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354 - COL. MITOLOGIA GRECO-ROMANA - VOL. II - Thule-italia.net

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RENÉ MENARD<br />

<strong>VOL</strong>UME <strong>II</strong>


Titulo do original francês<br />

LA MYTHOLOGIE DANS L'ART ANCIEN ET MODERNE<br />

EDITOR<br />

DIREÇÃO EDITORIAL<br />

TRADUÇÃO<br />

REVISÃO FINAL<br />

MONTAGEM E ARTE FINAL<br />

EQUIPE DE ARTE<br />

EQUIPE DE REDAÇÃO<br />

PIETRO MACERA<br />

SALVATORE MACERA NETO<br />

ALDO DELLA NINA<br />

Nossos agradecimentos pelo constante incentivo que recebemos de:<br />

MARGHERITA STEFANELLI MACERA IN MEMORIAM<br />

R. MARIO STEFANELLI<br />

SALVATORE<br />

CHRISTINA MACERA NI<strong>COL</strong>A<br />

STEFANELLI<br />

ANGELINO MACERA GIOVANNI GRILO<br />

EMILIA GIOVANNA A. MACERA JOSÉ LASTORINA<br />

MARIANA MACERA<br />

ANTONIETA MACERA


Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser<br />

reproduzida ou utilizada de qualquer forma ou por qualquer método, eletrônico ou<br />

mecânico, sem autorização prévia por escrito dos Editores.<br />

1ª Edição 1985<br />

2 ª Edição 1991<br />

Impresso no Brasil<br />

Printed in Brazil


91-1334<br />

Dados Internacionais de Catalogação na<br />

Publicação (CIP)<br />

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)<br />

Ménard, René, 1827-1887.<br />

Mitologia greco-romana / Rene Menard ; tradução<br />

Aldo Della Nina. — São Paulo : Opus, 1991.<br />

Obra em 3 v.<br />

1. Mitologia grega 2. Mitologia romana I. Título.<br />

Índices para catálogo sistemático:<br />

1. Mitologia greco-romana 292<br />

CDD-292


LIVRO <strong>II</strong>I<br />

APOLO E DIANA


CAPÍTULO I<br />

LATONA E SEUS FILHOS<br />

Nascimento de Apolo e Diana. — Latona<br />

e a serpente Pitão. — Os camponeses<br />

carianos.<br />

Nascimento de Apolo e Diana<br />

Apolo e Diana são filhos de Júpiter e de Latona,<br />

personificação da Noite, divindade poderosa cuja união com<br />

Júpiter produziu o Universo. Segundo a tradição, Latona vê-se,<br />

em seguida, relegada ao segundo lugar e quase não aparece na<br />

mitologia a não ser como vítima de Juno. A Terra, por<br />

instigação de Juno, quis impedi-la de achar lugar onde<br />

pudesse dar à luz os filhos que trazia no seio. Entretanto,<br />

Netuno, vendo que a infeliz deusa não encontrava abrigo onde<br />

quer que fosse, comoveu-se e fez sair do mar a ilha de Delos.<br />

Sendo essa ilha, a princípio, flutuante, não pertencia à Terra,<br />

que assim não pôde nela exercer a sua funesta ação.<br />

"Delos, diz o hino homérico, rejubilou-se com o<br />

nascimento do deus que atira os seus dardos para longe.


Durante nove dias e nove noites, foi Latona dilacerada pelas<br />

cruéis dores do parto. Todas as deusas, as mais ilustres,<br />

reúnem-se-lhe em torno. Dionéia, Réa, Têmis que persegue os<br />

culpados, a gemedora Anfitrite, todas, exceto Juno dos braços<br />

de alabastro, que ficou no palácio do formidando Júpiter.<br />

Entretanto, somente Ilitia, deusa dos partos, é que ignorava a<br />

nova; achava-se sentada no topo do Olimpo, numa nuvem de<br />

ouro, retida pelos<br />

Fig. 181 — Apolo, Diana e Latona (segundo Flaxman).<br />

conselhos de Juno, que sofria um ciúme furioso, porque<br />

Latona dos cabelos formosos iria certamente dar à luz um<br />

filho poderoso e perfeito.<br />

"Então, a fim de levarem Ilitia, as demais deusas<br />

enviaram de Delos a ligeira Íris, prometendo-lhe um colar de<br />

fios de ouro, com nove cúbitos de comprimento.<br />

Recomendam-lhe sobretudo que a advirta, à revelia de Juno,<br />

de medo que esta a detenha com as suas palavras. Iris,<br />

rápida como os ventos, mal recebe a ordem, parte e cruza o<br />

espaço num instante.


"Chegada à mansão dos deuses no topo do Olimpo, Íris<br />

persuadiu Ilitia, e ambas voam como tímidas pombas. Quando a<br />

deusa que preside aos partos chegou a Delos, Latona<br />

experimentava as mais vivas dores. Prestes a dar à luz,<br />

abraçava uma palmeira e os joelhos apertavam a relva mole. Em<br />

breve nasce o deus; todas as deusas dão um grito religioso.<br />

Imediatamente, divino Febo, elas te lavam castamente,<br />

purificam-te em límpida água e te envolvem num véu branco,<br />

tecido delicado, que elas cingem com um cinto de ouro. Latona<br />

não aleitou Apolo de gládio resplendente. Têmis, com as suas<br />

imortais mãos, oferece-lhe o néctar e a divina ambrósia. Latona<br />

alegrou-se enormemente por ter gerado o valoroso filho que<br />

empunha um temível arco."<br />

Apolo e Diana nasceram, pois, em Delos, e é por isso que<br />

Apolo se chama, freqüentemente, o deus de Delos. Uma linda<br />

composição de Flaxman mostra Ilitia que acaba de assistir a<br />

Latona no penoso parto das duas jovens divindades.<br />

Fig. 182 — Latona perseguida pela serpente Pitão (segundo uma<br />

pintura de vaso).


Latona e a serpente Pitão<br />

Entretanto Juno, não conseguindo perdoar à rival ter sido<br />

amada por Júpiter, instigou contra ela um monstruoso dragão,<br />

filho da Terra, chamado Delfíneo ou Pitão, que fora incumbido<br />

da guarda dos oráculos da Terra, perto da fonte de Castalia.<br />

Obedecendo às sugestões de Juno, Pitão perseguia sem cessar a<br />

infeliz deusa, que escapava da sua presença apertando entre os<br />

braços os filhos. Num vaso antigo, vemo-lo sob a forma de uma<br />

longa serpente que ergue a cabeça, desenrolando o corpo, e<br />

persegue Latona. A deusa teme, enquanto os filhos, que não<br />

percebem o perigo, estendem os bracinhos para o monstro.<br />

Os camponeses carianos<br />

Quando Latona, perseguida pela implacável Juno, fugia<br />

com os dois filhos ao colo, chegou à Caria. Num dia de intenso<br />

calor, deteve-se aniquilada pela sede e pelo cansaço às margens<br />

de um tanque do qual não ousava aproximar-se. Mas alguns<br />

camponeses ocupados em arrancar caniços impediram-na de<br />

beber, expulsando-a brutalmente. A infeliz Latona rogou-lhes,<br />

em nome dos filhinhos, que lhe permitissem sorver umas gotas<br />

de água, mas eles a ameaçaram se se não afastasse quanto<br />

antes, e turvaram as águas com os pés e as mãos, a fim de que<br />

a lama revolvida aparecesse à tona. A cólera de que Latona se<br />

sentiu possuída fez com que se esquecesse da sede, e<br />

lembrando-se de que era deusa: "Pois bem, disse-lhes, erguendo<br />

as mãos ao céu, ficareis para sempre neste tanque." O efeito<br />

seguiu de perto a ameaça, e


aqueles desalmados se viram transformados em rãs. Desde<br />

então, não cessam de coaxar com voz rouca e de chafurdar na<br />

lama. Alguns lobos, mais humanos que os camponeses,<br />

conduziram-na às margens do Xanto, e Latona pôde fazer as<br />

suas abluções nesse rio, que foi consagrado a Apolo. Rubens, no<br />

museu de Munich e Albane no Louvre possuem quadros em que<br />

vemos Latona e os filhos na presença dos camponeses de Caria,<br />

que a repelem e se transformam em rãs. Na fonte de Latona, em<br />

Versalhes, Balthazar Marsy representou a deusa, com os dois<br />

meninos, implorando a vingança do céu contra os insultos dos<br />

camponeses. Cá e lá, rãs, lagartos, tartarugas, camponeses e<br />

camponesas cuja metamorfose se inicia, lançam contra Latona<br />

jatos de água que se cruzam em todos os sentidos.<br />

Fig. 183 — Latona e seus filhos (em Versalhes)


CAPÍTULO <strong>II</strong><br />

FEBO-APOLO<br />

O tipo de Apolo — Jacinto<br />

metamorfoseado em flor. — Ciparissa e<br />

o seu cervo.<br />

O tipo de Apolo<br />

Esplendente é o epíteto que se dá a Apolo, considerado<br />

deus solar. Apolo atira ao longe as suas setas, por-que o sol<br />

dardeja ao longe os seus raios. É o deus profeta, porque o sol<br />

ilumina na sua frente e vê, por conseguinte, o que vai suceder;<br />

é o condutor das Musas e o deus da inspiração, porque o sol<br />

preside às harmonias da natureza; é o deus da medicina,<br />

porque o sol cura os doentes com o seu benéfico calor.<br />

Apolo, o Sol, o mais belo dos poderes celestes, o vencedor<br />

das trevas e das forças maléficas, tem sido representado pela<br />

arte sob vários aspectos. Nos tempos primitivos, um pilar<br />

cônico, colocado nas grandes estradas, bastava para lembrar o<br />

poder tutelar do deus.


Quando nele se pendem as armas, é o deus vingador que premia<br />

e castiga; quando nele se pendura uma cítara,<br />

Fig. 184 — Apolo (segundo um busto antigo).<br />

torna-se o deus cujos harmoniosos acordes devolvem a calma à<br />

alma agitada.<br />

O Apolo de Amicleu, reproduzido em medalhas, pode dar<br />

uma idéia do que eram, na época arcaica, as<br />

Fig. 185 — Apolo de Amicleu


primeiras imagens do deus, sensivelmente afastadas do tipo que<br />

a arte adotou mais tarde. Em bronzes de data menos antiga, mas<br />

ainda anteriores à grande época. Apolo está representado com<br />

formas mais vigorosas do que elegantes, e os anéis achatados da<br />

sua cabeleira o aproximam um pouco das figuras de Mercúrio.<br />

No tipo que tem dominado, Apolo usa cabelos longuíssimos,<br />

separados por uma risca no meio da cabeça e afastados de cada<br />

lado da testa. Às vezes, eles se prendem atrás, na nuca, mas,<br />

outras, flutuam. Vários bustos e moedas nos mostram tais<br />

diferentes aspectos.<br />

"A figura oval-alongada, diz Ottfried Mueller, que o cróbilo<br />

freqüentemente colocado sobre a testa mais ainda alonga,<br />

servindo, por assim dizer, de topo à figura inteira que parece<br />

aspirar à morada divina, revela uma doce plenitude, uma energia<br />

completa e uma força cheia de maturidade. Em todas as feições<br />

respira um senti-mento elevado, altivo e franco, sejam quais<br />

forem as modificações a que o artista submete a ideal figura. As<br />

formas dos membros são delgadas e moles ; os quadris altos<br />

Fig 186 — Apolo (segundo moedas antigas).<br />

as coxas longas; os músculos, sem serem salientes, e muito ao<br />

contrário bem fundidos na massa do corpo, são, no entanto,<br />

suficientemente ressaltados para porem em evidência a<br />

maleabilidade do corpo e o vigor dos seus movimentos."<br />

Apolo é sempre representado jovem e imberbe, por-que o sol<br />

não envelhece. Algumas das suas estátuas o mostram até com os<br />

caracteres cia adolescência, por


Fig. 187 — Apolo Sauróctone (segundo uma estátua antiga).


exemplo o Apollino de Florença. No Apolo Sauróctone, o jovem<br />

deus está acompanhado de um lagarto, que ele sem dúvida<br />

acaba de excitar com a flecha para o arrancar ao torpor e<br />

obrigá-lo a caminhar. Apolo, nesse caráter, é considerado o sol<br />

nascente, ou o sol da primavera, porque a presença do lagarto<br />

coincide com os seus primeiros raios (fig. 188).<br />

O grifo é um animal fantástico, que vemos freqüentemente<br />

perto da imagem do deus (fig. 189) ou atrelado ao seu carro.<br />

Tem a cabeça e as asas de águia, com<br />

Fig. 188 — Combate dos grifos contra os arimaspes.<br />

corpo, patas e cauda de leão. Os grifos têm por missão guardar<br />

os tesouros que as entranhas da terra ocultam, e é para obter o<br />

ouro de que são detentores, que os Arimaspes lutam<br />

constantemente contra eles. Os combates constituem o tema de<br />

grandíssimo número de representações, principalmente em<br />

terracotas ou em vasos. Os Arimaspes são guerreiros fabulosos,<br />

que usam vestes análogas às das amazonas. Uma pintura de<br />

vaso no-los mostra combatendo grifos, providos de cristas e<br />

penachos,


Fig. 189 — Apolo e o grifo.


Jacinto metamorfoseado em flor<br />

Teve Apolo vários amigos, entre outros Jacinto, jovem<br />

lacedemônio dotado de maravilhosa beleza. "Um lia, diz<br />

Ovídio, por volta do meio-dia, após tirarem as vestes e<br />

fazerem escoar pelos membros o lúcido suco da oliva, o<br />

jovem e o deus desafiaram-se para um jogo de disco. Apolo<br />

começa; o seu disco parte, fende a nuvem e só cai sobre a<br />

terra muito tempo depois; o deus pretendia demonstrar toda<br />

a sua habilidade e força. Arrebatado pelo ardor do jogo, o<br />

jovem corre a recolher o disco; mas, repelido pela terra, o<br />

disco salta e bate-lhe em pleno rosto ; ) adolescente<br />

empalidece, e o próprio deus empalidece; Apolo acorre,<br />

aperta entre os braços o infeliz Jacinto e estanca-lhe o<br />

sangue da ferida; emprega todos os recursos da sua arte<br />

para conservar-lhe a vida. Mas é em vão! O ferimento era<br />

mortal. Assim como vemos o lírio, a papoula e a violeta, cuja<br />

haste se partiu, curvar-se para ) chão, agonizantes, a cabeça<br />

do jovem Jacinto, já coberta peja palidez da morte, cai-lhe<br />

sobre os ombros ... Enquanto Apolo se entrega à dor, o<br />

sangue espalhado pela relva desaparece; uma flor nova<br />

nasce, uma flor mais brilhante que a púrpura e de formato<br />

semelhante ao do lírio. Não basta ao deus prestar tão triste<br />

homenagem à memória do amigo; quer ainda que aquela flor<br />

prove<br />

Fig. 190 — Jacinto (segundo uma estátua de Bosio, museu do Louvre).


para sempre o seu infortúnio; liga-lhe a expressão e os sinais da<br />

dor, traçando nela as letras Ai!" (Ovídio).<br />

O jacinto de Peloponeso tem matiz escuro; os antigos o<br />

consideravam emblema da morte.<br />

Uma estátua de Apolo foi erguida em Amicleu sobre o<br />

túmulo de Jacinto, e no pedestal, via-se num baixo-relevo o<br />

jovem levado ao céu. Uma linda pedra gravada mostra Jacinto<br />

durante a sua metamorfose em flor. Há no Louvre, no museu de<br />

escultura, uma estátua de Callamard que representa Jacinto<br />

levando a mão ao ferimento que acaba de receber na testa : o<br />

disco que o feriu está-lhe aos pés. Bosio, numa encantadora<br />

estátua, esculpiu Jacinto semideitado e vendo Apolo atirar,<br />

enquanto aguarda a sua vez (fig. 190).<br />

Ciparissa e o seu cervo<br />

Outro amigo de Apolo, Ciparissa, foi vítima de singular<br />

metamorfose. Havia um cervo, cujas pontas eram douradas, e as<br />

ninfas, às quais ele era consagrado, o tinham enfeitado com<br />

brincos e um lindo colar de pérolas. O cervo era bem manso, e<br />

entrava de boa vontade nas casas para que o acariciassem; mas<br />

ninguém o amava tanto quanto Ciparissa, o mais belo rapaz da<br />

ilha de Cos. Tinha o cuidado de levá-lo aos melhores pastos e de<br />

fazê-lo beber nas fontes mais puras, e ornava-lhe as pontas com<br />

grinaldas de flores. Um dia, enquanto o cervo repousava num<br />

bosque, Ciparissa, que o viu sem o reconhecer, o varou com uma<br />

seta, e sentiu tal pesar que preferiu matar-se. Apolo, vendo-o<br />

agonizar, transformou-o em cipreste.


CAPÍTULO <strong>II</strong>I<br />

O TRIPÉ DE APOLO<br />

Delfos, centro do mundo. — Apolo,<br />

vencedor de Pitão. — A disputa do tripé.<br />

— O oráculo de Delfos. — Predições a<br />

Laio. — Édipo e Laio. — A esfinge. — As<br />

desventuras de Édipo. — Édipo e<br />

Antígona.<br />

Delfos, centro do mundo<br />

O sol vê antes dos homens porque produz a luz com os<br />

seus raios; é por isso que prevê o futuro e pode revelá-lo aos<br />

homens. Esse caráter profético é um dos atributos essenciais de<br />

Apolo; dá os seus oráculos no templo de Delfos, situado no<br />

centro do mundo. Ninguém duvida de tal fato, porque tendo<br />

Júpiter soltado duas pombas nas duas extremidades da terra,<br />

elas voltaram a encontrar-se justamente no ponto em que está o<br />

altar de Apolo. Assim, em vários vasos, vemos Apolo sentado no<br />

omphalos (o umbigo da terra), de onde dá os oráculos (fig. 191).


Apolo, vencedor de Pitão<br />

Delfos chama-se também às vezes Pito, do nome da<br />

serpente Pitão, que ali foi morta por Apolo.<br />

Apolo, provido de temíveis setas, quis experimentá-las<br />

ferindo o perseguidor da sua mãe. Mal o monstro se sente<br />

atingido, é presa das mais vivas dores e, respirando com<br />

esforço, rola sobre a areia, assobia espantosa-mente, torce-se<br />

em todas as direções, atira-se ao meio da floresta e morre<br />

exalando o hálito empestado.<br />

Fig. 191 — Apolo no omphalos.<br />

Apolo contentíssimo com o triunfo, exclama : "Que o teu<br />

corpo seco apodreça nesta terra fértil; não serás mais o<br />

flagelo dos mortais que se nutrem dos frutos da terra<br />

fecunda, e eles virão imolar-me aqui magníficas hecatombes;<br />

nem Tifeu, nem a odiosa Quimera poderão arrancar-te à<br />

morte; a terra e o sol no seu curso celeste farão apodrecer<br />

aqui o teu cadáver." (Hino homérico).


Aquecido pelos raios do sol, o monstro começa a apodrecer.<br />

Foi assim que aquela região tomou o nome de Pito : os<br />

habitantes deram ao deus o nome de Pítio, porque em tais<br />

lugares o sol, com os seus raios devoradores, decompôs o terrível<br />

monstro.<br />

Segundo as narrações dos poetas, o fato deve ter-se<br />

verificado quando Apolo era ainda adolescente, mas o<br />

crescimento dos deuses não está submetido às mesmas leis que<br />

o dos homens, e quando os escultores representam a vitória de<br />

Apolo, mostram o deus com as feições de um jovem que já<br />

atingiu a plenitude da força. É o que se nos depara numa das<br />

maiores obras-primas da escultura antiga, o Apolo do Belvedere.<br />

Essa estátua, de mármore de Luni, foi descoberta no fim do<br />

século quinze, perto de Capo d'Anzo, outrora Antium, e,<br />

adquirida pelo papa Júlio <strong>II</strong>, então cardeal em vésperas de ser<br />

eleito para o pontificado, mandou ele a colocassem nos jardins<br />

do Belvedere (fig. 192).<br />

Todas as fórmulas da admiração foram esgotadas diante do<br />

Apolo do Belvedere, e a estátua, desde que se tornou conhecida,<br />

não deixou de provocar o entusiasmo dos artistas. Eis a<br />

descrição que dela faz Winckelmann, na sua História da arte: "A<br />

estatura do deus é superior à do homem e a sua atitude revela<br />

majestade. Uma eterna primavera, tal qual a que reina nos<br />

campos felizes do Elísio, reveste de simpática mocidade os<br />

encantos do seu corpo, e brilha com doçura na orgulhosa<br />

estrutura dos seus membros... Perseguiu Pitão, contra o qual<br />

tendeu pela primeira vez o temível arco; no seu rápido curso,<br />

atingiu-o e infligiu-lhe golpe mortal. Do alto do seu contentamento,<br />

o seu augusto olhar, pe<strong>net</strong>rando no infinito, se<br />

estende para muito além da vitória. Nos lábios se lhe vê o<br />

desdém; mas uma inalterável tranqüilidade se lhe imprime na<br />

testa, e os olhos estão repletos de doçura, como se ele se achasse<br />

no meio das Musas. . ."<br />

O triunfo de Apolo está representado num baixo-relevo<br />

antigo, onde a Vitória personificada, Nicé, verte o licor sagrado<br />

ao deus que empunha a lira e está seguido de Diana que segura<br />

o facho, e de Latona. O Deus apresta-se a cantar a vitória, diante<br />

do seu altar que se vê no primeiro plano; no fundo, aparece o<br />

templo de Apolo (fig. 193).


Fig. 192 — Apolo do Belvedere (segundo uma estátua antiga.<br />

em Roma).


Apolo, após matar a serpente Pitão, envolveu o tripé com a<br />

pele do monstro que, antes dele, possuía o oráculo. Uma<br />

medalha de Crotona nos mostra o tripé entre Apolo e a serpente<br />

: o deus dispara a seta contra o inimigo. Foi por ocasião dessa<br />

vitória que Apolo instituiu os jogos pítios.<br />

Fig. 193 — Apolo, Diana e Latona (segundo um baixo-relevo antigo).<br />

A disputa do tripé<br />

Uma vivíssima disputa, freqüentemente representada nos<br />

baixos-relevos da época arcaica, verificou-se entre Apolo e<br />

Hércules em torno do famoso tripé. Hércules consulta Pítia em<br />

circunstância na qual esta se recusara a responder. O herói,<br />

enfurecido, apoderou-se do tripé, que Apolo resolveu<br />

imediatamente reconquistar. Foi tão viva a luta entre os dois<br />

combatentes que Júpiter se viu obrigado a intervir mediante o<br />

raio (fig. 194).


O tripé de Apolo foi freqüentemente representado na arte<br />

antiga, e restam-nos monumentos em que vemos até que ponto<br />

se unia o bom gosto à riqueza na escultura ornamental dos<br />

antigos.<br />

Fig. 194 — Apolo combatendo Hércules que rapta o tripé de Delfos<br />

(segundo um baixo-relevo antigo, museu do Louvre).<br />

O oráculo de Delfos<br />

O oráculo de Apolo, em Delfos, era o mais famoso da<br />

Grécia. Foi o acaso que levou ao descobrimento do lugar em que<br />

deveria erguer-se o santuário. Umas cabras errantes nos<br />

rochedos do Parnaso, aproximando-se de um buraco


do qual saíam exalações malignas, furam tornadas de<br />

convulsões. Acorrendo à notícia daquele prodígio, os habitantes<br />

da vizinhança quiseram respirar as mesmas exalações e<br />

experimentar os mesmos efeitos, uma espécie de loucura misto<br />

de contorsões e brados, e seguida do dom da profecia. Tendo-se<br />

alguns frenéticos atirado ao abismo de onde proviam os vapores<br />

proféticos, colocou-se sobre o buraco uma máquina chamada<br />

tripé, por ter três pés sobre os quais pousava, e escolheu-se uma<br />

mulher para a ele subir e poder, sem risco, receber a<br />

embriagadora exalação.<br />

Na origem, a resposta do deus, tal qual a davam os<br />

sacerdotes, era sempre formulada em versos; mas tendo tido um<br />

filósofo a idéia de perguntar porque o deus da poesia se exprimia<br />

em maus versos, a ironia foi repetida por todos, e o deus passou<br />

a falar somente em prosa, o que lhe aumentou o prestígio.<br />

A crença de que o futuro pudesse ser predito de maneira<br />

certa pelos oráculos, desenvolveu singularmente na antiguidade<br />

a idéia da fatalidade, que em nenhuma parte transparece tão<br />

nitidamente como na lenda de Édipo; os seus esforços não<br />

conseguem livrá-lo à sentença que lhe foi anunciada pelo<br />

oráculo, e tudo quanto ele faz para evitar o destino só lhe acelera<br />

os inclementes decretos.<br />

Predições a Laio<br />

Laio, filho de Lábdaco, rei de Tebas, subiu ao trono pela<br />

morte de seu tio Lico que se havia apoderado do poder, em<br />

detrimento do sobrinho. Não tendo filhos, foi consultar Apolo e<br />

rogou-lhe lhe concedesse filhos. Respondeu-lhe o deus: "Rei de<br />

Tebas, dos valorosos corcéis, teme tornar-te pai, apesar dos<br />

deuses! Se deres nasci-mento a um filho, este há de fazer-te<br />

morrer, e toda a família nadará no sangue." Nada obstante, teve<br />

Laio um


filho, e, lembrando-se do oráculo do deus, entregou-os aos<br />

pastores, a fim de que o expusessem num prado consagrado a<br />

Juno, no pico do Citerônio, após furar-lhe os calcanhares com<br />

um ferro pontudo; tinha o menino o nome de Édipo. Outros<br />

pastores, recolhendo-o, entregaram-no à ama que o confiou a<br />

uma nutriz, dando ao mesmo tempo a crer ao marido que o dera<br />

à luz. Uma bela estátua de Chaudet, que se encontra no Louvre,<br />

nos mostra o pastor Forbas, segurando nos braços o peque-nino<br />

Édipo, a quem dá de beber. Forbas era um pastor de Políbio de<br />

quem Édipo se julgava filho (fig. 195).<br />

Édipo e Laio<br />

Entretanto, quando Édipo chegou à idade adulta, uma<br />

conversação ouvida num festim lhe suscitou dúvidas sobre o seu<br />

nascimento, e desejando conhecer o autor dos seus das, foi a<br />

Delfos consultar o oráculo de Apolo. Mas o deus, sem lhe<br />

esclarecer as dúvidas. declara-lhe que o seu destino é matar o<br />

pai e desposar a mãe Horrorizado com tal oráculo resolveu Édipo<br />

não voltar para perto dos pais. que o haviam criado, e<br />

enveredando por uma estrada oposta, encaminhou-se para o<br />

lado de Tebas. Pelo caminho, encontrou um carro, cujo cocheiro<br />

lhe gritou com imperiosidade : "Estrangeiro, afasta-te, dá<br />

passagem ao rei." Ao mesmo tempo o carro passa brutalmente e<br />

lhe faz sangrar os pés. Trava-se luta, e Édipo Inata o homem que<br />

viajava no carro. Esse homem era Laio, que, ansioso por saber se<br />

o menino que mandara expor estava realmente morto e se não<br />

havia mais razão de temer a antiga profecia, fora a Delfos<br />

consultar o deus. Assim, Édipo, sem o saber, tornou-se<br />

assassino do próprio pai.


Fig. 195 — O pastor Forbas dando de beber a Édipo (grupo de<br />

Chaudet, museu do Louvre),


A esfinge<br />

Uma terrível esfinge, nascida de Tifão e de Equidna, levou,<br />

pouco após a morte de Laio, a desolação às cercanias de Tebas.<br />

Ocupando a estrada, propunha enigmas aos viajantes, e matava<br />

os que não logravam adivinhar o sentido. Assim pereceu elevado<br />

número de infelizes, e tendo o rei Laio morrido recentemente,<br />

propuseram os tebanos a coroa e a mão da rainha a quem os<br />

livrasse daquele flagelo. Édipo apresentou-se : "Qual é,<br />

perguntou-lhe a esfinge, o animal que tem quatro pés de manhã,<br />

dois ao meio-dia, e três ao cair da noite? — É o homem, respondeu<br />

Édipo; na infância, anda de gatinhas; na velhice, apoiase<br />

a um bordão." Então e em conformidade com a decisão do<br />

oráculo, foi a esfinge atirar-se às ondas.<br />

A esfinge, ou antes a esfinge de Tebas, é talvez,<br />

mitologicamente, uma recordação da esfinge egípcia, mas a arte<br />

lhe dá forma assaz diferente. As moedas a mostram com a<br />

cabeça e peito de mulher, unidos ao corpo de leoa (fig. 196).<br />

Assim aparece em várias pedras gravadas.<br />

Fig. 196 — A esfinge (segundo uma moeda antiga).<br />

Numa delas, a esfinge está sentada no alto de um rochedo,<br />

diante de Édipo que se encontra de pé, respondendo à pergunta.<br />

Ossadas humanas revelam a sorte reservada aos que não<br />

souberam decifrar o enigma (fig. 197). Em outra pedra gravada,<br />

a esfinge atira-se contra Édipo, que apresenta o escudo no qual<br />

ela se fixa; o herói está


nu e empunha a espada (fig. 198). Na arte dos últimos séculos,<br />

um célebre quadro de lugres representa Édipo interrogando a<br />

esfinge, cujas últimas vítimas surgem à beira do precipício.<br />

Fig. 197 — Édipo diante da esfinge (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

As desventuras de Édipo<br />

Édipo tornou-se rei de Tebas, e, de acordo com o que fora<br />

predito, desposou a viúva elo rei Laio, sem saber que era sua<br />

própria mãe. Espantosas calamidades tombaram então sobre a<br />

cidade de Tebas; o povo rumou para o palácio de Édipo, certo de<br />

que o que soubera livrá-lo da esfinge conseguiria também aliviarlhe<br />

os males. Foi o grão-sacerdote que falou em nome de todos.<br />

"Édipo,


disse ele, soberano do meu país, vês que multidão se amontoa<br />

em torno dos altares diante cio teu palácio, crianças que mal se<br />

sustêm de pé, sacerdotes arcados ao peso da velhice, eu,<br />

pontífice de Júpiter, e o escol da mocidade; o resto do povo, com<br />

ramos de oliveira, se dissemina pelas praças públicas, diante dos<br />

dois templos de Palas, perto do profético altar de Apolo. Tebas, já<br />

demasiadamente batida pela tormenta, não mais pode erguer a<br />

cabeça do mar de sangue em que mergulhou; a morte atinge os<br />

germes dos frutos nas entranhas da terra; a morte fere os<br />

rebanhos e faz perecer o filho no seio da mãe; uma divindade<br />

inimiga, a peste devoradora, devasta a cidade<br />

Fig. 198 — Édipo atacado pela esfinge (segundo uma pedra<br />

gravada antiga).<br />

e despovoa a raça de Cadmo, o negro Plutão se locupleta com as<br />

nossas lágrimas e os nossos gemidos... Foste tu que, vindo à<br />

cidade de Cadmo, a livraste do tributo que ela pagava à esfinge<br />

cruel, e com o auxílio dos deuses te tornaste nosso libertador.<br />

Hoje, outra vez, Édipo, suplicamos-te um remédio aos nossos<br />

males, quer te ilumine um deus com os seus oráculos, quer um<br />

homem com os seus conselhos. Vem, tu que és o melhor dos<br />

mortais, reergue a cidade abatida: vela por nós, pois é a ti, hoje,


que esta cidade chama seu salvador, em virtude dos serviços<br />

passados." (Sófocles).<br />

Para conhecer a causa dos males que afligiam a cidade,<br />

Édipo enviou a Delfos um representante que consultasse o<br />

oráculo. "O flagelo, respondeu o deus, só cessará quando os<br />

tebanos tiverem expulsado do seu território o assassino de Laio."<br />

Imediatamente ordena Édipo que se façam por toda parte buscas<br />

para descobrir o paradeiro do assassino, e indignado com a idéia<br />

de que um só homem tem a culpa das desgraças de um povo<br />

inteiro, lança contra ele imprecações: "Seja quem for esse<br />

indivíduo, proíbo a todo habitante desta cidade em que reino que<br />

o receba, que lhe dirija a palavra, que o admita às preces e aos<br />

sacrifícios divinos, que lhe apresente a água lustral; que todos o<br />

repilam das suas casas como flagelo da pátria; assim mo<br />

ordenou o oráculo do deus que adoramos em Delfos. Assim<br />

procedendo, obedeço ao deus, e vingo o rei que já não existe<br />

Amaldiçoo o autor oculto do crime, quer o tenha cometido<br />

sozinho, quer tenha tido cúmplices; proscrito, deverá arrastar<br />

uma vida miserável. E se for admitido ao meu palácio, ao meu<br />

lar, e com o meu consentimento, submeto-me eu também às<br />

imprecações que lanço contra os culpados." (Sófocles).<br />

Entretanto, como não havia índice nenhum para descobrir o<br />

culpado, e como o flagelo assumisse proporções fantásticas,<br />

Édipo mandou procurar o adivinhador Tirésias. O adivinho<br />

recusa-se a princípio a responder, mas o rei o ameaça, e começa<br />

a supor a verdade. O infeliz Édipo, retirado no seu palácio,<br />

manda chamar o pastor que outrora o abandonara, e termina<br />

por conhecer a sua situação. O povo aguardava, apinhado à<br />

porta do palácio, nada sabendo do que ali se passava.<br />

Ouve-se então a nova de que uma terrível desgraça<br />

sucedeu, e que a rainha acaba de morrer. Um mensageiro não<br />

tarda em trazer a fatal notícia. "Jocasta morreu! exclama. Matouse<br />

com as suas próprias mãos. Sacudida por sombrio furor,<br />

desde que atravessou o limiar do palácio, correu ao quarto<br />

nupcial, arrancando os cabelos; uma vez ali, fechou<br />

violentamente as portas pelo lado de dentro, evocou a sombra de<br />

Laio, lembrando-lhe a recordação do filho esquecido, por cuja<br />

mão ele pereceria. Não vi como faleceu, porque Édipo correu<br />

dando altos


ados, o que nos impediu de ver a morte de Jocasta; mas os<br />

nossos olhares se voltam para ele, que ia de um lado a outro.<br />

Pede-nos uma espada, atira-se contra as portas, faz saltar os<br />

batentes dos gonzos, e entra no aposento. Ali vemos Jocasta,<br />

ainda pendente do laço fatal que lhe terminou os dias. Diante<br />

daquele espetáculo, o desgraçado ruge como leão, e desfaz o<br />

laço; mas quando o corpo da desventurada tocou o chão,<br />

deparou-se-nos medonha cena: arrancando os colchetes de ouro<br />

da veste que cobria Jocasta, Édipo fere os próprios olhos,<br />

porque, dizia, não tinham visto nem as suas desgraças, nem os<br />

seus crimes, e agora, nas trevas, já não veriam os que ele não<br />

devia ver, já não reconheceriam os que lhe houveram sido<br />

agradável reconhecer. Assim falando, bate e dilacera<br />

repetidamente as pálpebras; ao mesmo tempo, os olhos,<br />

ensangüentados, lhe banhavam o rosto, e não eram apenas<br />

gotas que deles caiam, era uma chuva de sangue. Aí estão os<br />

males comuns a ambos: felizes noutros tempos, desfrutavam de<br />

uma felicidade merecida, mas hoje os gemidos, o desespero, o<br />

opróbrio e a morte, nenhuma espécie de desgraça falta."<br />

(Sófocles).<br />

Os filhos de Édipo, Etéoclo e Polinice, em vez de acudirem<br />

ao infeliz pai, só tiveram a preocupação de apoderar-se do trono,<br />

e o ancião, cego e sem recursos, foi obrigado a buscar asilo em<br />

terra estrangeira, na companhia das filhas que não quiseram<br />

abandoná-lo. Um baixo-relevo antigo nos mostra Etéoclo e<br />

Polinice conduzindo o pai para fora dos muros da cidade em que<br />

ele nunca mais pode entrar (fig. 199).<br />

Édipo e Antígona<br />

Édipo deixou, pois, o país que a sua presença conspurcava<br />

e onde era apenas objeto de opróbrio. Sua filha Antígona tornouse-lhe<br />

o único apoio, e o seu nome ficou


como tipo do amor filial. Foi ela que, guiando os passos do pai<br />

cego implorava dos viajantes caridade por quem fôra um rei<br />

poderoso e honrado: "Estrangeiro piedoso, dizia ela, se não<br />

queres ouvir de meu velho pai a narração dos seus crimes<br />

involuntários, suplico-te que te compadeças do meu infortúnio,<br />

eu que te imploro por meu pai, eu que te suplico, cravando nos<br />

teus os meus olhos, e peço compaixão por este desgraçado.<br />

Imploro-te pelo que te é mais caro, teu filho, tua promessa, o<br />

Deus que adoras." (Sófocles).<br />

Fig. 199 — Édipo expulso pelos filhos (segundo um baixo-relevo antigo).<br />

O infeliz Édipo encontrava na admiração que lhe inspiravam<br />

as virtudes da filha uma espécie de alívio aos males. "Minha<br />

filha, dizia, desde que saiu da infância e desde que o seu corpo<br />

se fortaleceu, sempre errante e infeliz comigo, acompanhou a<br />

minha velhice, suportou a fome, caminhou descalça através das<br />

florestas e, desafiando chuvas e raios do sol, desprezou todos os<br />

prazeres de Tebas, para prover à existência do pai." (Sófocles).<br />

Enquanto Édipo, refugiado na Ática, buscava um asilo com<br />

Teseu, seus dois filhos lutavam em Tebas pela posse do trono, ao<br />

qual ambos aspiravam, Finalmente,


concordaram em reinar ambos, sucedendo-se um ao outro, ao<br />

cabo de um ano de governo. Mas Etéoclo, que foi rei em primeiro<br />

lugar, recusou-se em seguida a permitir a entrada do irmão, que<br />

se refugiou em Argos, onde tratou de armar um exército para<br />

marchar sobre Tebas.<br />

Ficou decidido, então, consultar o oráculo. Respondeu este<br />

que o rei não teria segurança no trono senão depois de voltar à<br />

pátria o velho Édipo. Os dois irmãos, então, mandaram procurar<br />

Édipo, que respondeu com imprecações contra eles: "Filhos que<br />

teriam podido socorrer o pai recusaram-se a dar-lhe assistência,<br />

e, na falta de uma palavra da parte deles, fui entregue ao exílio e<br />

à indigência. Minhas filhas, na medida que lhes permite a<br />

fraqueza do sexo, me nutrem, me abrigam e me dispensam todos<br />

os cuidados da piedade filial ; eles, pelo contrário, à salvação do<br />

pai preferiram o trono e o poder soberano. Assim, jamais obterão<br />

o meu auxílio, jamais terão o tranqüilo gozo do reino de Cadmo.<br />

Não, que os deuses jamais extingam as suas fatais discórdias!<br />

Que o que hoje possui o cetro fique privado dele, e que o exilado<br />

jamais torne a passar pelos muros de que foi expulso! Eles que<br />

viram o pai indignamente expulso da pátria, sem retê-lo nem<br />

defendê-lo!" (Sófocles).<br />

Édipo morreu na Ática após proferir a maldição contra os<br />

filhos. Diz Pausânias que o seu túmulo estava perto de Atenas<br />

no recinto consagrado aos Eumênidas.


CAPÍTULO IV<br />

O LOURO DE APOLO<br />

Apolo e o Amor. — A metamorfose de<br />

Dafne. — Desespero de Clítia.<br />

Apolo e o Amor<br />

O louro com o qual se coroam os poetas provém de uma<br />

metamorfose operada por Apolo. Orgulhoso da vitória que lograra<br />

contra a serpente Pitão, encontrou o deus o filho de Vênus, que<br />

empunhava o arco, e riu-se do uso que ele fazia da arma.<br />

Cupido, irritado, resolveu vingar-se: possui esse deus duas<br />

espécies de setas, das quais umas inspiram o desejo, outras a<br />

repulsão. Havia no bosque vizinho uma encantadora ninfa,<br />

Dafne, filha do rio Penou. Sabendo que Apolo devia passar pelo<br />

ponto em que ela se achava, Cupido disparou contra o deus a<br />

flecha do desejo, e contra Dafne a flecha da repulsão.


A metamorfose de Dafne<br />

Mal Apolo percebeu a ninfa, sentiu o coração perturbado e<br />

quis aproximar-se dela, para contar-lhe a recente vitória,<br />

esperando, dessarte, agradar-lhe. Visto que ela fugia,<br />

acrescentou que era o deus da luz, honrado em toda a Grécia,<br />

filho do poderoso Júpiter, inventor da mezinha e benfeitor dos<br />

homens. Mas em vez de ouvi-lo, a ninfa, que sentia por ele<br />

irresistível aversão, pôs-se a correr<br />

Fig. 200 — Apolo e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

através dos bosques. Apolo, não compreendendo tal<br />

procedimento, seguiu-a dizendo: "Espera, formosa ninfa : o que<br />

te segue não é inimigo. A ovelha foge do lobo, a novilha foge do<br />

leão, a tímida pomba foge da águia; mas eles são inimigos, ao<br />

passo que o que me obriga a seguir-te é apenas o amor. Pára,<br />

tenho medo de que os espinhos te firam, e eu seja a causa dos<br />

teus ferimentos." (Ovídio).


Apolo parou, temendo que ela, na fuga, tombasse<br />

perigosamente.<br />

Mas notando que a ninfa redobrava a velocidade, em vez de<br />

diminuir os passos, julgou que ela o não tivesse ouvido, e que<br />

lhe seria dado convencê-la facilmente, se conseguisse aproximarse-lhe.<br />

Atirou-se, então, à perseguição, como os cães no rasto<br />

das lebres, e terminou por alcançá-la no momento em que a<br />

ninfa chegava à margem do rio Peneu, seu pai. Dafne suplica,<br />

então, ao rio que lhe arranque tão funesta beleza, e sente<br />

imediatamente os membros engordar e o corpo cobrir-se de fina<br />

casca; os cabelos se lhe mudam em folhas, os braços tornam-se<br />

ramos, os pés, outrora tão leves, prendem-se à terra, a cabeça<br />

transforma-se-lhe em copa. Estava metamorfoseada em loureiro:<br />

Apolo quer tocar a árvore, e sente sob a casca palpitar um<br />

coração. Tece uma coroa para com ela ornar a sua lira de ouro, e<br />

desde então os vencedores recebem ramos de loureiro em lugar<br />

dos ramos de carvalho de antes.<br />

Várias pinturas de Herculanum nos mostram a aventura de<br />

Dafne cuja metamorfose está muito bem fixada numa estátua de<br />

Villa Borghese. Na escultura dos últimos séculos, Coustou<br />

compôs um grupo de Apolo perseguindo Dafne, e que podemos<br />

ver no jardim das Tulherias (fig. 201). Le Bernin compôs também<br />

um famoso grupo que se encontra em Roma. Entre os quadros<br />

executados sobre o mesmo tema, os mais conhecidos são os de<br />

Poussin, Rúbens e Carle Maratte (fig. 202). Há, outrossim, no<br />

Louvre um quadrinho de Albane em que se nos depara a ninfa<br />

fugindo velozmente de Apolo, enquanto o Amor voa, sorridente,<br />

nas nuvens.<br />

O século dezoito só viu nessa lenda uma aventura galante, e<br />

como é proverbial a beleza de Apolo, concluiu-se que. se o deus<br />

não soube agradar à ninfa, foi exclusiva-mente por culpa sua:<br />

"Cruelle, arrêtez-vous de grâce!<br />

Je suis le régent du Parnasse,<br />

le fils naturel de Jupin;<br />

je suis poete, médecin,<br />

je suis chimiste, botaniste,<br />

je suis peintre, musicien,<br />

exécutant et syntphoniste;


je suis danseur, grammairien,<br />

astrologue, physicien;<br />

je suis..." Pour fléchir une belle,<br />

au lieu de lui parler de soi,<br />

il est plus adroit, selon moi,<br />

et plus doux de lui parler d'elle.<br />

(Demoustier) (1)<br />

Fig. 201 — Estátuas de Guillaume Coustou (no jardim das Tulherias).<br />

(1) Cruel, detém-te, por favor'<br />

Sou o regente do Parnaso,<br />

filho natural de Júpiter;<br />

Sou poeta, médico,<br />

Sou químico, botânico, Sou<br />

pintor, sou músico,<br />

executante e sinfonista. Sou<br />

dançarino, gramático,<br />

astrólogo, físico;<br />

sou..." Para seduzir mulher bela,<br />

em. lugar de falarmos de nós,<br />

é mais certo, a meu ver. e<br />

mais suave, falarmos dela.<br />

(Demoustier)


Os mitologistas modernos vêem no mito de Dafne uma<br />

personificação da aurora. Assim, quando dizemos: a aurora<br />

desaparece, mal o sol desponta, os gregos teriam dito na sua<br />

linguagem mitológica: Dafne foge quando Apolo pretende<br />

aproximar-se dela.<br />

Desespero de Clítia<br />

De resto, se Apolo foi desdenhado por Dafne, vingou-se bem<br />

contra a infeliz ninfa Clítia, que morria de<br />

Fig. 202 — Apolo perseguindo Dafne (segundo um quadro de C. Maratti).


amor, enquanto ele se mantinha indiferente. O desprezo atirou-a<br />

a um terrível desespero e a companhia das ninfas tornou-se-lhe<br />

insuportável. Deitada noite e dia sobre o chão, cabelos esparsos,<br />

ela desfazia-se em lágrimas, e não queria outro alimento senão o<br />

orvalho do céu. Voltava sem cessar os olhos para o sol e<br />

acompanhava-o durante todo o seu curso. O corpo terminou por<br />

se lhe enraizar na terra, e o rosto tornou-se-lhe uma flor que<br />

continua a voltar-se para o lado do sol, de modo que, apesar da<br />

metamorfose. ela revela sempre o amor que sempre teve por<br />

Apolo.


CAPÍTULO V<br />

A LIRA DE APOLO<br />

A lira e a flauta. — O sileno Mársias.<br />

— As orelhas do rei Midas.<br />

A lira e a flauta<br />

O sol, pela regularidade com a qual difunde todos os<br />

dias a luz, era considerado pelos antigos o príncipe que<br />

preside às harmonias do universo. A astronomia era uma<br />

Musa, cujas leis não diferiam das que regem a música. Apolo<br />

foi, portanto, encarado desde logo como deus da harmonia, e<br />

a lira passou a ser-lhe o atributo. É então considerado<br />

príncipe da inspiração poética e torna-se condutor das<br />

Musas. A arte o apresenta coroado de louro e com uma longa<br />

túnica, e ele assume o nome de Apolo Musageta. Uma<br />

esplêndida estátua do Vaticano o representa sob tal aspecto.<br />

Essa estátua serviu de modelo às medalhas de Nero, que<br />

representam o


imperador disputando no teatro o prêmio de citara, Foi<br />

descoberta em Tivoli, em 1774, assim como sete estátuas de<br />

Musas (fig. 204).<br />

A lira aparece como atributo de Apolo, mesmo quando já<br />

não é condutor das Musas, e de certo modo faz parte do seu<br />

costume, como a aljava e as setas. Em grande número de<br />

monumentos, Apolo empunha a lira, embora esteja nu.<br />

Para os gregos. era a lira um instrumento nacional, por<br />

oposição à flauta que representava a música frigia.<br />

Fig 203 - Medalha com os atributos de Apolo.<br />

O sileno Mársias<br />

O sileno Mársias é o fiel seguidor de Cíbele e desempenha<br />

ao pé dela papel análogo ao que o outro sileno desempenha ao pé<br />

de Baco de quem foi benfeitor. Mársias. que os monumentos nos<br />

apresentam freqüentemente dando uma aula ao jovem Olimpo,<br />

seu discípulo (fig. 205), é uma personificação da música frigia, e<br />

sobretudo da flauta, por oposição à lira usada na Europa. Numa<br />

invasão levada a efeito pelos gálatas na Frigia. Mársias fez<br />

transbordar as águas dos rios, ao som da flauta, e salvou o país<br />

da conquista.<br />

Mársias, orgulhoso do seu talento na flauta, ousou desafiar<br />

Apolo, e ficou estabelecido que o vencido se


Fig. 204 — Apolo Musageta (estátua antiga, em Roma).


submeteria à mercê do vencedor. Apolo cantou enquanto tocava<br />

a lira, e as Musas, escolhidas como juízes, lhe concederam a<br />

vitória. O pobre Mársias foi pendurado a um pinheiro e<br />

impiedosamente esfolado. Os sátiros e as ninfas choraram<br />

tanto, que as suas lágrimas formaram um rio o qual lhe traz o<br />

nome. As flautas do infeliz frígio caíram na correnteza, e foram<br />

levadas. O movimento das ondas conduziu-as às praias de<br />

Sícion. Um pastor pegou-as, e consagrou-as num templo<br />

dedicado a Apolo. Quanto à pele do vencido, fez com ela um<br />

odre que foi colocado na cidade de Celene, pátria de Mársias, e<br />

pendurado a uma<br />

Fig 205 — Mársias e Olimpo.<br />

coluna. Quando alguém tocava flauta à moda frigia, a pele<br />

agitava-se em sinal de satisfação, enquanto ao som da lira,<br />

permanecia em completa imobilidade. O jovem frígio que, nas<br />

representações antigas do suplício de Mársias, aparece atrás de<br />

Apolo e, às vezes, lhe segura a seta, parece ser Olimpo, que,<br />

quase sempre, intercede pelo amo.<br />

Mársias em geral pende de uma árvore: assim é a famosa<br />

estátua do Louvre, onde o sileno tem os pés


pousados numa cabeça de bode (fig. 207). No Mársias da galeria<br />

Giustiniani, Apolo segura a pele do sileno, que, em outras<br />

ocasiões, está presa à lira do deus de Delfos. O suplício de<br />

Mársias figura igualmente num baixo-relevo do museu Pio-<br />

Clementino e numa multidão de pedras gravadas.<br />

Às vezes é o próprio Apolo que esfola a sua vitima; mais<br />

freqüentemente, porém, assiste ao suplício infligido ao infeliz<br />

por escravos citas. Uma belíssima estátua antiga do museu de<br />

Florença, conhecida pelo nome de Amolador, representa um cita<br />

afiando a faca. Havia, com<br />

Fig, 206 — Apolo e Mársias (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

efeito, em Atenas uma companhia de citas encarregados das<br />

execuções, e é o que explica essa tradição.<br />

A luta entre Mársias e Apolo figura nos monumentos<br />

antigos tanto quanto o suplício. Em vasos é-nos dado ver Apolo<br />

tocando diante da assembléia dos deuses, enquanto Mársias e o<br />

seu discípulo Olimpo o ouvem com atenção; noutros, é, pelo<br />

contrário, Mársias que toca diante de Apolo coroado de louros, e<br />

Baco assiste à cena.


Fig. 207 — Mársias (segundo urna estátua antiga. museu do Louvre).


Enfim, várias medalhas, notadamente as de Apameu, na Frigia,<br />

mostram Mársias tocando a flauta. Um quadro de Zêuxis,<br />

representando o suplício de Mársias, gozou na antiguidade de<br />

enorme fama. Após a conquista romana, foi roubado aos gregos e<br />

levado a Roma, para decorar o templo da Concórdia. Rúbens, le<br />

Guerchin, le Guide e outros mestres pintaram o suplício de<br />

Mársias.<br />

A rivalidade entre o Oriente e o Ocidente reaparece sob mil<br />

formas na Fábula, mais particularmente, todavia, sob a relação<br />

musical. A história de Mársias no-la mostra com o caráter<br />

selvagem que os povos primitivos sempre dão à luta. Não parece<br />

que os escritores da antiguidade tenham ficado vivamente<br />

impressionados pela crueldade do deus da música, mas vários<br />

emitiram dúvidas sobre a legitimidade da sua vitória.<br />

Eis como o historiador Diodoro de Sicília narra a aventura:<br />

"Apolo e Mársias, diz ele, apostaram em quem seria capaz de<br />

originar maior prazer e efeito, cada um no seu instrumento;<br />

tiveram por juízes os habitantes de Misa. O deus tocou uma ária<br />

na lira. Em seguida, Mársias pegou a dupla flauta, e os juízes,<br />

encantados com a doçura e a novidade dos sons que dela o<br />

artista soube tirar, lhe deram a preferencia. Apolo, após<br />

conseguir que se realizasse outra prova, uniu a voz ao som da<br />

lira e arrebatou os votos. Mársias, então, reclamou, dizendo que<br />

se tratava de julgar do instrumento e não da voz, e que, aliás,<br />

era injusto opor uma única arte a duas reunidas. Diante daquilo,<br />

respondeu o deus que só empregava os meios de que se valia o<br />

próprio Mársias, ou seja, a boca e os dedos; a razão foi tida por<br />

sensata, e na terceira prova Apolo foi novamente declarado<br />

vencedor. Indignado da ousadia de Mársias, o deus esfolou-o<br />

vivo."<br />

Os poetas cômicos apoderaram-se de Mársias, para dele<br />

fazer o tipo do ignorante presunçoso, e Mársias tornou-se<br />

personagem burlesca. O mito revestiu-se, sob o domínio romano,<br />

de importância totalmente diversa; foi então considerado uma<br />

alegoria da justiça equitativa, mas inexorável. É o que explica<br />

porque a lenda está tão freqüentemente representada nos<br />

monumentos artísticos. As estátuas de Mársias esfolado<br />

figuravam nas praças públicas que se faziam os julgamentos, e<br />

em todas as colônias romanas era visto perto do tribunal.


As orelhas do rei Midas<br />

Análogo concurso, mas seguido de efeitos mais ridículos<br />

que desastrosos, ocorreu entre Apolo e o deus Pã. Este deus,<br />

orgulhosíssimo do seu talento musical, levou um dia a vaidade<br />

ao ponto de desafiar Apolo, cuja lira e cuja voz não tinham rivais.<br />

Todos os assistentes deram a vitória ao deus da luz, com exceção<br />

de Midas, rei da<br />

Fig. 208 — Apolo e Mársias, numa medalha de Antonino, com<br />

atributos do deus.<br />

Frigia, o único que ousou contradizer o julgamento. Apolo, não<br />

querendo que orelhas tão grosseiras conservassem por mais<br />

tempo o formato das dos outros homens, alongou-lhas, cobriulhas<br />

de pelos e tornou-lhas móveis; numa palavra, deu-lhe<br />

orelhas de burro. O resto do corpo manteve-se o mesmo.


Midas para ocultar a deformidade, cobria-a sob magnífica<br />

tiara. O cabeleireiro incumbido dos seus cabelos percebera tudo,<br />

mas não tivera ânimo para transmitir a descoberta a ninguém.<br />

Importunado por tal segredo, vai a um lugar afastado, faz um<br />

buraco no chão, aproxima-se o mais possível, e diz em voz baixa<br />

que o seu amo tinha orelhas de burro; em seguida, tapa o<br />

buraco, julgando ter assim encerrado para sempre o segredo, e<br />

retira-se. Mas uns caniços traíram-lhe o segredo, pois toda vez<br />

que havia vento, repetiam: O rei Midas tem orelhas de burro. Le<br />

Guide compôs um Julgamento de Midas, em que Apolo toca<br />

rabeca. Rubens pintou o mesmo tema num quadro do museu de<br />

Madri.


CAPÍTULO VI<br />

AS MUSAS<br />

Júpiter e Mnemósina. — Atributos das<br />

Musas. — As filhas de Piero. — As<br />

Musas vitoriosas contra as sereias.<br />

Júpiter e Mnemósina<br />

As Musas pertencem originariamente à família das<br />

ninfas: são as fontes inspiradoras que comunicam aos homens<br />

a faculdade poética e lhes ensinam as divinas cadências. O<br />

seu número tem variado bastante segundo os tempos e as<br />

localidades; mas primitivamente eram apenas três, Melete (A<br />

Meditação), Mneme (A Memória) e Aoide (O Canto).<br />

Habitualmente são nove irmãs que Hesíodo diz terem nascido<br />

de Júpiter e Mnemósina, a Memória. "Na Pieria, Mnemósina,<br />

que reinava sobre as


colinas de Eleutério, unida ao filho de Saturno, deu à luz essas<br />

virgens que proporcionam o esquecimento dos males e o fim das<br />

dores. Durante nove noites, o prudente Júpiter, deitando-se no<br />

leito sagrado, dormiu ao lado de Mnemósina, longe de todos os<br />

imortais. Um ano depois, tendo as estações e os meses<br />

percorrido o seu curso, bem como os dias, Mnemósina deu à luz<br />

nove filhas animadas do mesmo espírito, sensíveis ao encanto da<br />

música e trazendo no peito um coração isento de inquietações;<br />

deu-as à luz perto do pico elevado do nevoso OIimpo no qual elas<br />

formam coros brilhantes e possuem pacíficas moradas. Ao seu<br />

lado, postam-se as Graças e o Desejo nos festins, em que a sua<br />

boca, expandindo amável harmonia, canta as leis do universo e<br />

as respeitáveis funções dos deuses. Orgulhosas da belíssima voz<br />

e dos seus divinos concertos, subiram ao Olimpo; a terra negra<br />

ecoava-lhes os acordes, e sob os seus pés se erguia um ruído<br />

sedutor, enquanto elas rumavam para o autor dos seus dias, o<br />

rei do céu, o senhor do trovão e do raio ardente, o qual, poderoso<br />

vencedor de seu pai Saturno, distribuiu eqüitativamente entre<br />

todos os deuses as incumbências e honras. Eis o que cantavam<br />

as Musas moradoras do Olimpo, as nove filhas do grande<br />

Júpiter, Clio, Euterpe, Talia, Melpômene, Terpsícore, Erato,<br />

Polímnia, Urânia e Calíope, a mais poderosa de todas, pois serve<br />

de companheira aos veneráveis reis. Quando as filhas do grande<br />

Júpiter querem honrar um desses reis, filhos dos céus, mal o<br />

vêem nascer derramam-lhe sobre a língua um delicado orvalho, e<br />

as palavras lhe fluem da boca como verdadeiro mel. Eis o divino<br />

privilégio que as Musas concedem aos mortais." (Hesíodo).<br />

As Musas eram respeitadíssimas e o talento dos artistas<br />

tido como dom das nove irmãs. Nas suas estátuas, liam-se<br />

inscrições como a seguinte : "Ó deus, o músico Xenocles mandou<br />

erguer-vos esta estátua de mármore, monumento da gratidão.<br />

Todos dirão: 'Na glória que lhe proporcionou o seu talento,<br />

Xenocles não se esqueceu daquelas que o inspiraram'."<br />

(Teócrito).


Atributos das Musas<br />

Para compreendermos as honras que os antigos prestavam<br />

às Musas, devemos lembrar-nos de que nas épocas primitivas a<br />

poesia é um dos agentes mais poderosos da civilização. A arte<br />

representa as Musas sob a forma de jovens cobertas de longas<br />

túnicas; usam, às vezes, plumas na cabeça, como recordação da<br />

vitória obtida contra as sereias, mulheres-pássaros. As Musas<br />

foram sendo, pouco a pouco, caracterizadas por atributos<br />

especiais, e a arte reservou a cada uma delas um papel<br />

particular.<br />

Clio, a musa da história, está caracterizada pelo rolo que<br />

segura.<br />

Calíope preside aos poemas destinados a celebrar heróis. A<br />

escultura a representou sentada num rochedo do Parnaso;<br />

parece meditar e prepara-se para escrever versos em tabuinhas<br />

que segura numa das mãos.<br />

A máscara trágica, a coroa báquica e o coturno de que está<br />

calçada Melpômene a dão a reconhecer por musa da tragédia.<br />

Usa, às vezes, os atributos de Hércules para exprimir o terror ; a<br />

sua coroa báquica lembra que a tragédia foi inventada para<br />

celebrar as festas de Baco. Há no Louvre uma estátua colossal<br />

de Melpômene que pertence à mais bela época da arte grega (fig.<br />

209).<br />

Terpsícore, Musa da poesia lírica, da dança e dos coros,<br />

está habitualmente coroada de louros e toca lira para animar a<br />

dança (fig. 210).<br />

A máscara cômica, a coroa de hera, o cajado de pastor, de<br />

que se serviam os atores na antiguidade, o tímpano ou tambor<br />

em uso nas festas báquicas são os atributos comuns de Talia,<br />

musa da comédia.<br />

Erato é a Musa da poesia amorosa, e em geral empunha<br />

uma lira. Tinha Erato grande importância nas festas que se<br />

realizavam por ocasião das núpcias (fig. 211).<br />

A Musa que preside à música, Euterpe, empunha uma<br />

flauta. Temos no Louvre várias estátuas de Euterpe notáveis. A<br />

Musa da música está, por vezes, acompanhada do corvo, ave de<br />

Apolo.


Fig. 209 — A Musa Melpômene (segundo uma estátua antiga,<br />

museu do Louvre).


Urânia, Musa da astronomia, segura um globo numa das<br />

mãos e na outra um rádio, varinha que servia para indicar os<br />

sinais vistos no céu.<br />

Polímnia, Musa da eloqüência e da pantomima, está sempre<br />

envolta num grande manto e em atitude de meditação. Muitas<br />

vezes tem uma coroa de rosas. Uma belíssima estátua do Louvre<br />

a mostra apoiada ao rochedo do Parnaso, com a cabeça sustida<br />

pelo braço direito. Está figurada na mesma posição num baixorelevo<br />

representando a apoteose de Homero.<br />

Nos monumentos antigos, Apolo aparece freqüente-mente<br />

como condutor das Musas. Chama-se, então, Musagete, e usa<br />

uma longa túnica. Esse tema agradava bastante aos artistas da<br />

Renascença, que o representaram com freqüência. O belo quadro<br />

de Mantegna, que o catálogo do Louvre designa sob o nome de<br />

Parnaso, representa Apolo fazendo dançar as Musas ao som da<br />

lira, na<br />

Fig 210 — A Musa Terpsíore (segundo uma pedra gravada antiga).


presença de Marte, Vênus e Cupido colocados sobre uma<br />

elevação. No canto, Mercúrio empunhando um longo caduceu<br />

apóia-se sobre o cavalo Pégaso. Rafael, no célebre afresco do<br />

Vaticano, também coloca as Musas sob a presidência de Apolo,<br />

conforme à tradição, que as faz seguir o deus da lira. O próprio<br />

Apolo dança com as Musas, na famosa ronda das Musas,<br />

pintada por Jules Romain. O lugar das Musas era naturalmente<br />

assinalado nos sarcófagos, assim como as máscaras de teatro<br />

que ali<br />

Fig. 211 — Erato e Cupido (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

vemos freqüentemente esculpidas. A vida era considerada um<br />

papel que cada um desempenhava ao passar pela terra, e<br />

quando era bem desempenhado, conduzia à ilha dos<br />

Venturosos. Todos esses velhos usos desapareceram pelo fim do<br />

império, e o papel civilizador que se atribuíra às Musas foi<br />

esquecido. Um dos últimos escritores pagãos, contemporâneo<br />

das invasões bárbaras, o historiador Zózimo, fala da destruição<br />

das imagens das Musas do Helicão, que haviam sido<br />

conservadas ainda na época de Constantino. "Então, diz ele, fezse<br />

guerra às coisas santas,


mas a destruição das Musas pelo fogo foi um presságio da<br />

ignorância em que o povo iria tombar."<br />

Baco, tão freqüentemente quanto Apolo, está representado<br />

conduzindo o coro das Musas, e até parece que acabou por ter<br />

mais importância em tal papel do que o deus de Delfos. A<br />

inspiração vem da ebriedade divina, e aliás Baco é o inventor do<br />

teatro. No coro das Musas, a declamação não podia deixar de<br />

ocupar o seu posto ao lado da invenção.<br />

O magnífico túmulo conhecido pelo nome de Sarcófago das<br />

musas, no Louvre, foi descoberto no começo do século XV<strong>II</strong>I, a<br />

uma légua de Roma, na estrada de Óstia. O baixo-relevo<br />

principal representa as nove Musas, caracterizadas pelos seus<br />

atributos distintivos. Calíope, empunhando o cetro está em<br />

companhia de Homero e Erato conversa com Sócrates: eis o<br />

tema dos dois baixos-relevos que ornam as faces laterais. Na<br />

lousa, vê-se um festim báquico, em alusão às alegrias da vida<br />

futura.<br />

As filhas de Piero<br />

As nove filhas de Piero, rei da Macedônia, eram tão<br />

vaidosas em virtude do seu talento de executantes de música,<br />

que resolveram desafiar as Musas. Cantaram o combate dos<br />

Gigantes, ridicularizando bastante os deuses, que tinham sido<br />

obrigados a transformar-se em animais para escapar ao<br />

espantoso Tifão. Ouvindo falar tão mal de Apolo, as Musas,<br />

suas companheiras, mal lograram refrear a indignação. Mas<br />

como todas as ninfas da região tivessem sido convocadas como<br />

juizes da contenda, foi preciso dar a réplica, e após preludiar no<br />

alaúde, cantou Calíope o misterioso rapto de Prosérpina. A<br />

Musa saiu vitoriosa da luta, mas não reconhecendo o veredicto<br />

das ninfas que elas haviam chamado como juízes, as filhas de<br />

Piero tentaram agredir as Musas sagradas do Helicão. O castigo<br />

não se fez esperar, pois foram metamorfoseadas


em pegas ; conservando sempre a mesma vaidade e o mesmo<br />

desejo de falar, fazem ecoar nos bosques os seus gritos<br />

importunos e a voz enrouquecida. Reconhece-mos em tal<br />

tradição a paixão que caracteriza as rivalidades de escola nas<br />

artes.<br />

Um lindo quadrinho do Louvre, outrora atribuído a Perino<br />

del Vaga, e atualmente a Rosso, representa as Musas e as filhas<br />

de Piero, ao pé de um cabeço sombreado onde as divindades as<br />

ouvem e julgam.<br />

As Musas vitoriosas contra as sereias<br />

As sereias participam simultaneamente da mulher e da ave;<br />

mas os monumentos primitivos lhes dão apenas a cabeça e os<br />

braços de mulher com corpo de ave (fig. 213), ao passo que em<br />

época posterior lhes foi atribuído corpo de mulher com patas e<br />

asas de ave (fig. 212). Os deuses concederam-lhes asas para que<br />

elas pudessem<br />

Fig. 212 — Sereia.


procurar Prosérpina, quando esta deusa foi raptada por<br />

Plutão.<br />

As sereias, que eram consideradas Musas da morte,<br />

eram célebres pela doçura do canto. Passavam a vida em<br />

rochedos, onde faziam morrer os navegantes atraídos pelo<br />

Fig. 213 — Sereia.<br />

seu canto. Homero chama às sereias sedutoras de todos os<br />

homens que delas se acercam : "Aquele, diz ele, que impelido<br />

pela imprudência, escutar a voz das sereias, nunca mais verá<br />

a esposa, nem os filhos queridos os quais, no entanto,<br />

ficariam contentíssimos com o seu<br />

Fig. 214 — As sereias depenadas pelas Musas (baixo-relevo antigo).<br />

Dafne. Apolo.


egresso; as sereias deitadas num prado cativá-lo-ão com as<br />

suas vozes harmoniosas. Em torno delas estão as ossadas e as<br />

carnes ressecadas das vítimas." (Odisséia).<br />

As sereias ousaram medir-se com as Musas, mas estas<br />

saíram vitoriosas do combate e depenaram as pobres sereias. A<br />

cena figura num baixo-relevo antigo. Como lembrança dessa<br />

vitória é que as Musas usam, às vezes, penas na cabeça. Parece<br />

que as sereias se atiraram, desesperadas, à água, e é talvez por<br />

isso que os artistas dos últimos séculos, confundindo-as com as<br />

tritônidas, lhes dão sempre a forma de mulheres-peixes.


CAPÍTULO V<strong>II</strong><br />

ORFEU<br />

A lira de Orfeu. — Orfeu e Eurídice. —<br />

Orfeu dilacerado pelas bacantes.<br />

A lira de Orfeu<br />

As Musas são divindades virgens, que só apreciam a poesia<br />

e os versos. Vênus perguntou um dia a seu filho Cupido por que<br />

motivo jamais as ferira com as suas setas. "Respeito-as, minha<br />

mãe, respondeu Cupido, por serem respeitáveis, sempre imersas<br />

na meditação, e sempre ocupadas em cantos; mas acerco-me<br />

delas com freqüência, seduzido pelas suas melodias." (Luciano).<br />

A castidade das Musas era proverbial na antiguidade; mas<br />

na linguagem alegórica, dizia-se de um grandíssimo poeta ou<br />

músico que era filho das Musas. É a esse título que Orfeu era<br />

chamado filho de Calíope e Apolo. Orfeu exprime<br />

mitologicamente o arroubo que a música causava


nos povos primitivos. A sua voz melodiosa e a sua lira feiticeira<br />

operam por toda parte prodígios. Quando os argonautas partem<br />

em busca do velocino de ouro, o navio Argos, que devia conduzilos,<br />

mantinha-se imóvel na praia; ao som da lira de Orfeu,<br />

desliza sozinho para as águas. As árvores inclinam-se para ouvir<br />

o divino músico, os rochedos mudam de lugar para melhor<br />

escutá-lo, os rios suspendem o seu curso, as feras, subitamente<br />

amansadas, rastejam-lhe aos pés (fig. 215).<br />

Fig. 215 — Orfeu.<br />

Homero e Hesíodo não falam de Orfeu, e Aristóteles põe em<br />

dúvida a sua existência histórica; mas os platônicos atribuíram<br />

grande importância a essa personagem, que aos olhos deles se<br />

torna um sábio poeta e teólogo, iniciado nas doutrinas do antigo<br />

Egito, e fundador, para a Grécia, dos mistérios de Ceres. Embora<br />

tenha sido dilacerado pelas bacantes, passa também por ter<br />

propagado o culto de Baco.


Orfeu e Eurídice<br />

Um encantador baixo-relevo antigo nos mostra Orfeu<br />

voltando-se para ver Eurídice que Mercúrio lhe conduz (fig. 216).<br />

Eurídice, a quem ele amava apaixonadamente, fora picada por<br />

uma serpente, e o poeta resolveu ir procurá-la entre as sombras.<br />

Aos sons da sua lira, os obstáculos desapareciam como que por<br />

encanto. As sombras esqueciam-se dos seus trabalhos e dos<br />

tormentos, para se unirem às suas lágrimas. Tântalo não<br />

pensava mais na sede, Sísifo já não rolava a pedra, as Danaides<br />

descuidavam o tonel, os abutres não dilaceravam o coração de<br />

Titio, e a roda de Ixião deixava de girar. As próprias Fúrias<br />

tornavam-se sensíveis e se enterneciam diante da dor de Orfeu.<br />

Plutão, subjugado pelos ais do infeliz esposo, consentiu em lhe<br />

devolver Eurídice, impondo, no entanto, a condição de que ele a<br />

não fitasse, antes de sair dos infernos, Mas rio momento em que<br />

Eurídice, seguindo o esposo, já ultrapassara todos os obstáculos,<br />

Orfeu, a quem só restava um passo para tornar a entrar no país<br />

da luz, esqueceu-se do juramento e voltou a cabeça para ver a<br />

mulher amada. Eurídice estende-lhe os braços, e Orfeu quer<br />

pegá-la, mas ela desaparece nas moradas subterrâneas dizendolhe<br />

um eterno adeus.<br />

Orfeu dilacerado pelas bacantes<br />

Após assim perder a sua Eurídice, Orfeu chorou sete dias<br />

inteiros nas margens do Aqueronte, sem querer nutrir-se;<br />

depois, retirou-se para a Trácia, evitando os homens e vivendo<br />

no meio dos animais, que os seus cantos


queixosos atraíam. As bacantes, no entanto, descobriram-lhe<br />

o refúgio e tentaram fazer com que ele contraísse novos laços<br />

matrimoniais; irritadas com o desdém dele, atacaram-no,<br />

gritando, e cobrindo-lhe a voz com o ruído dos seus<br />

tambores, atiraram-se furiosas sobre ele e o despedaçaram. A<br />

sua cabeça e a lira, lançadas ao rio que as levou ao mar,<br />

encantavam as margens com melodiosos sons.<br />

Fig. 216 — Orfeu e Eurídice.


Fig. 217 — Orfeu no inferno (pedra gravada).<br />

Fig. 218 — Orfeu perde Eurídice (segundo o quadro de Drolling).


Numerosas pedras gravadas antigas nos mostram Orfeu<br />

rodeado de animais a que encanta com os seus acordes (figs. 215<br />

e 217). A lenda inspirou numerosos mestres dos últimos séculos,<br />

entre outros Rúbens, de quem temos no museu de Madri uma<br />

Eurídice reencontrando o esposo nos infernos, e um Orfeu no<br />

meio das feras. O mesmo tema foi tratado por Paul Potter, num<br />

quadro famosíssimo que faz parte do museu de Amsterdão, mas<br />

a inspiração mitológica do pintor holandês é bastante inferior, a<br />

nosso ver, às suas cenas campestres nas quais mostra<br />

simplesmente o que viu.<br />

A descida de Orfeu aos infernos constitui o tema do<br />

primeiro trabalho tentado por Canova. Um quadro de Drolling,<br />

conhecido pela gravura e que, outrora, fazia parte do museu de<br />

Luxemburgo, mostra Orfeu no momento em que perde Eurídice,<br />

levada de volta aos infernos por Mercúrio (fig. 218).


CAPÍTULO V<strong>II</strong>I<br />

AS SETAS DE APOLO<br />

Júpiter e Antíope. — Os filhos de Níobe<br />

Júpiter e Antíope<br />

Lico, <strong>net</strong>o de Cadmo e rei de Tebas, desposara Antíope,<br />

filha do rio Asopo, que lhe deu dois filhos, Anfião e Zeto. Antíope<br />

foi amada de Júpiter que a visitava sob a forma de sátiro, como<br />

nos mostra Correggio num soberbo quadro do Louvre (fig. 219).<br />

Repudiada pelo marido, Antíope foi colocada sob a vigilância de<br />

Dircéia, que se tornara esposa do rei. Esta maltratou<br />

cruelmente a rival e mandou que a encerrassem numa<br />

acanhada prisão. Mas os grilhões de que Antíope estava<br />

carregada se quebraram sozinhos, e ela procurou refúgio ao pé<br />

dos filhos que, a princípio, não reconheceram sua mãe. Dircéia,<br />

dedicadíssima ao culto de Baco, quis matar Antíope


Fig. 219 — Antíope (segundo um quadro de Correggio, museu do<br />

Louvre).<br />

mandando que a amarrassem às presas de um touro, enquanto<br />

se celebravam as bacanais. Um pastor que criara Anfião e Zeto,<br />

fez com que estes a reconhecessem enfim, ministrando-lhes<br />

sinais certos de ser-lhes Antíope mãe, e eles, atirando-se contra<br />

as bacantes, libertaram a prisioneira, prenderam Dircéia às<br />

pontas do animal e mataram-na com o suplício por ela destinada<br />

à rival. O


suplício de Dircéia forma o tema de um grupo antigo célebre, no<br />

museu de Nápoles (fig. 220).<br />

Dircéia, após a morte, transformou-se em fonte, por obra<br />

de Baco, que feriu Antíope de loucura furiosa; a infeliz<br />

percorreu por algum tempo a Grécia em tais<br />

Fig. 220 — Suplício de Dircéia (segundo um quadro antigo do museu<br />

de Nápoles).<br />

condições, mas acabou sendo curada por Foco que a desposou.<br />

Lico foi expulso da cidade com toda a família, e Anfião tornou-se<br />

rei do país. Anfião foi o primeiro em erguer um altar a Mercúrio,<br />

e o deus para premiar-lhe o zelo deu-lhe de presente uma lira.<br />

Aos sons da lira de Anfião,


toda a natureza se comovia e as pedras se ergueram por si<br />

próprias para formar os muros d Tebas.<br />

O baluarte teve sete portas, tantas quantas eram as cordas<br />

da lira.<br />

Os filhos de Níobe<br />

Anfião desposou Níobe que, orgulhosa dos seus numerosos<br />

filhos, ousara rir-se da deusa Latona que só tinha dois.<br />

Pretendia receber as honras divinas, de modo que o culto de<br />

Latona era negligenciado. A deusa, ofendida, ordenou à profetisa<br />

Manto, filha do adivinho Tirésias, que reavivasse o zelo do povo.<br />

Impelida por uma inspiração divina, a profetisa põe-se a<br />

percorrer as ruas de Tebas, gritando: "Mulheres tebanas, coroaivos<br />

do louro, e oferecei incenso a Latona e a seus dois filhos; é a<br />

própria deusa quem vo-lo ordena pela minha boca."<br />

Todos obedecem; já todas as mulheres da cidade, trazendo<br />

coroas na cabeça, se apressavam em acender em honra a essas<br />

divindades o fogo sagrado, e em unir os seus votos à chama que<br />

se ergue sobre os seus altares. Entretanto, Níobe, esposa de<br />

Anfião e rainha de Tebas, vestida de uma túnica frigia toda<br />

esplendente de ouro. chega seguida do cortejo real. Detém-se e<br />

põe-se na frente da procissão: "Por que cegueira, diz ela, preferis<br />

supostos deuses aos que tendes diante dos vossos olhos, e como<br />

tendes a ousadia de oferecer sacrifícios a Latona, se ainda não<br />

queimastes incenso nos meus altares? Ignorais que sou esposa<br />

de Anfião, que ergueu os vossos muros ao som da sua lira, que<br />

sou filha de Tântalo, e que tenho por mãe uma das Plêiades? O<br />

grande Atlas, que sustenta o céu sobre os ombros, é meu avô, e<br />

o próprio Júpiter é simultaneamente meu avô e meu sogro. Os<br />

povos da Frigia me prestam honras que me são devidas, e vós<br />

preferis a mim essa Latona, errante e fugitiva, que o Céu, a Terra


e a Água repelem igualmente, e que se jacta de ter posto no<br />

mundo dois filhos, quando eu sou mãe de catorze!" Ordena,<br />

então, que se interrompa a cerimônia, e cada um lança a sua<br />

coroa de louro, para obedecer à rainha.<br />

Latona encarregou os filhos de vingar o ultraje. São Apolo e<br />

Diana que causam as mortes súbitas: quando se fala de alguém<br />

que foi atingido de morte fulminante, e cuja causa é<br />

desconhecida, diz-se: recebeu uma seta de Apolo. Um dia,<br />

quando Níobe estava rodeada dos seus catorze filhos cuja beleza<br />

ela admirava, ouve-se no ar uma espécie de silvo de seta e um<br />

dos filhos tomba morto sobre a areia. Seus sete filhos jazem aos<br />

seus pés, e a mesma sorte cabe, em breve, às sete filhas que<br />

tombam feridas por Diana. A morte dos catorze filhos de Níobe é<br />

instantânea; o pai, a mãe, as nutrizes e os pedagogos os vêem<br />

cair sem poderem prestar-lhes o menor auxílio.<br />

Estupefata, a infeliz Níobe imobiliza-se, e os seus próprios cabelos já<br />

não são mais agitados pelo vento; um palor mortal lhe cobre o rosto; os olhos<br />

estão fixos e sem movimento, a língua cola-se à boca ; ela se metamorfoseia<br />

em pedra. No entanto, ainda sabe chorar, pois as lágrimas que verte formam<br />

uma fonte que vemos jorrar de um pedaço de mármore.<br />

Anfião, seu esposo, matou-se, segundo alguns mitólogos; segundo<br />

outros, armou um exército para destruir o templo de Apolo em Delfos, e foi<br />

atingido pelo próprio deus, antes de lá chegar.<br />

A história dos filhos de Níobe, popularíssima na<br />

antiguidade, foi representada em famosas estátuas, dentre as<br />

quais algumas figuram entre as obras-primas cia arte.<br />

Le fatal courroux des dieux<br />

changea cette femme en pierre;<br />

le sculpteur a fait bien mieux,<br />

il a fait tout le contraire.<br />

(Voltaire) (1)<br />

______________________<br />

(1) A fatal cólera dos deuses mudou esta mulher em pedra: o<br />

escultor fez muito mais, pois fez exatamente o contrário.


Plínio, falando do famoso grupo das Niobidas, não sabe se<br />

deve atribuí-lo a Scopas ou a Praxíteles (fig. 221). Seja quem for<br />

o autor do grupo, revela uma arte que se compraz em reproduzir<br />

temas adequados a remexer profundamente a alma, mas que, ao<br />

mesmo tempo, os trata com a temperança e a nobre reserva<br />

exigidas pelo gosto helênico nos mais belos tempos da arte. Se o<br />

artista não<br />

Fig. 221 — Niobe e a menor de suas filhas (segundo um grupo antigo).<br />

poupa nada para nos comover em favor de uma família, objeto<br />

da cólera dos deuses, a forma cheia de nobreza e de grandeza<br />

dos rostos não está absolutamente desfigurada pela dor física e<br />

pelo temor de um perigo iminente. A fisionomia da mãe,<br />

personagem principal da cena, exprime o desespero do amor<br />

materno e na maneira mais pura e elevada: a tradição poética<br />

nos ensina que a desventurada, emudecida pelo excesso de dor,<br />

foi trans-


formada em pedra, e o artista, conformando-se ao fato, evitou<br />

as desgraciosas contrações do rosto. As estátuas desse grupo<br />

foram descobertas em Roma, perto da porta de São Paulo, e<br />

acham-se atualmente em Florença. Mas há em outros museus<br />

estátuas isoladas famosíssimas, notadamente a de Munique. A<br />

morte dos Niobidas figura<br />

Fig. 222 — O Pedagogo e um dos filhos de Niobe (segundo um<br />

grupo antigo).<br />

freqüentemente em sarcófagos, e representa sempre a muda<br />

prece da mãe que perdeu os filhos de morte súbita. A trágica<br />

lenda era na antiguidade o tipo dos golpes imprevistos do<br />

destino.


CAPÍTULO IX<br />

APOLO PASTOR<br />

A ninfa Coronis. — O nascimento de<br />

Esculápio. — Apolo na corte de Admeto.<br />

— O pastor Aristeu.<br />

A ninfa Coronis<br />

Apolo está munido de uma aljava cujas flechas são<br />

inevitáveis : é ele que envia as pestes e as epidemias. Mas é ele<br />

também que cura as doenças, e em tais ocasiões todos os<br />

invocam. O título de deus salvador e reparador dos males<br />

convém perfeitamente ao sol personificado: contudo, o poder<br />

curativo de Apolo aparece sobretudo em seu filho Esculápio, tido<br />

da ninfa Coronis. Apolo apaixonara-se pela ninfa, mas tendo-lhe<br />

dito o corvo que ela amava outro, o deus, num acesso de ciúme,<br />

matou-a com uma das suas setas. Arrependeu-se imediatamente<br />

e metamorfoseou Coronis (palavra que significa gralha) na ave<br />

que traz esse nome; depois, para punir o corvo pela sua<br />

tagarelice, fê-lo negro, tirando-lhe a cor branca que o caracterizava.<br />

Foi depois dessa aventura que as duas aves passaram a<br />

ser consagradas a Apolo.


O nascimento de Esculápio<br />

Quando Coronis morreu, estava para dar à luz um filho,<br />

que Apolo lhe tirou do seio e que foi Esculápio, cuja educação<br />

ficou atribuída ao centauro Quirão.<br />

A filha de Quirão, Ociroé, senhora do dom da profecia,<br />

exclamou ao vê-lo: "Cresce para o sol do mundo, menino! Os<br />

mortais dever-te-ão freqüentemente a existência. Ser-te-á dado<br />

até o dom de ressuscitar os mortos. Mas por o teres<br />

experimentado uma vez, a despeito da ordem estabelecida pelos<br />

deuses, o raio de teu avô impe-dirá que o tentes de novo."<br />

(Ovídio).<br />

A profetisa tinha razão, pois Esculápio seria fulminado por<br />

Júpiter por ter ressuscitado Hipólito; mas os que sabem ler o<br />

futuro nem sempre o devem revelar, e Ociroé pagou caro a<br />

indiscreção. Compreende imediata-mente que atraiu a cólera dos<br />

deuses, e vê-se transformada em égua. Quer chorar e o que se<br />

ouve são relinchos. Os dedos se lhe colam um ao outro, as<br />

unhas reunidas se transformam em cascos, a boca lhe cresce, o<br />

pescoço se alonga, a orla da túnica se lhe muda em cauda e os<br />

cabelos esparsos formam a crina, que lhe cai à direita do<br />

pescoço.<br />

Não tardou em espalhar-se a notícia de que o menino que<br />

acabava de nascer em Epidauro sabia curar todas as doenças e<br />

até ressuscitar os mortos.<br />

Esculápio realizou grande número de maravilhosas curas;<br />

mas a sua reputação se deve sobretudo às ressurreições.<br />

Quando ressuscitou Hipólito. filho de Teseu, que um monstro<br />

marinho matara, Plutão queixou-se a Júpiter, afirmando que lhe<br />

arrancavam direitos, retirando-lhe súditos, e o senhor dos<br />

deuses, achando justa a queixa, fulminou Esculápio,


Apolo na corte de Admeto<br />

Apolo, furioso por ver que Júpiter lhe fulminara o filho<br />

Esculápio, pegou aljava e setas, e foi matar todos os ciclopes,<br />

obreiros incumbidos de fabricar o raio. Júpiter expulsou-o do<br />

céu, e Apolo, reduzido à condição de simples mortal, viu-se<br />

obrigado, para ganhar a vida, a guardar os rebanhos de Admeto,<br />

rei da Tessália. Em seguida, com Netuno, foi erguer os muros de<br />

Tróia para Laomedon, que lhe recusou a recompensa, quando a<br />

obra ficou pronta. Apolo vingou-se, enviando uma epidemia à<br />

região. Finalmente, após viver algum tempo na terra, em<br />

condição assaz humilde, Júpiter perdoou-lhe e permitiu-lhe<br />

subir de novo ao Olimpo.<br />

Albane, não podendo admitir que um deus como Apolo<br />

desempenhasse por muito tempo as funções de pastor, no-lo<br />

mostra no momento em que Mercúrio lhe anuncia a libertação e<br />

o fim do exílio. O deus, que com uma das mãos segura a lira e<br />

com a outra o cajado de pastor, percebe ao longe as Musas<br />

reunidas nas margens do Hipocrene, e Pégaso no topo do<br />

Helicão; no céu, as divindades do Olimpo, sobre nuvens,<br />

aprestam-se em lhe dar as boas-vindas.<br />

O pastor Aristeu<br />

O pastor Aristeu é uma divindade que preside os rebanhos,<br />

mas a sua missão especial é sobretudo a educação das abelhas.<br />

Era filho de Apolo e da ninfa Cirene. Apolo apaixonou-se por<br />

essa ninfa, e desejando saber quem era e a que família pertencia,<br />

perguntou-o ao


Fig 223 — Aristeu (segundo uma estátua antiga do Louvre).


centauro Quirão, o qual era adivinho. Este pareceu admirado<br />

com a pergunta. Tu me perguntas, respondeu, qual a origem da<br />

ninfa, tu que conheces o imperioso destino de todos os seres, tu<br />

que contas as folhas que surgem na terra, durante a primavera,<br />

e os grãos de areia que as vagas e os ventos fazem rolar nos rios<br />

e nos mares, tu cuja vista pe<strong>net</strong>rante descobre tudo quanto<br />

existe, tudo quanto há de existir! Mas já que ordenas, vou<br />

responder-te: a sorte conduz-te a estes páramos para seres<br />

esposo de Cirene e levá-la além dos mares, aos deliciosos jardins<br />

de Júpiter. Lá, numa colina rodeada de formosos campos, se<br />

erguerá uma cidade poderosa, povoada por uma colônia de<br />

insulares da qual a farás rainha.<br />

"Em teu favor, a vasta e fecunda Líbia receberá com carinho<br />

essa ninfa destinada a dar leis a uma região igualmente famosa<br />

pela fertilidade e pelos animais ferozes que nutre. Lá, dará ela à<br />

luz um filho que Mercúrio roubará aos beijos da mãe para<br />

confiá-lo as cuidados da Terra e das Horas, de tronos<br />

esplendentes. Essas deusas acolherão o menino divino, pô-lo-ão<br />

ao colo, far-lhe-ão escorrer pelos lábios o néctar e a ambrósia e o<br />

tornarão imortal como Júpiter e Apolo. Será a alegria dos<br />

amigos, vigiará numerosos rebanhos, e o seu gosto aos trabalhos<br />

dos caçadores e dos pastores fará com que o chamem de<br />

Aristeu." (Píndaro).<br />

O pastor Aristeu foi, sobretudo, grande criador de abelhas,<br />

mas é como bom pastor que aparece, em geral, na arte. Inúmeros<br />

monumentos o representam trazendo uma ovelha aos ombros, e<br />

os artistas cristãos adotaram esse tipo que aparece<br />

freqüentemente nos seus trabalhos. Nas catacumbas de Roma,<br />

Jesus Cristo está representado sob a forma e com os atributos<br />

do pastor Aristeu.


CAPÍTULO X<br />

ESCULÁPIO<br />

Esculápio e Higéia. — A serpente de<br />

Esculápio. — O templo de Epidauro. —<br />

Os tratamentos de Esculápio. — Esculápio<br />

em Roma. — Hércules e Esculápio.<br />

Esculápio e Higéia<br />

Esculápio aparece na arte com as feições de homem<br />

maduro, expressão suave e risonha, de pé e a cabeleira<br />

amarrada por uma faixa ; segura na mão direita um bordão em<br />

torno do qual se enrola a serpente. Liga-se freqüentemente a<br />

um ,jovem, Telésforo (fig. 224). o génio da cura. ou a filha<br />

Higéia, deusa da saúde, de quem a arte fez uma jovem com a<br />

testa diademada e traz uma taça onde bebe uma serpente (fig.<br />

229). Tivera de sua mulher Epíona (a calmante), vários filhos<br />

dentre os quais os mais famosos foram Podalira e Macaon. Hoje<br />

são encantadoras borboletas, mas na época da guerra de Tróia,<br />

foram prodigiosos médicos.


A serpente de Esculápio<br />

A serpente é consagrada a Esculápio e considerada<br />

emblema da medicina. Há várias razões para isso: segundo<br />

Plínio, é porque ela se renova mudando de pele. O homem<br />

renova-se igualmente pela medicina, pois os remédios lhe dão<br />

como que um corpo novo. Segundo<br />

Fig. 224 — Telésforo (segundo uma estátua antiga).<br />

Higino, foi observando as serpentes, que o deus da medicina<br />

descobriu o segredo de ressuscitar os mortos. Estando um dia<br />

Esculápio perto de um enfermo, uma serpente enrolou-se-lhe em<br />

torno do bordão; Esculápio matou-a. Mas, imediatamente<br />

depois, outra, trazendo na boca uma erva, com ela ressuscitou a<br />

primeira. O deus pegou a


F g . 225 — Esculápio (segundo urna estátua antiga).


erva, mal percebeu a maravilhosa propriedade, e dela se valeu a<br />

partir de então.<br />

Parece, todavia, que a serpente de Esculápio difere da que<br />

se vê habitualmente.<br />

"Embora, em geral, as serpentes sejam consagradas a<br />

Esculápio, essa prerrogativa pertence, no entanto, a uma espécie<br />

particular cuja cor dá para o amarelo. Aquelas não fazem mal<br />

aos homens e o Epidauro é a única região em que se encontram."<br />

(Pausânias).<br />

Um baixo-relevo do Vaticano nos mostra Esculápio<br />

visitando um enfermo deitado no leito. No seu quadro da Oferta<br />

a Esculápio, Guérin nos apresenta um ancião<br />

Fig. 226 — Esculápio, Higéia e Telésforo.<br />

conduzido pelos filhos à presença da imagem do deus; a filha<br />

ajoelhada, contempla a serpente que se ergue acima do altar.<br />

O culto de Esculápio é velhíssimo na Grécia. Pausânias<br />

atribui-lhe a origem a Alexanor, <strong>net</strong>o de Esculápio, que teria<br />

vivido cerca de cinqüenta anos após a guerra de Tróia.<br />

"Alexanor, filho de Macaon e <strong>net</strong>o de Esculápio, veio à<br />

Sicionia, e construiu em Titano um templo em honra a<br />

Esculápio. Em volta, plantou-se um bosque de ciprestes,<br />

atualmente muito velho; as cercanias do templo são habitadas<br />

por várias pessoas, e notadamente pelos ministros do deus.<br />

Quanto à estátua que ali se vê, ninguém


saberia dizer de que matéria é feita, com exceção do próprio<br />

Alexanor. Está coberta por uma túnica de lã branca e por cima<br />

uma manta, de modo que só aparecem o rosto, os pés e as mãos.<br />

O mesmo se dá com a estátua de Higéia, perto, pois não a vemos<br />

facilmente, de tal maneira está oculta, quer pela quantidade de<br />

cabelos que mulheres devotadas lhes sacrificaram, quer pelos<br />

pedaços de pano de seda de que a ornaram. Quem quer que<br />

entre no templo para ali orar é obrigado, em seguida, a dirigir os<br />

seus rogos à deusa Higéia." (Pausânias) .<br />

Fig. 227 — Esculápio visitando um doente.<br />

O templo de Epidauro<br />

Epidauro era famosíssima na antiguidade pelo seu templo<br />

de Esculápio, rodeado por um bosque sagrado de ciprestes.<br />

Encontraram-se nele ruínas que se julgam ter pertencido ao<br />

santuário do deus. Imensa quantidade de enfermos iam de<br />

todas as partes da Grécia a Epidauro em busca de saúde e<br />

distração. O culto de Esculápio, que se espalhou por toda parte,<br />

fez com que se lhe erguessem grande número de templos,<br />

sempre situados nos lugares onde havia águas famosas, e os<br />

doentes ali se reuniam


como nos cassinos, nas nossas estações de águas, durante os<br />

lazeres que lhes deixava o tratamento.<br />

Fig. 228 — Oferta a Esculápio (segundo um quadro de Guérin).<br />

Pausânias nos legou uma descrição do templo de Esculápio<br />

em Epidauro : "O bosque consagrado a Esculápio, diz ele, está<br />

por todos os lados rodeado de grandes obstáculos; e nesse<br />

recinto não é permitido que morram os doentes e dêem à luz as<br />

mulheres, tal qual na ilha de Delos. Tudo quanto se sacrifica ao<br />

deus deve ser consumido em tal recinto ; os epidaurianos, como<br />

os estrangeiros, estão sujeitos a essa lei, e sei que a mesma coisa


Fig. 229 — Higéia (estátua antiga).


se observa em Titano. A estátua du deus e de ouro e marfim,<br />

porém (luas vezes menor que a de Júpiter Olímpico em Atenas;<br />

a inscrição afirma que se trata de uma obra de Trasímedo, filho<br />

de Arignoto, e oriundo de Par-cos. O deus está representado<br />

num trono, segurando com uma das mãos, e apoiando a outra<br />

sobre a cabeça de uma serpente. Para além do templo,<br />

construíram algumas casas para conforto das pessoas que vão<br />

fazer as suas preces a Esculápio; mais perto há uma rotonda de<br />

mármore branco que atrai a curiosidade; vêem-se ali<br />

Fig. 230 — Higéia ou a Saúde (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

pinturas de Pausias; num dos lados um Cupido que se desfez do<br />

arco e das setas e empunha uma lira; no outro, a Bebedeira que<br />

sorve de uma garrafa de vidro. Através da garrafa, vemos um<br />

rosto de mulher. Havia, outrora, no mesmo recinto grande<br />

número de colunas, mas só restam atualmente seis, sobre as<br />

quais se escrevem os nomes dos que o deus curou: tudo está<br />

vazado na língua dórica. Numa antiga coluna que não está na<br />

fileira das demais, está escrito que Hipólito consagrou um cavalo<br />

de bronze a Esculápio, e os habitantes de Arícia possuem


uma tradição a tal respeito, pois dizem que Hipólito, tendo<br />

morrido em virtude das imprecações do pai, foi ressuscitado por<br />

Esculápio. Nunca perdoou a Teseu a sua crueldade, e, sem dar<br />

atenção aos seus rogos, foi a Arícia, cidade da Itália, e ali reinou<br />

e construiu um templo a Diana." (Pausânias).<br />

Os tratamentos de Esculápio<br />

Os doentes que iam consultar o deus eram primeiramente<br />

submetidos a certas práticas higiênicas, como o jejum, as<br />

abluções, os banhos, etc. Após tais preliminares, eram<br />

autorizados a passar a noite no templo. O deus lhes aparecia a<br />

maioria das vezes em sonho e prescrevia-lhes regulamentos que<br />

os sacerdotes interpretavam em seguida. Aristófanes, na sua<br />

comédia Plutus, faz, com a sua habitual rudeza, uma<br />

interessante narração do que se realizava no templo segundo as<br />

crenças populares. O doente de quem fala é um tal Plutus,<br />

ferido de cegueira, e a personagem que faz a narração é o<br />

escravo Cárion:<br />

Cárion. — Mal chegamos ao templo de Esculápio com<br />

Plutus, levamo-lo em primeiro lugar ao mar e ali o banhamos.<br />

Em seguida, voltamos ao santuário do deus. Após consagrarmos<br />

sobre o altar os presentes e outras oferendas, e após<br />

entregarmos a flor de farinha à chama de Vulcano, deitamos<br />

Plutus com as cerimônias exigidas e cada um de nós se dispôs<br />

num leito de palha.<br />

A mulher. — Havia também outras pessoas implorando o<br />

deus?<br />

Cárion. — Havia em primeiro lugar Neóclides (orador<br />

acusado de ter roubado o dinheiro público), o qual, embora<br />

cego, rouba com mais habilidade que os que vêem bem, depois<br />

muitos outros, com toda espécie de doenças. Depois de apagar<br />

as lâmpadas, o ministro do deus pediu-nos que dormíssemos e,<br />

se ouvíssemos ruído,


que nos calássemos. Deitamo-nos, todos, tranqüilamente.<br />

Quanto a mim, não conseguia conciliar o sono; certo prato de<br />

papa, colocado à cabeceira de uma velha, excitava a minha<br />

cobiça, e eu desejava ardentemente rastejar até lá. Ergo a<br />

cabeça; vejo o sacerdote tirar os presentes e os figos secos da<br />

mesa sagrada. Em seguida, dá a volta aos altares, um depois do<br />

outro, e todos os presentes que encontrava guardava-os<br />

cuidadosamente numa sacola.<br />

Eu, convencido da grande santidade da ação, salto sobre o<br />

prato de papa.<br />

A mulher. — Miserável! Não temias o deus?<br />

Cárion. — Sim, sem dúvida; temia que com a sua coroa<br />

chegasse antes de mim ao prato; a atitude do sacerdote falavame<br />

claro; a velha, ouvindo um ruído, estendeu a mão para<br />

retirar o prato; assobio então como serpente, e mordo-a.<br />

Imediatamente ela retira a mão, e se envolve, calada, nas<br />

cobertas, soltando, de medo, um gás mais pavoroso que o de um<br />

gato. Como a papa, e torno a deitar-me de ventre cheio.<br />

A mulher. — E o deus não vinha?<br />

Cárion. — Não. Depois, todavia, fiz uma boa farsa: quando<br />

ele se aproximou, fiz ressoar uma descarga das mais<br />

estrondosas, pois tinha o ventre bem cheio.<br />

A mulher. — Sem dúvida, rompeu em imprecações contra ti?<br />

Cárion. — Limitou-se apenas a não dar atenção.<br />

A mulher. — Queres dizer que este deus é grosseiro?<br />

Cárion. — Não, mas gosta da imundície (1).<br />

A mulher. — Ah, miserável!<br />

Cárion. — Entretanto, afundei no leito, de medo. O deus deu<br />

a volta e visitou gravemente todos os enfermos. Em seguida, um<br />

escravo lhe trouxe um almofariz de pedra, um pilão e uma<br />

caixinha.<br />

A mulher. — Mas como pudeste ver tudo isso, uma vez que<br />

te havias ocultado?<br />

Cárion. — Vi tudo através do meu manto, que está repleto<br />

de buracos. O deus pôs-se primeiramente a preparar um<br />

cataplasma para os olhos de Neóclides : pegou três cabeças de<br />

alho de Tenos, que amassou no almofariz, com uma mistura de<br />

goma e de suco de lentisco; banhou<br />

________________<br />

(1) Alusão aos médicos que comprovam o estado do enfermo pela<br />

inspeção dos excrementos.


tudo com vinagre esfetiano, depois aplicou-o no interior das<br />

pálpebras, para tornar menos pungente a dor. Neóclides gritou<br />

com toda a força e quis fugir. Mas o deus lhe disse, rindo: fica<br />

aqui com o teu cataplasma; quero impedir que prodigues<br />

perjúrios na assembléia.<br />

A mulher. — Que deus sábio e patriota!<br />

Cárion. — Em seguida, aproximou-se de Pluto; em primeiro<br />

lugar, auscultou-lhe a testa, depois lhe enxugou os olhos com<br />

um pano bem limpo: Panacéia cobriu-lhe a cabeça e o rosto com<br />

um véu de púrpura; o deus assobiou, e imediatamente duas<br />

enormes serpentes saíram do fundo do templo.<br />

A mulher. — Grandes deuses!<br />

Cárion. — Elas, depois de se infiltrarem suavemente sob o<br />

véu de púrpura. lamberam, assim creio, as pálpebras do<br />

enfermo; e em menos tempo do que levarias tu para beber dez<br />

cótilos de vinho, Pluto recobrou a vista. Eu, contentíssimo, bati<br />

as mãos e despertei o amo. Imediatamente o deus desapareceu, e<br />

as serpentes se ocultaram no fundo cio templo Mas os que<br />

dormiam perto de Pluto. com que afobação não o apertaram<br />

entre os braços! Ficaram acordados a noite inteira, até o<br />

aparecimento do dia. Quanto a mim, não cessava de agradecer<br />

ao deus ter devolvido tão depressa a vista a Pluto, e aumentado a<br />

cegueira de Neóclides.<br />

A mulher. — Divino poder de Esculápio!... (Aristófanes).<br />

Esculápio em Roma<br />

Esculápio foi igualmente honradíssimo pelos romanos.<br />

Havia três anos que uma enfermidade contagiosa fazia em Roma<br />

grandes estragos, sem que nenhum remédio parecesse pôr cubro<br />

ao terrível flagelo. Os pontífices, encarregados de consultar os<br />

livros das Sibilas, verificaram


que o único meio de devolver a salubridade a Roma era mandar<br />

vir Esculápio de Epidauro. Para tanto, foram ali enviados<br />

embaixadores e o deus se mostrou favorável, visto que permitiu<br />

que a sua serpente surgisse aos envia-dos de Roma. e com eles<br />

embarcasse no navio. Os embaixadores, satisfeitíssimos,<br />

apressaram-se em desfraldar as velas, após se informarem da<br />

maneira pela qual a serpente devia ser homenageada. Mal o<br />

navio entrou em Roma. a serpente, lançando-se a nado, arribou<br />

à ilha onde, mais tarde se lhe ergueu o templo. A epidemia<br />

cessou imediatamente. (Valério Máximo).<br />

Fig. 231 — Esculápio na ilha do Tibre (segundo um medalhão<br />

de Cômodo).<br />

Hércules Esculápio<br />

Esculápio recebeu após a morte honras divinas, e foi<br />

admitido à mesa dos deuses, mas a darmos crédito as autores<br />

cômicos, brigou com Hércules, por uma questão de<br />

precedência. Júpiter tentou acalmá-los. "Cessai, disse-lhe, de<br />

brigar como homens; é uma coisa inconveniente e indigna da<br />

mesa dos deuses.


Hércules. — Queres, pois, Júpiter que este envenenador se<br />

sente antes de mim?<br />

Esculápio. — Certamente, pois que valho muito mais!<br />

Hércules. — Como, cérebro queimado? Será por te haver<br />

Júpiter fulminado por teres feito o que não devias fazer, e por<br />

teres sido admitido por simples piedade a partilhar do nosso<br />

imortal destino?<br />

Esculápio. — Esqueces tu, Hércules, de que foste queimado<br />

no Eta, tu que me censuras por ter passado pelo fogo.<br />

Hércules. — Pretendes insinuar, com isso, que vive-mos da<br />

mesma maneira? Filho de Júpiter, realizei prodigiosos trabalhos,<br />

purificando o mundo, lutando contra os seus monstros, punindo<br />

os bandidos que ultrajavam a humanidade; tu não passas de um<br />

herborista, de um charlatão, bom no máximo para aplicar<br />

remédios aos doentes, e nunca fizeste nada que fosse varonil.<br />

Esculápio. — Tens razão. Mas fui eu quem curou as tuas<br />

queimaduras, quando há pouco vieste ter aqui, com o corpo<br />

assado num dos lados pela túnica do centauro, e no outro pelo<br />

fogo. E se nada mais me restasse por dizer, não fui escravo como<br />

tu, não cardei lã na Lídia. vestido por uma túnica de púrpura,<br />

recebendo golpes da sandália dourada de Onfale, e sobretudo,<br />

num acesso de fúria, não matei meus filhos nem minha mulher.<br />

Hércules. — Se não acabares com as tuas insolências,<br />

saberás daqui a pouco que a tua imortalidade não poderá<br />

impedir que eu te agarre e te atire para fora do céu, de cabeça<br />

para baixo.<br />

Júpiter. — Calai-vos ambos, não perturbeis a reunião. Do<br />

contrário, pôr-vos-ei fora da porta." (Luciano).


CAPÍTULO XI<br />

O SOL<br />

O Sol e a ilha de Rodes. — Os sinais do<br />

Zodíaco. — O carro do Sol. — Queda de<br />

Faetonte. — As irmãs de Faetonte. — O<br />

rei Cicno.<br />

O Sol e a ilha de Rodes<br />

Hélios, o Sol, era na primitiva antiguidade inteiramente<br />

diverso de Apolo, com o qual se identificou posteriormente. O Sol<br />

vê tudo e revela tudo o que vê: ele é que denuncia a Vulcano a<br />

infidelidade de sua mulher, a Ceres o rapto da filha; o crime de<br />

Atreu o faz recuar horrorizado. Mas tais fatos não poderiam ser<br />

relacionados a Apolo, a cujo lado vemos o Sol formando uma<br />

personagem distinta, num baixo-relevo que representa Marte e<br />

Vênus surpreendidos por Vulcano.


Uma antiga estátua nos mostra o Sol sob forma de jovem<br />

vestido, segurando numa das mãos uma bola, e na outra a<br />

cornucópia : os cavalos que lhe conduzem o carro estão<br />

figurados em busto ao seu lado (fig. 232). O famoso colosso de<br />

Rodes que, segundo uma tradição errônea, deixava os navios<br />

passar com todas as velas enfunadas entre as pernas, era uma<br />

imagem do Sol e a mesma efígie se vê nas medalhas de Rodes.<br />

Quando, após a queda dos Titãs, os deuses olímpicos dividiram<br />

entre si o mundo, o Sol, que lá não estava, foi esquecido:<br />

queixou-se, e a ilha de Rodes saiu dos mares expressamente<br />

para lhe ser consagrada. Um belo baixo-relevo, descoberto<br />

recente-mente na antiga Tróia, mostra o Sol de cabeça radiada,<br />

conduzindo o seu carro : numa pintura de Herculanum vemo-lo<br />

conversando com uma das Horas.<br />

Os sinais do Zodíaco<br />

O Zodíaco é o espaço do céu que o sol percorre durante o<br />

ano e que está dividido em doze partes, onde se encontram doze<br />

constelações que correspondem aos seguintes sinais (fig. 233) :<br />

— 1, o Carneiro (abril) está acompanhado da pomba de Vênus; —<br />

2, o Touro (maio) tem ao seu lado o tripé de Apolo; — 3, os<br />

Gêmeos (junho) estão seguidos da tartaruga de Mercúrio; — 4, o<br />

Câncer (julho) está unido à águia de Júpiter; — 5, o Leão (agosto)<br />

está unido ao cesto de Ceres, rodeado pela serpente mística; —<br />

6, a Virgem (setembro) segura dois fachos e está acompanhada<br />

do barrete de Vulcano; — 7, a Balança (outubro), segura por um<br />

menino, tem perto a loba de Marte; — 8, o Escorpião (novembro)<br />

tem o cão de Diana; — 9, o Sagitário (dezembro), tem a lâmpada<br />

de cabeça de asno de Vesta; — 10, o Capricórnio (janeiro), o<br />

pavão de Juno; — 11, o Aquário (fevereiro) os delfins


Fig. 232 — O Sol (segundo uma estátua antiga).


de Netuno; — 12, os Peixes (março) o mocho de Minerva. Cada<br />

uma das doze grandes divindades vive, mais longa-mente, na<br />

constelação que tem os seus atributos.<br />

O carro do Sol<br />

A marcha do Sol sobre a terra, na mitologia, não se<br />

conforma aos princípios da moderna astronomia.<br />

O Sol (Hélios) sai do rio Oceano no Oriente, ergue-se, no<br />

meio-dia, até o ponto mais alto do céu, e em seguida ruma para<br />

o Ocidente, até o ponto em que reina eterna obscuridade, e que<br />

se chama Portas do Sol. Ali chegado, encontra um barco de ouro<br />

feito por Vulcano, e durante a noite. descreve um semicírculo<br />

sobre o rio Oceano que envolve a terra, e assim volta todas as<br />

manhãs ao ponto de onde partiu na véspera. Visto que sempre<br />

segue o mesmo caminho, o disco da terra está sempre iluminado<br />

por um lado (o que olha para o equador), ao passo que o outro<br />

lado (o que olha para o pólo) jamais recebe luz. É por isso que<br />

um dos lados do rio Oceano assume o nome de Costa cio Dia e o<br />

outro Costa da Noite.<br />

Quando o Sol deixa as regiões do Oriente para iluminar a<br />

terra, as Horas lhe abrem as portas do céu e atrelam ao seu<br />

carro (obra de Vulcano) cavalos alados que vomitam chamas. Os<br />

Dias, os Meses, os Anos, os Séculos, formam com as Horas o<br />

cortejo habitual do Sol, cujo palácio está situado nas<br />

extremidades do Oriente. No seu famoso quadro do palácio<br />

Rospigliosi, cuja com-posição está calcada num baixo-relevo<br />

antigo da Villa Borghese, Guido mostra o Sol escoltado pelas<br />

Horas e pelos Dias que se seguram pelas mãos para indicar o<br />

sucessivo encadeamento, e precedido da Aurora que semeia<br />

profusamente flores diante do carro do deus.<br />

O gigantesco Atlas, condenado, por se haver rebelado contra<br />

Júpiter, a suportar o céu sobre os fortes ombros,


marca o ponto do universo em que o Dia e a Noite se seguem<br />

alternativamente sem jamais se encontrarem. A costa das<br />

Hespéridas, nos confins do mundo, constitui o seu império;<br />

possui ele numerosos rebanhos, e vive num<br />

Fig. 233 O Zodíaco (museu do Louvre).<br />

esplêndido jardim, o jardim das Hespéridas, onde uma faiscante<br />

folhagem de ouro sombreia maçãs também de ouro. A colocação<br />

da morada do deus Montanha está, aliás, bastante mal<br />

determinada na Fábula, e a posição


de Atlas varia segundo o lugar em que se situam os confins do<br />

mundo. Assim, vemo-lo indistintamente no Cáucaso, na Líbia e<br />

na Mauritânia. Quando os progressos da navegação<br />

estabeleceram um sistema geográfico mais sério, Atlas passou a<br />

ocupar o lugar onde ainda hoje o vemos.<br />

O Atlas Farnese no museu de Nápoles, mostra o gigante<br />

suportando o céu sobre os ombros (fig. 234) ;<br />

Fig 234 — Atlas Farnese museu de Nápoles)<br />

está representado da mesma maneira em várias pedras<br />

gravadas.<br />

Atlas é pai das Plêiades. constelações que aparecem no<br />

signo do Touro, São em número de sete, mas há uma.


Merope, que não gosta de mostrar-se, por envergonhar-se de<br />

aparecer aos homens. Somente ela, com efeito, foi que teve por<br />

esposo um simples mortal, ao passo que as irmãs se uniram a<br />

deuses. As Plêiades inspiraram a Flaxman uma das suas mais<br />

graciosas composições (fig. 235).<br />

Queda de Faetonte<br />

Tinha o Sol um filho chamado Brilhante (Faetonte), e o<br />

jovem tirava do nascimento uma vaidade extrema. Numa<br />

divergência que teve um dia com um filho de Júpiter, Epafo,<br />

este ousou suscitar dúvidas quanto à sua origem divina.<br />

Faetonte em pranto foi procurar o pai, e suplicou-lhe que lhe<br />

desse sinais certos que pudessem provar ao universo de quem<br />

ele descendia. O Sol,<br />

Fig. 235 — As Plêiades (segundo Flaxman).


enternecido pelo pesar do filho, jurou pelo Estige que lhe<br />

concederia o que ele pedisse, e Faetonte imediatamente lhe<br />

rogou permissão para conduzir o carro e iluminar o mundo<br />

durante um dia apenas. O Sol, que não podia faltar ao<br />

juramento, fez ao filho as mais sérias admoestações, para lhe<br />

mostrar o perigo que havia em serem os fogosos cavalos guiados<br />

por mãos inexperientes. Mas jurara pelo Estige, e a obstinação<br />

de Faetonte o obrigou a manter a palavra Foi preciso, assim<br />

resignar-se: quando as estrelas desapareceram e o crescente da<br />

lua se apagou, o Sol ordenou às Horas que atrelassem os<br />

cavalos, e Faetonte, encantado por segurar as rédeas e mostrarse,<br />

dessarte, ao mundo inteiro, saltou sobre o carro do pai._<br />

Os quatro cavalos do Sol, enchendo o ar de rinchos e de<br />

chamas, batem com a pata a barreira do mundo, cuja porta as<br />

Horas abrem. Entretanto, percebem imediatamente que o carro<br />

por eles puxado não traz o habitual condutor, e, abandonando a<br />

estrada que ele os obrigava a seguir, perdem-se com espantosa<br />

rapidez em caminhos desconhecidos. Faetonte, inquieto, começa<br />

a empalidecer; mas quando notou o signo do Escorpião, que<br />

parecia ameaçá-lo com a cauda recurvada e pontuda, o espanto<br />

foi tal que abandonou as rédeas. Os cavalos, sentindo-as flutuar<br />

no dorso, e vendo-se privados de guia, cedem ao impulso do<br />

terror, e umas vezes se erguem até as estrelas do firmamento,<br />

outras descem até a terra pela qual chegam a roçar. Já se seca a<br />

relva, as árvores ardem, e terra se faz árida, as cidades desabam,<br />

as florestas e as montanhas se incendeiam, inteiras regiões se<br />

inutilizam para sempre, mares secam, e imensos desertos de<br />

areia os substituem. Foi nesse dia que os habitantes da África<br />

ficaram com a pele tostada. O Nilo, horrorizado, retira-se para as<br />

extremidades do mundo, e oculta a sua nascente, que, desde<br />

então, não pôde ser descoberta. As ninfas vêem as fontes secas,<br />

os rios não têm mais água. Netuno, encolerizado, por três vezes<br />

fura as águas do mar com os braços nervosos; e três vezes, o<br />

calor o obriga a buscar um refúgio nas profundezas. (Ovídio).<br />

Júpiter, verificando que a destruição do mundo seria geral,<br />

quer fazer cair chuvas sobre a terra, mas já não encontra nem<br />

nuvens, nem vapores. Pega então o raio e fulmina Faetonte, que<br />

tomba do carro (fig. 236). O


infeliz Sol, vencido pela dor que lhe causa a morte do<br />

filho, recusa-se a iluminar a terra, à qual só as brasas<br />

serviram de luz durante algum tempo, e voltou a desempenhar<br />

as funções exclusivamente por ordem expressa de Júpiter.<br />

Fig. 236 — Queda de Faetonte (segundo uma pedra gravada,<br />

museu de Florença).<br />

As irmãs de Faetonte<br />

As irmãs de Faetonte tiveram tal desgosto com a morte<br />

do irmão que durante quatro meses não lhe abandonaram o<br />

túmulo. Como não deixassem de chorar naquele lugar,<br />

perceberam que os pés se lhes enraizavam na terra


e que o corpo se lhes cobria de casca. As lágrimas que corriam<br />

das novas árvores se endureceram ao sol e tornaram-se gotas de<br />

âmbar. Recebeu-as o Eridano e é ali que as vão buscar para o<br />

fabrico das jóias com que se enfeitam as damas romanas.<br />

(Ovídio).<br />

Vemos em vários monumentos as Helíadas, irmãs de<br />

Faetonte, chorando a morte do irmão e prestes a serem<br />

metamorfoseadas em choupos. Rubens compôs sobre a queda de<br />

Faetonte um quadro que se encontra em Viena na galeria<br />

Lichtenstein. Na sua decoração do prédio Lambert, Lesuer<br />

pintara Faetonte pedindo ao pai que o deixasse guiar o carro do<br />

Sol. Finalmente, uma linda estátua de Teodonte, no museu do<br />

Louvre, nos mostra Faetusa, uma das irmãs de Faetonte, no<br />

momento da sua metamorfose (fig. 237).<br />

O rei Cicno<br />

O rei Cicno, que era amigo de Faetonte, foi testemunha de<br />

tais prodígios. E ficou até de tal modo impressionado pela<br />

catástrofe que atingiu o filho do Sol que, por ódio ao fogo, vivia<br />

mergulhado na água fria. Como nunca deixasse a água, o corpo<br />

acabou por se lhe transformar: os cabelos tornaram-se plumas<br />

brancas, o pescoço se lhe alongou desmedidamente, os dedos se<br />

reuniram um ao outro por uma membrana avermelhada, um fino<br />

bico lhe substituiu a boca e grandes asas surgiram em cada lado<br />

do corpo. Os deuses o tinham metamorfoseado em cisne.<br />

Legou-nos a antiguidade alguns monumentos em torno<br />

dessa lenda. Às vezes, vemos Faetonte estendido enquanto o<br />

carro ainda inteiro está no meio dos ares, ou então o carro<br />

despedaçado apresenta apenas uma roda e os cava-los,<br />

terrorizados, fogem desordenadamente, Outras, o infeliz<br />

condutor está ainda sobre o carro, mas o


movimento dos cavalos que se empinam dá a prever a sua<br />

queda. Um baixo-relevo da Villa Borghese representa em várias<br />

cenas a história de Faetonte. Num canto, em lugar elevado,<br />

vemos Hélios, o Sol, trazendo a coroa radiada e segurando na<br />

mão um facho e uma cornucópia. Seu jovem filho, posto na sua<br />

frente, pede-lhe a licença fatal<br />

Fig. 237 — Faetusa (segundo uma estátua do museu do Louvre).<br />

e nos dois lados do monumento se nos deparam os dois ventos<br />

opostos, que sopram em sentido contrário. Os cavalos arrastam<br />

desordenadamente o carro desconjuntado: somente dois ainda se<br />

acham atrelados, e são um pouco mantidos por Castor e Pólux,<br />

os dois divinos cavaleiros,


econhecíveis pelo barrete cônico. Na parte inferior, vemos no<br />

lado direito, a Terra semi-deitada e perto dela os gênios das três<br />

estações : na frente está o Mar segurando um remo, e a ele um<br />

gênio apresenta uma concha. Entre eles, Júpiter e Juno<br />

representam as divindades do ar. Segue-se o rio Eridano, de<br />

costas voltadas para o mar, o qual recebe Faetonte, na queda<br />

deste. Cicno chora a morte do amigo e conduz o cisne de cuja<br />

forma se revestirá; segue-o o filho e as três irmãs de Faetonte,<br />

que serão metamorfoseadas em choupos.<br />

"O âmbar, se derdes crédito à lenda, diz Luciano, provém<br />

das lágrimas vertidas pelos choupos do Eridano, que são as<br />

irmãs de Faetonte, transformadas em árvores, de tanto chorar o<br />

infeliz jovem, e destilando prantos que formam o âmbar.<br />

Convencido da realidade da narração dos poetas, esperava eu<br />

que. se uni dia me visse perto do Eridano, estenderia a borda da<br />

minha túnica sob um dos choupos e recolheria algumas<br />

lágrimas. Não há muito, obrigado a visitar o país por objetivo<br />

inteiramente diverso, comecei a subir o Eridano; mas não<br />

percebi nem choupos, nem âmbar, muito embora olhasse com<br />

toda a atenção. Os habitantes nem sequer conhecem o nome de<br />

Faetonte. Informo-me, pergunto quando chegaremos aos<br />

choupos que destilam âmbar. Os barqueiros desatam a rir e<br />

pedem-me que eu lhes explique com clareza o que pretendo<br />

dizer. Conto-lhes a história de Faetonte. "Quem foi o mentiroso,<br />

retrucam-me, quem foi o impostor que vos impingiu tudo isso?<br />

Nunca vimos nenhum cocheiro cair aqui da boléia, e não temos<br />

os choupos que nos atribuís. Crede-nos, se fosse verdade, como<br />

haveríamos de nos cansar em remar por dois óbolos e a fazer<br />

subir os barcos contra a correnteza do rio, se dependesse<br />

exclusivamente de nós enriquecer-nos com a colheita das lágrimas<br />

desses choupos?" (Luciano).


CAPÍTULO X<strong>II</strong><br />

DIANA, IRMÃ DE APOLO<br />

Tipo e atributos de Diana. — Diana<br />

caçadora. — O castigo de Acteão. — As<br />

ninfas de Diana. — Diana e Calisto.<br />

Tipo e atributos de Diana<br />

A irmã de Apolo, Diana (Artêmis) corresponde à lua, como<br />

Apolo ao sol. A semelhança do crescente da lua com um arco<br />

de ouro fez com que se lhe dessem os atributos de uma<br />

caçadora. O arco e o facho são os seus característicos. O<br />

penteado habitual de Diana é uma cabeleira amarrada num só<br />

birote atrás da cabeça ou sobre a testa, segundo a moda<br />

dórica. Originariamente, está envolta em longas vestes, e é<br />

assim que se vê nas representações primitivas (fig. 238). Mais<br />

tarde, modifica-se-lhe a vestimenta: na grande época da arte<br />

está ela vestida com a curta camisola dórica. De pernas e<br />

braços nus, corre nos bosques acompanhada das suas ninfas.<br />

Freqüentemente, encontra-se no seu carro puxado


por cervos, ou então de pé e caminhando depressa, seguida do<br />

seu animal predileto. Várias moedas representam a deusa ou os<br />

seus atributos.<br />

Fig. 238 — Diana (segundo uma estátua antiga do museu de Nápoles).<br />

O hino antigo de Calímaco descreve exatamente os desejos<br />

e as atribuições da deusa: "Cantemos Diana... (ai dos poetas<br />

que dela se esquecem!) cantemos a deusa que se apraz em<br />

lançar dardos, em perseguir gamos, em formar danças e jogos<br />

no topo das montanhas. Lembremo-nos do dia em que Diana,<br />

ainda criança, se achava sentada nos joelhos de Júpiter, e lhe<br />

dirigia a sua prece. "Concede-me, ó meu pai, concede-me a<br />

graça de permanecer sempre virgem e usar mais nomes que o<br />

próprio Febo. Dá-me, como a Febo, um arco e flechas... Não,<br />

meu pai, não cabe a ti armar tua filha; os ciclopes apressar-seão<br />

em me preparar dardos, e aljava. Dá-me, porém, o atributo<br />

distintivo de trazer fachos e revestir uma túnica


de franjas que só descera até os joelhos, para que me não veja<br />

embaraçada durante a caçada. Destina ao meu séquito sessenta<br />

filhas do Oceano, que tenham todas a idade em que ainda se não<br />

usam cintos. Que outras vinte ninfas, destinadas a servir-me<br />

nas horas em que eu deixar de ferir os linces e os cervos, se<br />

incumbam dos meus coturnos e dos meus fiéis cães. Cede-me as<br />

montanhas. Só peço uma cidade que será de tua escolha; Diana<br />

Fig. 239 — Diana (segundo uma moeda antiga).<br />

descera raramente às cidades. Habitarei os montes, e só me<br />

aproximarei das cidades no momento em que as mulheres<br />

torturadas pelas atrozes dores do parto, me chamarem em seu<br />

auxílio. Sabes que no dia do meu nascimento, as Parcas me<br />

impuseram a obrigação de as socorrer, porque o seio que me<br />

gerou não conheceu a dor e se livrou sem sofrer do seu peso."<br />

(Calímaco).<br />

Fig. 240 — O cervo, atributo de Diana inuma moeda antiga).


Esse hino nos dá a explicação dos principais aspectos sob<br />

os quais Diana está representada na arte. Dá-se-lhe o epíteto de<br />

caçadora, quando persegue a caça ; chama-se Diana arcádia,<br />

quando se banha com as ninfas nos frescos regatos da Arcádia,<br />

Diana Lúcifer, quando traz fachos (fig. 241), Diana Ilitia, quando<br />

preside ao nascimento das crianças.<br />

Diana caçadora<br />

Considerada deusa da caça, Diana está sempre armada das<br />

suas flechas e da aljava. Catulo apresenta-a como soberana das<br />

montanhas, dos bosques e dos rios; é sempre nos profundos<br />

vales, à sombra das florestas ou na margem dos regatos que a<br />

vemos aparecer em Virgílio, em Horácio e em geral em todos os<br />

poetas. Nos baixos-relevos, nas moedas e nas pedras gravadas,<br />

Diana está quase sempre representada em vestes de caçadora.<br />

Tem habitualmente a atitude de pessoa que corre, segurando<br />

com a mão esquerda um arco e levando a direita à aljava posta<br />

às costas, como que para tirar dela uma flecha. Os cabelos,<br />

amontoados num birote repousam sobre a<br />

Fig. 241 — Diana Lúcifer.


testa, atrás da cabeça ou nu topo (fig. 242). A veste não desce até<br />

os joelhos; pelo contrário, deixa-lhe descoberta uma parte da<br />

coxa. Vemos que se trata de costume feito para em nada<br />

atrapalhar a rapidez da corrida. Muitas vezes está a deusa<br />

acompanhada de um cão ou de um cervo, mas o cervo, assim<br />

como o cão, parece também perseguir outros animais, e figura<br />

como companheiro de Diana, cuja agilidade ele simboliza.<br />

Fig. 242 — Diana (segundo um busto antigo).<br />

Entre as numerosas representações que a arte antiga nos<br />

deixou dela, a mais famosa é a Diana e a corça do Louvre (fig.<br />

243). Está ornada de um diadema e os seus cabelos se acham<br />

amontoados no toutiço. A deusa, representada no momento de<br />

uma veloz corrida, está coberta por uma túnica curta<br />

delicadamente pregueada


Fig. 243 — Diana e a corça (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre).


que lhe deixa nus os braços e as pernas. A manta, atirada à<br />

guisa de echarpe para cima do ombro, prende-se como cinto<br />

sobre os quadris. Com a mão direita ela tira uma flecha da<br />

aljava, ao passo que a esquerda empunhava provavelmente um<br />

arco. A corça Cerinéia, cujas pontas eram de ouro, acompanha a<br />

deusa, de quem era o animal favorito. Existem várias cópias<br />

desse tipo, mas a estátua do Louvre é a mais bela.<br />

Os escultores dos últimos séculos representam freqüentemente<br />

Diana caçadora, e por vezes caíram no erro de<br />

mostrá-la inteiramente nua. A nudez de uma mulher que corre<br />

dificilmente se presta à plástica: não obstante, Houdon fez uma<br />

graciosa figura com a sua Diana caçadora, que não tem outras<br />

vestes senão o arco e as flechas (fig. 244). Na sua obra-prima do<br />

Louvre (fig. 245),<br />

Fig. 244 — Diana (estátua de bronze, no Louvre).


Fig. 245 - Diana (segundo um grupo de Jean Goujon, museu<br />

do Louvre).


Fig. 246 — Diana de Gábies (estátua antiga, museu do Louvre).


Jean Goujon afasta-se menos da tradição mitológica, pois a<br />

deusa está representada na atitude de repouso, acariciando o<br />

cervo ao sair do banho. As tranças ornadas de jóias que o artista<br />

pôs no trabalho são um penteado do século dezesseis, mas nada<br />

prova que o rosto seja, como se tem pretendido, um retrato de<br />

Diana de Poitiers.<br />

O castigo de Acteão<br />

Na arte antiga, Diana nunca aparece nua, pelo simples<br />

motivo de que, quando se banha, nenhum ser humano a pode<br />

contemplar impunemente: a história de Acteão é a prova. "Num<br />

vale consagrado a Diana e sombreado de pinheiros e de ciprestes<br />

havia um antro sombrio; embora tivesse sido formado apenas<br />

pela natureza, todos o teriam tomado por obra de arte. Via-se<br />

nele uma abóbada de conchinhas e pedras pomes; à direita<br />

dessa arcada corria com doce murmúrio uma fonte de água<br />

límpida, entre duas margens cobertas de relva e grama. A deusa<br />

das florestas, quando se via fatigada, vinha banhar-se em tão<br />

encantador regato. Ao chegar, entregava às companheiras o arco,<br />

as flechas e a aljava, enquanto outras ninfas lhe desatavam os<br />

coturnos e lhe prendiam os longos cabelos. Um dia, o caçador<br />

Acteão, percorrendo o bosque, foi conduzido pela má sorte ao<br />

lugar em que a deusa se banhava. Mal chegou à fonte. as ninfas,<br />

percebendo que se expunham nuas ao olhar de um homem,<br />

gritam e alinham-se em torno de Diana com o fito de ocultá-la:<br />

mas a deusa, maior que as ninfas, ultrapassava-as por unia<br />

cabeça. Um subitâneo rubor lhe cobriu o rosto que ela ocultou<br />

imediatamente, e, não estando munida das suas flechas,<br />

guardadas sob um arbusto, lançou algumas gotas de água sobre<br />

a cabeça de Acteão ao mesmo tempo em que dizia: "Vai agora. se<br />

podes, gabar-te de teres visto Diana banhar-se." Nu


mesmo instante, a cabeça do infeliz caçador se cobre de pontas,<br />

o pescoço e as orelhas se lhe alongam, os braços se lhe tornam<br />

pernas compridas e finas, e todo o seu corpo se cobre de uma<br />

pele manchada. No coração, pe<strong>net</strong>ra-lhe, simultaneamente,<br />

desconhecida timidez, e fugindo, ele se admira da velocidade com<br />

que corre. Chegando à margem de um rio, vê a cabeça no cristal<br />

da água e nota que está metamorfoseado em cervo. Quer gritar e<br />

não encontra palavras humanas para exprimir-se. Enquanto<br />

assim geme, os seus próprios cães o percebem e tombam sobre<br />

ele. Acteão quer fugir, mas é atingido e dilacerado nos mesmos<br />

lugares em que tantas vezes caçara." (Ovídio).<br />

A arte nunca representa Acteão sob a forma de cervo, mas<br />

somente com os seus rudimentos de pontas que<br />

Fig. 247 — Acteão, devorado pelos seus cães (segundo uma estátua<br />

antiga do museu Britânico. em Londres).


começam a crescer. É assim que ele aparece numa antiga<br />

estátua do British Museum (fig. 247) e em vários baixos-relevos,<br />

notadamente numa métopa de Selinonte.<br />

A mesma cena está representada em vários quadros<br />

famosos. Ticiano tinha oitenta anos quando pintou para Filipe <strong>II</strong><br />

o célebre quadro Diane e Acteão. Segundo um hábito bastante<br />

freqüente na escola veneziana, enriqueceu a sua composição<br />

com arquiteturas, e a cena se passa numa fonte circular, sob um<br />

pórtico abobadado<br />

Fig 248 — Acteão (segundo um baixo-relevo antigo).<br />

sombreado por grandes árvores. Filippo Lauri, Poelenburg,<br />

Albane, também houveram por bem reproduzir o tema que<br />

convinha à natureza do seu talento: o museu do Louvre possui<br />

três telas de Albane, sobre a metamorfose de Acteão (fig. 250). No<br />

quadro que Lesueur pintara em aguada para a decoração do<br />

prédio Lambert, a metamorfose de Acteão não está ainda pronta,<br />

e o jovem caçador se detém ao perceber as banhantes (fig. 249).<br />

O artista preferiu escolher o instante em que o pudor de Diana<br />

se ofende, e não o instante em que a sua vingança se realiza. A<br />

decoração ornava a sala de banhos do prédio, e o tema se<br />

adequava perfeitamente. Depois. a sala tornou-se o quarto de<br />

Voltaire. e foi com este nome que passou a ser conhecida.


As ninfas de Diana<br />

Diana está freqüentemente acompanhada por ninfas;<br />

preside-lhes aos jogos e doideja com as companheiras ao<br />

longo dos regatos que refrescam s vales da Arcádia.<br />

Fig. 249 — Diana surpreendida por Acteão (segundo um quadro<br />

de Lesueur).<br />

O banho de Diana e das suas ninfas constitui o tema de<br />

uma multidão de quadros dos últimos séculos. Poelenburg<br />

fez dele uma especialidade; Rubens também o fixou várias<br />

vezes. Num célebre quadro da galeria Borghese, em Roma,<br />

outro artista reuniu as ninfas de Diana em exercício de tiro<br />

com arco. Um pau está fincado no campo para servir de alvo,<br />

e a deusa, empunhando a sua arma, anima as<br />

companheiras nos exercícios. No primeiro plano, algumas<br />

ninfas se banham ou desatam os coturnos para mergulhar<br />

na água.<br />

A Diana de Gábies, uma das pérolas do museu dos<br />

Antigos, no Louvre, mostra a deusa ocupada em vestir-se,


sem dúvida após o banho. Prende as duas extremidades da<br />

manta com uma fivela sobre o ombro direito; a cabe-leira,<br />

ondulada, está rodeada por uma faixa. Alguns arqueólogos viram<br />

nessa bela estátua não a deusa, mas somente uma das ninfas do<br />

seu séquito, e com efeito, ela não traz os atributos comuns de<br />

Diana, mas se liga evidentemente ao séquito pelo seu costume e<br />

pelo aspecto (fig. 246).<br />

Diana e Calisto<br />

As ninfas de Diana são sempre castas, e a deusa é<br />

implacável nesse ponto. A ninfa Calisto que fazia parte do seu<br />

cortejo experimentou um dia os efeitos da severidade da ama.<br />

Um dia, enquanto Diana se banhava, percebeu que Calisto não<br />

era mais digna de servi-la e a expulsou ignominiosamente da sua<br />

presença.<br />

Os rigores de Diana para com a pobre Calisto sugeriram mil<br />

idéias graciosas aos artistas, e poucos temas foram tratados<br />

mais freqüentemente pelos pintores, desde a Renascença.<br />

Ticiano compôs um soberbo quadro representando Diana a<br />

expulsar Calisto cuja falta ela descobriu. Rubens também tratou<br />

várias vezes o mesmo assunto. Albane o concebeu de maneira<br />

que lhe é toda particular. Mostra-nos ele um bando de Amores<br />

adormecidos sobre coxins no meio de uma floresta. Mas as<br />

ninfas de Diana, descobrindo-os, vêm desarmá-los durante o<br />

sono. Uma delas se incumbe de cortar as asas de um pobre<br />

Cupidozinho, outra lhe parte o arco, mais outra foge com a<br />

aljava. Diana preside a tal pilhagem do alto do céu, onde repousa<br />

sobre nuvens, enquanto a triste Calisto, repelida pelas<br />

companheiras, desaparece solitária no fundo do quadro. Lesueur<br />

também fez uma graciosíssima composição sobre Diana e<br />

Calisto.<br />

A vingativa Juno. incapaz de perdoar a Calisto ter agradado<br />

a Júpiter, metamorfoseou-a em ursa. Calisto


tivera de Júpiter um filho chamado Arcas, que se tornara hábil<br />

caçador. Um dia, atirou-se ele à perseguição de uma ursa, que<br />

era precisamente sua mãe. Esta, vendo-se perseguida pelo<br />

filho, refugiou-se ao pé de um templo de Júpiter; mas antes de<br />

atingir o sagrado asilo, o jovem caçador viu-se no ponto<br />

adequado para lançar o dardo: o pai dos Deuses e dos homens,<br />

não podendo permitir semelhante ação na vizinhança do seu<br />

templo, transformou Calisto em constelação, e está aí a origem<br />

da Grande Ursa.<br />

Juno indignou-se com a honra prestada a uma criatura a<br />

quem odiava, mas, visto que nenhum deus pode desfazer o que<br />

outro faz, foi visitar Tétis, que é uma personificação do mar, e<br />

rogou-lhe que não desse acolhida a Calisto, como costuma<br />

fazer para as demais estrelas. É por isso que a Grande Ursa é<br />

sempre visível e jamais desce abaixo do horizonte.<br />

Fig. 250 — Diana e Acteão (segundo um quadro de Albani).


CAPÍTULO X<strong>II</strong>I<br />

DIANA DE ÉFESO<br />

O tipo de Diana de Éfeso. — As<br />

amazonas.<br />

O tipo de Diana de Éfeso<br />

Diana de Éfeso, personificação assaz vaga da fecundidade<br />

da natureza, é uma divindade puramente asiática, e não tem<br />

nenhuma relação com a irmã de Apolo, nem na arte, nem na<br />

lenda. As amazonas haviam instituído o seu culto em Éfeso,<br />

onde ela dispunha de magnífico templo, considerado uma das<br />

sete maravilhas do mundo. A deusa, cujo emblema era a abelha,<br />

tinha ali uma antiga imagem veneradíssima, apresentando a<br />

forma de múmia. Os seus numerosos úberes indicam a<br />

fecundidade da terra, e as cabeças de bois de que está coberta<br />

simbolizam a agricultura.


As amazonas<br />

As amazonas são mulheres guerreiras de grandíssima<br />

importância na mitologia e na arte. Segundo a tradição, as<br />

amazonas guerreiam durante um tempo determinado,<br />

conservando a virgindade. Quando o tempo do serviço militar<br />

está findo, casam-se para ter filhos; além disso, preenchem<br />

todas as magistraturas e funções públicas. Os<br />

Fig. 251 — Diana de Éfeso (segundo uma estátua antiga).<br />

homens passam a vida em casa, como alhures as donas de casa,<br />

e só se incumbem de trabalhos domésticos; são afastados do<br />

exército, da magistratura e de qualquer outra função pública que<br />

possa inspirar-lhes a idéia de libertar-se do jugo das mulheres.<br />

Quando nasce uma criança, as amazonas confiam-na aos<br />

cuidados dos homens que as nutrem com leite e outros<br />

alimentos


convenientes à idade delas. Se a criança é do sexo feminino,<br />

queimam-se-lhe as mamilas, com o fito de impedir que tais<br />

órgãos se desenvolvam com o tempo. As mamilas salientes<br />

seriam incômodas para o manejo do arco. Os escultores, todavia,<br />

não levam em conta esse uso, e nas suas estátuas, as amazonas<br />

têm sempre belíssimos seios.<br />

Fig. 252 — Amazona combatente.<br />

Atribuía-se a essas heroínas a fundação do templo de Éfeso,<br />

e ali se realizou famoso concurso para lhes honrar a lembrança.<br />

Fídias, Policleto, Fradmon, Clesilas figuravam entre os<br />

concorrentes, que receberam a difícil missão de designar, eles<br />

próprios, o vencedor. Cada um deles colocou, evidentemente, em<br />

primeiro lugar o seu


trabalho ; mas como o voto dos rivais fura unânime em dar a<br />

Policleto o segundo lugar, obteve ele o primeiro e Fídias o<br />

segundo.<br />

A bela estátua da Amazona do Vaticano passa por imitação<br />

da que foi julgada vitoriosa e que se via no templo de Éfeso. É,<br />

com Amazona ferida, do museu de Nápoles, a mais bela<br />

representação que conhecemos de tais heroínas.<br />

Em geral, os escultores apresentam as amazonas com os<br />

braços e as pernas nuas e uma curta camisa a deixar-lhes<br />

descoberto um dos seios. Às vezes, aparecem elas com uma<br />

fisionomia oriental, caracterizada pelas calças e pelo gorro frígio;<br />

assim é que figuram no célebre sarcófago do museu de Viena,<br />

onde combatem contra guerreiros nus e de capacete. A presença<br />

das amazonas nos sarcófagos parece ter sido homenagem ao<br />

valor do morto. O machado, o dardo, o arco, a lança, o escudo de<br />

dupla face, são as suas armas. Mas o costume de tais heroínas<br />

não é o mesmo nas estátuas e nos vasos, onde se lhes vêem<br />

freqüentemente vestes matizadas e calças colantes (fig. 253).<br />

Fig. 253 — As amazonas (segundo um vaso pintado, do museu<br />

de Nápoles).<br />

A Batalha das amazonas, de Rubens, em Munique, é um<br />

dos mais famosos quadros do grande mestre flamengo.


As amazonas estão ligadas a todas as tradições nacionais<br />

da Grécia e vemo-las alternadamente em luta com Hércules ou<br />

Teseu. É na guerra de Tróia que elas surgem pela última vez.<br />

Inimigas fidalgais dos gregos, são sempre vencidas, e o<br />

vencedor, vendo-as tombar, admira-se com o extraordinário<br />

valor delas. Entre as lendas heróicas dos gregos, nenhuma lhes<br />

inspirava maior vaidade que<br />

Fig. 254 — Os gregos e as amazonas (segundo um vaso pintado).<br />

a luta contra as amazonas. Atenas e Megara mostravam com<br />

orgulho o túmulo das suas rainhas, perto dos heróis que as<br />

haviam vencido, e os seus gloriosos combates eram por toda<br />

parte representados nos frisos ou nas métopas dos templos.<br />

As estátuas apresentam as amazonas com-batendo umas<br />

vezes a pé, outras a cavalo.<br />

Hércules foi o primeiro que combateu com as amazonas e<br />

as venceu. Assim, depois da sua apoteose, vemo-lo


figurar ao lado dos deuses protetores da Grécia nos com-bates<br />

que se desenrolaram posteriormente. Num vaso pintado,<br />

representando um combate entre gregos e ama-zonas, deparase-nos,<br />

na parte superior, Hércules deificado, na companhia de<br />

Minerva, Apolo e Diana (fig. 254). Diana era a protetora das<br />

amazonas, e M. Guigniaut faz observar, a propósito desse vaso,<br />

que a aliança entre deuses e cultos parece representar a que<br />

formaram final-mente, após demoradíssima luta, os colonos<br />

jônicos e os indígenas asiáticos, primeiros adoradores de Diana<br />

de Éfeso.


CAPÍTULO XIV<br />

A LUA<br />

A marcha da Lua. — O sono de<br />

Endimião. — O deus Luno.<br />

A marcha da Lua<br />

A Lua (Selene) é irmã do Sol (Hélios), e percorr os ares num<br />

carro seguindo o mesmo caminho que o irmão. Como ele, sai do<br />

rio Oceano, do lado do Oriente, e ali torna a mergulhar pelo lado<br />

oposto mal surge a Aurora. Em antigos monumentos vemos a<br />

Lua deitar-se, e o rio Oceano, apoiado na sua uma, se apresta a<br />

recebê-la. Selene tem sido freqüentemente identificada com<br />

Diana, assim como Hélios com Apolo, mas é a ela que se<br />

relaciona a lenda de Endimião.


O sono de Endimião<br />

O sono foi personificado na mitologia pela personagem de<br />

Endimião, que, naturalmente, foi amado pela lua. A lenda de<br />

Endimião, diversíssima, apresenta-o umas vezes como rei cujo<br />

irresistível poder se estende sobre todas as criaturas vivas,<br />

outras como jovem pastor adormecido nas grutas do monte<br />

Latmo. Filho querido de Júpiter, obtivera do senhor dos deuses a<br />

graça de dormir eternamente sem despertar e sem envelhecer.<br />

O jovem pastor do monte Latmo era tão belo que a lua por<br />

ele se apaixonou, e não mais conseguia deixar de contemplá-lo.<br />

Com os seus furtivos raios roubava-lhe um beijo, sem lhe<br />

perturbar o repouso. A cena está freqüentemente representada<br />

nos baixos-relevos e nas pinturas antigas. Às vezes, vemos<br />

Endimião adormecido nos<br />

Fig. 255 — Diana precedendo a Aurora (segundo um vaso pintado).<br />

braços de Morfeu, e Selene, conduzida pelo Amor, desce do seu<br />

carro para o contemplar. Os sarcófagos apresentam com<br />

freqüência esse tema, e o artista não deixa de ali introduzir o<br />

menino alado que segura o facho de cabeça para baixo, como<br />

símbolo simultâneo do sono ou da morte.


Na arte dos últimos séculos, a lenda de Endimião foi<br />

interpretada poeticamente por Girondet: enquanto o jovem<br />

caçador dorme sob espessa folhagem, o Amor afasta, sor-ridente,<br />

um ramo para deixar passar o raio indiscreto da lua que vem<br />

tombar sobre o vulto de Endimião.<br />

O deus Luno<br />

A lua aparece, em alguns monumentos antigos, sob a forma<br />

de adolescente (Luno) do sexo masculino. Está caracterizado pelo<br />

crescente e, às vezes por um facho ou uma montanha que ele<br />

segura com a mão (fig. 256). Não há lenda mitológica que se<br />

relacione a essa divindade que é de origem frigia.<br />

Fig. 256 — O deus Luno (segundo unja pedra gravada antiga).


CAPÍTULO XV<br />

A AURORA<br />

As portas do Oriente. — Titão e a Aurora.<br />

— Céfalo e Prócris. — O gigante Orião.<br />

As portas do Oriente<br />

A Aurora é irmã de Hélios e de Selene. Ela é que todas as<br />

manhãs abre as portas do Oriente; percorre o mundo num carro<br />

puxado por dois ou quatro cavalos e obriga a Noite a depor o<br />

véu. A Aurora é alada, e a sua atrelagem é rosada como<br />

lembrança dos matizes com os quais tinge o horizonte. Empunha<br />

um facho, numa linda pedra gravada (fig. 257) ; numa pintura de<br />

vaso vêmo-la no seu carro, e precedida de Diana Lúcifer (fig.<br />

255). Dizem os poetas que ela semeia flores sob os seus passos,<br />

e Thorwaldsen a representou assim com um Amor segurando um<br />

facho sobre a cabeça (fig. 258). A famosa pintura de Cherchin,<br />

na Villa Ludovisi, gravada sob o


título de Carro da Noite, representa a Aurora deixando escapar<br />

flores por entre os dedos.<br />

Fig. 257 — A Aurora conduzindo os cavalos do Sol (segando uma<br />

pedra gravada antiga).<br />

Fig. 258 — A Aurora (por Thorwaldsen).


Titão P a Aurora<br />

Titão é habitualmente considerado esposo da Aurora ; não<br />

pertencia à estirpe dos deuses, mas a Aurora obteve para ele a<br />

imortalidade. Porém, tendo-se esquecido de pedir ao mesmo<br />

tempo a mocidade, Titão de tal maneira envelheceu, a sua<br />

decrepitude foi tão horrível e o tornou tão infeliz que a Aurora,<br />

apiedando-se, o metamorfoseou em cigarra. Desde esse dia, a<br />

Aurora não cessa de chorar e as suas lágrimas constituem o<br />

orvalho matutino. Memnon, que foi morto por Aquiles na guerra<br />

de Tróia, era filho de Titão e da Aurora.<br />

Céfalo e Prócris<br />

Segundo outras tradições, o Orvalho, personificado em<br />

Prócris, era pelo contrário rival da Aurora, pois ambas amavam<br />

Céfalo, que os mitólogos modernos consideram o sol nascente<br />

personificado. Céfalo, que amava Prócris tanto quanto era por<br />

ela amado, desposou-a.<br />

Céfalo era tão belo que a Aurora não se cansava de o<br />

admirar. Num quadro de Guerin, vemos a Aurora, deixando<br />

escapar por entre os dedos as rosas que ela faz nascere<br />

soerguendo o véu da Noite para contemplar Céfalo adormecido.<br />

Uma pintura de vaso de estilo arcaico nos mostra a Aurora<br />

correndo empós de Céfalo que foge a toda velocidade (fig. 259),<br />

pois, amando Prócris, não desejava abandoná-la, nem sequer por<br />

uma deusa.<br />

A Aurora, verificando que nada podia decidir Céfalo a unirse-lhe,<br />

imaginou um estratagema para o separar


de Prócris. Afirmou-lhe, assim, que o Amor que tinha à mulher<br />

não era correspondido e, a fim de lhe permitir uma prova, deulhe<br />

a faculdade de mudar de fisionomia. Céfalo, atormentado<br />

pelo ciúme, fingiu abandonar a esposa e voltou ao cabo de algum<br />

tempo com um rosto e um porte diferentes. Encontrou Prócris<br />

debulhada em<br />

Fig. 259 — A Aurora e Céfalo (segundo uma pintura de vaso).<br />

lágrimas e recusando-se a ver quem quer que fosse; mas<br />

quando soube que chegara um forasteiro que se dizia amigo do<br />

marido, acolheu-o na esperança de ouvir ao menos falar<br />

daquele a quem amava e que a deixara sem motivo. Céfalo,<br />

curioso por impelir a aventura até o fim, tanto fez que<br />

conseguiu convencer Prócris a aceitar novo himeneu; mas nem<br />

bem havia ela proferido o sim que Céfalo se revestiu do seu<br />

verdadeiro aspecto. Prócris, confusa, fugiu para os bosques e<br />

tomou a resolução de nunca mais rever o esposo e de<br />

consagrar-se ao culto de Diana.<br />

A Aurora rejubilou-se com o resultado do ardil, esperando<br />

substituir Prócris no coração de Céfalo. Mas Diana não<br />

entendeu assim: entregou a Prócris uma aljava e flechas<br />

maravilhosas que sempre atingiam o alvo e, tornando-a<br />

inteiramente irreconhecível mediante a transformação a que lhe<br />

submeteu a fisionomia, mandou que tentasse com Céfalo a<br />

mesma experiência que Céfalo tentara com ela. Prócris<br />

obedeceu e, aproximando-se de Céfalo, que não podia<br />

reconhecê-la, mostrou-lhe as suas maravilhosas setas, que<br />

pretendia levar como dote ao


marido. Enfim, houve-se tão bem que levou Céfalo a lhe propor<br />

um himeneu e, mal ele consentiu, ela readquiriu o aspecto<br />

primitivo.<br />

Verificou-se a reconciliação; mas Prócris, com ciúmes da<br />

Aurora cuja paixão lhe era conhecida, tomou o partido de<br />

acompanhar o marido para onde ele se dirigisse, inclusive à<br />

caça. Um dia, estando ela no meio de urzes, Céfalo ouviu um<br />

ruído que lhe pareceu o de uma corça, e, atirando o dardo,<br />

matou a infeliz Prócris. Desesperado, lançou-se ao mar, perto do<br />

promontório de Leucádia.<br />

Os mitólogos apresentam Céfalo como uma das nume-rosas<br />

personificações do sol nascente na mitologia grega; é<br />

simultaneamente amado pela Aurora e pelo Orvalho (Prócris),<br />

mas não pode unir-se à Aurora, por mais que esta faça, ao passo<br />

que busca avidamente o frescor do Orvalho, e o mata com os<br />

seus tórridos raios.<br />

Rúbens pintou a morte de Prócris. O pintor alemão<br />

Elzeimer, que vivia pelo fim do século XV<strong>II</strong>, apresentou um estilo<br />

tudesco na sua composição de Céfalo e Prócris. No meio de uma<br />

paisagem, na qual todas as folhas estão minuciosamente<br />

estudadas, vemos Céfalo ocupado em<br />

Fig. 260 — Prócris e o seu cão (segundo uma pedra gravada antiga).


colher ervas medicinais para curar Prócris a quem acaba de ferir.<br />

O holandês Poelenburg compreendeu melhor o tema : a sua<br />

Prócris é verdadeiramente bela, e o gracioso movimento que faz<br />

ao morrer parece uma censura dirigida ao amante que a<br />

confundiu com uma corça.<br />

O gigante Orião<br />

A lenda não parou aí no tocante à Aurora, a quem atribui<br />

ainda outras aventuras. Parece que ela agradara ao deus Marte,<br />

e Vênus, por ciúme, lhe provocou inúmeros dissabores. Assim,<br />

inspirou-lhe uma paixão pelo gigante Orião. Esse gigante viera<br />

ao mundo em circunstâncias inteiramente excepcionais.<br />

Seu pai era viúvo e sem filhos; prometera à mulher<br />

agonizante que não tornaria a casar-se. Júpiter, Netuno e<br />

Mercúrio chegaram um dia à sua cabana para pedir-lhe<br />

hospitalidade, e o bom homem lhes sacrificou um boi que era<br />

tudo quanto lhe pertencia. Comovidos, os deuses prometeramlhe<br />

satisfazer-lhe o desejo que apresentasse, e o desejo do ancião<br />

foi ter um filho sem o concurso de mulher. nenhuma. Os deuses,<br />

que nunca se embaraçam, lhe ordenaram que enterrasse a pele<br />

do boi sacrificado, e não tocá-la durante nove meses. Na devida<br />

época, o peque-nino recém-nascido foi encontrado na terra, em<br />

lugar da pele de boi, e recebeu de seu pai o nome de Orião,<br />

Já crescido, ou melhor gigantesco, uma vez que a cabeça<br />

lhe atingia as nuvens, Orião apaixonou-se por Merope, filha de<br />

Enopião, e pediu-a em casamento. Irritado pela recusa, raptou-a.<br />

Enopião suplicou a Baco que não deixasse sem vingança o<br />

ultraje; o deus enviou a Orião um profundo sono, durante o qual<br />

Enopião lhe vazou os olhos. Entretanto, tendo um oráculo<br />

predito a Orião que ele recobraria a vista com os primeiros raios<br />

do sol nascente, voltou-se ele para o lado do Oriente, e foi sem


dúvida em tal ocasião que a Aurora, ao nota-lo, concebeu por ele<br />

paixão tão viva que não hesitou em raptá-lo.<br />

A união não durou muito, pois Apolo, percebendo que<br />

Diana tinha certo pendor por Orião e temendo que ela cedesse,<br />

fingiu um dia duvidar da habilidade da irmã no manejo do arco<br />

e, mostrando-lhe sobre o mar um ponto negro que mal se<br />

distinguia no horizonte, perguntou-lhe se seria capaz de acertálo.<br />

Diana disparou a seta que atingiu Orião na cabeça, pois era<br />

ele que estava nadando sem prever o perigo iminente. Foi assim<br />

que Aurora, sempre infeliz no Amor, mais uma vez enviuvou. De<br />

resto, Orião, após a morte, foi transformado numa brilhante<br />

constelação que se representa sob a forma de homem armado de<br />

gládio.


CAPÍTULO XVI<br />

OS CREPÚSCULOS<br />

O cisne de Leda. — Castor e Pólux. —<br />

Hilária e Febe. — A imortalidade<br />

partilhada. — A estrela da tarde e a<br />

estrela da manhã.<br />

O cisne de Leda<br />

Os crepúsculos personificados, Castor e Pólux, vieram ao<br />

mundo num ovo. Uma pintura de Herculanum representa-lhes<br />

a mãe Leda, mostrando o ovo que contém os meninos, ao<br />

esposo Tíndaro, rei de Esparta.<br />

Leda agradara a Júpiter. O rei dos deuses, desejando<br />

aproximar-se dela, metamorfoseou-se em cisne e rogou a<br />

Vênus que se transformasse em águia e que fingisse perseguilo<br />

sem quartel. O cisne assim perseguido acercou-se das<br />

margens do Eurotas e, no momento em que a águia ia atingi-lo,<br />

refugiou-se ao pé de Leda, como que a pedir-lhe proteção. Leda<br />

afugentou a águia, e o cisne


começou a bater as asas e ficou perto da protetora, para lhe ciar<br />

provas do seu júbilo e do seu reconhecimento. Um grande<br />

número de monumentos antigos, e sobretudo algumas pedras<br />

gravadas, representam Leda ao lado do cisne. Os pintores dos<br />

últimos séculos viram no tema um pretexto para opor a carnação<br />

branca de uma mulher à plumagem ainda mais branca do cisne.<br />

Correggio pintou Leda rodeada de suas companheiras e<br />

brincando com o cisne. Paolo Veronese e Tintoretto também<br />

representaram a cena; mas os venezianos não se importavam<br />

muito com grande exatidão nas suas representações mitológicas.<br />

Em vez de colocarem a aventura nas margens do Eurotas,<br />

Tintoretto a coloca num aposento, e Leda, achando sem dúvida<br />

que tão grande ave deve ser incomoda num recinto daqueles,<br />

parece ordenar à criada que a instale num galinheiro onde já se<br />

encontram outras aves. Um cãozinho salta atrás do cisne<br />

importuno.<br />

Castor e Pólux<br />

Castor e Pólux eram gêmeos. Mas Castor, filho de Tíndaro e<br />

de Leda, era mortal, enquanto Pólux, filho de Júpiter, tinha o<br />

privilégio da divina imortalidade. Chamam-se indistintamente<br />

Dióscuros, ou seja, filhos de Júpiter, ou então Tindárides, ou<br />

seja, filhos de Tíndaro. Os dois heróis se distinguiram na grande<br />

expedição dos argonautas. Pólux matou o terrível Amico, filho de<br />

Netuno e rei dos bebrícios, que possuía uma extraordinária força<br />

e obrigava os forasteiros a lutar contra ele, para matá-los depois<br />

de os vencer. A famosa luta, e várias vitórias obtidas nos jogos<br />

que Hércules fez celebrar em Elida, fizeram com que Pólux<br />

passasse a ser considerado patrono dos atletas e do pugilato.<br />

Uma belíssima estátua do Louvre representa Pólux preparandose<br />

para a luta.


Castor distingiu-se na corrida e na arte de domar cavalos.<br />

Dois grupos antigos famosíssimos em Roma, representando os<br />

Dióscuros, passavam antigamente por ser um de Fídias, outro de<br />

Praxíteles: mas essas atribuições<br />

Fig. 261 — Castor e Pólux (pedra gravada).<br />

parecem hoje arbitrárias. Cada um dos dois heróis está ao lado<br />

do seu cavalo.<br />

A equitação e a navegação sempre estiveram ligadas na<br />

mitologia, e o cavalo era consagrado a Netuno. Vemos os<br />

Dióscuros, conhecidos como excelentes cavaleiros, exercendo o<br />

seu poder sobre o mar. Talvez isso se relacione<br />

Fig. 262 — Castor e Pólux.<br />

também com a sua expedição dos argonautas e a destruição dos<br />

piratas que a tradição lhes atribuía. Durante a tormenta que<br />

assaltou os argonautas, vimos dois fogos


pairar em torno da cabeça de Castor e Pólux, e um momento<br />

depois a tempestade cessou. Os fogos de Castor e Pólux<br />

apareceram, depois, freqüentemente no mar nas horas de<br />

tormenta.<br />

Hilária e Febe<br />

Idas e Linceu, heróis messênios, eram noivos de Hilária e<br />

Febe, filhas de Leucipo. Mas s dois heróis espartanos, Castor e<br />

Pólux, apaixonaram-se pelas duas jovens e tentaram raptá-las.<br />

Seguiu-se um combate terrível, porque os heróis messênios não<br />

estavam dispostos a permitir que lhes raptassem as noivas. É<br />

fácil ver nessa tradição uma lembrança das antigas rivalidades<br />

entre Esparta e Messena.<br />

O rapto de Hilária e Febe está representado num vaso<br />

pintado. Uma delas era sacerdotisa de Diana, a outra de<br />

Minerva. Uma imagem hierática de Diana figura no alto e no<br />

centro da composição. De um lado da deusa vemos um carro<br />

lançado a galope, no qual Pólux rapta Hilária. Do outro, Crisipo,<br />

o áuriga de Castor, montado num carro parado, aguarda Castor<br />

que traz nos braços uma jovem. Castor está na parte inferior da<br />

composição ao lado de um altar perto do qual se acha sentada<br />

Vênus. Júpiter e três deuses assistem à cena.<br />

O rapto das filhas de Leucipo pelos irmãos de Helena<br />

ministrou a Rubens o tema de um admirável quadro, que se<br />

encontra em Munique. As duas jovens oferecem aos gêmeos<br />

vigorosa resistência, e, caídas que estão ao chão as suas vestes,<br />

vê-se o frêmito dos seus lindos corpos, que os heróis arrebatam<br />

com braços vigorosos, para os colocar sobre os cavalos, perto dos<br />

quais paira o Amor (fig. 263).


A imortalidade partilhada<br />

No combate que se feriu entre Idas e Linceu de um lado e<br />

os Dióscuros de outro, em torno das filhas de Leucipo, Castor,<br />

atingido por golpe mortal, foi o primeiro<br />

Fig. 263 — Rapto de Hilária e Febe por Castor e Pólux (quadro<br />

de Rubens. museu de Munique).<br />

que sucumbiu. "Mas Pólux, diz Píndaro, acorre imediatamente e<br />

põe em fuga os heróis messênios que, no entanto, se detêm<br />

perto do túmulo de seu pai. Ali, pegando uma estátua de Plutão,<br />

feita de mármore polido, atiram-na


contra o peito de Pólux. Em vez de recuar o herói nem sequer<br />

estremece com o choque; e agarrando sem perda de tempo um<br />

dardo cai sobre Linceu e enfia-lho no quadril. No mesmo<br />

instante, Júpiter lança sobre Idas o seu raio vingador, e num<br />

turbilhão de chamas e de fumaça, consome os restos mortais dos<br />

dois irmãos, tal é a temeridade de medir forças com um ente<br />

mais poderoso! Entretanto, o generoso Pólux acorre ao pé de<br />

Castor, encontra-o respirando com dificuldade e prestes a exalar<br />

o derradeiro suspiro. Banha-o de lágrimas, e no excesso de dor,<br />

brada: "Filho de Saturno, ó meu pai ! Qual será o fim da minha<br />

desgraça? Faze-me morrer com meu irmão; que encanto pode<br />

haver na vida quem perdeu o que lhe é mais caro?"<br />

"Assim Pólux dava vazão aos seus amargos queixumes.<br />

Subitamente, Júpiter se lhe apresenta: "Tu és meu filho, diz-lhe,<br />

mas teu irmão nasceu de um mortal. Dou-te a escolher dois<br />

partidos: consente em partilhar da morada dos deuses com<br />

Minerva e Marte, livre da morte ou dos aborrecimentos da<br />

velhice, ou então, por Amor a teu irmão, consente em ligar-te ao<br />

seu mortal destino, passando alternadamente, como ele, a<br />

metade da vida na noite do túmulo e a outra metade no palácio<br />

resplendente do Olimpo." Assim fala Júpiter, e Pólux não hesita.<br />

Imediatamente, Castor torna a abrir os olhos à luz, e a sua voz<br />

começa a fazer-se ouvir." (Píndaro).<br />

Castor e Pólux, que vivem e morrem alternadamente,<br />

formam no céu a constelação dos gêmeos.<br />

A estrela da tarde e a estrela da manhã<br />

Consideram-se também como a personificação da estrela da<br />

tarde e da estrela da manhã. Os Dióscuros tinham templos em<br />

várias cidades. Polignoto representara-lhes o casamento com as<br />

filhas de Leucipo; Micon


fixou-lhe o embarque na expedição dos argonautas. Plínio elogia<br />

o quadro de Apeles que os representava e que se via em Roma.<br />

Em várias medalhas figuram como deuses jovens ornados de um<br />

capacete cônico sobre o qual brilha uma estrela (fig. 265).<br />

Quando aparecem aos homens, é<br />

Fig. 264 — Castor e Pólux (segundo um grupo antigo. em Madri).<br />

Fig. 265 — Castor e Pólux


quase sempre a cavalo, e é por tal motivo que o cavalo constituiu<br />

quase sempre o seu atributo. Um grupo antigo, famoso,<br />

representa Castor e Pólux de pé, um dos dois irmãos segura dois<br />

fachos, um dos quais está de cabeça para baixo (fig. 264). É um<br />

soberbo trabalho de escultura, mas de significado simbólico<br />

assaz obscuro.


LIVRO IV<br />

VULCANO E MINERVA


CAPÍTULO I<br />

VULCANO<br />

Nascimento de Vulcano. — Tipo e<br />

atributos de Vulcano. — Vingança de<br />

Vulcano. — Os fios de Vulcano. — As<br />

forjas de Vulcano. — Os ciclopes.<br />

Nascimento de Vulcano<br />

Vulcano (Hephaistos), filho de Júpiter e de Juno, nasceu<br />

fraco e corcunda. Juno, envergonhada de ter dado à luz uma<br />

criança tão feia, atirou-o ao mar, onde ele foi recolhido por Tétis<br />

e Eurinoma (fig. 266). Passou nove anos a fazer jóias para as<br />

Nereidas. No entanto, subiu ao Olimpo, mas tendo assistido a<br />

uma disputa entre Júpiter e Juno, desejou tomar o partido de<br />

sua mãe. O rei dos deuses pegou-o por um dos pés e precipitouo<br />

do Olimpo. Vulcano rolou durante todo o dia no vácuo e caiu,<br />

ao entardecer, na ilha de Lemnos, com apenas um sopro de<br />

vida.


Fig. 266 — Tétis e Eurinoma recolhem Vulcano precipitado por sua<br />

mãe do alto do Olimpo (segundo Flaxman).<br />

Fig. 267 — Vulcano (segundo uma estátua antiga),


Vulcano é o fogo personificado: se é pequeno e mirrado ao<br />

nascer, é porque o fogo começa sempre por uma faísca. Se é<br />

precipitado do céu à terra, é por alusão ao raio. Finalmente, é<br />

corcunda e tem pernas tortas, porque a chama nunca apresenta<br />

linhas retas. Como a indústria nasceu do descobrimento do fogo,<br />

Vulcano é o deus da indústria, e apresenta sob essa relação<br />

grandes afinidades com Prometeu. Conservou-se na Antologia<br />

um epigrama votivo de um ferreiro a Vulcano:<br />

"Retirai da fornalha este martelo, estas tesouras, esta pinça,<br />

oferenda que Polícrates dedicou a Vulcano. Foi com redobrados<br />

golpes do seu martelo sobre a bigorna, que arranjou para os<br />

filhos uma fortuna que deles afastará a triste miséria."<br />

Tipo e atributos de Vulcano<br />

Os poetas representam Vulcano com as feições de um hábil<br />

ferreiro, mas ao mesmo tempo burlesco no aspecto, assaz<br />

ridículo aos olhos dos Olímpicos, corcunda e de conformação<br />

viciosa. Nos tempos primitivos, era representado sob a forma de<br />

anão, mas nos belos tempos da arte passou a ser homem<br />

vigoroso e barbudo, com um capacete cônico tendo como<br />

atributos as ferramentas de ferreiro.<br />

"Os que vão a Atenas, diz Valério Máximo, ali admiram a<br />

estátua de Vulcano feita por Alcamene. Entre as demais<br />

perfeições que imediatamente nos dispõem em favor do artista,<br />

notamos em primeiro lugar a arte com a qual ele dá a entrever a<br />

atitude torta do deus sob as próprias vestes que servem para lhe<br />

ocultar a imperfeição: não parece ser defeito que ele haja<br />

pretendido censurar em Vulcano, mas apenas um sinal<br />

distintivo, próprio a dá-lo a reconhecer como deus do fogo."


Vulcano fabricara a primeira mulher, Pandora, como<br />

Prometeu fizera o primeiro homem. É o divino obreiro do Olimpo,<br />

e os deuses lhe deviam quase tudo o de que se utilizavam. A<br />

égide e o cetro de Júpiter, o trono do Sono, a coroa de Ariadne, o<br />

colar da Harmonia, os touros de bronze que guardavam o<br />

velocino de ouro, as armas de Aquiles, eram trabalhos de<br />

Vulcano. Era ele, ademais, autor do carro do Sol, e fizera para<br />

Apolo uma admirável flecha que, após atingir o alvo, voltava por<br />

si à mão que a havia lançado.<br />

Fig. 268 - Cabeça de Vulcano (fragmento antigo)<br />

Vingança de Vulcano<br />

Para vingar-se dos pais que tão duramente o tinham<br />

tratado, Vulcano imaginou o fabrico de uma cadeira de ouro, da<br />

qual, quem nela se sentasse, só se levantaria com a sua<br />

permissão. Juno, que não conhecia o segredo, sentou-se e<br />

Vulcano não quis livrá-la. Uma curiosa pintura


de vaso (fig. 269) nos apresenta Juno sentada e Marte atacando<br />

Vulcano para libertar sua mãe. Vulcano não tinha forças para<br />

lutar contra o deus da guerra, e foi obrigado a ceder, mas a sua<br />

irritação foi tal que não mais quis voltar ao Olimpo. Os deuses<br />

afligiram-se com<br />

Fig. 269 — Combate de Vulcano e Marte (pintura de vaso).<br />

aquela resolução que os privava de todas as belas obras que lhes<br />

fazia Vulcano. Baco resolveu levá-lo de novo ao céu e<br />

embriagou-o. As pinturas de vaso nos mostram Vulcano<br />

segurando o martelo e montado num burro. Baco, no seu<br />

costume oriental, precede o burro e parece conduzir o deus<br />

ferreiro, que ele conseguiu reconciliar com os demais imortais<br />

(fig. 270).


Os fios de Vulcano<br />

Na Odisséia, Vulcano é marido de Vênus. Outras tradições<br />

fazem, pelo contrário, de Vênus, mulher de Marte. Como os<br />

deuses tinham nas diversas localidades lendas diferentes e por<br />

vezes contraditórias, a poesia, vendo Vênus unida a Marte, ou<br />

unida a Vulcano, pretendeu conciliar as várias tradições por<br />

meio de um adultério, e daí saiu a história dos fios de Vulcano.<br />

Hesíodo dá por esposa a Vulcano Aglé, a mais jovem das<br />

Graças. Mas a história dos fios de Vulcano prevaleceu e faz que<br />

as outras sejam esquecidas. O que é notável nessa história é<br />

que Vulcano parece unicamente preocupado com os presentes<br />

que trouxe como dote à mulher e que ele pretende reaver.<br />

Fig. 270 — Vulcano e Baco (pintura de vaso)<br />

O Sol que vê tudo advertiu Vulcano das ligações existentes<br />

entre sua mulher e o deus da guerra. Vulcano, então, coloca<br />

sobre um cepo unia enorme bigorna e forma grilhões<br />

indestrutíveis. Essas cadeias eram finas como teias de aranha, e<br />

ninguém conseguia percebê-las, tal a


habilidade com que haviam sido feitas. Mal Vulcano viu os<br />

dois culpados enredados nos fios, pôs-se a chamar todos os<br />

deuses.<br />

"Poderoso Júpiter, e vós, imortais afortunados, acorrei<br />

para testemunhardes uma interessante cena que ninguém<br />

poderia, no entanto, tolerar! Visto que eu sou disforme, a<br />

filha de Júpiter me ultraja sem cessar; agora, une-se ao<br />

pernicioso deus da guerra, por ser ele belo e esbelto, ao<br />

passo que eu sou feio e corcunda! Meus pais são os únicos<br />

culpados desta desgraça; jamais deveriam ter-me posto no<br />

mundo!. . . Os laços que forjei para eles hão de retê-los até o<br />

dia em que o pai de Vênus me devolver todos os presentes<br />

que lhe dei para conquistar-lhe a impudente filha. Vênus é<br />

bela, sem dúvida, mas não consegue dominar as suas<br />

paixões." (Homero).<br />

Embora tal narração seja apresentada sob forma<br />

cômica, convém notar que é a confusão dos amantes que<br />

leva os deuses a rir, e não a desventura do esposo, como<br />

facilmente se supõe hoje.<br />

Um baixo-relevo da Villa Albani nos mostra a cena dos<br />

fios de Vulcano (fig. 271). O deus ferreiro, que tem atrás o<br />

Sol reconhecível pela cabeça radiada, soergue um véu, e<br />

.mostra aos deuses os dois culpados. Marte está assaz<br />

confuso e Vênus volta-se para não ser vista por Júpiter.<br />

Cupido está ao lado de Marte.<br />

Fig. 271 — A rede de Vulcano (segundo um baixo-relevo antigo).


As forjas de Vulcano<br />

Vulcano, trabalhando na sua forja, figura assaz freqüentemente<br />

nas pedras gravadas. Vênus e Cupido estão<br />

situados perto dele, e essa maneira de compreender a oficina de<br />

Vulcano é a única que convém a jóias (fig. 272).<br />

Fig. 272 — Vênus e Vulcano (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

Mas os verdadeiros companheiros de Vulcano aparecem noutros<br />

monumentos. São os ciclopes, fabulosos obreiros que só têm um<br />

olho no meio da testa e habitam as


profundezas aos vulcões. Os baixos-relevos nos apresentam às<br />

vezes Vulcano na sua oficina, ocupado em fabricar a primeira<br />

mulher, Pandora, que todos os deuses cumulam de dons. Juno,<br />

a deusa dos casamentos, e Vênus, acompanhada da Persuasão<br />

ou de uma das Graças, estão habitualmente colocadas ao lado<br />

do divino artista. Vemo-lo também forjar as cadeias de Prometeu,<br />

ou então receber a visita dos deuses.<br />

Fig. 273 — Vênus e Vulcano (segundo um quadro de Jules Romain,<br />

museu do Louvre).


Na arte dos últimos séculos, Velásquez pintou a oficina de<br />

Vulcano no momento em que o Sol lhe revela a união de Vênus<br />

e Marte. Vulcano abandona os seus trabalhos e os três ciclopes,<br />

Arges, Brontes e Steropes, escutam com assinalada curiosidade<br />

a aventura narrada pelo Sol, sem darem mostras de pesar pelo<br />

infortúnio do mestre. Há no Louvre um pequeno quadro de<br />

Jules Romain, no qual Vulcano, sentado perto- de Vênus,<br />

parece alegrar-se em lhe mostrar as armas que acaba de<br />

fabricar.<br />

Os ciclopes<br />

Os ciclopes, obreiros de Vulcano, são habitualmente<br />

caracterizados pela enormidade do vulto e pelo único olho,<br />

posto no meio da testa. Entretanto, Albane afastou-se muito<br />

desse tipo. Incumbido de pintar os quatro elementos para o<br />

cardeal de Sabóia, escolheu Vulcano e a sua forja para<br />

representar o fogo. Mas o seu quadro nada possui de terrível.<br />

Eis um fragmento da carta que ele escreveu ao cardeal<br />

para lhe anunciar o envio do quadro pedido. "Pintei, como Vossa<br />

Alteza verá, não somente o fogo celeste e propriamente<br />

elementar, representado pelo pode-roso Júpiter, senão também<br />

o fogo material e o do Amor, de que Vulcano e a deusa de Chipre<br />

são os emblemas: não quis colocar nas forjas de Vulcano nem<br />

Brontes, nem os demais ciclopes; preferi fixar três jovens<br />

Amores, visto que as carnes de meninos dessa idade constituem<br />

interessante oposição às amorenadas de Vulcano. Tive,<br />

também, de me conformar nessa escolha ao desejo de Vossa<br />

Alteza sereníssima, pois o embaixador me dissera que conviria<br />

representasse eu grande número de Amores ferindo com as<br />

suas setas irresistíveis o mármore mais duro, o aço, o diamante<br />

e o próprio coração dos deuses."


Noutro quadro Albane coloca Vulcano ao lado de Vênus. A<br />

sua oficina já não é uma forja, mas um prado coberto de flores.<br />

Os seus obreiros não são mais s robustos ciclopes, e o ruído dos<br />

seus martelos é temperado pelo das cascatas. Enquanto na<br />

entrada de uma gruta recoberta de musgo, um deles aciona o<br />

fole, outros apresentam a Vênus as armas que acabam de<br />

fabricar para ela e para o filho : essas armas são naturalmente<br />

setas. A deusa, deitada descuidadamente à sombra dos<br />

bosquetes, sorri para tudo quanto a rodeia e seu esposo, o rude<br />

Vulcano, que repousa ao seu lado, busca tornar-se amável para<br />

não prejudicar o quadro.<br />

Timanto pintara um quadrinho mencionado por Plínio como<br />

obra famosa e representando um ciclope adormecido, cujo<br />

polegar os sátiros medem com os seus tirsos. A gigantesca<br />

estatura dos ciclopes e o barulho que fazem no fundo dos<br />

vulcões que lhes servem de oficina constituíam tema de espanto<br />

para os antigos.<br />

Tais ferreiros enormes tornaram-se na imaginação popular<br />

obreiros tipos, e foram-lhes atribuídas, como se fez para o diabo<br />

na Idade Média, as construções cuja origem era desconhecida.<br />

Os ciclopes sempre foram considerados como personagens<br />

formidáveis. Quando Diana quis ter uma aljava e setas dignas da<br />

sua habilidade, foi visitar Vulcano que ela encontrou na forja<br />

rodeado pelos ciclopes seus obreiros<br />

"As ninfas empalideceram à vista de tais gigantes<br />

semelhantes a montanhas e cujo olho único, sob espessa<br />

sobrancelha, brilhava ameaçadoramente. Uns faziam gemer<br />

imensos foles; outros, levantando os pesados martelos. batiam<br />

furiosamente o bronze que tiravam da fornalha. A bigorna<br />

estremece, o Etna e a Sicília tremem, a Itália ecoa o estrondo e a<br />

própria Córsega se sacode. Àquele terrível espetáculo, àquele<br />

medonho fragor, as filhas do Oceano ficam estarrecidas... e<br />

trata-se, aliás, de um estarrecimento perdoável; as próprias<br />

filhas dos deuses, na sua infância, só encaram tais gigantes com<br />

temor, e quando se recusam a obedecer, suas mães fingem<br />

chamar Arges ou Steropes: Mercúrio acorre com as feições de um<br />

desses ciclopes, de rosto coberto de cinza e fumaça;<br />

imediatamente, a criança, aterrorizada, cobre os olhos com as<br />

mãos e se atira tremendo ao seio materno." (Calímaco).


CAPÍTULO <strong>II</strong><br />

PROMETEU<br />

Prometeu forma o homem. — As duas<br />

partes de Prometeu. — O fogo<br />

arrebatado aos homens. — A caixa de<br />

Pandora. — Suplício e libertação de<br />

Prometeu.<br />

Prometeu forma o homem<br />

Japeto representa o antepassado da humanidade. Talvez<br />

seja preciso reconhecer, nessa personagem a que o Gênesis dá<br />

por filho a Noé, Jafé, cujo nome personifica uma das grandes<br />

raças primitivas. Era considerado pelos gregos o tipo do que há<br />

de mais antigo e associa-se habitualmente a Saturno.<br />

Desposara Ásia, filha do Oceano, e teve vários filhos, entre<br />

outros Prometeu, Epimeteu e Atlas. O Titã Japeto não<br />

desempenha papel na mitologia; a sua importância vem da<br />

antiguidade que se lhe atribuía e que lhe dava o mesmo tempo<br />

que os mais antigos deuses.


Embora seja o Titã Japeto tido como antepassado da<br />

humanidade, parece que é a seu filho Prometeu que deve-mos a<br />

forma particular que nos distingue dos animais. "Prometeu, diz<br />

Ovídio, após destemperar um pouco de terra com água, formou o<br />

homem à semelhança dos deuses; e enquanto os outros animais<br />

têm a cabeça voltada para o chão, somente o homem a ergue<br />

para o céu, e olha para o céu." A fabricação do homem por<br />

Prometeu está representada em monumentos assaz numerosos,<br />

mas que pertencem na sua maioria a uma baixa época. Uma<br />

pedra gravada antiga nos mostra o autor do gênero humano sob<br />

a forma de um escultor que estabelece a ossatura da sua figura;<br />

é uma representação extremamente curiosa, em virtude do<br />

esqueleto cuja imagem quase nunca aparece na arte dos antigos<br />

(fig. 274). Outra pedra gravada representa o divino artista<br />

ocupado em reunir os membros que esculpiu separadamente.<br />

Fig. 274 — Prometeu modelando uni homem (segundo uma<br />

pedra antiga).<br />

Em todas as representações antigas, Prometeu aparece<br />

como artesão que faz o homem materialmente, mas não como o<br />

deus que o anima. Esse papel cabe a Minerva


(a Sabedoria divina): vários monumentos nos apresentam<br />

nitidamente a parte que cabe a cada um na criação da<br />

espécie humana. Num belo baixo-relevo, vemos Prometeu<br />

sentado num rochedo à sombra de uma árvore (fig. 275). Na<br />

sua frente, numa mesa de escultor, está um homenzinho, ou<br />

antes um menino, de pé, aparentemente à espera de que o<br />

artista termine a obra. Outros três meninos, esses<br />

inteiramente terminados, avançam para Minerva que vai<br />

colocar-lhes sobre a cabeça a borboleta, símbolo da alma na<br />

antiguidade. Vê-se que não se trata de um único homem,<br />

origem dos demais, mas sim de vários feitos na mesma época,<br />

quando houve necessidade de povoar a terra.<br />

Fig. 275 — Prometeu formando o homem (baixo-relevo antigo).


As duas partes de Prometeu<br />

Prometeu orgulhava-se do seu trabalho; e tendo surgido<br />

divergências entre os deuses e os homens primitivos, tomou ele o<br />

partido destes. As divergências, das quais Hesíodo não nos diz a<br />

causa, eram acertadas em Mecona (Sicíona) : Prometeu,<br />

desejando saber se Júpiter era verdadeiramente digno das<br />

honras divinas, excogitou um ardil para provar a sua<br />

clarividência. "Expôs aos olhos de todos, diz Hesíodo, um enorme<br />

boi. De um lado, encerrou na pele as carnes e os melhores<br />

pedaços, envolvendo-os com o ventre da vítima; do outro, dispôs<br />

com pérfida habilidade os ossos brancos que recobriu de gordura<br />

lustrosa. O pai dos deuses e dos homens disse-lhe, então: "Filho<br />

de Japeto, ó mais ilustre de todos os reis, amigo, com que<br />

desigualdade dividiste as partes!" Prometeu, sorrindo<br />

interiormente do ardil, rogou-lhe que escolhesse, e Júpiter,<br />

apoderando-se da parte mais pesada, só ali encontrou ossos.'<br />

O fogo arrebatado aos homens<br />

Júpiter, furioso por ter sido enganado, quis vingar-se dos<br />

homens, dos quais Prometeu é protetor, e roubou-lhes o fogo,<br />

sem o qual todo e qualquer trabalho é impossível. Mas Prometeu<br />

não se deu por vencido, e conseguiu roubar uma faísca do fogo<br />

do céu, que se apressou em levar aos homens. Dessa vez,<br />

Júpiter, vendo-se decididamente iludido pelo Titã, não conteve o<br />

ressentimento e resolveu punir simultaneamente os homens e o<br />

protetor. A grosseria dessa lenda é uma prova da sua grande<br />

antiguidade;


no entanto, não deu origem a nenhuma representação plástica<br />

no período arcaico. Mas uma lâmpada da época romana nos<br />

faz ver Prometeu, nu e de cabelos esparsos, fugindo com o<br />

fogo que acaba de roubar do carro do Sol (fig. 276). Nas<br />

narrações dos poetas, o fogo estava contido numa folha e<br />

invisível a todos os olhos; pelo contrário, o oleiro mostra a<br />

chama a sair de um vasinho que o Titã segura com a mão.<br />

Fig. 276 — Prometeu trazendo o fogo aos homens (segundo uma<br />

lâmpada antiga).<br />

Júpiter diz a Prometeu: "Filho de Japeto, rejubilas-te por<br />

haveres roubado o fogo divino e iludido a minha sabedoria;<br />

mas esse ato será fatal a ti e aos homens que hão de vir. Para<br />

vingar-me, enviar-lhes-ei um funesto presente que os<br />

enfeitiçará e fará com que amem o seu próprio flagelo."<br />

(Hesíodo).


A caixa de Pandora<br />

Prometeu tinha um irmão chamado Epimeteu.<br />

Desconfiando de uma perfídia, recomendou-lhe que nada<br />

aceitasse de Júpiter, pois o rei dos deuses tencionava fazer-lhe<br />

um presente que seria fatal aos homens. Júpiter, por sua vez,<br />

pretendendo realizar o seu plano, enviou aos homens um flagelo<br />

revestido exteriormente do mais sedutor aspecto e que lhes<br />

causou mil inquietações, embora estimadíssimo; eis a origem las<br />

mulheres, segundo Hesíodo:<br />

"De acordo com a vontade do filho de Saturno, Vulcano, o<br />

ilustre deus, formou com um pouco de terra imagem semelhante<br />

à de uma casta virgem. Minerva, dos olhos azuis, apressou-se<br />

em ornamentá-la e vesti-la de uma túnica branca. Pôs-lhe sobre<br />

a cabeça um véu engenhosamente trabalhado e admirável ; em<br />

seguida, ornou-lhe a testa de graciosas grinaldas feitas de flores<br />

recém-desabrochadas e de uma coroa de ouro, que Vulcano, o<br />

deus ilustre, fabricara com as suas próprias mãos para agradar<br />

ao poderoso Júpiter. Sobre essa coroa, ó prodígio, Vulcano<br />

cinzelara os numerosos animais que o continente e o mar<br />

nutrem no seu seio; por toda parte brilhava maravilhosa graça, e<br />

as diversas figuras pareciam vivas. Quando terminou de fazer,<br />

em vez de um trabalho útil, tão funesta obra-prima, levou à<br />

assembléia dos deuses e dos homens a virgem orgulhosa dos<br />

enfeites que lhe dera a deusa dos olhos azuis, filha de um<br />

poderoso pai. Igual admiração transportou os deuses e os<br />

homens, mal perceberam a fatal maravilha tão terrível aos<br />

homens, pois dessa virgem saiu a raça de mulheres de seio<br />

fecundo, dessas mulheres perigosas, flagelo cruel vivo entre os<br />

homens e presas, não à triste pobreza, mas ao luxo ofuscante."<br />

(Hesíodo).<br />

Pandora, que foi mãe do gênero humano, foi, por<br />

conseguinte, obra dos deuses olímpicos, ao passo que o homem<br />

fora constituído pelo Titã Prometeu. Uma pintura arcaica, no<br />

fundo duma taça de Nola, nos mostra a


primeira mulher entre Vulcano e Minerva, ocupados em orná-la<br />

no momento em que acaba de ser formada (fig. 277). É bastante<br />

menor que as duas divindades, e traz uma veste semeada de<br />

estrelas. Minerva tem o peito protegido pela égide eriçada de<br />

serpentes, mas não usa o capacete e a lança que constituem s<br />

seus habituais atributos. Vulcano é imberbe e por vestes só tem<br />

uma clâmide; empunha o martelo que lhe serve de emblema. É<br />

interessante aproximar essa pintura da composição que Flaxman<br />

executou sobre o mesmo tema (fig. 278). O escultor inglês<br />

substituiu Vulcano por Mercúrio, que apoia o caduceu à cabeça<br />

da primeira mulher, para lhe inspirar, segundo a expressão de<br />

Hesíodo, "a arte da mentira e das palavras enganosas,"<br />

Fig. 277 — Pandora entre Minerva e Vulcano.<br />

"Após terminar tão atraente e perniciosa maravilha,<br />

Júpiter ordenou a Mercúrio, o veloz mensageiro dos deuses, que<br />

a conduzisse para Epimeteu. Este esqueceu-se


de que Prometeu lhe recomendara nada receber de Júpiter e de<br />

lhe devolver todos os presentes. para evitar um flagelo terrível<br />

aos mortais, e aceitou o fatal presente, para, dali a pouco,<br />

reconhecer a imprudência cometida." (Hesíodo).<br />

Fig. 278 — Pandora dotada por Mercúrio e Minerva (segundo Flaxman)<br />

Foi de Pandora que saiu "essa raça fraca e delicada das<br />

mulheres, que os mortais conservam para desgraça deles. Nunca<br />

amigas da pobreza nem sequer da poupança. só amam o luxo e<br />

os gastos." (Hesíodo).<br />

Dando o fogo aos homens, Prometeu ensinara-lhes o<br />

trabalho que só pode existir com o fogo: Júpiter fê-los


artistas, dando-lhes a mulher, que, além das primeiras<br />

necessidades da vida, lhes impõe mil encantadoras<br />

necessidades que somente um trabalho incessante pode<br />

satisfazer.<br />

Pandora recebera de Júpiter uma caixa cujo conteúdo ela<br />

ignorava; impelida pela natural curiosidade do seu sexo, quis<br />

abri-la, e todos os males se espalharam pela terra. Fechou<br />

imediatamente a tampa, mas no fundo da caixa só ficou a<br />

Esperança (fig. 279).<br />

Fig. 279 — Pandora abre o vaso fatal (segundo Flaxman).<br />

Suplício e libertação de Prometeu<br />

Júpiter revelou-se cruel para com Prometeu e, a fim de<br />

puni-lo por ter dado o fogo aos homens, agrilhoou-o ao<br />

Cáucaso. Uma águia lhe dilacerava constantemente o fígado e a<br />

sua carne renascia imediatamente para que o suplício se<br />

renovasse todos os dias. A luta de Júpiter contra Prometeu foi<br />

interpretada de maneiras assaz


diferentes, mas segundo os trágicos seria possível ver nela uma<br />

vaga recordação de uma mudança de crenças. Na antiguidade,<br />

Prometeu ficou como tipo da justiça esmagada pela força, da<br />

consciência humana protestando contra um poder inexorável.<br />

O suplício de Prometeu teria, no entanto, fim Hércules, o<br />

matador dos monstros e grande reparador de erros, livrou o Titã<br />

matando a águia que o roía. Prometeu, que conhecia o futuro,<br />

predissera que quem desposasse a Nereida Tétis, teria um filho<br />

mais poderoso que o pai, e o rei dos deuses, sabendo de tal<br />

profecia, renunciou ao projeto de unir-se a Tétis. Como<br />

recordação desse serviço, Júpiter não obstaculou a libertação de<br />

Prometeu; mas já que afirmara que o suplício duraria milhares<br />

de anos e que um deus não deve mentir, excogitou-se um<br />

subterfúgio. De um dos elos da cadeia que agrilhoava o Titã se<br />

fez um anel, no qual se introduziu um pedacinho do rochedo;<br />

desse modo, Prometeu continuava sempre preso ao Cáucaso.<br />

Um interessante sarcófago do museu Capitolino fixa em<br />

várias cenas toda a lenda de Prometeu.<br />

O tema, tratado de maneira completíssima, nos oferece a<br />

imagem do Destino do homem, da sua origem e do seu fim,<br />

enquadrado por assim dizer nos diferentes atos da lenda do seu<br />

criador. No centro, Prometeu, sentado, segura nos joelhos um<br />

homem que ele acaba de modelar com limo da terra e sobre cuja<br />

cabeça Minerva coloca a borboleta, emblema da alma. Acima de<br />

Prometeu, surgem as Parcas, Cloto com a roca na qual fia os<br />

dias dos homens, e sua irmã Láquesis indicando num globo o<br />

Destino que lhes é reservado. Atrás dele, a Terra, segurando uma<br />

cornucópia sustentada pelos gênios do estio e do inverno, volta a<br />

cabeça olhando para um cesto contendo o limo de que se vale<br />

Prometeu para formar o homem. O Sol conduzindo o seu carro e<br />

Oceano segurando um remo e montado num hipocampo<br />

aparecem acima da Terra. Aos seus pés estão o Amor e Psique<br />

que se abraçam para mostrar a união íntima entre o corpo e a<br />

alma. Em seguida, vemos o grupo de Vulcano e dos seus<br />

ciclopes, forjando os grilhões que prenderão Prometeu ao<br />

Cáucaso.


O baixo-relevo termina com um casal de pé e nu sob uma<br />

palmeira, que relembra de maneira impressionante Adão e Eva<br />

da Bíblia, mas no qual reconhecemos geralmente Deucalião e<br />

Pirra os quais, únicos sobreviventes das águas do dilúvio, têm<br />

por missão perpetuar o gênero humano criado por Prometeu.<br />

O outro lado do baixo-relevo mostra-nos os emblemas da<br />

morte, os quais no monumento estão colocados imediatamente<br />

atrás de Minerva. Um homem está estendido por terra e privado<br />

de movimento: o gênio da morte segura o facho de cabeça para<br />

baixo sobre o peito do cadáver, cuja alma, sob a forma de<br />

borboleta, foge subindo ao longo do facho, enquanto a sombra do<br />

defunto, representada por uma grande figura envolvida num<br />

manto, se ergue acima dos seus pés. Do lado da cabeça do<br />

morto, a terceira Parca, Átropos, sentada, segura sobre os<br />

joelhos o livro do Destino. Sobre essa cena fúnebre aparece a lua<br />

num carro conduzido por dois corcéis. No episódio seguinte,<br />

Mercúrio, segurando numa das mãos o caduceu, leva para os<br />

infernos a alma do defunto sob a forma de uma Psique de asas<br />

de borboleta, e aos seus pés a Terra, segurando sempre a<br />

cornucópia, dispõe-se a lhe receber os despejos mortais.<br />

Chegamos, assim à terceira cena: Prometeu, agrilhoado a um<br />

rochedo, tem o fígado devorado por uma águia contra a qual<br />

Hércules dispara uma seta. A maça e a pele de leão do herói<br />

estão atrás dele, aos pés do Cáucaso, personificado pelas feições<br />

de um velho de cabelos eriçados, segurando numa das mãos um<br />

dos pinheiros que o cobrem, e com a outra uma serpente<br />

representando o gênio local do lugar em que se desenrola o<br />

drama.<br />

Há algumas variantes na história de Prometeu : alguns lhe<br />

atribuem a fabricação da mulher, bem como a do homem, o que<br />

tiraria toda razão de ser da linda Fábula de Pandora. Entretanto,<br />

existem sobre essa versão monumentos que não podemos<br />

desprezar. Um baixo-relevo antigo nos mostra Prometeu<br />

segurando um desbastador e modelando a primeira mulher; um<br />

homenzinho ainda não animado está deitado aos pés do escultor<br />

a quem Mercúrio conduz uma alma, caracterizada pelas asas de<br />

borboleta, e que irá habitar o corpo terminado por Prometeu.<br />

Atrás de Mercúrio, vemos as três Parcas que fiarão


o destino da nova criatura. O touro, o burro e a lebre, colocados<br />

perto do escultor, relembram uma tradição segundo a qual<br />

Prometeu, ao formar a espécie humana, misturou ao limo de que<br />

se servia as qualidades dos diversos animais (fig. 280).<br />

Fig. 280 — Lenda de Prometeu com o nascimento e o Destino do<br />

homem (segundo um sarcófago antigo do museu Capitolino).


CAPÍTULO <strong>II</strong>I<br />

DÉDALO<br />

As invenções de Dédalo. — Minos e<br />

Pasife. — As asas de Ícaro. — O<br />

retrato de Hércules. — Os telquines e<br />

os dúctilos.<br />

As invenções de Dédalo<br />

Reuniu-se, sob o nome mitológico de Dédalo, o grupo das<br />

antigas corporações de artistas e artesãos que fabricavam as<br />

imagens dos deuses. A tradição acumulou, assim, sobre uma<br />

única personagem os trabalhos e as aventuras dos primeiros<br />

obreiros, e as velhas estátuas de madeira às quais se atribuía<br />

um caráter milagroso eram sempre consideradas obras de<br />

Dédalo. Como Vulcano e Prometeu, é Dédalo um civilizador que<br />

ensina aos homens a indústria; possui uma relação menos<br />

direta com o fogo, mas, em compensação, é arquiteto e<br />

mecânico.


Dédalo, cuja genealogia fabulosa é extremamente confusa, é<br />

pelos atenienses reivindicado como filho do rei Erecteu. A<br />

machadinha, o nível, a broca são instrumentos de sua invenção.<br />

É também o primeiro autor das velas dos navios e soube dirigilos<br />

com o vento. Dédalo tinha um sobrinho, filho de sua irmã<br />

Pérdix, ao qual ensinou os seus segredos, e que, por sua vez,<br />

inventou a serra e a roda do oleiro. Dédalo matou-o por ciúme e<br />

foi obrigado a deixar Atenas, para ir a Creta onde o acolheu<br />

Minos, filho de Júpiter e de Europa e esposo de Pasife, filha do<br />

Sol.<br />

Minos e Pasife<br />

Desejando ser bem recebido pelos súditos, que eram todos<br />

marinhos, declarara-lhes Minos que Netuno lhe concederia tudo<br />

quanto ele desejasse, e para dar-lhes a prova, pediu ao deus dos<br />

mares que lhe enviasse um touro, o qual seria em seguida<br />

sacrificado. No mesmo instante, um magnífico touro branco saiu<br />

do mar; mas Minos achou-o tão belo que, em vez de o sacrificar,<br />

mandou que o guardassem no seu rebanho e imolou outro.<br />

Netuno, não podendo aceitar tamanho ultraje, incumbiu Vênus<br />

de vingá-lo. A cruel deusa não descobriu coisa melhor do que<br />

afligir Pasife com uma doida e irresistível paixão pelo formoso<br />

animal.<br />

Deram-se diversas explicações de tão singular Fábula. Já<br />

fora sob o aspecto de touro que Júpiter se apresentara à Europa,<br />

mãe do rei Minos, e a lenda de Pasife parece reproduzir a mesma<br />

história sob forma diferente. Creta mantinha constantes relações<br />

com a Fenícia, onde os deuses apresentam freqüentemente a<br />

forma de touro, e com o Egito, onde o boi Ápis é uma encarnação<br />

do Sol. Segundo Creuzer, Pasife seria simplesmente uma Lua<br />

apaixonada pelo Sol, que em Creta aparece nas regiões vizinhas<br />

sob a forma de touro.


As asas de Ícaro<br />

A cólera de Netuno contra Minos produziu os seus frutos,<br />

fazendo com que de Pasife nascesse um monstro de cabeça de<br />

touro, chamado Minotauro, que se nutria de carne humana.<br />

Dédalo construíra para o rei Minos um enorme recinto cujo<br />

interior possuía mil giros, de sorte que era quase impossível dali<br />

sair, uma vez que se entrasse. É o lugar que passou a ser<br />

chamado Labirinto, e foi nele que se encerrou o Minotauro, mais<br />

tarde morto por Teseu, como veremos a seguir. Minos,<br />

descontente com Dédalo, a quem acusava de conivente na<br />

questão, mandou que o atirassem à prisão com seu filho Ícaro. A<br />

prisão achava-se num recife à beira do mar, em situação que<br />

tornava qualquer idéia de evasão materialmente impossível. O<br />

engenhoso Dédalo, a quem nunca faltavam expedientes,<br />

concebeu um projeto jamais imaginado antes. Pegando algumas<br />

penas, formou com elas um todo tão admirável que parecia<br />

perfeitamente semelhante às asas das aves. As peninhas que<br />

deviam constituir o fundo estavam presas com linha, as maiores<br />

com cera. Deu-lhes, depois, a curvatura que se nota nas asas<br />

naturais.<br />

Ícaro, seu filho, não sabendo que preparava a própria<br />

desgraça, reunia, risonho, as penas que o vento dispersava, ou<br />

amolecia a cera com a qual seriam presas; às vezes contemplava,<br />

gracejando, o trabalho do pai. Quando este ficou pronto, Dédalo<br />

experimentou-o, e tomando impulso, manteve-se suspenso no<br />

meio do ar; daí, voltando-se para o filho, disse-lhe: "Cuida, meu<br />

filho, de voar sempre no meio dos ares; se desceres muito, a<br />

umidade da água tornará muito mais pesadas as tuas asas; se te<br />

ergueres demais, o calor do sol as queimará; mantém-te, por<br />

conseguinte, no justo meio entre os dois extremos."<br />

Após essa exortação, tremendo e com lágrimas nos olhos,<br />

prendeu-lhe as asas e explicou-lhe em poucas palavras de que<br />

maneira devia servir-se delas. Finalmente, abraça-o pela última<br />

vez, e com ele galga a torre de onde ambos se atiram ao vôo.<br />

Landon representou tal cena (fig. 282).


"Ferido de espanto à vista de tão inaudito prodígio e<br />

querendo observá-lo mais à vontade, o pescador, que os toma<br />

por dois deuses, apoia-se na vara, o pastor no cajado e o<br />

lavrador no arado. Dédalo e Ícaro já tinham abandonado a ilha<br />

de Samos, consagrada a Juno, as de Delos e Paros, quando o<br />

jovem Ícaro, entusiasmando-se, começou a atirar-se para a<br />

frente, e abandonou o guia, para subir mais. O ardor do sol<br />

fundiu-lhe a cera que prendia as penas das asas, e foi inútil para<br />

ele remexer os braços para suster-se e chamar o pai em auxílio;<br />

pálido e trêmulo, caiu ao mar. Dédalo, que perdera de vista o<br />

filho,<br />

Fig. 281 — Dédalo preparando as asas de Ícaro (segundo uma pedra<br />

gravada),<br />

chamou-o em vão: "Ícaro, meu caro Ícaro, onde estás? Que te<br />

aconteceu?" Falava ainda, quando notou o filho caído à beira do<br />

mar, enquanto as penas flutuavam sobre as ondas". (Ovídio).


Numa pintura de Herculanum, Dédalo voa quando percebe<br />

o filho morto (fig. 283). O escultor Slodtz fez uma estátua de<br />

Ícaro, que lhe granjeou entrada na Academia.<br />

Fig. 282 — Dédalo e Ícaro (segundo um quadro de Landon).<br />

Após prestar as derradeiras homenagens ao filho, Dédalo<br />

dirigiu-se para Cumes, onde fundou um templo de Apolo.<br />

Consagrou a esse deus as suas asas, e pintou toda a história nos<br />

muros do templo por ele erguido. Executou, ainda na Sicília,<br />

várias obras notáveis, entre outras um rochedo elevadíssimo que<br />

ele preparou de tal maneira que


pudesse construir uma cidade inexpugnável, pois ali só se acedia<br />

por uma estreita senda tortuosa para cuja defesa bastavam três<br />

ou quatro homens.<br />

O retrato de Hércules<br />

Como escultor, Dédalo passa por ser o primeiro que afastou<br />

as pernas e abriu os olhos das suas personagens. Estava<br />

intimamente ligado a Hércules, e para ser-lhe agradável, lhe<br />

modelou a imagem, e colucou-a sobre o caminho que Hércules<br />

seguia habitualmente, quando ia combater os monstros.<br />

Exprimira tão bem a força do herói, e a estátua parecia de tal<br />

modo viva, que Hércules, julgando estar lidando com um inimigo<br />

digno dele, pegou enorme bloco de pedra, e atirou-o contra a<br />

estátua que ficou pulverizada.<br />

Toda a lenda de Dédalo mostra o espanto causado aos<br />

primeiros homens pelas maravilhas da indústria nascente. À<br />

mesma idéia podemos ligar as histórias dos telquines e dos<br />

dáctilos.<br />

Os telquines e os dáctilos<br />

Os telquines, misteriosos gênios que se prendem às origens<br />

da indústria humana, passam em certas tradições por serem os<br />

primeiros instituidores do culto e inventores das artes. São<br />

sobretudo habilíssimos metalurgistas e sabem dar aos metais<br />

todas as formas que desejam.


Foram eles os primeiros em fazer as estátuas dos imortais, e<br />

em fabricar a foice de Saturno e o tridente de Netuno. Os<br />

telquines são, ao mesmo tempo, feiticeiros versadíssimos na<br />

magia, revestem-se das formas que que-rem, e têm a<br />

faculdade de lançar mau olhado aos inimigos. Julgamo-los<br />

oriundos da ilha de Rodes.<br />

Fig. 283 — Morte de Ícaro (segundo uma pintura de Herculanum).<br />

Os mesmos talentos cabem aos dáctilos, gênios frígios,<br />

que ensinaram aos homens a fundição dos metais e o<br />

trabalho do ferro e do bronze. São também temidíssimos<br />

como mágicos e as lendas que a eles dizem respeito, como


as que o dizem aos telquines, apresentam a maior confusão.<br />

Prendem-se seguramente às antigas corporações de obreiros que<br />

se formaram, quando os homens começaram a servir-se dos<br />

metais, e cujos processos de trabalho assumiam aos olhos das<br />

populações um caráter pronunciadíssimo de magia.


CAPÍTULO IV<br />

MINERVA<br />

Nascimento de Minerva. — Nascimento<br />

de Erecteu. — Pandrosa. — Disputa de<br />

Minerva e Netuno. — Tipo e atributos de<br />

Minerva. — Minerva e Encélades. —<br />

Minerva, e Tirésias. — Minerva e<br />

Mársias. — Minerva higéia. — Minerva<br />

obreira ou ergane. — Minerva e Aracne.<br />

— A festa das Panatenéias.<br />

Nascimento de Minerva<br />

Métis, a reflexão personificada, fora a primeira esposa de<br />

Júpiter. Foi ela que deu ao velho Saturno uma beberagem para<br />

obrigá-lo a devolver os jovens deuses que ele havia engolido.<br />

Estando grávida, predisse a Júpiter que teria em primeiro lugar<br />

uma filha e, em seguida, um filho que se tornaria senhor do céu.<br />

O rei dos deuses, espantado com tal profecia, engoliu Métis,


Algum tempo depois, foi acometido de violentíssima dor de<br />

cabeça e rogou a Vulcano que lhe fendesse a cabeça com o<br />

machado.<br />

Mal recebeu o golpe de machado de Vulcano, saiu-lhe do<br />

cérebro, armada de todas as suas peças, a filha Minerva, nova<br />

encarnação da sabedoria divina. Essa lenda, de caráter assaz<br />

bárbaro e, por conseguinte, velhíssima, está representada de<br />

maneira ingênua num baixo-relevo onde, extraordinariamente,<br />

Vulcano é um rapaz imberbe (fig. 285).<br />

Num espelho etrusco vemos Ilitia, a deusa dos partos<br />

assistindo ao rei dos deuses e tirando-lhe da cabeça Minerva,<br />

que sai armada do capacete e da lança. No outro lado está Vênus<br />

que também parece acorrer em auxílio a Júpiter e atrás da qual<br />

vemos, empoleirada numa árvore, a pomba que lhe é<br />

consagrada. Tais divindades trazem os seus nomes gravados no<br />

espelho em língua etrusca (fig. 284).<br />

Fig. 284 — Nascimento de Minerva (segundo um espelho etrusco.<br />

O mesmo tema decorava um dos frontões do Partenão, mas<br />

é provável que o nascimento estivesse ali concebido de maneira<br />

inteiramente diversa. Infelizmente, nada


esta da parte central do frontão em que tal cena estava<br />

representada.<br />

Júpiter é a abóbada do céu donde jorra o raio luminoso e<br />

súbito; como é também o senhor dos deuses, a sua sabedoria<br />

não vacila absolutamente em lhe brotar do cérebro divino.<br />

Minerva devia, pois, nascer inteiramente armada e provida de<br />

todos os seus atributos. É assim que no-la apresentam as<br />

estátuas, muitas vezes com a lança e o escudo, mas sempre com<br />

o capacete e a égide.<br />

Fig. 285 — Vulcano e Júpiter.<br />

Luciano narrou o nascimento de Minerva sob forma de<br />

diálogo:<br />

"Vulcano. — Que devo fazer, Júpiter? Venho, por ordem tua,<br />

armado de um machado afiadíssimo e que, se houvesse<br />

necessidade, seria capaz de partir, de um só golpe, a mais dura<br />

das pedras.<br />

Júpiter. — Ótimo, Vulcano! Parte-me, pois, a cabeça.<br />

Vulcano. — Queres submeter-me a uma prova, ou estás<br />

louco? Dá-me uma ordem séria, dize o que queres que eu faça!<br />

Júpiter, — Já to disse, parte-me a cabeça; bate com toda a<br />

força e sem demora; não posso viver com as dores que me<br />

dilaceram o cérebro.


Vulcano. — Acautela-te, Júpiter. Quem sabe se não vamos<br />

cometer uma asneira? O meu machado é afiadíssimo, fará com<br />

que te corra o sangue e não te libertará à guisa de Lucina.<br />

Júpiter. — Bate, vamos, Vulcano! Nada temas. Sei o que<br />

quero.<br />

Vulcano. — Bato, mas contra a vontade. Que me resta, se<br />

assim me ordenas?... Que estou vendo? Uma jovem armada da<br />

cabeça aos pés! Safa, que dor de cabeça não devia ser a tua,<br />

Júpiter! Não é de assombrar que te hajas mostrado irascível, se<br />

trazias viva, sob a membrana do teu cérebro, uma jovem desta<br />

estatura, e, ainda por cima, armada. Não sabíamos que tinhas<br />

na cabeça um verdadeiro campo. Olha, ela salta ! Ei-la que<br />

dança a pírrica, agita o escudo, brande a lança, e está dominada<br />

pelo entusiasmo. O que é mais estranho é que, de súbito, se<br />

tornou belíssima e pronta para casar. É verdade que tem olhos<br />

cinzentos, mas o capacete compensa esse defeito. Júpiter, como<br />

pagamento pelo serviço que te prestei, cede-ma por esposa.<br />

Júpiter. — Tu me pedes o impossível, Vulcano; ela quer<br />

permanecer virgem para sempre. Quanto a mim, não me oponho<br />

ao que desejas.<br />

Vulcano. — É o que quero. O resto fica por minha conta. Vou<br />

levá-la." (Luciano).<br />

Nascimento de Erecteu<br />

Vulcano pôs-se imediatamente a procurar Minerva. e, certo<br />

de que ela estivesse na Acrópole, rumou para Atenas. Mal a<br />

percebeu, colocou-se-lhe na frente e quis dar os passos<br />

necessários. Mas a deusa o recebeu de maneira tal que lhe tirou<br />

qualquer desejo de recomeçar. O pobre ferreiro ficou<br />

despeitadíssimo; para mostrar que saberia dispensá-la, resolveu<br />

contrair núpcias no mesmo


instante. e dirigiu-se à Terra, boníssima criatura, que o aceitou<br />

apesar das mãos negras. Dessa união nasceu Erecteu, que mais<br />

tarde se tornou rei de Atenas. O que deu origem a tão singular<br />

lenda foi o fato de os atenienses, já colocados sob a proteção de<br />

Minerva, quererem, por um laço qualquer, prender-se ao deus do<br />

fogo, que preside à indústria dos metais.<br />

A Terra, mal gerou Erecteu, deixou o recém-nascido no<br />

chão, sem mais com ele preocupar-se, como se fosse uma<br />

simples cobra ou um verme. Minerva, percebendo-o,<br />

compadeceu-se e, pegando-o, pô-lo num cesto e levou-o para o<br />

seu santuário. Mas, apesar de todo o seu bom coração, não<br />

conseguia livrar-se das preocupações guerreiras, e, estando a<br />

galgar a Acrópole levando o cesto, notou que a sua cidade não<br />

estava bastante fortificada do lado do Ocidente. Entrou na casa<br />

de Cécrops, que tinha três filhas, Pandrosa, Aglaura e Herse, e,<br />

confiando-lhes o cesto, muito bem fechado, proibiu-lhes que o<br />

abrissem para verificar o conteúdo, e imediatamente partiu em<br />

busca de uma montanha que julgava necessária para a<br />

fortificação da cidade. Quando partiu, Aglaura e Herse, impelidas<br />

pela curiosidade, pretenderam abrir o cesto, não obstante as<br />

censuras de Pandrosa. Mas uma gralha, que tudo vira, foi contar<br />

o fato a Minerva, que já segurava a montanha entre os braços e<br />

que fortemente surpresa, a deixou cair. Eis aí a origem do monte<br />

Licabeto.<br />

Pandrosa<br />

A deusa concebeu tal afeto por Pandrosa, que não somente<br />

lhe confiou a educação do pequenino protegido, como também<br />

exigiu que Pandrosa, após a morte, recebesse as honras divinas.<br />

Quando Erecteu se tornou rei de Atenas, apressou-se em<br />

satisfazer tal desejo, mas,


associando no seu reconhecimento a filha de Cécrops e a deusa<br />

que o recolhera, elevou um templo em duas partes, uma das<br />

quais foi dedicada a Minerva e outra a Pandrosa. A construção<br />

foi queimada pelos persas, como todos os monumentos de<br />

Atenas, e o que hoje existe foi erguido após as guerras médicas.<br />

Disputa de Minerva e Netuno<br />

Atenas tira o seu nome de Atena (nome grego de Minerva)<br />

mas a honra de dar o nome à cidade que Cécrops acabava de<br />

fundar deu origem a uma famosa disputa entre Netuno e a<br />

deusa. Constituía ela o tema de um dos dois frontões do<br />

Partenão, esculpidos por Fídias e cujos fragmentos mutilados<br />

fazem hoje parte do Britsh Museum em Londres. Figura<br />

igualmente em moedas antigas (fig. 286).<br />

Fig. 286 — Minerva e Netuno (segundo uma medalha antiga).<br />

Era preciso pôr a nova cidade sob a proteção de uma<br />

divindade. Decidiu-se que se tomaria por protetor da cidade o<br />

deus que produzisse a coisa mais útil. Netuno, batendo a terra<br />

com o tridente, criou o cavalo e fez jorrar uma fonte de água do<br />

mar, querendo com isso dizer que o seu povo seria navegador e<br />

guerreiro. Mas Minerva


domou o cavalo para o transformar em animal doméstico, e,<br />

batendo a terra com a ponta da lança, fez surgir uma oliveira<br />

carregada de frutos, pretendendo com aquilo mostrar que o seu<br />

povo seria grande pela agricultura e pela indústria.<br />

Cécrops, embaraçado, consultou o povo, para saber a que<br />

deus preferia entregar-se. Contudo, não se tendo naqueles<br />

tempos tão remotos imaginado que as mulheres não pudessem<br />

tão bem quanto os homens exercer direitos políticos, todos<br />

votaram. Ora, sucedeu votarem todos os homens por Netuno e<br />

todas as mulheres por Minerva; mas como entre s colonos que<br />

acompanhavam Cécrops, houvesse uma mulher mais, Minerva<br />

raptou-a. Netuno protestou contra essa maneira de julgar a<br />

divergência, e apelou para o tribunal dos doze grandes deuses.<br />

Estes chamaram Cécrops como testemunha, e tendo sido a<br />

votação considerada regular, passou a cidade a ser consagrada<br />

a Minerva. Os atenienses, no entanto, temendo a cólera de<br />

Netuno que já ameaçara engoli-los, ergueram na Acrópole um<br />

altar ao Olvido, monumento da reconciliação de Netuno e<br />

Minerva; em seguida, Netuno participou das honras da deusa.<br />

Eis como os atenienses se tornaram um povo navegador e ao<br />

mesmo tempo agrícola e manufatureiro.<br />

Minerva era para os atenienses a deusa por excelência e a<br />

Acrópole a montanha santa. A Acrópole figura numa moeda de<br />

Atenas, assaz grosseira, aliás (fig. 287).<br />

Fig. 287 — Acrópole (segundo uma moeda antiga).<br />

Não se vêem nela representações de edifícios, mas somente<br />

dominar a grande Minerva de bronze, que s navegantes<br />

saudavam de longe, como protetora da cidade.


A confiança inspirada por Minerva só desapareceu com a<br />

influência cristã, e um dos derradeiros historiadores pagãos,<br />

Zózimo, narra de que maneira se apresentou a deusa pela última<br />

vez. "Alarico, diz ele, impaciente por se apoderar de Atenas, não<br />

quis entreter-se com outro assédio. Apressou-se, pois, em ir a<br />

Atenas na esperança de tomá-la, quer por ser dificílimo defender<br />

a grande extensão das suas muralhas, quer por estar ele já de<br />

posse do Pireu e por haver pouquíssimas provisões na cidade.<br />

Eis a esperança nutrida por Alarico. Mas a cidade tão antiga<br />

seria conservada pela providência dos deuses no meio de tão<br />

terrível perigo. A maneira pela qual ela foi protegida é<br />

demasiadamente milagrosa e demasiadamente capaz de inspirar<br />

sentimentos de piedade, para que a silenciemos. Quando Alarico<br />

se aproximou das muralhas à testa do seu exército, viu Minerva,<br />

tal qual surge nas imagens, dar a volta à cidade, e Aquiles tal<br />

qual o descreve Homero apareceu no alto das muralhas. Alarico,<br />

estarrecido com o espetáculo, tratou de fazer a paz e abandonou<br />

a luta." (Zózimo).<br />

Tipo e atributos de Minerva<br />

"A partir do dia, diz Ottfried Muller, em que Fídias terminou<br />

de desenhar o caráter ideal de Minerva-atena, uma fisionomia<br />

cheia de calma, uma força que tem consciência de si própria, um<br />

espírito claro e lúcido, passaram a ser para sempre os principais<br />

traços do caráter de Palas. A sua virgindade a coloca acima de<br />

todas as fraquezas humanas; ela é demasiadamente viril para se<br />

entregar a um homem. A testa muito pura, o nariz longo e fino, a<br />

linha um pouco dura da boca e das faces, o queixo largo e quase<br />

quadrado, os olhos pouco abertos e quase constantemente<br />

voltados para a terra, a cabeleira atirada, sem arte, para cada<br />

lado da testa e ondulada


sobre a nuca, traços nos quais transparece a rudeza primitiva,<br />

correspondem perfeitamente a tão maravilhosa criação ideal."<br />

Fig. 288 — Minerva arcaica (numa antiga moeda de Atenas).<br />

Minerva se identifica completamente com a cidade que ela<br />

protege, e se por vezes usa cavalos no capacete é para mostrar a<br />

sua reconciliação com Netuno a quem era consagrado o cavalo, e<br />

que, como deus dos mares, não podia deixar de ter grande<br />

importância em Atenas. É o que vemos num medalhão antigo no<br />

qual a cidade de Roma personificada se liga à de Atenas (fig.<br />

289). (Palas-atena). As duas ilustres cidades se caracterizam<br />

pelos seus atributos: a loba com os dois filhos é o atributo<br />

comum de Roma, como a coruja é o habitual atributo de Atenas.<br />

A deusa ateniense traz a égide com a cabeça de Górgona, e<br />

quatro cavalos lhe ornam o capacete.<br />

Os cavalos aparecem igualmente num soberbo entalhe<br />

antigo. A pena do capacete é suportada por uma esfinge e dois<br />

corcéis alados ou pégasos: a parte da frente está ornada de<br />

quatro cavalos e o cobre-orelha de um grifo. Os enfeites da deusa<br />

são luxuosos; além da égide de escamas bordadas de serpentes,<br />

traz ela um colar de bolotas, e brincos em forma de cachos de<br />

uvas (fig. 290).<br />

Às vezes, como na medalha de Thurium, não é nem o<br />

cavalo, nem o grito que ornam o capacete de Minerva, mas uma<br />

Cila ou um monstro fantástico com cauda de serpente (fig. 291).<br />

A deusa usa sempre um capacete, até quando desempenha<br />

papel pacífico. O capacete tem, às vezes, asas para indicar o<br />

caráter aéreo de Palas (fig. 295). Vemo-lo,


quanto ao resto, sob formas extremamente variadas, em<br />

moedas gregas ou romanas.<br />

A coruja, a ave que vê bem durante a noite, é<br />

naturalmente consagrada a Minerva, deusa que personifica<br />

simultaneamente o raio e a inteligência. Nas mais antigas<br />

moedas de Atenas se nos depara a coruja, símbolo de uma<br />

vigilância constantemente alerta (fig. 288).<br />

Fig. 289 — Atenas e Roma.<br />

Como deusa guerreira, Minerva combate com a lança. No<br />

entanto, uma medalha da Macedônia, imitação de antiga figura<br />

arcaica, no-la apresenta com o raio de


Júpiter (fig. 297). A Vitória está freqüentemente na mão da<br />

deusa. É assim que ela aparece numa bela moeda de Lisímaco<br />

(fig. 296).<br />

Fig. 290 — Palas (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

Fig. 291 — Moeda de Thurium.<br />

A arte dos tempos primitivos preferia a imagem de Palas às<br />

das outras divindades; os antigos paládios representavam<br />

ordinariamente a deusa com o escudo erguido, e brandindo a<br />

lança. Entretanto, essa forma varia muito, até nos próprios<br />

tempos primitivos, e Minerva se reveste de diferentes aspectos,<br />

segundo as localidades.


Uma pintura de vaso nos mostra Hércules e Jasão<br />

oferecendo um sacrifício a Minerva asiática; a deusa usa a coroa<br />

radiada e está envolta numa túnica fechada e ricamente<br />

bordada. Posto sobre uma coluna, o ídolo ergue as mãos em<br />

atitude que exclui a idéia de qualquer atributo. Perto dela, está<br />

uma vitória alada, seguida de um éfebo, que dá a impressão de<br />

estar abrindo uma caixa contendo os utensílios sagrados (fig.<br />

298).<br />

Fig. 292 — Medalha romana (denário da gens Pompéia).<br />

Fig. 293 — Moeda de Macedônia (cunhada sob Alexandre. o Grande).<br />

Fig. 294 — Moeda grega (de Mantinéia ),<br />

Uma medalha da Nova Ílion representa uma Palas troiana<br />

cujo tipo, imitação de antiga figura arcaica, deve remontar a,<br />

remota antiguidade. Está de pé e traz na mão


direita a lança apoiada ao ombro, enquanto a esquerda<br />

empunha um facho. A ave sagrada está de pé diante da deusa,<br />

cujo costume, e particularmente o capacete, se afastam<br />

completamente do tipo habitual de Minerva.<br />

Fig. 295 — Moeda romana (denário da gens Pompéia).<br />

Fig. 296 — Minerva trazendo a Vitória (numa moeda de Lisímaco).<br />

Fig. 297 — Minerva segurando o raio (numa moeda macedônia(<br />

A égide é uma pele de cabra de que nos servimos como<br />

escudo, mas significa igualmente a tempestade, e é em tal<br />

sentido que Homero a entende, quando fala do


fogo e da luz que partem do escudo divino. Minerva, sendo na<br />

ordem física o raio personificado, devia ter por atributo a<br />

égide, e nos monumentos arcaicos podemos ver de que<br />

maneira era empregada primitivamente. Na grande época da<br />

arte, Minerva trá-la sobre o peito; a Górgona figura sempre na<br />

égide.<br />

Fig. 298 — Antigo ídolo de Minerva asiática (numa pintura de vaso).<br />

A cabeça da Górgona é um dos atributos essenciais da<br />

deusa e aparece quer sobre a égide, quer sobre o seu escudo.<br />

Exprime o terror com o qual Palas fere os inimigos.<br />

A Minerva arcaica de Herculanum está numa atitude<br />

hierática : vestida do peplo de dobras tesas e engomadas,<br />

que recobre a concha, marcha resolutamente para o combate<br />

(fig, 300). A maneira pela qual a deusa traz aqui a égide é<br />

característica: segura-a sobre o ombro para ter o braço<br />

esquerdo inteiramente coberto. A égide é grandíssima, ao<br />

passo que nos monumentos menos antigos, perde algo da<br />

sua importância.<br />

A égide usada por Júpiter passava por ser a pele da<br />

cabra Amaltéia, que lhe foi nutriz. Mas há tradições<br />

diferentes em torno da égide de Minerva. A deusa matara


o monstro Agis, filho da Terra, que vomitava chamas com uma<br />

fumaça negra e espessa. O monstro desolou, a princípio, a<br />

Frigia, em seguida o monte Cáucaso, cujas florestas queimou<br />

até a Índia. Depois foi incendiar o monte Líbano e devastou<br />

sucessivamente o Egito e a Líbia. Minerva, após o derrubar, o<br />

traspassou com a lança e<br />

Fig 299 — Atributos de Minerva com medalhas antigas.<br />

da sua pele fez uma couraça, sobre a qual colocou<br />

posteriormente a cabeça da Górgona, e que usava como troféu.<br />

Quando a égide está colocada em volta do braço, como no-la<br />

apresenta a Minerva de Herculanum, é sempre um sinal de<br />

combate.


A Minerva de Egina segura a lança e o escudo no alto, mas<br />

a égide, em vez de ser usada sobre o braço, serve de couraça<br />

para garantir o peito e até as costas, sobre as quais recai. Essa<br />

estátua, que hoje se encontra na Gliptoteca de Munique,<br />

ocupava o centro do frontão ocidental do templo de Egina (fig.<br />

301).<br />

Fig. 300 — Minerva de Herculanum (museu de Nápoles).<br />

A famosa Minerva de Fídias, no Partenão, era de marfim e<br />

ouro. A deusa estava de pé, coberta da égide, e a sua túnica<br />

descia até os calcanhares. Empunhava uma lança com uma das<br />

mãos e com a outra uma vitória. O capacete estava encimado por<br />

uma esfinge, emblema da inteligência celeste; nas partes laterais<br />

havia dois grifos, cuja significação era a mesma que a da esfinge,<br />

e, acima da viseira, oito cavalos a galope, imagem da rapidez com


a qual age o pensamento divino. A cabeça de Medusa figuravalhe<br />

no peito. Os braços e a cabeça da deusa eram de marfim,<br />

com exceção dos olhos formados por duas pedras preciosas; as<br />

vestes eram de ouro e podiam ser retiradas com facilidade, pois<br />

era mister, quando a república se via em apertos, poder recorrer<br />

ao tesouro público, do qual a deusa era depositária. Na face<br />

exterior do escudo, posto aos pés da deusa, estava representado<br />

o combate dos atenienses contra as amazonas, na face inferior o<br />

dos gigantes contra os deuses : o nascimento de Pandora estava<br />

esculpido no pedestal. Um trecho da Antologia grega compara a<br />

Minerva de Fídias, em Atenas, à Vênus feita por Praxíteles em<br />

Cnido: "Vendo a divina imagem de Vênus, filha dos mares, tu<br />

dirás: subscrevo o juízo do frígio Páris. Se vires em seguida a<br />

Minerva de Atenas, exclamarás: quem não lhe adjudicou o<br />

primeiro era um boieiro!"<br />

Fig. 301 — Minerva de Egina (museu de Munique).


A Minerva do escultor Simart, que fígurou no salão de 1855,<br />

fora ordenada pelo duque de Luynes, o qual desejava ter uma<br />

imitação da obra-prima perdida de Fídias, reproduzindo<br />

exatamente a descrição a nós deixada por Pausânias (fig. 302).<br />

Fig. 302 — Minerva de Fídias (reconstituída por Simart).<br />

Essa estátua é certamente a mais curiosa tentativa de<br />

reconstituição jamais tentada na arte dos últimos séculos. Eis a<br />

descrição feita por Théophile Gautier, no relatório da Exposição<br />

de 1855: "M. Simart, valendo-se de todos os recursos que a arte<br />

dos últimos séculos punha à sua disposição, restaurou<br />

felizmente a silhueta geral da estátua de Fídias: consultou os<br />

textos e as medalhas. A sua Minerva não tem, ao que sabe bem,<br />

a estatura da Minerva do Partenão; teve ele que limitar-se à<br />

execução em quarto, o que dá ainda uma proporção de oito pés,<br />

e basta para transmitir uma idéia cio original. A descrição que<br />

acabamos de fazer ia estátua de Fídias nos dispensa


de falar pormenorizadamente de M. Simart, que se conformou<br />

com a mais escrupulosa exatidão aos dados, por infelicidade<br />

pouco precisos, deixados pelos antigos. A cabeça da sua estátua,<br />

de perfil firme e severo, possui a expressão de serenidade fria e<br />

de virgindade desdenhosa que convém à mais casta das<br />

divindades do Olimpo; uma pedra de azulite, encastada na sua<br />

pupila, relembra o epíteto de glauco pis, que Homero nunca<br />

deixa de aplicar a Palas-atena, e dá ao seu olhar uma luz<br />

estranha: dir-se-ia um olho vivo que cintila através de uma<br />

máscara. Apreciamos bastante essa inquietadora esquisitice.<br />

Brincos de ouro e pedras azuis acompanham as faces pálidas da<br />

deusa; os braços, talhados num só pedaço de enormes presas de<br />

marfim fóssil, são de rara beleza; a transparência ebúrnea,<br />

atravessada de veios azulados e de alvores rasados, dá uma<br />

perfeita ilusão de carne. Dir-se-ia ver a vida correr sob a formosa<br />

substância tão polida, de grão tão fino que imita a derme<br />

delicada de uma jovem criatura. Os pés são puros na forma,<br />

como pés que nunca pisaram outra coisa senão o azul do céu ou<br />

a neve brilhante do Olimpo. A túnica de ouro pálido, semelhante<br />

ao eletro tão, celebrado na antiguidade, cai em dobras simples e<br />

graves e forma o mais feliz contraste com os brancos matizes do<br />

marfim. Os baixos-relevos do escudo e das sandálias possuem o<br />

caráter helênico, e a serpente Erecteu estende de modo pitoresco<br />

as suas escamas de ouro verde. .. A Vitória que Minerva segura<br />

na mão, e que faz palpitar as suas vibrantes asas de ouro, é a<br />

mais deliciosa estatueta criselefantina que possamos imaginar, e<br />

M. Simart tem com Fídias a semelhança de haver principalmente<br />

logrado bom êxito nessa figura. O artista, prosseguindo a<br />

restauração, recompôs no pedestal da estátua o nascimento de<br />

Pandora, dotada por todos os deuses como princesa de contos de<br />

fada, do qual se afirma que Fídias ornara o soco do seu colosso.<br />

Esse encantador baixo-relevo parece destacado de um friso do<br />

templo da Vitória áptera; completa a estátua, cuja riqueza<br />

necessitava tão elegante base."<br />

A Palas de Velletri, do Louvre, é uma estátua de tamanho<br />

colossal (fig. 303). É provável que segurasse uma Vitória de<br />

bronze na mão esquerda, enquanto a mão direita se apoiava<br />

sobre uma lança. Traz o capacete


coríntio, e a sua égide, formada de escamas e de peque-ninas<br />

serpentes, está fechada por uma cabeça de Medusa que tem a<br />

boca entreaberta e deixa ver os dentes. Foi descoberta em 1797<br />

numa vila romana, nas cercanias de Velletri.<br />

Fig. 303 — Palas de Velletri (segundo unia estátua antiga, museu<br />

do Louvre).<br />

A bela Minerva de bronze do museu de Turim, concebida<br />

em estilo arcaico, passa por reprodução de uma obra célebre<br />

na antiguidade (fig. 304). É uma das mais belas figuras da<br />

deusa chegada até nós.<br />

Não obstante o seu caráter belicoso, Palas não se<br />

emparelha absolutamente a Marte, que exprime o tumulto e a<br />

fúria do combate, enquanto Minerva caracteriza sobre-tudo a<br />

inteligência guerreira e o que hoje chamaríamos de tática.


Minerva e Encélades<br />

Minerva participou da guerra dos deuses contra os<br />

gigantes e contribuiu poderosamente para a vitória de Júpiter.<br />

Entre os inimigos por ela vencidos, o mais im-<br />

Fig. 304 — Minerva (segundo uma estátua antiga do museu de Turim).<br />

portante é Encélades. A força desse gigante era tal que, sozinho,<br />

poderia ter lutado contra todos os deuses juntos. Num momento<br />

em que Minerva se achava distante dos


companheiros de armas, Encélades, percebendo que ela estava<br />

sozinha. dá um salto e posta-se-lhe na frente. A deusa o vê sem<br />

empalidecer. reúne todas as forças e pegando com ambas as<br />

mãos a Sicília, atira-a sobre o gigante que fica esmagado sob a<br />

enorme massa. A-queda de Encélades termina a guerra dos<br />

gigantes: às vezes tenta ele remexer-se, e é o que produz os<br />

tremores de terra da região. A sua cabeça está situada sob o<br />

monte Etna, por onde vomita chamas, o que leva um poeta<br />

francês a dizei.:<br />

Encelade, malgré son air rébarbatif,<br />

dessous le mont Etna fut enterré tout vif;<br />

là chaque fois qu'il étern:ue,<br />

un volcan embrase les airs,<br />

et quand par hasard il remue,<br />

il met la Sicile à l'envers (1).<br />

O tanque de Encélades em Versalhes mostra o gigante do<br />

qual somente vemos a cabeça e os gigantescos braços no meio<br />

dos fragmentos de rochedos. Mas a luta de Minerva contra esse<br />

gigante, tal qual a descreveu a mitologia tem sido raramente<br />

representada, por não ser do domínio da plástica. Uma medalha<br />

de Górdio, cunhada na Selêucia, representa bem a vitória da<br />

deusa, mas em vez de atirar a Sicília à cabeça do inimigo, ela o<br />

traspassa com a lança (fig. 305).<br />

Minerva e Tirésias<br />

Virgem essencialmente casta, Minerva aparece sempre<br />

vestida, e se os artistas dos últimos séculos a representam<br />

_____________________________<br />

(1) Encélades. apesar do seu aspecto rebarbativo, foi enterrado vivo<br />

sob o monte Etna e ali cada vez que espirra, um vulcão incendia os ares,<br />

e quando por acaso se remexe, põe a Sicília em desordem.


por vezes despida, notadamente no julgamento de Páris, é pela<br />

ignorância em que se encontram quase sempre dos caracteres<br />

distintivos da deusa. Um único homem, o tebano Tirésias,<br />

observou um dia Minerva no banho, e foi imediatamente ferido<br />

de cegueira, ou, segundo outros, metamorfoseado em mulher.<br />

Uma bela estátua de Gatteaux representa a deusa no momento<br />

em que nota que está sendo observada por um homem (fig. 306).<br />

Fig. 305 — Medalha de Górdio, cunhada em Selêucia, mostrando<br />

Minerva vitoriosa contra um gigante.<br />

Pradier fizera um grupo de Minerva repelindo as setas de<br />

Cupido: a idéia era justa mitologicamente. Vênus ofendeu-se<br />

um dia pelo fato de seu filho nada poder contra a deusa<br />

ateniense:<br />

"Vênus. — Por que, pois, Amor, tu que venceste os demais<br />

deuses, Júpiter, Netuno, Apolo, Réa, e eu própria, tua mãe, por<br />

que poupas apenas Minerva? Contra ela o teu archote não tem<br />

fogo, a tua aljava não tem setas, tu não tens arco... Não sabes<br />

mais disparar uma seta?<br />

Amor. — Tenho medo dela, minha mãe. Ela é terrível, os<br />

seus olhos são terríveis, o seu aspecto imponente e viril. Todas<br />

as vezes em que avanço contra ela para


lançar-lhe uma seta, ela me espanta agitando a sua pena; tremo<br />

e as setas me fogem das mãos.<br />

Vênus. — Marte, por acaso, não é mais terrível? E, no<br />

entanto, tu o desarmaste e venceste.<br />

Amor. — Sim, mas ele próprio é que se oferece aos meus<br />

golpes: chama-os. Minerva, pelo contrário, sempre me fita com<br />

desconfiança; um dia, quando por acaso voava para ela,<br />

segurando o archote: "Se te aproximares<br />

Fig. 306 — Minerva vista por Tirésias.<br />

de mim, disse-me, juro por meu pai que te varo com esta lança,<br />

pego-te pelo pé e atiro-te ao Tártaro, onde te dilacerarei com as<br />

minhas próprias mãos para matar-te." São essas as suas<br />

ameaças sem fim, e ao mesmo tempo


lança sobre mim olhares furiosos ; traz, ademais, sobre o peito<br />

uma cabeça horrorosa, cuja cabeleira é feita de víboras e que<br />

sempre me causa o maior terror. Creio estar vendo um fantasma<br />

e fujo mal a percebo." (Luciano) .<br />

Minerva e Mársias<br />

Segundo uma velhíssima lenda, Minerva, tendo encontrado<br />

um osso de cervo, dele se serviu para inventar a flauta. Mas<br />

notando que tal instrumento a obrigava a umas caretas que a<br />

afeavam, e que, quando pretendia tocar, as demais deusas se<br />

riam, atirou para longe a desastrada flauta, e proferiu a<br />

maldição mais terrível contra o que a recolhesse. O frígio<br />

Mársias, que muito provavelmente pouco se importava com a<br />

divindade de Atena, não atribuiu a menor importância a tais<br />

imprecações, recolheu o instrumento e conseguiu tocá-lo com<br />

grande perfeição. Havia na Acrópole de Atenas um grupo<br />

representando Minerva a golpear Mársias, por ter ousado<br />

recolher a flauta por ela atirada para longe e que ela desejava<br />

fosse esquecida para todo o sempre. Num baixo-relevo, que está<br />

em Roma, vemos Minerva tocando a flauta dupla, e Mársias, sob<br />

a forma de um sátiro, a espreita para se apoderar do<br />

instrumento, no momento oportuno. Mais habitualmente, a<br />

deusa observa com atenção o que acaba de inventar. A mesma<br />

razão que a obrigou a renunciar ao uso de tal instrumento,<br />

impedia que os escultores a representassem com uma figura<br />

deformada e careteira.<br />

Uma medalha ática de bronze representa, no verso, Minerva<br />

atirando fora a dupla flauta em presença do sátiro Mársias que<br />

manifesta o seu assombro mediante gestos (fig. 307).


Minerva higéia<br />

Vimos a serpente aparecer entre os atributos de Minerva.<br />

Essa serpente é habitualmente o emblema de Erecteu, que foi<br />

criado pela deusa. Mas Minerva era, por vezes, invocada como<br />

protetora da saúde. Tinha então o nome de Minerva higéia, e a<br />

serpente que ao seu lado surge come uma taça que a deusa<br />

segura com a mão, como se a serpente estivesse perto da<br />

companheira de Esculápio. Minerva higéia está representada<br />

num baixo-relevo que decora um candelabro antigo do museu<br />

Pio-Clementino de Roma (fia. 308).<br />

Fig. 307 — Minerva e Mársias (segundo uma moeda antiga).<br />

Fig. 308 — Minerva higéia (segundo um baixo-relevo antigo).<br />

Museu Pio-Clementino.


Minerva obreira ou ergane<br />

Minerva não é apenas guerreira. Dela é que nos vem a<br />

indústria, e por isso tem sido denominada Minerva obreira.<br />

Laboriosa tanto quanto guerreira, enriquece as cidades que a<br />

honram ao mesmo tempo em que as protege. Ama a agricultura,<br />

e ensinou aos homens o uso da oliveira: é por tal motivo que<br />

essa árvore lhe é consagrada e que vemos figurar uma lâmpada<br />

entre os seus atributos. A arquitetura, a escultura, a mecânica<br />

cabem no domínio da deusa, que preside em geral a todos os<br />

trabalhos do espírito e da imaginação. Está representada, com<br />

tal aspecto, mas conservando o seu costume de guerra, num<br />

interessante baixo-relevo, onde a vemos dirigir, com os seus<br />

conselhos, um jovem escultor que cinzela um capitel, e outros<br />

obreiros que lidam com uma máquina; Júpiter e Diana estão<br />

atrás dela e seguidos de uma sacerdotisa fazendo uma libação, e<br />

de uma grande serpente de cabeça de bode que representa o<br />

gênio do teatro, como indica a inscrição mutilada que se lê<br />

acima. A de baixo diz: "Lucéio Pecularis, empreiteiro do<br />

proscênio, mandou colocar este baixo-relevo votivo segundo um<br />

sonho tido."<br />

As principais atribuições de Minerva ergane estão<br />

resumidas num passo de Artemidoro: "Minerva é favorável aos<br />

artesãos, em virtude do seu apelido de obreira; aos que desejam<br />

contrair núpcias, pois pressagia que a esposa será casta e<br />

apegada ao lar; aos filósofos, pois é a sabedoria nata do cérebro<br />

de Júpiter. É ainda favorável aos lavradores, porque tem uma<br />

idéia comum com a terra; e aos que vão à guerra, porque tem<br />

uma idéia comum com Marte."<br />

Foi Minerva obreira que inventou as velas dos barcos e a ela<br />

se deve a construção do famoso navio Argos (v. fig. 138). Mas é<br />

sobretudo pelos tecidos e trabalhos das mulheres que Minerva<br />

assume importância toda especial, e tem por atributo a roca. É<br />

também especialmente invocada pelas obreiras que preparam os<br />

tecidos, como se pode ver neste trecho da Antologia :


"Ó Minerva, as filhas de Xuto e de Melita, Sátira, Heracléia,<br />

Eufro, todas três de Samos, te consagram uma a sua longa roca,<br />

com o fuso que obedecia aos seus dedos para se incumbir dos<br />

fios mais soltos; outra a sua lançadeira harmoniosa que fabrica<br />

as telas de tecido cerrado ; a terceira o seu cesto com os lindos<br />

novelos de lã, instrumentos de trabalho que, até a velhice, lhes<br />

sustentaram a laboriosa vida. Eis, augusta deusa, as ofertas das<br />

tuas piedosas obreiras."<br />

Minerva e Aracne<br />

Os tecidos constituíam um dos ramos mais importantes da<br />

indústria dos atenienses; mas as fábricas da Ásia, célebres em<br />

todas as épocas, sobrepujavam em delicadeza as cidades gregas,<br />

cujos tecidos menos delicados eram provavelmente mais sólidos.<br />

Foi o que deu origem à lenda que nos pinta a rivalidade entre<br />

Minerva e Aracne.<br />

Aracne não era ilustre pelo nascimento, mas o seu talento e<br />

a sua industriosidade a haviam tornado famosa. Seu pai era<br />

tintureiro de lã na cidade de Colonon, e ela adquirira tal<br />

reputação em todas as cidades da Lídia pela beleza dos seus<br />

trabalhos, que as ninfas do Tmolo e do Pactolo abandonavam as<br />

águas límpidas e os deliciosos bosquetes para lhe admirar os<br />

trabalhos de agulha. Sabia fiar e fazer a lã, e embelezava os seus<br />

tecidos com desenhos encantadores realçados por todas as cores<br />

do arco-íris. Envaidecia-se, porém, de tal modo com o seu<br />

talento, que por toda parte apregoava não ter receio de desafiar a<br />

própria Minerva.<br />

A deusa, ferida por tal intento, assumiu o aspecto de uma<br />

anciã, cobriu de cabelos brancos a cabeça, e, indo procurar<br />

Aracne, censurou-a em termos amigáveis pela inconveniência da<br />

pretensão de uma simples mortal de se


comparar a uma deusa, e sobretudo à deusa da qual procede<br />

toda a indústria humana. Aracne ofendeu-se, acolheu muito mal<br />

a anciã, que assim lhe falava, e, fitando-a de sobrolho carregado,<br />

avançou para ela disposta a golpeá-la, dizendo que, se Minerva<br />

se apresentasse, saberia muito bem confundi-la, mas que a<br />

deusa não ousaria, certamente, empreender uma luta que lhe<br />

seria desvantajosa.<br />

Minerva, diante daquelas palavras, reassume o seu<br />

verdadeiro aspecto e declara que aceita o desafio. Ei-las a<br />

prepararem os trabalhos, a disporem os tecidos e a iniciarem o<br />

mister. Já corre a lançadeira com incrível rapidez, e o desejo que<br />

ambas experimentam de vencer lhes redobra a atividade. Para<br />

tornarem o trabalho mais perfeito, cada uma delas desenha<br />

velhas histórias. Minerva representou no seu a disputa mantida<br />

com Netuno em torno do nome que deveria ser usado pela cidade<br />

de Atenas. Aracne houve por bem fixar histórias que não podiam<br />

deixar de ser desagradáveis às divindades do Olimpo grego.<br />

Viam-se as metamorfoses dos deuses, e as suas intrigas<br />

amorosas figuradas de tal modo que nenhum prestígio lhes<br />

advinha. Mas o trabalho de Aracne foi executado com tal<br />

delicadeza e tão incrível perfeição que Minerva não logrou<br />

descobrir sequer o menor defeito.<br />

Esquecida, então, de que era deusa, para só se lembrar do<br />

despeito provado por se ver igualada em finura por uma simples<br />

mortal, Minerva rasgou o tecido da rival, que imediatamente se<br />

enforcou de desespero. Minerva, tomada de piedade, sustentou-a<br />

no ar, para impedir que se estrangulasse, e disse-lhe: "Viverás,<br />

Aracne, mas ficarás para sempre pendurada desta maneira; será<br />

o castigo teu e de toda a tua posteridade." Ao mesmo tempo,<br />

Aracne sentiu que a cabeça e o corpo lhe diminuíam de volume;<br />

mingudas patas lhes substituíram os braços e as pernas, e o<br />

resto do corpo se transformou num enorme ventre. A partir de<br />

então, as aranhas sempre continuaram a fiar, e a indústria<br />

humana até hoje não conseguiu igualar a finura dos seus<br />

tecidos. (Ovídio).<br />

É fácil notar que esta lenda, na qual Minerva não revela<br />

absolutamente um bom caráter, tem a sua origem nas cidades<br />

gregas da Ásia. Aracne, que é lídia, mostra, aos olhos dos gregos,<br />

uma singular audácia ao se comparar com a ateniense Minerva,<br />

mas os tecidos do Oriente eram


inimitáveis, e procurados ansiosamente em todos os mercados<br />

da Grécia ; não é no terreno do trabalho que Aracne é vencida, é<br />

apenas mediante um resultado do poder divino, de que se acha<br />

dotada a adversária, igual, senão superior a ela em talento.<br />

A festa das Panatenéias<br />

A grande festa das Panatenéias celebrava-se em Atenas, em<br />

honra de Minerva (Atena), deusa tutelar da cidade, a quem ela<br />

devera o nome. A festa compreendia diferentes exercícios, entre<br />

outros corridas a pé e a cavalo, combates gímnicos, e concursos<br />

de música e poesia. As lutas gímnicas se desenrolavam nas<br />

margens do Ilisso. A festa terminava por uma grande procissão<br />

figurada no friso da cela do Partenão.<br />

O objetivo religioso da festa era cobrir a deusa de um véu<br />

novo em substituição ao que fora gasto pelo tempo. Mas o<br />

objetivo político era muito outro; tratava-se de mostrar que<br />

Minerva era ateniense pelo coração, e que ninguém podia<br />

invocar-lhe a proteção, se não fosse amigo de Atenas.<br />

No monumento, vemos a sacerdotisa recebendo duas jovens<br />

virgens que lhe entregam objetos misteriosos. As jovens são<br />

crianças, pois segundo os ritos não podiam ter menos de sete<br />

anos nem mais de onze. "Durante a noite que precede a festa, diz<br />

Pausânias, põem elas sobre a cabeça o que a sacerdotisa lhes<br />

ordena que carreguem. Ignoram o que se lhes dá: aquela que<br />

lhes dá os objetos misteriosos também nada sabe Há na cidade,<br />

perto da Vênus dos jardins, um recanto em que se acha um<br />

caminho subterrâneo cavado pela própria natureza. As jovens<br />

descem por aí, depõem o fardo, e em troca recebem outro,<br />

cuidadosamente coberto. O precioso fardo contém a velha<br />

vestimenta. e o que elas trazem de volta encerra a nova.


Como a cena se desenrola de noite, uma delas empunha um<br />

archote."<br />

Enquanto a sacerdotiza recebe a nova vestimenta da deusa,<br />

o grão-sacerdote, assistido por um jovem rapaz, se ocupa em<br />

dobrar o antigo peplo. O público não assiste à misteriosa cena do<br />

santuário, mas os deuses, espectadores invisíveis, estão<br />

sentados e dispostos em grupos simétricos. Entre eles, deparase-nos<br />

Pandrosa, recoberta do véu simbólico que caracteriza o<br />

sacerdócio; mostra ela ao jovem Erecteu, ajoelhado, a cabeça cia<br />

procissão que avança em direção ao santuário.<br />

Vem antes um grupo de anciãos de andar grave, todos<br />

envoltos nos seus mantos e quase todos a se apoiarem nos seus<br />

bordões. São os guardas das leis e dos ritos sagra-dos, pois<br />

alguns parecem dar instruções às jovens virgens atenienses que<br />

os seguem. Trazem estas com gravidade o candelabro, o cesto, os<br />

vasos, as páteras e os demais objetos destinados ao culto.<br />

Depois das atenienses, surgem as filhas dos forasteiros fixados<br />

em Atenas. Não têm o direito de carregar objetos tão santos, mas<br />

seguram nas mãos os assentos dobradiços que servirão aos<br />

canéforos. Vêm, depois, os arautos e os ordenadores da festa,<br />

que precedem os bois destinados ao sacrifício, seguidos dos<br />

meninos que conduzem um carneiro. Desfilam alguns homens<br />

que seguram bacias e odres cheios de azeite. Finalmente os<br />

músicos que tocam flauta ou lira, e um grupo de anciãos, todos<br />

empunhando um ramo de oliveira.<br />

Começa, então, o desfile dos carros puxados por quatro<br />

cavalos e o longo cortejo dos cavaleiros. Sabia-se que Minerva<br />

ensinara aos homens a arte de domar os cavalos e de os atrelar<br />

ao carro, e a festa era sempre acompanhada de jogos eqüestres.<br />

Todos conheciam, pelos moldes, a famosa cavalgata do Partenão.<br />

Um cortejo de jovens, cuja clâmide flutua ao vento, doma os<br />

cavalos tessalienses que se empinam e lhes resistem.<br />

Os prêmios concedidos aos vencedores nos jogos realizados<br />

em honra de Minerva consistiam ordinariamente em ânforas<br />

cheias de azeite. Era um modo de lembrar que a deusa plantara<br />

a oliveira que constituía a grande riqueza da Ática. O museu do<br />

Louvre possui vários desses vasos, chamados panatenaicos. Têm<br />

eles interessantes


decorações, nas quais vemos Minerva de pé, brandindo a lança e<br />

segurando o escudo. A figura está concebida no estilo tradicional<br />

das antigas figuras de estilo arcaico. Está situada entre duas<br />

colunas que suportam, cada uma, um galo (fig. 309).<br />

O galo era, com efeito, consagrado a Minerva obreira ;<br />

Creuzer nos explica a razão: "O nome de ergane, diz ele,<br />

exprimiu a princípio o próprio trabalho, a tarefa diária, e parece<br />

ter-se aplicado primitivamente, como epíteto de Minerva, à<br />

proteção especial que a deusa dispensava às<br />

Fig. 309 — Vaso panatenaico (museu do Louvre).<br />

ocupações das mulheres. Sob tal ponto de vista, era-lhe<br />

consagrado o galo: quando o canto dessa ave anuncia o retorno<br />

da Aurora, relembra-nos ao mesmo tempo o culto de Minerva<br />

ergane e de Mercúrio agoreu, ou seja, os trabalhos da indústria e<br />

do comércio."


CAPÍTULO V<br />

A GÓRGONA<br />

Danai e a chuva de ouro. — Infância de<br />

Perseu. — Perseu e as Górgonas. —<br />

Pégaso e Crísaor. — O coral. — Atlas<br />

petrificado. — Perseu e Andrômeda. —<br />

As núpcias de Perseu.<br />

Danai e a chuva de ouro<br />

Abas, filho de Linceu e Hipermnestra, a única Danaida que<br />

não matou o marido, teve dois filhos, Acrísio e Proeto, que por<br />

longo tempo disputaram o trono de Argos. Acrísio terminou por<br />

vencer e, expulsando o irmão da cidade, tornou-se senhor único<br />

do poder. Tinha ele uma filha chamada Dánai. Havendo um<br />

oráculo predito que ele seria, um dia, destronado pelo <strong>net</strong>o,<br />

Acrísio mandou encerrar a filha numa torre de bronze, para que<br />

ela não contraísse núpcias. Danai, condenada pelo pai a


passar os dias naquela prisão, da qual jamais deveria sair, foi<br />

vista por Júpiter, que, metamorfoseando-se em chuva de ouro,<br />

conseguiu iludir a vigilância e pe<strong>net</strong>rar ria torre.<br />

O tema inspirou vários quadros famosos. Ticiano, numa<br />

pintura do museu de Nápoles, mostra o próprio Júpiter, ainda<br />

envolto nas nuvens e difundindo ouro a mancheias. Correggio<br />

colocou perto de Dánai um Amor que a ajuda a recolher o<br />

tesouro e Annibal Carraci adotou a mesma maneira de<br />

apresentação.<br />

Infância de Perseu<br />

Da união de Júpiter com Dánai nasceu o herói Perseu.<br />

Quando Acrísio soube que era avô, encolerizou-se<br />

espantosamente e mandou encerrar Dánai e o filhinho num baú<br />

que foi atirado ao mar. Mas um pescador, descobrindo o baú,<br />

lançado pelas ondas às costas da ilha de Serifo, uma das<br />

Ciciadas, abriu-o imediatamente, e, vendo nele pessoas vivas,<br />

levou-as ao rei do país que se chamava Polidecto. Este deu-lhes<br />

hospitalidade, mas ao ' cabo de algum tempo se apaixonou por<br />

Dánai, e visto que Perseu, já crescido, lhe poderia prejudicar os<br />

planos, resolveu desfazer-se dele. A oportunidade tardou, mas<br />

notando que o jovem herói ardia do desejo de se assinalar,<br />

pediu-lhe o rei a cabeça de Medusa, certíssimo de que os mais<br />

valorosos jamais lograriam levar a efeito tão perigosa façanha<br />

Perseu compreendeu os perigos que o ameaçavam, mas, decidido<br />

a enfrentá-los, pediu emprestado a sua irmã Minerva o escudo, a<br />

Plutão o capacete forjado por Vulcano, e a Mercúrio as asas<br />

talares. Quando se viu equipado começou a procurar Medusa.


Perseu e as Górgonas<br />

Eram as Górgonas três filhas de Fórcis, chamadas Euríala,<br />

Medusa e Esteno. Somente Medusa era mortal, mas possuía<br />

admirável beleza. Netuno, apaixonando-se por ela, marcou-lhe<br />

encontro num templo de Minerva; a deusa, indignada com tal<br />

profanação, mudou o rosto de Medusa, cujos cabelos se<br />

tornaram serpentes (fig. 310).<br />

As Górgonas eram assaz temidas. "São, diz Ésquilo, virgens<br />

aladas, monstros detestados pelos mortais, e que ninguém<br />

encara sem morrer." Era, por conseguinte,<br />

Fig. 310 — Cabeça de Medusa (segundo uma moeda antiga).<br />

dificílimo chegar à Medusa, e quando se conseguia, corria-se o<br />

grave risco de ficar petrificado, pois a sua cabeça tinha a<br />

propriedade de transformar em pedra todos os que a<br />

contemplavam.<br />

Era preciso, antes, pe<strong>net</strong>rar num lugar fortificado com<br />

elevadas muralhas, cuja guarda estava confiada às duas filhas<br />

de Fórcis, que se mantinham à porta. Só tinham um olho para<br />

ambas, do qual se valiam alternadamente. Enquanto uma<br />

delas emprestava o olho à outra, Perseu apoderou-se dele com<br />

habilidade, e tornou-se senhor da passagem. Pe<strong>net</strong>rou, então,<br />

por caminhos tortuosos e sombrios até o palácio das<br />

Górgonas, que ele viu repleto de homens e animais<br />

petrificados. Chegado ao pé de Medusa, só fitou a própria<br />

imagem refletida pelo escudo, e preservando-se, dessarte, de<br />

qualquer feitiço, cortou-lhe a cabeça.


Os monumentos nos mostram as precauções tomadas pelo<br />

herói para não olhar uma inimiga cuja simples visão bastaria<br />

para o petrificar. Numa pedra gravada antiga (fig. 311) Medusa,<br />

cujo corpo está protegido por uma<br />

Fig. 311 — Perseu mata Medusa voltando a cabeça para não ficar<br />

petrificado (segundo uma pedra gravada).<br />

égide, acaba de ser abatida por Perseu que, ao golpeá-la, volta a<br />

cabeça para ver apenas a sua própria cabeça refletida no escudo.<br />

Numa moeda de Galatia, a cena está fixada mais ou menos da<br />

mesma maneira, mas Medusa tem o peito nu, e é a própria<br />

Minerva que apresenta o escudo a Perseu, para que possa, sem<br />

perigo, ver onde aplica os golpes (fig. 312).<br />

Fig. 312 — Perseu é auxiliado por Minerva. na sua luta contra Medusa (segundo<br />

uma moeda dos gálatas).


Pégaso e Crisaor<br />

Medusa não tivera filhos, mas agradara a Netuno, que, para<br />

dela acercar-se, assumira o aspecto de cavalo. Quando Perseu<br />

lhe cortou a cabeça, o sangue que jorrou abundantemente<br />

produziu imediatamente um cavalo alado de nome Pégaso, e<br />

outra personagem misteriosa de nome Crisaor, que não possui<br />

lenda pessoal, mas que, tornando-se esposo de Caliroé, foi pai de<br />

Gerião, gigante de três cabeças, e da terrível Equidna, monstro<br />

metade mulher e metade serpente. Foi da união de Equidna com<br />

Tifão que nasceram a Quimera, o dragão de Cólquida, Cérbero, a<br />

hidra de Lerna, etc.<br />

O aparecimento de Pégaso e Crisaor está figurado num vaso<br />

de estilo arcaico: lançam-se ambos do pescoço de Medusa<br />

decapitada. Esta tem asas nas costas e nos pés. Uma de suas<br />

irmãs, igualmente alada, com duas grandes serpentes nas mãos,<br />

e outras nos cabelos, atira-se em perseguição a Perseu, mas sem<br />

empregar na perseguição uma grande rapidez, como se vê<br />

noutras figuras. Perseu tem aspecto assaz tranqüilo, sentindo-se<br />

protegido por Minerva que está atrás e estende o manto para<br />

impedir que as serpentes da Górgona atinjam o herói. Esta<br />

Minerva, contrariamente ao hábito, não tem nem capacete, nem<br />

lança. Quanto a Perseu, segura ele numa das mãos a harpe com<br />

a qual cortou a cabeça de Medusa, e na outra um bastão em<br />

forquilha terminado por cabeças de ser-pentes, o que constitui a<br />

forma mais antiga de caduceu. Além disso, traz suspenso ao<br />

ombro uma espécie de saco de cesto no qual colocou a cabeça de<br />

Medusa que aparece. Essa composição, de um desenho<br />

extremamente grosseiro, pertence ao mais antigo estilo, e está<br />

numa ânfora de Nola.<br />

A decapitação de Medusa está representada de maneira<br />

estranha e ingênua noutro vaso de estilo arcaico. Perseu, que<br />

acaba de cortar a cabeça de Medusa, foge velozmente, para evitar<br />

as duas irmãs da vítima que o


perseguem, mostrando a língua (figs. 313 e 314). Minerva e<br />

Mercúrio assistem à cena que se poderia acreditar haver sido<br />

tirada de um passo de Hesíodo: "O filho de Dánai alongava-se<br />

na corrida, semelhante a homem que precipita a fuga,<br />

tremendo de terror; nas suas pegadas se atiram os monstros<br />

inconquistáveis e funestos de no-mear, as Górgonas,<br />

impacientes poro alcançarem." Perseu é o antepassado de<br />

Hércules : é por isso que na descrição do escudo de Hércules,<br />

Hesíodo lhe atribui grande importância.<br />

Fig. 313 — Perseu perseguido pelas Górgonas (segundo uma<br />

pintura de vaso).<br />

Poucas lendas foram tão populares na antiguidade como<br />

a que diz respeito a Perseu; uma série numerosíssima de<br />

monumentos reproduz a sua vitória contra Medusa e alguns<br />

remontam à alta antiguidade. Uma métopa de Selinonte, que é<br />

uma das mais antigas esculturas chegadas até nós, mostra o<br />

herói cortando a cabeça de Medusa perto da qual vemos surgir<br />

Pégaso. O estilo desta escultura é absolutamente bárbaro.


Um espelho etrusco nos apresenta Perseu com o capacete<br />

de Plutão, vestido da clâmide e segurando a harpe, espécie de<br />

. faca recurva com a qual acaba de matar Medusa. Minerva, ao<br />

seu lado, toca com a ponta da lança a cabeça de Medusa<br />

atirada ao chão; essa cabeça tem o crânio despojado dos<br />

cabelos de serpente que habitual-mente a ornam.<br />

Fig. 314 — As Górgonas perseguindo Perseu (segundo uma<br />

pintura de vaso).<br />

O famoso escultor Myron fizera um Perseu vencedor de<br />

Medusa que se achava na Acrópole de Atenas. A arte da<br />

grande época raramente representou o próprio com-bate: os<br />

artistas preferem mostrar o herói após o seu triunfo. Nas<br />

pedras gravadas, o herói segura com uma das mãos a harpe, e<br />

com a outra ergue a cabeça de Medusa (fig. 315).<br />

Como formas, não tem Perseu tipo que lhe seja próprio,<br />

mas participa da natureza de Mercúrio, com o qual apresenta<br />

também grandes relações como costume, nos monumentos<br />

arcaicos. Quando está representado nu, surge como efebo,<br />

delgado, fino, nervoso, tal qual convém a um herói cuja<br />

agilidade é um dos principais atributos.


Durante a Renascença, Benevenuto Cellini fez um Perseu<br />

vitoríoso, pisando com es pés o corpo de Medusa, cuja cabeça<br />

em sangue apresenta (fig. 316). O grupo pode ser visto em<br />

Florença e pede ser considerado obra-prima do artista, que dele<br />

fala longamente nas suas Memórias. No começo do século XIX,<br />

quando os franceses despojaram os museus da Itália, Canova foi<br />

incumbido<br />

Fig. 315 — Perseu (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

de fazer um Perseu, e foi tal a admiração que excitou, que a<br />

Itália julgou haver adquirido uma obra-prima eqüivalente às<br />

perdidas. Mas a posteridade não ratifícou esse juízo; o Perseu<br />

de Canova, cheio de delicadeza e langor, não corresponde ao<br />

caráter do herói e, sol) tal ponto de vista, é assaz inferior ao de<br />

Cellini.


Fig. 316 — Perseu (grupo de Benevenuto Cellini, em Florença).


O coral<br />

Os poemas órficos nus explicam como se formou o coral<br />

com o sangue de Medusa derramado sobre a relva.<br />

"Perseu, de rápído vôo, não deve ser considerado um<br />

monstro, pois foi ele que, nas extremidades escarpadas da<br />

Atlântida, matou esta virgem feroz, senhora de infernal<br />

aspecto. Destino horrível para todos! Os que ela fitasse com os<br />

seus olhos injectados de sangue, os que contemplassem o<br />

espantoso monstro morriam imediatamente e se<br />

transformavam em pedra por uma vontade fatal ! A robusta<br />

Minerva, por mais corajosa que fosse, não quis encará-la.<br />

Perseu de gládio de ouro não conseguiu olhá-la nem sequer<br />

após exterminá-la. Aliás, foi mediante uma astúcia que lhe<br />

cortou a cabeça: aproximando-se-lhe por trás, cortou-lhe a<br />

garganta com uma arma recurva. Embora estivesse morta,<br />

continuava perigoso o seu aspecto, e muitos seriam os que<br />

desceriam à morada de Plutão por causa da sua morte. O herói<br />

molhado de sangue, aproximando-se da praia, para lavar-se,<br />

depôs sobre a relva verdejante a cabeça da Górgona, ainda<br />

quente e palpitante. Após refrescar-se, saiu daquela estrada<br />

ardilosa e das suas perigosas lutas. As raízes das ervas que se<br />

achavam sob a cabeça estavam umedecidas pelo sangue.<br />

Imediatamente as filhas do mar, acorrendo, apressaram-se em<br />

comprimi-las, e fizeram-no tão bem que se diria estar a erva<br />

transformada em pedra sólida, e fora o que real-mente<br />

sucedera : perdeu a cor verde, é verdade, mas não perdeu a<br />

forma; conservou somente uma cor vermelha que vinha do<br />

sangue. O herói intrépido ficou estupefato quando viu<br />

subitamente aquele grande milagre. A prudente Minerva, filha<br />

de Júpiter, surgiu então, admirou-o também, e para tornar<br />

imortal a glória do irmão, quis que o coral tivesse a faculdade<br />

de guardar para sempre a sua nova natureza."


Atlas petrificado<br />

Perseu, depois da vitória, elevou-se nos ares, com o auxilio<br />

das asas talares de Mercúrio; segurando firme-mente o seu<br />

despojo, atravessou vários países, e as gotas de sangue que<br />

caíam da cabeça de Medusa, formaram na África essa<br />

quantidade assombrosa de serpentes e insetos que infestam a<br />

região. Perseu, depois de percorrer o mundo, desde as regiões<br />

em que o sol se ergue até as em que se deita, parou no reino de<br />

Atlas, que se estendia sobre as últimas regiões do mundo. Mas<br />

Atlas, lembrando-se de que um oráculo predissera que os frutos<br />

dos seus jardins seriam um dia levados por um filho de Júpiter,<br />

acolheu-o muito mal e pretendeu expulsá-lo da sua presença.<br />

Perseu, indignado, mas não podendo pensar em lutar contra<br />

um gigante do tamanho de Atlas, cuja força não havia quem<br />

igualasse, apresentou-lhe a cabeça de Medusa, cujos olhos<br />

tinham a propriedade de transformar em pedra todos os que a<br />

vissem. O enorme Atlas, mal viu o que lhe era apresentado,<br />

transformou-se em montanha: a sua barba e s seus cabelos<br />

passaram a ser as árvores que a cobrem, os ombros formaram<br />

as alturas, e os ossos tornaram-se os rochedos que ali se nos<br />

deparam." (Ovídio).<br />

Perseu e Aadrômeda<br />

Tendo petrificado Atlas, Perseu rumou para a Etiópia, e<br />

notou, presa a um rochedo, uma jovem que ele teria tomado por<br />

estátua, se ao mesmo tempo não lhe tivesse visto flutuar ao<br />

vento os cabelos, e os olhos derramar


lágrimas. Era a infeliz Andrômeda, filha do rei do país: sua mãe<br />

Cassiopéia tivera a ousadia de disputar o prêmio de beleza a<br />

Juno, e a vingativa deusa mandara ao país um monstro que o<br />

devastava. O oráculo de Ammon declarou que, para apaziguar a<br />

deusa, Andrômeda devia ser exposta aos furores do monstro, e a<br />

infeliz jovem foi ligada ao rochedo fatal pelas próprias Nereidas.<br />

Mal Perseu se aproximou dela, as ondas se agitaram<br />

ruidosamente, e o mar vomitou um espantoso monstro cujo<br />

corpo cobria enorme espaço. Andrômeda dá um grito, e seus<br />

pais, desolados, já a supõem perdida; mas Perseu, batendo o pé<br />

no chão, se eleva aos ares, e a sua sombra, refletindo-se na<br />

água, irrita o monstro, que contra ela desencadeia toda a sua<br />

cólera. Perseu, então, cai do meio dos ares sobre as costas do<br />

dragão, e enfia-lhe no ombro direito a temida espada. Jorra daí<br />

um sangue negro, e a fera, sentindo-se ferida, dá tremendos<br />

saltos na superfície do mar, agitando-se como javali perseguido<br />

por matilha de cães. Os rios de sangue que correm molham as<br />

asas do herói, que compreende não poder suster-se por mais<br />

tempo no ar. Apoiando-se, por conseguinte, com a mão esquerda<br />

num rochedo, fura o monstro de lado a lado.<br />

Nos monumentos antigos, Andrômeda, presa ao rochedo,<br />

está quase sempre vestida de uma longa túnica que lhe desce até<br />

os pés, e ela fita habitualmente os olhos no libertador. É assim<br />

que a vemos num baixo-relevo do museu Capitolino, em que<br />

Perseu, provido de asas na cabeça e nos pés, oculta a cabeça de<br />

Medusa sob as vestes para não petrificar Andrômeda a quem<br />

ajuda a descer do rochedo ao qual estava presa. O monstro<br />

marinho que ia devorá-la jaz aos pés do herói (fig. 317).<br />

Os artistas dos últimos séculos compreenderam de maneira<br />

inteiramente diversa o tema. Sempre representam Andrômeda<br />

em completo estado de nudez. Paolo Veronese e Rubens fazem<br />

descer o herói do céu, e ele se precipita do alto para baixo a fim<br />

de combater o monstro, mais ou menos como o arcanjo Miguel<br />

quando abate o demônio. No grupo de Puget, que está no Louvre,<br />

Perseu está atarefado em livrar Andrômeda dos grilhões. Esta,<br />

inteiramente nua, apoia um dos braços já livre sobre o herói (fig.<br />

318).


Para indicar as conseqüências da libertação, o es-cultor<br />

imaginou colocar aos pés de Andrômeda um Cupido encadeado<br />

como ela, e que não pode deixar de sorrir ao libertador. O grupo<br />

fora ordenado para o parque de Versalhes, e quando foi<br />

apresentado a Luís XIV, o rei se entusiasmou. No entanto,<br />

fizeram-se algumas observações ao artista, quanto ao vulto de<br />

Andrômeda, algo pequenina para Perseu. A estátua não vale,<br />

enfim, o Milo de Crotona, do mesmo artista, ao qual, não<br />

obstante, o rei a julgou superioríssima.<br />

As núpcias de Perseu<br />

A sala do festim estava preparada para celebrar a união de<br />

Perseu com Andrômeda, e os convivas do herói ouviam a<br />

narração dos seus feitos, quando subitamente alguns homens<br />

armados se precipitaram para o meio do banquete, onde<br />

imediatamente introduziram a desordem. À testa dos invasores<br />

estava Fineu, que, outrora noivo de Andrômeda, não suportava a<br />

idéia de vê-la casar-se com outro. Avançando em direção a<br />

Perseu, e empunhando a lança, disse-lhe: "Vês aqui um rival que<br />

deseja vingar a afronta que lhe atiraste ao rosto, roubando-lhe a<br />

noiva. Nem as tuas asas, nem esse pretenso Júpiter que dizes<br />

ter-se mudado em chuva de ouro para te dar a luz do dia, não<br />

conseguirão salvar-te do castigo que mereces." Assim falando,<br />

atira a lança contra o herói que se defende, abaixando-se.<br />

Os amigos de Perseu querem ajudá-lo, mas são poucos, e o<br />

príncipe grego vê-se imediatamente cercado por todos os lados.<br />

Andrômeda grita que não quer outro marido senão o homem a<br />

quem deve a vida, as mulheres que a rodeiam dão horríveis<br />

gritos, mas nada detém Fineu e o seu bando. Perseu, cercado<br />

por todos, busca defender-se dos dardos que lhe são atirados,<br />

mas vendo que o


seu valor seria inútil contra tanta gente, diz: "Visto que a isso me<br />

obrigais — e apresenta a cabeça de Medusa — chamarei em meu<br />

auxílio o inimigo que venci. Vós, que lutais por mim, desviai o<br />

olhar." Duzentos guerreiros, que se atiravam contra Perseu<br />

imobilizam-se imediata-mente, e um profundo silêncio se sucede<br />

ao tumulto. Vários dos amigos do herói, esquecidos do que lhes<br />

fora recomendado, olham para o lado dele e ficam petrificados<br />

Fig. 317 — Perseu e Andrômeda (segundo um baixo-relevo antigo).<br />

como os inimigos; o palácio só contém em breve estátuas de<br />

pedra em violentas atitudes de homens que combatem sem<br />

quartel.<br />

Depois de tais feitos Perseu resolveu voltar au seu país, e,<br />

passando para Serifo, matou o rei Polidecto, que lhe ultrajara a<br />

mãe Dánai. O retorno de Perseu a Serifo está representado num<br />

vaso antigo; o herói segura com uma das mãos a harpe e voltase<br />

para não ver a cabeça


Fig. 318 — Perseu e Aixiri meda (grupo de P. Pugot, museu do Louvre).


de Medusa que apresenta a Polidecto; este se acha,<br />

indubitavelmente, prestes a tornar-se pedra. Minerva<br />

está de pé diante de Perseu, e atrás dela vemos Dánai<br />

que assiste à cena, e provavelmente aguarda a libertação<br />

(fig. 319).<br />

Quando Acrísio soube da chegada de Perseu a<br />

Argos, lembrou-se do oráculo e refugiou-se numa cidade<br />

vizinha. Perseu resolvera nâo lhe fazer mal, mas,<br />

realizando-se naquela cidade umas festas, para lá<br />

rumou a fim de participar das lutas que se feririam.<br />

Lançando o disco, atingiu involuntariamente Acrísio, que<br />

morreu no mesmo instante. Assim, aconteceu o que o<br />

oráculo previra.<br />

Fig. 319 — Perseu mestra a Polidecto a cabeça de Medusa (segundo<br />

uma pintura de vaso).


CAPÍTULO VI<br />

O CAVALO PÉGASO<br />

Pégaso cuidado pelas ninfas. — A fonte<br />

Hipocrene. — Belerofonte e a Quimera.<br />

Pégaso cuidado pelas ninfas<br />

Quando o herói Perseu matou a Górgona Medusa, o sangue<br />

que jorrou formou Pégaso, cavalo alado, filho de Netuno. Pégaso<br />

foi ao Olimpo onde Júpiter lhe confiou a missão de conduzir o<br />

carro da Aurora. Os monumentos antigos nos mostram as ninfas<br />

ocupadas em cuidar do cavalo alado, cuja limpeza lhes cabe<br />

(fig. 320).<br />

Pégaso, além disso, estava em relações com as Musas, e foi<br />

ele que fez surgir as fontes de Hipocrene, que lhes eram<br />

consagradas. É uma idéia relativamente moderna mostrar<br />

Pégaso como cavalo alado no qual empreendem a sua viagem os<br />

poetas. Pégaso, é, antes. o cavalo dos heróis, e é mediante o seu<br />

auxílio que Belerofonte pôde combater a odiosa Quimera.<br />

Minerva, que ajudara Perseu na sua luta contra Górgona,<br />

auxiliou também Belerofonte, quando este herói quis domar<br />

Pégaso,


Fig. 320 — Pégaso cuidado pelas ninfas (segundo uma pintura de<br />

Pompéia).<br />

Fig. 321 — O cavalo Pégaso (segundo uma moeda antiga).


A fonte Hipocrene<br />

Píndaro nos diz como foi o cavalo Pégaso domado pelo herói<br />

cor-inflo Belerofonte: "Belerofonte ardia do desejo de domar<br />

Pégaso que devia a luz a uma das Górgonas de cabelos eriçados<br />

de serpentes; mas s seus esforços foram inúteis até o momento<br />

em que a casta Palas lhe deu um freio enriquecido de rédeas de<br />

ouro. Despertando, sobressaltado, (Te um profundo sono, vê-a<br />

aparecer aos seus olhos e ouve-a proferir as seguintes palavras:<br />

"Tu dormes, rei descendente de Éolo! Pega este filtro, que é o<br />

único capaz de tornar dóceis os cavalos; depois de oferecê-lo a<br />

Netuno, teu avô, imola um soberbo touro a esse deus que é hábil<br />

em domar corcéis." A deusa de negra égide nada mais lhe diz no<br />

meio do silêncio da noite. Belerofonte levanta-se imediatamente,<br />

e, pegando o freio maravilhoso, leva-o ao filho de Cerauno, o<br />

adivinho daquelas regiões. Conta-lhe a visão que teve, como,<br />

obediente aos seus oráculos, adormeceu durante a noite no altar<br />

da deusa, e como a deusa lhe deu pessoalmente o freio de ouro<br />

com o qual irá domar Pégaso. O adivinho ordena-lhe que<br />

sacrifique sem demora após o sonho, que erga um altar a<br />

Minerva eqüestre, e que imole um touro a Netuno. Assim é que o<br />

poder dos deuses torna fácil o que os mortais jurariam ser<br />

impossível e desesperariam até de executar. Estremecendo de<br />

júbilo, o intrépido Belerofonte pega o cavalo alado, e tal qual<br />

beberagem calmante, o freio com o qual lhe aperta a boca<br />

modera-lhe o impetuoso fogo: então, atirando-se-lhe ao lombo,<br />

Belerofonte, devidamente armado, não tarda em transportar-se<br />

com ele pelos ares."<br />

Uma antiga moeda nos mostra Belerofonte pegando o cavalo<br />

alado e domando-o (fig. 322). Quando o herói fugiu no lombo de<br />

Pégaso, este, com uma patada fez jorrar a fonte Hipocrene,<br />

consagrada às Musas. Entre-tanto, segundo outra versão, essa<br />

fonte já existia, e foi


enquanto Pégaso ali matava a sede que Belerofonte conseguiu<br />

domá-lo. Assim é que está representada a cena num baixo-relevo<br />

antigo, proveniente do palácio Spada de Roma (fig. 323).<br />

Belerofonte e a Quimera<br />

Belerofonte não podia vencer a Quimera sem o auxílio de<br />

Pégaso, e estava condenado a combate-la. Esse herói matara um<br />

dos mais ilustres cidadãos de Corinto, sua pátria ; para pagar o<br />

crime, foi obrigado a exilar-se. e recebeu hospitalidade com<br />

Proeto, em Argos. A mulher de Proeto, cujo amor ele recusara,<br />

caluniou-o, por vingança. com o marido e exigiu que fosse morto.<br />

Proeto,<br />

Fig. 322 — Pégaso domado por Belerofonte (segundo uma moeda<br />

antiga).<br />

não querendo ferir pessoalmente o hóspede, enviou-o ao<br />

cunhado, Iobates, rei da Lícia, com uma ordem que mandava o<br />

matassem.<br />

Iobates, a princípio, fez muito boa acolhida a Belerofonte,<br />

mas, ao abrir a mensagem, viu-se embaraçado, e ordenou que o<br />

herói fosse combater a Quimera certo de


que o combate lhe seria fatal. Uma pintura de vaso nos mostra<br />

Belerofonte despedindo-se de Iobates, rei da Lícia, e partindo em<br />

companhia de Pégaso para ir lutar contra a Quimera (fig. 324).<br />

Fig. 323 — Pegasus bebendo (segundo um baixo-relevo antigo).<br />

Fig. 324 — Belerofonte despede-se do seu anfitrião.<br />

A Quimera era um terrível monstro, filha de Tifão e Equidna<br />

Tinha cabeça de leão, cauda de dragão e corpo de cabra, e,<br />

segundo outros, as cabeças desses três


animais. Vomitava chamas pela garganta e devastava o país,<br />

sem que ninguém ousasse atacá-la. Com efeito, para vencê-la,<br />

era preciso possuir Pégaso. Montado no cavalo alado,<br />

Belerofonte lutou contra a Quimera e matou-a do alto, com os<br />

seus dardos.<br />

Em seguida, partiu para a guerra contra as amazonas, e<br />

cobriu-se de glória. Mas, refletindo que tudo lhe era permitido<br />

por haver sabido domar Pégaso, pretendeu subir aos céus para<br />

verificar o que faziam os olímpicos. Júpiter, não podendo<br />

absolutamente tolerar semelhante audácia, mandou um<br />

moscardo picar o cavalo Pégaso, e este, com o sobressalto, fez<br />

com que o herói tombasse para morrer (fig. 325).<br />

Fig. 325 — Combate contra a Quimera.<br />

As aventuras de Belerofonte foram freqüentemente<br />

representadas na antiguidade, e figuravam num tapete do<br />

templo de Delfos. Vemo-las também em vasos: o herói, montado<br />

em Pégaso, usa o barrete de viajante em combate a Quimera,<br />

cujas duas cabeças já estão crivadas de setas.


O rei do país, perto dele, empunhando um longo cetro, admiralhe<br />

a coragem, e Minerva, visível apenas para o herói, lhe dirige o<br />

feito. Vemo-lo igualmente precipitado ao chão, enquanto Pégaso<br />

foge voando (fig. 326). As medalhas de Corinto mostram<br />

Belerofonte matando a<br />

Fig. 326 — Queda de Belerofonte (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

Quimera, e algumas pedras gravadas apresentam igual-mente o<br />

herói colocando um freio no cavalo Pégaso ou percorrendo os<br />

ares numa montaria alada. Rubens pintou o combate de<br />

Belerofonte contra a Quimera, para uma decoração do arco de<br />

triunfo erigido para a chegada do arquiduque Fernando a<br />

Antuérpia.


LIVRO V<br />

MARTE E VÊNUS


CAPÍTULO I<br />

MARTE<br />

Tipo e atributos de Marte. — Marte na<br />

guerra dos Gigantes. — Vênus e Marte.<br />

— Marte ferido por Diomedes. —<br />

Filomela e Progne. — Os sacerdotes<br />

sálios.<br />

Tipo e atributos de Marte<br />

Marte (Ares), deus sangüinário e detestado pelos imortais,<br />

nunca teve grande importância entre as populações helênicas.<br />

Em numerosas localidades, parece até haver sido inteiramente<br />

desconhecido, e se o seu culto conservou na Lacônia<br />

importância maior que alhures, deve-se à rudeza dos<br />

habitantes de tal país. Foi somente entre os romanos que<br />

Marte adquiriu importância verdadeira e permanente; o tipo de<br />

Palas conformava-se muito mais ao gênio grego. Com efeito,<br />

Palas é a inteligência guerreira, ao passo que Marte nada mais<br />

é do que a personificação da carnificina. Ávido de matar, pouco<br />

lhe


importa saber de que lado está a justiça e cuida apenas de<br />

tornar mais furiosa a luta.<br />

O deus da guerra e da violência aparece-nos sempre em<br />

atitude de repouso, e as estátuas antigas jamais o representam<br />

lutando. Tem, por vezes, numa das mãos a Vitória, como<br />

Júpiter ou Minerva. Vemo-lo com tal aspecto numa famosa<br />

estátua da Villa Albani. Uma linda pedra gravada mostra Marte<br />

segurando com uma das mãos a Vitória e com a outra a oliveira,<br />

símbolo da paz proporcionada pela vitória (fig. 327).<br />

Fig. 327 — Marte (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

A maioria das vezes usa um capacete e empunha uma lança<br />

ou gládio Aparece, assim, em várias medalhas (fig. 328), mas as<br />

estátuas que o representam isolada-mente não são<br />

demasiadamente comuns entre os gregos. Entretanto, a bela<br />

estátua do Louvre, conhecida pelo nome de Aquiles Borghese<br />

passa hoje por ser um Marte. Explica-se o elo que usa num dos<br />

pés pelo hábito de certos povos, e notadamente os lacedemônios,<br />

de agrilhoarem o deus da guerra.<br />

Parece ter sido o escultor Alcameno de Atenas quem fixou o<br />

tipo de Marte, tal qual surge habitualmente nos


monumentos artísticos. Os atributos habituais do deus são o<br />

lobo, o escudo e a lança com alguns troféus. Uma medalha<br />

cunhada na época de Septímio Severo nos mostra Marte com<br />

uma lança, um escudo e uma escada para o ataque. Sob tal<br />

aspecto, Marte recebe o epíteto de Teichosipletes (que sacode as<br />

muralhas) (fig. 329). Em geral, porém, não tem real importância<br />

na arte a não ser pela sua ligação com Vênus.<br />

Fig. 328 — Atributos de Marte.<br />

Num célebre quadro da galeria de Florença, Rubens<br />

representou Marte, que Vênus e Cupido se esforçam inutilmente<br />

por reter, e que, de gládio empunhado, segue a Discórdia<br />

precedida do Temor e do Espanto. As Artes chorosas, a Música,<br />

a Arquitetura e a Pintura, são pisadas pelo feroz deus: o<br />

comércio está destruído e os campos prestes a ser incendiados.<br />

Noutro quadro do mesmo pintor, vemos, ao contrário, Marte<br />

repelido por Minerva, enquanto a Terra oferece o seio fecundo do<br />

qual o leite jorra ao lado de um grupo de crianças que acorrem a<br />

ver uma cornucópia que lhes oferece Pã, o deus da agricultura.


Marte na guerra dos Gigantes<br />

Claudiano descreveu o papel de Marte na guerra dos<br />

Gigantes. "O deus impele os seus furiosos corcéis contra a<br />

horda formidável e, imprimindo ao gládio um movi-mento<br />

irresistível, o monstruoso Peloro é atingido no ponto em que,<br />

por um estranho acoplamento, duas ser-pentes se lhe unem ao<br />

corpo que elas sustentam. Marte vendo-o tombar, faz passar as<br />

rodas do carro sobre o inimigo vencido, e o sangue que jorra<br />

desse corpo enorme avermelha as montanhas vizinhas.<br />

Fig. 329 — Marte fazendo estremecer as paredes (medalha antiga).<br />

"Entretanto, Peloro tinha um irmão, o gigante Mi-mas, que,<br />

ocupado em lutar noutra região, viu Peloro cair. Mimas pensa<br />

exclusivamente na vingança e, curvando-se para o mar, quer<br />

dele arrancar a ilha de Lemnos para atirá-la contra o deus.<br />

Marte evita o choque e com um golpe de lança fura a cabeça de<br />

Mimas, cujo cérebro se esparrama à direita e à esquerda<br />

(fig. 330).<br />

Marte foi menos feliz com outros Gigantes. Fôra<br />

aprisionado por Oto e Efialtes que o haviam mantido agrilhoado<br />

durante treze meses. O escultor Flaxman nos mostra o deus da<br />

guerra em posição humilhante (fig. 331). Oto e Efialtes tinham<br />

tentado escalar o céu colocando o monte Ossa sobre o Olimpo e<br />

o Pélion sobre o


Ossa. Diana, para evitar-lhes a perseguição, viu-se obrigada a<br />

transformar-se em corça, e estando a fugir precipitadamente, os<br />

dois irmãos Gigantes, que vinham um em cada direção, atiraram<br />

contra ela, ao mesmo tempo, os seus dardos, e dessa maneira<br />

mataram um ao outro. (Apolodoro) .<br />

Fig 330 — Marte matando Mimas (segundo uma pedra gravada<br />

antiga).<br />

Vênus e Marte<br />

A aliança entre a guerra e o amor, entre a força e a beleza,<br />

é uma idéia inteiramente conforme ao espírito grego. Apesar de<br />

brutalíssimo, não pôde Marte resistir a Vênus que o subjuga e<br />

domina com um sinal: da união de Marte e Vênus nasceu<br />

Harmonia. Vários monumentos antigos, notadamente o famoso<br />

grupo do museu de


Florença e o do museu Capitolino, reproduzem essa ligação<br />

que também se vê em pedras gravadas (fig 332).<br />

Os romanos gostavam de fazer-se representar com suas<br />

mulheres, e usando os atributos de Marte e Vênus; era uma<br />

alusão à coragem do homem e à beleza da mulher. Aliás, os<br />

romanos consideravam Marte e Vênus autores<br />

Fig. 331 — Marte agrilhoado é vigiado por Oto e Efialtes (segundo<br />

Flaxman).<br />

da sua raça, e durante a época imperial, dava-se freqüentemente<br />

aos deuses a feição dos imperadores. Assim é que<br />

temos no Louvre um grupo, cuja personagem masculina<br />

parece ser Adriano ou Marco Aurélio, e que representa Marte<br />

ao lado de Vênus. Mas a imperatriz está vestida. Vários<br />

arqueólogos pensam que a Vênus de Milo estava ao lado da<br />

estátua de Marte. A arte dos últimos


séculos ligou igualmente as duas divindades e, num encantador<br />

quadro do Louvre, le Poussin nos mostra o deus da guerra,<br />

esquecido dos seus atributos e do seu papel, sorrindo para a<br />

deusa, enquanto os cupidos brincam tranqüilamente com as<br />

armas, no meio de risonha paisagem.<br />

Fig. 332 — Marte e Vênus (segundo um grupo antigo).<br />

Marte ferido por Diomedes<br />

Marte, na guerra de Tróia acirrado inimigo dos gregos, foi<br />

ferido por Diomedes e deu um grito semelhante ao clamor de dez<br />

mil combatentes numa furiosa batalha. Subiu ao Olimpo para<br />

dar vazão às suas queixas contra o herói grego e sobretudo<br />

contra Minerva que dirigira o


golpe. "Tens por tua filha, diz a Júpiter, uma indigna fraqueza,<br />

porque tu sozinho foste quem gerou tão funesta divindade. Ei-la<br />

agora que excita contra os deuses o insensato furor de<br />

Diomedes. Ousado! Em primeiro lugar feriu Vênus na mão,<br />

depois atirou-se a mim, e se os meus pés velozes não me<br />

houvessem subtraído à sua cólera, lá teria ficado eu estendido<br />

sem força aos golpes do ferro."<br />

Júpiter acolhe mal as queixas de Marte: "Divindade<br />

inconstante, exclama, cessa de importunar-me com os teus<br />

lamentos! De todos os habitantes do Olimpo, tu és o que eu<br />

mais odeio, pois só amas a discórdia, a guerra. a carnificina.<br />

Tens, sem dúvida, o intratável caráter de tua mãe Juno, que as<br />

minhas ordens soberanas mal conseguem domar. Os males que<br />

suportas hoje são o fruto dos seus conselhos. Mas não quero<br />

que sofras por mais tempo, visto que sou teu pai." O rei dos<br />

deuses manda, então, que se cure o filho e um bálsamo salutar<br />

lhe acalma as dores, porque os deuses não podem morrer<br />

Um interessante quadro da mocidade de Davi, que obteve o<br />

segundo prêmio em 1771, mostra Diomedes no momento em<br />

que acaba de lançar contra Marte o dardo<br />

Fig. 333 — Vênus, marte e Cupido (segundo uma pedra gravada,<br />

antiga).


dirigido por Minerva. Marte, ferido, está caído. O quadrinho é<br />

valioso, porque nos dá a conhecer Davi numa época em que o<br />

jovem artista não pensava absolutamente na reforma que.<br />

posteriormente, introduziu na pintura, e em que todo o seu<br />

talento estava impregnado do estilo dominante então na escola<br />

francesa.<br />

Filomela e Progne<br />

O caráter feroz das lendas concernentes a Marte mais ainda<br />

se exagera, quando elas se aplicam a seus filhos. Tivera ele de<br />

uma ninfa um filho chamado Tereu, rei da Trácia, que desposou<br />

Progne, filha do rei de Atenas Pandião. Tinha este outra filha<br />

chamada Filomela. Progne exprimiu ao marido o desejo de rever<br />

a irmã da qual se achava separada havia cinco anos. Tereu foi,<br />

então, a Atenas procurar Filomela, mas no caminho abusou<br />

dela, e, após lhe arrancar a língua para obrigá-la ao silêncio,<br />

encerrou-a numa torre. Disse, em seguida, a Progne que sua<br />

irmã morrera ; mas Filomela, do fundo da masmorra, descobriu<br />

um modo de mandar à irmã, num pedaço de tela, a narração das<br />

suas aventuras.<br />

Progne, com o auxílio das festas de Baco, conseguiu libertar<br />

Filomela, e ocultou-a num canto do palácio. Juntas, meditam<br />

clamorosa vingança. Tereu tinha um filho muito moço, chamado<br />

Ítis ; chamam-no, matam-no, e cozem-lhe os membros que, de<br />

noite, Progne oferece ao marido. Tereu pergunta porque o filho<br />

não está à mesa, mas só quando termina o repasto é que<br />

Filomela, saindo subitamente do esconderijo, lhe anuncia que<br />

comeu a carne do próprio filho e, ao mesmo tempo, para que ele<br />

não duvide do que lhe afirma, lhe atira ao rosto a cabeça do<br />

infeliz rapaz. Tereu, não se contendo, quer levantar-se para<br />

estrangular as duas irmãs, mas os deuses, desejosos de pôr<br />

cobro a tão horrível família, metamorfoseiam Progne em<br />

andorinha, Filomela em rouxinol, Ítis em


pintassilgo e Tereu em pomba. A bárbara história ministrou a<br />

Rubens tema para um quadro que está na Espanha ; vemos<br />

Progne e Filomena mostrando a Tereu a cabeça do filho, cuja<br />

carne ele acaba de comer.<br />

Os sacerdotes sálios<br />

O culto de Marte tinha grande importância em Roma. Era<br />

exercido pelos sacerdotes sálios, instituídos por Numa para<br />

guardarem os ancilos. Os ancilos tinham sido feitos em Roma<br />

sobre o modelo de um escudo caído do céu, durante uma peste<br />

que dizimava a cidade, e eram considerados o palácio romano.<br />

Durante certas festas os sacerdotes sálios percorriam a cidade<br />

levando a passeio os ancilos cuja forma nos foi conservada num<br />

denário de prata cunhado sob Augusto. O barrete que está no<br />

meio é o ápex do flâmine.<br />

Fig. 334 — Os sacerdotes sálicos trazendo os escudos sagrados.<br />

Fig. 335 — Os escudos sagrados e o ápex do flâmine.


CAPÍTULO <strong>II</strong><br />

AS SEQUAZES DE MARTE<br />

Belona. — A Discórdia. — Etéoclo e<br />

Polinice. — Anfiaraus. — Arquémoro. —<br />

Combate dos dois irmãos. — Funerais<br />

de Etéoclo e de Polinice.<br />

Belona<br />

A companheira habitual de Marte é Belona (Enio),<br />

personificação da chacina. Tinha ela por missão especial<br />

conduzir o carro do deus da guerra e excitar-lhe os cavalos com<br />

a ponta de uma lança. As figuras antigas de Belona são<br />

extremamente raras. Plínio narra que Apeles pintara um quadro<br />

representando Belona, de mãos atadas atrás das costas e presa<br />

ao carro triunfante de Alexandre: o quadro fora levado para<br />

Roma como troféu.


A Discórdia<br />

Nos poetas, Belona é escoltada pelo Espanto, pela Fuga e<br />

pela Discórdia, divindades às quais a arte não destinou tipo<br />

particular. Contudo, tem a Discórdia grande importância na<br />

mitologia, pois foi ela que causou a ruína de Tróia, atirando a<br />

maçã de ouro entre as deusas. Homero faz da Discórdia o retrato<br />

seguinte: "Deusa que, fraca no nascimento, cresce e em breve<br />

oculta a cabeça no céu, enquanto os pés lhe permanecem na<br />

Terra; é ela que, atravessando a multidão dos guerreiros,<br />

derrama em todos os corações o ódio fatal, precursor da<br />

carnificina. Faz retumbar a voz, dá gritos alucinantes, terríveis, e<br />

lança no coração de todos os guerreiros impressionante coragem.<br />

Apraz-se em ouvir os gemidos do soldado que morre e, quando<br />

todos os deuses se retiram do combate, é a única que permanece<br />

no campo de batalha para dar, como pasto aos olhos, o<br />

espetáculo dos mortos e dos moribundos."<br />

Etéoclo e Polinice<br />

A Discórdia preside às disputas que dividem os povos e as<br />

famílias. A Fábula de Etéoclo e Polinice nos mostra a sua ação.<br />

Os dois filhos de Édipo haviam expulsado o pai, que s cobriu de<br />

maldições e lhes predisse que se matariam um ao outro. Os dois<br />

irmãos, temendo que a maldição paterna fosse ratificada pelos<br />

deuses, se continuassem a viver juntos, decidiram, de comum<br />

acordo, que Polinice seria o primeiro em se exilar<br />

voluntariamente da pátria, que deixaria o cetro a Etéoclo, e<br />

voltaria depois,


para que cada um pudesse reinar, alternadamente, um ano. Mas<br />

Etéoclo, uma vez no trono, recusou-se a descer e proibiu ao<br />

irmão o regresso à pátria. Polinice, então, tratou de procurar<br />

aliados para a defesa dos seus direitos.<br />

Anfiarans<br />

Adrasto, rei de Argos, acolheu Polinice, e prometeu-lhe<br />

repo-lo no trono de Tebas. Buscou, por conseguinte, aliados para<br />

empreender a luta, mas um poderoso chefe, Anfiaraus, tratou de<br />

dissuadir ambos, por ser adivinho e por lhe haver a ciência<br />

mostrado que a guerra seria fatal aos que a começassem, e que<br />

todos morreriam, com exceção apenas de Adrasto. Anfiaraus<br />

tinha uma mulher chamada Erifila, e por um velho juramento<br />

que fizera a Adrasto, comprometera-se, no caso de divergências<br />

entre eles, a submeter-se inteiramente à decisão de Erifila.<br />

Quando Polinice soube disso, empregou um ardil para forçar<br />

Anfiaraus a combater. Tinha em suas mãos o famoso colar que<br />

Vênus dera, noutros tempos, à Harmonia, no dia das suas<br />

núpcias com Cadmo. Deu-o de presente a Erifila, que, assim, se<br />

deixou corromper, e Anfiaraus, apesar da certeza que tinha do<br />

mau êxito do negócio, foi obrigado a combater com Adrasto e<br />

Polinice.<br />

Um poderoso exército se reuniu em breve para marchar<br />

contra Tebas. Comandavam-no sete chefes : Adrasto, Polinice,<br />

Capaneu, Partenopeu, Anfiaraus, Hipomedonte e Tideu. Juraram<br />

todos que se auxiliariam mutuamente e partiram com os<br />

soldados que iriam combater sob as suas ordens (fig. 336).


Arquémoro<br />

Durante o caminho, faltou-lhes água, e o exército começou<br />

a sofrer devoradora sede. Encontraram, então, uma criatura que<br />

tinha um filhinho, e perguntaram-lhe se não havia no pais uma<br />

fonte. Chamava-se o menino Ofeltes e era filho do rei de Neméia.<br />

A mulher era Hipsipila, outrora rainha de Lemnos, mas que,<br />

tendo sido vendida posteriormente como escrava, estava ao<br />

serviço do rei de Neméia, que lhe confiara a tutela do filho.<br />

Hipsipila pousou a criança sobre umas folhas de aipo e<br />

Fig. 336 — Juramento dos sete chefes (segundo Flaxman).<br />

conduziu os sete chefes a uma fonte das proximidades. Durante<br />

a curta ausência, porém, uma serpente envolveu nas espiras a<br />

criança abandonada e sufocou-a. Ao regres-sarem, os chefes<br />

apressaram-se em matar a serpente e tomaram aos seus<br />

cuidados Hipsipila, para livrá-la da ira do rei de Neméia. Deram<br />

à criança o nome de Arquémoro,


ealizaram-lhe um magnífico funeral e instituíram em sua honra<br />

os jogos de Neméia, nos quais os vencedores se cobriam de luto e<br />

se coroavam de aipo. Vemos numa pintura antiga Adrasto<br />

golpeando a serpente (fig. 337).<br />

Combate dos dois irmãos<br />

Anfiaraus viu naquilo péssimo presságio. Mas era preciso<br />

partir, e assim chegaram todos a Tebas. Uma terrível batalha se<br />

feriu sob os muros da cidade, que Etéoclo não pretendia<br />

entregar. Como o sangue escorresse por toda parte, Etéoclo<br />

subiu a uma torre, mandou que se fizesse silêncio, e disse aos<br />

exércitos : "Generais da Grécia, chefes dos argivos que a guerra<br />

atrai para estes páramos, e vós, povo de Cadmo, não arrisqueis<br />

mais a vida nem por Polinice, nem por mim. Quero eu, sozinho,<br />

enfrentar o perigo, e desejo lutar contra meu irmão, de homem<br />

para homem. Se o matar, governarei sozinho; se for vencido,<br />

entregar-lhe-ei a cidade. Vós, portanto, abandonai o combate,<br />

voltai para Argos, não venhais mais aqui perder a vida; o povo<br />

tebano não deseja outras mortes." (Eurípides).<br />

Feriu-se, então, entre os dois irmãos um combate singular<br />

no qual foram mortos ambos. Os deuses haviam ouvido as<br />

derradeiras imprecações de Édipo. Esse com-bate figura num<br />

grandíssimo número de baixos-relevos antigos (fig. 338).<br />

O exército sitiante foi vencido, e todos os chefes pereceram<br />

com exceção de Adrasto, que deveu a vida à rapidez do seu<br />

cavalo. Assim, realizou-se a profecia de Anfiaraus.


Funerais de Etéoclo e de Polinice<br />

O senado de Tebas, que tomara partido pelos sitia-dos,<br />

decidiu que Etéoclo seria sepultado com honra, mas que, seu<br />

irmão Polinice seria, em virtude da traição, deixado sem<br />

sepultura, para que o devorassem os cães e os<br />

Fig. 337 — Arquémoro esmagado por uma serpente (segundo uma<br />

pintura antiga)<br />

abutres. Antígone quis enterrar o irmão, apesar das ordens<br />

dadas, e, decidida a desobedecer, disse aos chefes do povo: "Pois<br />

bem! Eis o que respondo eu aos chefes


dos de Cadmos. Se não há quem queira, comigo, enterrá-lo, hei<br />

de conseguir sozinha, e assumirei toda a responsabilidade. Não<br />

vejo vergonha nenhuma em sepultar meu irmão, nem que para<br />

isso devesse, rebelada, ir de encontro aos desejos da cidade. É<br />

coisa grave termos caído das mesmas entranhas, termos tido a<br />

mesma mãe, uma infeliz, o mesmo pai, outro infeliz. Sim,<br />

delibera-(lamente, hei de continuar irmã deste morto. Ah, não se<br />

fartarão da sua carne os lobos de ventre faminto. Hei de sozinha,<br />

apesar de mulher, incumbir-me de remover a terra e preparar<br />

uma cova. Trarei o pó nas dobras desta tela, e eu própria<br />

recobrirei com ele o cadáver. Ninguém objetará! Terei essa<br />

coragem, e, o que é mais, terei ao meu lado todos os recursos de<br />

uma alma que quer conseguir (fig. 339)." (Ésquilo).<br />

Fig. 338 — Polinice e Etéoclo (segundo um baixo-relevo antigo. museu<br />

do Louvre).<br />

Pausânias, na narração das suas viagens, diz que viu o<br />

túmulo dos filhos de Édipo. "Não assisti aos sacrifícios que ali se<br />

realizam, mas pessoas dignas de fé me


asseguraram que nas ocasiões em que se assam as vítimas<br />

imoladas aos dois irmãos irreconciliáveis, a chama e a fumaça se<br />

dividem visivelmente por eles."<br />

Fig. 339 — Funerais de Etéoclo e Polinice (segundo Flaxman).<br />

Creonte, rei de Tebas, sabendo que, não obstante a<br />

proibição, Antígone sepultara o irmão, pergunta-lhe se conhecia<br />

o decreto. A jovem não nega : "Não pensei, responde, que as leis<br />

dos mortais tivessem bastante força para superar as leis não<br />

escritas, obra imutável dos deuses. Para mim, o traspasse não<br />

tem nada de doloroso; mas se tivesse deixado sem sepultura o<br />

filho de minha mãe, teria sido infeliz; quanto à morte que me<br />

aguarda, em nada me assusta." Creonte, conformando-se à lei,<br />

ordenou a morte de Antígone e as suas ordens foram executadas;<br />

ao mesmo tempo, porém, soube da morte de seu filho único<br />

Hemon, que amava Antígone, e que se ferira mortalmente. Sua<br />

mulher morreu também ao saber da morte do filho, e Creonte<br />

ficou sozinho com toda a amargura. Assim terminou a família de<br />

Laio.


CAPÍTULO <strong>II</strong>I<br />

VÊNUS<br />

Nascimento de Vênus. — Tipo e<br />

atributos de Vênus. — Vênus celeste e<br />

Vênus vulgar. — Pigmalião e a sua<br />

estátua. — Vênus de Cnido. — Vênus<br />

genitrix. — Vênus vitoriosa.<br />

Nascimento de Vênus<br />

Da espuma do mar, fecundada pelo sangue de Urano (o<br />

Céu) nasceu uma jovem levada em primeiro lugar para a ilha de<br />

Cítera e em seguida a Chipre. Deusa encantadora, não tardou<br />

em percorrer a costa, e as flores nasciam sob os seus pés<br />

delicados. Chama-se Afrodite (Vênus), ou Citeréia, do nome da<br />

ilha a que aportou, ou ainda Cipris, do nome da ilha em que é<br />

honrada. Pelo menos, é essa a tradição mais difundida, pois<br />

algumas lendas diferentes vieram confundir-se em Vênus que, às<br />

vezes, surge como filha de Júpiter e de Dionéia. É


também a que devemos adotar, pois os artistas que<br />

representaram o nascimento de Vênus mostram sempre a deusa<br />

no momento em que sai das vagas.<br />

Nas pinturas antigas, Vênus é freqüentemente representada<br />

deitada sobre uma simples concha; nas moedas, vemo-la num<br />

carro puxado pelos Tritões e pelas Tritônidas. Finalmente,<br />

numerosos baixos-relevos no-la apresentam seguida de<br />

hipocampos ou centauros marinhos. No século dezoito, os<br />

pintores franceses, e notadamente Boucher, viram no<br />

nascimento de Vênus um tema infinitamente gracioso e útil à<br />

decoração (fig. 340). Uma multidão de<br />

Fig. 340 — Nascimento de Vênus (segundo um quadro d? Boucher).


pequenos cupidos paira noa ares ou escolta a deusa. Aliás, os<br />

pintores franceses seguiram, nesse ponto, as tradições bebidas<br />

na Itália.<br />

Conformando-se à narração dos poetas, Albane colocou a<br />

deusa num carro puxado por cavalos marinhos. Assim é que<br />

ela vai ter a Cítera, onde a aguarda Peitho (a Persuasão), que,<br />

na margem, estende os braços à jovem viajante. Cupido está<br />

sentado perto do mar; as Nereidas e os Amores montados em<br />

delfins formam o cortejo da deusa. Alegres Amores festejam a<br />

chegada de Vênus, e outros esvoaçam no ar semeando flores<br />

na passagem (fig. 341).<br />

Fig: 341 — Vênus arribando a Cítera (segundo um quadro de Albane) Num<br />

quadro dotado de grande frescor e brilho, que<br />

faz parte do museu de Viena, Rúbens pintou a festa de Vênus<br />

em Cítera. Ninfas, sátiros e faunos dançam em torno da sua<br />

estátua, enquanto os Amores entrelaçam guirlandas de flores e<br />

enchem os ares de alegres cadências. Ao fundo, mostrou o<br />

pintor o templo da deusa.


O atavio de Vênus é um tema que a arte e a poesia fixaram<br />

bem. Enquanto as Horas estavam incumbidas da educação da<br />

deusa, as Graças presidiam as cuidados do seu atavio. Uma<br />

multidão de quadros reproduziu tão encantadora cena, e os<br />

pintores não deixaram de acrescentar todos os pormenores que<br />

lhes sugeriu a imaginação. Quando Boucher faleceu, tinha sobre<br />

o cavalete um quadro representando o atavio de Vênus. Prudhon<br />

pintou Vênus estendida num leito antigo e servida pelos Amores<br />

que lhe perfumam os cabelos, lhe estendem um espelho,<br />

queimam perfumes em torno da deusa, trazem-lhe jóias e lhe<br />

entrelaçam guirlandas de flores. Rubens também faz intervir<br />

Cupido que segura um espelho no qual a mãe se fita;<br />

infelizmente, é uma velha que lhe arranja s cabelos. A velhice<br />

lenta e enrugada jamais deve aproximar-se de Vênus.<br />

Albane. que está longe de ser artista de primeira ordem, é,<br />

no entanto, o que mais lembra, pela natureza das suas<br />

composições, as graciosas ficções da antiguidade sobre Vênus. O<br />

Atavio de Vênus, quadro que infelizmente escureceu, é talvez, a<br />

sua obra-prima como concepção mitológica. Num terraço, à<br />

beira-mar, Vênus contempla-se num espelho que o Cupido lhe<br />

apresenta, enquanto as Graças lhe perfumam a linda cabeleira. e<br />

lhe arranjam os atavios. Diante dela está uma fonte onde um<br />

Amor faz que matem a sede duas pombas. Um palácio aéreo,<br />

como convém a Vênus, aparece no fundo de um tanque, ao<br />

passo que, nas nuvens, Amores alados atrelam cisnes brancos<br />

ao carro de ouro que vai conduzir a passeio a deusa, e enchem<br />

os ares dos seus melodiosos concertos.<br />

Tipo e atributos de Vênus<br />

"O culto sírio de Astarte, diz Ottfried Mueller, parece,<br />

encontrando na Grécia alguns inícios indígenas, ter dado<br />

nascimento ao culto célebre e difundido por toda parte


de Vênus afrodite. A idéia fundamental da grande deusa<br />

Natureza, sobre a qual ele repousava, nunca se perdeu<br />

inteiramente; o elemento úmido que formava no Oriente o<br />

império reservado a essa divindade continuou a ser submetido<br />

ao poder de Vênus afrodite nas costas e nos portos em que era<br />

venerada; sobretudo o mar, o mar tranqüilo e calmo, refletindo o<br />

céu no espelho úmido das suas ondas, parecia, aos olhos dos<br />

gregos, uma expressão da sua divinal natureza. Quando a arte,<br />

no ciclo de Afrodite, deixou para trás as pedras grosseiras e os<br />

ídolos informes do culto primitivo, a idéia de uma deusa cujo<br />

poder se estende por toda parte e à qual ninguém pode resistir,<br />

animou as suas criações; gostava-se de a representar sentada<br />

num trono, segurando nas mãos os sinais simbólicos de uma<br />

natureza repleta de mocidade e esplendor, de uma luxuriante<br />

abundância; a deusa estava inteiramente envolta nas dobras das<br />

suas vestes (a túnica mal lhe deixava à mostra uma parte do seio<br />

esquerdo) que se distinguiam pela elegância, pois precisamente<br />

nas imagens de Vênus, a graça rebuscada das vestes e dos movimentos<br />

parecia pertencer ao caráter da deusa. Nas obras saídas<br />

da escola de Fídias, ou produzidas sob a influência dessa escola,<br />

a arte representa em Afrodite o princípio feminino e a união dos<br />

sexos em toda a sua santidade e grandeza. Vê-se ali, antes, uma<br />

união durável formada com o fito do bem geral, e não uma<br />

aproximação efêmera que deve terminar com os prazeres<br />

sensuais que ele proporciona. A nova arte ática foi a primeira<br />

que tratou do tema de Afrodite com um entusiasmo puramente<br />

sensual, e que divinizou, nas representações figuradas da deusa,<br />

já não mais apenas um poder ao qual o mundo inteiro obedecia,<br />

mas antes a individualidade da beleza feminina."<br />

Vênus dá leis ao céu, à terra, às ondas e a todas as<br />

criaturas vivas. "Foi ela que deu o germe das plantas e das<br />

árvores, foi ela que reuniu nos laços da sociedade os primeiros<br />

homens, espíritos ferozes e bárbaros, foi ela que ensinou a cada<br />

ser a unir-se a uma companheira. Foi ela que nos proporcionou<br />

as inúmeras espécies de aves e a multiplicação dos rebanhos. O<br />

carneiro furioso luta, às chifradas, com o carneiro. Mas teme<br />

ferir a ovelha. O touro cujos longos mugidos faziam ecoar os


vales e os bosques abandona a ferocidade, quando vê a novilha.<br />

O mesmo poder sustenta tudo quanto vive sob os amplos mares<br />

e povoa as águas de peixes sem conta. Vênus foi a primeira em<br />

despojar os homens do aspecto feroz que lhes era peculiar. Dela<br />

foi que nos vieram o atavio e o cuidado do próprio corpo."<br />

(Ovídio).<br />

Fig. 342 — Vênus marinha (segundo uma estátua antiga)


Vênus celeste e Vênus vulgar<br />

Pausânias, na sua descrição de Tebas, assinala várias<br />

estátuas de Vênus, da mais alta antiguidade, pois haviam sido<br />

feitas com o lenho dos navios de Cadmo e consagra-das pela<br />

própria Harmonia. "A primeira, diz ele, é Vênus celeste, a<br />

segunda Vênus vulgar, e a terceira é chamada preservadora. Foi<br />

a própria Harmonia que lhes impôs tais nomes para distinguir<br />

essas três espécies de Amores: um celeste, ou seja casto, outro<br />

vulgar, ou seja, preso ao corpo, o terceiro desordenado, que leva<br />

os homens às uniões incestuosas e detestáveis. Era à Vênus<br />

preser-<br />

Fig. 343 — Medalha de Afrodite, com os atributos de Vênus.


vadora que se dirigiam as preces para a preservação dos desejos<br />

culposos." (Pausânias).<br />

Temos interessante exemplo desse último aspecto de Vênus,<br />

numa decisão do senado romano, o qual, segundo os livros<br />

sibilinos consultados pelos decênviros, ordenara a dedicação de<br />

uma estátua a Vênus vesticordia (convertedora), como meio de<br />

reconduzir as moças devassas ao pudor do sexo. (Valério<br />

Máximo).<br />

A tartaruga, emblema da castidade das mulheres, era<br />

consagrada a Vênus celeste, e o bode, símbolo contrário,<br />

consagrado à Vênus vulgar. As imagens da deusa, que se<br />

encontravam em todas as casas, eram, além de tudo,<br />

acompanhadas de inscrições que indicavam o seu caráter. Eis<br />

aqui uma que chegou até nós: "Esta Vênus não é a Vênus<br />

popular, é a Vênus urânia. A casta Crisógona colocou-a na casa<br />

de Amphicles, a quem deu vários filhos, comoventes penhores da<br />

sua ternura e fidelidade. Todos os anos, o primeiro cuidado<br />

desses felizes esposos é de vos invocar, poderosa deusa, e em<br />

premio da sua piedade, todos os anos lhes aumentais a ventura.<br />

Prosperam sempre os mortais que honram os deuses." (Teócrito).<br />

Vênus celeste está caracterizada pela veste estrelada. Vemola<br />

figurada numa pintura de Pompéia onde está representada de<br />

pé com um diadema na cabeça e um cetro na mão (fig. 344). O<br />

famoso escultor Scopas fizera para a cidade de Élis uma Vênus<br />

vulgar que pusera sentada sobre um bode; figura análoga se<br />

encontra em outra pedra gravada antiga (fig. 345). No século<br />

XIX, o pintor Gleyre compôs um belíssimo quadro sobre o<br />

mesmo tema. Essa Vênus era sobretudo honrada em Corinto,<br />

cidade marítima que sempre se celebrizou pelas cortesãs. Ali é<br />

que vivia a famosa Laís, em torno da qual se lê o seguinte<br />

epigrama na Antologia : "Eu, altiva Laís. de quem a Grécia era<br />

joguete, eu que tinha à porta um enxame de jovens amantes,<br />

consagro a Vênus este espelho, pois não desejo ver-me tal qual<br />

sou, e já não posso ver-me tal qual era."<br />

Encontra-se na mesma coletânea outro trecho ainda mais<br />

interessante: "Minarete, que há pouco estendia os


fios da trama e sem cessar fazia ressoar a lançadeira de Minerva,<br />

acaba de consagrar a Vênus o seu cesto de trabalho, as suas lãs<br />

e os seus fusos, todos instrumentos seus de labor, queimando-os<br />

no altar: "Desaparecei, exclamou, instrumentos que deixais<br />

morrer de fome as pobres mulheres e murchais a beleza das<br />

jovens!" Depois, pegou<br />

Fig 344 — Vênus celeste (segundo uma pintura antiga do museu de Nápoles).<br />

coroas, um alaúde e pôs se a levar vida alegre nas festas e nos<br />

banquetes. "Ó Vênus, diz ela à deusa, hei de trazer-te o dízimo<br />

dos meus benefícios: proporciona-me trabalho no teu interesse e<br />

no meu." (Antologia).


Pigmalião e a estátua<br />

A ilha de Chipre era particularmente renomada pelas<br />

cortesãs. O escultor Pigmalião que ali vivia sentiu-se de tal modo<br />

impressionado com a desfaçatez das mulheres do pais, que<br />

resolveu viver no celibato. Mas como a sua imaginação sonhasse<br />

constantemente com uma formosura de caráter diferente,<br />

esculpiu uma estátua de marfim,<br />

Fig. 345 — Vênus vulgar (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

representando uma mulher que à castidade de expressão unia a<br />

pureza das formas. A imagem lhe agradou tanto, que por ela se<br />

apaixonou ; infelizmente faltava a vida àquela pudica beleza, e<br />

quando Pigmalião contemplava as mulheres vivas via nelas a<br />

beleza mas nunca o pudor. Ao chegar o dia da festa de Vênus,<br />

dia que com tamanha


magnificência se celebra na ilha de Chipre, Pigmalião dirigiu-se<br />

ao templo da deusa, que encontrou perfumado com incenso, e<br />

rodeado de novilhas brancas cuias pontas haviam sido<br />

douradas e que seriam imoladas. "Grande deusa, exclamou,<br />

abraçando o altar, faze com que me torne marido de mulher<br />

perfeita como a estátua que esculpi!<br />

Fig. 346 —Pigmalião animando a sua estátua (segundo um quadro de Girondet).<br />

Parece que não estava em poder da deusa descobrir em<br />

Chipre mulher provída da casta beleza sonhada pelo artista, pois<br />

Vênus, para lhe ser agradável, preferiu recorrer ao milagre. Com<br />

efeito, quando o escultor voltou, foi abraçar a estátua, e viu-lhe<br />

as faces corar: o marfim amoleceu-se e a estátua animou-se.<br />

Pigmalião, encantado.


agradeceu à deusa, que desejou pessoalmente assistir ao seu<br />

himeneu.<br />

A história de Pigmalião constitui o tema do último quadro<br />

pintado por Girondet, e que figurou no salão de 1819. Não se<br />

imagina a quantidade de brochuras aparecidas desde então para<br />

louvar ou criticar o pintor. O mais interessante foi que os<br />

médicos houveram por bem mesclar-se à discussão, e examinar,<br />

com ridícula seriedade, a questão de saber se o artista tivera<br />

razão em animar, primeiramente, a cabeça da estátua, cujas<br />

pernas continuam ainda de marfim, e se teria sido mais<br />

conveniente fazer começar a vida pelo peito, que encerra o<br />

coração e os pulmões.<br />

A estátua animada por Pigmalião deu-lhe um filho que foi o<br />

fundador de Pafos, cidade de Chipre, célebre pelo culto ali<br />

prestado a Vênus.<br />

Vênus de Cnido<br />

Na origem, não se tinha o hábito de representar Vênus, no<br />

instante em que sai da espuma do mar, ou seja, inteiramente<br />

nua. Assim, foi a obra de Praxíteles considerada novidade, e a<br />

própria deusa testemunha, pela boca de um antigo autor, o<br />

espanto por se ver assim desprovida de vestes. "Mostrei-me a<br />

Páris, Anquises e Adônis é verdade; mas onde foi que Praxíteles<br />

me viu?" (Antologia).<br />

Narra Plínio que Praxíteles, a quem os habitantes de Cos<br />

haviam encomendado uma Vênus, lhes deu a escolher entre<br />

duas estátuas, uma das quais estava vestida, ao passo que a<br />

outra estava nua. Preferiram eles a primeira, e Praxíteles vendeu<br />

a segunda aos habitantes de Cuido que se congratularam com a<br />

compra, pois ela granjeou reputação e fortuna ao país. A Vênus<br />

de Cuido parece ter sido o tipo da maioria das estátuas da<br />

deusa,


quando se representava no momento do nascimento. O Júpiter<br />

de Fídias e a Vênus de Cnido por Praxíteles eram considerados,<br />

nos diferentes gêneros, dois produtos dos mais perfeitos da<br />

escultura. Dizia Plínio: "De todas as partes da terra, navega-se<br />

em direção a Cnido, para<br />

Fig 347 — Medalhas de Caldo.<br />

contemplar a estátua de Vênus." O rei Nicomedes ofereceu aos<br />

cnidianos, em troca da estátua, a totalidade das dívidas deles,<br />

que eram importantes. Recusaram a oferta, e com razão,<br />

acrescenta Plínio, pois a obra-prima


constitui o esplendor da cidade. Uma multidão de escritores da<br />

antiguidade nos legou sinais da admiração que lhes inspirava a<br />

obra-prima para a qual se fizera a seguinte inscrição: "Ao verem<br />

a Vênus de Cnido, Minerva e Juno disseram uma à outra : Não<br />

acusemos mais Páris."<br />

Num dos seus diálogos, Luciano põe as seguintes palavras<br />

na boca de um dos interlocutores: "Após examinar por longo<br />

tempo e com prazer as plantas e os arbustos que margeiam as<br />

aléias do templo de Cnido, entramos; no meio, eleva-se a estátua<br />

da deusa, admirável obra, executada em mármore de Paros;<br />

paira-lhe nos lábios um doce sorriso ; nenhuma veste lhe vela os<br />

encantos; ela só oculta com uma das mãos, mediante um movimento<br />

natural, o que o pudor não permite se mostre nem<br />

tampouco se nomeie. A arte fez desaparecer a dureza da matéria;<br />

em todas as partes desse belo corpo, o mármore possui a<br />

suavidade e a sensibilidade da carne."<br />

Se tão amplamente nos estendemos sobre a Vênus de Cnido<br />

é porque essa obra-prima que tanto assombrou a antiguidade, e<br />

que não mais existe, serviu de modelo à maior parte das Vênus<br />

nuas das quais tantas reproduções se nos deparam nos museus.<br />

Mas o documento mais importante que conhecemos é a figura<br />

representada nas moedas dos cnidianos, a qual lembrava<br />

certissimamente, embora com leves variações, a estátua original.<br />

Um medalhão de Caracala cunhado em Cnido e uma moeda da<br />

mesma cidade, onde a deusa está unida a Esculápio, nos<br />

apresentam uma mulher nua, voltando levemente a cabeça para<br />

um dos lados, e segurando com uma das mãos uma leve veste<br />

erguida acima de um vaso. Esses dois monumentos foram<br />

reunidos num florão de Gabriel de Saint-Aubin (fig. 347). O<br />

artista suspendeu o medalhão acima de uma mesa coberta de<br />

flores, de pedras, de orna-mentos preciosos, de vasos de formato<br />

diferente e de diversos instrumentos do mais requintado luxo.<br />

Quis, mediante tais objetos de atavio, aludir à famosa cortesã<br />

Frinéia que, segundo se afirmava, servira de modelo a Praxíteles.<br />

Compreende-se, todavia, que a gravura em medalha tem<br />

exigências diversas das da escultura, e que seria difícil admitir<br />

que uma moeda pudesse ser a reprodução literal uma estatua.<br />

Assim, o braço que sustenta a


veste acima do vaso, produz pelo seu afastamento do corpo um<br />

vácuo aceitabilíssimo em baixo-relevo, mas que seria lastimável<br />

numa estátua. Ademais, na maioria das estátuas que passam<br />

por imitações da Vênus de Cnido, vemos o movimento dos<br />

membros superiores diferir sensivelmente do que é oferecido<br />

pelas moedas: quase sempre um dos dois braços está dobrado<br />

sobre o peito de maneira que a mão se vê na frente do seio. Na<br />

Vênus do Capitólio, por exemplo, tal movimento é acentuadíssimo<br />

e o vaso de perfumes recoberto de um pano, que se acha perto<br />

da deusa, está completamente separado do braço, mas um<br />

pouco mais aproximado da estátua para a consolidar.<br />

Fig. 348 - Medalha de Tito com os atributos de Vênus e Cupido,<br />

Entre as numerosíssimas estátuas que podem prender-se à<br />

mesma série, a mais famosa é a Vênus de Médicis, situada na<br />

tribuna da Galeria de Florença. Eis a descrição que dela fazia o<br />

catálogo do Louvre, onde figurou


durante quinze anos: "A deusa dos Amores acaba de sair da<br />

espuma do mar, onde nasceu ; a beleza virginal aparece, na<br />

margem encantada de Cítera, sem outro véu que a atitude de<br />

pudor. Se a cabeleira lhe não flutua sobre os divinos ombros, é<br />

por que as Horas, com as suas mãos celestiais, acabam de lha<br />

arranjar (Hino homérico). Um<br />

Fig. 349 — Vênus do Capitólio.<br />

delfim e uma concha estão aos seus pés: são os símbolos do<br />

mar, elemento natal de Vênus. Os dois Amores que o encimam<br />

não são os filhos da deusa. Um deles é o Amor primitivo (Eros)<br />

que desemaranhou o Caos; o outro é o Desejo (Himeros) que<br />

aparecera no mundo ao mesmo


tempo que o primeiro ser sensível. Ambos a viram nascer e<br />

jamais se lhe afastaram dos passos (teogonia de Hesíodo). A<br />

Vênus de Médicis tem as orelhas furadas, como já se observou<br />

em outras estátuas da mesma deusa; sem dúvida pendiam<br />

delas esplêndidos brincos. O braço esquerdo conserva no alto o<br />

sinal evidente do bracelete chamado spinther, representado em<br />

escultura em várias das suas imagens. Uma inscrição colocada<br />

sobre o plinto nos diz que o autor da Vênus de Médicis é<br />

Cleômenes, ateniense, filho de Apolodoro."<br />

Vênus nem sempre está de pé quando sai das águas, e<br />

uma numerosa série de estátuas (fig. 350),<br />

Fig. 350 - Vênus agachada (segundo uma estátua antiga, museu do Louvre).


ordinariamente designadas com o nome de Vênus agachadas,<br />

apresenta-nos a deusa apoiando um dos joelhos ao chão para<br />

tornar a erguer-se. O nome de Vênus no banho também lhes é<br />

atribuído. Quando a deusa aperta a cabeleira úmida, chamamlhe<br />

de Vênus anadiomene. Apeles fizera uma Vênus anadiomene<br />

da qual os antigos elogiavam bastante a beleza. Os habitantes de<br />

Cos exigiram outra Vênus semelhante, do mesmo artista, mas<br />

ele morreu deixando a obra incompleta.<br />

Fíg. 351 — Trono de Marte.<br />

A Vênus de Apeles foi celebrada várias vezes na Antologia:<br />

"Esta Vênus, que sai do seio materno das águas, é obra do pincel<br />

de Apeles. Vê como, pegando com<br />

Fig. 352 — Trono de Vênus.<br />

a mão a cabeleira molhada, espreme a água! Agora as próprias<br />

Juno e Minerva dirão: "Não queremos mais disputar-te o prêmio<br />

da beleza," (Antologia).


Uma estátua de bronze representando Vênus a sair<br />

do mar e espremendo a água de que se acham embebidos<br />

os cabelos, passa, em virtude da analogia do tema, por<br />

ser imitação da Vênus pintada por Apeles (fig. 353).<br />

Grande número de monumentos representa Vênus<br />

anadiomene vogando sobre as águas com a sua escolta<br />

de Tritões, de Nereidas ou de centauros marinhos. Numa<br />

medalha de Agripina, cunhada em Corinto (fig. <strong>354</strong>),<br />

Fig. 353 — Vênus (segundo uma estátua antiga de bronze).<br />

Fig. <strong>354</strong> — Vênus e os Tritões (segundo uma medalha antíga).


aparece a deusa num carro puxado por um Tritão que traz uma<br />

concha e uma Nereida a tocar um clarim. Uma moeda dos<br />

brutianos mostra-a sentada num hipocampo ou cavalomarinho:<br />

estende os braços para o Amor, que se acha sobre a<br />

cauda do animal e dispara uma seta (fig. 355). Mas entre as<br />

representações de tal gênero, a mais famosa é um baixo-relevo<br />

antigo, cuja cópia se nos depara em várias coleções. Vênus está<br />

sustentada sobre as águas por centauros marinhos: os Tritões<br />

fazem soar as conchas,<br />

Fig. 355 — Vênus num cavalo marinho (segundo uma<br />

medalha antiga).<br />

os Amores e as Nereidas rodeiam alegremente a deusa. Uma das<br />

Nereidas segura, ao lado dela, um espelho, outra abraça um<br />

Amor.<br />

Numerosos quadros dos últimos séculos representam<br />

Vênus anadiomene, e entre eles o mais famoso é o de Ticiano.<br />

Vênus genitrix<br />

Considerada como geradora do gênero humano, Vênus está<br />

sempre vestida. Nas. estátuas, as dobras da sua veste indicam<br />

freqüentemente que está molhada, e às vezes traz um dos seios<br />

descobertos, por ser a nutriz,


universal. As medalhas a mostram vestida e com os dois seios<br />

cobertos, mas ela está freqüentemente acompanhada de um<br />

menino: a deusa, nesse caso, recebe o nome de Vênus genitrix.<br />

Temos no Louvre uma bela estátua de Vênus genitrix com um<br />

seio descoberto (fig. 356) ; de resto, o mesmo tipo se encontra<br />

quase idêntico em vários museus.<br />

Vênus vitoriosa<br />

Dá-se este nome a Vênus quando ela usa as armas de<br />

Marte. Com efeito, vemos, em várias pedras gravadas, uma<br />

figura de Vênus segurando na mão um capacete (fig. 357). Às<br />

vezes está ainda acompanhada de um escudo ou de troféus de<br />

armas. Outras, segura numa das mãos o capacete, e na outra<br />

uma palma (fig. 358). Essas figuras nos mostram sempre Vênus<br />

triunfante contra Marte, como conseqüência da mesma idéia que<br />

deu nascimento à lenda de Hércules fiando aos pés de Onfales. É<br />

sempre a beleza a dominar a força.<br />

A associação de Marte e Vênus está igualmente fixada em<br />

duas pinturas de Herculanum, onde se nos deparam Amores<br />

preparando o trono das duas divindades. Um capacete está<br />

representado no trono de Marte e uma pomba no de Vênus. A<br />

pomba é, com efeito, o atributo especial de Vênus, como o<br />

capacete é o atributo de Marte. (figs. 351 e 352).<br />

Colocam-se, outrossim, entre as Vênus vitoriosas unia série<br />

de estátuas que só têm vestes para cobrir os membros inferiores,<br />

e que têm por caráter determinante a colocação de um dos pés<br />

sobre uma pequena elevação. Tal postura implica a idéia da<br />

dominação sobre Marte, quando é um capacete que suporta o pé,<br />

e sobre o mundo, quando ele se apóia simplesmente num<br />

rochedo. Neste caráter, não tem a deusa a graça que se lhe dá<br />

como


Fig. 356 — Vênus genitrix (segundo uma estátua antiga museu<br />

do Louvre).


Vênus nascente; pelo contrário, assume as atitudes de heroína.<br />

As formas do corpo estão repletas de vigor e força e as feições<br />

possuem uma expressão de brutalidade<br />

Fíg. 357 — Vênus vitoriosa (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

Fig. 358 — Vênus vítoriosa (pedra gravada antiga).


Fig. 359 — Vénus de Milo (no museu do Louvre),


desdenhosa muito distante do sorriso. A Vênus de Milo é<br />

considerada o tipo mais completo dessa classe de está-tuas (fig.<br />

359). A beleza grave e sem afetação de tal figura nada tem do<br />

agradável coquetismo que a maioria dos artistas dos últimos<br />

séculos considera apanágio essencial da mulher. Foi no mês de<br />

fevereiro de 1820 que um pobre camponês grego a descobriu,<br />

remexendo as terras do seu jardim. A estátua, feita de mármore<br />

de Paros, está constituída por dois blocos cuja reunião se oculta<br />

mediante as dobras da túnica.


CAPÍTULO IV<br />

ADÔNIS<br />

Nascimento de Adônis. — A caçada de<br />

Adônis. — A morte de Adônis. — As<br />

festas de Adônis.<br />

Nascimento de Adônis<br />

Toda vez que Vênus pousa os pés na terra, o solo se cobre<br />

imediatamente de flores. Não é de estranhar que a lenda a tenha<br />

associado a Adônis que personifica a vegetação na primavera.<br />

Com efeito, o nascimento e a ressurreição de Adonis se verificam<br />

com a primeira vegetação. Abre-se uma árvore e nasce Adonis.<br />

Era ele senhor de estonteante formosura, tanto que nunca se viu<br />

quem o igualasse. Vênus estava no momento ocupada em<br />

acariciar o filho Cupido; mas uma flecha do pequeno deus a feriu<br />

acidentalmente, enquanto ela o abraçava, e imediatamente a<br />

deusa sentiu-se dominada da mais viva paixão por Adonis. Era<br />

este uni grande caçador, e Vênus,


habitualmente tão efeminada, pôs-se a acompanhá-lo nas suas<br />

excursões O feroz Marte, que amava Vênus, criou então violento<br />

ciúme, e a deusa foi prevenida por Diana de que Adônis corria<br />

grandes perigos. Tratou, na medida do que lhe era possível. de o<br />

reter, mas, apesar das suas recomendações, Adônis conseguiu<br />

safar-se e entregar-se ao prazer favorito.<br />

Fig. 360 — Adônis (segundo uma pedra gravada antiga).<br />

A caçada de Adônis<br />

A partida de Adônis constitui o tema de várias pinturas<br />

antigas. A mais famosa é a que foi encontrada nos banhos de<br />

Tito em Roma. O jovem caçador, precedido do seu cavalo e dos<br />

seus cães, empunha o dardo e repele uma derradeira tentativa<br />

feita por uma das sequazes de


Vênus para o dissuadir. A deusa, sentada, contempla-o com<br />

tristeza, e as mulheres que a rodeiam deploram o perigo ao<br />

qual se expõe o formoso rapaz (fig. 361).<br />

A lenda de Adônis, de origem síria, raramente inspirou<br />

os escultores da grande época. Entre as estátuas que o<br />

representam, várias são indiscutivelmente obras apreciáveis,<br />

mas nenhuma pode ser considerada obra-prima. Na<br />

escultura e nas pedras gravadas (fig. 360), Adônis aparece<br />

como adolescente de formas elegantes, mas desprovidas de<br />

um caráter especial que possa constituir um tipo.<br />

Fíg. 361 — Adônis partindo para a caça (segundo uma pintura antiga).<br />

A arte dos últimos séculos tem representado com<br />

freqüência Adônis ; num grupo de Canova, Vênus enlaça-o<br />

com os braços e parece pedir-lhe um favor que ele recusa<br />

com ternura. A cena deu origem também a vários quadros<br />

famosíssimos na arte dos últimos séculos. Ticiano<br />

representou Adônis, com as feições de Filipe <strong>II</strong>, para quem se<br />

destinava a pintura, e que era muito jovem na época (fig.<br />

362). Vênus parece testemunhar a Adônis o temor que<br />

experimenta, e suplicar-lhe que não exponha tão querida<br />

cabeça. Rubens também pintou as indecisões de Adônis: mas<br />

aqui é Cupido que busca reter o jovem ao pé de Vênus,<br />

enquanto outros Amores acompanham os cães e parecem<br />

chamar o caçador.<br />

Se Rubens e Ticiano mostraram o caçador Adônis,<br />

desdenhoso das carícias de Vênus, Albane, tratando do


mesmo tema, empregou um pouco mais de galantaria. É<br />

durante o sono da deusa que o caçador a abandona, e pouco<br />

falta para que ele ceda às solicitações do Amor, que procura<br />

retê-lo pelas vestes. O cão, no entanto, não parece<br />

absolutamente participar da hesitação, e os verdadeiros<br />

caçadores compreenderão que Adônis houvera sido crudelíssimo<br />

não cedendo a tão prementes solicitações.<br />

Fig. 362 — Partida de Adônis (segundo um quadro de Ticiano,<br />

museu de Londres). Prudhon fez com Vênus e Adônis uma<br />

composição na qual escreveu pessoalmente as seguintes linhas:<br />

"No meio de uma floresta sombria, Vênus, sentada num cabeço,<br />

retém Adônis ao seu lado pelo feitiço das carícias; o jovem<br />

caçador embriagado parece esquecer-se de que deseja partir. À<br />

margem da água, na frente, um Amor segura os cães; mais<br />

longe, o Amor segura uma borboleta, símbolo da alma: e ao longe<br />

vários outros Amores correm à caçada."


A morte de Adônis<br />

Vênus, não vendo Adônis voltar, vai procurá-lo. O caminho<br />

estava eriçado de espinhos que rasgavam a infeliz deusa; e as<br />

suas gotas de sangue produziram as rosas. Adônis já estava<br />

morto quando ela chegou, e ela o metamorfoseou em anêmona.<br />

lima pintura antiga representa Adônis ferido na coxa por um<br />

javali, expirando nos braços de Vênus. Tem perto o cão que o fita<br />

com tristeza, e deixa esgueirar-se, da mão que desfalece, a lança.<br />

Vênus só tem um dos seios descoberto (fig. 363).<br />

O mesmo tema foi tratado por Poussin com a sua habitual<br />

superioridade (fig. 364). O pintor mostra a deusa ajoelhada perto<br />

de Adonis já morto derramando sobre os seus ferimentos o<br />

néctar que o vai transformar em flor. Os Amores, chorando,<br />

contemplam a cena, e, um pouco mais longe, se nos depara o rio<br />

adormecido perto do carro da deusa.<br />

O rio que desce do monte Líbano tinha a propriedade de<br />

mudar as suas águas em sangue em determinada época do ano.<br />

Vertia-se, então, no mar de que avermelhava considerável parte,<br />

o que indicava aos habitantes de Biblos o momento de usar luto,<br />

pois essa época correspondia à em que Adonis fora morto pelo<br />

javali, fato que se teria verificado nas cercanias de Biblos,<br />

segundo a tradição do país.<br />

Quando Adônis chegou aos infernos, todas as sombras<br />

ficaram maravilhadas com a sua beleza, e Prosérpina por ele se<br />

apaixonou. Vênus, debulhada em lágrimas, implorara a Júpiter<br />

que lhe devolvesse a criatura amada, mas Prosérpina não o<br />

deixou partir. O pai dos deuses e dos homens, embaraçadíssimo<br />

no julgamento da divergência urgida entre suas duas filhas, e<br />

desejando satisfazê-las ambas, decidiu que Adônis passaria a<br />

metade da vida nos infernos com Prosérpina, e a outra metade<br />

na terra com Vênus. Esse mito, que relembra, com colorido mais<br />

oriental, o de Prosérpina dividindo a vida entre a terra e os<br />

infernos, pode explicar-se simbolicamente da mesma maneira. A<br />

idéia do inverno sombrio e estéril, ao qual


se sucede a bela estação, está aqui traduzida por Adônis<br />

passando seis meses do ano com Prosérpina. e seis meses<br />

com Vênus.<br />

Fig. 363 — Adônis expirando nos braços de Vênus (segundo uma<br />

pintura antiga).<br />

Fig. 364 — Morte de Adônis (segundo um quadro de Poussin).


As festas de Adônis<br />

O culto sírio de Adonis espalhou-se rapidamente nas<br />

cidades marítimas em que os marinheiros fenícios se achavam<br />

em grande número. Em Atenas e em Alexandria, havia festas<br />

célebres, que se realizavam na primavera e que duravam uma<br />

semana. Chorava-se a morte do deus, depois todos se<br />

rejubilavam em honra à sua ressurreição. Os atenienses viam<br />

naquilo uma cerimonia que lembrava bastante o culto de<br />

Elêusis, e, no Egito, identificava-se de boa vontade Adonis a<br />

Osíris, do qual se celebrava igualmente o fim trágico e o<br />

maravilhoso renascimento. Os Ptolomeus deram grandíssima<br />

importância a tais festas na cidade marítima de Alexandria,<br />

para onde elas atraíam imenso concurso de estrangeiros. Mas,<br />

embora houvesse peregrinos que ali chegavam por verdadeira<br />

devoção, havia também bom número de forasteiros e até de<br />

habitantes do país, que naquilo enxergavam sobretudo uma<br />

ocasião de espetáculo. A famosa peça de Teócrito, intitulada As<br />

Siracusanas, dá excelente idéia da impressão produzida por tais<br />

festas nos simples curiosos, seduzidos pela beleza das<br />

cerimônias e pelo esplendor da música.<br />

As festas da ressurreição de Adônis eram entremeadas de<br />

cantos de alegria, que sucediam aos lamentos da véspera :<br />

realizavam-se sempre nos primeiros dias da primavera.<br />

Chorava-se, em primeiro lugar, a vegetação desaparecida;<br />

depois, celebrava-se o seu regresso à terra. Vários hinos que se<br />

cantavam nas festas de Adônis chegaram até os nossos dias.<br />

Eis o de Bíon, o mais famoso: "Choro Adônis ; os Amores<br />

respondem ao meu pranto. Uma cruel ferida dilacerou Adônis,<br />

mas Vênus traz outra, muito mais profunda, no âmago do<br />

coração. Em torno do jovem caçador, os seus fiéis cães uivaram,<br />

e as ninfas das montanhas estão desfeitas em lágrimas. Vênus,<br />

transtornada, erra pelas florestas, triste, descabelada, pés nus;<br />

os espinhos a ferem e se tingem do sangue divino; ela enche os<br />

ares de queixumes, atira-se através dos longos vales, exige aos<br />

brados o formoso assírio que foi seu esposo! Entretanto, um<br />

sangue negro jorra do ferimento


de Adônis, e lhe mancha o peito de marfim. Ai! Infeliz Vênus !<br />

exclamam os Amores, chorando. Perdeu o formoso marido, e com<br />

ele os encantos divinos. Era bela, Vênus, quando Adônis vivia;<br />

com Adônis desapareceram os atrativos da deusa. Ai, ai! Todas<br />

as montanhas e florestas repetem: "Ai. Adônis!" Os rios sentem a<br />

dor de Vênus; as fontes, nas montanhas, choram Adonis, e os<br />

rios, na sua tristeza, se tingem de sangue. Citeréia faz ecoar a<br />

sua dor pelos montes e vales : "Ai, ai! Já não existe o belo<br />

Adonis!" O eco responde: "Já não existe o belo Adônis!" Quem<br />

recusaria lágrimas à infeliz Citeréia? Ai, ai, não repouses mais<br />

sobre uma camada de folhas; levanta-te, infortunada deusa!<br />

Veste o luto, bate o seio e dize à natureza: "Já não existe o belo<br />

Adônis!" (Bíon).


CAPÍTULO V<br />

AS GRAÇAS<br />

Tipo e atributos das Graças<br />

Nos monumentos da arte primitiva, as Graças estavam<br />

sempre vestidas, e nós as vemos sob tal aspecto num dos baixosrelevos<br />

do altar dos doze deuses no Louvre. O grupo apresenta<br />

um caráter que não foi adotado pela arte dos tempos posteriores<br />

(fig. 365). Estão todas de frente e tocam as mãos sem enlaçar os<br />

braços. Vemos também as Graças vestidas, numa medalha da<br />

época romana (fig. 371).<br />

"Apesar de todas as minhas buscas, diz Pausânias, não<br />

pude descobrir quem foi o primeiro escultor ou o primeiro pintor<br />

que teve a idéia de representar as Graças inteiramente nuas. Em<br />

todos os monumentos da antiguidade as Graças estão vestidas.<br />

Não sei por que os pintores e escultores que vieram<br />

posteriormente mudaram esse modo, pois hoje, e há muito, tanto<br />

uns como outros representam as Graças inteiramente nuas."<br />

(Pausânias).<br />

Sabemos que as Graças esculpidas por Sócrates estavam<br />

vestidas, assim como as que Apeles pintara. É provável,<br />

portanto, que foi somente depois, em seguida


ao domínio macedônio, que se introduziu o uso de as<br />

despojar de vestes.<br />

O famoso grupo antigo das três Graças, que se<br />

encontrava na catedral de Siena, foi transportado para o<br />

museu desta cidade. Foi nesse grupo que se inspirou Rafael,<br />

no primeiro quadro pagão que pintou. De resto existem<br />

diversas variantes de tal grupo, e o museu do Louvre possui<br />

uma belíssima cópia (fig. 366). Tornamos a ver ainda as três<br />

Graças em Pompéia. Rubens e muitos pintores dos últimos<br />

séculos houveram por bem reproduzir as Graças na sua<br />

postura tradicional. Canova, Thorwaldsen e Pradier também<br />

as esculpiram, sendo o grupo de Thorwaldsen o mais famoso.<br />

Fig 365 — As três Graças (baixo-relevo antigo tirado do altar dos doze deuses,<br />

museu do Louvre).<br />

Entre as obras dos últimos séculos, a obra-prima de<br />

Germain Pilou, no Louvre, é a única em que as Graças estão<br />

vestidas. e é por isso que elas foram confundidas com as três<br />

virtudes teologais, mas no pensamento do artista exprimiam<br />

realmente as Graças. O agrupamento costas com costas não<br />

se vê na antiguidade (fig. 367).


Fig. 366 — As três Graças (grupo antigo, museu do Louvre).


Embora as Graças sejam interpretadas geralmente no<br />

sentido de benefícios, personificam tudo quanto constitui o<br />

encanto da vida; o seu domínio é tudo quanto é belo e atraente.<br />

É por esse título que estão incumbidas do atavio de Vênus.<br />

Vemo-las freqüentemente ligadas a essa deusa, ou colocadas ao<br />

lado do Amor. A própria filosofia julgava precisar das Graças<br />

para não ser árida<br />

Fig 367 — As três Graças. por Germain Pilon (museu do Louvre.<br />

e repulsiva. Platão aconselhava a Xenócrates sacrificar às<br />

Graças. Essas divindades desempenham, assim, múltiplas<br />

funções. Tomadas num sentido puramente físico, o século<br />

dezoito desnaturou a concepção primitiva dos gregos.


Com efeito, o nome de graça significa ao mesmo tempo<br />

beneficio e elegância, e os antigos sempre o compreenderam<br />

nos dois sentidos. Os artistas dos últimos séculos<br />

negligenciaram o primeiro para ater-se exclusivamente ao<br />

segundo, ao qual convém regressemos, se quisermos<br />

compreender o sentido de certos monumentos antigos.<br />

Assim, num baixo-relevo antigo do Vaticano, vemos um<br />

enfermo agradecer a Esculápio graças que por este lhe<br />

foram concedidas (fig. 368). As Graças estão na postura<br />

habitual ao lado do deus da medicina.<br />

Fig. 368 — As Graças e Esculápio (segundo um baixo-relevo<br />

antigo)<br />

Por análogo motivo, as Graças se prendem. às vezes, a<br />

Apolo, que, antes de seu filho Esculápio, presidia as curas.<br />

Uma pedra gravada nos mostra as três irmãs, postas na<br />

mão direita de uma personagem de estilo arcaico, que<br />

julgamos imitação de uma velha estátua de Apolo em Delos<br />

(fig. 369)<br />

Tendo os atenienses socorrido os habitantes do<br />

Quersoneso, estes, para eternizarem a recordação de tal


enefício, elevaram um altar com a seguinte inscrição: Altar<br />

consagrado às Graças, por serem elas que presidiam ao<br />

reconhecimento. Os espartanos, antes do combate, costumavam<br />

oferecer sacrifícios às Graças, e se o culto delas era tão difundido<br />

na Grécia é porque era tomado no sentido de graça concedida.<br />

Fig. 369 — Apolo trazendo as Graças (ssgundo uma pedra gravada antiga)<br />

Tinham as Graças freqüentemente templos em comum com<br />

outras divindades. Eram invocadas no começo do repasto para<br />

presidirem à doce alegria e à harmonia das festas. Segundo<br />

Píndaro, nunca faltavam nos coros e nos festins dos imortais,<br />

donde a presença delas expulsa os cuidados e os pesares.<br />

Finalmente, têm por missão proporcionar aos deuses e aos<br />

homens tudo quanto torna a vida feliz.<br />

Num vidro antigo, pintado, vemos as três Graças nuas, de<br />

braços entrelaçados. Usam braceletes, e há flores no chão que<br />

elas pisam. São evidentemente as Graças, mas a inscrição lhes<br />

dá nomes especiais e significativos: Gelasia (doce sorriso), Lecori<br />

(beleza brilhante) e Coma-sia (alegre conviva). É claro que houve<br />

a intenção de representar o que constitui o encanto de um<br />

banquete, a alegria, a beleza, a amabilidade. (fig. 370)


O número das Graças varia na mitologia. Certas regiões<br />

admitiam apenas duas, mas os monumentos da arte apresentam<br />

quase sempre três. Segundo a tradição mais difundida, são<br />

filhas de Júpiter e Eurinoma, e os seus nomes variam; mas<br />

geralmente se chamam Pasitéia, Caris e Aglaé. As Graças se<br />

entrelaçam para indicar os serviços mútuos e o auxílio fraternal<br />

que os homens devem uns aos outros. São jovens porque a<br />

lembrança de um benefício não pode envelhecer. O símbolo<br />

dessas três irmãs inseparáveis exprimia a idéia de serviço<br />

prestado, e o papel delas era presidir ao reconhecimento.<br />

Fig. 370 — As três Graças (segundo um vaso pintado antigo).<br />

Fig. 371 — As três Graças (segundo uma medalha antiga),


ÍNDICE<br />

GRAVURAS<br />

Fig. 181 — Apolo, Diana e Latona (segundo Flaxman) 12<br />

Fig. 182 — Latona perseguida pela serpente Pitão (segundo<br />

uma pintura de vaso) 13<br />

Fig. 183 — Latona e seus filhos (em Versalhes) 15<br />

Fig. 184 — Apolo (segundo um busto antigo) 17<br />

Fig. 185 — Apolo de Amicleu 17<br />

Fig. 186 — Apolo (segundo moedas antigas) 18<br />

Fig. 187 — Apolo Sauróctone (segundo uma estátua antiga) 19<br />

Fig. 188 — Combate dos grifos contra os arimaspes 20<br />

Fig. 189 — Apolo e o grifo 21<br />

Fig. 190 — Jacinto (segundo uma estátua de Bosio, museu<br />

do Louvre) 22<br />

Fig. 191 — Apolo no omphalos 25<br />

Fig. 192 — Apolo do Belvedere (segundo uma estátua<br />

antiga, em Roma) 27<br />

Fig. 193 — Apolo, Diana e Latona (segundo um baixorelevo<br />

antigo) 28<br />

Fig. 194 — Apolo combatendo Hércules que rapta o tripé<br />

de Delfos (segundo um baixo-relevo antigo,<br />

museu do Louvre) 29<br />

Fig. 195 — O pastor Forbas dando de beber a Édipo (grupo<br />

de Chaudet, museu do Louvre) 32<br />

Fig. 196 — A esfinge (segundo uma moeda antiga) 33<br />

Fig. 197 — Édipo diante da esfinge (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 34<br />

Fig. 198 — Édipo atacado pela esfinge (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 35<br />

Fig. 199 — Édipo expulso pelos filhos (segundo um baixorelevo<br />

antigo) 38


Fig. 200 — Apolo e Cupido (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 41<br />

Fig. 201 — Estátuas de Guillaume Coustou (no jardim das<br />

Tulherias) 43<br />

Fig. 202 — Apolo perseguindo Dafne (segundo um quadro<br />

de C. Maratti) 44<br />

Fig. 203 — Medalha com os atributos de Apolo 47<br />

Fig. 204 — Apolo Musageta (estátua antiga, em Roma) 48<br />

Fig. 205 — Mársias e Olimpo 49<br />

Fig. 206 — Apolo e Mársias (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 50<br />

Fig. 207 — Mársias (segundo uma estátua antiga, museu<br />

do Louvre) 51<br />

Fig. 208 — Apolo e Mársias, numa medalha de Antonino,<br />

com atributos do deus 53<br />

Fig. 209 — A Musa Melpômene (segundo uma estátua<br />

antiga, museu do Louvre) 58<br />

Fig. 210 — A Musa Terpsícore (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 59<br />

Fig. 211 — Erato e Cupido (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 60<br />

Fig. 212 — Sereia 62<br />

Fig. 213 — Sereia 63<br />

Fig. 214 — As sereias depenadas pelas Musas (baixo-relevo<br />

antigo). Dafne. Apolo 63<br />

Fig. 215 — Orfeu 66<br />

Fig. 216 — Orfeu e Eurídice 68<br />

Fig. 217 — Orfeu no inferno (pedra gravada) 69<br />

Fig. 218 — Orfeu perde Eurídice (segundo o quadro de<br />

Drolling) 69<br />

Fig. 219 — Antíope (segundo um quadro de Correggio,<br />

museu do Louvre) 72<br />

Fig. 220 — Suplício de Dircéia (segundo um quadro antigo<br />

do museu de Nápoles) 73<br />

Fig. 221 — Niobe e a menor de suas filhas (segundo um<br />

grupo antigo) 76<br />

Fig. 222 — O Pedagogo e um dos filhos de Níobe (segundo<br />

um grupo antigo) 77


Fig. 223 — Aristeu (segundo uma estátua antiga do<br />

Louvre) 81<br />

Fig. 224 — Telésforo (segundo uma estátua antiga) 84<br />

Fig. 225 — Esculápio (segundo uma estátua antiga) 85<br />

Fig. 226 — Esculápio, Higéia e Telésforo 86<br />

Fig. 227 — Esculápio visitando um doente 87<br />

Fig. 228 — Oferta a Esculápio (segundo um quadro de<br />

Guérin) 88<br />

Fig. 229 — Higéia (estátua antiga) 89<br />

Fig. 230 — Higéia ou a Saúde (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 90<br />

Fig. 231 — Esculápio na ilha do Tibre (segundo um<br />

medalhão de Cómodo) 94<br />

Fig. 232 — O Sol (segundo uma estátua antiga) 98<br />

Fig. 233 — O Zodíaco (museu do Louvre) 100<br />

Fig. 234 — Atlas Farnese (museu de Nápoles) 101<br />

Fig. 235 — As Plêiades (segundo Flaxman) 102<br />

Fig. 236 — Queda de Faetonte (segundo uma pedra<br />

gravada, museu de Florença) 104<br />

Fig. 237 — Faetusa (segundo uma estátua do museu do<br />

Louvre) 106<br />

Fig. 238 — Diana (segundo uma estátua antiga do museu<br />

de Nápoles) 109<br />

Fig. 239 — Diana (segundo uma moeda antiga) 110<br />

Fig. 240 — O cervo, atributo de Diana (numa moeda<br />

antiga) 110<br />

Fig. 241 — Diana Lúcifer 111<br />

Fig. 242 — Diana — (segundo um busto antigo) 112<br />

Fig. 243 — Diana e a corça (segundo uma estátua antiga,<br />

museu do Louvre) 113<br />

Fig. 244 — Diana (estátua de bronze, no Louvre) 114<br />

Fig. 245 — Diana (segundo um grupo de Jean Goujon,<br />

museu do Louvre) 115<br />

Fig. 246 — Diana de Gábies (estátua antiga, museu do<br />

Louvre) 116<br />

Fig. 247 — Acteão, devorado pelos seus cães (segundo<br />

uma estátua antiga do museu Britânico, em<br />

Londres) 118<br />

Fig. 248 — Acteão (segundo um baixo-relevo antigo) 119


Fig. 249 — Diana surpreendida por Acteão (segundo um<br />

quadro de Lesueur) 120<br />

Fig. 250 — Diana e Acteão (segundo um quadro de Albani) 122<br />

Fig. 251 — Diana de Éfeso (segundo uma estátua antiga) 124<br />

Fig. 252 — Amazona combatente 125<br />

Fig. 253 — As amazonas (segundo um vaso pintado, do<br />

museu de Nápoles) 126<br />

Fig. 254 — Os gregos e as amazonas (segundo um vaso<br />

pintado) 127<br />

Fig. 255 — Diana precedendo a Aurora (segundo um vaso<br />

pintado) 130<br />

Fig. 256 — O deus Luno (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 131<br />

Fig. 257 — A Aurora conduzindo os cavalos do Sol<br />

(segundo uma pedra gravada antiga) 133<br />

Fig. 258 — A Aurora (por Thorwaldsen) 133<br />

Fig. 259 — A Aurora e Céfalo (segundo uma pintura de<br />

vaso) 135<br />

Fig. 260 — Prócris e seu cão (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 136<br />

Fig. 261 — Castor e Pólux (pedra gravada) 141<br />

Fig. 262 — Castor e Pólux 141<br />

Fig. 263 — Rapto de Hilária e Febe por Castor e Pólux<br />

(quadro de Rubens, museu de Munique) 143<br />

Fig. 264 — Castor e Pólux (segundo um grupo antigo, em<br />

Madri) 145<br />

Fig. 265 — Castor e Pólux 145<br />

Fig. 266 — Tétis e Eurinoma recolhem Vulcano precipitado<br />

por sua mãe do alto do Olimpo (segundo<br />

Flaxman) 150<br />

Fig. 267 — Vulcano (segundo uma estátua antiga) 150<br />

Fig. 268 — Cabeça de Vulcano (fragmento antigo) 152<br />

Fig. 269 — Combate de Vulcano e Marte (pintura de vaso) 153<br />

Fig. 270 — Vulcano e Baco (pintura de vaso) 154<br />

Fig. 271 — A rede de Vulcano (segundo um baixo-relevo<br />

antigo) 155<br />

Fig. 272 — Vênus e Vulcano (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 156<br />

Fig. 273 — Vênus e Vulcano (segundo um quadro de Jules<br />

Romain, museu do Louvre) 157


Fig. 274 — Prometeu modelando um homem (segundo uma<br />

pedra antiga) 161<br />

Fig. 275 — Prometeu formando o homem (baixo-relevo<br />

antigo) 162<br />

Fig. 276 — Prometeu trazendo o fogo aos homens (segundo<br />

uma lâmpada antiga) 164<br />

Fig. 277 — Pandora entre Minerva e Vulcano 166<br />

Fig. 278 — Pandora dotada por Mercúrio e Minerva<br />

(segundo Flaxman) 167<br />

Fig. 279 — Pandora abre o vaso fatal (segundo Flaxman) 168<br />

Fig. 280 — Lenda de Prometeu com o nascimento e o<br />

Destino do homem (segundo um sarcófago<br />

antigo do museu Capitolino) 171<br />

Fig. 281 — Dédalo preparando as asas de Ícaro (segundo<br />

uma pedra gravada) 175<br />

Fig. 282 — Dédalo e Ícaro (segundo um quadro de Landon) 176<br />

Fig. 283 — Morte de Ícaro (segundo uma pintura de<br />

Herculanum) 178<br />

Fig. 284 — Nascimento de Minerva (segundo um espelho<br />

etrusco) 181<br />

Fig. 285 — Vulcano e Júpiter 182<br />

Fig. 286 — Minerva e Netuno (segundo uma medalha<br />

antiga) 185<br />

Fig. 287 — Acrópole (segundo uma moeda antiga) 186<br />

Fig. 288 — Minerva arcaica (numa antiga moeda de<br />

Arenas) 188<br />

Fig. 289 — Atenas e Roma 189<br />

Fig. 290 — Palas (segundo uma pedra gravada antiga) 190<br />

Fig. 291 — Moedas de Thurium 190<br />

Fig. 292 — Medalha romana (denário da gens Pompéia) 191<br />

Fig. 293 — Moeda de Macedônia (cunhada sob Alexandre,<br />

o Grande) 191<br />

Fig. 294 — Moeda grega (de Mantinéia) 191<br />

Fig. 295 — Moeda romana (denário da gens Pompéia) 192<br />

Fig. 296 — Minerva trazendo a Vitória (numa moeda de<br />

Lisímaco) 192<br />

Fig. 297 — Minerva segurando o raio (numa moeda<br />

macedônia) 192<br />

Fig. 298 — Antigo ídolo de Minerva asiática (numa pintura<br />

de vaso) 193


Fig. 299 — Atributos de Minerva com medalhas antigas 194<br />

Fig. 300 — Minerva de Herculanum (museu de Nápoles) 195<br />

Fig. 301 — Minerva de Egina (museu de Munique) 196<br />

Fig. 302 — Minerva de Fídias (reconstituída por Simart) 197<br />

Fig. 303 — Palas de Velletri (segundo uma estátua antiga,<br />

museu do Louvre) 199<br />

Fig. 304 — Minerva (segundo uma estátua antiga do<br />

museu de Turim) 200<br />

Fig. 305 — Medalha de Górdio, cunhada em Selêucia,<br />

mostrando Minerva vitoriosa contra um gigante 202<br />

Fig. 306 — Minerva vista por Tirésias 203<br />

Fig. 307 — Minerva e Mársias (segundo uma moeda antiga) 205<br />

Fig. 308 — Minerva higéia (segundo um baixo-relevo<br />

antigo). Museu Pio-Clementino 205<br />

Fig. 309 — Vaso panatenaico (museu do Louvre) 211<br />

Fig. 310 — Cabeça de Medusa (segundo uma moeda<br />

antiga) 214<br />

Fig. 311 — Perseu mata Medusa voltando a cabeça para<br />

não ficar petrificado (segundo uma pedra<br />

gravada) 215<br />

Fig. 312 — Perseu é auxiliado por Minerva na sua luta<br />

contra Medusa (segundo uma moeda dos<br />

gálatas) 215<br />

Fig. 313 — Perseu perseguido pelas górgonas (segundo<br />

uma pintura de vaso) 217<br />

Fig. 314 — As górgonas perseguindo Perseu (segundo uma<br />

pintura de vaso) 218<br />

Fig. 315 — Perseu (segundo uma pedra gravada antiga) 219<br />

Fig. 316 — Perseu (grupo de Benevenuto Cellini, em<br />

Florença) 220<br />

Fig. 317 — Perseu e Andrômeda (segundo um baixo-relevo<br />

antigo) 225<br />

Fig. 318 — Perseu e Andrômeda (grupo de P. Pugot, museu<br />

do Louvre) 226<br />

Fig. 319 — Perseu mostra a Polidecto a cabeça de Medusa<br />

(segundo uma pintura de vaso) 227<br />

Fig. 320 — Pégaso cuidado pelas ninfas (segundo uma<br />

pintura de Pompéia) 229<br />

Fig. 321 — O cavalo Pégaso (segundo uma moeda antiga) 229


Fig. 322 — Pégaso domado por Belerofonte (segundo uma<br />

moeda antiga) 231<br />

Fig. 323 — Pégaso bebendo (segundo um baixo-relevo<br />

antigo) 232<br />

Fig. 324 — Belerofonte despede-se do seu anfitrião 232<br />

Fig. 325 — Combate contra a Quimera 233<br />

Fig. 326 — Queda de Belerofonte (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 234<br />

Fig. 327 — Marte (segundo uma pedra gravada antiga) 238<br />

Fig. 328 — Atributos de Marte 239<br />

Fig. 329 — Marte fazendo estremecer as paredes (medalha<br />

antiga) 240<br />

Fig. 330 — Marte matando Mimas (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 241<br />

Fig. 331 — Marte agrilhoado é vigiado por Oto e Efialtes<br />

(segundo Flaxman) 242<br />

Fig. 332 — Marte e Vênus (segundo um grupo antigo) 243<br />

Fig. 333 — Vênus, Marte e Cupido (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 244<br />

Fig. 334 — Os sacerdotes sálicos trazendo os escudos<br />

sagrados 246<br />

Fig. 335 — Os escudos sagrados e o ápex do flâmine 246<br />

Fig. 336 — Juramento dos sete chefes (segundo Flaxman) 250<br />

Fig. 337 — Arquémoro esmagado por uma serpente<br />

(segundo uma pintura antiga) 252<br />

Fig. 338 — Polinice e Etéoclo (segundo um baixo-relevo<br />

antigo, museu do Louvre) 253<br />

Fig. 339 — Funerais de Etéoclo e Polinice (segundo<br />

Flaxman) 254<br />

Fig. 340 — Nascimento de Vênus (segundo um quadro de<br />

Boucher) 256<br />

Fig. 341 — Vênus arribando a Crera (segundo um quadro<br />

de Albani) 257<br />

Fig. 342 — Vênus marinha (segundo uma estátua antiga) 260<br />

Fig. 343 — Medalha de Afrodite, com os atributos de Vênus 261<br />

Fig. 344 — Vênus celeste (segundo uma pintura antiga do<br />

museu de Nápoles) 263<br />

Fig. 345 — Vênus vulgar (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 264


Fig. 346 — Pigmalião animando a sua estátua (segundo<br />

um quadro de Girondet) 265<br />

Fig. 347 — Medalhas de Cnido 267<br />

Fig. 348 — Medalha de Tito com os atributos de Vênus e<br />

Cupido 269<br />

Fig. 349 — Vênus do Capitólio 270<br />

Fig. 350 — Vênus agachada (segundo uma estátua antiga,<br />

museu do Louvre) 271<br />

Fig. 351 — Trono de Marte 272<br />

Fig. 352 — Trono de Vênus 272<br />

Fig. 353 — Vênus (segundo uma estátua antiga de bronze) 273<br />

Fig. <strong>354</strong> — Vênus e os Tritões (segundo uma medalha<br />

antiga) 273<br />

Fig. 355 — Vênus num cavalo marinho (segundo uma<br />

medalha antiga) 274<br />

Fig. 356 — Vênus genitrix (segundo uma estátua antiga,<br />

museu do Louvre) 276<br />

Fig. 356 — Vênus vitoriosa (segundo uma pedra gravada<br />

antiga) 277<br />

Fig. 358 — Vênus vitoriosa (pedra gravada antiga) 277<br />

Fig. 359 — Vênus de Milo (no museu do Louvre) 278<br />

Fig. 360 — Adônis (segundo uma pedra gravada antiga) 281<br />

Fig. 361 — Adônis partindo para a caça (segundo uma<br />

pintura antiga) 282<br />

Fig. 362 — Partida de Adônis (segundo um quadro de<br />

Ticiano, museu de Londres) 283<br />

Fig. 363 — Adônis expirando nos braços de Vênus<br />

(segundo uma pintura antiga) 285<br />

Fig. 364 — Morte de Adônis (segundo um quadro de<br />

Poussin) 285<br />

Fig. 365 — As três Graças (baixo-relevo antigo tirado do<br />

altar dos doze deuses, museu do Louvre) 289<br />

Fig. 366 — As três Graças (grupo antigo, museu do Louvre) 290<br />

Fig. 367 — As três Graças, por Germain Pilon (museu do<br />

Louvre) 291<br />

Fig. 368 — As Graças e Esculápio (segundo um baixorelevo<br />

antigo) 292<br />

Fig. 369 — Apolo trazendo as Graças (segundo uma pedra<br />

gravada antiga) 293


Fig. 370 — As três Graças (segundo um vaso pintado<br />

antigo) 294<br />

Fig. 371 — As três Graças (segundo uma medalha antiga) 294


LIVRO <strong>II</strong>I - APOLO E DIANA<br />

CAPÍTULO I — Latona e seus Filhos<br />

Nascimento de Apolo e Diana ................................................. 11<br />

Latona e a serpente Pitão ....................................................... 14<br />

Os camponeses carianos ........................................................ 14<br />

CAPÍTULO <strong>II</strong> — Febo-Apolo<br />

O tipo de Apolo ...................................................................... 16<br />

Jacinto metamorfoseado em flor ............................................. 22<br />

Ciparissa e o seu cervo ........................................................... 23<br />

CAPÍTULO <strong>II</strong>I — O Tripé de Apolo<br />

Delfos, centro do mundo ........................................................ 24<br />

Apolo, vencedor de Pitão ........................................................ 25<br />

A disputa do tripé .................................................................. 28<br />

O oráculo de Delfos ................................................................ 29<br />

Predições a Laio ..................................................................... 30<br />

Édipo e Laio ........................................................................... 31<br />

A esfinge ................................................................................. 33<br />

As desventuras de Édipo ........................................................ 34<br />

Édipo e Antígona .................................................................... 37<br />

CAPÍTULO IV — O Louro de Apolo<br />

Apolo e o Amor ....................................................................... 40<br />

A metamorfose de Dafne ........................................................ 41<br />

Desespero de Clítia ................................................................ 44<br />

CAPÍTULO V — A Lira de Apolo<br />

A lira e a flauta ...................................................................... 46<br />

O sileno Mársias .................................................................... 47<br />

As orelhas do rei Midas .......................................................... 53<br />

CAPÍTULO VI — As Musas<br />

Júpiter e Mnemósina ............................................................. 55<br />

Atributos das Musas .............................................................. 56<br />

As filhas de Piero ................................................................... 61<br />

As Musas vitoriosas contra as sereias .................................... 62


CAPÍTULO V<strong>II</strong> — Orfeu<br />

A lira de Orfeu ....................................................................... 65<br />

Orfeu e Eurídice ..................................................................... 67<br />

Orfeu dilacerado pelas bacantes ............................................. 67<br />

CAPÍTULO V<strong>II</strong>I — As Setas de Apolo<br />

Júpiter e Antíope ................................................................... 71<br />

Os filhos de Níobe .................................................................. 74<br />

CAPÍTULO IX — Apolo Pastor<br />

A ninfa Coronis ...................................................................... 78<br />

O nascimento de Esculápio .................................................... 79<br />

Apolo na corte de Admeto ....................................................... 80<br />

O pastor Aristeu ..................................................................... 80<br />

CAPÍTULO X — Esculápio<br />

Esculápio e Higéia ..................................................................83<br />

A serpente de Esculápio .........................................................84<br />

O templo de Epidauro ............................................................87<br />

Os tratamentos de Esculápio .................................................91<br />

Esculápio em Roma ...............................................................93<br />

Hércules e Esculápio ..............................................................94<br />

CAPÍTULO XI — O Sol<br />

O Sol e a ilha de Rodes ...........................................................96<br />

Os sinais do Zodíaco ..............................................................97<br />

O carro do Sol ........................................................................99<br />

Queda de Faetonte ...............................................................102<br />

As irmãs de Faetonte ...........................................................104<br />

O rei Cicno ...........................................................................105<br />

CAPÍTULO X<strong>II</strong> — Diana, Irmã de Apolo<br />

Tipo e atributos de Diana .....................................................108<br />

Diana caçadora ....................................................................111<br />

O castigo de Acteão ..............................................................117<br />

As ninfas de Diana ...............................................................120<br />

Diana e Calisto ....................................................................121


CAPÍTULO X<strong>II</strong>I — Diana de Éfeso<br />

O tipo de Diana de Éfeso ......................................................123<br />

As amazonas ........................................................................124<br />

CAPÍTULO XIV — A Lua<br />

A marcha da Lua .................................................................129<br />

O sono de Endimião .............................................................130<br />

O deus Luno ........................................................................131<br />

CAPÍTULO XV — A Aurora<br />

As portas do Oriente ............................................................132<br />

Titão e a Aurora ...................................................................134<br />

Céfalo e Prócris ....................................................................134<br />

O gigante Orião ....................................................................137<br />

CAPÍTULO XVI — Os Crepúsculos<br />

O cisne de Leda ....................................................................139<br />

Castor e Pólux ......................................................................140<br />

Hilária e Febe .......................................................................142<br />

A imortalidade partilhada .....................................................143<br />

A estrela da tarde e a estrela da manhã ................................144<br />

LIVRO IV - VULCANO E MINERVA<br />

CAPÍTULO I — Vulcano<br />

Nascimento de Vulcano ........................................................149<br />

Tipo e atributos de Vulcano ..................................................151<br />

Vingança de Vulcano ...........................................................152<br />

Os fios de Vulcano ...............................................................154<br />

As forjas de Vulcano ............................................................156<br />

Os ciclopes ...........................................................................158<br />

CAPÍTULO <strong>II</strong> — Prometeu<br />

Prometeu forma o homem ....................................................160<br />

As duas partes de Prometeu .................................................163<br />

O fogo arrebatado aos homens .............................................163<br />

A caixa de Pandora ..............................................................165<br />

Suplício e libertação de Prometeu ..........................................168


CAPÍTULO <strong>II</strong>I — Dédalo<br />

As invenções de Dédalo ........................................................ 172<br />

Minos e Pasife ....................................................................... 173<br />

As asas de Ícaro ................................................................... 174<br />

O retrato de Hércules ........................................................... 177<br />

Os telquines e os dáctilos ..................................................... 177<br />

CAPÍTULO IV — Minerva<br />

Nascimento de Minerva ........................................................ 180<br />

Nascimento de Erecteu ........................................................ 183<br />

Pandrosa ............................................................................. 184<br />

Disputa de Minerva e Netuno ............................................... 185<br />

Tipo e atributos de Minerva .................................................. 187<br />

Minerva e Encélades ............................................................ 200<br />

Minerva e Tirésias ................................................................ 201<br />

Minerva e Mársias ................................................................ 204<br />

Minerva higéia ..................................................................... 205<br />

Minerva obreira ou ergane .................................................... 206<br />

Minerva e Aracne ................................................................. 207<br />

A festa das Panatenéias ....................................................... 209<br />

CAPÍTULO V — A Górgona<br />

Dánai e a chuva de ouro ...................................................... 212<br />

Infância de Perseu ............................................................... 213<br />

Perseu e as Górgonas ........................................................... 214<br />

Pégaso e Crisaor .................................................................. 216<br />

O coral ................................................................................. 221<br />

Atlas petrificado ................................................................... 222<br />

Perseu e Andrômeda ............................................................ 222<br />

As núpcias de Perseu ........................................................... 223


CAPÍTULO VI — O Cavalo Pégaso<br />

Pégaso cuidado pelas ninfas ................................................ 228<br />

A fonte Hipocrene ................................................................ 230<br />

Belerofonte e a Quimera ...................................................... 231<br />

LIVRO V - MARTE E VÊNUS<br />

CAPÍTULO I — Marte<br />

Tipo e atributos de Marte .................................................... 237<br />

Marte na guerra dos Gigantes ............................................. 240<br />

Vênus e Marte ..................................................................... 241<br />

Marte ferido por Diomedes .................................................. 243<br />

Filomela e Progne ................................................................ 245<br />

Os sacerdotes sálios ............................................................ 246<br />

CAPÍTULO <strong>II</strong> — As Sequazes de Marte<br />

Belona ................................................................................ 247<br />

A Discórdia ......................................................................... 248<br />

Etéoclo e Polinice ................................................................ 248<br />

Anfiaraus .............................................................................249<br />

Arquémoro .......................................................................... 250<br />

Combate dos dois irmãos .................................................... 251<br />

Funerais de Etéoclo e de Polinice ........................................ 252<br />

CAPÍTULO <strong>II</strong>I — Vênus<br />

Nascimento de Vênus .......................................................... 255<br />

Tipo e atributos de Vênus ................................................... 258<br />

Vênus celeste e Vênus vulgar .............................................. 259<br />

Pigmalião e a sua estátua .................................................... 264<br />

Vênus de Cnido ................................................................... 266<br />

Vênus genitrix ..................................................................... 274<br />

Vênus vitoriosa ................................................................... 275


CAPÍTULO IV — Adônis<br />

Nascimento de Adônis .......................................................... 280<br />

A caçada de Adônis .............................................................. 281<br />

A morte de Adônis ................................................................ 284<br />

As festas de Adônis .............................................................. 286<br />

CAPÍTULO V — As Graças<br />

Tipo e atributos das Graças ................................................. 288


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