde escuro e

saia pelo prédio fotografando todas as pequenas estranhezas que encontrava. Antes

de chegar ao prédio, ela era do mundo. Vivia para lá e para cá, não tinha família, muito

menos uma casa. Até chegar Nana. Nana a havia acolhido quando ainda muito

pequena, e tomado conta dela desde então. Era uma humana trabalhadora. Não

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trabalhadora do tipo do homem do último andar, mas trabalhadora do tipo guerreira.

Pelo que me contaram, havia abandonado sua escola quando criança para trabalhar,

então não havia aprendido a ler. Menininha sentava com ela toda noite antes de dormir

e lhe ensinava uma palavra ou outra que havia aprendido na escola.

A Menininha continuava me observando com seus olhinhos cinzas detrás das

plantas, achando que estava invisível. Eu já ia em sua direção para conversar, quando

chegou, do 3º andar, um senhor com aparência fraca e cabelos brancos, pintados pelo

tempo: Alberto. Era um bom sujeito, o Alberto. Único que me chamava pelo nome.

Todo fim de segunda, quinta, às vezes terça, e nunca quarta, sentava-se no banco do

pátio e recitava poemas sobre um tal de Amor. Eu não conhecia esse sujeito, mas

parecia ser um velho amigo do homem, pelo tanto que falava nele. Quando não tinha

muita coisa para fazer, sentava-me ao seu lado e escutava as histórias sobre Amor.

Parecia um cara valente, ainda que um tanto burro. A plateia nem sempre se limitava

somente a mim, às vezes parava o Porteiro, o Homem Barbado, vez ou outra até a

Viúva se via maravilhada com palavras do velho homem. Alberto tinha um problema de

visão. Engraçado, de todos os moradores, sempre o achei o menos cego. No meu

prédio mesmo, eu já tinha visto de todos os tipos: cego de dinheiro, de fama, de

grandeza, cego de fantasias, de bebidas, de ilusões…, mas Alberto era cego só de

olho mesmo. De resto, enxergava bem até demais.

Ele viu a Menininha brincando, parou um pouco e bagunçou seus cabelos

amarelados, conseguindo um sorriso dela. Então seguiu, em direção ao velho banco de

madeira do pátio, para alegrar o prédio com suas estrofes cheias de poesia, com

Menininha atrás. Formavam uma boa dupla, eles dois. Ela, diz o que pensa. Ele, pensa

no que ela diz.

Nisso, vi-me sozinho novamente, resolvi dar uma volta pelo prédio. Esgueirandome

pelo corredor, quase imperceptível. passo pela Rica do 7º andar, com suas roupas

de malhação e aquele perfume insuportável de sempre. Nesse 7º andar, morava um

povo asqueroso. Os Ricos, como os outros humanos os chamavam, eram um casal

esnobe metido a realeza, podres de ricos, por terem conseguido enfiar a fuça e sair

ilesos em um esquema de corrupção bancária. Mas não eram nada de ricos de

verdade. Só tinham dinheiro, mesmo. Na cabeça, não tinha nada. Tudo oco, só ligavam

para o superficial. Apegados demais ao dinheiro, sempre cobiçando por mais e mais.

Ele, laborioso, incompetente, só vivia no escritório assinando papéis e festejando. Ela,

plastificada, interesseira, passava os dias na academia e usando as redes sociais. Já

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devem ter se divorciado e voltado umas duas vezes. Para piorar, o casal tinha duas

filhas de quem não sabiam cuidar. À mais velha, a coitada, não davam atenção,

apenas dinheiro. Ela é uma dessas moças que andam de preto, jeans surrados,

camisas de bandas de rock que nem conhecem, e um ar de aborrecimento em seus

rostos pálidos. Passava os dias na frente de telas, pintando imagens de flores e bruxas.

A filha mais nova, desde que nasceu era princesa. Mimada, fútil, superficial. Gostava

de fadas, balé, ou o que quer que meninas comuns de sua idade gostem. Não sabia

nada sobre nada, mas ganhava tudo que desejasse. Eram humanas infelizes, essas

filhas, e nojentos, esses adultos.

A Rica passou por mim pelo corredor com aquela expressão de escárnio de

sempre, apertando o nariz, como se eu que estivesse fedendo. Resolvi ir pela escada.

Fui subindo os degraus sujos, apertando o passo, para não perder o pôr do Sol, até

finalmente chegar ao 4º andar.

Parei em frente ao apartamento da minha humana favorita e a chamei. A porta

estava aberta, entrei. Tudo estava do mesmo jeito de sempre: os milhares de livros

bagunçados fora das estantes, o radinho tocando jazz em cima do tapete de yoga, o

cheiro de incenso e café, as plantas espalhadas pelos cômodos. A moradora do 4º

andar tinha uma mania de dançar na chuva, de cabelo solto e pé descalço. Mania de

pequenas coisas, de gente feliz. Ela sorria com a alma. Tão sensível ao charme das

coisas simples da vida… Ela gostava do gosto da neve caindo na ponta de sua língua,

de sapatear na lama, do barulho que fazia ao pular nas folhas secas de outono. A

sensação de ter o sol irradiando em sua pele... sim, era assim que vivia: intensamente.

Era muito feliz e enxergava a beleza nas pequenas coisas. Ela parecia ocupada, mas

quando me viu sorriu, e me levou até a sacada. Ficamos lá por um bom tempo,

assistindo o céu tingir-se de laranja, e o Sol lentamente se esconder atrás das casinhas

ao horizonte, até desaparecer por completo, dando lugar à Lua, nascendo junto com o

céu estrelado. Percebi que nas varandas aos lados, outros humanos também assistiam

a tal espetáculo. Mas, embora vendo as mesmas estrelas, estavam sempre

infinitamente longe uns dos outros, cada um perdido em seus próprios pensamentos.

E voltaram todos para seus apartamentos, para descansar, acordar, e repetir a

mesma rotina ordinária no dia seguinte.

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RECOMEÇO

É inevitável,

o fim sempre chega.

Depois de 12 anos na Casa Escola, não existe uma

maneira fácil de se despedir. Após tantas memórias,

momentos felizes, tristes, ou apenas momentos juntos… é

difícil imaginar o que vai se seguir após o final. Você passa

anos imaginando como será sua vida no Ensino Médio, em

outra escola, em outros ciclos sociais, em outro mundo…

mas quando esse momento chega, tudo que você mais

quer é voltar a ser aquela garotinha de trança no 4º ano,

correndo pela escola com os amigos, sem temer pelo futuro.

Quando me pediram para escrever esse texto, falaram para registrar o que mais

sinto/vou sentir falta na Casa Escola. Após dias quebrando minha cabeça para resolver

esse enigma, só hoje consegui minha resposta: tudo.

Estudar na Casa Escola não é uma obrigação, é um estilo de vida. Estudar na

Casa Escola é: dar “bom dia” para Robério na portaria toda manhã, é passar um

intervalo inteiro com seus colegas na fila da cantina apenas para pedir um picolé, é ver

Jorge entrar na sala no meio da aula, ficar olhando para os alunos, não falar nada e ir

embora, é esperar ansiosamente a assembleia acabar na sexta-feira para sair correndo

para a cantina e dar tempo de comprar uma pizza marguerita, é ficar enrolando na sala

durante o intervalo para Iara não trancá-la, é passar as tutorias ouvindo música e

escapando para outras tutorias para dar um “alô” para coleguinhas, é passar os JIECEs

zanzando sem rumo pela escola. Estudar na Casa Escola é, acima de tudo, ser feliz.

São essas pequenas coisas cotidianas que a tornam um lar. É dessas pequenas coisas

que eu mais vou sentir falta… de todos os momentos loucos, das brisas, das teorias e

das piadas internas com Amália, Hannah e Pedro, de todos os anos maravilhosos

passados ao lado de Luiza Pernambuco, de todas as memórias incríveis com Ana

Luiza e Alice, das palhaçadas, das “aulas de violão” e dos abraços de Caio, e de cada

um dos momentos com Luiza Duarte, Tarcísio, Mateus, Rafael, Tiago, Pinheiro, e todos

os outros que fizeram parte da turma. É tão esquisito pensar que ano que vem isso

tudo acaba...

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O 9º ano é o último ano na instituição. O final. E o último ano tinha que ser

especial. Criamos metas, expectativas idealizações, bolamos planos e festas, mal

podíamos esperar pela nossa última calourada, nosso último JIECE, nossa última

Exposição Pedagógica, nossa última viagem, nossa última chance. Mas aí o Corona

chegou, ficamos de quarentena, e tudo que nos resta agora é nos mergulhar em

lembranças. Lembranças daquela época simples, leve, feliz, de quando a turma inteira

se conectava e a sala se enchia de harmonia.

E eu fico imaginando... Tudo. Possibilidades. O futuro. Imaginar o futuro é uma

espécie de nostalgia. É o que nos impulsiona para frente. Fico imaginando o

“recomeço”, em outra escola, com outras pessoas. Por mais que seja difícil, é preciso

escrever um novo começo. É preciso dar adeus à melhor instituição do mundo, que me

acolheu, moldou, e agora me liberta. É preciso dar adeus às pessoas e aos momentos

maravilhosos que me trouxe. E eu só tenho o que agradecer por cada um deles.

Então, obrigada. Obrigada por todos os aprendizados, lições de moral e

oportunidades que trouxeram, obrigada por abrir tantas portas, obrigada pela equipe

maravilhosa de professores que tivemos, pelos momentos especiais, abraços

apertados, e obrigada, Casa Escola, por ser meu lar por tantos anos. Obrigada pela

família que me trouxe.

Emília Souto

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ESBOÇOS DE UM CARNAVAL

Hannah Helena de Lima Carneiro

Será que deve existir alguma razão pela qual os dias de carnaval passam tão

ligeiramente? Uma hora estamos submersos em uma onda de glitter, euforia e suor, e

na outra só resta o glitter, a melancolia e uma respiração ofegante. Hoje é um desses

dias, e acabei de perceber que não tenho nenhum trapo sobrando que sirva como

fantasia. A realidade é que, no carnaval, você pode se fantasiar de qualquer coisa,

menos de si mesmo. É preciso se transformar de alguma forma em uma versão mais

alegre e energética de quem somos. Talvez seja por isso que esperam tanto por esse

momento. Para se juntar a milhares de mentes e corpos desconhecidos e elétricos e

soltar toda a camada de sobriedade existente sob nossas peles pelas esquinas. Os que

não o esperam, continuam em suas realidades, na superfície de toda aquela multidão,

e de vez em quando abrem suas janelas para deixar a brisa gelada e um frevo clássico

passar pelos corredores de suas casas.

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Voltando à questão da fantasia. Um chapéu laranja e purpurina espalhada por

toda a minha face conseguem esconder quem fui durante um ano todo, e me torna

parte do cardume carnavalesco. Todas as janelas são fechadas, e ao sair pela porta da

frente consigo ouvir as marchinhas de carnaval e as risadas das crianças. Olho pela

última vez para mim mesma e suspiro ao chegar em meu all-star vermelho. Ele é, entre

todas as outras partes de mim, quem mais vive o carnaval.

As buzinas, o brilho, as espumas e as serpentinas, parecem cobrir todos nós e

formar um só. Encontro meus amigos quase que irreconhecíveis pelas diversas

camadas de cor e brilho que os preenchem e continuamos pelas ruas, agora gigantes,

não apenas linhas retas onde carros costumam passar apressados. São ruas onde allstars

como os meus correm, andam, ou esperam o tumulto passar para continuarem se

movimentando. Ruas onde ninguém é de ninguém, e confetes grudam por cada

centímetro que há.

Meus pés seguem um movimento incontrolável e automático de: um passo para

um lado, um passo para o outro, enquanto estamos concentrados em uma pequena

roda. E não demora muito até que eu o sinta latejar, mas a dor é ignorada todas as

vezes que me permito percebê-la. Nossos olhares estão inquietos, e não repousam em

lugar algum, apenas dançam pelo espaço que os circundam. Tentar controlá-lo me

deixa tonta, mas por alguma coincidência, magia de carnaval talvez, travo meu olhar

em outros olhos, também perdidos e embaçados. Não tenho certeza do tempo em que

gastei imóvel sob aqueles olhos, que pareciam entender os meus. Tudo ficou mais

lento no pequeno espaço que se formou de repente. Percebo minha garganta secar,

meus olhos arderem e meus braços pesarem, então pisco agitadamente implorando

para que tudo aquilo pare. Minha respiração acelera e volto a me mexer, tentando

encontrar de volta o mundo em que fui deixada. Os olhos perdidos já não estão mais

lá..., mas algo me interrompe de pensar neles, sinto sede. Engulo seco, até que passa

uma pequena mulher na minha frente vendendo bebidas diversas. Compro uma

garrafinha de água e logo estou aliviada. Sinto o líquido gelado descendo pela minha

garganta, e assim volta a imensa vontade de dançar. Dançar, dançar, dançar.

Passa-se um momento e perco a noção do tempo, não me lembro se passaram

apenas alguns minutos ou dois meses, tanto faz. Paro um desconhecido na multidão e

o pergunto as horas. São onze e vinte cinco. Me sinto cansada, mas extremamente

feliz e entusiasmada. Nunca pude enxergar tantas luzes de uma só vez. É como se

estivesse vivendo uma epifania.

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Me despeço dos meus amigos, que daqui a alguns dias abandonarão as roupas

coloridas e as tiaras brilhosas para voltarem às camisas sociais e os sapatos fechados,

e me ponho a andar novamente pelas ruas, agora mais vazias. Meu all star ainda

continua em meus pés, agora com uma camada fina de terra em seu tecido. Termino o

caminho para casa pensando se devo ou não limpá-lo, e deixar que se vá toda a

história que ele carrega desta noite. Passo pelo portão enferrujado, que emite um

barulho alto e irritante ao ser pressionado, e sento-me no batente da entrada com meus

braços apoiados nos joelhos. Desamarro meus cadarços e alongo os ombros. Mais

uma noite de carnaval, que torna quente os corpos frios, que guarda risos altos, cores,

muitas cores, e calos. Onde será que andam aqueles olhos perdidos?

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AH, MAS É A CASA ESCOLA, NÉ.

Para mim, o primeiro passo antes de realmente

escrever sobre minha vivência na Casa Escola é acreditar

que ela chegou ao fim. Cinco anos que ficarão para

sempre eternizados na minha memória. Afinal, é

impossível esquecer das nossas maiores transições.

Posso dizer com toda a certeza que entrei lá com uma

cabeça e estou saindo com outra. Com uma perspectiva

que veio se transformando a cada ano, se tornando mais

ampla e curva.

Quando soube que deveríamos escrever sobre

nossas memórias na escola confesso que me senti perdida. Como resumir tudo o que

passamos em tão poucas linhas? Como demonstrar todas as emoções sentidas? As

risadas dadas, a ansiedade nas semanas de prova e antes das apresentações de

teatro, o alívio de poder abraçar os amigos depois das férias.

Posso começar dizendo que a Casa Escola é e sempre será um lugar muito

especial para mim. Tive a oportunidade de conhecer pessoas com personalidades

incríveis, ambiciosas, determinadas, sonhadoras e principalmente, muito diferentes da

minha. Algo que expandiu muito minha visão de mundo, poder conhecer diversos

outros universos particulares. Foi lá onde encontrei professores maravilhosos, que nos

ensinam muito mais do que o superficial, mas mergulham conosco em discussões que

durariam horas se o tempo não fosse marcado, que nos colocam em situações

desafiadoras para podermos conhecer nossos limites e nossas capacidades e que

criam laços lindos conosco. Foi lá que passei por cenários e momentos maravilhosos e

muito significativos para mim. Tudo é feito de uma maneira tão singular, algo que não

se vê em outros lugares. Não é por acaso que muito se ouve “Ah, mas é a Casa Escola,

né!?”

No ano de 2020 experienciamos uma situação assustadora e angustiante de

pandemia, o fim das aulas foi algo inesperado. Mas só assim pude parar e pensar na

diferença que a Casa Escola faz na vida da gente, diferente dos dias “normais” quando

as aulas eram apenas uma rotina, podendo até ser consideradas entediantes. Vou

sentir saudades desse tédio, desses segundos infinitos. Passaram muitas coisas na

minha cabeça, como: Não vamos mais perder a cabeça com as pesquisas da

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exposição pedagógica?; E as viagens?; E as assembleias e suas mais diversas

pautas?; Jorge não vai mais abrir a porta da sala em momentos aleatórios e falar “bom

dia!”?; Vanessa não vai mais nos dar um susto durante as provas?; Bel não vai mais

passar um tempão nos ensinando o mesmo cálculo porque ainda não entendemos?;

Não ouviremos mais o “bom dia” de Robério? Já sinto uma saudade imensa. Chega até

a ser estranho pensar que no próximo ano não teremos mais nossos armários, nossos

times do Jiece, nossas conversas na escada do campo, mas outros alunos terão.

A gratidão que sinto por essa escola e por muitos dos que me rodeavam é

imensurável, e o carinho que sinto por sua forma de ser sempre vai existir. A verdade é

que a Casa Escola nunca sai da gente.

Hannah Helena

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CAOS EM IONIA

João Pinheiro Cordeiro Brumatti

Há muito tempo em Ionia, nasceu uma criança chamada Shen, também

conhecido como Jovem Guerreiro, filho do Mestre Kusho (lendário espadachim de

Ionia). Shen tinha um propósito na vida, seguir os ensinamentos de seu pai e receber o

poder da Árvore Divina. Como filho de Kusho, sua infância foi muito difícil, sendo

desprezado por todos de sua aldeia e tratado como escória.

Shen tinha um melhor amigo, Zed, que não era como os outros, pois ele nasceu

com um poder de dominar as sombras e, por isso, também era odiado pelo seu povo,

tendo, assim, apenas Shen como amigo.

Anos se passaram e a dupla foi ficando cada vez mais forte, sempre um

tentando superar o outro. Até que um dia, um homem misterioso chegou em Ionia e

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ofereceu a Zed um fruto da Árvore Divina, mas tinha um porém, Zed teria que

assassinar o seu próprio clã para receber esses poderes. Zed nem hesitou em cometer

tal ato contra a vila, pois ele queria mais e mais poderes para superar Shen e, com

isso, matou toda a população de sua vila, incluindo o pai de Shen, Mestre Kusho.

Com poder do fruto ninguém conseguia parar Zed, mas Shen tinha um propósito,

vingar a morte do seu pai. Através de um pergaminho, finalmente, ele conseguiu os

poderes da Árvore Divina e, com isso, ele estava pronto para ir ao combate contra

Zed.

Foram 3 meses de caminhada até a ponta da colina das sombras (2743 km de

Ionia) para Shen conseguir alcançar Zed e, com isso, travar a batalha de sua vida, para

vingar a morte de seu pai. Como Zed dominava as sombras, foi muito difícil para Shen

derrotá-lo, mas, depois de 4 longas horas lutando, Shen conseguiu sua vingança.

O jovem Guerreiro retirou lentamente a máscara de Zed para ver como ele havia

crescido. Quando Shen removeu a máscara, descobriu que Zed era, na realidade, o

seu pai e, o melhor amigo da sua infância, era apenas sua imaginação.

Shen ficou completamente estarrecido, sem entender o que havia acontecido e

percebeu que matou o seu próprio pai...

— Quem é você? — Perguntou Shen.

— Quem sou eu? Sou o homem misterioso que deu o Fruto para “Zed”, para

finalmente ver o seu sofrimento. — Respondeu o pai.

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UMA DAS MELHORES DECISÕES DA MINHA VIDA

Bom, o ano de 2019 foi um ano muito complicado

para mim. Problemas familiares, escolares e amizades

falsas tornaram meu ano um caos. Minha reprovação no

Marista foi um assunto muito delicado, eu não conseguia

me concentrar por causa de tantos problemas ao meu redor

até que decidi ir para a Casa Escola.

Essa decisão foi uma das melhores da minha vida.

Fiz novos amigos, um ambiente totalmente diferente, com

professores maravilhosos e, acima de tudo, a metodologia

diferente de ensino. No momento em que eu cheguei no

colégio, as pessoas ficavam conversando comigo e querendo se aproximar mais e hoje

somos grandes amigos.

Eu estava conseguindo me adaptar bem com os sistemas de planilha na aula

presencial, até que chegou à pandemia do Covid-19. Isso deixou todo mundo com

problemas, todo dia no jornal vendo pessoas morrendo e que isso tudo não acabava,

foi muito ruim para todos, mas a escola conseguiu se adaptar e começaram o EaD.

Eu sempre gostei da Casa Escola, pois foi aqui onde eu comecei a estudar

quando eu era pequeno, e acabei saindo por outros motivos. Até que eu voltei e aqui

estou nesta escola incrível com aprendizados e amizades que eu vou levar para vida

toda.

João Pinheiro

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NOVA 12

Lucas Cosme Pereira de Melo

fev. de 2001.

Nessa história, os quatro protagonistas saíram vivos e continuaram suas vidas

banais. José, que se interessava por fatos sobrenaturais e teorias da conspiração,

começou a se perguntar se o que aconteceu 4 anos atrás fazia mesmo sentido. Apesar

de ser algo bobo para os demais amigos, ele notou elementos estranhos sobre aquilo e

como ele não havia passado por mais nada interessante na sua vida, José decidiu

analisar sobre o dia em que eles se perderam em uma estação abandonada. Ele juntou

algumas provas e criou sua própria teoria acerca do que aconteceu há 4 anos.

Então, no outro dia, ele foi mostrar sua pesquisa para seus amigos no intervalo

da aula. Chegando na hora do intervalo, Thomas, Arthur e Carlos foram para o telhado

da escola e lá, José contou para seus amigos o que ele descobriu sobre o trilho. Ele

disse que os trens pararam de rodar naquele lugar em 89.

— E o que você está querendo dizer? — Perguntou Carlos.

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— Não é óbvio? Se lembra quando nós corremos daquele trem em 97? A

locomotiva não devia estar lá. — Responde José.

— Realmente é estranho, mas devem ter reativado naquele dia apenas. — Disse

Francisco.

— Então esse é o ponto, o trilho nunca foi usado desde 89. — Comenta José.

— Sendo assim, como ninguém percebeu que havia um trem em movimento? E

quem colocou ele em movimento. — Disse Francisco.

— Agora o negócio só fica mais estranho, o próprio trilho tá em movimento, por

isso ninguém viu o trem, apenas a gente que estava no local. — Disse José.

— Que?! Você quer dizer que o trilho saiu do lugar? — Pergunta Thomas, com

cara de assustado.

— Pior que sim, eu fui naquela cidade de novo para checar, e o trilho

simplesmente havia sumido. E eu tenho provas. — Disse José.

Neste momento, José mostra algumas fotos da região, feitas por drone, em que

eles se perderam anos atrás, no entanto, apenas dava para ver alguns rastros no solo.

Ele explica que esses rastros são os lugares onde o trilho já esteve. Ele também

mostra algumas imagens de uma câmera que registrou um trem entrando no túnel,

porém, a câmera no outro lado do túnel, não mostrava nada.

O palpite dele era que ali havia uma espécie de fenda, iguais a que José via nos

filmes de ficção científica. Então eles resolveram se encontrar no local para investigar.

Chegando lá, os amigos entram no túnel para procurar pistas, no entanto, acabaram

não encontrando nada.

Quando estavam prestes a sair do túnel, uma luz ofuscante bateu em seus

olhos, não tinha como ser outra coisa senão uma locomotiva, todos começaram a

correr para a saída, desesperadamente, enquanto o trem se aproximava cada vez mais

perto, até que, por questão de segundos, todos conseguiram escapar do

atropelamento.

Obviamente, pelo fato acontecido, eles decidiram ir para casa, porém, José fala

que aquele trem os levaria direto para a fenda, e então, os convence a subir na

locomotiva.

Convencidos pelos argumentos apresentados por José, todos sobem na

locomotiva antes que ela terminasse de passar por eles. Nesse momento, quando

todos já estavam no trem, uma escuridão os atinge ao entrarem no túnel e permanece

assim por alguns silenciosos segundos, até que, de repente, os quatro amigos se veem

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de volta ao telhado da escola. Ninguém se lembrava muito bem do que havia

acontecido e o porquê de estarem ali, no entanto, algo não estava certo, mas os

amigos não ligaram muito, e apenas continuaram seu intervalo normalmente, como se

aquilo nunca houvesse acontecido.

Então, era por isso que tal fenômeno estranho ocorria na frente dos olhos do

mundo, mas ninguém se importava, simplesmente porque não poderiam lembrar do

que havia acontecido e o trem Nova 12 se tornou apenas uma lenda urbana conhecida

como Trem Fantasma.

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LEMBRANÇAS INFINITAS

Para começo de conversa, a Casa Escola diverge

das outras escolas em termos de ensino, visto que a

ideologia daqui não segue um padrão. Não é surpresa para

as pessoas que a educação das escolas tradicionais

brasileiras é um tanto quanto falha, já que o nosso país tem

o costume de cuspir informações para os alunos sem ter

uma boa explicação. Mas, esse é o ponto aqui, por não ser

uma escola tradicional, já que, para mim, os métodos da

Casa Escola são um privilégio se comparadas às outras, o

que me faz gostar do lugar. Mas, enfim, só queria comentar

isso, porém não é o principal ponto que vim apresentar.

Comecei a estudar na Casa Escola no ano de 2008, no Grupo 2. A professora

era Tereza e a professora auxiliar era Maria. A turma era pequena, formada por apenas

sete alunos, eu, meus irmãos gêmeos Tiago e Alice, Caio, Chiara, Maria Carolina

Farias e Pedro. Minha mãe disse que eu me adaptei bem. Adorava ir para o parquinho

e para a caixa-de-areia. Na sala de aula tinha uma pequena cama, para quem quisesse

dormir um pouco, vários brinquedos, livros e fantasias. A tabela de horários do Grupo 2

ainda tenho fixada no meu álbum de fotografias. Cada Dia da semana era representado

por uma figura: segunda-feira era um trem, terça-feira era um cachorro, quarta-feira era

uma boneca, quinta-feira era um carro e sexta-feira era uma pipa, essa é a primeira

memória que tenho quando tento me lembrar do meu início aqui, por isso acho algo

bem especial.

Cada dia da semana tinha os “ajudantes do dia”. O meu dia era na terça-feira

junto com Caio. Dessa turma original, apenas eu, meus irmãos e Caio continuam até

hoje.

Foi no fundamental 1 que, infelizmente, muitos colegas meus saíram, no

entanto, ainda mantenho contato com alguns deles até hoje, em termos de “diversão”

essa foi a melhor época, pois assumo que não me interessava tanto pelos estudos

como o resto da turma, preferia brincar, jogar bola etc., essa é uma das vantagens de

uma escola pequena, você pode brincar de esconde-esconde sem muito problema,

outra vantagem é que você conhece todo mundo.

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Mas, sem dúvida, o período mais importante foi o fundamental 2, porém,

ironicamente, o ano mais importante está sendo um dos piores. Sim, eu fui do 9º ano

que passou o ano inteiro na quarentena, no que era para ser o melhor, está sendo

tedioso, muito desmotivador, e ainda preciso estudar para o IF, porém, se você está

lendo isso, saiba que eu consegui ou pelo menos estava me adaptando. Enfim, o

fundamental 2 foi fuNdAMeNtAl para mim porque eu aprendi a usar os porquês

corretamente, tô brincando! Na verdade, foi aí onde eu comecei a entender mais o

mundo e comecei a me questionar mais sobre as coisas e me perguntar do certo e do

errado. Também há desvantagens nisso, pois quando você cresce começa a perceber

que nem tudo são flores e como nosso mundo ainda é tóxico e primitivo, apesar dos

avanços da humanidade.

Querendo ou não, estes aprendizados foram de extrema importância para mim.

Também fiz amigos no fundamental 2, inclusive um dos melhores e que eu mais

considero. Outro fator pelo qual eu passei foi a puberdade, mas eu não quero falar

sobre isso, pois acho que nada de bom me aconteceu. Finalizando, essa escola me

proporcionou experiências únicas que foram inesquecíveis. Sempre houve altos e

baixos, mas eu não ligo mais tanto para os baixos, até porque se eles acontecem é por

um motivo e eles te ajudam a definir a pessoa que você é, já que sem eles, você

provavelmente não seria você.

Vai ser estranho quando eu sair, pois a saudade pode ser grande, mas como

ainda não sinto isso só me resta pensar em como vai ser e se isso tudo já vai ter

passado, mas, enfim, enquanto escrevo isso, reflito sobre como esse vai ser meu

último ano e como tudo passou tão rápido, na verdade, estou me emocionando agora

mesmo, tchau.

Lucas Cosme

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LÆNESTOL: UM CONTO DE TERROR

Luiza Duarte Paulino De Sousa

Olá! Me chamam de Lænestol. Na sua língua, se pronuncia “Linestol”. Mas me

chame só de Stol! Meu nascimento foi na Dinamarca no ano de 1766. A minha entrada

no castelo do rei Cristiano VII era o grande sonho do meu pai. Que pena que ele não

pôde ver esse momento.

O rei Cristiano era muito tímido quando eu o conheci. Costumava ser uma

pessoa calma, engraçada, mas sempre mantinha sua cara de sério e isso me deixava

irritada, mas agradava a muitas garotas, como a esposa dele, Carolina Matilde. Ele

sempre estava acompanhado do seu irmão, Conde Frederico. Frederico era um

homem rígido, rude e extremamente impaciente. Costumava gritar muito com os seus

empregados. Era casado com uma mulher linda chamada Sofia Frederico que estava

grávida quando a conheci.

Tempos se passaram e alguns membros da família real perceberam que o poder

e a riqueza subiram a cabeça do rei Cristiano, o que fez com que eles se

preocupassem, porém, ninguém queria falar nada no momento. Mas, quando ele

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aumentou em um nível extremo os impostos, sua mulher Carolina conversou com ele.

No entanto, a conversa não levou a nada. A situação só piorou! Em consequência,

Carolina foi exilada, foi forçada a voltar ao local do seu nascimento na Grã-Bretanha.

Carolina era o pouco de sanidade que ainda existia no rei. Com a separação, o

reinado de Cristiano caminhava para a loucura. As revoltas e a desordem só não

aumentaram, pois seu irmão assumiu o cargo de regente. Eu gostaria que as revoltas

continuassem. Esse caos me agradava bastante. Frederico parou as revoltas com um

grande conflito, o que me entristeceu, porque eu só queria destruição da família real,

não a de toda população.

Diverti-me fazendo Cristiano VII ficar louco. A loucura de Cristiano fez com que a

sociedade se revoltasse ainda mais contra ele. O apoio de seu irmão Frederico, com

sua obsessão pela ordem, impediu que as revoltas destruíssem o Reino da Dinamarca,

mas não sufocou o desejo de mudança da sociedade. A aspiração do povo era queimar

aquele velho palácio, claro, depois de uma boa pilhagem.

Finalmente chegou o dia em que a sociedade queria se vingar e Cristiano viu

que não dava para escapar desse problema, pois ele iria ser julgado por ser o rei

“amarelão”. Então os seus soldados fugiram uma vez que viram a gravidade da

situação. Coitado do Cristiano VII que não tinha munição suficiente.

A família de Cristiano tinha um plano de fuga. Pretendiam escapar para Noruega

e decidiram me levar. Escapamos por pouco da destruição no palácio. Então fiquei

feliz, pude continuar com meu trabalho e acabar com essa família real e com muitas

outras agora em um novo lugar. Esse não foi o único motivo da minha felicidade,

descobrir que o rei Cristiano vai se suicidar, algo que ando sugerindo há muito tempo.

Pobre de Cristiano, não aguentou a pressão! Frederico não quis voltar a seus

tempos de glória, uma vez que estava com medo do poder entrar em sua cabeça e

acabar ficando igual a seu irmão, Cristiano VII. O filho de Frederico e de sua esposa

Sofia virou regente da Noruega aos seus 26 anos, após um ano da morte do seu tio.

Acreditem, ele também se chamava Cristiano: Cristiano Frederico. Mesmo seu pai não

gostando muito da ideia, eu fiquei sem reação quando escutei essa bela

notícia. Quando a questão da regência chegou aos meus ouvidos, fiquei alegre em ter

achado minha próxima vítima. Eu sabia que não ia ser tão fácil, mas quis tentar.

Cristiano Frederico tentou ser o melhor regente possível. Muitos gostavam dele

pois ele era uma pessoa bem-humorada, responsável, educada e companheira. Isso

dificultou muito os meus planos com ele. As primeiras vezes que entrei em contato com

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o regente, não deu muito certo, pois Cristiano Frederico nunca estava sozinho, sempre

estava na presença de um guarda real. Essa é uma limitação da minha habilidade: só

posso influenciar pessoas quando estão sozinhas. As pessoas ao nosso redor

percebiam que tinha algo de estranho acontecendo quando estávamos juntos. Muitos

relataram sentir calafrios quando estávamos presentes na sala real.

Algo me deixou surpresa, ele tinha grande superstição e começou a desconfiar

que estava acontecendo uma coisa muito estranha no castelo, que afetava a ele

mesmo e ao reino inteiro, mas o rei não desconfiou que eu era o grande problema.

Após quatro meses sendo regente, ele resolveu abdicar.

Cristiano Frederico teve a coragem de me deixar no castelo com o seu sucessor

o Carlos II. Mas o que me deixou muito satisfeita foi o fato de que Carlos II não ia durar

muito tempo comigo. Ele era medroso e altamente assustado, o que deixou tudo mais

fácil. Tem outra coisa que também facilitou: a falta da presença de familiares e

soldados dentro da sala, por se sentirem muito desconfortáveis, invadidos por uma

enorme tristeza que fazia com que sentissem calafrios constantemente.

O tempo se passou e ele não aguentava mais a minha presença, mesmo não

sabendo também que eu era a culpada. Isso o assombrava, o caso de não saber

quem o estava atormentando. Depois de quatro anos de reinado, ele foi encontrado

morto por causa desconhecida em cima de uma poltrona.

Muitos soldados tinham medo do castelo e também surgiram rumores de que ele

era mal-assombrado. Isso fez com que o palácio virasse um museu altamente

conhecido após de 3 anos da morte de Carlos II. Hoje em dia, estou nesse museu, mas

já estou providenciando minha saída daqui, manipulando a cabeça das pessoas

responsáveis pelo local. As duas pessoas mais importantes do reino virão me buscar,

os dois filhos de Carlos II, chamados Luisa Edviges e Carlos Adolfo.

Acho que já está na hora de me revelar, meu nome é Lænostol como vocês já

sabem. Em português vocês me chamam de “poltrona”. Vocês podem estar se

perguntando se eu sou a poltrona que acharam o pobre Carlos II morto. Sim, sou eu

mesma. O meu pai era um artesão da cidade e sonhava com o poder de influenciar os

reis. Por isso ele fez um pacto com o demônio Abaddon “O destruidor”, aquele que traz

destruição. Uma pena ele não ter sobrevivido para ver tudo que fiz. Meu pai não sabia

bem o que estava fazendo com a sua própria vida. Mas, não vou ter pena do meu pai

ter morrido por minha culpa, pois terei esse demônio preso em mim pela eternidade.

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Muitos reis já se foram, mas eu permaneci intacta. Você pensa que minha história

acabou por aqui? Você está muito enganado!

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O TEXTO INESPERADO

A minha chegada na escola aos 8 anos trouxe muita

preocupação e nervosismo. Sentia que não ia me encaixar,

que não conseguiria ter muitos amigos por eles terem

laços desde muito novos. Quando eu realmente entrei na

escola, vi que isso não seria um problema, pois as pessoas

da Casa Escola são bastante acolhedoras. A própria

construção e organização do prédio nos deixava

confortável. Eles criam um ambiente hospitaleiro,

receptivo, caloroso… me sentia bem naquele local.

Minha vida rotineira na escola fez com que eu me

apegasse às pessoas da Casa Escola, tanto aos professores quanto aos alunos e até

mesmo aos funcionários. Como esse foi o meu último ano na escola, não os verei com

muita frequência. Isso vai me trazer muitas saudades. Para falar a verdade, sinto que

não estou preparada para sair da escola, tenho medo de não conseguir entrar em outra

instituição, ou de não ser acolhida como eu fui na Casa Escola. Não tenho muita

experiência nesse processo de mudança.

Minhas experiências na Casa Escola foram inesquecíveis. Não ensinam só

matéria, mas também aprendizado da vida. Só agora, nesse fim de ano, que eu me

toquei de verdade que vou sair da escola e já vou para o primeiro ano do Ensino

Médio. Está sendo difícil fazer esse texto sem me emocionar, tanto que nunca imaginei

fazer um texto de despedida e o quanto que isso seria difícil. Meu momento na escola

está acabando. Porém minhas lembranças nunca vão acabar.

Hoje em dia, no momento que estou saindo da escola, tenho 14 anos e muitos

acham que eu sou muito nova para estar no 9º ano. Temos que ser positivos e não

ficar tristes porque vamos embora e sim feliz porque estamos crescendo e

amadurecendo, então esse dia ia chegar uma hora ou outra. Não pretendo dizer um

adeus, sim um oi para o novo recomeço. Temos que prestar atenção no que os

responsáveis da escola dizem porque eles nos ensinam lições para a vida toda.

A pior parte em estar no 9º ano em 2020 é que não posso me despedir das

pessoas que estão presentes na escola, dando longos abraços e estando junto com

eles, graças ao vírus do covid19. Pelo menos, consegui me despedir por esse texto

inesperado e que eu não estava preparada para fazer. Eu já estou morrendo de

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saudades de todos da Casa Escola, imagina como vai ser quando eu realmente não

estiver na escola.

Luiza Duarte

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AMIZADE

Luiza Pernambuco Toledo de Macêdo

Eu sempre temi a chegada da minha mudança do ensino fundamental para o

médio. Eu sabia que indo para uma outra escola, teria que me adaptar a uma nova

realidade e fazer novos amigos. Eu achava que seria muito difícil e realmente foi, mas

descobrindo em quem eu realmente podia confiar, ficou tudo bem.

Tudo começou no meu primeiro dia de aula. Estava nervosa, mas pronta para

esse novo capítulo da minha vida. Eu deveria ter percebido que esse dia seria uma

bagunça, porque logo que acordei atrasada lembrei que não tinha nem arrumado o

meu material.

Confesso que quando cheguei toda avoada na escola, a única coisa que

arrancou toda a minha atenção foi o tamanho dela. Mesmo cheia de gente, parecia

vazia. Foi muito difícil achar minha sala. Tive que pedir ajuda para vários outros alunos.

Quando finalmente a achei e entrei, fiquei assustada com a quantidade de rostos

desconhecidos. Tão assustada que quando ia me sentar acabei tropeçando. Isso

mesmo. Caí no meio de toda a minha turma. Quase morri de vergonha. Mas logo fiquei

surpreendida, pois quando levantei ninguém estava rindo. Cheguei a achar que eles

realmente eram mais maduros.

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Na hora do recreio, logo que cheguei na cantina, todos estavam olhando para

mim e cochichando. Fiquei confusa, pois não tinha feito nada de errado. Mas antes

mesmo que eu pudesse raciocinar, alguém me puxou pelo braço e falou:

— Precisa ter coragem para querer chamar a atenção do Bruno, estudando na

mesma turma da Lavínia. Agora ela está morrendo de ciúmes e você acabou de se

meter em uma encrenca. Prazer, sou Sofia, qual é o seu nome?

— Me chamo Maitê. Ora, mas eu nem sei quem é Bruno e Lavínia. E não quero

chamar atenção de ninguém. Pelo contrário, prefiro ficar na minha mesmo.

— Estranho, porque a Lavínia tá falando que você tropeçou no pé do Bruno hoje

na sua sala e agora ele fica perguntando por você.

— Ai, meu deus! Tropecei mesmo, mas nem vi onde. Eu estava distraída. Nunca

mexeria com o namorado de ninguém.

— Bem... eles não namoram. Mas a Lavínia tem um crush enorme por ele e não

percebeu ainda que ele não dá a mínima para ela. Por isso, todas as vezes que alguma

menina chama a atenção do Bruno ela fica enfurecida.

— Você pode me mostrar quem é quem para eu poder me resolver com eles?

Não quero ter fama ruim logo no meu primeiro dia de aula.

— A Lavínia está ali na mesa da direita. O Bruno eu não sei. Boa sorte! Ah... ia

esquecendo. Aqui está meu número para se você entrar em mais alguma encrenca.

haha.

— Obrigada!

Eu até tentei ir até eles, mas fiquei muito nervosa e decidi que seria melhor

deixar para lá. Daqui a pouco o boato será abafado. Bom, pelo menos foi isso que eu

imaginei.

Decidi voltar logo para a sala. Só consegui comprar meu lanche e saí dali o

mais rápido possível. Mas quando cheguei lá, vi que não era a única que fugiu do

tumulto. Tinha um menino. Pensei em me apresentar, pois precisava de novos amigos,

mas, como sempre, fiquei com vergonha e desisti. Até que, para a minha surpresa, ele

mesmo veio até mim.

— Oi, Maitê! Sou o Bruno. Fiquei sabendo que causei uma confusão. Me

desculpa! Você realmente chamou minha atenção.

— Ah, tudo bem! Pelo que me disseram o problema maior é com a Lavínia

mesmo, não é?

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— Isso mesmo, mas não liga. Acho que alguma hora ela vai cansar. A nossa

turma tem um grupo no whatsapp, se você quiser entrar me avisa.

— Ah... pode ser. Meu número é 99231- 6752.

— Ok! Vou te adicionar.

A conversa terminou assim. Achei meio estranho, mas também não fiz questão

de continuar. Não tinha assunto nenhum. Mais tarde cheguei em casa. Não tinha sido

um dia muito bom, mas pelo menos ainda não havíamos recebido dever de casa. Deitei

na minha cama para descansar e na mesma hora recebi uma mensagem do Bruno me

chamando para ir ao shopping com a turma. Parece que eles tinham uma tradição de ir

ao mesmo shopping depois do 1º dia de aula todos os anos. Eu aceitei, pois precisava

de amigos e minha tarde estava vaga. Chegando lá, não tinha ninguém. Achei que

tinham ido embora, mas quando entrei no instagram, vi que estava todo mundo me

zoando. Eles tinham feito uma pegadinha, me senti humilhada. Logo após percebi que

a Sofia tinha me mandado uma mensagem:

— Oi Maitê, vi o que aconteceu. Eu realmente não sabia que o Bruno faria uma

coisa assim. Ele nunca me pareceu esse tipo de pessoa. Bom… quero saber se, já que

você já está fora de casa e o shopping é bem perto do condomínio onde eu moro, você

quer vir aqui em casa? A gente pode ver um filme, ou até passear mesmo. Você me

pareceu legal e diferente do resto da sala, se é que você me entende.

Eu fui. Hesitante, mas fui. Tomei a melhor decisão, pois foi nesse dia que

conheci minha melhor amiga. Ela me ajudou a passar por todos os momentos difíceis

da minha vida durante esses últimos três anos.

Bom, mas voltando àquele dia, logo que voltei para casa vi que recebi outra

mensagem, era o Bruno mais uma vez. Agora ele estava me pedindo desculpas e

confirmando que não foi ele que enviou a mensagem, e que não sabia quem fez isso. É

claro que não acreditei. Quem ia conseguir entrar no celular dele sem ele saber?!

Acordei no dia seguinte sem a menor vontade de ir para a escola. Porém, fui

obrigada. Cheguei lá e já dei de cara com várias pessoas tirando sarro de mim. Por

isso, tentei achar o caminho mais vazio até a minha sala. Nesse caminho, ouvi umas

pessoas conversando. Curiosa como sou, fiquei uns segundos fingindo estar perdida

para ouvir a conversa. Logo percebi que eram meninas, e elas falaram algo que me

deixou atenta.

— Eu nem acredito que a Lavínia conseguiu pegar o celular do Bruno

escondido. A pegadinha não poderia ter dado mais certo.

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Pois é, não tinha sido o Bruno mesmo. Julguei errado o garoto e agora tinha que

me desculpar. Lá fui eu. Cheguei na sala e vi que ele tinha vindo para a aula. Claro que

eu não falei com ele ali no meio de todo mundo, esperei o recreio e aí sim falei:

— Oi, Bruno, preciso falar com você.

— Oi, Maitê!

— Olha, Bruno, me desculpa por não ter acreditado em você. Ouvi umas

meninas no corredor falando que a Lavínia que pegou seu telefone escondida e me

mandou aquela mensagem.

— Ai, meu deus! Eu deveria ter imaginado! Eu e a Lavínia moramos no mesmo

prédio e por isso vamos embora da escola juntos todos os dias. Ontem o pai dela se

atrasou e tivemos que ficar esperando lá. Eu devo ter esquecido de bloquear meu

telefone quando fui beber água, ou algo assim, por isso ela conseguiu te mandar

aquela mensagem.

— Me desculpa mesmo! Sei que é difícil confiar em pessoas que a gente mal

conhece, principalmente depois de uma confusão tão grande.

— Tudo bem! Eu entendo. Teria feito o mesmo. Mas estou feliz que

conseguimos descobrir quem tramou aquela pegadinha. Vou já falar com a Lavínia

para garantir que ela nunca mais mexa com você. E antes que vá embora, queria saber

se você gostaria de sair comigo algum dia desses? Prometo que vou aparecer desta

vez. haha...

— Claro! Vou adorar.

E realmente adorei, o Bruno é muito legal e eu realmente comecei a gostar dele.

Tanto que nós namoramos por 6 meses, porém, terminamos. Sabe aquele ditado,

pessoa certa, hora errada? Pois é! Eu só não estava pronta para um relacionamento

tão sério. Nós ainda somos amigos, só que claro, não tão próximos como antes.

Mesmo depois de tanto tempo a Lavínia não desencanou. Ela continua correndo

atrás do Bruno e tramando contra mim. Mas agora sou diferente. Primeiro, tenho minha

amiga Sofia para me apoiar e me ajudar a qualquer hora, e segundo, que estou

acostumada com o pessoal da escola e já sei me cuidar direitinho, nem me preocupo

mais.

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ROTINA E APRENDIZADO

Cheguei à Casa Escola com apenas 2 anos de idade e

de lá não saí mais. Para ser sincera, preferia nunca sair. Mas

essa mudança é imprescindível. O importante é que mesmo

saindo de lá, as memórias eu nunca vou esquecer.

O ano de 2020 me fez perceber o quanto são

importantes as coisas simples da minha rotina, aquelas que

muitos não dão importância. Tenho certeza que algumas das

coisas de que mais sentirei falta nos próximos anos da minha

vida serão o “bom dia!” de Robério e o fato de Suerda saber

qual sabor de pizza que eu quero quando vou pedir. Parece

bobo, mas essas coisas alegravam o meu dia e eu realmente queria que eles

soubessem disso.

Desde já, sinto falta do vínculo que criamos com essa escola e com todos que

fazem parte dela. Essa relação me faz tão feliz que há 12 anos vou todos os dias para

esse mesmo local e até no período de férias sinto falta da rotina escolar. É claro que às

vezes me sentia cansada de estudar, mas mesmo assim, toda noite, ficava animada

em poder voltar à escola na próxima manhã e recapitular o dia anterior.

Foi lá que criei algumas das minhas melhores memórias. Fosse no intervalo com

minhas amigas, nas aulas, fazendo algum trabalho ou até no vôlei depois da aula. Nas

produções das exposições pedagógicas, por exemplo, além de aprender sobre vários

temas diferentes, me divertia muito produzindo trabalhos mais dinâmicos e trabalhando

em grupo.

Tenho orgulho de dizer que estudo na Casa Escola, principalmente por ela ser

como um lar e as pessoas como uma família. Isso porque além dos conteúdos

obrigatórios, nos ensinam responsabilidade, tolerância, respeito e muitos outros valores

que foram extremamente importantes para a formação do meu caráter. Esses

ensinamentos realmente a diferenciam de outras escolas.

Amei o meu tempo na Casa Escola e sei que é por causa dela que eu me sinto

preparada para a próxima fase da minha vida. Apesar de ser difícil me despedir de um

lugar que foi parte tão importante da minha infância, estou animada para conhecer

outros lugares, outras pessoas e ter novas experiências.

Luiza Pernambuco

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GRAYSCALE

Mateus Ariel Barbosa Pereira

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Eu entrei na Casa Escola quatro anos atrás, no quinto ano.

Eu nunca tinha estudado em um lugar parecido. Já havia mudado

de escola várias vezes, por complicações de horários na minha

família e situações similares. As vivências como a peça teatral, ou

as aulas de viveiro eram muito diferentes das escolas onde

estudei.

Posso afirmar que saí da Casa Escola com uma visão de

mundo bem diferente de quando entrei. Eu posso admitir que não

estou na Casa Escola há tanto tempo, mas pra mim, a Casa

Escola foi onde eu mais cresci, fiz amizades, melhorei como pessoa, lidei com meus

problemas internos.

Mateus Ariel

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“ELE”

Pedro Gabriel Bautista

Na Inglaterra, em uma pequena cidadezinha, com uma população relativamente

baixa, está situado um humilde asilo para idosos que sofrem de problemas mentais,

onde certamente devem haver indivíduos com histórias de vida muito peculiares e

interessantes, com exceção de alguns, que sofrem de Alzheimer, uma doença que se

dá principalmente pelo excesso de estresse acumulado no cérebro. Como é o caso de

Jim, um simples idoso cujo não se lembra de suas origens, família, onde costumava

morar, nem de sua idade, mas que apenas ama produzir e criar pinturas. Só não

lembra quando, como e por que ele começou e descobriu esse talento genial.

Jim sim é uma pessoa intrigante. Muitas de suas pinturas pareciam ser retratos

de pessoas aleatórias com seus rostos, contendo apenas poucos detalhes, mas não

dava para analisar muito bem, já que sempre as guardava rapidamente, não queria que

ninguém as visse e nunca se lembrava onde as deixava sempre que terminava alguma

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de suas obras, de modo que elas costumavam sempre sumir no dia seguinte. Algo

curioso que costumava acontecer, era que quando estava se sentindo solitário,

produzia pinturas nas quais pareciam ser de algum ser desfigurado, uma pintura sem

muitos detalhes, como se estivesse sempre faltando alguma coisa. Era alguém que

tentava se lembrar, um velho amigo, dizia ele.

Ethan era um dos cuidadores do local, mas era encarregado principalmente de

cuidar de Jim. Era um cuidador muito simpático e gentil. Passava maior parte de seu

tempo jogando xadrez com Jim, quando não estava pintando, claro. Jim era sempre

revestido com perguntas sobre seu passado, como uma terapia para o ajudar a lembrar

de algo, mas era tudo muito vazio e confuso em sua cabeça. Por conta disso, os

diálogos com Ethan durante a partida de xadrez não tinham muito conteúdo, mesmo

assim, Jim sempre ganhava.

“Ei Jim. Você não se sente meio solitário? Você nunca faz nenhuma atividade ou

interage com seus colegas, eu me preocupo com sua sanidade mental, isso não é

saudável.” Diz Ethan, enquanto faz sua jogada. “Agradeço por se preocupar, mas estou

ótimo assim, e não estou sozinho como diz, eu tenho meu amigo lembra? Às vezes ele

vem me visitar.” responde Jim, após fazer sua jogada. “Seu amigo imaginário não

conta. Por que você sempre age tão estranho? É como se soubesse de algo muito

importante, mas que não-” “Xeque-mate” interrompe Jim, “Acho que já é hora do café

da tarde. Vamos jogar mais amanhã.” completa.

Na manhã seguinte, todos os cuidadores são informados de que devido a

problemas no asilo, alguns idosos teriam de ser transferidos para um outro asilo,

favorecendo assim a qualidade do atual, porém servindo para menos gente, devido a

problemas que o proprietário já vinha enfrentando. Dentre alguns dos idosos escolhidos

para a transferência, estava Jim, que logo foi informado de sua situação. Dentro de

poucos minutos, sua mala já estava pronta. Levava consigo apenas um pincel, algumas

tintas e um tabuleiro de xadrez.

“Está tudo pronto! Preciso apenas de sua identidade, pode me conseguir ela?

Faz parte da nova política de segurança.” pergunta Ethan. “Ah sim! Calma, eu sequer

tenho uma? Porque eu realmente não sei onde eu poderia a ter colocado.” responde

Jim, confuso. Ethan diz que não tem problemas, pois iria achar, mas mesmo após uma

hora revirando a casa, nenhum sinal da identidade. Assim, Jim teve de carimbar sua

digital em um papel e assinar com seu nome completo, no qual colocou apenas “Jim”.

Nem ele mesmo sabia seu nome por completo. Todos foram informados de que a

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transferência fora trocada para dois dias seguintes, quando sua nova identidade já se

esperava estar pronta.

Ethan, no dia seguinte, vai ao local tirar a identidade de Jim. Apenas mais um

dia normal, ou pelo menos era para ser. O datiloscopista afirma que algo que nunca

aconteceu antes havia acontecido, o sistema mostrava que o resultado mais recente

seria de alguém chamado “James Gray”, que seria um homem que estava

desaparecido e foi dado como morto anos atrás. “James Gray? Então este deve ser o

verdadeiro nome dele, Jim deve ser apenas um apelido. Que bom, certo? Isso significa

que nós encontramos uma pessoa desaparecida, ele deve apenas ter se perdido e não

ter conseguido mais voltar, faz sentido já que ele não consegue se lembrar de nada.

Então o que que tem? Qual o problema nisso? Vamos notificar sua família!” exclamou

Ethan. “Eu sei... mas é que não é só isso. Deve ter dado alguma coisa errada aqui.”

respondeu o datiloscopista, com um tom confuso. “Mas por que? Me diga logo.” pede

Ethan. “É que, o sistema achou mais 63 pessoas como tendo uma digital

possivelmente compatível com a que você me trouxe e… todas elas estão com os

status de ‘Desaparecido’.’”

Na madrugada daquele mesmo dia, mais exatamente 00:30 da manhã, faltando

apenas algumas horas para a transferência, Ethan acorda com o que aparentemente

seria o barulho de passos leves e calmos sobre o chão de madeira da casa. Ethan

rapidamente se levanta após alguns segundos e checa os quartos dos idosos. Jim não

estava mais em seu quarto e a casa inteira, menos os quartos dos idosos, estava

vazios, a única opção seria de que ele havia deixado a casa, mas, algo assustou

Ethan. Sobre a cama de Jim, estavam suas tintas e seu pincel. Estes que eram seus

pertences de maior valor e importância, os que ele tinha mais carinho. Jim não iria a

lugar nenhum sem levar eles. Em qual lugar Jim poderia ir que não pensasse que fosse

precisar delas? Ethan pensou a possibilidade de ele ter sido sequestrado, mas era

muito improvável, não teria como sequestrar alguém e fazer tão pouco barulho. Outro

fato era que, Jim parecia ter levado consigo apenas seu tabuleiro de xadrez junto de

suas peças.

Sem nenhuma escolha, Jim saiu da casa, a procura de seu amigo. Não era

possível enxergar muita coisa, apenas aquilo que a luz da lua tocava. Ainda confuso e

com medo, Ethan pensou ter visto uma sombra longe, andando calmamente em

direção a uma floresta que havia perto do asilo. Sem pensar duas vezes, Ethan seguiu

a sombra, até um ponto em que teve de entrar na floresta, era possível escutar apenas

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o som do vento balançando as folhas e os grilos da floresta. Estava muito escuro e

muito frio, mas Ethan continuava seguindo o som do atrito entre a tal pessoa e as

folhas.

Pouco tempo depois, Ethan acha uma cabana em meio a mata. Uma cabana

que parecia estar abandonada. Não havia portas, suas janelas estavam quebradas,

havia teias de aranhas e muita poeira. Ethan ficou assustado, pois havia crescido

naquela região e nunca houvera visto essa cabana antes, que com certeza era muito

velha e deveria estar ali há muito tempo.

Ethan entra na cabana, se depara com três cômodos, completamente vazios.

Estava muito escuro, por isso, notou que havia uma escada, pois havia uma luz,

pequena, fraca e que alternava sua intensidade constantemente. Com certeza era a luz

de uma vela. Isso significava que alguém havia acabado de chegar. Ethan sabia

definitivamente que era Jim na parte subterrânea da cabana, mas não negava que era

um pouco assustador. Mesmo assim, ele precisava descer as escadas, afinal ele não

poderia correr o risco de o Jim não conseguir lembrar de seu caminho de volta para a

casa. Foi isso que ele fez, degrau por degrau, devagar. Até que ele confirmou,

realmente era o Jim lá embaixo.

Jim estava lá embaixo, sentado em uma cadeira em frente de uma mesa, com

seu tabuleiro sobre a mesa de madeira, que já estava em um estado completamente

decadente. Não havia completamente nenhuma luz a não ser a única vela posta sobre

a mesa.

“Jim?! O que você está fazendo aqui?!”, “Por favor, me chame de James”,

“Então esse era seu nome esse tempo todo. Mas, como você lembra?”, “Eu me lembro

de tudo toda vez que ‘Ele’ vem me visitar e me esqueço toda vez que ‘Ele’ vai

embora.”, “Ele? Ele quem?”, “Meu amigo ué. Não se preocupe, ‘Ele’ já está vindo para

cá, então você poderá finalmente conhece-lo. Nós vamos jogar nossa última partida de

xadrez aqui embaixo, pelo menos a última partida de James. Me pergunto quem será o

próximo…”, “Sua última partida? Como assim? O que vai acontecer?”, “Ah, ‘James’ vai

ser descartado, vocês já descobriram minha relação com o resto dos desaparecidos.

Isso significa que eu falhei.”, “‘James’?, ‘descartado’?, ‘o resto dos desaparecidos’?

São muitas perguntas. Você sabe o que aconteceu com eles?! Você sabe onde eles

estão?!”, “Claro que sei, e não, eu não posso te dizer… Mas eu posso te mostrar.”

Ethan percebe que atrás de James estão várias pinturas empoeirados, sendo

200 tentativas do “Jim” de se lembrar do rosto de seu velho amigo e 63 retratos que

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“James” havia feito sobre os jovens desaparecidos. Logo em seguida Ethan sente um

calafrio juntamente com uma brisa gelada se apresentando no local, que

consequentemente apaga a única vela sobre a mesa. Ao olhar lentamente para trás

enquanto sente uma presença pesada, tudo que Ethan consegue ver são dois olhos

pequenos completamente brancos em um corpo completamente preto que se torna

indistinguível meio a escuridão, “Ah, ele chegou.” Diz James. (Jim e Ethan nunca mais

foram vistos).

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EXPERIÊNCIA CASA ESCOLA

É difícil escrever sobre minha experiência na Casa

Escola. Isso porque, apesar de ter estudado apenas três

anos de minha vida na instituição, vários momentos na

escola foram marcantes para mim. Penso que seria

impossível descrever todas as experiências e emoções

que tive nesses três anos, pois certamente é um lugar

único, com sua beleza própria, apesar de não muito

conhecida.

Por não ser uma escola muito famosa, certamente

conheci um grupo de pessoas não tão grande quanto em

outras escolas, mas pessoas com personalidades e carismas diferentes que ao longo

do tempo foram se tornando muito especiais para mim. Creio que minha vivência nesta

escola não só me fez refletir bastante sobre a vida, como também me ajudou a ter uma

ideia do que gostaria de fazer e quem quero ser.

Na “Casa” não só fiz grandes amigos. Tive muitos aprendizados também com

sua metodologia única, onde os próprios alunos possuem uma certa responsabilidade

nas decisões tomadas em relação à escola. Por algum motivo sinto que as pessoas lá

são mais unidas e têm mais contato umas com as outras, independentemente da

idade, gênero ou cor.

Em toda minha trajetória escolar, perpassando por sete escolas, em nenhuma

me senti tão acolhido como na Casa Escola. Mesmo tendo passado um curto período

de tempo, reconheço que entrei sendo um Pedro e sairei como uma pessoa totalmente

diferente e melhor. Foram três anos nos quais eu pude conhecer pessoas incríveis e ter

uma nova maneira de ver o mundo. Sou muito grato por poder ter tido todas essas

experiências e emoções, mesmo que em um curto período de tempo.

Este é o meu último ano na Casa Escola. Infelizmente não pude desfrutar tanto

quanto os outros anos devido à pandemia, mas mesmo que meu tempo como

estudante esteja perto de acabar, e eu tenha de ir para outra escola, sei que as coisas

que esta escola me proporcionou, como por exemplo, minhas amizades e tudo que eu

aprendi não irão acabar. São coisas que levarei ao longo da vida comigo. Coisas

especiais e únicas que guardarei com carinho.

Pedro Bautista

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O SONHADOR

Rafael Rangel de Carvalho

A história que eu vou contar hoje é sobre um menino muito talentoso, de alta

estatura e muito esforçado. O nome dele era Gabriel, seu sonho era ser jogador de

basquete profissional, então começou a treinar em sua escola e a participar dos

campeonatos regionais. Ele sempre jogava com os mais velhos e todas as vezes era o

melhor do campeonato. Em um campeonato desses que participou, mais uma vez

jogando muito bem, havia um olheiro querendo levar jogadores para jogar fora do país

na melhor liga de basquete do mundo. O olheiro ficou espantado com a habilidade do

jovem, então resolveu levar o garoto. Gabriel se despediu de sua família e foi jogar nos

Estados Unidos.

Chegando lá, o menino foi apresentado no clube Los Angeles Lakers, time dos

seus sonhos. Nos primeiros meses Gabriel treinou muito para poder jogar, porque

havia muito jogadores melhores e estava no período de eliminatórias da competição. O

Los Angeles Lakers conseguiu chegar na final da liga e Gabriel ainda não tinha sido

utilizado pelo time.

No dia da final, pela primeira vez, Gabriel foi relacionado para seu primeiro jogo

pelo time. Começando a partida, o menino já estava ansioso para entrar no jogo, mas o

técnico ainda não tinha deixado.

No último quarto do jogo, o Lakers estava perdendo de 102 x 100. Faltando 5

segundos, o técnico decidiu colocar Gabriel para jogar. No pouco tempo que tinha para

virar a partida, o menino correu muito rápido e ficou livre na linha três pontos, passaram

a bola para ele e... cesta. Lakers foi campeão com o arremesso de Gabriel, o time

inteiro comemorou o título junto com o menino.

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LEVAREI PARA TODA A VIDA

Meu relacionamento com a Casa Escola aconteceu

cedo, com meus 10 anos de idade, no 4º ano do Ensino

Fundamental. Já faz 5 anos que eu estudo aqui. Lembro

muito do meu primeiro dia de aula, tinha eu e mais dois

novatos, Theo e Tarcísio. Eu, que sempre fui tímido,

aproveitei que eles eram novatos e acabei fazendo amizade

com eles. Depois de uma semana jogando futebol,

aproximei-me dos outros meninos. Eu tinha um chute mais

forte do que eles e por causa dessa habilidade, tornei-me

amigo de quase todos os meninos.

Na Casa Escola eu sempre tive ótimos professores, alguns rígidos, outros nem

tanto. Sempre levarei os ensinamentos, não só para as próximas escolas, mas para a

vida inteira. A passagem do Ensino Fundamental I para o II foi a mais difícil na minha

vida escolar, pois no fundamental II as propostas de atividades são diferentes, assim

como os assuntos que são mais difíceis do que no fundamental I. Foi também no

fundamental II que conheci novos alunos, não só da minha turma, que levarei para a

vida.

Em dezembro de 2020 eu encerro meu ciclo escolar no Instituto Educacional

Casa Escola. Foi um ano muito diferente dos outros, com a ausência das aulas

presenciais na maior parte do ano devido à Pandemia do Coronavírus. Mesmo com as

aulas on-line, considerando todo tempo que eu estudei aqui, sentirei muitas saudades

da Casa Escola.

Rafael Rangel

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FINAL ALTERNATIVO

Tarcísio Alves Soares Neto

O barulho de balas tomava Taperoá. Pessoas gritando em fuga e corpos pelo

chão. Os cangaceiros entravam nas casas e pegavam tudo o que parecia ter valor.

Chicó, o Padeiro, Dorinha, o Padre e o Bispo estão dentro da igreja, que está

sendo saqueada pelos cangaceiros. Severino observa o grupo, pensando quem ele

iria executar primeiro. João Grilo chega gritando disfarçado de Severino.

João Grilo — Se preparem para morrer, Severino de Aracaju acaba de chegar!

Nesse momento, os cangaceiros ficam confusos, sem saber quem era aquele

que se passava pelo seu capitão. O Padeiro e Chicó aproveitam esse momento de

desentendimento para irem se afastando dos cangaceiros pouco a pouco. Quando

todos os cangaceiros apontam suas armas ao comando de Severino para João Grilo

disfarçado, eles correm para a porta de trás da Igreja em fuga. Um dos cangaceiros

olha para trás e os vê tentando fugir e grita para que eles parem ou levarão bala, mas

eles não param.

SEVERINO — Seus cabras safados! Vô passar a peixeira no bucho d’ocês!

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Nessa hora João Grilo pega a espingarda de madeira, que ele usava com a

fantasia, e bate na cabeça de Severino que estava mirando juntamente com todos os

seus comparsas nos dois correndo para a porta dos fundos. Eles tinham

simplesmente esquecido do falso cangaceiro graças à confusão. Severino solta um

grito que distrai o bando, acertando o braço do Padeiro apenas de raspão, que

continuou correndo.

CANGACEIRO 1 — Capitão, você está bem? - Pergunta um dos cangaceiros,

olhando para o sangramento que tinha começado na cabeça dele.

João Grilo, que já estava mais perto da porta da Igreja, corre. Os três

cangaceiros estavam distraídos olhando para o sangue que escorria pelo rosto de

Severino e que começava a manchar sua roupa. Estavam surpresos por como seu

próprio capitão foi pego desprevenido, até que o chefe do bando finalmente fala.

SEVERINO — Porque estão me olhando tanto, seus fi’ de jegue? Matem ele! -

ele aponta para João Grilo, que acabava de passar pela porta e sair do campo de

visão dos cangaceiros.

O Padeiro e Chicó conseguiram escapar pelos fundos da Igreja, enquanto os

cangaceiros corriam atrás de João Grilo pela frente. Foi quando o barulho dos tiros

ficou ainda maior fora da igreja.

SEVERINO — Não vão lá pra fora não! A Volante já chegou, gastamos muito

tempo com esses amarelos, seus abestados!

Agora, do lado de fora da Igreja estavam João Grilo, Chicó e o Padeiro,

enquanto os outros estavam presos na Igreja com os cangaceiros. Ao redor deles,

passando pelas ruas, eles conseguem ver homens armados de uniforme galopando

rapidamente na direção dos disparos. Era a Volante, com 40 homens fortemente

armados, com Major Antônio de Moraes fazendo as vezes de comandante.

Padeiro, Chicó e João Grilo estão agora abaixados escondidos no gazebo da

praça na lateral da Igreja.

PADEIRO — Meu Deus do Céu, o que faremos agora? Estão tendo tiroteios

para tudo quanto é lado aqui!

JOÃO GRILO — Se aquiete, se você continuar falando alto assim, você vai

acabar trazendo eles para cá.

Nesse momento, eles conseguem ouvir sons de cavalos. Eram mais três

policiais montados e o Major Antônio de Moraes. Eles estavam chegando para

acompanhar a Volante.

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PADEIRO — Major Antônio de Moraes! Nos acuda! Severino tá dentro da Igreja

e minha mulher está lá presa com ele!

MAJOR — Severino de Aracaju?

PADEIRO — O próprio!

MAJOR — Ah, mas hoje ele não escapa. Vou matar esse cabra safado é

agora!

Ele vira para um dos membros da Volante que o acompanhava e faz um sinal

com a cabeça. Imediatamente, o policial sai rapidamente com seu cavalo para a

cidade.

MAJOR — Pronto, ele já foi chamar outros pela cidade. Vamos nos apressar

que isso não vai demorar muito.

JOÃO GRILO — Eh, com licença Major, mas se apressar para que?

MAJOR — Ora mais que cabra atrevido, nós vamos chegar na bala para não

dar chance para Severino atirar na gente. É melhor vocês saírem logo, porque a gente

vai começar daqui a pouco quando o restante das forças chegarem.

Nesse momento o Padeiro ficou totalmente pálido. Sua mulher estava lá dentro

com Severino e os cangaceiros. Ele não iria aceitar que chegassem atirando em tudo

com chance de alguma bala atingi-la.

PADEIRO — M-mas Major, m-minha esposa está lá dentro e, se alguma bala

acertar ela e…

MAJOR — O que eu tenho a ver com isso, homem? Meu interesse é matar o

Severino, eu não me importo se alguém morrer porque estava no meio do tiroteio! Se

duvidar, ela já está até morta. Agora para de me atrapalhar porque eles já estão vindo.

De uma certa distância dava para ver que vinham chegando próximo a 10

homens de uniforme e a cavalo na praça.

PADEIRO — Não precisa ser assim, Major! Se- se você me der sua arma eu

mesmo posso ir lá tentar matar Severino.

O Padeiro estava com a coluna reta e fazendo seu melhor para apresentar uma

cara totalmente séria e raivosa, para tentar convencer o Major que realmente

conseguiria, mesmo que nem ele próprio acreditasse nisso.

MAJOR — Ora, mas se for assim eu nem irei precisar arriscar os homens. E

digo mais: se você for mesmo eu te pago 20 contos de réis.

Quando João Grilo escuta sobre o pagamento que o Padeiro iria receber para

tentar matar Severino, ele olha para Chicó com seus olhos arregalados. Chicó, já

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sabendo onde isso iria parar, já foi negando com a cabeça, mais sabia que João Grilo

não desiste de algo que ele coloca na cabeça, principalmente envolvendo dinheiro.

Porém, no momento em que o Major vai apertar a mão do Padeiro, que já estava

tremendo, ele escuta mais sons de galopes. Ele olha para o lado e finalmente vê o

resto da Volante que foi chamada para invadir a Igreja e matar Severino.

MAJOR — Ah mais vocês já chegaram? Então deixe para lá o trato. Eu confio

mais na Volante do que em um cidadão qualquer dessa cidadezinha.

JOÃO GRILO — Caaalma Major, você pode até estar certo sobre ele sozinho

não ter chances de enfrentar Severino, mas três pessoas já tem uma boa chance

contra uma só, né?

MAJOR — O que você está querendo insinuar, hein?

JOÃO GRILO — Naada, mas só estou dizendo que três contra um acaba que

os três ficam na vantagem, né? Então se for eu, o Chicó e o Padeiro nós vamos ter

uma chance bem maior contra esse cangaceiro que nem é tudo isso! Aí se você for

pagar o Padeiro, eu posso ajudar ele, aí eu pego 10, que seria metade do que ele iria

ganhar, aí Chicó iria valer como mais um como o Padeiro, e ele recebe mais 20. No

fim acabaria sendo três pelo preço de dois! Além do que o Padre e o Bispo estão lá

dentro da Igreja também.

MAJOR — E o que isso tem a ver?

JOÃO GRILO — Majoor, você não sabe que matar Padre dá azar? Quanto

mais matar um Padre e um Bispo! E sua filha não frequenta essa Igreja? O que você

acha que ela vai falar quando descobrir que você matou o Padre e o Bispo dentro da

própria Igreja?

MAJOR — Matar Padre e Bispo dá azar? Mas nem vou ser eu que irei atirar

neles! Se alguém vai ter que atirar Igreja adentro vão ser eles!

Ele aponta para os integrantes da Volante que foram chamados. Eles, que

escutavam toda a conversa, ficam visivelmente desconfortáveis com a situação, pois

não queriam levar a culpa de matar um Padre e um Bispo em uma Igreja. Ainda mais

agora, sabendo que dá azar.

JOÃO GRILO — Mas você quem mandou eles fazerem isso! Você acha que

quem leva a culpa por um assassinato é a arma ou a pessoa que puxou o gatilho?

Mas não se preocupe que nós estamos aqui para resolver esse problema, mas você

tem que dar sua palavra que se sairmos de lá vivos, tem que nos dar nossa

recompensa do jeitinho que eu falei!

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O Major olha para os membros da Volante, que também começavam a pensar

que matar eles na Igreja, poderia causar um grande azar, que estariam matando

dentro da Casa de Deus e que isso faria com que eles fossem castigados pelo resto

da vida.

MAJOR — Está bem, então! Eu vou recompensar vocês pelo preço de dois,

mas só quando vocês acabarem!

O Major olha o relógio no seu pulso.

MAJOR — São 13h11. Se der 13h30 vocês não saírem, eu vou presumir que

vocês todos morreram e mandarei a Volante chegar metendo bala! Agora alguém aí

dê seu relógio para esse amarelo antes de que ele mesmo se esqueça!

Um dos integrantes da Volante tira um relógio de bolso e estende para João

Grilo, mas o Padeiro pega, já que ele era o único no grupo capaz de ler as horas.

Quando eles pegam cada um um revólver que os membros da Volante carregavam,

além das espingardas, a Volante sai novamente na direção dos disparos ao redor da

cidade. Eles só voltarão no horário marcado.

CHICÓ — Mas que conversa é essa de me meter no meio dessas suas

arrumação? Eu não vou lá pa dentro nem que me pagassem!

JOÃO GRILO — Mas Chicó, você já é o que mais vai ganhar aqui! Eu e o

Padeiro vamos dividir o dinheiro e você vai ganhar o dobro! Só que o que é seu é

meu, né? Apois depois a gente divide o seu dinheiro pra mim também!

CHICÓ — Então tá certo, eu vou! Mas não vá me botar numa enrascada já

maior que essa!

PADEIRO — Já acabaram de enrolar? Agora vamo logo que minha mulher tá lá

dentro ainda presa com aqueles fi da égua!

João Grilo conta o plano que vinha fazendo para Chicó e o Padeiro. Eles

assentem com a cabeça e vão cada um para um lado da Igreja como combinado.

Chicó ficou do lado do prédio onde ele já estava, o Padeiro ficou atrás e João

Grilo ficou no meio entre os dois, onde tanto Chicó quanto o Padeiro pudessem vê-lo.

Chicó estava com duas pedras que ele encontrou em um arbusto próximo à lateral da

igreja, uma em cada mão. Já o Padeiro estava com um revólver da Volante. Chicó e o

Padeiro esperavam pelo sinal que João Grilo faria para agirem.

Assim que João Grilo fez o sinal, o Padeiro disparou com o revólver na porta

traseira, fazendo um buraco onde ficava a maçaneta para dificultar a abertura dela por

dentro e saiu correndo para onde Chicó estava. Nesse mesmo momento, Chicó

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começou a atirar suas pedras na janela, por onde iriam entrar, quebrando ela toda,

mas por conta do barulho do disparo, não deu para ouvir. Logo depois disso ele tirou

as partes de vidro que ainda estavam na janela e todos entraram juntos enquanto eles

ouviam os cangaceiros passarem correndo pela sala em que eles estavam em direção

à porta de trás. Eles viram 3 cangaceiros saírem, então ainda restava um lá dentro: o

Severino.

JOÃO GRILO — A gente tem que ir ligeiro! Eles não vão demorar muito para

voltar.

CHICÓ — Ah, mas eu não tô gostando disso mais não, João, eu vou-me

embora daqui logo!

JOÃO GRILO — Agora já é tarde, Chicó! Você vai ficar e cuide de não ficar

falando alto assim ou eles vão saber que a gente entrou!

Eles avançaram em linha, o Padeiro com o revólver na frente e João vinha

atrás puxando Chicó com uma mão e carregando a faca que ele guardava para forjar

a morte de Chicó caso os cangaceiros não tivessem aparecido na outra. Eles

conseguiram subir as escadas em direção ao balcão superior, mas não encontram

Severino e as amarras que prendiam os reféns estavam cortadas.

PADEIRO — Severino deve ter levado minha mulher e outros lá no sino. Agora

a gente só tem que…

Enquanto ele falava todos ouviram os outros cangaceiros entrando pela porta

da frente reclamando que não tinham achado ninguèm próximo da Igreja. Agora eles

subiam as escadas. Após ouvir seus companheiros chegando, Severino falava

enquanto descia da escadaria do sino olhando para o chapéu do Bispo em suas

mãos.

SEVERINO — E então, acharam os infelizes que deram aquele tiro na porta?

No tempo em que ele vinha descendo as escadas, olhando com a cabeça baixa

para o chapéu, João Grilo, Chicó e o Padeiro entraram rapidamente no escritório do

Padre.

CANGACEIRO 1 — Não, chefe. E-eles escaparam. Mas se eles aparecerem de

novo a gente mata eles para você!

João e os outros já conseguiam ouvir Severino passando pelo outro lado da

porta em direção aos cangaceiros. Agora ele estava em frente a escada, já mais

distante deles.

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SEVERINO — Assim espero! Quero que esses cabras da peste presos com os

outros pelo que fizeram, depois usaremos eles de reféns para sairmos daqui ou para

resgatar algum dos nossos se forem pegos.

JOÃO GRILO (sussurrando) — É agora, ou a gente sobe para desamarrar os

outros ou eles que vão pegar a gente desprevenido.

Então eles abriram a porta com um chute. Severino estava distraído olhando

para o chapéu. Quando se virou em direção à porta, o Padeiro, que tremia, já

disparava. O tiro acertou na perna de Severino, que gritou de dor. Com o barulho, os

outros cangaceiros sobem as escadas rapidamente. João e os outros dispararam

escada a cima em direção ao sino.

Quando eles chegaram lá em cima, se depararam com o todos os outros

presos por laços ao redor do sino.

PADEIRO — Dorinha meu amor! Não se preocupe que eu vou te tirar daqui! E,

vocês todos também, claro.

João foi logo puxando a faca que ele tinha guardado e entregando para o

Padeiro, que saiu cortando as cordas de todos os que estavam presos lá, enquanto

João Grilo e Chicó ficavam um de cada lado da porta que estava fechada. O primeiro

abriu a porta com a guarda baixa, e levou uma pedrada de Chicó no ouvido e caiu no

chão; o segundo que chegou já tinha ouvido o barulho, então esperou o outro chegar

com ele para avançarem juntos, mas João Grilo já estava lá esperando e deu de uma

só vez todos os 5 tiros que ficavam no tambor do revólver. Errou três e acertando na

barriga de um e na perna do outro. O que levou um tiro na barriga caiu para trás,

imóvel, enquanto o que levou um tiro na perna não caiu, mas deu um grito alto e

soltou a arma para estancar o sangramento.

Chicó pegou a arma do que estava abaixado e lhe deu uma coronhada na

cabeça, o que fez ele desmaiar. Logo em seguida colocou todas as armas dos

cangaceiros no chão. Nesse momento, os tiros nas ruas já estavam cessando, dava

para ver da torre do sino que a Volante já estava voltando às ruas para retirar os

corpos dos cangaceiros e dos que morreram na troca de tiros. Parte da força policial

vinha em direção à Igreja, onde ainda continuava o conflito.

DORINHA — Finalmente você chegou meu amor! Eu já não aguentava mais

aquelas cordas arranhando meu braço, esses cangaceiros iam nos jogar daqui de

cima!

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Enquanto todos estavam de costas para a porta vendo o reencontro de Dorinha

com o Padeiro, já pensando que isso tudo tinha acabado, que poderiam ir para a

casa. Por um segundo, não lembraram que o Severino ainda estava lá.

SEVERINO — Ainda não acabou seus fi duma égua!

Ele estava em frente à porta, com a perna sangrando e com um revólver em

cada mão. Ele dá um disparo com cada revólver para a frente, um mirando no

Padeiro, pelo tiro na perna e outro em João Grilo, pelo atrevimento. Quando ia

disparar, Chicó, que também ainda estava próximo à porta empurra João Grilo,

tentando tirá-lo da linha do tiro. Com essa surpresa, Severino dispara com ambas as

armas. Uma bala passa próximo a cabeça do Padeiro, mas acaba acertando o sino

que estava atrás dele. O segundo tiro acerta Chicó no peito.

O Padeiro responde disparando nervosamente em direção a porta, acertando o

braço de Severino. João Grilo segurou Chicó, antes de cair no chão, e sentou

juntamente a ele. Nesse momento ele pega um dos rifles dos cangaceiros, que estava

no chão, e atira na cabeça de Severino, que caiu imóvel para trás.

JOÃO GRILO — Chicó! CHICÓ! Levanta! Já acabou! Eu que te trouxe aqui, eu

que te obriguei a vir! Era para ter sido eu!

João Grilo continua chorando e sacudindo Chicó, que permanece imóvel. O

Padeiro se agacha na direção de Chicó e tenta ver se ele ainda respira. Após isso, ele

apenas se levanta, com a cabeça baixa.

PADEIRO — João, n-não adianta. Ele… morreu.

Nesse momento dava para ouvir a Volante entrando de uma vez na Igreja, mas

eles também não chegaram arrombando a porta, ou ao menos já atirando. Eles foram

subindo as escadas, na direção do choro de João Grilo.

Mais tarde o major, todo orgulhoso, tira uma foto com o cadáver de Severino,

assumindo mérito da “vitória”. Ao mesmo tempo, ele sacou do seu bornal de couro um

bolo de dinheiro e colocou na mão de João Grilo, que ainda estava manchada com o

sangue de Chicó.

João já sabia que eles tinham terminado, ele até teria conseguido a

recompensa em dinheiro do Major, mas… a que custo?

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HORA DE DIZER ADEUS

Minha chegada na Casa Escola no quarto ano foi

a primeira mudança de escola que eu fiz. Antes disso, eu

passei a minha vida inteira estudando em uma única

escola, e foi bem difícil me despedir de todos os meus

amigos e colegas que tive por toda minha infância,

apesar de eu ainda ter contato com alguns deles. No

início, eu pensei que eu não conseguiria me encaixar tão

cedo na nova escola, que todos já teriam seus grupinhos

formados e que eu não me encaixaria em nenhum deles.

Porém, quando eu cheguei lá, vi que todos nessa escola

foram muito acolhedores comigo, e que a escola em si cria um ambiente muito

receptivo a todos e eu vi que não teria problema em socializar nesse ambiente novo.

Alguns dos meus melhores momentos na Casa Escola aconteceram durante as

viagens de todos os anos com os alunos do sexto ao nono ano, em que, muitas vezes,

eu conseguia fazer novas amizades com pessoas de outras turmas que eu não tinha

muito contato.

Por fim, eu acho que essa rotina, nessa escola nova, fez com que eu me

apegasse muito a todos, tanto os alunos, professores e funcionários. Eu sentirei falta

de todos eles quando sair da Casa Escola, já que esse é o meu último ano nela. Mas,

eu nunca vou esquecer do que eu aprendi lá.

Tarcísio Neto

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O ORGULHO

Tiago Cosme Pereira de Melo

Eu estava pensando sobre o que é o orgulho mais especificamente, vi que entre

os pontos que colocam as pessoas longe de vencerem seus desafios, o orgulho é o

que mais cega. A pessoa se fecha em sua verdade, tranca- se em sua visão de mundo

e vai a todo vapor, não há quem a esclareça, não há quem tire dela a ideia de agir de

maneira diferente.

Até o último mês, eu, Aluízio Ferreira, aparentava ser um dos mais orgulhosos

do meu bairro e quiçá da cidade. Muitos diziam que eu me achava o melhor e eu não

tinha o orgulho como uma característica que poderia ser benéfica para minha pessoa,

entretanto, acreditava, mesmo assim, que a pessoa que carrega o orgulho poderia

aprender a ser humilde, contudo, não teria orgulho da humildade. Eu sabia que

precisava mudar esse meu ideal, pois ele ainda trazia características de um indivíduo

que tinha o orgulho em sua forma de pensar.

Eu sabia que precisava mudar, logo vi que precisava entender mais sobre

tal assunto e analisar que o orgulho poderia ser maléfico e prejudicial não só para

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mim, mas também para as pessoas que estão em meu convívio social. Pois bem,

estudei mais sobre este sentimento e a primeira coisa que eu vi foi que o orgulho pode

ser perigoso e maléfico, logo, que a soberba antecede uma provável destruição, e de

cara já me intriguei.

Já no outro mês, em dezembro daquele ano para ser mais específico, percebi

que o orgulho é mais um dos desastres presente no planeta Terra. A pessoa erra, mas

de maneira alguma dá o braço a torcer. Eu também tenho visto muita gente orgulhosa

que não dava o braço a torcer, ficar sem braço. A sensação de superioridade que o

orgulho causa é louca, faz a pessoa pensar que o mundo gira em torno dela e todos

são seus súditos, vamos dizer assim.

Nestes últimos anos, percebi que a única cura para o orgulho são as lições da

vida que fazem pessoas orgulhosas ficarem presas através dos acontecimentos, mas,

mesmo em meio ao sofrimento, este modelo de pessoa não muda, fica firme no seu

posto, admirando sua própria dor e culpando alguém. Toda pessoa orgulhosa quando

sofre, culpa alguém.

Após 33 anos, em novembro de 2020, vi que a humildade é um dom que pode

ser despertado, é uma maneira de viver que nos aproxima das pessoas de bem, dos

fatos positivos e de nosso verdadeiro caminho. Ser humilde não significa se deixar

humilhar, ser humilde é se fazer compreender e também compreender sem

questionamento agressivo, colocando-se numa posição de igualdade. Devemos ter

orgulho de nossas conquistas na vida, pois lutamos muito por elas, mas não devemos

ter o orgulho como referência em nossa compreensão das coisas, em nosso jeito de

viver, em nossas decisões, em nossos relacionamentos e em nosso coração.

Um dia, eu estava lendo um certo jornal, e vi uma mensagem de um sábio para

os leitores do folheto, e de cara já me intriguei com a certa fala do sábio, agora irei

deixar vocês a sós, e não irei perturbá-los, mas, só leiam esta frase do sábio...“não

permita que o orgulho que cega escureça seu interior e lhe faça pensar que você é

muito melhor do que realmente é, a majestade dos grandes está em como saber tratar

os pequenos”.

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A CASA QUE É UMA ESCOLA

Minha relação com o Instituto educacional Casa

Escola surgiu bem cedo, a partir dos dois anos de idade,

no dia 7 de Fevereiro de 2008, ou seja, estou aqui a

aproximadamente 13 anos e pelo que me recordo,

sempre tive ótimos professores, alguns muito rígidos,

outros nem tanto, mas acredito que irei levar alguns de

seus ensinamentos em minha “bagagem”, vamos dizer

assim.

Relembro que no meu primeiro dia de aula (sim eu

me lembro) foi um pouco difícil estar ali, pois como eu

nunca tinha saído da minha casa, tudo era diferente e novo (acho que terei esta

mesma reação quando essa quarenta acabar…), comecei a perceber que estar

naquele ambiente era bom para mim. Eu também adorava brincar com os meus

colegas de classe que foram os meus amigos durante esse período.

No ensino fundamental I conheci novas coisas e pessoas, que também me

responsabilizo em levar para minha vida. Já no ensino fundamental II, lembro-me de ter

sido uma das passagens educacionais mais dificultosas e benéficas, pois foi uma

passagem com bastante tensão e aflição, corporal e mental, visto que o fundamental II

iria ser o meu último ciclo na Casa Escola e, é claro, sempre batia uma corriqueira

ansiedade, de modo que lá era um outro ambiente, com novas pessoas de diversas

idades convivendo nos intervalos, e as novas atividades que tínhamos como proposta

educacional no fundamental II que, de certa forma, também contribuíram para a

presença de uma certa ansiedade entre os alunos, já que eram dinâmicas novas.

Infelizmente, em Dezembro de 2020, um grande ciclo meu com esta escola se

fecha e posso dizer que, provavelmente, será bem diferente dos demais que

ocorreram, já que o presencial não pode ser aplicado, uma vez que estamos em um

ambiente totalmente diferente dos anos anteriores, devido a pandemia do Novo

Coronavírus que enfrentamos, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Pois bem,

mesmo com as aulas online, considerando toda minha experiência, aprendi e executei

muitos ensinamentos postos por essa “Casa”.

Tiago Cosme

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TURMA DO 9º ANO | 2020

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