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Memórias de um Sargento de Milícias

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Professor:<br />

REGINA<br />

SÉRIE: CURSO DATA: 29 / 04 / 2010<br />

Prof. Teotônio Marques Filho<br />

INTRODUÇÃO<br />

Visão Vestibulares<br />

LITERATURA – Obras Literárias<br />

MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS<br />

(Manuel Antônio <strong>de</strong> Almeida )<br />

Nascido no Rio <strong>de</strong> Janeiro em 1831, Manuel Antônio <strong>de</strong> Almeida teve existência meteórica, pois morre tragicamente, em 1861,<br />

com apenas 30 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, vitimado por <strong>um</strong> naufrágio na costa fl<strong>um</strong>inense, ao viajar n<strong>um</strong> vapor com <strong>de</strong>stino a Canipós, no<br />

Estado do Rio.<br />

<strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>, sua única obra, foi publicado inicialmente, sob anonimato, na forma <strong>de</strong> folhetins, no<br />

suplemento dominical “A Pacotilha” do “Corréio Mercantil”, em 1852, jornal carioca on<strong>de</strong> trabalhava. Pouco tempo <strong>de</strong>pois, a<br />

novela saia publicada na forma <strong>de</strong> livro, em dois vol<strong>um</strong>es, respectivamente em 1854 e 1855, assinada com o pseudônimo “Um<br />

Brasileiro”.<br />

Novela <strong>de</strong> cost<strong>um</strong>es em que se sente a influência do teatro <strong>de</strong> Martins Pena com suas comédias cost<strong>um</strong>bristas, o livro <strong>de</strong><br />

Manuel Antônio inova pela linguagem realista e galhofeira, que não correspondia muito ao gosto da época, motivo por que não<br />

teve muita aceitação e parecia mesmo que estava fadado ao naufrágio, como, alias, aconteceu com o autor. o tempo, entretanto,<br />

encarregou-se <strong>de</strong> valorizar a obra, e, se não chegou a explodir, continua viva pelos anos afora e apreciada pelos cultores <strong>de</strong> unia<br />

boa leitura, a ponto <strong>de</strong> ser indicado para o vestibular da UFMG, já pela segunda vez.<br />

A NOVELA COMO ESPÉCIE LITERÁRIA<br />

Como espécie literária, a novela não se distingue do romance, evi<strong>de</strong>ntemente, pelo critério quantitativo, mas pelo essencial e<br />

estrutural.<br />

Tradicionalmente, a novela é <strong>um</strong>a modalida<strong>de</strong> literária que se caracteriza pela linearida<strong>de</strong> dos caracteres e acontecimentos, pela<br />

sucessivida<strong>de</strong> episódica e pelo gosto das peripécias.<br />

Diferente do romance, a novela não tem a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa espécie literária, pois não se <strong>de</strong>tém na análise minuciosa e<br />

<strong>de</strong>talhada dos fatos e personagens. A novela con<strong>de</strong>nsa os elementos do romance: os diálogos são rápidos e a narrativa é direta, sem<br />

muitas divagações. Nesse sentido, muita coisa que chamamos <strong>de</strong> romance não passa <strong>de</strong> novela.<br />

E interessante observar, como revela o critico Massaud Moisés, em Pequeno Dicionário <strong>de</strong> Literatura Brasileira, que “as<br />

primeiras manifestações <strong>de</strong> nossa prosa <strong>de</strong> ficção seriam novelas, ou, pelo menos, estariam contagiadas por sua estrutura<br />

fundamental, visto ainda o romance estar apenas aparecendo, na Inglaterra.<br />

Tão forte era o influxo e a tradição da novela que nossa ficção romântica não conseguiu <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r-se <strong>de</strong> todo: as pecas que<br />

hoje classificamos <strong>de</strong> romance, segundo critérios muito discutíveis, obe<strong>de</strong>cem a <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> composição próprio da novela.<br />

Basta lembrar as narrativas <strong>de</strong> Alencar, notadamente as históricas, indianistas e regionalistas <strong>de</strong> Bernardo Guimarães, <strong>de</strong> Joaquim<br />

Manuel <strong>de</strong> Macedo, <strong>de</strong> Franklin Távora, ate culminar nas <strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>, <strong>de</strong> Manuel Antônio <strong>de</strong> Almeida,<br />

<strong>um</strong>a acabada novela <strong>de</strong> cunho picaresco. Alterou-se a fisionomia social, mudaram os cost<strong>um</strong>es, os tempos são outros, mas a<br />

estrutura guarda incontestável sujeição à da novela.”<br />

RESUMO DO LIVRO<br />

Em síntese, o enredo <strong>de</strong> <strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>, “tecido, como observa Antônio Soares Amora no já citado<br />

Pequeno Dicionário <strong>de</strong> Literatura Brasileira, com muitas peripécias e intrigas, que não <strong>de</strong>ixam, ainda hoje, <strong>de</strong> entreter e pren<strong>de</strong>r o<br />

leitor, po<strong>de</strong> res<strong>um</strong>ir-se na história da vida <strong>de</strong> Leonardo, filho <strong>de</strong> dois imigrantes portugueses, a sabia Maria da Hortaliça e<br />

Leonardo, “algibebe” em Lisboa e <strong>de</strong>pois meirinho no Rio do tempo do Rei D. João VI: nascimento do “herói”, sua infância <strong>de</strong><br />

endiabrado, suas <strong>de</strong>sditas <strong>de</strong> filho abandonado mas sempre salvo <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s pelos padrinhos (a parteira e <strong>um</strong> barbeiro); sua<br />

juventu<strong>de</strong> <strong>de</strong> val<strong>de</strong>vinos; seus amores com a <strong>de</strong>ngosa mulatinha Vidinha; suas malandrices com o truculento Major Vidigal, chefe<br />

1


<strong>de</strong> polícia; seu namoro com Luisinha; sua prisão pelo major; seu engajamento, por punição, no corpo <strong>de</strong> tropa do mesmo major;<br />

finalmente, porque os fados acabaram por lhe ser propícios e não lhe faltou a proteção da madrinha, tudo tem “conclusão feliz”:<br />

promoção a sargento <strong>de</strong> milícias e casamento com Luisinha”.<br />

Para que se tenha <strong>um</strong>a idéia mais precisa do conteúdo do livro no que se refere ao enredo, vamos transcrever aqui o res<strong>um</strong>o<br />

elaborado pelo Prof. José Rodrigues Gameiro em estudo sobre <strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>, no qual o presente trabalho<br />

está apoiado.<br />

A obra é dividida em duas partes: a primeira com vinte e três capítulos e a segunda com vinte e cinco.<br />

PRIMEIRA PARTE<br />

I - Origem, Nascimento e Batizado. A novela se abre com a frase “Era no tempo do rei”, que situa a estória no século XIX, no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro. Narra a vinda <strong>de</strong> Leonardo-Pataca para o Brasil. Ainda no navio, namora com <strong>um</strong>a patrícia, Maria da Hortaliça,<br />

sabia portuguesa. Daí resultou o casamento e... “sete meses <strong>de</strong>pois teve a Maria <strong>um</strong> filho, formidável menino <strong>de</strong> quase três palmos<br />

<strong>de</strong> comprido, gordo e vermelho, cabeludo, espemeador e chorão; o qual, logo <strong>de</strong>pois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem<br />

<strong>de</strong>ixar o peito”.<br />

Esse menino é o Leonardo, futuro “sargento <strong>de</strong> milícias” e o “herói” do livro.<br />

O capitulo termina com o batizado do garoto, tendo a “Comadre” por madrinha e o. barbeiro ou “Compadre” por padrinho,<br />

personagens importantes da estória.<br />

II - Primeiros Infortúnios. Leonardo-Pataca <strong>de</strong>scobre que Maria da Hortaliça, sua mulher, o traía com vários homens; dá-lhe<br />

<strong>um</strong>a surra e ela foge com <strong>um</strong> capitão <strong>de</strong> navio para Portugal.<br />

O filho, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> levar <strong>um</strong> pontapé no traseiro, é abandonado e o padrinho se encarrega <strong>de</strong>le.<br />

III - Despedida às Travessuras. O padrinho, já velho, e sem ter a quem <strong>de</strong>dicar sua afeição, ficou caído pelo garoto,<br />

concentrando todos os seus esforços no futuro <strong>de</strong> Leonardo e <strong>de</strong>sculpando todas as suas travessuras.<br />

Depois <strong>de</strong> muito pensar, resolveu que ele seria padre.<br />

IV - Fortuna. Leonardo-Pataca apaixonou-se por <strong>um</strong>a cigana que também o abandona. Para atraí-la novamente, recorre a<br />

feitiçarias <strong>de</strong> <strong>um</strong> caboclo velho e imundo que morava n<strong>um</strong> mangue. Na última prova, à noite, quando estava nu e coberto com o<br />

manto do caboclo, aparece o Major Vidigal...<br />

V - O Vidigal. Este capítulo <strong>de</strong>screve o Major - “<strong>um</strong> homem alto, não muito gordo, com ares <strong>de</strong> moleirão; tinha o olhar sempre<br />

baixo, os movimentos lentos, e a voz <strong>de</strong>scansada e adocicada”. Era a polícia e a justiça da época, na cida<strong>de</strong>.<br />

Depois <strong>de</strong> obrigar todos que se achavam na casa do caboclo a dançar, até não agüentarem mais, chicoteia-os e leva Leonardo<br />

para a “Casa da Guarda”, espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito <strong>de</strong> presos. Depois <strong>de</strong> visto pelos curiosos, é transferido para a ca<strong>de</strong>ia.<br />

VI - Primeira Noite Fora <strong>de</strong> Casa. Leonardo filho vai acompanhar <strong>um</strong>a “Via Sacra” <strong>de</strong> rua, muito com<strong>um</strong> naquela época, e<br />

junta-se a outros moleques. Acabam passando a noite n<strong>um</strong> acampamento <strong>de</strong> ciganos. Descreve-se a festa e a dança do fado. De<br />

manhã, Leonardo pe<strong>de</strong> para voltar para casa.<br />

VII - A Comadre. Era a madrinha <strong>de</strong> Leonardo - “<strong>um</strong>a mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até<br />

<strong>um</strong> certo ponto, e finória até outro; vivia do oficio <strong>de</strong> parteira, que adotara por curiosida<strong>de</strong> e benzia <strong>de</strong> quebranto...”. Gostava <strong>de</strong> ir<br />

à missa e ouvir o cochicho das beatas. Viu a vizinha do barbeiro e logo quis saber do que é que ela falava.<br />

VIII - O Pátio dos Bichos. Assim era chamada a sala on<strong>de</strong> ficavam os velhos oficiais a serviço <strong>de</strong> El-Rei, esperando qualquer<br />

or<strong>de</strong>m.<br />

No meio <strong>de</strong>les, estava <strong>um</strong> Tenente-Coronel a quem a Comadre vai pedir para interce<strong>de</strong>r junto a El-Rei para soltar Leonardo-<br />

Pataca.<br />

2


IX - O Arranjei-me do Compadre. O autor conta-nos como o barbeiro conseguiu arranjar-se na vida, apesar <strong>de</strong> sua profissão<br />

pouco rentável: improvisou-se <strong>de</strong> médico, ou melhor, “sangrador”, a bordo <strong>de</strong> <strong>um</strong> navio que vinha para o Brasil. O Capitão<br />

moribundo, entregou-lhe todas as economias para que as levasse à sua filha (do Capitão). Quando chegou a terra, ficou com tudo e<br />

nunca procurou a her<strong>de</strong>ira.<br />

X - Explicações. O Tenente-Coronel interessara-se pelo Leonardo porque, <strong>de</strong> certa forma, ele o havia livrado <strong>de</strong> certa<br />

obrigação: seu filho, <strong>um</strong> <strong>de</strong>smiolado, é que havia infelicitado a tal <strong>de</strong> Mariazinha, a Maria da Hortaliça, ex-mulher <strong>de</strong> Leonardo.<br />

Por isso empenha-se e, por meio <strong>de</strong> <strong>um</strong> outro amigo, consegue que El-Rei solte Leonardo.<br />

XI - Progresso e Atraso. Este capítulo é <strong>de</strong>dicado às dificulda<strong>de</strong>s que o padrinho encontra para ensinar as primeiras letras ao<br />

afilhado e às implicâncias da vizinha. A seguir vem <strong>um</strong> bate-boca entre os dois, com o menino arremedando a velha, e com gran<strong>de</strong><br />

satisfação para o barbeiro que se julga “vingado”.<br />

XII - Entrada para a Escola. É <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scrição das escolas da época. Aborda a importância da palmatória e nos conta como o<br />

novo e endiabrado aluno leva bolos <strong>de</strong> manhã e à tar<strong>de</strong>.<br />

XIII - Mudança <strong>de</strong> Vida. Depois <strong>de</strong> muito esforço e paciência, o padrinho convence ao afilhado <strong>de</strong> voltar para a escola, mas<br />

ele foge habitualmente e faz amiza<strong>de</strong> com o coroinha da Igreja. Pe<strong>de</strong> ao padrinho, e este ace<strong>de</strong>, para também ser coroinha. Pensava<br />

assim o barbeiro que seria meio caminho andado para se tomar padre. Como coroinha, aproveitou-se <strong>de</strong>ssa função para jogar<br />

f<strong>um</strong>aça <strong>de</strong> incenso na cara da vizinha e <strong>de</strong>rramar-lhe cera na mantilha. Vingava-se assim <strong>de</strong>la.<br />

XIV - Nova Vingança e Seu Resultado. Neste capitulo, aparece o “Padre Mestre <strong>de</strong> Cerimônias”, que, embora <strong>de</strong> <strong>um</strong> exterior<br />

austero, mantinha relações com a cigana, a mesma que abandonara Leonardo-Pataca e fora causa <strong>de</strong> sua função. No dia da festa da<br />

Igreja da Sé, o Mestre <strong>de</strong> Cerimônia prepara-se orgulhosamente para proferir seu sermão.<br />

O menino Leonardo, encarregado <strong>de</strong> avisar-lhe a hora do sermão, informa-lhe que será às 10 horas, quando na verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>via<br />

ser às 9.<br />

Um capuchinho italiano, para cooperar, e porque o pregador não chegava, começou a homilia.<br />

Depois <strong>de</strong> alg<strong>um</strong> tempo, chega o Mestre, furioso, e corre para o púlpito também. Após <strong>um</strong> bate-papo com o religioso, toma o<br />

lugar <strong>de</strong>le e continua o sermão. O resultado foi o sacristão ser <strong>de</strong>spedido.<br />

XV - Estralada. Leonardo-Pataca, sabendo que o Mestre <strong>de</strong> Cerimônias é que lhe tirara a cigana e que este iria ao aniversário<br />

<strong>de</strong>la, contratou Chico-Juca para criar confusão na festa. Avisou antecipadamente o Major Vidigal, que pren<strong>de</strong> todo mundo,<br />

inclusive o Padre, e os leva para a “Casa da Guarda”.<br />

XVI - Sucesso do Plano. O Mestre <strong>de</strong> Cerimônias, com o escândalo, foi obrigado a <strong>de</strong>ixar a cigana, voltando para Leonardo,<br />

que recebe as censuras da Comadre.<br />

XVII - D. Maria. O capitulo é <strong>de</strong>dicado a D. Maria, “<strong>um</strong>a mulher velha, muito gorda; <strong>de</strong>via ter sido muito formosa no seu<br />

tempo, porém <strong>de</strong>ssa formosura só lhe restaram o rosado das faces e a alvura dos <strong>de</strong>ntes...”; “...tinha bom coração e era benfazeja,<br />

<strong>de</strong>vota e amiga dos pobres, porém, em compensação <strong>de</strong>stas virtu<strong>de</strong>s, tinha <strong>um</strong> dos piores vícios daquele tempo e daqueles<br />

cost<strong>um</strong>es; era a mania das <strong>de</strong>mandas...”<br />

Em sua casa, estavam reunidos, por causa da “Procissão dos Ourives”, o Compadre e o menino, a Comadre e a vizinha O<br />

assunto gira em tomo das peripécias do garoto, que aproveita a ocasião e pisa a saia da vizinha, rasgando-a.<br />

A seguir, todos discutem o futuro do rapaz. Depois <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> dar o palpite, D. Maria sugere que ele seja “Procurador <strong>de</strong><br />

Causas...”<br />

XVIII - Amores. Leonardo não correspon<strong>de</strong>u a nenh<strong>um</strong> dos <strong>de</strong>sejos do padrinho: não foi para Coimbra, não se fez padre, não<br />

trabalhou em cartório alg<strong>um</strong> e não foi para a Conceição. Tomou-se <strong>um</strong> vadio. Um vadio com<strong>um</strong>, que simplesmente não pensa em<br />

nada, vai-se <strong>de</strong>ixando levar pelos acontecimentos sem tirar proveito pessoal <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>.<br />

Enquanto isso, Leonardo-Pataca acaba casando-se com a sobrinha da Comadre.<br />

Por sua vez, D. Maria ganha a <strong>de</strong>manda para ser tutora <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sobrinha órfã e começa a receber a visita freqüente do<br />

Compadre com o afilhado. A sobrinha <strong>de</strong> D. Maria era já bem <strong>de</strong>senvolvida, mas muito <strong>de</strong>sajeitada: tinha perdido a graça da<br />

menina e não adquirira ainda a beleza da moça.<br />

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Leonardo saiu rindo <strong>de</strong>la, mas não a esqueceu jamais.<br />

XIX - Domingos do Espírito Santo. Na “Festa do Divino”, o Compadre vai com D. Maria e Leonardo ao Campo para ver o<br />

fogo. Leonardo começa a apaixonar-se pela sobrinha <strong>de</strong> D. Maria.<br />

XX - O Fogo no Campo. Terminada a “Festa do Divino” com foguetes e fogos <strong>de</strong> artifício, Leonardo e Luisinha, sobrinha <strong>de</strong><br />

D. Maria, tomam-se íntimos.<br />

XXI - Contrarieda<strong>de</strong>s. Luisinha voltou ao seu silêncio interior e <strong>um</strong> novo personagem aparece: é o José Manuel. Muito<br />

experiente na vida, passa a cortejar D. Maria, mas interessado na sobrinha e principalmente na herança <strong>de</strong>la.<br />

XXII - Aliança. O Padrinho e a Comadre aliam-se n<strong>um</strong> só plano contra José Manuel.<br />

XXIII - Declaração. N<strong>um</strong>a cena ridícula, todo <strong>de</strong>sajeitado, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muitas tentativas e retrocessos, Leonardo consegue<br />

<strong>de</strong>clarar-se a Luisinha.<br />

SEGUNDA PARTE<br />

I - A Comadre em Exercício. Aqui, o autor narra o nascimento da filha <strong>de</strong> Leonardo-Pataca e <strong>de</strong> Chiquinha. A Comadre faz o<br />

parto, e o autor aproveita para fazer interessante <strong>de</strong>scrição dos cost<strong>um</strong>es da época.<br />

II - Trama. A Comadre, n<strong>um</strong>a aliança com o sobrinho e o Compadre contra José Manuel, inventa para D. Maria que este fora o<br />

raptor da moça na porta da Igreja (<strong>um</strong> caso policial da época).<br />

III - Derrota. José Manuel põe-se em campo para saber quem é seu adversário e quem tinha feito a intriga perante D. Maria.<br />

IV - O Mestre <strong>de</strong> Reza. Os mestres <strong>de</strong> reza da época eram geralmente cegos que ensinavam às crianças as primeiras rezas e o<br />

catecismo. Faziam-no á base da palmatória. O Mestre <strong>de</strong> Reza encarregou-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir, para José Manuel, quem era o intrigante.<br />

V - Transtorno. O Compadre morre e <strong>de</strong>ixa Leonardo como seu her<strong>de</strong>iro. Segue-se a cerimônia <strong>de</strong> luto e o enterro. Leonardo<br />

volta para a casa do pai. A Comadre, que também mora com a filha, faz agora as vezes do Compadre. Leonardo não se enten<strong>de</strong><br />

com a madrasta, Chiquinha.<br />

VI - Pior Transtorno. Leonardo, ao voltar da casa <strong>de</strong> Luisinha, aborrecido por não a ter visto, briga com Chiquinha. O pai<br />

intervém <strong>de</strong> espada, e Leonardo foge <strong>de</strong> casa.<br />

A Comadre censura os dois e vai procurar o afilhado, enquanto os vizinhos comentam as ocorrências...<br />

VII - Remédio dos Males. Ao fugir <strong>de</strong> casa, Leonardo encontra o antigo colega, o Sacristão da Sé, n<strong>um</strong> pique-nique em<br />

companhia <strong>de</strong> moças e rapazes, o qual o convida para ficar; ele aceita e enche-se <strong>de</strong> amores por Vidinha, cantora <strong>de</strong> modinhas, que<br />

tocava viola.<br />

“Vidinha era <strong>um</strong>a mulatinha <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito a vinte anos, <strong>de</strong> altura regular. ombros largos, peito alteado, cintura fina e pés<br />

pequeninos; tinha os olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os <strong>de</strong>ntes alvíssimos. a fala era <strong>um</strong> pouco<br />

<strong>de</strong>scansada, doce e afinada.”<br />

VIII - Novos Amores. Este capitulo faz a <strong>de</strong>scrição da nova família que acolhe Leonardo. Era composta <strong>de</strong> duas irmãs viúvas,<br />

<strong>um</strong>a com três filhos e a outra com três filhas. Passavam dos quarenta anos e eram muito gordas e parecidas. Os três filhos da<br />

primeira tinham mais <strong>de</strong> 20 anos e eram empregados no trem. As moças, mais ou menos da ida<strong>de</strong> dos rapazes, eram bonitas, cada<br />

<strong>um</strong>a a seu modo. Uma <strong>de</strong>las era Vidinha.<br />

IX - José Manuel Triunfa. A Comadre procurou Leonardo por toda parte e, não o encontrando, foi à casa <strong>de</strong> D. Maria, que a<br />

repreen<strong>de</strong>u por “ter cometido <strong>um</strong> gran<strong>de</strong>...”<br />

Ela logo enten<strong>de</strong>u e percebeu que José Manuel estava regenerado aos olhos <strong>de</strong> D. Maria; e também chegou à conclusão <strong>de</strong> que<br />

o cego Mestre <strong>de</strong> Reza é que tinha <strong>de</strong>svendado tudo.<br />

A Comadre <strong>de</strong>sculpa-se e toma conhecimento do interesse <strong>de</strong> José Manuel por Luisinha.<br />

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X - O Agregado. Leonardo fica agregado na nova família, como era cost<strong>um</strong>e naquela época. Dois irmãos preten<strong>de</strong>ntes a<br />

Vidinha unem-se contra Leonardo, que estava gostando <strong>de</strong>la.<br />

Vidinha e as Velhas tomam o partido <strong>de</strong> Leonardo. Houve briga e confusões.<br />

Leonardo <strong>de</strong>cidiu sair da casa, mas as velhas não consentem. Chega a Comadre.<br />

XI - Malsinação. Depois <strong>de</strong> conferências entre as velhas e a Comadre, Leonardo fica, para alegria <strong>de</strong> Vidinha.<br />

Os primos vencidos, combinam <strong>um</strong> modo <strong>de</strong> vingar-se<br />

Fizeram <strong>um</strong>a patuscada semelhante à que haviam feito quando conheceram Leonardo e avisaram o Major Vidigal... Este chega<br />

no meio da farra e pren<strong>de</strong> Leonardo.<br />

XII - Triunfo Completo <strong>de</strong> José Manuel. José Manuel ganha <strong>um</strong>a causa forense para D. Maria e, com isso, consegue o<br />

consentimento para casar-se com Luisinha, que Leonardo já havia esquecido; ela aceita com indiferença o novo preten<strong>de</strong>nte. Há<br />

festa e casamento em carruagens - “<strong>de</strong>stroços da arca <strong>de</strong> Noé”.<br />

XIII - Escápula. A caminho da prisão, Leonardo procura <strong>um</strong> jeito <strong>de</strong> fugir. O Major adivinha o pensamento do moço e presta<br />

atenção a todos os seus movimentos. Entretanto, na hora em que surgiu <strong>um</strong> pequeno t<strong>um</strong>ulto na rua, e o Major <strong>de</strong>sviou a atenção<br />

do prisioneiro, Leonardo escapuliu e foi para a casa <strong>de</strong> Vidinha.<br />

O Major, pasmado com o acontecido, procura-o por toda parte, com os grana<strong>de</strong>iros.<br />

XIV - O Vidigal Desapontado. Vidigal, com o orgulho ferido, sobretudo <strong>de</strong>vido às zombarias do povo, jurou vingar-se. A<br />

Comadre, entretanto, que não sabia da fuga, procura o Major e, ajoelhada a seus pés, chora e suplica pelo afilhado.<br />

Os grana<strong>de</strong>iros riam <strong>de</strong>la cada vez que gritava - solte, solte!<br />

XV - Caldo Entornado. Tendo sabido da fuga <strong>de</strong> Leonardo, a Comadre dirigiu-se à casa das velhas e pregou <strong>um</strong> sermão ao<br />

afilhado, concitando-o a que abandonasse a vadiagem e procurasse <strong>um</strong> emprego. Ela mesma consegue para ele <strong>um</strong>a ocupação na<br />

“Ucharia Real”.<br />

O Major não gostou disso porque assim não po<strong>de</strong>ria prendê-la Ucharia, morava <strong>um</strong> tal <strong>de</strong> Toma-Largura, assim chamado pela<br />

sua estampa grotesca, em companhia <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mulher bonita Leonardo começa a <strong>de</strong>morar cada vez mais no trabalho e a esquecer<br />

Vidinha.<br />

Um dia, Toma-Largura surpreen<strong>de</strong>u-o tomando sopa com sua mulher e corre atrás <strong>de</strong>le escorraçando-o <strong>de</strong> casa. No dia<br />

seguinte, Leonardo é <strong>de</strong>spedido do emprego.<br />

XVI - Ciúmes. Vidinha, extremamente ci<strong>um</strong>enta, quando soube do acontecido, foi tomar satisfação com a mulher do Toma-<br />

Largura, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> gritar, chorar e ameaçar.<br />

Leonardo vai atrás e se encontra com o Major Vidigal, que o pren<strong>de</strong>.<br />

XVII - Fogo <strong>de</strong> Palha. Vidinha começa a xingar Toma-Largura e a mulher. Como não houvesse reação dos dois, ficou<br />

<strong>de</strong>sconcertada, tomou a mantilha e saiu. Toma-Largura, encantado com Vidinha, resolveu conquistar nem que fosse <strong>um</strong>a diminuta<br />

parcela <strong>de</strong> seu amor, porque assim se vingaria <strong>de</strong> Leonardo e satisfaria seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conquista amorosa. Desse modo, acompanhou<br />

a moça para saber on<strong>de</strong> ela morava.<br />

XVIII - Represálias. Quando Vidinha chegou a casa, <strong>de</strong>ram também por falta <strong>de</strong> Leonardo. Mandam-no procurar por toda<br />

parte e nada. Suspeitam do Major, mas não o encontram na Casa da Guarda.<br />

A Comadre, avisada, põe-se em campo à procura do afilhado, mas também não o encontra. A família que hospedava Leonardo<br />

começou a odiá-lo, julgando que ele se havia ocultado propositalmente.<br />

Enquanto isso, o Toma-Largura começa a ro<strong>de</strong>ar a casa <strong>de</strong> Vidinha para c<strong>um</strong>primentá-la. Mal imagina ele o que lhes estão<br />

preparando...<br />

5


Recebido em casa, resolvem comemorar a aproximação com <strong>um</strong>a patuscada nos “Cajueiros”, no mesmo lugar on<strong>de</strong> Leonardo<br />

conhecera a família. E claro que o Toma-Largura lá estava. E como gosta <strong>de</strong> beber, acabou provocando <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> confusão na<br />

festa. Inesperadamente chega o Vidigal com <strong>um</strong> grupo <strong>de</strong> grana<strong>de</strong>iros e dá or<strong>de</strong>m a <strong>um</strong> <strong>de</strong>les para levar o Toma-Largura preso.<br />

Este grana<strong>de</strong>iro era Leonardo.<br />

XIX - O Grana<strong>de</strong>iro. Depois <strong>de</strong> preso, o Toma-Largura foi abandonado na calçada porque estava completamente bêbado e<br />

sem condições <strong>de</strong> andar. A seguir, o autor conta como Leonardo fora transformado em grana<strong>de</strong>iro: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> preso foi escondido<br />

por Vidigal e levado para sentar praça no Regimento Novo. A seguir, foi requisitado para ajudar o Major nas tarefas policiais. Era a<br />

maneira <strong>de</strong> o Vidigal se vingar.<br />

Leonardo mostrou-se bom <strong>de</strong> serviço, mas participou <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “diabrura” quando, em missão, representou Vidigal, <strong>de</strong>funto,<br />

n<strong>um</strong>a cena para ridicularizá-lo.<br />

XX - Novas Diabruras. O Major <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r Teotônio, <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> animador <strong>de</strong> festas, on<strong>de</strong> tocava e cantava modinhas e<br />

mostrava outras habilida<strong>de</strong>s, como banqueiro <strong>de</strong> jogo.<br />

Teotônio, na festa <strong>de</strong> batizado do filho <strong>de</strong> Leonardo-Pataca com a filha da Comadre, fez caretas e mímicas imitando o Major,<br />

que estava presente, para risada geral do público. O Major sai correndo e inc<strong>um</strong>be Leonardo <strong>de</strong> pren<strong>de</strong>r Teotônio.<br />

Leonardo, muito bem recebido na casa, revela a missão <strong>de</strong> que estava inc<strong>um</strong>bido e, <strong>de</strong> com<strong>um</strong> acordo com Teotônio, concebe<br />

<strong>um</strong> plano para lograr o Major.<br />

XXI - Descoberta. Leonardo foi c<strong>um</strong>primentado por <strong>um</strong> amigo indiscreto, na frente do Major, pela façanha, e este o pren<strong>de</strong><br />

imediatamente.<br />

Enquanto isso, o José Manuel, <strong>de</strong>pois da lua-<strong>de</strong>-mel com Luisinha, começou a mostrar que não era lá gran<strong>de</strong> coisa. Isso fez<br />

com que D. Maria se aliasse à Comadre para soltar Leonardo.<br />

XXII - Empenhos. Depois <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tentativa frustrada junto ao Major, a Comadre pe<strong>de</strong> os préstimos <strong>de</strong> D. Maria que, por sua<br />

vez, recorre a Maria Regalada. Chamava-se assim por ser muito alegre, ria-se <strong>de</strong> tudo. Morava na Prainha, e, quando mais nova,<br />

era <strong>um</strong>a “mocetona <strong>de</strong> truz”. Já era conhecida do Major, com quem há tempos tivera encontros amorosos.<br />

XXIII - As Três em Comissâo. As três vão ao Major pedir-lhe para soltar Leonardo. Ele mostra-se inicialmente inflexível<br />

como o cargo e o lugar exigiam. Como as três rompessem em prantos, ele não se conteve e chorou também, feito <strong>um</strong> bobo. Depois<br />

recompôs-se e ficou novamente durão.<br />

Entretanto, Maria Regalada cochichou-lhe qualquer coisa ao ouvido, e ele logo promete não somente soltar Leonardo como<br />

alg<strong>um</strong>a coisa mais.<br />

XXIV - A Morte é Juiz. José Manuel, com a ação que lhe moveu a sogra, tem <strong>um</strong> ataque <strong>de</strong> apoplexia e morre.<br />

Leonardo, libertado, chega à noitinha e a primeira coisa que procura é Luisinha. Tinha sido promovido a sargento. A admiração<br />

<strong>um</strong> pelo outro é recíproca.<br />

XXV - Conclusão Feliz. Depois do luto, Leonardo e Luisinha recomeçam o namoro. Os dois querem casar-se, mas há <strong>um</strong>a<br />

dificulda<strong>de</strong>: Leonardo era soldado, e soldado não podia casar. Levaram o problema ao Major, que vivia com Maria Regalada. Esse<br />

fora o preço pela soltura do Leonardo.<br />

Por influência da mulher, o Vidigal logo arranjou <strong>um</strong> jeito: dar baixa em Leonardo como tropa <strong>de</strong> linha e nomeá-lo “<strong>Sargento</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>”.<br />

Leonardo pai entrega ao filho a herança que lhe <strong>de</strong>ixara o padrinho barbeiro. Leonardo e Luisinha casam-se. E agora aparece “o<br />

reverso da medalha”:<br />

“Seguiu-se a morte <strong>de</strong> D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e <strong>um</strong>a enfiada <strong>de</strong> acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores,<br />

fazendo aqui ponto .final.”<br />

6


ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL<br />

1) A novela está dividida em duas partes bem distintas: a primeira com 23 capítulos e a segunda com 25.<br />

2) Os episódios são quase autônomos, só ligados pela presença <strong>de</strong> Leonardo, dando à obra <strong>um</strong>a estrutura mais <strong>de</strong> novela que <strong>de</strong><br />

romance, como já ficou observado.<br />

3) O leitor acompanha o crescimento do herói com sua infância rica em travessuras, a adolescência com as primeiras ilusões<br />

amorosas e aventuras, e o adulto, que, com o senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que essa ida<strong>de</strong> exige, vai-se enquadrando na socieda<strong>de</strong>, o<br />

que culmina com o casamento.<br />

4) Para Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a novela picaresca <strong>de</strong> influência hispânica.<br />

Manuel Ban<strong>de</strong>ira, em <strong>um</strong>a <strong>de</strong> suas crônicas, conta que o gran<strong>de</strong> escritor espanhol Francisco Ayala leu a novela e, <strong>de</strong> tão<br />

encantado, traduziu-a para o espanhol e escreveu no prefácio a palavra que melhor lhe pareceu qualificá-la: obra-prima,<br />

acrescentando que As <strong>Memórias</strong> se inserem na linhagem dos romances picarescos. E olhe que Ayala é da terra da ficção picaresca.<br />

Ninguém, pois, melhor qualificado para conferir a láurea.<br />

Não obstante, o nosso pícaro tem características próprias, que o afastam do mo<strong>de</strong>lo espanhol, como ressalta o critico Antônio<br />

Cândido, m “Dialética da Malandragem”: “Digamos então que Leonardo não é <strong>um</strong> pícaro saído da tradição espanhola, mas sim o<br />

primeiro gran<strong>de</strong> malandro que entra na novelística brasileira, vindo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tradição folclórica e correspon<strong>de</strong>ndo, mais do que se<br />

cost<strong>um</strong>a dizer, a certa atmosfera cómica e popularesca <strong>de</strong> seu tempo, no Brasil.<br />

5) Freqüentemente i<strong>de</strong>ntificadas por suas profissões e caracteres fisicos, as personagens se enquadram na categoria <strong>de</strong> planas,<br />

não apresentando, portanto, traços psicológicos <strong>de</strong>nsos e profundos. O protagonista da estória (Leonardo), que foge completamente<br />

aos padrões <strong>de</strong> herói romântico, é igualmente <strong>um</strong>a personagem plana, sem traços psicológicos profundos que marquem a sua<br />

personalida<strong>de</strong>.<br />

Assim, pois, predomina sempre o sentido visual e não a percepção psicológica. Os personagens distinguem-se pelo físico <strong>de</strong><br />

absoluta niti<strong>de</strong>z, não falam, e alg<strong>um</strong>as figuras ficam mudas quase todo o tempo, como acontece com Luisinha e o próprio<br />

Leonardo.<br />

6) Na construção da obra, muitas vezes há falhas que se explicam <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> o livro ter sido escrito em meio à algazarra<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a república <strong>de</strong> estudantes, como testemunha o biógrafo <strong>de</strong> Manuel Antônio, Marques Rebelo:<br />

a) A amante <strong>de</strong> Leonardo pai, na primeira parte, figura como sobrinha da parteira; na segunda, aparece como filha <strong>de</strong>sta.<br />

b) Por outro lado, os primos <strong>de</strong> Vidinha inicialmente eram três e no final só aparecem dois.<br />

c) A moça cujo rapto foi atribuído a José Manuel aparece como filha <strong>de</strong> <strong>um</strong>a viúva, mas, pouco <strong>de</strong>pois, o mesmo José Manuel<br />

foi salvo graças ao pai da rapariga.<br />

d) Ao contrário do que ocorre nas obras <strong>de</strong> “memórias”, aqui a narrativa não é feita em primeira pessoa como acontece<br />

geralmente com esse gênero literário, mas em terceira pessoa; talvez porque não se trata realmente <strong>de</strong> <strong>um</strong> livro <strong>de</strong> memórias.<br />

e) Para Paulo Rónai, que traduziu a obra para o francês, o título <strong>de</strong>veria ser: “Como se Faz <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong> , pois,<br />

segundo confessa, teve tentação <strong>de</strong> colocar, como titulo, na tradução francesa -“Comment on <strong>de</strong>vi ent un Sargent <strong>de</strong> la Mi/ice ‘. Já<br />

para Olívio Montenegro, o título po<strong>de</strong>ria ser: “Cenas da Vida Carioca”.<br />

ESTILO DE ÉPOCA<br />

Tendo surgido em pleno Romantismo, <strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong> apresenta <strong>um</strong>a narrativa <strong>de</strong>sembaraçada, com<br />

conversações colhidas ao vivo e <strong>um</strong>a multidão <strong>de</strong> personagens vivos, extraídos da gente do povo, primando pela originalida<strong>de</strong>.<br />

Entretanto, po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>tectar, na obra, aspectos que traem não só o Romantismo como o Realismo:<br />

1) Não parece ser muito apropriado consi<strong>de</strong>rar o livro como obra precursora do Realismo no Brasil, embora seu autor haja<br />

revelado conhecer a “Comédia H<strong>um</strong>ana”, <strong>de</strong> Balzac, e ter recebido influências <strong>de</strong>la.<br />

7


Falta-lhe, sem dúvida, a intenção realista, apesar da presença <strong>de</strong> muitos elementos <strong>de</strong>nunciadores <strong>de</strong>sse estilo <strong>de</strong> época, como<br />

ressalta José Verissimo: “o autor pratica, no romance brasileiro, o que já é licito chamar obra psicológica e <strong>de</strong> meio: a <strong>de</strong>scrição<br />

pontual, a representação realista das coisas, mas fugindo às cruezas.<br />

2) Ao contrário do que ocorre no Romantismo, o cenário não é o dos palácios reais com festas e diversões ao gosto dos nobres,<br />

nem a natureza; são as ruas cheias <strong>de</strong> gente, por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>sfilam meirinhos, parteiras, <strong>de</strong>votas, grana<strong>de</strong>iros, sacristães, vadios,<br />

brancos, pardos e pretos: gente do povo, <strong>de</strong> todas as raças e profissões. Povo sem nome, simplesmente <strong>de</strong>signado por mestre <strong>de</strong><br />

reza, parteira, barbeiro, toma largura, etc. Assim, existe, no livro, <strong>um</strong>a preocupação doc<strong>um</strong>ental bem ao gosto realista.<br />

3)-Além disso, <strong>de</strong>stacam-se na obra o sentimento anti-religioso e anticlericalista, o horror aos padres e o <strong>de</strong>sprezo pelas beatas,<br />

a caricatura e a ironia, que são ingredientes sabidamente caracterizadores do estilo realista:<br />

- ‘O Divino Espírito Santo<br />

E <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> folião,<br />

Amigo <strong>de</strong> muita carne.<br />

Muito vinho e muito pão.<br />

A cena do clérigo, mestre <strong>de</strong> cerimônias, no quarto <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cigana prostituta, em noite <strong>de</strong> festa e nos trajes em que o autor o<br />

coloca é digna <strong>de</strong> mestres do Realismo, como Eça <strong>de</strong> Queiroz, por exemplo.<br />

Por outro lado, a presença do Romantismo também é notória na obra:<br />

1) A busca do passado, que é <strong>um</strong>a fixação com<strong>um</strong> no estilo romântico, serve <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida para o autor, como se vê na<br />

abertura do livro: “Era no tempo do rei”.<br />

Conforme ressalta Paulo Rónai, “orgulha-se o autor <strong>de</strong> não participar dos exageros românticos, mas, saudoso do passado,<br />

explica o interesse pelos tempos antigos com a alegação <strong>de</strong> querer mostrar que os cost<strong>um</strong>es <strong>de</strong> outrora não eram superiores aos <strong>de</strong><br />

seu tempo. Só mero pretexto: ele só não admitia os excessos dos ultra-românticos.”<br />

2) Como é freqüente no Romantismo, que tem, ao lado <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa tendência para finais tétricos, propensão para as<br />

conclusões açucaradas, todos os capítulos e a própria novela terminam n<strong>um</strong> “happy end ‘, ou final feliz.<br />

3) A <strong>de</strong>spreocupação com a correção gramatical e o aproveitamento da fala e <strong>de</strong> expressões populares mostram bem a tendência<br />

para a liberalização da expressão, que é outra conquista do Romantismo, forjada na esteira do liberalismo da época, como revelam<br />

os exemplos abaixo:<br />

A vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem per<strong>de</strong>u. como se cost<strong>um</strong>a dizer, as estribeiras,...”<br />

"Quando amanheceu, acordou sarapantado...."<br />

"— Olá, Leonardo! Por que carga d ‘água vieste parar a estas alturas? Pensei que te tinha já o diabo lambido os ossos, pois<br />

<strong>de</strong>pois daquele maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do mestre-<strong>de</strong>-cerimônias, nunca mais te pus a vista em<br />

cima.”<br />

"— Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo...<br />

“— Fui para casa <strong>de</strong> meu pai... e <strong>de</strong> repente, hoje mesmo. brigo lá com a cuja <strong>de</strong>le...”<br />

Na onda <strong>de</strong>ssa liberalização, há verda<strong>de</strong>iras incorreções gramaticais, conforme atestam estes exemplos:<br />

"Naquela família haviam três primos.”<br />

“Nas causas <strong>de</strong> sua imensa alçada não haviam testemunhas...”<br />

"...ele expôs-me certas coisas... e que eu enfim não quis dar crédito.”<br />

"... Fazia o mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discípulos.”<br />

8


4) Como é com<strong>um</strong> no Romantismo, alg<strong>um</strong>as situações são criadas artificialmente. Revela-o sobretudo o fato <strong>de</strong> Leonardo<br />

transformado em grana<strong>de</strong>iro e posteriormente em <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>.<br />

Assim, embora apresente características que lembram os estilos realista e romântico, <strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong> se<br />

<strong>de</strong>staca por sua originalida<strong>de</strong>, afastando-se dos padrões da época, como observou Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que consi<strong>de</strong>rava essa novela<br />

<strong>um</strong>a obra isolada.<br />

LINGUAGEM<br />

1) A linguagem utilizada pelo autor em toda a novela, embora <strong>de</strong> cunho popular e com bastantes incorreções, tem muito do<br />

linguajar tipicamente português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da gente lusitana em nossa terra no “tempo do rei”:<br />

"Não quero cá saber <strong>de</strong> nada...”<br />

"— Pois estoure, com trezentos diabos!”<br />

"... há <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> clérigo <strong>de</strong> truz.”<br />

"... regulando-se a ouvir modinhas...”<br />

"— E a noiva?.., respondia a outra: arrenego também da lambisgoia...<br />

E outras expressões como tira-te lá, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com a cuja <strong>de</strong>le, etc.<br />

2) Outras vezes prima por usar construções bem clássicas:<br />

"... o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora <strong>de</strong> <strong>um</strong> dos bolsos, o cabo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tremenda palmatória,..."<br />

“Coimbra era a sua idéia fixa, e nada /ha arrancava da cabeça."<br />

"... e quando tiver 12 ou 14 anos há <strong>de</strong> me entrar para a escola.<br />

"... e isto era natural a <strong>um</strong> bom português, que o era ele.”<br />

3) A ironia e o gosto pela gozação acompanham a obra do começo ao fim.<br />

"A carruagem era <strong>um</strong> formidável, <strong>um</strong> monstruoso maquinismo <strong>de</strong> couro, balançando-se pesadamente sobre quatro<br />

<strong>de</strong>smesuradas rodas. Não parecia coisa muito nova; e com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong>ria muito bem entrar no número dos restos<br />

infelizes do terremoto, <strong>de</strong> que fala o poeta.<br />

“Luisinha, conduzida por D. Maria, que lhe ia servir <strong>de</strong> madrinha, embarcou n<strong>um</strong> dos <strong>de</strong>stroços da arca <strong>de</strong> Noé. a que<br />

chamamos carruagem; "<br />

“Entre os honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época <strong>de</strong>sta história <strong>um</strong> certo Chico-Juca. afamadíssimo e<br />

temível.”<br />

“Eis aqui como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão ai pelo mundo.”<br />

ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES<br />

1) Para Antônio Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance <strong>de</strong> folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil<br />

perceber; oferecer ao leitor, <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado, <strong>um</strong> romance engraçado, pelos tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas<br />

atitu<strong>de</strong>s e ações; <strong>de</strong> outro, <strong>um</strong> romance <strong>de</strong> cost<strong>um</strong>es populares, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Rio que <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> existir, com a mo<strong>de</strong>rnização da vida<br />

carioca, iniciada no <strong>de</strong>cênio <strong>de</strong> 1830; <strong>um</strong> Rio do começo do século, ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas<br />

<strong>de</strong>spreocupações <strong>de</strong> sua gente e pelas festas populares (procissões, folias do Divino, fogos no Campo <strong>de</strong> Santana, as súcias), e por<br />

isso <strong>um</strong> Rio <strong>de</strong> que os mais velhos, nos anos <strong>de</strong> 1850, se recordavam com nostalgia.”<br />

9


2) Além <strong>de</strong>sses aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início do século XIX, quando D. João VI esteve no<br />

Brasil fugido <strong>de</strong> Napoleão), <strong>de</strong>staca-se também no livro o anticlericalismo típico da época, em que se expõem as safa<strong>de</strong>zas <strong>de</strong><br />

padres e outros podres da Igreja <strong>de</strong> Roma.<br />

"— Olá, Leonardo! Por que carga d ‘água vieste parar a estas alturas? Pensei que te tinha já o diabo lambido os ossos, pois<br />

<strong>de</strong>pois daquele maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do mestre-<strong>de</strong>-cerimônias, nunca mais te pus a vista em<br />

cima.”<br />

"— Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo...<br />

“— Fui para casa <strong>de</strong> meu pai... e <strong>de</strong> repente, hoje mesmo. brigo lá com a cuja <strong>de</strong>le...”<br />

Na onda <strong>de</strong>ssa liberalização, há verda<strong>de</strong>iras incorreções gramaticais, conforme atestam estes exemplos:<br />

"Naquela família haviam três primos.”<br />

“Nas causas <strong>de</strong> sua imensa alçada não haviam testemunhas...”<br />

"...ele expôs-me certas coisas... e que eu enfim não quis dar crédito.”<br />

"... Fazia o mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discípulos.”<br />

4) Como é com<strong>um</strong> no Romantismo, alg<strong>um</strong>as situações são criadas artificialmente. Revela-o sobretudo o fato <strong>de</strong> Leonardo<br />

transformado em grana<strong>de</strong>iro e posteriormente em <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong>.<br />

Assim, embora apresente características que lembram os estilos realista e romântico, <strong>Memórias</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>Sargento</strong> <strong>de</strong> <strong>Milícias</strong> se<br />

<strong>de</strong>staca por sua originalida<strong>de</strong>, afastando-se dos padrões da época, como observou Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, que consi<strong>de</strong>rava essa novela<br />

<strong>um</strong>a obra isolada.<br />

LINGUAGEM<br />

1) A linguagem utilizada pelo autor em toda a novela, embora <strong>de</strong> cunho popular e com bastantes incorreções, tem muito do<br />

linguajar tipicamente português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da gente lusitana em nossa terra no “tempo do rei”:<br />

"Não quero cá saber <strong>de</strong> nada...”<br />

"— Pois estoure, com trezentos diabos!”<br />

"... há <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> clérigo <strong>de</strong> truz.”<br />

"... regulando-se a ouvir modinhas...”<br />

"— E a noiva?.., respondia a outra: arrenego também da lambisgoia...<br />

E outras expressões como tira-te lá, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com a cuja <strong>de</strong>le, etc.<br />

2) Outras vezes prima por usar construções bem clássicas:<br />

"... o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora <strong>de</strong> <strong>um</strong> dos bolsos, o cabo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tremenda palmatória,..."<br />

“Coimbra era a sua idéia fixa, e nada /ha arrancava da cabeça."<br />

"... e quando tiver 12 ou 14 anos há <strong>de</strong> me entrar para a escola.<br />

"... e isto era natural a <strong>um</strong> bom português, que o era ele.”<br />

3) A ironia e o gosto pela gozação acompanham a obra do começo ao fim.<br />

"A carruagem era <strong>um</strong> formidável, <strong>um</strong> monstruoso maquinismo <strong>de</strong> couro, balançando-se pesadamente sobre quatro<br />

<strong>de</strong>smesuradas rodas. Não parecia coisa muito nova; e com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> vida po<strong>de</strong>ria muito bem entrar no número dos restos<br />

infelizes do terremoto, <strong>de</strong> que fala o poeta.<br />

“Luisinha, conduzida por D. Maria, que lhe ia servir <strong>de</strong> madrinha, embarcou n<strong>um</strong> dos <strong>de</strong>stroços da arca <strong>de</strong> Noé. a que<br />

chamamos carruagem; "<br />

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“Entre os honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época <strong>de</strong>sta história <strong>um</strong> certo Chico-Juca. afamadíssimo e<br />

temível.”<br />

“Eis aqui como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão ai pelo mundo.”<br />

ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES<br />

1) Para Antônio Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance <strong>de</strong> folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil<br />

perceber; oferecer ao leitor, <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado, <strong>um</strong> romance engraçado, pelos tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas<br />

atitu<strong>de</strong>s e ações; <strong>de</strong> outro, <strong>um</strong> romance <strong>de</strong> cost<strong>um</strong>es populares, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Rio que <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> existir, com a mo<strong>de</strong>rnização da vida<br />

carioca, iniciada no <strong>de</strong>cênio <strong>de</strong> 1830; <strong>um</strong> Rio do começo do século, ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas<br />

<strong>de</strong>spreocupações <strong>de</strong> sua gente e pelas festas populares (procissões, folias do Divino, fogos no Campo <strong>de</strong> Santana, as súcias), e por<br />

isso <strong>um</strong> Rio <strong>de</strong> que os mais velhos, nos anos <strong>de</strong> 1850, se recordavam com nostalgia.”<br />

2) Além <strong>de</strong>sses aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início do século XIX, quando D. João VI esteve no<br />

Brasil fugido <strong>de</strong> Napoleão), <strong>de</strong>staca-se também no livro o anticlericalismo típico da época, em que se expõem as safa<strong>de</strong>zas <strong>de</strong><br />

padres e outros podres da Igreja <strong>de</strong> Roma.<br />

3) Ao traçar o perfil <strong>de</strong> Leonardo, protagonista da novela, o autor retrata <strong>um</strong> tipo genuinamente brasileiro, com sua<br />

malandragem bem carioca e sua propensão ao “dolce far niente” (= não fazer nada, ócio), n<strong>um</strong>a aversão ao trabalho, que antecipa,<br />

em quase <strong>um</strong> século, o celebrado “herói sem nenh<strong>um</strong> caráter” e mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> nossa gente, Macunaíma, do mo<strong>de</strong>rnista Mário <strong>de</strong><br />

Andra<strong>de</strong>.<br />

4) Apresentando <strong>um</strong> perfil pautado pela retidão e pelo senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que o aproxima mais do herói tradicional que<br />

Leonardo, o major Vidigal é bem a encarnação do po<strong>de</strong>r constituído e da or<strong>de</strong>m estabelecida. Com sua implacabilida<strong>de</strong> à cata <strong>de</strong><br />

malandros, o major representa, sem dúvida, o guardião <strong>de</strong> normas sociais que padronizam comportamentos e enquadram tipos<br />

rebel<strong>de</strong>s que ousam transgredi-las.<br />

5) Simbolicamente, dada a liberda<strong>de</strong> que me permite a teoria da obra aberta, po<strong>de</strong>-se ver, nessas “memórias” <strong>de</strong> Leonardo, a<br />

trajetória existencial <strong>de</strong> qualquer ser h<strong>um</strong>ano, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento, quase sempre fruto <strong>de</strong> <strong>um</strong> amor que brota com <strong>um</strong>a “pisada no<br />

pé” (que varia conforme o cost<strong>um</strong>e da época...), até o enquadramento social, que se concretiza com o casamento e sobretudo com a<br />

investidura da camisa <strong>de</strong> força imposta pelo major Vidigal. Sem dúvida, o “happy end” da conclusão é <strong>um</strong> final irônico, em que o<br />

ser h<strong>um</strong>ano dá a<strong>de</strong>us às travessuras e às ilusões para se enjaular nos limites estreitos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vidinha miúda e besta, pautada pelo<br />

bom comportamento <strong>de</strong> <strong>um</strong> sargento <strong>de</strong> milícias<br />

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