Nada digo de ti que em ti não veja
Uma cidade com milícia, racismo, fake news, delação premiada, conservadorismo, fanatismo religioso e ruas sujas. Parece 2020, mas esse é o Rio de Janeiro de 1732, ano no qual está ambientado o romance histórico “Nada digo de ti, que em ti não veja”, terceiro de Eliana Alves Cruz e o primeiro da autora premiada pela Pallas Editora. A narrativa é eletrizante. Entre as temáticas, salta aos olhos a transexualidade, raras vezes presente em uma trama de época, e as fake news tão em voga, através de cartas anônimas que ameaçam revelar alguns dos segredos mais bem guardados dos integrantes das duas famílias ricas que se cruzam nas 200 páginas do título. “Nada digo de ti, que em ti não veja” é também, como adiantou Elisa Lucinda na apresentação, a história de um amor impossível, forte e verdadeiro.
Uma cidade com milícia, racismo, fake news, delação premiada, conservadorismo, fanatismo religioso e ruas sujas. Parece 2020, mas esse é o Rio de Janeiro de 1732, ano no qual está ambientado o romance histórico “Nada digo de ti, que em ti não veja”, terceiro de Eliana Alves Cruz e o primeiro da autora premiada pela Pallas Editora.
A narrativa é eletrizante. Entre as temáticas, salta aos olhos a transexualidade, raras vezes presente em uma trama de época, e as fake news tão em voga, através de cartas anônimas que ameaçam revelar alguns dos segredos mais bem guardados dos integrantes das duas famílias ricas que se cruzam nas 200 páginas do título. “Nada digo de ti, que em ti não veja” é também, como adiantou Elisa Lucinda na apresentação, a história de um amor impossível, forte e verdadeiro.
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NAQUELE INSTANTE EM QUE A
MADRUGADA É PROFUNDA...
Vitória puxou a faca espetada no pão num gesto brusco e irracional.
Avançou sobre o peito de Felipe, que lhe esbofeteou
pesadamente o rosto. Enfurecida, ela se refez e arremeteu com
mais força. Embolaram-se trancados em golpes apertados.
Uma versão de ódio das mesmas posições que experimentavam
quando se amavam. Toques duros como ferro se opondo ao
veludo macio das carícias. As respirações ofegantes, mas não
de prazer e sim de angústia. Lutaram por um bom tempo até
que a lâmina brilhou na penumbra e ela, vencendo uma queda
de braço, feriu a face lisa dele. O grito de dor e o vermelho
intenso que escorreu do corte foram chuva sobre a brasa.
Afastaram-se exaustos, arfantes e suados, mas não saciados.
Eu podia ver, podia perceber no ar... Vitória chorava silenciosa,
sentindo-se imunda como vez por outra costumavam
gritar-lhe nas ruas. Vi que Vitória contorceu o rosto como se
tivesse sido outra vez açoitada, da mesma forma que tanto
experimentara ao longo da vida. Notei por sua expressão que
se sentia esbofeteada por dentro.
Felipe sentou com uma das mãos segurando a cabeça e
outra tentando estancar o sangue com um pano. O quarto com
pouca ventilação se tornara ainda mais asfixiante. Ela sabia
que eram sérias as pretensões de casamento dele com aquela
moça, mas também, o que poderia esperar? Cedo ou tarde esse
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