Veja o trabalho completo - Seminário Nacional Sociologia & Política
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Coordenadores:<br />
ISSN da publicação: ISSN 2175-6880 (Online)<br />
Anais do Evento 2011<br />
Volume 10<br />
Trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho 10<br />
Trabalho e Sindicalismo: Questões Sociológicas Atuais<br />
Profª Drª Maria Aparecida da Cruz Bridi (UFPR)<br />
Profª Drª Benilde Maria Lenzi Motim (UFPR)<br />
Fernanda Landolfi Maia<br />
Mariana Bettega Braunert<br />
Ementa:<br />
No momento em que as transformações no âmbito do <strong>trabalho</strong> e do emprego geram<br />
situações de incerteza e insegurança para os trabalhadores e suas organizações, propomos a<br />
discussão das novas configurações do <strong>trabalho</strong> e sua relação com processos de flexibilização e<br />
precarização, típicos da organização de sistemas flexíveis de produção e da formação de redes<br />
interempresas que, estabelecem vínculos diversos entre o local e o global, desconsiderando as<br />
fronteiras nacionais. Discutiremos ainda o <strong>trabalho</strong> associado, as especificidades do <strong>trabalho</strong> no<br />
setor de serviços, assim como, a mobilização dos trabalhadores por seus direitos, dentro e fora do<br />
ambiente de <strong>trabalho</strong>. As implicações das mudanças mencionadas no mercado de <strong>trabalho</strong>, na saúde<br />
do trabalhador e em sua formação e qualificação, também será objeto de análise no âmbito deste<br />
grupo.<br />
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Resumo 2<br />
Sindicalismo em Rede: o Papel das Comissões de Fábrica na Mercedes-Benz 1<br />
A internacionalização das empresas se intensificou a partir da década de 1970. Junto com tal<br />
processo, as cadeias produtivas das multinacionais se tornaram crescentemente descentralizadas,<br />
inaugurando uma nova divisão internacional do <strong>trabalho</strong> e aumentando, paradoxalmente, as<br />
diferenças de salários e condições de <strong>trabalho</strong> entre os empregados nas sociedades nacionais.<br />
Assim, trabalhadores na China, enfrentando baixos salários e ambiente pouco propício à<br />
sindicalização contribuem - ainda que não intencionalmente - para o aumento da desigualdade de<br />
renda no mundo.<br />
Os sindicatos, por seu turno, têm assistido a queda geral dos níveis de sindicalização no mundo e a<br />
constante desregulamentação do <strong>trabalho</strong>. Esta tem afetado, inclusive, os direitos historicamente<br />
conquistados pelos trabalhadores nos países onde o diálogo social é considerado avançado, como na<br />
Alemanha. Afinal, não é de interesse das empresas o emprego de mão-de-obra cara com altos custos<br />
de seguridade social alemão se os trabalhadores chineses o fazem por preços menores em dígitos.<br />
Uma das estratégias dos sindicatos frente a estes processos é a atuação em nível transnacional,<br />
através de redes de informação, comunicação e mobilização globais. Caso emblemático é a<br />
formação de Comissões de Fábrica na Mercedes-Benz.<br />
Este artigo visa analisar, compreender e discutir a formação de tais redes, chamadas de campanhas<br />
globais ou sindicalismo além fronteiras. Para tanto, nos utilizaremos da literatura que trata de<br />
sociedade civil internacional, redes, globalização, movimentos transnacionais, governança e<br />
regimes.<br />
Palavras-chave: globalização, sindicalismo, redes.<br />
Abstract<br />
The internationalization of the companies has intensified from the 1970s. Along with this process,<br />
the supply chain of multinationals enterprises have become increasingly decentralized, inaugurating<br />
a new international division of labor and increasing, paradoxically, the differences in wages and<br />
working conditions among employees in national societies. Thus, workers in China, facing low pay<br />
and environment unfavorable to unionization - albeit unintentionally – contribute to the increase in<br />
income inequality in the world.<br />
The unions, in turn, have witnessed overall decline in the levels of unionization in the world of<br />
work and its constant deregulation. This has affected even the rights historically achieved by<br />
workers in countries where social dialogue is considered advanced, as in Germany. After all, it is of<br />
interest to companies to employ workers with high social security costs in Germany if the Chinese<br />
workers can do the same work at lower prices.<br />
One of the strategies of trade unions in the face of these processes is to act at the transnational level,<br />
through information networks, communication and global mobilization. One emblematic case is the<br />
formation of committees at Mercedes-Benz factory.<br />
1 ESPÓSITO, Katiuscia Moreno Galhera (autora); RIBEIRO, Cintia (co-autora). Mestrandas pelo Programa de Pós<br />
Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC-SP). Bolsistas da<br />
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).<br />
2 Apontamos que algumas passagens do <strong>trabalho</strong> foram extraídas de artigos anteriores. Ver ESPÓSITO, Katiuscia<br />
Moreno Galhera. Redes sociais e relações internacionais: estudo de caso das Global Union Federations (GUFs). Paper a<br />
ser apresentado no XIII Encuentro Internacional Humboldt da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).<br />
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This article aims to analyze, understand and discuss the formation of such systems, called global<br />
campaigns or unions across borders. To achieve this objective, we’ll use the literature dealing with<br />
international civil society networks, globalization, transnational movements and governance.<br />
Keywords: globalization, trade unions, networks.<br />
Introdução<br />
Vivemos em redes. Acordamos e utlizamo-nos, no café da manhã, de produtos<br />
industrializados fabricados por empresas multinacionais que possuem unidades em todos os<br />
continentes. Ligamos a televisão e assistimos ao jornal, desenvolvido por um canal de televisão que<br />
possui parcerias com outros canais, de modo que a informação do mundo chegue até nossas casas.<br />
No <strong>trabalho</strong>, acessamos a internet, que na própria definição do dicionário Houaiss é uma “rede de<br />
computadores”. Ao refletir por um instante, damo-nos conta de quão internacionalizada,<br />
interconectada e global é a vida da maioria dos cidadãos comuns.<br />
A vida em rede se reflete, pois, nas diversas facetas de nosso cotidiano. E assim o é no<br />
âmbito do <strong>trabalho</strong>. Não seria surpresa, portanto, que os trabalhadores organizados, os sindicalistas,<br />
também se coordenem em rede.<br />
O presente artigo tem como objetivo o reflexo sobre a questão das redes sindicais em<br />
empresas multinacionais e suas consequências. Para tanto, buscaremos apontar a importância das<br />
Comissões de Fábrica para os trabalhadores da Mercedes Benz (MB), seja para os diretamente<br />
empregados pela empresa, seja para os contratados por uma de suas fornecedoras (caso G.GROB<br />
desta pesquisa), e o relacionamento de tais comissões com o Conselho de Administração da MB.<br />
O texto está divido em cinco partes. Na primeira, pretendemos descrever um breve quadro e<br />
apontar a importância das Comissões de Fábrica para a história do sindicalismo brasileiro na<br />
Mercedes-Benz. A segunda parte trata do Conselho de Administração da matriz alemã. A relação<br />
entre as Comissões de Fábrica e os Conselhos de Administração na Mercedes-Benz é apresentada<br />
no terceiro item. O estudo de caso proposto é apresentado no quarto e, no quinto e último item,<br />
descorremos sobre as redes e abordamos considerações teóricas de Manuel Castells sobre o tema.<br />
Por fim, tecemos nossas considerações finais.<br />
Este <strong>trabalho</strong> foi desenvolvido a partir da análise de bibliografia variada, que trata de temas<br />
como redes e sindicalismo internacional. Também nos versamos sobre um estudo de caso, ocorrido<br />
em uma das suppliers da MB, a G.GROB do Brasil, para ilustrar como pode operar o sindicalismo<br />
em rede.<br />
Assinalamos que este <strong>trabalho</strong> é um esboço de trechos da dissertação de mestrado da autora,<br />
ainda em desenvolvimento.<br />
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As Comissões de Fábrica da Mercedes-Benz<br />
Diferente de países como Bélgica, Espanha, Áustria, Holanda e Alemanha, onde as<br />
comissões de trabalhadores estão previstas em lei (RAGHI e MARRAS, 2008: 55), no Brasil as<br />
Comissões de Fábrica surgiram como resultado da relação direta entre <strong>trabalho</strong> e capital e do<br />
reconhecimento das comissões por parte do segundo a partir de demandas e lutas trabalhistas.<br />
A Comissão de Fábrica da Mercedes-Benz foi formada em 1984, após três dias de greve por<br />
abono de emergência, equiparação salarial e suspensão de demissões anunciadas. Em dezembro do<br />
mesmo ano foi formada a Comissão e em março de 2005 foram eleitos seus representantes<br />
(Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 2004). A MB foi a última montadora do ABC a reconhecer<br />
uma Comissão de Fábrica no Brasil. (RODRIGUES e ARBIX, 1996: 78). Os mesmos autores<br />
destacam o quão abrangente é uma comissão no Brasil:<br />
(...) as comissões de fábrica, em particular as implantadas nas montadoras, têm funcionado<br />
ativamente, ampliando significativamente suas atribuições e responsabilidades, chegando a<br />
funcionar como um verdadeiro sindicato de empresa. Ainda que a posição oficial do<br />
sindicato dos metalúrgicos do ABC, da CUT e dos membros das comissões de fábrica seja<br />
contrária à discussão do sindicato por empresa, é impossível deixar de observar na prática<br />
essa realidade.<br />
As comissões de fábrica das montadoras possuem salas de reunião, aparelhagem de<br />
comunicação, têm seus membros liberados para a atividade político-reivindicativa, são<br />
eleitas por todos os trabalhadores da fábrica – e não somente pelos sindicalizados. A<br />
realidade é que os trabalhadores vêem nessas comissões internas o próprio sindicato. Mas é<br />
flagrante que em todas as montadoras pesquisadas a comissão de fábrica é o representante<br />
“número um” dos trabalhadores, já que é ela quem negocia os benefícios próprios da<br />
empresa, todos os problemas internos, os atritos nas seções, enfim, a vida cotidiana de<br />
milhares de funcionários.<br />
É importante, no entanto, destacar dois aspectos dessa organização. Por um lado, as<br />
comissões surgem como expressão organizada da resistência dos trabalhadores frente à<br />
organização do <strong>trabalho</strong>. Por outro, representam na sua forma mais recente a expressão da<br />
necessidade de um instrumento que seja um canal permanente e institucionalizado dos<br />
conflitos que permeiam o dia-a-dia da empresa.<br />
Se para os trabalhadores significam a forma institucionalizada de expressar suas<br />
reivindicações e uma real diminuição do poder gerencial, aumentando o poder de controle<br />
dos assalariados sobre as condições de <strong>trabalho</strong>, para os empregadores, no entanto, se<br />
configuram, principalmente, como a tentativa de antecipação e controle dos conflitos no<br />
cotidiano da produção. Essa tensão e essa ambigüide, em larga medida, caracterizam as<br />
experiências de comissões de empresas em nosso país; e é na indústria automobilística que<br />
esse processo é mais visível. (1996: 80)<br />
Atualmente, as Comissões de Fábricas têm recebido outras denominações e mesmo<br />
variações melhoradas das Comissões tradicionais, como é o caso do Comitê Sindical de Empresa<br />
(CSE) e da Representação de Trabalhadores no Local de Trabalho (RLT). Para fins deste <strong>trabalho</strong>,<br />
entretanto, utilizaremos a expressão genérica “Comissões de Fábrica” para se referir tanto à idéia<br />
original, quanto às suas variações posteriores.<br />
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O Conselho de Administração: modelo alemão de co-gestão<br />
Na Alemanha, a participação dos trabalhadores na empresa é alta, pelo fato destes<br />
participarem dos Conselhos de Administração, junto aos acionistas e executivos da Companhia. É<br />
no Conselho de Administração onde as decisões e o planejamento, estratégicos para a empresa, são<br />
tomados como onde investir, o orçamento econômico e financeiro, como e onde produzir, a<br />
Governança Corporativa, o Balanço, dentre outras questões caras aos trabalhadores e usualmente<br />
não divulgadas pelas empresas aos stakeholders que operam em estrutura diferente da alemã.<br />
Chamaremos, para fins desse artigo, o modelo alemão de co-gerido, e a participação de<br />
trabalhadores e acionistas no Conselho de co-gestão.<br />
A forma mais abrangente de co-gestão nas empresas de matriz alemã é regida pelo Co-<br />
determination Act de 1951 (Montan-Mitbestimmungsgesetz) para a indústria de ferro, carvão e aço.<br />
Empresas de outros setores, que contam com 501 a 1.999 empregados são regidas pelo Works<br />
Constitution Act de 1952 (Betriebsverfassungsgesetz), no qual representantes dos trabalhadores<br />
ocupam um terço dos assentos no conselho de supervisão. Por fim, o Co-determination Act de 1976<br />
(Mitbestimmungsgesetz) abrange todas as formas de empresa que empreguem mais de 2.000<br />
funcionários. Este prevê um número igual de representantes do lado do empregado e do lado da<br />
empresa no Conselho de Administração, ainda que o presidente do Conselho seja eleito pelos<br />
representantes dos acionistas, enquanto os representantes dos trabalhadores podem eleger apenas o<br />
vice-presidente (e que as decisões do Conselho de supervisão requeiram votação por maioria<br />
simples para no caso de empate o presidente tem prioridade nos votos, geralmente em favor dos<br />
acionistas). Os representantes dos trabalhadores no Conselho de Administração são eleitos ou<br />
diretamente pelos trabalhadores, ou indiretamente por delegados eleitos pelos trabalhadores<br />
(Eurofond, 2011).<br />
Tal sistema de representação existe devido, em parte, ao aparato legal provido pelo Estado<br />
com ranços social-democratas, aos altos níveis de sindicalização (e das formas pressão exercidas<br />
pelos sindicalistas e sindicatos) e à tradição de manutenção de diálogo social, de acordo com Gill:<br />
Indirect forms of participation have a long history in many European countries. In<br />
Germany, the Co-determination Act (1951) and Works Constitution Act (1952) extended a<br />
range of rights to employees to participate in decision-making. These were considerable<br />
extended and consolidated during the 1970. The main instrument for this is the works<br />
council, elected by all employees in a firm regardless of their union affiliation, and<br />
operating on a defined legal status. Works councils of various kinds now play an important<br />
role in many European countries; eleven of the fifteen member states of the European<br />
Union had some form of works council in 2003. At European level, European Works<br />
Councils have been set up affecting all companies in the EU and the European Economic<br />
Area (EEA) which employ over 1,000 workers in the host country and at least 150 workers<br />
in two or more other countries.<br />
Como descrito, essas três características do sindicalismo alemão também estão em muitos<br />
dos Estados participantes da União Europeia.<br />
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A relação entre as Comissões de Fábrica e os Conselhos de Administração na Mercedes-Benz<br />
Os Conselhos de Administração co-geridos pelos trabalhadores (são 10 representantes dos<br />
trabalhadores e 10 representantes dos acionistas) na Europa também têm participação brasileira. Um<br />
representante dos trabalhadores brasileiros, Valter Sanches, viaja todos os meses à Alemanha para<br />
participar de tais Conselhos e trazer informações aos sindicatos e operários brasileiros. Em teoria,<br />
Sanches tem mais poder decisório que o próprio presidente da empresa (ISTOÉ, 2008). No ano em<br />
que foi eleito, Sanches era trabalhador na Mercedes, membro do Comitê Sindical da mesma<br />
empresa e ocupava a secretaria geral da Confederação <strong>Nacional</strong> dos Metalúrgicos da CUT (CNM-<br />
CUT) (Jornal da Comissão, 2007: 2). Os Conselhos de Administração trazem aos trabalhadores<br />
diversos benefícios, como os descritos a seguir:<br />
CNM/CUT has approximately 30 trade union committees and/or networks at the company<br />
level. Some are national, while others are international.<br />
In addition to facilitating an exchange of information between workers, these committees<br />
make it possible to identify differences in company conduct at each location. It helps with<br />
the organisation of joint struggles, whether they involve taking solidarity action in support<br />
of a specific location or whether they promote united initiatives at all plants. The networks<br />
facilitate sector-level organisation and are important instruments in the development of a<br />
strategy for national collective bargaining.<br />
International Framework Agreements (IFAs) are strategically important for achieving and<br />
ensuring respect for labour rights at each of the companies that have signed such an<br />
agreement.<br />
A significant characteristic of IFAs is that the companies concerned take responsibility for<br />
their suppliers. Trade unions must find a way of using this major opportunity to intervene in<br />
companies that have not signed IFAs. We can illustrate this with the case of Mercedes-<br />
Benz and GROB.<br />
However, because it is a new form of organisation, a new paradigm, especially in the<br />
history of trade union organisation in Brazil, we need to work hard to convince the trade<br />
union movement itself to formulate strategies able to carve out areas of negotiation and<br />
political legitimacy for the committees and for negotiations at these new levels.<br />
(INTERNATIONAL METALWORKERS’ FEDERATION, 2009: 101)<br />
Pelo fato de os trabalhadores possuírem assentos nos Conselhos de Administração das<br />
empresas, os mesmos possuem acesso a informações privilegiadas, para além das vantagens<br />
descritas acima.<br />
Isso permite, por exemplo, que os trabalhadores saibam se a produção de determinada planta<br />
está absolutamente comprometida com a demanda do mercado, como já foi reportado em diversos<br />
estudos de caso envolvendo empresas alemãs. Assim, os sindicatos que representam os<br />
trabalhadores da planta em questão, munidos de tais informações estratégicas, têm condições de<br />
barganhar com mais efetividade na mesa de negociações benesses aos trabalhadores, como aumento<br />
de salário e condições de <strong>trabalho</strong>. Em outras palavras, se a produção de determinado período já tem<br />
destino acertado (os comprados de carros), parar a linha de produção será realmente custoso e trará<br />
prejuízos financeiros para a empresa.<br />
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Outro exemplo das informações sigilosas que trazem benesses aos trabalhadores diz respeito<br />
à sua saúde financeira: se as operações da empresa em determinada época são lucrativas, com larga<br />
margem nos Lucros e Resultados do Balanço Patrimonial da empresa, então os trabalhadores têm<br />
como argumentar barganhas para aumento real de salário, entre outras estratégias da mesa de<br />
negociação, imagináveis para os trabalhadores de empresas norte-americanas, por exemplo.<br />
A novidade é que, no caso da Mercedes Benz, há um representante brasileiro no Conselho, o<br />
que faz com os trabalhadores do Brasil tenham acesso e voz ativa junto aos acionistas das empresas<br />
e aos trabalhadores alemãos, papel antes desempenhado exclusivamente por trabalhadores europeus.<br />
A citação acima descreve também o papel dos acordos globais entre sindicatos e empresas.<br />
Chamados de International Framework Agreements (IFAs) ou European Framework Agreements<br />
(EFAs) estas ferramentas, que surgem quando dirigentes sindicais do sindicato internacional de um<br />
determinado ramo negociam diretamente com os diretores das matrizes de multinacionais (MNCs).<br />
Em tese, esses acordos atuam em cascata até a base dos trabalhadores das empresas que celebraram<br />
os contratos, como descrito a seguir no estudo de caso.<br />
Com isso, presume-se, por um lado, resguardar ou aumentar os direitos trabalhistas nos<br />
países com uma legislação mais consolidada. De outro, espera-se fornecer instrumentos para<br />
fortalecer a luta dos trabalhadores de países sem um grande histórico de direitos trabalhistas e<br />
movimentos sindicais solidificados, questões que também podem ser verificadas no estudo de caso<br />
sugerido.<br />
Além disso, os IFAs, inspirados em documentos da Organização Internacional do Trabalho,<br />
tornaram-se um meio para se constranger às multinacionais perante a opinião pública, podendo<br />
causar danos a imagem e ao “valor intangível” das empresas, em razão de comprometê-las às<br />
normas contidas em seu texto.<br />
O curto estudo de caso proposto nesse <strong>trabalho</strong>, da B.GROB do Brasil abaixo descrito,<br />
envolve todas as questões apontadas nesse <strong>trabalho</strong>: a solidariedade de classe entre trabalhadores<br />
surgiu primeiramente na terceirizada, para depois atingir os trabalhadores da Mercedes-Benz que,<br />
através da Comissão de Fábrica, notificaram o representante brasileiro do Conselho de<br />
Administração da Empresa, Valter Sanches. Este, por sua vez, devido aos contatos junto aos<br />
trabalhadores alemães justamente pelo Conselho e pelos contatos pela sua atuação no conjunto de<br />
atos sindicais internacionais, comunicou à IG Metall (sindicato alemão que representa também a<br />
G.GROB alemã), a fim de que pressões sindicais não apenas no Brasil, mas também na Alemanha,<br />
fossem realizadas.<br />
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No ABC, Grob reprime sindicalista novamente e trabalhadores da Mercedes se solidarizam<br />
Nesta quinta-feira (14), mais uma vez a Grob não respeitou o direito de atuação sindical e,<br />
com a ajuda da Polícia Militar, pôs fim a uma assembléia na porta da fábrica, em São Bernardo do<br />
Campo.<br />
Segundo o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e funcionário da Grob, Luís<br />
Sérgio Batista, o Pica-Pau, a empresa ao tomar conhecimento da realização de uma assembléia, agiu<br />
de forma truculenta e ordenou a entrada dos trabalhadores na fábrica. 'Um dos diretores da Grob<br />
chamou a polícia, que mandou o caminhão de som parar o ato pacífico'.<br />
vez.<br />
Pica-Pau disse que a empresa está reunida para decidir alguma forma de puní-lo mais uma<br />
Histórico de desrespeito<br />
Em 2005, mesmo com mandato sindical, Pica-Pau foi demitido da Grob e precisou ficar<br />
acampado por 58 dias na porta da empresa para que a decisão fosse revista. Na época, o sindicalista<br />
recebeu o apoio de metalúrgicos de várias empresas da região e do deputado federal Vicentinho.<br />
Companherismo na Mercedes<br />
Sabendo das dificuldades mais uma vez enfrentadas por Pica-Pau, os trabalhadores da<br />
Mercedes-Benz em São Bernardo, por meio da Comissão de Fábrica, que recebeu o pedido de<br />
ajuda dos companheiros da Grob, aprovaram em assembléia a paralisação da produção no setor de<br />
motores e interditatam os locais em que são usadas as máquinas da Grob na montadora.<br />
Em 2005, o secretário-geral da CNM/CUT, Valter Sanches encaminhou denúncia aos<br />
trabalhadores alemães da Mercedes. Na época, Sanches disse que 'a fabricante de máquinas Grob<br />
é uma fornecedora da Daimler (proprietária da Mercedes), cujo Acordo Marco Internacional<br />
('Princípios de Solidariedade Social', assinado com o Comitê Mundial de Empregados da<br />
Daimler e a Federação Internacional de Metalúrgicos [ou International Metalworkers’<br />
Federation – IMF] em 2002) estabelece claramente que todos os fornecedores devem seguir os<br />
mesmos princípios, entre eles o de respeito à organização sindical'.<br />
Seguindo o exemplo de 2005, a Confederação <strong>Nacional</strong> dos Metalúrgicos enviará mais uma vez<br />
uma representação ao sindicato alemão IG Metall, denunciando os abusos da Grob (de origem<br />
alemã), em sua fábrica no ABC. Paralelamente a isso, na reunião do Comitê Mundial da Daimler,<br />
na próxima semana o representante brasileiro, Aroaldo Silva, efetuará uma ação semelhante aos<br />
companheiros alemães.<br />
Fonte: Valter Bittencourt - Imprensa CNM/CUT. Disponível em: < http://www.cnmcut.org.br/verCont.asp?id=7026>.<br />
Acesso em 3/9/2011 às 17h31m. (Grifo nosso).<br />
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Redes e sindicalismo internacional<br />
O sindicalismo em rede se utiliza dos mesmos artifícios das multinacionais para maximizar<br />
seus ganhos, assim como as multi maximizam seus lucros: através das campanhas internacionais,<br />
comunicando-se, solidarizando-se, mobilizando-se também fisicamente. Essa conexão, também<br />
virtual, mas principalmente física, define as redes de sindicato que estamos tratando nesse <strong>trabalho</strong>.<br />
Para fins desse artigo, utilizaremos a definição de Croucher e Cotton (2009:<br />
Defining „networks ‟ is problematic as the term is used by GUFs in multiple and often<br />
confusing ways – sometimes to describe ad hoc groupings, sometimes committees and even<br />
to describe a GUF (Union Network International). By „network ‟ here we mean stable<br />
groups of union representatives from different units of a multinational company or sector<br />
who are in communication with each other (2009: 69).<br />
Cabe assinalar que o elemento comum de todas as definições é a informação, fundamental<br />
também no caso das redes de sindicatos.<br />
Assim ocorre com esse novo tipo de sindicalismo. As demandas locais/ nacionais passam a<br />
ser atendidas não apenas pelos sindicatos que atuam dentro do território nacional. Passam a ser<br />
atendidas a partir da articulação e mobilização destes com as Federações Internacionais. Passam do<br />
local para o global.<br />
Para Castells, os sindicatos da “Sociedade em Rede” terão êxito apenas se conseguirem se<br />
adaptar às novas formas de produção, distribuição e gestão das empresas e à configuração do<br />
Sistema Internacional (SI):<br />
A economia em rede (conhecida até esta altura como a «nova economia») é uma nova e<br />
eficiente forma de organização da produção, distribuição e gestão, que está na base do<br />
aumento substancial da taxa de crescimento da produtividade nos EUA, e em outras<br />
economias que adoptaram estas novas formas de organização.<br />
(...) Estas redes são quem contrata e despede trabalhadores a uma escala global. Seguem a<br />
instabilidade global do mercado de <strong>trabalho</strong> em todo o lado, a necessidade de flexibilidade<br />
do emprego, mobilidade do <strong>trabalho</strong> e constante requalificação da respectiva força.<br />
(...) [os] trabalhadores tendem a endurecer o seu poder de negociação através da negociação<br />
colectiva e da sindicalização. Mas sendo a força de <strong>trabalho</strong> mais vulnerável, cada vez mais<br />
enfrentam a batalha da deslocalização da mão-de-obra industrial e do <strong>trabalho</strong> rotinizado.<br />
(...) Os sindicatos não desaparecem na sociedade em rede. Mas, dependendo das suas<br />
estratégias, podem tornar-se focos de resistência à mudança tecnológica e económica, ou<br />
então poderosos actores de inovação no novo significado do <strong>trabalho</strong> e criação de<br />
rendimentos, num sistema de produção baseado na flexibilidade, na autonomia e na<br />
criatividade. Organizar o <strong>trabalho</strong>, numa rede de redes, tem exigências muito<br />
diferentes de organizar o <strong>trabalho</strong> num processo socializado de <strong>trabalho</strong>, numa<br />
grande empresa. Enquanto as mudanças na força de <strong>trabalho</strong> e no mercado de<br />
<strong>trabalho</strong> são estruturais, ligadas à evolução da sociedade em rede, as mudanças no<br />
papel dos actores sociais depende das suas práticas, e da sua possibilidade de<br />
posicionar os interesses que defendem em novas formas de produção e de gestão.<br />
(CASTELLS, sem data, 20-23, grifo nosso).<br />
Os trabalhadores da G.GROB e da Mercedes-Benz parecem ter alcançado esses objetivos.<br />
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Considerações Finais<br />
O atual artigo buscou analisar a formação do sindicaliso em rede, ou sindicalismo<br />
internacional na Mercedes Benz. Para tanto, traçamos um breve histórico dessa formação a partir da<br />
mobilização dos trabalhadores na fornecedora G.GROB, passando pela Comissão de Fábrica,<br />
Conselho de Administração da matriz e sindicato alemão dos metalúrgicos (IG Metall).<br />
A despeito das interpretações específicas sobre o sindicalismo internacional em rede na,<br />
ressaltamos que cada caso de atuação deste tipo de sindicalismo deve ser estudado individualmente,<br />
e não tomado como conclusivo.<br />
Não existe cômputo das atuações que alçaram os objetivos desejados pelas GUFs ou que<br />
siginificaram perdas para as mesmas. Ademais, seria impreciso o cálculo que tentasse atingir esse<br />
objetivo, tendo em vista que ganhos relativos nas atuações sindicais atuais podem garantir ganhos<br />
relativos e/ou absolutos no futuro.<br />
O capital é global. O <strong>trabalho</strong>, entretanto, é local. (WATERMAN apud SANTOS, 2005: 93;<br />
CASTELLS, 1999: 476; VIGEVANI, 1998: 334). Sem a pretensão de esgotar o assunto ou de<br />
julgar o sindicalismo internacional e em rede a saída definitiva para os trabalhadores, podemos<br />
afirmar que esse modelo sindical é uma realidade que gera resultados notadamente nas grandes<br />
corporações com operações em mais de um país.<br />
Em épocas onde a implantação de plantas fabris onde a mão-de-obra é mais barata e dócil, o<br />
diálogo entre sindicalistas alemães e brasileiros pretende tanto manter os empregos de altos salários<br />
na Alemanha quanto melhorar as condições de <strong>trabalho</strong> e os salários na Brasil.<br />
No século onde a mão-de-obra barata é procurada e empregada amplamente pelas<br />
multinacionais, o diálogo entre sindicalistas é importante na medida em que procura tanto manter os<br />
empregos de altos salários nos países desenvolvidos quanto melhorar as condições de <strong>trabalho</strong><br />
deploráveis nos países à margem do desenvolvimento.<br />
É nesse sentido que atua o <strong>trabalho</strong> em rede: através de diálogo, comunicação, e-<br />
sindicalismo e mobilização, dentre outras formas de ação, de forma reativa ou proativa, visando<br />
participar da famigerada globalização.<br />
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