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À Vista

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Oculto

a vista

do mundo,

à vista de todos

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021 | 1ª edição

pg.2

Grande Reportagem

A saúde mental

dos estudantes em Portugal

EUA: Joe Biden eleito o 47º Presidente

Joe Biden conquistou 306 votos para o Colégio eleitorial (270 necessários) e vence as eleições nos EUA. Kamala

Harris torna-se a primeira mulher a assumir a vice-presidência do país.

Filipe Macedo Alves

Grande

Entrevista

pg.68

Economia

pg.48

Salário mínimo aumenta

para 665 euros em 2021

e empresas recebem

ajudas pg.45

Cultura

António Sala, o homem

da rádio : “O encanto

continua vivo”

Política ´

pg.60

Presidenciais 2021

Quem são

O que defendem

Quem os apoia

pg.18


Destaque

Grande

Reportagem


A ânsia, a dúvida, a impotência e inúmeras incertezas pautam

agora o quotidiano. Os jovens portugueses sentem na pele

as consequências da pandemia. Não só mudaram os hábitos,

mas também a forma como se vêm a si próprios e ao mundo.

A saúde é tema - a que

não se vê, a mental.

Texto: João Brandão; Mariana Vilas Boas; Soraia Amaral


Grande Reportagem

imagem: Mariana Vilas Boas

O impacto da pandemia na saúde mental

dos estudantes universitáritos em Portugal

No dia 31 de Dezembro

de 2019 foram reportados

os primeiros

casos de infeção

por SARS-CoV-2 em

Wuhan, na China. Se

em termos geográficos

tudo parecia longínquo,

a propagação

do vírus não tardou a

atingir a Europa. No

dia 2 de março de

2020, chegou a Portugal

a maior emergência

de saúde pública

do século. Marta Temido,

Ministra da Saúde,

anunciou os primeiros

casos de COVID-19 que

se tratavam de dois

homens, um de 60 e

outro de 33 anos, que

tinham regressado de

uma viagem a Itália e

Espanha. Um problema

que parecia até então

de outros, tornava-se

também num problema

português. O medo

começou a instalar-se,

mas a esperança de

que o vírus podia ser

travado antes de provocar

danos maiores

era grande. No entanto,

no dia 16 de março,

foi divulgada a primeira

morte causada pelo

SARS-CoV-2. O medo

aumentou. Passados

dois dias, o Presidente

da República, Marcelo

Rebelo de Sousa,

declarou estado de

emergência por 15 dias.

O teletrabalho ganhou

protagonismo

para aqueles que o

conseguiram adotar,

enquanto que outras

empresas tiveram

mesmo de fechar

portas, sem saberem

quando as iam abrir

de novo. A telescola

voltou aos ecrãs das

televisões portuguesas,

depois de ter sido

oficialmente extinta

em 2004. Desta vez,

com o nome “Estudo

em Casa”, os alunos do

ensino básico foram

capazes de aprender

à distância. Plataformas

de videochamadas

como o Zoom, o

Microsoft Teams e o

Google Meet foram

adotadas por vários

estabelecimentos de

ensino, nomeadamente

universitários.

Depois, Marcelo Rebelo

de Sousa prolongou

o estado de

emergência até dia 2

de maio. Ao longo deste

período, o confinamento

era obrigatório

e havia restrições à

circulação na via pública.

Os portugueses

só saíam de casa

para trabalhar ou fazer

compras de bens

essenciais. Não eram

permitidos ajuntamentos.

Tudo mudou.

Dos novatos aos

graúdos, houve necessidade

de adaptação

aos novos tempos. Na

check-list que cada

um fazia antes de sair

de casa, foi acrescentado

o desinfetante e

a máscara. Os apertos

de mão, beijos e abraços

foram substituídos

por “cotoveladas”

e os jantares de amigos

por videochamadas.

A expressão “longe

do olhar, mas perto

do coração”, assumiu,

e ainda assume, mais

relevo desde que estar

distante é também

uma prova de amor.

Em meados de maio,

a Organização Mundial

de Saúde (OMS) já

previa que houvesse

“um aumento a longo

prazo do número e

gravidade dos problemas

de saúde mental”,

por consequência

do “imenso sofrimento

de centenas de

milhões de pessoas”.

Na plataforma digital

da OMS, Dévora

Kestel, responsável

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À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

do Departamento de

Saúde Mental e Abuso

de Substâncias da

instituição, afirmou

que “a situação atual,

com isolamento,

medo, incerteza e crise

económica” podia

causar “distúrbios

psicológicos”.

Desde então, diversos

estudos têm vindo

a ser lançados para

compreender e analisar

esta que é uma experiência

social marcante

na humanidade.

Não só se procura

uma cura para o SAR-

S-CoV-2, como se investigam

os efeitos da

pandemia na sociedade

a nível psicológico e

social. A MIND - Instituto

de Psicologia Clínica

e Forense tem vindo

a realizar diversos

estudos para perceber

o impacto da pandemia

na saúde mental

dos portugueses.

No final de março,

desenvolveram um estudo

que contou com

a colaboração do Centro

de Investigação em

Psicologia da Universidade

Autónoma de

Lisboa e do Departamento

de Educação

e Psicologia da Universidade

de Aveiro.

A investigação contou

com 10 500 participantes

da população

geral e concluiu que

metade dos portugueses

(49,2%) sentiu

um impacto psicológico

“moderado a severo”.

A depressão, a

ansiedade e o stress

manifestaram-se.

Em novembro de

2020, a MIND - Instituto

de Psicologia

Clínica e Forense

e colegas do CI-

NEICC (Centro de

Investigação em

Neuropsicologia

e Intervenção Cognitivo-Comportamental)

da Faculdade

de Psicologia

e de Ciências da

Educação de Coimbra

iniciaram uma

investigação com o

Departamento de Psicologia

da Universidade

de Macau. O

objetivo era avaliar o

impacto da Pandemia

COVID-19 sobre a saúde

mental, permitindo

estudos comparativos

com outros países.

Segundo o que o À

Vista conseguiu apurar,

os resultados ainda

estão por divulgar.

No dia internacional

da Saúde Mental,

a Ordem dos Psicólogos

publicou um relatório

sobre o impacto

da pandemia na saúde

mental dos portugueses

denominado “Crise

Económica, Pobreza

e Desigualdades”.

Sendo eles especialistas

no que à área da

saúde mental diz respeito,

e preocupados

com o bem-estar da

população, apresentaram

um conjunto de

provas científicas, fatores

e iniciativas com

o objetivo de preparar

o futuro, prevenindo

e mitigando os efeitos

negativos da crise

socioeconómica e

com vista a minimizar

os impactos na saúde

e bem-estar dos cidadãos

portugueses.

Passamos mais tempo

em casa e o nosso

convívio e tempo familiar

aumentou. Muitos

pais empenharam-

-se no multitasking

para trabalhar e, ao

mesmo tempo, apoiar

e cuidar dos filhos. Diversos

idosos ficaram

isolados, privados de

visitas. Muitas pessoas

não tiveram direito

ao ritual de despedida

dos seus entes queridos.

O número de desempregados

aumentou

e outros tantos

entraram em layoff. O

relatório da Ordem dos

Psicólogos confirma

que todos estes fatores

prejudicam o bem-

-estar das pessoas e

aumentam o stress,

a ansiedade e outros

problemas de saúde

psicológica/mental,

como a depressão. A

adicionar o excesso

de (des)informação e a

incerteza da evolução

desta pandemia e dos

danos que ela pode

provocar, que aumentam

o medo de todos.

Também já se começam

a sentir alguns

efeitos da pandemia

no que toca à economia.

Algumas pessoas

já enfrentam problemas

relacionados

com o desemprego,

perda de rendimentos

e surge o stress e

ansiedade derivados

da deterioração das

condições de vida. A

recessão económica

global que potencialmente

se irá desenvolver

ameaça, e ameaçará,

o desenvolvimento

e coesão social.

Entre estes, e muitos

outros pontos, o

relatório da Ordem

dos Psicólogos refere

o efeito que a crise

socioeconómica pode

provocar, em particular,

nos jovens adultos.

Um sentido de abandono,

um pessimismo

generalizado, crenças

negativas e a falta de

autoconfiança são alguns

desses efeitos.

Diz-se, popularmente,

que os jovens estudantes

estão na “melhor

fase da vida”, no

entanto, também eles

foram surpreendidos

pelas circunstâncias.

À pressão já normal

da vida académica,

acresceram outras

preocupações e

a saúde mental dos

estudantes foi fortemente

afetada.

imagem: Mariana Vilas Boas

À Vista | 11 de janeiro de 2021

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Grande Reportagem

Os psiquiatras do

Hospital Júlio de Matos,

em Lisboa, realizaram

um outro estudo

que identificou os estudantes

com 18 anos

como um dos grupos

em que as medidas

de isolamento social

poderiam vir a surtir

mais efeitos. Num artigo

do jornal Público,

que revelou resultados

do estudo, os números

alertaram para a possível

necessidade de

se estruturar um plano

de saúde mental ao

nível das instituições

de ensino, em particular

das universidades,

de modo a diminuir

os impactos que

a realidade pandémica

parece estar a causar

nesta faixa etária.

Em março, a Universidade

do Porto

lançou uma linha de

apoio telefónico, gratuito,

acessível a todos

os membros da comunidade

académica.

De domingo a sexta-

-feira, das 19h às 23h,

qualquer estudante da

universidade do Porto

pode ligar para o

número 220 408 408.

Para além da chamada,

encontra-se ainda

disponível o email

lapup@reit.up.pt e o

Serviço Nacional de

Sáude tem à disposição

de todos o aconselhamento

psicológico

através do número

808 24 24 24. Mas serão

estas medidas suficientes?

Afinal como

está a saúde mental

dos estudantes portugueses?

Como melhorar

o bem-estar destes

jovens, que se fragilizou

com a pandemia?

imagem: Soraia Amaral

Ansiedade, Stress e

Overthinking

infografia: Mariana Vilas Boas

A

pandemia invadiu

o ano de

2020. Tivemos de

reaprender a viver em

sociedade, agora que

temos um novo vírus

entre nós. A COVID-19

é a maior emergência

de saúde pública dos

últimos anos e as preocupações

que isso

levanta vão muito para

além da saúde física.

Tudo o que é novo e

provoca uma mudança

tem consequências.

Em particular, a pandemia

provocou uma

mudança no sistema

de ensino português,

nomeadamente no

universitário, que passou

a funcionar em regime

online no final do

ano letivo 2019/2020.

No ano letivo de

2020/2021 foi repartido

entre o regime

online e o presencial,

com algumas excepções

em que foi possivel

adotar apenas o

regime presencial. A

adaptação a um novo

contexto levou a um

atraso na conclusão

dos estudos. Há finalistas

que viram o seu

estágio a ser cancelado,

cursos que são

sobretudo práticos tiveram

de arranjar alternativas

que não

perdessem essa componente…

Tudo isto

provoca ansiedade

e stress numa altura

em que os jovens estão,

verdadeiramente,

a definir o seu futuro.

No mês de novembro

de 2020, o À Vista

realizou um inquérito

aos estudantes universitários

portugueses

relativo aos efeitos

da pandemia na

sua saúde mental.

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À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

O principal objetivo foi

perceber que sequelas

é que o isolamento

social e as alterações

académicas, incluindo

a privação da vida social

e festiva, provocou

neles enquanto seres

bio-psico-sociais.

Ao inquérito, responderam

250 estudantes

das mais diversas

universidades do país,

desde a Universidade

do Porto, do Minho, de

Coimbra, de Trás-os-

-Montes e Alto Douro,

do Instituto Politécnico

da Guarda e do

Porto, da Universidade

Católica do Porto e

da Escola Superior de

Enfermagem do Porto.

Das respostas obtidas,

as idades variam

entre os 17 e os 53

anos, refletindo assim

uma grande diversidade

da amostra de estudantes

universitários.

Em particular, as idades

mais representadas

são os 18, 19 e 20

anos. O estudo inclui

estudantes de licenciatura,

mestrado e doutoramento.

A primeira

grande constatação é

de que a pandemia afetou

o humor dos estudantes

universitários.

Dos 250 que responderam

ao questionário

elaborado pelo À Vista,

65,2% sentiu necessidade

de consultar um

psicólogo ao longo do

último ano. No entanto,

destes 65,2%, apenas

31% chegou realmente

a consultar um. Isto

pode levar-nos a duas

interpretações. Porém,

antes de retirar qualquer

tipo de conclusão

precipitada, o À Vista

questionou o porquê

de os estudantes

se ficarem pela intenção

e não consultarem

um profissional da área

da saúde mental. De

entre as diversas respostas

obtidas, a mais

frequente foi o elevado

custo das consultas,

a vergonha e a desvalorização

do próprio

estado psicológico.

A saúde mental fica,

muitas vezes, em segundo

plano. É desvalorizada

e subestimada,

quando, na verdade,

pode provocar danos

bastante graves. Há

ainda um preconceito

para com a saúde

mental e com o pedir

ajuda. Muitos têm

a ideia de que é mais

digno ir ao hospital por

se partir uma perna, do

que ir a um psicólogo

porque se sofre de

ataques de pânico. A

verdade é que, só agora

é que o trabalho dos

profissionais da área da

saúde mental começa

a ser mais valorizado

e a psicologia começa

a ganhar uma relevância

e destaque que

já deveria ter à muito.

A instalação de uma

pandemia e as condições

que esta nos impõe

veio contribuir para

a afirmação da relevância

da saúde mental

na qualidade de vida da

sociedade. A prova disso

é que 186 dos 250

jovens afirmam que

a saúde mental tem

uma importância de 5,

numa escala de 0 a 5.

Para fornecer uma

maior percepção do

quanto a pandemia

afetou a saúde mental

dos estudantes, o À

Vista conseguiu apurar

que, antes do primeiro

confinamento, 37,1%

dos 250 estudantes

se sentiam felizes e

50,8% consideravam o

seu humor normal. Durante

o primeiro confinamento,

estes números

desceram para

6,6% e 40,2%, respetivamente.

Já depois do

confinamento, apenas

17,2% se sente feliz e

48,5% com um humor

normal. É importante

ainda perceber como o

humor dos estudantes

afeta também o seu

rendimento escolar.

Mais de metade, cerca

de 58,2%, afirma que o

seu rendimento nas aulas

à distância foi baixo.

Quando foi pedido

aos estudantes para

organizarem por ordem

prioritária os parâmetros

seguintes: saúde

mental, lazer, vida social,

estudos e atividade

física; as duas temáticas

que surgiram

mais vezes entre o primeiro

e o segundo lugar

foram a saúde mental

e os estudos. Um dos

principais focos de um

estudante universitário

são os resultados académicos,

para que, no

futuro, seja capaz de

usufruir de uma vida

estável e de qualidade.

E, para concluírem

os estudos de modo a

que isso se possa concretizar,

precisam de

estar saudáveis mentalmente.

Por essa razão,

a saúde mental

apresenta-se como um

fator de grande relevância

na vida dos jovens

universitários.

De entre as várias

respostas sobre o que

mudou, ou de que forma

é que a pandemia

afetou os estudantes

a um nível psicológico,

a solidão, o overthinking,

a incapacidade

de planear, a desmotivação,

a perda de controlo

e a pressão foram

os pontos mais mencionados,

o que revela

índices de depressão,

infografia: Mariana Vilas Boas

À Vista | 11 de janeiro de 2021

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Grande Reportagem

ansiedade e stress, e

reflete o efeito que a

pandemia teve na saúde

mental dos estudantes

universitários

do ensino português.

Para muitos, o confinamento

permitiu uma

reflexão interior e uma

renovação de objetivos

e mudança no modo

de vida. Para outros,

foi como um pesadelo

que demora a passar.

A solidão, a ansiedade,

a incerteza, o tempo

demasiado desocupado

e as inúmeras horas

no mesmo espaço

levaram muitos jovens

a ponderar o estado

da sua saúde mental.

Até ao momento, são

ainda poucos os estudos

que registam os

efeitos que a pandemia

da doença COVID-19

está a causar na saúde

mental, e também

física, da sociedade.

No entanto, já é possível,

tal como retrata

este estudo do à Vista,

perceber algumas

consequências que o

distanciamento social

provocou na sociedade,

em particular nos

estudantes universitários

portugueses.

infografia: Mariana Vilas Boas

O impacto da mudança:

alunos e professores, os versos da moeda

Alunos e professores

são agora

sujeitos às

condições que a CO-

VID-19, pandemia

mundial, impõe. O ensino

mudou e adaptação

é, mais que nunca,

palavra de ordem.

De um lado os docentes,

do outro os

discentes. Juntos,

atravessam a maré de

novos desafios com

que a COVID-19 submergiu

o ensino em

Portugal. O À Vista

entrevistou Fernando

Zamith, professor na

Faculdade de Letras

da Universidade do

Porto, de forma a perceber

a perceção do

docente sobre o funcionamento

e impacto

da nova realidade.

O docente destacou

o sistema de rotatividade,

que assenta

na alternação entre o

modelo online e presencial,

levado a cabo

na Faculdade de Letras,

onde leciona.

Neste ponto, destaca

a desvantagem dos

alunos em modelo

online relativamente

ao presencial. “O que

foi necessário fazer

é adaptar as aulas às

condições vigentes, de

forma a minimizar os

prejuízos para os estudantes”,

acrescenta.

No que concerne à

eficiência do presente

modelo de ensino, o

professor universitário

considera que ainda é

cedo para tirar conclusões.

No entanto, considera

“minimamente

eficaz”, sendo que julga

que o modelo presencial

é sempre mais favorável,

principalmente

nas aulas práticas.

“Não é uma realidade

nova, como

é evidente, não foi

qualquer coisa que

surgiu agora por

causa deste contexto

de pandemia.

O que temos neste

contexto é que

somos todos

forçados a fazer

mais uso destas

modalidades.

Tudo se aprende e

adapta.”

A questão que surge

é: estarão os alunos

menos motivados

e mais preguiçosos? O

docente do Curso de

Ciências da Comunicação

nega essa ideia,

pelo menos para já.

“Aquilo que eu sinto

e que percebi

em conversas com

colegas, é que nós

sentimos alguma

isolação, tristeza

por parte dos estudantes,

maior desânimo.

Tudo isto

mexe muito com as

nossas cabeças.”

O professor considera

ainda que todo

este cenário acaba

por afetar os estudantes

em muitos aspetos,

visto que “os estudantes

criaram uma

expectativa bem diferente

daquilo que

está a ser a realidade”.

Ou seja, estavam

à espera de uma experiência,

até porque,

“ser estudante é também

uma experiência

de vida”, e deparam-

-se com um cenário

distorcido em relação

ao perspectivado.

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À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

“A Universidade não é uma mera aprendizagem, é uma experiência de vida”,

Prof. Zamith.

Após isto, o À Vista procurou saber o outro lado da moeda – o verso dos estudantes, principais lesados. Assim sendo,

foram recolhidos testemunhos que espelham a atualidade.

“Já não estava muito bem e, com esta

pandemia, levei uma chapada enorme”

Gonçalo tem 22

anos e sentiu

necessidade de

procurar ajuda profissional,

face às variações

de humor que

vinha a sentir durante

a quarentena. Sempre

foi o tipo de pessoa

que gosta de ver

as outras a rir, mas

alguns problemas familiares

e a confrontação

com a realidade

desanimadora do contexto

profissional da

sua área fizeram com

que se fosse abaixo

psicologicamente.

“Foi uma

montanha russa de

emoções.”

”Senti que durante

a quarentena tive nos

meus pontos mais altos

e nos meus pontos

mais baixos. Ali por

volta de abril foi complicado

para mim. Tinha

tirado o ano para

trabalhar e, na altura,

estava em casa porque

o dono do café

onde trabalhava me

mandou embora, já

que quis voltar para a

sua terra. Depois de

ser despedido desse

tal café, fiquei em

casa e fiquei sem ter

nada para fazer. Ajuda

também o facto de

não ter uma situação

familiar fácil e de não

estar a viver com os

meus pais, mas sim

com o meu tio. Sinto

que houve ali uma

altura em que senti

que não tinha rumo”.

Todos estes fatores

fizeram com que Gonçalo

se apercebesse

que a solução talvez

“passasse por recorrer

à ajuda profissional”,

sendo que não seria

a primeira vez, visto

que: “até outubro do

ano passado que estive

em consultas com

uma psiquiatra, mas

com a pandemia acabei

por não marcar

mais consultas”. O sinal

de alarme para o

estudante foi “a ausência

de uma rotina”

e a “falta de vontade

de ser proativo”.

Como tal, Gonçalo recorreu

a terapia de

grupo no Hospital Magalhães

Lemos, mas

ressalva que o problema

é “passar tempo

comigo mesmo” e

que, “neste momento

vivo uma fase da minha

vida em que, devido à

faculdade, acabo por

ter muito para fazer e

isso funciona de forma

quase terapêutica”.

O tempo livre que a

quarentena veio oferecer

ao entrevistado,

trouxe as piores facetas

dele ao de cima

e recorda-se até do

momento em que o

país parou no dia 25

de abril para cantar a

mítica música de Zeca

Afonso, mas que Gonçalo

acabou por não

conseguir cantar “por

estar em lágrimas”.

Segundo o mesmo,

tudo se deve ao facto

de “estar num turbilhão

de emoções e

por estar a ter dificuldades

em manter-me

mentalmente são”.

As redes sociais vieram

substituir muito

da vida social de cada

um dos cidadãos, mas

principalmente aos jovens.

No entanto, ficou

constatado, durante

o confinamento,

que os jovens fazem

questão de comunicar

e não apenas através

do telemóvel. Mas

Gonçalo aponta para

outra razão pela qual

os jovens podem ter

sofrido tanto. No caso

dele, refere “não foi

tanto a questão das

redes sociais, mas sim

por ser alguém que

está a começar ou finalizar

o seu percurso

académico, e ver

que o mercado de trabalho

para o qual vai

entrarestá, à partida,

incrivelmente difícil”.

Ou seja, na opinião

do jovem estudante o

que terá contado mais

foi o facto desta nova

geração “não conseguir

ter as condições

de vida e de empregabilidade

que se tinha

há 15 ou 20 anos atrás”.

“As pessoas continuam

a ignorar

bastante a saúde

mental”, foi assim

que Gonçalo optou

por abordar a questão

quanto à neglicência

por parte da sociedade

moderna a questões

daquele teor. O estigma

latente à sociedade

atual deve-se “por

que as pessoas não

sentem que alguém

se interesse e nós

estamos a pagar um

preço muito alto por

imagem: Mariana Vilas Boas

causa dessa falta de

abertura”. O pai de

Gonçalo assumiu relativamente

à pouco

tempo que sofria

de depressão e “face

à imagem que tínhamos

dele, toda a gente

desvalorizou, visto que

sempre governou a família

com um punho

de ferro”. Existe a importância

da criação de

uma dinâmica familiar

“que permita que as

pessoas se abram para

que haja confidências

destas, porque nem

sempre uma pessoa

tem que corresponder

ao que pintam dele”.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

9


Grande Reportagem

“Antes da quarentena conseguia ser feliz

com pouco”

Maria (nome fictício),

está neste

momento a

tirar o mestrado, mas

a licenciatura não acabou

da forma que desejava.

Isto porque, no

auge da sua vida, sentiu-se

interpelada pela

quarentena que lhe

veio trazer situações

com as quais nunca

tinha sido confrontada.

Isto, ligado ao

facto de estar de luto

devido ao falecimento

de um ente querido,

fez com a jovem

acabasse por recair.

“Antes da quarentena,

comecei a namorar,

estava com uma

boa base de amigos e

estagiava onde sempre

quis estagiar”, no

entanto, o sentimento

é de que após ter sido

decretado este confinamento

obrigatório

tudo isso começou a

desvanecer: “acabei

com o meu namorado,

estava longe da minha

família, fiquei a viver

com uma amiga e,

embora ela me tenha

acolhido da melhor

forma, nunca me senti

totalmente incluída

na família”. Para além

disto, Maria teve ainda

que abdicar do seu

estágio de sonho em

virtude do sucedido.

A entrevistada descreve-se

como uma

pessoa “que sempre

teve tudo planeado”

na sua vida e que viu

de repente “todos

os planos irem por

água abaixo” e que

admite não ter sabido

adaptar-se à nova

realidade. Tudo isto se

agravou quando Maria

recebeu a notícia da

morte da sua prima:

“foi mais complicado

quando ela morreu,

porque me caiu tudo

em cima. De repente

não conseguia ver

para além do momento

que estava a viver”.

A falta de socialização

durante a pandemia

“foi horrível, porque

nunca me consegui

abstrair do que estava

a sentir”.

Tal como Gonçalo,

o relato da estudante

refere-se a si mesmo

como “aquela pessoa

que alegrava e juntava

as pessoas”, mas ,de

repente, já não se via

nessa faceta. As emoções

que estavam ao

flor da pele, eram as

emoções que contavam.

“não havia distração,

qualquer coisa

me irritava, sentia-me

inútil e sem ritmo”.

Assumidamente, Maria

encara o estigma

latente à nossa sociedade

com a seguinte

frase:

“não se procura

ajuda, porque

quem procura o

psicólogo ainda

são os loucos”.

”Recusei (numa primeira

instância) ver

um psicólogo, porque

não era a primeira vez

que passava por situações

desfavoráveis”.

Foi apenas algum tempo

depois que a estudante

procurou ajuda

profissional, mas hoje

admite que “recorreria

mais rapidamente

a um psicólogo”.

O tema das redes

sociais é visto como

imagem: Mariana Vilas Boas

algo ambíguo para

a entrevistada. De

um lado há pessoas

que “conseguem ser

obcecadas pelas redes

sociais e talvez nesses

casos não tenham

sentido tantas dificuldades”,

mas por outro

lado, e referindo-se

ao seu caso em particular,

“pode-se utilizar

da melhor maneira

as redes sociais, sem

que estas substituirram

a vida social

e foi disso que senti

falta”. O telemóvel,

na sua opinião “nunca

poderá substituir a

presença de alguém

de quem se gosta”.

Não estás sozinho.

808 24 24 24

SNS 24

800 209 899

(21:00 – 24:00)

SOS VOZ AMIGA

220 408 408

Linha de Apoio Psicológico da Universidade do Porto

10

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

The Pineapple Mind: Todos

temos uma saúde mental

que temos de promover

Foi ao sentir na

pele que se apercebeu

da falta de

informação que existe

sobre saúde mental e,

agora, procura informar

os outros. Diana

Carvalho é estudante

do curso de Medicina e

fundadora da associação

de sensibilização

para a saúde mental

“The Pineapple Mind”.

Era o ano de 2017,

Diana Carvalho estava

no 4º ano do curso de

Medicina. Congelou a

matrícula, em consequência

da depressão

que estava a viver. No

processo de recuperação,

apercebeu-se que

havia um défice de informação

credível e

valiosa sobre a saúde

mental, em Portugal.

“Parecia que era

tudo um tabu e

mesmo no que diz

respeito a testemunhos,

eu não

encontrava quase

nada. Nessa altura

eu fiquei a achar

que era necessário

alguma coisa.”

Depois de recuperar

da depressão, e

de volta aos estudos,

sentiu-se capaz de

criar um projeto onde

tivesse a possibilidade

de partilhar as informações

que foi absorvendo,

quer pela

experiência que viveu,

quer enquanto estudante

de Medicina.

E assim, nasce o projeto

digital “The Pineapple

Mind”. Mas porquê

este nome? Sendo,

numa fase inicial, um

projeto pessoal, Diana

Carvalho, a fundadora,

quis associar um

símbolo que lhe fosse

querido. Depois de ultrapassar

a depressão,

Diana tatuou um ananás

em representatividade

dessa fase e para

se relembrar dos hábitos

que pode, e deve,

promover para a sua

saúde mental. E porque

é que ela tatuou

um ananás? O ananás

é um fruto muito rico

em triptofano, que é

um precursor da serotonina

e que faz parte

dos constituintes

do antidepressivo que

tomou para combater

a doença. Posto isto,

a escolha do ananás

é óbvia, quer pela ligação

pessoal, quer

pela ligação à ciência.

O projeto da The Pineapple

Mind surgiu

para tornar a saúde

mental num tema na

sociedade portuguesa.

Antes do início da

pandemia, não existia

quase difusão de informação,

no que diz

respeito à saúde mental,

quer no programa

nacional prioritário,

quer nos centros

de saúde. No entanto,

tal como nos disse a

estudante de medicina,

os motivos de

consulta relacionados

com a psicologia são

os mais frequentes.

Se as pessoas não

têm acesso a informação,

acabam por

não ter consciência

que aquilo que têm

pode ser uma doença

e que isso não é

um problema, desde

que procurem, tal

como diz a fundadora

da The Pineapple

Mind, “ajuda e tentem

uma terapia adequada

à sua situação.”

A crise de saúde pública

que se vive atualmente

parece ter

levado a Direção-Geral

de Saúde (DGS)

a investir na saúde

mental da população

e, nomeadamente, o

SNS 24 foi reforçado

com a contratação

de psicólogos.

No entanto, Diana

Carvalho afirma

que não podemos

cair no populismo de

dizer que o que fizeram

está ótimo.

É bom, mas continuam

a existir lacunas

que precisam

de ser preenchidas.

Acredita que o trabalho

desenvolvido

por associações como

a The Pineapple Mind,

e outras, é essencial,

mas não invalida

a necessidade

imagem: The Pinneaple Mind

de o Governo

investir na prevenção

e promoção de programas

e campanhas

sobre saúde mental.

A chave?

Psico-educar.

Expostos os défices

e as necessidades,

é necessário procurar

uma solução. A

fundadora da The Pineapple

Mind defende

que se deve partir

pela psico-educação.

Se as pessoas não sabem

o que é normal e anormal,

não vão procurar ajuda.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

11


Grande Reportagem

Abordar com as

crianças, desde cedo,

temas como as emoções

e os sentimentos.

Falar “sobre estas

doenças da saúde

mental que não se

vêm muito, mas que

podem existir”, afirma

Diana Carvalho.

No entanto, a jovem

acredita que ainda

há muito que se

pode fazer na saúde.

Tendo em consideração

que a maior parte

das consultas, ao

nível dos cuidados de

saúde primários, estão

relacionadas com

questões psicológicas

e não existem profissionais

da área da

saúde mental suficientes

para dar resposta,

contratar mais

profissionais da área

torna-se essencial.

“Ainda há poucas semanas

eu entrevistei

um médico de família

de Coimbra, para um

projeto da associação.

Ele dizia-nos que foi

entrevistado por uma

rádio, por ocasião do

dia do médico de família,

e perguntaram-lhe

o que é que ele queria

mais, o que é que ele

ambicionava mais para

os cuidados de saúde.

Ele era, como eu sou,

uma futura médica,

e o que ele respondeu

era exatamente

o que eu responderia:

mais psicólogos a trabalhar

nos cuidados

de saúde primários”,

conta Diana Carvalho.

The Pineapple

Friends

O projeto The Pineapple

Friends surgiu

logo no início da pandemia.

Diana Carvalho

quis ampliar o apoio

informal que já vinha

a oferecer com o seu

projeto pessoal. Essa

vontade surgiu da afluência

de pedidos de

apoio que aumentou

com o aparecimento

da doença COVID-19

e, consequentemente,

do isolamento social.

Se por simplesmente

terem vontade de

ajudar, se por terem

passado pela mesma

situação e reconhecerem

a importância de

ter alguém com quem

conversar, várias foram

as pessoas que

se voluntariam e integraram

o projeto do

The Pineapple Friends.

Aos poucos, o projeto

começou a ganhar

forma e, atualmente, já

é credenciado e conta

com 81 voluntários.

Foi criado um regulamento

e todos os

voluntários são entrevistados

e recebem

uma formação.

O projeto que impulsionou

a criação

da associação

“De início, havia o

projeto mas não havia

a associação e, no

fundo, era a Diana a

coordenar um projeto

de voluntariado, de

um projeto digital. Não

havia ali uma entidade

por trás e nós quisemos

registar a associação

precisamente por

isso, para haver uma

entidade coletiva que

estivesse a coordenar

o projeto e depois que

pudéssemos registá-lo

como um projeto oficial

de voluntariado”,

afirma a presidente

de direção da associação.

criação de

um projeto, que mais

tarde levou à criação

de uma associação.

de direção, assembleia

geral, conselho

fiscal, assembleia

geral e voluntários,

a associação é já

uma comunidade de

mais de 100 pessoas.

imagem: The Pinneaple Mind

A necessidade de

ajudar o outro levou à

E, assim, tem continuado

porque continua

a fazer sentido. Des

Contudo, para Diana

a associação é bem

maior se tivermos em

consideração todas as

pessoas que vão interagindo

através das

redes sociais e que

enviam sugestões. Por

isso, são também to

dos aqueles que seguem

o projeto e reagem

que alimentam

a ação da associação

e dão o seu contributo

no âmbito

da saúde mental.

“Se eu continuasse

com um projeto

sozinha não conse

guia fazer nem um

décimo, mas juntei

uma equipa de entusiastas,

como eu,

no âmbito da saúde

mental e cada

vez se juntam mais

pessoas que nos

permitem trabalhar

em rede, trabalhar

quase em todo o

país, porque temos

voluntários e

colaboradores de

todo o país.

Conseguir, com atividades

replicadas em vários

pontos do país,

fazer um bocadinho

chegar a muita

gente.”

@ Comunidade

Ajuda

“Quase todos os projetos,

quer estes de

voluntariado, quer outros

que nós já vamos

tendo na associação,

surgem por necessidade.”

afirma Diana.

O @ comunidade

ajuda é um projeto da

The Pineapple Mind

que facilita o acesso

a profissionais de

saúde mental para

aqueles que precisam

de acompanhamento.

Com a ajuda disponibilizada

através

do projeto The Pineapple

Friends, a associação

começou a

sentir que muitas das

pessoas que recorriam

a essa ajuda não

tinham, no entanto,

uma ajuda profissional

que, tal como a própria

Diana Carvalho

diz, é indispensável.

“Nós podemos ajudar,

de alguma forma,

mas não substituímos

um psicólogo que é

formado para ajudar

a pessoa ou um psiquiatra,

no caso, se

for necessário medicar

ou fazer terapias

mais médicas.”

Ou por falta de condições

económicas ou

porque estiveram em

lista de espera demasiado

tempo, muitas

pessoas não obtinham

a ajuda profissional

que necessitavam.

12

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

A fundadora da associação

expôs que, ao

longo do tempo, o processo

de encaminhamento

de alguns casos

para profissionais

de saúde já vinha a ser

feito, de acordo com

as parcerias e contatos

que detinham.

O @comunidade ajuda

nasceu para oficializar

esse apoio que

já existia, também de

modo a ampliar a rede

de contactos de encaminhamento.

Para

já, existem 5 psicólogos,

voluntários do

projeto, que realizam

consultas a preço social,

isto é, a um preço

inferior ao da maioria

das clínicas. Para além

disso, possuem ainda

um acordo de parceria

com gabinetes de

psicologia de algumas

câmaras municipais.

A acrescentar um

médico e dois terapeutas

ocupacionais.

“É mesmo no sentido

de: nós sabemos

as limitações que o

nosso projeto de pear

support tem, sabemos

também os benefícios,

mas queremos fazer

mais e conseguir dar

respostas às pessoas

que não as têm.”

diz Diana Carvalho.

O Futuro

Querer fazer sempre

mais e melhor, na medida

do possível, é um

guia para a associação

The Pineapple Mind.

Para o futuro, estão a

ser desenhados alguns

projetos que pretendem

estender a rede

de ação da associação.

Fizeram um crowdfunding

para a criação

de uma aplicação que

pretende colmatar as

limitações do projeto

da associação, no que

diz respeito à confidencialidade

e privacidade

das pessoas. A

app está a ser testada

e tudo indica que ficará

pronta no próximo

ano e pretende agilizar

e potenciar ainda

mais o projeto, no

sentido em que a pessoa

instala a app, pede

ajuda e tem logo um

voluntário disponível.

No que diz respeito

aos outros projetos,

estão a ser desenvolvidos

dois. O primeiro

relacionado com a

igualdade de género e

as questões de saúde

mental ligadas à discriminação

de género. O

segundo, começou em

dezembro de 2020 e

foca-se na saúde mental

dos sem-abrigo.

Tocar na ferida para a conseguir sarar.

Uma conversa com Eduardo Carqueja

Desde pequenos

que começamos

a sentir dor, mesmo

antes de sabermos

o que a palavra significa.

No entanto, também

a dor se transforma

e se sente de mil

e uma formas diferentes

ao longo da vida.

Quando somos pequenos

choramos porque

caímos e mostramos

aos nossos pais o “dói-dói”,

quando crescemos

há tendência

para esconder as feridas,

principalmente

as que não se vêm.

Vivem-se tempos

conturbados ao que

à saúde diz respeito,

mais especificamente

à saúde mental.

Por isso, ouve-se falar,

cada vez mais, na

importância de cuidar

e tratar da saúde psicológica.

É imprescindível

nomear os psicólogos,

aqueles que

permanecem na linha

da frente da promoção

e manutenção da saúde

mental dos indivíduos

e das sociedades.

Sucintamente, um

psicólogo é um profissional

licenciado

em psicologia, estuda

uma série de teorias

sobre o porquê de as

pessoas se comportarem

de determinada

forma e como é possível

ajudá-las a superar

as suas dificuldades

e/ou desenvolverem-

-se de algum modo.

Os estudantes foram

altamente lesados

pela situação pandémica.

Notou-se de

grande importância recorrer

a um profissional

capaz de contextualizar,

desconstruir

e analisar o impacto

da situação atual nos

educandos. O À Vista

entrevistou o Presidente

da Delegação

Norte da Ordem dos

Psicólogos Portugueses,

Eduardo Carqueja.

Dos consultórios

para os telefonemas

e videochamadas

No período de março

a maio, grande parte

das consultas em

hospitais foram suspensas,

incluindoas

de psicoterapia.

E, como popularmente

se diz “a tropa

manda desenrascar”,

também as consultas

tradicionais tiveram de

se reinventar do formato

tradicional, em

consultórios, para telefonemas

e videochamadas

a partir de casa.

ilustração: Mariana Vilas Boas

À Vista | 11 de janeiro de 2021

13


Grande Reportagem

Eduardo Carqueja,

também diretor do

Serviço de Psicologia

do Hospital de S.

João no Porto, afirma

que houve um recurso

maior às consultas

após a quarentena.

No período de confinamento

as pessoas

acabaram por fazer

maior uso das linhas

de apoio telefónico,

no entanto, assim que

foi possível retomar ao

apoio presencial, notou-se

um acrescento

de jovens às consultas.

Quanto à capacidade

do SNS a nível de

profissionais de saúde

mental e a sua capacidade

de abrangência,

a resposta do entrevistado

foi clara: “já

não havia, muito menos

agora com esta situação”.

“Já não havia

médicos suficientes,

nesta altura continuam

a ser insuficientes

e se nada for feito ainda

vão ser muito mais

insuficientes. O que

está a acontecer agora

vai ter mais repercussões

para o futuro

do que propriamente

agora”, acrescenta.

Eduardo Carqueja

considera que agora as

pessoas ainda “vão reagindo”,

mas que, mais

em diante, nomeadamente

com a crise

económica e social

que se prevê, “terá que

haver outros tipos de

recursos do bem-estar

psicológico, com

muito mais impacto”.

Consultas à

distância –

a eficácia

“Temos que ver, mais

uma vez, o possível,

o desejável e o que

é feito”, ou seja, num

contexto dito normal,

entre consultas

presenciais ou à distância,

presencialmente

é sempre preferível.

No entanto,

existe a importância

de ajustar o possível

à realidade atual.

Nos hospitais, muitas

das consultas foram

realizadas por telefone,

sendo a taxa

de satisfação muito

elevada, porque “as

pessoas sentiam que

havia alguém que

mesmo nesta confusão

toda tinha preocupações

com ela, o que

é muito importante”,

afirma o entrevistado.

“A ordem dos psicólogos

fez um trabalho

fantástico nesta altura

e deu recomendações

muito concretas quer

na dimensão mais clínica

da intervenção

até à dimensão ética”,

visto que para um jovem,

as consultas à

distância podem gerar

menos à vontade.

Numa consulta à distância,

não se sabe se

ele está em frente ao

computador e está o

pai ou a mãe a ouvir a

conversa toda. A privacidade

é primordial.

Há normas que estão

colocadas pela

própria ordem para

auxiliar a que estas

consultas tenham viabilização,

com uma

dimensão ética e deontológica

que tem de

ter – “Não posso fazer

uma chamada telefónica

na rua ou enquanto

a outra pessoa

está no supermercado,

não faz sentido, tem

que haver o que nós

chamamos de “settings

terapêuticos” têm

de estar adequados”.

A relação com o

próximo

Existe uma enorme

multiplicidade de fatores

que influenciam

a manifestação de sinais

de alerta. O isolamento

já é quase

obrigatório nesta condição.

Se por um lado

há um isolamento físico

objetivo e que deve

ser colocado, há ainda

toda a interação social

que tem de ser feita

de forma diferente.

“Os jovens, naturalmente,

gostam muito

do convívio de proximidade,

mas têm

uma mais valia muito

grande que, até então,

tem sido alvo de alguma

conflitualidade - o

recurso às interações

online”, Doutor Eduardo

Carqueja. Ou seja,

o motivo do conflito

é agora uma utilidade.

Apesar de existir a

necessidade de manter

o distanciamento

físico, o mesmo

considera que é também

importante que o

contacto social continue

a estar presente.

“O que acontece é

que se eu só vejo esta

dimensão do contacto

(a física), no que

toca à dimensão

social, eu vou reduzir

isto só a essa dimensão,

o que não é

verdade nos jovens”.

Se em tempos as redes

sociais eram vistas

como um muro

na socialização, agora,

apesar de, por natureza,

os jovens apreciarem

estar juntos,

sair e organizar grandes

convívios, utilizam

também muito as redes

sociais e outros

aportes para conviver

e interagir. “Portanto,

depende de como isto

seja relevado e que

não seja visto como

uma tragédia em que

agora temos todos de

estar afastados uns

dos outros”, acrescenta

o psicólogo.

Na perspetiva de Eduardo

Carqueja o futuro

é imprevisível. Sendo

que “se perguntasse

a uma pessoa de 80

anos, há 60 anos atrás,

quando tinha 20, se

um dia seria capaz de

pegar num telemóvel

para jogar, telefonar

e fazer videochamadas

a pessoas ia dizer

que enlouqueci – mas

as pessoas foram capazes

de se ajustar”.

Serão já

as redes sociais

insuficientes?

“Os jovens por natureza

são irreverentes,

gostam de fazer o que

está proibido, e com

isto eu não quero dizer

que a dimensão social

não seja valorizada

nos jovens, porque é”

O Dr. Eduardo Carqueja

sublinha ainda

que a dimensão social

é a mais fundamental

das interações, mas “o

que nós temos vindo

a debater e a trabalhar

muito nas dimensões

mais psicológicas

é que não se reduza a

nossa vida a tragédias”.

“Os jovens, por na

14 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

tureza, estão muito

mais flexíveis para

coisas novas – têm

uma plasticidade muito

maior que uma

pessoa mais velha”,

afirma o Presidente

da Delegação Norte

da Ordem dos Psicólogos

Portugueses.

A dificuldade de uma

pessoa, por exemplo,

entre os seus 60

e 80 anos mostrar-se

flexível a alterações

comportamentais é

muito mais difícil,

sendo que se encontra

isolada das novas tecnologias,

comparativamente

com os jovens.

A dimensão do problema

é moldável.

Cada um tem a possibilidade

dentro de

si de construir formas

de adaptação ao presente

( mesmo que

incerto, no caso), esta

capacidade influencia

a forma como cada

indivíduo perspetiva a

dificuldade e a vivência

com a mesma. O

entrevistado considera

que é preciso “um esforço

de contenção e

compreensão de que

isto é uma fase transitória,

pode ser mais

longa ou mais curta.

Eduardo Carqueja; imagem: Soraia Amaral

Está a ser longa e

com muita intensidade,

mas isto é também

uma forma de

crescimento pessoal”.

“O que nós fazemos

na nossa vida, no dia a

dia, é ganhar competências

perante desafios

que nos chegam.

Os jovens, ao serem

capazes de desenvolver

novas estratégias

de adaptação estão

a ganhar também outras

competências perante

desafios futuros.

Foi assim que a cultura

se desenvolveu”.

O estigma dos estudantes

perante a

psicoterapia

É de conhecimento

geral que a psicoterapia

ainda é tabu.

No entanto, o estigma

não tem tanto impacto

como há uma

dúzia de anos atrás.

As pessoas tendem

a não conseguir

transmitir o mal- estar

que contêm, pelas

mais diversas razões:

questões pessoais de

inibição, vergonha, receio

ou mesmo pela

crítica de outrem. “O

grupo dos jovens, muitas

vezes, tem aqui

um peso muito grande

e é muito curioso

percebermos que há

grupos de jovens que

estão muito mais sensibilizados

e até potenciam

ajuda para os

outros, mas depois há

outros muito fechados

e que criticam e que

gozam muito o colega

que eventualmente

teve este percurso”.

O entrevistado destaca

duas dimensões a

ter em conta: a acessibilidade

– visto que

mesmo que os pais

facilitem o acesso à

psicoterapia os jovens

podem sentir-se penalizados

porque estão a

gastar mais dinheiro. E

a insuficiência do SNS,

que se nota ser incapaz

de abranger todos

os que precisam

do serviço. “No SNS

os custos são muito

mais reduzidos e isto

também tem peso,

porque é a culpabilidade

de eu estar doente

e depois de não

conseguir quase mostrar

por questões adjacentes”,

acrescenta.

Ansiedade, a doença

da década

Se para uns o isolamento

alavancou a

ansiedade, para outros

amenizou. “Para muitos

jovens esta pandemia

foi muito boa,

porque eles tinham

ansiedade social”, refere

o psicólogo. Visto

que, a dificuldade de

estar com os outros era

muito grande, o facto

de permanecerem em

casa em aulas diminuiu

muito a sua ânsia.

“A ansiedade por

si só não se pode dizer

que é boa ou má,

temos de perceber

o que a ansiedade

em cada um faz”.

A ansiedade, na sua

essência, é uma emoção

que provoca determinadas

reações.

Desta forma, “para as

pessoas que o convívio

era fundamental, dispersavam

a sua atenção.

Uma das formas

que a sociedade tem

de lidar com a ansiedade,

dependendo muito

da causa, é a distração,

focar noutras dimensões”.

Para essas pessoas

se estiverem sós,

isoladas, notar-se-

-á um agravamento.

O Presidente da Delegação

Norte da Ordem

dos Psicólogos

destaca o impacto da

primeira vaga, baseado

numa emoção que,

normalmente, chamamos

de uma emoção

reativa – o medo.

“Nós ficamos em casa

por medo, não se sabia

o que ia acontecer

e era uma lei/imposição

quase que tinha

sido decretada. As

pessoas tinham medo

e agora, só vai voltar

a achatar a curva, se

houver medo”, afirma.

“É importante também

refletirmos que

o mesmo acontecimento,

o mesmo facto,

pode ter aqui traduções

diferentes

em cada um de nós.

Tem a ver com a forma

como eu interpreto

o acontecimento”

Surge então um

exemplo representativo:

“Imagine-se a

ansiedade que teria

o homem das grutas

quando saía para caçar

Se não matasse

nenhum animal, ou se

morresse contra a fera,

como seria? Ou seja,

nós agora temos muita

consciência e damos

nomes às coisas. Agora

damos nomes e temos

consciência, mas

não significa que viramos

presos exatamente

por isso”, conclui.

“Nós temos esta capacidade

de nos adaptarmos.

Hoje estamos

aqui vestidos, mas andamos

nus com muito

pelos, descalços

e hoje não é assim.

As coisas mudam”.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

15


Grande Reportagem

As visitas à família

e amigos foram trocadas

por videochamadas,

os abraços e

os beijos perderam o

lugar para as “cotoveladas”

O psicólogo considera

que estamos em

constante aprendizagem,

“tudo isto é uma

nova forma que nós

estamos a criar para

podermos também

cumprimentarmo-nos,

estamos a aprender

de uma forma diferente”.

Releva ainda a

influência da dimensão

cultural, “nós vemos

por exemplo a

Rússia, eles beijam-se

para se cumprimentar,

os japoneses nem

sequer se aproximam

e fazem um gesto, e

os italianos também

não gostam muito de

abraços e cumprimentam-se

mais com a

mão – são dimensões

culturais que estão

enraizadas naqueles

povos”. Ou seja, agora,

estão a surgir novas

formas, às quais

temos de nos adaptar,

embora não signifique

que sejam definitivas,

no entanto, “enquanto

elas existem,

enquanto são as possíveis,

pelo menos utilizamos

essas”, afirma.

Lidar/assumir a

doença mental

Todos nós conhecemos

alguém que está

a passar ou passou

por problemas psicológicos.

No entanto,

a temática não passa,

comumente, a ser

mais aceite por isso.

“Não sei se a sociedade

está preparada

para se envolver e caminhar

naquilo que é

uma situação dita normal,

no contexto que é

anormal”, acrescenta o

Dr. Eduardo Carqueja.

Contrapondo a dicotomia

“normal” vs

“anormal”, existe ainda

uma outra dimensão,

o diálogo sobre

a morte, por exemplo,

“muitas das vezes vem

no mesmo seguimento,

a sociedade fala

da morte ou não?”

“Nós nunca ouvimos

tanto como agora

falar da morte, de

morrer, dos mortos, é

de morte que todos

os dias se houve falar

agora”, afirma. No entanto,

o mesmo considera

que se abordarmos

alguém de luto e

faarmos sobre a morte,

há tendência para

se mudar de assunto.

Em relação à saúde

mental ou psicológica

é a mesma coisa”.

“Vamos falar, vamos

priorizar, vamos investir

dinheiro na prevenção!

A saúde mental,

a saúde psicológica,

passa por grande investimento

na prevenção,

não é na remediação.

O tratar é a

doença, não é a saúde.

Investir na prevenção

não é nenhum custo,

é um investimento”,

sublinha ainda.

O papel dos pais

na deteção dos

sintomas de risco

O À Vista procurou

saber os sinais de

alerta. O acompanhamento

pode e deve ser

feito também a partir

de casa. O Psicólogo

Eduardo Carqueja

apontou para alguns

índices a ter em conta:

O isolamento, a falta

de algo. Depois,

comportamentos

que sejam novos no

contexto da relação

familiar, por exemplo.

“O mundo é evolutivo

A insónia, o ter dificuldade

em adormecer

e dormir o dia

todo- sendo que os

jovens têm os círculos

de sono alterados,

naturalmente, na sua

biologia e tendem a

dormir até mais tarde

– “quando se diz que

os adolescentes são

dorminhocos, é verdade,

porque adormecem

mais tarde e dormem

até mais tarde.

Mas isso é o ciclo biológico

normal que devia

ser respeitado, por

exemplo pelas aulas

da faculdade, ao invés

de serem às 8, serem

ligeiramente mais tarde

para que os alunos

tivessem mais despertos”,

mas não é assim,

afirma o médico.

A irritabilidade, muitas

das vezes, pequenas

coisas transformam-se

em coisas

muito grandes. O uso

excessivo dos dispositivos

móveis, de interações

online, não

é que tenha de haver

vigilância, mas deve

existir cuidado naquilo

que se usa e perceber

do assunto. Depois,

eventualmente, a

tristeza começa a ter

um peso muito grande

naquela pessoa, no jovem.

Por outro lado, a

excessiva dimensão de

muita alegria, uma alegria

exuberante quase

também a contrapor

muitas das vezes,

até podem acontecer

alguns surtos da esfera

mais psicológica.

Houve ainda referência

ao suicídio, “é

uma dimensão que,

muitas vezes, não é

tida em conta”. Visto

que,“há jovens que

dizem: “qualquer dia

acabo com isto” - isso

é um alerta”, afirma o

diretor de psicologia

do Hospital S. João.

“Diz-se que quando

alguém se quer

matar não avisa,

mas não é verdade.

Há pessoas que vão

deixando e dando sinais,

ou dando dicas

e é importante

que o grupo e a família

estejam atentos.

O suicídio é algo

que não tem retorno”.

Tipicamente, quando

os pais respondem ao

alerta com frases típicas,

tal como: “então

mata-te, atira-te já da

janela”, isto é extremamente

perigoso, “porque

se o jovem estiver

com alguma dificuldade

na relação, por

exemplo, os pais nem

percebem, mas ao dizer

isto estão a impulsionar

o sentimento

de insuficiência e

inutilidade do próprio”.

Depois da

pandemia, o incerto

“Se o dano for muito

grande, tenso, muito

sofrido, as pessoas

são capazes de numa

fase inicial ainda terem

algum cuidado de

mudar alguns comportamentos

sociais,

mas ,naturalmente, vai

retomar tudo ao que

era anteriormente”.

Eduardo Carqueja

recorda os primeiros

tempos em que

se falava muito de

as pessoas se tornarem

mais solidárias:

A taxa de suicídio nos jovens é significativa

não se pode

descorar estas coisas

iam bater palmas

para as janelas, pôr

velinhas aos profissionais

de saúde, doaram

alimentos, mas

“agora estamos pior

do que nessa fase e

nada aconteceu. Ou

seja, manter este espírito

solidário seria

interessante, mas

penso que tudo vai

16

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Reportagem

voltar, outra vez,

à mesma coisa”.

“Um problema disto

é a dimensão económica,

a saúde é extremamente

atacada,

sem dúvida, mas por

questões económicas.

Se mandassem ficar

toda a gente em casa,

presumivelmente, a nível

da saúde não havia

os danos que existem

agora. A parte económica

vai perpetuar-

-se sempre, porque as

pessoas necessitam

da economia para sobreviver”,

considera.

“Há pessoas que vivem

obcecadas com

controle de tudo e fazem

programações a

longo prazo, eu nunca

mais me vou esquecer

que no dia 13 de março

tinha milhentas coisas

programadas para

aquela semana e foi

quando tudo rebentou,

tudo mudou. Tudo

o que era imprescindível

tornou-se adiável”.

Durante este período

atípico fala-se

muito na impossibilidade

de nos despedirmos

daqueles que

nos são mais queridos,

sendo que “quando as

pessoas se queixam

que lhes foi impossível

despedirem-se

dos pais, por exemplo,

se calhar não se

despediu porque está

no hospital, e antes?

Ia ao pé dele? Estava

com ele? O que é que

valia o seu pai para si?

Quem diz o pai diz a

mãe, naturalmente,

ou os filhos. Era bom

que as pessoas mudassem,

agora andam

todos a dizer que não

podem ir ter uns com

os outros e que não

podem ver os velhos”.

“Quando isto terminar,

não se esqueçam

que existem velhos.”

Ser refém de

si próprio

O profissional destaca

que é preponderante

ter ajuda

para perceber que o

nosso melhor amigo

também somos

nós próprios, temos

de ter liberdade para

sermos diferentes.

“A primeira coisa

que eu tenho é autorizar-me

a mim

a ser diferente”

Para muitos jovens

estudantes, e não só,

o ter ficado fechados

consigo próprio, foi o

despoletar do sofrimento,

a permanência

com a pior das

convivências, o “eu”.

Eduardo Carqueja

afirma que o exercício

a praticar seria: “De

que forma eu poderia

ter usado isto para

que eu tivesse ficado

fechado com uma

pessoa que não gosto?

Sinto capaz de me

mudar para ficar com

a pessoa que afinal

gosto? Isto é que é

o processo transformador”.

Nesta fase, a

intervenção psicológica

seria pertinente.

Procurar um psicólogo

não é fazer um

borrão na própria ficha

clínica e autodeclarar-se

“maluquinho”,

é necessário estar vigilante

em relação a

nós próprios e não

Utilize aquilo que é, à partida, uma

dificuldade sua para ter um proveito

descurar de começar

acuidar de dentro para

fora, o intangível. O silêncio

não pode ser solução

e descredibilizar

o sofrimento do outro

também não deve ser

arma de arremesso.

Os estudantes lidam,

no dia a dia, com uma

pressão desmedida e

vêm-se vítimas da realidade

em que viviam

e da que lhes foi posta

à sua frente – uma

pandemia mundial.

Por fim, o entrevistado

destaca as linhas

de apoio, onde

se sabe que do outro

lado está um psicólogo,

perfeitamente

preparado, que tem

um curso de intervenção

de crise feito

pela ordem dos psicólogos

e que é credível

para poder assegurar

ajuda de qualidade.

Se precisares de ajuda,

liga para o SNS 24

(808 24 24 24) e depois

carrega na tecla 4. Não

estás sozinho, o mundo

ainda te quer ouvir.

imagem: Mariana Vilas Boas

À Vista | 11 de janeiro de 2021

17


Política ´

PRESIDENCIAIS

2021

Quem são os candidatos?

Mariana Vilas Boas

O que defendem?

Quem os apoia?

As eleições presidenciais em Portugal têm lugar no dia 24 de

janeiro de 2021. Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes, Marisa

Matias, André Ventura, João Ferreira, Vitorino Silva, também

conhecido como Tino de Rans, Eduardo Batista e Tiago Mayan

Gonçalves são as personalidades que estão na corrida a Belém.

Qual o seu lema, o que pretendem fazer, o que defendem e quem

os apoia são questões que invadem o pensamento de muitos

quando querem decidir em quem votar. O À Vista procurou juntar

informação sobre estes pontos e reuniu tudo num só artigo.

Marcelo Rebelo

de Sousa

“Não vou fugir às

minhas responsabilidades”

Foi no mesmo local

da sua campanha,

em 2016, que Marcelo

Rebelo de Sousa

anunciou a sua candidatura

à Presidência

da República de 2021.

Marcelo Nuno Duarte

Rebelo de Sousa, o

professor catedrático

de Direito, jornalista,

político e o Presidente

da República de Portugal

dos últimos 4 anos.

Antes de exercer o cargo,

era docente e presidente

do Instituto de

Ciência Jurídico-Políticas

da Faculdade

de Direito da Universidade

de Lisboa.

Foi o 20º Presidente

da República e ficou

popularmente conhecido

e acarinhado pelos

portugueses devido

aos abraços e “beijinhos”,

mas também

lhe tem sido apontado

o dedo pelo uso abusivo

do “silêncio”, numa

posição onde o nosso

“silêncio” diz muito.

Numa entrevista

dada à TVI, o atual

Presidente afirmou:

“Eu acho que o

segundo mandato

vai ser mais difícil,

se for atribuído pelos

portugueses”.

Acredita que quanto

mais durar a pandemia

da COVID-19,

maiores serão as desigualdades

políticas e

maior o stress político.

Marcelo Rebelo de

Sousa relembrou que

quando venceu, em

2016, existiam dois

hemisférios rivais,

ambos convictos de

que tinham a maior

legitimidade para governar

o país. Atualmente,

esses dois

hemisférios continuam

a existir, mas há

mais protagonistas

de ambos os lados.

A candidatura do

atual Presidente da

República já conta com

o apoio do PSD - Partido

Social Democrata.

18

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Política ´

Ana Gomes

“Numa república não há coroações,

nem vitórias antecipadas:

é o povo que decide!”

Os rumores já se

começavam a

levantar antes,

mas foi no dia 10 de

setembro de 2020, na

Casa da Imprensa, em

Lisboa, que Ana Gomes

oficializou a sua

candidatura a Presidente

da República.

Na página oficial da

sua candidatura, afirma:

“Não sou de me

conformar. A história

e a vida ensinaram-me

que é preciso

ter humildade

e ver a realidade tal

como ela é. Mas sem

abdicar do sonho,

sem nunca abrir

mão da esperança.”

É num texto intitulado

“Cuidar de Portugal”

que Ana Gomes apela

aos portugueses que

querem uma democracia

com integridade

e justiça a apoiarem

a sua candidatura.

Ana Maria Rosa Martins

Gomes, jurista,

antiga diplomata

e política portuguesa,

formou-se em Direito

na Universidade

de Lisboa. Iniciou

a sua carreira diplomática

em 1980, tendo

sido consultora do

presidente da República

Ramalho Eanes,

entre 1982 e 1986.

Em 2003, decidiu

focar-se na atividade

política. Desde 2002

até então, é militante

do Partido Socialista

(PS). Foi eleita como

eurodeputada pelo PS

e exerceu esse cargo

entre 2004 e 2019.

Enquanto esteve no

Parlamento Europeu

destacou-se pela defesa

dos direitos humanos

e pelo combate

à corrupção.

Discorda da decisão

do PS em não apresentar

nenhum candidato

às eleições presidenciais

porque considera

que demonstra uma

desvalorização por

parte do partido, numa

decisão que é tão importante.

Acredita que

a sua voz de esquerda

pode ser útil para

o debate. Defende a

importância de haver

uma candidatura que

seja capaz de promover

mudanças estruturais

necessárias para

o país e assume esse

objetivo. A candidatura

de Ana Gomes já

conta com o apoio dos

partidos PAN e Livre.

Depois de uma

longa reflexão,

André Ventura

tomou a decisão pessoal

de se candidatar

à Presidência da República.

No dia 8 de

fevereiro de 2020 a

sua candidatura já estava

na agenda mediática

do país, mas foi

no dia 29 que, diante

de centenas de

apoiantes, anunciou

a sua candidatura e

o seu nome foi o primeiro

a entrar na lista

para a corrida a Belém.

André Claro Amaral

Ventura é licenciado

em Direito pela Faculdade

de Direito da

Universidade Nova de

Lisboa e doutorado,

também em Direito.

Comentador desportivo,

político, professor

universitário e consultor

de diversas empresas

na área jurídica.

No final de 2018,

criou o projeto do

CHEGA por acreditar

que o país precisa de

uma nova força política

capaz de acabar

com os poderes instalados

e com o politicamente

correto.

Na sua carta de intenções,

aponta o defeito

do silêncio ao

atual presidente da

República: “Não podemos

continuar a

aceitar um Presidente

que fica em

silêncio perante as

notícias que todos

ouvimos em relação

ao Ministério

Público e às investigações

a políticos.

Que fica em silêncio

sobre Tancos, sobre

a corrupção, sobre

a impunidade,

sobre os polícias.”

Também na sua carta

de intenções anuncia

o desejo de uma

República em Portugal,

com uma nova constituição,

que junte na figura

do Presidente da

República as funções

dadas ao Primeiro-ministro

e que o mesmo

deixe de existir. Fala

em democracia, justiça

e transparência.

O líder do CHEGA

pediu a suspensão do

seu mandato de deputado,

a partir do

dia 1 de janeiro, que

pode vir a ser prolongada

até ao dia 14

de fevereiro se existir

uma segunda volta nas

eleições presidenciais.

André Ventura

“Não tenho medo do confronto com

o poder estabelecido e serei o candidato

anti-sistema”

À Vista | 11 de janeiro de 2021

19


Política ´

João Ferreira

“Façamos desta candidatura parte

da luta pela mudança que desejamos

para as nossas vidas, da mudança que

Portugal precisa.”

Uma candidatura

que, como

o próprio diz

“É minha e é vossa.

É nossa.” Foi na data

de 17 de setembro de

2020 que João Ferreira

apresentou a sua candidatura

na corrida às

presidenciais de 2021.

João Manuel Peixoto

Ferreira, biólogo e

político, estudou na

Faculdade de Ciências

da Universidade

de Lisboa. É, atualmente,

deputado no

Parlamento Europeu

pelo Partido Comunista

Português (PCP),

que já apresentou o

apoio à sua candidatura

e ao qual agradeceu

a confiança.

Já ganhou o prémio

de “Embaixador

do Desenvolvimento”

em 2013, pelo Instituto

Marquês de Valle

Flôr, pelo seu papel

na “promoção de políticas

europeias mais

justas e coerentes”.

Na sua declaração,

João Ferreira fala de

sérios problemas estruturais

em Portugal,

“consequência de

décadas de política

de direita, que a

situação actual expõe

com grande nitidez.

É a desvalorização

do trabalho e

dos trabalhadores,

dos seus salários e

dos seus direitos.”

Fala ainda da desigualdade

na distribuição da

riqueza e na submissão

do país a políticas

e decisões da União

Europeia contrárias

ao interesse nacional.

Insiste no compromisso

e juramento

que o Presidente da

República faz em defender,

cumprir e fazer

cumprir a Constituição

e menciona a violação

deste juramento por

parte do atual, Marcelo

Rebelo de Sousa.

Maria Isabel dos

Santos Matias é

socióloga e política.

Em 2009 foi eleita

como deputada do

bloco de esquerda no

Parlamento Europeu e

está, atualmente, no

seu 3º mandato. Em

2016 já se tinha candidatado

às eleições

presidenciais, onde ficou

em 3º lugar. No dia

9 de setembro, no Largo

do Carmo, anunciou

a sua candidatura

na corrida às eleições

presidenciais de 2021.

É uma ativista dos

Direitos Humanos e

tem uma forte presença

em movimentos cívicos

ligados à cultura,

ao ambiente e aos

direitos sexuais. Em

2004 aderiu ao Bloco

de Esquerda e, em

2010, tornou-se Vice-

-Presidente do Parti-

20

À Vista | 11 de janeiro de 2021

do da Esquerda Europeia.

Foi reeleita em

2013 e manteve o cargo

até ao ano de 2019.

Na apresentação da

sua candidatura relembra

as presidenciais

de 2016, às quais

se candidatou, acreditando

que a sua presença

na corrida a Belém

contribuiu para

quebrar o ciclo de

austeridade que Portugal

vivia na altura.

“Sabemos que

hoje vivemos tempos

diferentes, num

contexto novo e

ameaçador. Perante

uma nova crise,

a maior das nossas

vidas, temos a responsabilidade

de

usar o que aprendemos

nas crises anteriores,

para proteger

Portugal, a

nossa casa comum,

e para enfrentarmos

os perigos que

assombram todo

o mundo, desde a

destruição climática

até à espiral

de violência racista

e discriminatória.”,

afirma Marisa

Matias na sua declaração

de candidatura.

A candidata do Bloco

de Esquerda realça

a crise social que

o país enfrenta, para

além da sanitária, e

relembra que o que

nos salva é o espírito

comunitário e solidário

e não a fortuna e as

riquezas. Desemprego,

questões ambientais

e direitos humanos

são algumas das menções

de Marisa Matias.

Marisa Matias

“Já me conhecem, chamo-me Marisa

Matias e vou à luta convosco.”


Política ´

Advogado e político,

formou-

-se em Direito

na Universidade Católica

Portuguesa e

é membro fundador

da Iniciativa Liberal.

e afirma que será um

Presidente que vai dizer

a verdade. Tiago

Mayan Gonçalves pretende

gastar cerca de

40 mil euros na sua

campanha eleitoral.

TIAGO MAYAN

GONÇALVES

“Sou o primeiro candidato genuinamente liberal

candidato à Presidência”

Na sua mensagem,

afirma que

apresenta a sua candidatura

para que

muitas pessoas possam

ter em quem

votar. Pessoas essas

que “não se reveem

num Presidente

que abdicou de

o ser ou em populistas

de esquerda

e de direita.”,

afirma o candidato.

Acredita que os

últimos anos de governos

socialistas nos

têm deixado muito

dependentes do Estado

e menos livres

Vitorino Francisco

da Rocha e Silva,

popularmente

conhecido como “Tino

de Rans”, apresentou a

sua segunda candidatura

à Presidência da

República. Calceteiro

e uma personalidade

televisiva, já foi eleito

Presidente de Junta

da Freguesia de Rans,

na cidade de Penafiel.

O ex-autarca afirmou:“O

meu gabinete

é a rua. Não desci

de divisão. Há cinco

anos tive 150 mil votos

e tenho muito respeito

por quem votou

em mim e por quem

não votou. Pensam

que sou um português

de segunda, mas

também não quero ser

português de domingo.

Não quero que haja

portugueses de primeira

e de segunda.”

O fundador e líder

do RIR - Reagir, Incluir

e Reciclar, já se

tinha candidatado em

2016 e, agora, volta a

candidatar-se e afirma

que a sua candidatura

pretende

lutar contra “populismos

e a abestenção”.

Vitorino Francisco

Rocha pediu uma alteração

da data das

eleições, marcadas

para janeiro de 2021,

e sugeriu que fossem

alteradas para a altura

da primavera, por

volta de março/abril.

A

escolha do próximo

Presidente

da República

Vitorino Silva

português será feita

no dia 24 de janeiro

de 2021. Uma sondagem

do Católica dá a

vitória a Marcelo Rebelo

de Sousa, com

“Candidato do Povo”

68% dos votos. Em

segundo lugar surge

Ana Gomes com

13% e André Ventura

conquista o terceiro

lugar com 8%.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

21


Política ´

A luta contra a COVID-19 e a esperança na vacina

Soraia Amaral

Em março de 2020

a covid19 chegou

a Portugal. 9 meses

depois, a esperança

vem num frasco - a

vacina contra a covid19.

No princípio do fim

ou fim do ínicio, as

opiniões dividem-se.

Portugal e o mundo

viveram tempos difíceis

de incerteza, a

vacina veio despertar

a esperança no caos.

Dia 21 de Dezembro

de 2020 foi aprovado

pela Agência Europeia

do Medicamento (EMA)

o uso de emergência

da vacina da BioNTech-Pfizer

contra a covid19.

A Comissão Europeia

deu luz verde

para que a imunização

de grupos considerados

prioritários possa

começar a partir do

dia 27 de Dezembro.

A vacina da Moderna

foi autorizada dia

4 de Janeiro de 2021.

A Agência Europeia de

Medicamentos autorizou

a segunda vacina

contra a covid19, esta

pode ser administrada

nos 27 países na União

Europeia. As primeiras

160 milhões de doses

devem ser fornecidas

no decorrer do primeiro

trimestre de 2021.

A vacina da BioNtech.Pfizer

tem 95% de

eficácia e a vacina da

Moderna tem 94.5%.

Eficácia traduz-se na

capacidade que ambas

têm para evitar a

forma grave do vírus.

As caras da luta

contra a covid 19

no país e no mundo

A vacinação arrancou

dia 8 de Dezembro

de 2020 no Reino Unido,

no Hospital da Universidade

de Coventry,

Inglaterra, às 06:31.

Margaret Keenan foi a

primeira pessoa a ser

vacinada contra a covid19

no mundo, fora

dos ensaios clínicos.

A senhora foi vacinada

uma semana antes

de completar 91

primaveras pela enfermeira

May Parsons.

22 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Política ´

Dia 27 de Dezembro

de 2020 foi vacinado

António Sarmento, diretor

de doenças infecciosas

do Hospital de

São João, tornando-se

a primeira pessoa a

ser vacinada no país. O

fármaco foi administrado

pela enfermeira

Ana Isabel Ribeiro.

António Sarmento

tem 65 anos, 42 como

médico. Em declarações

ao jornal PÚBLI-

CO, o profissional de

saúde diz que “ não

correu atrás da vacina”,

mas também não

fugiu. Sempre disse

que se me chamassem

hoje iria e se me

chamassem dentro de

15 dias ia com a mesma

tranquilidade. A

perspectiva da vacina

não me tirou um

minuto de sono, nem

antes de a receber

nem depois”, afirma

o médico ao Público.

Características

de armazenamento

e custos de

obtenção

A temperatura é característica

fundamental

no que diz respeito

à conservação

do fármaco da Pfizer

e que se tem notado

um dos maiores

obstáculos. Esta deve

ser mantida com uma

temperatura entre

os 70 e os 75 graus.A

vacina da Pfizer tem

um custo de 12 euros.

Por outro lado, a vacina

da Moderna pode

ser armazenada durante

30 dias à temperatura

de um frigorífico

doméstico, ou seja,

entre 2 a 8 graus. Até

aos seis meses pode

ainda ser conservada

no congelador com 20

graus negativos. O fármaco

da Moderna é um

pouco mais caro, com

o valor de 14,70 euros.

Vacinas na corrida

A corrida para criar

uma vacina viável para

a covid19 não pára.

Mesmo com a aprovação

para administração

de duas vacinas

na União Europeia, a

procura é maior que

a oferta. As vacinas

que ainda continuam

na corrida são:

Instituto de

Pesquisa Gamaleya

(Sputnik V)

A vacina russa apresentou

92% de eficácia

em estudos de fase 3;

AstraZeneca e Universidade

de Oxford

(AZD1222)

A vacina inglesa está

em estudos de fase

3 e numa primeira

fase demonstrou

eficácia de 70,4%;

Sinovac (Coronavac)

A vacina chinesa desenvolvida

em parceria

com o Instituto Butantan

demonstrou uma

taxa de eficácia de 78%

para casos leves e de

100% para infecções

moderadas e graves;

Johnson & Johnson

(JNJ-78436735)

A vacina norte-americana

entrou em estudos

de fase 3, sem taxa

de eficácia liberada.

Os profissionais de

saúde dos centros

hospitalares universitários

do Porto, Coimbra,Lisboa

Norte e

Central são os primeiros

a ser vacinados.

A primeira fase de vacinação

ocorre entre

o dia 8 de Dezembro

até ao fim de Março

de 2021, é prevista

a chegada de 1,2

milhões de doses de

uma vacina que é facultativa,

gratuita e

universal, visto que é

assegurada pelo Serviço

Nacional de Saúde.

“Sinto-me muito privilegiada por ser a primeira

pessoa a ser vacinada contra a covid-19. Não

tenho como agradecer a May e à equipa do NHS

que cuidaram de mim tremendamente.

O meu conselho para qualquer pessoa é que

tome a vacina. Se eu posso tomá-la aos 90 anos,

então vocês também podem.”

Margaret, uma ex-assistente de joalharia que se aposentou há

apenas quatro anos.

imagem: Reuters

À Vista | 11 de janeiro de 2021

23


Política ´

Cidadão ucraniano é agredido até à morte por

três elementos do SEF

Soraia Amaral

No dia 10 de março

de 2020, um

cidadão ucraniano,

de seu nome

Ihor Homenyuk, tentou

entrar em Portugal

,ilegalmente, por

via aérea. No dia 12 de

março, o homem de

40 anos foi morto no

Espaço Equiparado a

Centro de Instalação

Temporário (EECIT) no

aeroporto de Lisboa.

Bruno Sousa, Duarte

Laja e Luís Silva, os

três homens acusados

de matar o cidadão

ucraniano, estão

em prisão domiciliária

desde a sua detenção,

no dia 30 de março. No

mês de setembro, os

três inspetores do SEF

foram acusados do

homicídio qualificado

de Ihor Homenyuk.

O diretor e o subdiretor

da Direção de

Fronteiras de Lisboa

do SEF colocaram o

seu lugar à disposição,

após a detenção

dos três elementos

do serviço por suspeitas

de homicídio

ao cidadão ucraniano.

No final do ano, o

caso voltou a ganhar

destaque na agenda

mediática e a diretora

do SEF, Cristina

Gatões, demitiu-se.

O Ministro da Administração

Interna,

Eduardo Carbrita,

após a morte de Ihor,

decidiu instaurar processos

disciplinares

ao diretor e subdiretor

de Fronteiras de Lisboa,

ao Coordenador

do EECIT do aeroporto

e aos três inspetores

do SEF, entretanto

acusados pelo Ministério

Público. E ainda,

a abertura de um inquérito

à Inspeção Geral

da Administração

Interna (IGAI). Ao todo,

na sequência do inquérito,

a IGAI instaurou

8 processos disciplinares

a elementos

do SEF e implicou 12

inspetores deste serviço

de segurança na

morte do ucraniano.

“As investigações e

tudo o que foi apurado

até ao momento indicam

que um cidadão

ucraniano sofreu aqui

tratamentos que conduziram

à sua morte.

O que se passou aqui

não tenho grandes dúvidas

sobre uma situação

de tortura evidente”,

afirmou Cristina

Gatões, em entrevista

à RTP nas instalações

do Espaço Equiparado

a Centro de Instalação

Temporária (EECIT)

24 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Política ´

do aeroporto

de Lisboa.

O Ministério Público

considerou que “ficou

suficientemente indiciado”

que,.em março

de 2020, um cidadão

ucraniano foi

levado para a sala

do Estabelecimento

Equiparado de Instalação,

no Aeroporto de

Lisboa, para, posteriormente,

embarcar

num voo com destino

a Istambul, no entanto

recusou fazê-lo.

Face à excitação de

Ihor Homenyuk, este

acabou por ser isolado

dos restantes

passageiros estrangeiros

(na sala dos

Médicos do Mundo),

onde se prolongou

até ao dia seguinte.

Alegadamente, os

inspetores acusados

direcionaram-se à sala

onde o homem se encontrava

e algemaram-

-no, com as mãos atrás

das costas e agrediram-no,

pontapeando-

-o e dando-lhe socos.

“Com o ofendido

prostrado no chão, os

arguidos, usando também

um bastão extensível,

continuaram

a desferir pontapés,

atingindo o ofendido

no tronco. Ao abandonarem

o local os

arguidos deixaram a

vítima prostrada, algemada

e com os pés

atados por ligaduras”,

refere a acusação.

Após a agressão, o

homem deixou de reagir.

Com isto, foi chamado

o INEM e uma

viatura médica de

emergência dirigiu-se

para o local. O médico

de serviço da tripulação

declarou o óbito

do cidadão ucrãniano.

As agressões levadas

a cabo pelos inspetores

do SEF, que agiram

intencionalmente e

em grupo, provocaram

a morte de Ihor.

Segundo o Ministério

Público, a morte

derivou de “diversas

lesões traumáticas”.

O Presidente da República,

Marcelo Rebelo

de Sousa, explicou

que não vai falar

sobre o assunto, visto

que é um caso que

Cristina Gatões, ex.Diretora Nacional do SEF

permanece sob investigação

criminal. No

entanto, o caso SEF,

tem dado que falar

pelos piores motivos.

No final das contas,

um homem morreu

às mãos da autoridade.

O À Vista organizou

os acontecimentos

por ordem cronológica

para uma

melhor precessão do

desenrolar do caso.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

25


Política ´

Homicídio de Homenyuk a 12 Março de 2020

MARÇO ABRIL MAIO

30 Três elementos do SEF foram

detidos pela Polícia Judiciária por “fortes

indícios” da prática de homicídio.

31 O PSD pediu esclarecimentos ao

Governo sobre a morte do cidadão. O bloco

de Esquerda pediu uma audição urgente

do Ministro da Administração Interna.

3 António Costa reage. O Primeiro

Ministro mostra-se chocado

com a suspeita de homicídio que

recai sobre os inspetores do SEF.

6 Eduardo Cabrita declara mudanças

profundas no funcionamento

do EECIT do Aeroporto de Lisboa,

a propósito da morte do ucraniano.

5 É anunciado pela Administração Interna

que o Centro de Instalação Temporária

do SEF no aeroporto de Lisboa vai

continuar encerrado até ao final de maio e

quando abrir irá receber somente estrangeiros

impedidos de entrar em Portugal.

8 O Centro de Instalação Temporária

do SEF no aeroporto de lisboa encerra

até 30 de abril, momento em que serão

aprovados novos mecanismos e regras.

A Comissão dos Direitos Humanos da

Ordem dos Advogados manifesta “profunda

preocupação e apreensão e apela

à investigação do sucedido até ao fim.

26

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Política ´

SETEMBRO NOVEMBRO DEZEMBRO

29

A IGAI instaura oito processos disciplinares

a elementos do SEF, na

sequência do inquérito que apurou

as causas da morte de Ihor – agressões.

Os processos recaem sob o

diretor e subdiretor de Fronteiras

de Lisboa, ao Coordenador do EE-

CIT do aeroporto e aos três inspetores

suspeitos do crime de homicídio.

30

O Ministério Público (MP) acusa os

inspetores do SEF, Bruno Sousa, Duarte

Laja e Luís Silva, que ficam em

prisão domiciliária, pelo homicídio

qualificado de Ihor Homenyuk.

O MP decide extrair uma certidão

para que seja investigada

a prática de eventuais crimes

de falsificação de documentos.

3

Eduardo Cabrita considera, no parlamento,

que o IGAI “foi mais longe que o

Ministério Público”, porque determinou

que o apuramento das responsabilidades

fosse feito também por potências cúmplices

ou potências omissoras de auxílio,

não se limitando aos três acusados.

11

A Diretora Nacional do SEF diz que os

inspetores têm “acrescida responsabilidade

e o constitucional dever” de garantir

o proteger “o direito à vida e integridade

física” das pessoas que estão à responsabilidade

deste serviço de segurança.

16

Cristina Gatões admite, em entrevista

à RTP, que a morte do cidadão ucraniano

foi resultado de “uma tortura evidente”.

A Diretora Nacional do SEF afirma

ainda que não se vai demitir.

19

O PSD pede a audição do Ministro

da Administração Interna, apontando

“contradição” entre declarações

de Eduardo Cabrita e dados da inspeção

Geral da Administração Interna

sobre o inquérito à morte de Ihor.

4

A Comissária Europeia dos Assuntos Internos

afirma que confia na forma como Portugal

trata o caso e admite que após reunião

com Eduardo Cabrita se esperavam “algumas

mudanças na liderança e nos regulamentos”.

9

A Diretora do SEF demite-se, nove

meses depois da morte de Ihor.

10

O Estado português vai pagar uma indemnização

à família de Homenyuk. O valor

será decidido pela Provedora da Justiça.

Eduardo Cabrita afirma ter a consciência

tranquila em relação ao seu mandato.

O Sindicato do SEF saudou a reestruturação

anunciada pelo governo, mas lamenta que

se faça #em função de um episódio sinistro”.

11

O Ministro da Administração interna informa

a embaixadora da Ucrânia sobre a decisão de

o Estado pagar uma indemnização à família do

cidadão ucraniano. E ainda o facto de estarem

a trabalhar para apurar responsabilidades.

13

PCP defende reestruturação do SEF.

O Diretor Nacional da PSP admite que está

a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF.

Admite ainda que colocou a questão ao Presidente

da República, mas Eduardo Cabrita

respondeu que a decisão cabe ao Governo.

14

O Sindicato do SEF considerou que o Presidente

da República “extrapolou as duas

competências”, ao falar sobre a reestruturação

do SEF e alertou que “os problemas não

se resolvem com mudanças de ministros”.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

27


Stand4Good:

Iniciativa apoia 20

estudantes da

Universidade do

Porto

Soraia Amaral

Sociedade

imagem: Stand4good

Em tempos de

pandemia, nasce

o projeto-piloto

que pretende apoiar

estudantes que, embora

vivam em situação

comprovada de

carência económica,

não foram abrangidos

pelas bolsas de ação

social – a Stand4Good.

A associação interventiva

resulta de uma

parceria com a Universidade

do Porto. Os

alunos beneficiados

serão os primeiros 20

candidatos que ficaram

de fora da lista

de atribuição de bolsas

e que cumprem

os critérios de elegibilidade

estabelecidos.

Perante a instabilidade

do presente

e a imprevisibilidade

do futuro, o objetivo

é claro: evitar

o abandono escolar.

“Este é um projeto

que nasce com este

contexto de pandemia

e com a motivação de

realmente tentar ajudar

jovens e famílias

que neste momento

estão com dificuldade

em garantir a continuidade

dos estudos dos

seus filhos, para que

não seja por questões

financeiras que estudantes

que têm vontade

de tirar os seus

estudos universitários

ou de os concluir

não o possam fazer”,

diz Mafalda Teixeira

Bastos, cofundadora

da associação, em

entrevista ao À Vista.

Mais que ajuda

financeira, uma

complementaridade

de eixos

A Stand4Good assenta

na relação e cooperação

entre três

eixos de intervenção:

Learn4Good, Mentor-

4Good e Work4Good.

O primeiro eixo, Learn4Good,

pretende

suprir a necessidade

mais imediata – o

pagamento da propina

anual. Portanto,

no fundo, compreende

a atribuição de

bolsas universitárias

a 20 estudantes. Estas

bolsas têm o valor

de 1000 euros ao

que será canalizado

em primeira instância

para o pagamento da

propina anual, ficando

o restante para custos

relacionados com

a educação e a frequência

universitária.

No entanto, apesar

do apoio financeiro ser

importante, “o projeto

ficaria manco sem os

outros eixos”, considera

a co-fundadora.

A partir deste mote,

nasce a componente

de mentoria, Mentor-

4Good. Este é um eixo

desenvolvido em parceria

com a Argo Partners,

uma empresa de

gestão de talento, e

que tem como objetivo

acompanhar e capacitar

os jovens em

termos de competências

pessoais e comportamentais

por um

lado e por outro trabalhar

competências

de empregabilidade.

O último eixo, Work-

4Good, prende-se

com a integração profissional.

Neste ponto,

a preocupação é

ajudar os jovens a terem

oportunidades reais

de contacto com o

mercado de trabalho.

O objetivo final desta

estrutura é que os

jovens consigam terminar

os estudos universitários

e integrar

o mercado de trabalho

com oportunidades

de qualidade e na

sua área de formação.

O ciclo não de

apoio renova-se

“Este é um projeto

que se chama

Stand4Good também

muito porque acreditamos

que todos

nós podemos fazer

a diferença na vida de

outras pessoas”, afirma

Mafalda Teixeira.

A cadeia de ajuda

não finda, renova-se.

Integrado na sua missão,

inclui-se também

o programa Act4Good,

através do qual os jovens

apoiados têm

oportunidade de participar

em ações de

voluntariado, segundo

os seus interesses

e preferências.

A co-fundadora em

conversa com o À Vista,

confessa que: “poder

proporcionar a

estes jovens a oportunidade

de voluntariar

para que também eles

possam dar continuidade

àquilo que nos

move, que é a possibilidade

de mudarmos

vidas, é muito importante”.

Desta forma,

a mesma mão que

recebe, estende-se

também para ajudar.

28

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

Um projeto para

todos

Um dos objetivos

primordiais do projeto

é combater o desemprego

jovem. Dados

recentes referem que

25% dos jovens até aos

24 anos estão desempregados

e, portanto,

a associação interventiva

pretende chegar a

mais jovens que não

só os 20. Assim sendo,

através de parcerias

com as empresas

associadas, publicitam-se

oportunidades

de estágio ou integração

social no site

– disponível a todos.

A Stand4Good ergue-se

assim para

“conseguir que mais

jovens vejam também

aqui uma oportunidade

de emprego

e de terem aqui uma

vida mais qualificada

no futuro”, conclui

Mafalda Teixeira, psicóloga

de profissão.

E tu, como

podes fazer parte

do ciclo?

“Nós acreditamos

que nada se faz sozinho

e nós somos uma

instituição sem fins

lucrativos 100% privada”,

portanto a questão

da sustentabilidade

da associação e da

garantia de apoios é

uma questão diária,

uma preocupação

permanente.

“Este é um processo

vivo, ou seja,

nós estamos em

permanência a

precisar de parceiros

e apoios e

por isso esperamos

que daqui a uns

meses a lista e o

número de parceiros

possa vir a

ser aumentada”

Entre empresas, profissionais

de marketing,

ou outro tipo de

ações de angariação

de fundos ou de produtos

que os jovens

possam precisar, toda

a ajuda é bem-vinda.

No fundo, a Stand-

4Good, está em permanentemente

recetiva

a ideias que possam

alavancar a causa.

Em termos de cidadão

mais individual,

poderá fazê-lo também

de várias formas:

financeiramente - a

associação lançou recentemente

uma campanha

Friend4Good,

onde é possível fazer

uma doação de 5 euros

por mês; através de voluntariado

- quer para

explicações ou acompanhamento

de algum

tipo de necessidade a

nível do funcionamento

da Stand4Good;

por fim, partilhando

- o popular “passa

a palavra”, de forma

a levar a causa mais

longe, a mais pessoas.

O objetivo é que daqui

a 2 anos, após uma

avaliação do projeto

piloto que ocorre de

2020 a 2022, seja possível

replicá-lo e escalá-lo

com o fim último

de chegar a mais jovens.

É preponderante

continuar a proporcionar

“Oportunidades

que mudam vidas”.

logótipo da associação Stand4good

Manifestação: “Resgatar

o Futuro é não deixar

ninguém para trás”

Mariana Vilas Boas

A

Manifestação

“Resgatar o Futuro,

não lucro”,

que decorreu no dia 17

de outubro, tentou fazer-se

ouvir no jardim

da Cordoaria, no Porto,

mas foram poucos

os que apareceram.

Estava programada

para as 16:30h e o

ponto de encontro,

no Porto, foi o jardim

da Cordoaria. O movimento

“Resgatar o

Futuro, não o lucro”

já se tinha feito ouvir

em vários pontos

do país, no passado.

Desta vez, voltaram a

sair à rua porque acreditam

que a crise do

COVID-19 veio expor e

acentuar as desigualdades

já existentes

do sistema capitalista

em que vivemos.

Se por medo do aumento

do número de

casos nas últimas semanas,

se por sentirem

que é uma luta

perdida, foram poucos

aqueles que se

juntaram à manifestação.

Eram cerca de

20. O uso de máscara

foi consentido e a distância

dos 2 metros

cumprida. Independentemente

da adesão,

os que lá estavam

fizeram-se ouvir.

Indignação e preocupação

era o que

se sentia nos discursos

que reclamavam

uma atuação mais real

e justa do Estado. A

ideia de que resgatar

o futuro é não deixar

ninguém para trás

ficou bem assente.

Defendeu-se um emprego

com direitos,

exigiu-se apoio para

aqueles que ficaram

imagem: Mariana Vilas Boas

sem rendimentos, pediu-se

a proibição dos

despedimentos e afirmou-se

que é preciso

repensar a atividade

económica Precariedade

foi a palavra-chave

deste protesto.

Alguns profissionais

da área da cultura,

presentes na

manifestação, relembraram

que pagam o

preço da precariedade

por fazerem o que

gostam e pediram

às instituições que

se responsabilizem

À Vista | 11 de janeiro de 2021

29


Sociedade

pelos seus trabalhadores.

A educação

também foi mencionada

como precária, e não

será este o ideal para

o futuro que queremos

para os jovens e crianças

do país. A solução

não são os contratos

temporários, mas

sim os permanentes.

A Associação de

Combate à Precariedade

- Precários Inflexíveis

reclamou por

continuarem a deixar

os precários e as precárias

ficar para trás

quando, na verdade,

são eles que estão

na linha da frente dos

efeitos da crise sanitária.

Recordaram que as

medidas de proteção

de emprego não os inclui

e afirmaram que

é preciso garantir um

apoio justo para aqueles

que ficam sem

trabalho e perdem os

rendimentos. Exigiram

novas escolhas.

Alguns movimentos

feministas também

marcaram presença

e lembraram

as desigualdades salariais

ainda existentes.

Com um discurso

de sensibilização

onde ressaltaram os

que não têm abrigo,

os que têm como prisão

a sua própria casa

e a comunidade LGB-

TQ+, entre outros, exigiram

compromisso

por parte do Estado.

Uma manifestação

que falou das diferenças

brutais no acesso a

direitos humanos básicos,

que se salientaram

ainda mais com a

chegada da pandemia

e que parece colocar

o lucro acima das vidas

humanas. Pediram

uma nova política que

responda à urgência

de defender o emprego

e que garanta

a proteção imediata

a quem está a sofrer

os efeitos sociais da

pandemia. Passaram

a ideia de que precisamos,

não apenas de

direitos, mas de ferramentas

materiais

imagem: Mariana Vilas Boas

para aceder a estes

direitos. E afirmaram

que a luta continua.

“A pão e água”: Restauração fez-se ouvir nos

Aliados

João Brandão

O

setor da restauração

há muito

que vinha a

sofrer consequências

das medidas impostas

pelo governo para

combater a Covid-19.

Ontem, na Avenida

dos Aliados, foi dia

da manifestação que

sublinhou o descontentamento

dos profissionais

desta área.

O protesto começou

por ser pacífico e

contou até com a presença

de Rui Moreira

que optou por sair da

câmara para ouvir as

queixas dos protestantes

e para deixar

a sua opinião sobre o

tema. Outra figura pública

que se juntou ao

movimento foi Ljubomir

Stanisic, protagonista

do programa

“Pesadelo na cozinha”.

O presidente da câmara

do Porto veio

aos Aliados salientar

que se tivesse sido

ele a tomar as medidas,

talvez tivesse

atuado de forma diferente.

No entanto,

considerou importante

salientar que não está

no papel de comentador

político e que,

por isso, prefere abster-se

quanto à temática

da manifestação.

“A pão e água” foi o

nome escolhido pela

organização da manifestação

para melhor

demonstrar o atual

estado da restauração

portuguesa. Representantes

de vários restaurantes

uniram-se

para defenderem os

seus direitos. As novas

medidas do governo

visam especialmente

este setor, já que

não vai permitir que

restaurantes tenham

clientes nos dois próximos

fins-de-semana.

imagem: João Brandão

30

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

imagem: João Brandão

“Daqui a nada

estaremos a

pedir na rua”

Ivo Silva

(Restaurante Setra,

Braga)

Entre outras questões,

os protestantes

fizeram questão de

realçar a falência dos

seus negócios e que

“podiam ser vistos

como parte da solução

e não como parte do

problema”. Desde restaurantes

mais conhecidos

a restaurantes

mais locais, a palavra

que mais se ouviu foi

“desespero”. Ivo Silva,

representante do restaurante

Setra em Braga,

retrata “um cenário

bastante negro e que,

neste momento passa

apenas pela sobrevivência”.

Em declarações

ao À Vista, salienta

que apenas querem

conseguir pagar ordenados.

Quanto às novas

medidas, Ivo Silva

foi conclusivo: “já tivemos

que mandar pessoas

embora. Tínhamos

sete funcionários

e já só temos quatro

e esperemos que não

tenhamos que despedir

mais ninguém”.

“Quem não

cumpre (as

medidas) pode

estar aberto,

nós cumprimos

e temos que

fechar”

Hilário Silva é dono

de um restaurante na

Boavista e prevê um

desastre a curto prazo,

isto porque “os fins

de semana representam

à vontade quarenta

por cento da nossa

faturação e é impossível

continuar a pagar

a funcionários assim,

já para não falar das

despesas fixas”. Se estas

novas medidas se

prolongarem por mais

tempo, o empresário

não tem dúvidas de

que terá de “meter a

chave à porta”. “O que

se está a pedir não é

nada de extraordinário”,

acrescenta ainda.

“Estamos há

oito meses

impedidos de

por pão nas

nossas mesas”

Para além dos restaurantes,

estiveram

ainda vários representantes

de bares e discotecas

que também

se vêem a passar pelas

mesmas dificuldades.

O apela direcionou-se

para “um

simples diálogo com

o governo para podermos

decidir o que fazer,

apenas queremos

uma bóia de salvação”.

No final dos protestos,

houve desacatos

entre manifestantes e

polícias presentes no

local. Houve ainda pirotecnia

no local que

fez com que os caixões

em frente à câmara

fossem queimados e

obrigou os bombeiros

a deslocarem-se ao local

para apagar o fogo.

Para além das

faixas que já são costume

em manifestações,

houve ainda

caixões e um veículo

de uma agência funerária.

O simbolismo

destes acessórios tal

como a palavra de ordem

desta manifestação

são claros: pede-

-se ajuda ao governo

para atender a tantos

negócios que podem

estar prestes a falir.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

31


Sociedade

Ninguém é feliz sozinho.

Todos somos crentes.

Mariana Vilas Boas

O

capitalismo

predomina na

sociedade atual.

Com uma globalização

cada vez mais crescente,

estamos mais

próximos, mas menos

ligados. Mas quem somos

sem os bens e

objetivos “materiais”?

Afinal, como está a espiritualidade

da humanidade

no século XXI?

Nascemos e crescemos

a aprender que

temos de ter um bom

emprego, para ganharmos

um bom ordenado,

para podermos adquirir

os bens que bem

entendemos. O foco é

o trabalho e a estabilidade.

E as redes

sociais aliciam ainda

mais esta vontade

de querer exibir uma

qualidade de vida rica.

2020 foi um ano que

testou os limites de

todos os seres humanos.

Aquilo que temos

de mais valor foi posto

em causa: a nossa

vida. A nossa e a de

todos os que nos rodeiam

e têm algum

valor de importância

para nós. Fomos forçados

a parar. Limitados

às divisões da nossa

casa, tivemos de nos

reinventar, o que nos

fez questionar muitas

coisas, nomeadamente

a forma como vivemos.

Questionamo-

-nos sobre aquilo que

realmente é essencial

para o nosso bem-

-estar, não só físico,

mas também psicológico.

Que lugar ocupa

a crença nesta pausa?

Como está a nossa fé?

“A fé dá sentido à

vida de muitas pessoas,

ilumina as suas

consciências na tomada

de decisões oportunas

e acertadas, fortalece

as decisões da

vontade e impulsiona

o coração a amar lucidamente”,

afirma o

padre Georgino Rocha.

O membro do Conselho

Diocesano de

Pastoral, em conversa

com o À Vista, esclareceu

que as pessoas

não estão menos religiosas.

Podem estar

menos ativas na manifestação

pública dos

sinais de fé, mas no

que toca à relação que

cada um tem com as

suas crenças, com as

suas convicções interiores

e pessoais, essa

cresceu. Toda a pessoa

vive uma relação

com aquilo em que

acredita semelhante

à de um filho com

a mãe, compara o padre

Georgino Rocha.

“Se acredita em

Maomé, se acredita

no Buda, se acredita

na igreja católica,

no Papa… bem,

há sempre uma

relação. Ninguém

é feliz sozinho. A

religião não é algo

individualista. A

religião quer dizer,

precisamente, que

a pessoa está ligada

à sua própria

crença. E, nesse

sentido, todos somos

crentes.”

Todo o ser humano

está ligado à religião,

no sentido em

que, cada um de nós

vive uma relação com

alguém, com a natureza.

A sociedade, em

particular a portuguesa,

está a passar por

uma fase de mudança

no que toca ao campo

religioso. Tem-se banido

do espaço público

os sinais religiosos.

Nesse sentido, e tal

como Georgino Rocha

diz, “está menos religiosa

e mais secularista”

Ou seja, a afirmação

do temporal,

do material, do individual

e do económico.

Tudo o que é institucional

está a diminuir

e o que é individual

está a crescer, o que

origina grupos de todas

as crenças e ritos.

O membro do Conselho

Presbiteral compara

a fé à semente

lançada à terra: se não

for cuidada, não germina

e definha. Acredita,

por isso, que a

fé é um dom que se

acolhe e desenvolve.

A importância que

cada um atribui à religião

depende, sobretudo,

da semente

que é plantada e de

como é cuidada. E,

nesse sentido, o padre

explica que a atitude da

pessoa, do ambiente

familiar e do grupo de

amigos/as influenciam

o crescer ou não desta

semente que é a fé.

“É como a semente

que germina e

cresce com normalidade,

mas tem

a segurança, especialmente

nas

raízes. Mantém-se

firme, apesar das

adversidades.”

Muitas das vezes, no

que diz respeito à religião,

em especial a

católica, as pessoas

parecem questionar

a sua atualidade.

Estará a igreja a

pregar ensinamentos

que na época faziam

sentido, mas que

agora não encaixam?

32

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

imagem: Mariana Vilas Boas

Ou irão estes sermões

muito à frente

da capacidade

interpretativa da sociedade?

Está a igreja

a acompanhar a evolução

da humanidade?

Georgino Rocha responde

a esta última

questão com um meio

termo: sim e não. No

que toca ao sistema

de pensamentos,

reflexões e ensinamentos,

a religião católica

tem um conjunto

de princípios que

vão muito à frente da

ação da igreja na área

quer social, quer política,

quer económica,

quer cultural, não

é suficientemente divulgada

para dar azo à

criação de grupos de

reflexão, intervenção

e questionamento, sejam

eles constituídos

por cristãos ou não.

“Acredito que o

diálogo entre a

sociedade e a igreja,

e a igreja e a

sociedade, já está,

em alguns campos,

a dar frutos mas,

na maioria, tem de

ser intensificado

para que, partilhando

o que cada

um tem de melhor,

a humanidade saia

enriquecida”

A COVID-19 veio colocar

à vista do mundo

as pandemias que

já existiam na comunidade.

A maior de todas

é a indiferença de uns

para com os outros,

diz o Assistente da

Comissão Diocesana

Justiça e Paz. Cada um

vive para si e isso está

a minar a sociedade. O

egoísmo e o individualismo

é algo presente

nas pessoas, consequente

de uma mentalidade

capitalista. E

não só na economia,

mas também nos saberes.

Georgino Rocha

levanta ainda algumas

questões: Que sentido

tem a nossa vida?

O que é que andamos

aqui a fazer? Para

onde caminhamos?

Qual vai ser o nosso

fim? Que aspirações

deixamos silenciadas

no coração, na consciência

e exteriorizamos

apenas aparências?

“O Covid-19, infelizmente,

é um

vírus que se transmuta,

e atrás dele

virão outros…

Causarão imensos

estragos à humanidade,

também

ajudando-a a descobrir

as capacidades

adormecidas

que tem dentro de

si”

A pandemia da CO-

VID-19 tornou-se

numa oportunidade

para cada um repensar

a sua fé. Fez com

que as pessoas percebessem

que são

frágeis e que os pilares

da sociedade são

pouco firmes. Por outro

lado, esta pandemia

reativou o lado

comunitário da humanidade.

Mobilizaram-

-se recursos: todos os

profissionais de saúde

e voluntários que se

colocaram a serviço,

a definição de novas

regras de comportamento

e o seu cumprimento,

os centros

de investigação para

a vacina, entre outros.

Em tempos de

pandemia a prática

da religião também se

reinventou e, segundo

o padre Geogiano

Rocha, “é de presumir

que a fé se venha

a purificar, a ser mais

autêntica, e até a difundir”

Acredita que

“agora as pessoas

sentem-se mais igreja,

porque a igreja é

esta relação de proximidade.

É esta ajuda

humanitária, é esta

certeza de que a sorte

do meu irmão (meu

irmão, ser humano),

está também nas minhas

mãos. É esse,

por exemplo, o sentido

da máscara. Estamos

a descobrir uma

nova fase da humanidade”

É possível que

a Igreja saia da pandemia

mais renovada

e influente na humanização

da sociedade,

apesar de menos vistosa,

acredita o membro

do Conselho Diocesano

de Pastoral.

Numa era em

que parecemos ser aliciados

pelos slogans e

títulos, parecem ser

poucos os que procuram

uma consciência

esclarecida. Neste

sentido, o padre Georgiano

Rocha deixou

uma mensagem importante

sobre aquele

que é o caminho do

ser humano. Afirma

que cada pessoa não

é apenas um indivíduo.

É um indivíduo

em relação e esta relação

é fruto de laços.

Esses laços unem-

-nos uns aos outros

e o primeiro de todos,

é o sermos humanos.

É ter uma dignidade.

É viver em liberdade.

É poder partilhar

os bens. É querer uma

economia social adequada

para que todos

tenham acesso ao indispensável

para viver.

Portugal é um país

predominantemente

católico e, apesar de

a sociedade parecer

estar cada vez menos

ligada à espiritualidade,

a verdade é que

apenas se está a tornar

mais pessoal e liberal

a escolha e prática

da crença de cada

um. Nas palavras de

Georgino Rocha “Hoje

cada um procura seguir

a sua ideia” e isso

não quer dizer que a fé

das pessoas diminuiu.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

33


Sociedade

montagem: Mariana Vilas Boas

Trabalho, sustentabilidade, democracia.

O primeiro dia da Web Summit em revista

João Brandão e Soraia Amaral

Do Rossio dos Olivais

para o ecrã de um

computador, a Web

Summit arrancou, no

dia 3 de dezembro,

muito diferente do habitual.

Nem de propósito,

foi a tecnologia,

que o evento tanto

discute e promove, a

solucionar a impossibilidade

de o certame

ser realizado no formato

presencial – assim

o impôs a pandemia

de COVID-19.

À espera de mais

de 800 oradores, 100

mil participantes e 2

mil startups, a grande

conferência que Lisboa

acolhe desde 2016

cumpriu o seu primeiro

dia com quase dez horas

de eventos online.

Com a passagem

para o online, passamos

em revista o que

mudou no funcionamento

da conferência

e espreitamos, claro,

várias das suas sessões.

Ouvimos Cal

Henderson (Slack) a

assegurar que “vai

mudar para sempre”

a sensação de ir para

o trabalho, Kara Hurst

(AMAzon) a apresentar

o “Climate Pledge” que

junta 1.200 empresas

em torno de objetivos

de sustentabilidade

ambiental, ou o neto

de Nelson Mandela a

defender que “quando

se fica sem opções,

o protesto é a via”.

Uma Web Summit

com muitas novidades

O formato online

da mega-conferência

tecnológica está

recheado de interatividade

e, claro, de

muitas novidades.

Este ano, os palcos

habituais foram substituídos

por seis canais:

o “Central”, que substitui

o palco principal

da conferência, o dos

“Criadores”, um dedicado

à “Sociedade” e

a várias problemáticas

associadas, outro

para os ”Construtores”

e outro ainda exclusivamente

dedicado a

“Portugal” – uma das

novidades da edição

deste ano – pelo qual

vão passar dezenas

de oradores nacionais

das mais variadas áreas:

do cinema ao futebol,

passando pela

música ou pela política.

Há ainda um canal

dedicado em exclusivo

à formação com

especialistas, através

das “Masterclasses”.

O espetador tem a

liberdade de navegar

pelos canais e assistir

às conferências que

deseja, sem um guia

obrigatório.

Durante as mesas

redondas, que se debruçam

sobre as mais

diversas temáticas,

os internautas podem

interagir e participar,

algumas destas salas

encontram-se inseridas

nas denominadas

“salas de parceiros” do

evento.

O chat permanente

é novidade. Durante

todas conferências,

existe um espaço

de conversação onde

os espetadores podem

interagir entre si

34

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

e reagir ao que é dito,

o que torna a experiência

mais dinâmica.

Para além disto,

existe o Mingle – uma

ferramenta que mimetiza

o funcionamento

das aplicações de

speed dating para colocar

os participantes

do evento em contacto

durante 3 minutos. O

match é aleatório, no

entanto, a aplicação

tenta escolher alguém

que se assemelhe

ao perfil e preferências

do internauta.

Nos chamados “Q&A”

– sessões de perguntas

e respostas -, os

espetadores têm a

oportunidade de interagir

e fazer questões

em direto a alguns

dos muitos oradores

presentes no evento.

Tech

saves lives

Paddy Cosgrave, CEO

e fundador da Web

Summit, esteve, como

é habitual, no arranque

do evento, que se

realizou 100% online. O

CEO disse estar verdadeiramente

entusiasmado

por abrir mais

uma edição de um

evento que tem como

objetivo “fazer ouvir as

pessoas mais incríveis

por todo o mundo”.

Filomena Cautela foi

a primeira a estrear o

palco virtual da conferência.

A apresentadora

da RTP foi mestre

de cerimônias e

vai apresentar todas

as sessões do evento

no decorrer dos três

dias. António Costa

e Fernando Medina

também participaram

na sessão, para

reforçarem a ideia de

que Portugal quer ser

um polo de inovação.

O primeiro-ministro

iniciou a mensagem

de boas-vindas à Web

Summit num registo

de proximidade, embora

só visível através

do ecrã: “aqui estamos

nós, juntos, nestes

três dias de conferência

digital”. Com

cerca de 6 mil pessoas

de olhos postos em

si, o chefe de Governo

aproveitou para referir

que “2020 é um ano

marcado pela pandemia

de COVID-19, mas

2020 não é só sobre

isso. Foi um ano em

que Portugal passou

para a liga dos campeões

da inovação”.

Depois do muito discutido

apoio do Erário

Público ao evento, o

presidente da Câmara

de Lisboa, Fernando

Medina, aproveitou a

cerimónia de abertura

para reafirmar que

“eventos como a Web

Summit são necessários,

mais do que nunca”.

Referiu ainda a esperança

e confiança de

que em 2021 a cidade

receberá os participantes

da cimeira in loco.

Ursula von der Leyen

foi a oradora que se

seguiu e começou por

dizer “tech saves lives”,

ou, na versão portuguesa,

“a tecnologia

salva vidas”. Este foi

o ponto de partida do

discurso da presidente

da Comissão Europeia,

que apresentou

um olhar otimista

quanto ao futuro. Falou-se

numa “remodelação

do mundo de

uma nova e melhor

forma” e de dados que

revelam 2020 como

um ano de enorme

sucesso para as empresas

tecnológicas

europeias que apresentaram

um crescimento

significativo.

Cal Henderson e o

futuro do trabalho

Dos mais novos aos

mais velhos, todos viram

a realidade interrompida

com o aparecimento

da COVID-19.

Assim, surgem, inevitavelmente,

questões

sobre o futuro

do mundo do trabalho

como o conhecíamos.

O co-criador do Slack,

uma plataforma

que oferece salas de

conversação organizadas

por tópicos, grupos

privados e mensagens

diretas, foi, nesse

contexto, um dos primeiros

a passar pelo

“palco principal” da

Web Summit para falar

sobre “O Trabalho

depois da crise”. Em

conversa com a jornalista

Jemima Kiss,

Henderson falou desta

plataforma que se

apresenta como “uma

nova forma de comunicar

com a sua equipa”,

considerando-a

“mais rápida, melhor

organizada e mais segura

que o email”.

Numa fase em que

todos somos estimulados

a ficar em

casa, falou-se no futuro

do trabalho remoto

e híbrido: será

que veio para ficar?

Cal Henderson, o CTO

do Slack, expôs algumas

das suas convicções

sobre o tema. O

programador acredita

que para existir evolução,

as empresas têm

de se moldar e aderir

ao trabalho híbrido.

Assim, os escritórios

tornar-se-ão meros

locais colaborativos.

“O escritório como o

conhecemos vai mudar

e deverá singrar,

de forma ampla, a flexibilidade

no trabalho,

além do trabalho

remoto e híbrido, que

veio para ficar para

sempre”, afirmou Cal

Henderson. Com este

novo formato, as relações

interpessoais,

em contexto laboral,

podem sair ameaçadas.

A propósito, o

CTO do Slack anunciou

que está a tentar

soluções para esta

questão. Até porque,

diz: “A sensação de

ir para o trabalho vai

mudar para sempre

após este período”.

Se os modelos de

execução de ofícios

mudou, a forma

como o trabalhador

projeta o ideal de

exercício de funções

também. global que

assinala que apenas

22% dos trabalhadores

em esO programador

fez referência

a um estudo

critórios preferem voltar

a tempo inteiro

para o habitual local

de trabalho, em escritórios,

após a pandemia.

Os restantes

78% têm preferência

pelo modelo híbrido.

“Faz sentido dar

mais flexibilidade de

horários às pessoas

em casa e fomentar

a colaboração conjunta

no escritório,

as empresas devem

focar-se em resultados

e não em horários

se não querem

ficar para trás”, declarou

Cal Henderson.

O empreendedor

considera que a utilização

das ferramentas

que o mundo digital

nos oferece no

À Vista | 11 de janeiro de 2021

35


Sociedade

que concerne ao mundo

do trabalho “são

aprendizagens que

vão tornar as organizações

mais fortes

após a pandemia”.

O programador lança

ainda um presságio:

“O email vai ser substituído

por canais de

comunicação, como o

Slack, e espero que optem

por nós”. A forma

como comunicamos

está em constante

evolução e transmutação,

serão os canais

de comunicação como

o Slack o próximo passo?

É o que veremos.

Mais sustentabilidade

na mobilidade

O tema da sustentabilidade

está nas bocas

do mundo. É cada vez

mais imperativo caminhar

em direção a uma

dimensão mais amiga

do ambiente. Sobretudo

gigantes tecnológicas

cujos serviços

dependem fortemente

da mobilidade. Foi sobre

isso que falaram

Kara Hurst, da Amazon,

Juan de Antonio,

da Cabify, e um alto

representante do Governo

britânico, Nigel

Topping, na conferência

“Investindo

no clima do futuro”.

A norte-americana

Amazon, pela sua parte,

anunciou que tem

2 milhões de euros

para investir em tecnologias

que visem a

sustentabilidade. Kara

Hurst, responsável

pelo departamento de

Sustentabilidade da

empresa, aponta para

a iniciativa da qual é

cofundadora, a “Climate

Pledge”, como

impulso de grandes

mudanças e avanços

para empresas de todo

o mundo. O programa,

que nasceu em 2015,

conta com a parceria

de 1.200 empresas

e curadoria de sete

Organizações Não-

-Governamentais. Os

envolvidos assumem

o compromisso de

atingir zero emissões

de carbono em 2040.

Entre as empresas

parceiras encontram-

-se a Cabify, que Juan

de Antonio frisou estar

a cumprir o segundo

ano consecitivo de

neutralidade carbónica.

De forma a reduzir

o impacto de carbono

da frota de entregas

da Amazon, a empresa

já encomendou

cerca de 100 mil veículos

elétricos. A encomenda

foi realizada

a uma empresa americana

especialista em

produção de carrinhas

elétricas para diminuir

a pegada de carbono,

assegurou Hurst.

Foi também com

grande entusiasmo

que Kara Hurst anunciou

algumas novidades,

como um parque

eólico na Suécia, “a

maior instalação de

energia solar” da empresa

no Reino Unido

e o “primeiro grande

projeto de energia renovável

em Espanha”.

A multinacional

americana diz ter 90

projetos de sustentabilidade

em curso.

Apesar de o compromisso

aspirar a 80%

de operação energética

renovável até 2024

e 100% até 2030, a

meta está a ser projetada

para atingir os

100% no ano de 2025.

Vera Jourová

e a democracia na

Europa

“A maior ameaça à

democracia é acharmos

que não funciona”.

Foi neste tom que Vera

Jourová, vice-presidente

para os Valores

e a Transparência na

Comissão Europeia,

começou por abordar o

contexto político atual

da Europa, no qual

têm emergido forças

políticas mais extremadas

e anti-sistema.

Na sessão “Defendendo

a democracia na

Europa”, moderada por

Shona Ghosh, jornalista

do Business Insider,

a política checa

considerou que é

preciso um trabalho

dos diferentes países

para mostrarem que

os regimes democráticos

estão bem de

saúde e que se recomendam.

“Como? Lutando

contra a desinformação,

contra os

extremismos, contra

a violência”, afirmou.

A Internet e a World

Wide Web foram ainda

capítulos abordados

nesta conferência. Isto,

porque Vera Jourová

tende a descrever este

espaço abstrato como

o principal meio de

propagação dos fenómenos

mencionados.

Contra toda esta

nova corrente que parece

provocar discórdias

e bipolarizar a

sociedade moderna,

a entrevistada refere

que é importante que

cada um de nós mantenha

bem presente a

História e o que nos

trouxe a este sistema

ao qual chamamos

democracia: “Não esqueçamos

o que vivemos

para chegar à

democracia”, notou.

Adiar a questão e

correr o risco de mais

países aderirem a esta

tendência é navegar em

correntes perigosas na

visão da representante

da Comissão Europeia:

“Ignorar não é a solução,

mas sim corrigir

e lutar contra opiniões

destas [extremistas]”.

Por isso, concluiu, “é

assunto para tratar

hoje e não amanhã”.

O poder dos jovens

contra a injustiça

sistémica

Ainda no canal “central”,

houve espaço

para falar de opressão

e mudança. O

neto de Nelson Mandela,

Siyabulela Mandela,

ativista dos direitos

humanos e da

paz, Modupe Odele,

co-fundadora da

“End SARS Legal Aid”

e Femi Kuti, músico

nigeriano que também

se afirma como

arrivista político, e

Sabrina Saddiqui,

jornalista do “The

Wall Street Journal”,

conversaram sobre

injustiça sistémica

na sessão “Silêncio

= Violência”.

Siyabulela Mandela,

para quem “quando se

fica sem opções, o protesto

é a via”, foi a voz

mais ativa deste painel

e ressalvou a “responsabilidade

em criar um

movimento imparável

contra a injustiça”. Na

sua opinião, “todos os

seres humanos têm

uma escolha entre dar

a mão ao próximo e

lutar contra os opressores

ou de se calar

e, dessa forma, não

ajudar os oprimidos.

Como é do conhecimento

geral, “muitos

africanos vivem

oprimidos pelos

seus próprios governos”.

Neste capítulo,

Siyabulela Mandela

apelou ao “protesto

e para que os oprimidos

nunca se esqueçam

que há sempre

uma opção e que eles

também têm poder”.

36

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

“Façam-se ouvir

sempre que houver

opressão”, apelou por

seu turno Femi Kuti. O

músico espelhou uma

visão menos romântica

sobre esta questão.

Para o nigeriano “vai

sempre haver opressão,

não éw algo recente

e vai ser algo

que vai durar mesmo

quando” a sua geração

“deixar de existir”.

“Nós temos a responsabilidade

de lutar,

temos a responsabilidade

de ser honestos,

mas sobretudo deveríamos

ter a necessidade

de viver num

mundo sem injustiça”,

disse ainda o músico.

Por último, Kuti

abordou um assunto

bastante sensível ao

referir que o continente

africano não produz

armamento. O armamento,

esse, “chega

por intermédio dos Estados

Unidos da América

e Rússia para que

depois possam ficar

com os nosso recursos

de graça”, acusou.

Esta afirmação veio

no sentido de apelar

a um protesto sem

armas, porque para

obter resultados, tais

objetos não são necessários,

defendeu.

Já Modupe Odele,

co-fundadora do movimento

“End SARS

Legal Aid” – que luta

contraa brutalidade

policial na Nigéria – “as

pessoas têm que entender

que desempenham

um papel importante

nos governos”.

Por outro lado, o voto

de cada um dos cidadãos

conta no dia das

eleições, a voz de cada

um deles conta no dia

do protesto. Como tal,

Modupe Odele encoraja

cada um a levantar-

-se e a perceber a sua

importância na defesa

de qualquer causa.

“Os governos de hoje

já conhecem melhor a

nova realidade. Os jovens

não têm medo

de dizer o que pensam”.

Neste sentido,

há melhoras, mas que

para Modupe “não são

suficientes”, já que as

pessoas apenas se habituam

às suas realidades.

Nâo pelo facto

de não conhecerem

outra realidade, mas

pelo medo que os

imobiliza perante uma

potencial revolução.

Web Summit: Fundador da Impossible

Foods decreta “game over” para a indústria

da carne

Alimentação de base

vegetal e mais sustentável.

Patrick O’Reilly

Brown, professor, fundador

e CEO da empresa

norte-americana

Impossible Foods

garante que a lista de

produtos à base de

plantas com sabor a

carne irá aumentar.

O vegetarianismo

está em voga e se, em

tempos remotos, as

alternativas à alimentação

de base animal

eram escassas, o Homem

faz agora uso da

tecnologia para reinventar

a forma de se

alimentar. O fundador

e CEO da Impossible

Foods, Patrick O’Reily

Brown, marcou presença

no último dia da

Web Summit para falar

sobre a origem da

startup – incluída pela

revista “Time” no seu

ranking de empresas

“Genius” – e a forma

como são feitos os

hambúrgueres 100%

vegetais da marca.

Com sede em Silicon

Valley, na California, a

Impossible Foods nasceu

em 2011 para produzir

alimentos feitos

através de plantas,

para substituirem a

carne. O objetivo dos

hambúrgueres da Impossible

Foods é “sangrarem”

como a carne,

saberem a carne, sem

serem carne. “O problema

não é que as

pessoas adorem carne,

o problema é que estamos

a usar a tecnologia

errada”, afirmou

Patrick O’Reilly Brown.

A Impossible já é

presença assídua nos

supermercados e restaurantes

norte-americanos

e acabou de

receber autorização

de comercialização no

Canadá. Atualmente,

a firma aguarda autorização

para os seus

produtos serem comercializados

na União

Europeia, mas o líder

da empresa não duvida

de que se trata já do

início de uma nova era.

Com a expansão

global em vista, a ida

para a China figura no

roteiro da empresa e

está prevista para o

próximo ano.“A nossa

missão é substituir

por completo a

utilização de animais

como tecnologia agroalimentar,

globalmente,

até 2035”, afirmou

o CEO da Impossible

Foods na conferência.

Brown conta que o

projeto está focado

neste objetivo e considera-o

“totalmente

fazível”. “Temos estado

o a trabalhar nisso

desde o início

como o maior problema

científico no

mundo”, acrescentou.

A investigação da empresa,

a que Brown

deu início, é feita no

sentido de entender,

em termos moleculares,

o que torna a

carne tão saborosa

para ser possível

ter ingredientes pre

cisos, de fontes

imagem: IMPOSSIBLE FOODS

vegetais sustentáveis,

para conseguirem proporcionar

“essa experiência

deliciosa”.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

37


Sociedade

A Impossible Foods

não foi pioneira no

desenvolvimento de

hambúrgueres de origem

vegetal, mas pertence

a uma nova geração

de marcas que

recorrem a novos processos

para oferecer

ao consumidor o tal

hambúrguer que “sangra”

como carne, tem

a textura da carne e

sabe a carne, mas sem

a ter na verdade. O

segredo? Uma combinação

de diversos

vegetais e uma proteína

chamada “heme”

que é extraída da soja.

O heme é conhecido

como o ”ingrediente

secreto”, que torna

os hambúrgueres vegetais

tão idênticos à

carne, que se tornam

difíceis de distinguir

pelo olhar e palato.

“A soja pode conter

mais 60% de proteínas

que a carne de vaca”,

disse ainda Brown a

propósito do valor nutricional

dos produtos

desenvolvidos pela

empresa. E acrescentou:

“A qualidade

proteica dos nossos

produtos não têm paralelo

com o valor proteico

dos bifes”, sublinhando

ainda que a

produção de produtos

vegetais que simulam

a “carne” possuem a

vantagem de serem

baixos em gordura e

não estarem sujeitos

aos antibióticos que

os animais consomem.

Em suma, acredita, “é

um game over para

a indústria da carne.

Eles é que ainda não

perceberam”, afirmou.

Em 2016, foi lançado o

primeiro produto vegan

da marca e atualmente

o “menu” conta

com imitações de

hambúrgueres, carne

de porco e almondegas,

exclusivamente

confecionados com

substâncias de origem

vegetal. Segundo

o fundador da empresa

norte-americana, o

pipeline no cardápio

saudável irá aumentar.

Jay-Z e Katy Perry

entre investidores

Nesta fase, a questão

que surge é: será que

os hambúrgueres da

Impossible Foods são

o suficiente para converter

os adeptos da

carne? “A estratégia é

muito simples: tentamos

convencer as

pessoas a provarem

a primeira vez. Mais

de 75% das pessoas

que provam [os hambúrgueres

da marca]

tornam-se consumidores”,

afirma Brown.

Patrick O’Reilly é gestor,

no entanto, sempre

se assumiu mais

interessado em resolver

o problema da

produção de carne no

contexto da indústria

agroalimentar e o impacto

ambiental da

mesma. Diz que isso

é mais importante do

que o dinheiro, pelo

que tem-se afastado,

pelo menos a “curto

prazo”, de uma potencial

entrada em bolsa

da Impossible Foods.

Em agosto de 2020, a

agrotech fechou mais

uma ronda de investimento

de 200 milhões

de dólares (cerca de

165 milhões de euros),

menos de seis meses

depois de ter fechado

a maior angariação

de investimento já feita

por uma startup de

tecnologia alimentar.

Desde a fundação da

empresa, a Impossible

Foods já reuniu um total

de de aproximadamente

1,2 mil milhões

de euros de investimento.

Entre o grupo

de investidores da

Impossible Foods estão

caras conhecidas

como Jay-Z, Katy Perry,

Horizons Ventures,

Temasek, entre outros.

Além do lucro relacionado

com a venda

de produtos alimentares

de origem vegetal,

a Impossible tem

a expectativa de contribuir

para a redução

das emissões de gases

poluentes como

o metano, produzido

pelo gado, e de travar

o desmatamento de

terrenos para passarem

a pastagens para

o gado. Patrick O’Reilly

Brown acredita que

este é um “imperativo

mundial”, que tem

de ser seguido para

o bem da humanidade

e do planeta Terra.

Estará o futuro da proteína

de origem animal

com os dias contados?

O consumidor ajudará,

seguramente, a decidir.

imagem: IMPOSSIBLE FOODS

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À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

Falsos Moralistas Arrogantes

Crónica

Mariana Vilas Boas

Outro dia, precisava

de apanhar

o comboio em

direção ao Porto. Sou

a típica pessoa da sociedade

do século XXI

que vive numa cidade

e trabalha noutra. Entre

as mil e uma coisas

que escolho ter para

fazer, tenho de realizar

viagens de mobilidade.

Desta vez, estava na

estação de comboios,

sentada na sala de espera,

até chegarem as

08h32. Como é hábito

- correção *vício* -

de todos nós, enquanto

esperava, estava a

vaguear pelas redes

sociais. Visto que já

tínhamos entrado na

época natalícia comercial,

podem imaginar

a quantidade de vídeos

de árvores de natal

e músicas da Mariah

Carey que andavam a

circular no meu feed.

Esta é a época em que

todos têm um bom

coração. Os pobres reaparecem

como problema

da sociedade e

todos se preocupam

e contribuem para erradicar

a fome. A Popota

e a Leopoldina

vêm encantar o mundo

real com o mundo

dos brinquedos e

por aí fora. No fundo,

as pessoas ligam

o seu lado humanístico,

sensivelmente,

durante 2 meses (novembro

e dezembro).

Mas, voltando ao vaguear

das redes sociais,

ao visualizar as

histórias no meu perfil

do instagram, reparei

que um vídeo estava

sempre a ser partilhado

pelas mais diversas

pessoas. O clipe inicial

era a cara de um

bebé e a conta era da

Dodot. O meu pensamento

foi “Oh, a Dodot

fez um reclame

de Natal, aposto que

vou chorar..”. Fui até à

conta da marca para

o ver. Emocionei-me.

Não em lágrimas de

pena, mas de espanto,

respeito e sincera solidariedade.

Decidi partilhar

o vídeo. Falava

sobre bebés prematuros

e relembrava os

heróis que estes seres

são. O vídeo foi lançado

no Dia Mundial dos

Bebés Prematuros e,

como forma de apoio,

a marca estava a doar

fraldas a estes bebés,

que nascem antes do

tempo. Na descrição

da publicação, a Dodot

incentivava as pessoas

a juntarem-se à

causa e anunciou que

por cada partilha através

de um instastory,

identificando a marca,

eles doariam 1€ a uma

associação ligada ao

apoio às famílias com

bebés prematuros. No

entanto, o valor máximo

a ser doado seriam

10 000€. Eu fiquei comovida

e grande parte

das pessoas que eu

sigo também porque

todas foram partilhando

o vídeo. E pensei

“fogo, esta campanha

não é natalícia - como

seria de esperar - ,

mas relembrou a alma

e coração bom que temos

dentro de nós.”

O dia passou e no

regresso a casa, na segunda

viagem de comboio

que fiz, deparei-

-me com um grupo

de amigos a comentar

o vídeo da Dodot. Falavam

de má publicidade,

de uma publicidade

de nojo, suja e

que a marca devia ter

vergonha por utilizar

uma causa tão nobre

para uma estratégia de

marketing. Aqui deu-

-me um clique: “Pois.

Aquilo é um vídeo publicitário…”

Ainda assim,

queria entender

melhor quais as razões

que lhes estavam

a causar aquela comichão

toda, por isso,

continuei a ouvir. Comentaram

o quão ridículo

era uma marca

que lucrava milhões

de euros ter o descaramento

de doar uns

míseros 10 000€. Que

era ridículo fazerem as

pessoas partilharem a

história, como modo

de ganhar visibilidade.

Que, quando se doa,

não se precisa de dizer

que se vai doar, pois

isso já nem é doar.

Que não era justo. E

no meio desta argumentação

falaram da

revolta gerada no twitter,

claro, e na crítica

que algumas figuras

públicas já tinham feito

à marca. E eu pensei,

“Fogo, como é que

eu não me apercebi

disto.” E, logo a seguir

a esta reflexão interior,

um dos rapazes

do grupo diz “E pior

são as pessoas que

feitas palermas caem

nesta esparrela. Continuem

a partilhar…” E

eu pensei: ”Ai, eu sou

uma destas palermas.”

Mas, será que sou?

Eu vou pouco na

cantiga dos outros,

muito menos se a

cantiga é ,predominantemente,

cantada

nas redes sociais.

Exijo a mim própria

uma análise do panorama

geral. Procuro

opiniões divergentes

para ver os dois lados

da moeda e formar a

minha opinião de uma

forma mais coerente,

algo que todos deveríamos

fazer mais.

É que assim não

via tanta porcaria escrita,

e a verdade é

que o copyright está

a ficar fora de moda.

á há demasiado

tempo que parecemos

engolir tudo e é como

aquela expressão nos

diz: “À primeira qualquer

um cai, à segunda

só cai quem quer e

à terceira só cai quem

é burro”. Mas quê? Somos

todos burros? É

o que parecemos. Vemos

UM post numa

rede social sobre algo

e já assumimos como

verdade absoluta, partilhamos

aquilo com

meio mundo e depois

meio mundo também

toma aquilo como

verdade absoluta e

andamos nisto: a espalhar

falsas verdades.

Bom, mas também

não é bem este

o cerne da questão.

Assim, muito resumidinho,

aquilo que

me fez comichão nesta

situação foi a falta de

moralismo e coerência

de uma sociedade que

está repleta de falsos

moralistas arrogantes,

donos da razão.

Em primeiro lugar,

a facilidade com que

se cria uma onda de

ódio contra algo, sem

se parar para refletir

e analisar todo o cenário.

A velocidade e

ansiedade com que vivemos

impede-nos de

ver para além do óbvio,

e isso é grave. Depois,

também reparei

no pormenor da diminuição

e ridicularização

atribuída àqueles

que partilharam o vídeo.

Primeiro, ninguém

é ridículo por querer

fazer uma boa ação.

Segundo, ridículo

é o capitalismo que

nos engole a todos,

sem muitas das vezes

nos apercebermos.

E terceiro, aqui vai

uma pergunta: Quando

foi a última vez que praticaste

uma boa ação?

Que doaste dinheiro

a alguma causa nobre

ou te voluntariaste

para alguma ação social?

E criticamos uma

marca por fazê-lo...

Ainda que seja pouco

comparativamente

ao seu lucro, ainda

que seja em troca de

visibilidade, não deixa

de ser uma boa

ação. Com isto não

estou a dizer que a

Dodot esteve 100%

À Vista | 11 de janeiro de 2021

39


Sociedade

bem, mas também não

esteve 100% mal. Afinal,

há quanto tempo

não nos lembrávamos

da luta pelas quais

os bebés prematuros

passam? Se vivemos

numa sociedade capitalista

que coloca o

dinheiro acima de tudo

e que nos manipula,

nomeadamente com

causas sociais, para

sermos ainda mais engolidos

por ele? Sim.

Se devemos lutar contra

isso? Sim. Por isso,

não acho que as pessoas

que se manifestaram

contra o marketing

da Dodot estejam

mal, mas temos de

ser mais coerentes.

Ou não vamos revoltar-nos

contra todas

as campanhas solidárias

de natal que utilizam

a solidariedade

da época para aumentar

o consumismo?

Desde a Leopoldina,

às meias da Calzedonia,

e por aí fora... Ou

como é Natal, aí já

ninguém leva a mal?

AFPAD: Uma manhã diferente

Mariana Vilas Boas

imagem: Mariana Vilas Boas

Faltam 10 minutos

para baterem,

no relógio,

as 10 horas da manhã

e a altura de se ambientarem

começa a

terminar. Depois dos

bons-dias, é tempo de

porem mãos ao trabalho.

E que rico trabalho

fazem estes jovens

e adultos que, muitas

das vezes, são esquecidos

ou postos de

lado pela sociedade.

Estamos no CAO

- Centro de Atividades

Ocupacionais da

AFPAD - Associação

Famalicense de Apoio

e Prevenção à Deficiência.

Por aqui passam,

diariamente,

cerca de 30 jovens e

adultos com deficiências.

Um espaço que

se torna o seu trabalho,

como o de qualquer

um de nós. Onde

desenvolvem e estimulam

as suas capacidades

motoras e

mentais. Chegam de

manhã, desfrutam do

seu dia na instituição

e regressam ao

fim da tarde a casa.

Aqui o dia não é passado

a ver televisão ou

a ver a banda passar,

sentados no sofá. Aqui,

todos contribuem para

os trabalhos da instituição.

Hoje, uma

quarta-feira, dia 23 de

dezembro, eles são divididos

em três grupos.

40

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

imagens: Mariana Vilas Boas

Com o Natal à porta,

deseja-se o cheirinho

a doces e a Carolina e

a Maria José ocupam

a manhã na cozinha,

a preparar deliciosas

bolachas. A massa não

se quer amanteigada e

chegar à consistência

certa parece ser a tarefa

mais difícil, mas a

persistência e a ajuda

de uma das técnicas

da instituição, Sofia Ribeiro,

leva Maria José

a pôr a massa pronta

a ser trabalhada. Depois

de umas marretadas

e amassadelas,

encosta-se o rolo e

começa-se a moldar.

Desde pinheiros, a bonecos

e estrelas, as

bolachas ganham forma

e são postas no

forno. Duas travessas

inteiras são postas a

cozer, com a ajuda da

cozinheira da instituição.

Já se podem tirar

os aventais de plástico,

as luvas e a rede

do cabelo, está cumprida

a tarefa da Carolina

e da Maria José.

Enquanto as bolachas

estavam a ser

confeccionadas, a

Anabela e o Rui dedicavam-se

à arte da

tapeçaria. É um trabalho

que não parece ser

pêra doce, mas eles

fazem aquilo com uma

perna às costas. Sem

podermos ver o sorriso

no rosto, por causa

da máscara, vemos

o olhar concentrado e

apaixonado, numa tarefa

que exige ritmo,

paciência e atenção.

Cristiano está a terminar

um tapete em tons

castanhos. A Anabela

dá forma a um tapete

branco, através

da técnica do crochê.

Na mesa ao lado, estão

Catarina e Joaquima

cozer e bordar figuras

como cães, gatos e

mochos. Estes panos

estão a ser decorados

para darem forma a almofadas

que servirão

de apoio para muitas

pessoas. A boa disposição,

o convívio e a

interajuda unem-se à

produção de almofadas,

única e exclusivamente,

feitas por eles.

Por fim, o terceiro e

último grupo da manhã

dedica-se às artes.

Neste caso, a arte

da pintura. É com tons

alaranjados e dourados

que Fátima e Fábio

dão cor às suas

formas cerâmicas. Um

trabalho que lhes dá

asas à criatividade.

Depois de pintado, é

altura de deixar aquilo

secar e partir para uma

nova tarefa. Ao longo

de toda a manhã, técnicas

como a Helena,

que está com eles nesta

manhã, auxiliam e

coordenam o trabalho

dos jovens e adultos.

Todos os produtos,

desde os tapetes às

almofadas, é confeccionado

pelos jovens

e adultos da instituição

e, posteriormente,

é vendido ao público

geral. Produtos que

transbordam esforço,

superação, dedicação,

mérito e carinho

daqueles que, muitas

das vezes, e erradamente,

são catalogados

como “incapazes”.

Com as tarefas cumpridas,

ou quase cumpridas,

visto que muitas

exigem várias horas

de trabalho, a pausa

do almoço aproxima-

-se. Antes disso, todos

se reúnem na sala de

ginástica, que foi visitada

pelo Pai Natal

no dia anterior, e posicionam-se

para tirar

fotos de grupo com o

cenário natalício. Parecem

ter nascido para

posar para a câmara.

A máscara tapa

grande parte do rosto,

mas, neste caso, o

olhar vale mais. A genuidade,

a paixão, a

vontade e a boa disposição

definem os

rostos que, na maioria

das ocasiões, passam

despercebidos,

ainda que sejam diferentes

e mais especiais

do que todos nós.

imagens: Mariana Vilas Boas

À Vista | 11 de janeiro de 2021

41


Sociedade

imagens: João Azevedo

“Be My Friend” retrata animais que procuram

um novo lar

Soraia Amaral

Os animais são os

protagonistas.

Be My Friend é

o nome da iniciativa

que procura unir melhores

amigos de norte

a sul do país. O projeto

nasceu nas mãos de

João Azevedo, fotógrafo

coimbrense que

se dedica a retratar

animais em canis que

procuram um novo lar.

O rosto e o olhar dos

animais são o centro

das atenções. O mentor

do projeto, João

Azevedo, desloca-se

a canis e fotografa

os traços característicos

dos bichinhos

de quatro patas, de

forma a promover a

adoção dos mesmos.

Em Portugal são

abandonados mais

de 10 mil animais por

ano, sendo a maioria

cães. Sem uma casa

para morar, vão parar

a canis à espera

de uma oportunidade,

uma nova família, que

pode ou não chegar.

Pequenos ou grandes,

castanhos ou

com pintinhas - a sabedoria

popular chama-lhes

“o melhor

amigo do homem”.

O À Vista esteve à

conversa com o fundador,

que contou que

a primeira sessão da

iniciativa ocorreu em

2015, no Refugio do

Ruff, em Coimbra. No

entanto, as ideias foram

amadurecendo

na gaveta até 2019.

Neste ano, o projeto

renasceu, já como

nome, objetivos, redes

sociais e website.

O Canil Municipal de

Coimbra foi o primeiro

a receber a iniciativa

após esta ressurgir.

O projeto brotou do

gosto pela fotografia

e da vontade de querer

ajudar. Assim, João

pôs “as mãos na massa”

para perceber até

que ponto teria impacto.

“O resultado foi

fantástico, surgiram

imensas partilhas nas

redes sociais e originou

algumas adoções,

foi muito bom”,

afirma o fotógrafo.

42

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Sociedade

Até à data, entre

cães e gatos, João

Azevedo já fotografou

1154 animais.

“ Eu já fotografava

animais em estúdio

e gostava muito

do resultado final,

por isso achei que

podia pôr a arte

ao serviço de uma

causa”

A energia e irrequietude

dos patudos é

peculiaridade distintiva,

daí João afirmar

que “o truque é a paciência”.

Recentemente,

o retratista tem

postado vídeos do

making off para que os

mais curiosos possam

testemunhar parte do

processo. “Dá para ver

que eles estão ali mais

ou menos sossegados,

mas a maioria são tímidos

e como têm

alguns traumas, não

estão muito dispostos

para a sessão fotográfica”,

acrescenta.

Os números indicam

para um aumento das

adoções após a passagem

do profissional de

fotografia pelos centros

de acolhimento.

Já é costume João receber

mensagens de

algumas associações

com a nota de que

“mais uma vez as fotografias

fizeram milagres”.

Cães e gatos que

estavam para adoção

há uma data de anos,

foram adotados após

o Be My Friend ter

dado rosto aos que

muitas vezes são dados

como invisíveis.

O especialista de

fotografia afirma que

quando uma imagem

é “um bocadinho mais

trabalhada”, torna-

-se mais impactante.

“É mais partilhável,

estou a dar-lhe

mais visibilidade e

com mais visibilidade,

mais possibilidades

de adoção”, considera.

“ O que estou a

fazer é dar visibilidade

a animais que

não a tinham”

A expressão e o

olhar são particularidades

muito valorizadas

nos retratos de

João, daí a fotografia

ser mais próxima

do rosto. Já existiram

vários pedidos para

ver mais do corpo do

animal, mas o objetivo

é apanhar o semblante

característico

do mesmo, de forma

a haver mais empatia.

O especialista de

fotografia afirma que

quando uma imagem

é “um bocadinho mais

trabalhada”, torna-

-se mais impactante.

“É mais partilhável,

estou a dar-lhe

mais visibilidade e

com mais visibilidade,

mais possibilidades

de adoção”, considera.

A expressão e o olhar

são particularidades

muito valorizadas nos

retratos de João, daí a

fotografia ser mais próxima

do rosto. Já existiram

vários pedidos

para ver mais do corpo

do animal, mas o objetivo

é apanhar o semblante

característico

do mesmo, de forma

a haver mais empatia.

“ No fundo o objetivo

é humanizá-

-los um bocadinho”

“Eu fui com a ideia

para a primeira sessão

fazer as fotografias

tipo passe, como

nós fazemos para o

bilhete de identidade”,

a expressão do

animal é primordial.

O website do Be My

Friend está recheado

de informações sobre

o projeto, imagens de

animais para adoção,

histórias com finais

felizes e até formas de

ajudar, sem que implique

a adoção. A página

de instagram conta

com cerca de 73 mil

seguidores e chovem

partilhas diariamente.

Unir amigos improváveis

e tornar o presente

incógnito num final

feliz para os camaradas

de quatro patas é

o propósito do Be My

Friend. A adoção é a

efetivação da missão.

O projeto já conseguiu

arranjar uma nova família

para mais de 500

animais abandonados.

O À Vista pediu também

aos seus leitores

a partilha de imagens

dos seus melhores

amigos. Talvez encontres

o teu num dos retratos

da Be My Friend.

leitores do À Vista com os seus animais

À Vista | 11 de janeiro de 2021

43


Economia

imagem: Jornal Económico

Plano de reestruturação da TAP

João Brandão

Pedro Nuno Santos

divulgou (nesta

sexta-feira) o

plano de reestruturação

da TAP. No plano

apresentado, constam

cortes de pessoal, salariais

e de frota, que

têm como finalidade

contrariar uma previsão

de perdas consolidadas

num valor a rondar

os 6,7 mil milhões

de euros até 2025.

As perdas consolidadas

referem-se a

uma perda de receitas,

por parte de empresa

portuguesa, até ao

ano referido. Uma das

maiores razões para

tais perdas é a CO-

VID-19, embora o ministro

das Infraestruturas

e da Habitação

admita que o problema

da companhia aérea

seja já mais antigo.

Quanto ao pessoal,

o plano prevê um

corte de 20%. No final

de 2019, a TAP contava

com 10.000 trabalhadores,

sendo que,

agora, com estas medidas,

2000 deverão

abandonar os quadros

da empresa. Os

abandonos serão feitos

através da não renovação

do contrato,

rescisões do contrato

por mútuo acordo,

contratos a prazo, reformas

antecipadas

ou despedimentos.

Os salários dos que

se mantiverem na empresa

também vão sofrer

alterações. Está

previsto um corte de

25% em salários acima

dos 900 euros. No

entanto, ressalve-se

que esta percentagem

é apenas aplicável

sobre o montante

excesso para além dos

900 euros. Ou seja, se

um empregado receber

1000 euros de salário,

passará agora a

receber apenas 1000

- 100x0,25 = 975. A

frota também vai

enfrentar cortes, já

que das 108 aeronaves

que pertencem, neste

momento, à TAP, o

plano prevê uma redução

para 88 aviões.

Este plano foi desenhado

em conselho de

ministros e vai agora

aguardar a aprovação

de Bruxelas para ser

imposto. Pedro Nuno

Santos relembrou,

também, que pode ser

preciso uma injeção

de capital a rondar os

3725 milhões de euros

até 2024 e que este

plano tem por base

tornar a companhia

aérea viável outra vez.

44

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Economia

imagem: TVI24

Salário mínimo ´ aumenta para 665 euros em

2021 e empresas recebem ajudas

Soraia Amaral

O

salário mínimo,

que era de 635

euros, sobe

30 euros no arranque

de 2021. Contudo, as

empresas não ficaram

de lado, o Governo

preparou um conjunto

de apoios para as

empresas mais afetadas

com a pandemia.

A subida do ordenado

mínimo em Portugal

enquadra-se numa

meta que visa atingir o

valor de 750 euros em

2023. Simultaneamente,

o governo preparou

ajudas para as empresas

mais prejudicadas,

com a criação de um

subsídio a fundo perdido,

de forma a compensar

o aumento dos

encargos com a Taxa

Social Única (TSU).

O que inclui o

salário mínimo

nacional

Quando, popularmente,

falamos de ordenado

mínimo, esse

termo é referente ao

valor base da remuneração

do trabalhador.

Ou seja, não está incluído

nesse montante

o subsídio de alimentação,

ajudas de

custo ou acréscimos

remuneratórios por

trabalho por turnos

ou isenção de horário.

Os subsídios de férias

e de Natal também

não estão incluídos.

Deste modo,

caso sejam pagos em

duodécimos, o valor

dos subsídios

irá ser um acréscimo

à remuneração

base, que não pode

ser inferior a 665€.

Salário mínimo na

Europa

Portugal não tem

alterado a sua posição

no ranking europeu,

permanecendo

um dos países onde

o salário mínimo é

mais baixo, entre os

países da União Europeia

e Área Euro.

Um estudo tornado

público pelo Gabinete

de Estratégia e planeamento

do Ministro

do Trabalho, Solidariedade

e Segurança

Social, baseado no

dados do Eurofound,

aponta o Luxemburgo

como o melhor classificado

na tabela, com

um salário mínimo de

2.071.10€ (3 vezes superior

ao português)

e a Bulgária ocupa o

último lugar da lista,

com uma retribuição

mínima de 286,30.

Portugal ocupava o

12º lugar entre os 22

países da União Europeia

que atualizaram o

salário mínimo por via

legislativa no ano de

2019 (tinha o mais baixo

dos salários classificados

como “nível

médio”). Itália, Áustria,

Dinamarca, Chipre,

Finlândia e Suécia

ficaram fora das

contas, sendo que não

têm retribuição mínima

estatuária ( regem-

-se por wage floors,

ou seja, é em função

do setor de trabalho).

À Vista | 11 de janeiro de 2021

45


Economia

Fontes: Diários da República, Comissão Europeia.

Nota: valores referentes aos 10 anos anteriores, não incluso o ano de 2021.

Portugal fica atrás

de países como Malta,

Grécia e Espanha

( todos de nível médio),

e apenas supera

o grupo de “países

de nível reduzido”.

Ajudas a empresas

O governo divulgou

um conjunto de apoios

direcionados aos setores

que, por terem

uma maior quantidade

de trabalhadores a

receber o salário mínimo,

irão sentir mais

esta subida de salários.

“Os parceiros sociais,

e o Governo não

ignora isso, referiram

que o aumento do salário

mínimo constitui

um aumento de encargos

para as empresas

e é importante assegurar

que tentamos

mitigar esse impacto

assimétrico”, declarou

Pedro Siza Vieira.

A primeira medida

pretende “devolver às

empresas o aumento

dos encargos decorrentes

da subida

do salário mínimo’’.

“Não está em causa

uma isenção ou diminuição

da taxa social

única. Trata-se do pagamento

de um montante

fixo que ajude

a reduzir os encargos

com a subida do salário

mínimo”, afirmou o

Ministro da Economia.

O valor exacto e

o momento exacto

do pagamento ainda

não estão definidos,

mas o Governo espera

conseguir efetuar

o pagamento na totalidade

no primeiro

trimestre de 2021.

Salário mínimo nos diferentes Estados-mebros da União Europeia, 2019

Quadro presente no relatório publicado pelo Gabinete de Estratégia e planeamento do

Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

46 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Economia

E que tal chamarmos

Uber Eats para o

jantar?

imagem: Jornal Económico

Artigo de Opinião

João Brandão

Da próxima vez

que ouvir esta

frase, lembre-

-se do que vai ler

nos seguintes parágrafos

desta crónica.

É uma decisão fácil,

eu sei, mas a situação

dos restaurantes,

essa, já não é assim

tão fácil e temos que

trabalhar em conjunto

para os ajudarmos,

como pudermos, a sobreviver

a esta pandemia

que quase os

destruiu. E não chega

partilhar posts nas

redes sociais com o

hashtag “apãoeágua”…

A Uber Eats é uma

plataforma digital que

permite ao consumidor

encomendar comida

a partir do seu telemóvel.

Apresenta uma

panóplia imensa de

escolhas de restaurantes,

mas o problema

é mais profundo que

isto… Acontece que,

quando se encomenda

algo pela famosa

plataforma, o restaurante

que, na verdade,

lhe prepara a refeição

que vai degustar dentro

de momentos recebe

pouco dinheiro

para o que lhe está

a “colocar na mesa”.

Em pratos limpos, é

simples: imagine-se

que um restaurante

tem no seu menu uma

salada a 12,30 euros.

2,30€ vão diretamente

para o maior beneficiário

do mundo em

forma de IVA, o Estado.

Ora, até aqui tudo

bem, estamos habituados

a doar a esta

instituição sem fins

lucrativos. No entanto,

caso a Uber Eats aplique

uma comissão de

35% sobre a entrega

do produto fica, neste

caso, com 4,30 euros.

Mas como ainda

não é mau o suficiente,

esta comissão está

ainda sujeita à aplicação

do IVA (23%), obrigando

o pobre restaurante

a perder ainda

outro euro sobre as

contas que estamos

aqui a fazer. Contas

feitas, o restaurante

que o deliciou, recebe

uns míseros 4,70

com esta refeição.

Agora, pergunto-lhe:

a Uber Eats veio para

ajudar este setor? Veio,

na minha opinião veio.

Mas neste momento

muito peculiar da sociedade

moderna, está

a ser um inimigo incontrolável.

Isto porque

os restaurantes já

apresentaram cortes

tão grandes durante

este ano, que qualquer

“ajuda” é bem-vinda.

Devíamos era refletir

sobre as opções

que temos. Quase todos

os restaurantes

aplicaram um sistema

de “take-away” para

combater esta tsunami

pandémica. Sei

que lhe custa sair do

conforto de sua casa e

deslocar-se ao restaurante

para ir buscar a

sua comida, mas lembre-se

que se continuar

com a sua preguiça,

daqui a uns meses,

esse seu restaurante

favorito, vai ter que

fechar. A culpa é de

quem? É sua. Não é

do gestor que era filho

do antigo dono e que

apenas arruinou o negócio

de família. É sua.

Portanto, da próxima

vez que ouvir uma

frase idêntica à do título

deste texto que

agora chega a um término,

lembre-se que

tem outras opções e

que talvez até ajudem

mais os restaurantes.

E não se preocupe

com a Uber Eats. De

pobre não tem nada

e foi até das plataformas

que mais cresceu

nas circunstâncias

que a COVID-19 impôs.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

47


As eleições presidenciais dos Estados Unidos da América (EUA) foram um dos momentos chave do ano

2020. Donald Trump e Joe Biden disputaram o lugar na Casa Branca. O mundo tinha os olhos postos na decisão

de um povo, que poderia defenir o futuro de todos. O À Vista acompanhou as eleições, resumiu o perfil

político de cada candidato, acompanhou os resultados e traçou um perfil dos novos resientes da Casa Branca.

texto: João Brandão

infografia: Mariana Vilas Boas

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Donald

Trump

COVID-19

“anti-utilização” das máscaras

saída da Ornagização Mundial de Saúde

Economia

questionou a independência do Sistema de Reserva Federal

dos Estados Unidos

retirou o apoio por parte dos EUA à parceria transpacífica

Saúde

desfez o Affordable Care Act (ACA)

defende que não se deve oferecer seguros de saúde a

imigrantes sem documentos através de seguros como a

Medicaid

Justiça

aprova publicamente a pena de morte

a favor da privatização das prisões

Política Internacional

desagrado relativamente à discrepância de financiamento

por parte de certos países à NATO

revogou o tratado com o Irão

reunião com o líder da Coreia do Norte

Questões Ambientais

aprova a exploração de petróleo

LGBTQ +

não discute muito o tema sobre a proteção dos direitos da

comunidade LGBTQ.

COVID-19

tornar obrigatória a utilização das máscaras

reverter a saída da Ornagização Mundial de Saúde;

Economia

a favor da total independência do Sistema de Reserva

Federal dos Estados Unidos

renegociar a parceria transpacífica

Saúde

esteve na criação do Affordable Care Act (ACA)

deve oferecer-se seguros de saúde a imigrantes

sem documentos através de seguros como a Medicaid

Justiça

acabar com a pena de morte

contra a privatização das prisões

Política Internacional

restaurar todas as parcerias históricas dos EUA

retomar as negociações caso o Irão volte a cumprir os requisitos

não prolongar essa relação com o líder da Coreia do Norte

Questões Ambientais

acabar com a exploração do petróleo

LGBTQ +

defensor do casamento de pessoas do mesmo sexo

Joe Biden

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Mundo

Eleições nos EUA: “Swing States” a decidir

ao sprint desta maratona eleitoral

João Brandão

Na reta final da

campanha eleitoral,

os candidatos,

Donald J.

Trump e Joe Biden,

procuraram as vitórias

em estados que decidiram

as eleições de

2016 nos últimos dias

de campanha.

Joe Biden é colocado

na frente por

sondagens feitas por

diversos órgãos, tais

como: Reuters, Sienna

College etc. O democrata

lidera, com

uma vantagem de seis

pontos percentuais

sobre o atual presidente

norte-americano.

Estas eleições,

para além dos dois

candidatos controversos,

apresentaram

ainda uma característica

forte, como a

vontade de não se

querer cometer os

mesmos erros das

sondagens que

colocavam

Hillary Clinton

na frente da

corrida à

quatro anos

atrás.

O líder

democrata

apostou em

Pensilvânia e Ohio

para concluir a sua

campanha. Na sua

agenda para os últimos

dias, destaque

vai para um encontro

com líderes religiosos

da comunidade afroamericana

e ainda um

comício naquela cidade.

Nos últimos momentos,

Biden faz-se

acompanhar pela sua

mulher Jill Biden e

pela candidata à vice-presidência

pelos

democratas, Kamala

Harris. Já Donald

Trump, republicano

e atual presidente,

viu-se numa situação

crítica. Segundo as

sondagens, está em

desvantagem para

Biden nos “swing

states” (estados nos

quais não se pode

adivinhar o resultado

final, tal a divisão de

7

12

6

55 6

3

4

11

3

3

5

9

ideias entre os votantes).

Como tal, Trump

passou por Michigan,

Carolina do Norte,

Wisconsin e Pensilvânia,

onde decorreram

cinco comícios

republicanos O apelo

principal do, até então,

presidente foi

para que os cidadãos

saissem de casa para

votar.

Sistema eleitoral

dos EUA: a

importância dos

“swing states”

O sistema eleitoral

dos EUA distingue-se

pela importância que

o colégio eleitoral tem

no final da contagem

dos votos dos eleitores.

O que os cidadãos

fazem ao votar

3

3

5

6

38

11

7

10

6

10

6

8

10

20

nos seus respetivos

estados é, no fundo,

eleger os delegados

do seu estado que

depois terão assento

no colégio eleitoral.

Para melhor explicar

este caso, recorre-se

a um exemplo muito

popular. Imagine-se

os estados da Califórnia

e do Alasca, cuja

maior diferença será

demográfica. Califórnia

terá, no final das

contas, mais lugares

para os seus delegados

no colégio eleitoral,

mesmo por ter

mais representatividade

em termos populacionais.

Acontece

ainda que, o candidato

com a maioria

dos votos num

estado, acaba por

ficar também com a

totalidade dos

assentos aos quais

11

16

11

8

18

6 9 16

9

20

5 13

29

15

29

3

14

4

7

4

esse estado tem direito

no colégio eleitoral.

Em suma, a importância

recai sobre a

conquista de muitos

estados, mesmo que

por menos votos de

distância para o outro

candidato. Tal como,

de resto, aconteceu

nas eleições entre

Clinton e Trump em

2016.

É neste capítulo que

entra a importância

dos “swing states”.

Enquanto alguns estados

são tradicionalmente

republicanos

ou democratas, outros

não mantêm uma

linha reta de votação.

Para se ficar com uma

ideia são estes os

estados de: Arizona,

Carolina do Norte,

Florida, Georgia,

Michigan, Min

3

10

3

nesota, Pensilvâ

nia e Wisconsin.

11

Dos 538 representantes

do

4

colégio eleitoral,

127 são

escolhidos por

estes estados,

sendo que o candi

didato vencedor

precisa apenas de

atingir a meta mínima

dos 270 assentos

conquistados.

Partido Democrata

4 Partido Republicano

infografia (Mariana Vilas Boas): Resultado das eleições dos EUA 2020; delegados eleitos em cada Estado para o colégio eleitoral

50

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Mundo

Biden eleito presidente dos Estados Unidos

da América

João Brandão

Biden

Trump

306

232

50,8% 78, 671, 712 73, 113, 055

47,2%

infografia: Mariana Vilas Boas

Joe Biden venceu

as eleições frente

a Donald Trump.

Com a divulgação dos

resultados da Pensilvânia,

Biden alcançou

os tão desejados

270 votos necessários

para o Colégio Eleitoral.

A tomada de posse

será apenas no dia

20 de janeiro de 2021.

Depois das eleições

mais concorridas da

história daquele país, o

partido democrata saiu

vitorioso. Joe Biden,

antigo vice-presidente

do governo de Barack

Obama, vai ocupar o

posto que nos últimos

quatro anos foi de Donald

Trump. Kamala

Harris, torna-se na

primeira mulher negra

a tornar-se vice-presidente

dos Estados

Unidos da América.

O resultado desfavorável

aos republicanos

começou a desenhar-se

no desenrolar

dos últimos dias desde

o dia de eleição.

Este ano, por causa

da pandemia, houve

um grande número de

votos por correspondência,

algo que levou

a uma contagem mais

demorada. Assistiu-

-se a uma liderança

republicana nos primeiros

dias da contagem

destes votos,

mas houve uma recuperação

constante por

parte dos democratas

em muitos dos “swing

states”.Assim, estados

como a Pensilvânia,

Georgia, Wisconsin e

Michigan voltaram,

face às eleições de

2016, a ser preponderantes

para a eleição

do próximo presidente.

A reação de Biden à

eleição já foi feita, o líder

democrata emitiu

um comunicado oficial,

no qual aproveitou

para apelar à união

entre os americanos

e revelou ainda sentir-se

“honrado pela

confiança que o povo

americano depositou”

nele. O apelo à união

é oportuno, já que se

tratou de uma das eleições

mais disputadas

de sempre, revelando

uma bi-polarização

política naquele país

que pode trazer caos

às ruas americanas.

Mas

quem é

Joe

Biden?

Joseph Robinette Biden

Jr. é advogado e

político e foi o vice-

-presidente dos EUA

durante os mandatos

de Barack Obama. Enquanto

político, ocupou

ainda o cargo de

senador de Delaware

entre 1973 e 2009,

ano em que assumiu

a vice-presidência dos

Estados Unidos da

América. O democrata

passou, com esta nomeação,

a ser o presidente

mais velho de

sempre a ser eleito

daquele país. Biden

é natural de Scranton,

Pensilvânia, mas

formou-se em direito

na universidade

de Delaware. Sempre

foi ligado ao desporto,

principalmente ao

futebol americano e

acabou até mesmo por

jogar pela equipa da

universidade enquanto

“wide-receiver”. Foi

ainda na universidade

que conheceu a sua

primeira mulher, Neilia

Hunter. Com Neilia, Joe

Biden acabaria por ter

três filhos, mas poucas

semanas depois

da sua eleição para

senador de Delaware,

a sua família viu-se

envolvida num acidente

que terminaria com

a vida da sua mulher e

da sua recém-nascida.

Os dois outros filhos

de Biden sobreviveram

ao desastre com

ferimentos graves.

Foi em 1977 Joe Biden

conheceu Jill Tracy

Jacobs num “blind

date” organizado pelo

irmão de Biden. Dez

anos depois, o democrata

viria a concorrer

pela primeira vez

a presidente dos EUA.

No entanto, a morte

viria a bater à porta da

família Biden e Beau

Biden (filho mais velho

de Joe Biden) acabaria

por perder a luta contra

um cancro do cérebro.

Passados cinco anos

desde que o seu filho

mais velho morreu,

Biden vê-se agora

a ser eleito para o

cargo mais importante

dos Estados

Unidos da América.

Joe Biden,

o 47º Presidente dos EUA

À Vista | 11 de janeiro de 2021

51


Mundo

Kamala Harris, a Vice-Presidente que tornou

os EUA num país ´ de possibilidades

Mariana Vilas Boas

imagem: Reuters

Kamala Harris fez

história nas eleições

dos Estados

Unidos da América

(EUA) de 2020 ao

tornar-se na primeira

mulher, negra, a ocupar

o cargo de Vice-Presidente

na Casa Branca.

A vice-presidente

eleita foi uma das chaves

de ouro e grandes

protagonistas da candidatura

dos democratas

à presidência dos

EUA 2020. A sua representatividade

ia, e vai,

muito além das mulheres.

Kamala Harris

é a primeira mulher, a

primeira mulher negra,

a primeira mulher de

ascendência sul-asiática

e a primeira filha de

imigrantes eleita para

o governo nacional.

Origens

Tem 56 anos e provém

de Okland, na Califórnia.

É filha de dois

académicos imigrantes.

A mãe, indiana,

de seu nome Shymala

Gopalan Harris e o

pai, jamaicano, de seu

nome Donald Harris.

Aos 5 anos os pais

acabaram por se divorciar

e Kamala foi

criada pela mãe hindu,

pessoa que homenageia

diversas vezes

nas suas conquistas.

No seu primeiro discurso

como vice-presidente,

foi a mãe que

mencionou primeiro:

“Quando voltou

da índia (Shymala

Gopalan Harris

), há 19 anos,

ela pode não ter

imaginado este

momento, mas

acreditava profundamente

numa

América onde este

feito era possível.

Por isso, hoje estou

a pensar nela,

nas gerações de

mulheres negras,

asiáticas, brancas,

latinas, nativas

americanas...

que ao longo da

história da nossa

nação preparam o

caminho para este

momento. Mulheres

que se sacrificaram

imenso

pela equidade, liberdade

e justiça

para todos. Todas

as mulheres que

trabalharam para

garantir e proteger

o direito de voto ao

longo de um século,

há 100

52

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Mundo

anos com a 19ª

Emenda, há 55

anos atrás com a

lei do direito de

voto e agora, em

2020, com uma

nova geração de

mulheres no nosso

país que votaram

e continuam a lutar

pelo seu direito

fundamental de

votar e ser ouvido.”

Sempre soube quem

era, e é segura de si

que consegue expressar

uma postura forte,

convicta e destemida.

Foi educada com consciência

das suas origens,

as implicações

que isso tinha no país

e mundo onde vive e

cresceu a certeza de

que a luta pelos direitos

das minorias fazia

parte do seu caminho.

A democrata, na sua

autobiografia The Truths

We Hold, fala disso

mesmo: “A minha mãe

percebeu claramente

que estava a criar

duas filhas negras. Ela

sabia que a terra natal

que ela escolheu me

veria a mim e à Maya

como duas raparigas

negras e ela estava

determinada a garantir

que nos tornassemos

mulheres negras confiantes

e orgulhosas.”

Kamala é uma mulher

que marcou a história

do país já antes

de ter sido eleita vice-presidente.

A carreira

da democrata

tem vindo a ser preenchida

com a palavra

“primeira”. Foi a

primeira procuradora

distrital de São Francisco,

foi a primeira

procuradora-geral da

Califórnia, a primeira

senadora de origem

indiana e afro-americana

e é a primeira

vice-presidente dos

EUA mulher, negra,

de origem indiana e

afro-americana.Inicialmente

formou-se

na Universidade de

Howard, em Washin

gton D.C, uma das universidades

historicamente

negras mais

famosas. Posteriormente,

estudou Direito

na faculdade de

Hastings, na Universidade

da Califórnia.

A sua carreira é muito

centrada na área da

justiça criminal. Começou

por trabalhar

enquanto assistente

do procurador na

Alameda County District

Attorney’s Office.

Tornou-se, em 2003,

procuradora-geral distrital

de São Francisco.

Em 2011, tomou o

cargo de procuradora-

-geral da Califórnia e

em 2017 tornou-se na

segunda mulher negra

a ser eleita senadora.

Um casal que fez

história. Para além de

todos os feitos que

Kamala tem sido capaz

de atingir, ao tornar-se

vice-presidente dos

EUA, o seu marido torna-se

também no primiero

vice-marido e o

primeiro judeu a entrar

no quarteto (presidente,

vice-presidente

e

cônjuges).

Os seus feitos ficam

marcados por abrirem

um mundo de oportunidades

para quem

vem a seguir. Tal como

a própria diz: “But while

I may be the first on

this office, i will not be

the last”. Pode muito

bem ser a primeira,

mas com certeza não

será a última. Acredita

que a sua eleição para

vice-presidente dos

EUA é um sinal para

todas as raparigas de

que os EUA são um

país de possibilidades.

Para Kamala Harris,

o povo americano

escolheu a esperança,

a união, a decência, a

ciência e a verdade.

A sua representatividade

na luta por

uma igualdade de diferenças

faz com que

a sua luta transcenda

a igualdade de género.

A sua luta são as mino

“But while I may be the first on this office,

i will not be the last”

imagem: Reuters

“Dream with ambition, lead with conviction”

rias, a discriminação.

A sua utopia é tornar

os EUA num país de

possibilidades para

todos, de forma igual.

Dar a todos o direito

de serem quem são,

sem que para isso, sejam

alvos de diferenciação.

Por isso, ao

longo da campanha,

assuntos como o racismo,

a homofobia,

violência policial e o

sistema de justiça criminal

foram centrais.

Depois de uma campanha

onde foi constantemente

insultada

e inferiorizada pelo

ex-presidente dos Estados

Unidos, Donald

Trump, Kamala Harris

mostra ser uma mulher

forte, com garra

e personalidade. Uma

mulher de causas que

veio provar que todos

podem ser o que quiserem.

Acredita que

com este resultado

eleitoral o país deixou

uma mensagem clara a

todas as crianças norte-americanas:

“Sonhem

com ambição,

liderem com convicção

e vejam-se a vocês

mesmos numa maneira

que mais ninguém

imagina, simplesmente

porque nunca o viram

antes, mas saibam

que vos vamos

aplaudir em cada passo

desse caminho.”

Até então, só duas

mulheres tinham sido

nomeadas candidatas

a vice-presidentes

por um grande partido.

Geraldine Ferrano

pelo partido Democrata,

em 1984 e Sarah

Palin, pelo partido

Republicano, em 2008.

No entanto, nenhuma

delas chegou a ser realmente

eleita porque

o partido não venceu

as eleições. Especula-se

que Joe Biden

não se volte a candidatar

após o primeiro

mandato. Quem

sabe se daqui a 4 anos

Kamala Harris volta a

fazer história e torna-

-se na primeira mulher

presidente dos EUA.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

53


Mundo

Jill Biden, a primeira dama que quer continuar

a ser professora

Soraia Amaral

A

primeira dama

dos EUA continua

a surpreender.

A mulher do recém-eleito

presidente,

Joe Biden, afirmou que

pretende continuar

a dar aulas de inglês.

Jill Biden é a próxima

primeira-dama

dos Estados Unidos

da América. A professora

de Inglês na Universidade

Comunitária

da Virgínia do Norte,

onde leciona há 10

anos, afirma que se vai

manter a exercer funções,

ainda que com o

acréscimo de responsabilidades

que terá

como primeira-dama.

Mesmo quando Joe Biden

era vice-presidente

durante o mandato

presidencial de Barack

Obama, a norte-americana

não deixou a sua

profissão para trás.

Mas afinal que

é Jill Biden?

Jill é licenciada em

inglês e conta ainda

com dois mestrados,

em Educação e Inglês.

Mais tarde, doutorou-se

em Educação

pela Universidade

de Delaware em 2007.

Antes de ir viver para

Washington, deu aulas

numa faculdade comunitária,

numa escola

secundária e ainda

num hospital psiquiátrico

para jovens adolescentes.

Lecionou

também inglês na Faculdade

Comunitária

Northerm Virgina,

enquanto o marido

era vice-presidente.

Como é que Joe

e Jill Biden se

conheceram?

Joe Biden não foi

o primeiro amor de

Jill. Antes de Biden,

foi casada com o ex-

-futebolista universitário

Bill Stevenson.

O recém-eleito presidente,

perdeu a sua

mulher e a filha de um

ano num acidente de

carro em 1972. Os seus

outros dois filhos,

Beau e Hunter, sobreviveram

ao acidente.

Jill conta que foi

apresentada ao atual

marido por intermédio

do irmão de Biden, em

1975. Época em que

Joe já era senador e Jill

ainda era universitária.

“Eu pensei: ‘Deus,

isto nunca vai funcionar,

nem num

milhão de anos. Ele

era nove anos mais

velho do que eu!”,

contou à revista

Vogue sobre o primeiro

encontro do

casal.

54

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Mundo

A política na

sua vida

Jill Biden ocupou o

cargo de segunda-dama

entre 2009 e 2017.

Em 2010, com o objetivo

de “destacar o

papel das faculdades

comunitárias no

desenvolvimento da

força de trabalho da

América”, recebeu a

Cúpula da Casa Branca

sobre Faculdades

Comunitárias.

Jill lançou a iniciativa

“Unindo Forças”,

com Michelle Obama,

de forma a ajudar veteranos

e militares

e as suas vidas a ter

acesso a programas de

educação e emprego.

A profissão

como espelho

de quem é

Desde o primeiro discurso

enquanto eleito

presidente dos EUA,

Joe Biden fez questão

de destacar a mulher:

“Para os educadores

americanos,

este é um grande

dia para vocês. Vão

ter uma de vocês

na Casa Branca. E

a Jill vai ser uma

excelente primeira

dama. Estou tão

orgulhoso dela.”

A então primeira-

-dama, manifestou o

desejo de continuar a

trabalhar como professora.

A concretizar-se,

será um acontecimento

inédito na história.

Segundo o Whashington

Post, Jill Biden

será uma primeira-dama

que “mete as mãos

na massa”. “É provável

que seja uma primeira-

-dama bastante mais

ativa e visível ao público

que Melania Trump”,

acrescenta ainda o

jornal americano.

Das três vezes que

Joe Biden se candidatou

à presidência

- 1988, 2008 e 2020 -

esta terá sido a campanha

em que a esposa

mais participou

e deu a cara. Terá tido

um papel fundamental

aquando da tomada

de algumas decisões

de relevo, nomeadamente

na escolha

de Kamala Harris

como vice-presidente.

A mulher que continua

a ocupar manchetes

por todo o mundo,

aparenta uma passagem

promissora pela

casa branca. O país e o

mundo estão de olhos

postos nela e no futuro

que daqui advirá.

Artigo de Opinião

Mariana Vilas Boas

Estamos a viver os

maiores desafios

dos últimos tempos.

O planeta está a

ficar fora de validade,

uma pandemia tomou

conta de 2020 e está

a matar milhões de

pessoas por todo o

mundo e o resultado

das Eleições dos EUA

poderiam, em muito,

definir o futuro de todos

nós. A urgência em

unir esforços e trabalhar

para um futuro

melhor é urgente e,

por isso, é importante

termos líderes gananciosos

pela vida humana

e pelo planeta, e

não pelo capitalismo.

Por estas, e muitas

outras razões, as elei-

Eleições dos EUA, um presságio

sobre o futuro do planeta

ções dos EUA foram

um dos marcos mais

importantes do ano. A

ansiedade e o nervosismo

sobre o futuro

dos norte-americanos

fez-se sentir em

todo o mundo. E houve

quem criticasse o

destaque que muitos

estavam a dar a este

acontecimento, visto

que, para muitos,

as eleições do próprio

país acabam, muitas

vezes, por lhes passar

ao lado. Mas, sejamos

sinceros: como

não dar destaque? O

resultado destas eleições

acabariam por

ser um presságio para

o futuro do planeta.

A luta entre Donald

Trump e Joe Biden foi

renhida e fez-se acompanhar

de muitos memes.

A diferença entre

os dois candidatos era

muita. Se por um lado,

o republicano estava

cada vez mais inseguro,

usava a mentira

e os argumentos de

“baixo nível”, como as

fragilidades familiares

do adversário, e pedia a

para parar a contagem

dos votos. Por outro

lado, o democrata, que

exibia com regularidade

um sorriso honesto,

transparecia serenidade,

integridade, verdade

e dizia que todos

os votos contavam.

A verdade é que “Democracy

is worth the

wait” e o resultado

fez com que o mundo

suspirasse de alívio.

E, como foi dito nas

redes sociais, 2020

ofereceu a experiência

completa a Donald

Trump: o vírus CO-

VID-19 e o desemprego.

A eleição de Joe Biden

para presidente

dos EUA faz com que

todas vidas voltem

a contar. No primeiro

discurso depois da

vitória dos democratas,

Joe Biden prometeu

ser um presidente

que não vê os Estados

azuis e os Estados vermelhos,

apenas os Estados

Unidos. Kamala

Harris afirmou que “A

democracia americana

não está garantida.

É apenas tão forte

quanto a nossa vontade

de lutar por ela, de

a proteger e de nunca

a tomar por garantida.”

E é deste tipo de

discurso de inclusão e

união que os EUA e o

mundo precisam para

se curar. Numa altura

em que os extremismos

parecem estar

a contaminar muitos

pontos do mundo, a

evolução humana e a

aprendizagem com os

erros do passado parecem

fazer-se ouvir.

A América sempre foi

um mundo de oportunidades,

para alguns.

Agora, passou a ser um

mundo de oportunidades

para todos. A vitória

dos democratas, a

vitória de Joe Biden e,

em especial, a vitória

de Kamala Harris representam

uma nova

e melhor fase para o

país e para o mundo.

Representam um futuro

mais equitativo,

mais justo, mais humano,

mais verdadeiro

e mais saudável.

Dão a visão de que a

diferença não é má,

muito pelo contrário.

Faz-nos acreditar

que talvez seja possivel

alcançar a utopia

de um mundo onde a

xenofobia, o racismo,

a desigualdade de género

e qualquer tipo

de discriminação não

têm lugar. Afinal, nem

tudo em 2020 foi mau.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

55


Mundo

#ISTOÉGUERRA na Polónia

imagem: Reuters

Mariana Vilas Boas

No dia 22 de outubro,

o Tribunal

Constitucional

polaco decidiu que a

interrupção voluntária

da gravidez devido

à má-formação

fetal é inconstitucional.

A decisão gerou

uma onda de revolta

e o povo saiu à rua.

Há mais de uma semana

que os polacos

enchem as ruas do

país, sobretudo a capital,

Varsóvia, para contestar

a decisão judicial

que proibe o aborto

em casos de má formação

grave do feto.

Com esta medida, a

proibição do aborto na

Polónia é quase total.

O veredicto do Tribunal

Constitucional

vai de encontro às posições

do partido de

direita nacional Lei e

Justiça, que governa

o país. Depois do

partido nacional-conservador

e democrata-cristão

ter tentado

restringir o aborto no

Parlamento, sem sucesso,

foi através do

tribunal que o conseguiu.

Tribunal este que

já sofreu alterações

por parte do partido,

que tem sido, por

isso, acusado de contar

com muitos juízes

leais. Posto isto, não

só se gerou uma revolta

contra a decisão,

como também contra

o governo de direita.

A presidente do Tribunal

Constitucional

disse que “Uma disposição

que legaliza

práticas eugénicas

sobre o direito à vida

de um recém-nascido

e torna o seu direito

à vida dependente

da sua saúde, constitui

discriminação indireta,

é inconsciente

com a Constituição.”,

citada pela Reuters.

Strajk Kobiet é a associação

feminista que

tem liderado as manifestações

da legalização

do aborto. No site

oficial da associação,

em reação à decisão do

Tribunal Constitucional,

foi feito um post

com o título “#Istoé-

Guerra”. No texto publicado,

o movimento

feminista afirma que a

proibição do aborto na

Polónia é “uma vitória

dos fundamentalistas

católicos alcançada

por pernas subjugadoras,

falsificação dos

resultados e um juiz

tendencioso.” A associação

feminista salienta

ainda a vitória

impresionante, “numa

situação em que cerca

de 70% dos polacos

e polacas são a

favor do livre arbítrio.”

O raio vermelho, incorporado

no logótipo

da associação feminista

Strajk Kobiet,

é um dos símbolos

mais usados nos cartazes

dos manifestantes.

De entre os muitos

erguidos, alguns

diziam “O inferno das

mulheres”, “Queremos

escolher” e “Vocês

têm as mãos manchadas

de sangue”.

No dia 27 de outubro,

mulheres, membros do

Parlamento polonês,

realizaram um protesto

contra a decisão do

56

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Mundo

Tribunal Constitucional

onde levantaram

cartazes que

tinham escrito a hashtag

“a mulher decide”.

A Amnistia Internacional,

o Center for

Reproductive Rights e

a Human Rights Watch

apresentaram uma

posição conjunta, no

dia 22 de outubro,

onde defendem que

a decisão vai prejudicar

ainda mais as mulheres

e jovens, bem

como violar os seus

direitos humanos.

O apoio na

Europa

A lei do aborto, na

Polónia, é já das mais

restritas dos países

europeus. Diversos países

da União Europeia

mostraram-se solidários

com as mulheres

polacas. Nomeadamente,

em Portugal,

na cidade do Porto,

Lisboa e Coimbra foram

realizadas manifestações

de apoio.

Terry Reintke, membro

da Alliance ‘90/ The

Greens manifestou a

sua discordância com

a decisão do Tribunal

Constitucional polaco.

A política alemã partilhou

um vídeo na sua

página do instagram

onde está, juntamente

com outras 3 mulheres,

vestida como

uma personagem de

The Handmaid ‘s Tale.

Na descrição da publicação

escreveu que “A

batalha é entre aqueles

que querem recuar

no tempo e retirar

direitos às mulheres

e minorias. E aqueles

que lutam por mais liberdade

e igualdade.”

A alegoria às

personagens da

série

The Handmaid’s

Tale

The Handmaid ‘s

Tale é uma série de

televisão criada por

Bruce Miller, baseada

no romance distópico

de 1985 da escritora

canadense Margaret

Atwood. Acontece

na República de Gileade,

uma teonomia

cristã militar formada

nas fronteiras do

que, anteriormente,

eram os Estados

Unidos da América.

Devido a um ataque

terrorista que mata o

Presidente e a maioria

do Congresso dos Estados

Unidos, um movimento

fundamentalista

de reconstrução

cristã autointitulado

“Filhos de Jacó” lança

um golpe e suspende

a Constituição dos

Estados Unidos com o

pretexto de “restaurar

a ordem”: Com isto,

os direitos são logo

retirados às mulheres.

O novo regime, a

República de Gileade,

empenha-se em, rapidamente,

consolidar

o seu poder e reestruturar

a sociedade estadunidense

com base

numa matriz totalitária,

militarizada e hierárquica

de fanatismo

religioso e social. Os

direitos humanos passam,

assim, a ser rigorosamente

limitados,

sendo os das mulheres

ainda mais severos.

Ao longo das manifestações

contra a

restrição do aborto,

várias foram as mulheres

que se vestiram

como as personagens

da série The

Handmaid’s Tale. Na

Polónia, a Igreja Católica

é talvez o pilar

com mais influência

desde a queda do

comunismo e há já

algum tempo que a

igreja queria que o governo

restringisse ou

eliminasse o acesso

ao aborto. Alguns ativistas

dos direitos das

mulheres protestaram

nas ruas e interromperam

os serviços religiosos

em várias igrejas,

vestidos de personagens

da série. Também

chegaram a ser pintadas

paredes de igrejas

e catedrais com grafites

em todo o país.

A revolta e a defesa

pelos direitos das mulheres

superou o medo

do vírus e, apesar das

restrições à pandemia,

os manifestantes

ocuparam as ruas de

muitas cidades, grandes

e pequenas, da

Polónia, que já duram

há uma semana. Com

a decisão do Tribunal

Institucional, o aborto

só é permitido em situações

que coloquem

a saúde da mulher em

risco ou em caso de

gravidez resultante de

violação ou incesto.

Esta é a maior onda de

protestos desde que

o partido Lei e Justiça

chegou ao poder. Os

líderes dos protestos

dizem que vão lutar até

ao fim e exigem uma

reversão da decisão.

imagens: Reuters

À Vista | 11 de janeiro de 2021

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Mundo

Luz Verde para a legalização do aborto na

Argentina enche a América Latina

de esperança

Mariana Vilas Boas

imagem: AP Photo

3 0

de dezembro

de 2020

é uma data

que fica marcada na

história da Argentina.

O dia em que foi

aprovado o projeto-lei

que permite às mulheres

recorrer a um

aborto voluntário até

à 14º semana de gestação.

Uma luta longa,

persistente e esperançosa,

sobretudo

por parte de grupos

feministas que, agora,

celebram a vitória.

No dia 11 de setembro,

o projeto-lei relativo

ao aborto, apresentado

pelo Governo,

foi aprovado na Câmara

de Deputados

da Nação Argentina e

seguiu para o Senado.

No dia 30 de dezembro,

depois de

12 horas de debate,

o Senado aprovou o

projeto-lei que legaliza

o aborto, com 38

votos a favor, 29 contra

e uma abstenção.

O que muda com a

aprovação deste projeto-lei?

A partir de

agora, na Argentina,

as mulheres têm o direito

de interromper

voluntariamente a gravidez

até à 14ª semana

de gestação, de forma

legal, segura e gratuita

no sistema nacional de

saúde.Ultrapassadas

as 14 semanas, o aborto

só é legalmente permitido

em situações

onde a gestação resulta

de uma violação ou

se a gravidez colocar

em risco a saúde e a

própria vida da mãe.

Para além disso, o

projeto-lei permite

que qualquer profissional

de saúde, por

objeção de consciência,

não realize o aborto,

mas exige a procura,

de imediato, de um

profissional de saúde

que conclua a interrupção

da gravidez.

Até então, o aborto

só era permitido em

casos onde a mulher

tivesse sido violada

ou em perigo de vida,

o que significa que a

aprovação deste projeto-lei

representa um

progresso enorme no

que toca aos direitos da

mulher na Argentina.

A descriminalização

do aborto, na Argentina,

não é um tema de

agora, mas sim uma

luta de décadas. Há 30

anos que o movimento

feminista argentino

exige a legalização

do aborto. Em 2018 o

Governo apresentou

uma proposta-lei que,

à semelhança da que

foi apresentada em

2020, visava descriminalizar

o aborto voluntário

até à 14ª semana

de gestação. Apesar

de a medida ter sido

aprovada, em junho,

pela Câmara de Deputados,

quando chegou

ao Senado, a proposta

foi reprovada com

38 votos contra e 31 a

favor, após um debate

que durou 16 horas.

Por esta altura, os

ativistas anti-aborto

festejavam a reprovação

da lei e os que

defendiam a sua legalização

não perdiam a

esperança. O Governo,

na altura, do Presidente

Mauricio Macri, um

presidente considerado

mais conservador,

procurava contornar

a objeção e estudava

a possibilidade de inserir

a despenalização

da mulher que realizasse

uma interrupção

voluntária da gravidez

no projeto de revisão

do Código Penal.

O país dividia-se

em duas cores nesta

luta. A “onda azul”

que se posicionava

contra a lei do aborto,

e a “onda verde” que

se posicionava a favor.

Em 2020 o projeto-

-lei voltou a ser apresentado

pelo Governo,

com o apoio do Presidente,

Alberto Fernández.

No dia 11 de

setembro o projeto-

-lei para a descriminalização

do aborto

voluntário até às 14

semanas da gravidez

foi a votação. Foi a

nona vez que uma lei

para descriminalizar o

aborto chegou ao Congresso

da Argentina.

Silvia Lospennato,

membro da Câmara de

Deputados da Argetina

e do Partido Proposta

Republicana, falou

minutos antes do debate

terminar e disse

que estava na na hora

de “terminar de redigir

os direitos e passar

ao estágio da igualdade”

e afirmou: “A

cada mulher que usa

o lenço verde exigindo

58

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Mundo

decidir, a quem nunca

baixa os braços: Que

o aborto seja legal e

gratuito! Que seja lei!”

Por outro lado, Graciela

Camaño, também

ela deputada na

Câmara de Deputados

e membro do partido

Third Position Party,

discordava com a proposta-lei

e afirmou:

“Em vez de resolver

as causas - a falta de

educação, a pobreza,

as lacunas - estamos

a propor que a

solução do problema

permaneça na esfera

privada das mulheres

e, pior ainda, sem

qualquer chance de

opinião dos homens.”

Também o Papa

Francisco se pronunciou

horas antes do

início da sessão, na

rede social Twitter.

Afirmou: “The Son of

God was born an outcast,

in order to tell

us that every outcast

is a child of God. He

came into the world

as each child comes

into the world, weak

and vulnerable, so

that we can learn to

accept our weaknesses

with tender love.”A

América Latina é uma

região onde a Igreja

Católica Romana tem

uma grande influência.

Há um ano, o atual

Presidente da Argentina,

Alberto Fernández,

prometia, na sua campanha

eleitoral, que

iria exercer pressão

para tornar o aborto

voluntário e gratuito.

Quando o projeto-lei

foi aprovado pelo Senado,

o Presidente fez

um post na rede social

Instagram onde disse:

“Em pleno século XXI,

a sociedade precisa

de respeitar a decisão

individual de cada um

de fazer o que quiser

com o seu corpo.”

A América Latina é

uma das partes do

mundo com as leis

de aborto mais restritas.

Cidade do México,

Cuba e Uruguai são das

poucas regiões onde

as mulheres podem

recorrer ao aborto eletivo

até às 12 semanas,

independentemente

das circunstâncias.

A proibição do aborto

leva, desde 1983,

milhares de mulheres

a procurar soluções

clandestinas, o que já

provocou 3 000 mortes.

Segundo o Governo,

anualmente, cerca

de 38 000 mulheres

são hospitalizadas em

consequência de procedimentos

mal sucedidos.

A lei não era alterada

desde 1921. 99

anos depois, o aborto

eletivo torna-se legal

até à 14ª semana

de gestação e, num

país com o peso regional

como a Argentina,

é um feito histórico.

Artigo de Opinião

Soraia Amaral

Retrocesso. Se a

mulher em tempos

sentiu que

a sua voz enfim ganhara

alguma força,

enfrenta agora o

desvanecer de toda a

sonoridade reclamada.

Perdemos todos.

Chegou ao fim o julgamento

do empresário

André Camargo

Aranha, acusado de

violar a jovem influencer

Mariana Ferrer, de

23 anos, durante uma

festa em 2018. Foi

considerado inocente.

Segundo o promotor

responsável pelo

caso, não havia forma

de o empresário

saber, durante o ato

sexual, que a jovem

não estava em condições

de consentir a

relação, não existindo,

portanto, a intenção

Correção: violador culposo

de violar. O juiz aceitou

a argumentação.

A vítima tornou-se

vítima não só do violador,

mas também

do sistema judicial

brasileiro. A partir do

momento em que se

abre uma brecha para

desculpabilizar abusos

desta dimensão,

corremos em direção

ao retrocesso e damos

asas ao erróneo.

Em pleno século XXI,

ainda nos debatemos

com questões primárias,

onde seres aparentemente

racionais

se deixam levar por

instintos animalescos,

em busca de um prazer

momentâneo. A

defesa do empresário

André Aranha, mostrou

fotos sensuais da jovem

enquanto modelo

profissional antes do

crime de forma a reforçar

o argumento de

que a relação terá sido

consensual. O advogado

do acusado definiu

as fotos de Mariana

como “ginecológicas”,

sem ser questionado

sobre a relação das

imagens com o caso,

e acrescentou que jamais

teria uma filha

do “nível” de Mariana.

Houve espaço ainda

para advertir o choro

da jovem: “não adianta

vir com esse teu choro

dissimulado, falso e

essa lábia de crocodilo”.

As imagens do julgamento

tornaram-se

virais e desde então o

povo procurou recuperar

a voz que Mariana

viu abafada a partir

do momento em que

o jogo virou e passou

de “violação de vulnerável”

a “violação culposa”.

A forma como o

caso de Mariana Ferrer

foi tratado espelha

muito do que mais

negro a sociedade detém.

Os argumentos

deturpados onde se

enquadram opiniões

como: “ela estava a

pedi-las” ou “ela provocou”,

ganharam validação

com o culminar

do caso. É errado. Enquanto

se objetificar o

sexo feminino, haverá

sempre quem pense

que possui o direito de

atravessar barreiras

pessoais e desconsiderar

os valores humanos

mais simples.

Quando uma mulher

é abusada, todas nós

estamos em causa.

Enquanto um violador

for tido como inocente,

muitos outros vão

achar válido tornar-se

num. Mariana Ferrer é

o rosto da dor, de um

problema real. Não

se pode normalizar

o abuso. O corpo de

uma mulher a ela pertence,

a liberdade de

ser, agir e manifestar

não deve ser exclusiva

ao sexo masculino.

Ser mulher, não tem

de ser prisão, nem sacrifício.

Liguem-se os

megafones, inundem-

-se as redes sociais,

aponte-se para os

opressores, o silêncio

é aceitação. A mulher

não nasceu para ser

colocada numa caixa.

Nascemos sem rótulo,

mas logo que crescemos

começam a tentar

pôr-nos um. Numa era

onde as tecnologias

evoluem à velocidade

da luz, o humano continua

a ser muito diminuto

em determinados

aspetos. Não é normal

assediar, maltratar

ou abusar. O corpo

do outro não deve ser

visto como uma fonte

de prazer, é preponderante

o consentimento.

Não existe violação

sem culpa. Hashtags,

imagens, vídeos e textos

têm preenchido

as redes sociais a pedir

justiça por Mariana

Ferrer. A protestação

tem sido feita por todos

aqueles que acreditam

que há uma correção

urgente a fazer:

é violador culposo, vítima

é vítima. A luta

continua, mas, desta

vez, perdemos todos.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

59


Cultura

Uma vida de

conquistas

António Sala, o homem da rádio:

“ O encanto continua vivo”

Soraia Amaral

António Sala,

a voz da rádio

portuguesa.

Com mais de quatro

décadas de carreira,

continua a ver encanto

na caixinha de som.

A rádio é o meio de

comunicação com

mais anos de vida. 86

anos após o seu surgimento,

a caixinha

de som ainda faz vibrar

os seus amantes.

O À Vista esteve à

conversa com aquele

que é considerado, por

muitos, a voz da rádio

portuguesa, António

Sala. 71 anos, dos quais

40 foram vividos rodeado

de microfones.

Entre a rádio, a música

e a televisão, foi encontrando

o seu lugar.

O homem de que falamos,

António Sala,

nasceu em 1949 em

Vilar de Andorinho, Vila

Nova de Gaia. Escolheu

a arte para fazer vida.

Como Apresentador

e realizador do programa

da manhã “Despertar”

da Rádio Renascença,

tornou-se

durante as décadas de

1980 e 1990 o maior

fenómeno de popularidade

radiofónica

de sempre em Portugal.

Líder absoluto de

audiências durante

duas décadas. Nunca

conheceu o sabor

de um segundo lugar.

Foi eleito várias vezes

“Locutor do Ano”

e como Realizador e

Apresentador do Programa

“Despertar”. Ganhou

todos os Concursos

Nacionais de

Popularidade e Inquéritos

de Opinião Pública

nas décadas de

1980/1990. E ainda se

consagrou vencedor

do troféu “TV Guia”

para o mais popular

Realizador/Locutor

da Rádio Portuguesa.

Num inquérito realizado

a nível nacional,

feito em Março

de 2007, os ouvintes

da Rádio Clube Português

(Grupo Media

Capital), elegeram-no

como “ a maior figura

de sempre da história

da Rádio em Portugal”.

Em 2007 foi agraciado

com a Medalha de

Mérito da Cidade de

Lisboa. E, a 10 de Junho

de 2010, condecorado

como Comendador da

Ordem do Mérito da

República Portuguesa.

60

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Cultura

À conversa

O tempo urge e a passagem

do mesmo traz

mudança. A atualidade

é marcada pela evolução

tecnológica, a rádio

convive agora com

a televisão e o online,

que para além do som,

nos trazem a imagem.

O À Vista quis saber

o que António

Sala pensa sobre a

posição da rádio entre

os outros meios.

A rádio coexiste

com meios como a

televisão e o online,

acha que a rádio

se tem adaptado

às circunstâncias

ou rendeu-se à

concorrência ?

A Rádio tem sabido

sobreviver. Não só

não se rendeu, como

mais que sobreviver,

tem sabido adaptar-

-se às circunstâncias.

Aproveitou o online e

“cavalga” nele de uma

forma muito inteligente,

ganhando novas dimensões,

outros públicos

e novos mundos.

A evolução pauta

o cotidiano e a rádio

tem-se prolongado no

tempo. Como será a

rádio daqui a 10 anos?

O ex locutor projeta-a

como igualmente importante

no que concerne

à comunicação.

Como imagina

a rádio daqui

a 10 anos?

Imagino que continuará

a ser importante

no panorama

comunicacional, mas

com o evoluir tão rápido

e surpreendente

de tudo no mundo

em que vivemos, não

me atrevo a conseguir

adivinhar minimamente

como será, ou mesmo

como se fará. Mas

que continuará por

certo a ser fantástica,

disso não duvido.

A covid19 afetou todos

os setores, incluindo

o da cultura. Os portugueses

tiveram de

confinar, os trabalhadores

começaram a

exercer o seu ofício

em casa, as crianças

tiveram aulas pela televisão

e os jovens

trocaram as universidades

pelos computadores.

Tudo mudou,

mas a cultura “não

abandonou o barco” e

foi companhia assídua.

Em fase de pandemia,

o entretenimento,

assim como

a informação, foram

a companhia

dos portugueses.

Na sua opinião, de

que forma isso pode

influenciar a forma

como o público perceciona

a cultura?

Nesta pandemia a

Informação marcou

pontos e situou-se na

primeira linha. Fez ,e

bem, o que tinha que

ser feito. A cultura e o

entretenimento recuaram,

o que também

era expectável. Mas

têm de ser apoiados

para não entrarem em

coma profundo, porque

são um elemento

indispensável como

alimento espiritual e

de saudável equilíbrio

de todo o bom comportamento

humano.

É urgente reinventar a

dinamização da cultura

e do entretenimento.

Marcou, incontornavelmente,

a história da

rádio. Estreou-se há

55 anos nos estúdios

onde a magia acontece.

Hoje, com 71 anos,

recorda o encanto da

primeira vez e ainda

sonha com o que ainda

se há-de cumprir.

Considerado por

muitos a voz e rosto

da rádio portuguesa,

entrou na

rádio em 1966, o

encanto é o mesmo

da primeira vez?

Esse encanto da primeira

vez ainda está

cá, mas claro que o

olhar das coisas é

sempre diferente com

o passar do tempo. Há

novas nuances no encanto

da Rádio. Numas

coisas bem melhores,

como no evoluir tecnológico,

noutras menos

boas, como na

mecanização e algum

arrefecimento emocional

e humano na

forma de a fazer. Mas o

encanto continua vivo.

O homem sonha

toda a vida. Aos 71

anos, o que ainda

falta cumprir?

Cumprir alguns sonhos

adormecidos,

e concretizar os que

ainda não chegaram

completamente

a bom porto. Assim

a pandemia o deixe,

e a saúde o permita.

Deus queira que sim.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

61


Cultura

montagem: Mariana Vilas Boas

Faleceu Carlos do Carmo, o “Sinatra” do fado

português

Soraia Amaral

O

fado veste-se

de negro. Carlos

do Carmo

morreu dia 1 de Janeiro

de 2021. Considerado

pela rádio pública

americana o “Sinatra”

do fado português,

cantava saudade, permanecerá

saudade.

O ano de 2021 acordou

com a notícia da

morte de Carlos do

Carmo, aos 81 anos,

no Hospital de Santa

Maria, em Lisboa.

O fadista deu entrada

no dia 31 de Dezembro

de 2020 com um

aneurisma e acabou

por não resistir, falecendo

no primeiro dia

do ano. Dia 4 de Janeiro,

foi decretado Dia

de Luto Nacional em

Portugal após a morte

de Carlos do Carmo.

Músicas como “Lisboa

Menina e Moça”, ou

“Os putos”, fazem parte

da herança musical

que o dono de uma das

maiores vozes do fado

deixou aos amantes

do saudoso canto português.

O artista, foi

o maior intérprete de

fado depois de Amália

Rodrigues e o primeiro

e único intérprete do

Festival da Canção de

1976, após a revolução

de 25 de Abril - festival

onde se optou por

um modelo diferente,

Carlos do Carmo

cantou oito canções,

previamente selecionadas

por um júri.

Carlos do Carmo

nasceu na sua Lisboa

menina e moça,

a 21 de Dezembro de

1939. Era filho da fadista

Lucília do Carmo

e do livreiro Alfredo

Almeida, donos da

casa de fados “O Faia”,

onde começou a cantar,

até iniciar a carreira

artística, em 1964.

“O fado não

muda, o que muda

são os tempos. O

fado é um belo de

um camaleão que

sabe muito bem

adaptar-se aos

tempos e às circunstâncias.

Depois

tem que ver

com a capacidade

de cada um, de

cada criador, intérpretes

de lhe

dar alguma coisa.

O fado requer que

se lhe dê muito

porque, à partida,

ele dá muitos aos

artistas. A minha

vida não existiria

sem o fado, o fado

deu-me muito ao

longo da vida e estou

extremamente

grato ao fado, mas

naturalmente através

do público, que

tem sido comigo

de uma fidelidade

impressionante”,

Carlos do Carmo, em

2017 aquando do regresso

a Paris para um

concerto no Grand Rex.

62 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Cultura

As reações

à morte do

fadista

É com um “lamento

profundo”, que a Ministra

da Cultura, Graça

Fonseca, reage à

partida de Carlos do

Carmo, considerando-

-o “ uma das maiores

referências da Interpretação

do fado, que

mostrou uma sempre

uma especial preocupação

com a divulgação

desta forma de

música”, foi na rede

social Twitter que expressou

o seu pesar.

A construção de

pontes entre a expressão

mais tradicional

desta arte, com a qual

iniciou a sua carreira e

à qual sempre regressou,

com uma forma

musical mais heterodoxa

e uma síntese

particularmente feliz

entre a tradição é uma

das características relatadas

pela nota de

condolências do Ministério

da Cultura. Assim

como a inovação: “Carlos

do Carmo transformou

o Fado e abriu

novos horizontes”.

Para além da posição

de referência no

mundo da música é

destacado também o

papel fundamental no

reconhecimento nacional

e internacional

do Fado, seja como

consultor do Museu

do Fado, seja como

parte da Candidatura

do Fado a Património

Imaterial da Humanidade

da UNESCO.

Em declarações à

TVI24, Marcelo Rebelo

de Sousa recorda:

“A sua carreira, com

mais de cinco décadas,

e o seu exemplo,

serão sempre fonte de

inspiração, mas também

vida feita em história

do Fado, legado

artístico maior e que

constitui uma parte

tão importante do património

cultural português.

A cultura portuguesa

perdeu hoje

uma das suas vozes

e um dos seus contadores

de histórias

que formam, no fundo,

a nossa História”.

“É uma entrada muito

triste em 2021. Carlos

do Carmo não era

apenas a voz do fado.

Ele foi essencial em

termos de afirmação

no fado como Património

Imaterial da Humanidade,

era também

uma voz de Portugal”,

disse o Presidente da

República. “Carlos do

Carmo habituou-nos a

ser uma voz num período

de resistência à

ditadura, no período

de construção da democracia,

ao longo da

democracia, década

após década. Gerações

reconheceram-se nele

e naquilo que cantava.

Nesse sentido, é

uma perda nacional.”

Marcelo Rebelo de

Sousa deixou ainda

uma nota de pesar

no site da Presidência

da República: “Carlos

do Carmo foi uma

das grandes figuras

do fado e da dignidade

do fado’’. Dignidade

do texto, da qualidade

do texto, da dicção,

do dizer. Dignidade de

uma vocação exigente,

sem cedências e

vedetismos. Dignidade

de uma atenção humana,

de uma compaixão,

uma empatia

de “homem na cidade”

ao lado dos outros

homens e mulheres”.

O Primeiro-Ministro,

António Costa, exaltou

o contributo de Carlos

do Carmo na cultura

portuguesa: “Carlos do

Carmo não era só um

notável fadista, que o

público, a crítica e um

Grammy consagraram.

Um dos seus maiores

contributos para a cultura

portuguesa foi a

forma como militantemente

renovou o fado

e o preparou para o

futuro”, António Costa

na rede social Twitter.

Uma percurso

mercado pelo

reconhecimento

Passou quase 60

anos da sua vida em

cima dos palcos espalhados

pelos cinco

continentes. Em 2019,

o fadista considerou

que era a hora do término

da sua carreira.

Despediu-se dos espetáculos

no Coliseu

de Lisboa, onde lhe

foi entregue pelo presidente

da câmara de

Lisboa, Fernando Medina,

a chave da cidade.

Nesse mesmo dia,

António Costa destacou

o seu “inestimável

contributo” para a música

portuguesa, concedendo-lhe

a medalha

de mérito cultural.

O Presidente da República,

Marcelo Rebelo

de Sousa, condecorou

o fadista Carlos

do Carmo com o título

de Grande-Oficial

da Ordem do Mérito,

sublinhando os méritos

de um artista

que “enche a alma

dos portugueses”.

Em Novembro de

2014 tornou-se o primeiro

português a receber

um Grammy,

“Grammy Lifetime

Achievement Award -

Premio a la Excelencia

Musical 2014”. No entanto,

os prémios não

se findam por aqui,

como exemplo temos:

O Comendador

da ordem do infante

D. Henrique (1997) e

Grande-Oficial da Ordem

de Mérito (2016),

Prémio Prestígio da

Grande Noite do Fado

(1991), Globo de Ouro

de Excelência e Mérito

(1998), Prémio José

Afonso (2003), Prémio

Goya (2008) na categoria

de Melhor Canção

Original com “Fado da

Saudade”, o Grammy

Latino de carreira

(2014), e o Prémio de

Cidadão Honorífico da

Cidade de Paris (2015).

Ao longo do seu percurso

pisou os principais

palcos musicais

em todo o mundo, desde

o Olympia, em Paris,

à Ópera de Frankfurt,

na Alemanha, do

“Canecão”, no Rio de

Janeiro, ao Royal Albert

Hall, em Londres.

A discográfica Universal

anunciou a publicação

do seu derradeiro

álbum, “E

Ainda?”, para o passado

mês de novembro,

mas é ainda aguardada

a sua chegada às lojas.

Neste disco, Carlos do

Carmo canta Herberto

Hélder, Sophia de Mello

Breyner Andresen, Hélia

Correia, Júlio Pomar

e Jorge Palma, acrescentando

mais poetas

ao seu repertório.

Cantou poetas, semeou

nostalgia e descrevia

o fado como

um camaleão que

se adapta ao tempo.

Hoje, a melodia da

saudade tem-se ainda

mais melancólica.

1939 - 2021

À Vista | 11 de janeiro de 2021

63


Cultura

«Ouçam-me “Com Tempo”, a minha essência.

Ouçam “Sem Tempo”, o que a rádio quer»

Mariana Vilas Boas

“Com Tempo, Sem

Tempo” é o segundo

disco de originais

lançado pelo cantor

Janeiro. O À Vista

pôs-se à conversa

com o artista e descobriu

tudo o que está

por detrás do albúm.

Este é um disco que

realça a importância

do processo, mais do

que do resultado final.

É um disco sobre

liberdade. Um disco

que contém 12 músicas,

que se duplicam

e se transformam em

24. Um disco que, para

Janeiro, é, sobretudo

64

e primeiramente, para

si e depois para os

outros. Um disco que

retrata uma viagem

repleta de aprendizagens

e progresso pessoal.

Nas palavras do

cantor: “Foi uma escola

gigante. Estive com

imensas pessoas, gravei,

regravei e eu acho

isso uma das coisas

mais incríveis da expressão

artística. É puder

começar um processo

e depois (esse

mesmo processo) ser

alterado pelo processo

que tu propuseste

para ti próprio.”

Janeiro pegou em

À Vista | 11 de janeiro de 2021

12 músicas e apresentou-as

de duas

formas, dando-lhes

uma abordagem de

produção diferente.

De um lado, as músicas

são mostradas

de uma forma pura e

despida, na sua essência.

Do outro lado,

as músicas são trabalhadas

e misturadas.

O artista explica: que

Sem Tempo é o lado

da compressão, o lado

em que “vou ter com

as pessoas, e as agarro”.

Por seu turno, Com

Tempo é o lado da sedução:

“é o lado em

que digo que as pessoas

é que têm de vir

ter comigo. Elas é que

têm de se interessar.”

Para o autor, o tempo

e o dinheiro são as duas

questões primordiais

da sociedade, e esta

necessidade de fazer

as pessoas parar, levou

Janeiro a produzir

um disco sobre o tempo,

que acaba por ser

“o bug da sociedade”.

Com Tempo, Sem Tempo divide-se entre

a compressão e a sedução.


Cultura

O produto demorou

dois anos a ser produzido,

e passou por

S. Paulo, Rio de Janeiro,

Porto e Londres, e

conta com a colaboração

de vários artistas

desde Carolina Deslandes,

Salvador Sobral,

Tó Brandileone,

Tiago Nacarato, entre

outros. O critério de

escolha dos artistas?

A amizade e o amor.

Se formos por partes,

Sem Tempo demorou

um ano e meio

a ser produzido e Com

Tempo apenas cinco

dias. Mas cinco dias

de isolamento e de

sinceridade. O artista

confessa que foi

uma total abertura de

alma: “fui eu a mostrar

o que é que eu

sou, acho eu. Nunca

tinha posto isso num

disco… há momentos

em que eu estou

mesmo aos berros, e

isso não se vai repetir.”

Pensarmos no processo

leva-nos ao progresso,

e o que mais

cativa o cantor é a atividade

transformadora

da arte. É a forma

como, através da sua

música, ele pode chegar

aos outros, e vice-

-versa. “Eu poder tocar

em ti com uma música…Eu

nem sequer

estou lá, e tu se calhar

estás a entrar no meu

cérebro e estás a entrar

na forma como eu

penso, e nós não nos

conhecemos. Isso é

lindo.”, afirma o cantor.

“É como se eu

fizesse uma fotocópia

da minha

alma e pusesse

em som.”

A quarentena afetou-

-nos a todos, não só

como sociedade, mas

também individualmente.

A Janeiro trouxe

ansiedade e stress,

em termos humanos,

mas em termos artísticos

deu-lhe o espaço

para pegar em tudo o

que tinha e concretizar.

Para mim a arte é

vida, e a vida é amor.

Aí resume-se tudo.

E, numa altura em

que a indústria da música

está “cheia de imposições”

e as pessoas

raramente se questionam,

Janeiro sentiu

a necessidade de

dar ao público um álbum

repleto de nudez

artística e conteúdo.

“Acho que falta

conteúdo. Acho

que estamos a

viver num mundo

só de forma,

e um mundo só

de forma, depois

faltam-lhe

as ideias.”

Com Tempo, Sem

Tempo é um álbum repleto

de dualidades.

Por um lado, obriga

o ouvinte a apreciar,

com tempo e atenção,

cada música para a

perceber devidamente.

O autor aprofunda,

explicando que lhe

interessa “essa ideia

de, numa audição superficial,

se dançar ao

som uma coisa que é,

aparentemente, leve…

mas, depois, ao ouvir

ou ler o conteúdo, se

ser levado para uma

cena completamente

diferente, para outro

sentimento, para outra

forma de pensar.”

Em 2018, lançou o

disco Fragmentos,

depois fez a “Janeiro

Sessions Live Tour” –

que entretanto foi interrompida

por uma

pandemia. No entanto,

nada o impediu de lançar

o seu segundo disco

de originais “Com

Tempo, Sem Tempo”

– que faz dele um artista

de outro tempo.

Um álbum sincero e

transparente, que reflete

a sua paixão e

sacrifício. Janeiro dá-

-se a conhecer a todos,

aos que têm tempo

e aos que não têm.

O futuro é ainda um

pouco incerto mas,

para o artista, permanece

a certeza de que

vai sempre continuar a

criar narrativas e música,

porque é aquilo

que lhe traz luz.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

65


Cultura

A emancipação da MULHER e a emancipação

de uma artista

Mariana Vilas Boas

A cantora portuguesa,

Carolina Deslandes,

tem-se tornado

cada vez mais numa

personalidade influente,

não só na área da

música, mas na sociedade

em geral. É,

atualmente, uma das

cantoras de maior sucesso

em Portugal e

esse sucesso foi fruto

de muito trabalho.

A arte vai muito

para além do entretenimento

e do lazer.

A arte é um meio de

educar e sensibilizar a

sociedade para as problemáticas

centrais e a

cantora tem demonstrado

que o seu trabalho

é, cada vez mais,

uma forma de expôr

os que têm de ser falados.

Ao longo dos últimos

anos, Carolina

Deslandes tem vindo

a afirmar-se enquanto

artista e a definir a

sua personalidade enquanto

artista, a artista

das causas. O EP MU-

LHER veio confirmá-lo.

As suas redes sociais,

nomeadamente

o Instagram, são uma

das suas grandes ferramentas

para fazer

chegar uma mensagem

aos que a querem

ouvir. Inicialmente,

Carolina abordava temas

que faziam parte

da sua realidade, como

o autismo de um dos

seus filhos ou o body

shaming de que era

alvo. E, daí, começou

a expandir as temáticas

que desenvolvia.

A sua carreira re

trata também esse

crescimento e maturação.

De um álbum

mais intimista, o

“Casa” e de um EP em

parceria com Jimmy

P, “Mercúrio”, Carolina

Deslandes lançou,

em 2020, um EP que

inclui uma curta-metragem

e 6 temas originais

que expõem a

primeira grande causa

que a cantora incluiu

no seu currículo

artístico: a violência

doméstica contra

o género feminino.

MULHER foi lançado

no dia 25 de

novembro, dia Internacional

pela Eliminação

da Violência

Contra as Mulheres. A

capa do EP MULHER Lançado por Carolina Deslandes

curta-metragem centra-se

Daí, a cantora ser a

precisamente capa e indumentar-se

nessa temática. Retrata

com o lenço de Viana

várias gerações

de mulheres vítimas

de violência doméstica

e, ao mesmo tempo,

ter vestida uma camisola

da Nike. Por ou-

e elementos como tro lado, induz o nosso

o lenço de Viana e a pensamento de como

prática religiosa e a

tradição familiar aproximam

este tema não é um

tema do agora, da era

ainda mais moderna, mas sim um

esta temática como problema de gerações,

sendo uma realidade que tem de ser travado.

do nosso país e não A mensagem que a

uma abordagem de narrativa passa ao longo

de cerca de 30 mi-

um problema que “só

acontece aos outros” nutos passa por todos

, lá fora. A capa do EP

afirma que o tema é a

Mulher, toda e qualquer

uma. Quer seja

mais velha ou mais

os “lados” da mulher

e assume, acima de

tudo, o direito da mulher

em ser todas as

versões que ela mesma

quiser assumir. A

nova, mais tradicional

ou mais modernista. curta-metragem divide-se

em 6 capítulos

e cada um deles inclui

um tema. No 1º, a vida

mais isolada e tradicional

retrata uma prisão,

insegurança e medo.

A vida mais isolada e

tradicional, refém dos

costumes, contrasta

com a descoberta

da cidade e a liberdade

que nela se vive. O

romper com o passado

e a ânsia de desvendar

o que estava por viver

assumem a mensagem

do 2º capítulo. A cidade

é associada à aventura,

à experiência e

ao mundo de oportunidades.

A confiança, a

coragem e a garra sobrepõem-se

ao receio.

O 3º capítulo assume

o lado mais sensual,

de instinto e liberdade

que a mulher tem

de “fazer o que lhe

apetece” e quebra a

ideia de que a mulher

é “uma galdéria” e irresponsável

quando

faz o que lhe apetece.

O 4º capítulo mostra

o lado mais bonito

do amor. A beleza de

partilharmos o nosso

íntimo com alguém.

Como o cenário pode

mudar e nem todo

o amor é abusivo e

complicado. Pode

ser simples e confortante.

Uma só cena,

num só espaço (quarto),

só duas pessoas,

uma guitarra e amor.

O 5º capítulo traz a

garra que toda a mulher

tem em si. A artista

aparece com

um Globo de Ouro

66 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Cultura

na mão, a prova de

que o trabalho, esforço

e boa vontade trazem

sucesso e, quanto

maior é o sucesso,

maior é a probabilidade

de se ser um alvo

de crítica. O 6º e último

capítulo retrocede

ao início da narrativa

e representa a prisão

da qual muitas mulheres

não conseguem

sair e vivenciam durante

anos, mas nunca

é tarde demais.

Ao longo de toda a

curta, são poucas as

palavras que ouvimos

das personagens que

protagonizam a história.

Ao longo da narrativa

há uma vez que nos

acompanha e traduz

em palavras poéticas

todas as sensações,

devaneios, sentimentos

e pensamentos.

A ficção escrita, narrada

e protagonizada

por Carolina Deslandes

retrata, assim, a MU-

LHER como um todo,

com todos os direitos

que tem. Obrigada, Carolina,

por esta homenagem

ao género feminino

e a forma como

contribuíste para a

nossa emancipação.

A inferiorização da

mulher já está fora de

moda e, tal como a artista

diz na curta-metragem,

“não me roubaste

os sonhos”, não

nos roubaram ainda os

sonhos e, por isso, somos

e assumimo-nos

cada vez mais como

mulheres. Só que, é

como Carolina Deslandes

nos diz, “Mulheres

unidas assustam.

Eu não deixo que

me distraiam mais.” E

tu, ainda te distrais?

The Crown e o

Reinado da Mulher

Mariana Vilas Boas

Depois de um ano

tão atípico e limitado,

coisas boas acontecem.

A espera acabou,

a 4ª temporada

da série “The Crown”

saiu e deixou os fãs

ainda mais aliciados

para uma próxima.

“The Crown”, a série

biográfica do reinado

da Rainha Elizabeth II,

tem sido um sucesso

desde a 1ª temporada.

Quer seja pela

curiosidade em descobrir

os segredos da

história da família real

mais adorada do mundo,

quer pela qualidade

gráfica e artística.

Depois da 3ª temporada,

que saiu em 2019,

a ansiedade pelo lançamento

da 4ª temporada

aumentou quando

se percebeu que

a história da Princesa

Diana ia ser integrada.

A verdade é que Lady

Diana foi a princesa

que conquistou o coração

do povo quando

se juntou à família real

e, até aos dias de hoje,

continua a conquistar.

Mas esta temporada

não é só sobre Lady Dia

na. É sobre mulheres.

É sobre a classe e

inteligência com que

utilizam o seu poder

– quer tenha sido

conquistado ou quer

tenha sido o destino a

encarregar-se de lhes

entregar. Três mulheres,

três exemplos e

lideranças completamente

distintas. A

Rainha Elizabeth, a

Princesa Diana e a Primeira-Ministra

Margaret

Thatcher são as

grandes protagonistas.

A rainha Elizabeth é

já uma representação

de emancipação desde

o primeiro episódio

– quer pela liderança

inesperada, mas sempre

serena; quer pela

doçura que contrasta

com a extraordinária

capacidade de imparcialidade

e rigidez. Ela

é a devoção para com

o dever inigualável.

Mas se por um lado

a Rainha Elizabeth representa

uma grande

formalidade e seriedade,

por vezes até

exagerada, a Princesa

Diana é completamente

o oposto.

É uma lufada de

ar fresco numa

família demasiado séria

e, até, infeliz. Esta

figura parece vir relembrar

a realeza de

que eles são humanos.

É, no fundo, a sensibilidade

e o afeto que

vão acabar por moldar

a coroa. A Primeira-Ministra,

Margaret

Thatcher, foi a primeira

mulher à frente do

Governo Britânico. É

a ambição, a força, a

determinação e a segurança

em pessoa.

Foram 11 anos de uma

liderança que mudou

o país, mas que também

demonstrou que

a nossa vez acaba por

chegar ao fim e que,

quando decidimos ir

Emma Corrin e Josh O’Connor como Prinicpe e Princesa de Gales

sozinhos, o caminho

deixa de fazer sentido.

Tudo nesta nova

temporada é magnífico,

tal como

foi anteriormente.

Desde o guarda-roupa

à banda sonora,

desde o elenco à realização.

Quando se retrata,

em ficção, factos

reais, a responsabilidade

e a dificuldade

duplicam. No entanto,

a série desempenha

um papel extraordinário

na recriação dos

episódios mais emblemáticos

da vida da

família real britânica.

Todo o elenco estudou

ao pormenor

as suas personagens,

sendo capazes de retratar

os mais ínfimos

pormenores, desde

tiques a olhares.

A representação das

três atrizes – Gillian

Anderson como Margaret

Tharcher; Emma

Corrin como Lady Diana

Spencer; e Olivia Colman

como Rainha Elizabeth

II – é esplêndida

e merece destaque.

A série, que junta o

drama da coroa e os

momentos mais marcantes

da história do

Reino Unido, prende

os espectadores pela

elegância, qualidade

cinematográfica e fidelidade

à realidade.

Devorada a mais recente

temporada, a vontade

de ver a próxima só

cresceu e a expectativa

está elevadíssima.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

67


“Acho que tomei sempre as escolhas


certas.

Muitos ambicionam entrar no mundo do futebol pela maior

porta de todas, ambicionam ser uma das estrelas que vai brilhar

nos maiores estádios do mundo. Filipe Macedo Alves, nunca

teve tal sonho. Entrou neste mundo do futebol, sim, mas

pela porta do agenciamento e hoje é um empresário de sucesso.

Com apenas 22 anos de idade, já conseguiu concretizar a

maior transferência da história do Vitória SC com a vende de

Edmond Tapsoba ao Bayer Leverkusen. O seu feito mais recente,

foi já neste presente mercado de Inverno com Oleg Reabciuk

a rumar da Capital do Móvel para o Olympiakos da Grécia.

Grande

Entrevista

Filipe Macedo Alves

À Vista | 11 de janeiro de 2021

70


Grande Entrevista

A história do

jovem empresário

motiva qualquer

um a seguir

os seus sonhos

e, ao Jornal “À

Vista”, falou sobre

como foi

chegar até aqui.

Andaste no Colégio

Alemão do

Porto, de que forma

isso influenciou

a pessoa que

és hoje, tanto pessoalmente,

como

profissionalmente?

línguas (portuguesa

e espanhola), ajuda

a que consiga ,desde

muito cedo, ter os

meus próprios negócios

não só com pessoas

em Portugal. Eu

tinha clientes em todo

mundo. Por exemplo,

na França, com quem

falava francês, e na

Alemanha, com quem

falava alemão. Hoje em

dia, na minha profissão

tenho ,diariamente,

que falar com várias

pessoas e uso as línguas

todas que aprendi

naquela instituição.

Como é que

surgiu a paixão

pelo desporto?

Essa pergunta é interessante,

até porque

estou, neste momento,

a falar a partir da

Alemanha que seria,

provavelmente, um

país onde não estaria

se não tivesse estudado

no Colégio Alemão

do Porto. Aquele

colégio abre os horizontes.

Não ficamos

só fechados à cultura

portuguesa, mas conhecemos

também

outras culturas. Conhecemos

muito bem

a cultura alemã, como

é óbvio, mas também

outras culturas porque

temos alunos de todas

as partes do mundo.

Acho que o facto de

ter aprendido alemão,

inglês, francês no Colégio

Alemão e o espanhol,

porque vamos

sempre aprendendo

aos poucos pelas parecenças

entre as duas

É engraçado porque

muitas das pessoas

que trabalham

no futebol foram, ou

tentaram, ser jogadores.

Eu nunca tentei

ser. Não tinha qualidade

para isso sequer,

como toda a gente

que me conhece sabe.

Nunca quis ser. O meu

pai nunca foi e nunca

tive nenhum familiar

que quisesse ser

jogador de futebol.

Eu não venho do

mundo do futebol.

Obviamente, adoro

ver

futebol.

Aliás, vejo mesmo

muito futebol, todas

O que me atraiu

para fazer o que

faço hoje é a parte

do negócio que está

nos bastidores do

futebol

as semanas, jogos

ao vivo, se bem que

agora não tem sido

possível por causa da

pandemia. Mas tenho

esse amor ao desporto,

que surgiu depois

de eu já ter entrado

no mundo do futebol

por causa do negócio.

Ou seja, eu não trabalho

hoje no futebol

por gostar apenas do

jogo em si, trabalho

por gostar de tudo o

que envolve o futebol.

No sentido em que,

eu não falo de táticas,

não percebo desse

lado mais técnico. O

que eu gosto é a parte

do negócio e desde

Filipe Macedo Alves e Oleg reabciuk

muito cedo que comecei

a conhecer os jogadores,

portanto, gosto

das pessoas por detrás

das estrelas. Gosto

dos diretores, dos

jogadores...consigo ter

uma boa relação com

todos os intervenientes

neste desporto e,

quando isto acontece,

tudo corre muito

melhor. Obviamente

que hoje amo o futebol,

mas não posso

dizer que desde criança

sou maluco por

futebol, porque isso

não é verdade. Fiquei

maluco por futebol

mais tarde, sou maluco

por futebol hoje,

71 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Entrevista

que me levou ao futebol.

Foi um acaso. Foi

gostar das pessoas, foi

gostar daquilo que é o

mundo do futebol. O

que muita gente não

gosta, e não estou a dizer

que tudo no futebol

é bonito, mas há muita

gente boa no futebol e

quando se tem a possibilidade

de trabalhar

com essa gente boa,

tudo fica mais fácil.

Por norma, os rapazes

cativam-se

muito pelo futebol

e sonham em ser

jogadores. Por outro

lado, tu cativaste-te

pelo lado

da agência. Quando

te apercebeste

que essa área fazia

mais sentido?

Eu tinha cerca de

17/18 anos, não consigo

precisar, quando

vários dos jogadores e

até sei quem foi o primeiro,

mas prefiro não

dizer o nome, até porque

hoje em dia não

trabalhamos juntos e

tem outro agente. Não

trabalhamos juntos,

mas continua a ser

meu amigo. Já tinha

outro agente, na altura,

e continua a tê-lo. Ele

disse-me de caras: “Tu

devias ser agente pela

personalidade que

tens e pelas capacidades

que tens. Devias

ser agente de jogadores.

Devias trabalhar

nisso e um dia vais ser

meu agente”. Foi aqui

que houve aquele clique

necessário para

me começar a interessar

mais por esta área

do agenciamento. Até

que, depois, comecei a

pesquisar mais sobre

a área e começaram

a surgir oportunidades.

E, lá está, surgiu

a oportunidade de

começar a trabalhar

como agente e agarrei

a oportunidade. Mas

tudo começou pela iniciativa

de um jogador

e depois de outro, que

viram em mim as características

necessárias

num bom agente.

Pela forma como falo,

pela relação que consigo

construir com os

jogadores... Comecei

aos 18 e agora cá estou.

Ingressaste na

Universidade Católica,

no curso de

gestão, aos 18. Viste

o curso como

um complemento

ao que faz agora?

Em que medida

é que o curso te

ajudou até agora?

O curso de gestão

que tirei, para o que

faço hoje no futebol,

diretamente, naquilo

que é o meu trabalho

de relação com os jogadores

e de relação

com os clubes, não me

ajudou muito. O futebol

na parte do agenciamento

e na parte

de transferências não

tem nada de complexo,

comparando com

a gestão de uma empresa

do nível de uma

Deloitte, que seja. Não

tem essa complexidade…

A complexidade

de um negócio, numa

transferência, são os

valores. Obviamente,

não digo que é fácil,

mas o que se aprende

num curso de gestão,

amplo como o meu

que não foi gestão

desportiva, não é tão

fácil de aplicar no futebol.

Envolve microeconomia,

macroeconomia

e isto são coisas

que não se aplicam no

futebol. No futebol é

preciso: ou tirar um

curso de gestão desportiva,

que eu não tirei,

ou então acaba por

nascer um pouco connosco

aquela “espertice”

e o saber como

resolver determinadas

situações e, sobretudo,

é com a experiência

que se aprende.

Eu, por exemplo,

não estou

há muito tempo nisto,

mas, entretanto, já fiz

duas grandes transferências

e consigo dizer

que, desde a primeira,

aprendi mesmo muito

porque realmente as

coisas são complexas.

Muita gente sente

que é difícil contactar

com os jogadores

de futebol

pelo ambiente fechado

no qual vivem.

Como é que

o Filipe conseguiu

entrar neste meio?

Foi uma coincidência

muito engraçada…

Eu conheci o primeiro

jogador profissional de

futebol, o Kelvin (ex-

-jogador do Futebol

Clube do Porto), estava

ele ainda no Porto e eu

ia sempre com um dos

meus melhores amigos

ver os jogos para

a tribuna VIP do Estádio

do Dragão, porque

esse meu amigo tinha

lá lugares. Por acaso,

conheci o melhor

amigo do Kelvin,

que vivia até com

ele e eu nem sabia

que eram amigos.

Foi mesmo uma grande

coincidência.

Foi mesmo uma grande

coincidência. Um

dia estava a combinar

uma coisa com esse

amigo, ele veio-me

buscar a casa e estava

o kelvin no carro.

Foi nesse momento

que o conheci. Automaticamente

tivemos

uma boa relação e, a

partir daí, fui conhecendo

um jogador, depois

outro e outro…

Depois, quando tive

o meu primeiro negócio,

fui alargando a

minha rede de contactos

no mundo do

futebol. Como todos

os jogadores que eu

conhecia na altura, e

que conheço hoje, tinham

uma boa relação

comigo e confiavam

em mim, iam-me

apresentando a outros

jogadores. Entretanto,

em Portugal, conheço

mesmo muitos jogadores

e se eu hoje

precisar de ter acesso

a alguém consigo

chegar a essa pessoa.

Por exemplo, preciso

de falar com alguém

da seleção nacional,

tenho à vontade para

ligar ao Bruno Fernandes

(jogador do Manchester

United) que

conheço há muitos

São coisas que não se

aprendem na universidade, que

não se aprendem em cursos. É

um pouco a escola da vida.

anos, e não foi pelo

agenciamento que o

conheci, e dizer: “Bruno,

podes-me facilitar

o contacto com o jogador

x, porque preciso

de y?” Consegui entrar

na bolha à custa do

primeiro contacto que

depois facilitou todos

os outros contactos.

Tem também a ver, um

pouco, com a minha

forma de ser. Dou-me

bem com muita gente,

não só pessoas ligadas

ao futebol, porque tenho

facilidade em criar

relações e, lá está, o

jogador de futebol é

uma pessoa como as

outras. Se sentir confiança

e sentir que a

relação é boa, deixa-

-te entrar na bolha.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

72


Grande Entrevista

Antes de ser agente,

vendeu roupa a

várias estrelas do

futebol. Sentiu que

passaria por aqui a

forma de inclusão

com os jogadores

ou, na altura, era

apenas algo que

gostava de fazer?

É verdade! Quem me

deu a ideia desse negócio,

não me deu a

ideia, mas abriu-me

um bocado os olhos,

foi o Kelvin, mais uma

vez. Eu sempre gostei

de roupa de marca: sapatilhas,

o que fosse…

E, uma vez, o Kelvin

viu-me com umas sapatilhas,

enviou-me a

fotografia de umas parecidas

e disse: “precisava

disto, consegues

comprar?”. Eu andei a

pesquisar e acabei por

não encontrar nada.

Foi então que ele me

mandou uma página

do Instagram de

uma pessoa na França,

um homem, que fazia

trabalho de “personal

shopper”. Quando

vi a página dele, falei

com ele para comprar

as tais sapatilhas

e depois até acabei

por não comprar. Vi o

perfil dele e pesquisei

uma coisa parecida

em Portugal, mas não

havia nada. Não havia

nenhum serviço desses,

pelo menos em

páginas de Instagram.

Então, pensei que poderia

preencher esse

buraco no mercado e

comecei a fazer aquilo,

exclusivamente,

para jogadores e foi

assim que criei o negócio.

Estava no colégio

e, por isso, também

não tinha muito

tempo, mas consegui

ter ali um nicho que

me comprava muitas

coisas e não me

dava muito trabalho.

Comecei a comprar

tudo o que era roupa,

sapatilhas, acessórios...

o que quer

que o jogador precisasse,

eu comprava.

Obviamente, obtinha

uma margem por

cima do valor do artigo

e, de repente,

com o “passa a palavra”,

as coisas começaram

a correr bem.

Só para ficarmos

com uma ideia,

que idade tinhas

quando começaste

esse negócio?

Penso que tinha 15

anos quando comecei.

É engraçado, agora estou

aqui na Alemanha,

com um jogador alemão,

e está aqui com

companhia e, em conversa,

surgiu a questão

quanto ao porquê

de eu estar a dar uma

entrevista. E o jogador

respondeu: “Começou

com 15 anos um

negócio de sucesso”.

Aos 22 anos já

tem um cargo

que outros profissionais

demoram

anos a conquistar,

qual acha

que é o segredo?

Quem me conhece

há muitos anos, sabe

que, quando eu meto

uma coisa na cabeça,

trabalho mesmo muito

para conseguir que dê

certo. Foi assim que o

primeiro negócio deu

certo. Quando entrei

no mundo do agenciamento,

meti na cabeça

que queria chegar

longe e comecei

desde cedo a trabalhar

e a dar o máximo.

Não sou jogador, lá

está, mas tal como

eles, abdico muito daquela

que é a minha

vida pessoal, desde

saídas com amigos,

jantares, discotecas…

Tudo porque estou a

trabalhar ou porque

vou jantar com um

jogador, porque tenho

que fazer alguma

coisa que tenha a ver

com o meu trabalho.

Comecei a abdicar de

muita coisa, muito

cedo, precisamente,

quando comecei nessa

área, aos 18. Acho

que o facto de eu ser

focado e só querer

trabalhar, juntamente

com a minha forma

de ser… Tive um bocado

de sorte, nesse

aspeto, por causa das

relações que tenho.

Ajudou-me a cumprir

alguns dos objetivos

muito cedo. Obviamente

que tenho que

agradecer aos jogadores,

que confiaram em

nós e que continuam a

confiar até hoje, porque

sem eles, nada

disto seria possível.

Eu acho que a

minha principal

característica é ser

muito ambicioso e

trabalhar muito.

Atualmente debate-se

bastante

a importância da

figura do agente

no futebol. Para

si, quais as principais

características

que um agente

deve ter? Um

mau agente, pode

realmente prejudicar

o desporto?

Começando agora

pelo fim...Realmente,

se o agente for

mau, só prejudica. É

um facto. Só prejudica

porque mentaliza o

jogador de coisas que

não são verdade. Mete

coisas na cabeça do

jogador e pensa muito

mais nele próprio

do que no jogador em

si… Até vi até, recentemente,

a entrevista

de um presidente de

um clube a dizer que

há empresários que

querem ganhar tanto

quanto o jogador. Acho

que para ser um bom

agente, e atenção que

também não sou perfeito

e falo com todo

o respeito e com toda

a humildade, acho que

é preciso ter caráter.

73 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Entrevista

É preciso ser honesto

com os jogadores e,

sobretudo, ter uma relação

de confiança. Os

jogadores têm de conseguir

confiar em nós,

e nós neles. Isto acaba

até mesmo por ser o

mais importante. Claro

que também é preciso

ser um bom relações

públicas, já que é

necessário contactar

muito com os clubes e

é preciso ter facilidade

em comunicar, porque

senão não conseguimos

fazer o negócio.

O Filipe, desde

muito cedo, teve

muitos seguidores

no Instagram.

A um certo ponto,

começou a ver

esta rede social

como uma rampa

de lançamento

para chegar aqui?

Eu também tive muita

sorte, e ainda bem

que fazes essa pergunta,

porque quando

comecei o negócio da

roupa foi, precisamente,

na altura em que o

Instagram lançou as

mensagens privadas.

E, quando isto aconteceu,

não existiam os

pedidos de mensagem.

Era apenas preciso

enviar uma fotografia

para a pessoa e depois

a pessoa, automaticamente,

recebia a mensagem,

quer quisesse,

quer não. Ou seja, eu

tive sorte de ser nessa

fase em que mandei

mensagem para centenas

de jogadores de

nível alto e outros que

na altura nem eram

conhecidos e que agora

são autênticas estrelas…

Apresentei a

minha ideia de negócio

e muitos diziam para

eu mandar o que tinha

ou, então, até faziam

mesmo os primeiros

pedidos. Nesse aspeto,

sim, foi uma autêntica

rampa de lançamento.

Filipe Macedo Alves com Deco (à esquerda) e Edmond Tapsoba (no meio)

À Vista | 11 de janeiro de 2021

74


Grande Entrevista

O Filipe tem ainda

um projeto inteiramente

seu, intitulado

de OneGoalOnly.

Como surgiu a ideia

e qual o objetivo

deste seu projeto?

Esta ideia da One-

GoalOnly surgiu em

plena pandemia. Aliás,

foi mesmo no início.

Salvo erro, foi durante

aqueles meses de

quarentena, em abril.

Eu ainda vivo com

a minha mãe. Estávamos

num almoço e

estava a refletir sobre

o que podia fazer para

ajudar quem realmente

foi afetado por esta

pandemia. E, do nada,

ocorreu-me usar os

contactos que tenho,

não de jogadores nossos

(da D20Sports),

mas sim os meus contactos

no mundo do

futebol, para tentar

ajudar de alguma forma.

A primeira coisa

que me ocorreu foi fazer

os leilões das camisolas.

Falei com o

Otávio Monteiro (jogador

do FC Porto) e ele

foi uma grande ajuda,

aliás, foi até mesmo o

dono da primeira camisola

a ser leiloada.

Se não tivesse sido

ele, não teria conseguido

seguir em frente

com o projeto. Ele

adorou a ideia e apoiou

de imediato. No início,

ainda houve algum receio

daquilo não funcionar.

A verdade é

que, já ultrapassamos

os 25.000 euros doados

a várias instituições.

É ótimo porque

é mais uma forma de

se conseguir, com o

futebol, trazer coisas

boas e ajudar quem

verdadeiramente precisa

e foi afetado pela

Covid-19. Passados já

alguns meses, ajudamos

pessoas, não só

afetadas pela pandemia,

mas também

pessoas que têm alguma

doença e precisam

de pagar o tratamento.

Várias pessoas

mandam mensagem

para a página a dizer

que conhecem alguém

que precisa de ajuda.

Há pessoas que arranjam

elas mesmas a

camisola e nós tratamos

do leilão. Fiz isso

várias vezes com a Associação

do Futebol

para a Vida, com quem

temos uma parceria.

Eles dão as camisolas

que têm para leiloar e

o dinheiro que conseguirmos

com o leilão

vai para a eles, que depois

distribuem caso

a caso. Está a correr

bem e é para mostrar

que se pode fazer

coisas no futebol.

Muitos jogadores

conhecem, inclusive,

as instituições

que querem ajudar e

é bom perceber isso.

Qual a precessão

dos seus pais

da sua carreira?

Agora não têm reticências

nenhumas.

Sempre me apoiaram,

sempre tive

todo o apoio, mas

acho que nunca pensaram

que tão cedo

fosse fazer tanta coisa

no futebol. Acho

que estão orgulhosos.

Passados já 4

anos de ascensão

neste meio, o que

é que mudou e o

que é que sente

que continua a ser

como era antes nos

tempos do colégio?

A minha relação com

os jogadores continua

a ser a mesma. Sejam

os jogadores que estão

comigo desde o

início, que entretanto

também já chegaram

Há a ideia errada

de que os jogadores

são pessoas más e,

eles próprios, vieram

de ambientes

mais pobres.

a patamares altos, sejam

jogadores que conheço

hoje, com quem

começo a trabalhar, ou

jogadores mais jovens

ou mais experientes.

A minha relação com

eles é sempre a mesma

e é isso que eu quero

que fique sempre

igual. Que seja sempre

na base da amizade e

da confiança e nunca

deixar que o facto de já

ter conseguido atingir

alguns objetivos mude

a minha forma de ser,

nem a mentalidade.

Os seus amigos no

colégio chamavam-

-lhe “o próximo

Jorge Mendes”. Há

o objetivo de chegar

a esse patamar?

Há esse sonho. O Jorge

Mendes é o melhor.

Para mim, é o melhor

agente de sempre.

Obviamente que chegar

ao nível dele não é

fácil. O Jorge Mendes

tem uma carreira absolutamente

fantástica.

Tem os melhores jogadores

do mundo. Os

melhores negócios do

mundo são feitos pelo

Jorge Mendes… É um

sonho, mas sou novo.

Ainda tenho alguns

anos para tentar chegar

a esse nível, mas

tenho que manter os

pés bem assentes na

terra e saber que Jorge

Mendes é um ídolo.

Alguém para quem se

olha e se percebe que

é muito difícil de chegar

onde ele chegou.

75 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Grande Entrevista

Com todas as luzes

a começarem,

cada vez mais, a

estar apontadas a

si, sente que esses

amigos ainda estão

lá? A sua posição

não o separa

das suas raízes?

Eu tenho noção de

que sou ausente. Não

consigo estar presente

em muitos jantares

e em muitas coisas da

vida dos meus amigos.

Mas sei, e acho

que não me engano,

que os meus verdadeiros

amigos são os

que já estão comigo

desde o colégio e que

um dia que eu precise,

vão estar lá para

mim, tal como eu vou

lá estar para eles. O

facto de não conseguir

manter um contacto

muito frequente, por

estar fora ou por estar

muito ocupado ou

pelo que falámos de

eu ser muito focado

naquilo que é o meu

trabalho, às vezes, não

estou tão presente...

mas sei que os que me

rodeiam sabem que

nunca lhes vou falhar.

Já há muita gente

cá em Portugal que

te conhece. Que

imagem tentas passar

para o público?

Sinceramente

não

Filipe Macedo Alves e Afonso Sousa

penso muito nisso.

Não tento passar imagem

nenhuma. Sou

o que sou. Acredito

que haja muita gente

que não goste, mas

sei que, geralmente,

quem me conhece

pessoalmente gosta

da minha forma de

ser, da minha pessoa.

Apenas tento manter

os meus princípios

e não penso no que

os outros pensam ou

a imagem que passo.

Não me deixo afetar

por quem não gosta de

mim, nem vou mudar

nunca a minha forma

de ser e de estar na

vida e no futebol por

causa da opinião de

pessoas que nunca me

quiseram conhecer.

Mudava algo no

seu percurso até

agora? Se não ou

se sim: porquê?

Não mudava nada. Está

tudo encaminhado.

Acho que tomei sempre

as escolhas certas.

Dei sempre os passos

certos, tudo a seu

tempo. Posso também

dizer que estou orgulhoso

do meu percurso

e do que consegui alcançar

até hoje.Tenho

que agradecer muito à

minha mãe, que sempre

me apoiou nessas

decisões e que é

a minha conselheira.

Por isso, não mudava

rigorosamente nada.

O menino de 15

anos que vendia

roupa aos jogadores

alguma vez achou

possível chegar

onde chegou hoje?

Não trabalho pela

imagem.

Acho que o Filipe de

15 anos não pensava,

mas se calhar o Filipe

de 19/20 já pensava

chegar aqui. Lá está,

na altura era mais inocente

e não pensava

chegar tão cedo aqui,

ainda para mais a fazer

o que faço. Acho

que o Filipe de 15 anos

estaria muito contente

e até acho muito

bom que esse Filipe

não soubesse, nem

esperasse chegar aqui

porque, se o fizesse

e se trabalhasse apenas

para o sucesso,

não teria conseguido

chegar a este ponto

na carreira. Lá está,

consegui o que consegui

por fazer o que

gosto, com todo o coração

e com vontade

de aprender cada vez

mais e não para alcançar

objetivos, isso vem

por acréscimo. É fruto

do meu trabalho…

O que está para

vir ainda? Projetos

futuros que

tenha em mente?

Acho que o nome Filipe

Macedo Alves vai

sempre ficar ligado ao

futebol. Espero que

sim, pelo menos. Trabalho

muito por isso

e espero que tudo dê

certo. Vai ser muito à

volta disso. Não tenho

projetos novos para o

futuro. A OneGoalOnly

está a correr bem

e o trabalho também.

O que posso dizer é

que vou ficar a trabalhar

no futebol por

muitos anos e espero

que possam vir a ouvir

falar de mim no futuro,

seria bom sinal.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

76


Desporto

imagem: Getty Images

“A mão de Deus” voltou para o levar

Crónica

João Brandão

Sinto-me verdadeiramente

triste

por escrever

este texto, por dois

motivos. Primeiramente,

porque foi preciso

chegar este momento

para eu ir ver vídeos

do argentino a jogar

nos seus tempos áureos.

Sempre amei futebol,

como tal, sempre

admirei o nome

“Maradona”, mas mais

pelas histórias que

me contavam desde

pequenino e pela

forma que esboçavam

um sorriso sempre

que as contavam.

Em segundo lugar,

por ver uma figura tão

icónica como Diego

Armando Maradona

partir de forma prematura.

Tinha 60 anos.

60 anos de glória e de

momentos que imortalizaram

o seu nome

em todas as ruas deste

mundo. “El Pibe”,

como também era conhecido,

foi o jogador

que atribuiu significado

à expressão “a mão

de Deus”, referente ao

golo marcado com a

mão nos quartos-de-

-final do mundial de 86.

O mundo do futebol

estava a seus pés. Revolucionou

a maneira

como se via futebol,

revolucionou a mentalidade

dos outros

jogadores que, de repente,

queriam driblar

como o Maradona,

queriam chutar como

Maradona, queriam ser

tão rápidos como ele…

Sempre ouvi dizer que

estes génios não deviam

morrer e talvez

mesmo por esta expressão

tenha estabelecido

um padrão interessante.

Os génios,

não só morrem como

todos os outros, como

também morrem mais

cedo do que o antecipado.

São os casos

de Martin Luther King,

Freddie Mercury, Alan

Turing, Michael Jackson

e tantos outros…

Pergunto-me sempre

se será este o preço

a pagar pela genialidade.

Será este

o derradeiro fim para

quem vê para além do

que lhe mostram? E,

se sim, será que eles

têm consciência de

que estão a caminhar

para este desfiladeiro,

mas continuam, sem

olhar para trás, com a

ideia de deixar o legado?

Será que todas as

“loucuras” cometidas

na incessante procura

pela imortalidade

dos seus nomes são

resultantes de momentos

em que estes

génios se sentem

incompreendidos no

mundo em que vivem?

Talvez esteja a romantizar

demasiado

toda a situação, já que

a sua morte me apanhou

de surpresa, mas

a verdade é que agora

o mundo está todo a

olhar para si, Maradona.

Está todo a olhar

para si, mas chora

porque já não o vai ver

mais. O futebol não seria

nada se não tivesse

existido alguém como

o Maradona e eu não

seria ninguém se o futebol

não existisse tal

como é. Desta forma,

moldou imensa gente

por todo o mudo.

A mim só me resta

agradecer-lhe e despedir-me

de si, nesta

carta aberta que agora

nunca será enviada.

Descanse em

paz, “El Pibe”.

67 À Vista | 11 de janeiro de 2021


Desporto

Fórmula 1 em Portimão: Em Portugal,

outra vez Hamilton

João Brandão

A

competição de

automobilismo

mais famosa do

mundo regressou a

Portugal. Portimão recebeu,

nos dias 23, 24

e 25 de outubro, uma

das etapas do circuito

mundial de Fórmula 1.

O “Formula 1 Heineken

Portuguese

Grand Prix” trouxe

ação ao circuito do

Autódromo internacional

do Algarve. A

prova marcou também

o calendário por

ter sido realizada com

público nas bancadas.

Lewis Hamilton conseguiu

o melhor tempo

e saiu, portanto, da pole

position. Na primeira

linha da grelha de partida

fizeram-lhe ainda

companhia, Valtteri

Bottas, companheiro

da Mercedes e Max

Verstappen, jovem piloto

belga da Red Bull.

Como tal, à partida

para o arranque deste

grande prémio, o favoritismo

estava do lado

do campeão mundial

em título Lewis Hamilton.

Bottas liderou

provisoriamente

até à última volta das

qualificações para a

prova do dia 25, mas

acabou por ser destronado

pelo piloto

britânico por 102 milésimos

de segundo.

Destaque das qualificações

do primeiro

dia, vai ainda para

nomes como Charles

Leclerc, quarto melhor

a tempo das classfi-

cações gerais e para a

prestação menos bem

conseguida por parte

de Sebastian Vettel

que vai partir do

15º posto da grelha de

partida. Já Ricciardi

acabou no décimo lugar,

após um acidente.

O terceiro e último

dia da corrida teve

o que este circuito

mundial já muitas vezes

viu, Lewis Hamil-

-ton a partir em primeiro,

mas teve também

“A Portuguesa”

no arranque do dia.

Valtteri Bottas passou

para a frente da corri-

rida logo nos momentos

iniciais, mas não

conseguiu impedir que

o seu companheiro de

equipa o ultrapassasse

rumo a mais uma

vitória de um GP. Com

este triunfo, o britânico

bateu o recordo

mundial de vitórias em

grandes prémios (92)

ao ultrapassar o alemão

Michael Schumacher

com 91 vitórias.

O pódio foi completado

pelo finlandês

da Mercedes, Valtteri

Bottas e por Max Verstappen.

Desta forma,

a Mercedes consegue

imagem: Observador

mais uma conquista

nesta época e dupla

presença no pódio,

assinalando a supremacia

que veio a demonstrar

ao longo de

toda a época para todos

os competidores.

Com cinco grandes

prémios a disputar,

Hamilton é cada vez líder

isolado do campeonato

mundial, agora

com 256 pontos, face

a Bottas, com 179 e

Verstappen, com 162.

Desta forma, a modalidade

regressou, 24

anos depois, a terras

lusitanas. Nessa altura,

a prova realizou-se

no Estoril e contou

com um pódio formado

por nomes bastante

sonantes da modalidade

como são os

casos de Jacques Villeneuve,

Damon Hill e

Michael Schumacher.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

68


Desporto

No Estádio da Luz,

a seleção francesa

venceu por

1-0 a seleção portuguesa.

O golo do jogo

foi marcado pelo médio

do Chelsea, N’Golo

Kante, no início da segunda

parte. Com este

resultado, Portugal vê

eliminadas as possibilidades

de defender

o título da competição

na Final Four.

A reedição da final do

Euro 2016 aconteceu

e, desta vez, o destino

sorriu aos gauleses

naquela que foi a

penúltima jornada da

fase de grupos da Liga

das Nações. No último

jogo desta fase da

prova, a seleção das

quinas deslocou-se a

Split, Croácia, e venceu

os croatas por 3-2.

Este resultado determina

um segundo lugar

do grupo e a impossibilidade

de prosseguir

para a Final Four.

Depois de uma boa

exibição no jogo de

Paris, os portugueses

iam motivados para

este jogo. O nulo conquistado

em terreno

francês demonstrou

solidez defensiva e

criatividade no último

terço, fatores que

expuseram a seleção

campeã mundial

em título. Mas se, por

um lado, estávamos

motivados para este

jogo, por termos conseguido

jogar “olhos

nos olhos” contra a

melhor seleção do

mundo, os franceses

imagem: FPF

Desforra francesa elimina

Portugal da Liga das

Nações

João Brandão

estavam igualmente

motivados para renovar

a imagem de intocáveis.

E, nesse sentido,

o conjunto liderado

por Didier Deschamps

aprendeu a lição. Com

uma grande mobilidade

no meio-campo

composto por três

elementos a conseguir

sobrepor-se ao

meio-campo de Portugal

que, no seu miolo,

apenas contava

com Danilo e William.

A primeira parte do

jogo foi marcada pelo

domínio francês que

conseguiu conter as

iniciativas portuguesas.

O ataque composto

por Bernando

Silva, João Félix e Cristiano

Ronaldo contava

ainda com a ajuda

de Bruno Fernandes,

que, embora seja médio,

ocupou espaços

nas alas e no meio

campo ofensivo, principalmente.

Bernardo

Silva, jogador do Manchester

City sublinhou,

mais uma vez, não

ter começado a época

na melhor forma,

razão pela qual não

tem sido opção a titular

na equipa inglesa.

Já na segunda parte,

notou-se uma grande

motivação por parte

da seleção das quinas

que entrou mais

pressionante e com

vontade de inverter a

tendência do jogo. Porém,

os franceses tinham

outros planos e

numa jogada algo fortuita

conseguiu chegar

à vantagem por

intermédio de N’Golo

Kanté. Depois deste

momento, que acabaria

por decidir o jogo,

houve uma mudança

de mentalidade por

parte dos campeões

Classificação

Primeira Liga Portuguesa

1.

2.

3.

4.

5.

Sporting CP

FC Porto

SL Benfica

SC Braga

mundiais que procuraram

defender a vantagem

mínima. Portugal

procurou penetrar a linha

defensiva francesa,

mas sem sucesso,

resultando no desaire

que afastou os lusitanos

da competição.

Com este resultado,

a França prossegue na

prova e vai enfrentar a

Espanha, Itália e Bélgica

na Final Four, a

realizar-se este ano.

Depois de ter conquistado

a prova em 2019,

Portugal vê-se afastado

da possibilidade de

prosseguir na prova.

FC P.Ferreira

Pts

35

31

31

27

20

77

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Desporto

Resumo do Giro: Tao Geoghegan Hart

sagra-se campeão no último dia de prova

João Brandão

O

Giro de Itália

terminou no dia

22 de novembro

e viu Tao Geoghegan

Hart sagrar-se campeão

com um tempo

total de 85 horas 40

minutos e 21 segundos.

O pódio foi completado

por Jai Hindley

que acabou por perder

a “maglia rosa” no

contrarrelógio final ao

ficar a 39 segundos do

primeiro classificado.

Em terceiro lugar ficou

Wilco Kelderman, a um

minuto e 29 segundos

do líder da prova.

Ao fim das três semanas

de prova, nunca

se poderia ter esperado

um final tão empolgante

do Giro d’Italia.

Os portugueses voltaram

a sentar-se em

frente às televisões

para apoiarem João

Almeida que esteve a

vestir a camisola rosa

durante 15 dos 21 dias

da prova. Foi apenas

na subida ao Stelvio

na 18ª etapa da grande

volta que o lusitano viria

a perder a já escassa

vantagem que trazia

sobre o então segundo

classificado, Wilco

Kelderman, atleta

holandês da Sunweb.

Na difícil subida ao

Stelvio, João Almeida

ainda se aguentou

colado ao grupo onde

se encontravam os homens

que frequentavam

o top-10 durante

alguns quilómetros,

mas acabou por não

conseguir acompanhar

o ritmo imposto pelos

homens da Ineos,

dos quais faziam parte

Tao Geoghegan Hart e

Rohan Dennis. Quem

aproveitou a quebra

do português foi Wilco

Kelderman que se

manteve na roda dos

homens da frente para

se distanciar do português

o suficiente para

o ultrapassar na classificação

geral. Geoghegan

Hart e Hindley

reposicionaram-se no

top 10 da prova e consumaram

uma reviravolta

inesperada no topo

das classificações.

A controvérsia desta

etapa viria ainda assim

a instalar-se quando

o holandês descolou

dos atletas na frente

da corrida e o seu

companheiro de equipa

nada fez para o voltar

a incluir no grupo.

Jai Hindley, líder da

camisola da juventude,

deixou Kelderman

para trás e perseguiu

o primeiro lugar da geral.

No entanto, Kelderman

acabou o dia

com a camisola rosa,

mas tinha pouco tempo

de vantagem para

os seus mais próximos

concorrentes, Tao

Geoghegan Hart e Jai

Hindley. À partida para

os três últimos dias

de prova as contas

da camisola rosa estavam

em aberto e o

suspense aumentou.

A subida ao Stelvio

deixou marcas em todos

os competidores,

mas Kelderman apareceu

na última etapa

de montanha especialmente

desgastado

e acabou mesmo

por perder a camisola

rosa e descer para

o terceiro posto da

classificação geral. Jai

Hindley acabou o dia

como líder da volta a

Itália apenas com o

contrarrelógio da consagração

pela frente.

Este contrarrelógio

viria, desta feita a ser

tudo menos de consagração,

já que o favoritismo

estava do lado

do homem da Ineos

imagem: BBC

pela maior experiência

em etapas deste

género e pelo facto de

ambos os atletas partirem

com o mesmo

tempo para a prova.

Como tal, aconteceu

o que já se antecipava

e Jai Hindley não

foi capaz de acompanhar

o ritmo de Tao

Geoghegan Hart. O

britânico ganhou 39

segundos a Hindley

na derradeira prova e

passou a meta com a

certeza de que era o

vencedor desta edição

da Volta a Itália.

Pelo caminho ficaram

os grandes feitos

dos portugueses, tanto

de João Almeida,

como de Rúben Guerreiro,

vencedor da camisola

da montanha

que tanto animaram

o povo português ao

longo dos últimos 21

dias. Ficou ainda a

questão quanto à estratégia

da equipa da

Sunweb em deixar

Kelderman para trás

e apostar em Hindley

para ganhar a Volta.

À Vista | 11 de janeiro de 2021

78


Desporto

Artigo de Opinião

João Brandão

Esta é a história

de dois “pirralhos”

que, sem

pedir autorização a

ninguém, colocaram

o ciclismo de volta

aos palcos nos quais

tanto merece estar.

Quem é português

já ouviu falar em Joaquim

Agostinho. O lendário

nome ecoa nas

ruas portuguesas e na

nossa mente sempre

que se fala de ciclismo.

Natural de Torres

Vedras, começou a

pedalar tarde, apenas

aos 25 anos de idade.

Talvez, por esse motivo,

tenha tido que

pedalar o dobro para

apanhar a concorrência.

A verdade é que

lhe apanhou o gosto

não só à modalidade,

mas também a “pedalar

o dobro”. Provas

disso mesmo são os

incríveis resultados

que Agostinho alcançou.

Foi segunda da

geral na “Vuelta” e foi,

por duas vezes, terceiro

no “Tour”. Aos 41

anos, no entanto, na

volta ao Algarve sofreu

uma queda e acabou

por falecer depois

de 10 dias em coma

como sequência desse

mesmo acidente.

Eu prometi contar a

história dos dois meninos

de ouro que estiveram

nesta edição

do Giro, mas a verdade

é que tanto a de

um como a de outro

começou com histórias

de Joaquim Agostinho.

O sonho de alcançar

um dia o que

Agostinho alcançou

move qualquer atleta

de ciclismo. Cresceram

com este ídolo,

mas viveram com

outro, Rui Costa. Ele

que, em 2013, era notícia

de destaque por

Portugal fora por se

sagrar campeão mundial

de estrada. Ele

que subiu ao mais alto

lugar do pódio e fez

soar “A Portuguesa”

na Toscana. Pois bem,

Rúben e João, vocês

foram os nossos ídolos

durante estas últimas

três semanas.

Rúben, guerreiro de

nome, foi o primeiro

português na história

do nosso país a conquistar

uma das quatro

principais classificações

de uma grande

Volta. Foi na 18ª etapa

do Giro que Rúben assegurou

matematicamente

a camisola azul

ao saber da desistência

do seu mais próximo

concorrente pela

camisola da montanha.

Mas perante este

feito, o que emocionou

muitos portugueses foi

o gesto que Guerreiro

teve para com João

“Guerreiros” como nunca,

“Almeidas” como sempre

Almeida. Não eram da

mesma equipa, lutavam

por objetivos diferentes,

mas quando

Rúben viu o seu compatriota

em dificuldades

não hesitou em ser

português e em ajudar

como podia, porque o

cansaço já era muito.

João Almeida, nos

seus 22, vestiu a camisola

cor-de-rosa durante

quinze dias e terminou

no quarto lugar

da classificação geral.

Não houve uma única

etapa que João não

tenha acabado com o

sofrimento estampado

na cara. Mesmo no

dia em que perdeu a

camisola para Kelderman,

nunca desistiu.

Estar na subida mais

complicada de todo

o Giro e nunca render-

-se foi uma prova das

capacidades incríveis

deste jovem atleta.

Outros atletas no lugar

dele, chegaram a perder

40’, o “portuguesito”

perdeu quatro.

Como se tudo isto não

fosse impressionante

o suficiente, João Almeida

foi chamado à

última da hora e participou,

sem preparação

específica numa das

maiores provas de ciclismo

da atualidade.

Todos estes atos de

valentia não moveram

apenas os portugueses,

mas também

os outros competidores

desta edição da

Volta a Itália. Masnada,

colega de equipa

de João Almeida que

foi criticado por muitos

de nós por não ter

ajudado o português

no Stelvio, pediu

desculpa em público

por “não ter conseguido

ajudar mais”. Nibali,

um dos melhores

ciclistas de sempre

reconheceu o esforço

do português através

de uma publicação

no seu Instagram.

Ser-se português

é tudo isto. É ajudar

o nosso compatriota

em momentos menos

bons, é lutar por um

objetivo até não haver

mais forças, é, numa

subida, apenas olhar

para o horizonte, mas

mais importante que

tudo isso é nunca para

de pedalar seja quais

forem as circunstâncias.

Fomos relembrados

disso dia após dia

durante 21 dias. Por

tudo isto, obrigado Rúben

e obrigado João.

imagem: Globoesporte

79

À Vista | 11 de janeiro de 2021


Editorial

O Jornalismo não adormeceu.

3...2...1...Feliz Ano

Novo! 2021, “Venha

ele!” “ Até que enfim

que 2020 acabou.

Que ano horrível!”

Será? Acreditamos

mesmo que a culpa

é do ano e que as

circunstâncias é que

o tornaram terrível?

Não fomos nós, dita

humanidade (que na

verdade não parece

ter um pingo da mesma)?

Podíamos iniciar

este editorial a falar

de novas resoluções,

de como um novo ano

pode provocar mudança

e de como os erros

ficam no passado.

Mas não ficam. Nem

os erros, nem os grandes

feitos. Tudo o que

é história deve ficar

bem gravado para que,

sempre que precisarmos,

possamos reavivar

as nossas memórias

e não perdermos

o foco de sermos cada

vez mais “humanos”.

Portugueses, a massa

da nação valente e

imortal. O que somos

se não história? Uma

história por vezes incandescente

e outras

vezes escuridão. Se

ousamos saborear o

gosto dos holofotes

nas vitórias, que não

baixemos os braços no

apagão. 2020 terminou,

mas deixará marcas

eternas naqueles

que dia após dia remaram

contra a corrente

e procuraram a

vela acesa no abismo,

mesmo de olhos vendados.

Ah, e aos outros

também marcou.

O ano que passou

não nos deixou só derrotas.

Foram tempos

de aprendizagem em

aspetos que, outrora

deduzimos mais que

aprendidos e enraizados

na sociedade. Deixamos

os escritórios

e construímos o ofício

em nossas casas,

aprendemos que não

estar perto, também

pode ser uma forma

de demonstrar amor

e fomos solidários, ao

estendemos a mão

aos que mais precisavam

de amparo num

momento de carências

financeiras e sociais.

Já dizia José Saramago,

“A vida é uma

aprendizagem diária.

Afasto-me do caos e

sigo um simples pensamento:

Quanto mais

simples, melhor!”, talvez

agora comecemos

a agir mais desprovidos

de adornos sociais, sejamos

simples e desfrutemos

dessa aprendizagem

diária, a vida.

Afinal, o mundo é tão

maior que nós e acontece

tanto no mundo.

Foi um ano atípico,

em muitos sentidos,

mas, ao mesmo

tempo, tudo aconteceu.

Foi o ano em que

as pessoas decidiram

sair à rua, pelos piores

e melhores motivos.

Na Argentina e Coreia

do Sul festejou-se a

descriminalização do

aborto. Na índia contestou-se

contra a

violação, no México

reclamou-se pela desigualdade

de género,

na Nigéria a luta foi

contra a violência policial

e na Bielorrússia

contra a ditadura.

Na Polónia, tentaram

criminalizar o aborto

e logo as ruas se encheram

de protestos.

A Escócia tornou-se

no primeiro país do

mundo a tornar todos

os produtos de menstruação

gratuitos. O

movimento Black Lives

Matter surgiu nos

EUA depois de Breonna

Taylor e George

Flyod terem sido assassinados

e, rapidamente,

diversos países

fora dos EUA manifestaram

a sua solidariedade

e expuseram

a problemática nos

seus países, nomeadamente,

em Portugal.

A democracia fez-se

ouvir e Joe Biden foi

eleito o 47º Presidente

dos Estados Unidos da

América (EUA). A Ciência

mostrou aquilo

que é capaz de fazer

e produziu uma vacina

contra a COVID-19

em tempo recorde.

No desporto, tudo

mudou também. Campeonatos

interrompidos

durante 3 meses

e retomados sem públicos

nas bancadas.

O barulho da multidão

nos estádios substituido

por sons fictícios.

Equipas inteiras

a treinar a partir de

casa. Houve toda uma

reestruturação na sociedade

e na forma

como se procediam

nos diferentes momentos

do desporto.

Até mesmo os jornalistas

que antes podiam

participar nas conferências

de imprensa

tinham agora que o

fazer por zoom, nos

seus computadores.

E não ficou por aqui,

o mercado online explodiu.

Devido ao tempo

de confinamento

ininterrupto as pessoas

sentiram falta de

poder ir aos centros

comerciais e as vendas

online dispararam

como nunca antes se

tinha visto. A mentalidade

mudou de um

dia para o outro e a

questão que prevalece

agora é se os hábitos

que nos foram

forçosamente incutidos

enquanto sociedade

irão prevalecer

daqui em diante.

Por um lado, tínhamos

tudo para dar

errado. O crescimento

da extrema-direita

em diversos países, o

aparecimento de uma

pandemia, … tudo parecia

indicar que 2020

era uma causa perdida.

Se o desespero e momentos

de crise parecem

apoderar-se de

alguns e ameaçar a liberdade,

a democracia,

os direitos humanos

de todos, ao mesmo

tempo a grande maioria

faz ouvir e sai à rua.

A luta continua porque

a nossa liberdade

nunca é garantida.

Tudo isto, registado

e reportado por televisões,

rádios, jornais,

…O jornalismo não

adormeceu. O mundo

podia aparentar estar

a colapsar, mas a

informação foi sempre

um direito primordial

e acessível a todos

os que a queriam

consumir. Diariamente,

repórteres saíram

à rua para que fosse

possível levar até

sua casa a informação

de todo mundo.

Todos os acontecimentos,

todas as lutas,

de todas as partes

do mundo reveladas

pelos meios de comunicação.

Ser jornalista

é isto. É lutar pela liberdade.

É ter o rigor

e exatidão de expor

todos os factos, sem

influências, e contribuir

para uma sociedade

mais instruída,

mais evoluída. Contribuir

para um mundo

onde há mais humanidade

e menos sociedade.

E nós, futuros

jornalistas, lutaremos

sempre por esta liberdade,

até ao fim.

Redatores

João Brandão

Mariana Vilas Boas

Soraia Amaral

Contactos

avista.jornal@gmail.com

Redação

Praça Coronel

Pacheco, 15

4050 - 453 Porto,

Portugal

À Vista | 11 de janeiro de 2020

80


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