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“O pão nosso de cada dia...”<br />
O norueguês Thor Heyerdahl, que em 1947 empreendeu a famosa expedição Kon-<br />
Tiki, através do oceano Pacífico, morreu enquanto dormia, aos 87 anos. Parou de<br />
comer e beber ao ser informado de que sofria de um tumor cerebral. E se os<br />
médicos, em nome da ética, o entubassem e o obrigassem a ingerir alimentos?<br />
Uma paciente antiga relatou-me que o pai velho, doente e religioso, havia parado<br />
de comer. Mas era seu hábito orar diariamente o Pai-Nosso. Aí ela notou que o seu<br />
Pai-Nosso estava diferente. Ele não rezava a cláusula “o pão nosso de cada dia dainos<br />
hoje”.<br />
Tristeza e comunhão<br />
Os que bebem juntos da mesma fonte de tristeza descobrem, surpresos, que a<br />
tristeza partilhada se transmuta em comunhão.<br />
“Será que eu escapo desta?”<br />
“Doutor, agora que estamos sozinhos quero lhe fazer uma pergunta: Será que eu<br />
escapo desta? Mas por favor, não responda agora porque sei o que o senhor vai<br />
dizer. O senhor vai desconversar e responder: ‘Estamos fazendo tudo o que é<br />
possível para que você viva’. Mas não me interessa nem o que o senhor está<br />
fazendo nem o que todos os médicos do mundo estão fazendo. Sou uma pessoa<br />
inteligente. Sei a resposta. Sei que vou morrer. Na escola de medicina os senhores<br />
aprendem a ajudar as pessoas a viver. Mas haverá professores que ensinam a arte<br />
de ajudar as pessoas a morrer? Pois a morte não é parte da vida da mesma forma<br />
que o crepúsculo é parte do dia? Ou isso não faz parte dos saberes de um médico?<br />
O que eu desejo é que o senhor me ajude a morrer. Meus parentes mais queridos<br />
se sentem perdidos. Quando quero falar sobre a morte, eles logo dizem: ‘Tire essa<br />
ideia de morte da cabeça. Logo você estará andando...’. Mentem. Então eu me<br />
calo. Quando saem do quarto, choram. Sei que eles me amam. Querem me<br />
enganar para me poupar de sofrimento. Mas são fracos e não sabem o que falar...<br />
Fico então numa grande solidão. Não há ninguém com quem eu possa conversar<br />
honestamente. Fica tudo num faz de conta... As visitas vêm, assentam-se, sorriem,<br />
comentam as coisas do cotidiano. <strong>Faz</strong>em de conta que estão fazendo uma visita<br />
normal. Eu finjo que estou prestando atenção, obedecendo às normas da<br />
delicadeza. Sorrio. Acho estranho que uma pessoa que está morrendo tenha a<br />
obrigação social de ser delicada com as visitas. As coisas sobre que falam não me