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O pequeno livro
de memórias da
Família
Santi
UM CONTO DE GERAÇÕES DEZEMBRO DE 2020
Capítulo I
Natal
Data de nascimento 28 de outubro de 1936
O patriarca
Por volta dos anos 1880, da Itália imigrou para o Brasil o casal
Angelo Santi e Antonia Bertollo. Vieram junto seus dois filhos:
Francesco e Giovanni. De Francesco, o mais velho, sabemos pouco.
Ele casou com uma moça da família Vazatta e mudou-se para a
região de Guaporé. Como era difícil a comunicação naquele tempo,
a família acabou perdendo contato.
A nossa história segue a partir de Giovanni, nascido em 1877, em
Fontaniva, na Itália. Casou-se com Maria Cella, filha de Pietro Cella.
Desse casal nasceram os filhos Natal, Anselmo, Catharina e Pedro.
De um parto precoce, nasceu uma criança prematura, que faleceu
junto com a mãe.
Depois de alguns anos, Giovanni casou-se novamente com Maria
Dalla Pozza e teve mais oito filhos: Luiz, José, Angela, Luiza, Angelo,
Antônio, Amalia e Thereza. A nova família vivia às margens do Rio da
Prata, próximo ao local onde existe hoje a travessia entre Nova
Roma e Veranópolis.
Os filhos do primeiro casamento ficaram com os avós e sempre
viveram na localidade conhecida hoje como Linha Paranaguá. Da
família de Anselmo, que casou com Ida Cadorin, nasceram dez
filhos: Joana, Umberto, Assunta, Pedrinha, Santina, Arcangelo,
Regina, Natal, Maria, João e Rosália.
Ida era filha de Umberto Cadorin e Maria Bandiera. Ela tinha nove
irmãos: José, Mília, Tília, Angelo, Genoveva, Joana, Antônio, Luiz e
João.
E, continuando, Natal, filho de Anselmo e Ida, casou-se com
Adelaide Volpato. Ela é filha de Antonio Volpato e Rosa Bet. Antônio
era filho de Giacinto Volpato e Rachele Barp. Rosa Regina Bet era
filha de José e Rosa Bet.
Os irmãos de Adelaide são Jacinto, Maria, Natal, Genoveva, Vitalina,
Calixto e Cecilia.
Do casal Natal e Adelaide, nasceram Zelvir, Inês, Margarida,
Pelegrino, Rita, Norma, Elávio, Noemi e Raquel.
A família Santi trabalhou muito, sempre com o objetivo de cumprir
com as obrigações e deveres. Os mais antigos lutaram muito,
tiveram muitas conquistas e sempre superaram as derrotas.
Sempre praticaram a fé e os bons costumes. Sempre procuraram
dar de si, em favor do bem social e para ajudar os mais
necessitados.
Na comunidade, a família contribuiu com o desenvolvimento. Em
2014 a família Santi construiu um capitel em honra a São Pelegrino
pedindo proteção e agradecendo as graças alcançadas. O desejo é
que o capitel seja um marco de fé para as futuras gerações, como
algo que não pode ser esquecido e que deve ser reservado até o fim
dos tempos.
Ida e Anselmo
A bolsa
Essa bolsa ainda está com a família e em perfeitas
condições. Foi guardada com muito carinho por Natal.
Família Santi
Natal Santi
Nasci em 28 de outubro de 1936. Fui batizado aos três anos e tive
como padrinhos Vitório e Amalia Bunai. Fui crismado pelo Bispo Don
José Barea, tendo como padrinho José Kloss. A primeira comunhão
foi dada aos oito anos pelo Pe. Tranquilo Mugnol e o padrinho foi
Angelo Tochetto.
Quando menino, eu era estudioso e obediente. Fui crescendo
trabalhando na lavoura de trigo usando ferramentas como foice,
arado, trilhadeira e enxada. Naquela época não havia muitos
brinquedos. A gente fazia bolas de pano com meias velhas e
enchimento de tecido que não tinha mais serventia. Naqueles
tempos também era comum fazer bolas com bexigas de porco
preenchidas com palha. Eram brinquedos simples, mas para as
crianças que não tinham nada, tinham um valor especial.
Também fazíamos carrinhos de madeira. Os eixos eram feitos com
tábuas e as rodas eram de madeira arredondada. Colocávamos
esses carrinhos numa ladeira, alguém embarcava e outra criança
empurrava. Também brincávamos de esconder. Alguém tapava os
olhos, contava e depois achava o resto da criançada.
Além de trabalhar na roça e do pouco tempo para brincar, aos
domingos, íamos para catequese e rezávamos o terço.
Na mesa, comíamos do que tinha: polenta, ovos, omelete, radici,
batata doce, mel, pão, feijão, queijo, salame - tudo feito de forma
artesanal ou cultivado na horta de casa. Complementávamos as
refeições com alguma pesca ou caça.
As casas eram feitas de madeira, com telhado feito de tábuas
pequenas. As janelas eram escuras e tinham frestas. Quando a luz
passava por elas, ao amanhecer, sabíamos que era hora de levantar
e seguir na lida.
Na escola, lembro que o primeiro livro trazia o ABC. Lembro que, nas
primeiras páginas, aprendemos a pronunciar as palavras vil, fel, fiel,
O patriarca
Soldado
tal, fatal, papel, Dalva, alta, polpa, palpadela. Aprendemos a fazer
contas, somar, diminuir, dividir e multiplicar e decoramos a tabuada.
Tudo era escrito numa tábua pequena e preta, com uma pena.
Quando a professora passava outro conteúdo, se apagava o que
estava escrito e se começava a escrever tudo de novo no mesmo
quadrinho de pedra.
O tempo foi passando e, aos 18 anos, fui convocado a servir o
exército no Batalhão de Santa Maria (RS). Na época, o destino era
tão distante que parecia ser em outro planeta. De Maria Fumaça,
por via férrea, a viagem durou dois dias e duas noites. No exército,
sentia muitas saudades de familiares e amigos, com quem me
correspondia por cartas. Cumprindo o dever, voltei para casa e
comecei a namorar com a Adelaide Volpato, com quem me casei em
31 de maio de 1958 na Igreja de São Pedro e São Paulo, sob a bênção
do Pe. Estevão Vanin. Desse casamento, nasceram nove filhos.
Cada um que chegava trazia uma enorme alegria, pois era um novo
anjinho que vinha para o colo do pai e da mãe.
Exerci diversas atividades, lutei pela criação do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Nova Roma e atuei na comissão de
emancipação do município. Fui fabriqueiro da capela por duas
gestões e atuei na campanha de vacinação contra a febre aftosa,
aplicando vacinas nos animais durante três anos. Trabalhei como
vendedor de frutas e verduras em Vacaria. Fui transportador de leite
por quatro anos para a empresa Cooval, levando leite de Nova Roma
para Vacaria, tendo sido substituído depois por empregados e pelos
filhos.
Participei das comissões de criação do Colégio Estadual Nova Roma
e da Escola Municipal Pio IX. Isso possibilitou que muitos jovens
pudessem estudar no município, sem a necessidade de mudar para
cidades vizinhas.
Entre 1976 e 1982 fui nomeado subprefeito do 2º Distrito de Antônio
Prado, ou seja, Nova Roma do Sul. Nesse período foram realizadas
várias obras. Além do colégio, foi construído o primeiro posto de
saúde, o parque infantil, foi instalada a primeira rede de telefonia,
houve abertura da estrada da Gruta Natural, que depois veio a se
chamar Gruta de Nossa Sra. de Lourdes, abertura da Rua Sete de
Setembro, foi realizado calçamento nas ruas 19 de Janeiro, Cipriano
Carminatti, Gregorio Panazzolo e parte da Carlos Leopoldo, além da
eletrificação rural das localidades de São Roque, São Vicente e São
Paulo. Foi comprada uma Toyota e um caminhão caçamba Ford para
dar apoio à comunidade esportiva, clube e capelas, além de
estradas públicas e particulares.
Em 1983, junto com Alberto Cansan, abri o Supermercado Santi &
Cansan, que fez muito sucesso na comunidade, no qual atuei por
quatro anos como gerente.
Integrei a Comissão de Emancipação de Nova Roma do Sul. Após
essa conquista, em 1988, fui eleito o primeiro vice-prefeito da
cidade. A posse foi realizada no dia 1º de janeiro de 1989.
Aos 84 anos posso dizer que nunca tive brigas com ninguém, nunca
fui intimado na delegacia ou na justiça, tive negócios em sociedade
e sempre me dei bem com todos. Mas isso não quer dizer que eu
seja santo. Eu também sou humano, sujeito a cometer erros. Mas
uma coisa é errar e outra coisa é querer errar. Tenho certeza que se
a família, os filhos e os netos seguirem bom exemplo, terão a
consciência tranquila que uma pessoa precisa para viver.
E também não posso deixar de contar que há 62 anos descobri uma
pérola brilhante que sempre me iluminou e me deu energia e calor.
E essa pedra foi se transformando em nove estrelas brilhantes que
me rodeiam e me honram. Essa pedra brilhante eu descobri com a
ajuda de Deus e Nossa Senhora, porque antes de descobrir, eu rezei
para ter essa graça. Sou muito grato e reconheço o valor desta
pedra preciosa que tanto me honra.
Nos últimos meses, durante a pandemia, uma das minhas filhas me
pediu pra escrever algumas memórias sobre nossa família e os
hábitos de antigamente. Não tenho muito estudo mas, mesmo
assim, estou tentando escrever um pouco da história da família
Santi no Brasil.
Tudo isso me fez lembrar que a nossa infância foi muito simples.
Trabalhávamos muito e não havia tantos recursos como hoje. As
brincadeiras eram mais improvisadas e sempre tinha alguém mais
velho pra nos contar historinhas. Nessa jornada, também aprendi
algumas poesias que ensinei aos meus filhos e netos. Certamente
serão lembradas para sempre.
Uma delas é assim:
Eu tenho um gatinho
Chamado Cetim
Alegre e mansinho,
Ele gosta de mim.
Bem cedo na cama
Vem ele: “Miau”
E tanto me chama
que até fica mau.
Inventa brinquedos
E pula no chão
Até fico com medo
Não tenho razão?
Mas ele é mansinho
Ferir-me não vai
Se eu fosse um ratinho
Então ai ai ai!
Tem quatro patinhas
Com unhas assim
Curvadas e fininhas
São garras, enfim.
Mas nunca merece
Castigo, isso não!
Cetim me obedece
De bom coração!**
(**autoria: Zalina Rolim, déc. 1890)
Essas memórias nos fazem refletir. Em 2020 estamos vivendo uma
calamidade mundial com um vírus que afetou toda a humanidade,
necessitando distanciamento social e uso de máscaras para se
proteger. Na minha opinião, esse vírus ficará na história como algo
mais grave que as duas grandes guerras.
As guerras foram provocadas pelo homem em busca de poder. E a
pandemia está ocorrendo porque estamos no caminho errado.
Talvez tivéssemos que desacelerar e voltar a viver a fé de tempos
passados, pois o “Deus da Internet” está tomando conta do mundo
moderno.E neste tempo em que o planeta terra está ameaçado pelo
ser humano as futuras gerações nao terão mais vida.
Adelaide, tenho dentro de mim
Uma dor que me consome
Quando estou a suspirar
Da minha boca sai teu nome.
Não te encostes na parede
Nem num pé de pessegueiro
Encosta-te no meu braço
Que não te custa dinheiro.
Adelaide me deu um cravo
Na sexta-feira da Paixão
Guardei o cravo no peito
E a Adelaide no coração.
Vai cartinha amada
Por esse mundo sem fim
Vai dizer à Adelaide
Que não se esqueça de mim.
O casamento
Marcha soldado
Somos soldadinhos pequeninos
Mas fortes na luta e no dever
Nossa conquista e destino
É a pátria defender
Não pode haver um desalento
Soldado novo não tropeça
Mas se cai por um momento
Ergue-se e anda mais depressa
Se um companheiro desfalcar a nação
Ou ficar doente
A união e força dos colegas
Hão de levá-lo para frente
Marcha, soldado
Soldado novo não se atrasa
Mas colhe no caminho
A paz de sua casa
Marcha, soldado
Direito e sorridente
Encontre no caminho
O amor de tua gente
Marche, soldado
Um, dois, um, dois
Esquerdo, direito
Que disciplina!
Já está marchando o batalhão
Vai conquistar a luz divina
Leve na alma e no coração
Marche, soldadinho
Contente para a guerra
E faça tudo
Por amor a tua terra
Marche, soldadinho
Em busca da bondade
Semeia no caminho
O bem da humanidade.
Capítulo II
Adelaide
Data de nascimento 20 de fevereiro de 1939
A matriarca
Família Volpato
Sou Adelaide, nasci no dia 20 de fevereiro de 1939. Sou filha de Rosa
Regina Bet e Antônio Volpato. Meus irmãos são Jacinto, Maria,
Natal, Genoveva, Vitalina, Calixto e Cecilia.
Quando era criança, vivia numa casa com 24 pessoas, entre meus
pais, irmãos, tios, avós e primos. Fazer comida para tanta gente era
sempre um grande esforço e exigia muito tempo. Mas naquela
época não faltava alimento: plantávamos trigo, feijão, lentilha,
batata, milho, uva. Sopa de feijão, omelete, polenta eram pratos
frequentes. Tínhamos umas 200 galinhas para dar conta de tantos
ovos.
Naqueles tempos, as moradias eram diferentes: a parte de dormir e
a cozinha eram construídas de forma separada para não ter perigo
de incêndio por causa da estrutura onde era feito o fogo.
Quando cresci um pouco comecei a cuidar de crianças menores na
vizinhança, nas famílias Dal Bello e Girelli. Estudei pouco porque
tive que ajudar em casa também.
Minha mãe sabia costurar. Naquela época se compravam peças
grandes para fazer os lençóis. Eram de bombazina, um tecido de
algodão muito pesado e difícil de lavar. Para fazer roupas
masculinas e vestidos também era necessário comprar tecido em
peças grandes.
Lembro bastante das histórias da minha avó Rachele, que veio da
Itália, da região de Veneza. Ela contava que atravessar o mar
durante mais de um mês, dentro de um navio, foi algo assustador.
Certa vez uma criança faleceu e teve que ser enrolada num lençol e
jogada no oceano, pois ainda faltavam muitos dias para se chegar
em terra firme.
Mas o tempo foi passando e na juventude conheci o Natal. Ele foi
para o exército e durante aquele período nós trocávamos apenas
cartas. Quando ele voltou, nos casamos e construímos uma família,
com nove filhos, 12 netos e um bisneto. A minha maior alegria é ver
minha família com boa saúde e feliz.
Capítulo III | Zelvir
O primogênito
Sou Zelvir Anselmo Santi, primeiro filho de Natal e Adelaide, nascido
em 16 de julho de 1959. Aos sete anos iniciei os estudos na Escola
Municipal Pio IX, na Linha Paranaguá, e lá segui até a quarta série.
Depois, comecei a estudar no Ginásio Comercial Pe. José Bem,
onde concluí o ensino fundamental. Em seguida, estudei por
apenas um ano em Antônio Prado, no Colégio Irmão Irineu. Depois
de abandonar os estudos, voltei para a casa dos meus pais e passei
a ajudar no recolhimento do leite. Trabalhei na olaria da família De
Déa, fui servente de pedreiroe, por diversos anos, trabalhei na
Cooperativa Agrícola Mista Guararapes. Em seguida, trabalhei no
recolhimento de leite para a empresa Lacesa, por conta própria. Na
mesma empresa, no período da tarde, eu era vendedor. Em 1986
passei no concurso da Corsan e fui contratado imediatamente.
Trabalhei na companhia por 30 anos até me aposentar.
Em 1987 casei-me com Neusa Gabrielli e, dessa união, nasceram as
filhas Luana e Luiza (que acaba de se eleger vereadora).
Ao longo da minha vida também fui “patrão” do CTG Aconchego
Gaúcho por três anos. Também fui membro da diretoria da Paróquia
e, várias vezes, festeiro, tanto na Matriz, como nas capelas. Na
minha trajetória esportiva, fui membro fundador do Esporte Clube
Paranaguá e hoje integro a diretoria do Clube Romanos.
Na política, fui membro do Consepro, do Conselho de Saúde e um
dos fundadores do Conselho do Plano Diretor. Nesse período,
candidatei-me a vereador, fui eleito e reeleito outras duas vezes. Na
condição de vereador, presidi a Câmara de Vereadores por cinco
vezes, sendo a pessoa que ocupou o posto por mais vezes desde a
emancipação do município. Além disso, fui prefeito durante 11 dias
durante as férias do prefeito e viagem do vice.
No mesmo período, com minha esposa Neusa, mantive uma
lancheria por 18 anos junto ao Posto Santi. Atualmente, a lancheria
funciona no centro da cidade e é gerenciada pela minha família.
Capítulo IV | Inês
A telefonista
Eu, Inês, nasci em 1961. Lembro-me da casa de madeira com frestas
e muito frio. Lembro-me de quando nasceram meus irmãos, do
Peregrino em diante. Foi um ano de neve, muita neve, estava tudo
branco e os galhos das árvores pendiam.
Depois veio a casa nova. Foi o Zebedeu Forlin quem fez a scariola.
Eu sempre ia olhá-lo pintando com as penas, até que um dia ele me
assustou. Falou “mi guino copa ancora col martel”. Depois disso,
quando ele chegava, eu me escondia.
Estudei até o quarto ano. Depois tive que largar os estudos para
ajudar a mãe no serviço de casa e cuidar dos meus irmãos. Lembro
que levava os pequenos pra mãe amamentar na roça.
Eu sempre fui a mais chorona de todos. Quando alguém falava em
largar os estudos eu falava que não. Eu dizia que tinham que
estudar e que bastava eu sem ter estudo.
Toda vez que eu ouvia o barulho de avião corria pra fora pra ver. E
pensava: será que um dia irei? Durante um tempo fui sonâmbula.
Lembro-me de ter me acordado em cima de um saco de farinha de
trigo, toda branca! Depois passou. Lembro da chegada da energia
elétrica. Que festa! E a geladeira? Que alegria!
Mais tarde, aos 18 anos, fui trabalhar de telefonista e, para mim, foi
um grande aprendizado. Mal falava o português. Conheci o Berto
nessa época e começamos o namoro em 1983. Casei em 1988.
Tenho dois filhos maravilhosos e um neto que é minha alegria. Em
2005, realizei o sonho de viajar de avião pela primeira vez. Quanta
emoção! Em 2011 mais um sonho realizado: graças às minhas irmãs
e ao meu marido, fui conhecer a Itália.
Capítulo V
Margarida
A viajante
Meu nome é Margarida, a terceira da turma de nove.
Nasci na época em a igualdade marcava a vida da nossa
comunidade. Éramos todos pobres - nossa família, os primos, os
vizinhos. Não tínhamos inveja porque não havia o que invejar.
Brinquedos, por exemplo, ninguém tinha.
Comida nunca faltou, é verdade. Plantávamos de tudo: Arroz, feijão,
trigo, milho, frutas, verduras, legumes. Criávamos galinhas, vacas,
porcos.
Compra no mercado só sal, açúcar e, muito de vez em quando, uma
peça de tecido pra fazer roupas novas pra festa de Nossa Senhora
da Saúde, em novembro. Nós, as meninas, saíamos todas iguais.
Mas pensa num bando falante e alegre. Era o único dia no ano que
ganhávamos algumas moedas pra comprar guloseimas. Cada bala
tinha gosto de céu.
Lembro com saudade daquele tempo feliz. Tivemos uma infância
com muito trabalho, mas também cheia de liberdade.
E o que dizer das aventuras? Vivemos tantas que dariam um livro.
Sempre que aprontávamos alguma, todo mundo sabia de quem
tinha sido a ideia. Minha e do meu grande companheiro, o Pelegrino
- dois anos mais novo que eu. Algumas vezes também levávamos os
irmãos menores nas nossas peripécias. Acho que nunca nos
machucamos gravemente por conta das orações da mãe.
A escola foi um caso à parte. Pra começar, eu não falava uma
palavra de português. Como todos os meus colegas, fui
alfabetizada numa língua que não entendia. Só sabia o dialeto
vêneto. Ainda assim, em pouco tempo estava lendo e escrevendo.
Se sobrava inteligência, faltava tamanho pra me defender dos
grandalhões implicantes.
Lembro do dia de apresentação para a quinta série. Todos
estávamos acompanhados pelo pai ou pela mãe. O pai resolveu
sentar na primeira fila, junto comigo. A primeira frase da diretora da
escola selou meu destino pelos próximos quatro anos. Ela disse:
“Seu Natal, a reunião da primeira série é em outra sala”. Eu tinha o
tamanho e o peso de uma criança de sete anos. A história virou
piada repetida um sem fim de vezes pelos colegas.
Mas nada me impediu de ir em frente. Contrariando as expectativas,
tive pais que me deixaram estudar, mesmo que isso significasse ter
que sair de casa.
Tinha recém completado catorze anos quando, com uma dor
enorme, me lancei pro mundo. Comigo foram as noções de justiça,
honestidade e respeito que aprendi com o pai e a mãe. Foram elas
que nortearam e continuam norteando a minha vida, seja na relação
com as outras pessoas, ou no jornalismo, profissão que escolhi.
Capítulo VI | Pelegrino
El Omeneto
della Luna
SEra 1965, mais precisamente dia 1º de maio. Do casal Natal Santi e
Adelaide Volpato Santi, nasceu um menino para o qual foi dado o
nome Pelegrino Santi, data essa que também ficou marcada pelo
falecimento de Nena Zatti.
Naquele ano o inverno foi muito rigoroso, se não o pior, um dos
piores que já ocorreram em Nova Roma, inclusive, segundo relatos,
com ocorrência de bastante neve. Os moradores precisaram subir
nos telhados das casas para retirá-la devido ao grande acúmulo.
Era tanta que chegava a quebrar os telhados, pois eram feitos de
scandole (tabuinhas de madeira), além de galhos de pinheiros.
O tempo foi passando e esse menino foi crescendo. Passados
quatro anos, em 1969, o homem pisou pela primeira vez na Lua, fato
que logo passou a ser bastante comentado e, de tanto ouvir isso, eu
dizia que queria ir para a Lua, ganhando assim o apelido “El
Omeneto della Luna”.
Nessa época não havia energia elétrica em casa e usávamos o
lampião de noite. Para não ir “dormir com as galinhas” (dormir cedo),
as pessoas ficavam umas horas fazendo I Paqueti, que eram maços
de palha de milho dobrada, com 25 folhas, amarrados com a palha
que, depois, vendíamos para um comprador de Veranópolis.
Mais alguns anos se passaram e veio uma grande notícia: a rede de
energia elétrica iria passar por Paranaguá. Grande expectativa,
tudo era feito manualmente, os buracos para colocar os postes
eram feitos a braço, seis ou sete homens passavam de dois a três
dias para fazer um buraco, e nós, eu e a Margarida, só de olho.
Quando colocaram o poste perto de casa, eu e a Marga subimos
nele. Passou mais um tempo e ligaram a energia em todas as casas,
que alegria! Nessa época, eu e meus irmãos brincávamos muito.
Eu e o Kico (Valmir Calabria), meu primo, gostávamos de caçar todos
os dias com a fionda, além de jogar bolinhas de gude, pega-pega,
esconde-esconde, caçador, futebol, etc. Também ajudávamos a
mãe na roça, só que tinha que ser por contrato, aí quando
acabávamos era hora de brincar.
Estudei em Paranaguá Nascente do 1º até o 4º ano, do 5º ao 8º ano
estudei em Nova Roma. Nesse período, o pai era transportador de
leite, levando-o para Vacaria na COOVAL. Aos finais de semana nos
revezávamos para ir com ele, o que era um passeio para a gente.
Durante a semana o pai levava os tarros de leite e também vendia
frutas e linguiça e, às vezes, levava banana para casa. Era aquela
festa quando ele chegava! Uma vez, quando ele chegou à noite,
estávamos com vontade de comer bananas, então pulamos da
janela de casa para cima da caminhonete e comemos uma caixa
inteira. O pai e a mãe disseram que ouviram a gente rindo, mas só
perceberam o prejuízo na manhã seguinte, quando encontraram só
as cascas no chão.
Dos 10 aos 15 anos, aos finais de semana, sempre ia jogar futebol
com o Bernardino, Reinaldo, Beno e outros amigos. Em 1981
estudava em Antônio Prado, cursando o 2º grau. Naquele ano o pai
parou de transportar leite em Vacaria e começou a entregá-lo no
laticínio em Nova Roma, que era da cooperativa que vendeu o
laticínio para a Lacesa, onde meu pai me arrumou um emprego.
Trabalhei lá por 12 anos, saí três vezes e sempre fui chamado de
volta. Depois disso, trabalhei oito anos como transportador de leite,
conhecendo Carmen nesse período, tendo iniciado o namoro com
ela. Ganhamos um terreno do sogro Fioravante Scapin, onde
construímos nossa casa. Em 1994 nos casamos e foi nesse ano que
eu, Elávio e Valter abrimos uma borracharia e lavagem na frente da
minha casa e, nesse ano ainda, no dia 01-05-1994 tive uma grande
tristeza, pois faleceu Ayrton Senna. A partir daí nunca mais assisti a
corridas de Fórmula 1.
Nos anos seguintes fui procurado, juntamente com meus sócios,
por Roberto Sandri, que insistiu para que abríssemos um posto de
combustível. Em 1999 começamos a construção, sendo que nesse
mesmo ano nasceu meu filho, Thiago. O posto foi inaugurado em
março de 2000 com uma grande festa. Trabalhei nele por 12 anos,
365 dias por ano, 14 horas por dia e, não conseguindo aguentar
mais tempo lá, vendo meu filho crescer sem poder ficar com ele nem
aos finais de semana, resolvi vender minha parte para o Elávio. Após
vender o posto, comprei um sítio, ficando com ele por seis anos.
Aos 47 anos me aposentei e passei a conviver mais com minha
família. Se não tivesse feito isso, não teria aproveitado o tempo com
o Thiago, que saiu de casa para estudar há quatro anos.
Agora em 2020, com a pandemia que deixou todo mundo
desnorteado, tudo parou, todo mundo, igrejas, futebol, festas,
fábricas, etc. Vai saber o que ainda vem por aí...
Capítulo VII
Rita
A contadora
de histórias
Eu sou a Rita. Meu nome foi escolhido pelo meu irmão mais velho.
Tenho oito irmãos, quatro mais velhos e quatro mais novos. Sou a
filha e irmã do meio. E não foi fácil ser a do meio, pois geralmente
tudo era para os mais velhos ou para os mais novos. Para a do meio,
sobrou o trabalho que os mais velhos não queriam fazer, e que os
mais novos, na minha visão, eram pequenos demais para realizar.
Assim, desde cedo desenvolvi um instinto protetor em relação aos
meus irmãos, especialmente aos mais novos.
Sempre fui muito sensível e o instinto protetor não era só em
relação aos irmãos mais novos, era também em relação aos
bichinhos. Um dia, na mais tenra infância, vi meus irmãos mais
velhos matarem uma ninhada de ratos. Chorei muito de dó dos
coitadinhos. E pra quê?? Tive que conviver a infância e
adolescência com o apelido de “sorde”, que significa rato em
português. Então, imaginem quando minha prima Rosane resolveu
contar para a escola inteira o meu apelido! Nem a minha imensa
sensibilidade me impediu de deixá-la com a boca sangrando e com
uma orelha rasgada por conta de um brinco arrancado a tapas.
Mas o tempo é senhor da vida, um trem desgovernado que não para
em estação, onde o medo e a alegria não tem parada certa. Quis o
destino que minha mãe engravidasse aos quarenta e poucos anos
de idade. Meu instinto protetor voltou-se para ela. No mesmo ano,
meus irmãos mais velhos, ou saíram de casa, ou passaram a
trabalhar fora. Tornei-me a mais velha em casa. Queria sair também
para fazer magistério, pois queria ser professora, mas não podia
deixar minha mãe. Tinha ouvido minhas tias comentarem que era
muito perigoso ficar grávida depois dos quarenta. E, se de um lado,
o medo de perder a mãe era grande, de outro, a alegria da chegada
de uma linda irmã, forte e saudável permearam a minha entrada na
vida adulta. Não deixei de estudar e, embora não tenha conseguido
fazer o tão sonhado magistério, concluí o ensino médio. Adorava ler.
Os livros eram meu refúgio, o armário que se abria para Nárnia,onde
a minha ingenuidade me levava para outro mundo...
Mas o tempo não permite rédeas. Aos poucos, os sonhos de criança
foram ficando para trás e algumas certezas foram se consolidando.
Saí de casa aos 19 anos, levando comigo os ensinamentos dos
meus pais, que moldaram meu caráter e minha vida. Fui morar em
Porto Alegre. Passei no vestibular da UFRGS em História. Para me
manter e estudar, trabalhei como empregada doméstica durante
alguns anos. Depois, como bolsista na própria UFRGS e fui morar na
casa dos estudantes. Formei-me, fiz mestrado, passei em concurso
público nas redes de ensino estadual e municipal, em Gravataí.
Nesse meio tempo vieram os problemas de saúde: endometriose,
cistos, miomas e um tumor no ovário. Começaram as internações e
cirurgias. Uma por ano, de 1997 até 2000.
Ainda na faculdade conheci o Sergio, grande companheiro de luta e
de jornada com quem vivo até hoje. Em 2001, após mais uma
cirurgia, o veredito que me deixou sem chão: eu não poderia mais
gerar filhos. Mas, como disse anteriormente, o tempo é senhor da
vida. Em 28 de março de 2002, saí do hospital com meu filho no
colo: João Pedro, que hoje está com 18 anos e faz faculdade de
Biologia na UFRGS. Já tinha saído de casa, mas veio a pandemia e
ele voltou.
Apesar do medo da doença, veio a alegria de ter meu filho em casa
comigo por mais um tempo. Com ele, o meu encantamento por
livros, tomou outra dimensão: tornei-me contadorade histórias!!!
Capítulo VIII
Norma
A escritora
Nasci num dia da primavera. Pelo que contam, entre a primeira e
segunda hora da tarde. Imagino que tenha sido num dia de sol e
com muitas ameixas amarelas para combinar. Desde que me
lembro, passei meus aniversários em um desses pés de frutas
docinhas e azedas. Além de mim, meus muitos irmãos, claro!
Éramos um grupo alvoroçado e feliz. Era uma casa rodeada de
muitos sons de crianças, jogando as cinco marias, amarelinha, que
chamávamos de bidro, futebol com uma bola improvisada, peteca
feita com sabugo de milho e penas de galinha. Além da criançada da
casa, muitas vezes, juntava-se a nós mais um bando de primos.
As brincadeiras aconteciam quando não estávamos trabalhando na
roça, pois nossa mãe Adelaide nos dava um contrato para fazer. Em
geral, cumpríamos as nossas tarefas no sol do meio-dia ou na
geada da manhã para que tivéssemos o restante do dia para brincar
ou nos jogar em aventuras no meio do mato. As nossas brincadeiras
contavam também com os animais que habitavam o entorno da
casa: as galinhas que perseguíamos até quase desmaiarem, os cães
que nos ajudavam a caçar os ratos, em especial, lembro do Bibi, um
cãozinho aventureiro da raça pequinês que, para nossa tristeza,
acabou morrendo envenenado. Lembro que fui dormir chorando
naquela noite...
Entre brincadeiras, muito trabalho na lavoura (alguns maldosos
diriam que não é verdade), dias quentes e outros congelantes, fui
crescendo, não muito, pois sempre fui abaixo da média. Passei
pelos dias de escola, muito deles choramingando por conta da
professora brava ou por estar afastada dos meus irmãos. Teve um
ano em que eu era a única que estudava pela manhã e ficava
sozinha à tarde. Até hoje lembro da tristeza que sentia. Ligava a
rádio para me distrair e, um dia, o Gilberto Gil cantou não, não
chores mais. Achei que era para mim.
Tenho muitas boas lembranças dessa época: da família toda
reunida na mesa, do pai saindo bem cedinho de casa para pegar o
leite que levaria para Vacaria, da mãe sempre atarefada, mas nunca
sem um sorriso, mesmo que cansado, para nos oferecer. A reza do
terço todos ajoelhados antes de dormir, o cheiro de fumaça do
fogão à lenha, das frieiras nos pés, da palha do milho que
vendíamos para a mãe comprar tecido para a nossa roupa. Nos dias
de festa saíamos de casa todos com uma calça azul de tergal,
costurada pela nossa mãe e com um par de congas azuis...
Aos dezesseis, fui morar em Porto Alegre com a Margarida e com a
Rita. Foi uma época de muitas descobertas. Aos 20 casei. Aos 23 fui
morar em São Bernardo do Campo (SP). Mais tarde, já grávida do
meu primeiro filho, o Lucian, fui morar em Rio Grande, onde também
nasceu a Sophia, minha filha. Lá me formei em pedagogia, me
divorciei e vim morar em Florianópolis, onde vivo até hoje. Aqui tive
alguns empregos e hoje trabalho no Banco do Brasil. Perto de mim,
as manas Raquel e Margarida, dentro do meu coração, uma família
inteira que eu amo e que acolho todos os dias no meu pensamento.
Capítulo IX | Elávio
O piadista
Eu sou o Elávio, sétimo filho de Natal e Adelaide. Nasci no dia 27 de
outubro de 1971. Sou comerciante, proprietário de posto de
combustíveis. Vivo em união estável com Luciane Carossi e, dessa
união, nasceram as filhas Alexssandra (Xanda) e Annanda (Nanda).
Umas das minhas primeiras memórias - e que lembro sempre – era
o momento das cantorias que fazíamos no potreiro, onde tem um
lajeado. Também recordo com emoção de brincar de
esconde-esconde pela casa com meus irmãos. Quando éramos
crianças, fazíamos contratos com a nossa mãe para terminar
nossos serviços e ficarmos livres para nossas aventuras.
Minha personagem preferida era pantera cor-de-rosa. Junto com
ela, o pica-pau. Talvez por isso eu tenha adquirido o gosto pelo
humor. Meus irmãos me consideram o piadista da família!
Lembro com carinho daquela época, do convívio com meus irmãos,
primos e vizinhos na roça, na casa, no paiol... Esses tempos não
voltam mais, mas ficam guardados para sempre na memória.
Capítulo X | Noemi
A vendedora
Eu, Noemi Santi, nasci no dia 16 de outubro de 1973, sendo a caçula
por 10 anos. Sempre ajudamos a mãe nos afazeres da casa e na
roça. Pedíamos para ela nos passar a tarefa do dia e o tanto que
precisaria ser feito. Então fazíamos tudo o mais rápido possível para
que desse tempo de irmos brincar de pênalti ou com as bolinhas de
gude. Geralmente éramos eu e o mano Elávio. Nós também
preparávamos o presépio com muito carinho, porém, por vários
anos não encontrávamos presente algum. Somente quando as
minhas irmãs mais velhas começaram a trabalhar fora começamos
a ganhar presentes e brinquedos. Outra lembrança que tenho é de
quando chovia e eu costumava ir na casa do tio João para brincar
com os primos Ivanor e Ivanete.
Mais tarde, em 1990, eu conheci o Neivo Pegoraro. Em 1991 fui para
Antônio Prado fazer magistério e foi uma experiência marcante que
lembro até hoje. No dia 9 de outubro de 1993, casei com o Neivo. Em
31 de janeiro de 1998 tivemos nossa pequena Caroline e, em 6 de
abril de 2001, nasceu nosso garoto Gabriel.
Trabalhei como balconista e proprietária em loja de materiais de
construção por quase 27 anos. E essa era uma das brincadeiras que
eu mais gostava quando era pequena: ter uma vendinha. Reunia o
que conseguia de frascos e embalagens vazias e utilizava
navendinha. O gosto pelo atendimento ao público veio bem cedo.
Durante todo o período em que trabalhava em minha loja, sempre
gostei de passear muito com meus filhos e priorizava passar parte
dos finais de semana com meus pais, fazendo companhia para
minha mãe, em especial aos domingos à tarde.
Em maio de 2020, com a doença que fragilizou a saúde da minha
mãe, vendi a loja, instalamos a Caroline em uma área mais central
de Caxias do Sul e vim morar mais perto dos meus pais para
ajudá-los com os afazeres. Estou muito feliz em ver meus filhos
sendo ótimas pessoas e sinto saudades de estar com a Caroline.
Tenho trabalhado na minha horta diariamente e é gratificante ver o
resultado. É maravilhoso poder estar diariamente com a minha mãe
e poder vê-la feliz.
Capítulo XI
Raquel
A mais nova
- A mãe não anda se sentindo bem...
- O que será que ela tem?
- É a menopausa...
- Não é possível!
- Mãe, agora você precisa se cuidar. Não pode fazer nenhum
esforço!
- Já sei! Vamos guardar o bebê numa gaveta por dois anos até que
cresça um pouco!
E assim, numa situação inesperada, começava mais uma vidinha no
seio da família Santi.
Sou Raquel, a filha mais nova. Quando cheguei ao mundo, minha
mãe mal conseguia acreditar que era verdade: eu estava ali, no colo
dela, saudável, gordinha e cabeluda. Era um dia barulhento porque
o Grêmio tinha sido campeão do mundo. Tive uma infância cheia de
carinho. Meus irmãos já tinham crescido, então não pude viver as
aventuras que eles viveram. Ao mesmo tempo, também não passei
pelas dificuldades que eles passaram.
Dizem que eu era uma criança muito engraçada. Devia ter uns cinco
anos quando fui à Porto Alegre pela primeira vez com minhas irmãs.
Eu fiquei impressionada com a riqueza daquela cidade. O meu
parâmetro? Muitas pontes, lógico. Porto Alegre era rica porque
tinha muitas. Nova Roma era pobre porque só tinha uma. Também
era sapeca. Certa vez, moldei um bombom de barro, embrulhei e fiz
parecer com um de chocolate. Dei de presente ao meu pai e ele o
mordeu. Como um raio, eu saí correndo e me tranquei no quarto
com medo dele. Menos mal que ele não levou a Sério e acha graça
dessa história até hoje!
Eu adorava ir para a escola. Tive a chance de estudar e me formar
em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fiz
especialização em Comunicação e Crises. Trabalhei na Rádio
Guarujá, no Grupo RBS e, hoje, na Fundação Catarinense de
Cultura, como servidora concursada. Passei partes da minha vida
em Nova Roma, em Porto Alegre e em Florianópolis, onde vivo
atualmente com meu companheiro Rafael. Restabeleci contatos
com parentes que moram em outros estados e na Itália e sigo em
busca de outras pistas sobre as nossas origens.
Gosto de viajar, cozinhar e criar. Meus sentimentos falam mais alto
que minha razão, sou uma pessoa alegre, porém tenho muitos
medos. Tento levar a vida com os valores que herdei: procuro ter o
bom coração da minha mãe e a sabedoria do meu pai.
Capítulo XII
Uma família
numerosa
Segunda esposa e descendentes do segundo
casamento de Giovanni Santi