Monografia - Expressões Subjetivas dos Conflitos Escolares - Assembleias Escolares Valores Pró-sociais e Relações Dialógicas
Minha monografia em Psicologia.
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Faculdade de Ciências da Educação e Saúde – FACES
Curso de Psicologia
Expressões Subjetivas dos Conflitos Escolares - Assembleias Escolares, Valores
Pró-sociais e Relações Dialógicas
João Lucas Vale Giffoni
Brasília-DF
Julho de 2021
ii
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde – FACES
Curso de Psicologia
Expressões Subjetivas dos Conflitos Escolares - Assembleias Escolares, Valores
Pró-sociais e Relações Dialógicas
João Lucas Vale Giffoni
Projeto de monografia apresentado à
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde
do Centro Universitário de Brasília, como
projeto do trabalho de conclusão do curso de
Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Luciana de Oliveira
Campolina
Brasília-DF
Julho de 2021
iii
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde – FACES
Curso de Psicologia
Folha de Avaliação
Autor: João Lucas Vale Giffoni
Título: Expressões Subjetivas dos Conflitos Escolares - Assembleias Escolares, Valores
Pró-sociais e Relações Dialógicas
Banca examinadora:
___________________________________________________________________________
Professora orientadora: Profa. Dra. Luciana de Oliveira Campolina
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Valéria Deusdará Mori
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Luciana Câmara Fernandes Bareicha
Brasília-DF
Julho de 2021
iv
A João Paulo II,
Defensor da vida e da dignidade humana,
Amigo de todos os povos e nações
v
Agradecimentos
A Jesus Cristo, Sabedoria Eterna e Encarnada. Desde sempre, Filho bem-amado do
Eterno Pai. A partir da encarnação, Filho diletíssimo da Santíssima Virgem Maria.
A Jesus Cristo, meu Amor, meu único e grande Amigo.
À Santa Igreja Católica Apostólica Romana. À Igreja, Construtora da civilização
ocidental. À Igreja, que gerou os primeiros cientistas, os primeiros hospitais e foi a primeira a
declarar Direitos Humanos Universais e a dignidade e sacralidade de toda pessoa humana.
À Igreja, a qual criou as Universidades, pela oportunidade de ser universitário.
A Santo Tomás de Aquino, o Doutor Universal. A Santo Tomás, por articular o melhor
da Filosofia Clássica com o melhor da Patrística, especialmente Aristóteles e Agostinho.
A Santo Tomás, pela filosofia das virtudes, caminho para o aperfeiçoamento humano.
A São João Paulo II, poeta, ator, atleta, padre, papa e filósofo. A João Paulo II, por
extrair o melhor da Filosofia Contemporânea, a Fenomenologia e o Personalismo.
A João Paulo II, marcado pelo sofrimento, sempre sabendo dar respostas de Amor.
A Santa Edith Stein. A Edith Stein, assistente e discípula de Husserl, fundador da
Fenomenologia. A Edith Stein, primeira mulher doutora em Filosofia na Alemanha.
A Edith Stein, pelo desejo de conhecer a Verdade sobre a pessoa e o Sentido da Vida.
Ao Prof. Dr. Fernando Luis González Rey. A González Rey, pela sua vida e obra. A
González Rey, por continuar e aprimorar com maestria a visão sócio-histórica e cultural de
Vigotsky, enriquecendo a visão da pessoa a partir da Subjetividade e da Complexidade.
A González Rey, por sua fortaleza e energia vital, inspiração para meus professores.
À Profa. Dra. Albertina Mitjáns Martinez. A Mitjáns Martinez, companheira e
continuadora da obra de González Rey, com contribuições admiráveis na Educação.
À coordenadora Profa. Simone Roballo. À Simone, pela excelência com a qual
conduziu o curso de Psicologia do UniCEUB, logrando prêmios e reconhecimento nacional.
À Simone, pela sua firmeza e prudência e por ter me gerado profissionalmente.
vi
À atual coordenadora e minha orientadora, Profa. Dra. Luciana de Oliveira
Campolina. À Campolina, por me acompanhar desde o início da graduação e ter sido grande
motivação para eu escolher tanto a Teoria da Subjetividade quanto a Psicologia Escolar.
À Campolina, por me acolher em momentos difíceis e viver um autêntico humanismo.
A todos meus professores da faculdade. A meus professores, aos quais agradeço seus
notáveis conhecimentos e também as relações que estabelecemos, trocas e compartilhamentos
que fizemos. Aos professores que me deram feedbacks e me acolheram ao longo do curso.
A meu colega de turma José Victor Silva Cantanhede. Ao José em particular, por me
ter apresentado as Assembleias Escolares, que mudou completamente minha Monografia e
visão de mundo. Ao José, por seu empenho em ajudar e contribuir nas Monografias de vários
colegas, nos enviando conhecimentos valiosos.
A todos meus colegas de turma da faculdade. A meus colegas, que me ajudaram nas
matérias, mas também na minha contínua construção enquanto pessoa e profissional. A meus
colegas, que me permitiram participar de suas vidas e enriqueceram muito a minha.
A todos meus colegas e professores do Ensino Médio e Fundamental. Alguns já
reencontrei, outros agradeci pessoalmente, outros não mais vi. A meus colegas e professores,
essenciais no meu desenvolvimento humano, subjetivo, e também na minha escolha pela
Psicologia e pela área Escolar.
A meus pais Luis Renato e Theresa Elvira. A meus pais, bases, pilares de toda a minha
vida e formação biológica, social, emocional, intelectual e espiritual. A meus pais, gratidão
eterna pelo dom da vida.
A todos que se empenham em construir uma autêntica Cultura da Vida e Cultura do
Encontro. Uma Educação para Valores e para as Virtudes. A todos que reverenciam a pessoa
humana em sua riqueza infinita e dignidade inviolável.
A todos meu obrigado do mais profundo de meu coração e minha alma.
vii
Apelo ao homem que se tornou o corpo da história
(Wolanie do czlowieka, który stal sie cialem historii)
Eu te invoco e te procuro, homem
Coração e alma, desejo, dor e vontade
O homem no qual se encontram
Do homem a profundidade e o vértice
Cujo íntimo não é peso, nem treva,
Mas somente coração
Homem chego sempre a ti
Indo ao encontro de cada coração, de cada pensamento
Procuro ao longo da história o teu corpo
Procuro a tua profundidade.
trechos do poema de João Paulo II,
o jovem polonês, ator e autor
de poesias e peças de teatro,
Karol Wojtyla.
viii
Sumário
Introdução...................................................................................................................................1
Sociedade em Pandemia: impactos no contexto educacional.........................................1
Conflitos e Violência......................................................................................................2
Violência Escolar no Mundo..........................................................................................7
O Cenário Brasileiro no manejo dos Conflitos e Violência Escolar.............................10
Práticas Pedagógicas Inovadoras..................................................................................13
Assembleias Escolares no Brasil: Ênfase no Protagonismo Juvenil durante o Processo
Educacional em curso...............................................................................................................13
Práticas Pedagógicas Inovadoras em Perspectiva Crítica.............................................15
A importância dos Valores Pró-sociais e a constituição da Subjetividade....................19
Teoria da Subjetividade.................................................................................................21
Processos humanos...........................................................................................21
Processos dialógicos.........................................................................................22
Relações dialógicas..........................................................................................23
Caminho Dialógico para a Construção de Resoluções de Conflitos prevenindo a
Violência Escolar......................................................................................................................25
Objetivo Geral..............................................................................................................26
Objetivos Específicos...................................................................................................26
Justificativa...................................................................................................................26
ix
Método......................................................................................................................................30
Participantes.................................................................................................................31
Procedimentos Éticos...................................................................................................31
Instrumentos.................................................................................................................32
Cenário Social da Pesquisa..........................................................................................33
Processo de Construção e Análise das Informações....................................................35
Análise e Construção das Informações.....................................................................................38
Construções a partir da análise documental..................................................................38
Análise das dinâmicas conversacionais........................................................................43
Pré-pandemia - pós-pandemia...........................................................................44
Relação com a tecnologia, professores e alunos...............................................47
Relação professor - professor e valores............................................................50
Relação professor - aluno e valores..................................................................51
Relação aluno - aluno e valores........................................................................54
Estratégias socioemocionais para o campo virtual...........................................61
Situações de conflito e Assembleias Escolares.................................................64
Conclusão..................................................................................................................................71
Considerações Finais................................................................................................................76
x
Referências ...............................................................................................................................78
Apêndice A ..............................................................................................................................90
Apêndice B ...............................................................................................................................91
Anexo A ...................................................................................................................................93
Anexo B ...................................................................................................................................94
Anexo C ...................................................................................................................................97
xi
Resumo
A escola está passando por mudanças e tendo que enfrentar várias questões da
pós-modernidade, entre elas a pandemia Covid-19. Essas mudanças geram conflitos os quais
podem se tornar violências. Uma boa experiência de resolução de conflitos são as
Assembleias Escolares, as quais promovem valores como diálogo e cooperação. A partir do
olhar da Teoria da Subjetividade, as relações dialógicas se evidenciam como importante
espaço através do qual as pessoas podem produzir e expressar seus sentidos e configurações
subjetivas. O estudo visou compreender as expressões subjetivas de professores sobre os
conflitos existentes na escola, as relações e os valores presentes nesse ambiente. A partir do
método construtivo-interpretativo, foi possível formular indicadores, hipóteses e fazer
construção teórica sobre as relações entre professores e alunos. Os professores participantes
prezam pelas relações interpessoais com os próprios colegas profissionais e isso reverbera nas
relações entre os alunos, favorecendo um bom clima emocional em toda a escola. Foi possível
analisar também os tensionamentos entre a tecnologia e as relações humanas. Além disso, a
pandemia teve grande impacto nas subjetividades individuais e sociais (a pesquisa foi
realizada na pandemia, de Abril a Junho de 2021). Os participantes utilizaram seu potencial
criativo para construir estratégias pedagógicas e socioemocionais para o campo virtual.
Estratégias como música, jogos virtuais, grupos de aplicativo de mensagem etc, as quais se
revelaram eficazes para melhorar as relações no espaço escolar e para lidar com situações de
mediação de conflitos.
Palavras-chave: Psicologia Escolar, Psicologia Educacional, Assembleias Escolares, Teoria da
Subjetividade, Conflitos escolares.
Atualmente, na pós-modernidade, o modelo medieval e posteriormente moderno da
escola (chamado modelo tradicional) está se desestabilizando. Woods (2008) demonstra que o
espaço físico da escola e sua organização tem origens no período medieval. Kelday (2021, no
prelo) analisa a escola pós Revolução Industrial e identifica como a educação passou a ser
guiada por uma lógica industrial e mercadológica. Kelday (2021, no prelo) afirma também
que esse modelo tradicional atualmente está se desestabilizando. Muitas mudanças na
sociedade e no mundo estão acontecendo. Algumas delas tendo iniciado no século XX.
Entre essas mudanças estão as novas tecnologias (Alves, 2016; Body-Gendrot, 2002;
Santos & Oliveira, 2009; Zluhan & Raitz, 2014), a relativização dos valores e tradições
(Fanfani, 2000; LeVasseur, & Tardif, 2004; Zluhan & Raitz, 2014), o sentimento de não
pertencimento a um grupo social de referência, o individualismo (Santos & Oliveira, 2009), a
necessidade de satisfação imediata, as transformações familiares (Amorim, 2019; Peralva &
Sposito, 1997), as novas concepções sobre infância e adolescência (Fanfani, 2000; Zluhan &
Raitz, 2014).
Sociedade em Pandemia: impactos no contexto educacional
A presente pesquisa foi realizada durante o período pandêmico, de Abril a Junho de
2021. A partir de 2020, um fator marcante é a pandemia Covid-19 do novo Coronavírus
(SARS-CoV-2), a qual fechou escolas do mundo inteiro (Schmidt, Crepaldi, Bolze,
Neia-Silva, & Demenech, 2020), obrigando os profissionais escolares a se reorganizarem.
Escolas do mundo inteiro ficaram sem aulas durante determinado tempo, em 2020 e 2021.
Houve uma brusca ruptura em Março de 2020 com o fechamento das escolas (Schmidt et al.,
2020). Elas porém foram se reorganizando e retornando em modalidade remota (virtual),
híbrida (parte virtual e parte presencial) ou presencial (em apenas alguns lugares e momentos
nos quais se permitiu) (Zimmerman et al., 2021). Zimmerman e colaboradores (2021)
2
descrevem essa reorganização escolar, que demorou semanas ou meses em determinadas
regiões e momentos epidêmicos. A pandemia gerou um enorme impacto socioeconômico e
afetou de forma destrutiva a aprendizagem escolar (Unicef, 2021). O ensino remoto
emergencial, principal formato escolar na pandemia, permitiu a continuação do processo de
aprendizagem, porém com vários tensionamentos e problemas de ordem socioeconômica e
educacional (Moraes, Barros, Araújo, Silva, & Negreiros, 2020). Dados da Unicef mostram
que os efeitos são mais desastrosos na América Latina e Caribe. Essas regiões concentram o
maior número de crianças e adolescentes “que perderam um ano escolar de educação
presencial no mundo” (Unicef, 2021, par. 1). Dentre os efeitos desse fenômeno, a organização
destaca: perdas na aprendizagem e no bem-estar de crianças e adolescentes, aumento das
desigualdades sociais e vulnerabilidade social para crianças sem condições de acessar o
ensino remoto, crianças e adolescentes mais vulneráveis às violências familiares ou
domésticas. A organização destaca também o importante papel que o espaço físico da escola
tem, proporcionando serviços de saúde e alimentação para os alunos, os quais também foram
dificultados com o fechamento (Unicef, 2021). Além desses fatores, Guilherme, Becker e
Cheron (2020) evidenciam o impacto psicológico da pandemia, com fortes implicações
emocionais nas pessoas. Nesse sentido, os autores afirmam que a escola pós-pandêmica deve
ser também um espaço de cuidado e acolhimento.
Todas essas mudanças adentraram a escola. A escola está tendo de manejar essas
situações, as quais se chocam com o modelo, os valores e a organização tradicional dela.
Além disso, a lógica da escola vai de encontro com a lógica dos jovens, adolescentes, crianças
e famílias atuais. Há um choque de mentalidades, concepções e desejos, o que gera conflitos.
Esses conflitos podem se degenerar, degradar, corromper e tornarem-se violência (Martins,
Machado, & Furlanetto, 2016; Zluhan & Raitz, 2014).
3
Conflitos e Violência
Há uma distinção entre conflitos e violência. Os conflitos são naturais, frutos das
interações humanas na sociedade. Os conflitos sociais se expressam nas relações e surgem
quando “duas ou mais pessoas ou grupos manifestam a crença de que têm objetivos
incompatíveis (Kriesberg & Dayton, 2012, p. 2)”. As pessoas são diferentes, com desejos,
afetos, propósitos, compreensões e valores distintos, o que gera conflitos. Eles são, portanto,
inevitáveis e, de certa forma, potencializados na contemporaneidade, a qual é marcada pela
diversidade, multiculturalismo, globalização e pluralismo (Araújo, 2008; Kriesberg & Dayton,
2012; Salgado & Ferreira, 2012; Schilling & Angelucci, 2016; Diálogos, 2019; Zluhan &
Raitz, 2014).
Eles podem ser benéficos, produzindo reflexões, mudanças e melhorias nas relações e
no ambiente e são úteis e necessários ao aprendizado (Campos, Dayana, & Jorge, 2010;
Salgado & Ferreira, 2012). Esses são os conflitos construtivos. Nos conflitos construtivos, as
partes envolvidas se servem de meios como persuasão e negociação para chegarem a soluções
mutuamente aceitáveis, mantendo a consideração mútua entre elas e o reconhecimento da
existência do outro e da legitimidade de sua perspectiva (Salgado & Ferreira, 2012). Esses
conflitos devem ser não amenizados e sim manejados, trabalhados, compreendidos, pensados
“a partir de processos reflexivos, educativos, formadores (Diálogos, 2019, p. 75)”. Na escola,
esses processos reflexivos e educativos podem ser instaurados pelo psicólogo escolar (Mitjáns
Martínez, 2010).
Há também os conflitos destrutivos. Nestes as partes se utilizam de meios coercitivos
e violentos, em que uma impõe suas visões à outra. São conflitos em que há dano a pelo
menos uma das partes envolvidas (Kriesberg & Dayton, 2012; Salgado & Ferreira, 2012).
Nesses conflitos, as partes buscam não um acordo e sim a vitória sobre o outro, não a
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cooperação e sim a competição. Há também a exclusão da perspectiva do outro ou mesmo de
sua existência. Os conflitos então se degeneram em violência, agressividade, força e coerção
(Kriesberg & Dayton, 2012; Martins et al., 2016; Salgado & Ferreira, 2012; Zluhan & Raitz,
2014).
A violência possui uma definição diversa. Há vários tipos de violência dos quais três
se revelam como mais propícios para o tema proposto. Segundo Minayo (1994) há a violência
estrutural, violência de resistência e violência da delinquência.
A violência estrutural é a praticada pelas organizações, instituições, sistemas
econômicos, culturais e políticos, oprimindo grupos e indivíduos, negando-lhes direitos,
gerando discriminação e fazendo com que esses grupos ou indivíduos aceitem como natural
essa negação de direitos ou tratamento diferenciado (Minayo, 1994). Há também, segundo a
autora, a violência de resistência, desses grupos ou indivíduos oprimidos que se opõem e
reagem à violência estrutural de forma agressiva para restabelecer a justiça e igualdade de
direitos. Por fim há a violência de delinquência, aquela que compõe o que a sociedade tipifica
como crime (roubos, assassinatos, furtos, sequestros, tráfico, infrações do trânsito etc). Essa
violência, segundo a autora, também é incentivada pela violência estrutural, a qual corrompe
os indivíduos, facilitando com que eles cometam crimes. A autora ressalta: “o menosprezo de
valores e normas em função do lucro, o consumismo, (...) são alguns dos fatores que
contribuem para a expansão da delinqüência. (Minayo, 1994, p.8)”. As instituições,
organizações, aqueles que deviam ser exemplos se corrompem, menosprezam os valores, a
ética, a moral, o respeito em função de poder, dinheiro, posição social etc, e isso facilita as
demais pessoas se corromperem também e desprezarem os mesmos valores (Minayo, 1994).
A autora Mundim Neto (2017) segue a mesma linha, afirmando que muitas vezes as
organizações dizem seguir valores humanistas, éticos, porém esse suposto humanismo fica
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apenas no discurso e não na ação. A ação continua sendo anti-humanista, corrompida em seus
valores. A mesma ideia está presente em Branco, Freire e González (2012).
A partir disso, pode-se pensar que a escola é uma das instituições que por vezes gera a
violência estrutural. Os alunos, ao perceberem essa violência, sentindo-se lesados em direitos
que acreditam possuir ou discriminados de alguma forma, podem reagir com a violência de
resistência ou violência da delinquência. Essas duas últimas violências serão vistas pela escola
e punidas, enquanto a primeira, a violência estrutural, passará despercebida ou, por vezes,
legitimada na instituição. Essa visão dos problemas escolares como causados quase
exclusivamente pelos alunos mostra-se comum na visão de Penna-Moreira (2007) e Barbosa e
Marinho-Araújo (2010). A escola muitas vezes culpa os “alunos-problema”. A Psicologia
Escolar, no entanto, tem importante papel nessa mudança de olhar e pode trazer reflexões para
a escola sobre suas práticas em perspectiva crítica e construtiva (Mitjáns Martínez, 2010).
A violência estrutural está, portanto, ligada às relações de poder existentes na escola,
às autoridades que proporcionam relações verticalizadas para com os alunos. Foucault
(1979/2014) afirma que a partir do século XVIII instituições como a escola e o hospital
começaram a ser reorganizadas de forma muito diferente ao que era antes. Surge a técnica da
disciplina, que é o esquadrinhamento, a disciplinarização. Ela consiste em submeter cada
indivíduo a uma “pirâmide de olhares (Foucault, 1979/2014, p. 58)”. Esses olhares vigiam
todos os comportamentos dos indivíduos a todo momento, para garantir que cada gesto da
pessoa seja conforme o esperado pela instituição. O professor vigia o comportamento do
aluno, presta atenção nos mínimos gestos, registra o comportamento identificando o aluno,
reporta ao coordenador, o qual por sua vez reporta ao diretor.
Na escola, a disciplina, através desse monitoramento perpétuo, começou a se expressar
pela distribuição espacial dos alunos. Se antes estavam amontoados, agora cada aluno tem um
6
espaço individualizado na sala, um “quadrado” do qual não pode sair e é vigiado a todo
instante para garantir que desse espaço não saia (Foucault, 1979/2014).
Essa disciplinarização dos corpos também se expressa nas anotações que os
professores fazem sobre cada aluno, nas regras estabelecidas no contexto escolar como a de
que o aluno tem de pedir permissão ao professor para ir ao banheiro. Também se expressa no
fato de o aluno não poder conversar com os colegas, ter de ficar parado, em silêncio, sentado,
prestando atenção no professor e anotando a matéria. Qualquer mau comportamento, dever
não feito, má conduta, o professor faz um registro e pode até comunicar seus superiores ou os
pais do aluno. Esse registro contínuo e a comunicação da singularidade, da subjetividade de
cada indivíduo até o topo da pirâmide disciplinar (no caso da escola, a direção), é, segundo
Foucault (1979/2014), uma implicação da disciplina.
O mesmo autor ainda afirma que o instrumento principal da disciplina é o exame.
Segundo ele “o exame é a vigilância permanente, classificatória, que permite distribuir os
indivíduos, julgá−los, medi−los, localizá−los e, por conseguinte, utilizá−los ao máximo
(Foucault, 1979/2014, p. 58)”. Na escola, o exame (sejam os testes para avaliar o conteúdo,
sejam as avaliações atitudinais) permitem identificar o aprendizado de cada aluno, como cada
aluno entendeu ou não o conteúdo, a linha de pensamento, a forma como ele desenvolve seu
raciocínio, também classificá-los como bons ou maus alunos e analisar seus comportamentos
em sala de aula, cada gesto, para medi-los, julgá-los.
Foucault (1975/1999) destaca que esse julgamento classificatório implica em: divisão
binária e determinação coercitiva. A divisão binária consiste em dividir os alunos em dois
grupos (bons e maus alunos, comportados e não comportados, normais e deficientes,
tranquilos e agitados, inteligentes e não inteligentes etc). A determinação coercitiva está na
decisão de professores, coordenadores e diretores sobre o que fazer com o aluno, determinar
7
em que lugar o aluno deveria estar e como se pode vigiá-lo constantemente.
Fanfani (2000) destaca que essa lógica da escola, explanada historicamente por
Foucault (1975/1999, 1979/2014), tipificada como violência estrutural à luz do pensamento
de Minayo (1994) e confirmada como atual e recorrente por Penna-Moreira (2007) e Barbosa
e Marinho-Araújo (2010) entra em conflito com a lógica dos jovens e adolescentes, os quais
se opõem às propostas da escola e resistem a elas, fazendo com que os conflitos degenerem
em violência. Essa é agora uma violência de resistência ou delinquência, chamada no contexto
escolar de indisciplina, violência e bullying.
De acordo com Sebastião, Alves e Campos (2003) indisciplina é um ato mais leve e
diz respeito aos comportamentos incorretos e incivilidades que ocorrem na escola. A violência
no contexto escolar é mais grave e se refere à agressividade física ou verbal. Já o bullying é
ainda mais grave e conceitua-se como agressão sistemática, continuada e intencional. Alves
(2016) ressalta, porém, que na prática esses três tipos se misturam e constantemente são
tratados como semelhantes pela mídia, governo e sociedade.
Violência Escolar no Mundo
Esses três elementos (indisciplina, violência e bullying) existem há muito tempo na
escola e estão presentes em todo o mundo (Alves, 2016). São feitas várias pesquisas em
diversos países sobre a violência escolar. A OECD (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico) publicou os resultados da pesquisa TALIS (Pesquisa
Internacional de Ensino e Aprendizagem) feita em 2013. Foi realizada com 200 escolas,
aproximadamente 4.000 professores do Ensino Médio e 200 diretores, em mais de 30 países
(OECD, 2014; 2015). Em 2018 foi feita uma outra TALIS pela OECD com 15.000 escolas,
260.000 professores em 48 países (OECD, 2020).
8
Na TALIS 2013 foram possíveis de se identificar várias situações escolares. Ela
mostrou que no Brasil mais de 60% dos professores de Ensino Médio dizem que mais de 10%
de seus alunos possuem problemas de comportamento na sala de aula, sendo o país que mais
professores dizem ter alunos com problemas de comportamento (OECD, 2015). Em outro
dado verificado pela pesquisa, foi verificado que quanto mais desafiadora a sala de aula, mais
tempo se gastará para colocá-la em ordem (OECD, 2015).
Na TALIS 2018, verificou-se que professores experientes possuem um arcabouço
maior de estratégias, habilidades de ensinar e avaliar os alunos, sabendo melhor manejar a
sala de aula (OECD, 2019). Essas habilidades são conquistadas pela experiência. Voltando na
TALIS 2013, a pesquisa buscou verificar qual fator explica melhor a disciplina em sala de
aula, o controle disciplinar. Esses dados se encontram na Figura 1.
Figura 1. Distribuição da variação da disciplina em sala de aula no Ensino Médio através dos
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três níveis: páis, escola e professor. 1
Foi identificado que o clima disciplinar, o clima de sala de aula (o quanto a sala de
aula está bem controlada e ordenada) é explicado 84% por cada professor individualmente,
7% pela escola e 8% pelo país (OECD, 2014). Isso indica que há poucas diferenças entre
professores de países ou escolas distintas, porém há grandes diferenças entre professores de
um mesmo país e professores de uma mesma escola. Em uma mesma escola, um professor
pode conseguir controlar bem a sua sala de aula e outro professor não. O controle disciplinar
da sala de aula depende das estratégias disciplinares e pedagógicas utilizadas pelo professor
(OECD, 2014), corroborando os dados da TALIS 2018 explanados anteriormente, de que
professores experientes possuem mais habilidades para lidar com alunos-problema.
Ao fazer uma leitura crítica desses dados, é possível resgatar a visão de Foucault
(1975/1999, 1979/2014) de que a escola se baseia e está estruturada na disciplina, no controle
disciplinar. Manter a ordem e a disciplina em sala é fundamental na visão da escola e dos
professores para lidar com os comportamentos indesejados.
É possível dizer, a partir dos dados da TALIS 2013 e 2018, que professores que
possuem maior experiência com alunos que têm problemas de comportamento (o que pode
incluir indisciplina/violência/bullying) são professores que em geral conseguem lidar melhor
com esses alunos e esses comportamentos, desenvolvendo mais estratégias e habilidades
pedagógicas e mantendo um maior controle disciplinar em sala.
Em contraposição, a pesquisa TALIS 2013 enfatizou que há um país que mais se
destaca negativamente dentre os outros: o Brasil (OECD, 2014, 2015). Na TALIS 2013 o
Brasil foi o país que mais relatou possuir alunos com problemas de comportamento. Foi
também um dos países que mais disse gastar tempo em sala colocando ordem (23% do tempo
1
Fonte: OECD, TALIS 2013 Database (tradução livre).
10
de aula em média). Ao pegar essa média e ver a variação entre o que os professores brasileiros
falaram, 25% dos professores dizem gastar entre 10-15% do tempo de aula mantendo a
ordem. Outros 25% relataram gastar entre 15 a 30% do tempo de aula.
Essa variação chegando a 30% do tempo de aula gasto não foi encontrada em nenhum outro
país, a maioria só se estende até 20% do tempo de aula (OECD, 2014). A pesquisa TALIS
2013 com isso afirma que as situações são particularmente problemáticas no Brasil, no qual
mais da metade dos professores de Ensino Médio relataram que: perdem muito tempo por
causa de problemas de comportamento, perdem muito tempo esperando os alunos se
assentarem, e na aula há muito barulho perturbador (OECD, 2014).
O Cenário Brasileiro no manejo dos Conflitos e Violência Escolar
O cenário brasileiro se mostra então preocupante, até mesmo internacionalmente, pela
quantidade e intensidade dos conflitos e violência. Ciente dessa situação, vários projetos e
políticas públicas foram feitas no Brasil para melhor manejo dos conflitos e violência escolar.
Um exemplo de projeto é o do Estado de São Paulo. Desde 2010, a Secretaria de Estado da
Educação de São Paulo (SEE-SP) implantou o programa Sistema de Proteção Escolar (São
Paulo, 2010). Esse programa consiste em estabelecer professores mediadores comunitários
(PMECs) para prevenir, mediar e resolver conflitos na escola. São professores adidos (que
não lecionam, porém estão na escola) e ficam responsáveis especificamente por essa função
de resolução de conflitos. O programa foi implantado em escolas públicas de São Paulo as
quais possuem casos consideráveis de conflitos e estão localizadas em áreas de
vulnerabilidade social e risco (São Paulo, 2010). A aplicação do programa está crescendo no
Estado de São Paulo. Em 2015, houve um aumento de 50% da adesão das escolas públicas ao
programa, em relação a 2010 (Martins, Machado, & Furlanetto, 2016).
11
As autoras Martins, Machado e Furlanetto (2016) fizeram uma pesquisa qualitativa
com 49 professores mediadores comunitários (PMECs) de diversas escolas públicas de São
Paulo que aplicaram o programa. Os PMECs relataram que a maioria dos problemas é
causada por alunos, como oposição à autoridade do professor e à instituição escolar. Pode-se
dizer então que a maioria da violência dos alunos nessas escolas se enquadra na violência de
resistência, uma forma de se opor à violência estrutural da escola (Minayo, 1994). Entre os
problemas que os PMECs destacaram, estão: uso de drogas por meninas grávidas, homofobia,
bullying e namoro na escola.
A partir do trabalho de mediação de conflitos, os PMECs disseram ter conseguido:
diminuir os conflitos, as faltas, o bullying, a depredação, a gravidez na adolescência. Além de
diminuir problemas, os professores mediadores comunitários falaram que a partir de suas
atuações houve melhorias: no rendimento escolar, no relacionamento entre alunos, no
relacionamento de alunos, professores e funcionários (Martins et al., 2016).
Esses professores relataram suas experiências enquanto mediadores de conflitos.
Algumas dessas experiências foram: a partir da presença dos PMECs, uma escola começou a
parabenizar os aniversariantes, elogiando-os; outra PMEC disse ter conseguido resgatar 5
crianças de 10 anos que estavam nas drogas; houve também uma importante parceria com a
família em casos de uso de drogas; em uma escola fizeram campanha de solidariedade para
ajudar um aluno em vulnerabilidade social extrema. Outras experiências mais complicadas
foram: acionar o Conselho Tutelar/Ronda Escolar quando um aluno levou uma arma de fogo
para a escola, que ele utilizaria se sua namorada terminasse o namoro; casos de abuso sexual
que resultaram na perda da guarda da criança pelos pais (Martins et al., 2016). As ações
protagonizadas nessas escolas pelos PMECs poderiam ter sido encabeçadas pela Psicologia
Escolar, em uma perspectiva de atuação conforme Mitjáns Martínez (2010). A Psicologia
12
Escolar poderia trabalhar em uma perspectiva de prevenção das violências, trabalhando de
forma coletiva temas como bullying, uso de drogas, educação sexual etc (Mitjáns Martínez,
2010), de forma contextualizada. Uma ação reflexiva a qual considere a violência estrutural
da escola (Minayo, 1994).
Na mesma pesquisa de Martins e colaboradoras (2016), os PMECs disseram quais
dificuldades encontraram em seu trabalho. Afirmaram que: às vezes há falta de apoio dos pais
no trabalho dos PMECs; alguns professores também são descrentes no diálogo e acreditam
mais na punição, alegando que o diálogo retira sua autoridade. Outro problema relatado é a
falta de infraestrutura: falta de sala para receber os alunos e falta de computadores para o
PMEC poder trabalhar. É possível perceber com isso a valorização do sistema disciplinar da
escola presente nos professores e possivelmente também na família. A valorização da
punição, da imposição das regras de comportamento, das relações verticalizadas
professor-aluno, e do professor como detentor das decisões sobre o aluno (Foucault,
1975/1999, 1979/2014).
Os PMECs, ao contrário, acreditam no diálogo. Na pesquisa disseram ser necessário:
saber ouvir, ter humildade, acolher e conversar. Ao mesmo tempo, disseram ser igualmente
importante ter um posicionamento seguro diante de situações graves. Em geral, as
experiências dos PMECs se mostram positivas. Eles falaram ainda que possuem credibilidade
e a confiança dos alunos, pois, quando há um conflito, muitos alunos os procuram antes
mesmo dos professores. Esse trabalho garante atendimento imediato às demandas de conflito
por meio do diálogo, buscando impedir de os conflitos degenerarem em violência. No entanto,
eles também relatam impotência e indecisão em alguns casos, ressaltando a falta de escuta do
outro como um expressivo problema (Martins et al., 2016).
A atuação dos professores mediadores comunitários em São Paulo foi respaldada pelo
13
programa Sistema de Proteção Escolar da SEE-SP. As autoras afirmam que os programas,
reformas, projetos etc que são feitos no âmbito escolar têm como objetivo preservar o modelo
tradicional de ensino-aprendizagem, o qual já está esgotado e não faz mais sentido para os
alunos. Fazendo uma leitura crítica desses programas, as autoras alegam que eles oferecem
“mais do mesmo (Martins et al., 2016, p. 587)”.
Práticas Pedagógicas Inovadoras
Frente a isso, as autoras da pesquisa, bem como outros autores, ressaltam a
importância atual das novas modalidades de ensino, metodologias ativas, práticas pedagógicas
inovadoras (Martins et al., 2016; Rose, Afonso, Bondioli, Gonçalves, & Prezenszky, 2016).
Alguns exemplos de escolas com pedagogias diferentes são: Escola Waldorf, Escola da Ponte,
Iasnaia Poliana, Escolas Montessorianas etc (Alternative Education Resource Organization
[AERO], 2020; Instituto Lasneaux, 2020; Marangon, 2004; Montessoriana, 2020; Sociedade
Antroposófica do Brasil [SAB], 1998). Essas práticas permitem que o aluno tenha um papel
mais ativo em seu processo de ensino-aprendizagem, valorizando uma aprendizagem na qual
os alunos são os protagonistas. Uma aprendizagem não centrada no cognitivo. Valorizando
também as relações, o experiencial, não uma simples recepção ou acúmulo de conteúdos.
Uma aprendizagem mais compreensiva e criativa e menos reprodutiva-memorística (Mitjáns
Martínez & González Rey, 2017a).
Assembleias Escolares no Brasil: Ênfase no Protagonismo Juvenil durante o Processo
Educacional em curso
Entre essas práticas que se utilizam de metodologias ativas, colocando alunos no
protagonismo de seu processo de aprendizagem, estão as Assembleias Escolares. As
Assembleias Escolares já estão presentes em algumas escolas de São Paulo e também
14
internacionalmente, em países como Inglaterra e Portugal. No Brasil, elas são vistas de forma
muito positiva pelo Ministério de Educação (MEC). O Ministério em 2005 fez um
documentário sobre as Assembleias e em 2007 um documento sobre o protagonismo juvenil,
incentivando as assembleias e orientando o passo a passo de como implementá-las nas escolas
brasileiras (Brasil, 2007; Gosuen, 2005). As Assembleias Escolares visam um papel mais
ativo nos alunos, maior participação deles nas decisões escolares, além de desenvolver a
cidadania (Araújo, 2008). Os alunos também são protagonistas na resolução de conflitos
escolares.
As Assembleias Escolares se dividem em: assembleias de classe, assembleias de
escola e assembleias docentes. Nas escolas que implantaram essas assembleias, um professor
e toda a classe se reúne uma vez por semana durante uma hora para dialogar sobre os conflitos
específicos daquela sala de aula, são as assembleias de classe. Há também as assembleias de
escola, uma vez por mês, com os representantes de cada classe, alguns docentes e
funcionários, para tratar sobre assuntos da escola que extrapolam a sala de aula. Há também
as assembleias docentes com o corpo docente, a direção e eventualmente representantes da
Secretaria de Educação (Araújo, 2008).
As assembleias escolares se pautam na democracia participativa, no diálogo como
forma eficaz de resolver conflitos. Elas valorizam as diferentes opiniões, buscando formar
uma consciência cidadã nos alunos de respeito, igualdade, descentralização de si para olhar o
coletivo, se importar com o outro, com o social. As assembleias não necessariamente
objetivam chegar em um consenso, mas ao menos lidar com o dissenso de forma não violenta
(Araújo, 2008; Schilling & Angelucci, 2016).
Essas assembleias são aplicadas em algumas escolas do Brasil, como foi apresentado
anteriormente, e estão dando resultados. Em uma pesquisa de Araújo (2008) realizada entre
15
1999 e 2003, os próprios alunos de escolas pública e privada de São Paulo expuseram o que
acharam das assembleias escolares. Alunos e alunas relataram que, antes das assembleias:
“tinha muita violência, eles xingavam, batiam e até ameaçavam”; “quando as crianças tinham
um probleminha como brigas (...) iam correndo contar para a professora ou para a mãe”.
Depois das assembleias, os alunos e alunas relataram que: “está melhorando muito, tem
poucas brigas e mais respeito”; “todos podem falar e dar soluções para os problemas”;
“quando colocamos no papel, todo mundo leva a sério e procuramos resolver o problema”;
“tinha vergonha de falar (...) Agora estou conseguindo me soltar mais”; “me “toquei” de
muitas coisas que faço e incomodam as pessoas”; “É muito bom falar o que sentimos, coisas
legais ou não”; “Todo mundo dá a sua opinião e resolvemos muitos problemas” (Araújo,
2008, p. 126).
Há também alunos e alunas relatando pontos negativos que viram na assembleia.
Esses alunos disseram: “Eu achei que no começo do ano as pessoas colocavam como crítica
(...) coisas bobas (...) Mas agora, no meio do ano, todo mundo está colocando críticas mais
sérias, que têm a ver com a classe toda”; “eu me sinto estressado porque eu sempre quero
resolver as críticas e fazer as regras”; “eu me sinto cansado porque demora muito”; “os itens
da pauta se repetiram muitas vezes porque não eram resolvidos rapidamente, mas a maioria
era resolvida” (Araújo, 2008, p.126-127). Com isso é possível perceber que, mesmo as
crianças que tecem alguns pontos negativos, estes se referem mais a problemas iniciais,
quando se está começando a implantar as assembleias, ou à ansiedade de querer resolver todos
os problemas. Essas falas, positivas e negativas, mostram o engajamento das crianças nas
assembleias.
Práticas Pedagógicas Inovadoras em Perspectiva Crítica
Essas metodologias ativas e novas teorias (europeias) de educação são vistas com
16
reticências pela filósofa Hannah Arendt. Segundo Arendt (1957/2011), a autoridade e as
tradições têm papel importante na educação e não podem ser negligenciadas. Valorizar as
tradições está no fato de que o professor deve apresentar às crianças o “mundo dos adultos”
(Arendt, 1957/2011, p. 233) e instruí-las sobre esse mundo, sendo a escola uma transição
entre família e sociedade. Em relação à autoridade, essa deve se expressar não em uma tirania,
e sim em uma responsabilidade que o professor deve ter em relação ao mundo que ele
apresenta aos alunos (Arendt, 1957/2011).
A autora expõe os conflitos que existem hoje entre escola, família e sociedade. Ela diz
que isso se dá, pois a escola, como sempre o fez, valoriza a autoridade e as tradições (o que
não é um problema), porém ela se encontra em um mundo que não é mais guiado por esses
valores. Ela ainda vai além ao afirmar que a sociedade atual rejeitou a autoridade - não porque
se conscientizou do dispositivo disciplinar ou da violência estrutural, conforme futuramente
diria Foucault (1975/1999, 1979/2014) e Minayo (1994) - e sim porque as pessoas do século
XX (em diante) não querem mais assumir responsabilidades. Ela afirma que ninguém mais
quer dar ordens nem obedecê-las, e por isso “os adultos se recusam a assumir a
responsabilidade pelo mundo em que colocaram as crianças (Arendt, 1957/2011, p. 240)”, se
referindo à educação permissiva que começou a crescer a partir da segunda metade do século
XX.
Ao retomar o programa Sistema de Proteção Escolar e as Assembleias Escolares,
conforme explicados por Martins e colaboradoras (2016) e Araújo (2008), é possível
confrontá-los com as reflexões de Arendt (1957/2011). Pode-se afirmar que os PMECS são
professores que se responsabilizam pelo mundo, principalmente pela parte mais vil deste, as
violências. Eles dão abertura aos alunos e a outros profissionais escolares em relação às
decisões a serem tomadas, valorizando o diálogo e sendo mediadores. Ao mesmo tempo,
17
demonstram assumir responsabilidade quando mostram ser necessário “ter um
posicionamento seguro diante de situações graves (Martins et al., 2016)”.
Nas Assembleias Escolares, os alunos elaboram decisões a serem tomadas para
resolução de conflitos e também há sempre um professor mediando (nas assembleias de
classe) e mais de um professor (nas assembleias de escola), assumindo a responsabilidade por
essas decisões. Um exemplo disso se encontra no documentário do MEC sobre as
Assembleias Escolares (Gosuen, 2005) na Escola Comunitária de Campinas. O documentário
mostra uma situação em que os alunos estavam insatisfeitos com o aumento dos preços na
cantina. O professor mediador, então, levanta a possibilidade de os alunos irem conversar com
o dono da cantina e fala para os alunos alguns fatores que podem explicar esse aumento de
preços. Após realizar uma votação com os alunos, o professor os levou até o dono da cantina
para que os alunos expusessem suas queixas, de forma respeitosa. Com isso podemos dizer
que o professor estava inserindo esses alunos no mundo dos adultos e assumindo a
responsabilidade pelas decisões tomadas.
As Assembleias incentivam valores como ética, respeito, princípios dos Direitos
Humanos, inserem as crianças no mundo da democracia, o que é incentivado pelo Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos [PNEDH] (Brasil, 2018). Com isso é possível
dizer que, por mais que os alunos sejam os protagonistas, é importante a mediação de um
adulto, professor (ou outro profissional escolar), no processo de ensino-aprendizagem,
resolução de conflitos e tomada de decisões. Nesse sentido, o psicólogo escolar pode ter
também uma importante atuação, como afirma Mitjáns Martínez (2010). Ele pode elaborar
estratégias educativas sistêmicas e permanentes sobre os mais diversos temas, conforme o que
se expressa na comunidade escolar. Um trabalho que é também coordenado com os outros
profissionais da escola (Mitjáns Martínez, 2010).
18
Ainda sobre a autoridade, Arendt (1957/2011) aponta outro erro cometido pelas novas
teorias da educação. Ela afirma que em escolas onde essas teorias são aplicadas, muitas vezes
acontece uma diluição da autoridade, que passa do professor para a turma, de um indivíduo
para um grupo de crianças. A autoridade que antes era do professor passa a ser das crianças.
Ela afirma que isso é um erro grave, pois a tirania de um grupo é muito maior que a pior
tirania de uma só pessoa. Se a maioria dos integrantes desse grupo de crianças/alunos decidir
regras que prejudiquem uma minoria, esta se sentirá muito mais impotente e receosa de
mostrar sua visão para o grupo. Mais uma vez, a autora reitera a obrigação dos adultos de se
responsabilizarem por suas crianças, de exercerem autoridade sobre elas (no caso, o
professor). Conforme já dito, a autoridade para Arendt (1957/2011) tem o sentido de
responsabilização.
Ao se deparar com as Assembleias Escolares, verifica-se que os professores
mediadores têm esse cuidado de permitir que toda criança expresse seu ponto de vista, ainda
que divirja da maioria. Retomando o exemplo da discussão sobre o preço na cantina, naquela
assembleia havia alunos que não concordavam com o aumento de preço, outros concordavam
e falavam, outros ainda não tinham interesse pela pauta e expressaram também isso,
afirmando que não era algo que os atingia etc. Todos, até as minorias discordantes, se
sentiram à vontade para falar (Gosuen, 2005).
Outro fator positivo para essa livre expressão é a forma como as Assembleias
Escolares se organizam, de modo que sejam criticadas não pessoas e sim situações. Outro
exemplo disso está neste relato de uma professora que aplica as assembleias: “as meninas
começaram a reclamar dos meninos passarem a mão no bumbum delas, na verdade era apenas
um menino (...) o autor do ato quis falar como se nada tivesse a ver com ele (Araújo, 2008, p.
125)”. É perceptível nessa fala a liberdade com que as meninas trouxeram para a pauta um
19
assunto possivelmente constrangedor no qual elas eram vítimas e também a liberdade do
autor, que no momento estava como minoria discordante. Ambas as partes se expressaram
livremente, sem receios, com respeito, sem acusação. A professora conclui dizendo que o
menino reincidiu no ato, porém, após mais uma assembleia com o assunto em pauta, o menino
não falou mais nada e depois não realizou mais o ato com as meninas.
A importância dos Valores Pró-sociais e a constituição da Subjetividade
A partir dos exemplos das escolas transformadoras, democráticas e práticas
pedagógicas inovadoras, é perceptível uma orientação para valores pró-sociais. De acordo
com os estudos de Palmieri e Branco (2007), muitas escolas (e pré-escolas) atuais incentivam
práticas individualistas, competitivas, egoístas e antissociais em seus alunos. As autoras
fizeram pesquisas em escolas de Educação Infantil e observaram que as professoras
propunham atividades individualistas: que estimulavam a competição entre as crianças, e em
outra escola reforçavam a dependência das crianças à figura do professor e puniam quando as
crianças queriam se ajudar. Ao promover atividades aparentemente cooperativas, as
professoras desses estudos davam mais ênfase à competição e ao individualismo, fazendo
com que as crianças rejeitassem a possibilidade de pedir ajuda ao colega “Eu não preciso de
ajuda!” (Palmieri & Branco, 2007, p. 373) e, em outra escola, a própria professora puniu
quando uma criança demonstrou querer ajudar a colega, interagir na atividade (que
supostamente era em grupo) e reforçou o comportamento egoísta da amiga que não queria
ajuda. Esses valores antissociais alimentados nas crianças refletem, segundo as autoras, a
cultura e sociedade atuais, as quais incentivam o individualismo e a competição, em vez da
cooperação. As autoras consideram a cooperação um importante valor pró-social (Branco,
Freire, & González, 2012; Palmieri & Branco, 2007).
Uma educação baseada em valores encontra respaldo em documentos oficiais sobre a
20
escola, família e educação de crianças e adolescentes. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional [LDB] (Brasil, 1996), a escola deve preparar o aluno para a cidadania. Na
mesma linha, o PNEDH (Brasil, 2018) diz que os alunos devem ser promotores dos direitos
humanos. O ECA (Brasil, 1990) garante o respeito aos valores culturais da criança e o direito
de suas famílias transmitirem os valores aos filhos.
A partir de uma perspectiva sociocultural e histórica, pode-se entender os valores
como: crenças impregnadas de aspectos afetivos e cognitivos, emocionais e simbólicos, que
são gerados a partir das práticas e experiências das pessoas em determinado contexto social,
cultural e histórico e, uma vez gerados, orientam as práticas, as ações e interações dessas
pessoas (Branco, 2006; Branco, Freire, & González, 2012; Mitjáns Martínez & González Rey,
2017b). Nas pesquisas supracitadas, vários valores foram considerados relevantes de serem
incentivados no contexto escolar, como: acolhimento, humildade, escuta, diálogo, respeito,
igualdade, descentralização de si, senso de coletividade, responsabilidade, ética, cidadania,
democracia, autonomia, solidariedade, cooperação.
Esses valores podem ser resumidos no humanismo, que é: ver o homem sempre como
um fim em si mesmo, um valor absoluto, nunca um meio para uso arbitrário (Kant,
1785/2019; Mundim Neto, 2017; Wojtyla, 1960/2015). A pessoa tem uma singularidade, uma
constituição subjetiva única e irrepetível (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017c). Esse
valor sublime de cada ser humano só pode ser realizado pelo amor - amor autêntico, que parte
da realização da liberdade do homem e se realiza na relação humana, na solidariedade, na
comunhão, em reconhecer o outro como um bem e querer bem ao outro (Nogare, 1990, citado
por Mundim Neto, 2017; Wojtyla, 1960/2015). Amor que é a realização do ser humano com o
outro, no mundo, a realização mais completa das possibilidades do homem, amor que
aperfeiçoa e amplia a existência humana. Amar o outro em sua alteridade, o outro diferente de
21
mim, e o outro inteiro, a pessoa integral, tendo ela as mesmas crenças ou não, os mesmos
valores ou não (Mundim Neto, 2017; Nogare, 1990, citado por Mundim Neto, 2017; Palmieri
& Branco, 2007; Wojtyla, 1960/2015).
O reconhecimento do outro, da alteridade, enriquece o próprio eu, complexifica-o e
amplia sua capacidade de adaptação. Reconhecer o diferente possibilita a “emergência de
novos estados internos, novos significados e novas formas de relação (Salgado & Ferreira,
2012, p. 62)”. Sair da centralização de si e ir em direção ao outro, estar com o outro “em
termos afetivos, cognitivos e relacionais (Salgado & Ferreira, 2012, p. 62)”, na perspectiva do
humanismo e através do amor. Ir ao outro amplia o mundo da própria pessoa, contribui para
uma melhor relação consigo mesma e com o mundo, aperfeiçoa o próprio eu (Salgado &
Ferreira, 2012; Wojtyla, 1960/2015).
Teoria da Subjetividade
Processos humanos.
Portanto, os valores pró-sociais devem ser estimulados para uma melhor e duradoura
resolução dos conflitos e diminuição das violências. Dentre esses valores, pode-se aqui
enfatizar também o diálogo. Na presente pesquisa, os processos humanos serão entendidos
segundo o pensamento de González Rey (2010) através da lente da Teoria da Subjetividade.
Aliados a essa teoria, serão considerados também autores com visões semelhantes, como a
perspectiva sociocultural, tal como apresentada em Branco e Oliveira (2012a), perspectivas
filosóficas de Arendt (1957/2011), Kant (1785/2019), Mundim Neto (2017), Palmieri e
Branco (2007) e Wojtyla (1960/2015). A pesquisa também será norteada pelas diretrizes da
LDB (Brasil, 1996), os princípios do PNEDH (Brasil, 2018) e os direitos do ECA (Brasil,
1990). Ela terá também a inspiração das boas práticas das Assembleias Escolares (Araújo,
2008).
22
Processos dialógicos.
O diálogo é um processo relacional, que acontece através do engajamento dos
indivíduos. Nesse processo, os indivíduos trazem à tona o “microcosmos” de suas vidas
inteiras, seu universo subjetivo, através dos sentidos subjetivos e configurações subjetivas
(González Rey, 2016; Mori, 2019; Wojtyla, 1960/2015). Na Teoria da Subjetividade, os
sentidos e configurações subjetivas são a forma como a pessoa enxerga certas situações e
fenômenos de sua vida em termos emocionais e simbólicos. Esses sentidos subjetivos e
configurações subjetivas são constituídos ao longo da vida dos indivíduos por aspectos sociais
e históricos, pela cultura no qual os indivíduos estão inseridos (González Rey, 2016; Mitjáns
Martínez & González Rey, 2017b).
A Teoria da Subjetividade parte da ideia de que as pessoas não internalizam os eventos
externos e sim produzem sentidos, a partir dessas situações, de forma única, com
representações (simbolização) carregadas de afeto (emocionalidade). Essa forma única de
produzir subjetivamente sobre os fenômenos são os sentidos subjetivos e as configurações
subjetivas que cada um produz. Essas categorias teóricas, porém, não se confundem com um
“subjetivismo” ou “individualismo”. Elas são interiores ao indivíduo não de forma dissociada
de seu contexto sócio-histórico e cultural, pois os sentidos e configurações subjetivos são
constituídos de aspectos individuais e sociais ao longo de toda a vida (González Rey, 2016;
Mitjáns Martínez & González Rey, 2017b).
Essa Teoria, portanto, considera o social não como algo externo ao indivíduo, mas
como constituinte deste de forma recursiva - o indivíduo constitui o social e o social constitui
o indivíduo (Branco & Oliveira, 2012b). Além disso, os sentidos e configurações subjetivos
estão em constante movimento, concebidos como processos, com capacidade de gerar novos
sentidos e configurações subjetivas. Em um diálogo, os participantes expressam seus sentidos
23
subjetivos e produzem novos sentidos (Branco & Oliveira, 2012b; González Rey, 2010, 2016;
Mitjáns Martínez & González Rey, 2017b; Mori, 2019).
O diálogo é, portanto, um importante espaço para se compreender o outro em sua
alteridade, em seu universo, seu microcosmos configurado subjetivamente (González Rey,
2016; Wojtyla, 1960/2015). O diálogo assim é capaz de mobilizar a pessoa, a partir do
engajamento das pessoas envolvidas e da qualidade da relação com o outro, podendo produzir
novos sentidos subjetivos, incluindo os valores. A Teoria da Subjetividade se mostra como
importante contribuição teórica para se entender a subjetividade social da escola, os processos
subjetivos presentes nesse espaço, contextualizados, considerados em sua dimensão
cultural-histórica e social. Ela traz contribuições sobre o campo da ética e do compromisso
social, da responsabilidade que os atores escolares devem ter em suas práticas (Arendt,
1957/2011; Mitjáns Martínez & González Rey, 2017b), contribuindo para uma resolução de
conflitos de forma não violenta, a partir de valores pró-sociais e de processos dialógicos.
Relações dialógicas.
Os processos dialógicos implicam em relações dialógicas. De acordo com Salgado e
Ferreira (2012), o mundo é “socialmente e dialogicamente construído (p. 55)” e todos os
processos humanos são “intrinsecamente relacionais na sua origem (p. 54)”. Os mesmos
autores afirmam que o diálogo é uma tríade eu-outro-objeto (sendo que esse “objeto” é o
tema-foco do diálogo). Essa relação é mediada pelos signos (por exemplo, a linguagem). Na
mesma linha, Mitjáns Martínez e González Rey (2017a) afirmam que “a subjetividade, ainda
que não se dilua no diálogo, se configura e desenvolve dentro do sistema de relações sociais
de indivíduos e grupos (p. 66).”
Os autores ressaltam ainda que, na escola, as relações estabelecidas entre
24
professor-aluno e aluno-aluno são fundamentais para um bom processo de aprendizagem e
desenvolvimento subjetivo dos alunos. Importante frisar que boas relações favorecem não só
a convivência da pessoa com os outros atores escolares, como também todo o processo
escolar e educacional e a própria pessoa. Vale lembrar que a relação tem uma influência e um
benefício não direto, mas que depende de como a pessoa subjetiviza essa relação, de como ela
produz em termos emocionais e simbólicos a partir das interações (Mitjáns Martínez &
González Rey, 2017b).
É na relação com o professor que o raciocínio lógico do aluno toma forma (Mitjáns
Martínez & González Rey, 2017c; Salgado & Ferreira, 2012). O aluno está implicado
emocionalmente nesse processo. Relações que são subjetivadas pelo aluno com muitas
emoções negativas podem dificultar a aprendizagem, enquanto emoções positivas podem-na
facilitar. A relação com os outros colegas também influencia nas operações intelectuais do
aluno (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017c; Salgado & Ferreira, 2012).
A posição social do aluno em relação aos colegas tem um importante papel. Se ele é
discriminado, excluído, visto como não inteligente, como nerd, como diferente, ou se ele é
visto como legal, popular, “da galera” etc. Essas posições sociais podem ser subjetivadas pelo
aluno, produzindo uma melhor/pior valorização de si mesmo, o que poderá impactar em sua
aprendizagem e desenvolvimento (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017c; Tacca &
Branco, 2008). Os sentidos subjetivos produzidos no espaço escolar pelo aluno, que compõem
a configuração subjetiva de sua aprendizagem, são construídos a partir das vivências do aluno
nesse espaço (em especial a partir das relações, como já amplamente exposto) e também a
partir da própria história de vida desse aluno, das configurações subjetivas de outros espaços
sociais (por exemplo, da família) (Mitjáns Martínez & González Rey, 2017c).
25
Caminho Dialógico para a Construção de Resoluções de Conflitos prevenindo a
Violência Escolar
Sob essa ótica, práticas pedagógicas como as Assembleias Escolares ganham um novo
brilho. Os processos dialógicos e relações dialógicas são amplamente valorizados nessas
práticas. Os alunos conseguem expor seus universos, seus sentidos subjetivos, suas
representações e afetos, suas visões de mundo, e ao mesmo tempo conseguem entrar em
2
contato com o outro, a alteridade, o universo do outro, o alteri incommunicabilis . Com isso
os próprios alunos são enriquecidos, complexificados, aperfeiçoados, na medida em que
produzem novos sentidos subjetivos, produzindo valores cada vez mais pró-sociais . Isso
auxilia de forma eficaz e eficiente em todo o processo escolar-educacional, incluindo o
ensino-aprendizagem.
Recapitulando a discussão sobre os conflitos, as Assembleias manejam os conflitos
com maestria. São práticas que permitem a livre expressão de todos, de modo que surgem
naturalmente ideias conflitantes, objetivos incompatíveis, que são ouvidos e legitimados. Isso
possibilita reflexões, negociações e tentativas de chegar a soluções mutuamente aceitáveis.
Elas geram assim mudanças, melhorias nas relações e no ambiente escolar. Demonstram ser
práticas educativas, formadoras, com grande contribuição no aprendizado.
Na presente pesquisa, as Assembleias serão como uma inspiração, práticas que
desenvolvem valores considerados fundamentais em qualquer ambiente, sobretudo o escolar.
Em pesquisas qualitativas orientadas pela Teoria da Subjetividade, o pesquisador busca
compreender não os sentidos e configurações subjetivos da pessoa, os quais não podem ser
2
Segundo Wojtyla (1960/2015), o alteri incommunicabilis (traduzido livremente como “o outro
incomunicável”) é uma das características da pessoa humana. A pessoa, dada a sua complexidade, é
incomunicável e só poderá ser compreendida por outra pessoa se ela mesma se expor ao outro, expor seu
universo interior. Ainda assim, ela nunca poderá ser compreendida totalmente pelo outro, nem por ela, sendo
incomunicável em sua totalidade.
26
3
acessados diretamente , e sim suas expressões subjetivas, através de construções e
interpretações feitos pelo próprio pesquisador. Conforme o exposto, o presente estudo visará a
compreender as diferentes expressões subjetivas de professores sobre os conflitos existentes
na escola, identificando também as relações estabelecidas entre eles e com os alunos e os
valores existentes nas relações.
Objetivo Geral
Compreender as diferentes expressões subjetivas de professores sobre conflitos
existentes na escola.
Objetivos Específicos
● Caracterizar como se estabelecem as relações na escola entre professores e alunos;
● Identificar conflitos existentes dentro da escola, suas implicações nas relações entre
professores e alunos e como os conflitos são manejados por eles;
Justificativa
● Identificar os valores que estão presentes nas relações.
É importante identificar no contexto escolar as percepções e os sentimentos que alunos
e professores têm em relação a esse contexto, proporcionando um espaço para principalmente
os alunos se expressarem. Essa visão encontra respaldo no Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos [PNEDH] o qual visa uma ação pedagógica conscientizadora e libertadora,
na qual os alunos sejam cidadãos ativos, promotores dos direitos humanos. O Plano ainda
ressalta que a escola deve proporcionar o desenvolvimento social e emocional do aluno,
articulando a comunidade escolar com a comunidade local, regional na qual os alunos se
inserem (Brasil, 2018).
As dificuldades e conflitos que emergem na escola e se expressam nas relações dos
3
Se aproximando do conceito de alteri incommunicabilis.
27
alunos entre eles e dos alunos com os professores são atravessadas por diversos fatores:
disciplinares, pedagógicos, psicossociais, escolares, econômicos, culturais, ético-políticos,
familiares e da forma como cada aluno subjetiva esses fatores. Portanto, colocar os alunos em
evidência, valorizando-os como um todo e não apenas no aspecto cognitivo, mas
considerando os elementos propostos pelo PNEDH se faz necessário.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [LDB] se constitui como base das
políticas educacionais. Ela fundamenta o que o PNEDH propõe, pois define que a educação
“tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando” e “seu preparo para o exercício da
cidadania” (Brasil, 1996, art. 2). A LDB também pontua aspectos como “liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, “pluralismo
de ideias”, “respeito à liberdade” e “consideração com a diversidade étnico-racial” (Brasil,
1996, art. 3), ao explanar os princípios do ensino.
O PNEDH desenvolve mais essas ideias ao instigar os atores escolares a valorizarem a
cultura regional na qual os alunos estão inseridos, permitindo que eles expressem essa cultura
(Brasil, 2018). Essa legitimação dos valores dos alunos encontra também fundamentos no
Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], quando este pontua que “no processo
educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto
social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às
fontes de cultura” (Brasil, 1990, cap. IV, art. 58). O ECA resguarda ainda “o direito de
transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança” (Brasil,
1990, 2016, cap. 3, seção 1, art. 22, par. único). A LDB também se alia ao ECA ao estabelecer
os objetivos do Ensino Fundamental como formação básica do cidadão no qual um dos pontos
é “o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância
recíproca em que se assenta a vida social” (Brasil, 1996, cap. 2, seção 3, art. 32, inciso IV).
28
As falas dos alunos na pesquisa em questão poderão revelar também seus valores, os quais
devem ser respeitados pelo pesquisador, professores e pelos outros alunos participantes, todos
devem ser ouvidos e respeitados.
O PNEDH valoriza também a arte, esporte e lazer voltados para os Direitos Humanos
e o ECA afirma que serão destinados recursos e espaços para “programações culturais,
esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude” (Brasil, 1990, cap. IV, art. 59;
2018). Nessas programações extraescolares, em atividades e materiais didático-pedagógicos,
bem como em todo o currículo escolar, o PNEDH, o ECA e a LDBN pontuam temas
relevantes para se atentar e trabalhar, como gênero, raça e etnia, religião, pessoas com
deficiência, violação dos direitos na escola, prevenção de todas as formas de violência contra
a criança e o adolescente, prevenção das drogas ilícitas etc (Brasil, 1990, 1996, 2018). Na
presente pesquisa esses temas podem surgir, sendo então importante dar atenção a eles e
identificar como os alunos os percebem, quais os sentidos subjetivos dos alunos produzidos
sobre esses temas.
O PNEDH ressalta ainda que é importante uma articulação da escola com a rede de
assistência e proteção social, como um apoio importante caso sejam identificadas situações de
violação de direitos vivenciadas por alunos, as quais necessitem de acionar a rede de proteção
(Brasil, 2018). O ECA inclui também o Conselho Tutelar, o qual deve ser acionado pelos
dirigentes da escola em casos de maus-tratos dos alunos, evasão escolar ou repetência (Brasil,
1990). Esse respaldo da Assistência Social e do Conselho Tutelar é também interessante para
a pesquisa em questão, caso sejam identificadas tais situações que os alunos estejam
passando.
O pesquisador optou por esse tema, motivado por sua experiência na escola, pela
experiência de pessoas próximas e pela literatura as quais revelaram os conflitos, a crescente
29
violência, indisciplina, adoecimento nas relações dos alunos entre eles e com os professores, a
forma de estruturação da escola em seus aspectos físico, pedagógico, filosófico, ideológico,
psicossocial, cultural, ético-político etc os quais remetem ao modelo medieval e
posteriormente moderno de escola e muitas vezes não consegue se adaptar plenamente às
mudanças e necessidades da pós-modernidade.
30
Método
De acordo com Morin (1921/2005), a teoria permite o conhecimento. Ela organiza e
gera o método. O método é importante, pois ele aviva a teoria, ele a regenera e a rejuvenesce.
O método guia o conhecimento, a partir da atividade pensante e consciente da pessoa, a partir
do papel ativo do pesquisador e da pessoa na pesquisa.
O autor ainda afirma que a pesquisa deve gerar novos conhecimentos, deve conservar
a complexidade da teoria. A teoria é complexa, pois o real é complexo, diz Morin
(1921/2005). O real, a realidade, resiste à teoria e não se encaixa perfeitamente em seus
conceitos e lógicas. Seguindo o mesmo raciocínio, Becker (1998/2008) afirma que os
conceitos são generalizações, pois, ao ir para a realidade, dificilmente os fenômenos
estudados terão todos os critérios e os elementos do conceito teórico. Ainda assim, a realidade
nunca será totalmente compreendida, porém as pesquisas ampliam as zonas de sentido
(González Rey, 2010) e permitem com que conheçamos cada vez mais os fenômenos.
Nesse sentido, a pesquisa em questão se utilizará da metodologia qualitativa, para
melhor compreensão do fenômeno dos conflitos escolares. De acordo com Turato (2004) a
pesquisa qualitativa busca compreender o universo simbólico desse indivíduo, as
significações do fenômeno estudado para ele, como o fenômeno se expressa na vida dele,
quais os sentidos e significações produzidos por esse indivíduo. Na mesma linha, Fourez
(1991/1995) afirma que o pesquisador interpreta os fatos a partir de uma teoria e faz
construções teóricas.
Seguindo o mesmo raciocínio, González Rey (2010) estrutura a pesquisa qualitativa a
partir de uma Epistemologia Qualitativa, considerando o conhecimento como
construtivo-interpretativo. É interpretativo, pois a investigação qualitativa interpreta os
31
fenômenos a partir da teoria, e é construtivo, pois a atividade pensante do pesquisador
constrói novos modelos teóricos. Conforme o exposto, a presente pesquisa será qualitativa,
partindo de uma epistemologia qualitativa para se pensar sobre o conhecimento e baseando
sua prática em um método construtivo-interpretativo.
Participantes
Participaram do estudo três professores do Ensino Fundamental II de uma escola
privada de Brasília-DF.
Procedimentos Éticos
Diante do fato de que o pesquisador tem um compromisso ético com o outro, a
pesquisa teve submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa do UniCEUB. Após aprovação, o
pesquisador entrou em contato com a instituição escolar, pedindo a permissão para que a
pesquisa fosse realizada, apresentando o Termo de Aceite Institucional (Anexo A). A partir de
então, o pesquisador entrou em contato com a coordenadora do Ensino Fundamental II da
escola, se apresentou e explicou os objetivos da pesquisa e como seria a participação dos
professores. Então, a coordenadora selecionou e indicou três professores, os quais em sua
visão são destaques na escola por serem “dinâmicos, flexíveis e de forte engajamento
pedagógico” (sic). Foi realizada uma reunião virtual com esses três professores do Ensino
Fundamental II, indicados pela coordenadora na qual o pesquisador explicou brevemente
como funcionaria a pesquisa e a participação deles. A partir dessa reunião, o pesquisador
pegou o contato deles, enviando-lhes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido [TCLE]
(Anexo B). O contato (e-mail) dos(as) participantes foi de conhecimento apenas do
pesquisador e não foi disponibilizado para terceiros. Os e-mails foram enviados de forma
individual - o pesquisador para um(a) participante em cada e-mail. Ao enviar o TCLE, o
32
pesquisador disse para o(a) participante salvar uma cópia desse documento em seus arquivos.
Instrumentos
Para melhor compreender a dinâmica e atividades escolares, foi feita uma análise
documental da proposta pedagógica mais recente da escola, das informações disponibilizadas
no site da escola e, com anuência da escola, de relatório de estagiários do UniCEUB que já
realizaram atividades na escola em questão. Essa análise possibilitou uma melhor
compreensão da subjetividade social da escola. A análise documental consiste em selecionar e
organizar materiais e analisá-los à luz do objetivo da pesquisa (Pimentel, 2001). Na pesquisa
atual, a proposta pedagógica foi analisada a partir do método construtivo-interpretativo de
González Rey (2010).
Na pesquisa qualitativa, à luz de González Rey (2005a), o instrumento é útil para
melhor compreender o participante concreto da pesquisa, é um indutor que facilita a
expressão desse. O pesquisador preza mais pela relação estabelecida entre ele e o participante
e as expressões subjetivas deste, do que com registros objetivos que o instrumento pode
proporcionar. Para melhor compreensão das expressões subjetivas dos(as) participantes, foram
feitas dinâmicas conversacionais (Apêndice A) individuais com os(as) professores(as),
utilizando como indutor um texto sobre as Assembleias Escolares (Apêndice B).
Conforme González Rey (2005a, 2010) a dinâmica conversacional consiste em uma
conversação entre pesquisador e participante em torno de um tema - objeto da pesquisa.
Diferente de uma entrevista, a qual é pautada em perguntas e respostas e guiada pela lógica do
pesquisador, na dinâmica conversacional o pesquisador conduz a conversação de modo que o
participante possa se expressar livremente sobre o tema, com relatos abertos, cheios de
emoção e experiência de vida. Os indutores são ferramentas que auxiliam a pessoa na
33
reflexão, permitindo que ela resgate outros campos de sua experiência (González Rey, 2005a;
Mori, 2019).
As Assembleias Escolares por sua vez, conforme anteriormente explanado, consistem
no exercício da democracia e do diálogo para manejar as situações escolares. Elas têm como
foco especialmente o que se refere ao convívio escolar e às relações interpessoais.
Diante do novo coronavírus SARS-CoV-2, que gerou a doença pandêmica Covid-19 e
resultou, dentre outras coisas, no fechamento das escolas e isolamento social, a pesquisa foi
feita de forma completamente virtual. A escola em questão está funcionando com aulas e
reuniões completamente virtuais no período pandêmico de 2020-2021. Para tanto, as
dinâmicas conversacionais foram adaptadas para esse contexto, utilizando-se do recurso das
videochamadas.
Cenário Social da Pesquisa
Na pesquisa qualitativa, o principal cenário de pesquisa são as relações, as interações
entre o pesquisador e os participantes. Nesse sentido, todos os momentos de comunicação
expressos ao longo da pesquisa são relevantes para produção teórica (González Rey, 2005b).
O pesquisador teve um contato inicial com a diretora da escola, via e-mail, e apresentou sua
pesquisa e seus objetivos. Para construir uma boa relação, o pesquisador elogiou os projetos
sociais da escola e projetos feitos no período da pandemia. O pesquisador relembrou também
a boa relação entre a escola da pesquisa e o UniCEUB e os estágios já feitos na escola por
outros estudantes de psicologia. A diretora aprovou a realização da pesquisa na escola e
enviou para o pesquisador o contato da coordenadora do Ensino Fundamental II. O
pesquisador entrou em contato via email com a coordenadora do Ensino Fundamental II e
apresentou a pesquisa e seus objetivos. A coordenadora então demonstrou interesse na
pesquisa e selecionou previamente três professores os quais considerava professores
34
destaques na escola. A coordenadora então marcou uma reunião por videochamada com ela,
os professores do Ensino Fundamental II selecionados por ela e o pesquisador. O pesquisador
se apresentou para os professores e apresentou o objetivo da pesquisa e como seria a
participação de cada um.
O pesquisador ressaltou que gostaria de conversar ao longo do mês com os professores
para compreendê-los como eles estão vivenciando esse tempo na escola. O pesquisador
posteriormente contactou os participantes via e-mail, parabenizando-os por terem se
destacado na escola e por isso terem sido selecionados pela coordenadora. A interação inicial
do pesquisador com a coordenadora e a seleção por esta dos três professores de maior
destaque foi um importante cenário que permitiu uma maior sensibilização dos professores
para se tornarem participantes e se engajarem na pesquisa, sentindo-se prestigiados pela
coordenadora. Através de e-mails, foram marcadas as dinâmicas conversacionais com os
professores, as quais foram realizadas por videochamadas. Foram feitas conversações
individuais sobre o convívio na escola (as atividades da escola, o convívio com os
funcionários, a organização) e sobre as relações interpessoais (relações entre os colegas,
professores e alunos e possíveis conflitos) em uma postura mais de compreendê-los(as). O
pesquisador enviou para os participantes o TCLE (Anexo B), e marcou um dia para realizar a
dinâmica conversacional individual.
No dia da dinâmica, o pesquisador incentivou que o(a) participante se expressasse em
torno do tema do convívio escolar e das relações interpessoais a partir de suas experiências na
escola em questão. Depois de o(a) participante se expressar e o pesquisador conseguir
formular indicadores, o pesquisador falou das Assembleias Escolares, apresentando um
pequeno texto que explica o que são as Assembleias e experiências de como elas manejaram
conflitos no convívio escolar e nas relações interpessoais a partir de relações dialógicas e
35
valores pró-sociais (Apêndice B). O pesquisador então, a partir desse indutor (texto sobre as
Assembleias), permitiu que o(a) participante se expressasse a partir do que compreendeu das
Assembleias ou de outras experiências em torno do tema ou outras reflexões proporcionadas
pelo indutor. Em um último momento, o pesquisador junto com o(a) participante pensaram
em sugestões do que pensam que pode ser feito de forma concreta e exequível para manejar as
situações de conflito naquela escola, ampliando processos dialógicos entre os atores escolares
e incentivando valores pró-sociais. Foi enviado para os participantes o vídeo do MEC (Anexo
C) sobre as Assembleias Escolares e foi sugerido que eles fizessem com os alunos uma
reunião no estilo das Assembleias ou ao menos aplicassem os princípios de cidadania das
Assembleias na escola. A dinâmica conversacional durou em torno de 40 a 50 minutos, e o
pesquisador apresentou o indutor a partir dos 30 minutos iniciais, permitindo que nesse tempo
inicial surgissem expressões mais livres do(a) participante.
A participação dos profissionais foi dessarte concluída, porém o pesquisador
continuou disponibilizando seu email e contato caso futuramente o(a) profissional quisesse
relatar suas experiências na escola e dar feedback de como estão as relações e os conflitos
relatados na pesquisa. Ao concluir a pesquisa, o pesquisador se dispôs a enviá-la por email
caso os profissionais da escola queiram ou entregá-la pessoalmente na escola pesquisada.
Processo de Construção e Análise das Informações
Segundo González Rey (2005a) não há separação entre construção das informações e
análise dessas, pois o pesquisador constrói as informações a partir do diálogo com o indivíduo
pesquisado, fazendo construções teóricas, reflexões e interpretações das expressões subjetivas
desse indivíduo. Considera-se assim os “elementos não-controlados, que não aparecem
simplesmente em forma de registros objetivos, mas nas ideias e construções que o
pesquisador produz ao estudá-los (González Rey, 2005a, p. 76)”.
36
As informações foram analisadas durante a leitura da proposta pedagógica, dos outros
documentos e informações e também ao longo das dinâmicas conversacionais a partir da
formulação de indicadores, hipóteses e, por fim, construção de modelo teórico. À medida que
surgiram as falas dos(as) participantes, os trechos de suas expressões foram unidades
interpretativas essenciais na construção teórica (González Rey, 2010). Vale lembrar que não
se analisa apenas o que é dito, mas também como é dito (González Rey, 2005a). As unidades
de análise na presente pesquisa foram as expressões subjetivas dos(as) participantes e não as
configurações propriamente ditas. Segundo Mori (2019, p. 10), as configurações subjetivas
são construções hipotéticas que vão se organizando a partir de diferentes indicadores que
emergem no processo dialógico e que tomam vida como possibilidade de explicação pelo seu
valor como modelo teórico a partir do caso estudado. Os indicadores são as elaborações
hipotéticas que o pesquisador faz a partir de conteúdos explicitados nas falas dos(as)
participantes (González Rey, 2010), a fim de compreender as expressões subjetivas e formular
possíveis configurações subjetivas. À medida que o participante se expressa proporciona mais
conteúdos para o pesquisador formular os indicadores. O pesquisador pode reunir os
indicadores a fim de delinear hipóteses.
Essa segunda fase de formulação das hipóteses são hipóteses mais consistentes sobre
os processos subjetivos da pessoa, fundamentadas nos indicadores previamente elaborados
pelo pesquisador (Mori & Goulart, 2019). Vale ressaltar que à medida que os indicadores e
hipóteses são construídos, o pesquisador os confronta com as falas subsequentes do(a)
participante para continuamente ir reformulando esses indicadores e hipóteses.
Por fim, com hipóteses estruturadas e corroboradas pelas construções do pesquisador
ao longo da pesquisa, é possível construir um modelo teórico, isto é, ampliar as zonas de
sentido, os espaços de inteligibilidade sobre o fenômeno em questão. As construções teóricas,
37
a partir da perspectiva da Subjetividade, são compreendidas sempre como modelos em aberto,
os quais novas pesquisas podem continuamente aprofundarem e assim construírem “modelos
cada vez mais úteis para a produção de novos conhecimentos (González Rey, 2010, p. 6)”.
38
Análise e Construção das Informações
Construções a partir da análise documental
A escola pesquisada é uma escola privada, porém, com a grande maioria, em torno de
80% dos estudantes, pertencentes às classes C, D e E (Relatório de estágio, 2019). É uma
escola que possui uma mega estrutura, com quadras poliesportivas, espaços de lazer e cultura.
A escola também preza muito pela tecnologia, com projetos de robótica, e visa formar alunos
trabalhadores preparados para o mercado do século XXI e para as constantes inovações
(Proposta pedagógica da escola, 2020). Além disso a escola valoriza as competências
socioemocionais, afirmando que a maioria dos empregos, em um contexto cada vez mais
automatizado, exigirá dos candidatos “criatividade, trabalho em equipe, persistência, abertura
ao novo, comunicação e pensamento crítico” (Proposta Pedagógica da escola, 2020). Somado
a isso, a escola também possui projetos sociais e oferece serviços para ajudar pessoas em
vulnerabilidade social. É uma escola, portanto, que valoriza práticas pedagógicas inovadoras
(Martins et al., 2016; Rose, Afonso, Bondioli, Gonçalves, & Prezenszky, 2016) e possui um
discurso humanista (Branco, Freire, & González, 2012; Mundim Neto, 2017).
A escola em questão conta com apenas uma psicóloga escolar. A Psicologia, diante
desse contexto, poderia ter muitos espaços de atuação, auxiliando no desenvolvimento das
competências socioemocionais, nas habilidades intra e interpessoais, na participação da
construção de projetos culturais etc (Diálogos, 2019; Mitjáns Martínez, 2010). Segundo
relatos de experiências anteriores, porém, aparentemente a psicóloga tem dificuldade de
imersão nos projetos da escola e poucas entradas nas salas de aula, bem como uma relação
um pouco distante com os outros professores (Relatório de estágio, 2019). Essas dificuldades
e tensionamentos com a equipe são relativamente comuns de acontecer com os psicólogos
escolares no processo de construção dos espaços sociais de trabalho na comunidade escolar
39
(Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Penna-Moreira, 2007). O trabalho do psicólogo escolar
deve ter articulação com os trabalhos desenvolvidos por outros profissionais, em uma
perspectiva integradora, contributiva, e criativa a partir do olhar qualificado da Psicologia
(Mitjáns Martínez, 2010).
No momento da pandemia, a escola, assim como outras no Brasil e no mundo
(Schmidt et al., 2020), interditou seu espaço físico e continuou funcionando de modo remoto.
Os alunos, porém, perderam apenas uma semana de aula em Março, diferente de outras
escolas, no Brasil e no mundo, nas quais os atores escolares demoraram mais tempo para se
reorganizarem no contexto remoto, híbrido ou presencial (Unicef, 2021; Zimmerman et al.,
2021). Esse fato se deve principalmente à capacitação que os professores já tinham sobre as
ferramentas educacionais e plataformas online de educação. A escola já possuía uma
adaptação e atualização às tecnologias mais relevantes para o ambiente educacional e de
trabalho. A escola também foi protagonista em seu olhar social, estando atenta aos alunos
com menos condições socioeconômicas, que não tinham computadores ou condições de
participar de videochamadas nas plataformas virtuais. Para abarcar também esses alunos, as
aulas foram ministradas também através de aplicativos de mensagem de celular (Site da
escola, 2020). Paralelamente, durante o período de isolamento social, a escola lançou
campanhas de leitura para seus alunos, distribuindo kits de clássicos da literatura para cada
um dos alunos. O intuito desse projeto era que os alunos: “ ampliem conhecimentos culturais,
conheçam os autores [...], melhorem o seu vocabulário e se preparem melhor para a [...] vida”
(gestora da escola sobre o kit leitura, 2020).
A partir das informações expostas e de outras que foram obtidas no processo da
análise documental, é possível formular indicadores sobre como se configura a subjetividade
social dessa escola. É uma escola que tem como foco formar trabalhadores competentes para
40
o mercado do século XXI e com base nisso estrutura sua forma pedagógica e técnica de
educação. Esse é um indicador importante da subjetividade social e de como se configuram e
são pensados os processos educacionais por parte dos profissionais e gestores da escola. É
uma escola que expressa, por meio de discursos e representações, uma preocupação com as
tecnologias do momento. Aparenta contudo servir-se das tecnologias não para romper com o
modelo tradicional de ensino e superar as críticas a esse modelo, como as de Foucault
(1975/1999, 1979/2014) e Minayo (1994). Na verdade, ela valoriza as tecnologias a partir de
um pensamento ainda do modelo tradicional da educação moderna industrial, o qual pode ser
problematizado ao se considerar que esse modelo instrumentaliza a educação para abastecer o
mercado de trabalho (Kelday, 2021, no prelo). Dessa forma, a escola em questão, mesmo com
diferenciais e com propostas que consideram o contexto sócio-histórico e cultural do século
XXI, parece não se aproximar tanto de uma visão das práticas pedagógicas inovadoras, as
quais propõem novas filosofias e formas de enxergar o humano e a educação (Alternative
Education Resource Organization [AERO], 2020; Instituto Lasneaux, 2020; Marangon, 2004;
Montessoriana, 2020; Sociedade Antroposófica do Brasil [SAB], 1998).
Nesse sentido é possível ver uma coerência no fato de a escola valorizar tanto a parte
tecnológica quanto a saúde emocional dos alunos. Esses dois elementos, aparentemente
distintos, estão inter-relacionados no objetivo de formar trabalhadores do século XXI. Esse
indicador é corroborado quando, em seus documentos, os gestores escolares afirmam: “Em
relação ao trabalho, estima-se que a maioria dos empregos possa ser 30% automatizados e
portanto para as pessoas serem contratadas será mais exigido qualidades humanas (soft
skills)” (Proposta Pedagógica da escola, 2020). Isso mostra que o foco no trabalho e em
formar trabalhadores produtivos e páreos para a inserção e sobrevivência no mercado de
trabalho a partir das exigências do século XXI é uma configuração subjetiva dominante na
41
escola e que norteia os pensamentos e práticas dos gestores e atores escolares, que de certo
modo se articula às representações dominantes nas sociedades produtivas no século XXI..
Esses indicadores são importantes ao se confrontar também com relatos de que a
Psicologia Escolar tem pouca atuação e poucos espaços de inserção na escola em questão
(Relatório de estágio, 2019). Uma possível explicação é que a Psicologia tem como foco a
pessoa e com base nisso busca fazer trabalhos socioemocionais, relacionais, promoção de
autocuidado, combate ao preconceito e à violência escolar etc (Diálogos, 2019; Mitjáns
Martínez, 2010). Esses trabalhos da Psicologia Escolar podem ser difíceis de serem aceitos se
a equipe gestora não perceber um efeito direto ou indireto na promoção do trabalho, por
exemplo. Pode-se hipotetizar, portanto, que a Psicologia Escolar foca na pessoa (em todas as
suas dimensões), enquanto a escola em questão foca no trabalho e na formação de
trabalhadores. Essas duas visões ora podem convergir em determinadas práticas, ora podem
divergir e gerar tensões importantes. Mesmo com práticas convergentes, os objetivos e visão
da Psicologia podem ser diferentes dos objetivos e visão dos gestores ou outros atores
escolares, em grande parte devido a diferentes sentidos subjetivos configurados em relação ao
que pensam sobre o humano e a educação. Alternativamente, a visão da escola voltada para o
trabalho muitas vezes pode ser uma demanda da própria comunidade escolar à qual a escola
serve. Por serem alunos com média ou baixas condições socioeconômicas, muitos podem ter
a necessidade de conseguir emprego durante ou logo após a conclusão do período escolar.
Em relação ao projeto literário no período da pandemia, ele possibilita elaborar alguns
indicadores interessantes sobre a subjetividade social da escola. Ao mesmo tempo em que a
escola valoriza a tecnologia, no momento no qual os alunos estão imersos 100% no contexto
online durante a pandemia, a escola protagoniza projetos não-tecnológicos, que valorizam
não-eletrônicos como livros e a não-inovação, como os clássicos literários. Esse fator
42
evidencia o aspecto cultural, pelo qual a escola também preza, e talvez um certo equilíbrio
em relação à tecnologia - reconhecendo a necessidade humana de outros recursos
não-tecnológicos e não-inovadores, que possuem também uma riqueza e um importante papel
na formação humana e social. A presente análise não aprofundou as motivações e as
diferentes configurações subjetivas dos gestores que mobilizaram a idealização, planejamento
e implementação do projeto literário. Pela fala supracitada da gestora, porém, há indicadores
de que o objetivo do projeto era: cognitivo e cultural “ampliem conhecimentos culturais”,
pedagógico “melhorem o seu vocabulário”, e profissional “se preparem melhor para a [...]
vida”. Esse projeto, porém, ainda se configura como no mínimo curioso e pode revelar
importantes indicadores sobre como a escola tensiona a valorização da tecnologia e da
cultura, eletrônicos e não-eletrônicos, inovação e clássicos, futuro e passado, tradição e
progresso etc.
É possível, portanto, mesmo com a análise de apenas alguns documentos e
informações disponibilizadas pela escola, perceber que ela preza por valores, como:
profissionalismo, inovação, liderança, postura empreendedora, domínio tecnológico e
apreciação cultural. Com isso é possível formular as seguintes hipóteses sobre as práticas
escolares e alguns aspectos dominantes sobre a subjetividade social da escola:
1. É uma escola alinhada às necessidades da comunidade escolar na qual está
inserida, profissionalizante e tecnicista, possibilitando a inserção dos alunos
no mercado de trabalho com competências desenvolvidas para o perfil
profissional exigido no século XXI.
2. É uma escola que investe muito na tecnologia, nas plataformas digitais
educacionais, na inovação tecnológica, na robótica, ao mesmo tempo com uma
43
visão equilibrada da tecnologia, investindo também em projetos culturais,
atividades esportivas e de lazer.
3. É uma escola com projetos de grande riqueza humana e social, nos quais
facilmente poderia se inserir a Psicologia Escolar, porém pela dificuldade de
relação entre a psicóloga escolar e os outros professores ou outros
profissionais, e a diferença de objetivos da psicologia e dos gestores,
configuram-se conflitos e dissonâncias entre os sentidos subjetivos que a
psicologia produz sobre o humano e a educação e os sentidos subjetivos dos
demais atores escolares.
Análise das dinâmicas conversacionais
Essas hipóteses, ainda incipientes, podem ser contrastadas com trechos de informação
das dinâmicas com os participantes da pesquisa, as quais serão relatadas a seguir. Foram
feitas dinâmicas conversacionais com três professores da escola em questão. Os professores
foram escolhidos pela coordenadora do Ensino Fundamental II por serem “dinâmicos,
flexíveis e de forte engajamento pedagógico” (sic). São eles:
F., está há 6 anos como professor de Filosofia do Ensino Fundamental II, há 2 anos
como professor de robótica e outros projetos na escola.
G., está há 13 anos como professora de Geografia do Ensino Fundamental II, há 1 ano
está ministrando aulas também para o Ensino Médio.
C., está há 1 ano como professora de Ciências da Natureza do Ensino Fundamental II,
há 1 ano como professora de projetos interdisciplinares cujos conteúdos são estudados e
trabalhados no projeto de leitura. Há 1 ano está em um projeto social da escola que visa
auxiliar alunos em situação de vulnerabilidade social.
44
A análise das falas dos participantes foi dividida em eixos, conforme os objetivos da
pesquisa. Esses eixos também se relacionam com as hipóteses anteriormente formuladas na
análise documental. Os eixos de análise são: (1) pré-pandemia e pós-pandemia; (2) relação
com a tecnologia, professores e alunos; (3) relação professor-professor e valores; (4) relação
professor-aluno e valores; (5) relação aluno-aluno e valores; (6) estratégias socioemocionais
para o campo virtual; (7) situações de conflito e assembleias escolares.
Pré-pandemia - pós-pandemia.
Inicialmente, o pesquisador perguntou como era a relação do participante com seus
alunos, considerando também o cenário da pandemia, o qual ocasionou mudanças e
reorganizações na escola. Os participantes F. e G. contextualizaram como eram as relações na
escola antes e após a pandemia. C. apenas relata como foi após a pandemia, período no qual
entrou na escola. F. relata que antes era mais fácil de se aproximar dos alunos, ter um contato
mais próximo, saber mais sobre o aluno e sobre a causa de alguns comportamentos que o
aluno demonstrava em sala de aula. F. diz que esse contato mais próximo é facilitado pelas
próprias matérias da área de humanas, tais como filosofia (matéria que ele leciona), geografia
e história. F. afirma que essa área lida com o humano e pensa sobre o humano e portanto tem
um olhar mais humanizado para os próprios alunos. Isso traz indicadores importantes sobre
os sentidos subjetivos (simbólicos e emocionais) que estão presentes no modo como F.
configura subjetivamente o conhecimento da matéria que ele leciona e a visão de ser humano
e das relações, aproximando-o de uma visão humanista (Kant, 1785/2019; Mundim Neto,
2017; Wojtyla, 1960/2015) e da promoção de uma cultura do encontro e favorecimento das
relações a partir da educação (Salgado & Ferreira, 2012; Wojtyla, 1960/2015). Esses
indicadores são reforçados quando F. conta o caso a seguir, o qual ocorreu pré-pandemia:
45
[...] o aluno não prestava atenção e passou uma semana, duas sem prestar atenção na
aula, era porque ele tava sem o óculos, olha a coisa mais simples, sem o óculos [...]
quando comecei a conversar, porque eu não fui direto, fui conversar, ele estava assim:
‘olha, você foi o primeiro que me perguntou porque que eu estava assim’. Então dá
para você notar a diferença dessa questão de estar mais próximo [...] a disciplina de
humanas permite chegar mais próximo né.
Com isso pode-se perceber a presença de sentidos subjetivos que configuram
subjetivamente o ensino de filosofia para F., como um olhar mais completo para o ser
humano, aproximando-se da filosofia humanista. Uma visão não conteudista de ensino, que
visa também compreender as relações que se estabelecem em sala de aula e aplicar os
próprios conceitos de ser humano da filosofia na relação que F. estabelece com seus alunos.
Os sentidos subjetivos em torno da configuração subjetiva de ser professor de filosofia para F.
incluem não apenas o passar o conteúdo para os alunos, aos moldes de uma educação
industrial (Kelday, 2021, no prelo), e sim uma apropriação do que é filosofia e, mais
especificamente, uma filosofia do humano, para aplicar essa visão humanizada na própria
vida, na relação com seus alunos em sala de aula. A Filosofia para F. não é apenas uma
matéria, mas uma configuração subjetiva importante que influencia e possui desdobramentos
nas várias áreas de sua vida, especialmente nas suas relações interpessoais na escola e
possivelmente em outros ambientes.
F. diz em seguida que a pandemia dificultou esse contato mais próximo, devido ao
contexto virtual, à dificuldade de os alunos abrirem as câmeras e de ligarem seus microfones
nas videochamadas. A mesma dificuldade foi encontrada na fala de C. Os problemas
enfrentados por professores, alunos e famílias em decorrência do ensino remoto emergencial
foram também levantados por Moraes e colaboradores (2020).
46
A participante G., no entanto, possui uma outra visão, afirmando que suas relações
com os alunos melhoraram após a pandemia. É possível observar essa afirmação no seguinte
relato de G.: “agora no online parece que, mesmo distante, a gente acabou se aproximando
mais do que no presencial. A carência deles, né, é assim bem maior, e aí no online acabou nos
aproximando mais, principalmente nos grupos de WhatsApp.”
G. relata que os alunos estão “se abrindo” mais com ela, estão mais carentes devido à
pandemia, e revelam situações mais íntimas deles, o que não acontecia pré-pandemia. Esse
clima emocional mais evidente no contexto escolar pós-pandemia é corroborado também por
Guilherme e colaboradoras (2020). Esses autores enfatizam o impacto psicológico da
pandemia nas pessoas, ocasionando efeitos como a fragilidade emocional, que se manifesta
no espaço escolar. A professora G. também diz que agora os alunos têm um contato mais
próximo e pessoal com ela, devido à participação dela em grupos de aplicativo de mensagem,
o que possivelmente traz transformações nas configurações subjetivas da relação professor e
aluno, podendo torná-la mais pessoal e íntima, favorecendo mais expressões emocionais por
parte tanto do professor quanto dos alunos.
Neste primeiro eixo, por conseguinte, é possível identificar já alguns valores
existentes nas relações professor-aluno dos participantes. Dentre esses valores estão:
acolhimento, escuta, solidariedade, humanização das relações, proximidade, expressividade
emocional. Com isso também já é possível problematizar as hipóteses anteriormente
formuladas, especialmente a primeira e a terceira. Os professores mostram valorizar não um
ensino tecnicista e profissionalizante, mas verdadeiramente humano, um ambiente com
relações humanizadas e valorização da intimidade e do emocional dos alunos. Uma visão que
favorece a atuação da Psicologia Escolar, o que também ao longo da conversa será
47
confirmado. De fato, esses professores falaram que possuem abertura e boas relações com a
psicóloga da escola em questão.
Relação com a tecnologia, professores e alunos.
O pesquisador questionou os participantes sobre as relações professor-aluno e sobre a
questão da pandemia. Nesse momento conversacional, os participantes de modo espontâneo
se pronunciaram também sobre a questão da tecnologia, como um fator que fora inserido na
escola e tem impactos na relação professor-aluno e demais relações entre os atores escolares.
Em relação à tecnologia, a professora C., a qual chegou na escola durante a pandemia, em
Julho de 2020, disse ter se utilizado da tecnologia para favorecer sua relação com os alunos.
Ela conta que, em seu primeiro dia de aula, propôs jogar com os alunos um jogo de desenho
online, Gartic. O jogo aproximou ela afetivamente dos alunos, possibilitou boas interações e
também permitiu uma maior liberdade na forma como os alunos falam uns com os outros e
com a professora. C. conta que uma das falas as quais apareceram durante o jogo foi: “ah,
mas que absurdo, quem desenhou isso?”, mostrando a liberdade de expressão emocional dos
alunos durante o jogo e possíveis repercussões dessa liberdade posteriormente nas aulas. O
jogo, dessarte, foi um mobilizador de sentidos subjetivos, os quais podem compor a
configuração subjetiva da relação professor-aluno no contexto educacional de C. com seus
alunos.
C. conta também que busca estratégias para os alunos abrirem as câmeras nas
videochamadas e para os alunos se envolverem mais durante as aulas online. Ela diz que em
uma das aulas fez uma brincadeira com os alunos, dizendo que: “quem abrisse a câmera, a
professora iria fazer alguma coisa eles pedissem”, “uma prenda”. Outra estratégia é sempre
quando ela faz a chamada ter um ajudante. Ela faz a chamada junto com eles para eles
mesmos irem chamando uns aos outros. Outra estratégia é um combinado que ela estabeleceu
48
com a turma: “Chamei o aluno 5 vezes, o aluno não atendeu, eu tiro o aluno e chamo ele de
volta para a chamada.” Uma forma de fazer os alunos se envolverem com a aula e se
implicarem em seu processo de aprendizagem ativamente, já que o contexto virtual muitas
vezes favorece uma posição mais passiva e cômoda dos alunos. Essa última estratégia,
porém, ela diz que alguns alunos ficam chateados, mas depois ficam bem ao perceber que é
uma brincadeira da professora e que não afetará sua nota e não acarretará em punições, sendo
apenas uma forma de a professora convidá-los a participar da aula.
Com isso é possível elencar um indicador da relação de C. e seus alunos através da
tecnologia. C. usa a tecnologia para favorecer as relações com seus alunos, para se encontrar
com eles, permitir expressões emocionais e um clima emocional mais descontraído na sala de
aula virtual. C. demonstra se preocupar com cada aluno, e fazer questão de eles estarem
presentes em sua aula e serem ativos em seu processo de aprendizagem, o que é perceptível
pelas estratégias pedagógicas e relacionais que ela adota com seus alunos. Ela se serve de
tecnologias educacionais como os jogos virtuais para favorecer as relações e de mecanismos
das plataformas virtuais, como o poder de retirar pessoas da chamada e convidá-las
novamente. Com essa atitude, C. provavelmente tem a intenção de favorecer a participação e
o protagonismo do estudante. A forma como ela faz a chamada, também reforça esse
indicador de que: C. prioriza uma boa relação com seus alunos, um bom clima emocional em
sala de aula; ela também parece ter necessidade de ter um contato próximo, mais humanizado
com os alunos; valoriza um ambiente mais descontraído com fala mais livres dos alunos e
expressões emocionais. Além disso parece que C. tem uma necessidade grande e talvez uma
certa inquietação de que todos os alunos estejam presentes, participando ativamente das aulas
e gostando das aulas. Parece que para C. a configuração subjetiva da relação professor-aluno
e do contexto de sala de aula são compostas por sentidos subjetivos de descontração, alegria,
49
intimidade, liberdade de expressão, engajamento de todos, participação ativa etc. Isso por
vezes pode gerar sofrimento em C., o que fica evidenciado em sua fala:
Eu gosto de atingir todo mundo. Eu acho que talvez seja um problema, acaba sendo
um problema e uma solução né. Por eu querer atingir todo mundo, eu quero que todo
mundo participe. E às vezes os alunos da aula online nem estão ali. Eu tento que todos
participem, eu chamo, vamos fulano, vamos participar com a gente. Assim, é
desgastante.
Essa problematização em relação à tecnologia e às relações foi também exposta por
F., o qual, sendo professor de filosofia e do projeto de robótica da escola, fez reflexões
interessantes. F. afirmou que:
a vida do outro tornou-se algo frio também como a tela do computador [...] o que eu
escuto são vozes [...] eu falava que o mundo voltado para tecnologia era o mundo que
te levava, te deixava sempre dentro de casa e no escuro, porque a tela já brilhava
sozinho e você precisava fechar as cortinas para não ver a claridade lá fora e a
tecnologia causa isso.
Destarte, esse segundo eixo consegue problematizar a segunda hipótese. De fato os
professores parecem ter uma visão equilibrada da tecnologia, identificando pontos positivos e
também pontos que podem ser conflitantes com as relações humanas. F. tem uma postura
crítica em relação à tecnologia e C. usa a criatividade para tornar a tecnologia sua aliada para
favorecer as relações e fazer emergir ricas e livres expressões emocionais dos alunos. A
insistência com a qual C. busca essa melhora nas relações através da tecnologia e o
sofrimento envolvido nesse processo corrobora o que F. traz: muitas vezes a tecnologia é fria
e esfria as relações e o contato humano, fazendo com que as pessoas tenham que
continuamente se esforçar para humanizar essas relações.
50
Relação professor - professor e valores.
Ao pesquisador questionar os participantes sobre as relações deles com os outros
professores e outros profissionais da escola, G. relata que há uma boa relação e uma
cooperação entre eles. Os professores já vinham fazendo capacitações para as plataformas
online mesmo antes da pandemia. G. contou que tem dificuldade de acompanhar, pois a
tecnologia está sempre avançando. Ela então diz que já pediu ajuda para seus colegas
professores e diz que eles fizeram videochamadas, construíram tutoriais, mandaram
mensagens, ensinando-a a mexer em algumas tecnologias educacionais com as quais ela tinha
dificuldade. G. falou que, quando algum dos professores tem dificuldade, por exemplo com
ferramentas tecnológicas, os professores se ajudam.
C. também relata um bom clima com os outros professores. Ela conta que chegou na
escola no meio da pandemia e por conseguinte teve pouco contato presencial com os
professores. Não havia mais os encontros nas salas dos professores e as reuniões pedagógicas
eram em sua maioria virtuais. C. conta que apenas no final do ano de 2020 teve reunião
presencial e ela pode ver e conhecer fisicamente os professores. C. diz que, mesmo assim,
sentiu-se desde o início muito acolhida pelos colegas: “a professora que me passou as turmas,
ela me acolheu muito bem, a coordenação também me acolheu muito bem. Um outro
professor também [...]. Então assim eu fui muito acolhida.”
C. diz que, mesmo sendo recente na escola, desde o início buscou contato com os
professores, já que estava encarregada de projetos interdisciplinares. Ela afirma ter tido “uma
interação muito grande com os outros professores”. A participante G. também ressalta a
questão da interdisciplinaridade. G. diz que os professores trocam informações entre si sobre
o que falaram em uma aula e pode refletir em outra aula, algo que os alunos gostaram e
podem comentar em outra aula de outro professor, etc. G. fala que essa interdisciplinaridade,
51
essa troca entre os professores, já existia antes da pandemia e continua existindo, mesmo que
de forma mais dificultada pelo contexto virtual. Ela também compartilha que, quando um
professor faz um trabalho legal com a turma, fala para outro professor e os professores
relatam uns para os outros, incentivando os trabalhos dos colegas profissionais. O trabalho
interdisciplinar e integrativo é visto de forma positiva por Mitjáns Martínez (2010), incluindo
também a psicologia escolar. A autora enfatiza a importância de um trabalho em equipe na
escola.
Destarte, é possível elaborar alguns indicadores de sentidos subjetivos que estão na
articulação da subjetividade individual e da subjetividade social, implicadas na relação
professor-professor. Há sentidos subjetivos de valorização das práticas dos outros
profissionais, incentivo mútuo dos colegas professores, que podem gerar a percepção de
como a atuação de um professor impacta na aula de outro professor. Em termos de ações
práticas, existe esse auxílio mútuo dos professores quando possuem dificuldade, disposição
para ajudar os colegas, o que pode favorecer de modo geral um ambiente social confortável
para expor dificuldades pessoais e profissionais etc. Essa cooperação entre os professores
pode ter se intensificado em termos emocionais em decorrência da pandemia, porém pelos
relatos parece que já existia pré-pandemia. Pode-se também afirmar que há valores
permeando essas relações, como: solidariedade, cooperação, interdisciplinaridade, escuta,
acolhimento, humildade, união, sinergia, abertura ao outro, reconhecimento do outro,
confiança.
Relação professor - aluno e valores.
Quando o pesquisador perguntou sobre a relação professor-professor, alguns
participantes falaram também sobre o entrelaçamento entre a relação professor-professor e
professor-aluno. G. diz que algumas coisas da relação professor-professor ela leva para os
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alunos para favorecer a relação com os alunos de pessoa-pessoa, relações mais
horizontalizadas e não relações de superior-subordinado. As falas de G. sobre sua relação
professor-aluno corrobora os indicadores já formulados e reforçam a ideia de que há sentidos
subjetivos em torno da configuração dessa relação marcados por valores como intimidade,
proximidade e pessoalidade.
G. fala que no início não sabia mexer com a tela interativa, viu que os outros
professores usavam, comprou e não sabia mexer. Aí os outros professores a ajudaram,
ensinaram e ela então passou a conseguir mexer e os alunos e ela comentaram: “eita,
professora a senhora aprendeu! Aprendi, tá vendo, foi igual vocês [...]”. Em outras ocasiões,
G. compartilha essas situações de aprendizado dela para os alunos. As falas de G.
demonstram que ela expõe aos alunos que também está em processo de aprendizagem como
eles, para favorecer a relação de proximidade professor-aluno e para auxiliá-los também na
parte pedagógica, incentivando-os a fazerem as atividades e as provas. G. parece servir-se de
suas fragilidades humanas para favorecer as relações com seus alunos. A fragilidade humana
como algo comum entre ela e os alunos, a qual proporciona relações mais horizontalizadas e
maior proximidade afetiva, empatia.
G. afirma que alguns alunos estão tendo dificuldades de entregar as atividades no
prazo. Às vezes porque não possuem impressora para imprimir as atividades, outras vezes
porque não estão em condições emocionais para fazer as atividades, e outras porque
esqueceram. Moraes e colaboradores (2020) falam dos desafios e dificuldades que envolvem
o ensino remoto emergencial, como o aspecto socioeconômico e Guilherme colaboradoras
(2020) falam também da questão emocional. Nesse contexto remoto e pandêmico percebe-se
uma dificuldade de os alunos reorganizarem sua rotina de estudo. G. diz que, junto com os
alunos, busca formas de eles conseguirem fazer a atividade, de imprimir, estender um pouco
53
o prazo etc. Ela também fala com eles sobre a importância de eles apresentarem suas
situações para os professores e terem responsabilidade. G. também conta situações da
realidade dela para favorecer essa maior proximidade:
“A coordenadora me pede uma atividade: ‘ai não aguento mais a coordenadora me
pedindo essas coisas, ai que saco’. Eu falo, não, eu tenho que fazer. ‘Coordenadora, eu
esqueci, mas eu vou fazer e amanhã eu vou te mandar’. No outro dia: ‘Coordenadora
aqui ó, eu estou te mandando aqui, você me desculpa, mas já está aqui’. Pronto.
Resolvido o problema. Então eu tento passar muito isso do que a gente vive.”
Dessa forma, alguns indicadores já construídos na análise são corroborados e outros
podem ser feitos. G. tem uma relação de proximidade com os alunos, permite expressões
emocionais deles e também se expressa emocionalmente para eles. Ela relata as experiências
pessoais de sua relação com os professores e outros profissionais da escola, de forma que
essas experiências são sentidos subjetivos através dos quais ela busca mobilizar outros
sentidos subjetivos nos alunos, construir com eles valores como responsabilidade e confiança.
Em relação à confiança, ela explicita a forma como buscou construir esse valor com os alunos
ao modificar a estrutura das avaliações devido à pandemia. Ela diz que está permitindo
consulta ao livro, não em uma postura de liberar a ‘cola’, mas de permitir o aprendizado, em
uma relação de confiança com os alunos. G. diz que os alunos se assustaram com essa
mudança na avaliação, achando que a professora estaria liberando a ‘cola’. G. então
respondeu a esses questionamentos com os exemplos de sua relação com a coordenadora:
“imagine a coordenadora me pede um trabalho e aí na hora: ‘eu não sei, pera aí, deixa eu
olhar aqui no meu livro’. Aí eu pego meu livro: ‘ah lembrei, tô fazendo!’ Eu colei? Não, eu
aprendi.”
54
Relação aluno - aluno e valores.
O pesquisador também questionou os participantes como eles viam a relação entre os
alunos, considerando também o atual contexto virtual e o fato de os alunos não estarem se
encontrando presencialmente, nem interagindo por exemplo no recreio. C. tem uma visão
interessante sobre os alunos. Ela diz que no contexto virtual parece que os alunos os quais
não falavam muito presencialmente estão se sobressaindo mais e se sentem mais à vontade
para falar no ambiente virtual. Já os alunos que eram mais falantes no presencial, agora no
contexto online, parece que estão “mais apagados”. C. diz que outros professores também
comentam sobre isso: “olha, tal aluno no presencial era muito tímido, agora no online ele está
falando bastante”. O ambiente virtual trouxe então mudanças significativas na configuração
do espaço social e relacional de alunos e professores, modificando as posições sociais dos
alunos. A posição social dos alunos na sala de aula influencia na configuração das relações
nesse espaço, conforme exposto por Mitjáns Martínez e González Rey (2017c) e por Tacca e
Branco (2008).
Os participantes identificaram também diferenças ligadas à fase de desenvolvimento
dos alunos. F. e G. explicitam uma diferença de pensamento e comportamento entre os alunos
de diferentes anos do Ensino Fundamental II.
Em relação ao 6º ano, por exemplo: F. afirma que os alunos do 6º ano não têm
vergonha uns dos outros, abrem a câmera sem se importar com sua aparência, se tomaram
banho ou não, se estão de pijama ou não, se estão com o cabelo arrumado ou não. F. diz que
os alunos de 6º ano também lidam melhor uns com os outros, querem saber sobre os outros,
perguntam como os colegas estão etc. G. diz que os alunos do 6º ano ainda são muito crianças
e gostam muito de falar, são muito participativos nas aulas e muitos falam ao mesmo tempo,
não esperam um a vez do outro de falar. G. explica que os alunos gostam de pesquisar e falar
55
sobre os assuntos da matéria e ir além. Ela afirma: “eu falo que eles viajam na maionese, né.
Eu falo assim: não, vamos voltar, vamos voltar para a Terra [...] a gente tem que botar um
freio neles senão vão embora.”
Em relação aos 7º, 8º e 9º anos: F. diz que os alunos do 7º ao 9º têm mais
preocupação com sua autoimagem. Ele diz que os alunos começam a ter vergonha do outro
adolescente, o outro torna-se uma barreira. Por medo de ser julgado pela aparência, por
exemplo, eles podem até falar no microfone, mas não abrem a câmera. F. e G. dizem que
esses comportamentos vão se acentuando com o passar dos anos, diminuindo o grau de
participação dos alunos nas aulas e a abertura das câmeras. Em relação à abertura de câmeras
dos alunos a partir do 7º ano, F. tem percepções interessantes. F. diz que os alunos que ligam
as câmeras são quem recentemente cortaram o cabelo, ou, principalmente as meninas, são as
que se maquiaram, passaram batom, arrumaram o cabelo. Ele diz que essa questão da
autoimagem é mais forte nas meninas, afirmando que os meninos mais facilmente abrem as
câmeras, mesmo sem estarem com cabelo arrumado, por exemplo. A autoimagem mostra-se
então como uma questão importante para a convivência dos adolescentes em geral e para as
meninas em particular. Essa questão da autoimagem e necessidade de aceitação que o
adolescente tem com seus pares é também vista nos estudos de Campolina e Oliveira (2012).
F. e G. relatam que os alunos do 7º ano têm comportamentos e pensamentos mais
parecidos com alunos do 8º e do 9º. A professora G. faz uma pequena diferenciação do 7º,
afirmando que os alunos são ainda participativos. São menos que o 6º ano, porém mais que os
anos posteriores.
G. percebe uma relação afetiva entre os alunos do 8º ano. G. diz que eles gostam de
compartilhar seus problemas, mesmo alguns sendo “bem confidenciais”, eles se expõem para
os colegas. G. diz que um aluno se identifica com a situação que o outro está passando e eles
56
se ajudam entre si. G. diz que os alunos gostam muito de participar quando na aula ela
envolve outros assuntos fora a matéria. Na pandemia principalmente ela percebe os alunos
mais carentes. G. criou, junto com os alunos, um grupo em aplicativo de mensagem. Ela
conta que os alunos perguntaram se podiam criar o grupo e ela apoiou. É um grupo dos
alunos de uma turma do 8º ano. Eles também quiseram incluir a professora G. no grupo. Ela
afirma que, nesse grupo de aplicativo, eles estipularam para não falar “nada de escola”. Eles
têm outro grupo de escola e esse é para “conversar outras coisas na hora que tiver a fim,
mandar memes [...]”. Nesse grupo eles também combinam de jogar juntos alguns jogos
virtuais. G. conta que eles colocaram o nome do grupo de “Alegria Total” e na descrição do
grupo colocaram: “uma família junto se resolve tudo”.
Essas situações de G. com seus alunos possibilitam importantes indicadores de como
se configura a subjetividade social da sala de aula de G. e as relações nesse espaço,
especialmente aqui com a turma de 8º ano. Essas informações de G. reforçam os indicadores
já formulados, de que sua relação com os alunos (e de certa forma, também dos outros
professores participantes da pesquisa) é marcada por valores como: intimidade, proximidade,
pessoalidade, horizontalidade e expressividade emocional. Além disso, há os valores de
responsabilidade e confiança, já identificados nas construções anteriores. A configuração
subjetiva das relações entre professor-aluno é permeada por um bom clima emocional
continuamente cultivado e cuidado. Esses sentidos subjetivos da relação professor-aluno
também reverberam na configuração das relações aluno-aluno e favorecem boas relações
também entre os alunos. Isso possibilita uma subjetividade social na sala de aula que propicia
a postura dos alunos como possíveis sujeitos, que podem agir como protagonistas de seu
processo de escolarização, como é a proposta das metodologias ativas e práticas pedagógicas
inovadoras (Alternative Education Resource Organization [AERO], 2020; Instituto Lasneaux,
57
2020; Marangon, 2004; Montessoriana, 2020; Sociedade Antroposófica do Brasil [SAB],
1998).
F. fala que os alunos de 9º ano não costumam abrir as câmeras. C. também é enfática
ao dizer que a “a exceção é abrir a câmera”. A professora G. exprime que os alunos do 9º ano
são “mais calados”. F. porém fala que fica atento quando alguém abre a câmera, pois
normalmente o aluno quer comunicar algo para a turma e para o professor. F. relata uma
situação interessante que aconteceu em uma turma de 9º ano:
O menino colocou a máscara do homem-aranha. Se fosse no 6º ano eu ia achar
normal, mas era lá no 9º ano. [...] colocar a máscara do homem-aranha, ligar a câmera
e ficar calado. O que que ele queria que você identificasse? O que que ele queria
mostrar? [...] comentei a máscara do homem-aranha e falei sobre o filme. [...] aí em
algo de 2, 3 minutos ele tirou a máscara e começou a conversar. [...] Eu percebi ou
recepcionei a ideia ou a atitude dele como sendo assim, que ele queria ser visto
naquele momento.
F. exprime que nunca pede para os alunos abrirem as câmeras, diz que eles ligam
espontaneamente quando eles querem ligar. F. diz que, ao perceber que algum aluno ligou a
câmera, ele busca compreender o que o aluno está tentando comunicar com esse gesto. Ele
fala que o aluno “colocou um brinco ou está com [...] uma roupa diferente [...]. Ele vai ligar a
câmera para que você note, que para você comente. Se você não comentar, de certa maneira
causa uma frustração nele. Então sempre tô atento a isso.” F. diz que, ao perceber a
mensagem que os alunos querem passar ao abrir as câmeras, ele os anima: “olha que legal, e
essa camisa, ficou legal, e esse boné!”.
Essas situações vividas por F. reforçam os indicadores já formulados sobre sua relação
com os alunos, que possivelmente também beneficia a relação dos alunos entre si em suas
58
aulas. Mais uma vez, F. atribui à filosofia esse olhar humanizado que possui: “eu costumo
falar para os colegas, falo assim: ‘talvez é a questão da filosofia, ela pega muito isso’, e eu
sou muito detalhista né”. Essas informações confirmam os indicadores de que F. preza por
uma relação humanizada com seus alunos, tem um olhar diferenciado para o humano,
demonstra valorizar cada pessoa humana em sua alteridade, em sua singularidade,
aproximando-se de um autêntico humanismo em discursos e práticas (Kant, 1785/2019;
Mundim Neto, 2017; Wojtyla, 1960/2015). O humanismo e a humanização das relações
mostram-se valores importantes para F., os quais integram e dão sentido à configuração
subjetiva de Filosofia e de ser professor de Filosofia para F. Ao mesmo tempo, essas mesmas
configurações subjetivas impulsionam a visão humanista de F. e fortalecem essa visão em
suas relações. O humanismo e a Filosofia para F. podem ser caracterizados como processos
subjetivos que se constituem mutuamente de forma recursiva e alimentam também outras
configurações subjetivas, nas relações com os alunos, com os professores e possivelmente em
outros espaços de relações em sua vida. São configurações e sentidos que demonstram
reverberar inclusive no projeto de robótica o qual ministra, provavelmente alimentando
também a configuração subjetiva que F. produz sobre a tecnologia e sua visão crítica em
relação a esta.
G. coloca uma visão geral sobre os comportamentos dos alunos do 6º ao 9º ano em
relação às provas. Ela diz que os alunos do 6º ao 8ª ano não consultaram o livro, nem
pesquisaram as respostas corretas para copiar e colar nas provas. G. percebeu isso através das
notas. Ela manifestou ter valorizado essa postura dos alunos. G. afirma que outros professores
também comentaram sobre isso. Ela então parabenizou os alunos por isso e melhorou a nota
deles, por terem mostrado essa responsabilidade e cultivado a relação de confiança. Esses já
foram valores vistos como importantes para G. Somado a esses pode-se identificar também o
59
valor da honestidade. Ela diz, porém, que os alunos do 9º ano já são mais “espertos”, já
pesquisam e colocam nas provas o que pesquisaram. G. exprime que, com esses
comportamentos e outros supracitados, ela consegue ver a “fase da adolescência ano a ano”.
A partir das informações apresentadas, pode-se construir indicadores sobre os valores
presentes nas relações aluno-aluno, as quais se mostraram ser propiciadas pelas boas relações
professor-aluno estabelecidas. No tocante ao 6º ano, destacam-se valores como: engajamento,
participação, estudiosidade, maravilhamento com o conhecimento, transparência, curiosidade,
amizade, positividade na concepção sobre o outro. Do 7º ano 9º, alguns valores em comum
aparentam ser: autoimagem, reputação, aparência, aceitação no grupo. Além desses, no 7º em
específico, ainda há a participação como um valor para a convivência. No 8º há também
valores de: intimidade, proximidade, expressividade emocional, amizade e união. No 9º,
percebe-se os valores já mencionados de autoimagem, reputação, aparência e aceitação no
grupo de forma mais acentuada. Há também o valor de negatividade na concepção sobre o
outro (o oposto do 6º ano). Isso pode estar gerando um possível sofrimento nos alunos e
receio de falar ou se mostrar pelo julgamento que podem receber de seus pares ou que
imaginam estar recebendo. A questão da necessidade da aceitação grupal pelo adolescente
torna-se muitas vezes uma configuração subjetiva dominante a qual se impõe sobre outras
configurações e sentidos subjetivos e desmobiliza o adolescente na produção de sentidos e
configurações subjetivas alternativas, fazendo-o querer inibir suas expressões subjetivas na
presença de seus pares (Campolina & Oliveira).
Essas formas diferentes de pensar e agir conforme os anos do Ensino Fundamental II
são configuradas subjetivamente a partir de aspectos individuais de cada adolescente e
também aspectos sociais e culturais. Essas diferentes configurações subjetivas construídas ao
longo da adolescência são marcadas por processos de desenvolvimento biopsicossociais
60
(Campolina & Oliveira, 2012). Há um emaranhado de sentidos e configurações subjetivas
presentes na adolescência, como: construção das identidades individuais e grupais,
construção da autoimagem, descoberta de desejos e interesses próprios ou coletivos, etc.
Esses processos subjetivos se desdobram em distintas formas de se relacionar entre os alunos
do 6º ao 9º ano, nesse recorte de 11 a 15 anos, com algumas diferenças também entre
meninos e meninas, conforme relatado pelos participantes e pela literatura científica de
Campolina e Oliveira (2012). Muitas vezes há grandes transformações entre um ano e outro,
devido à intensidade com que muitas vezes o adolescente vive sua construção e
desconstrução de identidade, de autoimagem, de pertença a um grupo ou mudança de grupos.
Além do mais, há processos biológicos, como o papel dos hormônios, os quais começam a se
intensificar, e a maturação cerebral, que passa por um processo de complexificação até em
torno dos 21 anos da pessoa (Campolina & Oliveira, 2012). Somado a esses aspectos, há
também a contínua transformação cultural, a imposição das modas e tendências, as quais
também são voláteis, a influência da mídia e redes sociais, as ideologias e filosofias de vida
propagadas e vividas por artistas ou influenciadores etc. Esses diferentes elementos culturais
estão presentes na subjetividade social na sociedade ocidental contemporânea e afetam de
modo particular os adolescentes (Campolina & Oliveira, 2012).
A visão da Teoria da Subjetividade sobre o desenvolvimento subjetivo da pessoa o
compreende como perpassado por representações e emoções, atravessado por processos
individuais e sociais. Sob essa ótica, esses diferentes fatores biopsicossociais serão
configurados subjetivamente por cada adolescente a partir dos recursos subjetivos que eles
possuem e que estão construindo para lidar com a realidade, com eles mesmos e com outros
(Campolina & Oliveira, 2012). Esse processo é singular para cada adolescente e também tem
diferentes produções subjetivas em cada fase do desenvolvimento. Além disso, os diferentes
61
fatores biológicos, psicoemocionais e socioculturais são configurados subjetivamente de
forma recursiva, um constituindo o outro, e alimentam diferentes processos e configurações
subjetivas nas diversas áreas da vida do adolescente (Campolina & Oliveira, 2012).
Estratégias socioemocionais para o campo virtual.
Ao pesquisador questionar sobre as relações professor-aluno, os participantes
exemplificaram situações interessantes que estavam vivenciando e estratégias que estavam
implementando para favorecer as relações na escola no ambiente virtual. F. expõe que, neste
período de pandemia, está usando a criatividade, pensando em estratégias para continuar
humanizando as relações, agora esfriadas pelo ambiente virtual. Ele afirma ter apenas uma
aula por semana, porém faz questão de, nos primeiros 20 minutos, conversar com os alunos.
F. diz que isso faz com que ele identifique as realidades dos alunos, as necessidades deles e
também faz os 30 minutos restantes de aula renderem mais. Isso mostra que as estratégias
adotadas por F. em sala de aula têm efeitos relacionais e também pedagógicos. F. também
fala que, durante a explicação da matéria, para e pergunta se os alunos estão entendendo, se
estão gostando. F. diz: “é para tentar mostrar para ele [...] olha, você é importante, [é
importante] você dar opinião. [...] é uma forma de construir esse cidadão, se expressando,
sem medo de falar, mostrando aquilo que ele acha que é certo.” Isso remete aos indicadores já
construídos e confirmados sobre as configurações subjetivas de F. e seus valores.
Mais uma vez, é reforçado o valor que cada pessoa humana tem para F. Ele também
consegue incentivar o desenvolvimento de competências socioemocionais nos alunos, como
comunicação e pensamento crítico. Essas duas estão entre as habilidades interpessoais
consideradas fundamentais para a escola em questão, de acordo com a visão dela sobre o
mercado profissional do século XXI, como anteriormente exposto na análise documental.
Nesse sentido, F. desenvolve ações que estão alinhadas ao que a escola espera. A motivação
62
de F. contudo, é humanista e não mercadológica, todavia com prováveis reverberações nas
futuras atuações profissionais dos alunos. São ações humanistas as quais podem favorecer
produções de sentidos subjetivos pelos alunos e desenvolvimento de ações que influenciam e
influenciarão nas mais diversas configurações subjetivas de diferentes áreas da vida ao longo
da trajetória deles. Sentidos subjetivos esses que possuem caráter processual e dinâmico e
podem favorecer a produção de novos sentidos. As ações de F. de construir cidadãos se
assemelham também aos princípios e objetivos das Assembleias Escolares (Araújo, 2008).
Uma importante estratégia socioemocional adotada por F. é a música. Ele disse que
inicia sempre sua aula com uma música, uma música que os próprios alunos escolhem e
pedem. Ele diz colocar a mesma música para todos os anos e tem já uma lista de música que
os alunos sugeriram. F. afirma que a música constrói pontes, sintoniza as pessoas, faz
conexões, entre ele professor e os alunos, entre os alunos entre si e também entre os alunos de
diferentes anos e fases de desenvolvimento entre si. Ele diz que é a mesma música para todos
os anos e todos gostam das mesmas músicas, do mesmo estilo, sempre músicas escolhidas e
sugeridas pelos alunos. A música para F. e para os alunos mostra-se uma importante
configuração subjetiva caracterizada por vários sentidos subjetivos que permeiam as
configurações subjetivas da relação professor-aluno, aluno-aluno e da relação dos alunos de
diferentes anos entre si. É uma estratégia de F. que está impactando a subjetividade social de
todo o espaço escolar, das diferentes salas de aula entre si, possivelmente influenciando o
clima emocional de todo o Ensino Fundamental II. Estratégia que favorece valores como:
união, conexão, proximidade afetiva e empatia. A música, desde a Idade Clássica até os
tempos atuais na Idade Contemporânea, é conhecida pela sua influência nos estados
psicoemocionais das pessoas (Mesti, 2015). Essa influência, de acordo com Mesti (2015) é
expressa pela própria Filosofia, como Platão em ‘A República’, o que reforça o indicador da
63
importância da filosofia para F. como configuração subjetiva, sendo inspiração para seus
pensamentos e ações.
Ademais, F., como filósofo que é, fez notáveis reflexões sobre as músicas escolhidas
pelos adolescentes. Ele diz que são músicas alegres ou que contém críticas sociais, o que
considera ser temas que os adolescentes gostam. F. fala também que os alunos enviam para
ele as músicas com os videoclipes e ele assiste. F. percebeu que as músicas e os videoclipes
que os alunos sugerem, a maioria aborda elementos como sol, praia, estar junto com os
amigos. Ou seja, tudo o que eles não estão tendo atualmente na pandemia. F. percebe serem
esses temas e elementos uma constante nas músicas sugeridas pelos alunos do 6º ao 9º ano.
Ele diz que os alunos estão tristes, desanimados, mas não sugerem músicas tristes, nem
solidão, nem que remetem a estar dentro de casa. F. interpreta esses comportamentos dos
alunos como que mostrando a saudade que eles têm do mundo lá fora, da vida pré-pandemia.
Ele diz que percebe essa saudade se refletindo nas músicas e nas conversas dos alunos.
Os estudos de Guilherme e colaboradoras (2020) já haviam alertado para o impacto
psicológico da pandemia e principalmente a fragilidade emocional das pessoas por conta da
situação pandêmica. Parece que os alunos estão buscando recursos subjetivos para compensar
essa fragilidade emocional, como no caso música que remetem à alegria e boas memórias.
Além da fragilidade emocional, os alunos de F. parecem expressar um sentimento forte de
saudade ou saudosismo. O que está sendo vivido pelos alunos no contexto pandêmico
assemelha-se à sensação de saudosismo de pessoas que sentem-se longe de sua terra, como
por exemplo Gonçalves Dias, o qual expressou fortemente essa sensação em sua famosa
“Canção do Exílio”, em 1846 (Correio Braziliense, 2021). Assemelha-se também à sensação
dos europeus no período das Guerras Mundiais em relação a como começaram a enxergar a
vida antes das Guerras, que passou a ser denominada de Belle Époque (a bela época)
64
(Oleques, 2021). Isso sinaliza que as diferentes configurações e sentidos subjetivos
produzidos na subjetividade individual e social de forma recursiva durante o contexto
pandêmico vigente serão importantes elementos de análises para futuros trabalhos científicos,
particularmente da Psicologia.
Situações de conflito e Assembleias Escolares.
A partir de em torno de 30 minutos da dinâmica conversacional com expressões mais
livres dos participantes, o pesquisador mostrou o indutor: uma breve apresentação das
Assembleias Escolares e dois casos de conflitos escolares que foram manejados a partir das
Assembleias. O primeiro caso envolvia o aumento de preços da cantina e o segundo envolvia
assédio sexual dos meninos com as meninas. Ambos os casos eram de crianças em torno de
8-10 anos. Ao ser apresentada ao indutor, G. conta algumas situações de conflitos as quais ela
teve de manejar. Ela diz que presenciou uma discussão no grupo de aplicativo de mensagem
dos alunos (o qual ela também está inserida, sendo essa uma importante informação já
comentada anteriormente). A professora G. então mandou mensagem no grupo querendo
compreender o motivo da discussão. Os alunos falaram que era uma situação de homofobia,
um dos alunos manifestou postura agressiva contra pessoas homossexuais e o resto da turma
se colocou contra ele, com muita mobilização emocional de raiva. Estudos de Natarelli,
Braga, Oliveira e Silva (2015) evidenciam essa discriminação de adolescentes em virtude da
sexualidade. Esse tipo de violência contra pessoas por causa de sua orientação sexual é
também visto com preocupação e recebe atenção especial em dados oficiais do Disque 100 e
Ligue 180 (Brasil, 2020).
A professora G. então se colocou em uma postura de mediadora (nesse momento, G.
falou que se identificou com o que o pesquisador falou sobre as Assembleias e, ao recordar
essa situação de conflito, ela estava se sentindo como se naquele momento tivesse feito uma
65
Assembleia - mesmo sem conhecer as Assembleias até então). G. diz que percebeu que os
alunos estavam com o “sangue quente”, estava um clima emocional muito “acalourado”.
Somado a isso, ela diz que o contexto virtual por mensagem dificulta uma satisfatória
mediação de conflitos. Ela então quis primeiramente acalmar os alunos e falou para eles que
iria abrir essa pauta para conversar na outra semana durante a aula dela. Ela falou para os
alunos também que quando estamos mobilizados pela raiva acabamos falando e fazendo
coisas que não queremos. G. disse também aos alunos naquele momento: “uma boa conversa
se resolve tudo”. Os alunos concordaram. Esse posicionamento de G. frente a uma situação
delicada de violência se aproxima muito dos princípios das Assembleias Escolares. Uma
postura de não acusação de pessoas e sim manejo de situações conflituosas. Uma postura
também de não necessariamente chegar a um consenso, mas ao menos lidar com o dissenso
de forma não violenta (Araújo, 2008).
G. continua falando sobre esse mesmo primeiro momento com os alunos via
aplicativo de mensagem. Ela parece ter aproveitado a situação para proporcionar um
momento educativo e reflexivo com os alunos. G. disse a eles “às vezes ele se interpretou
mal, não era aquilo que ele queria [falar], mas a gente já tá crucificando. Aí você pensa
assim, se fosse eu que tivesse falado?”. Parece que G. foi para um caminho de proporcionar a
autorreflexão nos alunos e a empatia com o colega que, mesmo tendo falado algo ruim, agora
estava em uma situação de linchamento e exclusão grupal. G. então agiu em uma perspectiva
de acalmar os ânimos para depois conversar sobre a situação com os alunos quando ele não
estiverem mais mobilizados emocionalmente e conseguirem fazer reflexões mais racionais.
Por fim naquele momento G. disse que ia habilitar a função de apenas o administrador do
grupo (no caso ela) poder mandar mensagem no grupo de aplicativo. Os alunos concordaram
66
e asim ela o fez. Esse primeiro momento ocorreu pela manhã, G. conta que estava de atestado
e viu essa movimentação no grupo de aplicativo.
G. disse que à noite habilitou novamente para todos falarem no grupo e perguntou se
os alunos estavam mais calmos. Eles responderam que sim. G. falou inclusive que o colega
havia se retratado e pedido desculpa, inclusive para a psicóloga escolar. Essa situação estava
ainda recente no momento da dinâmica conversacional, G. falou que no dia seguinte
retomaria essa pauta com os alunos na aula.
Ao analisar o posicionamento de G., é possível perceber que ela agiu conforme os
princípios das Assembleias Escolares, ainda que não conhecesse essa prática pedagógica.
Mediou o conflito, proporcionou reflexões, empatia, retirou o acusado de uma posição
vexatória e buscou junto com os alunos formas não violentas de lidar e resolver a situação
(Araújo, 2008). Chama a atenção também o fato de G. não ter tocado no conteúdo do
conflito: a violência verbal contra pessoas homossexuais, baseada em preconceito contra
pessoas em virtude de sua orientação sexual, o que pode se expressar em atos de
discriminação. É portanto uma situação grave de violência praticada pelo aluno em questão
(Brasil, 2020; Natarelli et al., 2015).
A professora C., no entanto, tem um olhar mais voltado para as questões sociais. Ela
diz que o fato de estar trabalhando com projetos sociais da escola está ajudando-a a ter mais
sensibilidade a esses temas sociais. Ser professora de projetos sociais e ter de manejar
situações que envolvem pessoas em situação de vulnerabilidade social tornaram-se
configurações subjetivas importantes na vida de C. Essas configurações fizeram-na produzir
sentidos subjetivos que alimentaram outras áreas de sua vida, outras configurações subjetivas.
C. conta:
67
nunca atendi menores em situação de vulnerabilidade, eu tô aprendendo bastante [...] e
eu percebo e já conversei com os alunos, é que na verdade os problemas são atrás de
mim. Os problemas são em casa, são problemas emocionais, afetivos, que tiveram,
que acabou, que culminou e acabou em uma briga comigo. Antigamente eu estaria
levando muito para o pessoal, hoje em dia eu já levo assim: não, calma.
Estar em projetos sociais foi um mobilizador para C. produzir sentidos subjetivos de
empatia e sensibilidade ao outro. Contribuiu também para C. ampliar sua compreensão da
complexa trama de sentidos e configurações subjetivas que envolve as causas de conflitos e
comportamentos como uma briga de um aluno com o professor.
Assembleias Escolares - Caso 1.
Ao comentar sobre o Caso 1 das Assembleias Escolares (Apêndice B), C. conta como
teria feito nessa situação. C. conta que primeiro motivaria os alunos a fazerem uma pesquisa
de mercado, para eles verem se o preço da cantina aumentou apenas na escola ou em outros
ambientes comerciais. Só depois de ter proporcionar nos alunos essa noção mais
contextualizada sobre a situação do aumento de preços que ela motivaria ir falar com o dono
da cantina. Essa visão de C. se aproxima do que foi feito nesse caso nas Assembleias
Escolares (Gosuen, 2020). No caso, o professor mediador falou para os alunos os vários
fatores sociais e econômicos que podem estar associados ao aumento de preços na cantina e a
partir dessa conscientização, também mobilizada pelos próprios alunos, que, a partir de uma
votação com os alunos, o mediador os motivou a queixarem-se com o dono da cantina. Uma
diferença é a forma como C. proporcionaria essa conscientização - a partir de uma pesquisa
de mercado. Essa proposta de C. provavelmente confirma o indicador formulado de que os
projetos sociais fizeram-na produzir sentidos subjetivos de maior sensibilidade para questões
68
sociais, fazendo-na ter esse olhar voltado para o social. Esse olhar é perceptível quando C.
propõe a pesquisa de mercado e fica mais evidente quando C. comenta sobre o Caso 2.
Ao falar sobre o Caso 1, F. elogia a proposta das Assembleias. F. reflete sobre como o
posicionamento do professor mediador nesse caso pode ter auxiliado esses alunos para toda a
vida deles. F fala: “olha essa criança, quando ele for adulto, ele sabe [...] o dono ele tem que
pagar funcionário, ele compra produto de uma, pode aumentar [..]”. F. também fala sobre os
alunos desse caso, dizendo que eles conseguem ter uma visão crítica da situação, talvez mais
do que o professor estava esperando. É interessante ressaltar que os dois casos das
Assembleias, que foram indutores nas dinâmicas conversacionais com os participantes,
aconteceram com crianças em torno de 10 anos. As Assembleias Escolares são aplicadas com
crianças desde a Educação Infantil (Araújo, 2008). O fato de o caso 1 ser com crianças de em
torno de 10 anos impressionou F.
A postura de F. frente a essa situação também confirma indicadores já formulados
sobre sentidos subjetivos produzidos por F. que envolvem as configurações subjetivas de F.
em relação à filosofia e à sua relação com os alunos. F. valoriza e incentiva o pensamento
crítico dos alunos. Isso o aproxima de princípios das Assembleias e mais ainda das
competências socioemocionais que a escola em questão visa construir em seus alunos
(Araújo, 2008; Proposta pedagógica da escola, 2020).
Assembleias Escolares - Caso 2.
O Caso 2, C. diz ser mais complicado. Ela conta que nessa situação ela teria que
primeiro saber se a situação é verdadeira e ouviria os dois lados, tanto do menino que estava
fazendo isso quanto das meninas. Depois de ouvir os dois lados, ela disse que falaria tanto
com o menino quanto com as meninas sobre a importância de se respeitar o outro e o corpo
do outro. C. conta como falaria com o menino junto com as meninas, após ouvir os dois
69
lados: “a partir do momento que você deixou alguém desconfortável com a sua atitude, não é
uma atitude legal. [...] É um desrespeito ao corpo dela. Você quer respeito com o seu corpo,
tenha respeito pelo corpo do outro também.” Isso mostra uma aproximação de C. aos
princípios das Assembleias de ouvir os dois lados ou os vários lados de uma situação,
proporcionando também reflexões e incentivando valores como respeito ao outro (Araújo,
2008).
C. conta também que teria de entrar no assunto da sexualidade e explicar essa questão
sexual para os alunos, fazendo uma breve educação sexual no momento. C. coloca que
explicaria que existem partes íntimas as quais não podem ser tocadas e falaria isso tanto para
as meninas quanto para o menino. Ela diria para eles que, se fosse ao contrário, se as meninas
tivessem esse comportamento com os meninos, também seria errado. C. mostraria que tantos
meninos quanto meninas têm partes íntimas e limites objetivos e subjetivos ao toque em seus
corpos. Ela mostraria a eles um critério para saber quando a ‘brincadeira’ é legal ou errada:
“se está desconfortável para mim então está errado. Se a sua atitude está desconfortável no
meu corpo então não é uma atitude legal”. C. então aproveitaria a situação para proporcionar
um momento educativo para ambas as partes, ensinando também valores e princípios para
eles levarem para suas vidas. Valores como o respeito ao corpo, seu e do outro, e a
sensibilidade às sensações próprias e às do outro, sensibilidade de perceber quando tal
comportamento está sendo confortável ou desconfortável para si ou para o outro, exercitando
assim o autoconhecimento e a empatia.
Por fim, C. afirma que em um último momento da conversa falaria apenas com as
meninas. C. diria para as meninas que, na escola, ela como professora pode mediar a situação,
porém elas deveriam se preparar para se o fato ocorrer em outro ambiente, como na rua ou
em casa. “Se acontecer isso na rua você vai reclamar para quem? Tem que falar para a própria
70
pessoa: ‘Olha, não gostei. Não faça. O corpo é meu.’ Saiba se posicionar em relação a isso.”
C. conclui afirmando: “Eu tento levar para o lado social. Não é só o ensinar ali a matéria, tem
que ensinar os alunos para a vida.” Isso confirma os indicadores já formulados de que C.,
muito por conta de sua experiência em projetos sociais da escola, produziu sentidos
subjetivos ligados à educação e à relação professor-aluno marcados por esse olhar para
questões sociais e maior sensibilidade a temas sociais. Essa afirmação de C. de uma educação
para a vida é também presente em Kelday (2021, no prelo), como um desafio e uma
necessidade da educação contemporânea.
F. fala que gostou do Caso 2 e de como foi manejado na Assembleia, destacando
também o processo de reflexão do menino, o qual inicialmente defendeu o comportamento de
passar a mão no bumbum das meninas e em um segundo momento não falou mais nada e
depois não emitiu mais o comportamento. F. diz que esse formato das Assembleias
proporciona “senso crítico” e uma percepção das normais sociais, necessárias para um bom
convívio, afirmando que os seres humanos são “animais políticos”. Mais uma vez as falas de
F. confirmam os indicadores de sentidos e configurações subjetivas que perpassam sua visão
filosófica sobre o ser humano e seu alinhamento com a escola no desenvolvimento de
competências socioemocionais como o “pensamento crítico”.
71
Conclusão
É possível afirmar que os objetivos da pesquisa foram alcançados. Foi possível,
através das dinâmicas conversacionais, compreender as expressões subjetivas dos
participantes relacionadas a suas experiências no contexto escolar. A partir dessas expressões
foi possível formular indicadores sobre as relações entre professores e alunos, os valores
presentes nessas situações e a atuação desses professores em situações de conflito que foram
vivenciadas por eles ou como eles teriam agido nas situações dos casos das Assembleias
Escolares. Somado a isso, a pesquisa também logrou êxito em compreender de forma ampla,
como um panorama geral, a escola pesquisada a partir da análise documental. A partir das
construções das informações na análise documental, o pesquisador pode formular indicadores
e hipóteses sobre configurações e sentidos subjetivos que possivelmente constituem a
subjetividade social da escola.
A escola mostrou ser uma escola voltada para o século XXI. Uma escola que pensa o
humano do século XXI e a sociedade do século XXI. Para isso, ela busca formar
trabalhadores competentes para este século, com foco nas inovações tecnológicas e no
desenvolvimento de competências socioemocionais nos estudantes. Importante frisar que esse
olhar da escola é considerado por Kelday (2021, no prelo) como imprescindível para todas as
escolas contemporâneas, especialmente a partir do ano de 2021. A escola pesquisada é
portanto em grande parte uma referência para as escolas atuais, com diferenciais que a põe
em destaque e em posição de vanguarda em relação a muitas outras escolas brasileiras, as
quais muitas vezes continuam no modelo tradicional, refém das críticas de Foucault
(1975/1999, 1979/2014), Minayo (1994) e Kelday (2021, no prelo). Somado a isso, a escola
tem também uma visão mais completa sobre ser humano e sobre educação e expressa isso ao
oferecer, além da educação, serviços de cultura, saúde, alimentação, esporte e serviços
72
sociais, através de espaços (é uma escola com boa infraestrutura) e de projetos (como os
projetos sociais de C.).
A problematização feita na pesquisa é de que: é importante esse olhar mais completo
sobre o humano e a educação ter motivações autenticamente humanistas e não puramente
mercadológicas, o que retornaria para o modelo tradicional industrial (Kelday, 2021, no
prelo). A pessoa humana deve ser sempre um fim em si mesma, nunca instrumentalizada para
se obter algo, como enfatizam os pensadores Kant (1785/2019), Mundim Neto (2017) e
Wojtyla (1960/2015). A educação deve servir à pessoa humana para que ela se aproprie de
sua vida e seja protagonista, sujeito de seu processo educativo, como propõem as práticas
inovadoras, por exemplo Alternative Education Resource Organization [AERO] (2020),
Instituto Lasneaux (2020), Marangon (2004), Montessoriana (2020) e Sociedade
Antroposófica do Brasil [SAB] (1998). Nesse sentido, o foco em desenvolver habilidades
relacionais e gestão das emoções deve ser motivado por um autêntico compromisso com a
pessoa, empatia, cuidado, escuta e acolhimento. A motivação não deve ser por exemplo
querer transformar essa pessoa para que ela se adeque a determinado perfil profissional
exigido pelo mercado do século XXI. Alternativamente, Kelday (2021, no prelo) confirma
que a escola contemporânea deve preparar os alunos para a vida e para o trabalho.
Ao mesmo tempo, o protagonismo juvenil deve ter uma mediação de adultos, como
relembra Arendt (1957/2011). Os professores participantes mostraram-se ser verdadeiros
mediadores de conflitos e situações com os alunos e favorecedores de uma boa relação
professor-aluno e também aluno-aluno. Foi perceptível que as relações professor-aluno
proporcionavam climas emocionais no espaço escolar que favoreciam as relações dos
próprios alunos entre si. Ademais, por vezes até mesmo a relação professor-professor
favorecia a relação professor-aluno e aluno-aluno. Essa última afirmação ficou mais evidente
73
na fala de G. que, de forma explícita, usa sua relação professor-professor ou
professor-coordenador para favorecer relações com os próprios alunos.
Isso reforça o que preconiza a Teoria da Subjetividade: os processos subjetivos, que se
expressam nas relações, são dinâmicos, processuais e recursivos. Ou seja, eles constituem
outros processos subjetivos e são constituídos por esses outros processos em uma complexa
trama de sentidos e configurações subjetivos que se inter-relacionam, se retroalimentam
(González Rey, 2016; Mitjáns Martínez & González Rey, 2017b). É possível afirmar com
isso a importância de os gestores escolares terem um olhar voltado para as relações no
ambiente escolar, para como elas estão se configurando, sobretudo as relações dos
profissionais entre si. O trabalho em equipe na escola deve ter uma perspectiva integrativa e
contributiva, não de superposição ou individualismo, como recorda Mitjáns Martínez (2010)
e Palmieri e Branco (2007). Por isso, mais importante do que desenvolver projetos ou fazer
uma modernização tecnológica, é prezar pelos profissionais da escola, professores e outros
profissionais. Prezar por um bom clima emocional entre eles e um eficiente trabalho em
equipe, com relações saudáveis. Isso pode favorecer o clima emocional da sala de aula,
favorecer a relação dos profissionais com os alunos e dos próprios alunos entre si. O
pesquisador, a partir da Teoria da Subjetividade, entende que os aspectos cognitivos e
afetivos estão inter-relacionados. Sob essa lógica, um bom clima emocional, a partir de boas
relações estabelecidas, proporciona também um eficiente trabalho pedagógico, com bons
resultados de aprendizagem dos alunos. O cuidado com as relações está, por conseguinte,
alinhado com os objetivos e resultados que os gestores escolares desejam em suas instituições
educacionais.
Além de a escola ser uma instituição diferenciada, que se destaca em relação a muitas
outras escolas atuais, os professores participantes também são, sob vários aspectos, sui
74
generis, como a própria coordenadora reconheceu e por isso os escolheu para serem
participantes. Mostraram-se ser professores que valorizam o protagonismo juvenil, uma boa
relação com o aluno, os aspectos emocionais, importam-se com as alegrias e sofrimentos de
seus alunos, buscam ajudá-los além do que envolve a disciplina, em situações sociais,
formando neles princípios para a vida etc. São professores que veem verdadeiramente os
alunos como pessoas, estabelecendo relações horizontalizadas de pessoa-pessoa e não
superior-subordinado. Ao mesmo tempo, têm em si sua autoridade e se responsabilizam pelo
mundo o qual apresentam aos alunos e no qual os inserem, conforme ressalta Arendt
(1957/2011). Essa autoridade está porém sempre à serviço dos alunos, de suas necessidades e
do crescimento deles nas dimensões cognitivas, afetivas e sociais.
Eles também usaram sua criatividade e desenvolveram interessantes estratégias
pedagógicas e socioemocionais para o campo virtual, servindo-se da própria tecnologia (fria,
como lembra F.) para impulsionar boas relações. Os professores participantes estão alinhados
tanto com a visão humanista (Kant, 1785/2019; Mundim Neto, 2017; & Wojtyla, 1960/2015)
quanto com as práticas pedagógicas inovadoras (Alternative Education Resource
Organization [AERO], 2020; Instituto Lasneaux, 2020; Marangon, 2004; Montessoriana,
2020; & Sociedade Antroposófica do Brasil [SAB], 1998). Eles também estão alinhados aos
princípios e objetivos das Assembleias Escolares (Araújo, 2008), sendo que G. disse que
fazia algo parecido com as Assembleias sem saber. Esses professores servem portanto de
exemplo e modelo para todos os professores. Com isso o pesquisador não quer dizer que eles
devem ser imitados, mas que é desejável que todos os professores também se guiem pelos
mesmos princípios humanistas - vendo os alunos como pessoas em toda sua rica
subjetividade e complexidade - e estruturem estratégias pedagógicas e socioemocionais com
o objetivo de - proporcionar o protagonismo juvenil nos alunos, para que eles se apropriem e
75
se tornem sujeitos, ativos em seu processo de aprendizagem. Tudo isso permeado pelos
valores pró-sociais, favorecendo boas relações e bom clima emocional na sala de aula.
Elementos que não eram foco da pesquisa, mas também apareceram foram: o papel da
psicologia escolar e o impacto da pandemia nas subjetividades individuais e sociais. A
psicologia escolar poder ter um importante papel no desenvolvimento de projetos sociais e
culturais, mediação de conflitos e questões sociais, educação sexual, desenvolvimento de
competências socioemocionais, etc (Mitjáns Martinez, 2010). Ela pode também auxiliar na
autorreflexão dos profissionais escolares sobre suas práticas, proporcionar boas relações na
escola e, principalmente no contexto pandêmico, ajudar na sensibilização dos profissionais a
aspectos emocionais dos estudantes, auxiliando a escola a ser um espaço de escuta, cuidado e
acolhimento, como sugere Guilherme e colaboradoras (2020). Os professores participantes
relataram ter boas relações e compartilhamentos com a psicóloga da escola em questão, mas
não foi possível obter informações suficientes sobre esse profissional escolar.
76
Considerações Finais
A escola pesquisada é excepcional, como também os professores participantes. Uma
escola aos moldes da sociedade contemporânea, com professores humanistas, os quais são
reconhecidos e prestigiados pela própria coordenadora pedagógica. Foi ricamente
identificado como se configuram as relações entre professores e alunos, como os
participantes lidam com os conflitos e fazem papel de mediadores. Também ficou evidente a
promoção de valores pró-sociais pelos participantes nas diferentes relações estabelecidas.
Foi interessante notar o caráter recursivo e dinâmico das relações professor-professor,
professor-aluno e aluno-aluno. Como essas três configurações subjetivas estão permeadas por
sentidos subjetivos que se inter-relacionam e se constituem mutuamente. Isso evidencia como
uma boa relação professor-professor pode beneficiar uma boa relação aluno-aluno e favorecer
um bom clima emocional em todo o espaço escolar. Foi animador também ver o potencial
criativo desses professores na pandemia, desenvolvendo estratégias pedagógicas e
socioemocionais para o campo virtual, alinhadas às práticas pedagógicas inovadoras.
A Teoria da Subjetividade se mostrou também como fundamental para as análises e
construções feitas a partir dos documentos e das dinâmicas conversacionais. A possibilidade
de o participante se expressar mais livremente, com relatos de suas experiências de vida,
atrelados às emoções que essas experiências evocam, permitiram uma boa relação entre
pesquisador e participantes. Além disso, todo o cenário social construído favoreceu boas
relações entre pesquisador e escola pesquisada. Desde a interação do pesquisador com a
diretora, o histórico de boas relações entre a escola pesquisada e a universidade do
pesquisador, bem como a abertura que a coordenadora demonstrou à pesquisa, selecionando
seus três melhores professores, professores de ‘forte engajamento pedagógico’ (sic)
proporcionaram um bom desenvolvimento da pesquisa. Esse cenário social da pesquisa
77
reforça ainda as conclusões feitas de que, mais do que instrumentos metodológicos ou
conhecimento teórico (no caso das pesquisas), é ainda mais importante cultivar as relações
que se estabelecem entre o(s) pesquisador(es) e os participantes ou instituições da pesquisa.
Por fim, ao longo da análise foi identificado outros elementos como o papel da
psicologia escolar e o impacto da pandemia nas subjetividades sociais e individuais. Esses
elementos não eram o foco da pesquisa e ainda carecem de informações, sendo assim
sugestões para futuros estudos.
78
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90
Apêndices
Apêndice A
Eixos para a dinâmica conversacional.
● convívio na escola (as atividades da escola, o convívio com os funcionários, a
organização);
● relações interpessoais (relações entre os colegas, professores e alunos e possíveis
conflitos).
91
Apêndice B
Assembleias Escolares.
As Assembleias Escolares visam um papel mais ativo nos alunos, maior participação
deles nas decisões escolares, além de desenvolver a cidadania. Elas valorizam as diferentes
opiniões, buscando formar uma consciência cidadã nos alunos de respeito, igualdade,
descentralização de si para olhar o coletivo, se importar com o outro, com o social. As
assembleias não necessariamente objetivam chegar em um consenso, mas ao menos lidar com
o dissenso de forma não violenta.
Nas assembleias, os alunos falam sobre o convívio escolar e as relações interpessoais.
O convívio escolar inclui limpeza da escola, as atividades da escola, os funcionários, a
organização. As relações interpessoais incluem brigas entre colegas, perseguições, relações
autoritárias, assédio psicológico ou moral, chantagens etc. Os alunos escrevem ao longo de
uma semana em uma cartolina afixada na sala as críticas e os elogios que querem debater na
assembleia. Eles escreverão de forma anônima, sem se identificarem. Escreverão também de
forma impessoal, sem identificar pessoa alguma, relatando apenas a situação. No dia da
assembleia, eles se reúnem em roda com um professor mediador e discutem cada ponto que
foi escrito na cartolina, sem citar ninguém e deixando livre para todos falarem sobre os
tópicos. Todo aluno pode expressar seu ponto de vista, ainda que divirja da maioria.
Caso 1: Os alunos falaram na Assembleia que estavam insatisfeitos com o aumento
dos preços na cantina. O professor mediador, então, levanta a possibilidade de os alunos irem
conversar com o dono da cantina e fala para os alunos alguns fatores que podem explicar esse
aumento de preços. Após realizar uma votação com os alunos, o professor mediador os leva
até o dono da cantina para os alunos falarem suas queixas, de forma respeitosa. Havia alunos
92
que não concordavam com o aumento de preço, outros concordavam e falavam, outros ainda
não tinham interesse pela pauta e expressaram também isso, afirmando que não era algo que
os atingia.
Caso 2: As meninas começaram a reclamar dos meninos passarem a mão no bumbum
delas, na verdade era apenas um menino. O autor do ato quis falar como se nada tivesse a ver
com ele. O menino reincidiu no ato. Após mais uma assembleia com o assunto em pauta, o
menino não falou mais nada e depois não realizou mais o ato com as meninas.
93
Anexos
Anexo A
CARTA DE ACEITE DA INSTITUIÇÃO
Eu, ______________________________, dirigente da instituição __________________,
cidade de ________________, CPF n.º ____________________, declaro que João Lucas Vale
Giffoni, aluno do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Campus Asa Norte, CPF n.º
054.041.391-70, apresentou-me o projeto de monografia “Expressões Subjetivas dos
Conflitos Escolares - Assembleias Escolares Valores Pró-sociais e Relações Dialógicas”,
cujas atividades serão desenvolvidas na instituição por mim dirigida, e que me sinto
perfeitamente esclarecido sobre o conteúdo e os eventuais riscos e benefícios.
Desse modo, AUTORIZO a realização, nesta instituição, do projeto de monografia,
colocando-me à disposição para cooperar com a execução das atividades e permitindo o uso
de informações e imagens, exceto aquelas determinadas como sigilosas por aspectos legais e
éticos, para divulgação do projeto, desde que utilizadas para fins estritamente acadêmicos,
culturais e esportivos, sem finalidade de obtenção de lucro.
_____________________________________
LOCAL E DATA
_________________________________________________________
ASSINATURA DO DIRIGENTE DA INSTITUIÇÃO
94
Anexo B
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE
Título do projeto: Expressões Subjetivas dos Conflitos Escolares - Assembleias Escolares Valores
Pró-sociais e Relações Dialógicas
Instituição dos pesquisadores: Centro Universitário de Brasília (UniCEUB)
Pesquisadora responsável: Dra. Luciana de Oliveira Campolina
Pesquisador assistente: João Lucas Vale Giffoni
Você está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa acima citado. O texto abaixo
apresenta todas as informações necessárias sobre o que estamos fazendo. Sua colaboração neste
estudo será de muita importância para nós, mas se desistir a qualquer momento, isso não lhe causará
prejuízo.
O nome deste documento que você está lendo é Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Antes de decidir se deseja participar, de livre e espontânea vontade, você deverá ler e compreender
todo o conteúdo. Ao final, caso decida participar, você será solicitado a assiná-lo e receberá uma
cópia do mesmo.
Antes de assinar, faça perguntas sobre tudo o que não tiver entendido bem. A equipe deste estudo
responderá às suas perguntas a qualquer momento (antes, durante e após o estudo).
Natureza e objetivos do estudo
O objetivo deste estudo é compreender as diferentes expressões subjetivas de
professores/coordenadores sobre conflitos existentes na escola.
Você está sendo convidado a participar por ser professor ou coordenador dessa escola e voluntário. A
presente pesquisa faz parte de um trabalho de conclusão do curso de Psicologia.
Procedimentos do estudo
Sua participação consistirá em participar de uma dinâmica conversacional. Uma conversação em que
ficará livre para expor o que quiser. A dinâmica será em torno dos temas do convívio escolar e das
relações interpessoais na escola. Esse momento terá uma duração entre 40 e 60 minutos. A partir
dessa primeira dinâmica, poderão ser feitas outras dinâmicas conversacionais caso se interesse pelas
Assembleias Escolares. Não haverá nenhuma outra forma de envolvimento ou comprometimento
neste estudo. A pesquisa será realizada através de uma plataforma online de videochamada e será
gravada.
Riscos e benefícios
Este estudo possui riscos baixos que são inerentes aos temas abordados, que podem recordar
experiências negativas ou permitir falas com carga emocional. De acordo com a resolução CNS nº
(61) 3966-1200 | www.uniceub.br | central.atendimento@uniceub.br
Unidade sede: SEPN 707/907 – CEP 70790-075 – Brasília-DF
95
466/12 toda pesquisa envolve risco. No entanto, os riscos associados à participação nesta pesquisa
são baixos. Os riscos de participar desta pesquisa estão associados a suas experiências na escola, que
podem fazer emoções virem à tona.
Para minimizar qualquer risco ou incômodo relacionado à participação nesta pesquisa, solicitamos
que você participe em um ambiente tranquilo, o mais livre possível de barulhos e outros eventos que
possam desviar sua atenção.
Caso algum assunto possa gerar algum tipo de constrangimento, você não precisa abordá-lo. Os
pesquisadores se comprometem a oferecer serviço de Psicologia no CENFOR/UniCEUB, caso você
precise de atendimento psicoterapêutico. Com sua participação nesta pesquisa você poderá ajudar
na maior compreensão sobre o convívio escolar e as relações interpessoais na escola.
Com sua participação nesta pesquisa você poderá ajudar no maior conhecimento sobre possíveis
conflitos presentes na escola e os valores presentes no ambiente escolar.
Participação, recusa e direito de se retirar do estudo
Sua participação é voluntária. Você não terá nenhum prejuízo se não quiser participar. Você poderá
se retirar desta pesquisa a qualquer momento, bastando para isso entrar em contato com um dos
pesquisadores responsáveis. Conforme previsto pelas normas brasileiras de pesquisa com a
participação de seres humanos, você não receberá nenhum tipo de compensação financeira pela sua
participação neste estudo.
Confidencialidade
Seus dados serão manuseados somente pelos pesquisadores e não será permitido o acesso a outras
pessoas.
Os dados e instrumentos utilizados (como documentos, anotações, dinâmicas, etc) ficarão guardados
sob a responsabilidade de Luciana de Oliveira Campolina, com a garantia de manutenção do sigilo e
confidencialidade, e arquivados por um período de 5 anos. Após esse tempo serão destruídos.
Os resultados deste trabalho poderão ser apresentados em encontros ou revistas científicas.
Entretanto, ele mostrará apenas os resultados obtidos como um todo, sem revelar seu nome,
instituição a qual pertence ou qualquer informação que esteja relacionada com sua privacidade.
Se houver alguma consideração ou dúvida referente aos aspectos éticos da pesquisa, entre em
contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Brasília – CEP/UniCEUB, que
aprovou esta pesquisa, pelo telefone 61 3966-1511 ou pelo e-mail cep.uniceub@uniceub.br. Também
entre em contato para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação no
estudo.
Caso você aceite participar dessa pesquisa, preencha, por gentileza, os dados abaixo:
Eu, ___________________________________________________, RG _______________, após
receber a explicação completa dos objetivos do estudo e dos procedimentos envolvidos nesta
pesquisa, concordo voluntariamente em fazer parte deste estudo.
Este Termo de Consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será
arquivada pelo pesquisador responsável, e a outra será fornecida ao senhor(a).
Brasília, ____ de __________ de _______ .
(61) 3966-1200 | www.uniceub.br | central.atendimento@uniceub.br
Unidade sede: SEPN 707/907 – CEP 70790-075 – Brasília-DF
96
_________________________
Assinatura do(a) Participante
________________________
Luciana de Oliveira
Campolina
luciana.campolina@ceub.edu.br
________________________
João Lucas Vale Giffoni
joaolucasvgiffoni@sempreceub.com
Endereço dos responsáveis pela pesquisa:
Instituição: Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) | (61) 3966-1304 | (61) 3966-1200 Endereço:
SEPN 707/907, Bloco 9, Asa Norte, 70790-075, Brasília-DF
(61) 3966-1200 | www.uniceub.br | central.atendimento@uniceub.br
Unidade sede: SEPN 707/907 – CEP 70790-075 – Brasília-DF
97
Anexo C
Vídeo sobre as Assembleias Escolares do MEC TV