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Revista Espaço Oriental - Edição 01/2021

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EDIÇÃO IX - 03/2021



EDITORIAL

Existem algumas pessoas que têm poder e um certo tipo de meios à sua disposição que estão tentando fazer com que a

sociedade pense de uma certa maneira, faça um certo conjunto de coisas e assim por diante. Acho que qualquer escritor

responsável nunca é isso. Nenhum escritor está tentando fazer com que alguém faça algo; o que eles estão tentando

criar é um conhecimento da própria sociedade, para fornecer os meios - através da clareza da linguagem - para uma

autoavaliação e autocrítica.

Dorn, Edward. Entrevistas (Four Seasons, 1980). Pág 108-109.

Queridos alunos do ESPAÇO ORIENTAL e leitores que

estejam nos acompanhando, esta é a primeira edição da

revista digital de 2021. Optamos por uma repaginação e

um modelo mais minimalista. Queremos enfatizar que,

o que importa, sobremaneira, é o conteúdo. E, em se

tratando de conteúdo, agora temos um site atualizado

com várias informações sobre as modalidades, horários,

valores e nossos contatos. Divulguem, por

gentileza. No site, também contamos com o

acervo de todas as edições anteriores da

revista digital, que são poucas, então,

aproveitem uma (re)visita a elas com

alguns textos reflexivos ou mesmo

informativos que podem ser lidos ou

relidos.

Em relação a conteúdos anteriores,

gostaria de chamar atenção especial

para a o texto “Respirar, sentir, viver e

lutar - águas de uma mesma fonte”,

que está presente na 4° edição,

fim de 2019. Relendo,

ele se me revelou

atemporal e também

quase que prevendo

a necessidade de

revisão de atitudes

ante os tempos

difíceis por virem,

e que estavam e

sua eminência de

começar. Entendam

“prever”, por favor,

enquanto vindo da

observação por

uma via

filosófica,

longíssimo de ser uma visão mágica de qualquer espécie.

Aliás, nestes últimos tempos, explicações mágicas,

soluções e métodos mágicos também, anunciados

como novidade ou inovação, lógicas autoevidentes e o

bruto senso comum estão pairando sobre a cabeça de

muitas pessoas como sombras obscuras.

Por isso, sinto a obrigação, como educador e

representante de artes de tradição, reafirmar meu

posicionamento e esclarecer a alunos e leitores sobre a

interpretação que faço sobre a conduta dos praticantes

de artes marciais tradicionais atualmente. Seriam, estes,

defensores de um conhecimento que se desenhou na

história para propósitos bélicos, mas também, para a

construção de uma ética, e por isso tem um propósito

que deve ser reconhecido como mais do que cuidar do

corpo físico, adquirir habilidades para lutar ou manejar

instrumentos diversos ou ter sentidos aguçados. Afinal,

os grandes mestres do passado sempre se destacaram

por suas atitudes a favor da igualdade, da justiça social

e da saúde e bem estar da população, e também por

se esforçarem em ser modelos buscando superar seus

vícios e exemplificar virtudes.

Estendo essa minha acepção aos esportistas e

praticantes entusiastas de quaisquer atividades físicas,

mas que vejam a sua prática ou o seu esporte como

um cuidado para o corpo, para a mente, e ferramenta

pedagógica de socialização e aprendizagem de

princípios e virtudes para todos. Aos que se preocupam

exclusivamente com uma imagem corporal, certamente

aqui não é o caminho recomendado, a não ser que

queiram ler para apreender e mudar.

Assim, nestas revistas, que propomos publicar

trimestralmente, faço essa proposta filosófica de refletir

com algumas referências de cultura erudita, acadêmica

ou não, e mesmo da popular, que traz possibilidades de

reflexão. Porque, também, vejo muitos alunos, sobretudo

os que são também educadores em

outros campos do saber, externando

sucessivamente indignação,

frustração e desencanto com tudo


o que estamos vivenciado, mas que conseguem e

sabem usufruir do que ensinamos para continuarem

estáveis em seus compromissos e, inclusive, o mais

importante, buscarem diálogo para mudanças. É por

isso que busco provocar e incitar os alunos a pensarem

de modo mais amplo, não voltando-se para si próprios

apenas, este “si mesmo” que o homem moderno coloca

tão intensamente como importante, mas para o outro

e com o outro, que muitas vezes nos opõe e nos nega.

E nas artes marciais, a oposição/negação é o que

verdadeiramente nos desenvolve.

Discutir, conversar, dialogar sobre temas maiores,

caros a todos nós que vivemos em sociedade, é dever

e também nos esclarece e nos propicia compreender

melhor as angústias que vivenciamos e como assumir

caminhos mais íntegros e saudáveis para melhorarmos

as condições que produzem a nossa vida. Mas, esta

voz que fala por estas palavras, não sendo a voz

comumente que os alunos ouvem de mim em aula,

aqui se fará aparecer mais ostensiva, pois acredito que,

primeiro, ao fazer isso pela escrita, propondo ler, os

faço parar para ouvir. E isso permite ao leitor acurar a

atenção para aceitar ou não a narrativa que coloco por

meio dos textos e o estimular um pouco a olhar além

da trivialidade do cotidiano, ou para ela, caso não haja

nada além e aquém, com um olhar diferenciado.

Segundo, também entendo que, o mais importante

para os alunos, é vir ao ESPAÇO ORIENTAL e se orientar

consigo mesmo e com seu oponente/companheiro/

irmão de treino pelas práticas e desestressar, se divertir

e se desafiar ao mesmo tempo em que aprende e

melhora suas capacidades físicas e cuida da saúde.

E não se desgastar mais com conversas sobre o que

fomos acostumados a sentir como assuntos impróprios

ou inconvenientes. Mas eles, na verdade, assim não

devem ser interpretados. Somos mal acostumados

e nos despolitizamos. Portanto, em especial alunos,

podem entender, se assim preferirem (eu talvez prefira,

inclusive), a voz nestas palavras como um pseudônimo

de seu mestre, como muitos escritores

fazem quando querem falar com um teor

mais denso do que o habitual. Há um

comentário de um escritor moderno

(talvez um dos únicos modernos que

eu goste) que fala justamente sobre

isso:

Tem um lugar em todos nós onde a chuva é constante, as sombras são sempre compridas

e o bosque é cheio de monstros. É bom ter uma voz na qual os terrores desse lugar podem

ser articulados e sua geografia parcialmente descrita, sem negar o sol e a luminosidade

que preenchem tanto a nossa vida cotidiana.

King, Stephen. A metade sombria. Rio de Janeiro, Suma, 2019. Pág. 459.

Significa que usarei desta mídia, de tempos em tempos,

para dar voz a um outro lado meu, que não incomode e

tome o tempo dos meus alunos presencialmente, mas

se lhes apresente. Não sou pessimista e amargo, mas

pessimismo e amargura nos afetam, sobretudo quando

desconhecemos engrenagens por trás desta máquina

chamada mundo que construímos coletivamente

para nele viver. E conhecimento adquirido para nos

tornar saudáveis física e mental e emocionalmente, se

for tratado apenas como mera, e tão somente mera,

autoajuda, só nos torna mais incompletos. Por vezes

perdidos, iludidos com algo supostamente interior que

é somente nosso próprio umbigo.

Ademais estas considerações, quero agradecer a

todos os alunos do ESPAÇO ORIENTAL que seguem

conosco. Que compreendem que

ensinamos práticas de cultivo de

Mestre Marino

saúde e qualidade de vida

visando a autonomia

do aluno. Ensinando

e não adestrando.

Porém, isso jamais se

faz verdadeiramente

sem reflexão de

como podemos,

sendo mais

fortes no corpo e

mente, influenciar,

participar, planejar

e produzir uma

melhoria da vida

coletiva.


FIM DOS TEMPOS

Nesse início de década, de horizonte pessimista,

não querendo ser exageradamente trágico, mas

pragmático (em termos filosóficos), muitos desafios

grandes para uma vida em sociedade em harmonia

devem se mostrar cada vez mais evidentes. A doença

COVID19, enquanto um mal que acontece devido

nossa organização do espaço social, isto é, provocada

pela política, o urbanismo e a arquitetura de um

modo de produzir a vida desigual, desproporcional,

desordenado e portanto injusto, deve perdurar por

longo tempo. Mais uma vez, aqueles que quiserem se

aprofundar um pouco nessa discussão, ao meu ver,

totalmente necessária para um cidadão reflexivo, o

texto que escrevi ano passado “reflexões sobre conduta

marcial em tempos de pandemia”, seguirá

como convite pelo link abaixo .

A sabedoria ancestral nos revela que

“aprender é um tesouro sem peso

que é sempre facilmente carregado”.

Os bons mestres do passado, no

entanto, revelam que conhecer é

poder e ele deve ser usado para

combater injustiça e ignorância. Isso,

em contrapartida, é um fardo muito

pesado. Assim, este texto, que poderia

ser a celebração de um marco de

dez anos de existência do

ESPAÇO ORIENTAL, não

convém ser, ao menos, ao

meu ver, diante do que

todos vivenciamos em

nosso país.

Não posso colocar,

na minha voz, um

sentimento pessoal, de aparente sucesso por dirigir uma

instituição, faz dez anos, ensinando o que somente bem

faz às pessoas, por cima de uma percepção sobre tanto

desgraça que assola tantas outras. Não é uma questão

de moral, é uma questão que considero de civilidade e

de civismo. Tal como muitos dos bons mestres de artes

marciais do passado se pronunciavam, devemos ver a

importância da educação, para a saúde e a harmonia

social.

Outros cidadãos, com semelhante concordância,

assim se pronunciaram. A exemplo, hoje, pós carnaval,

vejo este evento como sendo o mais transgressor

carnaval que o Brasil já teve. As escolas de samba

que não desfilaram, são fiéis ao espírito da festa cuja

transgressão, simbolicamente, está na essência. Se

resguardaram e foram exemplares. Os que “desfilaram”

fazendo aglomerações, recusando as normas de

saúde pública, afrontando as autoridades ocupadas

dessa segurança, esses são os que convenientemente

seguem a “crença” da doutrina neoliberal do nosso atual

governo. O gado que pasta conforme se abre a porteira,

e nada mais importa.

Ironicamente estamos no ano do Signo do Boi,

segundo o folclore chinês. Melhor simbolismo,

impossível. Veremos muito gado pastar. Que não

sigamos a sinetinha no pescoço dos que depreciam a

república e usam da democracia como sinônimo de

direito individual sobre o que for ou quem seja. Cuidemos

para não interpretar o mundo, seus problemas, como

do mundo, e nós e nossos problemas, como nossos.

Assim apenas.

De tal modo, gostaria de propor um convite à reflexão

com esta passagem do filósofo alemão Anselm Jappe,

em obra recentemente publicada:

“A diminuição das atividades poluentes, ainda que parcial e por apenas algumas semanas,

reduziu significativamente as emissões de gases nocivos à saúde e ao planeta. As águas dos

canais de Veneza e da baía de Nápoles ficaram límpidas, e alces passearam por outras cidades

italianas. Cangurus saltaram por ruas e calçadas na Austrália. O ar ficou de repente respirável

em grandes metrópo les que antes sufocavam, e o barulho praticamente desapareceu. Na

Índia, pela primeira vez em décadas, se pôde contemplar os picos do Himalaia a centenas de

quilômetros de distância. Foi com alegria que vimos, por todos os lados, canteiros de

obras fechados. Mesmo que por um breve momento, vislumbramos um mundo

diferente. Será que esse mundo pode durar? Haverá outra saída que não a de

redobrar a loucura, para recuperar o tempo “perdido”?

Jappe, Anselm. Capitalismo em quarentena (Crise &

Crítica) (p. 125). Editora Elefante. Edição do Kindle.


Interessante notar como esta observação parece

flertar com uma contemplação zen sobre a natureza,

percepção esta que compreende que nós da natureza

pertencemos, assim como todos seus outros elementos

por si próprios igualmente. Uma rede cosmológica da

qual podemos falar, agir e pensar como atores, mas

jamais como sendo o palco. O que, equivocadamente,

fazemos hoje nos tempos modernos. Queremos ser

o palco para dar voz às árvores, aos animais, os rios, a

terra, discutindo sua propriedade, valor em termos de

prejuízo menor ou maior. Mas isso tudo se deu voz, se

mostrou quando, agora na pandemia, paramos. O que

jamais aconteceu em nossa história, em que, sequer

mesmo, guerras puderam ocasionar.

É uma verdade, ou um brado dramático e idealista?

Muitos pensadores e pesquisadores sensíveis desde

longa data as mudanças que provocamos no mundo

alertam sobre a repercussão dos males causados por nós

sobre nós mesmos e no planeta. Vozes também pouco

ouvidas, menos ainda reiteradas adiante para sermos

mais reflexivos e alinhados com a vida e a natureza,

sem estas serem reduzidas a uma vida nua, puramente

normativa, ou natureza enquanto propriedade. Como

a médica espanhola María Neira, diretora de Saúde

Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial da

Saúde (OMS) recentemente advertiu, há uma imperiosa

necessidade de que os Governos e os indivíduos

compreendam que a COVID19 é mais uma prova da

perigosa relação entre os vírus e as pressões do ser

humano sobre o meio ambiente, que a mudança

climática deve ser compreendida como um problema

de saúde pública, e não apenas uma questão de

ecologia ou ativismo .

Assim, na decorrência dessa situação que

vivenciamos e que deve perdurar por muito tempo,

descobre-se que, afinal, não se trata de uma pandemia

pura e simplesmente que assola o mundo, e sim de

uma sindemia . Termo este novíssimo, cunhado pela

medicina para compreender a complexidade da

situação, para ir além de uma visão comprometida com

uma ideologia limitante. No entanto, o que filósofos,

como Foucault e Agamben, podem bem nos elucidar

com seus conceitos de biopolítica e biopoder já há

muito tempo consolidados , porém infelizmente, ao

que me parece, pouco referenciados. Seria bom nos

atentarmos à complexidade do mundo em vez de

seguirmos pelo equívoco do óbvio. É fundamental

a interdisciplinaridade se mostrar efetiva nos meios

institucionais, políticos, acadêmicos e nas conversas

corriqueiras entre todos nós.

Enfim, a troca de ideias com a conversação diária

dissemina conhecimento de qualidade. Igualmente, o

praticar o que nos faz bem e se revela saudável, também

nos deve remeter a examinar, no plano coletivo e na

integração com o planeta, como produzir nossa

vida, isto é, como podemos conviver e habitar

mais seguramente. E, o mais importante,

isso implica em ter uma atitude que

não nos coloque no caminho de volta

ao que vivíamos, que é a principal

questão aqui. Que nada seja como

antes, nunca mais. Afinal, nossas

relações anteriores, e que muitos

ainda insistem em manter, nos dirigem

para um caminho catastrófico e infeliz.

Por isso, não comemoro um

passado, ou quantos anos se

passaram como ou com

quem. Mas me valho

e aconselho que nos

valer de saberes que

não devemos deixar

perderem-se,

verdadeiros tesouros.

Espero manter um

olhar neste presente

sempre para

melhorar doravante,

continuando

com o ensino do

autocuidado, que

extrapola


nosso corpo físico, e que deve envolver os praticantes no embate sobre temas que realmente importam. Oras, ser

mais forte e hábil para quê, se não formos pertencer ao mundo com boas ações?

Para nos ajudar nessa tarefa de estarmos no mundo e encerrar, deixarei referência abaixo de mais um pensador,

o filósofo francês Bruno Latour, com seu texto “Imaginando gestos que barrem o retorno ao consumismo e à

produção insustentável pré-pandemia ”, onde, inclusive, o pensador nos convida a um exercício reflexivo com

algumas questões práticas. Tarefa essa, de estarmos por inteiro no mundo e no momento presente, que pode

não lograr êxito, se formos bem realistas, mas que deve, por alguma razão não sei qual (talvez seja essa voz de um

mundo para o qual paramos de olhar e ouvir e sentir) continuar esperançosamente.

Mestre Marino

1 https://medium.com/me/stories/public

2 https://brasil.elpais.com/brasil/2021-02-06/70-dos-ultimos-surtos-epidemicos-comecaram-como-desmatamento.html

3 Dois artigos que abordam o conceito:

https://pauloghiraldelli.com.br/biocapitalismo-e-sindemia-de-covid/

https://pauloghiraldelli.com.br/covid-e-sindemia-os-medicos-chegaram-tarde-ao-que-dissemosno-comeco-de-2020/

4 FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. Martins Fontes, 2010, 269 Pág.

JUNIOR, P.G. Ensaios sobre Giorgio Agamben e outros estudos. CEFA Editorial, 13 julho 2020. 56 Pág.

Edição do Kindle.

5 https://climainfo.org.br/2020/04/02/barrar-producao-insustentavel-e-onsumismo/


Feliz Ano Novo Chinês

Ano do Boi de Metal

Com as sobrancelhas franzidas e rígidas, enfrento os meus inimigos;

Mas, contente e manso, inclino-me para ser boi para as criancinhas.

Lu Xun (1881 – 1936)

O ano novo chinês iniciou em 2021 no dia 12 de

fevereiro e é representado pelo signo do Boi de Metal.

Na primeira edição de nossa revista digital do ano

passado, falei sobre a existência de dois calendários

na China. Além do calendário universal gregoriano, os

chineses também seguem cronometrando o tempo

pelo tradicional calendário lunar chinês, sobre o qual

comentei algumas características, dentre as quais, a

definição simbólica por signos zodiacais.

O Zodíaco Chinês, estabelecendo ciclos de 12 anos

e nomeando um animal para cada ano, associando-o

ainda com outros conceitos, chega ao segundo ano

desse novo ciclo determinado como sendo o ano do Boi

ou Búfalo do Elemento Metal.

De um modo geral, a simbologia sobre o boi

ou búfalo, diferentemente do touro, remete ao

comportamento dócil e obediente, a bondade e a

calma, mas também a tenacidade e a honestidade.

Representa a força pacificadora, mas também a força

conservadora e os chifres a sua invencibilidade. Ainda,

traduz poder conseguido pela dedicação intelectual,

referência quando o boi puxa o arado (esforço) que

sulca a terra (mente) para receber as chuvas fecundas

do céu (conhecimento). Muito convenientemente,

um animal domesticável imprescindível para o ser

humano. Com isso, o caráter sagrado do boi e do búfalo

foi se configurando em várias culturas, para ser servil,

protegido e apenas sacrificado em ritos religiosos

específicos, ou mesmo visto como sacrificador, quando

ele sulca a terra para se receber as bençãos da chuva,

estabelecendo uma conexão entre o céu e a terra com

o homem.

Na cultura grega, da qual somos herdeiros, o boi é um

animal sacralizado. Inclusive, o termo hecatombe deriva

do rito de sacrifício de cem bois. O Deus Apolo tinha

seus bois, que, segundo uma lenda, foram roubados

por Hermes, que conseguiu ser perdoado pelo roubo

oferecendo seu invento, o instrumento musical lira, que

era feita de pele e tendões de um boi.

Em relação à arte da guerra, o uso das partes do corpo

do boi e animais semelhantes foi importante para o

desenvolvimento de uma arma essencial para o avanço

da tecnologia militar, o arco. O famoso arco dos temíveis

arqueiros mongóis era confeccionado como uma peça

inteiriça a partir de um corno de íbex (uma espécie de

carneiro montanhês) ou de búfalo de água e de seus

tendões. O poderoso arco coreano também

deve ao búfalo pelo seu chifre, couro

(cozinhado para se tornar cola), e seus

tendões, que eram limpos e preparados

para se tornarem semelhantes a

fibra de vidro, tal qual é o material

hoje usado para se fabricar os arcos

modernos. Os chifres acumulam mais

energia no movimento de compressão

e os tendões maximizam o acúmulo de

tensão para o disparo da flecha.

Na Ásia oriental, tanto o boi

como o búfalo são respeitados

e irrecusáveis auxiliares

no trabalho campestre.

Especificamente na

China, “boi” é um

termo genérico e os

chineses distinguem

os animais pelas

suas funções ou

suas fases de vida,

como “boi pequeno”

(bezerro), ou “boi de

luta” (touro), “boi de

água” (búfalo), ou

“boi de leite”

(vaca).


Uma espécie bovina muito especial e animal essencial

na cultura tradicional tibetana e do sudoeste da China

é o Yak, uma espécie de búfalo que pode pesar mais

500 kg e ter mais de três metros de comprimento.

O Yak oferece pele, carne e também leite, que se

torna um queijo único e até mesmo serve como uma

mistura para um chá. Como o Yak produz pouco leite,

e a criação de gado se restringe mais nas fronteiras

com a Mongólia, o uso de produtos lácteos e carne

bovina é muito modesto e por vezes inexistente na

alimentação dos chineses, tendo sido inseridos no país

mais recentemente, ao contrário da cultura alimentícia

europeia que nos influenciou. O boi, torna-se assim, um

animal/símbolo sobretudo do mundo agrícola

(lavoura e transporte), e usado de sacrifício

pelos generais para rituais de adivinhação

com seus cascos e pelos imperadores na

época do Culto ao Céu.

Provavelmente, um dos maiores simbolismos para

o boi está na representação pictórica “Boi e Vaqueiro”

ou “As Dez Figuras do Apascentar o Boi”, que serve

de orientação para o caminho da sabedoria no Zen-

Budismo. Trata-se de uma série de 10 desenhos

acompanhados de poemas e comentários que retratam

o esforço na via do praticante da meditação para

a chamada iluminação. Existem diversas versões e

interpretações. Vou inserir aqui dois poemas, referentes

a primeira parte e última parte, traduzidos por Daisetsu

Teitaro Suzuki (1870 – 1966), um estudioso japonês do

Zen-Budismo e outras filosofias orientais, com as quais

contribuiu para serem conhecidas no ocidente, tradutor

de literatura japonesa, chinesa e sânscrita.

Procurando o touro

Sozinho na imensidão, perdido na selva, o rapaz está buscando, buscando!

Águas transbordantes, as montanhas longínquas e o caminho sem fim;

Exausto e em desespero, ele não sabe para onde ir,

Ele só escuta as cigarras vespertinas cantando nas árvores.

Entrando na cidade com as mãos distribuindo alegria

Com o peito nu e os pés descalços, chega ao mercado;

Todo sujo de lama e cinza, com alegria sorri!

Não precisa dos poderes milagrosos dos deuses,

Tudo em que ele toca... Vejam! As árvores mortas estão florindo.

Kakuan Shien foi

um mestre Cha’n (Zen

chinês) do século

XII, a quem atribuise

essa arte sobre o

desenvolvimento no

Zen nas dez figuras

do pastoreio

do boi, os

versos e

prosa.

Originalmente, seriam oito figuras oriundas de uma

formulação anterior, tanto que a oitava é uma imagem de

um círculo vazio, representando o culminar da percepção

da unidade, que é um desaparecimento de qualquer

concepção de si e do outro, e o propósito final do Zen.

No entanto, mestre Kakuan via uma incompletude nesse

ensinamento, e por isso acrescentou mais duas figuras

para demonstrar que o homem superior, espiritualmente,

vive no mundo dos homens comuns, da diversidade, das

diferenças, das oposições, das negações, mas atua para

inspirar à todos as maiores virtudes para

uma vida melhor.

Ou seja, nada começa e termina em

si mesmo, no individual. Estamos no


coletivo e precisamos do outro, senão, não há sentido.

Por isso, coloquei o poema da primeira figura, quando

o jovem vaqueiro (eu/você/nós) está desorientado e na

busca de conhecimento interior, que em verdade jamais

se consegue sozinho. Todas as outras figuras seguintes

podem falar sobre o enfrentamento e esclarecimento

sobre os nossos desejos e necessidades. Mas, o poema,

da última figura, a décima, mostra que vivemos com o

outro ao mostrar/falar sobre entrar na cidade e estar entre

vários, ou entrar no mercado em algumas traduções, que

seria a Ágora grega, a praça pública. O outro deve ser

entendido enquanto negação/oposição que nos faz na

vida em sociedade e que permite que construamos nosso

verdadeiro eu. As relações construídas para um mundo

social mais próspero é possível pelo iluminado pelo fato

dele ter uma percepção mais objetiva de si e do outro.

Essa história pode até ir de encontro com outras

filosofias que nos sejam mais próximas. Ou não. O

importante é a entender como um instrumento

pedagógico e que, iluminar-se não exige uma vida

excepcionalmente diferente. Pelo contrário, acontece

na vida ordinária. Contudo, vida examinada ou refletida,

como Sócrates diria. Entrar na cidade revela justamente a

convivência, no espaço social onde vivemos, a pólis para

se usar da terminologia grega. E o quanto é fundamental

buscar compreender o modo de produzir a vida para

poder se engajar neste mundo de relações para que ele se

torne seguro, saudável, justo e equânime.

Mestre Marino

FONTES:

CHAG, Shiru. O horóscopo chinês: manual completo do zodíaco chinês; tradução de Max

Welcman. São Paulo: MANTRA, 2015.

CHEVALIER, GHEERBRANT. Jean, Alain. Dicionário de símbolos (mitos, sonhos, costumes,

gestos, formas, figuras, cores, números). 30°edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 2017.

DOUBLEDAY, T. SCOTT, D. O Livro de Ouro do Zen - a sabedoria milenar e sua prática.

Rio de Janeiro: Ediouro, 2000. 3° edição. 221 pág.

HORTEGA, M.G. O Boi e o Pastor e a Mística Zen. Revista Teoliterária V. 9 - N. 17 – 2019.

Pág. 243-257.

JANG, D. W. A Arte de fazer Arcos. Disponível em: https://www.ted.com/talks/dong_

woo_jang_the_art_of_bow_making/transcript?language=pt-br#t-50019

SHIEN, Kakuan. As dez figuras do apascentar do boi com comentário e versos.

In: Kapleau, Philip. Os Três Pilares do Zen. Coleção Corpo e Alma.

Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1978. Pág. 313-323.


Workshop Kettlebell Hardstyle

“anyone can swing a kettlebell,

but not everyone knows how to perform the kettlebell swing!”

Pavel Tsatsouline

A proposta deste workshop é aperfeiçoar as habilidades no uso do

implemento kettlebell, ou gyria em russo, praticando os seus principais

movimentos balísticos (swing, clean e snatch) com a técnica hardstyle.

Como pré-requisito, o praticante deverá ter familiaridade com a prática de

swing e clean, que serão refinados em seus passos educativos e praticados em

suas variações (swing com duas mãos e um kettlebell, swing com uma mão e

um kettlebell e swing com duas mãos e dois kettlebells; clean simples e clean

duplo). Em contrapartida, se ensinará o movimento snatch.

Traremos informações a respeito do implemento em termos de sua história,

sobre a mentalidade da escola que seguimos para a prática e os efeitos

benéficos para o condicionamento físico e saúde.

Os participantes receberão orientações visando os tornar capazes de praticar

com autonomia em casa, inclusive com um modelo de treino sugerido. Alunos

praticantes de nossa modalidade de Treino Físico Funcional devem adquirir

mais segurança e conhecimento para aproveitarem melhor os treinos em aula.

Todos participantes ganharão uma camiseta da escola destacando o novo

logo da nossa modalidade de Treino Físico Funcional.

Data:

Domingo, 25 de abril.

Condição:

Ser praticante com experiência prévia com o

implemento (swing e clean):

Turmas e vagas:

1° turma das 10:00h às 12:00h – 8 vagas

2° turma das 16:00h às 18:00h – 8 vagas

Investimento:

Valor do Workshop à vista (pagamento até dia 20

de maio) – R$ 120,00.

Parcelado em 2X de R$ 60,00 – 1° parcela para

abril até dia 10; 2° parcela para maio até dia 10.


www.espacooriental.com.br/

Rua Coronel Francisco Ribas, 1227 - Órfãs, Ponta Grossa - PR.

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