Baleia #2
atualizada com nota em março/2021
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Mulher é mulher, arma de fogo é o cão.
Esse seria sobre a brabeza, a ferocidade de ser
quem ela é.
Sobre o amor e o ciúmes, incondicionais que ela
sentiu.
E ainda sente.
A morte não foi suficiente.
Como defende com unhas e dentes aquilo que
acredita ser seu bem mais valioso.
Até com armas de fogo, caso se fizer necessário.
Ela achou que voltaria e saiu sem levar nada.
Nada não, me tinha nos braços.
Deixou para trás as roupas, as louças, as fotos.
Ela tinha certeza que voltaria, retomaria tudo de
onde parou, do jeito que ficou.
Ela achou que voltaria para a casa, a família e
o lar.
Que encontraria as mesmas paredes, o teto, as
luzes e as torneiras. Exatamente do jeito que
deixou.
Eu poderia falar que meu sangue tem a mesma
temperatura de fervura, e que não tenho medo
de me fazer artilharia. Que o ranger de dentes e
o bater de pés é exatamente o mesmo.
Mas se tornou sobre a sabedoria do verso falado,
do provérbio passado de geração para
geração.
Sobre a boneca de louça que eu carrego no
braço.
Para não esquecer de onde eu vim e lembrar,
todos os dias,
de quem ainda posso ser.
Vinte e dois anos se passaram e fui eu quem
retornou,
sozinha.
As paredes descascadas, sem pia, com azulejos
trincados mas com os mesmos pratos, os mesmos
lençóis, e ainda aqui, as fotos.
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Baleia #2
gisele lima | elas (2020)