À Vista
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Oculto
a vista
do mundo,
à vista de todos
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021 | 1ª edição
pg.2
Grande Reportagem
A saúde mental
dos estudantes em Portugal
EUA: Joe Biden eleito o 47º Presidente
Joe Biden conquistou 306 votos para o Colégio eleitorial (270 necessários) e vence as eleições nos EUA. Kamala
Harris torna-se a primeira mulher a assumir a vice-presidência do país.
Filipe Macedo Alves
Grande
Entrevista
pg.68
Economia
pg.48
Salário mínimo aumenta
para 665 euros em 2021
e empresas recebem
ajudas pg.45
Cultura
António Sala, o homem
da rádio : “O encanto
continua vivo”
Política ´
pg.60
Presidenciais 2021
Quem são
O que defendem
Quem os apoia
pg.18
Destaque
Grande
Reportagem
A ânsia, a dúvida, a impotência e inúmeras incertezas pautam
agora o quotidiano. Os jovens portugueses sentem na pele
as consequências da pandemia. Não só mudaram os hábitos,
mas também a forma como se vêm a si próprios e ao mundo.
A saúde é tema - a que
não se vê, a mental.
Texto: João Brandão; Mariana Vilas Boas; Soraia Amaral
Grande Reportagem
imagem: Mariana Vilas Boas
O impacto da pandemia na saúde mental
dos estudantes universitáritos em Portugal
No dia 31 de Dezembro
de 2019 foram reportados
os primeiros
casos de infeção
por SARS-CoV-2 em
Wuhan, na China. Se
em termos geográficos
tudo parecia longínquo,
a propagação
do vírus não tardou a
atingir a Europa. No
dia 2 de março de
2020, chegou a Portugal
a maior emergência
de saúde pública
do século. Marta Temido,
Ministra da Saúde,
anunciou os primeiros
casos de COVID-19 que
se tratavam de dois
homens, um de 60 e
outro de 33 anos, que
tinham regressado de
uma viagem a Itália e
Espanha. Um problema
que parecia até então
de outros, tornava-se
também num problema
português. O medo
começou a instalar-se,
mas a esperança de
que o vírus podia ser
travado antes de provocar
danos maiores
era grande. No entanto,
no dia 16 de março,
foi divulgada a primeira
morte causada pelo
SARS-CoV-2. O medo
aumentou. Passados
dois dias, o Presidente
da República, Marcelo
Rebelo de Sousa,
declarou estado de
emergência por 15 dias.
O teletrabalho ganhou
protagonismo
para aqueles que o
conseguiram adotar,
enquanto que outras
empresas tiveram
mesmo de fechar
portas, sem saberem
quando as iam abrir
de novo. A telescola
voltou aos ecrãs das
televisões portuguesas,
depois de ter sido
oficialmente extinta
em 2004. Desta vez,
com o nome “Estudo
em Casa”, os alunos do
ensino básico foram
capazes de aprender
à distância. Plataformas
de videochamadas
como o Zoom, o
Microsoft Teams e o
Google Meet foram
adotadas por vários
estabelecimentos de
ensino, nomeadamente
universitários.
Depois, Marcelo Rebelo
de Sousa prolongou
o estado de
emergência até dia 2
de maio. Ao longo deste
período, o confinamento
era obrigatório
e havia restrições à
circulação na via pública.
Os portugueses
só saíam de casa
para trabalhar ou fazer
compras de bens
essenciais. Não eram
permitidos ajuntamentos.
Tudo mudou.
Dos novatos aos
graúdos, houve necessidade
de adaptação
aos novos tempos. Na
check-list que cada
um fazia antes de sair
de casa, foi acrescentado
o desinfetante e
a máscara. Os apertos
de mão, beijos e abraços
foram substituídos
por “cotoveladas”
e os jantares de amigos
por videochamadas.
A expressão “longe
do olhar, mas perto
do coração”, assumiu,
e ainda assume, mais
relevo desde que estar
distante é também
uma prova de amor.
Em meados de maio,
a Organização Mundial
de Saúde (OMS) já
previa que houvesse
“um aumento a longo
prazo do número e
gravidade dos problemas
de saúde mental”,
por consequência
do “imenso sofrimento
de centenas de
milhões de pessoas”.
Na plataforma digital
da OMS, Dévora
Kestel, responsável
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À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
do Departamento de
Saúde Mental e Abuso
de Substâncias da
instituição, afirmou
que “a situação atual,
com isolamento,
medo, incerteza e crise
económica” podia
causar “distúrbios
psicológicos”.
Desde então, diversos
estudos têm vindo
a ser lançados para
compreender e analisar
esta que é uma experiência
social marcante
na humanidade.
Não só se procura
uma cura para o SAR-
S-CoV-2, como se investigam
os efeitos da
pandemia na sociedade
a nível psicológico e
social. A MIND - Instituto
de Psicologia Clínica
e Forense tem vindo
a realizar diversos
estudos para perceber
o impacto da pandemia
na saúde mental
dos portugueses.
No final de março,
desenvolveram um estudo
que contou com
a colaboração do Centro
de Investigação em
Psicologia da Universidade
Autónoma de
Lisboa e do Departamento
de Educação
e Psicologia da Universidade
de Aveiro.
A investigação contou
com 10 500 participantes
da população
geral e concluiu que
metade dos portugueses
(49,2%) sentiu
um impacto psicológico
“moderado a severo”.
A depressão, a
ansiedade e o stress
manifestaram-se.
Em novembro de
2020, a MIND - Instituto
de Psicologia
Clínica e Forense
e colegas do CI-
NEICC (Centro de
Investigação em
Neuropsicologia
e Intervenção Cognitivo-Comportamental)
da Faculdade
de Psicologia
e de Ciências da
Educação de Coimbra
iniciaram uma
investigação com o
Departamento de Psicologia
da Universidade
de Macau. O
objetivo era avaliar o
impacto da Pandemia
COVID-19 sobre a saúde
mental, permitindo
estudos comparativos
com outros países.
Segundo o que o À
Vista conseguiu apurar,
os resultados ainda
estão por divulgar.
No dia internacional
da Saúde Mental,
a Ordem dos Psicólogos
publicou um relatório
sobre o impacto
da pandemia na saúde
mental dos portugueses
denominado “Crise
Económica, Pobreza
e Desigualdades”.
Sendo eles especialistas
no que à área da
saúde mental diz respeito,
e preocupados
com o bem-estar da
população, apresentaram
um conjunto de
provas científicas, fatores
e iniciativas com
o objetivo de preparar
o futuro, prevenindo
e mitigando os efeitos
negativos da crise
socioeconómica e
com vista a minimizar
os impactos na saúde
e bem-estar dos cidadãos
portugueses.
Passamos mais tempo
em casa e o nosso
convívio e tempo familiar
aumentou. Muitos
pais empenharam-
-se no multitasking
para trabalhar e, ao
mesmo tempo, apoiar
e cuidar dos filhos. Diversos
idosos ficaram
isolados, privados de
visitas. Muitas pessoas
não tiveram direito
ao ritual de despedida
dos seus entes queridos.
O número de desempregados
aumentou
e outros tantos
entraram em layoff. O
relatório da Ordem dos
Psicólogos confirma
que todos estes fatores
prejudicam o bem-
-estar das pessoas e
aumentam o stress,
a ansiedade e outros
problemas de saúde
psicológica/mental,
como a depressão. A
adicionar o excesso
de (des)informação e a
incerteza da evolução
desta pandemia e dos
danos que ela pode
provocar, que aumentam
o medo de todos.
Também já se começam
a sentir alguns
efeitos da pandemia
no que toca à economia.
Algumas pessoas
já enfrentam problemas
relacionados
com o desemprego,
perda de rendimentos
e surge o stress e
ansiedade derivados
da deterioração das
condições de vida. A
recessão económica
global que potencialmente
se irá desenvolver
ameaça, e ameaçará,
o desenvolvimento
e coesão social.
Entre estes, e muitos
outros pontos, o
relatório da Ordem
dos Psicólogos refere
o efeito que a crise
socioeconómica pode
provocar, em particular,
nos jovens adultos.
Um sentido de abandono,
um pessimismo
generalizado, crenças
negativas e a falta de
autoconfiança são alguns
desses efeitos.
Diz-se, popularmente,
que os jovens estudantes
estão na “melhor
fase da vida”, no
entanto, também eles
foram surpreendidos
pelas circunstâncias.
À pressão já normal
da vida académica,
acresceram outras
preocupações e
a saúde mental dos
estudantes foi fortemente
afetada.
imagem: Mariana Vilas Boas
À Vista | 11 de janeiro de 2021
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Grande Reportagem
Os psiquiatras do
Hospital Júlio de Matos,
em Lisboa, realizaram
um outro estudo
que identificou os estudantes
com 18 anos
como um dos grupos
em que as medidas
de isolamento social
poderiam vir a surtir
mais efeitos. Num artigo
do jornal Público,
que revelou resultados
do estudo, os números
alertaram para a possível
necessidade de
se estruturar um plano
de saúde mental ao
nível das instituições
de ensino, em particular
das universidades,
de modo a diminuir
os impactos que
a realidade pandémica
parece estar a causar
nesta faixa etária.
Em março, a Universidade
do Porto
lançou uma linha de
apoio telefónico, gratuito,
acessível a todos
os membros da comunidade
académica.
De domingo a sexta-
-feira, das 19h às 23h,
qualquer estudante da
universidade do Porto
pode ligar para o
número 220 408 408.
Para além da chamada,
encontra-se ainda
disponível o email
lapup@reit.up.pt e o
Serviço Nacional de
Sáude tem à disposição
de todos o aconselhamento
psicológico
através do número
808 24 24 24. Mas serão
estas medidas suficientes?
Afinal como
está a saúde mental
dos estudantes portugueses?
Como melhorar
o bem-estar destes
jovens, que se fragilizou
com a pandemia?
imagem: Soraia Amaral
Ansiedade, Stress e
Overthinking
infografia: Mariana Vilas Boas
A
pandemia invadiu
o ano de
2020. Tivemos de
reaprender a viver em
sociedade, agora que
temos um novo vírus
entre nós. A COVID-19
é a maior emergência
de saúde pública dos
últimos anos e as preocupações
que isso
levanta vão muito para
além da saúde física.
Tudo o que é novo e
provoca uma mudança
tem consequências.
Em particular, a pandemia
provocou uma
mudança no sistema
de ensino português,
nomeadamente no
universitário, que passou
a funcionar em regime
online no final do
ano letivo 2019/2020.
No ano letivo de
2020/2021 foi repartido
entre o regime
online e o presencial,
com algumas excepções
em que foi possivel
adotar apenas o
regime presencial. A
adaptação a um novo
contexto levou a um
atraso na conclusão
dos estudos. Há finalistas
que viram o seu
estágio a ser cancelado,
cursos que são
sobretudo práticos tiveram
de arranjar alternativas
que não
perdessem essa componente…
Tudo isto
provoca ansiedade
e stress numa altura
em que os jovens estão,
verdadeiramente,
a definir o seu futuro.
No mês de novembro
de 2020, o À Vista
realizou um inquérito
aos estudantes universitários
portugueses
relativo aos efeitos
da pandemia na
sua saúde mental.
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À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
O principal objetivo foi
perceber que sequelas
é que o isolamento
social e as alterações
académicas, incluindo
a privação da vida social
e festiva, provocou
neles enquanto seres
bio-psico-sociais.
Ao inquérito, responderam
250 estudantes
das mais diversas
universidades do país,
desde a Universidade
do Porto, do Minho, de
Coimbra, de Trás-os-
-Montes e Alto Douro,
do Instituto Politécnico
da Guarda e do
Porto, da Universidade
Católica do Porto e
da Escola Superior de
Enfermagem do Porto.
Das respostas obtidas,
as idades variam
entre os 17 e os 53
anos, refletindo assim
uma grande diversidade
da amostra de estudantes
universitários.
Em particular, as idades
mais representadas
são os 18, 19 e 20
anos. O estudo inclui
estudantes de licenciatura,
mestrado e doutoramento.
A primeira
grande constatação é
de que a pandemia afetou
o humor dos estudantes
universitários.
Dos 250 que responderam
ao questionário
elaborado pelo À Vista,
65,2% sentiu necessidade
de consultar um
psicólogo ao longo do
último ano. No entanto,
destes 65,2%, apenas
31% chegou realmente
a consultar um. Isto
pode levar-nos a duas
interpretações. Porém,
antes de retirar qualquer
tipo de conclusão
precipitada, o À Vista
questionou o porquê
de os estudantes
se ficarem pela intenção
e não consultarem
um profissional da área
da saúde mental. De
entre as diversas respostas
obtidas, a mais
frequente foi o elevado
custo das consultas,
a vergonha e a desvalorização
do próprio
estado psicológico.
A saúde mental fica,
muitas vezes, em segundo
plano. É desvalorizada
e subestimada,
quando, na verdade,
pode provocar danos
bastante graves. Há
ainda um preconceito
para com a saúde
mental e com o pedir
ajuda. Muitos têm
a ideia de que é mais
digno ir ao hospital por
se partir uma perna, do
que ir a um psicólogo
porque se sofre de
ataques de pânico. A
verdade é que, só agora
é que o trabalho dos
profissionais da área da
saúde mental começa
a ser mais valorizado
e a psicologia começa
a ganhar uma relevância
e destaque que
já deveria ter à muito.
A instalação de uma
pandemia e as condições
que esta nos impõe
veio contribuir para
a afirmação da relevância
da saúde mental
na qualidade de vida da
sociedade. A prova disso
é que 186 dos 250
jovens afirmam que
a saúde mental tem
uma importância de 5,
numa escala de 0 a 5.
Para fornecer uma
maior percepção do
quanto a pandemia
afetou a saúde mental
dos estudantes, o À
Vista conseguiu apurar
que, antes do primeiro
confinamento, 37,1%
dos 250 estudantes
se sentiam felizes e
50,8% consideravam o
seu humor normal. Durante
o primeiro confinamento,
estes números
desceram para
6,6% e 40,2%, respetivamente.
Já depois do
confinamento, apenas
17,2% se sente feliz e
48,5% com um humor
normal. É importante
ainda perceber como o
humor dos estudantes
afeta também o seu
rendimento escolar.
Mais de metade, cerca
de 58,2%, afirma que o
seu rendimento nas aulas
à distância foi baixo.
Quando foi pedido
aos estudantes para
organizarem por ordem
prioritária os parâmetros
seguintes: saúde
mental, lazer, vida social,
estudos e atividade
física; as duas temáticas
que surgiram
mais vezes entre o primeiro
e o segundo lugar
foram a saúde mental
e os estudos. Um dos
principais focos de um
estudante universitário
são os resultados académicos,
para que, no
futuro, seja capaz de
usufruir de uma vida
estável e de qualidade.
E, para concluírem
os estudos de modo a
que isso se possa concretizar,
precisam de
estar saudáveis mentalmente.
Por essa razão,
a saúde mental
apresenta-se como um
fator de grande relevância
na vida dos jovens
universitários.
De entre as várias
respostas sobre o que
mudou, ou de que forma
é que a pandemia
afetou os estudantes
a um nível psicológico,
a solidão, o overthinking,
a incapacidade
de planear, a desmotivação,
a perda de controlo
e a pressão foram
os pontos mais mencionados,
o que revela
índices de depressão,
infografia: Mariana Vilas Boas
À Vista | 11 de janeiro de 2021
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Grande Reportagem
ansiedade e stress, e
reflete o efeito que a
pandemia teve na saúde
mental dos estudantes
universitários
do ensino português.
Para muitos, o confinamento
permitiu uma
reflexão interior e uma
renovação de objetivos
e mudança no modo
de vida. Para outros,
foi como um pesadelo
que demora a passar.
A solidão, a ansiedade,
a incerteza, o tempo
demasiado desocupado
e as inúmeras horas
no mesmo espaço
levaram muitos jovens
a ponderar o estado
da sua saúde mental.
Até ao momento, são
ainda poucos os estudos
que registam os
efeitos que a pandemia
da doença COVID-19
está a causar na saúde
mental, e também
física, da sociedade.
No entanto, já é possível,
tal como retrata
este estudo do à Vista,
perceber algumas
consequências que o
distanciamento social
provocou na sociedade,
em particular nos
estudantes universitários
portugueses.
infografia: Mariana Vilas Boas
O impacto da mudança:
alunos e professores, os versos da moeda
Alunos e professores
são agora
sujeitos às
condições que a CO-
VID-19, pandemia
mundial, impõe. O ensino
mudou e adaptação
é, mais que nunca,
palavra de ordem.
De um lado os docentes,
do outro os
discentes. Juntos,
atravessam a maré de
novos desafios com
que a COVID-19 submergiu
o ensino em
Portugal. O À Vista
entrevistou Fernando
Zamith, professor na
Faculdade de Letras
da Universidade do
Porto, de forma a perceber
a perceção do
docente sobre o funcionamento
e impacto
da nova realidade.
O docente destacou
o sistema de rotatividade,
que assenta
na alternação entre o
modelo online e presencial,
levado a cabo
na Faculdade de Letras,
onde leciona.
Neste ponto, destaca
a desvantagem dos
alunos em modelo
online relativamente
ao presencial. “O que
foi necessário fazer
é adaptar as aulas às
condições vigentes, de
forma a minimizar os
prejuízos para os estudantes”,
acrescenta.
No que concerne à
eficiência do presente
modelo de ensino, o
professor universitário
considera que ainda é
cedo para tirar conclusões.
No entanto, considera
“minimamente
eficaz”, sendo que julga
que o modelo presencial
é sempre mais favorável,
principalmente
nas aulas práticas.
“Não é uma realidade
nova, como
é evidente, não foi
qualquer coisa que
surgiu agora por
causa deste contexto
de pandemia.
O que temos neste
contexto é que
somos todos
forçados a fazer
mais uso destas
modalidades.
Tudo se aprende e
adapta.”
A questão que surge
é: estarão os alunos
menos motivados
e mais preguiçosos? O
docente do Curso de
Ciências da Comunicação
nega essa ideia,
pelo menos para já.
“Aquilo que eu sinto
e que percebi
em conversas com
colegas, é que nós
sentimos alguma
isolação, tristeza
por parte dos estudantes,
maior desânimo.
Tudo isto
mexe muito com as
nossas cabeças.”
O professor considera
ainda que todo
este cenário acaba
por afetar os estudantes
em muitos aspetos,
visto que “os estudantes
criaram uma
expectativa bem diferente
daquilo que
está a ser a realidade”.
Ou seja, estavam
à espera de uma experiência,
até porque,
“ser estudante é também
uma experiência
de vida”, e deparam-
-se com um cenário
distorcido em relação
ao perspectivado.
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À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
“A Universidade não é uma mera aprendizagem, é uma experiência de vida”,
Prof. Zamith.
Após isto, o À Vista procurou saber o outro lado da moeda – o verso dos estudantes, principais lesados. Assim sendo,
foram recolhidos testemunhos que espelham a atualidade.
“Já não estava muito bem e, com esta
pandemia, levei uma chapada enorme”
Gonçalo tem 22
anos e sentiu
necessidade de
procurar ajuda profissional,
face às variações
de humor que
vinha a sentir durante
a quarentena. Sempre
foi o tipo de pessoa
que gosta de ver
as outras a rir, mas
alguns problemas familiares
e a confrontação
com a realidade
desanimadora do contexto
profissional da
sua área fizeram com
que se fosse abaixo
psicologicamente.
“Foi uma
montanha russa de
emoções.”
”Senti que durante
a quarentena tive nos
meus pontos mais altos
e nos meus pontos
mais baixos. Ali por
volta de abril foi complicado
para mim. Tinha
tirado o ano para
trabalhar e, na altura,
estava em casa porque
o dono do café
onde trabalhava me
mandou embora, já
que quis voltar para a
sua terra. Depois de
ser despedido desse
tal café, fiquei em
casa e fiquei sem ter
nada para fazer. Ajuda
também o facto de
não ter uma situação
familiar fácil e de não
estar a viver com os
meus pais, mas sim
com o meu tio. Sinto
que houve ali uma
altura em que senti
que não tinha rumo”.
Todos estes fatores
fizeram com que Gonçalo
se apercebesse
que a solução talvez
“passasse por recorrer
à ajuda profissional”,
sendo que não seria
a primeira vez, visto
que: “até outubro do
ano passado que estive
em consultas com
uma psiquiatra, mas
com a pandemia acabei
por não marcar
mais consultas”. O sinal
de alarme para o
estudante foi “a ausência
de uma rotina”
e a “falta de vontade
de ser proativo”.
Como tal, Gonçalo recorreu
a terapia de
grupo no Hospital Magalhães
Lemos, mas
ressalva que o problema
é “passar tempo
comigo mesmo” e
que, “neste momento
vivo uma fase da minha
vida em que, devido à
faculdade, acabo por
ter muito para fazer e
isso funciona de forma
quase terapêutica”.
O tempo livre que a
quarentena veio oferecer
ao entrevistado,
trouxe as piores facetas
dele ao de cima
e recorda-se até do
momento em que o
país parou no dia 25
de abril para cantar a
mítica música de Zeca
Afonso, mas que Gonçalo
acabou por não
conseguir cantar “por
estar em lágrimas”.
Segundo o mesmo,
tudo se deve ao facto
de “estar num turbilhão
de emoções e
por estar a ter dificuldades
em manter-me
mentalmente são”.
As redes sociais vieram
substituir muito
da vida social de cada
um dos cidadãos, mas
principalmente aos jovens.
No entanto, ficou
constatado, durante
o confinamento,
que os jovens fazem
questão de comunicar
e não apenas através
do telemóvel. Mas
Gonçalo aponta para
outra razão pela qual
os jovens podem ter
sofrido tanto. No caso
dele, refere “não foi
tanto a questão das
redes sociais, mas sim
por ser alguém que
está a começar ou finalizar
o seu percurso
académico, e ver
que o mercado de trabalho
para o qual vai
entrarestá, à partida,
incrivelmente difícil”.
Ou seja, na opinião
do jovem estudante o
que terá contado mais
foi o facto desta nova
geração “não conseguir
ter as condições
de vida e de empregabilidade
que se tinha
há 15 ou 20 anos atrás”.
“As pessoas continuam
a ignorar
bastante a saúde
mental”, foi assim
que Gonçalo optou
por abordar a questão
quanto à neglicência
por parte da sociedade
moderna a questões
daquele teor. O estigma
latente à sociedade
atual deve-se “por
que as pessoas não
sentem que alguém
se interesse e nós
estamos a pagar um
preço muito alto por
imagem: Mariana Vilas Boas
causa dessa falta de
abertura”. O pai de
Gonçalo assumiu relativamente
à pouco
tempo que sofria
de depressão e “face
à imagem que tínhamos
dele, toda a gente
desvalorizou, visto que
sempre governou a família
com um punho
de ferro”. Existe a importância
da criação de
uma dinâmica familiar
“que permita que as
pessoas se abram para
que haja confidências
destas, porque nem
sempre uma pessoa
tem que corresponder
ao que pintam dele”.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
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Grande Reportagem
“Antes da quarentena conseguia ser feliz
com pouco”
Maria (nome fictício),
está neste
momento a
tirar o mestrado, mas
a licenciatura não acabou
da forma que desejava.
Isto porque, no
auge da sua vida, sentiu-se
interpelada pela
quarentena que lhe
veio trazer situações
com as quais nunca
tinha sido confrontada.
Isto, ligado ao
facto de estar de luto
devido ao falecimento
de um ente querido,
fez com a jovem
acabasse por recair.
“Antes da quarentena,
comecei a namorar,
estava com uma
boa base de amigos e
estagiava onde sempre
quis estagiar”, no
entanto, o sentimento
é de que após ter sido
decretado este confinamento
obrigatório
tudo isso começou a
desvanecer: “acabei
com o meu namorado,
estava longe da minha
família, fiquei a viver
com uma amiga e,
embora ela me tenha
acolhido da melhor
forma, nunca me senti
totalmente incluída
na família”. Para além
disto, Maria teve ainda
que abdicar do seu
estágio de sonho em
virtude do sucedido.
A entrevistada descreve-se
como uma
pessoa “que sempre
teve tudo planeado”
na sua vida e que viu
de repente “todos
os planos irem por
água abaixo” e que
admite não ter sabido
adaptar-se à nova
realidade. Tudo isto se
agravou quando Maria
recebeu a notícia da
morte da sua prima:
“foi mais complicado
quando ela morreu,
porque me caiu tudo
em cima. De repente
não conseguia ver
para além do momento
que estava a viver”.
A falta de socialização
durante a pandemia
“foi horrível, porque
nunca me consegui
abstrair do que estava
a sentir”.
Tal como Gonçalo,
o relato da estudante
refere-se a si mesmo
como “aquela pessoa
que alegrava e juntava
as pessoas”, mas ,de
repente, já não se via
nessa faceta. As emoções
que estavam ao
flor da pele, eram as
emoções que contavam.
“não havia distração,
qualquer coisa
me irritava, sentia-me
inútil e sem ritmo”.
Assumidamente, Maria
encara o estigma
latente à nossa sociedade
com a seguinte
frase:
“não se procura
ajuda, porque
quem procura o
psicólogo ainda
são os loucos”.
”Recusei (numa primeira
instância) ver
um psicólogo, porque
não era a primeira vez
que passava por situações
desfavoráveis”.
Foi apenas algum tempo
depois que a estudante
procurou ajuda
profissional, mas hoje
admite que “recorreria
mais rapidamente
a um psicólogo”.
O tema das redes
sociais é visto como
imagem: Mariana Vilas Boas
algo ambíguo para
a entrevistada. De
um lado há pessoas
que “conseguem ser
obcecadas pelas redes
sociais e talvez nesses
casos não tenham
sentido tantas dificuldades”,
mas por outro
lado, e referindo-se
ao seu caso em particular,
“pode-se utilizar
da melhor maneira
as redes sociais, sem
que estas substituirram
a vida social
e foi disso que senti
falta”. O telemóvel,
na sua opinião “nunca
poderá substituir a
presença de alguém
de quem se gosta”.
Não estás sozinho.
808 24 24 24
SNS 24
800 209 899
(21:00 – 24:00)
SOS VOZ AMIGA
220 408 408
Linha de Apoio Psicológico da Universidade do Porto
10
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
The Pineapple Mind: Todos
temos uma saúde mental
que temos de promover
Foi ao sentir na
pele que se apercebeu
da falta de
informação que existe
sobre saúde mental e,
agora, procura informar
os outros. Diana
Carvalho é estudante
do curso de Medicina e
fundadora da associação
de sensibilização
para a saúde mental
“The Pineapple Mind”.
Era o ano de 2017,
Diana Carvalho estava
no 4º ano do curso de
Medicina. Congelou a
matrícula, em consequência
da depressão
que estava a viver. No
processo de recuperação,
apercebeu-se que
havia um défice de informação
credível e
valiosa sobre a saúde
mental, em Portugal.
“Parecia que era
tudo um tabu e
mesmo no que diz
respeito a testemunhos,
eu não
encontrava quase
nada. Nessa altura
eu fiquei a achar
que era necessário
alguma coisa.”
Depois de recuperar
da depressão, e
de volta aos estudos,
sentiu-se capaz de
criar um projeto onde
tivesse a possibilidade
de partilhar as informações
que foi absorvendo,
quer pela
experiência que viveu,
quer enquanto estudante
de Medicina.
E assim, nasce o projeto
digital “The Pineapple
Mind”. Mas porquê
este nome? Sendo,
numa fase inicial, um
projeto pessoal, Diana
Carvalho, a fundadora,
quis associar um
símbolo que lhe fosse
querido. Depois de ultrapassar
a depressão,
Diana tatuou um ananás
em representatividade
dessa fase e para
se relembrar dos hábitos
que pode, e deve,
promover para a sua
saúde mental. E porque
é que ela tatuou
um ananás? O ananás
é um fruto muito rico
em triptofano, que é
um precursor da serotonina
e que faz parte
dos constituintes
do antidepressivo que
tomou para combater
a doença. Posto isto,
a escolha do ananás
é óbvia, quer pela ligação
pessoal, quer
pela ligação à ciência.
O projeto da The Pineapple
Mind surgiu
para tornar a saúde
mental num tema na
sociedade portuguesa.
Antes do início da
pandemia, não existia
quase difusão de informação,
no que diz
respeito à saúde mental,
quer no programa
nacional prioritário,
quer nos centros
de saúde. No entanto,
tal como nos disse a
estudante de medicina,
os motivos de
consulta relacionados
com a psicologia são
os mais frequentes.
Se as pessoas não
têm acesso a informação,
acabam por
não ter consciência
que aquilo que têm
pode ser uma doença
e que isso não é
um problema, desde
que procurem, tal
como diz a fundadora
da The Pineapple
Mind, “ajuda e tentem
uma terapia adequada
à sua situação.”
A crise de saúde pública
que se vive atualmente
parece ter
levado a Direção-Geral
de Saúde (DGS)
a investir na saúde
mental da população
e, nomeadamente, o
SNS 24 foi reforçado
com a contratação
de psicólogos.
“
No entanto, Diana
Carvalho afirma
que não podemos
cair no populismo de
dizer que o que fizeram
está ótimo.
É bom, mas continuam
a existir lacunas
que precisam
de ser preenchidas.
Acredita que o trabalho
desenvolvido
por associações como
a The Pineapple Mind,
e outras, é essencial,
mas não invalida
a necessidade
imagem: The Pinneaple Mind
de o Governo
investir na prevenção
e promoção de programas
e campanhas
sobre saúde mental.
A chave?
Psico-educar.
Expostos os défices
e as necessidades,
é necessário procurar
uma solução. A
fundadora da The Pineapple
Mind defende
que se deve partir
pela psico-educação.
Se as pessoas não sabem
o que é normal e anormal,
não vão procurar ajuda.
”
À Vista | 11 de janeiro de 2021
11
Grande Reportagem
Abordar com as
crianças, desde cedo,
temas como as emoções
e os sentimentos.
Falar “sobre estas
doenças da saúde
mental que não se
vêm muito, mas que
podem existir”, afirma
Diana Carvalho.
No entanto, a jovem
acredita que ainda
há muito que se
pode fazer na saúde.
Tendo em consideração
que a maior parte
das consultas, ao
nível dos cuidados de
saúde primários, estão
relacionadas com
questões psicológicas
e não existem profissionais
da área da
saúde mental suficientes
para dar resposta,
contratar mais
profissionais da área
torna-se essencial.
“Ainda há poucas semanas
eu entrevistei
um médico de família
de Coimbra, para um
projeto da associação.
Ele dizia-nos que foi
entrevistado por uma
rádio, por ocasião do
dia do médico de família,
e perguntaram-lhe
o que é que ele queria
mais, o que é que ele
ambicionava mais para
os cuidados de saúde.
Ele era, como eu sou,
uma futura médica,
e o que ele respondeu
era exatamente
o que eu responderia:
mais psicólogos a trabalhar
nos cuidados
de saúde primários”,
conta Diana Carvalho.
The Pineapple
Friends
O projeto The Pineapple
Friends surgiu
logo no início da pandemia.
Diana Carvalho
quis ampliar o apoio
informal que já vinha
a oferecer com o seu
projeto pessoal. Essa
vontade surgiu da afluência
de pedidos de
apoio que aumentou
com o aparecimento
da doença COVID-19
e, consequentemente,
do isolamento social.
Se por simplesmente
terem vontade de
ajudar, se por terem
passado pela mesma
situação e reconhecerem
a importância de
ter alguém com quem
conversar, várias foram
as pessoas que
se voluntariam e integraram
o projeto do
The Pineapple Friends.
Aos poucos, o projeto
começou a ganhar
forma e, atualmente, já
é credenciado e conta
com 81 voluntários.
Foi criado um regulamento
e todos os
voluntários são entrevistados
e recebem
uma formação.
O projeto que impulsionou
a criação
da associação
“De início, havia o
projeto mas não havia
a associação e, no
fundo, era a Diana a
coordenar um projeto
de voluntariado, de
um projeto digital. Não
havia ali uma entidade
por trás e nós quisemos
registar a associação
precisamente por
isso, para haver uma
entidade coletiva que
estivesse a coordenar
o projeto e depois que
pudéssemos registá-lo
como um projeto oficial
de voluntariado”,
afirma a presidente
de direção da associação.
criação de
um projeto, que mais
tarde levou à criação
de uma associação.
de direção, assembleia
geral, conselho
fiscal, assembleia
geral e voluntários,
a associação é já
uma comunidade de
mais de 100 pessoas.
imagem: The Pinneaple Mind
A necessidade de
ajudar o outro levou à
E, assim, tem continuado
porque continua
a fazer sentido. Des
Contudo, para Diana
a associação é bem
maior se tivermos em
consideração todas as
pessoas que vão interagindo
através das
redes sociais e que
enviam sugestões. Por
isso, são também to
dos aqueles que seguem
o projeto e reagem
que alimentam
a ação da associação
e dão o seu contributo
no âmbito
da saúde mental.
“Se eu continuasse
com um projeto
sozinha não conse
guia fazer nem um
décimo, mas juntei
uma equipa de entusiastas,
como eu,
no âmbito da saúde
mental e cada
vez se juntam mais
pessoas que nos
permitem trabalhar
em rede, trabalhar
quase em todo o
país, porque temos
voluntários e
colaboradores de
todo o país.
Conseguir, com atividades
replicadas em vários
pontos do país,
fazer um bocadinho
chegar a muita
gente.”
@ Comunidade
Ajuda
“Quase todos os projetos,
quer estes de
voluntariado, quer outros
que nós já vamos
tendo na associação,
surgem por necessidade.”
afirma Diana.
O @ comunidade
ajuda é um projeto da
The Pineapple Mind
que facilita o acesso
a profissionais de
saúde mental para
aqueles que precisam
de acompanhamento.
Com a ajuda disponibilizada
através
do projeto The Pineapple
Friends, a associação
começou a
sentir que muitas das
pessoas que recorriam
a essa ajuda não
tinham, no entanto,
uma ajuda profissional
que, tal como a própria
Diana Carvalho
diz, é indispensável.
“Nós podemos ajudar,
de alguma forma,
mas não substituímos
um psicólogo que é
formado para ajudar
a pessoa ou um psiquiatra,
no caso, se
for necessário medicar
ou fazer terapias
mais médicas.”
Ou por falta de condições
económicas ou
porque estiveram em
lista de espera demasiado
tempo, muitas
pessoas não obtinham
a ajuda profissional
que necessitavam.
12
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
A fundadora da associação
expôs que, ao
longo do tempo, o processo
de encaminhamento
de alguns casos
para profissionais
de saúde já vinha a ser
feito, de acordo com
as parcerias e contatos
que detinham.
O @comunidade ajuda
nasceu para oficializar
esse apoio que
já existia, também de
modo a ampliar a rede
de contactos de encaminhamento.
Para
já, existem 5 psicólogos,
voluntários do
projeto, que realizam
consultas a preço social,
isto é, a um preço
inferior ao da maioria
das clínicas. Para além
disso, possuem ainda
um acordo de parceria
com gabinetes de
psicologia de algumas
câmaras municipais.
A acrescentar um
médico e dois terapeutas
ocupacionais.
“É mesmo no sentido
de: nós sabemos
as limitações que o
nosso projeto de pear
support tem, sabemos
também os benefícios,
mas queremos fazer
mais e conseguir dar
respostas às pessoas
que não as têm.”
diz Diana Carvalho.
O Futuro
Querer fazer sempre
mais e melhor, na medida
do possível, é um
guia para a associação
The Pineapple Mind.
Para o futuro, estão a
ser desenhados alguns
projetos que pretendem
estender a rede
de ação da associação.
Fizeram um crowdfunding
para a criação
de uma aplicação que
pretende colmatar as
limitações do projeto
da associação, no que
diz respeito à confidencialidade
e privacidade
das pessoas. A
app está a ser testada
e tudo indica que ficará
pronta no próximo
ano e pretende agilizar
e potenciar ainda
mais o projeto, no
sentido em que a pessoa
instala a app, pede
ajuda e tem logo um
voluntário disponível.
No que diz respeito
aos outros projetos,
estão a ser desenvolvidos
dois. O primeiro
relacionado com a
igualdade de género e
as questões de saúde
mental ligadas à discriminação
de género. O
segundo, começou em
dezembro de 2020 e
foca-se na saúde mental
dos sem-abrigo.
Tocar na ferida para a conseguir sarar.
Uma conversa com Eduardo Carqueja
Desde pequenos
que começamos
a sentir dor, mesmo
antes de sabermos
o que a palavra significa.
No entanto, também
a dor se transforma
e se sente de mil
e uma formas diferentes
ao longo da vida.
Quando somos pequenos
choramos porque
caímos e mostramos
aos nossos pais o “dói-dói”,
quando crescemos
há tendência
para esconder as feridas,
principalmente
as que não se vêm.
Vivem-se tempos
conturbados ao que
à saúde diz respeito,
mais especificamente
à saúde mental.
Por isso, ouve-se falar,
cada vez mais, na
importância de cuidar
e tratar da saúde psicológica.
É imprescindível
nomear os psicólogos,
aqueles que
permanecem na linha
da frente da promoção
e manutenção da saúde
mental dos indivíduos
e das sociedades.
Sucintamente, um
psicólogo é um profissional
licenciado
em psicologia, estuda
uma série de teorias
sobre o porquê de as
pessoas se comportarem
de determinada
forma e como é possível
ajudá-las a superar
as suas dificuldades
e/ou desenvolverem-
-se de algum modo.
Os estudantes foram
altamente lesados
pela situação pandémica.
Notou-se de
grande importância recorrer
a um profissional
capaz de contextualizar,
desconstruir
e analisar o impacto
da situação atual nos
educandos. O À Vista
entrevistou o Presidente
da Delegação
Norte da Ordem dos
Psicólogos Portugueses,
Eduardo Carqueja.
Dos consultórios
para os telefonemas
e videochamadas
No período de março
a maio, grande parte
das consultas em
hospitais foram suspensas,
incluindoas
de psicoterapia.
E, como popularmente
se diz “a tropa
manda desenrascar”,
também as consultas
tradicionais tiveram de
se reinventar do formato
tradicional, em
consultórios, para telefonemas
e videochamadas
a partir de casa.
ilustração: Mariana Vilas Boas
À Vista | 11 de janeiro de 2021
13
Grande Reportagem
Eduardo Carqueja,
também diretor do
Serviço de Psicologia
do Hospital de S.
João no Porto, afirma
que houve um recurso
maior às consultas
após a quarentena.
No período de confinamento
as pessoas
acabaram por fazer
maior uso das linhas
de apoio telefónico,
no entanto, assim que
foi possível retomar ao
apoio presencial, notou-se
um acrescento
de jovens às consultas.
Quanto à capacidade
do SNS a nível de
profissionais de saúde
mental e a sua capacidade
de abrangência,
a resposta do entrevistado
foi clara: “já
não havia, muito menos
agora com esta situação”.
“Já não havia
médicos suficientes,
nesta altura continuam
a ser insuficientes
e se nada for feito ainda
vão ser muito mais
insuficientes. O que
está a acontecer agora
vai ter mais repercussões
para o futuro
do que propriamente
agora”, acrescenta.
Eduardo Carqueja
considera que agora as
pessoas ainda “vão reagindo”,
mas que, mais
em diante, nomeadamente
com a crise
económica e social
que se prevê, “terá que
haver outros tipos de
recursos do bem-estar
psicológico, com
muito mais impacto”.
Consultas à
distância –
a eficácia
“Temos que ver, mais
uma vez, o possível,
o desejável e o que
é feito”, ou seja, num
contexto dito normal,
entre consultas
presenciais ou à distância,
presencialmente
é sempre preferível.
No entanto,
existe a importância
de ajustar o possível
à realidade atual.
Nos hospitais, muitas
das consultas foram
realizadas por telefone,
sendo a taxa
de satisfação muito
elevada, porque “as
pessoas sentiam que
havia alguém que
mesmo nesta confusão
toda tinha preocupações
com ela, o que
é muito importante”,
afirma o entrevistado.
“A ordem dos psicólogos
fez um trabalho
fantástico nesta altura
e deu recomendações
muito concretas quer
na dimensão mais clínica
da intervenção
até à dimensão ética”,
visto que para um jovem,
as consultas à
distância podem gerar
menos à vontade.
Numa consulta à distância,
não se sabe se
ele está em frente ao
computador e está o
pai ou a mãe a ouvir a
conversa toda. A privacidade
é primordial.
Há normas que estão
colocadas pela
própria ordem para
auxiliar a que estas
consultas tenham viabilização,
com uma
dimensão ética e deontológica
que tem de
ter – “Não posso fazer
uma chamada telefónica
na rua ou enquanto
a outra pessoa
está no supermercado,
não faz sentido, tem
que haver o que nós
chamamos de “settings
terapêuticos” têm
de estar adequados”.
A relação com o
próximo
Existe uma enorme
multiplicidade de fatores
que influenciam
a manifestação de sinais
de alerta. O isolamento
já é quase
obrigatório nesta condição.
Se por um lado
há um isolamento físico
objetivo e que deve
ser colocado, há ainda
toda a interação social
que tem de ser feita
de forma diferente.
“Os jovens, naturalmente,
gostam muito
do convívio de proximidade,
mas têm
uma mais valia muito
grande que, até então,
tem sido alvo de alguma
conflitualidade - o
recurso às interações
online”, Doutor Eduardo
Carqueja. Ou seja,
o motivo do conflito
é agora uma utilidade.
Apesar de existir a
necessidade de manter
o distanciamento
físico, o mesmo
considera que é também
importante que o
contacto social continue
a estar presente.
“O que acontece é
que se eu só vejo esta
dimensão do contacto
(a física), no que
toca à dimensão
social, eu vou reduzir
isto só a essa dimensão,
o que não é
verdade nos jovens”.
Se em tempos as redes
sociais eram vistas
como um muro
na socialização, agora,
apesar de, por natureza,
os jovens apreciarem
estar juntos,
sair e organizar grandes
convívios, utilizam
também muito as redes
sociais e outros
aportes para conviver
e interagir. “Portanto,
depende de como isto
seja relevado e que
não seja visto como
uma tragédia em que
agora temos todos de
estar afastados uns
dos outros”, acrescenta
o psicólogo.
Na perspetiva de Eduardo
Carqueja o futuro
é imprevisível. Sendo
que “se perguntasse
a uma pessoa de 80
anos, há 60 anos atrás,
quando tinha 20, se
um dia seria capaz de
pegar num telemóvel
para jogar, telefonar
e fazer videochamadas
a pessoas ia dizer
que enlouqueci – mas
as pessoas foram capazes
de se ajustar”.
Serão já
as redes sociais
insuficientes?
“Os jovens por natureza
são irreverentes,
gostam de fazer o que
está proibido, e com
isto eu não quero dizer
que a dimensão social
não seja valorizada
nos jovens, porque é”
O Dr. Eduardo Carqueja
sublinha ainda
que a dimensão social
é a mais fundamental
das interações, mas “o
que nós temos vindo
a debater e a trabalhar
muito nas dimensões
mais psicológicas
é que não se reduza a
nossa vida a tragédias”.
“Os jovens, por na
14 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
tureza, estão muito
mais flexíveis para
coisas novas – têm
uma plasticidade muito
maior que uma
pessoa mais velha”,
afirma o Presidente
da Delegação Norte
da Ordem dos Psicólogos
Portugueses.
A dificuldade de uma
pessoa, por exemplo,
entre os seus 60
e 80 anos mostrar-se
flexível a alterações
comportamentais é
muito mais difícil,
sendo que se encontra
isolada das novas tecnologias,
comparativamente
com os jovens.
A dimensão do problema
é moldável.
Cada um tem a possibilidade
dentro de
si de construir formas
de adaptação ao presente
( mesmo que
incerto, no caso), esta
capacidade influencia
a forma como cada
indivíduo perspetiva a
dificuldade e a vivência
com a mesma. O
entrevistado considera
que é preciso “um esforço
de contenção e
compreensão de que
isto é uma fase transitória,
pode ser mais
longa ou mais curta.
Eduardo Carqueja; imagem: Soraia Amaral
Está a ser longa e
com muita intensidade,
mas isto é também
uma forma de
crescimento pessoal”.
“O que nós fazemos
na nossa vida, no dia a
dia, é ganhar competências
perante desafios
que nos chegam.
Os jovens, ao serem
capazes de desenvolver
novas estratégias
de adaptação estão
a ganhar também outras
competências perante
desafios futuros.
Foi assim que a cultura
se desenvolveu”.
O estigma dos estudantes
perante a
psicoterapia
É de conhecimento
geral que a psicoterapia
ainda é tabu.
No entanto, o estigma
não tem tanto impacto
como há uma
dúzia de anos atrás.
As pessoas tendem
a não conseguir
transmitir o mal- estar
que contêm, pelas
mais diversas razões:
questões pessoais de
inibição, vergonha, receio
ou mesmo pela
crítica de outrem. “O
grupo dos jovens, muitas
vezes, tem aqui
um peso muito grande
e é muito curioso
percebermos que há
grupos de jovens que
estão muito mais sensibilizados
e até potenciam
ajuda para os
outros, mas depois há
outros muito fechados
e que criticam e que
gozam muito o colega
que eventualmente
teve este percurso”.
O entrevistado destaca
duas dimensões a
ter em conta: a acessibilidade
– visto que
mesmo que os pais
facilitem o acesso à
psicoterapia os jovens
podem sentir-se penalizados
porque estão a
gastar mais dinheiro. E
a insuficiência do SNS,
que se nota ser incapaz
de abranger todos
os que precisam
do serviço. “No SNS
os custos são muito
mais reduzidos e isto
também tem peso,
porque é a culpabilidade
de eu estar doente
e depois de não
conseguir quase mostrar
por questões adjacentes”,
acrescenta.
Ansiedade, a doença
da década
Se para uns o isolamento
alavancou a
ansiedade, para outros
amenizou. “Para muitos
jovens esta pandemia
foi muito boa,
porque eles tinham
ansiedade social”, refere
o psicólogo. Visto
que, a dificuldade de
estar com os outros era
muito grande, o facto
de permanecerem em
casa em aulas diminuiu
muito a sua ânsia.
“A ansiedade por
si só não se pode dizer
que é boa ou má,
temos de perceber
o que a ansiedade
em cada um faz”.
A ansiedade, na sua
essência, é uma emoção
que provoca determinadas
reações.
Desta forma, “para as
pessoas que o convívio
era fundamental, dispersavam
a sua atenção.
Uma das formas
que a sociedade tem
de lidar com a ansiedade,
dependendo muito
da causa, é a distração,
focar noutras dimensões”.
Para essas pessoas
se estiverem sós,
isoladas, notar-se-
-á um agravamento.
O Presidente da Delegação
Norte da Ordem
dos Psicólogos
destaca o impacto da
primeira vaga, baseado
numa emoção que,
normalmente, chamamos
de uma emoção
reativa – o medo.
“Nós ficamos em casa
por medo, não se sabia
o que ia acontecer
e era uma lei/imposição
quase que tinha
sido decretada. As
pessoas tinham medo
e agora, só vai voltar
a achatar a curva, se
houver medo”, afirma.
“É importante também
refletirmos que
o mesmo acontecimento,
o mesmo facto,
pode ter aqui traduções
diferentes
em cada um de nós.
Tem a ver com a forma
como eu interpreto
o acontecimento”
Surge então um
exemplo representativo:
“Imagine-se a
ansiedade que teria
o homem das grutas
quando saía para caçar
Se não matasse
nenhum animal, ou se
morresse contra a fera,
como seria? Ou seja,
nós agora temos muita
consciência e damos
nomes às coisas. Agora
damos nomes e temos
consciência, mas
não significa que viramos
presos exatamente
por isso”, conclui.
“Nós temos esta capacidade
de nos adaptarmos.
Hoje estamos
aqui vestidos, mas andamos
nus com muito
pelos, descalços
e hoje não é assim.
As coisas mudam”.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
15
Grande Reportagem
As visitas à família
e amigos foram trocadas
por videochamadas,
os abraços e
os beijos perderam o
lugar para as “cotoveladas”
O psicólogo considera
que estamos em
constante aprendizagem,
“tudo isto é uma
nova forma que nós
estamos a criar para
podermos também
cumprimentarmo-nos,
estamos a aprender
de uma forma diferente”.
Releva ainda a
influência da dimensão
cultural, “nós vemos
por exemplo a
Rússia, eles beijam-se
para se cumprimentar,
os japoneses nem
sequer se aproximam
e fazem um gesto, e
os italianos também
não gostam muito de
abraços e cumprimentam-se
mais com a
mão – são dimensões
culturais que estão
enraizadas naqueles
povos”. Ou seja, agora,
estão a surgir novas
formas, às quais
temos de nos adaptar,
embora não signifique
que sejam definitivas,
no entanto, “enquanto
elas existem,
enquanto são as possíveis,
pelo menos utilizamos
essas”, afirma.
Lidar/assumir a
doença mental
Todos nós conhecemos
alguém que está
a passar ou passou
por problemas psicológicos.
No entanto,
a temática não passa,
comumente, a ser
mais aceite por isso.
“Não sei se a sociedade
está preparada
para se envolver e caminhar
naquilo que é
uma situação dita normal,
no contexto que é
anormal”, acrescenta o
Dr. Eduardo Carqueja.
Contrapondo a dicotomia
“normal” vs
“anormal”, existe ainda
uma outra dimensão,
o diálogo sobre
a morte, por exemplo,
“muitas das vezes vem
no mesmo seguimento,
a sociedade fala
da morte ou não?”
“Nós nunca ouvimos
tanto como agora
falar da morte, de
morrer, dos mortos, é
de morte que todos
os dias se houve falar
agora”, afirma. No entanto,
o mesmo considera
que se abordarmos
alguém de luto e
faarmos sobre a morte,
há tendência para
se mudar de assunto.
Em relação à saúde
mental ou psicológica
é a mesma coisa”.
“Vamos falar, vamos
priorizar, vamos investir
dinheiro na prevenção!
A saúde mental,
a saúde psicológica,
passa por grande investimento
na prevenção,
não é na remediação.
O tratar é a
doença, não é a saúde.
Investir na prevenção
não é nenhum custo,
é um investimento”,
sublinha ainda.
O papel dos pais
na deteção dos
sintomas de risco
O À Vista procurou
saber os sinais de
alerta. O acompanhamento
pode e deve ser
feito também a partir
de casa. O Psicólogo
Eduardo Carqueja
apontou para alguns
índices a ter em conta:
O isolamento, a falta
de algo. Depois,
comportamentos
que sejam novos no
contexto da relação
familiar, por exemplo.
“O mundo é evolutivo
”
A insónia, o ter dificuldade
em adormecer
e dormir o dia
todo- sendo que os
jovens têm os círculos
de sono alterados,
naturalmente, na sua
biologia e tendem a
dormir até mais tarde
– “quando se diz que
os adolescentes são
dorminhocos, é verdade,
porque adormecem
mais tarde e dormem
até mais tarde.
Mas isso é o ciclo biológico
normal que devia
ser respeitado, por
exemplo pelas aulas
da faculdade, ao invés
de serem às 8, serem
ligeiramente mais tarde
para que os alunos
tivessem mais despertos”,
mas não é assim,
afirma o médico.
A irritabilidade, muitas
das vezes, pequenas
coisas transformam-se
em coisas
muito grandes. O uso
excessivo dos dispositivos
móveis, de interações
online, não
é que tenha de haver
vigilância, mas deve
existir cuidado naquilo
que se usa e perceber
do assunto. Depois,
eventualmente, a
tristeza começa a ter
um peso muito grande
naquela pessoa, no jovem.
Por outro lado, a
excessiva dimensão de
muita alegria, uma alegria
exuberante quase
também a contrapor
muitas das vezes,
até podem acontecer
alguns surtos da esfera
mais psicológica.
Houve ainda referência
ao suicídio, “é
uma dimensão que,
muitas vezes, não é
tida em conta”. Visto
que,“há jovens que
dizem: “qualquer dia
acabo com isto” - isso
é um alerta”, afirma o
diretor de psicologia
do Hospital S. João.
“Diz-se que quando
alguém se quer
matar não avisa,
mas não é verdade.
Há pessoas que vão
deixando e dando sinais,
ou dando dicas
e é importante
que o grupo e a família
estejam atentos.
O suicídio é algo
que não tem retorno”.
Tipicamente, quando
os pais respondem ao
alerta com frases típicas,
tal como: “então
mata-te, atira-te já da
janela”, isto é extremamente
perigoso, “porque
se o jovem estiver
com alguma dificuldade
na relação, por
exemplo, os pais nem
percebem, mas ao dizer
isto estão a impulsionar
o sentimento
de insuficiência e
inutilidade do próprio”.
Depois da
pandemia, o incerto
“Se o dano for muito
grande, tenso, muito
sofrido, as pessoas
são capazes de numa
fase inicial ainda terem
algum cuidado de
mudar alguns comportamentos
sociais,
mas ,naturalmente, vai
retomar tudo ao que
era anteriormente”.
Eduardo Carqueja
recorda os primeiros
tempos em que
se falava muito de
as pessoas se tornarem
mais solidárias:
A taxa de suicídio nos jovens é significativa
“
não se pode
descorar estas coisas
”
iam bater palmas
para as janelas, pôr
velinhas aos profissionais
de saúde, doaram
alimentos, mas
“agora estamos pior
do que nessa fase e
nada aconteceu. Ou
seja, manter este espírito
solidário seria
interessante, mas
penso que tudo vai
16
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Reportagem
voltar, outra vez,
à mesma coisa”.
“Um problema disto
é a dimensão económica,
a saúde é extremamente
atacada,
sem dúvida, mas por
questões económicas.
Se mandassem ficar
toda a gente em casa,
presumivelmente, a nível
da saúde não havia
os danos que existem
agora. A parte económica
vai perpetuar-
-se sempre, porque as
pessoas necessitam
da economia para sobreviver”,
considera.
“Há pessoas que vivem
obcecadas com
controle de tudo e fazem
programações a
longo prazo, eu nunca
mais me vou esquecer
que no dia 13 de março
tinha milhentas coisas
programadas para
aquela semana e foi
quando tudo rebentou,
tudo mudou. Tudo
o que era imprescindível
tornou-se adiável”.
Durante este período
atípico fala-se
muito na impossibilidade
de nos despedirmos
daqueles que
nos são mais queridos,
sendo que “quando as
pessoas se queixam
que lhes foi impossível
despedirem-se
dos pais, por exemplo,
se calhar não se
despediu porque está
no hospital, e antes?
Ia ao pé dele? Estava
com ele? O que é que
valia o seu pai para si?
Quem diz o pai diz a
mãe, naturalmente,
ou os filhos. Era bom
que as pessoas mudassem,
agora andam
todos a dizer que não
podem ir ter uns com
os outros e que não
podem ver os velhos”.
“Quando isto terminar,
não se esqueçam
que existem velhos.”
“
Ser refém de
si próprio
O profissional destaca
que é preponderante
ter ajuda
para perceber que o
nosso melhor amigo
também somos
nós próprios, temos
de ter liberdade para
sermos diferentes.
“A primeira coisa
que eu tenho é autorizar-me
a mim
a ser diferente”
Para muitos jovens
estudantes, e não só,
o ter ficado fechados
consigo próprio, foi o
despoletar do sofrimento,
a permanência
com a pior das
convivências, o “eu”.
Eduardo Carqueja
afirma que o exercício
a praticar seria: “De
que forma eu poderia
ter usado isto para
que eu tivesse ficado
fechado com uma
pessoa que não gosto?
Sinto capaz de me
mudar para ficar com
a pessoa que afinal
gosto? Isto é que é
o processo transformador”.
Nesta fase, a
intervenção psicológica
seria pertinente.
Procurar um psicólogo
não é fazer um
borrão na própria ficha
clínica e autodeclarar-se
“maluquinho”,
é necessário estar vigilante
em relação a
nós próprios e não
Utilize aquilo que é, à partida, uma
dificuldade sua para ter um proveito
”
descurar de começar
acuidar de dentro para
fora, o intangível. O silêncio
não pode ser solução
e descredibilizar
o sofrimento do outro
também não deve ser
arma de arremesso.
Os estudantes lidam,
no dia a dia, com uma
pressão desmedida e
vêm-se vítimas da realidade
em que viviam
e da que lhes foi posta
à sua frente – uma
pandemia mundial.
Por fim, o entrevistado
destaca as linhas
de apoio, onde
se sabe que do outro
lado está um psicólogo,
perfeitamente
preparado, que tem
um curso de intervenção
de crise feito
pela ordem dos psicólogos
e que é credível
para poder assegurar
ajuda de qualidade.
Se precisares de ajuda,
liga para o SNS 24
(808 24 24 24) e depois
carrega na tecla 4. Não
estás sozinho, o mundo
ainda te quer ouvir.
imagem: Mariana Vilas Boas
À Vista | 11 de janeiro de 2021
17
Política ´
PRESIDENCIAIS
2021
Quem são os candidatos?
Mariana Vilas Boas
O que defendem?
Quem os apoia?
As eleições presidenciais em Portugal têm lugar no dia 24 de
janeiro de 2021. Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes, Marisa
Matias, André Ventura, João Ferreira, Vitorino Silva, também
conhecido como Tino de Rans, Eduardo Batista e Tiago Mayan
Gonçalves são as personalidades que estão na corrida a Belém.
Qual o seu lema, o que pretendem fazer, o que defendem e quem
os apoia são questões que invadem o pensamento de muitos
quando querem decidir em quem votar. O À Vista procurou juntar
informação sobre estes pontos e reuniu tudo num só artigo.
Marcelo Rebelo
de Sousa
“Não vou fugir às
minhas responsabilidades”
Foi no mesmo local
da sua campanha,
em 2016, que Marcelo
Rebelo de Sousa
anunciou a sua candidatura
à Presidência
da República de 2021.
Marcelo Nuno Duarte
Rebelo de Sousa, o
professor catedrático
de Direito, jornalista,
político e o Presidente
da República de Portugal
dos últimos 4 anos.
Antes de exercer o cargo,
era docente e presidente
do Instituto de
Ciência Jurídico-Políticas
da Faculdade
de Direito da Universidade
de Lisboa.
Foi o 20º Presidente
da República e ficou
popularmente conhecido
e acarinhado pelos
portugueses devido
aos abraços e “beijinhos”,
mas também
lhe tem sido apontado
o dedo pelo uso abusivo
do “silêncio”, numa
posição onde o nosso
“silêncio” diz muito.
Numa entrevista
dada à TVI, o atual
Presidente afirmou:
“Eu acho que o
segundo mandato
vai ser mais difícil,
se for atribuído pelos
portugueses”.
Acredita que quanto
mais durar a pandemia
da COVID-19,
maiores serão as desigualdades
políticas e
maior o stress político.
Marcelo Rebelo de
Sousa relembrou que
quando venceu, em
2016, existiam dois
hemisférios rivais,
ambos convictos de
que tinham a maior
legitimidade para governar
o país. Atualmente,
esses dois
hemisférios continuam
a existir, mas há
mais protagonistas
de ambos os lados.
A candidatura do
atual Presidente da
República já conta com
o apoio do PSD - Partido
Social Democrata.
18
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Política ´
Ana Gomes
“Numa república não há coroações,
nem vitórias antecipadas:
é o povo que decide!”
Os rumores já se
começavam a
levantar antes,
mas foi no dia 10 de
setembro de 2020, na
Casa da Imprensa, em
Lisboa, que Ana Gomes
oficializou a sua
candidatura a Presidente
da República.
Na página oficial da
sua candidatura, afirma:
“Não sou de me
conformar. A história
e a vida ensinaram-me
que é preciso
ter humildade
e ver a realidade tal
como ela é. Mas sem
abdicar do sonho,
sem nunca abrir
mão da esperança.”
É num texto intitulado
“Cuidar de Portugal”
que Ana Gomes apela
aos portugueses que
querem uma democracia
com integridade
e justiça a apoiarem
a sua candidatura.
Ana Maria Rosa Martins
Gomes, jurista,
antiga diplomata
e política portuguesa,
formou-se em Direito
na Universidade
de Lisboa. Iniciou
a sua carreira diplomática
em 1980, tendo
sido consultora do
presidente da República
Ramalho Eanes,
entre 1982 e 1986.
Em 2003, decidiu
focar-se na atividade
política. Desde 2002
até então, é militante
do Partido Socialista
(PS). Foi eleita como
eurodeputada pelo PS
e exerceu esse cargo
entre 2004 e 2019.
Enquanto esteve no
Parlamento Europeu
destacou-se pela defesa
dos direitos humanos
e pelo combate
à corrupção.
Discorda da decisão
do PS em não apresentar
nenhum candidato
às eleições presidenciais
porque considera
que demonstra uma
desvalorização por
parte do partido, numa
decisão que é tão importante.
Acredita que
a sua voz de esquerda
pode ser útil para
o debate. Defende a
importância de haver
uma candidatura que
seja capaz de promover
mudanças estruturais
necessárias para
o país e assume esse
objetivo. A candidatura
de Ana Gomes já
conta com o apoio dos
partidos PAN e Livre.
Depois de uma
longa reflexão,
André Ventura
tomou a decisão pessoal
de se candidatar
à Presidência da República.
No dia 8 de
fevereiro de 2020 a
sua candidatura já estava
na agenda mediática
do país, mas foi
no dia 29 que, diante
de centenas de
apoiantes, anunciou
a sua candidatura e
o seu nome foi o primeiro
a entrar na lista
para a corrida a Belém.
André Claro Amaral
Ventura é licenciado
em Direito pela Faculdade
de Direito da
Universidade Nova de
Lisboa e doutorado,
também em Direito.
Comentador desportivo,
político, professor
universitário e consultor
de diversas empresas
na área jurídica.
No final de 2018,
criou o projeto do
CHEGA por acreditar
que o país precisa de
uma nova força política
capaz de acabar
com os poderes instalados
e com o politicamente
correto.
Na sua carta de intenções,
aponta o defeito
do silêncio ao
atual presidente da
República: “Não podemos
continuar a
aceitar um Presidente
que fica em
silêncio perante as
notícias que todos
ouvimos em relação
ao Ministério
Público e às investigações
a políticos.
Que fica em silêncio
sobre Tancos, sobre
a corrupção, sobre
a impunidade,
sobre os polícias.”
Também na sua carta
de intenções anuncia
o desejo de uma
República em Portugal,
com uma nova constituição,
que junte na figura
do Presidente da
República as funções
dadas ao Primeiro-ministro
e que o mesmo
deixe de existir. Fala
em democracia, justiça
e transparência.
O líder do CHEGA
pediu a suspensão do
seu mandato de deputado,
a partir do
dia 1 de janeiro, que
pode vir a ser prolongada
até ao dia 14
de fevereiro se existir
uma segunda volta nas
eleições presidenciais.
André Ventura
“Não tenho medo do confronto com
o poder estabelecido e serei o candidato
anti-sistema”
À Vista | 11 de janeiro de 2021
19
Política ´
João Ferreira
“Façamos desta candidatura parte
da luta pela mudança que desejamos
para as nossas vidas, da mudança que
Portugal precisa.”
Uma candidatura
que, como
o próprio diz
“É minha e é vossa.
É nossa.” Foi na data
de 17 de setembro de
2020 que João Ferreira
apresentou a sua candidatura
na corrida às
presidenciais de 2021.
João Manuel Peixoto
Ferreira, biólogo e
político, estudou na
Faculdade de Ciências
da Universidade
de Lisboa. É, atualmente,
deputado no
Parlamento Europeu
pelo Partido Comunista
Português (PCP),
que já apresentou o
apoio à sua candidatura
e ao qual agradeceu
a confiança.
Já ganhou o prémio
de “Embaixador
do Desenvolvimento”
em 2013, pelo Instituto
Marquês de Valle
Flôr, pelo seu papel
na “promoção de políticas
europeias mais
justas e coerentes”.
Na sua declaração,
João Ferreira fala de
sérios problemas estruturais
em Portugal,
“consequência de
décadas de política
de direita, que a
situação actual expõe
com grande nitidez.
É a desvalorização
do trabalho e
dos trabalhadores,
dos seus salários e
dos seus direitos.”
Fala ainda da desigualdade
na distribuição da
riqueza e na submissão
do país a políticas
e decisões da União
Europeia contrárias
ao interesse nacional.
Insiste no compromisso
e juramento
que o Presidente da
República faz em defender,
cumprir e fazer
cumprir a Constituição
e menciona a violação
deste juramento por
parte do atual, Marcelo
Rebelo de Sousa.
Maria Isabel dos
Santos Matias é
socióloga e política.
Em 2009 foi eleita
como deputada do
bloco de esquerda no
Parlamento Europeu e
está, atualmente, no
seu 3º mandato. Em
2016 já se tinha candidatado
às eleições
presidenciais, onde ficou
em 3º lugar. No dia
9 de setembro, no Largo
do Carmo, anunciou
a sua candidatura
na corrida às eleições
presidenciais de 2021.
É uma ativista dos
Direitos Humanos e
tem uma forte presença
em movimentos cívicos
ligados à cultura,
ao ambiente e aos
direitos sexuais. Em
2004 aderiu ao Bloco
de Esquerda e, em
2010, tornou-se Vice-
-Presidente do Parti-
20
À Vista | 11 de janeiro de 2021
do da Esquerda Europeia.
Foi reeleita em
2013 e manteve o cargo
até ao ano de 2019.
Na apresentação da
sua candidatura relembra
as presidenciais
de 2016, às quais
se candidatou, acreditando
que a sua presença
na corrida a Belém
contribuiu para
quebrar o ciclo de
austeridade que Portugal
vivia na altura.
“Sabemos que
hoje vivemos tempos
diferentes, num
contexto novo e
ameaçador. Perante
uma nova crise,
a maior das nossas
vidas, temos a responsabilidade
de
usar o que aprendemos
nas crises anteriores,
para proteger
Portugal, a
nossa casa comum,
e para enfrentarmos
os perigos que
assombram todo
o mundo, desde a
destruição climática
até à espiral
de violência racista
e discriminatória.”,
afirma Marisa
Matias na sua declaração
de candidatura.
A candidata do Bloco
de Esquerda realça
a crise social que
o país enfrenta, para
além da sanitária, e
relembra que o que
nos salva é o espírito
comunitário e solidário
e não a fortuna e as
riquezas. Desemprego,
questões ambientais
e direitos humanos
são algumas das menções
de Marisa Matias.
Marisa Matias
“Já me conhecem, chamo-me Marisa
Matias e vou à luta convosco.”
Política ´
Advogado e político,
formou-
-se em Direito
na Universidade Católica
Portuguesa e
é membro fundador
da Iniciativa Liberal.
e afirma que será um
Presidente que vai dizer
a verdade. Tiago
Mayan Gonçalves pretende
gastar cerca de
40 mil euros na sua
campanha eleitoral.
TIAGO MAYAN
GONÇALVES
“Sou o primeiro candidato genuinamente liberal
candidato à Presidência”
Na sua mensagem,
afirma que
apresenta a sua candidatura
para que
muitas pessoas possam
ter em quem
votar. Pessoas essas
que “não se reveem
num Presidente
que abdicou de
o ser ou em populistas
de esquerda
e de direita.”,
afirma o candidato.
Acredita que os
últimos anos de governos
socialistas nos
têm deixado muito
dependentes do Estado
e menos livres
Vitorino Francisco
da Rocha e Silva,
popularmente
conhecido como “Tino
de Rans”, apresentou a
sua segunda candidatura
à Presidência da
República. Calceteiro
e uma personalidade
televisiva, já foi eleito
Presidente de Junta
da Freguesia de Rans,
na cidade de Penafiel.
O ex-autarca afirmou:“O
meu gabinete
é a rua. Não desci
de divisão. Há cinco
anos tive 150 mil votos
e tenho muito respeito
por quem votou
em mim e por quem
não votou. Pensam
que sou um português
de segunda, mas
também não quero ser
português de domingo.
Não quero que haja
portugueses de primeira
e de segunda.”
O fundador e líder
do RIR - Reagir, Incluir
e Reciclar, já se
tinha candidatado em
2016 e, agora, volta a
candidatar-se e afirma
que a sua candidatura
pretende
lutar contra “populismos
e a abestenção”.
Vitorino Francisco
Rocha pediu uma alteração
da data das
eleições, marcadas
para janeiro de 2021,
e sugeriu que fossem
alteradas para a altura
da primavera, por
volta de março/abril.
A
escolha do próximo
Presidente
da República
Vitorino Silva
português será feita
no dia 24 de janeiro
de 2021. Uma sondagem
do Católica dá a
vitória a Marcelo Rebelo
de Sousa, com
“Candidato do Povo”
68% dos votos. Em
segundo lugar surge
Ana Gomes com
13% e André Ventura
conquista o terceiro
lugar com 8%.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
21
Política ´
A luta contra a COVID-19 e a esperança na vacina
Soraia Amaral
Em março de 2020
a covid19 chegou
a Portugal. 9 meses
depois, a esperança
vem num frasco - a
vacina contra a covid19.
No princípio do fim
ou fim do ínicio, as
opiniões dividem-se.
Portugal e o mundo
viveram tempos difíceis
de incerteza, a
vacina veio despertar
a esperança no caos.
Dia 21 de Dezembro
de 2020 foi aprovado
pela Agência Europeia
do Medicamento (EMA)
o uso de emergência
da vacina da BioNTech-Pfizer
contra a covid19.
A Comissão Europeia
deu luz verde
para que a imunização
de grupos considerados
prioritários possa
começar a partir do
dia 27 de Dezembro.
A vacina da Moderna
foi autorizada dia
4 de Janeiro de 2021.
A Agência Europeia de
Medicamentos autorizou
a segunda vacina
contra a covid19, esta
pode ser administrada
nos 27 países na União
Europeia. As primeiras
160 milhões de doses
devem ser fornecidas
no decorrer do primeiro
trimestre de 2021.
A vacina da BioNtech.Pfizer
tem 95% de
eficácia e a vacina da
Moderna tem 94.5%.
Eficácia traduz-se na
capacidade que ambas
têm para evitar a
forma grave do vírus.
As caras da luta
contra a covid 19
no país e no mundo
A vacinação arrancou
dia 8 de Dezembro
de 2020 no Reino Unido,
no Hospital da Universidade
de Coventry,
Inglaterra, às 06:31.
Margaret Keenan foi a
primeira pessoa a ser
vacinada contra a covid19
no mundo, fora
dos ensaios clínicos.
A senhora foi vacinada
uma semana antes
de completar 91
primaveras pela enfermeira
May Parsons.
22 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Política ´
Dia 27 de Dezembro
de 2020 foi vacinado
António Sarmento, diretor
de doenças infecciosas
do Hospital de
São João, tornando-se
a primeira pessoa a
ser vacinada no país. O
fármaco foi administrado
pela enfermeira
Ana Isabel Ribeiro.
António Sarmento
tem 65 anos, 42 como
médico. Em declarações
ao jornal PÚBLI-
CO, o profissional de
saúde diz que “ não
correu atrás da vacina”,
mas também não
fugiu. Sempre disse
que se me chamassem
hoje iria e se me
chamassem dentro de
15 dias ia com a mesma
tranquilidade. A
perspectiva da vacina
não me tirou um
minuto de sono, nem
antes de a receber
nem depois”, afirma
o médico ao Público.
Características
de armazenamento
e custos de
obtenção
A temperatura é característica
fundamental
no que diz respeito
à conservação
do fármaco da Pfizer
e que se tem notado
um dos maiores
obstáculos. Esta deve
ser mantida com uma
temperatura entre
os 70 e os 75 graus.A
vacina da Pfizer tem
um custo de 12 euros.
Por outro lado, a vacina
da Moderna pode
ser armazenada durante
30 dias à temperatura
de um frigorífico
doméstico, ou seja,
entre 2 a 8 graus. Até
aos seis meses pode
ainda ser conservada
no congelador com 20
graus negativos. O fármaco
da Moderna é um
pouco mais caro, com
o valor de 14,70 euros.
Vacinas na corrida
A corrida para criar
uma vacina viável para
a covid19 não pára.
Mesmo com a aprovação
para administração
de duas vacinas
na União Europeia, a
procura é maior que
a oferta. As vacinas
que ainda continuam
na corrida são:
Instituto de
Pesquisa Gamaleya
(Sputnik V)
A vacina russa apresentou
92% de eficácia
em estudos de fase 3;
AstraZeneca e Universidade
de Oxford
(AZD1222)
A vacina inglesa está
em estudos de fase
3 e numa primeira
fase demonstrou
eficácia de 70,4%;
Sinovac (Coronavac)
A vacina chinesa desenvolvida
em parceria
com o Instituto Butantan
demonstrou uma
taxa de eficácia de 78%
para casos leves e de
100% para infecções
moderadas e graves;
Johnson & Johnson
(JNJ-78436735)
A vacina norte-americana
entrou em estudos
de fase 3, sem taxa
de eficácia liberada.
Os profissionais de
saúde dos centros
hospitalares universitários
do Porto, Coimbra,Lisboa
Norte e
Central são os primeiros
a ser vacinados.
A primeira fase de vacinação
ocorre entre
o dia 8 de Dezembro
até ao fim de Março
de 2021, é prevista
a chegada de 1,2
milhões de doses de
uma vacina que é facultativa,
gratuita e
universal, visto que é
assegurada pelo Serviço
Nacional de Saúde.
“Sinto-me muito privilegiada por ser a primeira
pessoa a ser vacinada contra a covid-19. Não
tenho como agradecer a May e à equipa do NHS
que cuidaram de mim tremendamente.
O meu conselho para qualquer pessoa é que
tome a vacina. Se eu posso tomá-la aos 90 anos,
então vocês também podem.”
Margaret, uma ex-assistente de joalharia que se aposentou há
apenas quatro anos.
imagem: Reuters
À Vista | 11 de janeiro de 2021
23
Política ´
Cidadão ucraniano é agredido até à morte por
três elementos do SEF
Soraia Amaral
No dia 10 de março
de 2020, um
cidadão ucraniano,
de seu nome
Ihor Homenyuk, tentou
entrar em Portugal
,ilegalmente, por
via aérea. No dia 12 de
março, o homem de
40 anos foi morto no
Espaço Equiparado a
Centro de Instalação
Temporário (EECIT) no
aeroporto de Lisboa.
Bruno Sousa, Duarte
Laja e Luís Silva, os
três homens acusados
de matar o cidadão
ucraniano, estão
em prisão domiciliária
desde a sua detenção,
no dia 30 de março. No
mês de setembro, os
três inspetores do SEF
foram acusados do
homicídio qualificado
de Ihor Homenyuk.
O diretor e o subdiretor
da Direção de
Fronteiras de Lisboa
do SEF colocaram o
seu lugar à disposição,
após a detenção
dos três elementos
do serviço por suspeitas
de homicídio
ao cidadão ucraniano.
No final do ano, o
caso voltou a ganhar
destaque na agenda
mediática e a diretora
do SEF, Cristina
Gatões, demitiu-se.
O Ministro da Administração
Interna,
Eduardo Carbrita,
após a morte de Ihor,
decidiu instaurar processos
disciplinares
ao diretor e subdiretor
de Fronteiras de Lisboa,
ao Coordenador
do EECIT do aeroporto
e aos três inspetores
do SEF, entretanto
acusados pelo Ministério
Público. E ainda,
a abertura de um inquérito
à Inspeção Geral
da Administração
Interna (IGAI). Ao todo,
na sequência do inquérito,
a IGAI instaurou
8 processos disciplinares
a elementos
do SEF e implicou 12
inspetores deste serviço
de segurança na
morte do ucraniano.
“As investigações e
tudo o que foi apurado
até ao momento indicam
que um cidadão
ucraniano sofreu aqui
tratamentos que conduziram
à sua morte.
O que se passou aqui
não tenho grandes dúvidas
sobre uma situação
de tortura evidente”,
afirmou Cristina
Gatões, em entrevista
à RTP nas instalações
do Espaço Equiparado
a Centro de Instalação
Temporária (EECIT)
24 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Política ´
do aeroporto
de Lisboa.
O Ministério Público
considerou que “ficou
suficientemente indiciado”
que,.em março
de 2020, um cidadão
ucraniano foi
levado para a sala
do Estabelecimento
Equiparado de Instalação,
no Aeroporto de
Lisboa, para, posteriormente,
embarcar
num voo com destino
a Istambul, no entanto
recusou fazê-lo.
Face à excitação de
Ihor Homenyuk, este
acabou por ser isolado
dos restantes
passageiros estrangeiros
(na sala dos
Médicos do Mundo),
onde se prolongou
até ao dia seguinte.
Alegadamente, os
inspetores acusados
direcionaram-se à sala
onde o homem se encontrava
e algemaram-
-no, com as mãos atrás
das costas e agrediram-no,
pontapeando-
-o e dando-lhe socos.
“Com o ofendido
prostrado no chão, os
arguidos, usando também
um bastão extensível,
continuaram
a desferir pontapés,
atingindo o ofendido
no tronco. Ao abandonarem
o local os
arguidos deixaram a
vítima prostrada, algemada
e com os pés
atados por ligaduras”,
refere a acusação.
Após a agressão, o
homem deixou de reagir.
Com isto, foi chamado
o INEM e uma
viatura médica de
emergência dirigiu-se
para o local. O médico
de serviço da tripulação
declarou o óbito
do cidadão ucrãniano.
As agressões levadas
a cabo pelos inspetores
do SEF, que agiram
intencionalmente e
em grupo, provocaram
a morte de Ihor.
Segundo o Ministério
Público, a morte
derivou de “diversas
lesões traumáticas”.
O Presidente da República,
Marcelo Rebelo
de Sousa, explicou
que não vai falar
sobre o assunto, visto
que é um caso que
Cristina Gatões, ex.Diretora Nacional do SEF
permanece sob investigação
criminal. No
entanto, o caso SEF,
tem dado que falar
pelos piores motivos.
No final das contas,
um homem morreu
às mãos da autoridade.
O À Vista organizou
os acontecimentos
por ordem cronológica
para uma
melhor precessão do
desenrolar do caso.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
25
Política ´
Homicídio de Homenyuk a 12 Março de 2020
MARÇO ABRIL MAIO
30 Três elementos do SEF foram
detidos pela Polícia Judiciária por “fortes
indícios” da prática de homicídio.
31 O PSD pediu esclarecimentos ao
Governo sobre a morte do cidadão. O bloco
de Esquerda pediu uma audição urgente
do Ministro da Administração Interna.
3 António Costa reage. O Primeiro
Ministro mostra-se chocado
com a suspeita de homicídio que
recai sobre os inspetores do SEF.
6 Eduardo Cabrita declara mudanças
profundas no funcionamento
do EECIT do Aeroporto de Lisboa,
a propósito da morte do ucraniano.
5 É anunciado pela Administração Interna
que o Centro de Instalação Temporária
do SEF no aeroporto de Lisboa vai
continuar encerrado até ao final de maio e
quando abrir irá receber somente estrangeiros
impedidos de entrar em Portugal.
8 O Centro de Instalação Temporária
do SEF no aeroporto de lisboa encerra
até 30 de abril, momento em que serão
aprovados novos mecanismos e regras.
A Comissão dos Direitos Humanos da
Ordem dos Advogados manifesta “profunda
preocupação e apreensão e apela
à investigação do sucedido até ao fim.
26
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Política ´
SETEMBRO NOVEMBRO DEZEMBRO
29
A IGAI instaura oito processos disciplinares
a elementos do SEF, na
sequência do inquérito que apurou
as causas da morte de Ihor – agressões.
Os processos recaem sob o
diretor e subdiretor de Fronteiras
de Lisboa, ao Coordenador do EE-
CIT do aeroporto e aos três inspetores
suspeitos do crime de homicídio.
30
O Ministério Público (MP) acusa os
inspetores do SEF, Bruno Sousa, Duarte
Laja e Luís Silva, que ficam em
prisão domiciliária, pelo homicídio
qualificado de Ihor Homenyuk.
O MP decide extrair uma certidão
para que seja investigada
a prática de eventuais crimes
de falsificação de documentos.
3
Eduardo Cabrita considera, no parlamento,
que o IGAI “foi mais longe que o
Ministério Público”, porque determinou
que o apuramento das responsabilidades
fosse feito também por potências cúmplices
ou potências omissoras de auxílio,
não se limitando aos três acusados.
11
A Diretora Nacional do SEF diz que os
inspetores têm “acrescida responsabilidade
e o constitucional dever” de garantir
o proteger “o direito à vida e integridade
física” das pessoas que estão à responsabilidade
deste serviço de segurança.
16
Cristina Gatões admite, em entrevista
à RTP, que a morte do cidadão ucraniano
foi resultado de “uma tortura evidente”.
A Diretora Nacional do SEF afirma
ainda que não se vai demitir.
19
O PSD pede a audição do Ministro
da Administração Interna, apontando
“contradição” entre declarações
de Eduardo Cabrita e dados da inspeção
Geral da Administração Interna
sobre o inquérito à morte de Ihor.
4
A Comissária Europeia dos Assuntos Internos
afirma que confia na forma como Portugal
trata o caso e admite que após reunião
com Eduardo Cabrita se esperavam “algumas
mudanças na liderança e nos regulamentos”.
9
A Diretora do SEF demite-se, nove
meses depois da morte de Ihor.
10
O Estado português vai pagar uma indemnização
à família de Homenyuk. O valor
será decidido pela Provedora da Justiça.
Eduardo Cabrita afirma ter a consciência
tranquila em relação ao seu mandato.
O Sindicato do SEF saudou a reestruturação
anunciada pelo governo, mas lamenta que
se faça #em função de um episódio sinistro”.
11
O Ministro da Administração interna informa
a embaixadora da Ucrânia sobre a decisão de
o Estado pagar uma indemnização à família do
cidadão ucraniano. E ainda o facto de estarem
a trabalhar para apurar responsabilidades.
13
PCP defende reestruturação do SEF.
O Diretor Nacional da PSP admite que está
a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF.
Admite ainda que colocou a questão ao Presidente
da República, mas Eduardo Cabrita
respondeu que a decisão cabe ao Governo.
14
O Sindicato do SEF considerou que o Presidente
da República “extrapolou as duas
competências”, ao falar sobre a reestruturação
do SEF e alertou que “os problemas não
se resolvem com mudanças de ministros”.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
27
Stand4Good:
Iniciativa apoia 20
estudantes da
Universidade do
Porto
Soraia Amaral
Sociedade
imagem: Stand4good
Em tempos de
pandemia, nasce
o projeto-piloto
que pretende apoiar
estudantes que, embora
vivam em situação
comprovada de
carência económica,
não foram abrangidos
pelas bolsas de ação
social – a Stand4Good.
A associação interventiva
resulta de uma
parceria com a Universidade
do Porto. Os
alunos beneficiados
serão os primeiros 20
candidatos que ficaram
de fora da lista
de atribuição de bolsas
e que cumprem
os critérios de elegibilidade
estabelecidos.
Perante a instabilidade
do presente
e a imprevisibilidade
do futuro, o objetivo
é claro: evitar
o abandono escolar.
“Este é um projeto
que nasce com este
contexto de pandemia
e com a motivação de
realmente tentar ajudar
jovens e famílias
que neste momento
estão com dificuldade
em garantir a continuidade
dos estudos dos
seus filhos, para que
não seja por questões
financeiras que estudantes
que têm vontade
de tirar os seus
estudos universitários
ou de os concluir
não o possam fazer”,
diz Mafalda Teixeira
Bastos, cofundadora
da associação, em
entrevista ao À Vista.
Mais que ajuda
financeira, uma
complementaridade
de eixos
A Stand4Good assenta
na relação e cooperação
entre três
eixos de intervenção:
Learn4Good, Mentor-
4Good e Work4Good.
O primeiro eixo, Learn4Good,
pretende
suprir a necessidade
mais imediata – o
pagamento da propina
anual. Portanto,
no fundo, compreende
a atribuição de
bolsas universitárias
a 20 estudantes. Estas
bolsas têm o valor
de 1000 euros ao
que será canalizado
em primeira instância
para o pagamento da
propina anual, ficando
o restante para custos
relacionados com
a educação e a frequência
universitária.
No entanto, apesar
do apoio financeiro ser
importante, “o projeto
ficaria manco sem os
outros eixos”, considera
a co-fundadora.
A partir deste mote,
nasce a componente
de mentoria, Mentor-
4Good. Este é um eixo
desenvolvido em parceria
com a Argo Partners,
uma empresa de
gestão de talento, e
que tem como objetivo
acompanhar e capacitar
os jovens em
termos de competências
pessoais e comportamentais
por um
lado e por outro trabalhar
competências
de empregabilidade.
O último eixo, Work-
4Good, prende-se
com a integração profissional.
Neste ponto,
a preocupação é
ajudar os jovens a terem
oportunidades reais
de contacto com o
mercado de trabalho.
O objetivo final desta
estrutura é que os
jovens consigam terminar
os estudos universitários
e integrar
o mercado de trabalho
com oportunidades
de qualidade e na
sua área de formação.
O ciclo não de
apoio renova-se
“Este é um projeto
que se chama
Stand4Good também
muito porque acreditamos
que todos
nós podemos fazer
a diferença na vida de
outras pessoas”, afirma
Mafalda Teixeira.
A cadeia de ajuda
não finda, renova-se.
Integrado na sua missão,
inclui-se também
o programa Act4Good,
através do qual os jovens
apoiados têm
oportunidade de participar
em ações de
voluntariado, segundo
os seus interesses
e preferências.
A co-fundadora em
conversa com o À Vista,
confessa que: “poder
proporcionar a
estes jovens a oportunidade
de voluntariar
para que também eles
possam dar continuidade
àquilo que nos
move, que é a possibilidade
de mudarmos
vidas, é muito importante”.
Desta forma,
a mesma mão que
recebe, estende-se
também para ajudar.
28
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
Um projeto para
todos
Um dos objetivos
primordiais do projeto
é combater o desemprego
jovem. Dados
recentes referem que
25% dos jovens até aos
24 anos estão desempregados
e, portanto,
a associação interventiva
pretende chegar a
mais jovens que não
só os 20. Assim sendo,
através de parcerias
com as empresas
associadas, publicitam-se
oportunidades
de estágio ou integração
social no site
– disponível a todos.
A Stand4Good ergue-se
assim para
“conseguir que mais
jovens vejam também
aqui uma oportunidade
de emprego
e de terem aqui uma
vida mais qualificada
no futuro”, conclui
Mafalda Teixeira, psicóloga
de profissão.
E tu, como
podes fazer parte
do ciclo?
“Nós acreditamos
que nada se faz sozinho
e nós somos uma
instituição sem fins
lucrativos 100% privada”,
portanto a questão
da sustentabilidade
da associação e da
garantia de apoios é
uma questão diária,
uma preocupação
permanente.
“Este é um processo
vivo, ou seja,
nós estamos em
permanência a
precisar de parceiros
e apoios e
por isso esperamos
que daqui a uns
meses a lista e o
número de parceiros
possa vir a
ser aumentada”
Entre empresas, profissionais
de marketing,
ou outro tipo de
ações de angariação
de fundos ou de produtos
que os jovens
possam precisar, toda
a ajuda é bem-vinda.
No fundo, a Stand-
4Good, está em permanentemente
recetiva
a ideias que possam
alavancar a causa.
Em termos de cidadão
mais individual,
poderá fazê-lo também
de várias formas:
financeiramente - a
associação lançou recentemente
uma campanha
Friend4Good,
onde é possível fazer
uma doação de 5 euros
por mês; através de voluntariado
- quer para
explicações ou acompanhamento
de algum
tipo de necessidade a
nível do funcionamento
da Stand4Good;
por fim, partilhando
- o popular “passa
a palavra”, de forma
a levar a causa mais
longe, a mais pessoas.
O objetivo é que daqui
a 2 anos, após uma
avaliação do projeto
piloto que ocorre de
2020 a 2022, seja possível
replicá-lo e escalá-lo
com o fim último
de chegar a mais jovens.
É preponderante
continuar a proporcionar
“Oportunidades
que mudam vidas”.
logótipo da associação Stand4good
Manifestação: “Resgatar
o Futuro é não deixar
ninguém para trás”
Mariana Vilas Boas
A
Manifestação
“Resgatar o Futuro,
não lucro”,
que decorreu no dia 17
de outubro, tentou fazer-se
ouvir no jardim
da Cordoaria, no Porto,
mas foram poucos
os que apareceram.
Estava programada
para as 16:30h e o
ponto de encontro,
no Porto, foi o jardim
da Cordoaria. O movimento
“Resgatar o
Futuro, não o lucro”
já se tinha feito ouvir
em vários pontos
do país, no passado.
Desta vez, voltaram a
sair à rua porque acreditam
que a crise do
COVID-19 veio expor e
acentuar as desigualdades
já existentes
do sistema capitalista
em que vivemos.
Se por medo do aumento
do número de
casos nas últimas semanas,
se por sentirem
que é uma luta
perdida, foram poucos
aqueles que se
juntaram à manifestação.
Eram cerca de
20. O uso de máscara
foi consentido e a distância
dos 2 metros
cumprida. Independentemente
da adesão,
os que lá estavam
fizeram-se ouvir.
Indignação e preocupação
era o que
se sentia nos discursos
que reclamavam
uma atuação mais real
e justa do Estado. A
ideia de que resgatar
o futuro é não deixar
ninguém para trás
ficou bem assente.
Defendeu-se um emprego
com direitos,
exigiu-se apoio para
aqueles que ficaram
imagem: Mariana Vilas Boas
sem rendimentos, pediu-se
a proibição dos
despedimentos e afirmou-se
que é preciso
repensar a atividade
económica Precariedade
foi a palavra-chave
deste protesto.
Alguns profissionais
da área da cultura,
presentes na
manifestação, relembraram
que pagam o
preço da precariedade
por fazerem o que
gostam e pediram
às instituições que
se responsabilizem
À Vista | 11 de janeiro de 2021
29
Sociedade
pelos seus trabalhadores.
A educação
também foi mencionada
como precária, e não
será este o ideal para
o futuro que queremos
para os jovens e crianças
do país. A solução
não são os contratos
temporários, mas
sim os permanentes.
A Associação de
Combate à Precariedade
- Precários Inflexíveis
reclamou por
continuarem a deixar
os precários e as precárias
ficar para trás
quando, na verdade,
são eles que estão
na linha da frente dos
efeitos da crise sanitária.
Recordaram que as
medidas de proteção
de emprego não os inclui
e afirmaram que
é preciso garantir um
apoio justo para aqueles
que ficam sem
trabalho e perdem os
rendimentos. Exigiram
novas escolhas.
Alguns movimentos
feministas também
marcaram presença
e lembraram
as desigualdades salariais
ainda existentes.
Com um discurso
de sensibilização
onde ressaltaram os
que não têm abrigo,
os que têm como prisão
a sua própria casa
e a comunidade LGB-
TQ+, entre outros, exigiram
compromisso
por parte do Estado.
Uma manifestação
que falou das diferenças
brutais no acesso a
direitos humanos básicos,
que se salientaram
ainda mais com a
chegada da pandemia
e que parece colocar
o lucro acima das vidas
humanas. Pediram
uma nova política que
responda à urgência
de defender o emprego
e que garanta
a proteção imediata
a quem está a sofrer
os efeitos sociais da
pandemia. Passaram
a ideia de que precisamos,
não apenas de
direitos, mas de ferramentas
materiais
imagem: Mariana Vilas Boas
para aceder a estes
direitos. E afirmaram
que a luta continua.
“A pão e água”: Restauração fez-se ouvir nos
Aliados
João Brandão
O
setor da restauração
há muito
que vinha a
sofrer consequências
das medidas impostas
pelo governo para
combater a Covid-19.
Ontem, na Avenida
dos Aliados, foi dia
da manifestação que
sublinhou o descontentamento
dos profissionais
desta área.
O protesto começou
por ser pacífico e
contou até com a presença
de Rui Moreira
que optou por sair da
câmara para ouvir as
queixas dos protestantes
e para deixar
a sua opinião sobre o
tema. Outra figura pública
que se juntou ao
movimento foi Ljubomir
Stanisic, protagonista
do programa
“Pesadelo na cozinha”.
O presidente da câmara
do Porto veio
aos Aliados salientar
que se tivesse sido
ele a tomar as medidas,
talvez tivesse
atuado de forma diferente.
No entanto,
considerou importante
salientar que não está
no papel de comentador
político e que,
por isso, prefere abster-se
quanto à temática
da manifestação.
“A pão e água” foi o
nome escolhido pela
organização da manifestação
para melhor
demonstrar o atual
estado da restauração
portuguesa. Representantes
de vários restaurantes
uniram-se
para defenderem os
seus direitos. As novas
medidas do governo
visam especialmente
este setor, já que
não vai permitir que
restaurantes tenham
clientes nos dois próximos
fins-de-semana.
imagem: João Brandão
30
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
imagem: João Brandão
“Daqui a nada
estaremos a
pedir na rua”
Ivo Silva
(Restaurante Setra,
Braga)
Entre outras questões,
os protestantes
fizeram questão de
realçar a falência dos
seus negócios e que
“podiam ser vistos
como parte da solução
e não como parte do
problema”. Desde restaurantes
mais conhecidos
a restaurantes
mais locais, a palavra
que mais se ouviu foi
“desespero”. Ivo Silva,
representante do restaurante
Setra em Braga,
retrata “um cenário
bastante negro e que,
neste momento passa
apenas pela sobrevivência”.
Em declarações
ao À Vista, salienta
que apenas querem
conseguir pagar ordenados.
Quanto às novas
medidas, Ivo Silva
foi conclusivo: “já tivemos
que mandar pessoas
embora. Tínhamos
sete funcionários
e já só temos quatro
e esperemos que não
tenhamos que despedir
mais ninguém”.
“Quem não
cumpre (as
medidas) pode
estar aberto,
nós cumprimos
e temos que
fechar”
Hilário Silva é dono
de um restaurante na
Boavista e prevê um
desastre a curto prazo,
isto porque “os fins
de semana representam
à vontade quarenta
por cento da nossa
faturação e é impossível
continuar a pagar
a funcionários assim,
já para não falar das
despesas fixas”. Se estas
novas medidas se
prolongarem por mais
tempo, o empresário
não tem dúvidas de
que terá de “meter a
chave à porta”. “O que
se está a pedir não é
nada de extraordinário”,
acrescenta ainda.
“Estamos há
oito meses
impedidos de
por pão nas
nossas mesas”
Para além dos restaurantes,
estiveram
ainda vários representantes
de bares e discotecas
que também
se vêem a passar pelas
mesmas dificuldades.
O apela direcionou-se
para “um
simples diálogo com
o governo para podermos
decidir o que fazer,
apenas queremos
uma bóia de salvação”.
No final dos protestos,
houve desacatos
entre manifestantes e
polícias presentes no
local. Houve ainda pirotecnia
no local que
fez com que os caixões
em frente à câmara
fossem queimados e
obrigou os bombeiros
a deslocarem-se ao local
para apagar o fogo.
Para além das
faixas que já são costume
em manifestações,
houve ainda
caixões e um veículo
de uma agência funerária.
O simbolismo
destes acessórios tal
como a palavra de ordem
desta manifestação
são claros: pede-
-se ajuda ao governo
para atender a tantos
negócios que podem
estar prestes a falir.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
31
Sociedade
Ninguém é feliz sozinho.
Todos somos crentes.
Mariana Vilas Boas
O
capitalismo
predomina na
sociedade atual.
Com uma globalização
cada vez mais crescente,
estamos mais
próximos, mas menos
ligados. Mas quem somos
sem os bens e
objetivos “materiais”?
Afinal, como está a espiritualidade
da humanidade
no século XXI?
Nascemos e crescemos
a aprender que
temos de ter um bom
emprego, para ganharmos
um bom ordenado,
para podermos adquirir
os bens que bem
entendemos. O foco é
o trabalho e a estabilidade.
E as redes
sociais aliciam ainda
mais esta vontade
de querer exibir uma
qualidade de vida rica.
2020 foi um ano que
testou os limites de
todos os seres humanos.
Aquilo que temos
de mais valor foi posto
em causa: a nossa
vida. A nossa e a de
todos os que nos rodeiam
e têm algum
valor de importância
para nós. Fomos forçados
a parar. Limitados
às divisões da nossa
casa, tivemos de nos
reinventar, o que nos
fez questionar muitas
coisas, nomeadamente
a forma como vivemos.
Questionamo-
-nos sobre aquilo que
realmente é essencial
para o nosso bem-
-estar, não só físico,
mas também psicológico.
Que lugar ocupa
a crença nesta pausa?
Como está a nossa fé?
“A fé dá sentido à
vida de muitas pessoas,
ilumina as suas
consciências na tomada
de decisões oportunas
e acertadas, fortalece
as decisões da
vontade e impulsiona
o coração a amar lucidamente”,
afirma o
padre Georgino Rocha.
O membro do Conselho
Diocesano de
Pastoral, em conversa
com o À Vista, esclareceu
que as pessoas
não estão menos religiosas.
Podem estar
menos ativas na manifestação
pública dos
sinais de fé, mas no
que toca à relação que
cada um tem com as
suas crenças, com as
suas convicções interiores
e pessoais, essa
cresceu. Toda a pessoa
vive uma relação
com aquilo em que
acredita semelhante
à de um filho com
a mãe, compara o padre
Georgino Rocha.
“Se acredita em
Maomé, se acredita
no Buda, se acredita
na igreja católica,
no Papa… bem,
há sempre uma
relação. Ninguém
é feliz sozinho. A
religião não é algo
individualista. A
religião quer dizer,
precisamente, que
a pessoa está ligada
à sua própria
crença. E, nesse
sentido, todos somos
crentes.”
Todo o ser humano
está ligado à religião,
no sentido em
que, cada um de nós
vive uma relação com
alguém, com a natureza.
A sociedade, em
particular a portuguesa,
está a passar por
uma fase de mudança
no que toca ao campo
religioso. Tem-se banido
do espaço público
os sinais religiosos.
Nesse sentido, e tal
como Georgino Rocha
diz, “está menos religiosa
e mais secularista”
Ou seja, a afirmação
do temporal,
do material, do individual
e do económico.
Tudo o que é institucional
está a diminuir
e o que é individual
está a crescer, o que
origina grupos de todas
as crenças e ritos.
O membro do Conselho
Presbiteral compara
a fé à semente
lançada à terra: se não
for cuidada, não germina
e definha. Acredita,
por isso, que a
fé é um dom que se
acolhe e desenvolve.
A importância que
cada um atribui à religião
depende, sobretudo,
da semente
que é plantada e de
como é cuidada. E,
nesse sentido, o padre
explica que a atitude da
pessoa, do ambiente
familiar e do grupo de
amigos/as influenciam
o crescer ou não desta
semente que é a fé.
“É como a semente
que germina e
cresce com normalidade,
mas tem
a segurança, especialmente
nas
raízes. Mantém-se
firme, apesar das
adversidades.”
Muitas das vezes, no
que diz respeito à religião,
em especial a
católica, as pessoas
parecem questionar
a sua atualidade.
Estará a igreja a
pregar ensinamentos
que na época faziam
sentido, mas que
agora não encaixam?
32
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
imagem: Mariana Vilas Boas
Ou irão estes sermões
muito à frente
da capacidade
interpretativa da sociedade?
Está a igreja
a acompanhar a evolução
da humanidade?
Georgino Rocha responde
a esta última
questão com um meio
termo: sim e não. No
que toca ao sistema
de pensamentos,
reflexões e ensinamentos,
a religião católica
tem um conjunto
de princípios que
vão muito à frente da
ação da igreja na área
quer social, quer política,
quer económica,
quer cultural, não
é suficientemente divulgada
para dar azo à
criação de grupos de
reflexão, intervenção
e questionamento, sejam
eles constituídos
por cristãos ou não.
“Acredito que o
diálogo entre a
sociedade e a igreja,
e a igreja e a
sociedade, já está,
em alguns campos,
a dar frutos mas,
na maioria, tem de
ser intensificado
para que, partilhando
o que cada
um tem de melhor,
a humanidade saia
enriquecida”
A COVID-19 veio colocar
à vista do mundo
as pandemias que
já existiam na comunidade.
A maior de todas
é a indiferença de uns
para com os outros,
diz o Assistente da
Comissão Diocesana
Justiça e Paz. Cada um
vive para si e isso está
a minar a sociedade. O
egoísmo e o individualismo
é algo presente
nas pessoas, consequente
de uma mentalidade
capitalista. E
não só na economia,
mas também nos saberes.
Georgino Rocha
levanta ainda algumas
questões: Que sentido
tem a nossa vida?
O que é que andamos
aqui a fazer? Para
onde caminhamos?
Qual vai ser o nosso
fim? Que aspirações
deixamos silenciadas
no coração, na consciência
e exteriorizamos
apenas aparências?
“O Covid-19, infelizmente,
é um
vírus que se transmuta,
e atrás dele
virão outros…
Causarão imensos
estragos à humanidade,
também
ajudando-a a descobrir
as capacidades
adormecidas
que tem dentro de
si”
A pandemia da CO-
VID-19 tornou-se
numa oportunidade
para cada um repensar
a sua fé. Fez com
que as pessoas percebessem
que são
frágeis e que os pilares
da sociedade são
pouco firmes. Por outro
lado, esta pandemia
reativou o lado
comunitário da humanidade.
Mobilizaram-
-se recursos: todos os
profissionais de saúde
e voluntários que se
colocaram a serviço,
a definição de novas
regras de comportamento
e o seu cumprimento,
os centros
de investigação para
a vacina, entre outros.
Em tempos de
pandemia a prática
da religião também se
reinventou e, segundo
o padre Geogiano
Rocha, “é de presumir
que a fé se venha
a purificar, a ser mais
autêntica, e até a difundir”
Acredita que
“agora as pessoas
sentem-se mais igreja,
porque a igreja é
esta relação de proximidade.
É esta ajuda
humanitária, é esta
certeza de que a sorte
do meu irmão (meu
irmão, ser humano),
está também nas minhas
mãos. É esse,
por exemplo, o sentido
da máscara. Estamos
a descobrir uma
nova fase da humanidade”
É possível que
a Igreja saia da pandemia
mais renovada
e influente na humanização
da sociedade,
apesar de menos vistosa,
acredita o membro
do Conselho Diocesano
de Pastoral.
Numa era em
que parecemos ser aliciados
pelos slogans e
títulos, parecem ser
poucos os que procuram
uma consciência
esclarecida. Neste
sentido, o padre Georgiano
Rocha deixou
uma mensagem importante
sobre aquele
que é o caminho do
ser humano. Afirma
que cada pessoa não
é apenas um indivíduo.
É um indivíduo
em relação e esta relação
é fruto de laços.
Esses laços unem-
-nos uns aos outros
e o primeiro de todos,
é o sermos humanos.
É ter uma dignidade.
É viver em liberdade.
É poder partilhar
os bens. É querer uma
economia social adequada
para que todos
tenham acesso ao indispensável
para viver.
Portugal é um país
predominantemente
católico e, apesar de
a sociedade parecer
estar cada vez menos
ligada à espiritualidade,
a verdade é que
apenas se está a tornar
mais pessoal e liberal
a escolha e prática
da crença de cada
um. Nas palavras de
Georgino Rocha “Hoje
cada um procura seguir
a sua ideia” e isso
não quer dizer que a fé
das pessoas diminuiu.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
33
Sociedade
montagem: Mariana Vilas Boas
Trabalho, sustentabilidade, democracia.
O primeiro dia da Web Summit em revista
João Brandão e Soraia Amaral
Do Rossio dos Olivais
para o ecrã de um
computador, a Web
Summit arrancou, no
dia 3 de dezembro,
muito diferente do habitual.
Nem de propósito,
foi a tecnologia,
que o evento tanto
discute e promove, a
solucionar a impossibilidade
de o certame
ser realizado no formato
presencial – assim
o impôs a pandemia
de COVID-19.
À espera de mais
de 800 oradores, 100
mil participantes e 2
mil startups, a grande
conferência que Lisboa
acolhe desde 2016
cumpriu o seu primeiro
dia com quase dez horas
de eventos online.
Com a passagem
para o online, passamos
em revista o que
mudou no funcionamento
da conferência
e espreitamos, claro,
várias das suas sessões.
Ouvimos Cal
Henderson (Slack) a
assegurar que “vai
mudar para sempre”
a sensação de ir para
o trabalho, Kara Hurst
(AMAzon) a apresentar
o “Climate Pledge” que
junta 1.200 empresas
em torno de objetivos
de sustentabilidade
ambiental, ou o neto
de Nelson Mandela a
defender que “quando
se fica sem opções,
o protesto é a via”.
Uma Web Summit
com muitas novidades
O formato online
da mega-conferência
tecnológica está
recheado de interatividade
e, claro, de
muitas novidades.
Este ano, os palcos
habituais foram substituídos
por seis canais:
o “Central”, que substitui
o palco principal
da conferência, o dos
“Criadores”, um dedicado
à “Sociedade” e
a várias problemáticas
associadas, outro
para os ”Construtores”
e outro ainda exclusivamente
dedicado a
“Portugal” – uma das
novidades da edição
deste ano – pelo qual
vão passar dezenas
de oradores nacionais
das mais variadas áreas:
do cinema ao futebol,
passando pela
música ou pela política.
Há ainda um canal
dedicado em exclusivo
à formação com
especialistas, através
das “Masterclasses”.
O espetador tem a
liberdade de navegar
pelos canais e assistir
às conferências que
deseja, sem um guia
obrigatório.
Durante as mesas
redondas, que se debruçam
sobre as mais
diversas temáticas,
os internautas podem
interagir e participar,
algumas destas salas
encontram-se inseridas
nas denominadas
“salas de parceiros” do
evento.
O chat permanente
é novidade. Durante
todas conferências,
existe um espaço
de conversação onde
os espetadores podem
interagir entre si
34
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
e reagir ao que é dito,
o que torna a experiência
mais dinâmica.
Para além disto,
existe o Mingle – uma
ferramenta que mimetiza
o funcionamento
das aplicações de
speed dating para colocar
os participantes
do evento em contacto
durante 3 minutos. O
match é aleatório, no
entanto, a aplicação
tenta escolher alguém
que se assemelhe
ao perfil e preferências
do internauta.
Nos chamados “Q&A”
– sessões de perguntas
e respostas -, os
espetadores têm a
oportunidade de interagir
e fazer questões
em direto a alguns
dos muitos oradores
presentes no evento.
“
Tech
saves lives
”
Paddy Cosgrave, CEO
e fundador da Web
Summit, esteve, como
é habitual, no arranque
do evento, que se
realizou 100% online. O
CEO disse estar verdadeiramente
entusiasmado
por abrir mais
uma edição de um
evento que tem como
objetivo “fazer ouvir as
pessoas mais incríveis
por todo o mundo”.
Filomena Cautela foi
a primeira a estrear o
palco virtual da conferência.
A apresentadora
da RTP foi mestre
de cerimônias e
vai apresentar todas
as sessões do evento
no decorrer dos três
dias. António Costa
e Fernando Medina
também participaram
na sessão, para
reforçarem a ideia de
que Portugal quer ser
um polo de inovação.
O primeiro-ministro
iniciou a mensagem
de boas-vindas à Web
Summit num registo
de proximidade, embora
só visível através
do ecrã: “aqui estamos
nós, juntos, nestes
três dias de conferência
digital”. Com
cerca de 6 mil pessoas
de olhos postos em
si, o chefe de Governo
aproveitou para referir
que “2020 é um ano
marcado pela pandemia
de COVID-19, mas
2020 não é só sobre
isso. Foi um ano em
que Portugal passou
para a liga dos campeões
da inovação”.
Depois do muito discutido
apoio do Erário
Público ao evento, o
presidente da Câmara
de Lisboa, Fernando
Medina, aproveitou a
cerimónia de abertura
para reafirmar que
“eventos como a Web
Summit são necessários,
mais do que nunca”.
Referiu ainda a esperança
e confiança de
que em 2021 a cidade
receberá os participantes
da cimeira in loco.
Ursula von der Leyen
foi a oradora que se
seguiu e começou por
dizer “tech saves lives”,
ou, na versão portuguesa,
“a tecnologia
salva vidas”. Este foi
o ponto de partida do
discurso da presidente
da Comissão Europeia,
que apresentou
um olhar otimista
quanto ao futuro. Falou-se
numa “remodelação
do mundo de
uma nova e melhor
forma” e de dados que
revelam 2020 como
um ano de enorme
sucesso para as empresas
tecnológicas
europeias que apresentaram
um crescimento
significativo.
Cal Henderson e o
futuro do trabalho
Dos mais novos aos
mais velhos, todos viram
a realidade interrompida
com o aparecimento
da COVID-19.
Assim, surgem, inevitavelmente,
questões
sobre o futuro
do mundo do trabalho
como o conhecíamos.
O co-criador do Slack,
uma plataforma
que oferece salas de
conversação organizadas
por tópicos, grupos
privados e mensagens
diretas, foi, nesse
contexto, um dos primeiros
a passar pelo
“palco principal” da
Web Summit para falar
sobre “O Trabalho
depois da crise”. Em
conversa com a jornalista
Jemima Kiss,
Henderson falou desta
plataforma que se
apresenta como “uma
nova forma de comunicar
com a sua equipa”,
considerando-a
“mais rápida, melhor
organizada e mais segura
que o email”.
Numa fase em que
todos somos estimulados
a ficar em
casa, falou-se no futuro
do trabalho remoto
e híbrido: será
que veio para ficar?
Cal Henderson, o CTO
do Slack, expôs algumas
das suas convicções
sobre o tema. O
programador acredita
que para existir evolução,
as empresas têm
de se moldar e aderir
ao trabalho híbrido.
Assim, os escritórios
tornar-se-ão meros
locais colaborativos.
“O escritório como o
conhecemos vai mudar
e deverá singrar,
de forma ampla, a flexibilidade
no trabalho,
além do trabalho
remoto e híbrido, que
veio para ficar para
sempre”, afirmou Cal
Henderson. Com este
novo formato, as relações
interpessoais,
em contexto laboral,
podem sair ameaçadas.
A propósito, o
CTO do Slack anunciou
que está a tentar
soluções para esta
questão. Até porque,
diz: “A sensação de
ir para o trabalho vai
mudar para sempre
após este período”.
Se os modelos de
execução de ofícios
mudou, a forma
como o trabalhador
projeta o ideal de
exercício de funções
também. global que
assinala que apenas
22% dos trabalhadores
em esO programador
fez referência
a um estudo
critórios preferem voltar
a tempo inteiro
para o habitual local
de trabalho, em escritórios,
após a pandemia.
Os restantes
78% têm preferência
pelo modelo híbrido.
“Faz sentido dar
mais flexibilidade de
horários às pessoas
em casa e fomentar
a colaboração conjunta
no escritório,
as empresas devem
focar-se em resultados
e não em horários
se não querem
ficar para trás”, declarou
Cal Henderson.
O empreendedor
considera que a utilização
das ferramentas
que o mundo digital
nos oferece no
À Vista | 11 de janeiro de 2021
35
Sociedade
que concerne ao mundo
do trabalho “são
aprendizagens que
vão tornar as organizações
mais fortes
após a pandemia”.
O programador lança
ainda um presságio:
“O email vai ser substituído
por canais de
comunicação, como o
Slack, e espero que optem
por nós”. A forma
como comunicamos
está em constante
evolução e transmutação,
serão os canais
de comunicação como
o Slack o próximo passo?
É o que veremos.
Mais sustentabilidade
na mobilidade
O tema da sustentabilidade
está nas bocas
do mundo. É cada vez
mais imperativo caminhar
em direção a uma
dimensão mais amiga
do ambiente. Sobretudo
gigantes tecnológicas
cujos serviços
dependem fortemente
da mobilidade. Foi sobre
isso que falaram
Kara Hurst, da Amazon,
Juan de Antonio,
da Cabify, e um alto
representante do Governo
britânico, Nigel
Topping, na conferência
“Investindo
no clima do futuro”.
A norte-americana
Amazon, pela sua parte,
anunciou que tem
2 milhões de euros
para investir em tecnologias
que visem a
sustentabilidade. Kara
Hurst, responsável
pelo departamento de
Sustentabilidade da
empresa, aponta para
a iniciativa da qual é
cofundadora, a “Climate
Pledge”, como
impulso de grandes
mudanças e avanços
para empresas de todo
o mundo. O programa,
que nasceu em 2015,
conta com a parceria
de 1.200 empresas
e curadoria de sete
Organizações Não-
-Governamentais. Os
envolvidos assumem
o compromisso de
atingir zero emissões
de carbono em 2040.
Entre as empresas
parceiras encontram-
-se a Cabify, que Juan
de Antonio frisou estar
a cumprir o segundo
ano consecitivo de
neutralidade carbónica.
De forma a reduzir
o impacto de carbono
da frota de entregas
da Amazon, a empresa
já encomendou
cerca de 100 mil veículos
elétricos. A encomenda
foi realizada
a uma empresa americana
especialista em
produção de carrinhas
elétricas para diminuir
a pegada de carbono,
assegurou Hurst.
Foi também com
grande entusiasmo
que Kara Hurst anunciou
algumas novidades,
como um parque
eólico na Suécia, “a
maior instalação de
energia solar” da empresa
no Reino Unido
e o “primeiro grande
projeto de energia renovável
em Espanha”.
A multinacional
americana diz ter 90
projetos de sustentabilidade
em curso.
Apesar de o compromisso
aspirar a 80%
de operação energética
renovável até 2024
e 100% até 2030, a
meta está a ser projetada
para atingir os
100% no ano de 2025.
Vera Jourová
e a democracia na
Europa
“A maior ameaça à
democracia é acharmos
que não funciona”.
Foi neste tom que Vera
Jourová, vice-presidente
para os Valores
e a Transparência na
Comissão Europeia,
começou por abordar o
contexto político atual
da Europa, no qual
têm emergido forças
políticas mais extremadas
e anti-sistema.
Na sessão “Defendendo
a democracia na
Europa”, moderada por
Shona Ghosh, jornalista
do Business Insider,
a política checa
considerou que é
preciso um trabalho
dos diferentes países
para mostrarem que
os regimes democráticos
estão bem de
saúde e que se recomendam.
“Como? Lutando
contra a desinformação,
contra os
extremismos, contra
a violência”, afirmou.
A Internet e a World
Wide Web foram ainda
capítulos abordados
nesta conferência. Isto,
porque Vera Jourová
tende a descrever este
espaço abstrato como
o principal meio de
propagação dos fenómenos
mencionados.
Contra toda esta
nova corrente que parece
provocar discórdias
e bipolarizar a
sociedade moderna,
a entrevistada refere
que é importante que
cada um de nós mantenha
bem presente a
História e o que nos
trouxe a este sistema
ao qual chamamos
democracia: “Não esqueçamos
o que vivemos
para chegar à
democracia”, notou.
Adiar a questão e
correr o risco de mais
países aderirem a esta
tendência é navegar em
correntes perigosas na
visão da representante
da Comissão Europeia:
“Ignorar não é a solução,
mas sim corrigir
e lutar contra opiniões
destas [extremistas]”.
Por isso, concluiu, “é
assunto para tratar
hoje e não amanhã”.
O poder dos jovens
contra a injustiça
sistémica
Ainda no canal “central”,
houve espaço
para falar de opressão
e mudança. O
neto de Nelson Mandela,
Siyabulela Mandela,
ativista dos direitos
humanos e da
paz, Modupe Odele,
co-fundadora da
“End SARS Legal Aid”
e Femi Kuti, músico
nigeriano que também
se afirma como
arrivista político, e
Sabrina Saddiqui,
jornalista do “The
Wall Street Journal”,
conversaram sobre
injustiça sistémica
na sessão “Silêncio
= Violência”.
Siyabulela Mandela,
para quem “quando se
fica sem opções, o protesto
é a via”, foi a voz
mais ativa deste painel
e ressalvou a “responsabilidade
em criar um
movimento imparável
contra a injustiça”. Na
sua opinião, “todos os
seres humanos têm
uma escolha entre dar
a mão ao próximo e
lutar contra os opressores
ou de se calar
e, dessa forma, não
ajudar os oprimidos.
Como é do conhecimento
geral, “muitos
africanos vivem
oprimidos pelos
seus próprios governos”.
Neste capítulo,
Siyabulela Mandela
apelou ao “protesto
e para que os oprimidos
nunca se esqueçam
que há sempre
uma opção e que eles
também têm poder”.
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À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
“Façam-se ouvir
sempre que houver
opressão”, apelou por
seu turno Femi Kuti. O
músico espelhou uma
visão menos romântica
sobre esta questão.
Para o nigeriano “vai
sempre haver opressão,
não éw algo recente
e vai ser algo
que vai durar mesmo
quando” a sua geração
“deixar de existir”.
“Nós temos a responsabilidade
de lutar,
temos a responsabilidade
de ser honestos,
mas sobretudo deveríamos
ter a necessidade
de viver num
mundo sem injustiça”,
disse ainda o músico.
Por último, Kuti
abordou um assunto
bastante sensível ao
referir que o continente
africano não produz
armamento. O armamento,
esse, “chega
por intermédio dos Estados
Unidos da América
e Rússia para que
depois possam ficar
com os nosso recursos
de graça”, acusou.
Esta afirmação veio
no sentido de apelar
a um protesto sem
armas, porque para
obter resultados, tais
objetos não são necessários,
defendeu.
Já Modupe Odele,
co-fundadora do movimento
“End SARS
Legal Aid” – que luta
contraa brutalidade
policial na Nigéria – “as
pessoas têm que entender
que desempenham
um papel importante
nos governos”.
Por outro lado, o voto
de cada um dos cidadãos
conta no dia das
eleições, a voz de cada
um deles conta no dia
do protesto. Como tal,
Modupe Odele encoraja
cada um a levantar-
-se e a perceber a sua
importância na defesa
de qualquer causa.
“Os governos de hoje
já conhecem melhor a
nova realidade. Os jovens
não têm medo
de dizer o que pensam”.
Neste sentido,
há melhoras, mas que
para Modupe “não são
suficientes”, já que as
pessoas apenas se habituam
às suas realidades.
Nâo pelo facto
de não conhecerem
outra realidade, mas
pelo medo que os
imobiliza perante uma
potencial revolução.
Web Summit: Fundador da Impossible
Foods decreta “game over” para a indústria
da carne
Alimentação de base
vegetal e mais sustentável.
Patrick O’Reilly
Brown, professor, fundador
e CEO da empresa
norte-americana
Impossible Foods
garante que a lista de
produtos à base de
plantas com sabor a
carne irá aumentar.
O vegetarianismo
está em voga e se, em
tempos remotos, as
alternativas à alimentação
de base animal
eram escassas, o Homem
faz agora uso da
tecnologia para reinventar
a forma de se
alimentar. O fundador
e CEO da Impossible
Foods, Patrick O’Reily
Brown, marcou presença
no último dia da
Web Summit para falar
sobre a origem da
startup – incluída pela
revista “Time” no seu
ranking de empresas
“Genius” – e a forma
como são feitos os
hambúrgueres 100%
vegetais da marca.
Com sede em Silicon
Valley, na California, a
Impossible Foods nasceu
em 2011 para produzir
alimentos feitos
através de plantas,
para substituirem a
carne. O objetivo dos
hambúrgueres da Impossible
Foods é “sangrarem”
como a carne,
saberem a carne, sem
serem carne. “O problema
não é que as
pessoas adorem carne,
o problema é que estamos
a usar a tecnologia
errada”, afirmou
Patrick O’Reilly Brown.
A Impossible já é
presença assídua nos
supermercados e restaurantes
norte-americanos
e acabou de
receber autorização
de comercialização no
Canadá. Atualmente,
a firma aguarda autorização
para os seus
produtos serem comercializados
na União
Europeia, mas o líder
da empresa não duvida
de que se trata já do
início de uma nova era.
Com a expansão
global em vista, a ida
para a China figura no
roteiro da empresa e
está prevista para o
próximo ano.“A nossa
missão é substituir
por completo a
utilização de animais
como tecnologia agroalimentar,
globalmente,
até 2035”, afirmou
o CEO da Impossible
Foods na conferência.
Brown conta que o
projeto está focado
neste objetivo e considera-o
“totalmente
fazível”. “Temos estado
o a trabalhar nisso
desde o início
como o maior problema
científico no
mundo”, acrescentou.
A investigação da empresa,
a que Brown
deu início, é feita no
sentido de entender,
em termos moleculares,
o que torna a
carne tão saborosa
para ser possível
ter ingredientes pre
cisos, de fontes
imagem: IMPOSSIBLE FOODS
vegetais sustentáveis,
para conseguirem proporcionar
“essa experiência
deliciosa”.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
37
Sociedade
A Impossible Foods
não foi pioneira no
desenvolvimento de
hambúrgueres de origem
vegetal, mas pertence
a uma nova geração
de marcas que
recorrem a novos processos
para oferecer
ao consumidor o tal
hambúrguer que “sangra”
como carne, tem
a textura da carne e
sabe a carne, mas sem
a ter na verdade. O
segredo? Uma combinação
de diversos
vegetais e uma proteína
chamada “heme”
que é extraída da soja.
O heme é conhecido
como o ”ingrediente
secreto”, que torna
os hambúrgueres vegetais
tão idênticos à
carne, que se tornam
difíceis de distinguir
pelo olhar e palato.
“A soja pode conter
mais 60% de proteínas
que a carne de vaca”,
disse ainda Brown a
propósito do valor nutricional
dos produtos
desenvolvidos pela
empresa. E acrescentou:
“A qualidade
proteica dos nossos
produtos não têm paralelo
com o valor proteico
dos bifes”, sublinhando
ainda que a
produção de produtos
vegetais que simulam
a “carne” possuem a
vantagem de serem
baixos em gordura e
não estarem sujeitos
aos antibióticos que
os animais consomem.
Em suma, acredita, “é
um game over para
a indústria da carne.
Eles é que ainda não
perceberam”, afirmou.
Em 2016, foi lançado o
primeiro produto vegan
da marca e atualmente
o “menu” conta
com imitações de
hambúrgueres, carne
de porco e almondegas,
exclusivamente
confecionados com
substâncias de origem
vegetal. Segundo
o fundador da empresa
norte-americana, o
pipeline no cardápio
saudável irá aumentar.
Jay-Z e Katy Perry
entre investidores
Nesta fase, a questão
que surge é: será que
os hambúrgueres da
Impossible Foods são
o suficiente para converter
os adeptos da
carne? “A estratégia é
muito simples: tentamos
convencer as
pessoas a provarem
a primeira vez. Mais
de 75% das pessoas
que provam [os hambúrgueres
da marca]
tornam-se consumidores”,
afirma Brown.
Patrick O’Reilly é gestor,
no entanto, sempre
se assumiu mais
interessado em resolver
o problema da
produção de carne no
contexto da indústria
agroalimentar e o impacto
ambiental da
mesma. Diz que isso
é mais importante do
que o dinheiro, pelo
que tem-se afastado,
pelo menos a “curto
prazo”, de uma potencial
entrada em bolsa
da Impossible Foods.
Em agosto de 2020, a
agrotech fechou mais
uma ronda de investimento
de 200 milhões
de dólares (cerca de
165 milhões de euros),
menos de seis meses
depois de ter fechado
a maior angariação
de investimento já feita
por uma startup de
tecnologia alimentar.
Desde a fundação da
empresa, a Impossible
Foods já reuniu um total
de de aproximadamente
1,2 mil milhões
de euros de investimento.
Entre o grupo
de investidores da
Impossible Foods estão
caras conhecidas
como Jay-Z, Katy Perry,
Horizons Ventures,
Temasek, entre outros.
Além do lucro relacionado
com a venda
de produtos alimentares
de origem vegetal,
a Impossible tem
a expectativa de contribuir
para a redução
das emissões de gases
poluentes como
o metano, produzido
pelo gado, e de travar
o desmatamento de
terrenos para passarem
a pastagens para
o gado. Patrick O’Reilly
Brown acredita que
este é um “imperativo
mundial”, que tem
de ser seguido para
o bem da humanidade
e do planeta Terra.
Estará o futuro da proteína
de origem animal
com os dias contados?
O consumidor ajudará,
seguramente, a decidir.
imagem: IMPOSSIBLE FOODS
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À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
Falsos Moralistas Arrogantes
Crónica
Mariana Vilas Boas
Outro dia, precisava
de apanhar
o comboio em
direção ao Porto. Sou
a típica pessoa da sociedade
do século XXI
que vive numa cidade
e trabalha noutra. Entre
as mil e uma coisas
que escolho ter para
fazer, tenho de realizar
viagens de mobilidade.
Desta vez, estava na
estação de comboios,
sentada na sala de espera,
até chegarem as
08h32. Como é hábito
- correção *vício* -
de todos nós, enquanto
esperava, estava a
vaguear pelas redes
sociais. Visto que já
tínhamos entrado na
época natalícia comercial,
podem imaginar
a quantidade de vídeos
de árvores de natal
e músicas da Mariah
Carey que andavam a
circular no meu feed.
Esta é a época em que
todos têm um bom
coração. Os pobres reaparecem
como problema
da sociedade e
todos se preocupam
e contribuem para erradicar
a fome. A Popota
e a Leopoldina
vêm encantar o mundo
real com o mundo
dos brinquedos e
por aí fora. No fundo,
as pessoas ligam
o seu lado humanístico,
sensivelmente,
durante 2 meses (novembro
e dezembro).
Mas, voltando ao vaguear
das redes sociais,
ao visualizar as
histórias no meu perfil
do instagram, reparei
que um vídeo estava
sempre a ser partilhado
pelas mais diversas
pessoas. O clipe inicial
era a cara de um
bebé e a conta era da
Dodot. O meu pensamento
foi “Oh, a Dodot
fez um reclame
de Natal, aposto que
vou chorar..”. Fui até à
conta da marca para
o ver. Emocionei-me.
Não em lágrimas de
pena, mas de espanto,
respeito e sincera solidariedade.
Decidi partilhar
o vídeo. Falava
sobre bebés prematuros
e relembrava os
heróis que estes seres
são. O vídeo foi lançado
no Dia Mundial dos
Bebés Prematuros e,
como forma de apoio,
a marca estava a doar
fraldas a estes bebés,
que nascem antes do
tempo. Na descrição
da publicação, a Dodot
incentivava as pessoas
a juntarem-se à
causa e anunciou que
por cada partilha através
de um instastory,
identificando a marca,
eles doariam 1€ a uma
associação ligada ao
apoio às famílias com
bebés prematuros. No
entanto, o valor máximo
a ser doado seriam
10 000€. Eu fiquei comovida
e grande parte
das pessoas que eu
sigo também porque
todas foram partilhando
o vídeo. E pensei
“fogo, esta campanha
não é natalícia - como
seria de esperar - ,
mas relembrou a alma
e coração bom que temos
dentro de nós.”
O dia passou e no
regresso a casa, na segunda
viagem de comboio
que fiz, deparei-
-me com um grupo
de amigos a comentar
o vídeo da Dodot. Falavam
de má publicidade,
de uma publicidade
de nojo, suja e
que a marca devia ter
vergonha por utilizar
uma causa tão nobre
para uma estratégia de
marketing. Aqui deu-
-me um clique: “Pois.
Aquilo é um vídeo publicitário…”
Ainda assim,
queria entender
melhor quais as razões
que lhes estavam
a causar aquela comichão
toda, por isso,
continuei a ouvir. Comentaram
o quão ridículo
era uma marca
que lucrava milhões
de euros ter o descaramento
de doar uns
míseros 10 000€. Que
era ridículo fazerem as
pessoas partilharem a
história, como modo
de ganhar visibilidade.
Que, quando se doa,
não se precisa de dizer
que se vai doar, pois
isso já nem é doar.
Que não era justo. E
no meio desta argumentação
falaram da
revolta gerada no twitter,
claro, e na crítica
que algumas figuras
públicas já tinham feito
à marca. E eu pensei,
“Fogo, como é que
eu não me apercebi
disto.” E, logo a seguir
a esta reflexão interior,
um dos rapazes
do grupo diz “E pior
são as pessoas que
feitas palermas caem
nesta esparrela. Continuem
a partilhar…” E
eu pensei: ”Ai, eu sou
uma destas palermas.”
Mas, será que sou?
Eu vou pouco na
cantiga dos outros,
muito menos se a
cantiga é ,predominantemente,
cantada
nas redes sociais.
Exijo a mim própria
uma análise do panorama
geral. Procuro
opiniões divergentes
para ver os dois lados
da moeda e formar a
minha opinião de uma
forma mais coerente,
algo que todos deveríamos
fazer mais.
É que assim não
via tanta porcaria escrita,
e a verdade é
que o copyright está
a ficar fora de moda.
á há demasiado
tempo que parecemos
engolir tudo e é como
aquela expressão nos
diz: “À primeira qualquer
um cai, à segunda
só cai quem quer e
à terceira só cai quem
é burro”. Mas quê? Somos
todos burros? É
o que parecemos. Vemos
UM post numa
rede social sobre algo
e já assumimos como
verdade absoluta, partilhamos
aquilo com
meio mundo e depois
meio mundo também
toma aquilo como
verdade absoluta e
andamos nisto: a espalhar
falsas verdades.
Bom, mas também
não é bem este
o cerne da questão.
Assim, muito resumidinho,
aquilo que
me fez comichão nesta
situação foi a falta de
moralismo e coerência
de uma sociedade que
está repleta de falsos
moralistas arrogantes,
donos da razão.
Em primeiro lugar,
a facilidade com que
se cria uma onda de
ódio contra algo, sem
se parar para refletir
e analisar todo o cenário.
A velocidade e
ansiedade com que vivemos
impede-nos de
ver para além do óbvio,
e isso é grave. Depois,
também reparei
no pormenor da diminuição
e ridicularização
atribuída àqueles
que partilharam o vídeo.
Primeiro, ninguém
é ridículo por querer
fazer uma boa ação.
Segundo, ridículo
é o capitalismo que
nos engole a todos,
sem muitas das vezes
nos apercebermos.
E terceiro, aqui vai
uma pergunta: Quando
foi a última vez que praticaste
uma boa ação?
Que doaste dinheiro
a alguma causa nobre
ou te voluntariaste
para alguma ação social?
E criticamos uma
marca por fazê-lo...
Ainda que seja pouco
comparativamente
ao seu lucro, ainda
que seja em troca de
visibilidade, não deixa
de ser uma boa
ação. Com isto não
estou a dizer que a
Dodot esteve 100%
À Vista | 11 de janeiro de 2021
39
Sociedade
bem, mas também não
esteve 100% mal. Afinal,
há quanto tempo
não nos lembrávamos
da luta pelas quais
os bebés prematuros
passam? Se vivemos
numa sociedade capitalista
que coloca o
dinheiro acima de tudo
e que nos manipula,
nomeadamente com
causas sociais, para
sermos ainda mais engolidos
por ele? Sim.
Se devemos lutar contra
isso? Sim. Por isso,
não acho que as pessoas
que se manifestaram
contra o marketing
da Dodot estejam
mal, mas temos de
ser mais coerentes.
Ou não vamos revoltar-nos
contra todas
as campanhas solidárias
de natal que utilizam
a solidariedade
da época para aumentar
o consumismo?
Desde a Leopoldina,
às meias da Calzedonia,
e por aí fora... Ou
como é Natal, aí já
ninguém leva a mal?
AFPAD: Uma manhã diferente
Mariana Vilas Boas
imagem: Mariana Vilas Boas
Faltam 10 minutos
para baterem,
no relógio,
as 10 horas da manhã
e a altura de se ambientarem
começa a
terminar. Depois dos
bons-dias, é tempo de
porem mãos ao trabalho.
E que rico trabalho
fazem estes jovens
e adultos que, muitas
das vezes, são esquecidos
ou postos de
lado pela sociedade.
Estamos no CAO
- Centro de Atividades
Ocupacionais da
AFPAD - Associação
Famalicense de Apoio
e Prevenção à Deficiência.
Por aqui passam,
diariamente,
cerca de 30 jovens e
adultos com deficiências.
Um espaço que
se torna o seu trabalho,
como o de qualquer
um de nós. Onde
desenvolvem e estimulam
as suas capacidades
motoras e
mentais. Chegam de
manhã, desfrutam do
seu dia na instituição
e regressam ao
fim da tarde a casa.
Aqui o dia não é passado
a ver televisão ou
a ver a banda passar,
sentados no sofá. Aqui,
todos contribuem para
os trabalhos da instituição.
Hoje, uma
quarta-feira, dia 23 de
dezembro, eles são divididos
em três grupos.
40
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
imagens: Mariana Vilas Boas
Com o Natal à porta,
deseja-se o cheirinho
a doces e a Carolina e
a Maria José ocupam
a manhã na cozinha,
a preparar deliciosas
bolachas. A massa não
se quer amanteigada e
chegar à consistência
certa parece ser a tarefa
mais difícil, mas a
persistência e a ajuda
de uma das técnicas
da instituição, Sofia Ribeiro,
leva Maria José
a pôr a massa pronta
a ser trabalhada. Depois
de umas marretadas
e amassadelas,
encosta-se o rolo e
começa-se a moldar.
Desde pinheiros, a bonecos
e estrelas, as
bolachas ganham forma
e são postas no
forno. Duas travessas
inteiras são postas a
cozer, com a ajuda da
cozinheira da instituição.
Já se podem tirar
os aventais de plástico,
as luvas e a rede
do cabelo, está cumprida
a tarefa da Carolina
e da Maria José.
Enquanto as bolachas
estavam a ser
confeccionadas, a
Anabela e o Rui dedicavam-se
à arte da
tapeçaria. É um trabalho
que não parece ser
pêra doce, mas eles
fazem aquilo com uma
perna às costas. Sem
podermos ver o sorriso
no rosto, por causa
da máscara, vemos
o olhar concentrado e
apaixonado, numa tarefa
que exige ritmo,
paciência e atenção.
Cristiano está a terminar
um tapete em tons
castanhos. A Anabela
dá forma a um tapete
branco, através
da técnica do crochê.
Na mesa ao lado, estão
Catarina e Joaquima
cozer e bordar figuras
como cães, gatos e
mochos. Estes panos
estão a ser decorados
para darem forma a almofadas
que servirão
de apoio para muitas
pessoas. A boa disposição,
o convívio e a
interajuda unem-se à
produção de almofadas,
única e exclusivamente,
feitas por eles.
Por fim, o terceiro e
último grupo da manhã
dedica-se às artes.
Neste caso, a arte
da pintura. É com tons
alaranjados e dourados
que Fátima e Fábio
dão cor às suas
formas cerâmicas. Um
trabalho que lhes dá
asas à criatividade.
Depois de pintado, é
altura de deixar aquilo
secar e partir para uma
nova tarefa. Ao longo
de toda a manhã, técnicas
como a Helena,
que está com eles nesta
manhã, auxiliam e
coordenam o trabalho
dos jovens e adultos.
Todos os produtos,
desde os tapetes às
almofadas, é confeccionado
pelos jovens
e adultos da instituição
e, posteriormente,
é vendido ao público
geral. Produtos que
transbordam esforço,
superação, dedicação,
mérito e carinho
daqueles que, muitas
das vezes, e erradamente,
são catalogados
como “incapazes”.
Com as tarefas cumpridas,
ou quase cumpridas,
visto que muitas
exigem várias horas
de trabalho, a pausa
do almoço aproxima-
-se. Antes disso, todos
se reúnem na sala de
ginástica, que foi visitada
pelo Pai Natal
no dia anterior, e posicionam-se
para tirar
fotos de grupo com o
cenário natalício. Parecem
ter nascido para
posar para a câmara.
A máscara tapa
grande parte do rosto,
mas, neste caso, o
olhar vale mais. A genuidade,
a paixão, a
vontade e a boa disposição
definem os
rostos que, na maioria
das ocasiões, passam
despercebidos,
ainda que sejam diferentes
e mais especiais
do que todos nós.
imagens: Mariana Vilas Boas
À Vista | 11 de janeiro de 2021
41
Sociedade
imagens: João Azevedo
“Be My Friend” retrata animais que procuram
um novo lar
Soraia Amaral
Os animais são os
protagonistas.
Be My Friend é
o nome da iniciativa
que procura unir melhores
amigos de norte
a sul do país. O projeto
nasceu nas mãos de
João Azevedo, fotógrafo
coimbrense que
se dedica a retratar
animais em canis que
procuram um novo lar.
O rosto e o olhar dos
animais são o centro
das atenções. O mentor
do projeto, João
Azevedo, desloca-se
a canis e fotografa
os traços característicos
dos bichinhos
de quatro patas, de
forma a promover a
adoção dos mesmos.
Em Portugal são
abandonados mais
de 10 mil animais por
ano, sendo a maioria
cães. Sem uma casa
para morar, vão parar
a canis à espera
de uma oportunidade,
uma nova família, que
pode ou não chegar.
Pequenos ou grandes,
castanhos ou
com pintinhas - a sabedoria
popular chama-lhes
“o melhor
amigo do homem”.
O À Vista esteve à
conversa com o fundador,
que contou que
a primeira sessão da
iniciativa ocorreu em
2015, no Refugio do
Ruff, em Coimbra. No
entanto, as ideias foram
amadurecendo
na gaveta até 2019.
Neste ano, o projeto
renasceu, já como
nome, objetivos, redes
sociais e website.
O Canil Municipal de
Coimbra foi o primeiro
a receber a iniciativa
após esta ressurgir.
O projeto brotou do
gosto pela fotografia
e da vontade de querer
ajudar. Assim, João
pôs “as mãos na massa”
para perceber até
que ponto teria impacto.
“O resultado foi
fantástico, surgiram
imensas partilhas nas
redes sociais e originou
algumas adoções,
foi muito bom”,
afirma o fotógrafo.
42
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Sociedade
Até à data, entre
cães e gatos, João
Azevedo já fotografou
1154 animais.
“ Eu já fotografava
animais em estúdio
e gostava muito
do resultado final,
por isso achei que
podia pôr a arte
ao serviço de uma
causa”
A energia e irrequietude
dos patudos é
peculiaridade distintiva,
daí João afirmar
que “o truque é a paciência”.
Recentemente,
o retratista tem
postado vídeos do
making off para que os
mais curiosos possam
testemunhar parte do
processo. “Dá para ver
que eles estão ali mais
ou menos sossegados,
mas a maioria são tímidos
e como têm
alguns traumas, não
estão muito dispostos
para a sessão fotográfica”,
acrescenta.
Os números indicam
para um aumento das
adoções após a passagem
do profissional de
fotografia pelos centros
de acolhimento.
Já é costume João receber
mensagens de
algumas associações
com a nota de que
“mais uma vez as fotografias
fizeram milagres”.
Cães e gatos que
estavam para adoção
há uma data de anos,
foram adotados após
o Be My Friend ter
dado rosto aos que
muitas vezes são dados
como invisíveis.
O especialista de
fotografia afirma que
quando uma imagem
é “um bocadinho mais
trabalhada”, torna-
-se mais impactante.
“É mais partilhável,
estou a dar-lhe
mais visibilidade e
com mais visibilidade,
mais possibilidades
de adoção”, considera.
“ O que estou a
fazer é dar visibilidade
a animais que
não a tinham”
A expressão e o
olhar são particularidades
muito valorizadas
nos retratos de
João, daí a fotografia
ser mais próxima
do rosto. Já existiram
vários pedidos para
ver mais do corpo do
animal, mas o objetivo
é apanhar o semblante
característico
do mesmo, de forma
a haver mais empatia.
O especialista de
fotografia afirma que
quando uma imagem
é “um bocadinho mais
trabalhada”, torna-
-se mais impactante.
“É mais partilhável,
estou a dar-lhe
mais visibilidade e
com mais visibilidade,
mais possibilidades
de adoção”, considera.
A expressão e o olhar
são particularidades
muito valorizadas nos
retratos de João, daí a
fotografia ser mais próxima
do rosto. Já existiram
vários pedidos
para ver mais do corpo
do animal, mas o objetivo
é apanhar o semblante
característico
do mesmo, de forma
a haver mais empatia.
“ No fundo o objetivo
é humanizá-
-los um bocadinho”
“Eu fui com a ideia
para a primeira sessão
fazer as fotografias
tipo passe, como
nós fazemos para o
bilhete de identidade”,
a expressão do
animal é primordial.
O website do Be My
Friend está recheado
de informações sobre
o projeto, imagens de
animais para adoção,
histórias com finais
felizes e até formas de
ajudar, sem que implique
a adoção. A página
de instagram conta
com cerca de 73 mil
seguidores e chovem
partilhas diariamente.
Unir amigos improváveis
e tornar o presente
incógnito num final
feliz para os camaradas
de quatro patas é
o propósito do Be My
Friend. A adoção é a
efetivação da missão.
O projeto já conseguiu
arranjar uma nova família
para mais de 500
animais abandonados.
O À Vista pediu também
aos seus leitores
a partilha de imagens
dos seus melhores
amigos. Talvez encontres
o teu num dos retratos
da Be My Friend.
leitores do À Vista com os seus animais
À Vista | 11 de janeiro de 2021
43
Economia
imagem: Jornal Económico
Plano de reestruturação da TAP
João Brandão
Pedro Nuno Santos
divulgou (nesta
sexta-feira) o
plano de reestruturação
da TAP. No plano
apresentado, constam
cortes de pessoal, salariais
e de frota, que
têm como finalidade
contrariar uma previsão
de perdas consolidadas
num valor a rondar
os 6,7 mil milhões
de euros até 2025.
As perdas consolidadas
referem-se a
uma perda de receitas,
por parte de empresa
portuguesa, até ao
ano referido. Uma das
maiores razões para
tais perdas é a CO-
VID-19, embora o ministro
das Infraestruturas
e da Habitação
admita que o problema
da companhia aérea
seja já mais antigo.
Quanto ao pessoal,
o plano prevê um
corte de 20%. No final
de 2019, a TAP contava
com 10.000 trabalhadores,
sendo que,
agora, com estas medidas,
2000 deverão
abandonar os quadros
da empresa. Os
abandonos serão feitos
através da não renovação
do contrato,
rescisões do contrato
por mútuo acordo,
contratos a prazo, reformas
antecipadas
ou despedimentos.
Os salários dos que
se mantiverem na empresa
também vão sofrer
alterações. Está
previsto um corte de
25% em salários acima
dos 900 euros. No
entanto, ressalve-se
que esta percentagem
é apenas aplicável
sobre o montante
excesso para além dos
900 euros. Ou seja, se
um empregado receber
1000 euros de salário,
passará agora a
receber apenas 1000
- 100x0,25 = 975. A
frota também vai
enfrentar cortes, já
que das 108 aeronaves
que pertencem, neste
momento, à TAP, o
plano prevê uma redução
para 88 aviões.
Este plano foi desenhado
em conselho de
ministros e vai agora
aguardar a aprovação
de Bruxelas para ser
imposto. Pedro Nuno
Santos relembrou,
também, que pode ser
preciso uma injeção
de capital a rondar os
3725 milhões de euros
até 2024 e que este
plano tem por base
tornar a companhia
aérea viável outra vez.
44
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Economia
imagem: TVI24
Salário mínimo ´ aumenta para 665 euros em
2021 e empresas recebem ajudas
Soraia Amaral
O
salário mínimo,
que era de 635
euros, sobe
30 euros no arranque
de 2021. Contudo, as
empresas não ficaram
de lado, o Governo
preparou um conjunto
de apoios para as
empresas mais afetadas
com a pandemia.
A subida do ordenado
mínimo em Portugal
enquadra-se numa
meta que visa atingir o
valor de 750 euros em
2023. Simultaneamente,
o governo preparou
ajudas para as empresas
mais prejudicadas,
com a criação de um
subsídio a fundo perdido,
de forma a compensar
o aumento dos
encargos com a Taxa
Social Única (TSU).
O que inclui o
salário mínimo
nacional
Quando, popularmente,
falamos de ordenado
mínimo, esse
termo é referente ao
valor base da remuneração
do trabalhador.
Ou seja, não está incluído
nesse montante
o subsídio de alimentação,
ajudas de
custo ou acréscimos
remuneratórios por
trabalho por turnos
ou isenção de horário.
Os subsídios de férias
e de Natal também
não estão incluídos.
Deste modo,
caso sejam pagos em
duodécimos, o valor
dos subsídios
irá ser um acréscimo
à remuneração
base, que não pode
ser inferior a 665€.
Salário mínimo na
Europa
Portugal não tem
alterado a sua posição
no ranking europeu,
permanecendo
um dos países onde
o salário mínimo é
mais baixo, entre os
países da União Europeia
e Área Euro.
Um estudo tornado
público pelo Gabinete
de Estratégia e planeamento
do Ministro
do Trabalho, Solidariedade
e Segurança
Social, baseado no
dados do Eurofound,
aponta o Luxemburgo
como o melhor classificado
na tabela, com
um salário mínimo de
2.071.10€ (3 vezes superior
ao português)
e a Bulgária ocupa o
último lugar da lista,
com uma retribuição
mínima de 286,30.
Portugal ocupava o
12º lugar entre os 22
países da União Europeia
que atualizaram o
salário mínimo por via
legislativa no ano de
2019 (tinha o mais baixo
dos salários classificados
como “nível
médio”). Itália, Áustria,
Dinamarca, Chipre,
Finlândia e Suécia
ficaram fora das
contas, sendo que não
têm retribuição mínima
estatuária ( regem-
-se por wage floors,
ou seja, é em função
do setor de trabalho).
À Vista | 11 de janeiro de 2021
45
Economia
Fontes: Diários da República, Comissão Europeia.
Nota: valores referentes aos 10 anos anteriores, não incluso o ano de 2021.
Portugal fica atrás
de países como Malta,
Grécia e Espanha
( todos de nível médio),
e apenas supera
o grupo de “países
de nível reduzido”.
Ajudas a empresas
O governo divulgou
um conjunto de apoios
direcionados aos setores
que, por terem
uma maior quantidade
de trabalhadores a
receber o salário mínimo,
irão sentir mais
esta subida de salários.
“Os parceiros sociais,
e o Governo não
ignora isso, referiram
que o aumento do salário
mínimo constitui
um aumento de encargos
para as empresas
e é importante assegurar
que tentamos
mitigar esse impacto
assimétrico”, declarou
Pedro Siza Vieira.
A primeira medida
pretende “devolver às
empresas o aumento
dos encargos decorrentes
da subida
do salário mínimo’’.
“Não está em causa
uma isenção ou diminuição
da taxa social
única. Trata-se do pagamento
de um montante
fixo que ajude
a reduzir os encargos
com a subida do salário
mínimo”, afirmou o
Ministro da Economia.
O valor exacto e
o momento exacto
do pagamento ainda
não estão definidos,
mas o Governo espera
conseguir efetuar
o pagamento na totalidade
no primeiro
trimestre de 2021.
Salário mínimo nos diferentes Estados-mebros da União Europeia, 2019
Quadro presente no relatório publicado pelo Gabinete de Estratégia e planeamento do
Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
46 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Economia
E que tal chamarmos
Uber Eats para o
jantar?
imagem: Jornal Económico
Artigo de Opinião
João Brandão
Da próxima vez
que ouvir esta
frase, lembre-
-se do que vai ler
nos seguintes parágrafos
desta crónica.
É uma decisão fácil,
eu sei, mas a situação
dos restaurantes,
essa, já não é assim
tão fácil e temos que
trabalhar em conjunto
para os ajudarmos,
como pudermos, a sobreviver
a esta pandemia
que quase os
destruiu. E não chega
partilhar posts nas
redes sociais com o
hashtag “apãoeágua”…
A Uber Eats é uma
plataforma digital que
permite ao consumidor
encomendar comida
a partir do seu telemóvel.
Apresenta uma
panóplia imensa de
escolhas de restaurantes,
mas o problema
é mais profundo que
isto… Acontece que,
quando se encomenda
algo pela famosa
plataforma, o restaurante
que, na verdade,
lhe prepara a refeição
que vai degustar dentro
de momentos recebe
pouco dinheiro
para o que lhe está
a “colocar na mesa”.
Em pratos limpos, é
simples: imagine-se
que um restaurante
tem no seu menu uma
salada a 12,30 euros.
2,30€ vão diretamente
para o maior beneficiário
do mundo em
forma de IVA, o Estado.
Ora, até aqui tudo
bem, estamos habituados
a doar a esta
instituição sem fins
lucrativos. No entanto,
caso a Uber Eats aplique
uma comissão de
35% sobre a entrega
do produto fica, neste
caso, com 4,30 euros.
Mas como ainda
não é mau o suficiente,
esta comissão está
ainda sujeita à aplicação
do IVA (23%), obrigando
o pobre restaurante
a perder ainda
outro euro sobre as
contas que estamos
aqui a fazer. Contas
feitas, o restaurante
que o deliciou, recebe
uns míseros 4,70
com esta refeição.
Agora, pergunto-lhe:
a Uber Eats veio para
ajudar este setor? Veio,
na minha opinião veio.
Mas neste momento
muito peculiar da sociedade
moderna, está
a ser um inimigo incontrolável.
Isto porque
os restaurantes já
apresentaram cortes
tão grandes durante
este ano, que qualquer
“ajuda” é bem-vinda.
Devíamos era refletir
sobre as opções
que temos. Quase todos
os restaurantes
aplicaram um sistema
de “take-away” para
combater esta tsunami
pandémica. Sei
que lhe custa sair do
conforto de sua casa e
deslocar-se ao restaurante
para ir buscar a
sua comida, mas lembre-se
que se continuar
com a sua preguiça,
daqui a uns meses,
esse seu restaurante
favorito, vai ter que
fechar. A culpa é de
quem? É sua. Não é
do gestor que era filho
do antigo dono e que
apenas arruinou o negócio
de família. É sua.
Portanto, da próxima
vez que ouvir uma
frase idêntica à do título
deste texto que
agora chega a um término,
lembre-se que
tem outras opções e
que talvez até ajudem
mais os restaurantes.
E não se preocupe
com a Uber Eats. De
pobre não tem nada
e foi até das plataformas
que mais cresceu
nas circunstâncias
que a COVID-19 impôs.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
47
As eleições presidenciais dos Estados Unidos da América (EUA) foram um dos momentos chave do ano
2020. Donald Trump e Joe Biden disputaram o lugar na Casa Branca. O mundo tinha os olhos postos na decisão
de um povo, que poderia defenir o futuro de todos. O À Vista acompanhou as eleições, resumiu o perfil
político de cada candidato, acompanhou os resultados e traçou um perfil dos novos resientes da Casa Branca.
texto: João Brandão
infografia: Mariana Vilas Boas
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Donald
Trump
COVID-19
“anti-utilização” das máscaras
saída da Ornagização Mundial de Saúde
Economia
questionou a independência do Sistema de Reserva Federal
dos Estados Unidos
retirou o apoio por parte dos EUA à parceria transpacífica
Saúde
desfez o Affordable Care Act (ACA)
defende que não se deve oferecer seguros de saúde a
imigrantes sem documentos através de seguros como a
Medicaid
Justiça
aprova publicamente a pena de morte
a favor da privatização das prisões
Política Internacional
desagrado relativamente à discrepância de financiamento
por parte de certos países à NATO
revogou o tratado com o Irão
reunião com o líder da Coreia do Norte
Questões Ambientais
aprova a exploração de petróleo
LGBTQ +
não discute muito o tema sobre a proteção dos direitos da
comunidade LGBTQ.
COVID-19
tornar obrigatória a utilização das máscaras
reverter a saída da Ornagização Mundial de Saúde;
Economia
a favor da total independência do Sistema de Reserva
Federal dos Estados Unidos
renegociar a parceria transpacífica
Saúde
esteve na criação do Affordable Care Act (ACA)
deve oferecer-se seguros de saúde a imigrantes
sem documentos através de seguros como a Medicaid
Justiça
acabar com a pena de morte
contra a privatização das prisões
Política Internacional
restaurar todas as parcerias históricas dos EUA
retomar as negociações caso o Irão volte a cumprir os requisitos
não prolongar essa relação com o líder da Coreia do Norte
Questões Ambientais
acabar com a exploração do petróleo
LGBTQ +
defensor do casamento de pessoas do mesmo sexo
Joe Biden
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Mundo
Eleições nos EUA: “Swing States” a decidir
ao sprint desta maratona eleitoral
João Brandão
Na reta final da
campanha eleitoral,
os candidatos,
Donald J.
Trump e Joe Biden,
procuraram as vitórias
em estados que decidiram
as eleições de
2016 nos últimos dias
de campanha.
Joe Biden é colocado
na frente por
sondagens feitas por
diversos órgãos, tais
como: Reuters, Sienna
College etc. O democrata
lidera, com
uma vantagem de seis
pontos percentuais
sobre o atual presidente
norte-americano.
Estas eleições,
para além dos dois
candidatos controversos,
apresentaram
ainda uma característica
forte, como a
vontade de não se
querer cometer os
mesmos erros das
sondagens que
colocavam
Hillary Clinton
na frente da
corrida à
quatro anos
atrás.
O líder
democrata
apostou em
Pensilvânia e Ohio
para concluir a sua
campanha. Na sua
agenda para os últimos
dias, destaque
vai para um encontro
com líderes religiosos
da comunidade afroamericana
e ainda um
comício naquela cidade.
Nos últimos momentos,
Biden faz-se
acompanhar pela sua
mulher Jill Biden e
pela candidata à vice-presidência
pelos
democratas, Kamala
Harris. Já Donald
Trump, republicano
e atual presidente,
viu-se numa situação
crítica. Segundo as
sondagens, está em
desvantagem para
Biden nos “swing
states” (estados nos
quais não se pode
adivinhar o resultado
final, tal a divisão de
7
12
6
55 6
3
4
11
3
3
5
9
ideias entre os votantes).
Como tal, Trump
passou por Michigan,
Carolina do Norte,
Wisconsin e Pensilvânia,
onde decorreram
cinco comícios
republicanos O apelo
principal do, até então,
presidente foi
para que os cidadãos
saissem de casa para
votar.
Sistema eleitoral
dos EUA: a
importância dos
“swing states”
O sistema eleitoral
dos EUA distingue-se
pela importância que
o colégio eleitoral tem
no final da contagem
dos votos dos eleitores.
O que os cidadãos
fazem ao votar
3
3
5
6
38
11
7
10
6
10
6
8
10
20
nos seus respetivos
estados é, no fundo,
eleger os delegados
do seu estado que
depois terão assento
no colégio eleitoral.
Para melhor explicar
este caso, recorre-se
a um exemplo muito
popular. Imagine-se
os estados da Califórnia
e do Alasca, cuja
maior diferença será
demográfica. Califórnia
terá, no final das
contas, mais lugares
para os seus delegados
no colégio eleitoral,
mesmo por ter
mais representatividade
em termos populacionais.
Acontece
ainda que, o candidato
com a maioria
dos votos num
estado, acaba por
ficar também com a
totalidade dos
assentos aos quais
11
16
11
8
18
6 9 16
9
20
5 13
29
15
29
3
14
4
7
4
esse estado tem direito
no colégio eleitoral.
Em suma, a importância
recai sobre a
conquista de muitos
estados, mesmo que
por menos votos de
distância para o outro
candidato. Tal como,
de resto, aconteceu
nas eleições entre
Clinton e Trump em
2016.
É neste capítulo que
entra a importância
dos “swing states”.
Enquanto alguns estados
são tradicionalmente
republicanos
ou democratas, outros
não mantêm uma
linha reta de votação.
Para se ficar com uma
ideia são estes os
estados de: Arizona,
Carolina do Norte,
Florida, Georgia,
Michigan, Min
3
10
3
nesota, Pensilvâ
nia e Wisconsin.
11
Dos 538 representantes
do
4
colégio eleitoral,
127 são
escolhidos por
estes estados,
sendo que o candi
didato vencedor
precisa apenas de
atingir a meta mínima
dos 270 assentos
conquistados.
Partido Democrata
4 Partido Republicano
infografia (Mariana Vilas Boas): Resultado das eleições dos EUA 2020; delegados eleitos em cada Estado para o colégio eleitoral
50
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Mundo
Biden eleito presidente dos Estados Unidos
da América
João Brandão
Biden
Trump
306
232
50,8% 78, 671, 712 73, 113, 055
47,2%
infografia: Mariana Vilas Boas
Joe Biden venceu
as eleições frente
a Donald Trump.
Com a divulgação dos
resultados da Pensilvânia,
Biden alcançou
os tão desejados
270 votos necessários
para o Colégio Eleitoral.
A tomada de posse
será apenas no dia
20 de janeiro de 2021.
Depois das eleições
mais concorridas da
história daquele país, o
partido democrata saiu
vitorioso. Joe Biden,
antigo vice-presidente
do governo de Barack
Obama, vai ocupar o
posto que nos últimos
quatro anos foi de Donald
Trump. Kamala
Harris, torna-se na
primeira mulher negra
a tornar-se vice-presidente
dos Estados
Unidos da América.
O resultado desfavorável
aos republicanos
começou a desenhar-se
no desenrolar
dos últimos dias desde
o dia de eleição.
Este ano, por causa
da pandemia, houve
um grande número de
votos por correspondência,
algo que levou
a uma contagem mais
demorada. Assistiu-
-se a uma liderança
republicana nos primeiros
dias da contagem
destes votos,
mas houve uma recuperação
constante por
parte dos democratas
em muitos dos “swing
states”.Assim, estados
como a Pensilvânia,
Georgia, Wisconsin e
Michigan voltaram,
face às eleições de
2016, a ser preponderantes
para a eleição
do próximo presidente.
A reação de Biden à
eleição já foi feita, o líder
democrata emitiu
um comunicado oficial,
no qual aproveitou
para apelar à união
entre os americanos
e revelou ainda sentir-se
“honrado pela
confiança que o povo
americano depositou”
nele. O apelo à união
é oportuno, já que se
tratou de uma das eleições
mais disputadas
de sempre, revelando
uma bi-polarização
política naquele país
que pode trazer caos
às ruas americanas.
Mas
quem é
Joe
Biden?
Joseph Robinette Biden
Jr. é advogado e
político e foi o vice-
-presidente dos EUA
durante os mandatos
de Barack Obama. Enquanto
político, ocupou
ainda o cargo de
senador de Delaware
entre 1973 e 2009,
ano em que assumiu
a vice-presidência dos
Estados Unidos da
América. O democrata
passou, com esta nomeação,
a ser o presidente
mais velho de
sempre a ser eleito
daquele país. Biden
é natural de Scranton,
Pensilvânia, mas
formou-se em direito
na universidade
de Delaware. Sempre
foi ligado ao desporto,
principalmente ao
futebol americano e
acabou até mesmo por
jogar pela equipa da
universidade enquanto
“wide-receiver”. Foi
ainda na universidade
que conheceu a sua
primeira mulher, Neilia
Hunter. Com Neilia, Joe
Biden acabaria por ter
três filhos, mas poucas
semanas depois
da sua eleição para
senador de Delaware,
a sua família viu-se
envolvida num acidente
que terminaria com
a vida da sua mulher e
da sua recém-nascida.
Os dois outros filhos
de Biden sobreviveram
ao desastre com
ferimentos graves.
Foi em 1977 Joe Biden
conheceu Jill Tracy
Jacobs num “blind
date” organizado pelo
irmão de Biden. Dez
anos depois, o democrata
viria a concorrer
pela primeira vez
a presidente dos EUA.
No entanto, a morte
viria a bater à porta da
família Biden e Beau
Biden (filho mais velho
de Joe Biden) acabaria
por perder a luta contra
um cancro do cérebro.
Passados cinco anos
desde que o seu filho
mais velho morreu,
Biden vê-se agora
a ser eleito para o
cargo mais importante
dos Estados
Unidos da América.
Joe Biden,
o 47º Presidente dos EUA
À Vista | 11 de janeiro de 2021
51
Mundo
Kamala Harris, a Vice-Presidente que tornou
os EUA num país ´ de possibilidades
Mariana Vilas Boas
imagem: Reuters
Kamala Harris fez
história nas eleições
dos Estados
Unidos da América
(EUA) de 2020 ao
tornar-se na primeira
mulher, negra, a ocupar
o cargo de Vice-Presidente
na Casa Branca.
A vice-presidente
eleita foi uma das chaves
de ouro e grandes
protagonistas da candidatura
dos democratas
à presidência dos
EUA 2020. A sua representatividade
ia, e vai,
muito além das mulheres.
Kamala Harris
é a primeira mulher, a
primeira mulher negra,
a primeira mulher de
ascendência sul-asiática
e a primeira filha de
imigrantes eleita para
o governo nacional.
Origens
Tem 56 anos e provém
de Okland, na Califórnia.
É filha de dois
académicos imigrantes.
A mãe, indiana,
de seu nome Shymala
Gopalan Harris e o
pai, jamaicano, de seu
nome Donald Harris.
Aos 5 anos os pais
acabaram por se divorciar
e Kamala foi
criada pela mãe hindu,
pessoa que homenageia
diversas vezes
nas suas conquistas.
No seu primeiro discurso
como vice-presidente,
foi a mãe que
mencionou primeiro:
“Quando voltou
da índia (Shymala
Gopalan Harris
), há 19 anos,
ela pode não ter
imaginado este
momento, mas
acreditava profundamente
numa
América onde este
feito era possível.
Por isso, hoje estou
a pensar nela,
nas gerações de
mulheres negras,
asiáticas, brancas,
latinas, nativas
americanas...
que ao longo da
história da nossa
nação preparam o
caminho para este
momento. Mulheres
que se sacrificaram
imenso
pela equidade, liberdade
e justiça
para todos. Todas
as mulheres que
trabalharam para
garantir e proteger
o direito de voto ao
longo de um século,
há 100
52
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Mundo
anos com a 19ª
Emenda, há 55
anos atrás com a
lei do direito de
voto e agora, em
2020, com uma
nova geração de
mulheres no nosso
país que votaram
e continuam a lutar
pelo seu direito
fundamental de
votar e ser ouvido.”
Sempre soube quem
era, e é segura de si
que consegue expressar
uma postura forte,
convicta e destemida.
Foi educada com consciência
das suas origens,
as implicações
que isso tinha no país
e mundo onde vive e
cresceu a certeza de
que a luta pelos direitos
das minorias fazia
parte do seu caminho.
A democrata, na sua
autobiografia The Truths
We Hold, fala disso
mesmo: “A minha mãe
percebeu claramente
que estava a criar
duas filhas negras. Ela
sabia que a terra natal
que ela escolheu me
veria a mim e à Maya
como duas raparigas
negras e ela estava
determinada a garantir
que nos tornassemos
mulheres negras confiantes
e orgulhosas.”
Kamala é uma mulher
que marcou a história
do país já antes
de ter sido eleita vice-presidente.
A carreira
da democrata
tem vindo a ser preenchida
com a palavra
“primeira”. Foi a
primeira procuradora
distrital de São Francisco,
foi a primeira
procuradora-geral da
Califórnia, a primeira
senadora de origem
indiana e afro-americana
e é a primeira
vice-presidente dos
EUA mulher, negra,
de origem indiana e
afro-americana.Inicialmente
formou-se
na Universidade de
Howard, em Washin
gton D.C, uma das universidades
historicamente
negras mais
famosas. Posteriormente,
estudou Direito
na faculdade de
Hastings, na Universidade
da Califórnia.
A sua carreira é muito
centrada na área da
justiça criminal. Começou
por trabalhar
enquanto assistente
do procurador na
Alameda County District
Attorney’s Office.
Tornou-se, em 2003,
procuradora-geral distrital
de São Francisco.
Em 2011, tomou o
cargo de procuradora-
-geral da Califórnia e
em 2017 tornou-se na
segunda mulher negra
a ser eleita senadora.
Um casal que fez
história. Para além de
todos os feitos que
Kamala tem sido capaz
de atingir, ao tornar-se
vice-presidente dos
EUA, o seu marido torna-se
também no primiero
vice-marido e o
primeiro judeu a entrar
no quarteto (presidente,
vice-presidente
e
cônjuges).
Os seus feitos ficam
marcados por abrirem
um mundo de oportunidades
para quem
vem a seguir. Tal como
a própria diz: “But while
I may be the first on
this office, i will not be
the last”. Pode muito
bem ser a primeira,
mas com certeza não
será a última. Acredita
que a sua eleição para
vice-presidente dos
EUA é um sinal para
todas as raparigas de
que os EUA são um
país de possibilidades.
Para Kamala Harris,
o povo americano
escolheu a esperança,
a união, a decência, a
ciência e a verdade.
A sua representatividade
na luta por
uma igualdade de diferenças
faz com que
a sua luta transcenda
a igualdade de género.
A sua luta são as mino
“But while I may be the first on this office,
i will not be the last”
imagem: Reuters
“Dream with ambition, lead with conviction”
rias, a discriminação.
A sua utopia é tornar
os EUA num país de
possibilidades para
todos, de forma igual.
Dar a todos o direito
de serem quem são,
sem que para isso, sejam
alvos de diferenciação.
Por isso, ao
longo da campanha,
assuntos como o racismo,
a homofobia,
violência policial e o
sistema de justiça criminal
foram centrais.
Depois de uma campanha
onde foi constantemente
insultada
e inferiorizada pelo
ex-presidente dos Estados
Unidos, Donald
Trump, Kamala Harris
mostra ser uma mulher
forte, com garra
e personalidade. Uma
mulher de causas que
veio provar que todos
podem ser o que quiserem.
Acredita que
com este resultado
eleitoral o país deixou
uma mensagem clara a
todas as crianças norte-americanas:
“Sonhem
com ambição,
liderem com convicção
e vejam-se a vocês
mesmos numa maneira
que mais ninguém
imagina, simplesmente
porque nunca o viram
antes, mas saibam
que vos vamos
aplaudir em cada passo
desse caminho.”
Até então, só duas
mulheres tinham sido
nomeadas candidatas
a vice-presidentes
por um grande partido.
Geraldine Ferrano
pelo partido Democrata,
em 1984 e Sarah
Palin, pelo partido
Republicano, em 2008.
No entanto, nenhuma
delas chegou a ser realmente
eleita porque
o partido não venceu
as eleições. Especula-se
que Joe Biden
não se volte a candidatar
após o primeiro
mandato. Quem
sabe se daqui a 4 anos
Kamala Harris volta a
fazer história e torna-
-se na primeira mulher
presidente dos EUA.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
53
Mundo
Jill Biden, a primeira dama que quer continuar
a ser professora
Soraia Amaral
A
primeira dama
dos EUA continua
a surpreender.
A mulher do recém-eleito
presidente,
Joe Biden, afirmou que
pretende continuar
a dar aulas de inglês.
Jill Biden é a próxima
primeira-dama
dos Estados Unidos
da América. A professora
de Inglês na Universidade
Comunitária
da Virgínia do Norte,
onde leciona há 10
anos, afirma que se vai
manter a exercer funções,
ainda que com o
acréscimo de responsabilidades
que terá
como primeira-dama.
Mesmo quando Joe Biden
era vice-presidente
durante o mandato
presidencial de Barack
Obama, a norte-americana
não deixou a sua
profissão para trás.
Mas afinal que
é Jill Biden?
Jill é licenciada em
inglês e conta ainda
com dois mestrados,
em Educação e Inglês.
Mais tarde, doutorou-se
em Educação
pela Universidade
de Delaware em 2007.
Antes de ir viver para
Washington, deu aulas
numa faculdade comunitária,
numa escola
secundária e ainda
num hospital psiquiátrico
para jovens adolescentes.
Lecionou
também inglês na Faculdade
Comunitária
Northerm Virgina,
enquanto o marido
era vice-presidente.
Como é que Joe
e Jill Biden se
conheceram?
Joe Biden não foi
o primeiro amor de
Jill. Antes de Biden,
foi casada com o ex-
-futebolista universitário
Bill Stevenson.
O recém-eleito presidente,
perdeu a sua
mulher e a filha de um
ano num acidente de
carro em 1972. Os seus
outros dois filhos,
Beau e Hunter, sobreviveram
ao acidente.
Jill conta que foi
apresentada ao atual
marido por intermédio
do irmão de Biden, em
1975. Época em que
Joe já era senador e Jill
ainda era universitária.
“Eu pensei: ‘Deus,
isto nunca vai funcionar,
nem num
milhão de anos. Ele
era nove anos mais
velho do que eu!”,
contou à revista
Vogue sobre o primeiro
encontro do
casal.
54
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Mundo
A política na
sua vida
Jill Biden ocupou o
cargo de segunda-dama
entre 2009 e 2017.
Em 2010, com o objetivo
de “destacar o
papel das faculdades
comunitárias no
desenvolvimento da
força de trabalho da
América”, recebeu a
Cúpula da Casa Branca
sobre Faculdades
Comunitárias.
Jill lançou a iniciativa
“Unindo Forças”,
com Michelle Obama,
de forma a ajudar veteranos
e militares
e as suas vidas a ter
acesso a programas de
educação e emprego.
A profissão
como espelho
de quem é
Desde o primeiro discurso
enquanto eleito
presidente dos EUA,
Joe Biden fez questão
de destacar a mulher:
“Para os educadores
americanos,
este é um grande
dia para vocês. Vão
ter uma de vocês
na Casa Branca. E
a Jill vai ser uma
excelente primeira
dama. Estou tão
orgulhoso dela.”
A então primeira-
-dama, manifestou o
desejo de continuar a
trabalhar como professora.
A concretizar-se,
será um acontecimento
inédito na história.
Segundo o Whashington
Post, Jill Biden
será uma primeira-dama
que “mete as mãos
na massa”. “É provável
que seja uma primeira-
-dama bastante mais
ativa e visível ao público
que Melania Trump”,
acrescenta ainda o
jornal americano.
Das três vezes que
Joe Biden se candidatou
à presidência
- 1988, 2008 e 2020 -
esta terá sido a campanha
em que a esposa
mais participou
e deu a cara. Terá tido
um papel fundamental
aquando da tomada
de algumas decisões
de relevo, nomeadamente
na escolha
de Kamala Harris
como vice-presidente.
A mulher que continua
a ocupar manchetes
por todo o mundo,
aparenta uma passagem
promissora pela
casa branca. O país e o
mundo estão de olhos
postos nela e no futuro
que daqui advirá.
Artigo de Opinião
Mariana Vilas Boas
Estamos a viver os
maiores desafios
dos últimos tempos.
O planeta está a
ficar fora de validade,
uma pandemia tomou
conta de 2020 e está
a matar milhões de
pessoas por todo o
mundo e o resultado
das Eleições dos EUA
poderiam, em muito,
definir o futuro de todos
nós. A urgência em
unir esforços e trabalhar
para um futuro
melhor é urgente e,
por isso, é importante
termos líderes gananciosos
pela vida humana
e pelo planeta, e
não pelo capitalismo.
Por estas, e muitas
outras razões, as elei-
Eleições dos EUA, um presságio
sobre o futuro do planeta
ções dos EUA foram
um dos marcos mais
importantes do ano. A
ansiedade e o nervosismo
sobre o futuro
dos norte-americanos
fez-se sentir em
todo o mundo. E houve
quem criticasse o
destaque que muitos
estavam a dar a este
acontecimento, visto
que, para muitos,
as eleições do próprio
país acabam, muitas
vezes, por lhes passar
ao lado. Mas, sejamos
sinceros: como
não dar destaque? O
resultado destas eleições
acabariam por
ser um presságio para
o futuro do planeta.
A luta entre Donald
Trump e Joe Biden foi
renhida e fez-se acompanhar
de muitos memes.
A diferença entre
os dois candidatos era
muita. Se por um lado,
o republicano estava
cada vez mais inseguro,
usava a mentira
e os argumentos de
“baixo nível”, como as
fragilidades familiares
do adversário, e pedia a
para parar a contagem
dos votos. Por outro
lado, o democrata, que
exibia com regularidade
um sorriso honesto,
transparecia serenidade,
integridade, verdade
e dizia que todos
os votos contavam.
A verdade é que “Democracy
is worth the
wait” e o resultado
fez com que o mundo
suspirasse de alívio.
E, como foi dito nas
redes sociais, 2020
ofereceu a experiência
completa a Donald
Trump: o vírus CO-
VID-19 e o desemprego.
A eleição de Joe Biden
para presidente
dos EUA faz com que
todas vidas voltem
a contar. No primeiro
discurso depois da
vitória dos democratas,
Joe Biden prometeu
ser um presidente
que não vê os Estados
azuis e os Estados vermelhos,
apenas os Estados
Unidos. Kamala
Harris afirmou que “A
democracia americana
não está garantida.
É apenas tão forte
quanto a nossa vontade
de lutar por ela, de
a proteger e de nunca
a tomar por garantida.”
E é deste tipo de
discurso de inclusão e
união que os EUA e o
mundo precisam para
se curar. Numa altura
em que os extremismos
parecem estar
a contaminar muitos
pontos do mundo, a
evolução humana e a
aprendizagem com os
erros do passado parecem
fazer-se ouvir.
A América sempre foi
um mundo de oportunidades,
para alguns.
Agora, passou a ser um
mundo de oportunidades
para todos. A vitória
dos democratas, a
vitória de Joe Biden e,
em especial, a vitória
de Kamala Harris representam
uma nova
e melhor fase para o
país e para o mundo.
Representam um futuro
mais equitativo,
mais justo, mais humano,
mais verdadeiro
e mais saudável.
Dão a visão de que a
diferença não é má,
muito pelo contrário.
Faz-nos acreditar
que talvez seja possivel
alcançar a utopia
de um mundo onde a
xenofobia, o racismo,
a desigualdade de género
e qualquer tipo
de discriminação não
têm lugar. Afinal, nem
tudo em 2020 foi mau.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
55
Mundo
#ISTOÉGUERRA na Polónia
imagem: Reuters
Mariana Vilas Boas
No dia 22 de outubro,
o Tribunal
Constitucional
polaco decidiu que a
interrupção voluntária
da gravidez devido
à má-formação
fetal é inconstitucional.
A decisão gerou
uma onda de revolta
e o povo saiu à rua.
Há mais de uma semana
que os polacos
enchem as ruas do
país, sobretudo a capital,
Varsóvia, para contestar
a decisão judicial
que proibe o aborto
em casos de má formação
grave do feto.
Com esta medida, a
proibição do aborto na
Polónia é quase total.
O veredicto do Tribunal
Constitucional
vai de encontro às posições
do partido de
direita nacional Lei e
Justiça, que governa
o país. Depois do
partido nacional-conservador
e democrata-cristão
ter tentado
restringir o aborto no
Parlamento, sem sucesso,
foi através do
tribunal que o conseguiu.
Tribunal este que
já sofreu alterações
por parte do partido,
que tem sido, por
isso, acusado de contar
com muitos juízes
leais. Posto isto, não
só se gerou uma revolta
contra a decisão,
como também contra
o governo de direita.
A presidente do Tribunal
Constitucional
disse que “Uma disposição
que legaliza
práticas eugénicas
sobre o direito à vida
de um recém-nascido
e torna o seu direito
à vida dependente
da sua saúde, constitui
discriminação indireta,
é inconsciente
com a Constituição.”,
citada pela Reuters.
Strajk Kobiet é a associação
feminista que
tem liderado as manifestações
da legalização
do aborto. No site
oficial da associação,
em reação à decisão do
Tribunal Constitucional,
foi feito um post
com o título “#Istoé-
Guerra”. No texto publicado,
o movimento
feminista afirma que a
proibição do aborto na
Polónia é “uma vitória
dos fundamentalistas
católicos alcançada
por pernas subjugadoras,
falsificação dos
resultados e um juiz
tendencioso.” A associação
feminista salienta
ainda a vitória
impresionante, “numa
situação em que cerca
de 70% dos polacos
e polacas são a
favor do livre arbítrio.”
O raio vermelho, incorporado
no logótipo
da associação feminista
Strajk Kobiet,
é um dos símbolos
mais usados nos cartazes
dos manifestantes.
De entre os muitos
erguidos, alguns
diziam “O inferno das
mulheres”, “Queremos
escolher” e “Vocês
têm as mãos manchadas
de sangue”.
No dia 27 de outubro,
mulheres, membros do
Parlamento polonês,
realizaram um protesto
contra a decisão do
56
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Mundo
Tribunal Constitucional
onde levantaram
cartazes que
tinham escrito a hashtag
“a mulher decide”.
A Amnistia Internacional,
o Center for
Reproductive Rights e
a Human Rights Watch
apresentaram uma
posição conjunta, no
dia 22 de outubro,
onde defendem que
a decisão vai prejudicar
ainda mais as mulheres
e jovens, bem
como violar os seus
direitos humanos.
O apoio na
Europa
A lei do aborto, na
Polónia, é já das mais
restritas dos países
europeus. Diversos países
da União Europeia
mostraram-se solidários
com as mulheres
polacas. Nomeadamente,
em Portugal,
na cidade do Porto,
Lisboa e Coimbra foram
realizadas manifestações
de apoio.
Terry Reintke, membro
da Alliance ‘90/ The
Greens manifestou a
sua discordância com
a decisão do Tribunal
Constitucional polaco.
A política alemã partilhou
um vídeo na sua
página do instagram
onde está, juntamente
com outras 3 mulheres,
vestida como
uma personagem de
The Handmaid ‘s Tale.
Na descrição da publicação
escreveu que “A
batalha é entre aqueles
que querem recuar
no tempo e retirar
direitos às mulheres
e minorias. E aqueles
que lutam por mais liberdade
e igualdade.”
A alegoria às
personagens da
série
The Handmaid’s
Tale
The Handmaid ‘s
Tale é uma série de
televisão criada por
Bruce Miller, baseada
no romance distópico
de 1985 da escritora
canadense Margaret
Atwood. Acontece
na República de Gileade,
uma teonomia
cristã militar formada
nas fronteiras do
que, anteriormente,
eram os Estados
Unidos da América.
Devido a um ataque
terrorista que mata o
Presidente e a maioria
do Congresso dos Estados
Unidos, um movimento
fundamentalista
de reconstrução
cristã autointitulado
“Filhos de Jacó” lança
um golpe e suspende
a Constituição dos
Estados Unidos com o
pretexto de “restaurar
a ordem”: Com isto,
os direitos são logo
retirados às mulheres.
O novo regime, a
República de Gileade,
empenha-se em, rapidamente,
consolidar
o seu poder e reestruturar
a sociedade estadunidense
com base
numa matriz totalitária,
militarizada e hierárquica
de fanatismo
religioso e social. Os
direitos humanos passam,
assim, a ser rigorosamente
limitados,
sendo os das mulheres
ainda mais severos.
Ao longo das manifestações
contra a
restrição do aborto,
várias foram as mulheres
que se vestiram
como as personagens
da série The
Handmaid’s Tale. Na
Polónia, a Igreja Católica
é talvez o pilar
com mais influência
desde a queda do
comunismo e há já
algum tempo que a
igreja queria que o governo
restringisse ou
eliminasse o acesso
ao aborto. Alguns ativistas
dos direitos das
mulheres protestaram
nas ruas e interromperam
os serviços religiosos
em várias igrejas,
vestidos de personagens
da série. Também
chegaram a ser pintadas
paredes de igrejas
e catedrais com grafites
em todo o país.
A revolta e a defesa
pelos direitos das mulheres
superou o medo
do vírus e, apesar das
restrições à pandemia,
os manifestantes
ocuparam as ruas de
muitas cidades, grandes
e pequenas, da
Polónia, que já duram
há uma semana. Com
a decisão do Tribunal
Institucional, o aborto
só é permitido em situações
que coloquem
a saúde da mulher em
risco ou em caso de
gravidez resultante de
violação ou incesto.
Esta é a maior onda de
protestos desde que
o partido Lei e Justiça
chegou ao poder. Os
líderes dos protestos
dizem que vão lutar até
ao fim e exigem uma
reversão da decisão.
imagens: Reuters
À Vista | 11 de janeiro de 2021
57
Mundo
Luz Verde para a legalização do aborto na
Argentina enche a América Latina
de esperança
Mariana Vilas Boas
imagem: AP Photo
3 0
de dezembro
de 2020
é uma data
que fica marcada na
história da Argentina.
O dia em que foi
aprovado o projeto-lei
que permite às mulheres
recorrer a um
aborto voluntário até
à 14º semana de gestação.
Uma luta longa,
persistente e esperançosa,
sobretudo
por parte de grupos
feministas que, agora,
celebram a vitória.
No dia 11 de setembro,
o projeto-lei relativo
ao aborto, apresentado
pelo Governo,
foi aprovado na Câmara
de Deputados
da Nação Argentina e
seguiu para o Senado.
No dia 30 de dezembro,
depois de
12 horas de debate,
o Senado aprovou o
projeto-lei que legaliza
o aborto, com 38
votos a favor, 29 contra
e uma abstenção.
O que muda com a
aprovação deste projeto-lei?
A partir de
agora, na Argentina,
as mulheres têm o direito
de interromper
voluntariamente a gravidez
até à 14ª semana
de gestação, de forma
legal, segura e gratuita
no sistema nacional de
saúde.Ultrapassadas
as 14 semanas, o aborto
só é legalmente permitido
em situações
onde a gestação resulta
de uma violação ou
se a gravidez colocar
em risco a saúde e a
própria vida da mãe.
Para além disso, o
projeto-lei permite
que qualquer profissional
de saúde, por
objeção de consciência,
não realize o aborto,
mas exige a procura,
de imediato, de um
profissional de saúde
que conclua a interrupção
da gravidez.
Até então, o aborto
só era permitido em
casos onde a mulher
tivesse sido violada
ou em perigo de vida,
o que significa que a
aprovação deste projeto-lei
representa um
progresso enorme no
que toca aos direitos da
mulher na Argentina.
A descriminalização
do aborto, na Argentina,
não é um tema de
agora, mas sim uma
luta de décadas. Há 30
anos que o movimento
feminista argentino
exige a legalização
do aborto. Em 2018 o
Governo apresentou
uma proposta-lei que,
à semelhança da que
foi apresentada em
2020, visava descriminalizar
o aborto voluntário
até à 14ª semana
de gestação. Apesar
de a medida ter sido
aprovada, em junho,
pela Câmara de Deputados,
quando chegou
ao Senado, a proposta
foi reprovada com
38 votos contra e 31 a
favor, após um debate
que durou 16 horas.
Por esta altura, os
ativistas anti-aborto
festejavam a reprovação
da lei e os que
defendiam a sua legalização
não perdiam a
esperança. O Governo,
na altura, do Presidente
Mauricio Macri, um
presidente considerado
mais conservador,
procurava contornar
a objeção e estudava
a possibilidade de inserir
a despenalização
da mulher que realizasse
uma interrupção
voluntária da gravidez
no projeto de revisão
do Código Penal.
O país dividia-se
em duas cores nesta
luta. A “onda azul”
que se posicionava
contra a lei do aborto,
e a “onda verde” que
se posicionava a favor.
Em 2020 o projeto-
-lei voltou a ser apresentado
pelo Governo,
com o apoio do Presidente,
Alberto Fernández.
No dia 11 de
setembro o projeto-
-lei para a descriminalização
do aborto
voluntário até às 14
semanas da gravidez
foi a votação. Foi a
nona vez que uma lei
para descriminalizar o
aborto chegou ao Congresso
da Argentina.
Silvia Lospennato,
membro da Câmara de
Deputados da Argetina
e do Partido Proposta
Republicana, falou
minutos antes do debate
terminar e disse
que estava na na hora
de “terminar de redigir
os direitos e passar
ao estágio da igualdade”
e afirmou: “A
cada mulher que usa
o lenço verde exigindo
58
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Mundo
decidir, a quem nunca
baixa os braços: Que
o aborto seja legal e
gratuito! Que seja lei!”
Por outro lado, Graciela
Camaño, também
ela deputada na
Câmara de Deputados
e membro do partido
Third Position Party,
discordava com a proposta-lei
e afirmou:
“Em vez de resolver
as causas - a falta de
educação, a pobreza,
as lacunas - estamos
a propor que a
solução do problema
permaneça na esfera
privada das mulheres
e, pior ainda, sem
qualquer chance de
opinião dos homens.”
Também o Papa
Francisco se pronunciou
horas antes do
início da sessão, na
rede social Twitter.
Afirmou: “The Son of
God was born an outcast,
in order to tell
us that every outcast
is a child of God. He
came into the world
as each child comes
into the world, weak
and vulnerable, so
that we can learn to
accept our weaknesses
with tender love.”A
América Latina é uma
região onde a Igreja
Católica Romana tem
uma grande influência.
Há um ano, o atual
Presidente da Argentina,
Alberto Fernández,
prometia, na sua campanha
eleitoral, que
iria exercer pressão
para tornar o aborto
voluntário e gratuito.
Quando o projeto-lei
foi aprovado pelo Senado,
o Presidente fez
um post na rede social
Instagram onde disse:
“Em pleno século XXI,
a sociedade precisa
de respeitar a decisão
individual de cada um
de fazer o que quiser
com o seu corpo.”
A América Latina é
uma das partes do
mundo com as leis
de aborto mais restritas.
Cidade do México,
Cuba e Uruguai são das
poucas regiões onde
as mulheres podem
recorrer ao aborto eletivo
até às 12 semanas,
independentemente
das circunstâncias.
A proibição do aborto
leva, desde 1983,
milhares de mulheres
a procurar soluções
clandestinas, o que já
provocou 3 000 mortes.
Segundo o Governo,
anualmente, cerca
de 38 000 mulheres
são hospitalizadas em
consequência de procedimentos
mal sucedidos.
A lei não era alterada
desde 1921. 99
anos depois, o aborto
eletivo torna-se legal
até à 14ª semana
de gestação e, num
país com o peso regional
como a Argentina,
é um feito histórico.
Artigo de Opinião
Soraia Amaral
Retrocesso. Se a
mulher em tempos
sentiu que
a sua voz enfim ganhara
alguma força,
enfrenta agora o
desvanecer de toda a
sonoridade reclamada.
Perdemos todos.
Chegou ao fim o julgamento
do empresário
André Camargo
Aranha, acusado de
violar a jovem influencer
Mariana Ferrer, de
23 anos, durante uma
festa em 2018. Foi
considerado inocente.
Segundo o promotor
responsável pelo
caso, não havia forma
de o empresário
saber, durante o ato
sexual, que a jovem
não estava em condições
de consentir a
relação, não existindo,
portanto, a intenção
Correção: violador culposo
de violar. O juiz aceitou
a argumentação.
A vítima tornou-se
vítima não só do violador,
mas também
do sistema judicial
brasileiro. A partir do
momento em que se
abre uma brecha para
desculpabilizar abusos
desta dimensão,
corremos em direção
ao retrocesso e damos
asas ao erróneo.
Em pleno século XXI,
ainda nos debatemos
com questões primárias,
onde seres aparentemente
racionais
se deixam levar por
instintos animalescos,
em busca de um prazer
momentâneo. A
defesa do empresário
André Aranha, mostrou
fotos sensuais da jovem
enquanto modelo
profissional antes do
crime de forma a reforçar
o argumento de
que a relação terá sido
consensual. O advogado
do acusado definiu
as fotos de Mariana
como “ginecológicas”,
sem ser questionado
sobre a relação das
imagens com o caso,
e acrescentou que jamais
teria uma filha
do “nível” de Mariana.
Houve espaço ainda
para advertir o choro
da jovem: “não adianta
vir com esse teu choro
dissimulado, falso e
essa lábia de crocodilo”.
As imagens do julgamento
tornaram-se
virais e desde então o
povo procurou recuperar
a voz que Mariana
viu abafada a partir
do momento em que
o jogo virou e passou
de “violação de vulnerável”
a “violação culposa”.
A forma como o
caso de Mariana Ferrer
foi tratado espelha
muito do que mais
negro a sociedade detém.
Os argumentos
deturpados onde se
enquadram opiniões
como: “ela estava a
pedi-las” ou “ela provocou”,
ganharam validação
com o culminar
do caso. É errado. Enquanto
se objetificar o
sexo feminino, haverá
sempre quem pense
que possui o direito de
atravessar barreiras
pessoais e desconsiderar
os valores humanos
mais simples.
Quando uma mulher
é abusada, todas nós
estamos em causa.
Enquanto um violador
for tido como inocente,
muitos outros vão
achar válido tornar-se
num. Mariana Ferrer é
o rosto da dor, de um
problema real. Não
se pode normalizar
o abuso. O corpo de
uma mulher a ela pertence,
a liberdade de
ser, agir e manifestar
não deve ser exclusiva
ao sexo masculino.
Ser mulher, não tem
de ser prisão, nem sacrifício.
Liguem-se os
megafones, inundem-
-se as redes sociais,
aponte-se para os
opressores, o silêncio
é aceitação. A mulher
não nasceu para ser
colocada numa caixa.
Nascemos sem rótulo,
mas logo que crescemos
começam a tentar
pôr-nos um. Numa era
onde as tecnologias
evoluem à velocidade
da luz, o humano continua
a ser muito diminuto
em determinados
aspetos. Não é normal
assediar, maltratar
ou abusar. O corpo
do outro não deve ser
visto como uma fonte
de prazer, é preponderante
o consentimento.
Não existe violação
sem culpa. Hashtags,
imagens, vídeos e textos
têm preenchido
as redes sociais a pedir
justiça por Mariana
Ferrer. A protestação
tem sido feita por todos
aqueles que acreditam
que há uma correção
urgente a fazer:
é violador culposo, vítima
é vítima. A luta
continua, mas, desta
vez, perdemos todos.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
59
Cultura
Uma vida de
conquistas
António Sala, o homem da rádio:
“ O encanto continua vivo”
Soraia Amaral
António Sala,
a voz da rádio
portuguesa.
Com mais de quatro
décadas de carreira,
continua a ver encanto
na caixinha de som.
A rádio é o meio de
comunicação com
mais anos de vida. 86
anos após o seu surgimento,
a caixinha
de som ainda faz vibrar
os seus amantes.
O À Vista esteve à
conversa com aquele
que é considerado, por
muitos, a voz da rádio
portuguesa, António
Sala. 71 anos, dos quais
40 foram vividos rodeado
de microfones.
Entre a rádio, a música
e a televisão, foi encontrando
o seu lugar.
O homem de que falamos,
António Sala,
nasceu em 1949 em
Vilar de Andorinho, Vila
Nova de Gaia. Escolheu
a arte para fazer vida.
Como Apresentador
e realizador do programa
da manhã “Despertar”
da Rádio Renascença,
tornou-se
durante as décadas de
1980 e 1990 o maior
fenómeno de popularidade
radiofónica
de sempre em Portugal.
Líder absoluto de
audiências durante
duas décadas. Nunca
conheceu o sabor
de um segundo lugar.
Foi eleito várias vezes
“Locutor do Ano”
e como Realizador e
Apresentador do Programa
“Despertar”. Ganhou
todos os Concursos
Nacionais de
Popularidade e Inquéritos
de Opinião Pública
nas décadas de
1980/1990. E ainda se
consagrou vencedor
do troféu “TV Guia”
para o mais popular
Realizador/Locutor
da Rádio Portuguesa.
Num inquérito realizado
a nível nacional,
feito em Março
de 2007, os ouvintes
da Rádio Clube Português
(Grupo Media
Capital), elegeram-no
como “ a maior figura
de sempre da história
da Rádio em Portugal”.
Em 2007 foi agraciado
com a Medalha de
Mérito da Cidade de
Lisboa. E, a 10 de Junho
de 2010, condecorado
como Comendador da
Ordem do Mérito da
República Portuguesa.
60
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Cultura
À conversa
O tempo urge e a passagem
do mesmo traz
mudança. A atualidade
é marcada pela evolução
tecnológica, a rádio
convive agora com
a televisão e o online,
que para além do som,
nos trazem a imagem.
O À Vista quis saber
o que António
Sala pensa sobre a
posição da rádio entre
os outros meios.
A rádio coexiste
com meios como a
televisão e o online,
acha que a rádio
se tem adaptado
às circunstâncias
ou rendeu-se à
concorrência ?
A Rádio tem sabido
sobreviver. Não só
não se rendeu, como
mais que sobreviver,
tem sabido adaptar-
-se às circunstâncias.
Aproveitou o online e
“cavalga” nele de uma
forma muito inteligente,
ganhando novas dimensões,
outros públicos
e novos mundos.
A evolução pauta
o cotidiano e a rádio
tem-se prolongado no
tempo. Como será a
rádio daqui a 10 anos?
O ex locutor projeta-a
como igualmente importante
no que concerne
à comunicação.
Como imagina
a rádio daqui
a 10 anos?
Imagino que continuará
a ser importante
no panorama
comunicacional, mas
com o evoluir tão rápido
e surpreendente
de tudo no mundo
em que vivemos, não
me atrevo a conseguir
adivinhar minimamente
como será, ou mesmo
como se fará. Mas
que continuará por
certo a ser fantástica,
disso não duvido.
A covid19 afetou todos
os setores, incluindo
o da cultura. Os portugueses
tiveram de
confinar, os trabalhadores
começaram a
exercer o seu ofício
em casa, as crianças
tiveram aulas pela televisão
e os jovens
trocaram as universidades
pelos computadores.
Tudo mudou,
mas a cultura “não
abandonou o barco” e
foi companhia assídua.
Em fase de pandemia,
o entretenimento,
assim como
a informação, foram
a companhia
dos portugueses.
Na sua opinião, de
que forma isso pode
influenciar a forma
como o público perceciona
a cultura?
Nesta pandemia a
Informação marcou
pontos e situou-se na
primeira linha. Fez ,e
bem, o que tinha que
ser feito. A cultura e o
entretenimento recuaram,
o que também
era expectável. Mas
têm de ser apoiados
para não entrarem em
coma profundo, porque
são um elemento
indispensável como
alimento espiritual e
de saudável equilíbrio
de todo o bom comportamento
humano.
É urgente reinventar a
dinamização da cultura
e do entretenimento.
Marcou, incontornavelmente,
a história da
rádio. Estreou-se há
55 anos nos estúdios
onde a magia acontece.
Hoje, com 71 anos,
recorda o encanto da
primeira vez e ainda
sonha com o que ainda
se há-de cumprir.
Considerado por
muitos a voz e rosto
da rádio portuguesa,
entrou na
rádio em 1966, o
encanto é o mesmo
da primeira vez?
Esse encanto da primeira
vez ainda está
cá, mas claro que o
olhar das coisas é
sempre diferente com
o passar do tempo. Há
novas nuances no encanto
da Rádio. Numas
coisas bem melhores,
como no evoluir tecnológico,
noutras menos
boas, como na
mecanização e algum
arrefecimento emocional
e humano na
forma de a fazer. Mas o
encanto continua vivo.
O homem sonha
toda a vida. Aos 71
anos, o que ainda
falta cumprir?
Cumprir alguns sonhos
adormecidos,
e concretizar os que
ainda não chegaram
completamente
a bom porto. Assim
a pandemia o deixe,
e a saúde o permita.
Deus queira que sim.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
61
Cultura
montagem: Mariana Vilas Boas
Faleceu Carlos do Carmo, o “Sinatra” do fado
português
Soraia Amaral
O
fado veste-se
de negro. Carlos
do Carmo
morreu dia 1 de Janeiro
de 2021. Considerado
pela rádio pública
americana o “Sinatra”
do fado português,
cantava saudade, permanecerá
saudade.
O ano de 2021 acordou
com a notícia da
morte de Carlos do
Carmo, aos 81 anos,
no Hospital de Santa
Maria, em Lisboa.
O fadista deu entrada
no dia 31 de Dezembro
de 2020 com um
aneurisma e acabou
por não resistir, falecendo
no primeiro dia
do ano. Dia 4 de Janeiro,
foi decretado Dia
de Luto Nacional em
Portugal após a morte
de Carlos do Carmo.
Músicas como “Lisboa
Menina e Moça”, ou
“Os putos”, fazem parte
da herança musical
que o dono de uma das
maiores vozes do fado
deixou aos amantes
do saudoso canto português.
O artista, foi
o maior intérprete de
fado depois de Amália
Rodrigues e o primeiro
e único intérprete do
Festival da Canção de
1976, após a revolução
de 25 de Abril - festival
onde se optou por
um modelo diferente,
Carlos do Carmo
cantou oito canções,
previamente selecionadas
por um júri.
Carlos do Carmo
nasceu na sua Lisboa
menina e moça,
a 21 de Dezembro de
1939. Era filho da fadista
Lucília do Carmo
e do livreiro Alfredo
Almeida, donos da
casa de fados “O Faia”,
onde começou a cantar,
até iniciar a carreira
artística, em 1964.
“O fado não
muda, o que muda
são os tempos. O
fado é um belo de
um camaleão que
sabe muito bem
adaptar-se aos
tempos e às circunstâncias.
Depois
tem que ver
com a capacidade
de cada um, de
cada criador, intérpretes
de lhe
dar alguma coisa.
O fado requer que
se lhe dê muito
porque, à partida,
ele dá muitos aos
artistas. A minha
vida não existiria
sem o fado, o fado
deu-me muito ao
longo da vida e estou
extremamente
grato ao fado, mas
naturalmente através
do público, que
tem sido comigo
de uma fidelidade
impressionante”,
Carlos do Carmo, em
2017 aquando do regresso
a Paris para um
concerto no Grand Rex.
62 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Cultura
As reações
à morte do
fadista
É com um “lamento
profundo”, que a Ministra
da Cultura, Graça
Fonseca, reage à
partida de Carlos do
Carmo, considerando-
-o “ uma das maiores
referências da Interpretação
do fado, que
mostrou uma sempre
uma especial preocupação
com a divulgação
desta forma de
música”, foi na rede
social Twitter que expressou
o seu pesar.
A construção de
pontes entre a expressão
mais tradicional
desta arte, com a qual
iniciou a sua carreira e
à qual sempre regressou,
com uma forma
musical mais heterodoxa
e uma síntese
particularmente feliz
entre a tradição é uma
das características relatadas
pela nota de
condolências do Ministério
da Cultura. Assim
como a inovação: “Carlos
do Carmo transformou
o Fado e abriu
novos horizontes”.
Para além da posição
de referência no
mundo da música é
destacado também o
papel fundamental no
reconhecimento nacional
e internacional
do Fado, seja como
consultor do Museu
do Fado, seja como
parte da Candidatura
do Fado a Património
Imaterial da Humanidade
da UNESCO.
Em declarações à
TVI24, Marcelo Rebelo
de Sousa recorda:
“A sua carreira, com
mais de cinco décadas,
e o seu exemplo,
serão sempre fonte de
inspiração, mas também
vida feita em história
do Fado, legado
artístico maior e que
constitui uma parte
tão importante do património
cultural português.
A cultura portuguesa
perdeu hoje
uma das suas vozes
e um dos seus contadores
de histórias
que formam, no fundo,
a nossa História”.
“É uma entrada muito
triste em 2021. Carlos
do Carmo não era
apenas a voz do fado.
Ele foi essencial em
termos de afirmação
no fado como Património
Imaterial da Humanidade,
era também
uma voz de Portugal”,
disse o Presidente da
República. “Carlos do
Carmo habituou-nos a
ser uma voz num período
de resistência à
ditadura, no período
de construção da democracia,
ao longo da
democracia, década
após década. Gerações
reconheceram-se nele
e naquilo que cantava.
Nesse sentido, é
uma perda nacional.”
Marcelo Rebelo de
Sousa deixou ainda
uma nota de pesar
no site da Presidência
da República: “Carlos
do Carmo foi uma
das grandes figuras
do fado e da dignidade
do fado’’. Dignidade
do texto, da qualidade
do texto, da dicção,
do dizer. Dignidade de
uma vocação exigente,
sem cedências e
vedetismos. Dignidade
de uma atenção humana,
de uma compaixão,
uma empatia
de “homem na cidade”
ao lado dos outros
homens e mulheres”.
O Primeiro-Ministro,
António Costa, exaltou
o contributo de Carlos
do Carmo na cultura
portuguesa: “Carlos do
Carmo não era só um
notável fadista, que o
público, a crítica e um
Grammy consagraram.
Um dos seus maiores
contributos para a cultura
portuguesa foi a
forma como militantemente
renovou o fado
e o preparou para o
futuro”, António Costa
na rede social Twitter.
Uma percurso
mercado pelo
reconhecimento
Passou quase 60
anos da sua vida em
cima dos palcos espalhados
pelos cinco
continentes. Em 2019,
o fadista considerou
que era a hora do término
da sua carreira.
Despediu-se dos espetáculos
no Coliseu
de Lisboa, onde lhe
foi entregue pelo presidente
da câmara de
Lisboa, Fernando Medina,
a chave da cidade.
Nesse mesmo dia,
António Costa destacou
o seu “inestimável
contributo” para a música
portuguesa, concedendo-lhe
a medalha
de mérito cultural.
O Presidente da República,
Marcelo Rebelo
de Sousa, condecorou
o fadista Carlos
do Carmo com o título
de Grande-Oficial
da Ordem do Mérito,
sublinhando os méritos
de um artista
que “enche a alma
dos portugueses”.
Em Novembro de
2014 tornou-se o primeiro
português a receber
um Grammy,
“Grammy Lifetime
Achievement Award -
Premio a la Excelencia
Musical 2014”. No entanto,
os prémios não
se findam por aqui,
como exemplo temos:
O Comendador
da ordem do infante
D. Henrique (1997) e
Grande-Oficial da Ordem
de Mérito (2016),
Prémio Prestígio da
Grande Noite do Fado
(1991), Globo de Ouro
de Excelência e Mérito
(1998), Prémio José
Afonso (2003), Prémio
Goya (2008) na categoria
de Melhor Canção
Original com “Fado da
Saudade”, o Grammy
Latino de carreira
(2014), e o Prémio de
Cidadão Honorífico da
Cidade de Paris (2015).
Ao longo do seu percurso
pisou os principais
palcos musicais
em todo o mundo, desde
o Olympia, em Paris,
à Ópera de Frankfurt,
na Alemanha, do
“Canecão”, no Rio de
Janeiro, ao Royal Albert
Hall, em Londres.
A discográfica Universal
anunciou a publicação
do seu derradeiro
álbum, “E
Ainda?”, para o passado
mês de novembro,
mas é ainda aguardada
a sua chegada às lojas.
Neste disco, Carlos do
Carmo canta Herberto
Hélder, Sophia de Mello
Breyner Andresen, Hélia
Correia, Júlio Pomar
e Jorge Palma, acrescentando
mais poetas
ao seu repertório.
Cantou poetas, semeou
nostalgia e descrevia
o fado como
um camaleão que
se adapta ao tempo.
Hoje, a melodia da
saudade tem-se ainda
mais melancólica.
1939 - 2021
À Vista | 11 de janeiro de 2021
63
Cultura
«Ouçam-me “Com Tempo”, a minha essência.
Ouçam “Sem Tempo”, o que a rádio quer»
Mariana Vilas Boas
“Com Tempo, Sem
Tempo” é o segundo
disco de originais
lançado pelo cantor
Janeiro. O À Vista
pôs-se à conversa
com o artista e descobriu
tudo o que está
por detrás do albúm.
Este é um disco que
realça a importância
do processo, mais do
que do resultado final.
É um disco sobre
liberdade. Um disco
que contém 12 músicas,
que se duplicam
e se transformam em
24. Um disco que, para
Janeiro, é, sobretudo
64
e primeiramente, para
si e depois para os
outros. Um disco que
retrata uma viagem
repleta de aprendizagens
e progresso pessoal.
Nas palavras do
cantor: “Foi uma escola
gigante. Estive com
imensas pessoas, gravei,
regravei e eu acho
isso uma das coisas
mais incríveis da expressão
artística. É puder
começar um processo
e depois (esse
mesmo processo) ser
alterado pelo processo
que tu propuseste
para ti próprio.”
Janeiro pegou em
À Vista | 11 de janeiro de 2021
12 músicas e apresentou-as
de duas
formas, dando-lhes
uma abordagem de
produção diferente.
De um lado, as músicas
são mostradas
de uma forma pura e
despida, na sua essência.
Do outro lado,
as músicas são trabalhadas
e misturadas.
“
O artista explica: que
Sem Tempo é o lado
da compressão, o lado
em que “vou ter com
as pessoas, e as agarro”.
Por seu turno, Com
Tempo é o lado da sedução:
“é o lado em
que digo que as pessoas
é que têm de vir
ter comigo. Elas é que
têm de se interessar.”
Para o autor, o tempo
e o dinheiro são as duas
questões primordiais
da sociedade, e esta
necessidade de fazer
as pessoas parar, levou
Janeiro a produzir
um disco sobre o tempo,
que acaba por ser
“o bug da sociedade”.
Com Tempo, Sem Tempo divide-se entre
a compressão e a sedução.
”
Cultura
O produto demorou
dois anos a ser produzido,
e passou por
S. Paulo, Rio de Janeiro,
Porto e Londres, e
conta com a colaboração
de vários artistas
desde Carolina Deslandes,
Salvador Sobral,
Tó Brandileone,
Tiago Nacarato, entre
outros. O critério de
escolha dos artistas?
A amizade e o amor.
Se formos por partes,
Sem Tempo demorou
um ano e meio
a ser produzido e Com
Tempo apenas cinco
dias. Mas cinco dias
de isolamento e de
sinceridade. O artista
confessa que foi
uma total abertura de
alma: “fui eu a mostrar
o que é que eu
sou, acho eu. Nunca
tinha posto isso num
disco… há momentos
em que eu estou
mesmo aos berros, e
isso não se vai repetir.”
Pensarmos no processo
leva-nos ao progresso,
e o que mais
cativa o cantor é a atividade
transformadora
da arte. É a forma
como, através da sua
música, ele pode chegar
aos outros, e vice-
-versa. “Eu poder tocar
em ti com uma música…Eu
nem sequer
estou lá, e tu se calhar
estás a entrar no meu
cérebro e estás a entrar
na forma como eu
penso, e nós não nos
conhecemos. Isso é
lindo.”, afirma o cantor.
“
“É como se eu
fizesse uma fotocópia
da minha
alma e pusesse
em som.”
A quarentena afetou-
-nos a todos, não só
como sociedade, mas
também individualmente.
A Janeiro trouxe
ansiedade e stress,
em termos humanos,
mas em termos artísticos
deu-lhe o espaço
para pegar em tudo o
que tinha e concretizar.
Para mim a arte é
vida, e a vida é amor.
Aí resume-se tudo.
E, numa altura em
que a indústria da música
está “cheia de imposições”
e as pessoas
raramente se questionam,
Janeiro sentiu
a necessidade de
dar ao público um álbum
repleto de nudez
artística e conteúdo.
“Acho que falta
conteúdo. Acho
que estamos a
viver num mundo
só de forma,
e um mundo só
de forma, depois
faltam-lhe
as ideias.”
”
Com Tempo, Sem
Tempo é um álbum repleto
de dualidades.
Por um lado, obriga
o ouvinte a apreciar,
com tempo e atenção,
cada música para a
perceber devidamente.
O autor aprofunda,
explicando que lhe
interessa “essa ideia
de, numa audição superficial,
se dançar ao
som uma coisa que é,
aparentemente, leve…
mas, depois, ao ouvir
ou ler o conteúdo, se
ser levado para uma
cena completamente
diferente, para outro
sentimento, para outra
forma de pensar.”
Em 2018, lançou o
disco Fragmentos,
depois fez a “Janeiro
Sessions Live Tour” –
que entretanto foi interrompida
por uma
pandemia. No entanto,
nada o impediu de lançar
o seu segundo disco
de originais “Com
Tempo, Sem Tempo”
– que faz dele um artista
de outro tempo.
Um álbum sincero e
transparente, que reflete
a sua paixão e
sacrifício. Janeiro dá-
-se a conhecer a todos,
aos que têm tempo
e aos que não têm.
O futuro é ainda um
pouco incerto mas,
para o artista, permanece
a certeza de que
vai sempre continuar a
criar narrativas e música,
porque é aquilo
que lhe traz luz.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
65
Cultura
A emancipação da MULHER e a emancipação
de uma artista
Mariana Vilas Boas
A cantora portuguesa,
Carolina Deslandes,
tem-se tornado
cada vez mais numa
personalidade influente,
não só na área da
música, mas na sociedade
em geral. É,
atualmente, uma das
cantoras de maior sucesso
em Portugal e
esse sucesso foi fruto
de muito trabalho.
A arte vai muito
para além do entretenimento
e do lazer.
A arte é um meio de
educar e sensibilizar a
sociedade para as problemáticas
centrais e a
cantora tem demonstrado
que o seu trabalho
é, cada vez mais,
uma forma de expôr
os que têm de ser falados.
Ao longo dos últimos
anos, Carolina
Deslandes tem vindo
a afirmar-se enquanto
artista e a definir a
sua personalidade enquanto
artista, a artista
das causas. O EP MU-
LHER veio confirmá-lo.
As suas redes sociais,
nomeadamente
o Instagram, são uma
das suas grandes ferramentas
para fazer
chegar uma mensagem
aos que a querem
ouvir. Inicialmente,
Carolina abordava temas
que faziam parte
da sua realidade, como
o autismo de um dos
seus filhos ou o body
shaming de que era
alvo. E, daí, começou
a expandir as temáticas
que desenvolvia.
A sua carreira re
trata também esse
crescimento e maturação.
De um álbum
mais intimista, o
“Casa” e de um EP em
parceria com Jimmy
P, “Mercúrio”, Carolina
Deslandes lançou,
em 2020, um EP que
inclui uma curta-metragem
e 6 temas originais
que expõem a
primeira grande causa
que a cantora incluiu
no seu currículo
artístico: a violência
doméstica contra
o género feminino.
MULHER foi lançado
no dia 25 de
novembro, dia Internacional
pela Eliminação
da Violência
Contra as Mulheres. A
capa do EP MULHER Lançado por Carolina Deslandes
curta-metragem centra-se
Daí, a cantora ser a
precisamente capa e indumentar-se
nessa temática. Retrata
com o lenço de Viana
várias gerações
de mulheres vítimas
de violência doméstica
e, ao mesmo tempo,
ter vestida uma camisola
da Nike. Por ou-
e elementos como tro lado, induz o nosso
o lenço de Viana e a pensamento de como
prática religiosa e a
tradição familiar aproximam
este tema não é um
tema do agora, da era
ainda mais moderna, mas sim um
esta temática como problema de gerações,
sendo uma realidade que tem de ser travado.
do nosso país e não A mensagem que a
uma abordagem de narrativa passa ao longo
de cerca de 30 mi-
um problema que “só
acontece aos outros” nutos passa por todos
, lá fora. A capa do EP
afirma que o tema é a
Mulher, toda e qualquer
uma. Quer seja
mais velha ou mais
os “lados” da mulher
e assume, acima de
tudo, o direito da mulher
em ser todas as
versões que ela mesma
quiser assumir. A
nova, mais tradicional
ou mais modernista. curta-metragem divide-se
em 6 capítulos
e cada um deles inclui
um tema. No 1º, a vida
mais isolada e tradicional
retrata uma prisão,
insegurança e medo.
A vida mais isolada e
tradicional, refém dos
costumes, contrasta
com a descoberta
da cidade e a liberdade
que nela se vive. O
romper com o passado
e a ânsia de desvendar
o que estava por viver
assumem a mensagem
do 2º capítulo. A cidade
é associada à aventura,
à experiência e
ao mundo de oportunidades.
A confiança, a
coragem e a garra sobrepõem-se
ao receio.
O 3º capítulo assume
o lado mais sensual,
de instinto e liberdade
que a mulher tem
de “fazer o que lhe
apetece” e quebra a
ideia de que a mulher
é “uma galdéria” e irresponsável
quando
faz o que lhe apetece.
O 4º capítulo mostra
o lado mais bonito
do amor. A beleza de
partilharmos o nosso
íntimo com alguém.
Como o cenário pode
mudar e nem todo
o amor é abusivo e
complicado. Pode
ser simples e confortante.
Uma só cena,
num só espaço (quarto),
só duas pessoas,
uma guitarra e amor.
O 5º capítulo traz a
garra que toda a mulher
tem em si. A artista
aparece com
um Globo de Ouro
66 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Cultura
na mão, a prova de
que o trabalho, esforço
e boa vontade trazem
sucesso e, quanto
maior é o sucesso,
maior é a probabilidade
de se ser um alvo
de crítica. O 6º e último
capítulo retrocede
ao início da narrativa
e representa a prisão
da qual muitas mulheres
não conseguem
sair e vivenciam durante
anos, mas nunca
é tarde demais.
Ao longo de toda a
curta, são poucas as
palavras que ouvimos
das personagens que
protagonizam a história.
Ao longo da narrativa
há uma vez que nos
acompanha e traduz
em palavras poéticas
todas as sensações,
devaneios, sentimentos
e pensamentos.
A ficção escrita, narrada
e protagonizada
por Carolina Deslandes
retrata, assim, a MU-
LHER como um todo,
com todos os direitos
que tem. Obrigada, Carolina,
por esta homenagem
ao género feminino
e a forma como
contribuíste para a
nossa emancipação.
A inferiorização da
mulher já está fora de
moda e, tal como a artista
diz na curta-metragem,
“não me roubaste
os sonhos”, não
nos roubaram ainda os
sonhos e, por isso, somos
e assumimo-nos
cada vez mais como
mulheres. Só que, é
como Carolina Deslandes
nos diz, “Mulheres
unidas assustam.
Eu não deixo que
me distraiam mais.” E
tu, ainda te distrais?
The Crown e o
Reinado da Mulher
Mariana Vilas Boas
Depois de um ano
tão atípico e limitado,
coisas boas acontecem.
A espera acabou,
a 4ª temporada
da série “The Crown”
saiu e deixou os fãs
ainda mais aliciados
para uma próxima.
“The Crown”, a série
biográfica do reinado
da Rainha Elizabeth II,
tem sido um sucesso
desde a 1ª temporada.
Quer seja pela
curiosidade em descobrir
os segredos da
história da família real
mais adorada do mundo,
quer pela qualidade
gráfica e artística.
Depois da 3ª temporada,
que saiu em 2019,
a ansiedade pelo lançamento
da 4ª temporada
aumentou quando
se percebeu que
a história da Princesa
Diana ia ser integrada.
A verdade é que Lady
Diana foi a princesa
que conquistou o coração
do povo quando
se juntou à família real
e, até aos dias de hoje,
continua a conquistar.
Mas esta temporada
não é só sobre Lady Dia
na. É sobre mulheres.
É sobre a classe e
inteligência com que
utilizam o seu poder
– quer tenha sido
conquistado ou quer
tenha sido o destino a
encarregar-se de lhes
entregar. Três mulheres,
três exemplos e
lideranças completamente
distintas. A
Rainha Elizabeth, a
Princesa Diana e a Primeira-Ministra
Margaret
Thatcher são as
grandes protagonistas.
A rainha Elizabeth é
já uma representação
de emancipação desde
o primeiro episódio
– quer pela liderança
inesperada, mas sempre
serena; quer pela
doçura que contrasta
com a extraordinária
capacidade de imparcialidade
e rigidez. Ela
é a devoção para com
o dever inigualável.
Mas se por um lado
a Rainha Elizabeth representa
uma grande
formalidade e seriedade,
por vezes até
exagerada, a Princesa
Diana é completamente
o oposto.
É uma lufada de
ar fresco numa
família demasiado séria
e, até, infeliz. Esta
figura parece vir relembrar
a realeza de
que eles são humanos.
É, no fundo, a sensibilidade
e o afeto que
vão acabar por moldar
a coroa. A Primeira-Ministra,
Margaret
Thatcher, foi a primeira
mulher à frente do
Governo Britânico. É
a ambição, a força, a
determinação e a segurança
em pessoa.
Foram 11 anos de uma
liderança que mudou
o país, mas que também
demonstrou que
a nossa vez acaba por
chegar ao fim e que,
quando decidimos ir
Emma Corrin e Josh O’Connor como Prinicpe e Princesa de Gales
sozinhos, o caminho
deixa de fazer sentido.
Tudo nesta nova
temporada é magnífico,
tal como
foi anteriormente.
Desde o guarda-roupa
à banda sonora,
desde o elenco à realização.
Quando se retrata,
em ficção, factos
reais, a responsabilidade
e a dificuldade
duplicam. No entanto,
a série desempenha
um papel extraordinário
na recriação dos
episódios mais emblemáticos
da vida da
família real britânica.
Todo o elenco estudou
ao pormenor
as suas personagens,
sendo capazes de retratar
os mais ínfimos
pormenores, desde
tiques a olhares.
A representação das
três atrizes – Gillian
Anderson como Margaret
Tharcher; Emma
Corrin como Lady Diana
Spencer; e Olivia Colman
como Rainha Elizabeth
II – é esplêndida
e merece destaque.
A série, que junta o
drama da coroa e os
momentos mais marcantes
da história do
Reino Unido, prende
os espectadores pela
elegância, qualidade
cinematográfica e fidelidade
à realidade.
Devorada a mais recente
temporada, a vontade
de ver a próxima só
cresceu e a expectativa
está elevadíssima.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
67
“Acho que tomei sempre as escolhas
certas.
”
Muitos ambicionam entrar no mundo do futebol pela maior
porta de todas, ambicionam ser uma das estrelas que vai brilhar
nos maiores estádios do mundo. Filipe Macedo Alves, nunca
teve tal sonho. Entrou neste mundo do futebol, sim, mas
pela porta do agenciamento e hoje é um empresário de sucesso.
Com apenas 22 anos de idade, já conseguiu concretizar a
maior transferência da história do Vitória SC com a vende de
Edmond Tapsoba ao Bayer Leverkusen. O seu feito mais recente,
foi já neste presente mercado de Inverno com Oleg Reabciuk
a rumar da Capital do Móvel para o Olympiakos da Grécia.
Grande
Entrevista
Filipe Macedo Alves
À Vista | 11 de janeiro de 2021
70
Grande Entrevista
A história do
jovem empresário
motiva qualquer
um a seguir
os seus sonhos
e, ao Jornal “À
Vista”, falou sobre
como foi
chegar até aqui.
Andaste no Colégio
Alemão do
Porto, de que forma
isso influenciou
a pessoa que
és hoje, tanto pessoalmente,
como
profissionalmente?
línguas (portuguesa
e espanhola), ajuda
a que consiga ,desde
muito cedo, ter os
meus próprios negócios
não só com pessoas
em Portugal. Eu
tinha clientes em todo
mundo. Por exemplo,
na França, com quem
falava francês, e na
Alemanha, com quem
falava alemão. Hoje em
dia, na minha profissão
tenho ,diariamente,
que falar com várias
pessoas e uso as línguas
todas que aprendi
naquela instituição.
Como é que
surgiu a paixão
pelo desporto?
Essa pergunta é interessante,
até porque
estou, neste momento,
a falar a partir da
Alemanha que seria,
provavelmente, um
país onde não estaria
se não tivesse estudado
no Colégio Alemão
do Porto. Aquele
colégio abre os horizontes.
Não ficamos
só fechados à cultura
portuguesa, mas conhecemos
também
outras culturas. Conhecemos
muito bem
a cultura alemã, como
é óbvio, mas também
outras culturas porque
temos alunos de todas
as partes do mundo.
Acho que o facto de
ter aprendido alemão,
inglês, francês no Colégio
Alemão e o espanhol,
porque vamos
sempre aprendendo
aos poucos pelas parecenças
entre as duas
É engraçado porque
muitas das pessoas
que trabalham
no futebol foram, ou
tentaram, ser jogadores.
Eu nunca tentei
ser. Não tinha qualidade
para isso sequer,
como toda a gente
que me conhece sabe.
Nunca quis ser. O meu
pai nunca foi e nunca
tive nenhum familiar
que quisesse ser
jogador de futebol.
Eu não venho do
mundo do futebol.
Obviamente, adoro
“
ver
futebol.
Aliás, vejo mesmo
muito futebol, todas
O que me atraiu
para fazer o que
faço hoje é a parte
do negócio que está
nos bastidores do
futebol
”
as semanas, jogos
ao vivo, se bem que
agora não tem sido
possível por causa da
pandemia. Mas tenho
esse amor ao desporto,
que surgiu depois
de eu já ter entrado
no mundo do futebol
por causa do negócio.
Ou seja, eu não trabalho
hoje no futebol
por gostar apenas do
jogo em si, trabalho
por gostar de tudo o
que envolve o futebol.
No sentido em que,
eu não falo de táticas,
não percebo desse
lado mais técnico. O
que eu gosto é a parte
do negócio e desde
Filipe Macedo Alves e Oleg reabciuk
muito cedo que comecei
a conhecer os jogadores,
portanto, gosto
das pessoas por detrás
das estrelas. Gosto
dos diretores, dos
jogadores...consigo ter
uma boa relação com
todos os intervenientes
neste desporto e,
quando isto acontece,
tudo corre muito
melhor. Obviamente
que hoje amo o futebol,
mas não posso
dizer que desde criança
sou maluco por
futebol, porque isso
não é verdade. Fiquei
maluco por futebol
mais tarde, sou maluco
por futebol hoje,
71 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Entrevista
que me levou ao futebol.
Foi um acaso. Foi
gostar das pessoas, foi
gostar daquilo que é o
mundo do futebol. O
que muita gente não
gosta, e não estou a dizer
que tudo no futebol
é bonito, mas há muita
gente boa no futebol e
quando se tem a possibilidade
de trabalhar
com essa gente boa,
tudo fica mais fácil.
Por norma, os rapazes
cativam-se
muito pelo futebol
e sonham em ser
jogadores. Por outro
lado, tu cativaste-te
pelo lado
da agência. Quando
te apercebeste
que essa área fazia
mais sentido?
Eu tinha cerca de
17/18 anos, não consigo
precisar, quando
vários dos jogadores e
até sei quem foi o primeiro,
mas prefiro não
dizer o nome, até porque
hoje em dia não
trabalhamos juntos e
tem outro agente. Não
trabalhamos juntos,
mas continua a ser
meu amigo. Já tinha
outro agente, na altura,
e continua a tê-lo. Ele
disse-me de caras: “Tu
devias ser agente pela
personalidade que
tens e pelas capacidades
que tens. Devias
ser agente de jogadores.
Devias trabalhar
nisso e um dia vais ser
meu agente”. Foi aqui
que houve aquele clique
necessário para
me começar a interessar
mais por esta área
do agenciamento. Até
que, depois, comecei a
pesquisar mais sobre
a área e começaram
a surgir oportunidades.
E, lá está, surgiu
a oportunidade de
começar a trabalhar
como agente e agarrei
a oportunidade. Mas
tudo começou pela iniciativa
de um jogador
e depois de outro, que
viram em mim as características
necessárias
num bom agente.
Pela forma como falo,
pela relação que consigo
construir com os
jogadores... Comecei
aos 18 e agora cá estou.
Ingressaste na
Universidade Católica,
no curso de
gestão, aos 18. Viste
o curso como
um complemento
ao que faz agora?
Em que medida
é que o curso te
ajudou até agora?
O curso de gestão
que tirei, para o que
faço hoje no futebol,
diretamente, naquilo
que é o meu trabalho
de relação com os jogadores
e de relação
com os clubes, não me
ajudou muito. O futebol
na parte do agenciamento
e na parte
de transferências não
tem nada de complexo,
comparando com
a gestão de uma empresa
do nível de uma
Deloitte, que seja. Não
tem essa complexidade…
A complexidade
de um negócio, numa
transferência, são os
valores. Obviamente,
não digo que é fácil,
mas o que se aprende
num curso de gestão,
amplo como o meu
que não foi gestão
desportiva, não é tão
fácil de aplicar no futebol.
Envolve microeconomia,
macroeconomia
e isto são coisas
que não se aplicam no
futebol. No futebol é
preciso: ou tirar um
curso de gestão desportiva,
que eu não tirei,
ou então acaba por
nascer um pouco connosco
aquela “espertice”
e o saber como
resolver determinadas
situações e, sobretudo,
é com a experiência
que se aprende.
“
Eu, por exemplo,
não estou
há muito tempo nisto,
mas, entretanto, já fiz
duas grandes transferências
e consigo dizer
que, desde a primeira,
aprendi mesmo muito
porque realmente as
coisas são complexas.
Muita gente sente
que é difícil contactar
com os jogadores
de futebol
pelo ambiente fechado
no qual vivem.
Como é que
o Filipe conseguiu
entrar neste meio?
Foi uma coincidência
muito engraçada…
Eu conheci o primeiro
jogador profissional de
futebol, o Kelvin (ex-
-jogador do Futebol
Clube do Porto), estava
ele ainda no Porto e eu
ia sempre com um dos
meus melhores amigos
ver os jogos para
a tribuna VIP do Estádio
do Dragão, porque
esse meu amigo tinha
lá lugares. Por acaso,
conheci o melhor
amigo do Kelvin,
que vivia até com
ele e eu nem sabia
que eram amigos.
Foi mesmo uma grande
coincidência.
Foi mesmo uma grande
coincidência. Um
dia estava a combinar
uma coisa com esse
amigo, ele veio-me
buscar a casa e estava
o kelvin no carro.
Foi nesse momento
que o conheci. Automaticamente
tivemos
uma boa relação e, a
partir daí, fui conhecendo
um jogador, depois
outro e outro…
Depois, quando tive
o meu primeiro negócio,
fui alargando a
minha rede de contactos
no mundo do
futebol. Como todos
os jogadores que eu
conhecia na altura, e
que conheço hoje, tinham
uma boa relação
comigo e confiavam
em mim, iam-me
apresentando a outros
jogadores. Entretanto,
em Portugal, conheço
mesmo muitos jogadores
e se eu hoje
precisar de ter acesso
a alguém consigo
chegar a essa pessoa.
Por exemplo, preciso
de falar com alguém
da seleção nacional,
tenho à vontade para
ligar ao Bruno Fernandes
(jogador do Manchester
United) que
conheço há muitos
São coisas que não se
aprendem na universidade, que
não se aprendem em cursos. É
um pouco a escola da vida.
”
anos, e não foi pelo
agenciamento que o
conheci, e dizer: “Bruno,
podes-me facilitar
o contacto com o jogador
x, porque preciso
de y?” Consegui entrar
na bolha à custa do
primeiro contacto que
depois facilitou todos
os outros contactos.
Tem também a ver, um
pouco, com a minha
forma de ser. Dou-me
bem com muita gente,
não só pessoas ligadas
ao futebol, porque tenho
facilidade em criar
relações e, lá está, o
jogador de futebol é
uma pessoa como as
outras. Se sentir confiança
e sentir que a
relação é boa, deixa-
-te entrar na bolha.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
72
Grande Entrevista
Antes de ser agente,
vendeu roupa a
várias estrelas do
futebol. Sentiu que
passaria por aqui a
forma de inclusão
com os jogadores
ou, na altura, era
apenas algo que
gostava de fazer?
É verdade! Quem me
deu a ideia desse negócio,
não me deu a
ideia, mas abriu-me
um bocado os olhos,
foi o Kelvin, mais uma
vez. Eu sempre gostei
de roupa de marca: sapatilhas,
o que fosse…
E, uma vez, o Kelvin
viu-me com umas sapatilhas,
enviou-me a
fotografia de umas parecidas
e disse: “precisava
disto, consegues
comprar?”. Eu andei a
pesquisar e acabei por
não encontrar nada.
Foi então que ele me
mandou uma página
do Instagram de
uma pessoa na França,
um homem, que fazia
trabalho de “personal
shopper”. Quando
vi a página dele, falei
com ele para comprar
as tais sapatilhas
e depois até acabei
por não comprar. Vi o
perfil dele e pesquisei
uma coisa parecida
em Portugal, mas não
havia nada. Não havia
nenhum serviço desses,
pelo menos em
páginas de Instagram.
Então, pensei que poderia
preencher esse
buraco no mercado e
comecei a fazer aquilo,
exclusivamente,
para jogadores e foi
assim que criei o negócio.
Estava no colégio
e, por isso, também
não tinha muito
tempo, mas consegui
ter ali um nicho que
me comprava muitas
coisas e não me
dava muito trabalho.
Comecei a comprar
tudo o que era roupa,
sapatilhas, acessórios...
o que quer
que o jogador precisasse,
eu comprava.
Obviamente, obtinha
uma margem por
cima do valor do artigo
e, de repente,
com o “passa a palavra”,
as coisas começaram
a correr bem.
Só para ficarmos
com uma ideia,
que idade tinhas
quando começaste
esse negócio?
Penso que tinha 15
anos quando comecei.
É engraçado, agora estou
aqui na Alemanha,
com um jogador alemão,
e está aqui com
companhia e, em conversa,
surgiu a questão
quanto ao porquê
de eu estar a dar uma
entrevista. E o jogador
respondeu: “Começou
com 15 anos um
negócio de sucesso”.
Aos 22 anos já
tem um cargo
que outros profissionais
demoram
anos a conquistar,
qual acha
que é o segredo?
Quem me conhece
há muitos anos, sabe
que, quando eu meto
uma coisa na cabeça,
trabalho mesmo muito
para conseguir que dê
certo. Foi assim que o
primeiro negócio deu
certo. Quando entrei
no mundo do agenciamento,
meti na cabeça
que queria chegar
longe e comecei
desde cedo a trabalhar
e a dar o máximo.
“
Não sou jogador, lá
está, mas tal como
eles, abdico muito daquela
que é a minha
vida pessoal, desde
saídas com amigos,
jantares, discotecas…
Tudo porque estou a
trabalhar ou porque
vou jantar com um
jogador, porque tenho
que fazer alguma
coisa que tenha a ver
com o meu trabalho.
Comecei a abdicar de
muita coisa, muito
cedo, precisamente,
quando comecei nessa
área, aos 18. Acho
que o facto de eu ser
focado e só querer
trabalhar, juntamente
com a minha forma
de ser… Tive um bocado
de sorte, nesse
aspeto, por causa das
relações que tenho.
Ajudou-me a cumprir
alguns dos objetivos
muito cedo. Obviamente
que tenho que
agradecer aos jogadores,
que confiaram em
nós e que continuam a
confiar até hoje, porque
sem eles, nada
disto seria possível.
Eu acho que a
minha principal
característica é ser
muito ambicioso e
trabalhar muito.
”
Atualmente debate-se
bastante
a importância da
figura do agente
no futebol. Para
si, quais as principais
características
que um agente
deve ter? Um
mau agente, pode
realmente prejudicar
o desporto?
Começando agora
pelo fim...Realmente,
se o agente for
mau, só prejudica. É
um facto. Só prejudica
porque mentaliza o
jogador de coisas que
não são verdade. Mete
coisas na cabeça do
jogador e pensa muito
mais nele próprio
do que no jogador em
si… Até vi até, recentemente,
a entrevista
de um presidente de
um clube a dizer que
há empresários que
querem ganhar tanto
quanto o jogador. Acho
que para ser um bom
agente, e atenção que
também não sou perfeito
e falo com todo
o respeito e com toda
a humildade, acho que
é preciso ter caráter.
73 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Entrevista
É preciso ser honesto
com os jogadores e,
sobretudo, ter uma relação
de confiança. Os
jogadores têm de conseguir
confiar em nós,
e nós neles. Isto acaba
até mesmo por ser o
mais importante. Claro
que também é preciso
ser um bom relações
públicas, já que é
necessário contactar
muito com os clubes e
é preciso ter facilidade
em comunicar, porque
senão não conseguimos
fazer o negócio.
O Filipe, desde
muito cedo, teve
muitos seguidores
no Instagram.
A um certo ponto,
começou a ver
esta rede social
como uma rampa
de lançamento
para chegar aqui?
Eu também tive muita
sorte, e ainda bem
que fazes essa pergunta,
porque quando
comecei o negócio da
roupa foi, precisamente,
na altura em que o
Instagram lançou as
mensagens privadas.
E, quando isto aconteceu,
não existiam os
pedidos de mensagem.
Era apenas preciso
enviar uma fotografia
para a pessoa e depois
a pessoa, automaticamente,
recebia a mensagem,
quer quisesse,
quer não. Ou seja, eu
tive sorte de ser nessa
fase em que mandei
mensagem para centenas
de jogadores de
nível alto e outros que
na altura nem eram
conhecidos e que agora
são autênticas estrelas…
Apresentei a
minha ideia de negócio
e muitos diziam para
eu mandar o que tinha
ou, então, até faziam
mesmo os primeiros
pedidos. Nesse aspeto,
sim, foi uma autêntica
rampa de lançamento.
Filipe Macedo Alves com Deco (à esquerda) e Edmond Tapsoba (no meio)
À Vista | 11 de janeiro de 2021
74
Grande Entrevista
O Filipe tem ainda
um projeto inteiramente
seu, intitulado
de OneGoalOnly.
Como surgiu a ideia
e qual o objetivo
deste seu projeto?
Esta ideia da One-
GoalOnly surgiu em
plena pandemia. Aliás,
foi mesmo no início.
Salvo erro, foi durante
aqueles meses de
quarentena, em abril.
Eu ainda vivo com
a minha mãe. Estávamos
num almoço e
estava a refletir sobre
o que podia fazer para
ajudar quem realmente
foi afetado por esta
pandemia. E, do nada,
ocorreu-me usar os
contactos que tenho,
não de jogadores nossos
(da D20Sports),
mas sim os meus contactos
no mundo do
futebol, para tentar
ajudar de alguma forma.
A primeira coisa
que me ocorreu foi fazer
os leilões das camisolas.
Falei com o
Otávio Monteiro (jogador
do FC Porto) e ele
foi uma grande ajuda,
aliás, foi até mesmo o
dono da primeira camisola
a ser leiloada.
Se não tivesse sido
ele, não teria conseguido
seguir em frente
com o projeto. Ele
adorou a ideia e apoiou
de imediato. No início,
ainda houve algum receio
daquilo não funcionar.
A verdade é
que, já ultrapassamos
os 25.000 euros doados
a várias instituições.
É ótimo porque
é mais uma forma de
se conseguir, com o
futebol, trazer coisas
boas e ajudar quem
verdadeiramente precisa
e foi afetado pela
Covid-19. Passados já
alguns meses, ajudamos
pessoas, não só
afetadas pela pandemia,
mas também
pessoas que têm alguma
doença e precisam
de pagar o tratamento.
Várias pessoas
mandam mensagem
para a página a dizer
que conhecem alguém
que precisa de ajuda.
Há pessoas que arranjam
elas mesmas a
camisola e nós tratamos
do leilão. Fiz isso
várias vezes com a Associação
do Futebol
para a Vida, com quem
temos uma parceria.
Eles dão as camisolas
que têm para leiloar e
o dinheiro que conseguirmos
com o leilão
vai para a eles, que depois
distribuem caso
a caso. Está a correr
bem e é para mostrar
que se pode fazer
coisas no futebol.
“
Muitos jogadores
conhecem, inclusive,
as instituições
que querem ajudar e
é bom perceber isso.
Qual a precessão
dos seus pais
da sua carreira?
Agora não têm reticências
nenhumas.
Sempre me apoiaram,
sempre tive
todo o apoio, mas
acho que nunca pensaram
que tão cedo
fosse fazer tanta coisa
no futebol. Acho
que estão orgulhosos.
Passados já 4
anos de ascensão
neste meio, o que
é que mudou e o
que é que sente
que continua a ser
como era antes nos
tempos do colégio?
A minha relação com
os jogadores continua
a ser a mesma. Sejam
os jogadores que estão
comigo desde o
início, que entretanto
também já chegaram
Há a ideia errada
de que os jogadores
são pessoas más e,
eles próprios, vieram
de ambientes
mais pobres.
”
a patamares altos, sejam
jogadores que conheço
hoje, com quem
começo a trabalhar, ou
jogadores mais jovens
ou mais experientes.
A minha relação com
eles é sempre a mesma
e é isso que eu quero
que fique sempre
igual. Que seja sempre
na base da amizade e
da confiança e nunca
deixar que o facto de já
ter conseguido atingir
alguns objetivos mude
a minha forma de ser,
nem a mentalidade.
Os seus amigos no
colégio chamavam-
-lhe “o próximo
Jorge Mendes”. Há
o objetivo de chegar
a esse patamar?
Há esse sonho. O Jorge
Mendes é o melhor.
Para mim, é o melhor
agente de sempre.
Obviamente que chegar
ao nível dele não é
fácil. O Jorge Mendes
tem uma carreira absolutamente
fantástica.
Tem os melhores jogadores
do mundo. Os
melhores negócios do
mundo são feitos pelo
Jorge Mendes… É um
sonho, mas sou novo.
Ainda tenho alguns
anos para tentar chegar
a esse nível, mas
tenho que manter os
pés bem assentes na
terra e saber que Jorge
Mendes é um ídolo.
Alguém para quem se
olha e se percebe que
é muito difícil de chegar
onde ele chegou.
75 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Grande Entrevista
Com todas as luzes
a começarem,
cada vez mais, a
estar apontadas a
si, sente que esses
amigos ainda estão
lá? A sua posição
não o separa
das suas raízes?
Eu tenho noção de
que sou ausente. Não
consigo estar presente
em muitos jantares
e em muitas coisas da
vida dos meus amigos.
Mas sei, e acho
que não me engano,
que os meus verdadeiros
amigos são os
que já estão comigo
desde o colégio e que
um dia que eu precise,
vão estar lá para
mim, tal como eu vou
lá estar para eles. O
facto de não conseguir
manter um contacto
muito frequente, por
estar fora ou por estar
muito ocupado ou
pelo que falámos de
eu ser muito focado
naquilo que é o meu
trabalho, às vezes, não
estou tão presente...
mas sei que os que me
rodeiam sabem que
nunca lhes vou falhar.
Já há muita gente
cá em Portugal que
te conhece. Que
imagem tentas passar
para o público?
Sinceramente
não
Filipe Macedo Alves e Afonso Sousa
penso muito nisso.
Não tento passar imagem
nenhuma. Sou
o que sou. Acredito
que haja muita gente
que não goste, mas
sei que, geralmente,
quem me conhece
pessoalmente gosta
da minha forma de
ser, da minha pessoa.
“
Apenas tento manter
os meus princípios
e não penso no que
os outros pensam ou
a imagem que passo.
Não me deixo afetar
por quem não gosta de
mim, nem vou mudar
nunca a minha forma
de ser e de estar na
vida e no futebol por
causa da opinião de
pessoas que nunca me
quiseram conhecer.
Mudava algo no
seu percurso até
agora? Se não ou
se sim: porquê?
Não mudava nada. Está
tudo encaminhado.
Acho que tomei sempre
as escolhas certas.
Dei sempre os passos
certos, tudo a seu
tempo. Posso também
dizer que estou orgulhoso
do meu percurso
e do que consegui alcançar
até hoje.Tenho
que agradecer muito à
minha mãe, que sempre
me apoiou nessas
decisões e que é
a minha conselheira.
Por isso, não mudava
rigorosamente nada.
O menino de 15
anos que vendia
roupa aos jogadores
alguma vez achou
possível chegar
onde chegou hoje?
Não trabalho pela
imagem.
”
Acho que o Filipe de
15 anos não pensava,
mas se calhar o Filipe
de 19/20 já pensava
chegar aqui. Lá está,
na altura era mais inocente
e não pensava
chegar tão cedo aqui,
ainda para mais a fazer
o que faço. Acho
que o Filipe de 15 anos
estaria muito contente
e até acho muito
bom que esse Filipe
não soubesse, nem
esperasse chegar aqui
porque, se o fizesse
e se trabalhasse apenas
para o sucesso,
não teria conseguido
chegar a este ponto
na carreira. Lá está,
consegui o que consegui
por fazer o que
gosto, com todo o coração
e com vontade
de aprender cada vez
mais e não para alcançar
objetivos, isso vem
por acréscimo. É fruto
do meu trabalho…
O que está para
vir ainda? Projetos
futuros que
tenha em mente?
Acho que o nome Filipe
Macedo Alves vai
sempre ficar ligado ao
futebol. Espero que
sim, pelo menos. Trabalho
muito por isso
e espero que tudo dê
certo. Vai ser muito à
volta disso. Não tenho
projetos novos para o
futuro. A OneGoalOnly
está a correr bem
e o trabalho também.
O que posso dizer é
que vou ficar a trabalhar
no futebol por
muitos anos e espero
que possam vir a ouvir
falar de mim no futuro,
seria bom sinal.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
76
Desporto
imagem: Getty Images
“A mão de Deus” voltou para o levar
Crónica
João Brandão
Sinto-me verdadeiramente
triste
por escrever
este texto, por dois
motivos. Primeiramente,
porque foi preciso
chegar este momento
para eu ir ver vídeos
do argentino a jogar
nos seus tempos áureos.
Sempre amei futebol,
como tal, sempre
admirei o nome
“Maradona”, mas mais
pelas histórias que
me contavam desde
pequenino e pela
forma que esboçavam
um sorriso sempre
que as contavam.
Em segundo lugar,
por ver uma figura tão
icónica como Diego
Armando Maradona
partir de forma prematura.
Tinha 60 anos.
60 anos de glória e de
momentos que imortalizaram
o seu nome
em todas as ruas deste
mundo. “El Pibe”,
como também era conhecido,
foi o jogador
que atribuiu significado
à expressão “a mão
de Deus”, referente ao
golo marcado com a
mão nos quartos-de-
-final do mundial de 86.
O mundo do futebol
estava a seus pés. Revolucionou
a maneira
como se via futebol,
revolucionou a mentalidade
dos outros
jogadores que, de repente,
queriam driblar
como o Maradona,
queriam chutar como
Maradona, queriam ser
tão rápidos como ele…
Sempre ouvi dizer que
estes génios não deviam
morrer e talvez
mesmo por esta expressão
tenha estabelecido
um padrão interessante.
Os génios,
não só morrem como
todos os outros, como
também morrem mais
cedo do que o antecipado.
São os casos
de Martin Luther King,
Freddie Mercury, Alan
Turing, Michael Jackson
e tantos outros…
Pergunto-me sempre
se será este o preço
a pagar pela genialidade.
Será este
o derradeiro fim para
quem vê para além do
que lhe mostram? E,
se sim, será que eles
têm consciência de
que estão a caminhar
para este desfiladeiro,
mas continuam, sem
olhar para trás, com a
ideia de deixar o legado?
Será que todas as
“loucuras” cometidas
na incessante procura
pela imortalidade
dos seus nomes são
resultantes de momentos
em que estes
génios se sentem
incompreendidos no
mundo em que vivem?
Talvez esteja a romantizar
demasiado
toda a situação, já que
a sua morte me apanhou
de surpresa, mas
a verdade é que agora
o mundo está todo a
olhar para si, Maradona.
Está todo a olhar
para si, mas chora
porque já não o vai ver
mais. O futebol não seria
nada se não tivesse
existido alguém como
o Maradona e eu não
seria ninguém se o futebol
não existisse tal
como é. Desta forma,
moldou imensa gente
por todo o mudo.
A mim só me resta
agradecer-lhe e despedir-me
de si, nesta
carta aberta que agora
nunca será enviada.
Descanse em
paz, “El Pibe”.
67 À Vista | 11 de janeiro de 2021
Desporto
Fórmula 1 em Portimão: Em Portugal,
outra vez Hamilton
João Brandão
A
competição de
automobilismo
mais famosa do
mundo regressou a
Portugal. Portimão recebeu,
nos dias 23, 24
e 25 de outubro, uma
das etapas do circuito
mundial de Fórmula 1.
O “Formula 1 Heineken
Portuguese
Grand Prix” trouxe
ação ao circuito do
Autódromo internacional
do Algarve. A
prova marcou também
o calendário por
ter sido realizada com
público nas bancadas.
Lewis Hamilton conseguiu
o melhor tempo
e saiu, portanto, da pole
position. Na primeira
linha da grelha de partida
fizeram-lhe ainda
companhia, Valtteri
Bottas, companheiro
da Mercedes e Max
Verstappen, jovem piloto
belga da Red Bull.
Como tal, à partida
para o arranque deste
grande prémio, o favoritismo
estava do lado
do campeão mundial
em título Lewis Hamilton.
Bottas liderou
provisoriamente
até à última volta das
qualificações para a
prova do dia 25, mas
acabou por ser destronado
pelo piloto
britânico por 102 milésimos
de segundo.
Destaque das qualificações
do primeiro
dia, vai ainda para
nomes como Charles
Leclerc, quarto melhor
a tempo das classfi-
cações gerais e para a
prestação menos bem
conseguida por parte
de Sebastian Vettel
que vai partir do
15º posto da grelha de
partida. Já Ricciardi
acabou no décimo lugar,
após um acidente.
O terceiro e último
dia da corrida teve
o que este circuito
mundial já muitas vezes
viu, Lewis Hamil-
-ton a partir em primeiro,
mas teve também
“A Portuguesa”
no arranque do dia.
Valtteri Bottas passou
para a frente da corri-
rida logo nos momentos
iniciais, mas não
conseguiu impedir que
o seu companheiro de
equipa o ultrapassasse
rumo a mais uma
vitória de um GP. Com
este triunfo, o britânico
bateu o recordo
mundial de vitórias em
grandes prémios (92)
ao ultrapassar o alemão
Michael Schumacher
com 91 vitórias.
O pódio foi completado
pelo finlandês
da Mercedes, Valtteri
Bottas e por Max Verstappen.
Desta forma,
a Mercedes consegue
imagem: Observador
mais uma conquista
nesta época e dupla
presença no pódio,
assinalando a supremacia
que veio a demonstrar
ao longo de
toda a época para todos
os competidores.
Com cinco grandes
prémios a disputar,
Hamilton é cada vez líder
isolado do campeonato
mundial, agora
com 256 pontos, face
a Bottas, com 179 e
Verstappen, com 162.
Desta forma, a modalidade
regressou, 24
anos depois, a terras
lusitanas. Nessa altura,
a prova realizou-se
no Estoril e contou
com um pódio formado
por nomes bastante
sonantes da modalidade
como são os
casos de Jacques Villeneuve,
Damon Hill e
Michael Schumacher.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
68
Desporto
No Estádio da Luz,
a seleção francesa
venceu por
1-0 a seleção portuguesa.
O golo do jogo
foi marcado pelo médio
do Chelsea, N’Golo
Kante, no início da segunda
parte. Com este
resultado, Portugal vê
eliminadas as possibilidades
de defender
o título da competição
na Final Four.
A reedição da final do
Euro 2016 aconteceu
e, desta vez, o destino
sorriu aos gauleses
naquela que foi a
penúltima jornada da
fase de grupos da Liga
das Nações. No último
jogo desta fase da
prova, a seleção das
quinas deslocou-se a
Split, Croácia, e venceu
os croatas por 3-2.
Este resultado determina
um segundo lugar
do grupo e a impossibilidade
de prosseguir
para a Final Four.
Depois de uma boa
exibição no jogo de
Paris, os portugueses
iam motivados para
este jogo. O nulo conquistado
em terreno
francês demonstrou
solidez defensiva e
criatividade no último
terço, fatores que
expuseram a seleção
campeã mundial
em título. Mas se, por
um lado, estávamos
motivados para este
jogo, por termos conseguido
jogar “olhos
nos olhos” contra a
melhor seleção do
mundo, os franceses
imagem: FPF
Desforra francesa elimina
Portugal da Liga das
Nações
João Brandão
estavam igualmente
motivados para renovar
a imagem de intocáveis.
E, nesse sentido,
o conjunto liderado
por Didier Deschamps
aprendeu a lição. Com
uma grande mobilidade
no meio-campo
composto por três
elementos a conseguir
sobrepor-se ao
meio-campo de Portugal
que, no seu miolo,
apenas contava
com Danilo e William.
A primeira parte do
jogo foi marcada pelo
domínio francês que
conseguiu conter as
iniciativas portuguesas.
O ataque composto
por Bernando
Silva, João Félix e Cristiano
Ronaldo contava
ainda com a ajuda
de Bruno Fernandes,
que, embora seja médio,
ocupou espaços
nas alas e no meio
campo ofensivo, principalmente.
Bernardo
Silva, jogador do Manchester
City sublinhou,
mais uma vez, não
ter começado a época
na melhor forma,
razão pela qual não
tem sido opção a titular
na equipa inglesa.
Já na segunda parte,
notou-se uma grande
motivação por parte
da seleção das quinas
que entrou mais
pressionante e com
vontade de inverter a
tendência do jogo. Porém,
os franceses tinham
outros planos e
numa jogada algo fortuita
conseguiu chegar
à vantagem por
intermédio de N’Golo
Kanté. Depois deste
momento, que acabaria
por decidir o jogo,
houve uma mudança
de mentalidade por
parte dos campeões
Classificação
Primeira Liga Portuguesa
1.
2.
3.
4.
5.
Sporting CP
FC Porto
SL Benfica
SC Braga
mundiais que procuraram
defender a vantagem
mínima. Portugal
procurou penetrar a linha
defensiva francesa,
mas sem sucesso,
resultando no desaire
que afastou os lusitanos
da competição.
Com este resultado,
a França prossegue na
prova e vai enfrentar a
Espanha, Itália e Bélgica
na Final Four, a
realizar-se este ano.
Depois de ter conquistado
a prova em 2019,
Portugal vê-se afastado
da possibilidade de
prosseguir na prova.
FC P.Ferreira
Pts
35
31
31
27
20
77
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Desporto
Resumo do Giro: Tao Geoghegan Hart
sagra-se campeão no último dia de prova
João Brandão
O
Giro de Itália
terminou no dia
22 de novembro
e viu Tao Geoghegan
Hart sagrar-se campeão
com um tempo
total de 85 horas 40
minutos e 21 segundos.
O pódio foi completado
por Jai Hindley
que acabou por perder
a “maglia rosa” no
contrarrelógio final ao
ficar a 39 segundos do
primeiro classificado.
Em terceiro lugar ficou
Wilco Kelderman, a um
minuto e 29 segundos
do líder da prova.
Ao fim das três semanas
de prova, nunca
se poderia ter esperado
um final tão empolgante
do Giro d’Italia.
Os portugueses voltaram
a sentar-se em
frente às televisões
para apoiarem João
Almeida que esteve a
vestir a camisola rosa
durante 15 dos 21 dias
da prova. Foi apenas
na subida ao Stelvio
na 18ª etapa da grande
volta que o lusitano viria
a perder a já escassa
vantagem que trazia
sobre o então segundo
classificado, Wilco
Kelderman, atleta
holandês da Sunweb.
Na difícil subida ao
Stelvio, João Almeida
ainda se aguentou
colado ao grupo onde
se encontravam os homens
que frequentavam
o top-10 durante
alguns quilómetros,
mas acabou por não
conseguir acompanhar
o ritmo imposto pelos
homens da Ineos,
dos quais faziam parte
Tao Geoghegan Hart e
Rohan Dennis. Quem
aproveitou a quebra
do português foi Wilco
Kelderman que se
manteve na roda dos
homens da frente para
se distanciar do português
o suficiente para
o ultrapassar na classificação
geral. Geoghegan
Hart e Hindley
reposicionaram-se no
top 10 da prova e consumaram
uma reviravolta
inesperada no topo
das classificações.
A controvérsia desta
etapa viria ainda assim
a instalar-se quando
o holandês descolou
dos atletas na frente
da corrida e o seu
companheiro de equipa
nada fez para o voltar
a incluir no grupo.
Jai Hindley, líder da
camisola da juventude,
deixou Kelderman
para trás e perseguiu
o primeiro lugar da geral.
No entanto, Kelderman
acabou o dia
com a camisola rosa,
mas tinha pouco tempo
de vantagem para
os seus mais próximos
concorrentes, Tao
Geoghegan Hart e Jai
Hindley. À partida para
os três últimos dias
de prova as contas
da camisola rosa estavam
em aberto e o
suspense aumentou.
A subida ao Stelvio
deixou marcas em todos
os competidores,
mas Kelderman apareceu
na última etapa
de montanha especialmente
desgastado
e acabou mesmo
por perder a camisola
rosa e descer para
o terceiro posto da
classificação geral. Jai
Hindley acabou o dia
como líder da volta a
Itália apenas com o
contrarrelógio da consagração
pela frente.
Este contrarrelógio
viria, desta feita a ser
tudo menos de consagração,
já que o favoritismo
estava do lado
do homem da Ineos
imagem: BBC
pela maior experiência
em etapas deste
género e pelo facto de
ambos os atletas partirem
com o mesmo
tempo para a prova.
Como tal, aconteceu
o que já se antecipava
e Jai Hindley não
foi capaz de acompanhar
o ritmo de Tao
Geoghegan Hart. O
britânico ganhou 39
segundos a Hindley
na derradeira prova e
passou a meta com a
certeza de que era o
vencedor desta edição
da Volta a Itália.
Pelo caminho ficaram
os grandes feitos
dos portugueses, tanto
de João Almeida,
como de Rúben Guerreiro,
vencedor da camisola
da montanha
que tanto animaram
o povo português ao
longo dos últimos 21
dias. Ficou ainda a
questão quanto à estratégia
da equipa da
Sunweb em deixar
Kelderman para trás
e apostar em Hindley
para ganhar a Volta.
À Vista | 11 de janeiro de 2021
78
Desporto
Artigo de Opinião
João Brandão
Esta é a história
de dois “pirralhos”
que, sem
pedir autorização a
ninguém, colocaram
o ciclismo de volta
aos palcos nos quais
tanto merece estar.
Quem é português
já ouviu falar em Joaquim
Agostinho. O lendário
nome ecoa nas
ruas portuguesas e na
nossa mente sempre
que se fala de ciclismo.
Natural de Torres
Vedras, começou a
pedalar tarde, apenas
aos 25 anos de idade.
Talvez, por esse motivo,
tenha tido que
pedalar o dobro para
apanhar a concorrência.
A verdade é que
lhe apanhou o gosto
não só à modalidade,
mas também a “pedalar
o dobro”. Provas
disso mesmo são os
incríveis resultados
que Agostinho alcançou.
Foi segunda da
geral na “Vuelta” e foi,
por duas vezes, terceiro
no “Tour”. Aos 41
anos, no entanto, na
volta ao Algarve sofreu
uma queda e acabou
por falecer depois
de 10 dias em coma
como sequência desse
mesmo acidente.
Eu prometi contar a
história dos dois meninos
de ouro que estiveram
nesta edição
do Giro, mas a verdade
é que tanto a de
um como a de outro
começou com histórias
de Joaquim Agostinho.
O sonho de alcançar
um dia o que
Agostinho alcançou
move qualquer atleta
de ciclismo. Cresceram
com este ídolo,
mas viveram com
outro, Rui Costa. Ele
que, em 2013, era notícia
de destaque por
Portugal fora por se
sagrar campeão mundial
de estrada. Ele
que subiu ao mais alto
lugar do pódio e fez
soar “A Portuguesa”
na Toscana. Pois bem,
Rúben e João, vocês
foram os nossos ídolos
durante estas últimas
três semanas.
Rúben, guerreiro de
nome, foi o primeiro
português na história
do nosso país a conquistar
uma das quatro
principais classificações
de uma grande
Volta. Foi na 18ª etapa
do Giro que Rúben assegurou
matematicamente
a camisola azul
ao saber da desistência
do seu mais próximo
concorrente pela
camisola da montanha.
Mas perante este
feito, o que emocionou
muitos portugueses foi
o gesto que Guerreiro
teve para com João
“Guerreiros” como nunca,
“Almeidas” como sempre
Almeida. Não eram da
mesma equipa, lutavam
por objetivos diferentes,
mas quando
Rúben viu o seu compatriota
em dificuldades
não hesitou em ser
português e em ajudar
como podia, porque o
cansaço já era muito.
João Almeida, nos
seus 22, vestiu a camisola
cor-de-rosa durante
quinze dias e terminou
no quarto lugar
da classificação geral.
Não houve uma única
etapa que João não
tenha acabado com o
sofrimento estampado
na cara. Mesmo no
dia em que perdeu a
camisola para Kelderman,
nunca desistiu.
Estar na subida mais
complicada de todo
o Giro e nunca render-
-se foi uma prova das
capacidades incríveis
deste jovem atleta.
Outros atletas no lugar
dele, chegaram a perder
40’, o “portuguesito”
perdeu quatro.
Como se tudo isto não
fosse impressionante
o suficiente, João Almeida
foi chamado à
última da hora e participou,
sem preparação
específica numa das
maiores provas de ciclismo
da atualidade.
Todos estes atos de
valentia não moveram
apenas os portugueses,
mas também
os outros competidores
desta edição da
Volta a Itália. Masnada,
colega de equipa
de João Almeida que
foi criticado por muitos
de nós por não ter
ajudado o português
no Stelvio, pediu
desculpa em público
por “não ter conseguido
ajudar mais”. Nibali,
um dos melhores
ciclistas de sempre
reconheceu o esforço
do português através
de uma publicação
no seu Instagram.
Ser-se português
é tudo isto. É ajudar
o nosso compatriota
em momentos menos
bons, é lutar por um
objetivo até não haver
mais forças, é, numa
subida, apenas olhar
para o horizonte, mas
mais importante que
tudo isso é nunca para
de pedalar seja quais
forem as circunstâncias.
Fomos relembrados
disso dia após dia
durante 21 dias. Por
tudo isto, obrigado Rúben
e obrigado João.
imagem: Globoesporte
79
À Vista | 11 de janeiro de 2021
Editorial
O Jornalismo não adormeceu.
3...2...1...Feliz Ano
Novo! 2021, “Venha
ele!” “ Até que enfim
que 2020 acabou.
Que ano horrível!”
Será? Acreditamos
mesmo que a culpa
é do ano e que as
circunstâncias é que
o tornaram terrível?
Não fomos nós, dita
humanidade (que na
verdade não parece
ter um pingo da mesma)?
Podíamos iniciar
este editorial a falar
de novas resoluções,
de como um novo ano
pode provocar mudança
e de como os erros
ficam no passado.
Mas não ficam. Nem
os erros, nem os grandes
feitos. Tudo o que
é história deve ficar
bem gravado para que,
sempre que precisarmos,
possamos reavivar
as nossas memórias
e não perdermos
o foco de sermos cada
vez mais “humanos”.
Portugueses, a massa
da nação valente e
imortal. O que somos
se não história? Uma
história por vezes incandescente
e outras
vezes escuridão. Se
ousamos saborear o
gosto dos holofotes
nas vitórias, que não
baixemos os braços no
apagão. 2020 terminou,
mas deixará marcas
eternas naqueles
que dia após dia remaram
contra a corrente
e procuraram a
vela acesa no abismo,
mesmo de olhos vendados.
Ah, e aos outros
também marcou.
O ano que passou
não nos deixou só derrotas.
Foram tempos
de aprendizagem em
aspetos que, outrora
deduzimos mais que
aprendidos e enraizados
na sociedade. Deixamos
os escritórios
e construímos o ofício
em nossas casas,
aprendemos que não
estar perto, também
pode ser uma forma
de demonstrar amor
e fomos solidários, ao
estendemos a mão
aos que mais precisavam
de amparo num
momento de carências
financeiras e sociais.
Já dizia José Saramago,
“A vida é uma
aprendizagem diária.
Afasto-me do caos e
sigo um simples pensamento:
Quanto mais
simples, melhor!”, talvez
agora comecemos
a agir mais desprovidos
de adornos sociais, sejamos
simples e desfrutemos
dessa aprendizagem
diária, a vida.
Afinal, o mundo é tão
maior que nós e acontece
tanto no mundo.
Foi um ano atípico,
em muitos sentidos,
mas, ao mesmo
tempo, tudo aconteceu.
Foi o ano em que
as pessoas decidiram
sair à rua, pelos piores
e melhores motivos.
Na Argentina e Coreia
do Sul festejou-se a
descriminalização do
aborto. Na índia contestou-se
contra a
violação, no México
reclamou-se pela desigualdade
de género,
na Nigéria a luta foi
contra a violência policial
e na Bielorrússia
contra a ditadura.
Na Polónia, tentaram
criminalizar o aborto
e logo as ruas se encheram
de protestos.
A Escócia tornou-se
no primeiro país do
mundo a tornar todos
os produtos de menstruação
gratuitos. O
movimento Black Lives
Matter surgiu nos
EUA depois de Breonna
Taylor e George
Flyod terem sido assassinados
e, rapidamente,
diversos países
fora dos EUA manifestaram
a sua solidariedade
e expuseram
a problemática nos
seus países, nomeadamente,
em Portugal.
A democracia fez-se
ouvir e Joe Biden foi
eleito o 47º Presidente
dos Estados Unidos da
América (EUA). A Ciência
mostrou aquilo
que é capaz de fazer
e produziu uma vacina
contra a COVID-19
em tempo recorde.
No desporto, tudo
mudou também. Campeonatos
interrompidos
durante 3 meses
e retomados sem públicos
nas bancadas.
O barulho da multidão
nos estádios substituido
por sons fictícios.
Equipas inteiras
a treinar a partir de
casa. Houve toda uma
reestruturação na sociedade
e na forma
como se procediam
nos diferentes momentos
do desporto.
Até mesmo os jornalistas
que antes podiam
participar nas conferências
de imprensa
tinham agora que o
fazer por zoom, nos
seus computadores.
E não ficou por aqui,
o mercado online explodiu.
Devido ao tempo
de confinamento
ininterrupto as pessoas
sentiram falta de
poder ir aos centros
comerciais e as vendas
online dispararam
como nunca antes se
tinha visto. A mentalidade
mudou de um
dia para o outro e a
questão que prevalece
agora é se os hábitos
que nos foram
forçosamente incutidos
enquanto sociedade
irão prevalecer
daqui em diante.
Por um lado, tínhamos
tudo para dar
errado. O crescimento
da extrema-direita
em diversos países, o
aparecimento de uma
pandemia, … tudo parecia
indicar que 2020
era uma causa perdida.
Se o desespero e momentos
de crise parecem
apoderar-se de
alguns e ameaçar a liberdade,
a democracia,
os direitos humanos
de todos, ao mesmo
tempo a grande maioria
faz ouvir e sai à rua.
A luta continua porque
a nossa liberdade
nunca é garantida.
Tudo isto, registado
e reportado por televisões,
rádios, jornais,
…O jornalismo não
adormeceu. O mundo
podia aparentar estar
a colapsar, mas a
informação foi sempre
um direito primordial
e acessível a todos
os que a queriam
consumir. Diariamente,
repórteres saíram
à rua para que fosse
possível levar até
sua casa a informação
de todo mundo.
Todos os acontecimentos,
todas as lutas,
de todas as partes
do mundo reveladas
pelos meios de comunicação.
Ser jornalista
é isto. É lutar pela liberdade.
É ter o rigor
e exatidão de expor
todos os factos, sem
influências, e contribuir
para uma sociedade
mais instruída,
mais evoluída. Contribuir
para um mundo
onde há mais humanidade
e menos sociedade.
E nós, futuros
jornalistas, lutaremos
sempre por esta liberdade,
até ao fim.
Redatores
João Brandão
Mariana Vilas Boas
Soraia Amaral
Contactos
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Redação
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4050 - 453 Porto,
Portugal
À Vista | 11 de janeiro de 2020
80
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