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Mulher do fim do mundo
Lua
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação
Lua, Julie, 2021-,
ed.
Mulher do Fim do Mundo/ Julie Lua – 1ª
Praia Grande, SP – Periferia Tem Palavra,
2021
64 p.: 14 x 21 cm
ISBN 978-65-00-16370-4
1. Literatura Brasileira – Poesia l, Lua
CDD – B869.1
Índice para catalogo sistemático:
1. Poesia: Literatura Brasileira
Revisão e Diagramação: Fernandes Oliveira
Capa: Nego Panda
Desenho: Ellen Cassoni
Todos os direitos reservados a Julie Lua
Prefácio
A Lua escreve como se falasse com a gente,
com nosso sentimento de mulher que não se
conforma com o lugar que a sociedade capitalista
nos colocou e que constrói, todo dia, um lugar
diferente, mais inteiro, mais suave, mais leve, mais
alegre, mais empoderado, mais forte, mais, mais e
mais gostoso de viver e de fazer outras vidas...
A poesia da Lua é um grito que depois se
acalma e vira canto, às vezes canto de guerra, às
vezes canto de ninar, quase sempre canto que chama
pra juntar. Juntar sonhos, juntar dores, juntar forças,
juntar dúvidas, juntas letras, formar palavras, criar
poesias e enfim, conquistar o livro!
A Lua não se chama Lua... Ganhou, ao
nascer, o nome de Julie, talvez para que pudesse
provar que podemos reescrever nossa história e se
pra isso for preciso mudar o nome, a gente muda!!!
Ao ler este livro vamos conhecendo várias
possibilidades que a Lua (nova, crescente, cheia,
minguante) vai inventando para SER a Lua e não a
Julie, mas não se assustem se, ao conhecê-la
pessoalmente, descobrirem outra Lua que ainda não
apareceu nos textos, porque ela é assim, pronta para
se reinventar todos os dias.
Relaxe e sinta como os ciclos lunares
envolvem cada poema. Sinta a dor, a revolta, a força,
a altivez, o medo e tantos outros sentimentos que
cada texto traz e fale com a Lua, seja mais uma
parceira dela, nessa aventura de criar vidas dentro
das vidas que se apresentam. Que o prazer seja todo
seu!
Obrigada, Lua!
Professora Vera Aparecida de Oliveira
Lua Minguante ......................................... 8
Manda machão ..................................................9
Mãe no Brasil é um lixo ................................... 11
Mulheres com ódio .......................................... 13
Sobre dor ........................................................ 14
Ufa! Gritar faz bem. ......................................... 16
Na minha alma ................................................ 17
Não sou uma mulher forte ............................... 17
Odiar e amar a maternidade ............................ 19
Lua Nova ................................................. 21
Flor do lixão ..................................................... 22
Solidão da preta .............................................. 23
Mama África .................................................... 24
Eparrey ............................................................ 25
Janaina ............................................................ 27
Maria, A Santa, A Puta .................................... 28
Carolina musa ................................................. 29
Minhas melhores amigas ................................. 31
8 de março ...................................................... 32
Limpeza ........................................................... 33
Frustrações ..................................................... 34
Lua Crescente ......................................... 36
“Ser” mãe ....................................................... 37
Mãe profissão autônoma ................................ 38
Pai tradicional ................................................. 40
No dia dos pais ............................................... 41
Mãe operária .................................................. 42
Para minhas filhas .......................................... 43
Dom ................................................................ 44
Maternagem ................................................... 46
Para meus avós .............................................. 48
Lua Cheia ................................................ 50
Dona barraqueira ............................................ 51
No meio do caminho havia uma pedra ............ 53
Ração Humana ............................................... 54
Nasci puta....................................................... 56
Raimunda é a P.Q.P. ...................................... 57
Cabelos brancos ............................................. 58
Minha laje tem vista pra lua ............................ 60
Lua Minguante
Poesia sobre dor
Manda machão
Manda machão para Raphael (vulgo Maguila)
Manda quem pode,
Obedece quem tem juízo.
Ops! Segue o ditado
Manda quem pode,
Obedece quem tem medo.
O machão dita o que pode
Saia curta, decote,
Boicote!
Lugar de mulher minha,
É dentro de casa e na cozinha.
Na ditadura
Do pode ou não pode
Ele age com censura
E ela muda
Ela é dona da casa
E do lar
Mas ele só faz mandar
Quem manda na casa é o machão
Dessa vez ele a jogou no chão
As crianças ouvindo a mãe apanhar
9
Sem poder ajudar
Oprimida
Ela cede, obedece
Não porque tem juízo
Mas pra apartar a briga
Ela está ferida
No chão da cozinha
Foi espancada
Acostumada a ficar calada,
Acostumada a levar porrada
Foi chorar no quarto de porta trancada.
O machão, com orgulho estufa o peito
Com ele, é tudo do seu jeito!
Ele se sente vencedor,
Dita Dor!
Não tive forças pra me defender
Mas consegui escrever
Esses versos são pra você:
Manda Machão. Mandão!
Você não passa de um CUZÃO!
Covarde
Pensa que é muito homem
E acha que mulher é propriedade
10
Pensa que bater em mim é seu direito
Por que você não me faz gozar de nenhum jeito.
Frustrado,
O todo poderoso Maguila não passa de um fraco
Um machista, opressor de espírito opaco.
(dezembro de 2015 primeira poesia após apanhar no chão
da cozinha)
Mãe no Brasil é um lixo
Mãe é quem faz tudo
É quem acorda
É quem não dorme
É quem nem come
É quem anda a pé pra economizar a passagem
Afim de comprar um agrado,
Um doce um salgado
Chegar em casa cansada depois do trabalho
Sem homenagem, sem aplauso.
Tirar o pacote do bolso e entregar na mão dos filhos
Mãe é aquela que faz sacrifício
Para ver todo mundo sorrindo!
Tá pago, todo sofrimento foi pago
No momento do sorriso.
Em um abraço apertado,
11
Em um desenho rabiscado no papel amassado
Será guardado em uma caixa de sapato
Como se fosse um Picasso!
Toda mãe é artista, malabarista de orçamento
E nem, por um momento,
Diga que mãe é vagabunda
Que vive à custa de pensão
De benefício, de bolsa?
Minha bolsa não tem marca
É sacola de feira que sustenta família!
Absurdo escutar insulto de quem nem sabe a hora da
xepa!
Mãe no Brasil é tratada como lixo
Resquício, sobra
Tipo Ilha das Flores
Inversão de valores
Ofensa vem dos senhores
Aplausos para esses filhos da puta
Amada pátria mãe Brasil
Filhos de mulheres que pariu
Com dor,
Com força
Hoje é tratada como lixo
Pelo estado
Pelo ex que ainda se vê proprietário
Pensão atrasada, armário vazio.
E ela na luta
12
Dona de casa, dona da porra toda.
Mãe enfermeira, professora.
Mãe é doutora, advogada
Em defesa das crias mãe arruma briga
Mãe de periferia tem o coração enorme
Faz almoço de domingo, família reunida
Quer geral em volta da mesa
Cê quer saber?
Pra mim toda mãe é uma Deusa!
Mulheres com ódio
Mulheres com ódio
Ainda amam homens
Mulheres com ódio
Ainda são submissas
Mulheres com ódio
Não controlam as suas vontades
Mas como é difícil não ter ódio
Do seu passado
Das suas feridas
De todas as dores causadas de forma proposital
O hematoma já sarou faz tempo
O sangue estancou
Mas continua doendo
E como não ter ódio de homens
13
Que lhe causaram repulsa
Que te torturam sem piedade
É como ser apoiador do Ustra
É nojento!
Simplesmente inconcebível
Que o ventre feminino seja violado
Ódio dos homens não é pregado
Não levantam a bandeira
Muito se fala em igualdade
Mas eu quero vingança
Carrego ódio em meu peito
Raiva em meu choro
E vingança em meu desespero.
Sobre dor
Se dói escrevo
Arranco a folha do caderno
Amasso o problema
Espremo-me nas linhas
Pra transformar dor em poesia
Versos comprimidos
Pílulas de alívio
Escrevo no caderno
Entre as pautas limitantes
Por onde começa a dor da poetisa?
14
No topo da página
Ou no fim das ideias?
Um cabeçalho mal feito
Rabiscado de qualquer jeito
Um sentimento inteiro
Um poema pela metade
Um verso que não fecha
Onde acaba a dor do poeta?
Nos calos dos dedos?
Ou no cale-se sem letras
Um copo
Um corpo
Em silêncio
Um zumbido
Entre a solidão e o vazio
Oprimo o grito
Escrevo
Já é um vício
Nicotina, tédio
Poesia remédio
Soro na veia do poeta
Dipirona pros males do mundo!
15
Ufa! Gritar faz bem.
Quem cala consente
Quem grita explode
Quem cala engole
Quem grita vomita
Quem engole, come.
E caga!
Quem vomita
Regurgita, expulsa
Depois fica com fome
De engolir palavras ditas.
Que deveriam ter sido
Caladas!
Quem fala
Abre
E quem fecha, alimenta-se
De ódio e morre
Sufocado!
Quem fala chora!
E quem cala?
Também.
Ufa! Ainda bem que gritei.
16
Na minha alma
Na minha alma
Tem trauma,
Tem medo,
Cicatriz grossa que a tatuagem não apaga
Só na cesárea são 7 camadas
Mas quantas peles cicatrizadas revestem a minha alma?
Quantos pontos já não dei?
Quantas feridas não costurei?
Sem morfina,
Sem ajuda,
Sem bisturi!
Rasgada e sozinha me refiz
Matriarca mulher brava que defende a prole
Criar minhas filhas se tornou prioridade!
Não sou uma mulher forte
Sou uma mulher em p-e-d-a-ç-o-s
Juntando os cacos
Refazendo-me diariamente
E ainda que eu seja obrigada
17
A ter muita força pra me manter de pé
O desabamento é inevitável
Sabe aquela frase!
“Eu quero que o mundo se acabe
Pra eu morrer encostada no barranco”?
Sou eu que seguro o barranco!
Sou eu que fortaleço o barraco
Ainda que aos pe-da-ços
Sou eu que sustento todo o peso
De ser mulher
De ser mãe
E por favor, não me chame de guerreira!
Não quero esse título de mulher maravilha
Pois eu não escolhi esta guerra diária
Estou de pé sustentada pelas pernas
Pelos braços,
Mas com o coração abatido, cansado
Que não para de bater
E dispara a cada golpe da vida
Estou aguentando TUDO!
Tentando não chorar
Tentando não desabar,
Não fraquejar
Não desistir,
Mas afinal,
Porque meu corpo insiste em lutar
Em uma guerra sem fim!
18
Sobrevivo sem força e me perguntando,
Até quando eu aguento?
Odiar e amar a maternidade
É um sentimento dual
Carregado no peito
Ora gratidão,
Ora ódio,
Rejeito!
Entre a felicidade e o arrependimento
É questão de momento!
Às vezes é crise de choro no banheiro
Às vezes é desabafo em silêncio para o travesseiro.
É dormir chorando e acordar sorrindo
E no meio da madrugada ainda ter um pesadelo
Sonhar que sua cria está em perigo
É fatídico instinto protetor ativado!
Insônia?
Velha companheira!
A maternidade é frágil
Porém inquebrável
É uma fortaleza sem armadura
19
Ainda que amadora,
Pois só se sabe ser mãe após aprender com os seus erros.
É abdicação e preenchimento
É vazio e multidão
É o coque no alto da cabeça
Um olhar no futuro com um medo presente
Sem a certeza que tudo vai valer a pena
Ela apenas continua…
20
Lua Nova
Renascimento
Flor do lixão
Eu nasci flor do lixão
Que brota fora da estação
Eu era a erva daninha a ser arrancada
A flor do lixo precisa ser podada
No jardim da vida me fiz forte
Não aceitei poda ou corte
Eu era muda
Calada
Plantei muda
De Arruda
Pra espantar a maldade
Me tornei flor de comigo ninguém pode
Criei raiz no chão
Sobrevivi ao inverno e a solidão
A paixão de verão
Na troca de estação
Fui folha seca varrida no chão
Recolhi cada pedacinho de mim
Cada pétala despedaçada
E semeei primavera
Eu nasci Flor
Mas sempre fui tratada como pedra.
Lua para Grazi do @_feminismopoetico
22
Solidão da preta
Sentimo-nos sozinhas
Ainda que acompanhadas
Sentimo-nos sozinhas
Mesmo em dias com a casa lotada
Solitárias!
Muito se fala da solidão da preta
Poucos nos entendem
E os nossos filhos?
São os de mãe solteira!
E talvez por aprender dessa maneira
Passei a me proteger pra caminhar na vida.
Mesmo com um parceiro de um lado
A solidão andava agarrada no outro
Puxava-me pra baixo, andar cabisbaixo,
Procurando na sombra dos meus sapatos uma companhia
Tentei até despistar meus pés
Mudei o caminho, entrei em bares, passei por fases...
Até em baladas eu me disfarcei,
Fingindo ser o que não era!
Mas de nada adiantava
No final da noite lá estava ela!
23
A danada da solidão que não me largava
Insistia em me acompanhar
Ainda que fôssemos distantes uma da outra
Ela de um lado
Eu
sozinha de outro.
Até que deparei comigo
E encarei o medo
O medo de envelhecer sem ninguém
O medo de não amar e ser amada
O medo da vida solitária
Mas foi aí que aconteceu
Demos as mãos,
Fizemos as pazes
Eu e a solidão nos tornamos amigas!
Eu aprendi que não estava mais só
Eu estava em minha boa companhia.
Mama África
Sou alma que venta
Sou raiz que cresce
Sou folha que cai
Sou sol em meio à tempestade
Sou Baobá, sou sagrada!
24
Sou ventre fincado na mãe terra
Nasci raiz
Sou Yá
Mãe
Pai
Estou no céu assim como na terra
Sagrada!
Chora em meu colo um filho
Enquanto abraço outro
Entoo canções de ninar em meu colo
Um doce balanço
Um canto distante
Que toca na alma da mãe África
“Mama África a minha mãe é mãe solteira…”
Eparrey
Pra ser mulher é preciso ter força
Força nas pernas
Pra andar de salto alto
Pra cima e pra baixo
Força
Na hora do parto
Força nos braços
25
Pra carregar a criança no colo
No busão lotado
Força da cabeça
Aos pés
Força a toda mulher
Força
Pra bater perna
Pra bater boca
Força nas coxas grossas
Engrossa
E seja grossa
Quando agirem com desrespeito
Estufa o peito
Impõe respeito
Força nas pernas
De um chute nos bagos
Dos machos folgados
Peço força ao céu em oração
A força vem do trovão
Eparrey Oya
Dai-me forças
Minha mãe Iansã.
26
Janaina
Penteia o cabelo,
Bela sereia
Penteia as madeixas
Encaracola
Assim como concha
Faz onda, marola
Balança o barco
Sacode o marujo
Que presencia a tudo mudo
Tamanha beleza
Sereia crespa
Rainha!
Odoiá Janaína
Dona dos mares
Lava minha alma
Em água salgada
Dona de todos os mares
Acalma minha alma
De todos os males
Na água sagrada
Benze-me e me protege
Dos pés ao Ori
Faz-me sereia
27
Ensina-me a nadar
Onde meu corpo suporte
Arrebentação forte
Ondas gigantescas
Torna-me sereia
Sou filha do mar
Filha de Iemanjá
Maria, A Santa, A Puta
Bendita
Sois voz entre as mulheres
Maldita
Sois vós que tem ódio de mulheres
Bendita
A santa
Maldita
A puta
Bendita
Sois voz de mulher
Mal dita
Sois a voz que a chamam de puta
28
Bendita
É a Bíblia
Mal dita
Na Bíblia
Bendita
Maria
Mal dita
Madalena
Bendita Maria Madalena
Bendito é o fruto do vosso ventre
O Filho de Jesus!
Leia os apócrifos segundo Maria Madalena
Eu escrevo porque dói
Eu escrevo porque estou de saco cheio
Eu não escrevo pra você ler
Eu escrevo pra desabafar
Pra não gritar
Pra parar de chorar
Escrevo pra resistir
Carolina musa
29
Escrevo como Carolina
Um diário da favela
Das cenas cotidianas
Da dor normalizada
Escrevo e vocês aplaudem minha dor quando declamo
Gostam da miséria se alimentam de sofrimento
Por que a dor do outro é algo bonito
Mas eu não escrevo pra vocês
Escrevo pra outras mães
Que estão preocupadas se vão ter mistura no jantar
Escrevo porque tenho ódio dos políticos
Que nesse país promovem
A miséria de mulheres e crianças
Escrever é dizer que estou viva
E que a cada rima, a cada escrita
Honro as minhas!
30
Minhas melhores amigas
Minhas amigas imaginárias, estão apenas nas
linhas e nas páginas.
Minha melhor amiga é a Sophia que sempre me faz
pensar, com seu mundo maluco de filósofos, a história do
coelho e sempre cheia de perguntas e mais perguntas que
pipocam na minha cabeça!
Quando estou sozinha converso com os livros e as
minhas amigas vestidas de personagens me respondem nas
entrelinhas, em diferentes realidades paralelas as minhas,
as questões mais íntimas.
Já sei o que você vai dizer:
-Está ficando maluca com essa ideia absurda de
amizade entre a leitora e a personagem, mas não é de hoje
que tenho essa viagem.
Desde menina que leio romances sobre as
mocinhas, heroínas.
As moças inglesas, irlandesas ocuparam a minha
leitura de cabeceira da adolescência já viajei pela Europa
e fiz várias amizades a Srta. Bridget e Srta. Bloom já foram
minhas colegas de quarto, demos várias risadas lendo
escondidas, me identificava em meio as trapalhadas.
Quase adulta, conheci a jovem jornalista Kika, que
era um pouco estranha um pouco esquisita, mas logo nas
primeiras linhas nos tornamos amigas.
31
Foi assim com outras mulheres também, como a história
de dona Enny e seu bordel, onde eu conheci as suas
meninas da vida. Nessa Vita Brevis, me tornei amiga
íntima de Flória e sua história.
Desde o primeiro momento quando fomos
apresentadas na biblioteca do prefeito, no meu caso na
Porto do Saber, a segurei forte em minha mão, como quem
abraça uma amiga foi o dia que conheci a Lisel, a menina
que roubava livros, menina corajosa, ficamos amigas de
infância na hora!
Acho que toda menina já teve um diário o meu eu
dividia com Carolina, dividimos as dores da maternidade
relatamos nossa realidade uma pra outra mesmo quando
não a conhecia Carolina e eu éramos amigas, tínhamos
hábitos em comum a leitura e a escrita.
Outro dia lhe perguntei:
-É invasão de privacidade ler o Diário de uma
Favelada?
8 de março
Não me dê flores
Eu não quero rosas vermelhas
Manchadas do sangue da desigualdade
Seu buquê
Vem carregado de machismo
32
Não preciso do seu cinismo
Homem que bate
Depois faz carinho
Dispenso seu elogio
Das suas flores eu sou o espinho
(2017)
Limpeza
Já foi o tempo em que eu passava
Um fim de semana arrumando a casa
Já foi o tempo que eu me importava em receber visitas
O tempo é um artista!
Um bailarino
Cada grão de poeira sobre o móvel da sala,
Dançou um balé ao vento até pousar na mesa.
Com o tempo aprendi que louça suja
Era sinal de comida na mesa!
Que cama desarrumada
Era sinal de uma noite bem dormida!
Passei a me preocupar menos com a casa
E mais com a minha família
O que antes era uma casa
Agora é um lar
Bagunçado e feliz!
E se acaso a visita torcer o nariz,
A porta da rua é a serventia da casa!
33
Frustrações
De um tempo pra cá
Tropecei nos meus pés
Tomei uma barra vento
E eu que andava nas nuvens
Bati a cabeça no chão
em sinal de respeito,
Ou consciência?
Briguei comigo mesma!
Frustrei os planos inconcretos
Que se tornaram só projetos
A passarela da poesia
Agora samba na minha cara,
Mas nasci passista
Piso firme no chão
E rebolo com a vida
Que os ventos me tragam mudanças
Que a minha abundância
Se torne constante
É preciso ter peito, coxa e bunda
Pra enfrentar a vida dura
De correr pelo certo
Mas se no final der tudo errado
Não haverá culpados
Pois as frustrações serão absolvidas
E sem desculpa esfarrapada
34
Pois sou feita de farrapos
Sou mulamba, mulambenta
Me refaço dos cacos
Eu não nasci princesa
Rainha, me tornei na boêmia
Entre pódios e tombos
Trilho meu destino
Escrito a mão livre
Entre riscos e rabiscos
A Lua rege o meu destino.
35
Lua Crescente
Família
“Ser” mãe
Ser mãe
é escutar um dia todo de escola
com ouvidos de psicóloga.
Ser mãe
é brincar de detetive
e descobrir se está bem só pelo olhar.
Ser mãe
é saber que tem algo de errado sem nem precisar falar!
Antes dos Uber inventaram as mães
Buscava e levava sem cobrar um centavo
Ser mãe
é como ser gerente de supermercado
Que cuida do estoque ao controle de qualidade
Ser mãe
é ser economista, equilibrista!
Bailarina, mágica e palhaça!
Ser mãe
é ser feita de trouxa
Mesmo sabendo que está sendo enganada
Se fazer de boba só pra ver um sorriso no rosto!
Ser mãe
é ser porteira e vigiar o sono
se preocupando se estão dormindo.
É dar proteção, colo e carinho
Ser mãe
37
é dar lição de moral,
afinal,
Ser mãe
é desenvolver oratória
É falar por horas… e horas...
Mesmo quando eles não estão mais te ouvindo.
Toda mãe é uma garota do tempo
Meteorologista que sempre avisa quando vai esfriar
Mãe sabe de tudo!
Não há nesse mundo o que uma mãe não saiba
E não há profissão que mãe não exerça
De toda família
Mãe é sempre a cabeça!
Maternidade integral
Sem salário
O trabalho escravo de uma mãe
começa antes mesmo do nascimento
Trabalho não remunerado
e pouco valorizado
Sem folga
E no meu caso
sem serviço terceirizado
Sem avó, sem parente, sem amigos
Só eu e meus filhos
Mãe profissão autônoma
38
24hrs por 365 dias
multiplicados pela vida toda
As folgas só nos feriados de conveniência
Pai na Páscoa
No carnaval
Profissão: Ausência
Sem carteira assinada sou mãe autônoma
Especialização doméstica
Lava, passa, cozinha e organiza
E há quem diga que meu serviço não presta
Eu não recebo préstimos
Só julgamentos
Culpas vindas da sociedade
A psiquiatria e a maternidade
Segundo domingo de maio
Feriado
Mas esquece a folga...
Vai pra cozinha!
Lavar prato
Não! Não sou amor incondicional
Tenho momentos de ser irracional
Sou ser humano normal
Que não suporta toda a carga
De uma sociedade que me vê como escrava
Serva dos meus próprios filhos
Julgam os meus gritos
Ainda que de socorro!
39
Pai tradicional
Para fazer um pai tradicional
Você já sabe a receita
15cm de pau
2 trepadas sem gosto
Asse 9 meses no forno
Em banho-maria
Sirva-se de um filho frio
Com porções de ausência
Polvilhe com pensão atrasada a gosto
Deposite o quanto quiser,
Aos que não seguem a receita tradicional
Talvez esses homens tenham comido muito bolo solado
em agosto?
Recheado dessa tradição do abandono,
Justiça seja dita que a receita original foi alterada de uns
anos pra cá
Da prisão pra quem não pari,
Prisão sem ventre para ambas as partes
Eu sugiro que se mude essa receita
E que se sirva presença sobre a mesa
Não apenas aos domingos e feriados
Mas as saídas das escolas e nas quartas de jogo
Que se sirva paternidade como se serve maternidade
Feito arroz com feijão da mãe
Que todo dia é sagrado
40
Mães na cozinha
Tentando inventar novas desculpas
Pra velha receita do pai tradicional.
No dia dos pais
Mãe autônoma podia pegar folga
Mas o folgado não apareceu
Meteu o louco
Disse que não deu
Que tinha compromisso,
Que o dinheiro tá curto
Enquanto a mãe autônoma
Dobra o turno
Pra compensar a ausência
Haja paciência
Pra lidar com descaso
De quem não cumpre
Nem 10% do trabalho
Falta no único dia que era insubstituível
Filho, chama pelo pai
Mãe clama por ajuda,
Do céu!
Céu triste, solitário e chuvoso
Gotas de dor de quem é mãe e pai o tempo todo!
41
Mãe operária
Ofereço vaga de trabalho mal remunerado
Condições de escravo
Lava, passa, faz lição,
Paga carnê de prestação
Sem horário de descanso
Sem sono, sono só se for leve.
Manso,
Almoço e janta só se você mesma fizer
E não se esqueça de ser a última a comer
Dia de folga?
Sábado e domingo
Piada?
O trabalho dobra
Torna-se peão de obra
Constrói casinha
Bate a massa do bolo
Reboca toda lição atrasada
Jornada sem troca de turno
Com direito a ouvir palpite de todo mundo
Como se dentro dela tivesse
Uma caixinha de sugestões
Que não serve pra nada!
Ninguém pode ensiná-la a fazer seu trabalho
Sua tarefa é só sua, sem salário.
Trabalho pesado, operário.
42
Da base de marmitex até o topo da construção
Benefício no máximo a pensão
Isso quando não atrasa
Fica retida direto na fonte,
Mas contratam-se mães operárias.
Cada uma é de um jeito
Uma é raio
Outra é trovão
Uma é bom dia, alegria,
Felicidade matutina
A outra explosão
Fúria, raiva, mau humor
Tempestade em copo d'água
Uma é menina em forma de revolução
Armada de livros, argumentos
A outra é carinho aconchego
Uma é só preocupação,
Enquanto a outra é nem te ligo
Só quer saber dos amigos, do crush!
No meu tempo era ficante
Agora é crush no portão
Para minhas filhas
43
Do tempo que me jogou na cara,
Todo o trabalho dado aos meus finados avós
Hoje me vejo como em um espelho
Meus acertos, meus erros, até meus defeitos
Estampados em cada rostinho travesso
Em cada cacho do cabelo delas está uma volta que o
mundo deu
Em cada cabelo branco meu, está uma noite mal dormida
Em cada sorriso,
Em cada conquista delas está o meu amor
Para minhas filhas
Quanto cansaço,
Quanta luta
E quantos fracassos,
Retrocessos e pequenos progressos.
Quanta vontade de explodir com ele
quando me desobedece.
Ele apronta e afronta,
Coloca-se em perigo,
Dá vontade de chorar
De soltar o grito,
mas seguro, respiro e me acalmo
compreendo que a adulta sou Eu!
Dom
44
E que ele precisa da minha compreensão,
que seu mundo é diferente,
e que ele não entende os problemas.
Não importa se eu tenho mil contas na cabeça,
Mil problemas,
Preciso respirar e resolver todas as demandas,
Inclusive as dele
Dias de consulta:
acordar cedo, começa a briga
pra colocar a bermuda, pra arrumar o quarto
e ainda pegar ônibus lotado
pra chegar e ficar sentado.
Não é fácil, não é confortável.
Nem pra ele nem pra mim, mas não tem jeito
a única saída é continuar o tratamento,
é buscar outras alternativas
as mais criativas pra parar a “birra”
vale tudo na hora do “chilique”
que na verdade é crise
Vale pagar mico no meio da rua
imitar a Chiquinha chorando
Mesmo que todo mundo esteja olhando
Talvez se eu não tiver medo de parecer ridícula
Ele se identifique e me abrace
Vale tentar o abraço
ainda que receba um chute um empurrão
Vale dar uma bronca chamar atenção
45
Em particular, nunca em público
O único que me é importante é meu filho
Vale tudo!
até o subornar em forma de recompensa
sem que ele perceba quando me obedeça
Vale tudo!
Só não vale desistir
porque se tem alguém que vale a pena
É esse ser especialmente escolhido
pra ser meu amado filho.
E ainda que às vezes eu me irrite
Com ele em meio às crises
Vale muito a pena ser mãe do Dominic
Maternagem
Ninguém nasce mãe
Nascemos filhos
E por mais que se brinque de boneca
Não se nasce materna
Não se aprende a ser mãe na gestação
Tão pouco ao nascimento
Adolescente eu pari cedo
Éramos duas crianças
Depois três, quatro
Eles em meus braços
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Eu sozinha
Nem assim me sentia mãe
Me sentia responsável!
Responsabilidade de adulto nas costas de uma garota
Tive mais filhos que não gerei em meu ventre
Eles foram chegando já vieram prontos
Cada um à sua maneira
Fui mãe de menino de rua
Filho do crack, de lar desfeito
Abracei Paulo mesmo com seu jeito arisco de menino
arredio
Fui mãe da filha rejeitada
Indaiá a garota espevitada que sempre me procurava
Um colo, uma palavra...
De mãe
Fui mãe adotiva
Mãe da vizinhança
Tenho muitos filhos
Pari apenas três
A quarta morreu no parto
Filha de outra barriga vi seu sofrimento
Fizemos força junta
Mas nada adiantou
Catarine não veio
Eu achei que era castigo
Ser mãe não é fácil,
É aprendizado
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Ninguém nasce pra ser mãe
Se aprende a maternidade
Para meus avós
Sinto falta dos meus avós,
Sinto falta do aconchego e dos seus cheiros
Sinto falta de ser tratada como criança
Parece que o mundo sabe
Que não há colo ou conforto para a saudade,
Pros arrependimentos
Parece que todos sabem
Que estou sozinha nesse mundo
Volta e meia me deparo com a solidão,
A tristeza é tipo crisântemo velho
Morrendo que me assola
A dor de não ter mais a casa da vó
De ser mais um apartamento alugado,
O que antes exerceu o matriarcado
Da senhora corcunda baixinha
Com a risada inconfundível
Saudades dos almoços em família discutindo política,
Saudades até das brigas!
Que nesse mundo hostil em que eu fui trazida
Que eu honre aqueles que sempre me deram acolhida.
Que não me falte respeito à mesa,
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Pois aprendi com a minha eterna guerreira.
Esteja onde estiver
Eu peço aos mentores
Que façam chegar essa mensagem
Em forma de acalanto
E lhes garanto
Sua neta e suas bisnetas ainda vão lhes dar muita alegria
O que um dia foi choro em outro plano é motivo de amor
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Lua Cheia
Força
Dona barraqueira
Chamam-me de briguenta
De marrenta
De folgada
Se pá a braba
Mas para pra pensar?
Se é briga ou se é luta a minha conduta
Ainda que eu seja descredibilizada
Tirada de otária
A minha postura jamais será questionada
É o certo pelo certo como 10 e 10
São 10 filhos no barraco com fome
E 20 olhos esbugalhados
À espera de um milagre!
Como acusar a criança que rouba comida
A chamando de bandida?
Meto-me mesmo na briga
Sob olhar fuzilante do inimigo
Eu oro para não ficar mais uma vez de luto
Eu luto, sou resistência no front e armada,
Disparo a palavra carregada de conhecimento
Bala perdida só atinge os meninos!
São crianças já estão feridas,
Pela fome,
Pela dor,
Pela ineficiência do Estado,
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E quer que os meninos abaixem a cabeça?
Não chamo homem de farda de senhor
Senhor é Deus!
A sua autoridade segue fardada de arrogância
E ao contrário do seu pensamento chucro
Essa preta aqui tem intelecto
Isso é salvo conduto de quebrada
Argumentação e conhecimento!
-Aqui não tem elemento suspeito, tem é racismo!
Só vejo um menino pobre e preto!
E antes que peça meu documento
Te aviso a minha passagem é literária
Meu trabalho é espalhar poesia
Sou mãe preta, escritora, poetisa sonhadora!
Sou Arte Educadora
E não precisei sair daqui pra me sentir vencedora.
Minha luta não tem farda, prêmio pódio ou medalha!
Enquanto alguns matam eu salvo.
Com as respostas sempre prontas pra bater de frente
Com quem me aponta e diz:
-Oh lá! Lá vai a barraqueira, justiceira desse fim de
mundo!
Apenas sigo Colorindo a Quebrada com Poesia
Onde as minhas crias
São como passarinhos com as asas machucadas.
O amor os libertará!
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No meio do caminho havia uma pedra
Pedras no plural
Afinal, tem tantas pedras no meio do caminho da
periferia.
Uma rua sem asfalto,
Quase sem luz e esgoto a céu aberto
Uma rua de pedra,
Luz só com gato no fio
Ratos no chão
Correndo de uma pilha de lixo pra outra
Sem meios caminhos,
O jeito é sobreviver no meio do entulho
Morador do fim do mundo
João, menino da ruela
Não viu mal em atirar uma simples pedra
Contra uma janela, em forma de protesto
Inspirado em poetas marginais periféricos
Gritou:
AS PEDRAS NÃO FALAM, MAS QUEBRAM
VIDRAÇAS!
Ouviu-se um boom em meio a viela
E a voz do poeta ecoou na favela
Um eco vindo do disparo, arma, fardado e despreparado
Atingiu o menino
E antes que a pedra pesada cumprisse seu destino
A leve bala acertava seu alvo
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Negro!
João caiu no meio do caminho
O projétil no chão foi recolhido
O menino foi morto na rua de pedras
Antes fossem só as pedras no meio do caminho
São as balas perdidas que sempre têm o mesmo destino
Genocídio
De menino
Preto
Morador de favela
Já a pedra?
Essa desviou seu trajeto
João morreu inocente
Sem ter quebrado a janela
Ração Humana
Cheguei ao açougue e perguntei:
-Hey! moço! Qual a carne mais barata do mercado?
Ele respondeu:
-A sua, mulher, preta, pobre.
Olhei assustada pra ele
Mas me dei conta que o açougueiro
Falava a verdade,
Estampado na vitrine PROMOÇÃO!!!!
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Peito cinco contos
Compre um e leve dois
Lombo de Mulata com 50% de desconto
Aproveite amostra grátis
E meta a mão sem permissão
Outros cidadãos entravam no açougue e pediam:
-Me vê uma loira de buceta Rosa pra viagem.
-Eu quero uma morena do tipo exportação hein, capricha!
-Irmão me serve aquela Asiática coberta de molho shoyu.
Fui ficando com nojo
Ânsia
Vômito
Passando mal com tanto racismo, misoginia e machismo.
Queria golfar feminismo.
Vomitei palavras obscenas
Peguei o cutelo
E agora eu sou açougueira
No país que mulher vira comida de cachorro
Tratada como ração
Eu me faço voz da revolução
De Maria Navalha
A Maria Bonita
Eu seguro no facão
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Nasci puta
Puta que o pariu
Pariu com força
Nasce uma f.d.p. no hospital de Santo Amaro
Eu nasci filha de pobre preta
E filho de preto é doado
Essa f.d.p. sem pai
Merece um destino melhor que o da mãe
Puta azar
Zica!
Família adotiva racista
Segue as estatísticas
Molestada na infância guarda rancor
Adolescente revoltada
Cresce e quer tocar o terror
Puta com a vida eu queria ser bandida
Mas vejam vocês,
Eu a f.d.p. engravidei aos 16
Não queria casar
Fui obrigada mesmo sem gostar
Casamento arranjado
No cartório, tudo legalizado
Eu me senti puta por hereditariedade
Eu era apenas uma propriedade
Pra uso pessoal do marido
Sistema opressor versus oprimido
Fiquei puta quando ele me agrediu
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Mandei tudo pra puta que o pariu
Pedi o divórcio
Disse:
Não tenho mais sócio
Nasci puta sim
Mas sou dona de mim!
Raimunda é a P.Q.P.
Tem gente que me vê e olha só a bunda
Gente rasa, pouco profunda
Afundada em preconceito
Eu sigo do meu jeito
Afinal a bunda não fala, não pensa
Enquanto essa gente tola que só inventa
Fofoca mexerico
Eu imponho meu respeito
Trago no peito
Orgulho
Peito de mãe e não de aço
Peito materno, periférico
Enquanto me veem Raimunda
Eu ganho o mundo
Em silêncio, mudo o rumo dos meus passos
Onde a poesia ganha destaque
Os olhares se voltem pra alma
E a bunda não seja mais um objeto de desejo
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Em meios poéticos eu me vejo
Enxergo-me
Admirável poetisa!
Cabelos brancos
Quando deixei de pintar meus cabelos
As pessoas notaram
Olharam-me
E vi em seus olhos
Não gostaram!
Quando deixei de pintar meus cabelos
Não recebi elogios nem comentários
Apenas olhares diretos
E nada discretos
Às minhas raízes Brancas!
Um ar de reprovação
Como quem diz: fios brancos sinal de desleixo
Mas quando deixei de pintar meus cabelos
Olhei-me mais no espelho
Deixei de pintar meus cabelos
Não me senti mais bonita
Tão pouco me senti feia
Eu me senti inteira
Plena e satisfeita
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Dos fios brancos desprovidos de pigmentação natural
E não coloridos de forma artificial
Senti-me à vontade
De não preencher espaços com tinta
Ainda que a ausência de cor no topo da cabeça
Não se reflita nos pelos pretos pubianos
Ainda que sejam apenas brancos no topo da cabeça
A cor dos cabelos, a quantidade de pelos
Torturavam-me em vaidade
O machismo me ditando o que é certo
E o que é proibido!
Como uma cor me torna vadia?
O branco me fez senhora da noite pro dia?
Quando deixei de pintar meus cabelos
Não me tornei uma mulher mais velha
E quisera eu ter me tornado mais sábia
Pela cor dos meus cabelos
Mas quando deixei de pintar meus cabelos
Eu apenas me tornei liberta!
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Minha laje tem vista pra lua
Consigo ver as estrelas
Sobre paredes de concreto
Consigo colocar os pés lá em cima
E andar no espaço
Minha laje tem vista pra lua
Enquanto a atmosfera terrestre me prende
Minha casa vaga
Paguei pela casa ocupada
Mas não comprei a terra
Parcelei as estrelas!
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Agradecimentos
Agradeço a todas as mulheres que fazem parte da
minha vida a começar por minha vó, por todas as broncas,
por todas as brigas agradeço por nunca ter desistido de
mim e também as minhas filhas que são minha maior fonte
de amor e ao Dom que me faz levantar e lutar todos os
dias, aos filhos que não saíram da minha barriga agradeço
por estarem e serem presentes. As minhas amigas que
tanto me incentivaram, agradeço a Camila Queiroz, Bruna
e Natália obrigada por estarem ao meu lado me
encorajando e me dando forças, as minhas primas do
coração Leila e Letícia obrigado por estarem no meu
caminho e serem a família que escolhi para estar ao meu
lado. A Geórgia e Magui agradeço por terem acreditado
em mim, a minha psicóloga Isabel por ter me ajudado nos
momentos mais difíceis agradeço por toda paciência e
carinho. A professora Vera e Dona Mazé agradeço por
estarem no meu caminho, pois a história de outras também
me traz forças pra continuar lutando.
Agradeço as profissionais de saúde e serviço
social que passei a Letícia e a toda equipe do CRAS, a
Kelly da USAFA Caiçara e a Chocolate e toda sua equipe,
Heloísa do CREAS que me incentivou a escrever, a Izilda
e Dra. Bruna e toda equipe CAPS I, principalmente, a Dra.
Lauanda e a diretora Sandra que me acolheram esses anos
todos meu sincero muito obrigada!
Agradeço as mulheres que só conheço pelos livros,
a Carolina um agradecimento especial por ser inspiração e
dizer pra toda favelada sonhar que ela pode sim, ser
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escritora! Agradeço às Yabas por iluminarem meu
caminho.
Berta Lutz diz que nunca haverá paz no mundo
enquanto as mulheres não ajudarem a criá-la!
Agradeço a todas as mulheres que lutam por outras
mulheres: Marah Mendes, Verônica, Hanna, Vilene,
Simone, Tainara, Meduza, Camila Chinua, Diez,
Fernanda, Luana, Luciana, Maria Sil, Marina, Nil, Iara,
Jennifer, Kelly, Sarah, Dona Cida, Marina, Baixinha,
Dona Ludimar, Rosa Formigueiro, Simone cunhada,
Jéssica, Tamires, Dona Edite, Dona Glória, Neide,
Creuza, Roberta Brito, Ana Micelli, Nanny do movimento
ELA, Nicole, Ana Fontes, Meire D'Origem, Preta Ari,
Dona Sueli e Thayane, Cintia, Bete Nagô, Regina
Steffani, Thais, Anita, Luna, Patrícia, Sheila Pegásos,
Isadora, Ornella, Flávia, Juliana, Dra Amanda, Ângela,
Dulce, Roseli, Bernadete, Cris, Alieth, Gabitopia, Sandra
do Folha Verde, Andreia MF do coletivo mães do cárcere,
Jackie e ao coletivo Louva Deusa, Luz do coletivo Mães
na Luta, Tatti Gallan, Mônica, Lara, Giovana, Carol,
Luiza, Dida, Débora, Marielle, Tereza e a todas mulheres
do PSOL a Thelma do PT e a Dona Lúcia, Glauce, Patrícia,
Santana, Patrícia, Geampaulo, Ana Cristina, Professora
Cachina, Arlene e todas as mulheres da esquerda feminista
e principalmente a todas as mulheres do Esquerda
Feminista de Praia Grande minha imensa gratidão!
Nunca se esqueçam a Revolução Será Feminista!
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Julie Lua, 30, arte educadora, poeta,
escritora, mãe de 3 filhos, estudante de
serviço social, autora do livro Contos da Lua
(Periferia tem Palavra), participante das
antologias: Gotas de Vinagre vol.3 (Periferia
Tem Palavra), Erupções Feministas Negras
(Coletivo Louva Deusas), Elas e as Letras
Diversidade e Resistência (Editora Versejar).