Objetos Afetivos
Este fotolivro apresenta os trabalhos produzidos por um grupo de fotógrafas durante a oficina Retratos e Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos, realizada em maio de 2021.
Este fotolivro apresenta os trabalhos produzidos por um grupo de fotógrafas durante a oficina Retratos e Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos, realizada em maio de 2021.
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Adriana Vianna
ORGANIZAÇÃO
Objetos
Afetivos
Adriana Vianna
ORGANIZAÇÃO
Objetos
Afetivos
Objetos Afetivos
Preparação: Adriana Vianna
Projeto gráfico: Cid Costa Neto
Capa: Cid Costa Neto, Graphics RF / Vecteezy
Esta é uma publicação independente, de cunho artístico-cultural e pedagógico,
distribuida gratuitamente.
Os textos e imagens são de propriedade intelectual de suas respectivas
autoras e não devem ser reproduzidos sem autorização.
V617
Vianna, Adriana
Objetos Afetivos / organizado por Adriana Vianna -
São João del-Rei, Edição Independente, 2021.
23.709 KB; PDF.
ISBN 978-65-00-27551-3
1. Fotografia 2. Autorretrato
I. Título.
CDD: 770
CDU: 77
RESUMO FOTOGRÁFICO
Rua Deputado André de Almeida, 551A
Bairro Ouro Preto - Belo Horizonte/MG
CEP: 30160-906 - Brasil
www.resumofotografico.com
contato@resumofotografico.com
Este fotolivro apresenta os trabalhos produzidos
por um grupo de fotógrafas durante
a oficina Retratos e Autorretratos
Conceituais com Objetos Afetivos, realizada
em maio de 2021.
A partir da filosofia de Susan Sontag e do
estudo de casos na literatura de Clarice
Lispector, nos apropriamos do tempo, do
espaço e dos objetos afetivos que possibilitaram
o diálogo entre palavra e imagem
para concretizar transformações durante
o processo artístico.
Adriana Vianna
Para o filósofo Friedrich Nietzsche, nós somos uma
corda sobre um abismo, uma corda esticada entre o
que fomos e o nosso devir. “A travessia é perigosa, é
perigoso tremer e parar”, diz ele. Entre tempos, somos
nossas circunstâncias possíveis, habitando nosso
corpo poético, político e com memórias - se não
salvamos nossas circunstâncias, não salvamos a nós
mesmos. Eis o vestígio que Susan Sontag contornou
em algum momento no ensaio “Diante da dor dos outros”.
Em meio a tantas fotografias de guerra que não
deveriam se apresentar com beleza e sim fazer refletir,
denunciar as circunstâncias da “corda sobre o
abismo”, Sontag nos aponta o desvio para arte quando
anuncia que a fotografia enquanto imagem pode
transformar o sofrimento inaceitável da vida real,
em algo aterrador mas perfeitamente suportável,
quando entrelaça esse poder duplo de gerar documentos
e criar obras de arte. É nesse campo híbrido
das linguagens que encontram-se as fotografias que
reúno nesse livro como documentos que tratam de
histórias reais vividas pelas fotógrafas - quase todas
em processo de luto - e a sua transformação em ato
fotográfico, objeto da arte. Pela proposta da Oficina
fomos conduzidas à metamorfose tão necessária para
a sobrevivência e recuperação da vida após traumas.
Adriana Vianna
Adriana Vianna ................................................... 09
Claudia Borba ........................................................ 13
Cris Odaris ............................................................. 19
Edna Costa ............................................................. 25
Elisa Rossin ........................................................... 29
Erica Modesto ....................................................... 33
Fernanda Toigo .................................................... 39
Gilma Mello ........................................................... 43
Giovana Pasquini ................................................ 47
Gizele Lima ........................................................... 53
Jana Inocencio ..................................................... 59
Jeanete Domingues ............................................ 63
Julien Rose ........................................................... 67
Kika Antunes ....................................................... 71
Lara Pires .............................................................. 75
Letícia Valente .................................................... 81
Lu Rocha ................................................................ 85
Lucianny Carvalho ............................................. 91
Maria Cristina ...................................................... 97
Thais Andressa .................................................. 103
Viviane Pedroso ................................................ 107
“
Perdida no inferno abrasador de um canyon
uma mulher luta desesperadamente pela vida”
Clarice Lispector
8 - Objetos Afetivos
Adriana Vianna
São João del-Rei, MG
@adri_vianna
Artista, pesquisadora, professora, fotógrafa, atua na área de arte educação,
história da arte, cinema, galeria de arte, há mais de dez anos. Em 2019
passou a trabalhar para dar visibilidade ao corpo feminino. Escreve regularmente
no site Resumo Fotográfico e leciona cursos em que mulheres
são protagonistas. Seus projetos autorais envolvem questões do
efêmero nas paisagens e identidade nos autorretratos.
Julho de 2021 - 9
Improvisando recursos afetivos, eu andava
dentro de casa, dentro de mim. A vida
do lado de fora estava off, e a minha, como
continuaria? Dei a mexer em tudo que estava
guardado, a memória trouxe o passado
de recente e a imaginação trouxe lonjuras
ancestrais. A conexão foi feita pelos
objetos de família (in memoriam), em especial
os relógios do pai, a caixa de música
da mãe, a rosa da bisavó que passou para a
mãe que passou para mim. A rosa-demiurga.
Essas memórias foram tratadas e identificadas
como objetos que ocupavam seus
espaços de referências históricas. Os objetos,
como coisas significantes que geram
imagens escritas alcançaram lugar de
presença que me olha e acena um devir.
Dessa experiência nasceu o projeto da Oficina.
Com a inclusão da filosofia de Sontag
e a literatura de Lispector que vem das
experiências pessoais, as conectei para
compartilhar com outras histórias de mulheres
que continuarão sendo conquistadas
pela sobrevivência das metamorfoses.
Adriana Vianna
10 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 11
12 - Objetos Afetivos
Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então”
“ Clarice Lispector
Claudia Borba
Porto Alegre, RS
@pombaclaudia
Professora, cineasta, poetiza, grafista. Pomba Cláudia
ocupa os lugares com sua expressão para aprender, para
trocar. Dirigiu o curta-metragem “Pé de cabra”, em 2015,
que compõe uma antologia de terror, participou de exposições
coletivas de grafismo e busca nas artes uma forma
de gritar ao mundo: eles não merecem nosso silêncio.
Julho de 2021 - 13
“Eles não sabiam como se passeia.
Andaram sob a chuva grossa e pararam
diante da vitrine de uma loja de ferragem
onde estavam expostos atrás do
vidro canos, latas, parafusos grandes
e pregos. E Macabéa, com medo de que
o silêncio já significasse uma ruptura,
disse ao recém-namorado:
- Eu gosto tanto de parafuso e prego, e
o senhor?”
Clarice Lispector
14 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 15
Objeto Fálico de Metal é um vídeo experimental
criado com uma sequência
de fotos e fragmentos de vídeos
com objetos que simbolizam a dureza
da infância, a feminilidade e o abuso.
O ponto de partida se deu através
da proposta lançada pela Prof. Dra.
Adriana Vianna em uma oficina que,
ainda que breve, trouxe diversas reflexões
sobre autoconhecimento e expressividade.
Como inspiração, adotei
um dos livros que tem sido chave em
vários momentos da minha vida: A
Hora da Estrela e, mais precisamente,
sua protagonista Macabéa que, em
quase todos os momentos, se depara
com a dureza da vida, com os parafusos
e pregos tão simbólicos quanto à
opressão deste nosso universo falocêntrico,
objetos tão representantes
do proletariado, da dor e da culpa que
a religião nos impõe ao assumir-se
como mártir, crucificando-nos à culpa
de nossa própria existência.
Claudia Borba
16 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 17
“
A mulher não está sabendo: mas está
cumprindo uma coragem”
Clarice Lispector
18 - Objetos Afetivos
Cris Odaris
Florianópolis, SC
@odaracris
Sou Cristina, mulher mãe, 31 anos, fui casa e ainda sou alimento de outro ser. Vivi um
puerpério intenso, vivo uma maternagem real. Seria impossível mergulhar nesse mar
sem que ele refletisse no meu trabalho, que é parte do meu ser. Iniciei com fotografia na
época de estudante de jornalismo, em 2011. Desde então, ela sempre se integrou no meu
trabalho com comunicação. Após cinco anos entre agências, assessoria de imprensa e
redações, resolvi seguir o caminho do meu coração: apostar no meu trabalho autoral.
Julho de 2021 - 19
20 - Objetos Afetivos
dor do parto
de partir
partir-me ao meio
para você ir
parto agora do princípio
de que parir nem sempre é chegada
partidas
par tida
parida
para onde?
se não havia vida
mas o sangue era vivo
me latejava o corpo
o sangue era vivo e eu achei bonito
enquanto ele escorria
e eu te juntava os pedacinhos
porque eu me sentia aos pedaços
incompleta
re-partida
mas também viva
há muita vida na morte
mas, quem entende?
se não nasceu, não existiu?
mas nasceu
entre os azulejos do banheiro
ao brilho da lua cheia
mas, não cresceu
tudo bem, tudo bem
logo vem outro
logo é outro dia
porque choras ainda?
porque pari
porque partiu
porque morri junto
e renasci ao colocar na terra
ao saber que tão grande você seria
que não caberia em mim
quantas partem
sozinhas
com medo
quantas partem no escuro
em banheiros sujos
com remedios clandestinos
com alivio e medo e dor e alivio e medo
quantas partem e não voltam
dizem sermos livres
me chamam assassina se escolho
me falam que não foi nada se aconteceu
sem minha escolha
que logo passa
em nenhum dos lugares
da escolha ou não escolha
do bem quisto ou mal quisto
em nenhum dos lugares importa eu
o meu parto
minha partida
então reparto-me
porque quando te perdi
encontrei-me de outra forma
numa forma que não tem forma
em algo que nunca saberei
você vive em mim
e eu vivo em cada uma
cada uma
que sangra todo mes
todo dia.
Julho de 2021 - 21
22 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 23
24 - Objetos Afetivos
Ouve-me, ouve o meu silêncio.”
“ Clarice Lispector
Edna Costa
São Paulo, SP
@edncosta1
52 anos, fotógrafa amadora, tem na
fotografia sua motivação
para viver.
Julho de 2021 - 25
26 - Objetos Afetivos
“Nunca pensara em ‘eu sou eu’.”
- A Hora da Estrela
Por Adriana Vianna
Edna Costa chegou a dizer que não ia concluir
o trabalho porque sua pouca experiência
a deixava tímida. No entanto, com
uma estimulação pontual em seu processo
criativo, ela voltou e conseguiu entregar
essa síntese expressiva e universal que
certamente conversará com muitos nesses
dias de crise.
Seu processo criativo foi inspirado na personagem
de A Hora da Estrela - uma mulher
que representa milhares de pessoas
que vivem a vida em um anonimato tão
profundo que chega a beirar o anonimato
para si mesma. Edna, virando o jogo através
do ato fotográfico, tem retomado seu
lugar de protagonista na própria história.
“A datilógrafa vivia numa espécie de atordoado
nimbo, entre céu e inferno. Nunca
pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava
não ter direito, ela era um acaso. [...] Pensando
bem: quem não é um acaso na vida?
Quanto a mim, só me livro de ser apenas
um acaso porque escrevo, o que é um ato
que é um fato. É quando entro em contato
forças interiores minhas, encontro através
de mim o vosso Deus. [...] Espanto-me
com o meu encontro.”
Julho de 2021 - 27
“
Viver essa vida é mais um lembrar-se indireto
dela do que um viver direto”
Clarice Lispector
28 - Objetos Afetivos
Elisa Rossin
Embu das Artes, SP
@lirossin2019
Artista cênica e doutora pela Universidade de São Paulo.
Seus trabalhos são atravessados por diferentes linguagens,
como teatro, dança, fotografia e cinema. Sempre
foi apaixonada pelo universo das máscaras e atualmente
pesquisa a construção de mascaramentos pessoais
a partir da realização de autorretratos poéticos.
Julho de 2021 - 29
30 - Objetos Afetivos
Mulher-objeto com cheiro de desejos
guardados que acende com poesia!
Brinquei apenas de tornar-me
presença entre os demais objetos
que habitam o antigo apara(dor)
na sala de estar.
Misturei-me com os reflexos do
tempo e do espelho e vi meu rosto
projetado como lembrança.
Senti saudades daquela moça que
fui no retrato e me perdi na saudade
dos afetos emoldurados. Comparei
a luz da pele com a luz da
madeira, esculpi imagens internas
e externas, habitando dentro
e fora dos quadros imaginários.
Mas confesso, brinquei mesmo foi
com o acaso ao construir, por fim,
uma poesia visual como suporte
para uma explosão interna de calmarias!
Elisa Rossin
Julho de 2021 - 31
“
Para que um sentimento perca o perfume e
deixe de intoxicar-nos, nada há melhor que
expô-lo ao sol”
Clarice Lispector
32 - Objetos Afetivos
Érica Modesto
Rio de Janeiro, RJ
@erica_modesto
Fotógrafa, diretora de audiovisual e produtora cultural
carioca em atuação desde 2008. Seu trabalho
artístico autoral explora temas como a memória, a
efemeridade e o erotismo através de autorretratos,
experimentações com técnicas botânicas e colagem.
Julho de 2021 - 33
34 - Objetos Afetivos
As imagens diante da vela vieram provocadas pela
falta de luz no dia de realizar o trabalho do curso,
que me colocou diante do castiçal para iluminar a
casa e os afazeres e que acabou por me fazer recordar
a relação intensa que tenho com as velas e o fogo.
Sempre gostei de olhar velas queimando, acho lindo
o fogo dançando diante de mim, e talvez por isso
sempre tenha gostado de acender velas em casa como
um ritual de conexão com minha espiritualidade e
minha força pessoal.
O calor do fogo me faz sentir muito viva, ao mesmo
tempo em que é impossível não me relacionar com
o fato de que ele consome a matéria e o oxigênio ao
redor, fazendo desaparecer a vela e fazendo restar
apenas a fumaça.
Foi a partir da metáfora do esvair-se do fogo que
criei a narrativa fotográfica enviada, na qual vou me
desmaterializando diante da vela até não restar mais
nada, exceto a chama, que usa meu ar, minha presença,
para manter-se viva e dançante até que exista
apenas a escuridão.
Sigo invisível ali, no breu, na fumaça, no cheiro da
parafina derretida, no silêncio da falta de eletricidade.
A luz vai retornar e vou reaver meu corpo uma
vez mais, mas a sensação de não me achar no escuro
faz das trevas um lugar menos desconhecido para se
frequentar.
Érica Modesto
Julho de 2021 - 35
36 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 37
“
‘Libertar’ era uma palavra imensa, cheia
de mistérios e dores”
Clarice Lispector
38 - Objetos Afetivos
Fernanda Toigo
São Paulo, SP
@fernandatoigofoto
Fernanda Toigo, fotógrafa, comunicóloga, publicitária,
mãe. Formada pelo Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo.
Julho de 2021 - 39
40 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 41
“
Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua
própria chave e a dos outros nada resolve”
Clarice Lispector
42 - Objetos Afetivos
Gilma Melo
Florianópolis, SC
@mellogilma
Natural do Rio de Janeiro, resido em Floripa.
Meu trabalho é híbrido, onde misturo autorretrato,
colagens, pintura e impressões com placas
de ferro sobre canvas ou voal. Participei de
várias exposições coletivas, três individuais,
salões e feiras de artes.
Julho de 2021 - 43
Autodidata, carioca, comecei minha jornada em
1986 nas oficinas do Centro Integrado de Cultura
em Florianópolis, depois de fazer várias oficinas,
cursos e workshops até me sentir preparada
para trilhar por este caminho.
Participei de diversas exposições coletivas e
três individuais, sendo que a última foi virtual
em decorrência da pandemia, mas que em posteriormente
será presencial na Galeria da Assembleia
Legislativa do Estado.
Aventurei-me na fotografia há 4 anos, faço uso
do autorretrato como forma de expressão e também
da fotografia híbrida, participando de editais,
festivais e feiras de fotografia.
Gilma Melo
44 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 45
“
É preciso saber sentir, mas também saber
como deixar de sentir”
Clarice Lispector
46 - Objetos Afetivos
Giovana Pasquini
São Paulo, SP
@giovanapasquini
Graduada em Comunicação Social e Fotografia (2002), é freelancer
em design gráfico e animação. Na fotografia, dedica-se à cobertura de
espetáculos e fotografia autoral. Participou de exposições coletivas e
individuais entre 2012 e 2018. Publicou a série de zines “Crap Noir” e
o livro “Quando o deserto já não basta”. Desde 2017, gerencia junto
a sua sócia o espaço Vacca Madre, centro cultural independente.
Julho de 2021 - 47
48 - Objetos Afetivos
Fotografo tudo o que me chama a
atenção no meu dia a dia ou que de
certa forma me emociona. Estou o
tempo todo guardando essas imagens.
Quando uma ideia para um trabalho
aparece é por necessidade de
começar a expor algum pensamento
ou emoção de forma mais organizada,
para que eu consiga entender o
porquê de sua existência. É nesse
momento que revisito as imagens
que guardei e começo a juntar os pedaços.
Às vezes, ainda estou no processo
de criá-las, outras vezes elas
já estão todas lá.
Para o exercício proposto na oficina,
escolhi uma das muitas questões
que tem me acompanhado: a morosidade
e as incertezas deste período
que estamos vivendo (sanitário,
social e político). E, aproveitando
um ensaio que já havia iniciado anteriormente,
usei o violoncelo como
objeto afetivo.
A música me acompanha desde cedo,
por conta dos meus pais que apreciavam
muito e fizeram questão de
que cada filho aprendesse um instrumento.
Eu aprendi flauta quando
criança, mas, mais recentemente,
me apaixonei pelos instrumentos de
corda.
O cello, especificamente, me remete
a um passado aconchegante e carinhoso,
por conta de seu som, e,
também do cheiro de madeira. Para
mim, este instrumento traz similaridades
com o corpo humano e, ao
tocar, com ele apoiado na altura do
peito, do coração, é possível sentir
toda a vibração do som, provocando
a sensação de fusão do meu corpo
com o do instrumento. Além disso,
seu som melancólico é capaz de preencher
o espaço próximo ao chão,
provocando a sensação de uma certa
melancolia. Aqui, estão algumas das
imagens que compõem o ensaio ainda
em desenvolvimento.
O nome, Solilóquio para a melancolia,
veio como uma “brincadeira” de
fazer uma sonata em homenagem à
melancolia. Solilóquio é uma reflexão
que se realiza em voz alta, de
forma solitária. É um discurso que a
pessoa mantém consigo mesma.
Giovana Pasquini
Julho de 2021 - 49
50 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 51
“
Aprenda a encantar e a desencantar. Observe,
estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso”
Clarice Lispector
52 - Objetos Afetivos
Gizele Lima
Belém, PA
@gizelelimavieira
Gizele Lima é uma artista visual, nascida em Belém do Pará, e residente no Rio de
Janeiro desde 2005, frequentou grupo de estudos no Ateliê da Imagem e na A Casa
Foto Arte, no Rio de Janeiro, e desde 2016 participa de exposições coletivas. Tem o
corpo feminino como linguagem, este corpo que parece emergir e submergir, nascer
e morrer, mas ao mesmo tempo é vivo, pulsando nas suas imagens. Sua produção se
faz em diferentes meios como a fotografia, performance, intervenções e vídeos.
Julho de 2021 - 53
Deserto
O que há por trás da mulher?
Em meio a rotina do mundo contemporâneo,
as responsabilidades, as mudanças,
onde está a mulher?
Debaixo das roupas, da maquiagem,
dos filhos, dos compromissos, da cordialidade
do cotidiano.
Onde ela pode chorar suas dores, desaguar,
sangrar?
Onde estão os seus anseios, quando
não se tem que estar pronta a responder
a todas as demandas?
Onde estão seus desejos, seus sonhos
mais íntimos? Onde estão suas dores
intrínsecas?
O trabalho da autora quer explorar a
mulher no seu íntimo, expondo suas
dores, com todo o peso do seu cotidiano,
observando nos detalhes do corpo,
como este reage, e traz um mundo de
significados que levam à reflexão necessária
ao tempo corrido.
Gizele Lima
54 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 55
56 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 57
“
Abre a boca e sente o ar fresco inundá-la. Por
que esperou tanto tempo por essa renovação?”
Clarice Lispector
58 - Objetos Afetivos
Jana Inocencio
São Paulo, SP
@janainocencio_fotografia
Sou a Jana de Janaina, mulher, negra, periférica, sagitariana, artesã,
fotografa, entusiasta do bem viver e a fotografia sempre foi um jeito de
me comunicar, socializar e estar com minha família, a fotografia me
auxilia no autoconhecimento e a posicionar a minha existência no
planeta. Participei da expo “Corpórea: quem te mandou?” e do
Festival de Imagens Periféricas, entre outros projetos.
Julho de 2021 - 59
O autoretrato é muito novo na minha vida, sempre
fotografei sem noção técnicas, registrando mesmo
a minha família, movimentos culturais que fazemos
parte e a fotografia sempre foi um meio de me
comunicar com as outras pessoas e agora com as
filhas criadas, estou tendo a oportunidade de fazer
um curso técnico em processos fotográficos e
estou num momento de me conhecer, então a fotografia
está fazendo parte desse autoconhecimento,
durante a oficina de retratos e autorretratos conceituais
como objetos afetivo com a orientação de
Adri Vianna, me lembrei de um bule de aluminio
e cabo de madeira que minha mãe me deu do primeiro
casamento dela, deve ter quase 70 anos, ele
tá bem amassadinho trazendo a sensação do quanto
foi utilizado, minha mãe me contou que ganhou de
um a amigo de seu esposo que tornará seu amigo
também e acompanhava uma bandeja com xícaras
para café, então refleti muito como eram as uniões
nessa época, muitas vezes arranjados e como exercício
busquei utilizar espelhos e a iluminação da
vela que traz uma certa nostalgia e remeter ao passado.
Foi um processo de imersão através desse objeto
de afeto, me deixei levar por esse movimento
da luz de vela, dos reflexos no espelho e com vários
explorando sentimentos e sensações. Foi muito especial
e o resultado foi uma serié de 6 imagens e
um texto que chamo de poesia afetiva.
Jana Inocencio
60 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 61
“
‘Libertar’ era uma palavra imensa, cheia
de mistérios e dores”
Clarice Lispector
62 - Objetos Afetivos
Jeanete Domingues
Guarulhos, SP
@jeanetedomingues22
Formada em direito, atuei por mais de 30 anos como advogada. Quando
pensei em aposentar resolvi enveredar na fotografia, uma paixão
antiga. Fiz vários cursos na área, atuando no segmento da fotografia
de família. Neste momento busco algo novo na área, maisespecificamente
na fotografia criativa, tentando trazer um sentimento
intrínseco do meu existir como forma de expressão.
Julho de 2021 - 63
Neste singelo trabalho tento mostrar momentos de
angústia que tenho passado com minha mãe mas
também todo amor e alegria de ainda tê-la comigo.
“Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável
faz o coração bater mais depressa. A garantia
única é que eu nasci. Tu és uma forma de
ser eu, e eu uma forma de te ser. Eis os limites de
minha possibilidade” - Clarice Lispector
Obs.: Gosto muito das cores quentes e o amarelo
me trás a esperança de dias menos sombrios.
Jeanete
64 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 65
“
Porque despertei simultaneamente mulher
e humana”
Clarice Lispector
66 - Objetos Afetivos
Julien Rose
Madri, Espanha
@julienrose__
Artista visual brasileira que vive na Espanha e
desenvolve seus projetos artísticos nas áreas de vídeo,
collage e fotografia. Seu currículo consta de exposições
de fotografia e collage, assim como de projeções de
videoarte e curtas-metragens na Espanha,
Brasil, Polônia e Alemanha.
Julho de 2021 - 67
Perder a minha mãe foi o mais difícil que já vivi
até hoje, e o processo de fotografar dentro da
sua casa ao mesmo tempo que vivia o luto foi
doloroso e sanador. Passei semanas sentindo
falta de ar e mesmo ausente, ela estava presente
em cada detalhe dessa casa. Tentei plasmar
esse sentimento de sufoco nas minhas imagens,
usando seus pertences e as flores do seu jardim.
Essa mulher tão forte e tão amada já não está,
mas seu amor sempre permanecerá em mim e
em todos os sorrisos que ela me deu.
68 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 69
“
Fui moldada em tantas estátuas e não
me imobilizei...”
Clarice Lispector
70 - Objetos Afetivos
Kika Antunes
Belo Horizonte, MG
@antuneskika
Estudei Comunicação Social até meados de 1991, mas
foi na aventura e imersão em um laboratório e em cursos
livres que descobri a fotografia como expressão.
Desenvolvi trabalhos essencialmente no âmbito
das artes cênicas, espectáculos e
fotografia documental.
Julho de 2021 - 71
72 - Objetos Afetivos
ato ou fato?
permanência ou fuga?
perda ou abandono?
mágoa ou culpa?
procuro no instante aquele minuto, um sopro
de medo e incerteza, a cena do
dia, a hora em que o segundo se abriu e
revi você, ou o que você seria, ou onde
quer que esteja agora neste outro segundo
do hoje.
neste instante, neste fragmento de lembrança,
olho a pele já envelhecida, a derme
lacerada e pouco cuidada, uma cicatriz exposta,
dolorida, revela medos e acende
culpas... olho com carinho o que seria você.
ficou pouco carinho pra mim...
algo escapou, entre um sim e um não o
medo preencheu os espaços, estavamos
sós, com medo e desamparados, rompendo a
vida.
este romper é ao mesmo tempo, abrir a fenda
de um segundo interminável e
saltar a outro segundo irrepetível.
agora espio o que restou. minhas maos vão
e vem no peito.
espiar é olhar secretamente, as escondidas...
olho meu peito.
expiar é purificar de uma falta cometida.
expio o tempo.
eu tão só.
eu tão amor.
liberta, complexa e sacrificada pelo ontem
que não termina.
eu despida.
liberta.
fecho os olhos e abro dentro de mim.
no minuto expandido e desprotegido descubro,
conheço e reconheço o medo, a
culpa, o amor, a fragilidade, a incompreensão,
o sacrifício, a solidão, a potência
de estar onde se está, de ser quem se é, de
entregar o que se tem...
recolho sentimentos e costuro cada retalho,
abro o espelho do perdão, do amor.
os pedaços de mim , sombrios e doloridos
começam a ser enfeitados de pérolas e
vidrinhos, de escarlate e violeta, sou carne
e céu. sempre fui.
existe uma cama para o corpo que dói. deito,
e por sobre meu corpo um tecido
me cobre, é lindo. milhares de bordados em
sua trama me enfeitam, me
acolhem.
observo um bordado especial, uma pequena
janela amalgamada perto de onde o
tecido toca o coraçao, ali uma fenda permanece,
ela foi coberta por um delicado
tule, suas bordas recobertas por contas
azuis, dali uma luz potente emana .
já posso descansar.
Kika Antunes
Julho de 2021 - 73
“
À duração de minha existência dou uma
significação oculta que me ultrapassa”
Clarice Lispector
74 - Objetos Afetivos
Lara Pires
São Paulo, SP
@eularapires
Oi, eu sou a Lara Pires, tenho 26 anos e sou fotógrafa
há sete. Atualmente moro em São Paulo e sou especializada
em ensaios profissionais femininos.
Julho de 2021 - 75
O foco do meu trabalho tem sido retratar
mulheres de todos os corpos de idades. Sou a
favor da liberdade da feminina e sou contra
objetificação da mulher na fotografia.
Defendo a produção de imagens mais democráticas,
mais amigas das mulheres e menos
dos padrões impostos. Acredito que fotos podem
ser ferramentas de expressão artística
e de cura interior.
Lara Pires
76 - Objetos Afetivos
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78 - Objetos Afetivos
Sintoma
você não é ninguém
de quem eu me orgulhe
é minha parte fodida
quebrada
violenta
exposta
minha degradação é
ter ficado tanto tempo
porque talvez se eu conseguisse provar
que você não é tão errada
eu não teria que me corrigir
eu queria consertar você
por causa da minha bondade
ou porque tenho a sua doença?
sua arma é a indiferença
a minha, o masoquismo
se eu me importasse
desejaria que você parasse de se anestesiar
com tantos pedaços, migalhas
corpos fragmentados
já essa nossa linha borrada
entre o que era sintoma
e o que era gostar
ainda vai levar mais um tempo
para se desenhar
Lara Pires
talvez sejamos os opostos
do mesmo espectro
temos o mesmo vício
a mesma falta
de amor próprio
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“
Luto por conquistar mais profundamente
a minha liberdade de sensações e pensamentos,
sem nenhum sentido utilitário:
sou sozinha, eu e minha liberdade”
Clarice Lispector
80 - Objetos Afetivos
Letícia Valente
São Paulo, SP
@valente_leticia
Paraense, psicóloga de formação e fotógrafa autoral. Participou de exposições em galerias
paraenses com as temáticas do Círio de Nazaré, universo feminino e cultura amazônica.
Membro do Coletivo Paraense de Streetphoto Club do Urubu, desenvolve trabalho de fotografia
documental com os trabalhadores do Mercado do Ver-o-Peso, em Belém, desde
2018, juntamente com trabalho autoral de fotografia street. Atualmente desenvolve
trabalho autoral de autorretrato como ferramenta de construção de identidade.
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Sobre o processo criativo:
Título: Álcool sobre nota.
Nota de pesar. Nota de repúdio. Nota. Série
produzida durante a pandemia, é um grito
de socorro que retrata a dor da situação de
isolamento somada à revolta pelo descaso do
Governo no enfrentamento da covid-19 no
Brasil. Na rotina pandêmica, higienizar compras
com álcool tornou-se o hábito que simboliza
esse sentimento, dando vazão ao medo
e à angústia de não saber quando nem se vai
acabar.
Letícia Valente
82 - Objetos Afetivos
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“
Desejava ainda mais: renascer sempre, cortar
tudo o que aprendera, o que vira, e inaugurarse
num terreno novo onde todo pequeno ato
tivesse um significado, onde o ar fosse respirado
como da primeira vez”
Clarice Lispector
84 - Objetos Afetivos
Lu Rocha
Contagem, MG
@pretarochaliz
Sou Lu Rocha, professora de Artes, residente na cidade
de Contagem/MG. Minhas pesquisas em arte
se dão através da pintura e da fotografia.
Normalmente fotografo com câmeras
digitais, analógicas e com
a pinhole.
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86 - Objetos Afetivos
A série “Sem voz” são autorretratos com sobreposições
de imagens com formas orgânicas que fiz no decorrer dos
anos. Imagens essas que agregadas ao autorretrato compõem
um significado de como tenho vivido a vida.
Com as reverberações que o conto de Clarice Lispector, Obsessão,
teve sobre mim, através do comportamento de Cristina,
a personagem do conto, uma possibilidade de expressar
sentimentos que há muitos já estavam em mim, surgiu.
Enraizada nos valores que me foram impostos, vivi, ou
talvez vivo, sem saber quem eu sou. Me mantiveram calada
por muito tempo, isolada em mim mesma, como uma
pessoa que não conseguia se expressar e sem condições
de lutar por si. Devia ficar sempre com a minha boca fechada,
do contrário, sofreria as consequências.
Fizeram-me acreditar que eu era incapaz, estava fadada
ao fracasso. E em muito tempo andei por este caminho,
que me levou há mais e mais pessoas com a “semente” da
maldade, como diria Cristina.
E me lembro das palavras de Clarice, na voz de Cristina
“transformei-me independemente da minha consciência
e quando abri os olhos, o veneno circulava, irremediavelmente
no meu sangue, já antigo no seu poder.” Fato é,
que o mal já foi feito, e digo, fizeram um bom trabalho!
Mas devo continuar acreditando nas mentiras que me foram
ditas? Penso que não! Devo agora romper as paredes
do casulo em que vivi e me ressignificar e me reconstruir.
Hoje, sei que tenho voz! Hoje, sei que eu posso gritar.
Lu Rocha
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90 - Objetos Afetivos
Agora - silêncio e leve espanto”
“ Clarice Lispector
Lucianny Carvalho
Rio de Janeiro, RJ
@pequenoconceito_criativa
Nascida em 16 de junho de 1974, funcionária pública, natural do
Rio de Janeiro. A fotografia sempre esteve presente em suas memórias
de infância. Herança emocional, especialmente paterna.
Acredita que a criatividade e a arte conceitual são as vias para
a compreensão dos afetos e para dar forma aos tumultos
internos, parafraseando Nise da Silveira.
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Meu nome é Lucianny Maria Carvalho, nascida no
Rio de Janeiro, 47 anos, funcionária pública há 27
anos, sendo a Oficina “Retratos e Autorretratos Conceituais
com Objetos Afetivos” a minha primeira
experiência estruturada com a arte de fotografar,
amadoramente.
O gosto pela fotografia, creio, advém da infância.
Meu pai gostava de fotografar e tenho muitos registros
desse período. No entanto, sempre gostei de
ser fotografada, nunca me ocorrera até então fotografar.
É recente, posso assim dizer, o hábito de fazer registros
de lugares, pessoas e momentos com um olhar
conceitual. É recente, também, valer-me da fotografia,
conjuntamente com outros elementos (música,
literatura, poesia, manipulação de imagens),
para expressar afetos e despertar sentidos, o que
se dá intuitiva e espontaneamente. É recente, também,
apropriar-me do termo “criativa”, uma vez que
sempre acreditei não ser esta uma característica/
habilidade minha por uma limitada visão do termo,
pautada na vivência escolar.
A fotografia hoje é a linguagem dessa “persona criativa”,
que nasceu com a pandemia e busca ancorarse
nesse e em outros segmentos da arte para não
submergir.
No momento, encontro-me na dolorosa travessia do
luto pelo falecimento do meu irmão, 38 anos, devido
a complicações da Covid, ocorrido há 3 meses.
Minha família por parte de mãe - que faleceu em
2012 - mora em Florianópolis. Meus pais se mudaram
para a cidade quando meu irmão tinha 14 anos
e a minha relação com a família sempre foi marcada
pela distância. Não acompanhei a sua adolescência,
não me dera conta de que o “menino” se transformara
num homem. Um homem que se agigantou em
meio à dor, que foi o esteio do pequeno núcleo familiar
(pai, mãe e dois filhos) quando minha mãe cometeu
suicídio devido à depressão associada ao mal
de Parkinson.
Um homem que foi o elo para que esse núcleo não
se perdesse, o menino que assumiu o “lugar” que se
julgava caberia ao meu pai e a mim, de cuidado, de
apoio, afinal era o caçula, meu menino. Um homem
que frente à minha ruptura psíquica, em decorrência
do trauma pelo suicídio da minha mãe, esteve
presente à distância e tudo fez para que eu alcançasse
êxito no meu tratamento.
Soube que havia contraído o vírus por ele, “estive
com ele”, por via de mensagens no WhatsApp, todos
os dias em que esteve internado. Não esteve em
leito de UTI. O último laudo na noite anterior informara
que as taxas inflamatórias estavam reduzidas,
a saturação estava normal, o comprometimento do
pulmão estava no patamar mínimo. Aguardávamos
a alta, havia falado comigo pela manhã, quando no
início da tarde recebi a notícia de que teve uma parada
cardiorrespiratória e não resistiu.
Não percebera que, durante todo o período de espe-
92 - Objetos Afetivos
ra, angústia, não regava as plantas da pequena área
verde do apartamento. Para além disso, as via desfalecer
diariamente. Todos os dias eu as via “perdendo
vida”, pensava no porquê de não as regar, de não
“salvá-las”...
O mesmo ocorreu com os arranjos semanais de flores,
sequer colocava nos vasos, não os retirava do
“embrulho” em que eram entregues, deixava ali, e
assistia desfalecerem. Há quatro meses não há vida
quase, poucas resistiram. O verde já não aparece entre
as folhas secas, mortas.
Desfalecer Manhã
Chorara na análise relatando este fato quando foi
proposto o trabalho de conclusão da oficina, chorara
na análise porque não sabia o que registrar sendo
eu uma fotógrafa amadora. Foi sugerido pela minha
analista que construísse a narrativa a partir dessa
minha percepção.
Desfalecer Tarde
Desfalecer Noite
Foram três dias imersa para trazer com veracidade
o que esse coração em luto sente. As plantas representavam
que morrera uma parte de mim. Não há
mais aquele que ainda trazia a leveza da minha mãe,
a generosidade. Aquele que melhor reuniu as virtudes
dos nossos pais não está mais aqui. E todos os
dias, de manhã, o coração “acorda” e se dá conta de
que é real, a dor grita e a vida convoca a seguir em
frente. É preciso, ele assim desejaria, penso. E assim
levanto e tento continuar a travessia para transmutar
essa dor em doces lembranças, saudades.
Por fim, lembrei-me da echarpe da minha mãe, úni-
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94 - Objetos Afetivos
ca peça de vestuário que ficou comigo e que ficou intocada
por todos esses anos. Era esse o objeto afetivo
que deveria se unir às plantas e flores para retratar
a dor pelas perdas que tive. Elas se encontraram no
quarto retratado. Eu pude enxergar o meu rosto, em
frente ao espelho, a sós. Desespero e dor.
A foto final representa a resiliência, comprei uma
orquídea cuja flor havia morrido. O seu caule foi cortado
para que possa crescer com mais facilidade até
voltar a florir. Voltarei a florir junto com ela.
Não sou conhecedora de recursos de edição, mas
optei pelo preto e branco na maior parte das fotos
porque a meu ver espelham melhor os sentimentos
presentes. Apenas um efeito de tempo busquei, trazendo
filtro e máscara muito discretos. Em uma das
fotos que fogem ao formato preto e branco, trouxe o
sol e o vermelho, as manhãs são o momento em que
a dor grita com mais intensidade.
A construção da narrativa foi um processo doloroso,
mas de todo belo... e através dele diversas outras
imagens desse momento de angústia por que passamos
todos vieram. Pretendo seguir com os registros,
metamorfoseando a dor a partir da aceitação de que
ela está presente, a partir da aceitação de todos os
meus afetos.
Grata pela experiência nunca vivenciada. Grata pela
condução humanizada com que foi realizada a Oficina.
Lucianny
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“
Erguia-se para uma nova manhã, docemente
viva. Cada acontecimento vibrava em seu corpo
como pequenas agulhas de cristal que se
espedaçassem”
Clarice Lispector
96 - Objetos Afetivos
Maria Cristina
São João del-Rei, MG
@mcristyna
Com formação e atuação em Psicologia, graduou-se também em Arquitetura e Urbanismo pela
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Atualmente, mestranda em Artes, Urbanidades
e Sustentabilidade - PIPAUS na UFSJ, onde realiza pesquisa sobre as transformações socioespaciais
mediada pela fotografia. Atuou na gestão pública de saúde, no desenvolvimento
urbano e meio ambiente. Nos últimos tempos, vem organizando e elaborando os
gestos fotográficos entorno da discussão do afeto e da memória.
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98 - Objetos Afetivos
Eu Maria Cristina (MCristina), mulher, aprendiz
de fotografia, com vários papéis ao longo
dessa existência... Numa busca de construir a
narrativa para o trabalho da Oficina Retratos e
Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos,
explorei a linha, a agulha, os fios do cabelo, o corpo
despido, a roupa como segunda pele, a luz, a
câmera e o celular. Optando pelo registro monocromático
por buscar desvelar um processo reflexivo
através das imagens.
Então, ancorada pelo transbordamento das emoções
nesse cotidiano e contexto que estamos
vivendo, e ainda atravessada pelas palavras de
Clarice Lispector, remeti meu olhar as memórias
das costuras realizadas pelas mulheres da família
no reduto de seus lares e de suas histórias...
Esses gestos fotográficos trazem à tona a simplicidade
do ofício das costureiras, que por outro
lado, traz a carga e a força do seu simbolismo
atrelado ao universo predominantemente feminino.
A nudez é uma revelação desse feminino
que foi e está marcado por cicatrizes de alegrias,
de dores, de nódulos, de cirurgias, de estrias, de
expressões, de sentimentos, de crenças, de subjetividade,
de malabarismos, enfim de vida que
pulsa motivada pela resiliência e ressignificação
através processo artístico...
Maria Cristina
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100 - Objetos Afetivos
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“
Mas agora tenho vontade de dizer coisas que
me confortam e que são um pouco livres”
Clarice Lispector
102 - Objetos Afetivos
Thais Andressa
São João del-Rei, MG
@thais.andressa_art
Jornalista e fotógrafa. Realizou exposições fotográficas no Museu
Regional de São João del-Rei (2018), Centro Cultural Sesi Minas Ouro
Preto (2019) e participou da exibição no projeto “Por dentro de um tempo
suspenso”, Foto em Pauta (2020). Seu trabalho tem como foco temas
relacionados ao fotojornalismo, fotografia urbana e o olhar poético
sobre o cotidiano. É uma das integrantes do Estria Fotocoletivo.
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Acordei mais cedo que o habitual. Fiquei
horas contemplando a parede
branca e sem graça. Todas as idades
guardam suas crises, que, quando
resolver se apresentar, parecem nos
levar para um abismo; todas as lembranças
se juntam, até mesmo aquelas
perdidas em algum baú da infância
de 1900 e alguma coisa. Somos compostos
de pequenas dores e grandes
alegrias, ou vice-versa. Hoje preferi
não me olhar no espelho, mas preparei
a câmera e fiz um autorretrato, o
primeiro depois de anos. Peguei um
papel e uma caneta despretensiosamente,
sentei-me na cadeira próxima
a uma janela, e aguardei pela inspiração,
mas foi em vão. Olho o autorretrato,
os traços do rosto, a boca marcada
pelo batom, a face séria, serena, um
tanto melancólica. Talvez eu aprenda
a me amar nessas horas em que tudo
parece distante e frio. Talvez o medo
um dia se despeça e uma luz esperançosa
brilhe no céu de minha juventude.
Tento reinventar-me através da
arte. Insisto em encontrar-me entre
cores, versos e melodias.
Thais Andressa
104 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 105
“
Minha liberdade pequena e enquadrada me
une à liberdade do mundo”
Clarice Lispector
106 - Objetos Afetivos
Viviane Pedroso
Belo Horizonte, MG
@vicapedroso
Yoguini
Comunicóloga
Fotógrafa amadora
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108 - Objetos Afetivos
Essência
Poetizo, poemizo,
polemizo
Ando, canto,
Respiro
Danço!
Sou voz, Vibração
Reflexo
Energia, movimento
Dança!
Sou em cores
A sombra
O contraste
O brilho
A dança
Fragmentada
Na pele que me exibe
inteira Conduzida pela
vibração
Pelo sangue que
escorre e aquece
Nas sombras me
dissolvo
Em mim
Renasço, troco de pele
pra me caber
E ainda disforme
Alço vôo
Sem asas
Danço a existência
que persiste
Resisto
Triunfo
Na dança efêmera
que a vida É.
Viviane Pedroso
No reflexo pareço
acabada
Emoldurada
Limitada
Conforme
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Objetos Afetivos
CURADORIA E organização
Adriana Vianna
DESIGN E Diagramação
Cid Costa Neto
ILUSTRAÇÕES
Graphics RF / Vecteezy
Rawpixel
FONTES TIPOGRAFICAS
Anna Gustafson [APG Studios]
Johan Holmdahl
Mohamad Farhan Ramadhan
Realização
Resumo Fotográfico
Site
www.resumofotografico.com.br
contato@resumofotografico.com
RESUMO FOTOGRÁFICO
Rua Deputado André de Almeida, 551A
Bairro Ouro Preto - Belo Horizonte
Minas Gerais - Brasil
CEP: 30160-906
Este fotolivro apresenta os trabalhos produzidos
por um grupo de fotógrafas durante
a oficina Retratos e Autorretratos
Conceituais com Objetos Afetivos, realizada
em maio de 2021.
A partir da filosofia de Susan Sontag e do
estudo de casos na literatura de Clarice
Lispector, nos apropriamos do tempo, do
espaço e dos objetos afetivos que possibilitaram
o diálogo entre palavra e imagem
para concretizar transformações durante
o processo artístico.
Adriana Vianna
www.resumofotografico.com