Uso responsável de antimicrobianos - Jéssica Barbosa
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USO RACIONAL DE
ANTIMICROBIANOS
NA SUINOCULTURA
Jéssica Aparecida Barbosa - Médica Veterinária; MsC em Nutrição e Produção
de Monogástricos e Doutoranda em Produção e Nutrição de Suínos.
sanidade
A
descoberta dos
antimicrobianos a décadas
atrás trouxe uma nova
perspectiva no âmbito de saúde
humana e animal no que diz
respeito ao tratamento e controle
de enfermidades (MORÉS, 2014). Na
produção animal, os antimicrobianos
tem sido utilizados desde a década
de 1950 e seu uso aumentou de
forma direta com a intensificação da
produção intensiva ao longo dos anos
a fim de promover saúde e melhorias
na produtividade (GONZALEZ RONQUILLO;
ANGELES HERNANDEZ, 2017)
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SuínoBrasil Segundo Trimestre 2021 | Uso racional de antimicrobianos na suinocultura
Além disso, a descoberta de genes
bacterianos resistentes a antibióticos
que são utilizados na saúde humana,
como por exemplo, o gene de resistência
a colistina mediado por plasmídeo (mcr-
1) que foi encontrado em Escherichia coli
de suínos e em humanos na China (LIU
et al., 2016), reforçou ainda mais o debate
sobre a possível transmissão horizontal
de resistência antimicrobiana e a
necessidade de ações para uso de forma
racional desses agentes.
sanidade
Dessa forma, iniciativas globais
começaram a surgir na tentativa de
minimizar o agravamento da resistência
antimicrobiana.
Embora o uso desses agentes são
importantes na manutenção da
saúde e bem-estar animal dentro
dos sistemas, o uso em larga
escala principalmente em doses
subterapeuticas como promotores de
crescimento levantou preocupações
a respeito da seleção de bactérias
multirresistentes a várias classes de
antibióticos (MORÉS, 2014; WHO, 2018).
Em 2006, o uso de antibióticos como
promotores de crescimento (APC)
nas dietas de suínos foi banido pela
União Europeia (GAGGÌA; MATTARELLI; BIAVATI,
2010), e vários outros países também já
implementaram ou vem implementando
políticas de restrição nos próximos anos
(MARON; SMITH; NACHMAN, 2013).
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sanidade
Padrão atual de utilização
global de antimicrobianos
No Brasil, Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento também
restringiu nos últimos anos diversos
APCs (DUTRA, 2017) e recentemente
implementou o Programa de
Vigilância e Monitoramento da
Resistência aos Antimicrobianos
para avaliar os riscos, tendências
e padrões na ocorrência de
disseminação de resistência por
meio de alimentos de origem
animal (MAPA, 2021).
Antes de traçar estratégias com
enfoque no uso prudente dos
antimicrobianos na produção de
suínos, é necessário ter uma visão
macro sobre como está o padrão
atual de utilização global desses
agentes (LEKAGUL; TANGCHAROENSATHIEN;
YEUNG, 2019).
Uma estimativa feita por Van Boeckel et al.
(2015) revelou que a média global de
uso de antimicrobianos varia em torno
de 172 mg/kg de suíno produzido.
Lekagul et al. (2019) fizeram uma revisão
sistemática envolvendo 25 artigos
publicados entre 2000 e 2017 sobre
uso de antimicrobianos na América
do Norte e Europa e encontraram
resultados interessantes referentes ao
padrão de uso dos antibióticos:
as fases de lactação e pósdesmame
foram os períodos
mais comuns de administração
de antibióticos via oral nas
granjas, e
o grupo de penicilinas e
tetraciclinas foram os mais
utilizados na maioria dos países
o maior uso também foi
associado ao tamanho das
granjas, onde quanto maior a
granja, maior a utilização de
antibióticos.
25
granjas
Trazendo para a nossa realidade, o trabalho
realizado por Dutra (2017) em 25 granjas
de diferentes regiões do país revelou que a
média brasileira de uso dos antimicrobianos
é de 358,0 mg/kg de suíno produzido.
Adicionalmente, esse elevado consumo foi
associado a utilização em média de pelo
menos sete princípios ativos diferentes e a
exposição por longos períodos.
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Esses resultados evidenciam o
uso excessivo de antibióticos nos
nossos sistemas de produção
quando comparado a média global.
Uma questão importante que
precisamos entender é: por
que o padrão de utilização de
antimicrobianos nos nossos
sistemas de produção ainda se
encontra excessivo?
Fatores que influenciam a
utilização de antimicrobianos
De acordo com Morés (2014), várias condições que são
impostas aos animais dentro do sistema de produção
criam um ambiente propício para manifestações
de várias enfermidades, e influenciam no maior ou
menor uso de antibióticos nas dietas ou parenteral.
Um fator importante é a idade de desmame
precoce que tem sido praticada na maioria das
granjas brasileiras. A transição do desmame
acontece no período em que o trato gastrointestinal
e a imunidade adaptativa ainda estão em
desenvolvimento (MOESER et al., 2017; SMITH et al., 2010).
Como consequência dessa imaturidade, o estresse do
desmame pode levar a danos estruturais no intestino
e favorecer a diarreia pós-desmame, levando
a um baixo desempenho e aumento do uso de
antimicrobianos para minimizar esses danos (MCLAMB
et al., 2013; RHOUMA et al., 2017).
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Diante dessas condições, fica evidente que a
utilização dos antimicrobianos é necessária
na prerrogativa de bem-estar e saúde animal
nos atuais modelos produtivos e que banir
completamente o seu uso não é uma boa
estratégia.
sanidade
A mistura de lotes de leitões de diferentes
origens no pós desmame ou no crescimento
e terminação e a alta densidade animal
também possuem relação positiva
com o uso de antimicrobianos (LEKAGUL;
TANGCHAROENSATHIEN; YEUNG, 2019)
Outros fatores como programa de limpeza
e desinfecção ineficientes, o baixo vazio
sanitário e outras práticas que aumentam
o nível de estresse no rebanho também
criam condições ideais para o aumento
da pressão de infecção e a ocorrência de
enfermidades (MORÉS, 2014). Ademais, o uso
de vários princípios ativos diferentes ainda é
uma prática cultural que foi estabelecida ao
longo dos anos para maximizar a eficiência
produtiva (DUTRA, 2017).
Neste sentido, o que devemos buscar
são medidas que favoreçam o uso cada
vez mais prudente dos antimicrobianos
a fim de garantir um equilíbrio entre
animal, ambiente e patógeno e por
consequência melhorar o desempenho.
Diversos pesquisadores e especialistas
evidenciam que o melhor caminho para
alcançar sucesso no panorama do uso
racional de antimicrobianos é trabalhar
com soluções integradas levando em
consideração as estratégias de manejo,
nutrição e sanidade em conjunto (MORÉS, 2014;
POSTMA et al., 2015).
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Em relação aos manejos, várias práticas
precisam ser reforçadas ou revistas nas
granjas a fim de aumentar o status sanitário
e reduzir a pressão de infecção. A garantia
da ingestão adequada de colostro na
maternidade nas primeiras horas de vida
do leitão é crucial tanto para o melhor
desenvolvimento intestinal quanto para a
modulação da resposta imune e proteção
contra patógenos na maternidade
(DALLANORA et al.,2014; QUESNEL et al., 2012).
A idade ao desmame também
é um manejo a ser trabalhado!
Ao avaliar o desmame de leitões aos
19, 22, 25 e 28 dias de idade, Faccin
et al. (2020) encontraram melhora no
desempenho na fase de creche e
redução na taxa de remoção de leitões
conforme o aumento da idade. Além
disso, a percentagem de animais que
perderam peso na primeira semana
pós-desmame também diminuiu com
o aumento da idade. Embora ainda
não existe resposta sobre qual a
melhor idade de desmame tardio para
todos os sistemas, vários benefícios
são evidenciados com o desmame
entre 24 e 28 dias, e é necessário a
avaliação individual de cada granja
sobre qual a melhor idade para
trabalhar no sistema (COLSON et al., 2006;
FACCIN, 2018).
Outros aspectos que precisam ser
considerados incluem:
limpeza,
desinfecção e vazio sanitário,
revisão dos protocolos de
vacinação,
investimento em
biosseguridade interna e
externa,
implementação de melhorias
na ambiência, e
monitoramento da
qualidade da água fornecida
aos animais (MORÉS, 2014).
Essas são estratégias básicas, mas
que influenciam positivamente na
manutenção do status sanitário dos
animais e na redução da necessidade
de utilização de antimicrobianos
(DUTRA, 2017; MORÉS, 2014; POSTMA et al., 2015).
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Estratégias nutricionais
No âmbito nutricional, várias alternativas
dietéticas que sejam capazes de melhorar
a saúde intestinal e o desempenho estão
se tornando cada vez mais aparentes nos
últimos anos. Dentre as várias estratégias
disponíveis temos como exemplo:
os ácidos orgânicos,
óleos essenciais,
Em relação aos óleos essenciais, os efeitos
observados na saúde e desempenho dos
animais estão associados às propriedades
antimicrobianas, imunomoduladoras,
antioxidantes e de melhora na morfologia
intestinal (ZHAI et al., 2018). Adicionalmente,
alguns estudos também evidenciam o efeito
benéfico dos óleos essenciais na modulação
da microbiota de leitões por meio da
promoção do crescimento de espécies
bacterianas benéficas (LI et al., 2018; RUZAUSKAS
et al., 2020).
sanidade
probióticos,
prébióticos e
fibras (LIU et al., 2018b;
PANDEY; KUMAR;
SAXENA, 2019).
Os ácidos orgânicos, inorgânicos
ou seus sais têm sido amplamente
investigados de forma isolada ou na
forma de blends e apresentam um papel
multifuncional interessante ao longo do
TGI. A capacidade de acidificar o meio e
reduzir o pH gástrico reflete no aumento
da atividade enzimática proteolítica e
melhora na digestibilidade dos nutrientes
(LIU et al., 2018b; RHOUMA et al., 2017). Além disso,
o efeito antimicrobiano direto influencia
na manutenção da integridade intestinal
e consequente melhora no desempenho
(SUIRYANRAYNA; RAMANA, 2015).
Os probióticos de forma individual ou em
combinação podem atuar como moduladores
da microbiota intestinal através da produção
de bacteriocinas e por mecanismos
de exclusão competitiva impedindo a
proliferação de microrganismos patogênicos
(HOU et al., 2015; LIAO; NYACHOTI, 2017).
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Outros efeitos relacionados a modulação da
resposta imune, restituição da integridade
e função da barreira intestinal, e melhora na
digestibilidade também tem sido observados
com consequente melhora no desempenho
(GAGGÌA et al., 2010; PANDEY et al., 2019). Um dos
principais efeitos que os prébióticos conferem à
saúde intestinal é na modulação da microbiota
intestinal através do estímulo seletivo de
crescimento e atividade de bactérias benéficas
como Bifidobacterium e Lactobacillus (LIU et al.,
2018b), que diretamente estimulam a fermentação
e produção de ácidos graxos de cadeia curta
(AGCC) como acetato, butirato e propionato,
que exercem um efeito importante sobre o
metabolismo (CALLAWAY et al., 2008; VAN DER AAR; MOLIST;
VAN DER KLIS, 2017).
Embora as fibras dietéticas foram vistas como
vilãs por muito tempo, atualmente várias
pesquisas vem demonstrando os seus efeitos
benéficos na saúde intestinal (LIU et al., 2018a).
Resumidamente, elas atuam na produção
de secreções gástricas e pancreáticas e na
digestibilidade dos nutrientes e na modulação
da população microbiana intestinal reduzindo
a proliferação de bactérias patogênicas e
promovendo o crescimento de bactérias
fermentativas benéficas no intestino (CHEN et
al., 2020; HEO et al., 2013) . Ao modular a microbiota
intestinal, as fibras podem reduzir a incidência
de diarreia em leitões e consequentemente
melhorar o desempenho (LINDBERG, 2014).
CONCLUSÃO
Diante do exposto, fica evidente que a
adequação do uso dos antimicrobianos
é uma necessidade e será inevitável
nos próximos anos, e que alcançar
este cenário ainda configura um
desafio nos nossos diversos modelos
de produção atuais. Para que isso
ocorra, é necessário o engajamento
de toda cadeia produtiva para traçar
diretrizes que reforcem a importância
da desaceleração da resistência
antimicrobiana e o conceito de saúde
única.
Vale ressaltar que é pouco provável
que a utilização de um único aditivo
ou que um único manejo seja capaz de
reduzir a utilização de antimicrobianos
em larga escala. Dessa forma, definir
um plano estratégico que seja baseado
em soluções integradas de manejo,
sanidade e nutrição se torna uma
estratégia promissora para atingir
a premissa do uso prudente de
antimicrobianos na suinocultura.
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