11.02.2022 Views

Socialmente Literarios

A literatura é aquele universo que pode nos proporcionar a capacidade de imaginar outros mundos, outras ideias e tantas outras possibilidades, em que a fi cção é ponto crucial para imaginarmos uma sociedade diferente da que temos hoje.Talvez esse seja o paradoxo! A arte lida com a incompreensão de grupos agarrados a valores dogmáticos e vislumbrados por um mundo sem a possibilidade de transformações e mudanças enviesadas, em um futuro mais antigo do que a própria antiguidade. Contudo, com essa capacidade humana de sermos utópicos e pensarmos em um mundo de perspectivas é que produzimos o conteúdo deste livro, pautados na pesquisa, porém, como observadores do mundo em constante ação e pensamentos. Estas páginas nos completam, separam, dividem e nos unem. Nelas, esperamos que haja a expectativa de nos construirmos como uma unidade na diversidade.

A literatura é aquele universo que pode nos proporcionar a capacidade de imaginar outros mundos, outras ideias e tantas outras possibilidades, em que a fi cção é ponto crucial para imaginarmos uma sociedade diferente da que temos hoje.Talvez esse seja o paradoxo! A arte lida com a incompreensão de grupos agarrados a valores dogmáticos e vislumbrados por um mundo sem a possibilidade de transformações e mudanças enviesadas, em um futuro mais antigo do que a própria antiguidade. Contudo, com essa capacidade humana de sermos utópicos e pensarmos em um mundo de perspectivas é que produzimos o conteúdo deste livro, pautados na pesquisa, porém, como observadores do mundo em constante ação e pensamentos. Estas páginas nos completam, separam, dividem e nos unem. Nelas, esperamos que haja a expectativa de nos construirmos como uma unidade na diversidade.

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Eliabe Gomes de Souza é graduado

em Letras - Português e Espanhol,

pela PUC-SP, Marketing pela

Fundação Getúlio Vargas,

Pedagogo e Mestre em Educação

pela Universidade Nove de

Julho e Técnico em Eventos pela

ETEC Parque Belém. Atua como

palestrante, escritor, professor

e já desenvolveu trabalhos com

diversas organizações privadas, do

terceiro setor e públicas.

A literatura é aquele universo que pode nos

proporcionar a capacidade de imaginar outros mundos,

outras ideias e tantas outras possibilidades, em que a ficção é

ponto crucial para imaginarmos uma sociedade diferente da

que temos hoje.Talvez esse seja o paradoxo! A arte lida com

a incompreensão de grupos agarrados a valores dogmáticos

e vislumbrados por um mundo sem a possibilidade de

transformações e mudanças enviesadas, em um futuro mais

antigo do que a própria antiguidade. Contudo, com essa

capacidade humana de sermos utópicos e pensarmos em um

mundo de perspectivas é que produzimos o conteúdo deste

livro, pautados na pesquisa, porém, como observadores do

mundo em constante ação e pensamentos. Estas páginas nos

completam, separam, dividem e nos unem. Nelas, esperamos

que haja a expectativa de nos construirmos como uma

unidade na diversidade.

Eliabe Gomes de Souza SOCIALMENTE LITERÁRIOS

As linhas e estudos deste livro

expressam parte das andanças

e experiências do autor como

pesquisador e professor, lecionando

para grupos de diversos locais, com

temas relacionados à literatura.

A ideia central é compartilhar

essas ações de maneira a trazer

relatos e diálogos com referências

de pesquisas, conhecimentos

adquiridos sobre os conflitos e

conquistas, de maneira que os

textos e contextos que aqui se

apresentam possam ser a base ou

reflexão para outros curiosos e

entusiastas do ensino de literatura

e educação popular.



SOCIALMENTE

LITERÁRIOS

©



ELIABE GOMES DE SOUZA

Socialmente literários

1ª Edição

São Paulo, 2021



Título

Socialmente literário

Primeira publicação em São Paulo, capital, Brasil

2021

1ª Edição

Todos os direitos da obra

Cooperativa de Leitura e Eliabe Gomes de Souza

Copyright do texto © Eliabe Souza, 2021

Arte de Capa e Diagramação - Eliabe Souza

Revisão ortográfica – Claudia Mello

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

S729s Souza, Gomes Eliabe - 1985

Socialmente Literários/Souza Eliabe. -1. Ed. - São Paulo, Cooperativa de

Leitura, 2021

109p. 22cm.

Inclui Bibliografia.

ISBN: 978-65-00-26557-6

Crítica literária 2. Educação e Literatura 3. Educação Popular

I. Título

CDU – 37

CDD – 370.869



“O que a literatura faz é o mesmo que acender um

fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não

ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta

escuridão existe ao redor”.

William Faulkner



Sumário

Prefácio

Introdução

CAPÍTULO I

Literatura como rompimento do cotidiano

Leitura, literatura e educação em práticas que se completam

Criação literária e realidade social

Por uma concepção de literatura marginal e periférica

23

26

34

39

CAPÍTULO II

Educação no contexto da luta classe

Educação e mobilização popular

O poema e o poeta no contexto social da periferia

A ação coletiva dos escritores para a mobilização social

49

57

64

70

CAPÍTULO III

Literatura e educação não-formal na formação intelectual

Círculos de cultura e Círculos epistemológicos para a prática

educativa por meio da literatura

Experiências com ensino de literatura e leitura na comunidade

de Paraisópolis – a escola pública no centro da ação

Literatura em redes - Experiência de produção literária na

assistência social na região norte de São Paulo

O Território

Da construção a divulgação das produções literárias

A apresentação do processo criativo e o

desenvolvimento de redes

Somos utópicos por luta e convicção

77

81

86

90

92

93

98

103



Prefácio

No mundo contemporâneo, falar de literatura pode parecer,

para muita gente, uma atividade de menor valor e impacto social,

sobretudo se pensarmos no propalado pragmatismo que se tem

verificado em todos os lugares. Para aqueles que estão preocupados

mais como a satisfação dos instintos de sobrevivência – como

se a arte, num sentido lato, não fizesse parte de nossos impulsos

vitais! – e para aqueles que se voltam mais para a materialidade

do cotidiano, a literatura pode se revelar um fenômeno supérfluo

e dispensável, porém se pensarmos que se trata de uma expressão

humana que envolve não apenas a linguagem, mas também nossa

capacidade criadora, por meio da fabulação, certamente a enxergaremos

com outros olhos, conferindo a ela uma dimensão até

então impensada, em especial por sua capacidade de agir sobre o

mundo ao redor, com repercussões sociais inquestionáveis.

O livro que Eliabe Souza apresenta ao leitor traz à tona

exatamente essa questão: revela os aspectos mais socialmente

evidentes da literatura, sem se esquecer de suas incontornáveis

vinculações com um amplo e profundo universo teórico. Conciliando,

assim, teoria e prática, texto e contexto, demonstra ser o

ato literário uma das mais significativas formas de interação social

entre o homem e seu meio, além de se manifestar nos limites

de concepções tão complexas e polissêmicas como as de periferia,

identidade, cultura, opressão e outras.

Transitando como desenvoltura nesse vasto e intricado

universo da criação literária – numa deliberada intersecção com

várias outras áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Filosofia

e a Educação –, esse seu provocativo Socialmente literários apenas

confirma a máxima de Antônio Cândido, um de seus principais

inspiradores, no conhecido Literatura e Sociedade, para quem a

obra literária só pode ser entendida “fundindo texto e contexto


numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho

ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o

outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente

independente, se combinam como momentos necessários do processo

interpretativo”.

A base teórica utilizada por Eliabe Souza dá o tom do texto:

passando por autores como Marx, Lukács, Mészáros, Sartre,

Freire, Gramsci e outros, seu livro estabelece um amplo diálogo

com a tradição crítica ocidental, sem degenerar no sectarismo inconsequente,

mas também sem hesitar diante dos desafios que tal

tema apresenta, já que, a todo instante, assume posições firmes e

arrojadas, frente aos mais controversos assuntos.

Socialmente literários é, contudo, um livro que tem um

tema específico e uma linha de raciocínio definida: trata, mais

diretamente, da literatura marginal e periférica, no contexto da

educação, especialmente a educação não formal e, portanto, necessariamente

vinculada à ação coletiva e à mobilização social. Daí

advém seu claro compromisso como uma concepção de literatura

vincada pela transformação e pela resistência sociais. Como diz o

próprio autor: “a produção de uma literatura que tenha relação

homologa com a sociedade pode reproduzir a alienação imposta

ou ser uma obra crítica a um sistema opressor. O escritor ao

escrever pode trazer à tona em sua ficção a consciência social de

liberdade de uma comunidade”.

Por essa e por outras razões, o livro de Eliabe Souza movese

com naturalidade por espaços periféricos diversos – como a comunidade

de Paraisópolis, na zona sul da cidade de São Paulo,

ou o bairro de Vila Albertina, na zona norte; por atividades culturais

variadas – como os saraus ou as oficinas literárias; por temas

e assuntos distintos – como a violência, a política os as questões

raciais; enfim, por uma abundante gama de eventos e processos,

que fazem de seu livro um amplo panorama das possibilidades de

interação entre literatura e educação.

Ernesto Sábato, em seu tocante livro La resitencia, dizia

que “la búsqueda de una vida más humana debe comenzar por


la educación”. Parece não ser outro o sentido do livro de Eliabe

Souza que, por meio de uma feliz aproximação entre literatura e

educação, nos ensina como tornar a vida mais humana.

Professor Maurício Silva

Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo

Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação da

Universidade Nove de Julho


Introdução

Esta obra é parte das experiências e pesquisas realizadas

pelo autor por quatro anos e engloba suas leituras e conhecimento

provenientes não só da teoria da literatura, como também da

leitura de obras literárias e, ainda, dos caminhos percorridos nos

espaços de divulgação da chamada literatura marginal e periférica,

que ocorrem no município de São Paulo.

Com a ideia de uma explanação acerca da sociologia da

literatura, levamos como base teórica o materialismo histórico e

dialético, por entendermos que as relações econômicas determinam

a superestrutura da sociedade, influenciando, também, a estrutura

e a atuação de grupos na realidade. Nesta questão, surgem

consequências de uma sociedade individualizada, de classes, com

divisão social e de “raças”, gerando as diversas marginalizações

das populações oprimidas que segregadas e desprovidas de meios

educacionais, culturais e políticos, mergulham em uma alienação

útil apenas à manutenção dos interesses do capital.

Diante das relações sociais expostas, a periferia marginalizada

e estigmatizada desenvolve suas próprias ações para formação

intelectual; ações coletivas e movimentos populares tornam-se

espaço de lutas históricas, como no caso dos Quilombos,

de Canudos, do Movimento Sem Terra, entre outros. Movimentos

das periferias, que surgem em novas reações contra as hegemonias

do poder, como afirma SAVIANI (1998, p. 68), “o dominado não

se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam.

Então, dominar o que os dominantes dominam é condição

de libertação”. Neste contexto, concordamos ainda com o que

afirma FRIGOTO (2010, p. 84), quando diz que “romper com o

modo de pensar dominante é, pois, condição necessária para instaurar-se

um método dialético de investigação”.

Na perspectiva de escrever sua própria história,

e se construir como sujeitos desta história, os movimen-


tos da literatura marginal/periférica constituem uma práxis

de ação coletiva dentro dos espaços marginalizados da cidade

de São Paulo; reafirmam identidades numa “razão”

ontológica e epistemológica da periferia, gerada pelo capitalismo,

para o desenvolvimento de uma “razão marginal” e contestadora

da geopolítica do conhecimento. E, nesse sentido, é que podemos

afirmar que essa estruturação resulta em processos educativos para

esses espaços e seus frequentadores na formação de uma ‘’cultura

da periferia’’. Para tanto, a afirmação de Romão contribui para

nossas considerações ao dizer que,

Somente aos oprimidos e às oprimidas interessa a reflexão

sobre as relações e opressão, bem como somente a eles e elas

interessa a transformação dessas relações. É por isso que os dominantes

decretam o fim da história, exatamente porque querem

que a sociedade da qual usufrua dos benefícios não se transforme.

(ROMÃO, 2008, p. 84)

Desenvolver espaços de formação em que esses grupos

possam trazer à tona sua própria gnosiologia (teoria do conhecimento)

e, também, sua ontologia (como historicidade dos sujeitos)

leva essa literatura a uma ação e movimento de aprendizagem

construída na prática (quando constroem ações e mobilizações)

e teoria (quando refletem na literatura suas próprias histórias e

possibilidades de transformações). Assim, não estamos tratando

apenas de um movimento literário, mas de um movimento engajado

na superação da desigualdade entre os sujeitos.

Essa chamada literatura da periferia se caracteriza pelos

temas (assuntos e cotidiano de bairros periféricos) e por seus produtores

(tanto os movimentos quanto os escritores são pertencentes

ao território periférico), assim, essa manifestação torna-se

global ao romper com as fronteiras dos bairros da periferia, mas

não perde sua essência e identidade local de onde surgiu. Com

esses pressupostos, estudamos a potencialidade emancipadora que

essa literatura gera ao estruturar um movimento literário não propriamente

para a periferia, mas criada com a visão de mundo do

sujeito que vive na periferia.



Capítulo I


Literatura como

Rompimento do

Cotidiano

Produzir uma obra em que se discuta literatura é,

em primeiro plano, pensar em como podemos produzir algo

que envolva uma estrutura de pesquisa dentro de bases metodológicas

e, ao mesmo tempo, também ser acessível para

uma diversidade de leitores e leitoras interessadas, que não

tenham conhecimentos estruturados por um fundamento

que normalmente é feito dentro de espaços universitários.

Não afirmamos, aqui, que todo o conhecimento capaz de

interpretar grandes obras ou ciências esteja apenas no espaço

acadêmico; ao contrário, buscamos um diálogo entre a própria

obra que produzimos e as discussões feitas sobre a literatura como

estrutura para interpretação da sociedade, que esteja em espaços

de pesquisa formal ou produzidos por saraus periféricos, centros

populares, sujeitos que produzem seus livros independentes, entre

outros. Esse é um ponto importante, pois qual seria o sentido

da literatura em nossa sociedade se não a de nos responder de

maneira lúdica a interpretações, crises, problemas que encontramos

na vida social e experiências cognitivas que nos colocam em

conflitos diários sobre a própria vida concreta.

Todo ser humano busca em sua vida não somente uma

existência, mas também uma essência ou uma maneira capaz de

nos responder a questões que vão além da vida objetiva. Esta teria

pouco sentido se nos colocássemos somente na situação de nascer,

acumular bens materiais e morrer. Nossas necessidades ultrapassam

essas questões e a curiosidade humana é justamente o que nos

faz avançar e criar novas perspectivas e, nesse sentido, a interpretação

da vida por meio da arte nos leva a pensar possibilidades ou

questionar nossas relações no mundo.

23


Capítulo I

Para exemplificação, a obra “Admirável mundo novo”

(1932), de Aldous Huxley, traz, em seu contexto, a ideia de utopias

errôneas em que, para a construção de uma sociedade perfeita,

se instala uma organização social, onde sua população é controlada

pelo Estado em todos os níveis possíveis. Há um trecho na

obra em que, na formação dos sujeitos, é retirado o contato com as

“flores e os livros” 1 , de maneira que não estimulem pensamentos

diversos dos incitados para serem e fazerem. Em nosso cotidiano,

o afastamento das práticas que nos desenvolvam “o pensar” crítico

é constante; para esta questão, avalie o quanto a população realiza

a leitura de materiais diversos como livros, jornais, revistas, ou

mesmo como é estimulado o consumo dessas fontes de conhecimento.

Podemos, ainda, pensar o quanto a população frequenta

espaços diversos, com produção artística que não seja a locais

comuns como cinemas em shopping ou consumo de música de

massificação, por meio de grandes produtoras.

Essa questão como visita a espaços de produção de arte,

cinema, e ter o olhar estético para o cotidiano é tomado pela “ditadura

do tempo”, em que se deve ir e cumprir diversas obrigações.

Tomemos como outro exemplo, o fato de, na atualidade, lotarmos

mais academias para práticas de exercícios físicos corporais - não

por saúde e, sim, por conta de uma ideia de corpo que devemos

ter -, o que se assemelha a como nosso cotidiano não permite que

possamos ter tempo para “flores e livros”, uma ideia da metáfora

objetiva de nossas vidas, em um olhar na obra literária de Huxley.

Não ausentamos as práticas de uma vida saudável, porém o

como temos dado prioridades a ações que pouco melhoram nossas

relações como indivíduo e no coletivo, apenas pela busca de viver

cada vez em um padrão de sociedade dado pelo consumo.

1

No trecho retirado da obra “Admirável mundo novo” de Aldo Huxley (1894-1963), há uma

separação entre os sujeitos que ocupam a sociedade, sendo cada grupo instruído de uma

maneira. Dentre essas instruções, uma das orientações da personagem é: “Elas crescerão

com o que os psicólogos chamavam de ódio ‘instintivo’ aos livros e às flores”. (Huxley, 2016,

p. 33)

24


Socialmente Literários

Neste sentido, tomamos o título da obra de Antoine Compagnon

para questionarmos a ideia de “Literatura para quê?”, ou

no sentido de pensarmos o porquê estudarmos ou consumirmos

literatura em nossas vidas. Nas palavras do autor citado,

A literatura deve, portanto, ser lida e estudada porque

oferece um meio – alguns dirão até mesmo o único – de preservar

e transmitir a experiência dos outros, aqueles que estão distantes

de nós no espaço e no tempo, ou que diferem de não só por suas

condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de que os outros

são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos.

(COMPAGNON, 2009, p. 47).

Discutiremos, ainda, como o cotidiano nos afasta de

questões vinculadas à observação com um olhar crítico; isso não

significa que uma totalidade de pessoas não é sensível ao que

acontece ao seu redor, ou mesmo no mundo, mas, em nosso modelo

econômico, as influências com foco em lucros ou ganhos nos

retiram de uma observação terna, ou mesmo da busca por curiosidade

no mundo, por meio da apreciação das artes.

Por esse motivo, a arte é tão importante na vida dos seres

humanos, como rompimento de um cotidiano que pouco estimula

o pensar. Assim, nossos diálogos são propriamente sobre literatura

em seus gêneros diversos, todavia, em alguns pontos, nos reportaremos

a outros elementos da arte para exemplificações sobre

os temas, além de referenciarmos vários pesquisadores de áreas

diversas, buscando uma intertextualidade que contribua para o

desenvolvimento das ideias apresentadas nesta obra.

25


Leitura, Literatura e

Educação em Práticas

que se Completam

Iniciamos o primeiro capítulo com a discussão desses três

itens, pois são questões que irão pautar grande parte deste livro.

Tratamos, ainda, desses conhecimentos com base em concepções

de práticas educacionais, já que se trata de um estudo que aborda

uma educação pautada na leitura e na literatura. Neste sentido,

considera-se a significação política e pedagógica que há no ato de

ler, como afirma MARTINS (1992, p. 34): “aprender a ler significa

também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios,

o que, mal ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados”, principalmente

na ação de ler o texto literário como um produto social,

que pode ser reconhecido pelos sujeitos como uma produção de

sua realidade.

As obras literárias trazem em si uma estrutura de elementos

subjetivos e objetivos; inserem-se ainda condições históricas,

culturais e sociais particulares, que, em sua base, não têm um

compromisso com uma verdade científica. Para estabelecer essa

relação com a sociologia da literatura, tomamos como ponto de

partida os estudos de LUKÁCS (1968), GOLDMANN (1967) e

CANDIDO (2004, 2010), os quais nos revelam que toda produção

artística possui relações com as estruturas mentais de uma sociedade,

relações que, no caso de GOLDMANN (1976), são categorizadas

como homologia 2 . Isto significa dizer que a homologia, na

literatura, se exprime nas relações entre determinados elementos,

2

O conceito de “homologia”, em lugar de “analogia”, foi desenvolvido por Lucien Goldmann

em várias de suas obras, especialmente em Sociologia do Romance (1967). Segundo ele,

os processos de estruturação que ocorrem na infraestrutura, se reproduzem nas estruturas

significativas das obras da superestrutura social.

26


vinculados com a realidade social.

Para Goldmann, a consciência possível de uma classe social

constitui uma visão de mundo, portanto, ao buscar a superestrutura

3 de uma filosofia, literatura ou outra produção de homens

e mulheres, é preciso observar as relações sociais do grupo a que

essa produção se refere. A constituição de uma corrente literária,

por exemplo, se expressa por meio de um conjunto de representações

determinado em suas obras, com uma diversidade de influências,

sejam elas religiosas, filosóficas ou de outras camadas.

A literatura, portanto, não produz em si uma mera analogia

da sociedade ou um reflexo entre a obra e comunidade em que

foi criada. Sartre, por exemplo, analisou a obra do escritor negro

norte americano Richard Wright 4 , chamada O Filho Nativo, em

que o protagonista, inserido na violência racial, se vê obrigado a

matar e é banido de uma sociedade que nunca o tinha acolhido. O

livro leva Sartre a refletir:

A quem, pois, se dirige Richard Wright? Não ao homem

universal, de certo, pois na noção de homem universal entre a

3

As ideias de infraestrutura e superestrutura aqui discutidas têm como referência o

pesquisador Karl Marx. Em suas reflexões, temos a seguinte afirmação: “As ideias da classe

dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material

dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe

que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de

produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos, aproximadamente ao mesmo

tempo, os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As

ideias dominantes nada mais são que a expressão ideal das relações materiais dominantes,

são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão

das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação”.

(MARX, 1993, p. 72)

4

Richard Wright foi um escritor negro norte-americano, que nasceu em 1908 e faleceu em

1960. Sua grande obra foi O Filho Nativo: a tragédia de um negro americano, que, através de

um realismo brutal, contava a tragédia do negro Bigger Thomas, nascido em uma miséria

extrema e marginalizado pela sociedade. Entre seus diversos escritos, publicados posteriormente,

destacam-se Homem Branco, Ouça! (1957), A Situação do Artista Negro e Intelectual

nos Estados Unidos (1960) e outros.

27


Capítulo I

característica essencial de que ele não está engajado em nenhuma

época em particular e de que não se comove nem mais, nem

menos, com a sorte dos negros da Luisiana do que com a dos escravos

romanos do tempo de Espártaco. O homem universal não

seria capaz de pensar outra coisa senão os valores universais; ele é

a afirmação pura e abstrata dos direitos imprescritíveis do homem.

Mas Wright não pode, tampouco, pensar em destinar seus livros

aos racistas brancos da Virgínia ou da Carolina, que têm ideias preconcebidas,

e que jamais os abrirão. Nem aos camponeses negros

dos alagadiços, que não sabem ler. E ainda que ele se mostre feliz

com a acolhida que a Europa concede aos seus livros, é evidente

que ao escrevê-los não pensa no público europeu. A Europa está

longe, as indignações europeias são ineficazes e hipócritas. Não se

pode esperar muito de nações que subjugaram a Índia, a Indochina,

a África negra. Bastam estas considerações para definir os seus

leitores: ele se dirige aos negros cultos do Norte e aos americanos

brancos de boa vontade (intelectuais, democratas de esquerda,

radicais, operários filiados a sindicatos progressistas). (SARTRE,

1993, p. 63)

Tomamos esse exemplo do texto de Richard Wright, pois,

para Sartre, a obra é a consciência do autor, que se identifica com

a consciência de seu público, portanto a obra é a consciência coletiva,

em que tanto o autor como o público, estão envolvidos na

construção das ideias: “o escritor é a consciência deles” (SARTRE,

1993, p. 64). Considera-se, por conseguinte, não apenas a obra,

mas o contexto social e histórico em que se inserem o autor e seu

trabalho, e ainda os seus leitores, que se identificam e fazem suas

leituras na individualidade, formando uma estrutura coletiva.

O exemplo tomado de Sartre nos leva ao campo de investigação

de uma sociologia da literatura, que representa o tempo e

agir de um povo, pois tanto seu público, quanto o autor são partes

do tempo histórico, inseridos em um conjunto de ideias, determinado

pela superestrutura e estrutura da sociedade. A literatura

torna-se um produto de investigação de nossa sociedade, já que

“ler e escrever literatura, mais que uma pedagogia crítica de rep-

28


Socialmente Literários

resentação, pode mediar o conhecimento da cultura mais ampla

em termos políticos, ideológicos e históricos” (CYANA, 2004, p.

224). Como completa a autora, há múltiplos conhecimentos engendrados

no texto literário, que podem ser utilizados como objeto

para a pesquisa social.

Deste modo, a experiência da leitura envolve a aprendizagem

dentro de uma perspectiva individual e coletiva, e tanto o

leitor quanto o escritor passam a desenvolver conhecimento crítico

com o exercício da leitura. Porém, se tratarmos da questão de

como ocorre o incentivo à leitura ou mesmo a função social da

leitura, constatamos que há poucos espaços para essa prática. As

bibliotecas públicas 5 atingem uma pequena parcela da sociedade

e, mesmo que haja um crescimento de espaços de leitura, ainda

deve-se pensar na formação de leitores ou em como trazer o exercício

da leitura para o cotidiano.

A aprendizagem e uso da literatura nas escolas, em sua

grande maioria, ainda estão ‘’presos’’ a modelos didáticos, vestibulares

e a uma escolarização que não abrange sua leitura mais crítica;

isso dificulta o desenvolvimento do interesse de leitores dentro

do ambiente escolar, ou mesmo da compreensão de um direito à

literatura como prática humana e social.

Ler o texto literário leva o ser humano a compreender diferentes

realidades, contribuindo para que ele ou ela se posicione

criticamente diante de sua própria realidade. Qualquer pessoa,

seja criança ou adulto, possui a “capacidade” da ficcionalização, de

imaginar antes de realizar, portanto construir conhecimento com

5

Atualmente existem 4.763 bibliotecas no Brasil e está em curso o Programa “Cada município,

uma biblioteca”, uma iniciativa do MinC (Ministério da Cultura), com o propósito

de zerar o número de municípios sem bibliotecas. Uma evolução? Certamente. Porém, a

pesquisa apontou que 75% da população nunca frequentou uma biblioteca, apesar de 71%

afirmarem que as bibliotecas são de fácil acesso, o que vem confirmar que, mesmo reconhecendo

sua importância, não basta investir em bibliotecas. A despeito de sua importância,

percebe-se que não é só com bibliotecas que se criam leitores. Retratos da leitura no Brasil

(2012, p. 124).

Disponível em: http://www.imprensaoficial.com.br/retratosdaleitura/RetratosDaLeituraNo-

Brasil3-2012.pdf Acesso em: 17 dez 2015.

29


Capítulo I

a literatura significa estabelecer relações dialógicas com

outros saberes, textos e concepções. Assim, a literatura promove,

em sua leitura, a aprendizagem do próprio indivíduo e sua

condição em um universo múltiplo e de diversos acúmulos de racionalidades.

Sabe-se da importância da leitura na formação dos indivíduos

e, dificilmente, alguém não concorda com este fato. Na

pesquisa realizada pela Impressa oficial/Instituto Pró-livro, em

2012, sobre motivações para ler um livro, as seguintes questões

foram apresentadas:

Figura 1 - Pesquisa sobre as Motivações para ler um livro 6

A leitura permite experiências enriquecedoras, a partir de

seu envolvimento com as estruturas apresentadas. Na pesquisa

citada, a motivação gerada pelos conhecimentos e atualização cultural

representa uma parcela significativa de leitores que consideram

a leitura como parte relevante de sua formação intelectual.

Obras de múltiplos temas exercem funções entre valores, história,

cenários e tempos, todo esse conteúdo leva a sua constituição pedagógica

ao atuar como um transformador de consciências.

6

Dados sobre leitura - Impressa Oficial/Instituto Pró-livro. Disponível em: http://www.

imprensaoficial.com.br/retratosdaleitura/RetratosDaLeituraNoBrasil3-2012.pdf Acesso em

14 dez 2016.

30


Socialmente Literários

Para pensarmos os Aspectos pedagógicos da leitura, temos

como concepção que a leitura abrange uma diversidade de

questões a serem tratadas ou, como afirma Petit (2009, p. 82): “A

leitura é uma atividade muito complexa, que não poderia ser reduzida

a um aspecto”. Não temos a intenção de apresentar modelos

ou ‘’receitas’’ de como deve ser uma prática educativa com o

uso da leitura; de fato, o ato de ler já é em si um meio de interação

e inter-relação entre o sujeito e a obra, o que não constitui um

processo passivo do leitor, pois, ao ler, as possibilidades de interpretação,

crítica e observações vêm de acordo com suas experiências

quanto ao conteúdo de leitura e, nessa ação, pode aprofundar

seu conhecimento, se entreter, ou mesmo conhecer sobre um

novo assunto.

O ato de ler não se esgota na decodificação das palavras e do

conteúdo. A experiência da leitura se prolonga no próprio acúmulo

de conhecimento de mundo do leitor; assim, ao interagirmos

com obras aparentemente de ‘’difícil interpretação’’, devemos, em

primeiro lugar, analisar o quanto temos de experiência em determinadas

leituras. Neste caso, exemplos de como a leitura de

um texto técnico ou científico pode ter diferentes características:

um texto científico escrito para uma comunidade especifica, de

estudiosos da área, utiliza termos, estrutura textual e organização

próprias para pessoas que possuem conhecimento sobre o assunto;

porém, esse mesmo assunto pode ser divulgado para pessoas leigas

no tema de pesquisa, por meio do gênero de divulgação científica,

um texto próprio para se divulgar conteúdos de pesquisas complexas

em jornais, revistas e outros meios que não se dirigem a

leitores especialistas no assunto.

Portanto, desenvolver uma educação que estimule a leitura

é uma ação pedagógica que abrange múltiplos conhecimentos. Ler

não só o conteúdo, mas também desenvolver o hábito e tornar-se

leitor constituem metas de qualquer organização de educação,

seja dentro de uma estrutura de ensino público ou privado, seja

em organizações de educação formal ou informal, todos concordam

com a importância da leitura na construção dos indivíduos.

31


Capítulo I

Quanto à literatura, o aspecto pedagógico que podemos

classificar no texto literário nos leva à questão de Petit, que diz:

“Os livros lidos são moradas emprestadas onde é possível se sentir

protegido e sonhar com outros futuros, elaborar uma distância,

mudar de ponto de vista” (2009, p. 284). Concordamos com

a autora e entendemos que se faz necessário compreendermos a

amplitude desta prática no processo de educação e da própria vida

dos sujeitos que leem.

Os conteúdos literários como uma dimensão educativa

têm a capacidade de transmitir conhecimentos historicamente

constituídos na sociedade de sua produção. A literatura como uma

linguagem humana se constitui na produção de seu autor que,

imbuído de suas experiências sociais, produz sua consciência por

meio da linguagem. Em sua totalidade, a linguagem é consciência,

portanto a literatura, também como uma linguagem, tem a

capacidade de comunicar concepções do autor e, na medida em

que o leitor exercita sua leitura na diversidade de textos literários

existentes, igualmente pode compreender uma variedade de experiências

de outras sociedades ou da que ele esteja inserido.

Por todo o globo terrestre e desde a criação da comunicação

escrita, o ser humano tem registrado suas crenças, histórias,

mitos, e outros conteúdos que, de alguma maneira, pudessem ser

capazes de ‘’ficcionar’’ a realidade. A relação com os efeitos que

essas produções possuem na sociedade revela práticas de diversos

estudiosos e pensadores, durante diferentes épocas. No ocidente,

estudos de Aristóteles (322 a.C a 384 a.C) e outros da Grécia antiga

já faziam referências, dentro do contexto da época, às relações

pedagógicas que havia nas epopeias, tragédias e comédias gregas.

A presença da literatura em diferentes épocas e sociedades

evidencia que essa produção faz parte de uma necessidade humana

de criação, e como uma prática social, seja do texto escrito ou da

cultura oral, por meio das ‘’contações’’ de história, a representação

pedagógica que possui a literatura faz-se presente como estímulo

de aprendizagem de crenças, concepções, filosofias, sensibilização

ou pelo simples exercício de entretenimento.

32


Socialmente Literários

Com esses pressupostos, compreende-se a importância da

leitura e a formação de leitores para um processo de transformação

dos sujeitos. A leitura é um instrumento dialógico, com caráter de

conhecimento lato, e sua ausência na formação das pessoas leva

à impossibilidade de ampliar os tantos conhecimentos que se encontra

a cada título lido.

33


Criação Literária

e Realidade Social

As necessidades da humanidade consistem na organização

de estruturas para manter questões vitais para a nossa sobrevivência.

Como ser biológico, dependemos de questões básicas, portanto

sem alimentação, água ou mesmo sem um arcabouço que, de

alguma maneira, nos proteja do frio, perigos naturais, entre outros

fatores, a vida humana entra em risco de vida. Contudo, também,

somos sujeitos sociais, temos outras necessidades, que são a de nos

relacionarmos com o outro, de viver em comunidades para desenvolvermos

aprendizagens no espaço e no tempo em que vivemos.

Somos capazes de produzir cultura, de manipular a natureza,

assim como temos a capacidade da linguagem. Nesse âmbito,

nos diferenciamos dos animais, tornando-nos humanos pela formação

da consciência. Para Marx e Engels (1993), em A Ideologia

Alemã, a consciência nasceu da necessidade de os homens

se comunicarem entre si, portanto a linguagem e a consciência

constituem uma totalidade na formação social.

Neste sentido, Marx e Engels ainda apontam que a consciência

é determinada pelas relações sociais, logo, suas organizações

políticas, estéticas e culturais são efeitos dessas relações

que temos com o mundo e nas práticas sociais. Se “superarmos” a

condição de seres biológicos, no sentido de que nos tornamos sujeitos

com consciência, portanto históricos, as relações de aprendizagens

passam a se construir na convivência que temos com o

meio e com o outro, assim como, em nossas criações expressivas,

as produções artísticas são partes dessas experiências sociais que

temos com o outro e com o espaço em que estamos:

34


Como se vê, não convém separar a repercussão

da obra da sua feitura, pois, sociologicamente ao

menos, ela só está acabada no momento em que repercute

e atua, porque, sociologicamente, a arte é

um sistema simbólico de comunicação inter-humana,

e como tal interessa ao sociólogo. (CANDIDO,

2010, p. 31)

Nesta investigação, tomamos como início do estudo da sociologia

da literatura as obras de Madame de Staël (1766-1817) e

Walter Benjamim (1892-1940) seguindo uma ordem cronológica

das obras. Destacam-se as produções de pensadores como o húngaro

György Lukács (1885-1971), o italiano Antonio Gramsci

(1891-1937), o romeno Lucien Goldmann (1913-1970) e o francês

Pierre Bourdieu (1930-2002), que nos mostram, com diferentes

enfoques, as estruturas significantes e categorias de estudos da sociologia

da literatura.

No Brasil, pesquisas com enfoque na questão da sociologia

da literatura ganham maior significação no início do século XIX,

com estudiosos como José Veríssimo (1857-1916), Araripe Júnior

(1848-1911) e Sílvio Romero (1851-1914), chegando ao século

XX com pesquisadores como Antonio Candido (1918-2017), Roberto

Schwarz (1938-) e Alfredo Bosi (1936-2021), entre outros.

Cada um desses estudiosos vai destacar peculiaridades diversas das

ciências humanas, adotando teorias que vão do estruturalismo ao

materialismo, passando ainda pelo funcionalismo e revelando as

tensões que se observam no estudo da literatura dentro do campo

social.

Uma questão significativa para com a pesquisa é que não

encontramos mulheres que façam parte desse histórico de pesquisas

sobre sociologia da literatura. Por uma brevidade dos temas

apresentados não aprofundamos a questão, porém, para efeito

de problematização, esse ponto sobre mulheres como parte da

35


Capítulo I

definição da teoria da literatura com relações sociais é um importante

campo para se realizar estudos e evidenciar a questão da

mulher como pesquisadora de sociologia da literatura.

Na perspectiva materialista, a sociologia da literatura surge

com o método de análise e investigação que discute, principalmente,

as relações entre a obra e as representações da consciência

coletiva de sua época de produção. A transformação da sociedade -

a estrutura da manufatura burguesa, a estrutura da exploração imperialista

etc. - levou os pesquisadores a investigar o texto literário

também como elemento de produção e cultura dessa sociedade.

Tadié traz importantes contribuições para a ideia de que o autor,

assim como o leitor, já existe constituído em uma sociedade e que,

portanto, a sociedade antecede a obra:

A sociedade existe antes da obra, porque o escritor

está condicionado por ela, reflete-a, exprime-a,

procura transformá-la; existe na obra, na qual nos

deparamos com seu rastro e sua descrição; existe

depois da obra, porque há uma sociologia da leitura,

do público, que, ele também, promove a literatura,

dos estudos estatísticos à teoria da recepção.” (TA-

DIÉ, 1992, p. 163)

A vitalidade dos clássicos é uma base para podermos conectar

a literatura de uma determinada época à sociedade de sua produção.

Obras como a peça de teatro Édipo Rei ou Antígona, do

escritor Sófocles (2500 a.C), avançaram no tempo e tornaram-se

conhecidas por diversas populações, em diferentes épocas. Hoje,

cumpre importante função para se analisar a sociedade na época

de sua produção, ainda com marcas estéticas de estruturas que podem

ser compreendidas por leitores do século XXI. Outras obras,

como a de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616),

que apresenta questões como a loucura quixotesca ou mesmo a

utopia do protagonista, são ainda lidas e admiradas. Obras tornaram-se

imortais, como exemplos Madame Bovary, de Gustave

Flaubert (1821-1880), Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima

36


Socialmente Literários

Barreto (1881-1922) ou O Castelo, de Franz Kafka (1883-1924) e

outras que trazem em suas composições questões atreladas a sua

época.

No Brasil, como em outros países, há muitos autores e

títulos literários que podemos citar para se estudar a sociedade

e a realidade social de uma determinada época, como por exemplo,

Machado de Assis (1839-1908), em títulos como O alienista

ou Dom Casmurro, que apresentam personagens e pontos de

vista sobre a loucura relacionada à ligação do personagem com

a sociedade de seu tempo. Em ambas as obras, Machado de Assis

demonstra valores e questões da época de suas criações, podendo

ser investigadas por diferentes vieses para entendimento da sociedade

brasileira. Assim ocorreu também com outros movimentos

literários no Brasil, tanto a poesia “política” de Gregório de Matos

(1636-1696), com seus discursos contra ordens religiosas e o falso

moralismo, como a intensa crítica que aparece no conjunto das

obras de Lima Barreto (1881-1922), passando ainda por um movimento

de ressignificação da produção estética do Brasil, como a

Semana de Arte Moderna, todas elas produções que apresentam

intensa incorporação da história e das relações sociais do país.

Para esta pesquisa, por uma questão de metodologia, a literatura

é discutida dando-se mais ênfase ao texto e ao contexto,

pois abordaremos a produção estética com um foco “pedagógico”,

diante das experiências sociais de homens e mulheres exercidas

pelo meio em que se insere a criação da literatura.

Relacionamos as obras literárias com o contexto histórico-social

e, desta maneira, pode-se estabelecer parâmetros com

uma sociedade que, se por um lado pode ser contra hegemônica,

desenvolvendo lutas e superação das desigualdades, por outro

pode se revelar uma sociedade alienada, condicionada pelo capital

e a exploração do outro para a formação da riqueza de poucos.

Deve-se, por isso mesmo, considerar a sociedade em suas contradições,

pois é composta por seres humanos, sendo ela alienada

ou não.

37


Capítulo I

A história de uma sociedade não é particular ou individual,

mas surge nas/das relações e pensamentos coletivos, e a literatura

acompanha sua formação, mesmo quando fala de outros tempos.

Naturalmente, as narrativas possuem conexões com a sociedade

de sua produção e nem mesmo a individualidade do autor exclui

o coletivo. Quanto mais uma obra mergulha na historicidade e

dialogicidade da sociedade, mais traz para si a história da humanidade,

tornando-se uma literatura universal.

A grandeza de uma literatura, ou de uma obra, depende

da sua relativa intemporalidade e universalidade,

e estas dependem por sua vez da função total

que é capaz de exercer, desligando-se dos fatores

que a prendem a um momento determinado e a um

determinado lugar. (CANDIDO, 2010, p. 55)

Portanto, o estudo da literatura, e principalmente de uma

sociologia da literatura, atenta-se à criação, não como mero reflexo

de sua sociedade, mas como um processo empírico (sua relação

com a sociedade), desenvolvido pelo imaginário do autor. Em seu

desenvolvimento, a literatura é a leitura do mundo, representando

as vivências históricas de cada grupo social, formadas nas ações

dos indivíduos que a produzem dentro de bases e tensões da vida

coletiva.

Dessa maneira, podemos investigar a relação de sentidos

da literatura com a sociedade de modo geral e as relações sociais

de modo específico. Com a mediação entre a realidade e a obra,

pode-se observar o processo criativo como um movimento dialético

entre as estruturas da sociedade e a criação literária, que não

prescinde de condições objetivas. Ao contrário, a literatura como

um produto social é parte do real e objeto final do escritor, que

produz e reproduz a realidade social em que está envolvido.

38


Por uma Concepção

de Literatura

Marginal e Periférica

A história de homens e mulheres está envolvida em suas

capacidades de produzir cultura. Dessa maneira, toda sociedade

possui marcas e peculiaridades próprias de produção de conhecimento

e ações de grupos coletivos. Neste contexto, práticas engajadas

na atuação político-social resultam num conjunto de produções

que reforçam a história de uma sociedade e, na luta contra

hegemônica, a arte fundamenta a reflexão de liberdade de grupos

que produzem suas obras como contestação de ordens e culturas

impostas.

A produção de uma literatura que tenha relação homóloga

com a sociedade pode reproduzir a alienação imposta ou ser uma

obra crítica a um sistema opressor. O escritor, ao escrever, pode

trazer à tona em sua ficção a consciência social de liberdade de

uma comunidade. Nas palavras de Sartre (1993, p. 61), “um escritor

é engajado quando trata de tomar a mais lúcida e integral

consciência de ter embarcado, isto é, quando faz o engajamento

passar, para si e para os outros, da espontaneidade imediata ao

plano refletido”.

Nas periferias de São Paulo, o fenômeno literário denominado

como literatura marginal ou literatura periférica mostra

como a influência de um território pode ser fundamental para

a produção do autor. Assim como no nome desse movimento

literário, essa literatura carrega consigo histórias, ideias e perspectivas

da periferia e da população que vive nessas regiões, dizendo

respeito a questões da comunidade local ou do espaço geográfico e

cultural periférico.

39


Capítulo I

Os termos, “marginal” e “periférico” estão vinculados à maneira

de pensar e agir das comunidades que vivem nesses espaços,

referindo-se às experiências de populações excluídas socialmente,

de maneira que a literatura ali produzida passa a representar a

realidade social dessas periferias e guetos, surgidos, muitas vezes,

como resultado da desigualdade do sistema capitalista. Esse povo

que se torna excluído e marginalizado é exposto a situações extremas,

como o trabalho excessivo, a falta de uma estrutura que

garanta direitos como saúde, moradia, habitação e acaba marginalizado

ao extremo:

De acordo com essa teoria, marginalizados são os

grupos ou classes dominadas. Marginalizados socialmente

porque não possuem força material (capital

econômico) e marginalizados culturalmente,

porque não possuem força simbólica (capital cultural).

E a educação, longe de ser um fator de superação

da marginalidade, constitui um elemento

reforçador da mesma. (SAVIANI, 1988, p. 32)

Neste sentido, essa produção dos escritores da periferia

caracteriza-se não como uma literatura para a periferia, mas como

uma literatura produzida a partir do olhar dos sujeitos que vivem

e conhecem a experiência cultural desses locais. Essa literatura

carrega em si a estrutura de uma localidade, um espaço que consiste

em uma cultura própria, desenvolvida a partir de experiências

sociais diversas que ocorrem dentro da periferia.

Para Candido, há que se atentar para as seguintes questões:

Há neste sentido duas respostas tradicionais, ainda

fecundas conforme o caso, que devem, todavia,

ser afastadas numa investigação como esta. A primeira

consiste em estudar em que medida a arte é

expressão da sociedade; a segunda, em que medida

é social, isto é, interessada nos problemas sociais.

(CANDIDO, 2010, p. 29)

40


Socialmente Literários

A denominada literatura marginal/periférica, produzida

por moradores dos bairros marginalizados de São Paulo, surge

neste contexto de utilização do texto literário como outro meio

de conscientização e reflexão sobre a situação das populações das

periferias: “é a relação que as palavras estabelecem com o contexto,

com a situação de produção e leitura que instaura a natureza

literária de um texto” (LAJOLO, 1982, p. 38). Essa literatura possui,

ainda, um perfil voltado a assuntos de violência, desigualdade

e denúncia dos problemas sociais desses bairros, e é escrita sobre

e a partir do olhar do sujeito que vive nas periferias. Para Nascimento,

trata-se de uma ação coletiva, voltada à construção de

conhecimento e colaboração:

A formação do movimento de literatura marginal

dos escritores da periferia e o desenvolvimento de

laços de amizade e colaboração mútua, desencadeando

uma importante movimentação cultural nas

periferias paulistanas. (NASCIMENTO, 2009, p. 23)

Aqui, devemos diferenciar a literatura marginal da década

de 70, a chamada geração mimeógrafo, que é posterior ao movimento

musical da Tropicália e que foi desenvolvida num tempo de

repressão política no Brasil. Tiveram como destaque nomes como

Ana Cristina César, Paulo Leminski, Ricardo Carvalho Duarte

(Chacal), Francisco Alvim, Cacaso e outros; suas obras eram feitas

de maneira artesanal, com o uso de mimeógrafos e fotocópias

para facilitar e baratear a produção de textos, que eram vendidos/

distribuídos em bares, praças, espaços livres de universidades e

outros locais. Apesar de receber o nome de “literatura marginal”,

a produção literária da década de 70 possui características diversas

da atual produção, igualmente chamada de “literatura marginal”

ou “literatura periférica”, a começar pelos locais de discussões, o

público que produz e lê essa literatura, até os objetivos de seus

autores. Outras questões poderiam ser discutidas sobre as diferenças

entre as duas gerações, porém, para que haja uma melhor

compreensão desse contexto, atentemos para o quadro criado pela

41


Capítulo I

pesquisadora Érica Nascimento, que apresenta as peculiaridades

desses dois movimentos:

Quadro 1 – Síntese das características das duas gerações de literatura marginal

Perfil dos

escritores

Grupos que

reúnem

escritores

marginais

Características

dos textos

Temas

recorrentes

Gerações dos poetas

marginais da década de 70

São representantes das

camadas privilegiadas,

ligados às atividades de

cinema, teatro e música

e universidades públicas.

Aglutina duas gerações de

intelectuais: poetas que já

publicavam na década de

1960, mas já tinha sintonia

com os movimentos de

poesia concreta, poesia da

práxis ou poesia-processo;

e poetas que começaram a

publicar em 1970.

Frenesi, Nuvem cigana,

Folha de rosto, Vida de

Artista entre outros.

Linguagem coloquial;

pequenos textos em prosa;

poesia versada ou discursiva;

apelo visual com

a utilização de desenhos,

fotos e quadrinhos; tom

irônico; uso de palavrão;

temas relacionados à vida

cotidiana e à prática social

da classe média da época.

Sexo, tóxicos, cotidiano

das camadas média e alta.

42

Nova geração de

escritores marginais

Representantes das classes

populares e moradores de

bairros das periferias.São

majoritariamente, residentes

do Estado de São Paulo e

homens. Boa parte deles estreou

na edição especial da

revista Caros Amigos/literatura

Marginal. Estão ligados

ao movimento Hip Hop e/

ou envolvidos com projetos

culturais ou sociais.

1 da sul, Cooperifa, literatura

do Brasil entre outros.

Linguagem coloquial; apelo

visual com desenhos, fotos

(nos livros) e grafites (nas revistas);

recorrência de gírias

do Hip Hop e das periferias;

uso do palavrão; utilização

de linguagem das periferias

urbanas com construções escritas

que destoam da norma

culta.

Vida e prática dos membros

das classes populares

e problemas sociais, como

violência, carência de bens

culturais, precariedade

da infraestrutura urbana,

relações de trabalho –


Formas

privilegiadas

Público

consumidor

Socialmente Literários

predominantemente associado

ao espaço social da

periferia.

Poemas (era sobretudo Poemas e Contos.

um movimento de poesia

marginal).

Classes privilegiadas. Não há dados sistematizados

a respeito do público consumidor.

Grupo afim Tropicalistas, sobretudo

por que este grupo também

subvertia os padrões

de qualidade e bom gosto

da época.

Conexões Universidade, artistas, cir-

extras literárias cuito de bares e cinemas,

frequentados pela classe

média, patrocínio das

próprias famílias e amigos.

Tradição/ Rompimento com as van-

cânone literário guardas da época, como

o concretismo, a poesia-práxis

e a poesia-processo.

Aproximações, pela crítica

literária, ao modernismo.

Fonte: (NASCIMENTO, 2009, p. 47)

Hip hoppers, por compartilharem

o mesmo repertório

cultural e socia

Revista Caros Amigos, grupos

e mídia ligada ao movimento

Hip Hop (sites e revistas)

e terceiro setor.

Os escritores não se filiam

a nenhuma tradição específica,

mas os editoriais das

revistas Caros Amigos Literatura

Marginal invocam

como referência escritores

dotados de semelhante perfil

sociológico (Carolina Maria

de Jesus e Solano Trindade),

ou que privilegiaram em

seus textos temas afins, como

João Antonio e Plínio Marcos.

Aproximação, pela crítica

literária, ao naturalismo e

ao realismo.

Outra questão é a atualidade que possui esse movimento.

Neste contexto, há algumas contradições e respostas não definidas.

Alguns escritores, por exemplo, não aceitam ser chamados

de escritores da literatura marginal, negando este título para suas

produções literárias. É o caso do escritor Paulo Lins, autor da obra

43


Capítulo I

Cidade de Deus, ou Marçal Aquino, autor do livro O Invasor; ambas

as obras retratam a vida dos subúrbios, a marginalidade e personagens

anti-heróis.

A literatura marginal/periférica, contudo, tem como essência

fatores sociais que estão presentes desde sua produção

até a publicação da obra, sem falarmos em seu conteúdo, com as

denúncias feitas contra as desigualdades sociais. O perfil dos autores

e o público leitor estão ligados a uma realidade social em que

a falta de estrutura e meios culturais diversos os colocam na situação

de “marginais”, no sentido de estar à margem da circulação

e aceitação de suas obras por parte de editoras, livrarias e espaços

públicos de cultura. Trata-se, como sugerimos, de uma literatura

produzida a partir do olhar do oprimido, do sujeito que vivencia

os problemas dessa realidade, retratando-a em sua produção

literária.

As obras produzidas, em sua grande maioria, retratam experiências

pessoais ou observações/reflexões que esses autores possuem

do local onde vivem. É comum ler enredos de histórias sobre

criminalidade, presidiários, pessoas que superaram problemas

sociais como a fome e a miséria. Do mesmo modo que essa vida

difícil é relatada, os locais e cenários são as favelas, os cortiços, as

ruas de terras e esgoto a céu aberto; em geral, elas refletem sobre

as humilhações sofridas por populações negras, por filhos de pais

alcoólatras, por trabalhadores explorados, todos esses problemas

encontrados, principalmente, nas periferias das grandes cidades.

Porém, não tratamos dessa literatura somente como uma

manifestação externa dos problemas vivenciados por seus autores(as).

A ideia dessa literatura traz em si um pertencimento e

identidade historicamente constituídos na memória coletiva e individual

do próprio lugar de produção dos textos. Soma-se a isso,

o fato de gerar novos sentimentos quanto à ideia de periferia, cultura,

e posicionamentos no campo social. É comum ouvir, de frequentadores

e escritores dessa literatura, a frase “Sou da periferia”,

o que denota um orgulho ao pertencer e constituir essa identidade

de sujeito periférico como resistência por meio de suas produções

44


culturais. Para Stuart Hall,

Socialmente Literários

O significado de um símbolo cultural é atribuído

em parte pelo campo social ao qual está incorporado,

pelas práticas às quais se articula e é chamado a

ressoar. O que importa não são os objetos culturais

intrínseca ou historicamente determinados, mas o

estado do jogo das relações culturais: cruamente

falando e de uma forma bem simplificada, o que

conta é a luta da classe na cultura e em torno dela.

(HALL, 2003, p. 242)

Mesmo se tratando de uma literatura fora dos eixos editoriais,

a publicação desses textos na revista Caros Amigos potencializaram

suas produções e as tornaram conhecidas, principalmente

a partir das edições especiais denominadas “Literatura marginal

– A cultura da periferia – Ato I” (2001), “Literatura marginal - A

cultura da periferia – Ato II” (2002) e “A cultura da periferia – Ato

III” (2004).

A produção dessa literatura marginal/periférica, vinculada

a uma revista com compromisso social e já conhecida por um público

considerável, fez com que esse momento marcasse historicamente

o registro de produção dos escritores periféricos. A revista

obteve, com essas edições, uma vendagem apreciável, chegando

à média de 30 mil cópias vendidas. Questões como o preço da

revista (que foi, no início, de R$ 4,90, passando depois a R$ 5,50,

muito abaixo do preço de um livro) colaborou para que o público

pudesse adquirir; soma-se a isso, a diagramação, os desenhos e as

ilustrações, que tornaram essas edições um produto visualmente

atrativo; outro fato foi o de serem vendidas em bancas de jornal,

tornando-as mais populares e acessíveis, com uma aproximação

maior do público, mesmo com aqueles não acostumados a ler literatura.

45


Capítulo I

Figura 2 – Capa da revista Caros Amigos - A Cultura da Periferia - Ato III Literatura

Marginal - ano 2004

Fonte: Site oficial da Revista Caros Amigos

Na questão das produções e livros publicados, atualmente

há, no cenário literário, autores que se destacaram e, inclusive,

já possuem suas obras distribuídas por médias e grandes editoras,

como é o caso do escritor Ferréz - que publicou livros como Capão

Pecado, Manual Prático do Ódio, Amanhecer Esmeralda, entre

outros. Dessas produções, algumas com traduções em outros idiomas,

destacam-se ainda escritores como Alessandro Buzo - com

ênfase para o romance “Guerreira”, pela Global Editora, e Favela

Toma Conta, pela Editora Aeroplano -, que também apresentou

um programa jornalístico na televisão sobre cultura da periferia.

Outro jovem autor, Sacolinha, publicou sua obra Graduado em

Marginalidade, numa primeira edição independente, que foi reeditada

pela Global Editora, pela qual também publicou o livro

85 letras e um disparo; publicou, também, pela editora Nankin, o

livro Peripécias de minha infância.

Outra questão importante é o envolvimento cultural que

existe acerca dessa literatura. Os autores organizam espaços para

produção, difusão e troca de informações sobre as publicações,

46


Socialmente Literários

não apenas a literatura marginal/periférica, mas também outros

escritores de obras variadas, em geral divulgados nos saraus, muitos

dos quais se tornaram locais “educativos” de compartilhamento

e produção de leitura. Esses espaços constituem, hoje, um local

de aprendizagem e conhecimento, que a população vem desenvolvendo

em áreas e regiões marcadas por um largo histórico de

desigualdade, de falta de assistência do serviço público e de acesso

a bens culturais. Muitos desses saraus publicam as produções coletivas

dos poetas e frequentadores dos espaços, criando, com isso,

o registro das ações de pessoas que não tiveram em suas trajetórias

a oportunidade de evidenciarem emoções, reflexões e visão de

mundo, utilizando-se da linguagem literária.

Essas são ações que se articulam com uma prática de educação

não-formal, a qual se desenvolve dentro de uma informalidade,

mas que possui uma forte identificação por parte da população

de bairros carentes. São experiências que estão crescendo

em diversos bairros periféricos de São Paulo, criando publicações,

trocas de informações entre esses movimentos em diferentes (extremos)

bairros da cidade, fortalecendo uma rede de comunicação

que se inicia com a literatura, mas que já se articula como movimento

educacional, ao criar práticas de aprendizagem com o público,

organizadores dos encontros e publicações.

A literatura marginal/periférica se constrói, assim, como

um movimento literário com evidentes preocupações sociais.

Em seu conteúdo, podemos identificar diversas informações que

tratam de uma realidade histórica de bairros periféricos e, nessas

composições, todo o processo de criação se dá também com

preocupações estéticas, de maneira que os leitores possam viver a

experiência dessa realidade dentro da composição de um gênero

literário.

47


Capítulo II


Educação no

Contexto da Luta

de Classes

A educação é um processo em que sujeitos, nas relações

com outros sujeitos e mediados em inclusão no mundo, constituem

as suas aprendizagens. Dessas experimentações, surge o conhecimento,

por meio do qual nos relacionamos com a sociedade. Neste

contexto, aprendemos, de acordo com nossas experiências, a ser

pessoas de um meio social, absorvendo e contribuindo com a cultura

que nos permeia.

A educação, seja ela institucionalizada, seja aquela mediada

pelo mundo e práticas sociais, ocorre por meio de aprendizagens

significativas na formação intelectual e social de homens e mulheres.

Independentemente da cultura ou sociedade, a educação

incide nas estruturas que podem acontecer dentro de instituições

como escolas ou mesmo na atuação com espaços diversos, como

igrejas, associação de bairro, na rua e tantos outros lugares. É nesse

contexto que surgem nossa consciência e experiências culturais.

Desde a infância, já estamos inseridos em processos de aprendizagem

através do meio em que vivemos, como afirma Aníbal Ponce:

A sua consciência era um fragmento da consciência

social, e se desenvolvia dentro dela. Assim, antes da

criança deixar as costas da sua mãe, ela já havia recebido,

de um modo confuso certamente, mas com

relevos ponderáveis, o ideal pedagógico que seu

grupo considerava fundamental para a sua própria

existência. (PONCE, 1989, p. 21)

Freire (2000, p. 23) contemporiza essa questão, dizendo

que “Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na

prática social de que tomamos parte”. Somos sujeitos sociais, produtores

de culturas, e é na convivência social que nos tornamos

49


Capítulo II

parte de um sistema. Desde nossas significações com o brincar,

na convivência com a família, em espaços diversos - da infância

à vida adulta -, desenvolvemo-nos como parte de uma história

contínua.

No entanto, se estamos falando de mediação e sobre as

relações com o outro, sobretudo baseada em nossa sociedade atual,

onde o capital econômico influencia as relações dos seres humanos,

não podemos esquecer de que a educação também sofre

com as influências destas estruturas do capital. Neste caso, pode

também se construir em um processo desigual, em que a alienação

esteja no processo, no sentido de que as pessoas sejam instruídas

para exercer a função de manter as riquezas de poucos e não de

constituírem sua formação com vista à emancipação.

Nesta questão, a educação institucional sofre diretamente

com esse processo, já que é de responsabilidade do Estado, e as

políticas deste mesmo Estado muito contribuem para manutenção

do poder neoliberal. István Mészáros, em sua obra Educação para

além do capital, no sentido de construção de uma nova educação,

para a criação de uma nova sociedade livre, afirma que:

De fato, da maneira como estão as coisas hoje, a

principal função da educação formal é agir como

um cão de guarda ex-officio e autoritário para induzir

um conformismo generalizado em determinados

modos de internalização, de forma a subordiná-los

às exigências da ordem estabelecida. (MÉSZÁROS,

2008, p. 55)

A educação baseada em interesses capitalistas desconstrói

os sujeitos de sua própria história; dessa maneira, a língua, as

relações religiosas, crenças e valores constituem as concepções de

quem os explora. Assim, a história do dominador passa a se sobrepor

à do dominado, suprimindo suas concepções de mundo.

As relações sociais e pessoais existem inseridas no espaço e

tempo do mundo em que estamos, onde se encontram os diversos

“aparelhos” de construção de ideias, como mídia, as instituições

50


Socialmente Literários

diversas (igrejas, partidos políticos etc.), entre outros, todos eles

interferindo em nossas relações com o mundo. Todos os espaços

citados como construtores de conhecimento podem ser produtos

alienantes ou não, dependendo dos interesses e por que causas

sociais os constituem. Como exemplo, podemos citar a mídia impressa

(por exemplo, o jornal), que pode ser um produto alienante

de informação, com vista a interesses do neoliberalismo, ou construído

por um movimento social voltado à criação de uma consciência

do povo em relação à sua condição de explorado.

A escola, como um espaço gerador de conhecimento, no

qual o capital tem seus interesses, acaba por ser atingida de maneira

direta quanto aos interesses de grupos, contra a cidadania

plena dos sujeitos. Por esse motivo, há, em seu meio, o discurso

contrário à construção de um espaço de aprendizado, de que estão

muito mais a serviço de especulações de liberais. Como afirma

Freire (2000, p. 109):

É típico de certo discurso neoliberal, também

às vezes chamado de pós-moderno, mas de uma

pós-modernidade reacionária, para a qual, o que importa

é o ensino puramente técnico, é a transmissão

de um conjunto x de conhecimentos necessários às

classes populares para a sua sobrevivência.

A instituição escolar deve ter o compromisso de ser laica,

democrática, de interesse nas causas humanas, com as diferenças

e diversidades. É nesse espaço que se espera a construção de conhecimentos

para a transformação da sociedade. Contudo, a especulação

com o ensino público oferecido tornou a instituição escolar

um local tão alienante, quanto outros que estão a serviço da exploração

do capital, fazendo com que grupos de educandos(as) se

transformem em ‘’mão de obra barata’’, deixando de serem críticos

quanto a sua participação como cidadão ou, como se discutiu

no início deste capítulo, como sujeitos pertencentes à história.

Saviani (1988, p. 37) afirma que “enquanto aparelho

ideológico, a escola cumpre duas funções básicas: contribui para a

51


Capítulo II

formação da força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa”.

Para este trabalho, não é exatamente o papel da escola que

queremos discutir, mas evidenciar ações de instituições que reforçam,

em muitas de suas práticas, a marginalização dos sujeitos,

como uma instituição pública e de caráter educativo deveria - a

nosso ver - ser palco de construções, transformação e organização

de movimentos populares, interesses do coletivo, resultando na

constituição de uma escola cidadã. Porém, sabe-se que, mesmo

com dificuldades e permeadas de discursos reacionários, a escola

pública ainda cumpre seu compromisso com as transformações

sociais. Em uma base do Estado, que não a prioriza como um local

de importância dentro das comunidades periféricas, a organização

de Conselhos, a atuação de professores e profissionais da educação

engajam compromissos de transformações e permanência desse

espaço, que sofre com o descaso público e institucional.

Em intensas lutas da sociedade, voltadas para a mudança

e a composição de uma base de transformações sociais, as organizações

civis ou os movimentos populares foram importantes na

construção de uma mentalidade emancipatória; mesmo que muitos

movimentos tenham, em seu percurso, cedido a interesses do

capital, ainda assim, cumpriram importante papel nas mudanças e

nas representações do povo, em diversas camadas da sociedade. O

surgimento de organizações sociais vem exatamente desse processo

de desigualdade gerado pelo interesse individual e não coletivo.

O fato de haver, em uma sociedade, um grupo com maiores privilégios,

enquanto outro grupo, muito maior, vive com apenas o

mínimo ou, às vezes, nem com o necessário, gera um processo de

marginalização de um grupo social, que ausente de seus direitos

se organiza para construir a luta por igualdade ou, em um caso extremo,

a tomada do poder vigente para a construção de uma nova

ordem.

A educação é, em sua essência, uma prática libertadora de

mudanças dos paradigmas, que contribui para sermos sujeitos produtores

de cultura. Podemos diferenciar suas necessidades, investigando

diferentes sociedades: uma comunidade indígena pode,

52


Socialmente Literários

por exemplo, ter como sua necessidade a produção apenas do que

precisam para se alimentar e produzir determinados objetos. Assim

posto, sendo dividido o trabalho e a produção compartilhada,

todos são iguais e recebem o que necessitam para sua sobrevivência,

tendo tempo para exercer seus cultos religiosos, comemorações,

entre outras manifestações realizadas por determinados

grupos.

Essa questão diz respeito a uma educação e a uma sociedade

que, em sua prática social, possuem semelhança com concepções

socialistas 10 , e mesmo que considerada uma sociedade primitiva,

ela tem em sua prática a divisão e função do trabalho apenas para

satisfazer suas necessidades, sem a obrigação de estocar ou mesmo

de produzir mais para o comércio.

A cultura humana, porém, sempre produziu fortes

desigualdades e, na intensa luta de classes, a educação sempre foi

um campo para manter forças hegemônicas, ou seja, educar de

maneira alienante ou até não dar a oportunidade da educação formal

11 são maneiras de se manter o poder vigente em diferentes

sociedades. Aníbal Ponce (1989), em sua obra Educação e luta de

classes, realiza um estudo histórico em diferentes épocas, para nos

mostrar a educação como uma forma de poder em diferentes sociedades:

da sociedade antiga, como Grécia e Roma, passando pela

sociedade feudal e pelo Renascimento, até chegar à Revolução

Francesa; e em todos esses momentos da história pode-se analisar

a educação sendo sempre ofertada para aqueles que, ou estariam

10

Como prática do socialismo, entende-se o que István Mészáros diz: “Cumpre enfatizar aqui,

que a educação – como o desenvolvimento progressivo da consciência socialista integrante à

vida dos indivíduos sociais em sua estreita interação com seu ambiente social historicamente

em transformação – é uma força vital identificável também pelo grande impacto da educação

sobre a mudança na reprodução material. Esse impacto emerge diretamente da substituição

operacional do tempo de trabalho necessário pelo tempo disponível autonomamente determinado,

definida na disposição de sua sociedade pelos indivíduos trabalhadores”. (Mészaros,

2008, p.102)

11

“O ensino formal é o momento em que a educação se sujeita à pedagogia (a teoria da educação),

cria situações próprias para seu exercício, produz métodos, estabelece suas regras e

tempos, e constitui executores especializados.” (BRANDÃO, 2001, p. 26)

53


Capítulo II

no poder, ou ajudariam a manter esse poder.

Portanto, a divisão do povo em classes, sejam essas as classes

de trabalhadores ou o extremo da escravidão, separa a população

para que ela receba um tipo de educação que sirva somente

para desempenhar o trabalho para lucro do outro. Brandão (2001,

p. 11) discorre que “mais ainda, a educação participa do processo

de produção de crenças e ideias, de qualificações e especialidades

que envolvem as trocas de símbolos, bens e poderes que, em conjunto,

constroem tipos de sociedades”.

Assim, se uma sociedade possui interesses de acumulação

de riquezas, a educação dos filhos dos trabalhadores estará centrada,

já que suas influências são permeadas por instituições de

ordens financeiras, em uma educação alienada, pois sendo conscientes

de suas condições, eles podem se organizar e reestruturar

sua participação na história. Muitas revoluções, sindicatos, partidos

políticos, organizações diversas foram criados dentro de uma

consciência coletiva, tendo o povo como prioridade na mudança

da ordem social, criando-se, assim, em tantas épocas e lugares,

ações que nasceram a partir da necessidade de igualdade entre os

povos e nações no mundo.

Para que se construa uma prática de educação dentro de

uma perspectiva contra hegemônica, é que muitas populações,

comunidades e sociedades desenvolveram maneiras alternativas

de se constituir o conhecimento. Dentro da história da América

do Sul e África, por exemplo, temos múltiplas experiências, que

vão de processos de luta armada - como no caso da Revolução Cubana,

da luta contra o apartheid, do processo de reafricanização

de Amílcar Cabral, em Guiné Bissau e Cabo Verde - até as lutas

realizadas contra as diversas ditaduras que ocorreram nos países

desses continentes.

Essas são práticas que surgem da condição de uma população

que, em uma situação desumana, se organiza para construir

novas perspectivas. Portanto, o aprendizado e conhecimento são

partes de um todo, desde as relações culturais que nos possibilitam

múltiplas aprendizagens, ou mesmo nos diplomas que alcançamos

54


Socialmente Literários

por meio da formação escolar; porém, todos esses conhecimentos

só possuem sentidos quando feitos para a melhoria coletiva, contribuição

no mundo do trabalho e não somente para o benefício

pessoal.

Um profissional de qualquer âmbito não é só aquele que

passou por determinadas formações, mas também aquele que se

qualificou na vida com as demais pessoas e com o que tem de

acúmulo cultural. Por isso, fala-se de aprender, constituindo com

o que temos: “às vezes, ou quase sempre, lamentavelmente, quando

pensamos ou nos perguntamos sobre a nossa trajetória profissional,

o centro exclusivo das referências está nos cursos realizados,

na formação acadêmica” (FREIRE, 2000, p. 23).

O discurso hierárquico amparado em uma ideologia que

reforça a desigualdade se mantém oculto, de modo a parecer que

existem direitos iguais entre todos e não privilégios para a classe

dominante e para o próprio Estado.

Chauí (2005, p. 22) afirma que:

Se quisermos ultrapassar essa ilusão, precisaremos

encontrar um caminho graças ao qual façamos o

discurso ideológico destruir-se internamente. Isto

implica ultrapassar uma atitude meramente dicotômica

rumo a uma atitude teórica realmente

dialética, encontrando uma via pela qual a contradição

interna ao discurso ideológico o faça explodir.

Portanto, para a mudança efetiva, o acréscimo de uma

educação emancipatória, que seja de produção de conhecimento

para a humanidade como parte do nosso processo de desenvolvimento,

deve ser feito em práticas fora do contexto ideológico de

se educar para o mercado de trabalho ou acumular conhecimentos

que, em muitos momentos, não fazem sentido na vida das pessoas.

Tanto nos espaços organizados pela população, como em locais

públicos institucionais como escolas, hospitais, conselhos, entre

outros, essa presença de uma constituição de conhecimento para

55


Capítulo II

mudanças efetivas no campo social deve ser levada em consideração.

56


Educação e

Mobilização

Popular

As perspectivas de nossa educação institucionalizada é, há

anos, parte de um processo alienatório e voltado às necessidades

do capital e do neoliberalismo. A construção de currículos, programas

e mesmo da organização pedagógica de nosso país, pouco

evidencia uma educação com a intencionalidade emancipadora,

que busque e construa homens e mulheres dentro de uma cidadania

planetária 12 .

No contexto de uma sociedade que não reconhece a necessidade

da superação de desigualdades, a escola acaba por sofrer

com esse processo, o que faz com que se torne, também, um local

de lutas em que, de um lado, afirme essa instituição como pública e

que contribua para a formação de uma sociedade justa e, por outro

lado, sirva ao interesse da alienação. Os movimentos sociais, como

espaço educador, com práticas educativas e de conhecimento que

adentram o universo do trabalhador e as necessidades de superação

de uma sociedade segregada, também tem sua participação

em instituições públicas como escolas, conselhos escolares, municipais,

orçamento participativo, entre outros. Muitos movimentos

rompem com paradigmas ideológicos e elitistas, construindo,

dessa maneira, seus próprios conhecimentos, lendo o mundo em

12 “

A noção de Cidadania Planetária sustenta-se na visão unificadora do planeta e de uma sociedade

mundial. Ela abarca um conjunto de princípios, valores, atitudes e comportamentos

e demonstra uma nova percepção da Terra como uma única comunidade. Ela manifesta-se

em diferentes expressões: nossa humanidade comum, unidade na diversidade, nosso futuro

comum, nossa pátria comum”.

Disponível em: http://www.wook.pt/ficha/ecopedagogia-e-cidadania-planetaria/a/

id/14658564. Acesso em: 25 ago 2014.

57


Capítulo II

que estão para decodificarem os problemas e superações históricas

que precisam ser feitas.

Esses movimentos garantiram melhorias em diversos setores

sociais, afirmando e reivindicando seus direitos, o exercício

da cidadania, a construção de identidades coletivas, a autoestima

pessoal e social de grupos discriminados e oprimidos, entre outras

situações de buscas por transformações sociais. Ressaltamos, ainda,

que os movimentos sociais, assim como a participação popular,

remetem à questão da sociedade de classes oriundas do capitalismo.

Com o antagonismo entre as classes e as contradições geradas

pela desigualdade, a participação popular, greves, organizações

civis, entre outras, são formas de expressão das lutas por melhores

condições desses grupos.

Dessa maneira, a participação desses movimentos

em instituições do Estado, por meio de conselhos ou outros, exerce

um diálogo e mesmo um controle para que a população possa

decidir junto com o governo vigente sobre questões que afetam

diretamente suas reivindicações, afirmando, inclusive, um direito

Constitucional.

Com essas lutas que se deram em duros processos

durante a história do país, é que os movimentos conseguiram tornar

reivindicações em políticas públicas, mudanças das leis e das

concepções da classe trabalhadora. A criação de uma nova constituição

em 1988 (Constituição Federal de 1988), a criação de leis

para a assistência social feitas a partir do SUAS (Sistema Único de

Assistência Social) e que trazem mudanças no atendimento e as

diversas reivindicações feitas por distintos movimentos, a criação

do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em 1990, Leis

como a 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e

cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas, e outras de

defesa a mulher, na questão de gênero, todas essas engajadas por

movimentos contra uma ordem estruturada em anos de opressão

no país.

58


Socialmente Literários

Neste caso, o importante é que se considerem os movimentos

sociais como grupos coletivos articulados dentro de suas

comunidades ou, como afirma Gohn (2012, p. 20):

O cidadão coletivo presente nos movimentos sociais

reivindica baseado em interesses de coletividade

de diversas naturezas. Assim, grupos de mulheres

que lutam por creches, grupos de favelados que lutam

pela posse de terra, grupos de moradores pobres

que lutam pelo acesso a algum tipo de moradia

etc.

Desta maneira, compreendemos esses processos históricos

de reivindicações com essa necessidade coletiva de mudanças,

mesmo que grupos tenham se dedicado a diferentes lutas, como

moradia, sobre a questão racial, dos direitos das mulheres, todas

essas tinham como foco a mudança das ordens opressoras institucionais

e, também, de processos mentais como parte de conceitos

que permeiam nossas ideias.

Entender a educação em todo esse processo é fundamental

para compor esses aprendizados, gerados dentro dos movimentos

sociais. A palavra educação, em um senso comum, está vinculada

à ideia de escolarização ou ao grau de estudo que um determinado

sujeito alcançou, como, por exemplo, o ensino fundamental,

médio ou universitário. Porém, a educação é, também, uma ação

política e transformadora, uma ciência que possui, em sua essência,

a capacidade de transformar homens e mulheres dentro de

uma perspectiva emancipadora de sociedade.

Convém, nesse sentido, analisar a questão da valorização

da educação desenvolvida em espaços institucionalizados, pois seu

caráter está na construção de uma sociedade dividida em classes

ou, em outras palavras, na divisão da qualidade e supervalorização

de uma educação para elites e de uma educação desenvolvida para

a prática do mercado de trabalho feita aos trabalhadores, uma educação

vigiada e construída com uma ideia de meritocracia.

59


Capítulo II

A educação, para ser transformadora e produtora de conhecimento

significativo para a população, deve romper com a

lógica de educação como uma mercadoria e gerar, em suas ações

intelectuais, o desenvolvimento de conhecimentos que vêm de

acordo com suas necessidades ou, como afirma Gramsci (1991),

intelectuais orgânicos, que defendam os interesses de uma revolução

da classe trabalhadora e, em sua gênese, estejam preparados

para um novo modelo de sociedade. Nessa questão, surge

a importância dos movimentos populares como um aparelho educativo,

cujas lutas por liberdade e por uma sociedade mais justa

desenvolvam intelectuais contra hegemônicos e, neste caso, essa

superação também deve ocorrer dentro de instituições públicas

como, por exemplo, a escola, em que estão presentes os filhos dos

trabalhadores.

Conceituar a educação vinculada aos movimentos sociais

é, em sua essência, tratar dessa questão como uma articulação de

necessidades coletivas. A união em prol de lutas de liberdade

no Campo, em Quilombos, ocupações de Movimentos Sem Teto

e Sem Terra, Sindicatos, entre outros, surge da necessidade de

se (re)significar a relação entre Estado e população civil. Nesta

questão, compreende-se que homens e mulheres são responsáveis

pelas transformações de suas realidades, por mais caóticas que

possam ser; neste caso, tanto os movimentos sociais, como a educação

interagem na superação de uma situação caótica e alienada

de determinadas populações.

É nesse caminho que a educação se encontra com os movimentos

sociais, sejam esses movimentos de qualquer âmbito, da

luta no campo ou na cidade, de pequenos grupos ou países inteiros,

pois a união dos oprimidos resulta em suas organizações

e, diante disso, no aprender e construir conhecimentos coletivos

expressivos.

Os movimentos organizados, no Brasil, se constituíram em

diversos momentos da história, desde os movimentos de libertação

contra um regime de escravidão da população negra, como a

revolta dos malês (1835), em campanhas do abolicionismo, no sé-

60


Socialmente Literários

culo XIX, passando por movimentos de luta contra a ditadura, até

as “Diretas-Já”, que resultou no impedimento do então presidente

Fernando Color de Melo, em 1992. Porém, os movimentos sociais,

entre as décadas de 1960 e 1980, com o movimento operário e os

diversos movimentos populares vinculados às questões do campo,

de gênero, racial, das organizações de bairros e mesmo eclesiásticas

são marcas que vão estabelecer diversas mudanças no Brasil da

década de 90 e anos 2000.

Na década de 70, com o maior impacto da violência e

perseguição política do regime ditatorial do país, vários desses

movimentos atuaram em prol dos direitos humanos e democratização

do país; inclusive, nesse momento, a presença do movimento

estudantil também foi um fator considerável nas atuações

contra o governo que estabeleceu o golpe de 1964.

Na década de 80, os movimentos vão incluir parcelas

maiores da sociedade. Há uma pluralização dos movimentos e a

incorporação de particularidades, como a questão de gênero, raça,

cultura, com mais ênfase e destaque. Surgem os movimentos pela

ecologia, que incluem a necessidade de conservação do meio ambiente,

como uma luta política e social. Os movimentos sindicais

e a Assembleia Constituinte, que resulta na Constituição de 1988,

também são marcas históricas de lutas de movimentos sociais, que

foram organizados durante a década em questão.

No início da década de 90, influenciadas pelas conquistas

e organização que se sucederam nas décadas anteriores, houve diversas

movimentações, em que vários interesses sociais estavam

envolvidos e foram impulsionados pelas passeatas, Conferências

e Fóruns. Acontecimentos como o Fórum Nacional de Luta pela

Escola Pública, ECO 92, as organizações não governamentais

(ONGs), e outros movimentos como direito à creche e a vagas em

escolas de ensino médio, movimento de transportes alternativos

(os perueiros) e movimentos contra a violência e criminalização

dos jovens negros das periferias são parte da lista de mobilizações

feitas na década de 90.

61


Capítulo II

Os movimentos sociais, nesse momento, já enfrentavam

a proeminência de determinadas desigualdades, tensões e contradições

históricas; em outras palavras, seu desenvolvimento e

ações surgem das necessidades de mudanças sociais, trazendo consigo

o conhecimento de um modelo de sociedade, dentro do qual

se articulam para romper as desigualdades em que foram postos.

O ato educativo se constrói na participação desses grupos,

que desempenham uma produção de saberes necessária a suas lutas.

Dessa maneira, um grupo que reivindica questões de políticas

afirmativas na questão racial deve conhecer a história da população

negra do país, para que possa entender essa necessidade de

mudança. Como outro exemplo, movimentos por moradias devem

compreender como se dá o processo de ocupação, do direito

à moradia, que é constitucional, ou seja, não se organiza uma luta

ou mobilização sem entender como se estruturar para lutar pelos

direitos.

Outros pontos também favorecem uma prática educativa

dentro dos movimentos, além da união para essa organização: os

diálogos, construindo as negociações, o incentivo de conflito de

ideias, valorizando a organização da memória desses movimentos,

a matriz geradora de saberes que ocorre no cotidiano e articula-se

em um processo interativo do grupo:

Historicamente, a relação movimentos sociais-educação

tem um elemento de união, que é a questão

da cidadania. Cumpre esclarecer primeiro esta categoria

onde se observa a construção de várias abordagens,

do ponto de vista teórico-metodológico e

das visões do processo de mudança e transformação

da sociedade. (GOHN, 2012, p. 15)

Nesse contexto, esses movimentos assumiram a

constituição de conhecimentos acumulados, para que os sujeitos

envolvidos nas organizações se tornassem críticos, com consciência

de suas lutas. Essas organizações assumiram não só a questão de

se opor ao Estado ou ordens opressoras, como conseguiu ampliar a

62


Socialmente Literários

cidadania e resgatar identidades de grupos, construindo coletivamente

aprendizagens para a transição de um modelo meramente

representativo de democracia para um modelo de exercício pleno

e ativo da cidadania.

63


O poema e o Poeta

no Contexto Social

da Periferia

A poesia, como toda manifestação artística e malgrado

todo seu caráter individual, próprio à personalidade

do poeta, é necessariamente um produto do

meio em que ela toma sua expressão. Em outras palavras,

por maior que seja a própria influência do

indivíduo sobre a obra que ele produz, esta é sempre,

em última análise, um produto do complexo

social onde ela foi engendrada. (CABRAL, apud

ROMÃO; GADOTTI, 2012, p. 16)

Com a citação acima, iniciamos a discussão com a concepção

de que a poesia, assim como os discursos e a palavra, é

um produto social, portanto influenciada pelo meio em que surge.

Portanto, ao se falar sobre a literatura marginal/periférica, temos

em primeiro plano uma representação própria de seu contexto social

e, dessa maneira, possível de se pesquisar como uma prática

educativa.

Essa prática educacional desempenhada pelo coletivo desencadeia

uma sucessão de ações entre a literatura produzida e as

intervenções realizadas na comunidade. Assim, o sarau com o uso

da literatura marginal/periférica constrói estruturas e métodos 13

13

Para a questão de métodos, deve-se atentar para um foco direto na educação não-formal, ou

nas palavras de Gonh (2006, p. 32): ‘’O método passa pela sistematização dos modos de agir

e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se, portanto, no campo do simbólico,

das orientações e representações que conferem sentido e significado às ações humanas. Supõe

a existência da motivação das pessoas que participam. Ela não se subordina às estruturas burocráticas.

É dinâmica. Visa à formação integral dos indivíduos. Neste sentido tem um

64


de aprendizagens que, para o público das periferias, tem significação

ao tratar de temas próximos a suas realidades.

Cumpre dizer que os coletivos mantêm uma organização

própria, com estrutura de gestão, em que os participantes agem

como facilitadores, porém esses representantes também envolvem

todos os frequentadores para que todos(as) construam juntos as

intervenções na comunidade, tais como os textos para as publicações,

as discussões sobre os poemas escritos e o diálogo sobre

possibilidade, retomadas, ou mesmo novas perspectivas para o

movimento. Essa é uma característica de relação participativa, em

que se desenvolvem situações para que todo o grupo seja formado

por sujeitos atuantes como indivíduos e coletivo.

Desenvolvemos um esquema, através de um organograma,

no qual podemos visualizar, em uma imagem gráfica, como se estrutura

o trabalho do coletivo em uma relação de conhecimento

histórico-social-cultural.

caráter humanista. Ambiente não formal e mensagens veiculadas ‘falam ou fazem chamamentos’

às pessoas e aos coletivos, e as motivam. Mas, como há intencionalidades nos processos

e espaços da educação não-formal, há caminhos, percursos, metas, objetivos estratégicos que

podem se alterar constantemente. Há metodologias, em suma, que precisam ser desenvolvidas,

codificadas, ainda que com alto grau de provisoriedade, pois o dinamismo, a mudança, o

movimento da realidade segundo o desenrolar dos acontecimentos, são as marcas que singularizam

a educação não-formal’’. (Grifo da autora)

65


Capítulo II

Organograma: Desenvolvimento entre o contexto sociocultural, literatura e educação na

pesquisa.

Fonte: desenvolvido pelo pesquisador

Esse esquema compõe, de um modo explicativo, as ações

educativas vinculadas ao público e literatura escrita pelo grupo,

assim como sua estrutura e relação com o meio. Essa é uma literatura

com significação para essas pessoas que, tanto ao escrever,

como ao ler e socializar, desenvolvem aprendizagens com vista

em temas como a questão racial, identidade, questão de gênero,

violência nas comunidades, alienação, entre outros temas que não

aparecem com a mesma frequência, mas que fazem parte da variedade

de assuntos pautados em conteúdo das poesias. A prática

da educação não-formal surge nesse modelo de educação desenvolvido

pelos coletivos “Saraus”, onde os esquemas metodológicos

de troca, mediação e aprendizagens são constituídos nos saraus

realizados e nos temas trabalhados nas poesias escritas e publicadas

pelo grupo.

Abaixo, segue um quadro com assuntos discutidos, que evidencia

as temáticas mais constantes nas poesias publicadas em

diversas obras de coletivos.

66


Socialmente Literários

Quadro 2 – Assuntos que são abordados nas produções literárias

periféricas

Temas

evidenciados

nos poemas

Gênero

Infância

Questão racial

Discussões que evidenciam esses temas

Muitos poemas discutem a questão da mulher e,

no caso, a mulher negra em uma sociedade racista

e machista. Também surgem reflexões sobre a

mulher nordestina, de como possuem uma vida

difícil em seu local de origem e vivenciam um

grande desrespeito na cidade de São Paulo. A

questão de gênero aparece também em discussão

sobre as relações sociais entre homens e mulheres,

porém nenhum poema pesquisado trata

da questão de gênero nas relações homoafetivas.

Infância surge com duas ênfases: a primeira trata

de uma infância saudosista, de uma inocência

vivida em bairros periféricos com brincadeiras

e um modo simples de viver; em segundo, há

algumas discussões que abordam a violência

contra criança, a exploração da mão de obra em

trabalhos exaustivos, a não participação desse

grupo, e a falta de educação e de oportunidades

de aprendizagens realizadas pelo poder público.

Essa é uma categoria muito repetida nos poemas,

inclusive se misturam a outras categorias, como

o do racismo contra mulheres e crianças, entre

outros. Há muitas discussões sobre a anulação

da história de negras/negros e de um processo

ideológico branco, que afeta as periferias e faz

com que, nessas comunidades de maioria afrodescendentes,

não se estabeleça uma identidade

com a cultura da população negra.

67


Política

Violência

Capítulo II

Essa é outra categoria que surge tão ampla

como seu próprio conceito. Assuntos variados

sobre uma consciência política, até as críticas

partidárias do país. Ainda temos o uso da

“politização da periferia” e de “uma política de

igualdade”.

A violência está presente em grande parte dos

poemas. É outra categoria que, ao fazermos a

leitura, se mistura com outros temas discutidos,

como por exemplo, “violência racial”, “violência

contra mulheres ou crianças”, “violência

psicológica”, “violência pela falta de assistência

pública” e “estrutura geográfica e física violenta”.

Fonte: Quadro desenvolvido pelo pesquisador

Esses temas estão todos vinculados à realidade desigual

desse grupo que, ao escreverem poemas com conteúdo que estão

referenciados ao cotidiano, desenvolve uma memória coletiva

dos problemas históricos que vivem as populações das periferias,

assim como a rememoração de identidades ou preconceito, que

vivenciam em seus cotidianos. Para Gonh, os temas são:

Eles, temas, devem emergir de temáticas geradas

no cotidiano daquele grupo, temáticas que tenham

alguma ligação com a vida cotidiana, que considere

a cultura local em termos de seu modo de vida,

faixas etárias, grupos de gênero, nacionalidades, religiões

e crenças, hábitos de consumo, práticas coletivas,

divisão do trabalho no interior das famílias,

relações de parentesco, vínculos sociais e redes de

solidariedade construídas no local. Ou seja, todas

as capacidades e potencialidades organizativas locais

devem ser consideradas, resgatadas, acionadas.

(2009, p. 33-34)

Para tanto, fazemos uma ressalva de que a função dessa

literatura vai além de denúncias e visão de mundo dos poetas que

escrevem esses textos. Os poemas são necessidades de construções

68


Socialmente Literários

de um grupo, que transforma suas emoções em estruturas significativas

moldadas em versos, prosas e outros gêneros, portanto

um processo transformador na própria ação e necessidade de confecção

dos poemas.

Nesta questão, Candido (2004, p. 177) diz que “Toda obra

literária é, antes de tudo, uma espécie de objeto, de objeto construído;

e é grande o poder humanizador desta construção [...]”.

Com a afirmação de Candido, trazemos ainda outros fatos históricos,

como o caso da igreja, que só considerava boa literatura aquela

que tinha como verdade suas concepções de mundo, e de países,

como a antiga União Soviética, que consideravam literatura de

prestígio aquela que falava sobre trabalhadores e suas lutas, além

de não questionarem o governo vigente.

Não se deve ignorar a função política que tem a literatura,

porém há uma diversidade de argumentos e possibilidades de se

escrever. Temas adversos podem manter ou não uma estrutura

social vivida pelo poeta, ou, em outras palavras, “A literatura confirma

e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornecendo a

possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (CAN-

DIDO, 2004, p. 175). Como relação dialética, a literatura assume

seu real em contextos sociais claramente definidos: cada leitor de

um poeta trará sua própria interpretação, sem deixar de ser essencialmente

o mesmo texto produzido em seu tempo e contexto.

Portanto, ao produzirem literatura, a população periférica desenvolve

suas Razões na estrutura significativa dos poemas. Essas

Razões estão vinculadas às suas experiências sociais, que, no caso,

fazem parte de uma estrutura marginalizada e desigual.

69


A Ação Coletiva dos

Escritores para a

Mobilização Social

Como todos os movimentos de integração e manifestação

popular de grande importância para a sociedade, os chamados

saraus desenvolvidos na periferia de São Paulo se estenderam por

diversos bairros, tornando-se espaços de resistências culturais, assim

como pontos de encontro e sociabilidade, que se caracterizam

pelas trocas de experiências e aprendizagens de seus participantes.

Para compreendermos a localização e o número de espaços que

organizam eventos com foco na literatura das periferias de São

Paulo, realizamos o levantamento de alguns desses locais, marcando-os

no mapa do município, conforme ilustração.

Os seis endereços localizados no mapa possuem um público

consolidado, livros editados de modo independente (coletâneas

de poesias de seus frequentadores), assim como se tornaram pontos

de grande repercussão cultural, como é o caso do Sarau da

Cooperifa, organizado pelo escritor Sergio Vaz, que realiza eventos

itinerantes em espaços diversos pelas periferias de São Paulo,

em outros Estados e, recentemente, fora do país. É possível que

haja outros movimentos surgindo, ou mesmo já em funcionamento,

mas por motivos de tempo e por entender que com esses já se

consolidam as contribuições necessárias para nossa análise, nos

restringiremos a eles.

Entre os fatores que tornam esses movimentos semelhantes

estão os pontos onde são realizados os encontros.

Estes chamam atenção, primeiro por se tratar de bairros

distantes do centro 14 de São Paulo, portanto nas periferias, em

que as práticas vinculadas à educação com foco na literatura pou-

70


co costumam acontecer; segundo, por serem ações novas e que

não estão nos históricos de ações dessa população. Em todo o processo

de investigação, não foram identificados movimentos semelhantes

ou com características da literatura marginal/periférica

em outros momentos históricos do país.

Figura 3 – Mapeamento dos Saraus pelos bairros de

São Paulo

Fonte: Mapa da Secretaria do Planejamento, readaptado pelo autor, ano de 2016.

71


Capítulo II

A ação individualizada de alguns escritores como Lima Barreto,

Maria Carolina de Jesus ou Solano Trindade, foi o mais próximo

que encontramos, mas, como casos isolados, não podem ser

computados como um movimento em que outros(as) autores(as)

estivessem realizando publicações sobre o tema da marginalidade

em periferias ou guetos.

Outro projeto que também possui grande destaque é do

sarau Suburbano Convicto, organizado por Alessandro Buzo, escritor

e apresentador de um quadro jornalístico em uma grande

emissora de TV de São Paulo e que, em 2013, consolidou uma

parceria com a Universidade Nove de Julho (Uninove), para realizar

os saraus dentro dos diversos polos desta instituição. O

Sarau Suburbano Convicto é o único, até o momento da pesquisa,

que tem mantido uma frequência em seus encontros na região

central, com os aspectos das mobilizações e ações literárias dos

saraus dos bairros periféricos. Segundo seu organizador, manterem

esse espaço em uma região próxima do centro possibilita

que ali se torne um ponto de encontro para os apreciadores desse

movimento, que vêm de diversos bairros periféricos, assim como

moradores da região central. Espaços como a Ação Educativa

e a Galeria Olido 16 , ambos localizados na região central da cidade,

realizam encontros pontuais com a mesma temática, porém não

há em nenhum desses locais uma frequência regular desses eventos.

14

Quanto à ideia de centro e periferia, Nascimento afirma que “vale assinalar, então, que

ainda que as noções de centro e periferia estejam sendo relativizadas pelos acadêmicos, é

por uma ideia de ‘’centro’’, como espaço de moradia das classes médias e altas, de melhores

condições de vida e de concentração das práticas culturais ‘’cultas’’ e ‘’legitimadas’’; e outra

de ‘’periferia’’ como sinônimo de espaço de carência, que reúne a população marginalizada

social e culturalmente, e faz emergir produtos culturais

72


Socialmente Literários

A visibilidade dos Saraus citados colaborou para que esses

movimentos fossem observados com mais critérios por pesquisadores

, organizações culturais e diversos movimentos populares,

pois fica evidente a participação que alcançam nas comunidades

e sua contribuição como movimento autônomo da

periferia. Porém, como um movimento independente tem

suas dificuldades, alguns saraus sofrem pressão por parte da

prefeitura de São Paulo, entre outros motivos, pelas ações

que vêm desenvolvendo junto às comunidades, trazendo críticas

ao descaso que há com as periferias e mobilizando a população.

Um caso que ganhou repercussão, nesse sentido, foi o do Sarau do

Binho que, em 2012, foi fechado na gestão do prefeito Gilberto

Kassab, com o argumento de que o evento não tinha os documentos

necessários para sua realização. O jornal Brasil de Fato

realizou uma matéria sobre o fechamento do sarau e fez uma

entrevista com um dos organizadores que, em seu relato, mostrou

que essas práticas realizadas nos saraus têm sofrido repressão em

razão de seu potencial conscientizador.

como a música rap e a literatura marginal; que organiza a produção literária e a atuação dos

escritores, e valida a construção de suas imagens associadas ao adjetivo marginal” (NASCI-

MENTO, 2006, p. 76).

15

A Ação Educativa é uma associação civil sem fins lucrativos, fundada em 1994. Sua missão

é promover direitos educativos, culturais e da juventude, tendo em vista a justiça social, a

Democracia Participativa e o desenvolvimento sustentável. Disponível em: www.acaoeducativa.org.br.

16

A Galeria Olido é um centro cultural, que funciona na região central de São Paulo, desde

setembro de 2004. Além de cinema, o local possui duas salas dedicadas à dança, dois andares

expositivos, o Centro de Memória do Circo, um ponto de leitura e um telecentro. Disponível

em: www.galeriaolido.sp.gov.br.

17

Pesquisadores como Erica Peçanha do Nascimento, Heloísa Buarque de Hollanda, Rejane

Pivetta de Oliveira e outros têm contribuído com pesquisas, organizações e edições de livros

sobre Literatura marginal/periférica.

18

Os saraus que acontecem nas periferias de São Paulo têm organizado a população para

participarem de encontros com foco na divulgação e trabalhos com a literatura, porém nessa

mesma organização têm se manifestado outras práticas; exemplo disso são as reivindicações

feitas pelo Sarau do Binho e Elo daCorrente: abaixo-assinados para melhorias da comunidade,

uma reorganização de associações de bairro, a ressignificação das mobilizações comunitárias

para participarem de Conselhos Escolares, Conselhos de Saúde, etc. No entanto, não

realizamos uma pesquisa mais profunda desses fatos pelo tempo que dedicamos à pesquisa

em nosso universo e objeto de estudo.

73


Capítulo II

Há, ainda, outros saraus como o Perifatividade e Elo da

Corrente, que participam de ações e intervenções itinerantes em

movimentos de ocupação, eventos realizados na rua, unidades da

Fundação CASA, entre outros. O sarau Elo da Corrente é realizado

em espaço muito carente no bairro de Pirituba, próximo ao

bar onde o coletivo se organiza. Há, ali, uma grande comunidade

à beira de um córrego e, nas imediações do local, não há nenhum

equipamento público para a população, o que mostra o quanto são

importantes às intervenções feitas pelo coletivo na comunidade.

No ano de 2012, a Secretaria da Cultura do Estado de São

Paulo lançou um edital de apoio cultural aos Saraus Literários,

porém os dois beneficiados com os valores de incentivos não são

movimentos de literatura que ocorrem nas periferias, ficando inclusive

como beneficiário uma editora de pequeno porte. Outro

projeto de financiamento foi liberado pelo Programa de Ação Cultural

da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (Proac), em

2013, desta vez para saraus que sejam realizados nas periferias de

todo o Estado de São Paulo. Essa foi uma conquista e um reconhecimento

dos coletivos que organizam esses movimentos.

A troca de informações e apoio que esses saraus possuem

uns com os outros fazem com que haja uma rede de informações

e fortalecimento dos movimentos junto à população, tanto dos

encontros, como também das produções literárias feitas pelos coletivos.

É comum o lançamento de livros dos coletivos serem realizados

nos diversos saraus que acontecem por toda a cidade, o que

fortalece e divulga a força cultural dos movimentos. Nascimento

(2009, p. 241) ressalta que:

Cabe comentar que esses escritores que se apropriam

do termo marginal também desempenham atividades

culturais conjuntas e divulgam os trabalhos

uns dos outros, sobretudo nos espaços dos blogs,

onde recomendam livros e publicam entrevistas.

Um dado que parece explicar essas parcerias é que

as experiências e elaboração compartilhadas sobre

74


Socialmente Literários

marginalidade e periferia, assim como a relação estabelecida

entre suas produções literárias e uma determinada

realidade social, desencadearam relações

de amizade entre eles e uma atuação cultural comum.

Todo o movimento tem se unido para realização de ações,

que possam trazer melhorias e consciência político-social para as

periferias. Tanto os organizadores dos saraus, quanto a comunidade

e, também, os escritores marginais/periféricos que fazem

parte do mercado editorial, buscam manter a resistência e essência

que essas manifestações literárias criaram, não deixando de

lado o principal objetivo, que é o de desenvolver conhecimentos

significativos para as populações periféricas.

75


Capítulo III

António Agostinho Neto


Literatura e Educação

Não-Formal na

Formação Intelectual

Foi no caminho da leitura de Gohn (2008, 2009, 2012), em

que a autora trabalha com concepções da educação no contexto

dos movimentos sociais e com categorias da educação não-formal

7 , que observamos bases relevantes para nosso estudo, que é a

literatura e as ações educacionais desencadeadas com os trabalhos

realizados, seja pela mediação no ensino de literatura, ou mesmo

na prática de ler o texto literário. A autora em questão não realiza

um estudo sobre literatura, porém nos ajuda a repensar estratégias

de pesquisa para observação do potencial educativo no uso e

produção da literatura em espaços que constroem movimentos e

aprendizagens vinculados a movimentos sociais.

Gohn atribui à educação não-formal as seguintes categorias

em suas práticas:

Educação para justiça social; Educação para direitos

(humanos, sociais, políticos, culturais etc.); Educação

para liberdade; Educação para igualdade; Educação

para democracia; Educação contra discriminação;

Educação pelo exercício da cultura, e para

a manifestação das diferenças culturais. (GOHN,

2009, p. 32)

Dessa maneira, esses critérios foram inseridos para podermos

pensar nossas estruturas de conhecimento para com a literatura.

Outra importante contribuição veio de Candido (2004,

7

Para concluir este item é importante destacar que: a educação não-formal não deve ser

vista, em hipótese alguma como algum tipo de proposta contra ou alternativa à educação

formal, escolar. Ela não deve ser definida pelo que não é, mas sim pelo que ela é – um espaço

concreto de formação com a aprendizagem de saberes para a vida em coletivos. (GOHN,

2009, p. 32).

77


Capítulo III

2010), que traz em suas pesquisas relações entre a literatura produzida

e seu contexto social, de maneira que, ao investigarmos

uma determinada obra literária, podemos encontrar questões sociais

relacionadas à sua produção, tanto no caso da obra, quanto

do autor e do leitor, partes importantes que se completam na constituição

de um texto literário. Nas palavras do autor:

Considerada em si, a função social independe da

vontade ou da consciência dos autores e consumidores

de literatura. Decorre da própria natureza da

obra, da sua inserção no universo de valores culturais

e do seu caráter de expressão, corada pela comunicação.

(CANDIDO, 2010, p. 56)

No contexto deste estudo, a prática de produção literária,

mas também as discussões realizadas em encontros que têm como

objeto a literatura, trazem à tona questões específicas da necessidade

de conhecimento para todos. Quando um determinado coletivo

trabalha com a literatura - utilizando, por exemplo, textos de

escritores como Lima Barreto -, sua ação tem como foco não só a

produção desse autor, mas também a contextualização em que ele

viveu como autor negro, em um momento histórico de recente

processo de libertação dos escravos. Assim, a proposta de trabalho

com a literatura evidencia, como sugerimos há pouco, uma ação

pedagógica ligada à literatura, de maneira que, ao trabalhar com o

texto literário, a escolha do autor tem uma intencionalidade, a de

que o grupo possa identificar-se com esse escritor: uma questão de

identidade e de reconhecimento de intelectuais orgânicos. Todo

esse trabalho, portanto, constituem-se “processos de autoaprendizagem

e aprendizagem coletiva adquirida a partir da experiência

em ações organizadas segundo os eixos temáticos: questões étnico-raciais,

gênero, geracionais e de idade, etc.” (GOHN, 2009,

p. 31).

O trabalho literário se desencadeia em diversas ações, que

vão do conhecimento sobre determinada obra literária à produção

de textos dos próprios frequentadores dos encontros. Essas práticas

são observadas nas aulas de literatura, saraus ou outros que

78


Socialmente Literários

mantenham a literatura como base para a formação. Mesmo que

não diretamente, nota-se que cada trabalho realizado de publicação

coletiva, da realização do sarau, ou ainda, de atividades diversas

na comunidade, sempre tem como foco a conscientização e

discussões acerca de questões de conhecimentos necessários para

a população excluída.

Há espaços que ainda produzem seus próprios trabalhos

literários, que são como manifestos dos fatos atuais, e mostram o

quanto esse grupo possui de senso crítico e estão formulando suas

próprias interpretações da realidade vivida, procurando criar, assim,

uma razão dentro da perspectiva da marginalização social e

resistência cultural que vivenciam diariamente.

Analisar como grupos em diferentes localidades têm desenvolvido

suas próprias práticas educacionais, considerando que “há

multidões de pessoas participando dos processos de trabalho social,

que são simplesmente invisíveis nos textos e análises mais

usuais da atualidade, na área da educação e outras afins” (GOHN,

2009, p. 30).

A importância de se pesquisar esses trabalhos se dá no ato

de conhecer o que as populações oprimidas e marginalizadas têm

produzido, baseado em suas concepções de conhecimento e em

uma leitura do mundo da própria localidade, compondo assim

uma literatura e práticas educacionais diferentes das impostas por

uma sociedade de classes que segrega.

A criatividade de cada ação modifica a atuação dos organizadores

e da própria comunidade, mudando assim a maneira de

todos(as) se perceberem como um agente de mudança social. Não

se trata ainda de uma experimentação, mas de ocupar um local

onde não se considera qualificado como um ponto de produção

artística e nem mesmo para se pensar em mobilização da população.

Porém, sendo os saraus periféricos realizados em bares e

locais de grande circulação, o fluxo de pessoas nos fins de semana

possibilita a participação e atribuição de um novo significado para

esse espaço na realização desses eventos.

79


Capítulo III

É nesse cenário que identificamos as práticas educacionais

realizadas por diversos coletivos, com um aglutinado de obras

artísticas e estéticas peculiares de seus produtores, em uma multiplicidade

e heterogeneidade que engajam lutas por direitos sociais

amplos e a afirmação do conhecimento desenvolvido nos bairros

periféricos de São Paulo. Com isso, sabemos que a noção de conhecimento

e periferia é constantemente construída; portanto, deve

ser pautada em pesquisadores e autores que tiveram em seus trabalhos

um olhar sensível à produção cultural de quem é oprimido.

80


Círculos de Cultura e

Círculos Epistemológicos

para a Prática Educativa

por Meio da Literatura

Os estudos e práticas desenvolvidas pelo educador Paulo

Freire contribuíram em diversas áreas do conhecimento e fizeram

com que houvesse múltiplas análises, na medida em que seu

pensamento crítico possibilitou orientações para transformações

na prática do ato educativo e de pesquisa, além de, em sua própria

experiência, evidenciar mudanças significativas, não só no campo

da aprendizagem, como também na transformação dos sujeitos

envolvidos em seus trabalhos de formação.

Para Freire, o procedimento de educar é, em sua ação, um

ato de politização dos sujeitos que, ao se reconhecerem no mundo,

podem, dessa maneira, transformá-lo. Essa ação torna-se fundamental

para todo o campo de estudos e prática que discutimos,

pois, como base para uma sociedade justa, a educação tem o papel

de intermediar e preparar os sujeitos para serem pessoas de pensamento

e atos críticos.

Neste sentido, alguns pontos podem ser definidos como

uma metodologia freireana ou, como trata Brandão (1981), em seu

livro O que é método Paulo Freire, em alguns passos seguidos por

Freire para a composição da práxis educativa. Porém, esse método

trata de um conjunto de ações como a Leitura do Mundo, O Círculo

de Cultura, os Temas Geradores entre outros, que não foram

definidos para uma pesquisa científica, como a de uma dissertação

ou tese e que, neste caso, trazemos à tona a partir da pedagogia

freireana como ação para o desenvolvimento de uma metodologia

de pesquisa na área da educação.

81


Capítulo III

Compreendendo os percursos teóricos e práticos de Paulo

Freire, atribuímos primeiro a ideia de Círculo de Cultura como

uma referência para o desenvolvimento de um método de pesquisa,

portanto tomamos como base esse saber por entendermos

sua significação para o campo da pesquisa, aprendizagem e ação

cultural. Neste caso, o Círculo de Cultura possibilita a articulação

entre educador e educando (ou no caso entre pesquisador

e pesquisados), mantém a troca e diálogo para que ambos possam

compreender suas contribuições para a formação de conhecimento

e ainda romper com modelos unilaterais do fazer educativo

para se produzir pesquisa, conhecimentos e troca de experiências.

Para ampliar a possibilidade e focar em um método freireano

de pesquisa em educação, assumimos o conceito de Círculo

Epistemológico que, para Romão et al. (2006, p. 10), são estruturas

para pesquisa, que se desenvolve da seguinte maneira:

O Círculo Epistemológico apresenta-se, portanto,

como um método crítico e, ao mesmo tempo,

sensível, pois se realiza sob um conjunto de

condições que, já à primeira vista, oferece uma série

de vantagens sobre outros métodos de pesquisa: a)

conjuga técnicas consolidadas de coleta de dados

(entrevista coletiva semiestruturada, discussão de

grupo e observação participante), para produzir dados

no espaço grupal, de forma dinâmica, dialógica

e interacional... (ROMÃO et al., 2006, p. 10)

Convém, nesse sentido, contextualizarmos a ideia do Círculo

de Cultura para, dessa maneira, pensarmos no Círculo Epistemológico.

Na prática do Círculo de Cultura, a relação se estabelece

com os conhecimentos do grupo, todos e todas participam

e trazem suas experiências de mundo não em uma transferência

de saberes, mas em construções coletivas de diálogos e conflitos 8 .

8

Tratamos a ideia de diálogo e conflito como afirma Freire; Gadotti; Guimarães (1995, p. 9):

“Demos esse título porque, para além da pseudoneutralidade da pedagogia tradicional e da

astúcia da pedagogia liberal, buscávamos mostrar como o diálogo e o conflito se articula

como estratégia do oprimido. Sustentamos que o diálogo se dá entre iguais e diferentes,

nunca entre antagônicos. Entre esses, no máximo pode haver um pacto. Entre esses há é o

conflito, de natureza contrária ao conflito existente entre iguais e diferentes”

82


Socialmente Literários

Dessa maneira, esses conhecimentos são bases de aprendizagem,

que tiveram durante seus percursos. Seja em uma comunidade de

pescadores, ou no trabalho de pedreiros ou de costureiras, em uma

comunidade acadêmica, há um conhecimento adquirido, etapas

para a produção desse conhecimento, que podem ser diferentes,

mas que se estruturam para soluções do cotidiano.

Torna-se necessário, ainda, definir a ideia de cultura em

Freire (1983) como um “conceito antropológico de cultura”, que

dá a distinção de mundo, natureza, relação de trabalho como produto

da construção de sentido ativo de homens e mulheres para

com a significação da sociedade e da história. Ou, nas palavras do

próprio Freire,

A cultura como o acrescentamento que o homem

faz ao mundo que não fez. A Cultura como o resultado

de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador.

O sentido transcendental de suas relações.

A dimensão humanista da cultura. A cultura como

aquisição sistemática da experiência humana.

Como uma incorporação, por isso crítica e criadora,

e não como uma justaposição de informes ou prescrições

“doadas”. A democratização da cultura —

dimensão da democratização fundamental. (Freire,

1983, p. 109).

A concepção do círculo epistemológico deriva de uma

metodologia de pesquisa na educação com bases na pedagogia

freireana, de maneira que pontos para aplicação, assim como da

escolha de uma prática que venha ao encontro com uma pesquisa

pensada na participação reflexiva, de ideias e, inclusive, de intervenção

do pesquisado com o pesquisador. Para Romão et al. (2006,

p. 177),

A denominação de “círculo epistemológico” para a metodologia

de pesquisa derivada é conveniente, não apenas para distinção

de sua fonte, que é o círculo de cultura, formulado por Paulo

Freire para intervenção, mas também, e principalmente, pela

consideração dos “pesquisados” como sujeitos de pesquisa. Neste

sentido, preserva o princípio freireano de que todos, no círculo,

83


Capítulo III

pesquisadores e pesquisados, são sujeitos da pesquisa que, enquanto

pesquisam são pesquisados e, enquanto são investigados, investigam.

Assim, a intervenção pedagógica implica na realidade, na

atenção do pesquisador sobre seu grupo pesquisado e na atenção

ao que a cultura do local apresenta em suas diversas manifestações.

Isso exigiu um conhecimento “curioso” uma construção

epistemológica (como origem e validade do conhecimento) e uma

ontologia (como sentido de compreensão dos sujeitos) da pesquisa

que entende que somos todos sujeitos de relações em permanente

construção do mundo, com outros e conosco, portanto com contribuições

amplas para embasar novos conhecimentos.

Dentre suas diversas produções, questões como o diálogo,

a questão do processo de superação da posição do oprimido, que

busca sua transformação e liberdade sem se tornar o opressor, a

situação da educação bancária como prática de um conhecimento

alienado, além de outros, trata, na composição de sua obra, como

uma busca por estratégia tanto práticas como teóricas para a construção

de uma cultura de politizações de homens e mulheres.

Para se pensar em uma estrutura metodológica, em que se

trabalhe em uma perspectiva freireana, duas questões são colocadas

em pontos na intencionalidade dessa pesquisa: em primeiro,

a questão do inédito viável (na questão daquilo que não foi feito,

porém há possibilidade de realizar) e, em segundo, o desenvolvimento

estrutural de pesquisa com o uso do círculo epistemológico

designando uma estrutura e bases para sua construção.

Consideramos, ainda, para compor como estratégia de

pesquisa, as considerações feitas por Freire e Betto (1985), em que

afirmam:

Uma das tarefas do chamado intelectual que a gente

pode ser, uma delas é exatamente ver que, entre o

tema “A” proposto pelo grupo e o tema “B” haveria

um tema “A-B”. Precisaríamos de algo que nos

possibilitasse a passagem da fronteira entre o “A” e

o “B”. E isso é um dos trabalhos do intelectual, do

84


Socialmente Literários

educador comprometido. É ele ver como é possível

viabilizar a compreensão mais crítica da temática

proposta pelo povo. Isso era o círculo de cultura.

(p. 14-15)

Assim, na função da construção de conhecimento, tornam-se

importantes as relações estabelecidas em grupo, para que

haja processos abertos e de interação, além da confiança, para

que pesquisado e pesquisador ou educando e educador interajam

para compor bases de conhecimentos significativas para pesquisa.

Como define Bhabha (1998, p. 20), “o que é teoricamente inovador

e politicamente crucial é a necessidade de passar além das

narrativas de subjetividades originárias e iniciais e focalizar aqueles

momentos ou processos que são produzidos na articulação de

diferenças culturais”.

Assim, podemos construir, como base de estrutura de método,

círculos de intervenção epistemológica, que se sustentam no

conhecimento socialmente construído e de intervenção no mundo

e nas ações realizadas pelos sujeitos na prática educativa.

Tais questões postas nesse diálogo fazem, ainda, o movimento

de continuidade de bases estruturais para pesquisas, que

possibilitem a construção de métodos científicos com essência nas

concepções freireanas e no desenvolvimento de ações por diferentes

pilares, para se investigar a educação dentro de um campo

de visão epistemológico e ontológico da visão do oprimido.

85


Experiências com Ensino

de Literatura e Leitura na

Comunidade do Paraisópolis

A Escola Pública no Centro da Ação

No ano de 2014, iniciei um trabalho de formação de

leitores e leitoras na comunidade do Paraisópolis 9 . Desenvolvi um

trabalho pelo período de um ano e me ausentei no ano de 2015.

Voltei para as ações no local durante o ano de 2016. O trabalho

com mediação de leitura era realizado com jovens e adolescentes

de uma escola pública 10 que se localiza entre umas das principais

avenidas do bairro do Morumbi e uma das entradas da comunidade

do Paraisópolis.

Quando iniciamos o trabalho, realizado e financiado pela

“Associação Crescer Sempre”, entramos em uma sala de leitura da

escola, que já estava com suas portas fechadas há pelo menos cinco

anos. Havia, no espaço, uma diversidade de livros fechados, em

uma sala sem contato com os alunos ou qualquer profissional

9

Paraisópolis é originária do loteamento da antiga Fazenda Morumbi, feito em 1921, que

definiu 2.200 lotes de 500 m² e ruas de 10 m de largura. Os lotes acabaram sendo, aos poucos,

ocupados por grileiros e posseiros. Há dez anos, Paraisópolis contabilizava 33 mil habitantes.

Nos últimos anos, cresceu vertiginosamente e, hoje, já são cerca de 80 mil habitantes

e 17.730 domicílios, em um milhão de metros quadrados, formando a segunda maior favela

da cidade de São Paulo. Com uma vasta e impermeável área, ela mostra que está tão consolidada

quanto a região vizinha. Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/campo_limpo/historico/index.php?p=131

Acesso em: 29 mai 2016

10

A Escola Estadual Etelvina de Goes Marcucci tem mais de 20 anos de história. Localizada

na segunda maior comunidade do Estado de São Paulo, atende quase que em sua totalidade

crianças e adolescentes de baixa renda da região. Fica próxima a grandes prédios de classe

média alta, porém há, inclusive, abaixo-assinado de moradores para extinguir a instituição,

por ter como clientela grupos que vivem no Paraisópolis, revelando a existência de uma

diversidade de conflitos por questão de classe e raça.

86


que zelassem por eles. Em outra sala, encontramos, ainda,

outras caixas de livros com diversos materiais e títulos como

“O diário de Anne Frank”, “Obras de Machado de Assis”, “O admirável

mundo novo”, obras que deveriam ser distribuídas aos

alunos, mas que ainda estavam empacotadas.

Não se trata apenas de uma culpabilidade da escola, até

porque, a existência de profissionais, ou mesmo de uma ação da

própria secretaria de educação, que pudessem desenvolver uma

prática com leitura nas escolas nunca ocorreu; portanto, estamos

falando do espaço escola que deveria promover a leitura, mas que

tem poucas condições para uma ação concreta.

Passamos, então, para toda a organização da estrutura do

espaço e, logo em seguida, uma construção pedagógica para os

encontros realizados com o grupo. As propostas de trabalharmos

em círculos, estimulando debates, a prática da mediação de leitura,

além do desenvolvimento de dias de empréstimos de livros e

aulas no noturno, envolvendo a exibição de filmes baseados em

obras literárias, que pudessem ser discutidos pelo grupo logo em

seguida, foram parte das estratégias pensadas para a realização das

ações.

A sala de leitura chamou a atenção dos alunos desde sua

abertura à organização do espaço que, ao invés de mesas e cadeiras,

possuía puffs e sua disposição estava de maneira que todos

pudessem ficar em círculo. Além disso, as aulas foram construídas

com dinâmicas participativas e de integração e interação com o

grupo.

87


Capítulo III

Foto 1: Círculo de Cultura com temáticas literárias - 2016

O projeto durou três anos, sendo aplicado para todos os

períodos, e ficou nítida a mudança de comportamento no espaço,

no que se refere à participação nas aulas de leitura e número de

empréstimos de livros. Outras questões não são fáceis de evidenciar,

já que se trata das relações diárias, do comportamento do

grupo, das relações estabelecidas entre a leitura e a vontade de

manifestar com um colega de escola, ou mesmo na aula que ocorria

na sala de leitura.

No ano de 2017, o projeto foi finalizado, porém, durante

os anos de funcionamento, podemos destacar diversas mudanças

ocorridas por meio das aulas em que a literatura tinha presença.

Além de destacar números de empréstimos de obras, as mobilizações

realizadas pelos alunos e alunas para eventos como saraus,

roda de leituras e eventos em fins de semana para discutir leitura e

outras questões, como temas sobre questões raciais, direito ao espaço,

gênero, além da própria ação de mobilização em si do grupo,

que já pode ser um destaque em meio a todo o descaso com que

convivem.

88


Socialmente Literários

Destaco as palavras de Candido para reforçar que:

Nestes casos, a literatura satisfaz, em outro nível, a

necessidade de conhecer os sentimentos e a sociedade,

ajudando-nos a tomar posição em face deles.

É aí que se situa a literatura social, na qual pensamos

quase exclusivamente quando se trata de uma

realidade tão política e humanitária quanto aos

direitos humanos, que parte da análise do universo

social e procuram retificar as suas iniquidades.

(CANDIDO, 2004, p. 180)

A proposta realizada na escola trouxe à tona a questão de

que projetos diferenciados dentro do ensino público são possíveis,

além da experimentação que pode ser realizada com metodologias

compostas por rodas de conversa, temáticas que os alunos e alunas

tragam de seu contexto e, ainda, uma formação que provoque o

pensar e a criticidade.

Desenvolver na comunidade escolar ações com a literatura

traz à tona outras realizações na escola, que podem ser desde

a prática da leitura, que por si só já seria um avanço e, também,

um movimento de reflexão e envolvimento do grupo quanto ao

direito à literatura e suas possibilidades de desenvolvimento.

89


Literatura em Redes

Experiência de Produção Literária na

Assistência Social na Região Norte de São

Paulo

O seguinte projeto teve início como parte das atividades

que são ofertadas no CEDESP 11 – Vila Albertina, realizado pela

instituição Promove Ação Sociocultural 12 . De segunda a sexta,

a instituição atende uma média de 120 pessoas, que variam de

idades entre 15 a 59 anos, em dois períodos que são: das 08h-12h

e das 13h-17h.

A instituição executa o trabalho por meio de investimentos

da Secretaria de Assistência Social do município de São Paulo,

com práticas para a formação do trabalho e cidadania. A cada semestre,

são oferecidas formações profissionais nas áreas administrativa,

recursos humanos, eventos e compras. Essa formação se

integra com outras práticas, que envolvem atividades de cidadania,

raciocínio lógico, orientação educacional, comunicação, esportes,

entre outros.

Outro parceiro no projeto é a Escola SENAI, que contribui

11

CEDESP: Caracterização do serviço - Desenvolvimento de atividades com adolescentes,

jovens e adultos, com idade a partir de 15 anos, com a finalidade de investir na formação

profissional, assegurar o conhecimento do mundo do trabalho e capacitar em diferentes

habilidades, na perspectiva de ampliar o repertório cultural e a participação na vida pública,

preparando-o para conquistar e manter a empregabilidade e a autonomia.

12

Desde 1989, a Promove investe na educação para a inclusão social. Através de atividades

socioeducativas, proporciona que crianças, jovens e adultos desenvolvam os seus talentos e

construam um futuro melhor. Com sete unidades – localizadas em comunidades de grande

vulnerabilidade social – a organização atende 1.550 pessoas por meio de oficinas de esporte,

arte-educação, cultura, apoio escolar e cursos profissionalizantes. Disponível em: http://promove.org.br/web/

Acesso em 09 mar 2018.

90


com o desenvolvimento estrutural e pedagógico da formação

profissional e com a certificação dos usuários ao final do curso.

Toda essa ação entende que os programas de atenção aos

adolescentes, jovens e adultos devem ter em vista o cenário socioeconômico,

cultural e político que influenciam ou determinam as

suas demandas. Esses períodos do desenvolvimento humano estão

submetidos a complexas transformações, com ênfase particular

para a adolescência e juventude, pelo que se percebe nas manifestações

intensas, na percepção de viver somente o presente, pela

busca de reconhecimento no grupo e pela relação com o mundo

do trabalho.

A Organização Internacional do Trabalho destaca que, dos

106 milhões de jovens entre 15 e 24 anos da América Latina, 22

milhões não trabalham e nem estudam. E 31 milhões estão empregados

em atividades consideradas precárias.

Segundo relatório da ONU, recentemente divulgado, os jovens

são duas ou três vezes mais suscetíveis ao desemprego e perfazem

47% dos 186 milhões de pessoas sem emprego no mundo,

sendo que o Brasil é citado como o país com o maior abismo entre

ricos e pobres da América Latina, o que determina a consequente

pauperização da população, afetando diretamente os jovens.

No Brasil, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

apontaram que os jovens (16 a 29 anos) tiveram a maior

queda na ocupação de 2012 para 2016. O nível de ocupação desse

grupo etário diminuiu de 59,1% (2012) para 52,6% (2016). O nível

de ocupação para mulheres jovens foi de 44,8% e o dos homens

foi de 60,5%.

91


Capítulo III

A taxa de desocupação dos jovens ficou em 18,9% para

homens e em 24,0% para mulheres. Dos desocupados, 54,9%

tinham de 16 a 29 anos, refletindo em uma taxa de desocupação

(21,1%) mais alta para este grupo em relação aos demais.

O Território

Segundo a pesquisa do Plano de Assistência Social (PLAS),

realizada pela Secretaria da Assistência Social e o Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística, o Distrito do Tremembé tem

uma densidade populacional de 163.803 (cento e sessenta e três

mil, oitocentos e três), sendo 43.874 (quarenta e três mil, oitocentos

e setenta e quatro) chefes de família. Deste total, 4.217 (9,6%)

não possuem renda familiar (abaixo da linha da pobreza) e 4.445

(10,13%) possuem renda inferior a 1,5 do salário mínimo. Ressalte-se,

ainda, que 4.734 (10,79%) do total de chefes de família

são mulheres e não alfabetizadas.

A população que compreende a faixa etária de 15 a 20 anos

é de 31.994 (trinta e um mil, novecentos e noventa e quatro), com

um percentual de 1,91 jovens não alfabetizados.

A taxa de homicídio juvenil, no distrito de Tremembé,

chega a 65,64 (a cada 100.000), o que corrobora sua classificação

em 43º lugar no índice de Risco Juventude de São Paulo, tendo

como base de comparação dados coletados em 90 distritos do Estado

de São Paulo.

O bairro da Vila Albertina compõe parte dos distritos referenciados

no Tremembé e grande parte dos adolescentes, jovens

e adultos, que fazem parte do projeto de formação profissional, são

moradores do próprio bairro onde está localizado o CEDESP, ou

vivem nas regiões do Tremembé ou proximidades.

92


Socialmente Literários

Da Construção A Divulgação das

Produções Literárias

A cada semestre, os(as) usuários(as) do espaço participam

de atividades com diversas propostas, que vão desde a formação

profissional, passando pela orientação educacional, esporte e comunicação.

Para os conteúdos de comunicação, é ofertada a prática

de produção de texto, que pode ser de qualquer gênero, desde

que o grupo possa desenvolver a produção independente e de suas

ideias. Para as questões do eixo de comunicação, compreendemos

a concepção de Freire (2015, p. 70) como:

A comunicação verdadeira não nos parece estar

na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento

de um sujeito a outro, mas em sua coparticipação

no ato de compreender a significação

do significado. Esta é uma comunicação que se faz

criticamente.

No ano de 2018, no início do primeiro semestre, no mês

de fevereiro, foi realizada uma consulta sobre qual gênero textual

teria melhor caracterização para trabalharmos em um projeto de

leitura e escrita, inserido no curso de auxiliar de evento realizado

pela instituição. O grupo escolheu a produção de texto literário do

gênero conto entendendo que este contribui para uma produção

criativa e artística. Como se tratava de um início de projeto, o grupo

passou por algumas atividades: foram realizadas oficinas sobre

a produção de conto, poesia e crônica, ausentado dessa escolha o

romance, pelo fato de exigir mais experiência com a prática de

produção de texto literário e por não termos tempo hábil.

O grupo escolheu a produção de contos literários, pois entendemos

que por ser um texto curto e com a opção de o texto ser

livre, haveria facilidade e possibilidade de sua produção. Com isso,

o mediador realizou três oficinas de produção de contos, nas quais

houve um estudo estrutural da literatura e, também, a vivência

com a leitura desse gênero. Após duas semanas de oficinas real-

93


Capítulo III

izadas, o grupo passou a produzir seus próprios textos, seguindo

alguns critérios para a definição de suas histórias.

Utilizamos uma estrutura, que chamamos de “ficha

literária”, e que o grupo deveria preencher antes de iniciar a

história, composta pelas seguintes informações:

Tabela 1: Ficha literária

Ficha Literária

Temática

Título do texto

Enredo da

história

Personagens

Escreva aqui

Escreva aqui

Escreva aqui

Escreva aqui

Dica: é um texto de suspense,

aventura, drama...

Pense nessa questão para

organizar sua escolha

textual.

Dica: Pode ser provisório;

pense em algo

que chame a atenção do

leitor.

Dica: trata-se de um texto

breve, com o que irá

acontecer: começo, meio

e fim. Pense em cada

parte de maneira a manter

o leitor na história.

Dica: Poucos personagens,

primários e

secundários.

Fonte: Desenvolvido pelo autor

A partir do preenchimento da ficha, o grupo passou a produzir

suas histórias, que resultaram em diversas temáticas, como

suspense, drama, aventura e produções de ficção, baseados em experiências

que os autores e autoras dos textos tiveram ou viveram

em algum momento de suas vidas; também deu origem a textos

94


Socialmente Literários

com questões sociais, sobre violências em bairros periféricos,

problemas em família, drogas, discussão de gênero e relacionamentos

homoafetivos, além de histórias de superação de vida.

Depois da produção do material literário pronto, o resultado

foi de 123 textos e, então, surgiu a questão de como difundir

essas produções de maneira eficaz e que pudesse ser socializada

para os participantes do projeto e, também, para a comunidade

do entorno. O desafio passou a ser como realizar a divulgação das

produções literárias e, para essa questão, organizaram-se algumas

estratégias, seguindo a metodologia do Design Thinking 26 .

Como primeiro passo, criaram um quadro para definir

ações a serem realizadas e, entre elas, foi proposta a criação de

um blog, para que pudessem publicar semanalmente os contos

literários produzidos pelo grupo e, também, divulgassem o trabalho

literário. Nesse processo, o uso da concepção de Bronw

(2010) contribui para a compreensão de que:

Nesse processo seguiu-se o designer Thinking como primeiro

momento para “entender”, “observar” e “definir” e com a

produção do blog idealizaram a estrutura de divulgação. “Não se

trata de uma proposta apenas centrada no ser humano; ela é profundamente

humana pela própria natureza. O design thinking

26

A primeira informação que deve ficar clara é que não se trata de uma ideia única de metodologia,

e sim uma abordagem. Isso porque, quando pensamos em método, criamos a expectativa

de ter àmão uma fórmula matemática que se aplique indistintamente em qualquer

situação. Não é o caso. É uma abordagem que busca a solução de problemas de forma coletiva

e colaborativa, em uma perspectiva de empatia máxima com seus stakeholders (interessados):

as pessoas são colocadas no centro de desenvolvimento do produto – não somente o

consumidor final, mas todos os envolvidos na ideia (trabalhos em equipes multidisciplinares

são comuns nesse conceito).

O processo consiste em tentar mapear e mesclar a experiência cultural, a visão de mundo e

os processos inseridos na vida dos indivíduos, no intuito de obter uma visão mais completa

na solução de problemas e, dessa forma, melhor identificar as barreiras e gerar alternativas

viáveis para transpô-las. Não parte de premissas matemáticas, parte do levantamento das

reais necessidades de seu consumidor; trata-se de uma abordagem preponderantemente

“humana” e que pode ser usada em qualquer área de negócio. Fonte: Endeavor Brasil.Disponível

em: https://endeavor.org.br/design-thinking-inovacao/ Acesso em 12 mar 2018

95


Capítulo III

se baseia na capacidade de ser intuitivo, reconhecer padrões, desenvolver

ideias que tenham um significado emocional além do funcional,

nos expressar em mídia além de palavras ou símbolos.” (p.4)

A escolha da produção do blog se deu porque o grupo entendeu

que podiam consolidar um nome para o projeto e desenvolver

uma linguagem própria, além de resolver uma maneira de

concentrar os textos produzidos e conseguir divulgar ao público.

Outra observação, é o fato de criarem um design simples

e para smartphones, aos quais muitas pessoas têm acesso, com a

utilização de wi-fi na própria residência, em espaços públicos ou

em outros locais. Em seguida, foi proposta uma primeira produção

física do material, realizando a diagramação no programa Microsoft

Word e, depois, disponibilizado em PDF para que fosse evidenciado

o trabalho e houvesse um produto a ser lançado.

Imagem 1: painel de organização das publicações e divulgação do material literário com o

uso do design Thinking.

Fonte: Arquivo pessoal do autor

O blog 27 foi publicado no dia 02/03/2018 e, em análise inicial

para o retorno com o público e acompanhamento dos acessos,

os números foram consideráveis, atingindo, em oito dias, 417 visualizações

na página, sendo que 366 eram do Brasil e 42 leitores

27

Link do blog: http://promoveliteratura.blogspot.com/

96


Socialmente Literários

dos EUA e, ainda, outros leitores(as) de 7 países.

Para se chegar a esses números, utilizamos a ferramenta

de pesquisa do google, a cujo sistema está vinculado o blog dos

participantes e identifica diversos dados, como o local de acesso,

o sistema utilizado e identificação mais detalhadas de países e cidades

que acessaram o blog.

Na segunda semana ao lançamento do material, chegou-se

aos seguintes dados:

Figura 4: Dados: sobre fluxo de visualizações na página

Fonte: Google/blogger

Para a organização das produções, decidiu-se que seriam

publicados uma média de 5 a 10 textos por semana e, como o total

de participantes era de 123 pessoas, teríamos a possibilidade

de manter conteúdos atualizados durante todo o ano de 2018, de

maneira a desenvolver o hábito da leitura do blog e uma comunicação

entre os(as) usuários(as) do projeto e o público que conseguisse

alcançar.

97


Capítulo III

Imagens 2 e 3: Imagem do layout do blog

Fonte:

Arquivo do autor

A Apresentação do Processo Criativo e o

Desenvolvimento de Redes

Para o envolvimento da comunidade e atuação do grupo

de usuários(as), decidiu-se realizar um sarau com temáticas diversas

sobre literatura e ficção, que resultasse no exercício de experiências

com a leitura diversa e fosse, também, o lançamento do

material produzido pelo grupo para se desenvolver a comunicação

entre o espaço educativo, com os(as) educandos(as) e o território,

estimulando-se, assim, a ideia do educador Freire (2015, p. 69),

que afirma: “A educação é comunicação, é diálogo, na medida em

que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeitos

interlocutores que buscam a significação dos significados”.

Como material para o lançamento, organizou-se um minidocumentário,

em que alguns dos(as) educandos(as) comentaram

como foram suas experiências com a produção de um texto autoral

e todo o material foi anexado em uma mídia DVD e disponibilizado

para download pelo blog do coletivo, além da vinculação

do vídeo ao youtube 13 . A gravação do minidocumentário

foi realizada com uma câmera emprestada e a edição foi realizada

com o programa Sony Vegas 14 , da versão gratuita fornecida pelo

13

Link do minidocumentário: https://www.youtube.com/watch?v=pv5A3oLuzYs&t=2s

14

O Vegas Pro, mais conhecido como Vegas, é um software de edição não linear da MAGIX

98


Socialmente Literários

site oficial do software, editado pelo próprio mediador do projeto.

Após a organização, definiu-se o título do evento como

“Literatura e o mundo da ficção!”. Para que pudéssemos envolver

todo o processo criativo e ampliarmos questões sobre a literatura,

organizamos o evento de maneira a dialogarmos com temáticas

referente ao mundo da leitura e literatura, o que resultou em um

processo de construção de espaços temáticos, em que se discutissem

temas pertinentes. No contexto, os seguintes temas foram

escolhidos para compor as apresentações expositivas: 15

1. A história da escrita;

2. Literatura e Cinema;

3. Literatura, animes e HQs;

4. A presença da mulher na literatura;

5. Literatura marginal e periférica;

6. Literatura popular e cordel;

7. A presença de escritores(as) negros(as) na literatura;

8. Música/Poesia.

Com a definição dos temas, cada sala organizou o trabalho

de maneira que houvesse um diálogo entre os stands e o material

literário produzido pelo grupo. Como se trata de um material

produzido de forma independente, as temáticas vão ao encontro

de questões como o fato de o grupo produzir, pela primeira vez,

um texto literário, reconhecerem o processo de criação e autoria,

além de discutirmos questões próprias de suas subjetividades e do

território.

(originalmente publicado pela Sonic Foundry e, depois, pela Sony Creative Software, até ser

comprado pela MAGIX em 2016) que combina edição de vídeo em tempo real de alta qualidade

e fidelidade com manipulação de áudio - além de estéreo - em 5.1 surround para Home

Theater ou Cinema, tanto em AC3 (Dolby Digital) quanto DTS. Apresenta diversos plugins e

é considerado, dentre os programas de edição, um dos melhores junto do Adobe Premiere.

Disponível em:

https://www.vegascreativesoftware.com/br/vegas-pro/ Acesso em 22 jun 2018.

15

Todos os stands foram planejados com materiais pedagógicos, como cartolina, tnt e

impressões, e expostos, no dia 16/06/2018, como parte do espaço de diálogo do sarau de

lançamento dos(as) educandos(as).

99


Capítulo III

Para a potencialização e continuidade dos trabalhos, no

dia 16/05/2018, organizamos o sarau literário, que contou com

um pouco mais de 200 pessoas no local. Realizamos a divulgação

e, para que fosse mais atrativa ao público, desenvolvemos uma

“chamada” para o evento, com um folder produzido no site Canva

16 que, além de fornecer ferramentas on-line de produção gráficas

variadas, pode ser utilizado coletivamente por meio de um

cadastro gratuito na plataforma.

Definida a estratégia do evento, passamos a produzir a

organização estética do espaço, para que fosse atrativo e desse a

condição de trazer, ao grupo convidado, a ideia da obra do projeto,

como a produção independente literária e as bases para a divulgação

no território.

Com isso, provocamos no espaço uma visão, em que fosse

possível observar nos processos literários como diversas questões

sociais são importantes para avaliarmos nossas próprias produções.

Questões como a produção literária das mulheres, dos(as)

trabalhadores(as) rurais com o cordel, a escrita e comunicação na

história e a produção da literatura periférica evidenciaram a importância

da produção independente do grupo.

16

A história do Canva começa em 2007, quando Melanie Perkins estava na Universidade

de Western, Austrália. Melanie ensinava seus alunos a usar ferramentas de design como

InDesign e Photoshop, programas que as pessoas achavam difíceis de aprender e ainda mais

difíceis de usar. Junto com Cliff Obrecht, cofundador do Canva, Melanie teve a ideia de

desenvolver uma ferramenta online para criar anuários. Eles conseguiram um empréstimo

e montaram uma equipe cheia de gente boa para lançar o Fusion Books. Eles não sabiam

muito bem no que isso ia dar, mas aprenderam muito – inclusive como vender, recrutar e

construir um negócio próprio. Fonte: https://about.canva.com/pt_br/historia/ Acesso em:

21 jun 2018.

100


Socialmente Literários

Imagem 4: realização do lançamento do livro e blog

Foto 2

Foto 3

Fonte: Arquivo pessoal do autor

Fonte: Arquivo pessoal do autor

101


Capítulo III

Foto 4

Fonte: Arquivo pessoal do autor

Com o trabalho desenvolvido, concordamos com a ideia

de Antonio Candido, em que o pesquisador nos traz a seguinte

questão sobre a literatura e sociedade:

Nestes casos a literatura satisfaz, em outro nível, à

necessidade de conhecer os sentimentos e a sociedade,

ajudando-nos a tomar posição em face deles.

É aí que se situa a literatura social, na qual pensamos

quase exclusivamente quando se trata de uma

realidade tão política e humanitária quanto à dos

direitos humanos, que partem de uma análise do

universo social e procuram retificar as suas iniquidades.

(Candido, 2006, p. 180)

O projeto trouxe um conjunto de ações, que surgiram com

uma prática inicial de escrita e foi se desenvolvendo de acordo

com as necessidades e possibilidades encontradas no grupo. Todo

o contexto deu a prática de noções comunicativas, seja com a

produção do texto literário, com a organização do uso do design

thinking, com a produção do livro para compor os textos completos

em um e-book inserido na plataforma ISSUU 17 , na produção

do blog até a concretização do lançamento do material, que teve a

participação da comunidade do entorno.

17

Com o aplicativo online ISSUU, é possível ler livros e revistas gratuitamente em seu computador

(com sistema operacional Windows e Mac). Além disso, você pode salvar e visualizar o

conteúdo da ferramenta, a qualquer momento, em celulares com Android e IOS. Utilizamos o

sistema para a publicação do livro no seguinte link: https://issuu.com/eliabecaos/docs/projeto_livro_promove_contos

102


Somos Utópicos por

Luta e Convicção

Ao finalizar essa obra, temos ciência de algumas questões

necessárias para se qualificar toda a produção. Porém, escolhemos

seguir com as visões aqui postas, já que são caminhos traçados por

um pesquisador em finalização de sua pesquisa de mestrado e um

“perseguidor” de atribuições socioeducativas com a utilização da

literatura; e, para esse quesito, os movimentos de literatura periférica

são o exemplo de ações concretas do efeito que tem o texto,

tanto em sua produção, como em também produzi-lo, ou mesmo,

em contemplá-lo.

A produção da arte vai além dos elementos estéticos. Ela

produz e reproduz as experiências de sua sociedade, pois o artista

que a cria dentro de um contexto em que, rompendo ou não

com as ideias vigentes, ainda assim, não está livre do mundo que

o rodeia. Portanto, a literatura como produção de arte feita por

homens e mulheres não está fora do contexto de sua produção,

mas, como um produto, pode ganhar autonomia e ser interpretada

e representada por cada leitor, que o faz de acordo com sua

própria visão de mundo. O texto ganha vivacidade e se torna o

“ser” de produção de alguém e ganha outras vidas na interpretação

de outro alguém.

O tempo nos conduziu a deixar de lado muitas práticas vivenciadas

durante o processo de produção do livro, pontos como

o que a própria história nos oferta e como os tantos movimentos

literários e obras realizadas pelo mundo não foram possíveis de

estarem todos aqui. Porém, buscamos diversos recortes do que se

foi produzido pelo mundo e, de uma maneira bem sucinta, para

que possamos refletir sobre como a literatura tem um efeito em

103


Capítulo III

comum pelo mundo durante os tempos, o efeito de transformar

pensamentos e conduzir o ser humano a se ver como base para um

processo humanizador.

Não é redundante dizer que nós, humanos, somos parte do

processo humanizador, já que nascemos como “seres humanos”,

quando se fala de questão biológica. Porém, entender e praticar

a cultura, compreender a diversidade do mundo e ainda perceber

que somos seres em constantes aprendizados nos leva a sermos

“melhores” para com nós mesmos e para com o outro. Assim, dentre

outras possibilidades para a compreensão do mundo por meio

da arte, a literatura surge com essa possibilidade de podermos observar,

no fictício, condições para transformar o real no mundo e

nas ações que tomamos a cada dia.

Não sabemos o modo como a história fará o registro sobre

esse movimento literário da atualidade, realizado por meio das

ações que acontecem em diversas comunidades de São Paulo, e

nem mesmo se um dia será levado em consideração todo esse processo

como uma parte histórica da literatura brasileira. Porém,

desde as produções literárias dos coletivos e saraus das periferias,

assim como a produção literária de escritores que já se destacam

por suas produções serem reconhecidas pelo mercado editorial,

sabemos que as contribuições desses grupos e coletivos já extrapolam

o campo literário e contribuem para o campo educativo, que

tratamos como educação não-formal, mas que podemos tratar

também como o desenvolvimento de uma educação popular. E

não podemos descartar a possibilidade de que surjam propostas no

campo e composição curricular da educação formal.

Para reforçar, ainda afirmamos que o potencial educativo

da literatura feita e envolvida em um determinado meio (social)

traz questões específicas da cultura que a permeia e, dessa

maneira, desenvolve-se com a visão dessa periferia que a produz.

Essa questão torna-se mais importante se pensarmos que, durante

a história, a literatura sempre foi um privilégio das elites (uma

questão de classe) e que, tanto sua produção, quanto leitura foram

determinadas por classes dominantes.

104


Socialmente Literários

Há exceções históricas, como foi o caso de Lima Barreto,

Solano Trindade, Cruz e Souza, Maria Carolina de Jesus e,

provavelmente, outros escritores com o olhar do oprimido que

a história tenha esquecido, intencionalmente, pelo seu potencial

emancipador; porém, não identificamos em nenhum período da

história do Brasil, um movimento cultural construído pelo oprimido

e que tenha como fonte primária o uso da literatura.

Em resumo, nosso principal interesse foi o de trazer à tona

esses processos educativos gerados por meio dessa literatura e o

modo como suas ações mobilizam a população por um bem comum,

que é o desenvolver cultura(s) da periferia, a partir de suas

experiências sociais. Neste processo, percebemos que essa contribuição

pedagógica, feita com o uso da literatura marginal/periférica,

pode estar presente em outros locais como a escola (dentro

de instituições de educação formal), que também se encontra em

territórios periféricos, e outros locais da cidade, em uma diversidade

de espaços que queiram trabalhar essas práticas, ou mesmo

pesquisá-la, para a compreensão de uma intelectualidade orgânica

desses grupos, que se utilizam da literatura como um meio para se

constituir aprendizagens.

105


Referências

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG,

1998.

BROWN, Tim. Design Thinking: uma metodologia poderosa para

decretar o fim das velhas ideias. Rio de Janeiro. Elsevier, 2010.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2005.

CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro

sobre azul, 2010.

CANDIDO, Antonio. O Direito a literatura. Palestra pronunciada

na XXIV reunião anual da SBPC em São Paulo, jul/1972. In Vários

escritos. Reorganizado pelo autor. São Paulo: Duas Cidades, 2004.

COMPAGNON, Antoine. Literatura para quê? Trad. de Laura Taddei

Brandini. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 15. ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1983

FREIRE, Paulo. Política e Educação: ensaios. São Paulo: Cortez,

2000.

FREIRE, Paulo; BETTO, Frei. Essa escola chamada vida: depoimentos

ao repórter Ricardo Kotscho. São Paulo: Ática, 1985.

FREIRE, Paulo; GADOTTI, Moacir; GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia:

diálogo e conflito. São Paulo: Cortez, 1995.

106


FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista

histórica na pesquisa educacional. 12. ed. In: FAZENDA, Ivani

(Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez,

2010.

GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história 9. ed. Rio

Janeiro: Civilização Brasileira,1991.

GOHN, Maria da Gloria. Movimentos Sociais e Educação. São Paulo:

Cortez, 2012.

GOHN, Maria da Gloria. Educação não-formal e cultura Política:

impactos sobre o associativismo no terceiro setor. 4. ed. São Paulo:

Cortez, 2008.

GOHN, Maria da Gloria. Educação não-formal, educador(a) social

e projetos sociais de inclusão social. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 28-

43, jan./abr. 2009. Disponível em: http://metaavaliacao.cesgranrio.

org.br/index.php/metaavaliacao/article/viewArticle/tptpcanvxypqw.html

Acesso em: 10set2015

GOLDMANN, Lucien. Sociologia do Romance. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1976.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-

1991. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.

HUXLEY, Aldous Leonard. Admirável mundo novo. São Paulo:

Globo, 1995.

LAJOLO, Marisa. O que é Literatura. São Paulo: Brasiliense, 1982.

LUKÁCS, Georg. Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização

Brasiliense, 1968.

107


MARTINS, Helena Maria. O que é Leitura. São Paulo: Brasiliense,

1992.

MARX, Karl; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo:Hucitec,

1993.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2. ed.Trad.

Isa Tavares. SãoPaulo: Boitempo, 2008.

NASCIMENTO, Érica Peçanha. Vozes Marginais na Literatura.

Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009.

NASCIMENTO, Érica Peçanha. Literatura marginal: os escritores

da periferia entram em cena.Cópia de Dissertação de Mestrado.

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP, 2016.

PETIT,Michèle. A arte de ler ou como resistir à adversidade. Trad.

Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo: Editora 34, 2009.

PONCE, Anibal. Educação e luta de classes. São Paulo. Cortez:

Autores associados, 1989.

ROMÃO, José Eustáquio.Razões Oprimidas: Introdução a uma

nova geopolítica do conhecimento. In: TORRES, Alberto Carlos

[et al.]. Reinventando Paulo Freire no século 21. São Paulo: Editora

e livraria instituto Paulo Freire, 2008. p. 63-85.

ROMÃO, José Eustáquio; GADOTTI, Moacir. Paulo Freire e

Amílcar Cabral: a descolonização das mentes. São Paulo: Editora

e livraria Paulo Freire, 2012.


SARTRE, Jean-Paul. O que é a literatura. São Paulo: Ática, 1993.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação,

curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. São Paulo:

Cortez; Autores associados, 1988.

TADIÉ, Jean Yves. A crítica literária no século XX. Rio de Janeiro:

Bertrand Brasil, 1992.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!