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University of - Centre for Comparative Literature - University of Toronto

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[…] que em verdade não está Ricardo Reis tão doente que não possa alimentar-se por suas próprias mãos e <strong>for</strong>ças. (170);<br />

Lídia sente-se feliz, mulher que com tanto gosto se deita não tem ouvidos […]. (303)<br />

2 Se quer que eu vá ter consigo quando tiver casa, nos meus dias de saída, Tu queres, Quero, Então irás, até que, Até que<br />

arranje alguém da sua educação, Não era isso que eu queria dizer, Quando tal tiver de ser, diga-me assim Lídia não voltes<br />

mais a minha casa, e eu não volto, Às vezes não sei bem quem tu és, Sou uma criada de hotel, Mas chamas-te Lídia e<br />

dizes as coisas de uma certa maneira, Em a gente se pondo a falar, assim como eu estou agora, com a cabeça pousada<br />

no seu ombro, as palavras saem diferentes, até eu sinto, Gostava que encontrasses um bom marido, Também gostava,<br />

mas ouço as outras mulheres, as que dizem que têm bons maridos, e fico a pensar, Achas que não são bons maridos, Para<br />

mim, não, Que é um bom marido, para ti, Não sei, És difícil de contentar, Nem por isso, basta-me o que tenho agora, estar<br />

aqui deitada, sem nenhum futuro […]. (200-1)<br />

3 Estes dias são bons. (356); A casa vive o seu sábado de aleluia, o seu domingo de páscoa, por graça e obra desta mulher,<br />

serva humilde, que passa as mãos sobre as coisas e as deixa lustralmente limpas, nem mesmo em tempos de Dona Luísa<br />

e juiz da Relação, com seu regimento de criadas de <strong>for</strong>a, dentro e cozinha, resplandeceram com tanta glória estas paredes<br />

e estes movéis, abençoada seja Lídia entre as mulheres […]. Ainda há poucos dias cheirava a bafio, a m<strong>of</strong>o, a cotão rolado,<br />

a esgoto renitente, e hoje a luz chega aos mais remotos cantos, fulge nos vidros e nos cristais ou faz de todo o vidro cristal,<br />

derrama grandes toalhas sobre os encerados, o próprio tecto fica estrelado de reverbações quando o sol entra pelas<br />

janelas, esta morada é celeste, diamante no interior de diamante, e é pela vulgaridade de um trabalho de limpeza que se<br />

alcançam estas superiores sublimidades. Talvez também por tão amiúde se deitarem Lídia e Ricardo Reis, por tanto gosto<br />

de corpo darem e tomarem, não sei que deu a estes dois para de súbito se terem tornado tão carnalmente exigentes e<br />

davidosos, será o verão que os aquece, será de estar no ventre aquele minúsculo fermento […]. (357)<br />

4 Acabaram as férias de Lídia, tudo voltou ao que dantes era, passará a vir no seu dia de folga, uma vez por semana, agora,<br />

mesmo quando o sol encontra uma janela aberta, a luz é diferente, mole, baça, e o tamiz to tempo recomeçou a peneirar<br />

o impalpável pó que faz desmaiar os contornos e as feições. Quando, há noite, Ricardo Reis abre a cama para se deitar,<br />

mal consegue ver a alm<strong>of</strong>ada onde pousará a cabeça, e de manhã não conseguiria levantar-se se com as suas próprias<br />

mãos não se identificasse, linha por linha, o que de si ainda é possível achar, como uma impressão digital de<strong>for</strong>mada por<br />

uma cicatriz larga e pr<strong>of</strong>unda. (357-8); Regressado, depois de terminadas as férias de Lídia, ao seu hábito de dormir até<br />

quase há hora do almoço, Ricardo Reis deve ter sido o último habitante de Lisboa a saber que se dera um golpe de estado<br />

em Espanha. Ainda com os olhos pesados de sono, foi à escada buscar o jornal, do capacho o levantou e meteu debaixo<br />

do braço, voltou ao quarto bocejando, mais um dia que começa, ah, este longo fastídio de existir, este fingimento de lhe<br />

chamar serenidade. (371)<br />

5 […] esta é a casa, vasta, ampla, para numerosa família, numa mobília também de mogno escuro, pr<strong>of</strong>unda cama,<br />

alto guarda-fato, uma sala de jantar completa, o aparador, o guarda-prata, ou louças, dependendo das posses, a mesa<br />

extensível, e o escritório, de torcido e tremido pau-santo, mesa de bilhar, puído num dos cantos, a cozinha, a casa de<br />

banho rudimentar, mas aceitável, porém todos os móveis estão nus e vazios, nenhuma peça de louça, nenhum lençol ou<br />

toalha, A pessoa que aqui viveu era uma senhora idosa, viúva […]. 206; […] a casa encheu-se de rumores, o correr da<br />

água, o vibrar dos canos, o bater do contador, depois o silêncio voltou. […] (219); […] e afinal, disse-o em voz alta, como<br />

um recado que não deveria esquecer, Eu moro aqui, é aqui que eu moro, é esta a minha casa, é esta, não tenho outra,<br />

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