DaniGurgel-FotografiaeMusica
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dani gurgel |<br />
fotografia e música<br />
do vinil ao mp3, do filme ao celular<br />
Trabalho de Conclusão de Curso | Escola de Comunicações e Artes
Trabalho de Conclusão de Curso de Daniela Picarelli do Amaral Gurgel, orientado por Luli Radfahrer.<br />
ECA-USP, Junho de 2007.
Sendo isto. Ao dôido, doideiras digo. Mas o senhor<br />
é homem sobrevindo, sensato, fiel como papel, o senhor<br />
me ouve, pensa e repensa, e rediz, então me ajuda. Assim,<br />
é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado<br />
para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo<br />
do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei.<br />
Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas – e<br />
só essas poucas veredas, veredazinhas. O que muito lhe<br />
agradeço é a sua fineza de atenção.<br />
João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.
Agradecimentos<br />
Ao Luli, por aturar minha megalomania; ao Fernando Scavone, pelas dicas e indicações;<br />
ao Chico Pinheiro e à Lu Alves, por tantas horas de papo sobre música; à Luba, Dé e o Kri,<br />
sem palavras pra agradecer; à Marcelinha, que não só entendeu como nomeou o trabalho;<br />
ao Tó, muso de plantão que vai longe levando minhas fotos debaixo do braço; à Camila e ao<br />
Vini, homem-lâmpada; ao Marcel, Di Rinaldi, Dexter, Nano, Ritinha Costa, Rafael Costa, Eli<br />
Sabino e Clicio Barroso; à Milla, pelo bendito pdf; ao Galan, pelas imagens; Dorinho, Lyvia,<br />
Gui e Passarinho, pela paciência; Danilo, Cleber e Lucas pela sabedoria intergalíptica.<br />
Do fundo do coração, ao pessoal da Gafieira São Paulo: Big, Conrado, Cahê,<br />
Márcio, Bruno, Anderson, Paulinho(s), Jaziel, Amorin, Veronica e Pedrinho — modelos da<br />
vez, quebrando tudo; a todos os participantes do experimento, Sassá, Ly, Gui, Passarinho,<br />
Henrique, Tó, Camila, Vini, Dé, Luis Fernando, Marcos, Raphael, Renata, Kri, Luli, Paula,<br />
Carlos e Eliana, Diogro, Carol, Flavião, Nevo e Lu Barreto. Esse trabalho não sairia sem vocês.<br />
E ao Jamie Cullum, por fazer cair a minha ficha.<br />
7
Introdução<br />
Música<br />
Fotografia<br />
Fotografia de música<br />
Novo mundo<br />
Nova foto de música<br />
Como<br />
Gafieira<br />
Considerações finais<br />
Bibliografia<br />
Licença de uso<br />
Índice<br />
11<br />
13<br />
43<br />
63<br />
77<br />
95<br />
115<br />
129<br />
159<br />
163<br />
167<br />
9
Introdução<br />
A música é acompanhada de perto pela produção de imagens que a representam.<br />
Para a imprensa ou para o artista, na forma de retratos, capas de discos, shows, ou por trás<br />
das cenas; a fotografia de música assume a função de materializar o som para seu público,<br />
num contexto em que cada vez mais uma imagem é necessária para o seu consumidor.<br />
Na atualidade, a grande popularidade dos arquivos mp3, de fácil compartilhamento,<br />
muda a forma com que o público ouve, compra e compartilha música; assim como a<br />
fotografia digital, com câmeras mais acessíveis, celulares fotográficos e a web 2.0, revitaliza o<br />
interesse do público na produção e divulgação de imagens.<br />
Sem pretensões de caracterizar ou avaliar a fotografia de música por si só, este trabalho<br />
tem por objetivo identificar as mudanças inerentes a sua produção, neste contexto de cada vez<br />
menos papel e mais imagens virtuais, com um público diferenciado pelas novas tecnologias e<br />
produtor de conteúdo. No final, foi realizado um experimento, com vinte e cinco amadores<br />
voluntários fotografando um show.<br />
11
música<br />
13
Rip, Mix, Burn<br />
Uma sinfonia é composta de vários movimentos. Um tema explica outro, uma<br />
frase leva a outra. Da mesma maneira, um álbum tem um começo, um meio e um fim.<br />
Compõe, a partir das faixas, uma peça completa, que perde, em parte, seu sentido se<br />
ouvida em pedaços. “The Dark Side Of The Moon”, do Pink Floyd, por exemplo, é<br />
um álbum de rock que foi claramente arquitetado como uma única peça, e não uma<br />
coletânea de canções.<br />
Em tempos remotos, quando só se podia ouvir música ao vivo, o artista<br />
facilmente controlava não só a ordem da apresentação como a dinâmica de volume,<br />
interpretação, solos, etc. A partir do momento em que é possível registrar essa música<br />
e ouvir depois, o público ganha o poder de comprá-la e ouvi-la na sua casa, fora do<br />
contexto original, trocando uma orquestra num anfiteatro por uma vitrola na sala de<br />
estar. Além disso, surge a escolha sobre qual faixa ou trecho ouvirá naquele momento,<br />
mesmo que essa seja pouco precisa. Com a fita cassette, vem o poder de se gravar suas<br />
músicas de discos, do rádio ou de outras fitas; na ordem, intensidade e cortes desejados.<br />
P. 12, Joe Locke,<br />
Dani Gurgel,<br />
55 Bar, New York, 2007.<br />
À esq., Estúdio Mosh.<br />
Dani Gurgel, SP, 2004.<br />
15
As “Mix Tapes”, como forma de presente, são um exemplo de peça pensada no<br />
Com a venda de música em mp3 isolados, surge uma resistência dos músicos<br />
conjunto, porém feita pelo próprio ouvinte para presentear outro, já que ela não tem<br />
mais conceituados, na esperança de fazer com que seu disco inteiro seja sempre ouvido,<br />
um botão de “skip forward”.<br />
e na ordem que foi pensado. No caso do mp3, ele tem de dizer tudo o que deseja numa<br />
O CD trouxe consigo facilidades que possibilitam que o ouvinte desvirtue ainda<br />
única canção, pois não sabe se as outras serão ouvidas.<br />
mais o que o músico compôs: Random e Repeat. O primeiro reorganiza as faixas do<br />
Porém, se lembrarmos sem romantismo de tempos antes do CD, uma “mix tape”<br />
álbum de forma aleatória, desconsiderando qualquer pensamento do compositor. Já o<br />
já trazia apenas uma canção daquele artista, assim como hoje faz um podcast; e, no<br />
segundo, repete ad infinitum uma única faixa ou o disco inteiro. A partir do CD, a faixa é<br />
disco de vinil, a agulha podia ser retornada para o início daquela faixa no momento que<br />
oficializada como unidade musical de gravação, em detrimento do álbum como um todo.<br />
se desejasse, tendo a mesma função do repeat. Mesmo em um contexto absolutamente<br />
Já o MP3, com tags ID3 e players que reconhecem o quanto você ouve cada<br />
sem gravações, o público apenas cantarolava a ária da “Flauta Mágica” ou do “Barbeiro<br />
música, introduz o conceito de Shuffle inteligente, que tenta tecer relações entre as músicas<br />
de Sevilha”, e não saberia citar ou mesmo reconhecer outro trecho.<br />
disponíveis e toca com mais freqüência as suas preferidas, tenha você as selecionado ou<br />
A autonomia dada ao usuário comum por essa tecnologia atual, para ouvir as<br />
o programa as reconhecido. Essa inteligência do programa é bastante relativa, pois ele<br />
músicas que desejar, na ordem que desejar, e no lugar em que desejar: a era do Rip,<br />
Bohemian Rhapsody, do pode tocar “Bohemian Rhapsody” logo depois de “Rhapsody in Blue”, ou Electric Light<br />
Mix, Burn; culminada com a campanha homônima da Apple, potencializa a pré-<br />
Queen, pouco se relaciona Orchestra após a 9a Sinfonia de Beethoven tocada pela Orquestra Filarmônica de Berlim.<br />
disposição do público em assimilar apenas parte das obras. Isso nos traz à geração Rip,<br />
com Rhapsody in Blue de<br />
Mix, Burn atual, que pode ser facilmente iconizada em um adolescente com um iPod<br />
George Gershwin, apesar de<br />
[The Dark Side of The Moon]<br />
na mão, ligado ao som do carro: nenhuma música será ouvida até o final, todas as<br />
serem nomeadas rapsódias.<br />
introduções serão passadas e poucos deixarão tocar até depois do refrão (que, inclusive,<br />
Assim como a banda de<br />
“The Dark Side Of The Moon”, álbum do Pink Floyd gravado em 1973 nos Abbey Road Studios e mixado por<br />
é o ringtone de seu celular).<br />
rock progressivo Electric Alan Parsons (de “The Alan Parsons Project”), é considerado um álbum conceitual, ou seja, pré-concebido para que<br />
Light Orchestra só se<br />
todas as músicas contribuam para um único tema, ou uma história unificada. Álbuns conceituais podem ser divididos<br />
[O Mp3 técnico]<br />
relaciona com a filarmônica em dois tipos: os temáticos, com músicas relacionadas, como “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles; ou<br />
de Berlin pelo nome.<br />
os que apresentam uma história narrativa completa, como “Tommy”, do The Who.<br />
Nós ouvimos de 20 a 20.000 Hz. Além disso, para mais grave e mais agudo, são as frequências chamadas “do<br />
“The Dark Side Of The Moon” é um único projeto, dividido em faixas apenas para facilitar a vida do ouvinte<br />
sentimento”. Que fazem o corpo mexer, mas não são audíveis. Essas frequências fazem parte da “experiência” da música.<br />
(o que não faz Philip Glass). A quebra entre o lado A e lado B, inclusive, não existe em versões ao vivo e nem no<br />
O MP3, para diminuir o tamanho do arquivo, corta fora boa parte dessas frequências, e também diminui a<br />
CD remasterizado. Semelhante à construção de uma sinfonia, esse disco faz sentido em seu todo como uma única<br />
amostragem em kbps – kilobits por segundo. Enquanto o Mp3 é codificado em, em média, de 128 a 192 kbps, o CD,<br />
história, mesmo que não seja uma narrativa linear como o acima citado “Tommy”.<br />
gravado a 44.100 kHz, 16bits, stereo, totaliza 1.411,2 kpbs.<br />
Rumores de uma suposta sincronia do disco com “O Mágico de Oz” criaram a lenda do “The Dark Side of the<br />
Assim ele fica pequeno, fácil de compartilhar e, geralmente, a perda de qualidade não é perceptível ou<br />
Rainbow”. Independente de ser premeditada ou não, a possibilidade do disco ser sincronizado com uma narrativa<br />
significativa para o usuário comum. O arquivo mp3 também vem acompanhado de uma base de dados (ID3), que<br />
evidencia ainda mais seu caráter conceitual.<br />
traz informações como nome da música, artista, álbum, compositor, a capa do disco, comentários, etc.<br />
16 17
[Apple Rip, Mix, Burn]<br />
A campanha Rip, Mix, Burn da Apple traz consigo esse conceito de que você agora pode gravar a música que<br />
quiser, na ordem que quiser.<br />
O filme mostra um garoto entrando em um teatro aparentemente vazio, em um dia de chuva, pela porta dos<br />
fundos. Quando ele senta na platéia vazia, percebemos que, no palco, estão diversas pessoas em pé. Vemos que são<br />
artistas famosos, disponíveis para construir um CD como o garoto bem desejar.<br />
18 19
Mix-tapes e P2P<br />
Não é de hoje a troca de músicas, os discos piratas e as compilações. Desde o<br />
final dos anos 60 já eram vendidos cartuchos (8-track) em mercados de pulgas com<br />
coletâneas por assunto. Nos anos 80, já eram vendidas no mercado negro musical mixtapes<br />
com fades entre as músicas, encaixando a batida de uma e outra, e outros efeitos<br />
que se popularizavam na época.<br />
Nos anos 70, fortaleceu-se nos EUA uma rede de trocas de fitas pirata, não<br />
apenas com cópias de discos, mas shows gravados clandestinamente e gravações não<br />
oficiais conseguidas por meios alternativos. Os bootlegs, como eram chamadas essas<br />
gravações, popularizaram-se como uma vertente das mix-tapes, levando ao público<br />
música que não havia sido editada pelo artista, gravações cruas ao vivo.<br />
Com o gravador de CD de fácil acesso, essas fitas acabaram por mudar de<br />
suporte, porém os discos desse mercado paralelo, muitas vezes, continuaram sendo<br />
chamados de mix-tapes. O Mp3 faz com que essa informação seja facilmente<br />
compartilhada pela internet, não havendo mais a necessidade de se ir-se até uma loja<br />
À esq., K7.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
21
1. Peer. Subs. par, igual.<br />
[Webster’s 1996] Peer to<br />
peer, portanto, de uma<br />
pessoa a outra semelhante.<br />
Abreviado comumente como<br />
p2p.<br />
mofada na galeria do rock para buscar uma coletânea de rock progressivo underground.<br />
As comunidades na Internet dão as sugestões e você pode baixar em seu programa de<br />
peer to peer 1 preferido.<br />
O compartilhamento de mp3 pela internet surge com o Napster, primeiro<br />
programa de p2p, criado por Shawn Fanning em 1999, numa tentativa de facilitar a<br />
maneira de se achar música na rede. Diferente dos programas de peer to peer de hoje<br />
em dia, o Napster tinha um servidor central, o que facilitou a ação dos processos que<br />
o derrubaram, da parte de grandes artistas e gravadoras, sob a acusação de infringir<br />
leis de copyright.<br />
Outras redes de compartilhamento como FastTrack (Kazaa), Gnutella<br />
(LimeWire, BearShare) e BitTorrent (com cliente/programa homônimo), são mais<br />
eficientes em descentralizar a informação e, portanto, não implicar seus usuários.<br />
[High Fidelity]<br />
Mesmo dentro da fita gravada para o outro, há um esforço em se fazer valer o conjunto, já que o presenteado<br />
ouvirá provavelmente a fita na íntegra. No filme “High Fidelity”, de Stephen Frears, inspirado em um romance de Nick<br />
Hornby, o personagem de John Cusack tenta explicar algo sobre as mix-tapes.<br />
“Olha, fazer uma fita de coletânea legal é uma arte muito sutil. Muitos certos e errados. Em primeiro lugar,<br />
você está usando a poesia de outra pessoa para expressar como se sente. É uma coisa delicada... (…)<br />
Fazer uma fita legal de coletânea é que nem terminar um namoro: difícil, e leva muito mais tempo do<br />
que a gente imagina. Você precisa começar com uma matadora pra ganhar atenção. Aí você sobe ainda mais um<br />
pouquinho. Mas não dá pra exagerar, então você dá uma suavizadinha na próxima. Tem muitas regras.”<br />
Abaixo, Greenwich Village.<br />
Dani Gurgel, New York, 2007.<br />
22 23
O download de mp3 pode gerar duas reações diferentes no consumidor. Em um<br />
primeiro momento, ele pode realmente deixar de comprar alguns discos que teria comprado,<br />
pois já supriu sua vontade de ter aquelas músicas com o mp3. Por outro lado, há o ouvinte que<br />
não compraria o disco de qualquer maneira, ou porque queria apenas uma música, ou porque<br />
não conhecia o artista e não queria pagar para ouvi-lo. Nessa segunda instância, o download<br />
do mp3 é benéfico para o músico, que ganha um novo ouvinte que não existiria se tivesse de<br />
pagar por essa música. Esse ouvinte, posteriormente, pode pagar para ir a um show, baixar o<br />
resto do disco ou mesmo comprar o CD porque gostou da música.<br />
Nesse cenário de downloads generalizados, a Apple introduziu os podcasts,<br />
similares a programas de rádio, disponíveis gratuitamente e abertos para qualquer um<br />
fazer seu próprio. Hoje em dia, os podcasts musicais podem ser considerados as novas<br />
mix-tapes. São compilações de músicas feitas por alguns ouvintes, sugeridas por outros,<br />
e que cumprem a mesma função que as mix-tapes tinham, só que agora sem sair de casa.<br />
Nesse mesmo cenário, pode-se apontar a Rádio Uol como divulgadora de<br />
música. Porém, como ela permite ouvir as músicas, mas não copiar, acaba tendo a<br />
exata função de uma rádio FM – divulga, mas não distribui. A diferença é que pode-se<br />
escolher o que vai ouvir e não tem de ligar e pedir: ela não incomoda os músicos, pois<br />
só encoraja o ouvinte a arranjar uma cópia para si.<br />
[Legalização do p2p]<br />
Na França, foi criada a Association des Audionautes, propondo pagar alguns euros a mais a seu provedor de internet,<br />
destinados às cias. de direitos autorais, para que sejam repassados aos músicos e gravadoras, detentores do copyright sobre<br />
as músicas, para legalizar o download de mp3. Esse funcionamento é similar ao da Ascap, American Society of Composers,<br />
Authors and Publishers (Sociedade Americana de Compositores, Autores e Editores); organização norte-americana que<br />
coleta royalties por transmissão e performance ao vivo. No Brasil, esses direitos são representados pela Sicam (Sociedade<br />
Independente de Compositores e Autores Musicais) e o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).<br />
A questão da legalização do compartilhamento de músicas foi adotada por um dos candidatos à presidência<br />
da França, tornando-se então questão política e eleitoral no país.<br />
24 25<br />
[Discofonia]<br />
Um bom exemplo desses podcasts é a Discofonia, trabalho experimental de Guilherme Werneck, editor<br />
assistente do caderno Link, do Estado de São Paulo. Com temas indo da música folk americana à música instrumental<br />
brasileira, ele reúne músicas em um programa semanal de aproximadamente uma hora, que pode ser conferido em<br />
http://gwerneck.libsyn.com
MP3 Players<br />
O mp3, antes dos mp3 players, era marginalizado como uma diversão dos<br />
“nerds”, que não tinham mais o que fazer além de roubar música na internet. O mp3<br />
player vem para materializar a música digital num produto, um objeto de consumo. Se<br />
um adulto, mesmo que retrógrado, pode pegá-lo e guardá-lo numa gaveta, ele se sente<br />
mais à vontade com essa tecnologia, que fica acessível a quem não passa tanto tempo na<br />
frente do computador.<br />
O iPod, em especial, é objeto da moda. Sair com um fone de ouvido branco<br />
pendurado, hoje, é chique. Alguns colocam fones pretos para evitar assaltos, outros<br />
colocam fones brancos em qualquer coisa.<br />
Com o mp3 player, você pode ouvir aquilo em qualquer lugar, a qualquer<br />
hora, e não só quando você está na frente do micro. Num walkman, você pensou no<br />
que queria ouvir em casa quando gravou a fita: tem uma ordem premeditada, mesmo<br />
que seja sua e não do artista. No mp3 player é instantâneo ou, pior, shuffle. Ele faz a<br />
ordem por você.<br />
À esq., Mídias estragadas.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
27
O walkman era barato e informal, popular no meio jovem. Os mp3 players<br />
conquistam os mais velhos por serem mais classudos e da moda, além de reforçar o<br />
desejo de serem mais jovens.<br />
Os mp3 players vêm acompanhados de um fetichismo tecnológico que cresce<br />
cada vez mais. É uma “cultura do mais” contraditória na qual, ao mesmo tempo em<br />
que o usuário quer cada vez mais músicas em seu mp3 player, não importando sua<br />
qualidade, ele também quer mais qualidade em seu home theater, para no fim do dia<br />
tocar algumas músicas em mp3 ou assistir a um filme baixado em DivX, um padrão de<br />
codificação de video que usa áudio e imagens de baixíssima qualidade para ser de fácil<br />
compartilhamento. Ora, para quê Dolby 5.1 para reproduzir mp3 stereo?<br />
28 29<br />
[iPod]<br />
Os anúncios do iPod, o mp3 player da Apple, vêm com o conceito de liberdade: levar a música (e a sua<br />
experiência completa) para qualquer lugar. É como se você estivesse o dia inteiro dentro daquele videoclipe.<br />
Transforma-se uma música em uma sensação de um momento, como “a nossa música que tocou no bailinho do<br />
nosso primeiro beijo”. E cada vez mais podemos ouvir músicas com cara de praia, de carro, de garoa, ou de avenida<br />
Paulista às seis da tarde. É Rip, Mix, Burn… and Pod!<br />
No anúncio abaixo, lê-se “Bem-vindo à revolução da música digital. 10,000 canções em seu bolso. Funciona<br />
em Mac ou Pc. Mais de um milhão vendido. O novo iPod.”.<br />
À esquerda, imagem oficial<br />
de divulgação do iPod G4<br />
(Geração Video).<br />
Abaixo, anúncio do iPod.
Gravadoras Virtuais<br />
Não foram só as mix-tapes e derivados que dominaram os mercados de<br />
pulgas nos anos 80 e estabeleceram uma cultura de troca de música entre amigos e<br />
estranhos. As fitas demo, com três ou quatro músicas para fins de divulgação, tiveram<br />
grande participação nesse mercado negro musical, divulgando novas bandas que<br />
não tinham dinheiro para gravar seus discos. Usando um sistema similar a correntes<br />
de cartas, tape trading era uma rede de bandas que trocavam fitas demo entre si,<br />
divulgando seu trabalho e procurando um contato com alguma gravadora.<br />
Em 1993, o Internet Underground Music Archive, conhecido como IUMA, foi<br />
criado na University of California, em Santa Cruz. Seu propósito era abrir o canal para<br />
artistas independentes compartilharem sua música e se comunicarem com seu público.<br />
Modelo usado até hoje pelas gravadoras virtuais, o IUMA oferecia uma home page de<br />
fácil utilização para a banda, assim como espaço para upload de suas músicas. Eram<br />
disponibilizados demonstrativos de quais eram as músicas mais baixadas, home pages<br />
mais visitadas, etc.<br />
À esq., HD.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
31
À direita, página principal do<br />
portal Trama Virtual.<br />
www.tramavirtual.com.br<br />
Abaixo, perfil de usuário<br />
do MySpace específico para<br />
músicos e bandas.<br />
www.myspace.com<br />
O termo música independente<br />
e seu apelido indie são usados<br />
aqui para identificar aquela<br />
música que não tem gravadora<br />
por trás, colocando dinheiro.<br />
Não fazendo respeito a algum<br />
estilo de música, o termo<br />
significa apenas aqueles que<br />
sustentam seu próprio som.<br />
Hoje, o MySpace é um canal forte de divulgação de música independente, porém<br />
misto a um canal de relacionamento semelhante ao orkut. Diversas bandas do cenário<br />
independente se fortaleceram graças ao MySpace, aos downloads de suas músicas e<br />
os novos ouvintes que ficaram atentos a notícias de shows, etc. Além dos ouvintes,<br />
olheiros de gravadoras também procuram novos talentos nas páginas do site.<br />
No Brasil, o Trama Virtual é um dos canais mais significativos de<br />
compartilhamento de música independente. Com estrutura similar ao IUMA e<br />
mantido pela gravadora Trama, que tem um grande apelo ao público jovem, o Trama<br />
Virtual se utiliza de suas paradas de sucesso para encontrar novos talentos a serem<br />
lançados pela própria Trama ou mesmo pelo novo selo Trama Virtual.<br />
O que pode-se identificar de mais importante em comum entre essas várias<br />
facetas da distribuição virtual de música independente é a ausência de qualquer critério<br />
superior. O que faz as bandas entrarem nas “paradas” de qualquer um desses sites é o<br />
número de acessos ou nota, dados pelos ouvintes.<br />
Essas bandas de gravadoras virtuais não ganham apenas notoriedade na rede,<br />
com blogs, fotologs, site, fórum com muitos acessos; mas ganham também público<br />
no mundo real, indo a shows e já conhecendo as músicas que baixaram no site, assim<br />
como as informações de cada músico, os interesses, e muitas vezes já são até amigos do<br />
vocalista no orkut.<br />
Agora, qualquer um é músico, tem site e pode pôr o mp3 que gravou no<br />
computador durante um ensaio. Muita música independente que não tinha muito por<br />
onde começar ganha incentivo com esse espaço virtual que surge.<br />
32 33
Indústria Fonográfica<br />
A indústria fonográfica pode ser isolada em quatro gravadoras conhecidas como<br />
“majors” ou “Big 4”: Warner Bros., Sony BMG, EMI e Universal Records. Essas<br />
gravadoras comandam o mercado de música de massa, vendendo milhões de cópias de<br />
cada álbum, ou seja, por dependerem de vendas, são as mais afetadas pela pirataria virtual.<br />
Nesse contexto, surge a iTunes Music Store, vendendo música a US$ 0,99 por<br />
faixa, via cartão de crédito ou cartão pré-pago. Ela não só oferece música das Big 4,<br />
como também de um grande número de artistas independentes. Os arquivos vêm no<br />
formato AAC, que é uma evolução do mp3 que apenas o iPod lê. Além dessa limitação<br />
de formato de arquivo, porém de fácil conversão pelo próprio iTunes, as músicas da<br />
iTMS vêm com Digital Rights Management, o polêmico DRM. No caso das faixas<br />
compradas na iTMS, há um limite de 7 Cds gravados e 5 computadores diferentes.<br />
Alternativas à iTunes Music Store são a eMusic, distribuidora de música<br />
independente com preço bem mais baixo (US$ 0,25 por faixa) e livre de DRM,<br />
e o novo Napster que, após perder os processos que sofreu quando promovia o<br />
À esq. Chico Buarque, hoje<br />
na Biscoito Fino, gravadora<br />
brasileira de médio porte.<br />
Dani Gurgel, Rio, 2005.<br />
Digital Rights Management,<br />
ou DRM, é uma medida das<br />
majors para controlar mídia<br />
digital, limitando o número<br />
de cópias ou gravação do<br />
conteúdo comprado.<br />
35
[Tratore]<br />
Tratore é uma distribuidora brasileira, especializada em música independente. Seu manifesto esclarece<br />
bastante a força atual da música independente no mercado, sem necessidades de grandes gravadoras por trás.<br />
Manifesto Tratore<br />
Você notou como tem ficado mais fácil encontrar discos independentes nas lojas? A Tratore é uma das razões<br />
disto estar acontecendo. Somos uma distribuidora especializada na viabilização e comercialização da produção dos<br />
selos independentes. A Tratore não é uma gravadora e não tem produtos próprios. O que a gente faz é levar os discos<br />
das gravadoras até as lojas perto de você.<br />
Há centenas de selos independentes no país, com um catálogo artisticamente expressivo, mas sem um<br />
número suficiente de títulos para manter uma equipe de vendas com dedicação exclusiva. Aí entra a Tratore com<br />
sua equipe de 16 representantes de vendas atuando em 18 estados brasileiros. Esta equipe é formada por gente que<br />
entende e gosta de música, e que conhece e se relaciona com suas praças com credibilidade e agilidade.<br />
A produção independente superou a fase “alternativa” para se colocar hoje como uma força real no mercado,<br />
ambicionando fatias cada vez maiores e artisticamente mais importantes na comercialização de CDs e DVDs. A Tratore<br />
é o meio-de-campo nessa ofensiva.<br />
A Tratore vende apenas para lojas de CDs; não vendemos para o consumidor final. Mas se você está procurando<br />
um disco, é facil descobrir onde ele está à venda, basta clicar no botão “Onde encontrar este CD”. Você também pode<br />
se cadastrar clicando no botão “Cadastre-se” para receber notícias de lançamentos e promoções da Tratore. Se você é<br />
lojista, entre em contato com a Tratore, clicando no botão “Contato”.<br />
compartilhamento p2p, se tornou uma espécie de loja de mp3 por assinatura, na qual<br />
pode-se pagar uma taxa mensal para ouvir a música que quiser, mas paga-se adicional<br />
para gravar um CD.<br />
Frente a tanto controle (ou falta de) pelas gravadoras majors, parece ser uma<br />
tendência global a migração dos artistas para selos independentes, e a criação de selos<br />
próprios pelos artistas e músicos. Para o músico emergente, cada CD é um cartão de<br />
visita que custa aproximadamente R$ 5,00 para ser prensado com encarte, fotos, arte,<br />
etc. pelo canal totalmente independente. Um selo de música instrumental paulistano<br />
que paga pela produção do disco (menos a gravação), vende esse CD ao músico por R$<br />
7,00. Já uma gravadora de música brasileira de médio porte, vende para seu próprio<br />
artista a R$ 20,00.<br />
O músico dá muito disco para se divulgar, ou seja, quanto mais barato ele fôr<br />
para o músico, melhor; e é aqui que o mp3, grátis, ganha seu público. Fora artistas<br />
milionários, quem perde dinheiro se o CD não vende é a gravadora, e não o músico.<br />
Surgem, consequentemente, hoje em dia, diversos selos de música<br />
independente, preocupados em distribuir essa música sem tomar nenhum vínculo<br />
com a produção do disco, como The Orchard, distribuidora de música independente<br />
com base em Nova York, focada na distribuição de música para lojas online de<br />
música, como a eMusic. No Brasil, duas grandes representantes desse público são a<br />
Tratore e a Distribuidora Independente, a segunda mantida pela Trama, sem qualquer<br />
vínculo com o catálogo da gravadora.<br />
36 37
Ao Vivo no estúdio<br />
A fácil manipulação do áudio digital através de softwares como o ProTools,<br />
que quantiza qualquer som no lugar certo, dá a possibilidade de se mexer onde se se<br />
desejar, e mesmo afinar automaticamente qualquer cantor ruim. Vem surgindo, entre os<br />
músicos, um movimento de gravações “ao vivo no estúdio”. Ou seja, sem overdubbing<br />
(gravar um pedaço em cima do outro para corrigir, ou gravar os instrumentos<br />
separados), sem emendas e sem retoques.<br />
A gravação ao vivo no estúdio surge então como uma grande estratégia da música<br />
instrumental e jazz especialmente, para diferenciá-los da música pop, apesar de ter<br />
adeptos na divisa entre os dois, como a Maria Rita. Um grande músico adepto dessa<br />
filosofia é o Chick Corea.<br />
Aqui é levada ao extremo a filosofia do “quem sabe faz ao vivo”. Para diferenciarse<br />
dos artistas que pouco se esforçam em fazer direito pois podem consertar depois,<br />
esses músicos fazem questão de mostrar sua música original, mesmo que traga alguns<br />
erros que fizeram parte da emoção da gravação naquele momento.<br />
À esq. Tó Brandileone.<br />
Dani Gurgel, Estúdio Arsis,<br />
São Paulo, 2006.<br />
39
[Chick Corea - Origin]<br />
“Sobre a gravação:<br />
Todas estas faixas foram<br />
gravadas no meu estúdio/sala de estar.<br />
A gravação durou quatro dias,<br />
e a mixagem, três. Não usamos fones<br />
de ouvido, monitores ou isoladores<br />
acústicos. Não houve edição ou<br />
consertos. O único overdubbing foi<br />
minha marimba em ‘L.A. Scenes’<br />
e as palmas minhas e do Jeff em<br />
‘Little Flamenco’. Todos os takes são<br />
completos do início ao fim.<br />
O som foi gravado em um<br />
Tascam DA-98 e um DA-38 usando<br />
conversores Apogee AD8000. Os<br />
microfones foram amplificados por pre-amplificadores Neve 1073 e 1081.<br />
Os seguintes microfones foram utilizados na gravação: AKG VR12s no piano e bateria; AKG 414s na marimba;<br />
um Neumann M49 para Steve Davis; e um Telefonken 251 para Bob Sheppard.”<br />
40 41<br />
[Maria Rita]<br />
“Essas canções<br />
foram todas ensaiadas<br />
e gravadas ao vivo<br />
no estúdio Toca do<br />
Bandido, no Rio de<br />
Janeiro, nos meses de<br />
junho e julho de 2005,<br />
com a intenção de<br />
captar a emoção dos<br />
músicos envolvidos.<br />
Foram mixadas<br />
posteriormente, sem<br />
emendas ou consertos,<br />
por Alvaro Alencar<br />
também na Toca.”<br />
Abaixo. Gravação do disco de<br />
Tó Brandileone com o Triálogo.<br />
Dani Gurgel, Estúdio Arsis,<br />
São Paulo, 2006.
fotografia<br />
43
Fotografia Digital<br />
Não é de hoje o esforço de vendas de câmeras fotográficas para o público amador.<br />
Mesmo no ápice da fotografia analógica, com pequenas câmeras compactas, câmeras<br />
descartáveis, revelações 1h e até o APS (Advanced Photo System), sistema com menor<br />
qualidade mas melhor organização dos negativos e cópias; o mercado da fotografia já<br />
sabia que esse consumidor era importante.<br />
É não só impossível como hipócrita, então, dizer que o digital popularizou a<br />
fotografia. Não só as câmeras digitais compactas são muito parecidas com as analógicas,<br />
mas igualmente é seu propósito, o que fica muito claro nos anúncios das mesmas.<br />
Em ambos os casos, é mostrada uma câmera que faz tudo para você, que faz sua foto<br />
parecer profissional.<br />
As câmeras digitais amadoras têm diversas vantagens técnicas sobre as compactas<br />
analógicas, que tinham obturador fixo e lentes de pior qualidade, as digitais produzindo<br />
então imagens muito mais nítidas e agradáveis. Elas deixaram de ser apenas máquinas<br />
de registrar momentos importantes independente da qualidade, como eram as<br />
P. 42, Dovima with Elephants.<br />
Richard Avedon. Paris, 1955.<br />
À esq., Splash.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
45
[Megapixel]<br />
O sensor (CCD/CMOS) da câmera é formado por pixels aglomerados, assim como o filme é formado por grãos<br />
de sais de prata (AgI, AgCl, AgF). Esses pixels, assim como os grãos, unitariamente, ocupam uma determinada área.<br />
Para que sejam colocados mais pixels/grãos na mesma área total, a área da unidade terá de ser menor. Quanto menor<br />
ela fôr, menos fótons a alcançarão e, portanto, teremos uma imagem menos nítida, mesmo que com mais pontos.<br />
O tamanho médio dessa unidade em backs digitais profissionais é de 9µm (lado do quadrado), tamanho pixel do<br />
PhaseOne P25. Uma Canon EOS 20D, uma DSLR 35mm profissional, tem 6.4 µm. Uma Cybershot comum tem 2.7µm,<br />
pois ela tem de acomodar seus pixels numa área bem menor de sensor.<br />
Ou seja, em câmeras amadoras, mesmo que o tamanho da imagem seja alto em megapixels, a qualidade da<br />
imagem é muito abaixo das profissionais em ruído, nitidez, cor, etc.<br />
Não sabendo disso, o público é levado a idolatrar o megapixel como medida absoluta de potência de uma<br />
câmera digital. É como argumentar que um carro 1.8 é mais forte que um 1.6 sem saber válvulas, combustível,<br />
torque, etc.; similar a pagar mais por uma lente Carl Zeiss, que é de altíssima qualidade, porém de nada serve se o<br />
sensor da Cybershot capta uma imagem pior do que a outra lente, algo como instalar NOS no seu BR800.<br />
[Digitais e analógicas]<br />
Em um público já familiarizado com a fotografia analógica, as câmeras digitais compactas trazem uma nova<br />
liberdade, por não terem custo de filme e revelação, mostrarem a foto na hora no lcd, terem maior facilidade de<br />
edição no computador, etc. Esse público ganha agilidade e a possibilidade de fazer a foto de novo até ficar boa: podese<br />
tirar duzentas fotos para escolher apenas uma, já que não custa nada. Assim, o amador que antes não se arriscava a<br />
mais do que registrar seus amigos numa mesa de bar, toma liberdade para fotografar também a bolacha do chopp, os<br />
pés debaixo da mesa, e outras cenas interessantes com as quais não gastaria filme antigamente.<br />
É claro esse clima no anúncio abaixo [esq.] da Sony Cybershot, “Don’t think. Shoot.” (Não pense, clique.). Não é<br />
novidade, porém, comparado com o anúncio da Polaroid de 1961 [dir.]. A grande diferença é o preço da foto – zero no<br />
digital–, que incentiva o usuário a clicar muito mais, ganhando assim, pela quantidade, fotos melhores.<br />
À esq. anúncio da Sony<br />
Cybershot, de 2005.<br />
São acusados de ter copiado o<br />
slogan “Don’t think. Just shoot.”<br />
analógicas. Para isso, temos agora os telefones celulares, que chegam como câmeras<br />
[abaixo] da Lomo, marca de<br />
assumidamente ruins, com a intenção de produzir imagens pequenas o suficiente para<br />
câmeras analógicas, populares<br />
trocar via SMS e dividir uma sensação instantaneamente.<br />
entre defensores do filme.<br />
A fotografia feita em telefones celulares, hoje, assume o espaço da foto que serve<br />
apenas para registrar algo interessante, dividir uma piada com alguém, mostrar algo de<br />
importante naquele minuto. É uma câmera no bolso em qualquer momento.<br />
Já a câmera amadora, acompanhada de um desejo por mais megapixels,<br />
estabelece-se como um canal de expressão de novos fotógrafos. Hoje todos são<br />
especialistas no assunto fotografia, julgando tudo e todos baseando-se em megapixels.<br />
Assim como no caso dos mp3 players, a fotografia digital traz um fetichismo por<br />
www.lomography.com<br />
megapixels, na mesma “cultura do mais” contraditória, sem perceber que, quanto mais<br />
À dir., anúncio da Polaroid<br />
megapixels uma câmera compacta tiver, provavelmente menos nítida será sua imagem,<br />
assim como, quanto mais músicas se conseguir colocar dentro de um iPod, menor terá<br />
de 1961.<br />
46 de ser sua qualidade.<br />
47
Fotologs<br />
Os fotologs e serviços similares se instalaram como o canal de expressão dos<br />
fotógrafos amadores caracterizados anteriormente. Não só para colocar as fotos da<br />
viagem para os amigos, os fotologs possibilitam o compartilhamento com os outros<br />
das fotos do pé com um enquadramento interessante, um retrato bonito do seu irmão,<br />
ou mesmo o cachorro tirando uma soneca. Num fotolog, o indivíduo se assume como<br />
fotógrafo, mesmo que amador, e se torna parte de comunidades, fazendo amigos e<br />
contatos, deixando disponível seu perfil e suas fotos numa homepage de fácil utilização<br />
assim como as gravadoras virtuais.<br />
Além dos já previsíveis comentários que podem ser feitos em suas fotos,<br />
outros serviços como o Flickr permitem “notes”, comentários em seleções feitas<br />
sobre a imagem [esq.]. O Flickr, especialmente, estimula a nomeação de tags para<br />
cada foto, como palavras-chave que serão usadas para identificar essas fotos em<br />
buscas, ao relacionar fotos entre si, ou mesmo para identificar o que interessa<br />
dentro das fotos de outro usuário.<br />
À esquerda, screenshot de<br />
uma página do Flickr, serviço<br />
de compartilhamento de<br />
imagens via internet.<br />
www.flickr.com<br />
©2006 Simone Merli<br />
49
Os fotologs criam uma comunidade virtual de troca de fotos, dividindo suas<br />
experiências, dicas e técnicas com quem se interessa por seu trabalho e por sua vida.<br />
No Flickr, por exemplo, com search e tags, é muito fácil achar as fotos de um show<br />
da véspera, de alguém que estava sentado na primeira fileira. Seja para quem perdeu<br />
o show e quer ver como foi ou para quem estava lá e quer mostrar para algum outro<br />
amigo, logo nos dias seguintes, a foto estará disponível para download; direto de um<br />
celular, de uma câmera amadora ou no site do fotógrafo que lá estava cobrindo o show<br />
para alguma revista.<br />
[Creative Commons]<br />
A organização Creative Commons traz uma nova abordagem do compartilhamento de informação pela<br />
internet usando o conceito de “alguns direitos reservados”.<br />
“Licenças Creative Commons proporcionam um leque flexível de proteções e liberdades para autores, artistas<br />
e educadores. Construímos sobre o conceito tradicional de ‘todos os direitos reservados’ a possibilidade de se oferecer<br />
voluntariamente uma obra com ‘alguns direitos reservados’. Somos uma organização sem fins comerciais. Todas as<br />
nossas ferramentas são grátis.”<br />
Atribuindo uma das licenças de uso fornecidas pelo Creative Commons, é possível liberar seu trabalho para<br />
obter divulgação do seu nome e proibir que ele seja modificado ou usado para fins comerciais, por exemplo. É aberta<br />
uma rede de trocas na qual é respeitado o trabalho do outro, dentro dos limites por ele estipulados.<br />
Este trabalho é licenciado pelo Creative Commons, com uma licença de uso não comercial, sem alterações<br />
e citando nome autor. Ela está transcrita nas últimas páginas e nos metadados da versão pdf. Isso possibilita, por<br />
exemplo, que o arquivo pdf seja copiado e distribuído, e que a versão impressa seja fotocopiada na íntegra, porém<br />
contando com constante citação do nome da autora e sem modificações, em fins não comerciais. Isso não inclui as<br />
imagens, que não podem ser separadas do mesmo, pois são © (todos os direitos reservados).<br />
50 51
Indústria fotográfica<br />
Não só o público amador migrou para o digital. Com o avanço dos backs<br />
digitais e das DSLRs e a adoção de ambos nos estúdios grandes, cada vez mais clientes e<br />
agências se convencem de que é possível ter uma boa imagem digital, e cada vez menos<br />
exigem que os trabalhos sejam feitos em filme. O cromo é material cada vez mais raro<br />
no mercado desde que, além de parar a fabricação dos papéis para ampliações em<br />
preto e branco, a Kodak diminuiu violentamente a fabricação e a variedade de filmes<br />
profissionais e cortou sua exportação para o Brasil.<br />
Nos grandes estúdios, a mudança para o digital é apenas funcional. Não muda<br />
a luz, não muda a produção, não muda nem a câmera, o assistente apenas troca o<br />
chassi (back) de filme da Hasselblad (ou da 4x5) por um back digital de 39 Mp. A<br />
produção inteira da foto é igual. O que muda é que, depois de clicar, pula-se a etapa do<br />
laboratório e do scan, mas a imagem chega digitalizada na agência da mesma maneira<br />
que chegava antes, direto do bureau. O filme e a revelação, apesar de caros, ficam<br />
abaixo de aluguel de luz, cachê de modelos e diversos outros custos. A foto digital não<br />
À esquerda,<br />
Jean Baptiste Mondino.<br />
In: Mondino Two.<br />
Schirmer/Mosel, 2003.<br />
53
Os tamanhos de filmes não<br />
são medidos em unidades<br />
regulares. O filme 135mm<br />
é o que conhecemos das<br />
câmeras amadoras. As DSLRs<br />
são as versões digitais das<br />
câmeras reflex 135mm. Já o<br />
120mm, conhecido como<br />
médio formato, é mais<br />
largo (6cm), acomodando<br />
imagens maiores em diversas<br />
proporções: 6x4,5; 6x6; 6x7.<br />
Grande formato é fotografado<br />
em chapas únicas, de 4x5”<br />
5x7” e 8x10”. Backs digitais<br />
encaixam nas câmeras de<br />
médio e grande formato, no<br />
mesmo lugar do filme.<br />
barateia muito a foto profissional de grande escala, pelo menos não o suficiente para<br />
baixar o preço para o cliente, já que o que antes era gasto em filmes e revelação hoje é<br />
gasto para pagar as parcelas do back.<br />
Em estúdios menores, com menos superproduções, o filme era,<br />
proporcionalmente, mais caro. O digital barateia bastante esse mercado e pode levar a<br />
duas soluções: a foto fica mais barata para facilitar a inclusão do fotógrafo no mercado<br />
e oferecimento de vantagens ao cliente, ou o preço é mantido para que o fotógrafo<br />
invista em equipamento. Aqui depende do tamanho do mercado e, respectivamente, do<br />
posicionamento desse fotógrafo.<br />
Assim, surge uma nova classe de fotógrafos, que vêm para competir em<br />
orçamentos com os estúdios menores. São fotógrafos que, sem o digital, não se<br />
sustentam, e o preço do clique não inclui nem seu investimento na câmera. Os poucos<br />
que sobrevivem apenas com fotografia fazem enorme quantidade, com qualidade muito<br />
baixa. A grande maioria está fazendo um bico com a câmera que ganhou de presente,<br />
ou um favor para algum amigo.<br />
A fixação do cliente, invariavelmente um fotógrafo amador, por megapixels, cria<br />
um status quantitativo de fotografia, julgando o fotógrafo em megapixels e não pelo<br />
seu trabalho. Frases como “Pra quê eu preciso de um fotógrafo profissional se o meu tio<br />
[Megapixels]<br />
comprou uma Cybershot de 8Mp? A câmera dele é uma de 8Mp também.” se tornam<br />
corriqueiras e complicam a vida dos estúdios menores.<br />
Ou seja, com o digital, o fotógrafo profissional de clientes e produções grandes<br />
mantém seu trabalho, assim como os estúdios menores barateiam seu custo e podem<br />
investir o restante do orçamento na produção e luz. O fotógrafo amador sobe muito a<br />
qualidade, comparativamente. E surge um amador-chic, deslumbrado pelo aumento<br />
da qualidade de suas fotos no digital e tentando ganhar dinheiro com isso. Temos<br />
melhores fotos de aniversários e viagens, mas piores fotos de clientes pequenos.<br />
Neste contexto também existe um fetiche por megapixels similar ao do amador. Dentro dos estúdios<br />
que atendem grandes agências e clientes, houve sempre uma preocupação pela qualidade do cromo final, para<br />
possibilitar grandes ampliações sem perda de qualidade. Isso também dependia do scan desse cromo que, acima de<br />
uma certa definição, já começava a trazer muito ruído.<br />
Uma imagem de 22Mp já era maior do que um scan com pouco ruído de um cromo 120mm (6x4,5).<br />
A de 33Mp tem o tamanho de um 4x5 e vem com mais nitidez (que é perdida no scan). Com o back de 39Mp,<br />
pode-se fazer 3 cliques paralelos numa câmera de grande formato (4x5) e obter-se uma imagem de 87Mp, com<br />
1,40m@300ppi no maior lado. E já foi anunciado o back de 54Mp pela Phase One. Fica a pergunta: para o quê?<br />
54 55
Manipulação<br />
A manipulação de imagens acompanha a fotografia desde os seus primórdios.<br />
George Hurrell, fotógrafo que retratava os artistas da MGM na década de 1930,<br />
retocava seus negativos com grafite para que suas fotografias, especialmente as de<br />
mulheres, tivessem aquela pele limpa e aveludada. A técnica do retoque do negativo<br />
data de 1855, segundo Boris Kossoy 2 .<br />
Nos anos 70 e 80, um marco de interferências na fotografia é a dupla francesa<br />
Pierre et Gilles, que marcou seu trabalho com fotografias feitas por Pierre Commoy,<br />
depois pintadas, retocadas e alteradas por Gilles Blanchard.<br />
Mesmo em meios menos artísticos, mais comerciais, a fotomontagem antecedeu<br />
a manipulação digital na forma de fusão de cromos, composições de imagens recortadas,<br />
retocadas com lápis, e posteriormente reproduzidas em um único fotograma.<br />
Os softwares de manipulação digital de imagens, hoje em dia, não trazem<br />
grandes revoluções na maneira de se manipular a fotografia, já que retoques de pele já<br />
eram feitos nos anos 30 por George Hurrell com as celebridades da MGM. O Photoshop,<br />
À esquerda,<br />
Marlene Dietrich.<br />
George Hurrell, 1937.<br />
2. KOSSOY, Boris.<br />
Fotografia e História.<br />
Ateliê Editorial, 2001.<br />
57
3. KOSSOY, Boris. Op. Cit.<br />
À dir., Funky Junky.<br />
Piere et Gilles, 1979.<br />
Fotografia pintada à mão,<br />
peça única.<br />
portanto, potencializa o que já era feito a ponto de criar um mundo novo, com uma nova<br />
linguagem de imagem. Assim como o mp3 apenas potencializa a probabilidade inata de<br />
um ouvinte saber cantarolar apenas a ária do Barbeiro de Sevilha.<br />
A mulher manipulada não se compara à mulher real, e sim às outras manipuladas;<br />
assim como as fotos de carros feitas em vinte cromos/cliques também não se comparam<br />
aos carros feitos com o maior número de truques possíveis em uma foto só. É um novo<br />
mundo que não faz parte do mundo real.<br />
”Uma nova realidade era criada nesta ‘cirurgia’ fotográfica e, de fato, seria esta a<br />
prevalecer após a morte do modelo referente: a realidade do documento fotográfico.” 3<br />
A música pop usa muito da manipulação, porque cabe em seu orçamento e<br />
faz parte de sua linguagem. Outros tipos de música, como o Jazz, a MPB, são menos<br />
condizentes com isso por terem menos manipulação na música propriamente dita. É<br />
perfeitamente aceitável ter a capa do álbum composta por várias fotos montadas, se as<br />
músicas foram gravadas em vários takes.<br />
[HDR e Digital Painting]<br />
High Dynamic Range, técnica explorada mais por amadores do que no mundo profissional, que consiste em<br />
fazer ao menos três exposições da mesma foto: uma “correta”, uma dois pontos mais escura e outra dois pontos mais<br />
clara. Essas imagens são submetidas a um programa que seleciona áreas de cada clique e junta em uma imagem só,<br />
para produzir uma fotografia que se assemelha mais a uma pintura. O Photoshop CS2 já conta com essa ferramenta.<br />
Digital painting é outra linguagem que usa programas vetoriais e de imagem para construir uma imagem a<br />
partir do zero, sem fotos como base. A imagem de Chicago a seguir, de Bert Monroy, foi construída em 2006 para a<br />
convenção Photoshop World, usando apenas Adobe Illustrator e Adobe Photoshop.<br />
Laurence Whitmore.<br />
58 59<br />
À esq. HDR,<br />
de Deogee. .<br />
À dir. The Pier, de<br />
Abaixo, digital painting<br />
Damen, ©2006 Bert Monroy.<br />
http://www.bertmonroy.com
À esquerda, as várias imagens<br />
diferentes da garrafa, para<br />
serem fundidas na imagem<br />
final, à direita.<br />
Imagens gentilmente cedidas<br />
por Leandro Galan<br />
[Galan Megapixel].<br />
61
fotografia de música<br />
63
A capa do disco<br />
Em tempos não tão remotos, antes da explosão da Internet, os meios de acesso à<br />
imagem de um artista eram muito mais limitados. Além do material oficial, esse artista<br />
poderia ser visto em revistas e programas de televisão nos quais, mesmo que não fosse<br />
usado o material do disco, a imagem era (e ainda é) relativamente controlada, tanto<br />
pelo artista como pelo veículo.<br />
Nesse contexto, a capa se torna o meio mais importante de fixação da imagem<br />
do artista e, assim, a sua referência mais forte era a capa do seu último álbum ou de<br />
algum que fosse considerado o seu mais importante, e da mesma maneira o material de<br />
divulgação do mesmo, usado em shows e ponto de venda.<br />
O baixista Jaco Pastorius, por exemplo, tem em seu disco homônimo [esq.]<br />
sua referência mais forte, mesmo sendo seu primeiro disco solo, tendo depois<br />
tido cabelos e estilo diferentes. Apesar da vida curta, o músico teve muitos anos<br />
de trabalho, com grupos e projetos diferentes, mas essa capa é, até hoje, a maior<br />
referência de sua imagem.<br />
P. 62, Miles Davis,<br />
Anton Corbjin.<br />
Montreal, 1981.<br />
À esq., disco homônimo do<br />
baixista Jaco Pastorius, de 1976.<br />
65
Acima, capa do disco “The<br />
Way Up”, do Pat Metheny<br />
Group, 2005. À direita, o site<br />
do grupo, que segue a mesma<br />
identidade visual.<br />
Levando a capa como referência mais importante do artista, todo o seu material<br />
segue o novo disco. Tudo é baseado na capa do disco, e os retratos oficiais que saem na<br />
imprensa são da sessão que compõe a capa e encarte do disco. A capa dá o tom para<br />
todo o material do artista até sair um disco novo.<br />
Um exemplo interessante disso é o Pat Metheny Group, que tem seu novo site<br />
baseado no tema do disco.<br />
66 67
Por quê<br />
Quem contrata<br />
Alguns retratos são pedidos pelas revistas, que mandam seus fotógrafos, para<br />
obterem uma imagem dentro do contexto daquela matéria. Esses retratos não têm a<br />
cara do artista, e sim da reportagem, quando bem realizados.<br />
Quando um artista dá uma entrevista, ele pode ser fotografado durante a mesma ou<br />
mandar uma foto de divulgação. A foto que ele manda é fria [a seguir, esq.]. É altamente<br />
relacionada a ele, ao seu trabalho, mas não transmite o clima daquela entrevista. A foto<br />
tirada durante a conversa é quente [a seguir, dir.], mostra o que estava acontecendo ali<br />
enquanto ele era entrevistado (talvez até apareça falando, gesticulando) e fica mais informal<br />
e próxima do leitor. Tira a aura da foto de divulgação e desce o artista do patamar daquela<br />
foto produzida e pensada para mostrá-lo da maneira que ele quer.<br />
À esq., Chico Buarque.<br />
Dani Gurgel, RJ, 2005.<br />
69
Revista Jazz+,<br />
Editora Dexter,<br />
Ano 1, nº 5, 2004.<br />
Revista Jazz+,<br />
Editora Dexter,<br />
Ano 2, nº 10, 2005.<br />
70 71
Da esq. para a dir.,<br />
Vinicius Calderoni nas primeiras<br />
três músicas permitidas à imprensa.<br />
Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
Vinicius Calderoni no final do<br />
show. Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
À dir., Tony Bennet e Ralph<br />
Sharon. Annie Leibovitz,<br />
San Francisco, 2001.<br />
Outra situação em que é pedido um retrato de um artista é para a capa de um<br />
álbum. Teoricamente, esse retrato traz a imagem do artista como ele próprio vê. Se<br />
fôr um artista com gravadora, há uma grande chance de ela usar de seu poder sobre<br />
o artista e fazê-lo ficar com aparência vendável e não a sua própria. Já um artista<br />
independente ou com maior liberdade da parte da gravadora, tem muito menos limites<br />
de linguagem e talvez de verba para as fotos. Esse artista discute as fotos, e comanda o<br />
clima do resultado.<br />
O músico raramente contrata um fotógrafo pra fazer uma sessão de divulgação<br />
genérica. Geralmente porque não tem dinheiro além da verba do disco, ou porque<br />
o que será mais veiculado sobre ele na mídia vai ser o próprio, ou mesmo porque ele<br />
recentemente fez uma sessão para o disco anterior e acredita que seria desperdício de<br />
dinheiro. A história do músico, portanto, é contada pelas capas dos seus discos.<br />
Na cobertura de shows a imprensa é limitada, geralmente a apenas as três<br />
primeiras músicas, mas os fotógrafos autorizados pela produção costumam ser liberados<br />
dessa regra. O fotógrafo sobre o qual o músico tem controle tem mais liberdade de<br />
fotografar, pois ele sabe que, depois da terceira música, se ele cometer alguma gafe, as<br />
fotos daquilo são suas e não serão veiculadas no Caderno 2 no dia seguinte.<br />
72 73
4. SONTAG, Susan. Sobre<br />
Fotografia. Cia. das Letras,<br />
2004. P. 132.<br />
Quem fotografa<br />
Os fotógrafos das revistas, muitas vezes free-lancers, costumam ser contratados<br />
de acordo com a sua afinidade perante o tema. Se a revista vai falar de música celta,<br />
mesmo sendo um sambista o entrevistado e retratado, a foto deve ter elementos de<br />
música celta além do samba, e o fotógrafo tem que entender de ambos.<br />
Se o fotógrafo entende de música, os shows fotografados por ele têm uma linguagem<br />
diferente, pois, de fato, ele entende o que está acontecendo e, portanto, o quê daquilo é<br />
importante para ser registrado. Os retratos dizem mais sobre o músico e sua música porque<br />
o fotógrafo traduz melhor os elementos da música do retratado em imagens.<br />
Na foto de Annie Leibovitz [página anterior], não é feita apenas uma foto bonita,<br />
é uma foto com conteúdo.<br />
Já um terceiro fotógrafo, que entende de música, e especialmente daquele músico,<br />
faz um trabalho muito mais quente. A relação do fotógrafo com o músico dá mais idéias,<br />
ele fica mais à vontade para dirigir o músico e sabe o que quer dizer naquele momento,<br />
como dizia Nadar: “os retratos que faço melhor são das pessoas que conheço melhor” 4 .<br />
O fotógrafo que acompanha a banda conhece os trejeitos e as músicas. Ele sabe<br />
quando e como é melhor fotografar os músicos, conhece as partes interessantes de cada<br />
um na música, sabe quando cada um vai solar. Conhece cada integrante, sabe o que<br />
ele espera das fotos e sabe o quê dele quer mostrar para o público. Esta foto, além de<br />
conteúdo, traz dentro dela indivíduos [dir.].<br />
Quem consome<br />
O mesmo acontece com o cliente. Quando compra o álbum, essa pessoa quer<br />
uma representação visual do que está ouvindo. Para o cliente/ouvinte, a foto ilustra o<br />
artista/músico, pois precisa ver o rosto do músico para ter uma imagem do som que vai<br />
ouvir. Por esse motivo, a foto deve ser condizente com o som.<br />
“Assim como as fotos dão às pessoas a posse imaginaria de um passado irreal,<br />
também as ajudam a tomar posse de um espaço em que se acham inseguras.” 6<br />
Já o fã tem uma abordagem um pouco diferente da foto de seu ídolo. O fã quer<br />
ter um pedaço do músico com ele, pois aumenta a experiência da música. As fotos para<br />
ele são talismânicas, praticamente indulgências. Mostram um mundo possível.<br />
“Fotografar pessoas é violá-las, ao vê-las como elas nunca se vêem, ao ter delas<br />
um conhecimento que elas nunca podem ter; transforma as pessoas em objetos que<br />
podem ser simbolicamente possuídos. Assim como a câmera é uma sublimação da<br />
arma, fotografar alguém é um assassinato sublimado – um assassinato branco, adequado<br />
a uma época triste e assustada.” 7 “Todos esses usos talismãnicos das fotos exprimem<br />
uma emoção sentimental e um sentimento implicitamente mágico: são tentativas de<br />
contatar ou pleitear outra realidade.” 8<br />
Esse fã chega do show e faz download das fotos em fotologs de amigos, busca em<br />
sites de notícias o que aconteceu, tem pôsteres no quarto, disco original, wallpaper no<br />
computador e no celular; ele insere as imagens do seu ídolo em sua vida. É um pedaço<br />
do artista que ele conseguiu para si.<br />
6. SONTAG, Susan.<br />
Op. Cit. P. 19.<br />
7. SONTAG, Susan.<br />
Op. Cit. P. 25.<br />
8. SONTAG, Susan.<br />
Op. Cit. P. 27.<br />
Abaixo, Chico Pinheiro e banda.<br />
Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
Em todos os seus usos, a fotografia de música põe uma imagem em uma<br />
experiência especialmente sonora. A imprensa ilustra o músico pra quem não o<br />
conhece, traduz aquela música em uma imagem de mais fácil absorção pelo público.<br />
“A fotografia é apresentada como uma forma de conhecer sem conhecer: um modo de<br />
74 ludibriar o mundo, em lugar de lançar contra ele um ataque frontal.” 75<br />
5<br />
5. SONTAG, Susan.<br />
Op. Cit. P. 133.
novo mundo<br />
77
Que diferença faz a foto ser digital?<br />
Na indústria fotográfica de grande porte, é fácil concluir que a mudança não é<br />
estrutural nem reflete no usuário final. É apenas uma pequena troca conjuntural no<br />
processo fotográfico.<br />
Porém, para o fotógrafo amador, há uma revolução na maneira de enxergar a<br />
fotografia, e em sua importância na vida de cada um. Com as câmeras digitais no bolso<br />
em qualquer momento, tudo é motivo para uma boa foto. Os fotologs são o canal de<br />
expressão desses novos produtores de imagens, trazendo tanto registros de festas como<br />
trabalhos autorais.<br />
Ter uma câmera na mão é a possibilidade de registrar tudo o que se está vivendo<br />
para mostrar para os amigos depois, e provar que estava lá. Dividir esse momento com<br />
os outros acaba sendo mais importante do que viver o momento em si.<br />
Surgem, nesse contexto, os auto-retratistas de fotolog, pessoas que tiram fotos<br />
de si mesmos e divulgam parte da sua vida em seu espaço. Essas pessoas não podem<br />
ser confundidas com malucos pornográficos ou fotógrafos frustrados: são pessoas que<br />
P. 76, Banca.<br />
Dani Gurgel, SP, 2004.<br />
À esq., Diego de 4x5.<br />
Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
79
Marimoon, em seu Flickr:<br />
www.flickr.com/marimoon/<br />
e Marimoon em seu Fotolog:<br />
www.fotolog.net/marimoon/<br />
abrem a sua vida na internet através de imagens, assim como os escritores de blogs<br />
pessoais o fazem com seus textos. Esses fotologgers podem ter fãs, serem populares no<br />
mundo virtual e até gerarem renda como no caso da original Jennifer Ringley, que, em<br />
1996, instalou uma webcam no seu dormitório da faculdade e cobrou pelas visitas.<br />
Mari Moon é Mariana de Souza Alves Lima, paulistana de 23 anos com 70 mil<br />
visitas por semana em seu fotolog. Ao contrário do que se pode imaginar, ele não é<br />
povoado com tentativas de vender alguma coisa ou fotos sensuais. São auto-retratos autobiográficos,<br />
com comentários sobre a vida, sobre livros, filmes e momentos que passou.<br />
Sua vida aberta na Internet dá tantos acessos que Mari Moon abriu a Mari Moon Store<br />
(www.marimoon.com.br), na qual vende roupas de sua criação e outros itens.<br />
80 81
Produtores de conteúdo<br />
Ao buscar o nome de um artista em um programa de p2p, além dos álbuns<br />
oficiais do referido, podem ser encontradas diversas gravações piratas de shows,<br />
out-takes 9 e mesmo discos que nunca foram lançados. Os antigos bootlegs tomam<br />
força nesse novo contexto, pois não são mais gravações de difícil acesso em lojas<br />
especializadas, e sim arquivos que podem ser baixados em minutos a partir de qualquer<br />
computador. O vendedor que recomenda novidades pode fazer falta no mercado negro<br />
digital, mas essa função é facilmente cumprida pelos fóruns de discussão, tanto em sites<br />
oficiais de artistas quanto em paralelos.<br />
E, da mesma maneira que qualquer um pode liberar um mp3 bootleg de um<br />
show, pode também colocar uma foto do show em seu fotolog. Hoje os shows são<br />
proibidos de fotografar sem autorização expressa da produção (não que isso seja muito<br />
respeitado). Faz sentido em relação ao flash, mas é também uma estratégia para que<br />
não existam tantas imagens não-oficiais daquele artista: o público está lá para assistir o<br />
show, e não tem autorização para levar aquela imagem para casa.<br />
9. Out-take: versão da faixa que<br />
não foi escolhida para o disco.<br />
À esq., A:.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
83
Abaixo, do Flickr,<br />
Brian Boulos.<br />
À direita, do Flickr,<br />
Roger Cullman.<br />
Os fotologs e o download de mp3 contribuem para a descentralização da<br />
produção de conteúdo, que não é mais exclusividade da divulgação oficial do artista<br />
e da imprensa. Agora todos são produtores de conteúdo e podem mostrar sua própria<br />
visão daquele assunto. Abaixo e à direita, imagens de fotógrafos amadores encontradas<br />
no Flickr, licenciadas via Creative Commons.<br />
84 85
O novo álbum<br />
Mesmo que o CD acabe como suporte, isso não indica o final do álbum<br />
conceitualmente, como trabalho consistente de um músico com uma unidade.<br />
Obviamente o lançamento de singles é bem mais fácil, o que resulta em muito mais<br />
canções órfãs, o que é inclusive condizente à maneira shuffle com que se ouve música<br />
hoje. É tarde demais pra reensinar as pessoas a ouvirem discos inteiros – o artista terá de<br />
se adaptar e fazer vários singles, ou usar de truques como juntar uma música na outra e<br />
fazer uma faixa só.<br />
A organização do conteúdo, sem o suporte do compact disc, pode ser muito mais livre<br />
em sua forma. Não há mais a obrigação de ter aproximadamente uma hora de música, um<br />
álbum pode ter dez minutos ou dez dias, e o número de músicas é livre. As faixas não precisam<br />
ser lançadas de uma só vez, o artista pode fazer trabalhos paralelos, identificando faixas novas<br />
como parte de um determinado álbum, inclusive usando do artwork para essa identificação.<br />
Sem o álbum físico, a função do encarte deve ser cumprida por outros meios,<br />
seja ela a informação sobre o que se está ouvindo ou o fetichismo de possuir material<br />
À esq. Jazz Record Center.<br />
Dani Gurgel, NYC, 2007.<br />
87
original do ídolo. A função explicativa do encarte poderá ser cumprida por uma base<br />
de dados ID3 mais completa e complexa, encartes interativos e artworks maiores, sem<br />
grandes esforços. Como, por exemplo, no screenshot abaixo do iTunes, mostrando<br />
o artwork da capa do disco. Esse espaço pode ser ocupado por uma capa maior,<br />
interativa, e ao lado podem estar disponíveis muito mais informações ID3.<br />
88 89
Novo artista, novo músico e novas bandas<br />
É muito difícil falar sobre um artista genérico, envolvendo diversos tipos de<br />
figuras diferentes, com propósitos diversos. Uma diferenciação simples e sem pretensões<br />
é dividi-los entre artistas e músicos, sendo o primeiro responsável por um espetáculo,<br />
e o segundo por um concerto. Se o artista, aqui dito, é aquele que se preocupa com a<br />
iluminação, figurino e coreografia, o músico é aquele que se preocupa especialmente<br />
com a música e faz questão de que o resto não interfira no que ele tem para ali<br />
mostrar. Se um gasta com publicidade, jabá e aluguel de casas, o outro é aquele que faz<br />
divulgação de seu trabalho, toca na Rádio USP, e muito provavelmente é atração do<br />
Prata da Casa, no Sesc. Em nenhum momento cabe aqui julgar qualidades desses dois<br />
universos, mas sim dividi-los para uma melhor caracterização de seu desenvolvimento<br />
futuro. Obviamente muitos casos ficarão na divisa entre essas duas possibilidades, mas<br />
também, muito provavelmente, flutuarão entre as duas alternativas aqui apresentadas.<br />
Nesse contexto, o artista pop produz música seriada, não álbuns: vários<br />
singles, às vezes juntos em coletâneas. De uma maneira ou de outra, vai fazer<br />
À esq., Bruno Brasil.<br />
Artista brasileiro<br />
independente, lançando suas<br />
músicas via TramaVirtual.<br />
Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
91
o que o marketing mandar. Os trabalhos terão menos identidade, serão muitas<br />
seus shows de fãs que sabiam todas as suas músicas de cor, sem nunca ter<br />
músicas órfãs.<br />
prensado um CD.<br />
O músico, por sua vez, acaba se encontrando em uma situação mais delicada. Por<br />
Os remixes e samples tomam bastante força nesse novo contexto. Se antes<br />
um lado, ele pode tentar proteger o álbum como unidade de seu trabalho e permitir<br />
tínhamos “Cantaloupe Island”, de Herbie Hancock, transformada pelo US3 em<br />
apenas a venda dele completo em lojas virtuais. Porém, isso pode gerar uma antipatia<br />
“Cantaloop (Flip Fantasia)”, que manteve a composição da música, a melodia, até<br />
com seu público, que desejava comprar apenas uma faixa do disco, e vai acabar fazendo<br />
o solo de trompete original do Freddie Hubbard, e apenas mudou a batida e inseriu<br />
download pirata da mesma. Esse público já enxerga a faixa como unidade de venda de<br />
algumas vozes; hoje temos “Stan” (Eminem) que cita “Thank You” (Dido), usando a<br />
música, e não mais o álbum.<br />
música original como um refrão, sem conexão alguma com o resto da nova.<br />
Quanto mais limitada fôr a compra de música, mais ela será obtida por<br />
Essa volatilidade na criação musical, que pode ser feita por um homem só<br />
download pirata. Sabendo disso, o músico pode liberar suas músicas para download<br />
e muitas referências, toma forma na banda Gorillaz como uma música que pode<br />
em lojas, sem vínculo com o álbum, numa tentativa de diminuir seu tráfego nos<br />
ser criada por um homem, um computador e alguns instrumentos. Apresentada<br />
programas de p2p.<br />
como “uma banda que não existe”, Gorillaz é um marco da gravação faixa-a-faixa<br />
Mesmo com relutâncias, o músico também terá maior facilidade para lançar<br />
(overdubbing), que pode ser feita por uma pessoa só. Não precisamos ir muito longe:<br />
singles, sejam eles teasers do próximo disco ou músicas órfãs. É muito comum ouvir-<br />
André Abujamra também o faz sob o pseudônimo de “Fat Marley”, que surgiu como<br />
se em um show uma música do próximo projeto daquele músico; e seu paralelo na<br />
música gravada, que seria o single na função de teaser, é de muito mais fácil produção<br />
com o digital.<br />
Nesse contexto surgem novas bandas, novos artistas, já adaptados a essa nova<br />
maneira de distribuição da música. Com a liberdade inerente ao lançamento de singles<br />
em mp3, vem um grande incentivo às gravações de bandas que não existem, ou não se<br />
sustentariam por um álbum inteiro. Por exemplo, um duo de artistas em uma única<br />
faixa pode ser lançado muito mais facilmente, sem a produção de um álbum completo.<br />
O álbum de Herbie Hancock, “Possibilities”, por exemplo, que conta com<br />
diversas participações de artistas pop, um ou dois em cada faixa. Se ele quisesse lançar<br />
mais um dueto no ano que vem, nada impediria que fosse “Possibilities” também, se<br />
tudo fosse digital. Se ele quisesse lançar uma faixa por mês, ou apenas duas em vez do<br />
disco inteiro, isso é muito fácil agora: não precisa prensar um novo CD.<br />
Os artistas e músicos que não tem dinheiro para lançar um disco podem<br />
começar disponibilizando alguns mp3 para download, como fazem as bandas de<br />
personagem do filme “Durval Discos” e tomou vida própria.<br />
92 gravadoras virtuais. Cansei de ser sexy e Rock Rockets são bandas que lotaram<br />
93
nova foto de música<br />
95
Fotografia de música no digital<br />
Com o surgimento de novos veículos online de divulgação de cultura, como<br />
Showlivre, Boca-a-boca e Musiconline, vem a demanda por fotógrafos rápidos, digitais<br />
e baratos; para postar as fotos no site pouco depois do show e ter mais acessos, ou<br />
incentivar a compra de ingressos para o show do dia seguinte. Como essa veiculação se<br />
dá na Internet, não há necessidade de imagens muito grandes (3Mp bastam).<br />
A fotografia de música, especialmente de shows, é então povoada por<br />
fotógrafos baratos e de quantidade, que poucas vezes têm a fotografia como ganhapão.<br />
Esse amador-chic atende a esses veículos, também muitas vezes amadores, que<br />
não têm dinheiro nem senso critico para procurar algo melhor: é mais agilidade e<br />
menos qualidade.<br />
Ora, se esse fotógrafo dos veículos online é amador-chic e carrega uma câmera<br />
igual à do fã que está sentado na primeira fileira, nada lhe parece mais justo do que<br />
levantar e fotografar também. Alem dos amadores-chic, os shows são povoados por fãs<br />
fotógrafos que têm como objetivo levar imagens dali para seu fotolog.<br />
P. 94, Gafieira.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
À esq., Lumix, câmera<br />
digital da Panasonic em<br />
parceria com a Leica.<br />
Dani Gurgel, 2007.<br />
97
Já na fotografia profissional, não há grande mudança na linguagem, pois<br />
iluminação, produção, concepção, direção de arte, pesquisa, referência… continuam<br />
as mesmas! É como se apenas mudasse o filme que vai na câmera. A música pop abusa<br />
do retoque, mas não tão mais do que já eram retocados os negativos de George Hurrell,<br />
tiradas as devidas proporções. O artista pop tem de vender sua imagem junto com sua<br />
música, e sua foto é retocada assim como sua voz.<br />
A mudança que marca essa passagem da fotografia de música para o digital é a<br />
transferência de suporte, do físico para o virtual, mas mantendo seu uso e características.<br />
Quarenta anos atrás, uma jovem tinha um caderno de recortes do Roberto Carlos cheio<br />
de notícias, fotos autografadas, ingressos e imagens recortadas de revistas. Dez anos atrás,<br />
sua filha tinha um caderno bastante similar, com o mesmo conteúdo, de alguma banda<br />
como Cidade Negra. Nada tinha de muito diferente entre esses cadernos, mudando<br />
apenas o artista famoso da época. Hoje, sua irmã mais nova tem uma pasta no desktop<br />
com tudo o que já fez download do John Mayer, e essa pasta não é minimamente menos<br />
importante do que os cadernos da mãe e da irmã. Ela tem um ícone especial, backup em<br />
CD e é compartilhada com as amigas em seu disco virtual.<br />
Se, antes, a fotografia de música servia apenas para a capa do disco e suas<br />
aplicações, hoje ela é emancipada, tem um campo muito maior de atuação, muito<br />
mais maneiras de ser usada, seja produzida oficialmente ou não. As diversas mudanças<br />
no suporte possibilitam uma maior variedade, e independência do artista em relação<br />
a investimentos oficiais da gravadora para sua produção, já que os meios para sua<br />
divulgação são muito mais baratos.<br />
98 99
Meios oficiais<br />
Site<br />
Se antes o uso da foto do artista era quase exclusivamente na capa do disco, hoje o<br />
site pode ser considerado o seu meio oficial mais forte. Emancipado do disco, o site não é<br />
um braço do lançamento do mesmo, como outras mídias do artista antes da Internet. O<br />
site está presente o tempo todo, independente de novos trabalhos na sua carreira.<br />
Seja esse site com o tema do disco [Pat Metheny, já citado], um site absolutamente genérico<br />
e sem relação com nenhum trabalho específico [esq.], ou um meio termo, um site genérico com<br />
um hotsite do disco recém lançado [Simoninha, próx. pág.]; esse é um meio livre para o artista,<br />
que pode tratá-lo da maneira que melhor entender, ou que o marketing da gravadora preferir.<br />
O site, agora, mostra um artista exonerado de qualquer ligação obrigatória com<br />
o disco atual, antes causada pelo período único de investimento no seu material, em<br />
À esquerda, capa do site do<br />
baterista Jeff Ballard, com<br />
fotos © Lourdes Delgado.<br />
www.jeffballard.com<br />
101
À dir., hotsite do disco<br />
“Introducing Wilson<br />
Simoninha”, disponível em<br />
www.trama.com.br<br />
épocas de lançamento e divulgação. Hoje, o artista conta com novas mídias que são<br />
mantidas com muito menos investimento, portanto pode manter sua imagem sem um<br />
novo trabalho específico com verba de divulgação.<br />
[Triálogo]<br />
À esq., cartaz de um show,<br />
que também é capa do site<br />
do Triálogo. Abaixo, o disco.<br />
www.trialogo.art.br<br />
O Triálogo, trio de música instrumental brasileira, é um exemplo de grupo que está se libertando dessa obrigação<br />
de ter a capa do disco como referência máxima.Quando questionados sobre a imagem do grupo, os freqüentadores de<br />
shows costumam comentar “aquelas caretas”, imagem inicial do site, e não a bicicleta com três rodas, que é a capa do<br />
disco. Em nenhum momento são mencionadas as fotos do trio, que foram bastante veiculadas na divulgação dos shows.<br />
102 103
Conteúdo pra Download Oficial<br />
Na tentativa de manter um público fiel a seu site, o artista pode disponibilizar<br />
conteúdo pra download (wallpaper, mp3 exclusivo, ringtones), aulas/dicas, acesso<br />
direto a ele (e-mail ou guestbook), loja de colecionáveis, e fórum. Destes, ao menos<br />
que suas novidades sejam mesmo interessantes, como o dia-a-dia de Jamie Cullum na<br />
primeira página do site, a única que traz o público de volta é o fórum, pois ele interage,<br />
fica curioso pra saber se vão responder sua pergunta, faz amigos virtuais com interesse<br />
no mesmo artista e descobre muito do que nunca leria num artigo de revista.<br />
No caso de um fórum, o fã passa a fazer parte da comunidade do artista, mesmo<br />
que ela seja virtual, e obtém respostas dele no seu mesmo patamar. Neste caso, o<br />
público ainda não é produtor de conteúdo, mas é seu requisitor e dá mais valor àquilo<br />
por ser exclusivo e relacionado a si diretamente.<br />
Os downloads exclusivos que podem ser oferecidos pelo artista independem do suporte<br />
- podem ser oferecidos no site, pelo celular, para seu iPod – e, a partir dessa sua virtualidade,<br />
têm o mesmo uso da fotografia que antes desses novos meios. Um papel de parede no desktop<br />
de uma fã tem o mesmo sentido que um pôster na porta de seu armário; e a necessidade da<br />
capa do disco em cima do som é compensada pelo artwork especial que ela tem em seu iPod.<br />
Mesmo o artista aqui ainda sendo o produtor oficial de conteúdo, ele fornece<br />
vídeos exclusivos, partituras para músicos e colecionadores, e fotos não divulgadas que<br />
assumem o papel de novos talismãs daquele fã.<br />
[Fórum Chico Pinheiro]<br />
O fórum do site do Chico Pinheiro não só girou em torno de interessados, músicos e outros curiosos. As<br />
“chiquetetes” acabaram por se tornar um público fiel a todos os shows, inclusive fazendo caravanas, dando opiniões<br />
sobre o repertório e tornando-se amigas dos músicos. Esse público foi muito bem aproveitado quando o fórum<br />
proporcionou um “jogo”, com perguntas não só sobre o Chico mas também sobre outros músicos relacionados e de<br />
influência, que atraiu ainda mais as fãs para os shows.<br />
Artwork e ID3<br />
Abaixo, página inicial do site<br />
A base de dados ID3 que acompanha um arquivo MP3 ainda é muito limitada.<br />
Ela traz informações básicas como artista, álbum, ano, mas deixa de fora muitas<br />
informações da ficha técnica que fazem com que muitos ainda prefiram o CD só por<br />
esse motivo.<br />
Um ID3 de arquivo MP3 poderia trazer, em cada faixa, a ficha técnica completa<br />
com cada músico e seu instrumento (talvez até com link para seu site), local e técnico<br />
de gravação, mixagem, masterização, letra, e mesmo os agradecimentos.<br />
Já o artwork, hoje, é um espaço muito mal aproveitado. Ele pode ser maior,<br />
de Jamie Cullum.<br />
mesmo mantendo suas devidas proporções para não aumentar demais o tamanho do<br />
www.jamiecullum.com<br />
arquivo. No presente momento, o artwork tem a mera função de lembrar quem o vê na<br />
tela do iPod de como é a capa do disco que ele mesmo importou, ou que viu na iTMS<br />
antes de comprar. O artwork não substitui a capa, ele é como uma foto 3x4 dela para<br />
mera referência, como seu RG.<br />
Para cumprir a função de capa, num mundo sem o CD como suporte, o<br />
artwork deveia então ser maior, mostrando a arte/foto inteira, se fazer compreensível<br />
sem referência externa e trazer algo de novo que não haja no CD, como é o caso<br />
dos Tune Books. Ainda experimentais, eles são aplicações que tentam suprir a falta<br />
do disco físico, com animações, jogos e fotos, alem das informações básicas de um<br />
104 encarte de álbum.<br />
105
P.107, imagens do público<br />
disponíveis no Flickr.<br />
Acima, ©2006 André Felipe.<br />
Abaixo, ©2006 Marco (MA).<br />
À extrema direita, ©2006<br />
portfool’s.<br />
À dir., imagens de Walter<br />
Abreu, para o Showlivre, do<br />
show do Daft Punk, no TIM<br />
Festival 2006.<br />
Imprensa<br />
Apesar de que agora a imprensa conte com mais fotógrafos amadores e veicule<br />
majoritariamente através da internet, seu conteúdo continua sendo de cunho oficial,<br />
exceto tablóides e papparazzis. A imprensa continua sendo um meio controlado de<br />
informação, através do qual poucas imagens não-convencionais acabam passando.<br />
Mesmo sendo as imagens produzidas por amadores-chic, a imprensa não terá<br />
fotos daquele público produtor de conteúdo, e sim material oficial ruim. As imagens<br />
serão do ponto de vista da imprensa, em seu lugar determinado, sem as características<br />
das fotos de fãs, como os pedaços de público em quadro.<br />
Por exemplo, no show do Daft Punk, no Tim Festival 2006, em São Paulo e no Rio<br />
de Janeiro, podem-se encontrar diversas fotos do público, assim como cobertura de sites.<br />
Por serem amadoras, essas fotos são quentes, trazem o sentimento de quem estava<br />
ali na platéia assistindo o show. Não importa sua qualidade, sua função é marcar<br />
e compartilhar emoções. Já as fotos de sites, acabam tendo a baixa qualidade das<br />
amadoras, porém frias como registros de imprensa: eles têm pauta.<br />
A imprensa, portanto, mesmo que presente na internet e nas câmeras dos<br />
amadores-chic, continua trazendo conteúdo unilateral, sem interação do público; e<br />
agora, de baixa qualidade.<br />
106 107
Público produtor de conteúdo<br />
Fan Sites<br />
Quando surgiram os sites de fã-clubes, no início da Internet, eles tinham função<br />
única de reproduzir o conteúdo que já existia em sua versão física. Associações eram<br />
feitas online, mas pouco conteúdo era trocado através desse canal, oficial assim como o<br />
site de uma empresa.<br />
Hoje, esses sites são comunidades virtuais de fãs, com fórum, troca de<br />
fotos, FAQ (Frequently Answered Questions - Perguntas Freqüentes) baseado<br />
nas perguntas feitas no próprio site, e novidades exclusivas sobre aquele artista.<br />
Se antes eram espelhos do mundo real, com meras informações para que os fãs<br />
se relacionassem com eles ao vivo, hoje são independentes de qualquer suporte<br />
físico, com muito mais conteúdo e interação.<br />
À esq., Tim Festival.<br />
Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
109
Blogs/Fotologs<br />
“Um modo de atestar a experiência, tirar fotos é também uma forma de recusá-la<br />
– ao limitar a experiência a uma busca do fotogênico, ao converter a experiência em<br />
Em blogs e fotologs, tem-se outro fornecedor de conteúdo. Até aqui era oficial,<br />
uma imagem, um suvenir. Viajar se torna uma estratégia de acumular fotos.”<br />
vindo do artista, imprensa ou um grupo seleto de fãs detentores de conteúdo, e agora<br />
são fotos tiradas por qualquer um, de qualquer maneira. A imagem do músico não é<br />
mais regrada pelas fotos que ele disponibiliza. Se, quando ele era entrevistado, já havia<br />
uma “distorção” dessa imagem ideal, vista pelo fotógrafo da revista, quando um fã põe<br />
uma foto num Flickr, a imagem dele é qualquer uma.<br />
Esse é o mesmo público que mudou com a fotografia digital, que vê esse mundo<br />
de maneira diferente. Colocar uma foto do show no fotolog é dividir com seus amigos<br />
virtuais um pedaço da sua experiência do show – é compartilhar o show que viu, para<br />
mostrar o que gostou dele. Se a foto é boa, se o artista saiu bem, não importa tanto.<br />
Essa foto não é um talismã como uma capa de CD, mas sim como um autógrafo – é a<br />
prova de que ele esteve lá.<br />
O artista será, então, acompanhado por novas fotos sobre as quais ele não<br />
tem controle, que são as fotos dos fãs e fotologs. É uma popularização do poder que<br />
a imprensa tinha de desmitificar um cantor em cima do palco com uma foto que<br />
mostre algo inédito em suas fotos oficiais: agora o mundo inteiro pode fazer isso,<br />
e é muito mais difícil de barrar. Todo o público agora é papparazzi, e não adianta<br />
proibir de fotografar o show, pois vão fazê-lo do mesmo jeito. Informação agora é<br />
para todos e fotografia não deixa de ser informação. E também não adianta tratar mal<br />
o seu público com seguranças arrancando câmeras, já que ele só quer levar um pedaço<br />
do artista para sua casa.<br />
Quando se põe uma foto do show num fotolog, o artista não tem controle<br />
nenhum sobre isso. A imprensa é limitada a fotografar apenas as 3 primeiras músicas,<br />
e só fotógrafos autorizados pela produção têm mais liberdade. Por exemplo, o Ricky<br />
Martin sofreu de acne quando era adolescente e tem o rosto inteiro marcado. Mas<br />
a imprensa concorda em fotografá-lo de longe, ou aturar uma sessão enorme de<br />
maquiagem em qualquer instância. Se um papparazzi tira uma foto dele com espinhas,<br />
110 ele é facilmente comprável. Um fã não.<br />
111<br />
10<br />
10. SONTAG, Susan. Op.<br />
Cit. P. 20<br />
[Jamie Cullum]<br />
No show do Jamie Cullum, o cantor chamou o público para subir ao palco no Bis. Em vez de aproveitarem o<br />
momento em que estavam em cima do palco com ele, as pessoas sacaram seus celulares e câmeras e se esforçaram Abaixo, show do Jamie<br />
ao máximo para tirar uma foto melhor do que a do colega ao lado. A mesma coisa quando ele desceu do palco e Cullum, Setembro de 2006.<br />
andou no meio da platéia. As pessoas não olharam para ele ao vivo. Olharam para ele através do lcd do seu celular. Foto: Luiza Gurgel, com<br />
E nenhum fotógrafo da imprensa tem foto disso, pois eles foram expulsos na terceira música Coicidentemente, na<br />
uma Sony Cybershot<br />
quarta música ele tirou o terno e a gravata, ficando só de camiseta.<br />
escondida na bolsa.
P.113, mesmo show do<br />
Jamie Cullum (p.111).<br />
©2006 /natnatnat/<br />
disponícel no Flickr no dia<br />
seguinte.<br />
À dir., Oasis em São Paulo,<br />
©2006 Ana Carmen.<br />
Disponível no Flickr com<br />
o subtítulo “Todo mundo<br />
fotografa e filma com o celular”.<br />
Nas informações pode-se ver<br />
que foi tirada com um celular<br />
Sony Ericsson K750i.<br />
Celular<br />
No caso do conteúdo oficial, o celular representa uma mera mudança de suporte,<br />
no qual o público pode fazer download da foto de seu artista desejado. Já o celular<br />
com câmera, na mão de um produtor alucinado de conteúdo, tem um papel até mais<br />
importante e influenciador do que a câmera digital, pois ele está presente no bolso<br />
dessa pessoa o tempo todo, não como uma câmera que pode estar jogada na mochila ou<br />
esquecida em casa.<br />
Pior do que no fotolog, no celular ele tira uma foto do show e manda para os<br />
amigos durante o mesmo, e não para qualquer pessoa na web. Ele pode, portanto,<br />
mandar fotos muito mais pessoais, íntimas e delicadas, como “olha como o guitarrista é<br />
gatinho, Julia!”.<br />
Essa foto é muito mais informal, inclusive porque ela é assumidamente de baixa<br />
qualidade. O responsável posta já avisando que é uma “foto tosca que eu bati com o<br />
celular”, e quer apenas dividir um momento. Não importa se a foto está bonita, focada<br />
ou minimamente enquadrada. Ela mostra o que estava acontecendo, mesmo que<br />
precise de explicação.<br />
112 113
como<br />
115
Próximos passos<br />
Emancipado do material de divulgação de um álbum específico, o artista tem<br />
muito mais imagens disponíveis, mesmo entre as oficiais. Não é só o aumento de<br />
veículos responsável por esse aumento de imagens de cunho oficial, já que há muito<br />
maior produção de imagens não vinculadas a discos pelo próprio artista, a partir<br />
do momento em que ele pode produzir sessões de fotos especialmente para o site,<br />
publicar imagens clicadas com sua própria câmera por trás do palco, fotos de shows<br />
tiradas por sua equipe, etc. O próprio artista é muito mais livre para produzir suas<br />
próprias imagens.<br />
Os novos produtores de conteúdo, fotógrafos amadores, inundam a imagem<br />
do artista com suas visões, a priori, não autorizadas. Com a abundância de imagens<br />
disponíveis na Internet, a fotografia de um artista vem de todas as fontes, oficiais e<br />
não-oficiais, democratizando a produção de fotografias do artista.<br />
O site oficial, comandado pelo próprio artista ou sua equipe, acaba por se tornar<br />
a referência mais forte do seu trabalho, fornecendo conteúdo centralizado. De nada<br />
P. 114, Maria Schneider,<br />
artista que já vende sua<br />
música digitalmente há<br />
algum tempo.<br />
Dani Gurgel, SP, 2006.<br />
À esq., Aerosmith.<br />
Daigo Oliva, SP, 2007.<br />
[gentilmente cedida]<br />
www.daigooliva.com<br />
117
adianta, todavia, ignorar ou combater os esforços do público em produzir suas próprias<br />
imagens, gerando assim antipatia e repreensão de sua parte. O público preocupado em<br />
produzir seu próprio conteúdo é mais ativo, e pode ser recrutado para diversos tipos de<br />
promoções e concursos.<br />
“Durante toda a história da fotografia, o amador e o profissional representaram<br />
visões diferentes e contrárias da fotografia, lutando por supremacia. Será que a<br />
revolução digital virou o jogo em favor do amador? Ou terá jogado essa rivalidade no<br />
lixo? Alguém pode responder?”, diz o catálogo da exposição “We Are All Photographers<br />
Now! – The rapid mutation of amateur photography in the digital age” (Somos todos<br />
fotógrafos agora! – A rápida mutação da fotografia amadora na era digital.) , de 08 de<br />
Fevereiro a 20 de Maio de 2007 no Musée de l’Elysée, na Suíça.<br />
Mais do que uma ameaça à imagem “oficial” do artista, o público produtor de<br />
conteúdo quer participar dela, mostrar sua visão e colaborar com ele. Esse público é um<br />
aliado em potencial, já que é muito mais “cool” tirar fotos do artista no show e colocar<br />
no seu fotolog do que juntar-se ao fã-clube e escrever cartinhas. O público que interage<br />
é muito maior e mais variado hoje.<br />
118 119
Encaminhados<br />
A cena virtual atual já conta com diversas estratégias novas e condizentes da parte de<br />
alguns artistas. Quando Prince, em 1994, mudou seu nome para , cravando sua luta com<br />
a Warner Bros. pelos direitos de sua música, inaugurou um esforço em função da música<br />
independente, em detrimento das grandes gravadoras detentoras da produção musical pop.<br />
A música hoje é cada vez mais independente, controlada pelos próprios músicos, e usa<br />
muito das ferramentas de gravadoras virtuais, site e lojas de mp3 para se divulgar.<br />
Não como o burocrático “Cê”, disco de Caetano Veloso, divulgado como um<br />
lançamento virtual mas disponível apenas em streaming (sem possibilidade de fazer<br />
download) no próprio site do artista, mais facilmente adquirível em sua versão em long<br />
play por meros R$80; muitos discos vêm sendo lançados virtualmente, tanto por artistas<br />
independentes como por gravadoras. Muitas vezes vêm como meros brindes, discos que não<br />
justificam o investimento para serem lançados.<br />
Na cena independente, artistas emergentes disponibilizam seu trabalho “demo”<br />
para download em gravadoras virtuais como o Trama Virtual, sites de relacionamento<br />
À esq., Mídias estragadas.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
121
como o MySpace ou em seu próprio site, usando o compartilhamento livre de sua<br />
50 câmeras hi-8 nas mãos de 50 fãs, que gravaram o show simultaneamente com uma<br />
música como estratégia de divulgação de seu trabalho.<br />
equipe tradicional de captação.<br />
A banda Mombojó, de Recife, é um bom exemplo de artistas que usam das<br />
A já citada exposição “We Are All Photographers Now!” traz uma abordagem<br />
Abaixo, imagens de<br />
licenças do Creative Commons para permitir que sua música seja usada por outros<br />
similar da fotografia: “Imagens de telefones celulares e câmeras digitais, sites de<br />
divulgação da exposição.Da<br />
em sua arte, sem fins comerciais. Em conjunto com a Trama, sua gravadora, o<br />
compartilhamento como o Flickr e photolog, agências amadoras como Scoopt e<br />
esq. para a dir.:<br />
Mombojó adota a filosofia do CC e a usa em todo o seu trabalho. Liberada para<br />
Splash, blogs individuais, diários eletrônicos, hotlinks, ‘fotojornalismo cidadão’, fotos Conflict in Palestine ©<br />
compartilhamento, sua música atinge muito mais pessoas, e atrai seu novo público a<br />
profissionais mostrando amadores clicando, novas oportunidades de imprensa, e<br />
Keystone; Conflit in<br />
seus shows, seu verdadeiro ganha-pão.<br />
precedentes históricos do século XIX... todos são fomento para nosso experimento.<br />
Palestine © Keystone;<br />
O último álbum de Beck, “Guero”, pôde ser encontrado de diversas maneiras<br />
Este é o primeiro projeto de um museu grande a adotar uma visão compreensiva da Visit of the Pope Benedict<br />
diferentes: antes de ser lançado, via downloads piratas; em sua versão oficial em<br />
revolução digital e seus impactos. Onde quer que você esteja no mundo, participe da XVI World Youth Day in<br />
CD; com sete faixas bônus na edição CD/DVD; em várias edições não autorizadas<br />
nossa exposição! Faça upload da sua imagem em www.allphotographersnow.ch e ela será Germany © Keystone<br />
circulando pela rede; ou como “Guerolito”, sua versão com diversos remixes. Segundo<br />
exibida em nossas galerias.”<br />
o artista americano, um disco é algo a ser ouvido e reconstituído pelo público, assim<br />
Eles procuram responder a questões-chave, muitas também aqui abordadas, em<br />
como pelo artista, oferecendo a ele a possibilidade de montar sua playlist ideal.<br />
relação ao “fotojornalismo cidadão”, como chamam o envio de imagens por amadores<br />
Terry McBride, CEO da Nettwerk Music Group, chega a propôr que sejam<br />
para a imprensa, a ameaça a fotógrafos profissionais, a autenticidade e veracidade das<br />
disponibilizados os arquivos originais de gravação das músicas, possibilitando que<br />
novas imagens, se está ocorrendo uma democratização da fotografia e se a digitalização<br />
os DJs amadores utilizem apenas o baixo, ou apenas a bateria de uma música para<br />
é uma revolução ou mera evolução.<br />
seu novo mix. Responsável por bandas como Barenaked Ladies, a Nettwerk apenas<br />
Cada vez mais é percebida a importância do público na produção de conteúdo, a<br />
os representa, e seus álbuns são lançados por seu próprio selo, dando-lhes domínio<br />
presença forte dos amadores na mídia. Pode não ser tradicional, ou o melhor conteúdo<br />
completo de seus direitos. McBride planeja reinventar a indústria musical, legalizando<br />
o compartilhamento de músicas e dando aos artistas controle total sobre seu trabalho,<br />
independentes de gravadoras.<br />
Não só procurando novas maneiras de liberar sua música, muitos artistas<br />
também chamam o público para ser parte integrante da construção de sua imagem.<br />
Muitos sites de artistas contam com galerias de fãs, oferecendo espaço para novas<br />
imagens, mesmo que sua publicação seja controlada.<br />
Diversos concursos para fazer videoclipes dos artistas vêm sendo abertos,<br />
especialmente pelo Trama Universitário, abrindo músicas da gravadora Trama para<br />
estudantes universitários fazerem seus próprios clipes. O filme “Awsome! I fucking shot<br />
possível, mas é definitivamente mais quente.<br />
122 that!”, de Nathanial Hornblower, usou desse público interessado ativamente, colocando<br />
123
Ainda não<br />
Há grande relutância da parte dos músicos mais tradicionais em relação à<br />
baixa qualidade do mp3, sua perda de frequências. Não cabe aqui analisar se o CD<br />
pode ou não ser substituído pelo MP3, dado que o LP, dito substituível pelo CD,<br />
ainda é presente no mercado fonográfico em meios bastante específicos, dos DJs<br />
e colecionadores. Nada impede, portanto, que o CD sobreviva como forma de<br />
comercialização da música de certos artistas para um público exigente em frequências<br />
sonoras. Não disponibilizar sua música em mp3, porém, em breve será similar a lançar<br />
um disco apenas em vinil, num contexto em que muito poucos ainda possuem uma<br />
vitrola em casa. Outros defensores do álbum completo, que até limitam sua venda por<br />
faixa na iTMS, também prejudicam sua imagem e o trânsito de sua música nos mp3<br />
players de seus potenciais ouvintes.<br />
No campo da fotografia, é curioso perceber que a adoção das licenças de<br />
Creative Commons não é tão abundante em novos profissionais, emergentes. Mais<br />
comuns em flickrs de amadores, as licenças CC permitem, muitas vezes, que suas<br />
À esq., Apple.<br />
Dani Gurgel, NYC, 2007.<br />
125
fotografias sejam editadas, cortadas e usadas para fins diversos. Sem permitir mashups<br />
e usos irregulares, a divulgação de imagens com copyright e marca d’água é mais<br />
comum em sites e portfolios.<br />
Assim como músicos de gravadoras, a maior parte dos fotógrafos profissionais<br />
vê no Creative Commons uma ameaça ao seu modo de vida, que é a venda do seu<br />
trabalho editado, em detrimento da produção de novas imagens sob encomenda ou a<br />
performance ao vivo. Essa forma de divulgação e compartilhamento de informações,<br />
música e imagens ainda engatinha no meio profissional.<br />
126 127<br />
[3.2]<br />
Uma outra abordagem da possível desmaterialização do álbum é o lançamento de um álbum digital, no<br />
mesmo formato de um CD. Jair Oliveira lançou, em 2004, um álbum que nunca foi prensado: 3.2. Porém, em vez<br />
de aproveitar as vantagens da música digital, seu disco foi apenas disponibilizado para download, completo, no<br />
site da Trama, sua gravadora. Não houve divulgação de faixas separadas, nenhuma mídia além do próprio site<br />
da gravadora. Até foi fornecido um encarte 12x12cm (fechado) em pdf junto com os arquivos mp3, para que o<br />
ouvinte imprimisse e montasse seu disco.<br />
É um exemplo concreto de como as vantagens da digitalização podem passar batidas. O resultado foi um<br />
álbum pesado, que só se podia fazer download completo (era um arquivo .zip com tudo): tão pesado quanto a seu<br />
pescoço tensionado na foto da capa. Assumir que o público iria gravar todas as músicas em um disco em vez de<br />
separá-las em playlists, e até imprimir a capa, é o cúmulo do tradicionalismo.<br />
Abaixo, pdf fornecido no<br />
arquivo .zip do disco de Jair<br />
Oliveira, 3.2. Sendo a capa,<br />
vinha com instruções para<br />
ser impresso e montado pelo<br />
ouvinte, após gravar um CD<br />
com seus mp3.
gafieira<br />
129
[DAG]<br />
fotógrafo por um dia<br />
Seja fotógrafo por um dia e participe do meu TCC. Foi a partir disso que vinte<br />
e cinco voluntários bem-intencionados e mortalmente armados de câmeras digitais<br />
amadoras e celulares apareceram no Tom Jazz. A casa paulistana, apesar de conhecida<br />
por apresentações de Jazz e Música Brasileira, bastante elitizados pelo preço, apresenta,<br />
aos domingos, a “Gafieira São Paulo”, de som brasileiro e dançante. Ou seja: pista livre<br />
pro pessoal andar e tirar foto do que quisesse.<br />
Fiz questão de não dar briefing. A todas as perguntas sobre o que deveria ser<br />
fotografado, com ou sem flash, em que resolução, de cima ou de baixo, de longe ou<br />
de perto; a resposta foi que seguisse o que tivesse vontade de fazer. Sete destes vinte e<br />
cinco estavam armados com apenas um celular, apesar de que alguns dos outros tinham<br />
ambos, celular e câmera. E todos forneceram o material cru, sem edição, tratamento ou<br />
seleção. A grande maioria fez upload das fotos na hora no meu computador.<br />
Pode parecer impossível editar 14 Gb de imagens em relativamente baixa<br />
resolução. Mas não é. A partir do material cru é instintivo acompanhar o ritmo do<br />
P.128, Gafieira.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
A partir daqui, as imagens<br />
são parte do experimento,<br />
e têm seu crédito marcado<br />
na mesma, com legenda<br />
na página 168.<br />
131
fotógrafo em questão, sua lógica, sua sucessão de idéias e pensamentos. Esse fotógrafo,<br />
o amador, está em sincronia direta com a música, e não com uma pauta. Ele não pula<br />
entre as fotos porque ainda não tem uma imagem boa do baterista para a revista. Ele<br />
anda na direção em que a música o leva.<br />
Esse raciocínio leva às cinco categorias em que consegui organizar e analisar o<br />
material produzido nesse dia: arranjo, tema, harmonia, ritmo e solo. Cada uma destas<br />
teve sua faísca em algum comentário dos participantes e observadores.<br />
132 133<br />
[DAG] [DAG]<br />
[DAG]
[LUL]<br />
arranjo<br />
De como foi organizado este evento, o arranjo do experimento, é bastante lógico.<br />
A necessidade por dar-se em um evento com pista de dança e de som alto para não<br />
inibir a movimentação dos voluntários já limitava os eventos passíveis de execução.<br />
Dentro dos shows paulistanos com pista, eis que surge a Gafieira São Paulo, à qual as<br />
pessoas não vão apenas para dançar: elas vão para dançar umas com as outras. Mais<br />
interessante também do que qualquer som brasileiro nessas condições, a Gafieira São<br />
Paulo, especificamente, é composta por músicos excelentíssimos, entre os quais há<br />
interações, conversas dentro do som... É quente, e não ‘som ambiente’.<br />
Ora, se o conceito básico do samba de gafieira é a dança a dois, a interação entre o<br />
casal e a música e entre si, nada parecia mais perfeito para dar-se a interação entre a música<br />
e um possível tipo de dança. A fotografia dos voluntários nada mais foi do que isso: uma<br />
dança com a música, uma interação com os músicos, os dançarinos na pista e o público.<br />
E, ao tomar consciência dos outros a seu lado fazendo o mesmo, obtivemos muitas<br />
imagens metalinguísticas (ou making of, como preferir) do evento e da participação de todos.<br />
Arranjo. A reelaboração<br />
ou adaptação de uma<br />
composição, normalmente<br />
para uma combinação<br />
diferente do original.<br />
[Dicionário Grove de<br />
Música]<br />
135
[PAP] [GUI]<br />
136 137<br />
[MAM] [LUL]<br />
[LYT]
[GUI]<br />
tema<br />
Tema, especialmente no Jazz, pode tanto ser lido como sinônimo de música<br />
ou canção, quanto como aquela parte da música que está escrita na partitura, e é<br />
tocada com variações em meio a improvisos. Assim como na música temos o tema<br />
e, após os solos, muito provavelmente voltaremos a ele antes de terminar, alguns<br />
temas foram recorrentes nas fotografias, sem muita aspiração a fazer imagens<br />
maravilhosas, mas a retratar partes importantes daquele momento, mesmo que<br />
menos virtuosas.<br />
Nos repetimos muito fazendo (tocando ou fotografando) o tema. Não porque<br />
estejamos copiando algo, mas porque o tema já está escrito. É a melodia segura que<br />
sabemos que faz parte da música, e temos que fazer uma hora ou outra.<br />
Estas, é importante não confundir, não são imagens piores nem melhores. São<br />
imagens recorrentes. Tanto recorrentes no imaginário visual quanto foram recorrentes<br />
aqui, em que diversas pessoas tiraram fotografias muito similares em momentos<br />
totalmente diferentes do show.<br />
Tema. O material musical<br />
em que toda uma obra, ou<br />
parte dela, se baseia; o termo<br />
em geral refere-se a uma<br />
melodia identificável. (...)<br />
pode ser a melodia sobre a<br />
qual se baseia um grupo de<br />
variações. (...) [Grove]<br />
139
11. The Cambridge Music<br />
Guide.Ed. Stanley Sadie.<br />
[LYT]<br />
“É óbvio que a coisa mais fácil de se reconhecer é uma melodia recentemente ouvida, e os<br />
compositores sempre usaram a recorrência melódica como um meio para dar forma e unidade<br />
artística a uma composição. (...) O termo tema é muito usado para uma idéia musical na qual um<br />
trabalho é baseado.” 11 Abaixo, vê-se duas fotos muito parecidas, porém de fotógrafos diferentes,<br />
e em momentos/músicas diferentes. Apesar de Daniel Amorin, no centro, e Conrado Goys, à<br />
direita, estarem em posições similares, Conrado está tocando violão à esq. e guitarra à direita.<br />
Também são cantoras diferentes: Giana Viscardi e Verônica Ferriani, respectivamente.<br />
O mesmo nas fotos do Paulinho, percussionista, abaixo à esquerda; e as gerais da<br />
Gafieira, abaixo à direita. Pode-se perceber um padrão, especialmente no Paulinho, de<br />
imagens que atraíram os fotógrafos.<br />
140 141<br />
[MAM] [LUL] [DIM] [MAM] [CAG]<br />
[RPF] [RPF] [DEG] [LYT] [LFS]<br />
[SAK]
[SAK]<br />
harmonia<br />
“É muito mais do que o som. É toda a experiência. As pessoas dançando, a casa,<br />
as fotos, a gente conversando neste momento... É tudo parte da música. O som é só<br />
uma ínfima parte causadora de tudo isso.”, dizia Danilo Penteado, admirando a massa<br />
de fotógrafos, dançarinos, espectadores, músicos e muito mais naquele momento.<br />
Não podemos isolar o som de todas as outras manifestações que ocorriam<br />
naquele momento. Os fotógrafos convidados certamente não o fizeram. Não só<br />
imagens do público, podemos ver trechos da aula de gafieira que aconteceu antes do<br />
show [esq.], cenas das pessoas dançando, o palco visto de trás... A vibe 11 do local é<br />
transmitida nas imagens, mostrando como o ambiente influencia todas as nossas ações<br />
(e fotos) neste momento.<br />
Poucas vezes o fotógrafo profissional, contratado, tem essa relação com o resto<br />
do público, levando-o a fotografar outras manifestações que não o som. Ele está<br />
preocupado em retratar aquilo que lhe foi pedido: os músicos. E acaba passando batido<br />
por aquilo que faz parte, também, daquele momento: o ambiente, a harmonia.<br />
Harmonia. A combinação de<br />
notas soando simultaneamente,<br />
para produzir acordes, e<br />
sua utilização sucessiva para<br />
produzir progressões de<br />
acordes. (...) [Grove]<br />
11 Do inglês ‘Vibe’. Não<br />
é passível de tradução.<br />
Vibração? Ambiente?<br />
Inter-relação? Sentimento<br />
de grupo? Clima? Vibe.<br />
143
144 145<br />
[LUL]<br />
[LYT]<br />
[SAK]<br />
[PAR]<br />
[GUI] [LUL]
[SAK]<br />
ritmo<br />
No material bruto é claro o ritmo sincronizado do fotógrafo e da música que<br />
acontecia. Não se trata de mero clique no tempo, mas de interação entre o clima da<br />
música e o clima da foto. Relação entre a imagem e a música, de modo que ela não<br />
traga um belo retrato de uma cantora, e sim uma imagem profunda da música por trás<br />
daquilo. Uma imagem com ritmo transcende o que ela mostra na superfície: ela tem o<br />
suingue nas entrelinhas.<br />
A foto à esquerda, por exemplo, não traz uma imagem maravilhosa de nenhuma<br />
das duas cantoras. Elas nem estão, de fato, cantando no momento do clique. Mas ela<br />
tem um ritmo interno, uma interação entre os músicos. Entende-se, através dela, a<br />
música por trás dessa imagem, mesmo que não seja um lindo retrato para ser usado no<br />
próximo disco de uma delas.<br />
A fotografia amadora tem a liberdade de se prender ao ritmo e não à pauta.<br />
Não que essa escolha seja absolutamente consciente, mas ela vem estampada às<br />
imagens. Um fotógrafo profissional, mesmo sem pauta, nunca deixaria de fotografar<br />
Ritmo. A subdivisão de um<br />
lapso de tempo em seções<br />
perceptíveis; o grupamento de<br />
sons musicais, principalmente<br />
por meio de duração e ênfase.<br />
(...) O ritmo, como elemento<br />
fundamental - a música é algo<br />
que só pode existir no tempo -,<br />
tem um papel a desempenhar<br />
em muitos outros aspectos da<br />
música: é importante elemento<br />
na melodia, afeta a progressão<br />
147
da harmonia e desempenha<br />
papéis em questões<br />
como textura, timbre e<br />
ornamentação. É fundamental<br />
à dança; os padrões da dança,<br />
derivados dos ritmos naturais<br />
do movimento corporal,<br />
ditaram muitos dos modelos<br />
rítmicos que permeiam toda a<br />
música ocidental. (...) [Grove]<br />
148 149<br />
[LYT]<br />
algum músico em específico, e pode acabar fazendo-o em um momento que não<br />
faça tanto sentido, levado a isso pela sua obrigação interna de fazê-lo. Já o amador,<br />
é levado a ele pelo ritmo, e chega naquela imagem num momento em que ele se<br />
destaca ou traz interesse.<br />
Talvez ele não esteja no ápice de um improviso, no clímax daquele solo, a<br />
gotinha de suor pulando da testa, a ponta da baqueta quebrando, a palheta voando<br />
em direção à câmera... Mas ele está fazendo parte do conjunto da música e chamando<br />
a atenção do fotógrafo por algum motivo. A grande diferença é que esse motivo não<br />
é relacionado à pauta, a uma obrigação racional de ter aquela foto, e sim à vontade<br />
espontânea de guardar aquela imagem naquele determinado momento.<br />
[LYT]
[SAK]<br />
[LYT] [MAM]<br />
150 151<br />
[GUI] [GUI]<br />
[LUL]
[TOB]<br />
solo<br />
Variações do tema sem sai do tom seria uma maneira muito rasa de falar do<br />
solo. Oriundos do Jazz, os improvisos em cima de um tema fazem parte da música<br />
popular de todo o mundo nos dias de hoje. Obviamente não inventados pelo Jazz, mas<br />
cunhados por ele, os solos vêm como o momento de cada músico discorrer sobre aquela<br />
harmonia da sua própria maneira. Também não é um trabalho de uma pessoa só, pois o<br />
que faz dos solos quentes é a interação entre os músicos durante os mesmos.<br />
Algumas imagens se destacaram ao longo do trabalho. Não se concentraram em<br />
poucas pessoas, nem em tipos de câmeras, como seria uma conclusão rasa imediata.<br />
A imagem ao lado foi tirada em um celular, e traz uma expressão do baterista Thiago<br />
Rabello que a grande maioria dos fotógrafos profissionais, preocupados com sua pauta,<br />
passariam reto por aquilo.<br />
Assim como muitos dos melhores solos na música, os solos destas imagens são<br />
resultado da interação mais afiada entre os fotógrafos e o som.<br />
Solo. (...) passagem que deve<br />
ser executada por um só<br />
intérprete. (...) [Grove]<br />
Improvisação. A criação (...)<br />
à medida que está sendo<br />
executada.(...) A improvisação<br />
ocupa um lugar importante<br />
no jazz (principalmente<br />
quando intérpretes isolados<br />
improvisam dentro de padrões<br />
harmônicos fixos). (...) [Grove]<br />
153
154 155<br />
[LYT]<br />
[PAR]<br />
[GUI]<br />
[LYT]
mixagem<br />
Após a coleta das imagens dos participantes, foi criado um blog, com a intenção<br />
de mostrar o que havia sido realizado e coletar alguns comentários e opiniões. Esse blog<br />
teve a função de explicar o ocorrido e coletar opiniões. Bilíngue, disponível via RSS e<br />
com a possibilidade do visitante fazer comentários.<br />
A partir da finalização do trabalho, o espaço se tornou um site de apresentação<br />
do mesmo [esq.], com oferecimento de download deste, na íntegra, em português e<br />
inglês, no formato pdf. Ao longo do tempo, também serão disponibilizados vídeos<br />
anexos, informações sobre a apresentação, etc. Tudo isso acontece sob sua licença de<br />
Creative Commons para uso não-comercial, sem mudanças e com crédito.<br />
Mixar. Produzir a versão<br />
finalizada de uma gravação.<br />
[Wiki]<br />
À esq., site, disponível em<br />
www.danigurgel.com.br/tcc<br />
157
Considerações finais<br />
Do gravador de rolo às gravadoras virtuais, o meio musical cada vez mais se adapta<br />
ao contexto atual. Não só em novas técnicas e tecnologias, mas na linguagem da música<br />
direcionada para o seu ouvinte. Num contexto digital, o músico e o artista, ambos, terão de<br />
se adaptar a novas formas de divulgar, distribuir, e mesmo de compreender a sua música.<br />
Ao lado dessa revolução na maneira de se ouvir música, uma outra se<br />
desenvolve no ambiente da fotografia, com a sua popularização. O fotógrafo amador<br />
precisa de muito menos informação, técnica e formação para produzir boas fotos,<br />
e pode disponibilizar esse conteúdo na internet. A tecnologia traz assuntos antes<br />
marginalizados, como mix tapes, mp3, mesmo a própria fotografia; a todos, tanto<br />
cultural como intelectualmente, porque ficam mais acessíveis.<br />
Dado esse contexto, seria de fácil conclusão que logo não haverá mais CDs,<br />
pôsteres, ampliações de fotos, cartões ou qualquer material físico com fotografias de<br />
música, inutilizando, portanto, qualquer iniciativa de retratar um músico ou artista.<br />
À esq., Duo Paticumpá.<br />
Duo dos percussionistas<br />
Cesar Traldi e Cleber<br />
Campos, usando baquetas<br />
fluorescentes no escuro.<br />
Dani Gurgel, SP, 2007.<br />
159
Porém, os motivos pelos quais a fotografia de música sempre foi necessária,<br />
que, inclusive, foram responsáveis pela sua inclusão nos meios físicos já mencionados,<br />
não deixarão de existir nesse novo contexto. O ouvinte continuará precisando de uma<br />
imagem para ilustrar o músico, o leitor do jornal virtual continuará querendo ver a<br />
banda que está pensando em assistir hoje à noite e, mais importante, o fã continuará<br />
cultuando o pedaço talismânico do músico que tem para si.<br />
A fotografia de divulgação irá para a imprensa (não obrigatoriamente impressa),<br />
cartaz, banner no show, e-mail, artwork, etc. O uso da fotografia de música será o<br />
mesmo devido às razões que a sustentam, independente da forma na qual é veiculada. A<br />
fotografia de música poderá, então, sofrer mudanças violentas de suporte, contudo, não<br />
desaparecerá, pois será necessária igualmente.<br />
Paralelamente a esse lado profissional, o amador vai em busca sozinho de suas<br />
imagens talismânicas da música. Sua falta de pauta proporciona sua liberdade nas<br />
imagens, conseguindo então fotos muito mais quentes em relação ao som. Ora, se Brad<br />
Mehldau busca as melodias mais bonitas na música pop, menos racionalizada e, por<br />
consegüinte, constantemente mais livre e emocional; por que não buscarmos imagens<br />
de amadores, por sua vez, com muito mais desprendimento e suingue?<br />
Não podemos, porém, juntar esses dois lados: a capa do próximo disco<br />
da Gafieira São Paulo provavelmente não será uma das fotos dos amadores deste<br />
experimento, mas elas seriam provavelmente parte da seção novidades de um site da<br />
banda. O amador não vem para competir com o fotógrafo profissional: ele surge numa<br />
categoria separada que não é uma ameaça nem tem essa intenção. A fotografia amadora<br />
é uma linguagem paralela, mais conectada ao assunto do que à técnica. Quando ele<br />
tenta cruzar essa linha, o fotógrafo amador acaba posicionando-se como um picareta de<br />
marca maior e só prejudica o setor.<br />
160 161
ibliografia<br />
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições americanas. São<br />
Paulo, Cia. das Letras, 1990.<br />
DOCTOROW, Cory. Digital Rights Management: A failure in the developed<br />
world, a danger to the developing world. For the International Telecommunications Union,<br />
ITU-R Working Party 6M Report on Content Protection Technologies. 2006.<br />
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da<br />
fotografia. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 2002.<br />
KOSSOY, Boris. Fotografia & História. São Paulo, Ateliê Editorial, 2001.<br />
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. São Paulo, Ateliê Editorial, 2002.<br />
163
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.<br />
Dicionário Grove de Música: edição concisa. Editado por Stanley Sadie. Rio de<br />
Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1994.<br />
The Cambridge Music Guide. Editado por Stanley Sadie e Alison Latham.<br />
London, Calmann and King Ltd., 1985.<br />
Livros de Fotografia<br />
CORBJIN, Anton. Famouz. Photographs 1976-88. München, Schirmer-Mosel, 1989.<br />
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to Digital – The Hallmark Photographic Collection. New York, Hallmark Cards Inc. &<br />
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[sites específicos citados direto no texto]
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