GEOMETRIA B´ASICA - Arquivo Escolar
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<strong>GEOMETRIA</strong> BÁSICA<br />
Lucía Fernández Suárez (luciafsrc@gmail.com)<br />
1
Conteúdo<br />
I. A axiomática da Geometria 5<br />
1 Os axiomas de incidência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6<br />
2 Os axiomas de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10<br />
3 Axiomas de congruência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21<br />
4 Medida e Axiomas de continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45<br />
5 O axioma das paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47<br />
II. O plano euclidiano 49<br />
1 Um modelo analítico do plano euclidiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49<br />
2 Triângulos e quadriláteros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61<br />
3 Circunferências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70<br />
4 Construções geométricas com régua e compasso . . . . . . . . . . . . . . . . . 92<br />
III. Isometrias 97<br />
1 Isometrias na geometria absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97<br />
2 Isometrias do plano euclideano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104<br />
IV. Introdução ao plano hiperbólico 121<br />
1 Inversões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121<br />
2 Modelo de Poincaré do plano hiperbólico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133<br />
3
Notas:<br />
• Estes apontamentos foram preparados para uma disciplina semestral denominada “Geometria<br />
II” dedicada à geometria euclideana, na antiga Licenciatura em Ensino da Matemática<br />
da Universidade do Minho (plano anterior a Bolonha). Dois docentes da UM<br />
tiveram o azar de leccionar esta disciplina sendo eu a responsável: o António Veloso da<br />
Costa e a Ana Cristina Castro Ferreira. É graças a eles que estes apontamentos contêm<br />
muitíssimos menos erros do que teriam sem a sua colaboração. Obrigada!<br />
• O primeiro capítulo é um resumo das excelentes notas da Ana Maria do Vale [1] embora<br />
seja pouco respeituoso com a fonte e com a axiomática original de Hilbert [7]. Alterei<br />
os axiomas do grupo III, relativos à congruência de segmentos e ângulos, com o objetivo<br />
de dedicar menos tempo às verificações preliminares e chegar rapidamente aos resultados<br />
”geométricos” (critérios de congruência de triângulos, caracterizações da bissectriz e da<br />
mediatriz ...). As alterações podem parecer à primeira vista pouco significativas (estão<br />
indicadas no texto) mas são um sacrilegio do ponto de vista axiomático pois incluem<br />
propriedades redundantes. A minha desculpa para estas alterações é o desejo de conseguir<br />
tempo para ensinar aos alunos geometria básica pois percebi que conceitos como<br />
medianas, ortocentro, reflexões, rotações ... lhes eram completamente alheios. Essa é<br />
a matéria apresentada nos capítulos 2 e 3: triângulos, circunferências, isometrias ... O<br />
capítulo 4 é uma brevíssima introdução ao plano hiperbólico.<br />
4
I. A axiomática da Geometria<br />
Os Elementos de Euclides são a primeira obra matemática grega de importância de que temos<br />
conhecimento, escrita por volta do século III a.c. Compõe-se de 13 livros, sendo os quatro<br />
primeiros e o sexto dedicados à Geometria Elementar. A obra começa com uma lista de<br />
definições, seguida de cinco axiomas e cinco postulados a partir dos quais se deduzem logicamente<br />
os restantes resultados. Do ponto de vista da matemática moderna, Os Elementos de<br />
Euclides apresentam certos problemas de rigor: definições sem sentido, axiomas usados implicitamente<br />
mas não formulados explicitamente ... No entanto, possuiam já uma estrutura<br />
dedutiva muito aperfeiçõada e não podemos esquecer que foi escrito há mais de 2000 anos!<br />
Actualmente existem várias axiomatizações rigorosas da chamada Geometria Euclidiana,<br />
isto é, sistemas axiomáticos que permitem provar os resultados dos Elementos de Euclides. A<br />
axiomática mais conhecida deve-se a Hilbert e é formada por 20 axiomas dividos em quatro<br />
grupos (incidência, ordem, congruência e continuidade) e por mais um último axioma que é<br />
equivalente ao famoso V Postulado de Euclides.<br />
Neste capítulo apresentam-se os conceitos básicos da teoria axiomática da Geometria, numa<br />
versão simplificada da axiomática de Hilbert. Nas primeiras três secções estudaremos os axiomasdeincidência,<br />
ordem, congruênciaecontinuidadeeasconsequênciaslógicasdestesaxiomas.<br />
Os resultados assim obtidos, sem usar o V Postulado, são chamados resultados da geometria<br />
absoluta. Na última secção encontram-se os princípios gerais das geometrias euclidiana e<br />
hiperbólica, isto é, as geometrias obtidas se adicionarmos, respectivamente, o V Postulado de<br />
Euclides ou a sua negação, o denominado Axioma das Paralelas de Lobachevsky.<br />
5
1 Os axiomas de incidência<br />
Definição . 1.1 Plano de incidência<br />
Um plano de incidência é uma estrutura da forma G = (P, L,I) onde:<br />
1. P é um conjunto não vazio chamado suporte de G, a cujos elementos chamamos pontos<br />
(de G);<br />
2. L é um conjunto, a cujos elementos chamamos rectas (de G);<br />
3. P ∩ L = ∅ (pontos e rectas são coisas distintas);<br />
4. I é uma relação de P para L, isto é, I ⊆ P × L, chamada relação de incidência de<br />
pontos com rectas. Isto é, se P ∈ P e r ∈ L tais que (P,r) ∈ I dizemos que o ponto P e a<br />
recta r incidem.<br />
Exemplos . 1.2<br />
1. O plano de incidência G = (P, L,I) onde:<br />
P = {A,B,C,D} L = {a,b,c,d} I = {(A,a),(A,b),(A,c),(A,d),(B,a),(B,b)}<br />
d<br />
A <br />
2. O plano de incidência G = (P, L,I) onde:<br />
c<br />
a<br />
b<br />
<br />
B<br />
<br />
C<br />
P = R 2 L = {Rectas vectoriais de R 2 }<br />
e como relação de incidência a relação de pertença usual. Este plano de incidência chamase<br />
o plano vectorial real.<br />
3. O plano de incidência G = (P, L,I) onde:<br />
P = R 2 L = {Rectas afins de R 2 }<br />
e como relação de incidência a relação de pertença usual. Este plano de incidência chamase<br />
o plano afim real.<br />
4. O plano de incidência G = (P, L,I) onde:<br />
P = {Rectas vectoriais de R 3 } L = {Planos vectoriais de R 3 }<br />
e como relação de incidência a relação de inclusão. Este plano de incidência chama-se o<br />
plano projectivo real.<br />
6<br />
<br />
D
I. Axiomas de incidência.<br />
I-1 Para quaisquer dois pontos A e B, existe uma e uma só recta que incide com A e B.<br />
I-2 Toda recta incide, pelo menos, com dois pontos.<br />
I-3 Existem, pelo menos, três pontos não incidentes com a mesma recta.<br />
Definição . 1.3 Pontos colineares, rectas paralelas<br />
• Num plano de incidência, chamamos pontos colineares aos pontos que incidem na mesma<br />
recta.<br />
• Num plano de incidência, dizemos que duas rectas são paralelas quando são iguais ou<br />
quando não existir nenhum ponto que incida com ambas duas.<br />
Note-se que o axioma I-1 significa que dois pontos são sempre colineares e o axioma I-3 que<br />
existem três pontos não colineares. O axioma I-1 também implica que dois pontos A e B<br />
determinam uma única recta, assim, dados A e B designar-se-á frequentemente por < A,B ><br />
a única recta que incide em A e em B.<br />
Proposição 1.4 Consequências dos axiomas de incidência<br />
Num plano de incidência que verifica o grupo I de axiomas:<br />
1. Duas rectas distintas incidem num único ponto ou são paralelas;<br />
2. Existem pelo menos duas rectas;<br />
3. Para toda recta existe, pelo menos, um ponto não incidente com ela. Em particular,<br />
dados dois pontos existe um terceiro não colinear com eles;<br />
4. Para todo ponto existe, pelo menos, uma recta não incidente com ele;<br />
5. Dadas duas rectas, existe uma outra recta não paralela a nenhuma das anteriores.<br />
Exemplos . 1.5<br />
1. A figura seguinte representa um plano de incidência com 7 pontos e 7 rectas que verifica<br />
o grupo I de axiomas. <br />
<br />
<br />
<br />
2. O planos afim real e o plano projectivo real verificam o grupo I de axiomas. O plano<br />
vectorial não verificaI-1, mas verificaI-2eI-3. Finalmente, oprimeiroplano de incidência<br />
desses exemplos verifica I-3, mas não I-1 nem I-2.<br />
7
3. O plano de incidência cujos pontos são os pontos da esfera de R 3 de raio 1 e cujas rectas<br />
são os círculos máximos não verifica o axioma I-1.<br />
4. O semi-plano de Poincaré<br />
Considere um plano de incidência cujos pontos são os pontos do semi-plano H de R 2 com<br />
segundacoordenadaestritamentepositiva, cujasrectassãoaintersecçãocomHdasrectas<br />
afins de equação x = a (rectas afins verticais) e a intersecção com H das circunferências<br />
cujo centro se situa no eixo dos xx. A relação de incidência é a relação usual de pertença.<br />
Este plano de incidência, chamado semi-plano de Poincaré, verifica o grupo I de axiomas.<br />
5. O Disco de Poincaré<br />
Outro plano de incidência que verifica o grupo I de axiomas é o círculo de Poincaré.<br />
Neste plano, o conjunto P de pontos é o interior ω do disco unitário U de R 2 (disco de<br />
centro (0,0) e raio 1); o conjunto de rectas L é formado pelos diâmetros da circunferência<br />
unidade (sem os extremos) e a intersecção com ω das circunferências de R 2 ortogonais a<br />
U. A relação de incidência é a relação usual de pertença.<br />
Salienta-se que, neste plano de incidência e no anterior, fixado um ponto P e uma recta<br />
r não incidentes, existem infinitas rectas incidentes em P paralelas à recta r.<br />
6. A figura seguinte que representa um plano de incidência com 6 pontos, 15 rectas cada<br />
uma delas incidente em dois pontos. Este plano de incidência também verifica o grupo I<br />
de axiomas.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
7. O plano de incidência G = (P, L,I) em que P é o interior do círculo de R 2 de centro<br />
(0,0) e raio 1, e as rectas são as cordas abertas (sem extremos) do círculo também verifica<br />
o grupo I de axiomas.<br />
8
Exercícios . 1.6<br />
1. Enuncie os axiomas de incidência usando a linguagem lógica.<br />
2. Considere-se o plano de incidência afim G = (P,L,I) onde:<br />
P = R 2 L = { Rectas afins de R 2 }<br />
e como relação de incidência a relação de pertença usual. (Recorde-se que uma recta afim de R 2<br />
é um subconjunto definido por uma equação cartesiana ax+by +c = 0, com (a,b)=/ (0,0))<br />
(a) Mostre que este plano verifica os axiomas de incidência.<br />
(b) Qual a condição nas equações cartesianas para duas rectas serem paralelas? Determine a<br />
equação cartesiana da recta incidente num ponto M = (m1,m2) e paralela à recta definida<br />
por ax+by +c = 0.<br />
3. Considere o plano de incidência G = (PL,I) onde:<br />
• P = R 2 ;<br />
• L é o conjunto das circunferências em R 2 de raio 1, isto é, uma “recta” deste plano é uma<br />
circunferência C (a,b) de raio 1 centrada num ponto (a,b) ∈ R 2 ;<br />
• a relação de incidência é definida como: um “ponto” M incide numa “recta” C (a,b) quando<br />
o ponto for o centro da circunferência, isto é, M = (a,b).<br />
Analise se este plano verifica cada um dos axiomas de incidência. Comente a afirmação: “neste<br />
plano de incidência duas rectas distintas são sempre paralelas”.<br />
4. Prove a proposição 1.4<br />
A partir de agora chamaremos plano apenas aos planos de incidência<br />
que verificam os axiomas I-1, I-2 e I-3.<br />
9
2 Os axiomas de ordem<br />
Definição . 2.1 Relação “estar entre”<br />
Seja G = (P, L,I) um plano. Chamaremos relação “estar entre” a uma relação ternária no<br />
conjunto de pontos P, isto é, a um subconjunto O ⊂ P × P × P. Dizemos que um ponto C<br />
está entre o ponto A e o ponto B e escrevemos A−C −B se se verificar (A,C,B) ∈ O.<br />
II. Axiomas de ordem.<br />
II-1 Se C está entre A e B, então A, B e C são três pontos distintos incidentes numa mesma<br />
recta e C está entre B e A.<br />
II-2 (II Postulado de Euclides) Dados A e C existe sempre um ponto B sobre a recta < A,C ><br />
tal que C está entre A e B.<br />
<br />
A<br />
<br />
C<br />
<br />
B<br />
II-3 Dados três pontos quaisquer de uma recta, não há mais do que um deles entre os outros<br />
dois.<br />
II-4 (Axioma de Pasch) Sejam A, B e C três pontos não incidentes com uma recta e r uma recta<br />
do plano que não incide com nenhum desses pontos. Se a recta r incide num ponto entre A e<br />
B, então incide também num ponto entre A e C ou num ponto entre B e C.<br />
<br />
A<br />
Definição . 2.2 Segmento, recta suporte<br />
B<br />
<br />
Seja G = (P, L,I) um plano munido de uma relação “estar entre” O que verifica o grupo II de<br />
axiomas. Sejam A e B dois pontos do plano de incidência.<br />
• Chamamos segmento de extremos A e B e designamos por AB ao conjunto formado por<br />
A, B e os pontos do plano que estão entre A e B. Isto é:<br />
AB = {A,B}∪{C ∈ P : (A,C,B) ∈ O} = {A,B}∪{C ∈ P : A−C −B}<br />
• Se A=/ B recta < A,B > diz-se recta suporte do segmento AB.<br />
• Dizemos que uma recta e um segmento se intersectam se existir um e um só ponto do<br />
segmento que incide na recta.<br />
10<br />
<br />
C
Proposição 2.3 Rectas e segmentos<br />
Seja G = (P, L,I) um plano munido de uma relação “estar entre” O que verifica o grupo II<br />
de axiomas. Então:<br />
1. AB = BA, para todos os pontos A e B do plano;<br />
2. Se A=/ B, todos os pontos do segmento AB incidem na recta suporte < A,B >;<br />
3. Se A, B e C são pontos não colineares então AB ∩BC = {B}.<br />
Definição . 2.4 Figuras<br />
Seja G = (P, L,I) um plano munido de uma relação “estar entre” O que verifica o grupo II de<br />
axiomas.<br />
• Sejam A, B e C três pontos do plano não colineares. Chamamos triângulo e designamos<br />
por △ABC o subconjunto de P:<br />
△ABC = AB ∪BC ∪CA<br />
Os pontos A B e C são chamados vértices do triângulo e os segmentos AB, BC e CA<br />
lados do triângulo<br />
C<br />
A B<br />
• Sejam A, B, C e D pontos do plano tais que no conjunto {A,B,C,D} não há três pontos<br />
colineares. Chamamos quadrângulo ou quadrilátero não degenerado e designamos por<br />
ABCD o subconjunto de P:<br />
ABCD = AB ∪BC ∪CD ∪DA<br />
Os pontos A B, C e D são chamados vértices do quadrilátero e os segmentos AB, BC,<br />
CD e DA lados do quadrilátero.<br />
A<br />
A<br />
B<br />
<br />
D <br />
C<br />
Dizemos ainda que os lados AB e CD e os lados BC e DA são lados opostos no<br />
quadrilátero e que os segmentos AC e BD são as diagonais do quadrilátero.<br />
• Um quadrilátero não degenerado ABCD diz-se quadrilátero convexo se as diagonais<br />
AC e BD se intersectam (figura à esquerda).<br />
11<br />
D<br />
<br />
C<br />
B
Teorema 2.5 Consequências dos axiomas de incidência e ordem<br />
Seja G = (P, L,I) um plano munido de uma relação “estar entre” O que verifica o grupo II<br />
de axiomas.<br />
1. Dados dois pontos A e B distintos há um ponto C entre A e B.<br />
2. De três pontos incidentes com uma recta tem-se obrigatoriamente que um e um só está<br />
entre os outros dois.<br />
3. Se uma recta incide num lado de um triângulo e não incide com nenhum vértice intersecta<br />
um e um só dos outros lados.<br />
4. (Lema fundamental sobre segmentos.)<br />
Se C está entre A e B então<br />
AC ∩CB = {C} e AB = AC ∪CB.<br />
5. Qualquer segmento contém uma infinidade de pontos.<br />
(Demonstração)<br />
1. Considere um ponto P não incidente em < A,B > e defina depois R e E usando o axioma<br />
II-2 e C usando o axioma de Pasch.<br />
R<br />
<br />
A<br />
P<br />
C<br />
<br />
2. Suponha que A não está entre B e C, e que C não está entre A e B. Considerem-se D<br />
não incidente na recta < A,B > e G ponto tal que D está entre B e G. Aplique o axioma<br />
de Pasch aos triângulos adequados para definir un ponto E entre G e C e um ponto F<br />
entre A e G. De novo, pelo axioma de Pasch, D está entre A e E e entre C e F e então<br />
B está entre A e C.<br />
G<br />
B<br />
F E<br />
D<br />
E<br />
<br />
A B C<br />
12
3. Designemos por ∆ABC o triângulo e por r a recta. Suponha-se que existem P ∈ AB,<br />
Q ∈ BC e R ∈ CA incidentes em r.<br />
<br />
A<br />
P<br />
<br />
B<br />
<br />
<br />
R<br />
Q<br />
<br />
Aplicando o axioma de Pasch ao triângulo △QRC e à recta < A,B > obtemos que P<br />
não está entre R e Q. De maneira análoga, aplicando esse axioma ao triângulo △PBQ<br />
e à recta < A,C > obtemos que R não está entre P e Q, e aplicando-o a △APR e a<br />
< B,C > obtemos que Q não está entre R e Q.<br />
4. Este“lema”aparentementeinofensivoescondedefactoumasériederesultadosintermédios.<br />
Primeiro resultado: Se C está entre A e B e M está entre A e C, então C está entre<br />
M e B.<br />
<br />
A<br />
<br />
L<br />
T<br />
<br />
<br />
M<br />
R<br />
K<br />
<br />
C<br />
(a) Considera-se um ponto K não incidente na recta < A,B > e um ponto L tal que K<br />
fica entre L e B.<br />
(b) Como A não está entre C e B, mas K está entre L e B, aplicando o axioma de Pasch<br />
ao triângulo △LBC, a recta < A,K > intersecta o segmento LC num ponto T.<br />
(c) Note-se que, como C está entre A e B, e L não está entre K e B, aplicando o<br />
axioma de Pasch ao triângulo △AKB e a recta < C,L >, deduzimos que esse ponto<br />
T também está entre A e K.<br />
(d) Como C não está entre A e M, mas T está entre A e K, aplicando o axioma de<br />
Pasch ao triângulo △AKM, a recta < C,L > intersecta o segmento MK num ponto<br />
R.<br />
(e) Como R está entre K e M, mas L não está entre K e B, aplicando o axioma de<br />
Pasch ao triângulo △MKB, obtemos que a recta < R,L > intersecta o segmento<br />
MB.<br />
(f) Tem-se que < R,L >=< C,L >, e assim, o ponto de interseção de < R,L > com<br />
MB é o ponto C.<br />
13<br />
C<br />
<br />
B
Segundo resultado: Se C está entre A e B e M está entre A e C, então M está entre<br />
A e B.<br />
<br />
A<br />
<br />
M<br />
L<br />
<br />
K <br />
<br />
C<br />
Q<br />
(a) Consideramos um ponto K não incidente na recta < A,C > e um ponto L tal que<br />
K está entre L e C.<br />
(b) Como M não está entre C e B (pelo resultado anterior sabe-se que C ∈ BM),<br />
mas K está entre L e C, aplicando o axioma de Pasch ao triângulo △CLB, a recta<br />
< M,K > intersecta o segmento LB num ponto Q.<br />
(c) Por outro lado, como M está entre A e C, e K está entre L e C, aplicando a alínea<br />
3 ao triângulo △ALC, tem-se que a recta < M,K > não intersecta o segmento AL.<br />
(d) Se a recta < M,K > não intersecta o segmento AL, mas intersecta o segmento LB,<br />
pelo axioma de Pasch aplicado ao triângulo △ALB, tem-se que < M,K > intersecta<br />
o segmento AB. O ponto de intersecção é M e assim M ∈ AB.<br />
Note-se que, por simetria, tem-se também que, se C está entre A e B, e M está entre C<br />
e B, então M não está entre A e C, e assim<br />
AC ∩CB = {C}<br />
E também, por simetria, se C está entre A e B e M está entre C e B tem-se que M está<br />
entre A e B e assim<br />
AC ∪CB ⊂ AB<br />
Terceiro resultado: Sejam M e C entre A e B. Se M está entre C e B tem-se que<br />
<br />
B<br />
M ∈ CB ⊂ AC ∪CB<br />
Podemos então supor que M não está entre entre C e B e usar uma construção análoga<br />
à anterior para verificar que M encontra-se então, obrigatoriamente, entre A e C, pelo<br />
que<br />
M ∈ AC ⊂ AC ∪CB<br />
donde<br />
AB ⊂ AC ∪CB.<br />
5. Prova-se por redução ao absurdo supondo que existe um número finito de pontos incidentes<br />
no segmento.<br />
14
Exemplo . 2.6 Relação “estar entre” no plano afim real<br />
No plano afim real (cf 1.2), a seguinte relação “estar entre” verifica o grupo II de axiomas:<br />
“dados A, B e C, dizemos que C está entre A e B se −→<br />
AC = λ −→<br />
AB com λ ∈]0,1[”<br />
Se A e B são dois pontos de R 2 , o segmento AB é o conjunto:<br />
AB = {A+λ −→<br />
AB : λ ∈ [0,1]} = {(1−λ)A+λB : λ ∈ [0,1]}<br />
A partir de agora, chamaremos plano apenas aos planos de incidência<br />
que verificam os grupos de axiomas I e II.<br />
Definição . 2.7 Incidir na mesma semi-recta, incidir no mesmo semi-plano<br />
1. Seja r uma recta incidente num ponto O. Dizemos que dois pontos P e R incidentes em<br />
r e distintos de O incidem na mesma semi-recta de r com origem O se P = R ou se<br />
O∈/ PR.<br />
<br />
P ′<br />
O<br />
<br />
P<br />
<br />
R<br />
<br />
O∈/ PR<br />
O ∈ PP ′<br />
2. Seja r uma recta do plano de incidência. Dados R e P pontos do plano não incidentes<br />
em r, dizemos que R e P incidem no mesmo semi-plano definido por r se P = R ou se r<br />
não intersectar o segmento PR.<br />
Proposição 2.8<br />
P<br />
<br />
R<br />
1. Fixadas uma recta r e um ponto O incidente em r, a relação “incidir na mesma semi-recta<br />
de r com origem O” é uma relação de equivalência no conjunto dos pontos incidentes em<br />
r, distintos de O, que define apenas duas classes de equivalência.<br />
2. Fixada uma recta r do plano, a relação “incidir no mesmo semi-plano definido por r” é<br />
uma relação de equivalência no conjunto dos pontos do plano não incidentes em r que<br />
define apenas duas classes de equivalência.<br />
15<br />
P ′<br />
r
(Demonstração)<br />
1. A relação é reflexiva por definição e simétrica por 2.3.<br />
Para verificar a transitividade, use o lema fundamental.<br />
Finalmente, note-se que existem B e B ′ tais que O ∈ BB ′ . Usando o lema fundamental,<br />
se X é um ponto da recta, tem-se uma e uma só das possibilidades seguintes: incide na<br />
mesma semi-recta de origem O que B ou X incide na um ponto mesma semi-recta de<br />
origem O que B ′ )<br />
2. De novo, a reflexividade e simetria são directas.<br />
A transitividade deduz-se do axioma de Pasch, se os pontos formam triângulo, ou do lema<br />
fundamental, se os pontos são colineares.<br />
Finalmente, note-se que existem P e P ′ não incidentes em r tais que a recta r intersecta<br />
o segmento PP ′ . Se R for um ponto do plano não incidente em r, usando o lema fundamental<br />
ou a alínea 3 do teorema 2.5, tem-se uma e uma só das possibilidades seguintes:<br />
r intersecta PR ou r intersecta P ′ R.<br />
Definição . 2.9 Semi-rectas, semi-planos<br />
1. Sejam r uma recta e O um ponto incidente em r. Chamamos semi-recta definida em<br />
r de origem O a cada uma das duas classes de equivalência para a relação definida em<br />
2.7, alínea 1. Dado um ponto P distinto de O, designar-se-á por [O,P > a classe de<br />
equivalência de P e diremos que [O,P > é a semi-recta de origem O incidente em P.<br />
O<br />
<br />
Para simplificar as notações e se não houver ambiguidade, as duas classes de equivalência<br />
definidas numa recta r por um ponto O designar-se-ão as vezes por r+ e r−. Diremos que<br />
r+ e r− são semi-rectas opostas e que a recta r é a recta suporte das semi-rectas.<br />
r+ <br />
2. Seja r uma recta do plano. Chamamos semi-plano definido por r a cada uma das duas<br />
classes de equivalência para a relação definida em 2.7, alínea 2. Dado um ponto P não<br />
incidente em r, designar-se-á por HP a classe de equivalência de P e diremos que HP é<br />
o semiplano definido por r que incide em P.<br />
16<br />
O<br />
P<br />
<br />
r+<br />
r−
Proposição 2.10 Incidência de semi-rectas e semi-planos<br />
Sejam h e r duas rectas distintas do plano incidentes num ponto O. Dois pontos A e A ′ de r,<br />
distintos de O, incidem na mesma semi-recta definida em r de origem O se e só se incidem no<br />
mesmo semi-plano definido por h.<br />
r−<br />
O<br />
A<br />
A ′<br />
r+<br />
h O<br />
<br />
r− A<br />
Poroutraspalavras, nascondiçõesdaproposição, ospontos incidentesnumasemi-rectaincidem<br />
no mesmo semi-plano e os pontos incidentes em semi-rectas opostas incidem em semi-planos<br />
opostos.<br />
(Demonstração)<br />
r e h distintas portanto o único ponto que poderia incidir em AA ′ e h é precisamente O. Aplicar<br />
II-3 e < A,A ′ > =/ h.<br />
Definição . 2.11 Ângulo<br />
Sejam r e r ′ duas rectas distintas incidentes num ponto O, P e P ′ dois pontos distintos de O e<br />
incidentes, respectivamente, em r e r ′ . Chamamos ângulo definido por P, O e P ′ e designamos<br />
por ∠POP ′ à intersecção do semiplano definido por r que incide em P ′ e o semiplano definido<br />
por r ′ que incide em P.<br />
Note-se que esta definição é simétrica em relação ao P e P ′ , isto é,<br />
r<br />
r ′<br />
O<br />
P ′<br />
P<br />
∠POP ′ = ∠P ′ OP.<br />
Proposição 2.12 Sejam r e r ′ duas rectas distintas incidentes num ponto O. Sejam P e R<br />
dois pontos incidentes em r, P ′ e R ′ dois pontos incidentes em r ′ tais que P e R estão na<br />
mesma semi-recta definida por O e P ′ e R ′ estão na mesma semi-recta definida por O, então:<br />
r<br />
(Demonstração)<br />
Directa a partir da proposição 2.10.<br />
r ′<br />
∠POP ′ = ∠ROR ′<br />
O<br />
17<br />
R ′<br />
P<br />
P ′<br />
R<br />
A ′<br />
r+<br />
h
Definição . 2.13 Ângulo de duas semi-rectas<br />
Dadas duas semi-rectas h+ e r+ de origem um ponto O, com suportes distintos, definimos o<br />
ângulo formado por h+ e r+ e designamos por ∠{h+,k+} como<br />
∠{h+,k+} = ∠POP ′<br />
sendo P, P ′ , pontos quaisquer das semi-rectas h+ e k+, respectivamente.<br />
O<br />
P<br />
h+<br />
P <br />
′ k+<br />
Os pontos de ∠{h+,k+} são chamados pontos interiores ao ângulo.<br />
Nota . 2.14<br />
Os ângulos que foram definidos aqui (ângulos geométricos) são subconjuntos do conjunto P<br />
de pontos do plano. Note-se que não são considerados como ângulos geométricos os “ângulos<br />
rasos”, só ângulos entre semi-rectas com suportes distintos.<br />
Definição . 2.15 Ângulos suplementares, ângulos verticalmente opostos<br />
• Dado um ângulo ∠{h+,k+}, chama-se ângulo suplementar de ∠{h+,k+} ao ângulo formado<br />
por uma das semi-rectas do ângulo ∠{h+,k+} e a semi-recta oposta à outra recta.<br />
Por definição, qualquer ângulo ∠{h+,k+} tem dois ângulos suplementares: ∠{h+,k−} e<br />
∠{h−,k+}.<br />
k−<br />
h−<br />
<br />
• Dado um ângulo ∠{h+,k+}, chama-se ângulo verticalmente oposto ao ângulo formado<br />
pelas semi-rectas opostas a h+ e k+, ∠{h−,k−}.<br />
k−<br />
h−<br />
<br />
18<br />
h+<br />
h+<br />
k+<br />
k+
Proposição 2.16 Ângulos e semi-rectas<br />
Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O, com suportes distintos, h e k, respectivamente.<br />
1. Um ponto P do plano, não incidente em h ou k, é interior a um e um só dos seguintes<br />
ângulos:<br />
∠{h+,k+} ∠{h−,k+} ∠{h+,k−} ∠{h−,k−}<br />
k−<br />
h−<br />
O<br />
2. Se um ponto P é interior ao ângulo ∠{h+,k+}, todos os pontos da semi-recta r+ de<br />
origem O e incidente em P são interiores ao dito ângulo.<br />
O<br />
P<br />
3. Se uma semi-recta com origem O é interior ao ângulo ∠{h+,k+}, a semi-recta oposta é<br />
interior ao ângulo verticalmente oposto ∠{h−,k−}.<br />
k−<br />
r−<br />
h−<br />
O<br />
4. Se uma semi-recta r+, com suporte r e origem O, é interior ao ângulo ∠{h+,k+}, as<br />
semi-rectas h+ e k− incidem no mesmo semi-plano definido por r.<br />
5. Se uma semi-recta r+, com suporte r e origem O, é interior ao ângulo ∠{h+,k+}, as<br />
semi-rectas h+ e k+ incidem em semi-planos opostos definidos por r.<br />
19<br />
h+<br />
h+<br />
k+<br />
k+<br />
h+<br />
k+<br />
r+
(Demonstração)<br />
1. Directa da definição.<br />
2. Directa a partir da proposição 2.10.<br />
3. Directa a partir da proposição 2.10.<br />
4. Como r+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+}, as semi-rectas r+ e k+ incidem no mesmo semiplano<br />
definido por h e assim r+ e k− incidem em semi-planos opostos definidos por h.<br />
Portanto, dados dois pontos S ∈ k− e R ∈ r+, distintos de O, a recta h intersecta o<br />
segmento SR num ponto T.<br />
k−<br />
S<br />
h+<br />
T<br />
<br />
R<br />
O<br />
k+<br />
Note-se que o segmento TR não intersecta a recta k (se intersectar seria no ponto S e<br />
S∈/ TR) e portanto T e R incidem no mesmo semi-plano definido por k. Como R ∈ r+,<br />
e r+ e h+ incidem no mesmo semi-plano definido por k, obtém-se que T incide, de facto,<br />
na semi-recta h+. Recorde-se que R∈/ ST, por tanto S e T incidem no mesmo semi-plano<br />
definido por r, e assim, k− e h+ incidem no mesmo semi-plano definido por k.<br />
5. Directa a partir da alínea anterior e da proposição 2.10.<br />
Exercícios . 2.17<br />
1. Complete as demonstrações das proposições e teoremas enunciados.<br />
2. As semi-rectas são conjuntos infinitos?<br />
3. Prove que as diagonais de um quadrilátero convexo se intersectam num único ponto.<br />
4. Prove que a relação “estar entre” no plano afim real definida em 2.6 verifica efectivamente o grupo<br />
II de axiomas.<br />
5. Prove a seguinte caracterização de paralelismo<br />
Duas rectas distintas são paralelas se e só se todos os pontos incidentes numa delas incidem no<br />
mesmo semi-plano definido pela outra.<br />
6. Seja r uma recta de um plano de incidência que verifica os grupos de axiomas I e II. Sejam O e I<br />
dois pontos distintos e incidentes com r e r+ a semi-recta de origem O e incidente em I. Sejam<br />
X e Y pontos incidentes com a recta r<br />
• se X ∈ r+ ou X = O e Y ∈ r− ou Y = 0, dizemos que Y é menor o igual que X;<br />
• se X,Y ∈ r+ e Y ∈ OX dizemos que Y é menor o igual que X;<br />
• se X,Y ∈ r− e X ∈ OY dizemos que Y é menor o igual que X.<br />
Prove que esta relação “menor ou igual” é uma relação de ordem total no conjunto dos pontos<br />
incidentes com r.<br />
20<br />
r+
3 Axiomas de congruência<br />
Considere-se um plano de incidência que verifique os axiomas dos grupos I e II e tal que estão<br />
definidas duas relações de equivalência 1 , chamadas relações de congruência e designadas por<br />
≡, no conjunto dos segmentos do plano e no conjunto dos ângulos do plano.<br />
III. Axiomas de congruência.<br />
III-1 (Transporte de segmentos) Sejam A e B dois pontos incidentes numa recta r; e seja A ′<br />
um ponto incidente numa recta r ′ não necessariamente distinta de r. Então, em qualquer das<br />
semi-rectas definidas em r ′ pelo ponto A ′ existe um e um só ponto B ′ tal que o segmento AB é<br />
congruente com o segmento A ′ B ′ .<br />
A<br />
<br />
′′<br />
B<br />
B ′ 2 A ′ B ′ 1<br />
<br />
′′ ′′<br />
r<br />
III-2 (Soma de segmentos) Sejam A, B, C, A ′ , B ′ e C ′ tais que B está entre A e C e B ′ está<br />
entre A ′ e C ′ . Se AB ≡ A ′ B ′ e BC ≡ B ′ C ′ então AC ≡ A ′ C ′<br />
A<br />
<br />
′′<br />
B<br />
′<br />
C<br />
<br />
A ′ B ′ C ′<br />
<br />
′′ ′<br />
III-3 (Transporte de ângulos) Consideremos um ângulo ∠{h+,k+}, uma recta r, um dos semiplanos<br />
H definido por r, um ponto O ′ de r e finalmente uma das semi-rectas r+ definidas em r<br />
por O ′ , Então, existe no semi-plano fixado uma e uma só semi-recta m+ de origem O ′ tal que<br />
∠{h+,k+} ≡ ∠{r+,m+} e tal que os pontos de ∠{r+,m+} incidem no semi-plano fixado.<br />
O<br />
h+<br />
k+<br />
O <br />
′<br />
1 Na axiomática de Hilbert NÃO é exigido que sejam relações de equivalência [7], prova-se posteriormente.<br />
21<br />
r+<br />
m+<br />
m ′ +<br />
r ′
III. Axiomas de congruência.<br />
III-4 Sejam A, B e C três pontos não colineares e A ′ , B ′ e C ′ três pontos também não colineares.<br />
Se AB ≡ A ′ B ′ , AC ≡ A ′ C ′ e ∠CAB ≡ ∠C ′ A ′ B ′ , tem-se<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
∠ABC ≡ ∠A ′ B ′ C ′<br />
C<br />
e ∠BCA ≡ ∠B ′ C ′ A ′<br />
Nota . 3.1<br />
Note-se que, num plano de incidência que verifique os axiomas I, II e III se tem:<br />
1. Dados três pontos A, B1 e B2 do plano, se AB1 ≡ AB2 e B1 e B2 incidem na mesma<br />
semi-recta de origem A, então B1 = B2 (axioma III-1)<br />
2. Dados quatro pontos A, B, C1 e C2, se ∠C1AB ≡ ∠C2AB e C1 e C2 incidem no mesmo<br />
semi-plano definido pela recta < A,B >, então A, C1 e C2 são colineares e incidem na<br />
mesma semi-recta de origem A(axioma III-3)<br />
A partir de agora, chamaremos plano aos planos de incidência que<br />
verificam os grupos de axiomas I, II e III.<br />
Proposição . 3.2 Diferença de segmentos<br />
Sejam A, B e C três pontos tais que B está entre A e C e outros três pontos A ′ , B ′ e C ′ tais<br />
que B ′ e C ′ estão numa semi-recta de origem A ′ . Se AB ≡ A ′ B ′ e AC ≡ A ′ C ′ , então B ′ está<br />
entre A ′ e C ′ e BC ≡ B ′ C ′<br />
(Demonstração)<br />
Considerar o ponto C ′′ na semi-recta oposta à semi-recta de origem B ′ e incidente em A ′<br />
que verifica BC ≡ B ′ C ′′ . Por III-2 tem-se que AC ≡ A ′ C ′′ , e como AC ≡ A ′ C ′ obtemos<br />
A ′ C ′ ≡ A ′ C ′′ . Como C ′ e C ′′ incidem na mesma semi-recta de origem A ′ tem-se que C ′ =C ′′ .<br />
22<br />
C ′<br />
B ′<br />
<br />
<br />
−<br />
<br />
A ′
Definição . 3.3 Ângulos internos de um triângulo<br />
Seja ∆ABC um triângulo. Os ângulos ∠ABC, ∠BCA e ∠CAB são chamados ângulos internos<br />
do triângulo.<br />
A<br />
B<br />
C<br />
Definição . 3.4 Congruência de triângulos<br />
Dizemos que dois triângulos ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ são congruentes quando são congruentes os<br />
lados e os ângulos internos, isto é,<br />
AB ≡ A ′ B ′ BC ≡ B ′ C ′ CA ≡ C ′ A ′<br />
∠ABC ≡ ∠A ′ B ′ C ′ ∠BCA ≡ ∠B ′ C ′ A ′ ∠CAB ≡ ∠C ′ A ′ B ′<br />
Se ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ forem congruentes, escrevemos ∆ABC ≡ ∆A ′ B ′ C ′ .<br />
<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
<br />
C<br />
Teorema . 3.5 Critérios de congruência de triângulos<br />
Sejam ∆ABC, ∆A ′ B ′ C ′ dois triângulos.<br />
1. Caso LAL (lado, ângulo, lado)<br />
C ′<br />
B ′<br />
Se AB ≡ A ′ B ′ , AC ≡ A ′ C ′ e ∠CAB ≡ ∠C ′ A ′ B ′ , os triângulos ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ são<br />
congruentes.<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
C<br />
23<br />
<br />
<br />
C ′<br />
B ′<br />
<br />
<br />
−<br />
<br />
−<br />
<br />
A ′<br />
A ′
2. Caso ALA (ângulo, lado, ângulo)<br />
Se ∠CAB ≡ ∠C ′ A ′ B ′ , ∠ABC ≡ ∠A ′ B ′ C ′ e AB ≡ A ′ B ′ , os triângulos ∆ABC e<br />
∆A ′ B ′ C ′ são congruentes.<br />
B<br />
<br />
(Demonstração)<br />
A<br />
1. (Critério LAL)<br />
C<br />
Sejam △ABC e △A ′ B ′ C ′ nas condicções indicadas. Pelo axioma III-4 tem-se que<br />
Só falta provar que BC ≡ B ′ C ′ .<br />
B<br />
<br />
<br />
B1<br />
A<br />
<br />
∠ABC ≡ ∠A ′ B ′ C ′<br />
C<br />
C ′<br />
B ′<br />
<br />
<br />
<br />
A ′<br />
e ∠BCA ≡ ∠B ′ C ′ A ′<br />
C ′<br />
B ′<br />
Considere-se, aplicando III-1, um ponto B1 na semi-recta de origem C e incidente em B<br />
tal que B1C ≡ B ′ C ′ .<br />
Aplicando o axioma III-4 aos triângulos △AB1C e △A ′ B ′ C ′ obtemos<br />
∠AB1C ≡ ∠A ′ B ′ C ′<br />
<br />
<br />
−<br />
<br />
A ′<br />
∠B1AC ≡ ∠B ′ A ′ C ′<br />
donde ∠BAC ≡ ∠B1AC. Como B e B1 incidem na mesma semi-recta de origem C, B<br />
e B1 incidem no mesmo semi-plano definido por < A,C > (proposição 2.10). Aplicando<br />
III-3, deduz-se que B e B1 incidem na mesma-semi recta de origem A. B1 incide então<br />
em < A,B > e em < B,C > logo B1 = B.<br />
24
2. (Critério ALA)<br />
Sejam △ABC e △A ′ B ′ C ′ nas condições indicadas. Considere-se, usando III-1, um ponto<br />
C1 na semi-recta de origem A e incidente em C tal que<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
C1<br />
<br />
C<br />
AC1 ≡ A ′ C ′<br />
C ′<br />
B ′<br />
Aplicando o critério LAL, tem-se que os triângulos △ABC1 e △A ′ B ′ C ′ são congruentes,<br />
em particular<br />
∠ABC1 ≡ ∠A ′ B ′ C ′<br />
donde ∠ABC1 ≡ ∠ABC. Por argumentos análogos à alínea anterior, tem-se que C1 e C<br />
incidem na mesma semi-recta de origem B. Assim C1 incide em < B,C > e em < A,C ><br />
logo C1 = C.<br />
Teorema 3.6 A congruência respeita a diferença de ângulos<br />
Sejam h+, r+ e k+ (respectivamente h ′ +, r ′ +, k ′ +) três semi-rectas de origem O (respectivamente<br />
O ′ ) com suportes distintos e tais que os pontos incidentes na semirecta r+ são interiores ao<br />
ângulo ∠{k+,h+}. Suponha-se ainda que h ′ + e r ′ + incidem no mesmo semi-plano definido por<br />
k ′ . Se<br />
∠{k+,r+} ≡ ∠{k ′ +,r ′ +} e ∠{k+,h+} ≡ ∠{k ′ +,h ′ +}<br />
então r ′ + é interior ao ângulo ∠{k ′ +,h ′ +} e<br />
O <br />
h+<br />
r+<br />
<br />
<br />
−<br />
<br />
∠{r+,h+} ≡ ∠{r ′ +,h ′ +}<br />
k+<br />
25<br />
O ′<br />
A ′<br />
h ′ +<br />
r ′ +<br />
k ′ +
(Demonstração)<br />
Considere-se um ponto A na semi-recta h+, um ponto B na semi-recta k+, um ponto A ′ na<br />
semi-recta h ′ + e um ponto B ′ na semi-recta k ′ + tais que OA ≡ O ′ A ′′ e OB ≡ O ′ B ′ .<br />
O<br />
Note-se que, por LAL,<br />
A<br />
<br />
<br />
B<br />
h+<br />
r+<br />
k+<br />
O <br />
′<br />
△OAB ≡ △O ′ A ′ B ′<br />
O teorema deduz-se directamente dos lemas indicados de seguida, cuja demonstração será<br />
indicada ao final:<br />
Lema I Existe um ponto R incidente no segmento AB e na semi-recta r+<br />
Lema II Existe um ponto R ′ incidente no segmento A ′ B ′ e tal que<br />
△ORB ≡ △O ′ R ′ B ′<br />
Lema III O ponto R ′ incide na semi-recta r ′ +<br />
O<br />
A<br />
<br />
R<br />
<br />
B<br />
Observe-se que, pelo lema III<br />
e, pelo lema II, como<br />
obtemos<br />
h+<br />
r+<br />
k+<br />
A<br />
<br />
′<br />
<br />
B ′<br />
h ′ +<br />
r ′ +<br />
k ′ +<br />
e △ORA ≡ △O ′ R ′ A ′<br />
O <br />
′<br />
∠{r ′ +,h ′ +} = ∠R ′ O ′ B ′ ,<br />
∠R ′ O ′ A ′ ≡ ∠ROA<br />
∠{r ′ +h ′ +} ≡ ∠{r+h+}<br />
Note-se que r ′ + é interior ao ângulo ∠{k ′ +,h ′ +} porque R ′ é interior a esse ângulo (lema II) e<br />
podemos aplicar a proposição 2.16.<br />
26<br />
A<br />
<br />
′<br />
<br />
B ′<br />
R ′<br />
<br />
h ′ +<br />
r ′ +<br />
k ′ +
Provemos agora os resultados anunciados:<br />
• Lema I:<br />
O<br />
A<br />
<br />
R<br />
<br />
B<br />
h+<br />
r+<br />
k+<br />
As semi-rectas h+ e k+ incidem em semi-planos opostos definidos por r (proposição 2.16)<br />
e portanto existe R incidente em r tal que R ∈ AB. Tem-se então que R e A incidem no<br />
mesmo semiplano definido por k e que R e B incidem no mesmo semi-plano definido por<br />
h. O ponto P é interior ao triângulo logo P ∈ r+ (pela proposição 2.16 não pode incidir<br />
em r−).<br />
• Lema II:<br />
O<br />
A<br />
<br />
R<br />
<br />
B<br />
h+<br />
r+<br />
k+<br />
Seja R ′ o ponto na semi-recta de origem B ′ e incidente em A ′ que verifica RB ≡ R ′ B ′ .<br />
Usando a proposição 3.2, sabemos que R ′ está entre A ′ e B ′ e que A ′ R ′ ≡ AR. R ′ e A ′<br />
incidem assim na mesma semi-recta de origem B ′ e tem-se<br />
O <br />
′<br />
A<br />
<br />
′<br />
<br />
B ′<br />
R ′<br />
<br />
∠O ′ B ′ R ′ ≡ ∠O ′ B ′ A ′ ≡ ∠OBA ≡ ∠OBR<br />
Como R ′ e B ′ incidem na mesma semi-recta de origem A ′ , tem-se<br />
∠O ′ A ′ R ′ ≡ ∠O ′ A ′ B ′ ≡ ∠OAB ≡ ∠OAR<br />
Aplicando o critério LAL aos triângulos △O ′ B ′ R ′ e △OBR e aos triângulos △O ′ A ′ R ′ e<br />
△OAR obtemos<br />
• Lema III:<br />
△ORB ≡ △O ′ R ′ B ′<br />
h ′ +<br />
r ′ +<br />
e △ORA ≡ △O ′ R ′ A ′<br />
A semi-recta r ′ + e o ponto R ′ incidem no mesmo semi-plano definido por k e então, por<br />
III-3, a semi-recta de origem O ′ e incidente em R ′ é igual à semi-recta r ′ +, logo R ′ ∈ r ′ +.<br />
27<br />
k ′ +
Corolário 3.7 A congruência respeita a soma de ângulos<br />
Sejam h+, r+ e k+ (respectivamente h ′ +, r ′ +, k ′ +) três semi-rectas de origem O (respectivamente<br />
O ′ ) com suportes distintos e tais que os pontos incidentes na semirecta r+ (respectivamente na<br />
semirecta r ′ +) são interiores ao ângulo ∠{h+,k+} (respectivamente ao ângulo ∠{h ′ +,k ′ +}).<br />
Então:<br />
O<br />
r+<br />
h+<br />
k+<br />
∠{h+,r+} ≡ ∠{h ′ +,r ′ +}<br />
∠{r+,k+} ≡ ∠{r ′ +,k ′ +}<br />
<br />
O <br />
′<br />
=⇒ ∠{h+,k+} ≡ ∠{h ′ +,k ′ +}<br />
(Demonstração)<br />
Considere-se, usando III-3, uma semi-recta h ′′ + incidente no mesmo semi-plano definido por k ′<br />
que r ′ + e tal que<br />
∠{h+,k+} ≡ ∠{h ′′ +,k ′ +}<br />
Aplica-se o teorema 3.6 e o axioma III-3 para deduzir que h ′ + = h ′′ +.<br />
Proposição 3.8 Se dois ângulos são congruentes qualquer dos suplementares de um deles é<br />
congruente com qualquer dos suplementares do outro. Em particular, dois ângulos verticalmente<br />
opostos são congruentes.<br />
(Demonstração)<br />
Sejam h+, r+ semi-rectas de origem O e h ′ + e r ′ + semi-rectas de origem O ′ tais que<br />
∠{h+,r+} ≡ ∠{h ′ +,r ′ +}<br />
Considerem-se pontos A ∈ r+, A ′ ∈ r ′ +, B ∈ h+, B ′ ∈ h ′ +, C ∈ r− e C ′ ∈ r− tais que<br />
<br />
C<br />
<br />
O<br />
OA ≡ O ′ A ′ OB ≡ O ′ B ′ OC ≡ O ′ C ′<br />
B<br />
<br />
<br />
A<br />
h+<br />
r+<br />
Usando o critério LAL, obtemos que △ABO ≡ △A ′ B ′ O ′ , em particular ∠OAB ≡ ∠O ′ A ′ B ′ e<br />
AB ≡ A ′ B ′ . Aplicando o axioma III-2 e o critério LAL obtemos então que △CAB ≡ △C ′ A ′ B ′ ,<br />
e, de novo por LAL, que △COB ≡ △C ′ O ′ B ′ , donde<br />
<br />
C ′<br />
<br />
O ′<br />
∠{r−,h+} ≡ ∠COB ≡ ∠C ′ O ′ B ′ ≡ ∠{r ′ −,h ′ +}<br />
28<br />
B<br />
<br />
′<br />
<br />
A ′<br />
r ′ +<br />
h ′ +<br />
k ′ +<br />
h ′ +<br />
r ′ +
Definição . 3.9 Ângulos rectos, rectas perpendiculares<br />
• Dizemosqueumânguloérectosefôrcongruentecomqualquerumdosseussuplementares.<br />
• Dizemos que duas rectas sâo perpendiculares se incidem num ponto O e se o ângulo de<br />
vértice O e cujos lados têm como suporte essas rectas é recto.<br />
Atenção! Note-se que noção de ângulo recto está bem definida por causa da proposição<br />
3.8. Ainda, da proposição 3.8, podemos concluir que se um ângulo for congruente com um<br />
ângulo recto então é recto. Mas ainda não foi provado que dois ângulos rectos quaisquer são<br />
congruentes.<br />
Proposição 3.10 Consequências dos axiomas de incidência, ordem e congruência<br />
1. (O teorema do triângulo isósceles )<br />
Num triângulo ∆ABC tem se AC ≡ BC se e só se ∠ABC ≡ ∠CAB.<br />
C<br />
′′<br />
′′<br />
B<br />
A<br />
⇐⇒<br />
2. (Existência de ângulos rectos e perpendicular)<br />
C<br />
Seja r uma recta e P um ponto do plano. Existe uma recta perpendicular a r e incidente<br />
em P. Em particular, existem ângulos rectos.<br />
3. (O IV Postulado de Euclides) Todos os ângulos rectos são congruentes.<br />
4. (Unicidade da perpendicular) Seja r uma recta e P um ponto do plano. Existe uma única<br />
recta perpendicular a r e incidente em P.<br />
5. (Caso LLL de congruência de triângulos)<br />
Se AB ≡ A ′ B ′ , BC ≡ B ′ C ′ e CA ≡ C ′ A ′ , os triângulos ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ são congruentes.<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
<br />
C<br />
29<br />
C ′<br />
B ′<br />
<br />
<br />
<br />
−<br />
<br />
A ′<br />
B<br />
A
(Demonstração)<br />
1. (O teorema do triângulo isósceles )<br />
Num triângulo ∆ABC tem se AC ≡ BC se e só se ∠ABC ≡ ∠CAB.<br />
C<br />
′′<br />
′′<br />
B<br />
A<br />
⇐⇒<br />
C<br />
Aplicar o critério LAL aos triângulos △BCA e △ACB. Para o recíproco, aplicar o<br />
critério ALA aos triângulos △BCA e △ACB.<br />
2. (Existência de ângulos rectos e perpendicular)<br />
Suponha-se, em primeiro lugar, que o ponto P não incide na recta r e considerem-se O e<br />
A pontos incidentes em r. Usando o axioma III-3 e o axioma III-1, podemos definir um<br />
ponto Q, no semi-plano oposto definido por r e incidente em P, tal que<br />
r<br />
∠POA ≡ ∠AOQ e OP ≡ OQ<br />
<br />
O<br />
P<br />
<br />
<br />
A<br />
<br />
Q<br />
′<br />
Seja A ′ o ponto de incidência do segmento PQ com a recta r. Há duas possibilidades:<br />
A ′ = O ou A ′ =/ O. No primeiro caso, os pontos P, O e Q são colineares e então a recta<br />
< P,Q > é perpendicular a r. No segundo caso podemos aplicar LAL para deduzir que<br />
△POA ′ ≡ △QOA ′ (se A ′ incidir na semi-recta oposta ao ponto A aplica-se a proposição<br />
3.8) donde ∠PA ′ O ≡ ∠QA ′ O e por tanto ∠PA ′ O é recto.<br />
Finalmente, se P incidir na recta r, podemos considerar um ponto P ′ não incidente em r<br />
e usar o raciocínio anterior para construir uma perpendicular a r incidente em P ′ . Pelo<br />
axioma III-3 e pela proposição 3.8, existirá uma perpendicular a r em P.<br />
30<br />
<br />
A<br />
B<br />
A
3. (O IV Postulado de Euclides)<br />
Suponha-se que existem semi-rectas h+, r+, h ′ +, r ′ + tais que ∠{h+,r+} e ∠{h ′ +,r ′ +}<br />
são rectos. Pelo axioma III-1, existe uma semi-recta h ′′ + no semi-plano definido por r e<br />
incidente em h+ tal que<br />
∠{h ′′ +,r+} ≡ ∠{h ′ +,r ′ +}<br />
É preciso provar que h ′′ + = h+ e assim<br />
∠{h+,r+} = ∠{h ′′ +,r+} ≡ ∠{h ′ +,r ′ +}<br />
Podemos supor as semi-rectas h+ e r+ no mesmo semi-plano definido por h ′′ .<br />
<br />
A<br />
′′<br />
h ′′ +<br />
C ′<br />
<br />
<br />
O<br />
Seja O a origem destas semi-rectas, por III-1, existe um ponto A na semi-recta r− e um<br />
ponto B na semi-recta r+ tais que OB ≡ OA. Fixado C ∈ h+, existe um ponto C ′<br />
incidente na semi-recta h ′′ + e no segmento AC (proposição 2.16 e consequências). Note-se<br />
que C e C ′ incidem no mesmo semi-plano definido por r.<br />
Como ∠C ′ OB é recto, aplicando LAL obtemos △AOC ′ ≡ △C ′ OB. Analogamente, como<br />
∠COB é recto, obtemos que △AOC ≡ △COB. Em particular<br />
C<br />
h+<br />
′′<br />
<br />
B<br />
∠C ′ AO ≡ ∠C ′ BO ∠CAO ≡ CBO<br />
Mas C ′ e C incidem na mesma-semirecta de origem A donde ∠CAO = ∠C ′ AO e assim<br />
∠C ′ BO ≡ ∠CBO<br />
Pelo axioma III-3, C e C ′ incidem também na mesma semi-recta de origem B. Em<br />
particular, C ′ incide na recta < A,C > e na recta < B,C > donde C = C ′ e assim<br />
h+ = h ′′ +<br />
31<br />
r+
4. (Unicidade da perpendicular por um ponto dado)<br />
Sejam r uma recta e P um ponto do plano. Se P incidir em r, pelo axioma III-3 e a<br />
alínea anterior, existe uma única perpendicular a r incidente em P.<br />
Suponhamos que P não incide na recta r e que existem duas perpendiculares a r, s e s ′ ,<br />
incidentes em P. Sejam K e K ′ os pontos de incidência de s e s ′ , respectivamente, com<br />
r. Seja A um ponto da recta r tal que K ∈ AK ′ .<br />
<br />
A<br />
s ′ s<br />
P<br />
<br />
−<br />
=<br />
<br />
K<br />
=<br />
P <br />
′′<br />
<br />
K ′<br />
Definimos dois pontos P ′ ,P ′′ , incidentes, respectivamente, nas semi-rectas de origem K ′<br />
e K opostas a P e verificando PK ′ ≡ K ′ P ′′ e PK ≡ KP ′ . É preciso provar que P′ = P ′′ .<br />
Note-se que, pelo critério LAL, tem-se<br />
Em particular<br />
△APK ′ ≡ △AP ′ K ′<br />
−<br />
P′<br />
e △APK ≡ △AP ′′ K<br />
AP ′ ≡ AP ≡ AP ′′<br />
Por outro lado, P ′ e P ′′ incidem no mesmo semi-plano definido por r e verificam<br />
∠P ′′ AK ′ ≡ ∠PAK ′ ≡ PAK ≡ P ′ AK<br />
portanto, por III-3, P ′ e P ′′ incidem na mesma semi-recta de origem A e por III-1 tem-se<br />
P ′ = P ′′ .<br />
32<br />
r
5. (Caso LLL de congruência de triângulos)<br />
Se AB ≡ A ′ B ′ , BC ≡ B ′ C ′ e CA ≡ C ′ A ′ , os triângulos ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ são congruentes.<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
A ′′<br />
<br />
<br />
C<br />
C ′<br />
<br />
B ′<br />
Define-se um ponto A ′′ no semi-plano definido por < B,C >, oposto ao ponto A e tal<br />
que △A ′′ BC ≡ △A ′ B ′ C ′ (usar axiomas III-3 e III-1 e o critério LAL). Seja K o ponto<br />
de incidência do segmento AA ′′ a recta < B,C >. Os triângulos △ABA ′′ e △ACA ′′ são<br />
isósceles, donde<br />
∠BAK ≡ ∠BA ′′ K ∠KAC ≡ ∠KA ′′ C<br />
Note-se que há duas possibilidades: o ponto K incide no segmento BC ou K não incide<br />
no segmento BC.<br />
B<br />
<br />
A<br />
<br />
K<br />
<br />
<br />
A ′′<br />
C<br />
No primeiro caso, usando a proposição 3.7 obtemos que ∠BAC ≡ BA ′′ C e então, pelo<br />
critério ALA, obtemos<br />
△ABC ≡ △A ′′ BC ≡ △A ′ B ′ C ′<br />
A<br />
<br />
K <br />
No segundo caso, podemos supor B ∈ KC e aplicar então o corolário 3.6.<br />
33<br />
<br />
A ′′<br />
B<br />
−<br />
<br />
A ′<br />
<br />
C
Definição . 3.11 Comparação de segmentos e de ângulos<br />
• Sejam AB e CD dois segmentos de um plano. Seja B1 o ponto incidente na semi-recta<br />
de origem C e incidente em C que verifica AB ≡ CB1. Dizemos que o segmento AB é<br />
menor que o segmento CD e escrevemos AB < CD se B1 está entre C e D.<br />
A B C B1 D<br />
• Sejam ∠{h+,k+} e ∠{m+,n+} dois ângulos do plano. Seja ˜ k+ a semi-recta incidente no<br />
mesmo semi- plano definido por m que n+ que verifica<br />
∠{h+,k+} ≡ ∠{m+, ˜ k+}<br />
Dizemos que o ângulo ∠{h+,k+} é menor que o ângulo ∠{m+,n+} e escrevemos<br />
se ˜ k+ é interior ao ângulo ∠{m+,n+}<br />
<br />
k+<br />
∠{h+,k+} < ∠{m+,n+}<br />
h+ <br />
Teorema 3.12 Propriedades da comparação de segmentos e de ângulos.<br />
1. Sejam AB, A ′ B ′ , CD e C ′ D ′ segmentos do plano tais que AB ≡ A ′ B ′ e CD ≡ C ′ D ′ . Se<br />
AB < CD então A ′ B ′ < C ′ D ′ .<br />
2. Sejam ∠{h+,k+}, ∠{h ′ +,k ′ +}, ∠{m+,n+} e ∠{m ′ +,n ′ +} ângulos do plano tais que<br />
∠{h+,k+} ≡ ∠{h ′ +,k ′ +} ∠{m+,n+} ≡ ∠{m ′ +,n ′ +}.<br />
Se ∠{h+,k+} < ∠{m+,n+} então ∠{h ′ +,k ′ +} < ∠{m ′ +,n ′ +}.<br />
3. Sejam AB e CD dois segmentos do plano. Tem-se uma e uma só das seguintes possibilidades:<br />
AB < CD AB ≡ CD CD < AB<br />
4. Sejam ∠{h+,k+} e ∠{m+,n+} dois ângulos do plano. Tem-se uma e uma só das<br />
seguintes possibilidades:<br />
∠{h+,k+} < ∠{m+,n+} ∠{h+,k+} ≡ ∠{m+,n+} ∠{m+,n+} < ∠{h+,k+}<br />
5. As relações definidas são transitivas.<br />
34<br />
n+<br />
˜k+<br />
m+
(Demonstração)<br />
1. Sejam B1 e B ′ 1 os pontos nas semi-rectas de origem C e C′ incidentes nos pontos D e D ′ ,<br />
respectivamente, que verificam<br />
Note-se que, como AB ≡ A ′ B ′ tem-se<br />
AB ≡ CB1 e A ′ B ′ ≡ C ′ B ′ 1<br />
CB1 ≡ C ′ B ′ 1<br />
Por hipótese CD ≡ C ′ D ′ e B1 entre C e D. Pela proposição 3.2, tem-se que B ′ 1 está<br />
entre C ′ e D ′ , logo A ′ B ′ < C ′ D ′ .<br />
A B C B1 D<br />
A <br />
′ B ′ C D ′<br />
B ′ 1<br />
2. Sejam ˜ k+ e ˜ k ′ + as semi-rectas nos semi-planos definidos por m e m ′ incidentes em n+ e<br />
n ′ +, respectivamente, que verificam<br />
<br />
<br />
∠{m+, ˜ k+} ≡ ∠{h+,k+} e ∠{m ′ +, ˜ k ′ +} ≡ ∠{h ′ +,k ′ +}<br />
k+<br />
k ′ +<br />
h+ <br />
h ′ + <br />
Note-se que ∠{m+, ˜ k+} ≡ ∠{m ′ +, ˜ k ′ +} e, por hipótese, que ˜ k+ é interior ao ângulo<br />
∠{m+,n+}.<br />
O resultado deduz-se do teorema 3.6.<br />
35<br />
n+<br />
n ′ +<br />
˜k+<br />
˜k ′ +<br />
m+<br />
m ′ +
3. Seja B1 o ponto na semi-recta de origem C tal que AB ≡ CB1. Suponhamos que não se<br />
tem AB ≡ CD nem AB < CD. Por hipótese, o ponto B1 não pertence ao segmento CD.<br />
Tem-se que D está entre C e B1.<br />
A B C D B1<br />
A D1 B C D<br />
Considere-seopontoD1 incidentenasemi-rectadeorigemAeincidenteemB queverifica<br />
AD1 ≡ CD. Pela proposição 3.2, D1 está entre A e B e portanto<br />
CD < AB<br />
4. Suponha-se que ∠{h+,k+} não é menor nem congruente com o ângulo ∠{m+,n+}. Seja<br />
˜k+ asemi-rectanosemi-plano definido por meincidente em n+ queverifica∠{m+, ˜ k+} ≡<br />
∠{h+,k+}. Nas hipóteses indicadas, pela proposição 2.16, a semi-recta n+ deve ser<br />
interior ao ângulo ∠{m+, ˜ k+}.<br />
<br />
k+<br />
ñ+<br />
h+<br />
Considere-se então, no semi-plano definido por h e incidente em k+, a semi-recta ñ+ que<br />
verifica<br />
∠{h+,ñ+} ≡ ∠{m+,n+}<br />
Usando o lema 3.6, obtem-se que ñ+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+} donde<br />
∠{m+,n+} < ∠{h+,k+}<br />
5. Aplicar a proposição 3.2 e lema fundamental para a comparação de segmentos. Usar o<br />
lema 3.6 para a comparação de ângulos.<br />
Nota . 3.13<br />
A partir do teorema anterior, se AB < CD, tem-se também AB < DC, BA < CD ... já que<br />
AB ≡ BA, CD ≡ DC ... Note-se que estes resultados não eram, a priori, evidentes, pois na<br />
definição da comparação é feita uma construção que passa por uma determinada ”escolha” dos<br />
pontos. E analogamente para os ângulos ...<br />
36<br />
<br />
˜k+<br />
n+<br />
m+
Definição . 3.14 Ângulos agudos, obtusos<br />
Um ângulo diz-se obtuso se for maior que o seu suplementar. Um ângulo diz-se agudo se for<br />
menor que o seu suplementar.<br />
Proposição . 3.15<br />
Um ângulo obtuso é maior que um ângulo recto. Um ângulo agudo é menor que um ângulo<br />
recto.<br />
(Demonstração)<br />
Seja ∠{h+,k+} um ângulo obtuso, isto é<br />
∠{h−,k+} < ∠{h+,k+}<br />
Seja m+ a semi-recta no semi-plano definido por h e incidente em k+ tal que ∠{h+,m+} é<br />
recto.<br />
h−<br />
m+ k+<br />
Se ∠{h+,k+} < ∠{h+,m+} tem-se que k+ é interior ao ângulo ∠{h+,m+} e portanto m+<br />
é interior ao ângulo ∠{h−,k+} donde<br />
h+<br />
∠{h−,m+} < ∠{h−,k+}<br />
Mas, como ∠{h+,m+} ≡ ∠{h−,m+} tem-se também<br />
∠{h+,k+} < ∠{h+,m+} ≡ ∠{h−,m+}<br />
donde ∠{h+,k+} < ∠{h−,k+} (absurdo).<br />
A demonstração da segunda afirmação é análoga (note-se que são recíprocas uma da outra)<br />
Definição . 3.16 Ângulo exterior de um triângulo<br />
Seja△ABC umtriângulodoplano. Osângulossuplementaresaosângulosinternosdotriângulo<br />
são chamados ângulos exteriores do triângulo.<br />
<br />
A<br />
C<br />
<br />
Teorema 3.17 O Teorema do ângulo exterior<br />
Seja △ABC um triângulo do plano. Cada ângulo exterior é maior que os ângulos interiores<br />
que não lhe são suplementares.<br />
37<br />
<br />
B
A<br />
C<br />
<br />
(Demonstração)<br />
Seja △ABC um triângulo. Suponha-se que o ângulo exterior em A é menor ou congruente<br />
ao ângulo interior em C. Usando o axioma III-3 e a proposição 2.16 existe um ponto B1 no<br />
segmento AB tal que o ângulo ∠B1CA é congruente com o ângulo exterior em A.<br />
<br />
D<br />
<br />
A<br />
C<br />
<br />
Considere-se o ponto D, incidente na semi-recta de origem A oposta à semi-recta incidente em<br />
B e B1, um ponto D tal que DA ≡ B1C Pelo critério LAL, tem-se<br />
<br />
B<br />
<br />
B1<br />
△DAC ≡ △B1CA<br />
emparticular∠CAB1 ≡ ∠ACD. Como∠CAB1 e∠CAD sãosuplementares, obtem-se(axioma<br />
III-3) que ∠ACD e ∠ACB1 são suplementares, donde D incide na recta < C,B1 > (absurdo).<br />
Teorema 3.18 Seja △ABC um triângulo. Se AB < AC então o ângulo interior em C é<br />
menor que o ângulo interior em B. Em particular, em todo triângulo, ao maior lado opõe-se<br />
o maior ângulo.<br />
(Demonstração)<br />
Seja △ABC um triângulo. Vamos provar que, se AB < AC, então o ângulo interior em C é<br />
menor que o ângulo interior em B.<br />
<br />
A<br />
B<br />
<br />
Considere-se o ponto B ′ , na semi-recta de origem A e incidente em C que verifica AB ≡ AB ′ .<br />
Como AB é menor que AC, tem-se que B ′ está entre A e C e então<br />
<br />
B ′<br />
∠B ′ BA < ∠CBA<br />
38<br />
<br />
B<br />
<br />
C
O triângulo △BAB ′ é, por construção, isósceles, por tanto ∠B ′ BA ≡ ∠BB ′ A. Pelo teorema<br />
do ângulo exterior obtem-se que<br />
∠BCB ′ < ∠BB ′ A < ∠CBA<br />
Definição . 3.19 Ponto médio, Bissectriz interior<br />
• Sejam A e B pontos distintos do plano. Um ponto C diz-se ponto médio do segmento<br />
AB se C está entre A e B e verifica<br />
AC ≡ CB<br />
• Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O. Uma semi-recta r+ de origem O diz-se<br />
bissectriz interior do ângulo ∠{h+,k+} se r+ for interior ao ângulo e verificar<br />
∠{h+,r+} ≡ ∠{r+,k+}<br />
Proposição 3.20 Existe e é único o ponto médio de um segmento. Existe e é única a bissectriz<br />
interior de um ângulo.<br />
(Demonstração)<br />
1. Existência e unicidade do ponto médio.<br />
Sejam A e B pontos distintos do plano. Considere-se um ponto P não incidente na recta<br />
< A,B >. Defina-se, usandoosaxiomasIII-3eIII-1, umpontoP ′ , nosemi-planodefinido<br />
por < A,B > oposto ao incidente em P que verifique<br />
∠PAB ≡ ∠ABP ′<br />
AP ≡ P ′ B<br />
Seja C o ponto de incidência do segmento PP ′ com a recta < A,B >.<br />
<br />
A<br />
<br />
C<br />
<br />
P ′<br />
Verifiquemos que, se C está entre A e B, então C é o ponto médio.<br />
Aplicando o critério LAL deduz-se que<br />
P<br />
<br />
B<br />
△PAB ≡ △P ′ BA<br />
em particular, ∠BAP ′ ≡ ∠PBA e AP ′ ≡ BP. Aplicando o criério LLL obtem-se que<br />
△APP ′ ≡ △BP ′ P ∠PAP ′ ≡ ∠PBP ′ e então, pelo critério ALA , tem-se que<br />
△APC ≡ △BP ′ C<br />
39
donde AC ≡ CB.<br />
Só falta verificar que C está efectivamente entre A e B. Vamos provar que as condições<br />
C = B ou B entre C e A levam ao absurdo (os casos C = A ou A entre C e B são<br />
análogos).<br />
<br />
A<br />
P<br />
B = C<br />
P′<br />
Se C = B, aplicando o teorema do ângulo exterior, vem que ∠P ′ BA > ∠PAB (absurdo<br />
∠P ′ BA ≡ ∠PAB)<br />
Se B estiver entre C e A aplicando o teorema do ângulo exterior, obter-se-ia que<br />
<br />
A<br />
∠ABP ′ > ∠BCP ′ > ∠CAP = ∠BAP<br />
(absurdo, ∠ABP ′ e ∠BAP são congruentes). Se M e M ′ são pontos médios de AB<br />
podemos usar o lema fundamental sobre segmentos e a comparação de segmentos para<br />
verificar que a única possibilidade é AM ≡ AM ′ donde (III-1) M = M ′ .<br />
2. Existência e unicidade da bissectriz interior<br />
Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O. Considerem-se pontos A ∈ h+ e B ∈ k+<br />
verificando<br />
OA ≡ OB<br />
<br />
<br />
A<br />
C<br />
B<br />
k+<br />
h+<br />
Seja C o ponto médio do segmento AB. Pelo critério LLL, △OAC ≡ △OBC e portanto<br />
a semi-recta de origem O e incidente em C é a bissectriz interior do ângulo ∠{h+,k+}.<br />
A unicidade deduz-se da unicidade do ponto médio.<br />
40<br />
B<br />
P<br />
C<br />
P′
Teorema . 3.21 Paralelas na geometria absoluta<br />
1. Se r e r ′ são perpendiculares a uma terceira recta s, então r e r ′ são paralelas.<br />
2. Dado um ponto P não incidente numa recta r, existe pelo menos uma recta r ′ incidente<br />
em P e paralela a r.<br />
3. Sejam r e r ′ duas rectas distintas incidentes numa terceira recta s em pontos O e O ′<br />
respectivamente. Considerem-se r+ e r ′ − as semirectas de origem O e O ′ , com suporte r<br />
e r ′ , respectivamente, situadas em semiplanos opostos definidos por s. Sejam sO e sO ′ as<br />
semirectas de origem O e O ′ que não incidem O ′ e O, respectivamente.<br />
r<br />
r ′<br />
sO ′<br />
r ′ +<br />
O <br />
′<br />
O<br />
Se os ângulos ∠{sO,r+} e ∠{sO ′,r′ +} são congruentes, as rectas r e r ′ são paralelas.<br />
Atenção ...<br />
• o teorema anterior justifica a existência de paralela, NÃO a unicidade;<br />
• o teorema afirma que, se duas rectas formam com uma terceira ângulos correspondentes<br />
congruentes, as duas rectas são paralelas mas NÃO assegura o recíproco!!!!!<br />
• por exemplo, se r e r ′ são paralelas, e s e r são perpendiculares, NÃO foi provado que s<br />
e r ′ também são perpendiculares!!!!<br />
41<br />
sO<br />
r+
Exercícios . 3.22<br />
1. Prove os resultados desta secção.<br />
2. (Primeira caracterização da bissectriz)<br />
Sejam h+, k+ semi-rectas de origem O com suportes distintos e r+ uma semi-recta de origem O<br />
interior ao ângulo ∠{h+,k+}. Considerem-se um ponto C de r+ e a recta s perpendicular a r<br />
incidente em C. Suponhamos que existem A e B, incidentes na perpendicular s e nas semi-rectas<br />
h+ e k+. Então C é o ponto médio entre A e B se e só se r+ é a bissectriz interior do ângulo.<br />
<br />
O<br />
<br />
A<br />
C<br />
B<br />
k+<br />
h+<br />
Nota A condição exigida de que s incida num ponto A de h+ e num ponto B de k+ é necessária.<br />
Existem modelos de plano que verifica os axiomas de incidência, ordem e congruência, onde a<br />
perpendicular a bissectriz nem sempre intersecta as semi-rectas que definem o ângulo.<br />
3. Sejam h+,k+ semi-rectas de origem O de suportes distintos, r+ a bissectriz interior do ângulo<br />
∠{h+,k+}. Prove que ∠{h+,r+} é sempre menor que um ângulo recto. Por outras palavras, se<br />
um ângulo é bissector de outro, então é um ângulo agudo.<br />
k+<br />
m+<br />
<br />
O<br />
(Sugestão: considere a semi-recta m+, incidente no mesmo semi-plano definido por k que r+ e<br />
h+, tal que ∠{k+,m+} é recto. Assuma que m+ é interior ao ângulo ∠{k+,r+} e, usando a<br />
transitividade e o facto que r+ e h+ são então interiores ao ângulo recto ∠{m+,k−}, chegue a um<br />
absurdo)<br />
42<br />
r+<br />
h+<br />
k−
4. (Congruência de triângulos rectângulos)<br />
Um triângulo △ABC diz-se triângulo rectângulo quando algum dos seus ângulos internos é recto.<br />
Sejam △ABC e △A ′ B ′ C ′ triângulos rectângulos com ∠BAC e ∠B ′ A ′ C ′ rectos.<br />
Prove que, se AB ≡ A ′ B ′ e BC ≡ B ′ C ′ , então △ABC ≡ △A ′ B ′ C ′ .<br />
Note-se que este resultado NÃO É o critério LAL!!!<br />
<br />
C ′′<br />
A<br />
C<br />
B<br />
A ′<br />
C ′<br />
(Sugestão: supor que A ′ C ′ < AC e considerar, na semi-recta de origem A e incidente em C, o<br />
ponto C ′′ tal que AC ′′ ≡ A ′ C ′ . O triângulo △CC ′′ B resulta ser isósceles. Aplicar o teorema do<br />
triângulo exterior para chegar a um absurdo)<br />
5. (Outro critério de congruência de triângulos)<br />
Sejam △ABC e △A ′ B ′ C ′ dois triângulos do plano. Prove que, se AB ≡ A ′ B ′ , ∠BAC ≡ ∠B ′ A ′ C ′<br />
e ∠BCA ≡ ∠B ′ C ′ A ′ , então △ABC ≡ △A ′ B ′ C ′ .<br />
Note-se que este resultado NÃO É o critério ALA!!!<br />
<br />
C ′′<br />
A<br />
C<br />
B<br />
A ′<br />
C ′<br />
(Sugestão: Supor que A ′ C ′ < AC e considerar o ponto C ′′ entre A e C tal que AC ′′ ≡ A ′ C ′ .<br />
Aplicar LAL para obter △C ′′ AB ≡ △C ′ A ′ B ′ e depois, usando o teorema do ângulo exterior,<br />
chegar a um absurdo)<br />
6. (Segunda caracterização da bissectriz)<br />
Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O, R um ponto interior ao ângulo ∠{h+,k+}. Definemse<br />
os pontos A e B que são, respectivamente, os pés das perpendiculares 2 a h e k incidentes em<br />
R. Prove que R incide na bissectriz interior do ângulo ∠{h+,k+} se e só se A ∈ h+, B ∈ k+ e<br />
AR ≡ BR<br />
<br />
O<br />
A<br />
<br />
B<br />
h+<br />
R<br />
k+<br />
(Sugestão: se R incidir na bissectriz interior, usar o teorema do ângulo exterior e o exercício 3 para<br />
2 Sejam r é uma recta, P um ponto do plano e s a perpendicular a r incidente em P. O ponto de incidência<br />
de r e s chama-se o pé da perpendicular do ponto P na recta r<br />
43<br />
B ′<br />
B ′
obter que A ∈ h+ e B ∈ k+. Aplicar de seguida o segundo critério de congruência de triângulos<br />
rectângulos. Para o recíproco, aplicar o primeiro critério.)<br />
7. Mediatriz de um segmento<br />
SejamAeB doispontosdistintosdoplano. ChamamosmediatrizdosegmentoAB àperpendicular<br />
à recta < A,B > incidente no ponto médio entre A e B. Prove que um ponto do plano M incide<br />
na mediatriz de um segmento se e só se AM ≡ BM.<br />
8. O plano racional<br />
Estude se o plano Q×Q satisfaz os axiomas de incidência, ordem e congruência relativamente às<br />
relações de incidência, ordem e congruência análogas às de R×R.<br />
Ajuda: uma segmento com extremos racionais pode ter declive ou comprimento não racional ...<br />
44
4 Medida e Axiomas de continuidade<br />
Definição . 4.1 Medida de segmentos<br />
SejaS oconjuntodesegmentosdoplano. Umamedida de segmentoséumaaplicaçãoµ : S −→ R +<br />
tal que<br />
1. Se AB e CD são segmentos do plano, tem-se AB ≡ CD se só se µ(AB) = µ(CD).<br />
2. Se B está entre A e C então µ(AC) = µ(AB)+µ(BC).<br />
3. há um segmento previamente fixado o que se atribui medida igual à unidade.<br />
Definição . 4.2 Medida de ângulos<br />
SejaAoconjuntodeângulosdoplano. Umamedida de ânguloséumaaplicaçãom∠ : A −→ R +<br />
tal que<br />
1. Se ∠{h+,k+} e ∠{m+,k+} são ângulos do plano,<br />
∠{h+,k+} ≡ ∠{m+,n+} ⇐⇒ m∠{h+,k+} = m∠{m+,n+}<br />
2. Se h+, r+ e k+ são semi-rectas de origem O tais que r+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+},<br />
então<br />
m∠{h+,k+} = m∠{h+,r+}+m∠{r+,k+}<br />
3. um ângulo recto tem por medida um número real positivo, previamente fixado.<br />
Exercício . 4.3 Congruência de segmentos no plano afim real<br />
Recorde-se que, no plano afim real, foi definida uma relação “estar entre” que verifica os axiomas de<br />
ordem (exemplo 2.6). Dados A e B pontos do plano, define-se o comprimento do segmento AB e<br />
designa-se como AB por<br />
AB := (b1 −a1) 2 +(b2 −a2) 2<br />
onde A = (a1,a2) e B = (b1,b2). Dois segmentos AB e CD dizem-se congruentes quando tiverem o<br />
mesmo comprimento, isto é, quando AB = CD.<br />
1. Sejam A e B pontos do plano afim real. Verifique que um ponto C incide na semi-recta de origem<br />
A incidente em B se e só se C = A+λ −→<br />
AB com λ > 0.<br />
O vector −→<br />
AB diz-se um vector director da semi-recta de origem A e incidente em B. Note-se que um ponto C incide<br />
então na semi-recta oposta à semi-recta incidente em B quando C = A + λ −→<br />
AB com λ < 0 ou, equivalentemente,<br />
quando C = A + λ ′ (− −→<br />
AB) com λ ′ > 0, assim − −→<br />
AB é um vector director da semi-recta de origem B oposta à<br />
incidente em B.<br />
2. Prove que existe um ponto I, na semi-recta de origem A e incidente em B, tal que AI = 1<br />
3. Prove que a relação de congruência definida nos segmentos do plano afim real verifica os axiomas<br />
III-1 e III-2 de congruência.<br />
4. O comprimento de um segmento é uma medida de segmentos?<br />
45
IV Axiomas de continuidade.<br />
IV-1 (O Axioma de Arquimedes) Sejam r uma recta e (An)n uma sucessão de pontos incidentes<br />
em r tais que An+1 está entre An+2 e An e A0A1 ≡ AnAn+1 para todo o n ∈ N. Então, para<br />
todo B incidente em na semi-recta de origem A0 incidente em An, existe k tal que B está entre<br />
A0 e Ak.<br />
A0<br />
<br />
A1<br />
<br />
A2 ···<br />
<br />
An<br />
<br />
An+1 ···<br />
<br />
B Ak<br />
<br />
IV-2 (O Axioma de Cantor) Sejam r uma recta, (An)n e (Bn)n duas sucessões de pontos incidentes<br />
em r tais que, para todos os n,k ∈ N, o ponto Bn+1 está entre Ak e Bn e o ponto An+1<br />
está entre An e Bk. A intersecção <br />
n AnBn contém um segmento ou é um e um só ponto.<br />
A1<br />
<br />
A2 ···<br />
<br />
An Bn ···<br />
<br />
Nota . 4.4<br />
Os axiomas de congruência III permitem construir, por recorrência, uma sucesão de pontos que<br />
verifique as condições iniciais do axioma de Arquimedes, isto é, uma uma sucesão de pontos<br />
(An)n incidentes numa recta r tal que<br />
A0A1 ≡ AnAn+1<br />
Teorema . 4.5 Existência de medidas de segmentos e ângulos<br />
Num plano verificando os grupos de axiomas I, II, III e o axioma IV-1 existe uma medida de<br />
segmentos e existe uma medida de ângulos.<br />
Terminamos esta secção enunciando o chamado Teorema Fundamental da Geometria Absoluta.<br />
Teorema . 4.6 O Teorema Fundamental da Geometria Absoluta<br />
Em qualquer triângulo, a soma das medidas dos ângulos internos é inferior ou igual a soma das<br />
medidas de 2 rectos.<br />
Exercícios . 4.7<br />
1. Considere-se um plano verificando os grupos de axiomas I, II, III e IV e A o conjunto de ângulos<br />
do plano. Prove que se existir uma medida m∠ : A −→ R + , dado k ∈ R + é possível definir uma<br />
medida m∠ ′ : A −→ R + tal que a medida do ângulo recto seja precisamente k.<br />
2. O plano afim real R×R verifica os axiomas de continuidade?<br />
46<br />
B2<br />
<br />
B1
5 O axioma das paralelas<br />
Durante séculos, os matemáticos pensaram que o V Postulado de Eclides era na realidade<br />
um teorema e tentaram prova-lo a partir dos outros axiomas e postulados. Existem inúmeras<br />
demonstrações falsas, muitas de elas obtidas usando resultados “evidentes” que resultavam ser,<br />
de facto, enunciados equivalentes ao tal V Postulado.<br />
O V Postulado de Euclides :<br />
– sejam r e s duas recta incidentes no mesmo plano, intersectadas por uma recta t em pontos<br />
R e S respectivamente. Fixemos os pontos S1 e R1 incidentes com s e r respectivamente e no<br />
mesmo semiplano definido por t. Suponhamos que os ângulos ∠R1RS e ∠RSS1 têm soma das<br />
medidas inferior a 2 rectos. Então as rectas r e s incidem num ponto desse semiplano.<br />
t<br />
R<br />
R1<br />
S S1<br />
Apresentamos de seguida alguns dos enunciados equivalentes ao V Postulado:<br />
• Existe um triângulo em que a soma das medidas dos ângulos internos é igual a dois rectos;<br />
• Em qualquer triângulo a soma das medidas dos ângulos internos é igual a dois rectos;<br />
• Existem três pontos equidistantes de uma recta pertencentes a um dos semi-planos<br />
definido pela recta e que são colineares;<br />
• Há um ponto P e uma recta r não incidentes tais que não há mais do que uma recta<br />
incidente com P e paralela a r.<br />
• (Axioma das paralelas de Playfair) Dados um ponto P e uma recta s quaisquer não<br />
incidente em P não existe mais do que uma recta incidente com P e paralela a s;<br />
• Duas rectas paralelas a uma terceira são paralelas entre si;<br />
• Por um ponto interior de um ângulo incide sempre uma recta que intersecta ambos os<br />
lados do triângulo<br />
Só no século XIX, a partir dos trabalhos de Bolay e de Lobachevsky, ficou definitivamente<br />
estabelecido que o V Postulado era independente dos outros e que era preciso considera-lo para<br />
conseguir os resultados de Euclides.<br />
47<br />
r<br />
s
Actualmente, chama-se geometria euclideana à geometria definida axiomaticamente pelos<br />
grupos de axiomas I-II-III-IV (axiomas da Geometria Absoluta) mais qualquer um dos enunciados<br />
anteriores, equivalentes ao V postulado de Euclides. Chama-se geometria hiperbólica à<br />
geometria constituida pelos resultados que dependem logicamente dos axiomas da Geometria<br />
Absoluta e do axioma das paralelas de Lobastchevsky:<br />
“ Há um ponto P e uma recta r nao incidentes, tais que existe mais do que uma recta<br />
incidente com P e paralela a r.”<br />
O modelo básico do plano euclidiano é o plano real R 2 com a estrutura bem conhecida.<br />
Modelos do plano hiperbólico são, por exemplo, os planos 5 e 7 de 1.5.<br />
Atenção !! Existem noções na geometria hiperbólica definidas na geometria absoluta como<br />
paralelismo, equidistância ... que aparecem com distintas propriedades às da geometria euclideana,<br />
se calhar um bocadinho longe da nossa intuição geométrica. Por exemplo, na geometria<br />
hiperbólica ...<br />
• dada uma recta, não existe uma outra recta equidistante dessa;<br />
• para dois triângulos serem congruentes basta que o sejam os ângulos;<br />
• a soma dos ângulos internos de um triângulo é sempre inferior a dois rectos;<br />
• há três pontos não incidentes numa recta que não definem nenhuma circunferência;<br />
• a relação de paralelismo não é uma relação de equivalência no conjunto das rectas...<br />
Exercícios . 5.1<br />
1. Verifique que o plano 6 de 1.5 não verifica o axioma das paralelas de Playfair.<br />
hiperbólico segundo a nossa definição?<br />
2. O plano afim real R×R verifica o axioma de paralelas de Playfair?<br />
48<br />
É um plano
II. O Plano Euclidiano<br />
1 Um modelo analítico do plano euclidiano<br />
Um plano euclidiano é um plano de incidência que verifica os axiomas de incidência, ordem,<br />
congruência, continuidade e o V Postulado de Euclides. O modelo básico de plano de incidência<br />
euclidiano (P, L,I) é o plano afim real:<br />
• os pontos são os pontos de R 2 , P = R 2 ;<br />
• as rectas (os elementos de L), são as rectas afins de R 2 , isto é, subconjuntos r de R 2 do<br />
tipo:<br />
r = {(x,y) ∈ R : ax+by +k = 0}<br />
onde (a,b)=/ (0,0)<br />
• a relação de incidência é a relação usual de pertença, i.e., um ponto M = (x,y) incide<br />
em r se e só se ax+by +k = 0.<br />
• a relação “estar entre” define-se do seguinte modo:<br />
sejam A e B pontos do plano R2 , dizemos que um ponto C do plano está entre A e B se<br />
existir λ ∈]0,1[ tal que:<br />
−→<br />
AC = λ −→<br />
AB<br />
A<br />
<br />
• a relação de congruência de segmentos define-se do modo seguinte:<br />
<br />
C<br />
<br />
B<br />
Dados A e B, pontos de R 2 definimos o comprimento do segmento AB e denotamos por<br />
AB como<br />
AB := (a1 −b1) 2 +(a2 −b2) 2<br />
se A = (a1,a2) e B = (b1,b2). Dados A, B, A ′ e B ′ pontos de R 2 , dizemos que os<br />
segmentos AB e A ′ B ′ são congruentes quando tiverem o mesmo comprimento, AB =<br />
A ′ B ′ .<br />
49
Note-se que para completar o nosso modelo analítico do plano euclidiano precisamos de<br />
definir a congruência de ângulos e verificar os axiomas de incidência, ordem, congruência,<br />
continuidade e o V Postulado de Euclides (ou um enunciado equivalente, como o axioma das<br />
paralelas de Playfair).<br />
Acongruênciadeângulosdefinir-se-áapartirdochamadocossenodeumângulogeométrico.<br />
Este cosseno, por sua vez, é definido usando o produto escalar usual, designado por ·, e a norma<br />
euclidiana,designadapor·. Nofinaldasecçãolembram-seaspropriedadesbásicasdoproduto<br />
escalar usual e da norma euclidiana.<br />
De facto, a norma euclidiana já foi implicitamente usada na definição de comprimento AB de<br />
um segmento AB:<br />
AB := (a1 −b1) 2 +(a2 −b2) 2 = −→<br />
AB<br />
Proposição . 1.1 Seja h+ uma semi-recta de origem O. Existe um único vector u ∈ R2 verificando:<br />
1. u = 1;<br />
2. um ponto P incide em h+ se e só se −→<br />
OP = λu λ ∈ R + .<br />
(Demonstração)<br />
Seja P0 um ponto fixado da semi-recta h+. No exercício 4.3 verificou-se que um ponto P incide<br />
em h+ se e só se −→ −−→<br />
OP = µ OP0 com µ ∈ R + .<br />
−−→<br />
OP0<br />
Considere-se o vector u :=<br />
−−→<br />
OP0 .<br />
Se P incidir em h+ então −→ µ<br />
OP = λu com λ =<br />
−−→<br />
OP0 ∈ R+ . Reciprocamente, se −→<br />
OP = λu,<br />
com λ ∈ R + , tem-se que −→ −−→<br />
OP = µ OP0 com µ = λ −−→<br />
OP0 ∈ R + e portanto P incide em h+.<br />
Sejam u e u ′ verificando as condições 1 e 2. O ponto P0 incide em h+ por tanto<br />
com λ,λ ′ ∈ R + . Em particular<br />
donde u = u ′ .<br />
−−→<br />
OP0 = λu e<br />
−−→<br />
OP0 = λ = λ ′<br />
−−→<br />
OP0 = λ ′ u ′<br />
Definição . 1.2 Vector director unitário de uma semi-recta<br />
Seja h+ uma semi-recta de origem O. O vector u nas condições da proposição anterior diz-se<br />
vector director unitário da semi-recta h+.<br />
Note-se que, se u é o vector director unitário da semi-recta h+, então −u é o vector director<br />
unitário da semi-recta oposta h−.<br />
50
Definição . 1.3 Cosseno do ângulo entre semi-rectas<br />
Sejam h+ e k+ semirectas de origem O e vectores directores unitários respectivos v e w. Definimos<br />
o cosseno do ângulo ∠{h+,k+} como<br />
cos∠{h+,k+} = v·w<br />
Definição . 1.4 Congruência de ângulos<br />
Dizemos que dois ângulos são congruentes quando o cosseno for igual.<br />
Nota 1.5 Cosseno de um ângulo ∠POR<br />
Sejam P, O e R três pontos do plano não colineares. O cosseno do ângulo ∠POR é o escalar:<br />
cos∠POR =<br />
−→<br />
OP · −→<br />
OR<br />
−→ −→<br />
OP OR Estudamos de seguida algumas propriedades do cosseno de ângulos.<br />
Proposição 1.6 Propriedades do cosseno de ângulos<br />
Sejam h+ e k+ semi-rectas de origem O. Tem-se<br />
1. −1 < cos∠{h+,k+} < 1;<br />
2. cos∠{h+,k+} = −cos∠{h+,k−}, em particular, um ângulo ∠{h+,k+} é recto se e só se<br />
cos{h+,k+} = 0;<br />
3. se r+ é uma semi-recta de origem O interior ao ângulo ∠{h+,k+} então<br />
(Demonstração)<br />
O <br />
h+<br />
cos∠{h+,k+} < cos∠{h+,r+}<br />
r+<br />
k+<br />
1. Deduz-se da desigualdade de Cauchy-Schwarz.<br />
2. Sejam u e v os vectores directores unitários de h+ e k+, respectivamente. O vector −v<br />
é então o vector director de k−. Tem-se<br />
cos∠{h+,k+} = u·v e cos∠{h+,k−} = u·(−v) = −(u·v)<br />
O ângulo ∠{h+,k+} é recto se e só se ∠{h+,k+} e ∠{h+,k−} são congruentes, isto é, se<br />
e só se<br />
cos∠{h+,k+} = cos∠{h+,k−}<br />
donde u·v = 0.<br />
51
3. Sejam u, v e w os vectores directores unitários das semi-rectas h+, r+ e k+, respectivamente.<br />
Se a semi-recta r+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+} tem-se que<br />
com λ,µ ∈ R + (exercícios 1.16).<br />
v = λu+µw<br />
Seja K = cos∠{h+,k+} = u·w. Pelas propriedades do produto escalar, como u e w são<br />
vectores unitários,<br />
É preciso provar então que<br />
cos{h+,r+} = u·v = u·(λu+µw) = λ+µK<br />
λ+µK > K (∗)<br />
Note-se que, como v é um vector unitário, os escalares positivos λ e µ verificam ainda<br />
1 = v 2 = v·v = λ 2 +µ 2 +2λµK (1)<br />
Considerem-se separadamente os casos 0 < K < 1 e −1 < K < 0<br />
(se K = 0 a desigualdade (*) é directa já que λ > 0).<br />
Se 0 < K < 1, tem-se, em particular, que µ < 1 (desigualdade (1)) Assim,usando ainda<br />
(1),<br />
λ+µK > K ⇔ (λ+µK) 2 > K 2<br />
⇔ λ 2 +µ 2 K 2 +2λµK > K 2<br />
⇔ 1−µ 2 +µ 2 K 2 > K 2<br />
⇔ 1−µ 2 > (1−µ 2 )K 2<br />
Se −1 < K < 0, podemos supor µ > 1 e λ+µK < 0.<br />
(Se µ ≤ 1 ou λ+µK ≥ 0 a desigualdade (*) é directa)<br />
Usando argumentos análogos aos anteriores obtemos<br />
Teorema 1.7 Teorema dos cossenos<br />
Seja △ABC um triângulo do plano. Verifica-se<br />
λ+µK > K ⇔ (λ+µK) 2 < K 2<br />
⇔ λ 2 +µ 2 K 2 +2λµK < K 2<br />
⇔ 1−µ 2 +µ 2 K 2 < K 2<br />
⇔ 1−µ 2 < (1−µ 2 )K 2<br />
BC 2 = AB 2 +AC 2 −2(AB)(AC)cos∠BAC<br />
(Demonstração)<br />
Directa, usando que −→<br />
BC = −→<br />
BA+ −→<br />
AC e as propriedades do produto escalar.<br />
52
Corolário 1.8 O Teorema de Pitágoras<br />
Seja △ABC um triângulo do plano. O ângulo ∠BAC é recto se e só se<br />
(Demonstração)<br />
BC 2 = AB 2 +AC 2<br />
Directa, recorde-se que o ângulo ∠BAC é recto se e só se cos∠BAC = 0.<br />
Teorema . 1.9<br />
O plano R 2 verifica os axiomas de incidência, ordem, continuidade, congruência, continuidade<br />
e o axioma das paralelas de Playfair.<br />
Este teorema foi provado quasi na totalidade nos exercícios do capítulo anterior. O esquema<br />
de demonstração dos axiomas III-3 e III-4 apresenta-se nos exercícios.<br />
Em resumo<br />
ATENÇÃO!!!!<br />
O plano R 2 é um modelo analítico do plano euclidiano<br />
O “cosseno” do ângulo definido por duas semi-rectas é simplesmente um número real associado<br />
a cada ângulo geométrico do plano, ou seja, se A designa o conjunto de ângulos do plano, cos<br />
é uma aplicação<br />
cos : A −→]−1,1[<br />
e NÃO a função real de variável real chamada cosseno. Existe, obviamente, uma ligação<br />
entre estas duas aplicações, que podemos estabelecer usando a função trigonométrica inversa<br />
arco-cosseno.<br />
Como a imagem de cos está contida no intervalo [-1,1], podemos compor esta aplicação com<br />
a função bijectiva arco-cosseno<br />
arccos : [−1,1] −→ [0,π]<br />
e associar a cada ângulo ∠{h+,k+} do plano um único real α ∈]0,π[ que verifica:<br />
(Eis a relação entre os dois “cossenos”!!!)<br />
cos∠{h+,k+} = cosα<br />
53
A função composta<br />
A cos<br />
−→]−1,1[ arccos<br />
−→ ]0,π[<br />
permite identificar cada classe de ângulos congruentes do plano com um escalar α ∈]0,π[. De<br />
facto, esta aplicação é uma medida no conjunto de ângulos.<br />
(Nofinaldasecção,nanota1.15,lembram-seaspropriedadesbásicasdasfunçõestrigonométricas<br />
e trigonométricas inversas)<br />
Proposição 1.10 Medida de ângulos<br />
A aplicação m∠ : A −→]0,π[ definida pela composta m∠ := arccos ◦ cos verifica:<br />
1. dois ângulos ∠{h+,k+} e ∠{m+,n+} são congruentes se e só se<br />
2. se r+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+} então<br />
m∠{h+,k+} = m∠{m+,n+};<br />
m∠{h+,k+} = m∠{h+,r+}+m∠{r+,k+};<br />
3. um ângulo é recto se e só se a medida for π/2;<br />
4. a soma das medidas de dois ângulos suplementares é π.<br />
Em particular, m∠ é uma medida de ângulos.<br />
(Demonstração)<br />
As propriedades 1, 3 e 4 são directas a partir da proposição 1.6 e das propriedades da função<br />
arco-cosseno (consultar nota 1.15).<br />
Sejam h+, k+ e r+ semi-rectas de origem O tais que r+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+}.<br />
Pela proposição 1.6, tem-se que<br />
−1 < cos∠{h+,k+} < cos∠{h+,r+} < 1<br />
e então, como o arco-cosseno é uma função decrescente<br />
π > m∠{h+,k+} > m∠{h+,r+} > 0<br />
54
Designemos<br />
α = m∠{h+,r+} β = m∠{r+,k+} γ = m∠{h+,k+}<br />
Como α < γ, tem-se 0 < γ −α < π e então<br />
γ = α+β ⇐⇒ β = γ −α ⇐⇒ cosβ = cos(γ −α)<br />
O<br />
β<br />
γ<br />
α<br />
Sejam u,v e w os vectores unitários respectivos das semi-rectas h+, r+ e k+. Note-se que,<br />
α,β,γ ∈]0,π[ e verificam<br />
cosα = cos{h+,r+} = u·v<br />
k+<br />
r+<br />
h+<br />
cosβ = cos{r+,k+} = v·w<br />
cosγ = cos{h+,k+} = u·w<br />
Como r+ é interior ao ângulo ∠{h+,k+} existem λ,µ ∈ R + tais que v = λu+µw. Tem-se<br />
1 = v·v = λ 2 +µ 2 +2λµcosγ<br />
cosβ = v·w = λcosγ +µ<br />
cosα = u·v = λ+µcosγ<br />
Usando a primeira e a terceira igualdade podemos deduzir<br />
sinα = 1−cos 2 α = 1−µ 2 cos 2 γ −λ 2 −2λµcosγ = µ( 1−cos 2 γ)<br />
E tem-se também sinγ = 1−cos 2 γ. Usando a conhecidas fórmulas trigonométricas e os<br />
resultados anteriores obtem-se:<br />
cos(γ −α) = cosγcosα+sinγsinα = cosγ(λ+µcosγ)+µ(1−cos 2 γ) = µ+λcosγ = cosβ<br />
Definição . 1.11 Medida de ângulos<br />
Sejamh+ ek+ duas semi-rectasdeorigemO comvectoresdirectoresunitáriosvew. Definimos<br />
a medida do ângulo ∠{h+,k+}, e designamos por m∠{h+,k+} como :<br />
m∠{h+,k+} = arccos(v·w)<br />
55
O Teorema indicado de seguida é o recíproco (válido unicamente na geometria euclidiana) do<br />
teorema 3.21 sobre as paralelas na geometria absoluta.<br />
Teorema 1.12 Paralelismo na geometria euclideana<br />
1. A relação de paralelismo é uma relação de equivalência no conjunto das rectas;<br />
2. Sejam r e r ′ duas rectas distintas de um plano euclideano incidentes numa terceira recta<br />
s em pontos O e O ′ respectivamente. Considerem-se r+ e r ′ − as semirectas de origem O e<br />
O ′ , com suporte r e r ′ , respectivamente, situadas em semiplanos opostos definidos por s.<br />
Sejam sO e sO ′ as semirectas de origem O e O′ que não incidem O ′ e O, respectivamente.<br />
r<br />
r ′<br />
sO ′<br />
r ′ +<br />
O ′<br />
Então, se as rectas r e r ′ são paralelas, os ângulos ∠{sO,r+} e ∠{sO ′,r′ −} são congruentes;<br />
3. Sejam r e r ′ duas rectas paralelas. Uma recta s é perpendicular a r se e só se é perpendicular<br />
a r ′ .<br />
(Demonstração)<br />
1. A reflexividade e simetria são directas da definição de paralelismo (o problema na geometria<br />
absoluta está na transitividade) Sejam r ′ e r ′′ paralelas a uma recta r. Se r ′ e r ′′<br />
não são paralelas entre si, existe um ponto P incidente em r ′ e r ′′ . Assim, existem duas<br />
rectas incidentes em P e paralelas a r (absurdo).<br />
2. Sejam r e r ′ paralelas. Usando o axioma III-3, podemos definir uma semi-recta r ′′ + com<br />
origem o ponto O ′ , incidente no semi-plano definido por s oposto ao incidente em r+, e tal<br />
que ∠{r ′′ +,sO ′} ≡ ∠{sO,r+}. Pelo teorema 3.21 (capítulo I), a recta r ′′ é então paralela<br />
a recta r e incide em O ′ . Usando o axioma de Playfair, r ′′ = r ′ e assim r ′ e r formam<br />
ângulos correspondentes iguais.<br />
3. Sejam r e r ′ rectas paralelas, e s uma perpendicular a r no ponto O. Note-se que r ′ e<br />
s não são paralelas, pois, pela alínea 1, se fossem, ter-se-ia que s é paralela também a r<br />
(absurdo). Seja O ′ o ponto de incidência de r ′ e s. Pelo alínea anterior, como r e r ′ são<br />
paralelas, os ângulos correspondentes são congruentes e portanto, s é perpendicular a r ′ .<br />
56<br />
O<br />
sO<br />
r+
Nota 1.13 Geometria Analítica em R 2<br />
• Equações das rectas afins<br />
A equação ax+by+k = 0 diz-se uma equação cartesiana da recta afim r e a recta vectorial<br />
ax+by = 0 diz-se recta vectorial associada a r. Se P = (p1,p2) é um ponto incidente em r e<br />
v = (v1,v2) é um vector gerador da recta vectorial associada a r, a expressão r ≡ P+ < v ><br />
diz-se uma equação vectorial de r. Um ponto M = (x,y) incide em r se e só se existir λ ∈ R<br />
tal que: x = p1 +λv1<br />
y = p2 +λv2<br />
Estas equações são chamadas equações paramétricas da recta r.<br />
• Paralelismo em R 2<br />
Duas rectas de equações cartesianas ax+by +k = 0 e a ′ x+b ′ y +k ′ = 0 são paralelas se e<br />
só se (a,b) e (a ′ ,b ′ ) são proporcionais. Usando as equações vectoriais, as rectas r ≡ P+ < v ><br />
e r ′ = P ′ + < v ′ > são paralelas se só se v e v ′ são proporcionais.<br />
• Recta incidente em dois pontos<br />
Sejam A = (a1,a2) e B = (b1,b2) dois pontos distintos de R 2 . A recta r,<br />
r ≡ A+ < −→<br />
AB >= (a1,a2)+ < (b1 −a1,b2 −a2) ><br />
ou, equivalentemente, a recta r definida pela equação cartesiana<br />
<br />
x−a1 y −a2<br />
det = 0<br />
incide em A e em B.<br />
b1 −a1 b2 −a2<br />
Nota 1.14 Produto escalar e norma usual em R 2<br />
No plano vectorial real R 2 recorde-se que o produto escalar usual ou produto interno usual,<br />
designado por · é a aplicação (R 2 ) × (R 2 ) −→ R definida por v · w = v1w1 + v2w2, sendo<br />
v,w ∈ R 2 , v = (v1,v2) e w = (w1,w2).<br />
Dados u,v, e w vectores de R 2 tem-se:<br />
1. (u+v)·w = u·w+v·w;<br />
2. u·(v+w) = u·v+u·w;<br />
3. u·(λw) = λ(u·w) = (λu)·w;<br />
4. v·w = w·v;<br />
5. v·v ≥ 0;<br />
6. se u·v = 0, ∀v ∈ R 2 , então u = 0.<br />
57
Recorde-se ainda que o produto interno num espaço vectorial permite definir uma norma.<br />
No plano vectorial real R 2 munido do produto interno usual define-se a norma de um vector<br />
v ∈ R 2 , que se designa por v como v = √ v·v. A norma verifica:<br />
1. v ≥ 0;<br />
2. v = 0 se e só se v = 0;<br />
3. λv| = |λ|v;<br />
4. |v·w| ≤ v w (desigualdade de Cauchy-Schwarz) e tem-se a igualdade se e só se v e<br />
w são proporcionais;<br />
5. v+w ≤ v+w (desigualdade triangular) e tem-se a igualdade se e só se v = λw<br />
com λ ≥ 0<br />
Nota 1.15 Trigonometria<br />
Assumimos 3 a existência de uma função chamada cosseno que a cada número real α faz<br />
corresponder um valor de [−1,1]. Lembramos de seguida as propriedades principais desta<br />
função real cosseno e de outra função real, chamada seno, estreitamente ligada à anterior.<br />
As funções definidas em R com contradomínio [−1,1], que chamamos cosseno e seno, e designamos<br />
por cos e sin, respectivamente, verificam as seguintes propriedades:<br />
1. A função cos é par, periódica de período 2π e admite derivadas de qualquer ordem em<br />
qualquer ponto do domínio.<br />
2. A função sin é ímpar, periódica de período 2π e admite derivadas de qualquer ordem em<br />
qualquer ponto do domínio.<br />
3. (Identidade Fundamental) sin 2 α+cos 2 α = 1 ∀α ∈ R<br />
Verifica-se também que, dados a, b ∈ R tais que a 2 +b 2 = 1, existe um único α ∈ [0,2π[<br />
tal que a = cosα e b = sinα.<br />
4. (Formulário de trigonometria.)<br />
⎧<br />
⎨<br />
⎩<br />
sin(α+β) = sinαcosβ +cosαsinβ<br />
cos(α+β) = cosαcosβ −sinαsinβ<br />
∀α,β ∈ R<br />
3 Existem várias definições “formais”das funções trigonométricas seno ecosseno: como uma sériedepotências,<br />
como solução de certa equação diferencial, como a inversa de certa função integral. Também se deveria definir<br />
formalmente o número real π. Tudo isto se pode encontrar nos livros de análise real!<br />
58
⎧<br />
sin(−α) = −sinα cos(−α) = cosα<br />
⎪⎨<br />
⎪⎩<br />
sin( π<br />
−α) = cosα cos(π −α) = sinα<br />
2 2<br />
sin(α+ π π<br />
) = cosα cos(α+ ) = −sinα<br />
2 2<br />
sin(α+π) = −sin(α) cos(α+π) = −cosα<br />
∀α ∈ R<br />
5. A restrição da função cosseno ao intervalo [0,π] é uma função injectiva de contradomínio<br />
[−1,1] cuja função inversa denominamos arco-cosseno e designamos por arccos.<br />
6. arccosx+arccos(−x) = π, para todo x ∈ [−1,1].<br />
Exercícios . 1.16<br />
1. Caracterização analítica de semi-planos e ângulos<br />
(a) Prove que, dados dois pontos P e P ′ não incidentes numa recta r, o ponto P ′ incide no<br />
mesmo semiplano que P se e só se P ′ = A + λ −→ −→<br />
AB + µ AP, com µ > 0, e A e B pontos<br />
distintos de r.<br />
(b) Sejam A, B e C pontos do plano. Prove que um ponto M é interior ângulo ∠BAC se e só<br />
se M = A+λ −→ −→<br />
AB +µ AC, com λ > 0 e ν > 0.<br />
2. O Axioma III-3<br />
(a) Seja −→ u um vector unitário do plano. Prove que, dado a ∈ [−1,1], existem unicamente dois<br />
vectores unitários w e w ′ tais que u·w = u·w ′ = a.<br />
(b) Seja P um ponto incidente numa semirecta h+ de origem O tal que OP = 1 (Existe<br />
tal ponto?) Dado a ∈] − 1,1[, w e w ′ vectores verificando a condição da alínea anterior,<br />
considere os pontos R e R ′ definidos por R = O+w e R = O+w ′ . Qual o valor do cosseno<br />
dos ângulos ∠ROP e ∠ROP ′ ?<br />
(c) Deduza o axioma de congruência III-3.<br />
3. O Axioma III-4<br />
(a) Sejam A, B e C três pontos não colineares do plano. Designamos por a = BC, b = AC e<br />
c = AB. Use o teorema dos cossenos para provar que<br />
cos∠ABC = c b<br />
−<br />
a a cos∠CAB<br />
Qual o resultado análogo que determina cos∠BCA?<br />
(b) Deduza o axioma de congruência III-4 (Sugestão: a alínea anterior indica que os cossenos<br />
dos ângulos de um triângulo ficam determinados a partir do comprimento de dois lados<br />
adjacentes e o cosseno do ângulo desse vértice ...)<br />
59
4. Caracterização analítica da mediatriz de um segmento e dos semi-planos por ela definidos<br />
Sejam A e A ′ dois pontos distintos.<br />
(a) Verifique analíticamente que existe um único ponto P colinear com A e A ′ verificando<br />
AP = A ′ P (que é o ponto médio entre A e A ′ );<br />
(b) Verifique analíticamente que dado λ > 0 existem exactamente dois pontos P1 e P2, colineares<br />
com A e A ′ , tais que APi = λA ′ Pi, um deles interior ao segmento e outro exterior.<br />
(c) Prove que se P incide na mediatriz m do segmento AA ′ se e só se AP = A ′ P.<br />
P<br />
M<br />
A A′<br />
(Sugestão: aplicar LAL, teorema do triângulo isósceles ...)<br />
(d) Prove que P incide no semi-plano definido por m incidente em A ′ se e só se AP > A ′ P.<br />
(Sugestão: considerar os triângulos △PMA e △PMA ′ , com M o ponto médio entre A e A ′ ,<br />
usar o teorema dos cossenos ...)<br />
60
2 Triângulos e quadriláteros<br />
No plano euclideano R 2 :<br />
• Dados A, B e C três pontos não colineares, recorde-se que chamamos triângulo e designamos<br />
por ∆ABC ao subconjunto de R 2<br />
∆ABC = AB ∪BC ∪CA<br />
Os pontos A B e C são chamados vértices do triângulo, os segmentos AB, BC e CA lados<br />
do triângulo e os ângulos ∠BCA, ∠ABC e ∠CAB ângulos interiores do triângulo. Os suplementares<br />
de um ângulo interno são chamados ângulos exteriores do triângulo.<br />
B <br />
AB<br />
A<br />
BC<br />
AC<br />
<br />
C<br />
• Um triângulo diz-se isósceles quando tiver dois lados congruentes ou, equivalentemente,<br />
dois ângulos. Um triângulo diz-se equilátero quando tiver os três lados congruentes.<br />
B <br />
Proposição . 2.1 Desigualdade triangular e existência de triângulos<br />
1. Se A, B e C formam um triângulo então:<br />
com AB = c, BC = a e CA = b.<br />
A<br />
a+b > c, b+c > a e c < a+b<br />
2. Se a, b e c são três reais positivos tais que a+b > c, b+c > a e c < a+b então existe<br />
um triângulo △ABC tal que AB = c, BC = a e CA = b.<br />
(Demonstração)<br />
1. Directa da desigualdade triangular verificada pelo norma usual de R 2 .<br />
2. O objetivo é construir um triângulo cujos lados tenham as medidas exigidas. Observe-se<br />
que, pelo teorema dos cossenos, o cosseno do ângulo no vértice A deve ser igual a<br />
b 2 +c 2 −a 2<br />
2bc<br />
Em particular este quociente deve estar entre -1 e 1. As desigualdades indicadas asseguram<br />
esta condição:<br />
61<br />
<br />
C
Como a < b+c então a2 < b2 +c2 +2bc donde −1 = −2bc<br />
2bc < b2 +c2 −a2 . Suponha-se<br />
2bc<br />
que b > c (o caso c < b é análogo), como 0 < b−c < (a+c)−c tem-se b2 +c2 −2bc < a2 donde<br />
b2 +c2 −a2 Considere-se então α = b2 +c 2 −a 2<br />
2bc<br />
< 2bc<br />
= 1<br />
2bc<br />
que verifica −1 < α < 1. Podemos então definir o<br />
2bc<br />
triângulo A = (0,0), C = (b,0) e B = (cα,c √ 1−α 2 ) e tem-se que AB = c, AC = b e<br />
BC = a.<br />
<br />
A = (0,0)<br />
B = (cα,c √ 1−α 2 )<br />
c a<br />
b<br />
<br />
C = (b,0)<br />
Note-se que a existência de UM triângulo nessas condições permite assegurar (usando os<br />
axiomasdecongruênciaeocritérioLAL)aexistênciadeumtriângulo△A ′ B ′ C ′ quaisquer<br />
que sejam os pontos A ′ e B ′ verificando A ′ B ′ = c.<br />
Teorema 2.2 A soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo é π.<br />
(Demonstração)<br />
Seja r ′ a recta paralela à recta < B,C > e incidente em A.<br />
B ′<br />
<br />
B<br />
A<br />
C ′<br />
<br />
C<br />
Considerem-se os pontos C ′ e B ′ incidentes em r ′ e tais que C ′ incide no semi-plano definido<br />
por < A,B > incidente em C e B ′ incide no semi-plano definido por < A,C > incidente em<br />
B. Pelo teorema 1.12, tem-se as congruências<br />
∠C ′ AC ≡ ∠ACB e ∠B ′ AB ≡ ∠ABC<br />
Aplicando as propriedades da medida de ângulos obtemos<br />
m∠ABC +m∠BCA+m∠CAB = π<br />
62
Definição . 2.3 Triângulos semelhantes<br />
Dois triângulos são semelhantes quando os ângulos internos são congruentes dois a dois.<br />
Em particular, dois triângulos congruentes são sempre semelhantes.<br />
<br />
B<br />
A<br />
<br />
C<br />
<br />
B<br />
Proposição . 2.4 Critério LAL para triângulos semelhantes<br />
Sejam △ABC e △A ′ B ′ C ′ dois triângulos tais que<br />
∠CAB ≡ ∠C ′ A ′ B ′<br />
e<br />
A<br />
<br />
AB<br />
A ′ B<br />
AC<br />
= ′ A ′ = λ<br />
C ′<br />
Então tem-se também que BC<br />
B ′ C ′ = λ e os triângulos △ABC e △A′ B ′ C ′ são semelhantes.<br />
(Demonstração)<br />
Usar o teorema dos cossenos.<br />
Corolário . 2.5 Teorema de Tales4 Sejam r e m duas rectas do plano incidentes num ponto A, s e s ′ duas rectas do plano incidentes<br />
em r e m, respectivamente em pontos B, C, B ′ e C ′ , com ∠BAC e ∠B ′ AC ′ são iguais ou<br />
verticalmente opostos. Então<br />
A B<br />
as rectas s e s ′ são paralelas se e só se AB′<br />
AB<br />
s<br />
<br />
C<br />
<br />
C ′<br />
s ′<br />
m<br />
B<br />
′<br />
r<br />
s<br />
B<br />
<br />
C<br />
= AC′<br />
AC .<br />
<br />
C<br />
C ′<br />
A <br />
B ′<br />
4 Tales de Mileto foi um filósofo e matemático da Antiga Grécia (640-546 a.C.). Este teorema, apesar de ser<br />
usualmente designado por Teorema de Tales, era na verdade conhecido anteriormente pelos egípcios.<br />
63<br />
s ′<br />
r<br />
m
(Demonstração)<br />
Se AB′<br />
AB<br />
= AC′<br />
AC os triângulos △ABC e △AB′ C ′ são semelhantes (proposição 2.4). Os ângulos<br />
∠AB ′ C ′ e ∠ABC são então congruentes e portanto < B,C > e < B ′ ,C ′ > são paralelas<br />
(teorema 3.22 do capítulo anterior).<br />
Reciprocamente, suponham-se < B,C > e < B ′ C, ′ > paralelas. Podemos definir o ponto C ′′<br />
na semi-recta de origem A incidente em C ′ que verifica<br />
<br />
C<br />
A B<br />
C ′′<br />
<br />
C ′<br />
B<br />
′<br />
AC AB<br />
=<br />
AC ′′ AB ′<br />
B<br />
<br />
C<br />
C <br />
′′<br />
A <br />
B ′<br />
As rectas < B,C > e < B ′ ,C ′′ > são paralelas (parte anterior do corolário) mas, por<br />
hipótese, < B ′ ,C ′ > é paralela a < B,C > e incide em B ′ logo < B ′ ,C ′ >=< B ′ ,C ′′ > e<br />
portanto C ′ = C ′′ .<br />
Teorema . 2.6 Caraterizações de triângulos semelhantes<br />
Sejam ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ dois triângulos de R2 . Há equivalência entre:<br />
1. ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ são semelhantes<br />
2. ∆ABC e ∆A ′ B ′ C ′ têm dois pares de ângulos congruentes<br />
3. AB<br />
A ′ B<br />
(Demonstração)<br />
AC<br />
= ′ A ′ BC<br />
=<br />
C ′ B ′ C ′<br />
(1. ⇒ 2.) directa.<br />
(2. ⇒ 3.) Suponha-se que ∠CAB ≡ ∠C ′ A ′ B ′ e ∠ABC ≡ ∠A ′ B ′ C ′ . Definam-se os pontos<br />
B ′′ e C ′′ nas semi-rectas de origem A e incidentes em B e C respectivamente, que verificam<br />
AB ′′ ≡ A ′ B ′ e AC ′′ ≡ A ′ C ′ .<br />
<br />
C<br />
A B<br />
<br />
C ′′<br />
B<br />
′′<br />
64<br />
A <br />
′<br />
<br />
C ′<br />
B<br />
′<br />
C<br />
<br />
′
Pelo critério LAL, os triângulos △AB ′′ C ′′ e △A ′ B ′ C ′ são congruentes e portanto<br />
∠ABC ≡ ∠A ′ B ′ C ′ ≡ ∠AB ′′ C ′′<br />
Como os ângulos correspondentes são congruentes, as rectas < C,B > e < C ′′ ,B ′′ > são<br />
paralelas donde (teorema de Tales)<br />
AC AB<br />
=<br />
AC ′′ AB ′′<br />
E, usando a proposição 2.4, obtemos que<br />
BC<br />
B ′′ AC<br />
=<br />
C ′′ AC ′′<br />
Note-se que A ′ B ′ = AB ′′ , A ′ C ′ = AC ′′ e C ′ B ′ = C ′′ B ′′ portanto<br />
AC<br />
A ′ C<br />
AB<br />
= ′ A ′ BC<br />
=<br />
B ′ B ′ C ′<br />
(3. ⇒ 1.) Directa, a partir do teorema dos cossenos.<br />
Quadriláteros<br />
Recorde-se que, se A, B, C e D são pontos do plano tais que no conjunto {A,B,C,D} não<br />
há três pontos colineares, chamamos quadrângulo ou quadrilátero não degenerado e designamos<br />
por ABCD o subconjunto de P:<br />
ABCD = AB ∪BC ∪CD ∪DA<br />
Os pontos A B, C e D são chamados vértices do quadrilátero, os segmentos AB, BC, CD e<br />
DA lados do quadrilátero, os segmentos AC e BD as diagonais do quadrilátero.<br />
Recorde-se ainda que um quadrilátero não degenerado ABCD diz-se quadrilátero convexo<br />
se as diagonais AC e BD se intersectam. Nos quadriláteros convexos, os ângulos ∠DAB,<br />
∠ABC, ∠BCD e ∠CDA são chamados ângulos internos do quadrilátero. Num quadrilátero<br />
convexo, os pares de ângulos ∠DAB e ∠BCD, ∠ABC e ∠CDA, são ditos ângulos opostos e<br />
os pares de ângulos não opostos são ditos ângulos adjacentes.<br />
D<br />
<br />
A<br />
<br />
65<br />
B<br />
C
• Um quadrilátero convexo diz-se paralelogramo quando os ângulos opostos são congruentes.<br />
<br />
<br />
• Um quadrilátero convexo diz-se rectângulo quando os ângulos internos são rectos.<br />
<br />
<br />
<br />
• Um quadrilátero convexo diz-se losango quando todos os lados são congruentes.<br />
′′ ′′<br />
<br />
′′<br />
<br />
<br />
′′<br />
• Um quadrilátero losango e rectângulo diz-se quadrado, isto é, um quadrilátero com todos<br />
os lados congruentes e todos os ângulos rectos.<br />
<br />
=<br />
Proposição 2.7 Propriedades básicas dos quadriláteros<br />
<br />
′′<br />
′′<br />
=<br />
<br />
<br />
1. A soma das medidas dos ângulos internos de um quadrilátero convexo é 2π. Em particular,<br />
num paralelogramo, os ângulos adjacentes são suplementares (isto é, a soma das<br />
medidas é π).<br />
2. (Primeira caracterização de paralelogramo)<br />
Um quadrilátero não degenerado ABCD é um paralelogramo se e só se<br />
< A,B > / < C,D > e < B,C > / < D,A ><br />
66
3. (Segunda caracterização de paralelogramo)<br />
Um quadrilátero convexo é um paralelogramo se e só se os lados opostos são congruentes.<br />
Em particular, um losango é sempre um paralelogramo.<br />
4. (Terceira caracterização de paralelogramo)<br />
Um quadrilátero não degenerado ABCD é um paralelogramo se e só se as diagonais<br />
AC e BD incidem no ponto médio, isto é, AC e BD incidem num ponto M que é ponto<br />
médio entre A e C e ponto médio entre B e D.<br />
5. (Teorema de Varignon)<br />
Os pontos médios de um quadrilátero convexo formam um paralelogramo.<br />
(Demonstração)<br />
1. Seja ABCD um quadrilátero convexo. Se se considerar os triângulos ∠ABD e ∠BCD,<br />
verifica-se que D é interior ao ângulo ∠ABC e que B é interior ao ângulo ∠ADC portanto<br />
m∠ABC = m∠ABD +m∠DBC e m∠ADC = m∠BDA+m∠CDB<br />
D<br />
<br />
A<br />
<br />
O resultado deduz-se então das igualdades<br />
m∠ABD +m∠BDA+m∠DAB = π e m∠DBC +m∠BCD +m∠CDB = π<br />
67<br />
B<br />
C
2. Primeira caracterização de paralelogramo<br />
Suponha-se ABCD um paralelogramo, por razões análogas à alínea anterior tem-se que<br />
Sejam<br />
Note-se que<br />
m∠ABC = m∠ABD +m∠DBC e m∠CDA = m∠BDA+m∠CDB<br />
α = m∠DAB = m∠BCA β = m∠ABC = m∠CDA<br />
β1 = m∠ABD β2 = m∠DBC δ1 = m∠CDB δ2 = m∠BDA<br />
<br />
D<br />
δ2<br />
δ1<br />
A<br />
α<br />
α<br />
C<br />
β1 β2<br />
β = β1 +β2 = δ1 +δ2, α+β1 +δ2 = π e α+β2 +δ1 = π<br />
donde β1 = δ1 e β2 = δ2. Pelo teorema 3.22 do capítulo anterior,<br />
< A,B > / < D,C > e < B,C > / < A,D ><br />
Reciprocamente, se A, B, C e D verificam as condições do enunciado, usando a caracterização<br />
de paralelismo do capítulo anterior (exercício 2.17, alínea 5) obtemos que o<br />
quadrilátero ABCD é convexo. Os ângulos opostos são congruentes como consequência<br />
da caracterização das paralelas na geometria euclidiana (teorema 1.12).<br />
3. Segunda caracterização de paralelogramo.<br />
Seja ABCD um paralelogramo. Usando as notações da alínea anterior, como β1 = δ1,<br />
β2 = δ2 e BD é um lado comum, os triângulos △ABD e △CDB são congruentes (critério<br />
ALA) donde AB ≡ CD e DA ≡ CB.<br />
Reciprocamente, usando o critério LLL, tem-se que △ABD ≡ △CDB donde<br />
∠DAB ≡ ∠BCD, ∠ABD ≡ ∠CDB e ∠ADB ≡ ∠CBD<br />
Como o quadrilátero é convexo,<br />
m∠ABC = m∠ABD +m∠DBC e m∠ADC = m∠ADB +m∠CDB<br />
e então também se verifica<br />
B<br />
∠ABC ≡ ∠ADC<br />
Em resumo, ∠DAB ≡ ∠BCD e ∠ABC ≡ ∠ADC, portanto ABCD é um paralelogramo.<br />
68
4. Terceira caracterização de paralelogramo.<br />
Sejam ABCD um paralelogramo e M o ponto de intersecção das diagonais AC e BD.<br />
Usando as notações e os resultados das alíneas anteriores tem-se<br />
β1 = m∠ABM = m∠MDC β2 = m∠CBM = m∠MDA<br />
De maneira análoga, se definirmos α1 = m∠DAM e α2 = m∠MAB tem-se também<br />
α1 = m∠BCM e α2 = m∠MCD<br />
<br />
D<br />
β2<br />
β1<br />
A<br />
α2<br />
α1<br />
M<br />
α1<br />
α2<br />
C<br />
β1 β2<br />
Usando a alínea anterior e o critério ALA deduz-se<br />
△ABM ≡ △CDM e △ADM ≡ △CBM<br />
Em particular, AM ≡ CM e DM ≡ BM.<br />
Reciprocamente, seja ABCD um quadrilátero não degenerado tais que AC e BD incidem<br />
no ponto médio M. O quadrilátero ABCD é então um quadrilátero convexo.<br />
Note-se que os ângulos ∠AMB e ∠CMD são verticalmente opostos e portanto congruentes<br />
(e análogamente os ângulos ∠BMC e ∠DMA). Usando o critério LAL, deduzem-se<br />
as congruências:<br />
△AMB ≡ △CMD e △BMC ≡ △DMA<br />
Em particular, AB ≡ DC e BC ≡ AD. Pelo segundo critério, o quadrilátero convexo<br />
ABCD é um paralelogramo.<br />
5. O Teorema de Varignon.<br />
Seja ABCD um quadrilátero convexo. Considerem-se A ′ , B ′ , C ′ e D ′ os pontos médios<br />
dos lados AB, BC, CD e DA, respectivamente.<br />
A<br />
<br />
A ′<br />
D<br />
<br />
D ′<br />
<br />
<br />
C ′<br />
O quadrilátero A ′ B ′ C ′ D ′ é não degenerado por ser ABCD não degenerado e convexo.<br />
Usando o Teorema de Tales tem-se<br />
B<br />
B<br />
B<br />
<br />
C<br />
′<br />
< D ′ ,A ′ > / < D,B > / < C ′ ,B ′ > e < A ′ ,B ′ > / < A,C > / < D ′ ,C ′ ><br />
E o teorema de Varignon deduz-se assim da primeira caracterização de paralelogramo.<br />
69
3 Circunferências<br />
Definição . 3.1 Circunferências, cordas, diâmetros, tangentes<br />
Seja O um ponto do plano euclideano e λ um número real possitivo. Chamamos circunferência<br />
de centro O e raio λ ao conjunto C de pontos do plano:<br />
C = {A ∈ R 2 : AO = λ}<br />
Sejam C uma circunferência de centro O e raio λ, λ ∈ R + .<br />
• Chamamos corda da circunferência C a todo segmento cujos extremos sejam pontos de C.<br />
• Chamamos diâmetros da circunferência àquelas cordas que incidem no centro da circunferência.<br />
Os extremos dos diâmetros são chamados pontos diametralmente opostos da<br />
circunferência.<br />
• Seja A um ponto de uma circunferência C. Dizemos que uma recta r é tangente à circunferência<br />
C no ponto A se o único ponto de incidência de r e C é o A.<br />
• Sejam A e B pontos de uma circunferência C com centro O, não diametralmente opostos.<br />
Oarco menordeextremosAeB definidonacircunferênciaéosubconjuntodeC designado<br />
por AB e definido como:<br />
AB = {A,B}∪{C ∈ C : C é interior ao ângulo ∠AOB}<br />
O conjunto dos pontos de C, junto com A e B, que não pertencem ao arco menor diz-se<br />
arco maior de extremos A e B.<br />
r<br />
A<br />
O<br />
70
Proposição . 3.2 Propriedades básicas das circunferências<br />
Seja C uma circunferência de centro O e raio λ.<br />
1. Se A é um ponto de C existe um único ponto A ′ de C colinear com O e A e verifica-se<br />
que O é o ponto médio entre A e A ′ .<br />
Por outras palavras, fixado um ponto da circunferência A, existe um único ponto A ′<br />
diametralmente oposto, existe um único diâmetro incidente em A e o centro da circunferência<br />
é o ponto médio entre dois pontos diametralmente opostos.<br />
2. Se A e B são dois pontos não diametralmente opostos de C, o triângulo ∆AOB é isósceles<br />
e então<br />
∠BAO ≡ ∠ABO<br />
3. Uma circunferência e uma recta incidem, no máximo, em dois pontos. Isto é, não existem<br />
três pontos colineares numa circunferência.<br />
4. Seja AB uma corda de C que não é diâmetro. Dado um ponto M ∈ AB, M é o ponto<br />
médio entre A e B se e só se as rectas < O,M > e < A,B > são perpendiculares.<br />
A<br />
M<br />
O<br />
5. Sejam A e A ′ pontos diametralmente opostos de C, e B um ponto não colinear com os<br />
anteriores. Se ∠ABA ′ for recto então B incide em C.<br />
71<br />
B
6. Sejam A e A ′ pontos diametralmente opostos da circunferência C e B outro ponto de C<br />
distinto dos anteriores. Então<br />
m∠ABA ′ = π<br />
e m∠BOA<br />
2<br />
′ = 2m∠BAA ′ .<br />
A<br />
B<br />
O A’<br />
Note-se que a primeira afirmação é o recíproco da alínea anterior.<br />
7. O ângulo do centro é duplo do ângulo na circunferência<br />
Sejam B e C pontos não diametralmente opostos de uma circunferência de centro O.<br />
Seja A um ponto da circunferência não interior ao ângulo ∠BOC. Então:<br />
m∠BOC = 2m∠BAC.<br />
8. Seja A um ponto da circunferência interior ao ângulo ∠BOC. Então<br />
m∠BOC = 2π −2m∠BAC.<br />
72<br />
A<br />
O<br />
B<br />
A’
9. Descrição analítica das circunferências<br />
Seja C uma circunferência de centro O = (ω1,ω2) e C raio λ. C é dada analíticamente<br />
por<br />
C = {(x,y) ∈ R 2 : (x−ω1) 2 +(y −ω2) 2 = λ 2 }<br />
A aplicação contínua 5 ω : R −→ R 2 definida por<br />
verifica:<br />
ω(t) = (λ(cos2πt)+ω1,λ(sin2πt)+ω2)<br />
(a) ω(t) = ω(t ′ ) se e só se t−t ′ = k, com k ∈ Z;<br />
(b) ω(R) = C (o conjunto imagem é a circunferência C).<br />
(Demonstração)<br />
1. SejaA ′ opontonasemi-rectadeorigemO opostaàincidenteemAqueverificaA ′ O = AO.<br />
Por construção, A ′ incide em C e O é o ponto médio entre A e A ′ .<br />
Suponha-se que existe B na circunferência C, colinear com O e A. Note-se que OA =<br />
OB = λ. Há três posibilidades, O ∈ AB, A ∈ OB ou B ∈ OA.<br />
Se O ∈ AB tem-se que B incide na semi-recta com origem O oposta à incidente em A e<br />
verifica OB = OA, portanto B = A ′ .<br />
Se A ∈ OB tem-se OB = OA + AB, donde OB > OA (absurdo). Se B ∈ OA tem-se<br />
OA = OB +BA donde OA > OB (absurdo).<br />
2. Se A e B não são diametralmente opostos então O,A e B não são colineares (alínea<br />
anterior) e pode-se considerar o triângulo △AOB que verifica OB = λ = OA. Assim,<br />
OA ≡ OB e △AOB é isósceles.<br />
5 De facto trata-se de uma aplicação analítica.<br />
73
3. Suponham-se A, B e C pontos incidentes em C e incidentes numa recta r. Pela alínea 1<br />
podemos supor o centro O não incidente em r e considerar então os triângulos isósceles<br />
r<br />
△AOB △AOC △BOC<br />
A<br />
Suponha-se que B ∈ AC (os outros casos são análogos). Tem-se<br />
O<br />
B<br />
∠BAO = ∠CAO e ∠BCO = ∠ACO<br />
Usando a transitividade da congruência e o facto dos triângulos considerados serem<br />
isósceles, obtém-se<br />
∠CBO ≡ ∠BCO ≡ ∠BAO ≡ ∠ABO<br />
Como ∠CBO ≡ ∠ABO, estes ângulos são rectos. Ter-se-ia então que as rectas < O,A >,<br />
< O,B > e < O,C > são três rectas perpendiculares a r e incidentes em O (absurdo).<br />
4. Note-se que o triângulo △AOB é isósceles.<br />
Se M for o ponto médio entre A e B, aplicando LAL obtemos a congruência △AMO ≡<br />
△BMO.<br />
A<br />
M<br />
O<br />
Em particular, como ∠AMO ≡ ∠BMO, estes ângulos são rectos e < M,O > é perpendicular<br />
a < A,B >. O reciproco é directo por causa da unicidade da perpendicular.<br />
74<br />
B<br />
C<br />
r
5. Seja B um ponto não tal que ∠ABA ′ é recto. Considere-se o ponto médio M do segmento<br />
AB.<br />
B<br />
A<br />
M<br />
<br />
O<br />
Se se aplicar o teorema de Tales aos triângulos △AMO e △ABA ′ obtem-se<br />
A ′<br />
< M,O > / < B,A ′ ><br />
Como∠ABA ′ érecto,pelaspropriedadesdoparalelismonageometriaeuclidiana(teorema<br />
1.12) o ângulo ∠OMA também é recto. Usando o critério LAL obtemos então<br />
△BMO ≡ △AMO<br />
Em particular OB ≡ OA donde OB = λ e portanto B ∈ C.<br />
6. Recorde-se que O pertence ao segmento AA ′ , portanto ∠BAO = ∠BAA ′ e O é interior<br />
ao ângulo ∠ABA ′ .<br />
A<br />
B<br />
O A’<br />
Seja α = m∠BAO = m∠BAA ′ . Como △AOB é isósceles<br />
A<br />
m∠ABO = α<br />
donde m∠AOB = π −2α. Os ângulos ∠AOB e ∠BOA ′ são suplementares e então<br />
m∠BOA ′ = 2α<br />
Mas △BOA ′ também é isósceles donde m∠OBA ′ = m∠OA ′ B. Assim<br />
π = m∠A ′ OB +m∠OBA ′ +m∠BA ′ O = 2α+2m∠OBA ′<br />
donde m∠OBA ′ = π<br />
−α e então<br />
2<br />
m∠ABA ′ = m∠ABO +m∠OBA ′ = π<br />
2<br />
75<br />
O<br />
B<br />
A’
7. Considerar o ponto A ′ diametralmente oposto de A. Aplicar a alínea anterior e as propriedades<br />
da medida de ângulos considerando separadamente os dois casos seguintes: A ′<br />
é interior ao ângulo ∠BOC ou A ′ não é interior ao ângulo ∠BOC.<br />
8. Considerar o ponto A ′ diametralmente oposto a A, que não é interior ao ângulo ∠BOC.<br />
Usar argumentos análogos à alínea anterior.<br />
9. Directa.<br />
Definição . 3.3 Mediatriz de um segmento<br />
Chamamos mediatriz de um segmento AB a recta perpendicular ao segmento que incide no<br />
ponto médio entre A e B.<br />
Teorema . 3.4 Circuncentro de um triângulo<br />
Seja ∆ABC um triângulo do plano.<br />
1. As três mediatrizes dos lados do triângulo incidem num ponto chamado circuncentro do<br />
triângulo.<br />
2. A circunferência de centro o circuncentro O e raio OA incide também nos pontos B e C<br />
e diz-se circunferência circunscrita ao triângulo ou também, que o triângulo está inscrito<br />
na circunferência.<br />
A<br />
B<br />
O<br />
(Demonstração)<br />
Sejam rC e rB as mediatrizes dos lados AB e AC, respectivamente. Se rC e rB fossem paralelas,<br />
ter-se-ia que as rectas < A,B > e < A,C > são paralelas (absurdo). Sejam O o ponto de<br />
intersecção dessas mediatrizes rC e rB e A ′ o ponto médio entre B e C. Usar o critério LAL<br />
para provar que OB ≡ OA ≡ OC e o critério LLL para provar que ∠OA ′ C é recto. Assim,<br />
< O,A ′ > é a mediatriz de BC.<br />
Corolário . 3.5 Se duas circunferências se intersectam em três ou mais pontos então são<br />
iguais.<br />
76<br />
C
Definição . 3.6 Medianas<br />
Num triângulo do plano euclidiano, as rectas incidentes num vértice e no ponto médio do lado<br />
oposto são chamadas medianas do triângulo.<br />
Teorema . 3.7 Baricentro<br />
As três medianas de um triângulo incidem num ponto chamado baricentro ou centro de gravidade<br />
do triângulo.<br />
(Demonstração)<br />
Sejam A ′ o ponto médio de BC e B ′ o ponto médio de AC.<br />
A<br />
G<br />
B<br />
B’<br />
A’<br />
Os segmentos AA ′ e BB ′ intersectam-se num ponto G (como A ′ ∈ BC, o ponto A ′ é interior<br />
ao ângulo ∠BAC etc ...).<br />
Considere-se o ponto T tal que B seja o ponto médio entre A e T. Pelo Teorema de Tales<br />
< T,C > e < B,B ′ > são paralelas. Se P é o ponto de incidência de < T,C > com a recta<br />
< A,A ′ >, de novo por Tales, verifica-se que G é o ponto médio entre P e A. E, ainda por<br />
Tales, tem-se que A ′ é o ponto médio entre G e P (por ser ponto médio entre B e C). Em<br />
resumo<br />
AA ′ = AG+GA ′ = AG+ 1<br />
2<br />
T<br />
C<br />
P<br />
1 3<br />
GP = AG+ AG =<br />
2 2 AG<br />
donde AG = 2<br />
3 AA′ .<br />
Se considerarmos agora o ponto de intersecção G ′ das medianas AA ′ e CC ′ , usando um<br />
raciocínio exactamente análogo, obter-se-ia que AG ′ = 2<br />
3 AA′ donde G = G ′ .<br />
Nota . 3.8<br />
Salienta-se que o baricentro G situa-se em cada uma das medianas a um terço da distância do<br />
ponto médio e dois terços do vértice. Usando a notação vectorial<br />
−→<br />
AG = 2−−→<br />
AA<br />
3<br />
′ −−→ ′ 1−−→<br />
A G = A<br />
3<br />
′ A<br />
77
Definição . 3.9 Alturas<br />
Num triângulo do plano euclidiano, as rectas incidentes num vértice e perpendiculares ao lado<br />
oposto são chamadas alturas do triângulo.<br />
Note-se que, se um triângulo for equilátero, as alturas são precisamente as mediatrizes<br />
no lado oposto e portanto incidem num ponto (o circuncentro). Em geral, as alturas de um<br />
triângulo incidem sempre num ponto chamado ortocentro. Provamos de seguida o caso em que<br />
o triângulo não é equilátero.<br />
Teorema . 3.10 Ortocentro e a recta de Euler<br />
Num triângulo não equilátero do plano euclideano, as três alturas incidem num ponto, chamado<br />
ortocentro do triângulo, colinear com o baricentro e o circuncentro. A recta determinada pelo<br />
baricentro, circuncentro e ortocentro é chamada recta de Euler.<br />
(Demonstração)<br />
A<br />
H<br />
G<br />
B<br />
O<br />
Sejam △ABC um triângulo, A ′ , B ′ e C ′ os pontos médios de BC, CA e BA, respectivamente,<br />
G o baricentro e O o circuncentro. Saliente-se que um triângulo é equilátero se e só se O = G<br />
(exercício) e portanto podemos supor que O=/ G e considerar a recta de Euler e =< O,G >.<br />
Define-se o ponto H na recta e tal que −−→<br />
GH = −2 −→<br />
GO, ou equivalentemente, o ponto H na<br />
semi-recta com origem G oposta a O tal que GH = 2GO. Note-se que, por construção, H<br />
incide na recta de Euler e.<br />
Considere-se hA a altura incidente no vértice A. Se A = H, então o ponto H incide na<br />
altura hA, podemos supor então A=/ H. Neste caso, como o baricentro G está entre A e A ′ e<br />
verifica GA = 2GA ′ , tem-se também que A ′ =/ O.<br />
ComoGA = 2GA ′ eGH = 2GO,asrectas< H,A >e< O,A ′ >sãoparalelas,peloteorema<br />
de Tales. Mas < O,A ′ > é a mediatriz no lado BC, portanto < H,A > é perpendicular ao lado<br />
BC eassim< H,A >= hA. Emparticular, H incideemhA. Comosmesmosargumentosobterse-ia<br />
que o ponto definido H incide em hB e hC, alturas nos vértices B e C respectivamente.<br />
78<br />
A’<br />
C
Teorema . 3.11 O círculo dos nove pontos<br />
Dado um triângulo do plano euclidiano tem-se que os pontos médios dos lados, os pés das alturas<br />
do triângulo e os pontos médios entre os vértices e o ortocentro incidem numa circunferência<br />
chamada circunferência de Feuerbach ou circunferência dos nove pontos.<br />
(Demonstração)<br />
Seja △ABC um triângulo, considerem-se<br />
– A ′ , B ′ e C ′ os pontos médios de BC, CA e BA, respectivamente;<br />
– hA, hB e hC as alturas do triângulo nos vértices A, B e C, respectivamente;<br />
– D, E e F os pés das alturas hA, hB e hC, respectivamente;<br />
– H o ortocentro do triângulo;<br />
– A ′′ , B ′′ e C ′′ os pontos médios entre o ortocentro H e os vértices A, B e C, respectivamente.<br />
Note-sequeospontosindicadosanteriormentenãosãonecessáriamentetodosdistintos. Analisarse-ão<br />
separadamente dois casos, o triângulo ser rectângulo ou não.<br />
O triângulo △ABC é rectângulo, com ∠CAB recto, se e só se se verificam as condições<br />
equivalentes seguintes:<br />
(i) A = H; (ii) E = F; (iii) C ′ = B ′′ ; (iv) C ′′ = B ′ .<br />
Em particular, se △ABC é rectângulo, com ∠CAB recto, tem-se A = H = E = F = A ′′ .<br />
(Resultados análogos aparecem quando o triângulo for rectângulo em ∠ABC ou em ∠BCA. )<br />
B ′′ = C ′<br />
<br />
A = H = E = F = A ′′<br />
B<br />
<br />
D<br />
A ′<br />
<br />
B ′ = C ′′<br />
Suponha-se então que △ABC é rectângulo, com ∠CAB recto e considere-se C a circunferência<br />
do plano que tem AA ′ como diâmetro (é a circunferência centrada no ponto médio<br />
entre A e A ′ com raio AA′<br />
2 ).<br />
79<br />
C
Usando o teorema de Tales obtemos < C ′ ,A ′ > / < A,C ′′ > e < C ′ ,A > / < C ′′ ,A ′ ><br />
e portanto C ′ A ′ C ′′ A é um paralelogramo com ∠C ′ AC ′′ recto, ou seja C ′ A ′ C ′′ A é um<br />
rectângulo. Os ângulos ∠A ′ C ′ A e ∠A ′ C ′′ A são rectos e aplicando a alínea 5 da proposição<br />
2.8 obtemos que C ′′ e C ′ incidem em C. Também, como ∠ADA ′ é recto (D é o pé da altura<br />
no vértice A), pela mesma propriedade, D incide na circunferência C.<br />
Suponha-se agora que o triângulo △ABC não é rectângulo, e considerem-se os quadriláteros<br />
A ′ C ′ A ′′ C ′′<br />
A<br />
A’’<br />
D<br />
A ′ B ′ A ′′ B ′′<br />
C’<br />
B’ F<br />
O<br />
C<br />
C’’<br />
A’<br />
B ′ C ′ B ′′ C ′′<br />
Como C ′ é o ponto médio entre A e B, e A ′′ é o ponto médio entre A e H, pelo teorema de<br />
Tales, obtem-se<br />
< C ′ ,A ′′ > / < H,B >= hB<br />
Analogamente, como A ′ é o ponto médio entre B e C, e C ′′ é o ponto médio entre C e H,<br />
obtemos<br />
< A ′ ,C ′′ > / < H,B >= hB<br />
Em resumo < A ′ ,C ′′ > / < C ′ ,A ′′ > /hB. Com argumentos análogos obtém-se também<br />
< A ′ ,C ′ > / < C,A > / < A ′′ ,C ′′ ><br />
e então A ′ C ′ A ′′ C ′′ é um paralelogramo. Como os lados A ′ C ′ e A ′′ C ′′ são paralelos a < A,C ><br />
e os lados C ′′ A ′ e A ′′ C ′ são paralelos à altura hB =< H,B > deduz-se que A ′ C ′ A ′′ C ′′ é, de<br />
facto, um rectângulo.<br />
Se considerarmos então a circunferência C que possui C ′ C ′′ como diâmetro, obtemos (alínea<br />
5, da proposição 2.8) que A ′ e A ′′ incidem em C, verificando-se ainda que A ′ A ′′ é um diâmetro<br />
de C (o ponto médio de A ′ A ′′ coincide com o ponto médio de C ′ C ′′ , que é o centro de C).<br />
Poroutrolado, ∠A ′′ DA ′ érecto(D éopédaalturaemA)eentãoD incidenacircunferência<br />
com diâmetro A ′ A ′′ , isto é, C.<br />
Comargumentostotalmenteanálogos, obter-se-áqueB ′ eB ′′ incidemnacircunferênciacom<br />
diâmetro C ′ C ′′ , isto é C, verificando-se também que B ′ B ′′ é um diâmetro de C. E, finalmente,<br />
E e F incidem nessa circunferência por serem ∠B ′ EB ′′ e ∠C ′ FC ′′ rectos.<br />
80<br />
E<br />
B’’<br />
B
Proposição . 3.12 Sobre as tangentes à circunferência<br />
Seja C uma circunferência de centro O. Então:<br />
1. Uma recta r é tangente a C no ponto A se e só se r incide em A e as rectas < A,O ><br />
e r são perpendiculares. Em particular, deduzimos que a tangente a uma circunferência<br />
num ponto existe e é única.<br />
2. Sejam r e r ′ tangentes a C em pontos A e A ′ respectivamente. A e A ′ são pontos diametralmente<br />
opostos se e só se r e r ′ são paralelas.<br />
3. Sejam rA e rB tangentes a C em pontos A e B respectivamente. Se A e B não são<br />
pontos diametralmente opostos de C, rA e rB incidem num ponto P tal que semi-recta<br />
com origem P e incidente em O bissecta o ângulo ∠APB e o ângulo ∠AOB.<br />
(Demonstração)<br />
1. Seja r uma recta tangente a C no ponto A. Suponha-se que r e < O,A > não são<br />
perpendiculares e considere-se o ponto P, pé da perpendicular a r incidente em O. Notese<br />
que O∈/ r (se O ∈ r o ponto diametralmente oposto a A, A ′ incidiria em r e r não seria<br />
tangente) e podemos assim considerar o triângulo rectângulo △POA. Seja B o ponto na<br />
semi-recta com origem P oposta a A e tal que BP ≡ PA. Os triângulos △PAO e △PBO<br />
são congruentes (LAL) donde AO ≡ BO e então B incide em C e em r (absurdo).<br />
Reciprocamente, seja A um ponto de C e r a recta perpendicular a < A,O > e incidente<br />
em A. Suponha-se que existe um outro ponto B incidente em r e em C. Tem-se que<br />
△BAO é um triângulo isósceles com dois ângulos rectos (absurdo).<br />
81
2. Se A e A ′ são diametralmente opostos, < O,A >=< O,A ′ > e as tangentes são paralelas<br />
pelo teorema 3.21 do primeiro capítulo. Reciprocamente, se as tangentes são paralelas,<br />
pelo teorema 1.12, < O,A > e < O,A ′ > são paralelas e obtemos A = A ′ ou A e A ′<br />
diametralmente opostos.<br />
3. Os triângulos △POB e △POA são congruentes (critério de congruência de triângulos<br />
rectângulos). Assim<br />
∠BPO ≡ ∠APO e ∠BOP ≡ ∠AOP<br />
Teorema . 3.13 Incentro e excentros: círculos inscritos e excritos num triângulo<br />
Num triângulo ∆ABC, sejam a+, b+, c+ semi-rectas tais que:<br />
(i) a+, b+, c+ são bissectrizes interiores dos ângulos internos em A, B e C, respectivamente,<br />
do triângulo;<br />
ou<br />
(ii) a+ é bissectriz do ângulo interno em A, b+ e c+ são bissectrizes dos ângulos externos<br />
em B e C (verticalmente opostos aos definidos por A), respectivamente, ;<br />
então, as três semi-rectas a+, b+ e c+ incidem num ponto que é o centro de uma circunferência<br />
tangente às rectas < A,B >, < B,C > e < C,A >.<br />
O ponto de incidência das três bissectrizes interiores é chamado incentro do triângulo. O<br />
ponto de incidência de uma bissectriz interior e duas exteriores é chamado um excentro do<br />
triângulo. Note-se que o teorema implica a existência de um incentro I e três excentros Ia,<br />
Ib, Ic, isto é, a existência de três circunferencias exteriores tangentes ao triângulo, chamadas<br />
circuferências excritas e uma circunferência interior tangente ao triângulo, chamada circunferência<br />
inscrita.<br />
82
(Demonstração)<br />
No primeiro caso, sejam a+ e b+ as bissectrizes interiores dos ângulos ∠CAB e ∠ABC. Estas<br />
semi-rectas incidem num ponto I pelo V Postulado de Euclides (as rectas a e b formam com<br />
< A,B > ângulos cuja soma é menor que π no semi-plano onde incidem a+ e b+), ponto I que<br />
verifica ainda ser interior ao ângulo ∠BCA.<br />
A<br />
<br />
b+<br />
C1<br />
B<br />
<br />
<br />
I<br />
A1<br />
B1<br />
Se se considerarem os pés A1, B1e C1 das perpendiculares em I aos lados BC, AC e AB<br />
verifica-se (segunda caracterização da bissectriz)<br />
A1I ≡ C1I (b+ bissectriz em B)<br />
B1I ≡ C1I (a+ bissectriz em A)<br />
E então B1I ≡ A1I e a semi-recta com origem C e incidente em I é a bissectriz interior de<br />
∠BCA, isto é c+.<br />
Seja C a circunferência com cenro I e incidente em A1, B1 e C1. Como, por definição<br />
desses pontos, as rectas < I,A1 > e < B,C > são perpendiculares (respectivamente, as rectas<br />
< I,B1 > e < A,C > e as rectas < I,C1 > e < A,B >), a circunferência C é tangente ao<br />
triângulo nos pontos A1, B1 e C1 (proposição anterior)<br />
O outro caso (uma bissectriz interior e duas exteriores) é análogo.<br />
83<br />
C
Definição . 3.14 Circunferências tangentes e secantes.<br />
Duas circunferências dizem-se tangentes se incidem num único ponto. Duas circunferências<br />
dizem-se secantes se incidem em dois pontos.<br />
Recorde-se que duas circunferências distintas incidem, no máximo, em dois pontos.<br />
Teorema . 3.15 Caracterização das circunferências tangentes<br />
Sejam C e C ′ duas circunferências com centros O e O ′ , respectivamente, e raios r e r ′ respectivamente.<br />
As circunferências C e C ′ são tangentes se e só se se verifica alguma das igualdades<br />
seguintes:<br />
d = r +r ′<br />
r = d+r ′<br />
r ′ = d+r<br />
com d = OO ′ , ou, equivalentemente, se se verifica d 2 = (r ±r ′ ) 2 .<br />
(Demonstração)<br />
Se C e C ′ são tangentes em P então O, P e O ′ devem sem colineares (se não fossem o ponto P ′<br />
simétrico de P em relação à recta < O,O ′ > incidiria nas duas circunferências). Os três casos<br />
possíveis O ∈ O ′ P, O ′ ∈ OP ou P ∈ OO ′ implicam as igualdades possíveis. Reciprocamente,<br />
se se verificar alguma dessas três igualdades, é possível definir um único ponto incidindo em C<br />
e C ′<br />
O<br />
O’<br />
P<br />
Por exemplo, se d = r + r ′ , considera-se um ponto P entre O e O ′ que verifique OP = r.<br />
Note-se que, se existir um outro ponto P ′ incidindo em C e C ′ , ter-se-ia OP ′ = r, O ′ P ′ = r ′ e<br />
como OO ′ = OP ′ +P ′ O ′ , o ponto P ′ está obrigatoriamente entre O e O ′ e assim P = P ′ .<br />
Teorema . 3.16 Teorema das duas circunferências ou da continuidade circular<br />
Sejam C e C ′ duas circunferências com centros O e O ′ , respectivamente, e raios r e r ′ respectivamente.<br />
As circunferências C e C ′ são secantes se e só se se verificam as três condições<br />
seguintes:<br />
com d = OO ′ .<br />
(Demonstração)<br />
d < r +r ′ , r < d+r ′<br />
O<br />
P<br />
O’<br />
r ′ < d+r<br />
Se C e C ′ são secantes num ponto P ter-se-á (desigualdade triangular)<br />
d ≤ r +r ′<br />
r ≤ d+r ′<br />
r ′ ≤ d+r<br />
E estas desigualdades devem ser estritas para as circunferências não serem tangentes (resultado<br />
anterior).<br />
84
O<br />
P<br />
r r’<br />
P’<br />
d<br />
Reciprocamente, as três desigualdades estritas asseguram a existência (proposição 2.1) de um<br />
pontoP, queformacomO eO ′ umtriânguloverificandoOP = r eO ′ P = r ′ , ouseja, asseguram<br />
a existência de um ponto P ∈ C ∩C ′ . Se se considerar o ponto P ′ , reflexão de P em relação à<br />
recta < O,O ′ > tem-se que P ′ verifica OP ′ = OP = r e O ′ P ′ = r ′ , com P=/ P ′ logo P ′ ∈ C∩C ′ .<br />
Note-se que C e C ′ são obrigatoriamente circunferências distintas porque d = OO ′ =/ 0.<br />
Proposição . 3.17 Proposição 1 de Euclides<br />
Fixado um segmento AB existe um triângulo equilátero de lado AB.<br />
(Demonstração)<br />
Considerem-se as circunferências C e C ′ centradas nos pontos A e B com raio AB. Pelo teorema<br />
3.16, C e C ′ incidem em dois pontos P e P ′ e os triângulos △ABP e △ABP ′ são equiláteros.<br />
A construção geométrica é indicada na figura:<br />
P<br />
A B<br />
Saliente-se que a demonstração deste resultado, nos Elementos, apresenta um “erro básico”:<br />
Euclidesnãojustificaofactodasduascircunferênciasseintersectarem. Etrata-sedeumdetalhe<br />
importante: é necessário assumir os axiomas de continuidade para justificar este passo.<br />
85<br />
O’
Proposição . 3.18 O Teorema das Duas Tangentes<br />
Sejam C uma circunferência de centro O e raio r e P um ponto exterior a uma circunferência<br />
(isto é, OP > r). Existem exactamente duas tangentes à circunferência C incidentes em P.<br />
(Demonstração)<br />
Sejam M o ponto médio entre O e P e C ′ a circunferência centrada em M e raio MP. Pelo<br />
teorema da continuidade circular, C e C ′ são secantes em pontos R e R ′ . Note-se que OP é um<br />
diâmetro da circunferência C ′ e portanto os ângulos ∠ORP e ∠OR ′ P são rectos.<br />
O<br />
M<br />
Definição . 3.19 Circunferências ortogonais<br />
Duas circunferências C, C ′ são ortogonais num ponto P ∈ C ∩C ′ se as tangentes em P a C e C ′<br />
são perpendiculares.<br />
Proposição . 3.20 Caracterização de circunferências ortogonais<br />
Sejam C e C ′ duas circunferências de centros O, O ′ e raios r e r ′ . C e C ′ são ortogonais se e<br />
só se<br />
d 2 = r 2 +(r ′ ) 2<br />
com d = OO ′ .<br />
86<br />
P
(Demonstração)<br />
Se C e C ′ são ortogonais em P então o triângulo de vértices α, α ′ e P é rectângulo e o resultado<br />
deduz-se do Teorema de Pitágoras. Reciprocamente, se d 2 = r 2 + (r ′ ) 2 o teorema sobre a<br />
continuidade circular assegura que C e C ′ são secantes em dois pontos P e P ′ . Pelo recíproco do<br />
Teorema de Pitágoras, cada um dos dois pontos de intersecção forma um triângulo é rectângulo<br />
com os centros O e O ′ das circunferências.<br />
Proposição . 3.21 Tangentes e cordas<br />
Seja C uma circunferência do plano euclidiano, AB uma corda de C e m a mediatriz desta<br />
corda. Designamos por HA e HB os semi-planos definidos por m e incidentes em A e B,<br />
respectivamente. Definem-se os conjuntos<br />
CA := C ∩HA CB := C ∩HB<br />
Dado um ponto P ∈ C designar-se-á por tP a tangente a C em P.<br />
1. Se P=/ A,B, então tP não intersecta nenhuma corda de C.<br />
2. P incide na mediatriz m se e só se tp/ < A,B >;<br />
3. Se P incide no semi-plano HB então<br />
(a) a tangente tP intersecta a recta < A,B > num ponto Q desse semi-plano HB,<br />
(b) o ponto Q verifica<br />
m<br />
(Demonstração)<br />
tp<br />
P<br />
∠QPB ≡ ∠PAB<br />
O<br />
Q<br />
1. Aplica-se o teorema de Pitágoras duas vezes: se M está numa corda então OM < r, se<br />
M incide numa tangente, com M=/ P, então OM > r.<br />
87<br />
B<br />
<br />
A
2. Se P incide na mediatriz m, tem-se m =< O,P > e portanto m é perpendicular a tp.<br />
Como m é perpendicular a < A,B > deduz-se que < A,B > /tP. Reciprocamente, se<br />
tp/ < A,B > enão < O,P > é perpendicular a < A,B > e então < O,P > é a mediatriz<br />
de AB.<br />
3. Note-seque, pelaalíneaanterior, seP nãoincidenamediatriz, atangente emP intersecta<br />
obrigatoriamente a recta < A,B > num ponto Q (que sempre será exterior ao segmento<br />
AB pela primeira alínea).<br />
(a) Consideram-se dois casos: a tangente tP paralela a m ou tP não paralela a m. Se<br />
tP é paralela a m então todos os pontos de tP incidem no mesmo semi-plano que P<br />
e B e assim Q incide em HB.<br />
Se a tangente tP não é paralela a m, seja P ′ o ponto de incidência de m e tP. O<br />
triângulo ∠P ′ PO é rectângulo em P portanto m∠PP ′ O < π/2. Pelo V Postulado,<br />
as rectas tP e < A,B > incidem no semi-plano onde a soma dos ângulo seja inferior<br />
a π que é HB.<br />
(b) Note-se que os pontos interiores do ângulo ∠POB são interiores ao semi-plano HB<br />
e portanto A não é interior ao ângulo ∠POB.<br />
m<br />
tp<br />
P<br />
α<br />
O<br />
Q<br />
B<br />
Se α = m∠BPO, como △POB é isósceles, obtemos que m∠POB = π − 2α. Finalmente,<br />
usando o teorema do ângulo ao centro e o facto de tP e < O,P > serem<br />
perpendiculares obtemos:<br />
m∠PAB = π π<br />
−α m∠QPB =<br />
2 2 −α<br />
88<br />
<br />
A
Teorema . 3.22 Circunferências de Apolonio<br />
Sejam A e A ′ dois pontos distintos do plano euclidiano, e λ um real positivo, λ=/ 1. O conjunto<br />
C(A,A ′ ,λ) = {P ∈ R 2 : AP = λA ′ P}<br />
é uma circunferência com centro um ponto O exterior ao segmento AA ′ e raio r verificando:<br />
OA = λ 2 OA ′<br />
r 2 = OA·OA ′<br />
(Demonstração)<br />
Seja P um ponto do conjunto C(A,A ′ ,λ), não colinear com A e A ′ . Considere-se C a<br />
circunferência incidente em P, A e A ′ . Note-se que P não incide na mediatriz m de AA ′ e<br />
portanto existe um ponto O intersecção da tangente a C em P e a recta < A,A ′ >. Se P incide<br />
no mesmo semi-plano definido por m que A ′ , então A ′ está entre A e O e ∠OPA ′ ≡ ∠PAA ′ .<br />
Como o ângulo ∠POA é comum, os triângulos △OA ′ P e △OPA são semelhantes e tem-se<br />
OP OP PA<br />
= =<br />
OA ′ OA A ′ P<br />
donde OA = λ 2 OA ′ e OP 2 = OA·OA ′ . Note-se que a condicção OA = λ 2 OA ′ determina um<br />
único ponto O exterior ao segmento AA ′ (c.f. exercícios ??). E como ela é verificada por O<br />
é independente do ponto P escolhido tem-se que o ponto O obtido por este procedimento é<br />
sempre o mesmo.<br />
Reciprocamente, seja P um ponto incidente na circunferência centrada em O de raio r, nas<br />
condicções do enunciado. Como<br />
OP OA<br />
=<br />
OA ′ OP<br />
e A e A ′ incidem na mesma semi-recta de origem O, tem-se que ∠POA ≡ ∠A ′ OP. Pelo critério<br />
LAL de triângulos semelhantes, △POA e △A ′ OP são semelhantes, logo<br />
Note-se que, pelas hipóteses,<br />
donde<br />
AP<br />
A ′ P<br />
OP OA<br />
= =<br />
OA ′ OP<br />
OP OA<br />
· = λ2<br />
OA ′ OP<br />
OP OA AP<br />
= =<br />
OA ′ OP A ′ P<br />
89<br />
= λ<br />
= λ
Algumas circunferências de Apolónio nos pontos A e A ′<br />
A<br />
90<br />
A’
Exercícios . 3.23<br />
1. Complete as demonstrações dos resultados enunciados.<br />
2. Dê um exemplo analítico (isto é, com coordenadas para os vértices dos triângulos) de dois<br />
triângulos semelhantes mas não congruentes.<br />
3. Prove que um triângulo é equilátero se e só se os três ângulos internos são congruentes. (Usar<br />
teorema do triângulo isósceles)<br />
4. Sejam Q ′ , Q, P, P ′ pontos distintos de uma circunferência tais que Q, P incidem no mesmo<br />
semi-plano definido por Q ′ e P ′ . Prove que ∠P ′ QQ ′ ≡ ∠P ′ PQ ′ .<br />
Q’<br />
P’<br />
Q<br />
5. Dado um rectângulo construa, justificando, uma circunferência circunscrita (isto é, uma circunferência<br />
que passa pelos vêrtices do rectângulo).<br />
6. Prove que se um quadrilátero está inscrito numa circunferência, isto é, os vértices do quadrilátero<br />
são pontos da circunferência, os ângulos em vértices opostos são suplementares. Deduza que os<br />
únicos paralelogramos inscritos em circunferências são os rectângulos.<br />
P<br />
O quadrilátero da direita pode estar inscrito nalguma circunferência? Justifique a sua resposta.<br />
7. Se ∆ABC for um triângulo equilátero, qual a relação entre alturas, medianas, mediatrizes e<br />
bissectrizes?<br />
8. Considere o triângulo △ABC do plano euclidiano R 2<br />
A = (0,0) B = (4,0) C = (3,2)<br />
Determine analiticamente as medianas, mediatrizes, alturas, bissectrizes, baricentro, circuncentro,<br />
ortocentro e incentro. Qual a equação da circunferência circunscrita e da circunferência inscrita?<br />
91
4 Construções geométricas com régua e compasso<br />
Costumam chamar-se construções geometricas euclidianas àquelas efectuadas com régua e compasso<br />
6 . Eis alguns problemas típicos sobre construções com régua e compasso:<br />
1. DadoumsegmentoAB épossívelconstruir,comréguaecompasso,umtriânguloequilátero<br />
com base o segmento AB?<br />
2. Dado um segmento AB é possível construir, com régua e compasso, um heptágono<br />
equilátero com base o segmento AB?<br />
3. Dado um polígono é possível construir, com régua e compasso, um segmento cujo comprimento<br />
seja igual ao perímetro do polígono?<br />
4. Dada uma circunferência com raio AB é possível construir, com régua e compasso, um<br />
segmento cujo comprimento seja igual ao perímetro dessa circunferência?<br />
Asconstruçõesqueresolvemaprimeiraeaterceiraquestãosãomuitosimples. Porexemplo,<br />
a construção do triângulo equilátero a partir da base (proposição 1 do livro I dos Elementos de<br />
Euclides!) consiste usar o compasso para traçar duas circunferência com centros A e B e raio<br />
AB. E a construção do segmento cujo comprimento seja igual ao perímetro de um polígono<br />
dado é igualmente simples: basta usar o compasso para trasladar a uma recta os segmentos<br />
que formam os lados do polígono.<br />
D<br />
<br />
A <br />
<br />
B<br />
<br />
<br />
C A1 B1 C1 D1 A2<br />
<br />
6 Note-se que, nos Elementos de Euclides, o compasso usado é ligeiramente diferente do actual: não permitia<br />
transportar distâncias. É de salientar que ambas ferramentas, se associadas à régua, são geometricamente<br />
equivalentes, isto é, permitem construir as mesmas figuras (equivalência provada na proposição 2 do livro I dos<br />
Elementos.<br />
92
Noentanto,osoutrosdoisproblemasformuladosnãotêmsolução... Construirumheptágono<br />
regular a partir de um lado L permitiria construir uma circunferência de raio R circunscrita<br />
ao heptágono regular, sendo que esses dois segmentos verificam a relação:<br />
L = 2(sinπ/7)R.<br />
Construir um segmento com o comprimento do perímetro de uma circunferência significa construir<br />
a partir do diâmetro D um segmento S na proporção<br />
S = πD.<br />
Mas para um segmento poder construir-se com régua e compasso a partir de outro a proporção<br />
entre eles não pode ser qualquer uma ... Mais precisamente:<br />
1.<br />
É possível construir um segmento em proporção racional p/q com o segmento inicial.<br />
Para multiplicar o segmento por p basta usar p vezes o compasso com essa abertura. Para dividir um segmento AB<br />
por q basta considerar um segmento auxiliar qualquer (AO), numa recta distinta, multiplicar o segmento auxiliar<br />
por q e usar depois o teorema de Tales ...<br />
A<br />
<br />
O<br />
<br />
<br />
<br />
2. Se existem segmentos em proporção λ, µ com o segmento inicial então é possível construir<br />
segmentos nas proporções λ+µ, λ−µ (para λ > µ), λµ e λ −1 .<br />
O segmento na proporção λ+µ é obviamente a adição dos segmentos dados e o segmento na proporção λ−µ é a<br />
sustração. Para obter o produto, consideramos os segmentos AB, AC = µAB e AD = λAB colocados como indica<br />
a figura seguinte. A paralela à recta BC passando por D determina o ponto M tal que AM = λµAB.<br />
A<br />
<br />
AB<br />
B<br />
µAB<br />
<br />
λAB<br />
C<br />
93<br />
D<br />
<br />
B<br />
M
Finalmente, para obter o segmento na proporção λ −1 , consideramos os segmentos considerando AB ∼ = AC e<br />
AD = λAB colocados como indica a figura seguinte. Traçando primeiro a recta DC e de seguida a recta paralela<br />
passando por B obtemos o ponto M tal que AM = λ −1 AB.<br />
A<br />
<br />
λ −1 AB<br />
<br />
M<br />
AB<br />
AB<br />
B<br />
<br />
λAB<br />
C<br />
3. Se existe um segmento na proporção λ com o segmento inicial então é possível construir<br />
um segmento na proporção √ λ.<br />
D<br />
<br />
Considerar os segmentos AB e AC = λAB colocados como indica a figura. Construir o ponto médio D entre B e C<br />
e traçar a circunferência com diâmetro BC (que tem raio ( λ+1<br />
)AB). O ponto M intersecção dessa circunferência<br />
2<br />
com a perpendicular passando por A verifica que AM = √ λAB.<br />
√ λAB<br />
M<br />
B A<br />
AB<br />
( λ+1<br />
2 )AB<br />
D<br />
λAB<br />
4. As proporções obtidas pelos procedimentos anteriores são as únicas possíveis.<br />
A ideia é simples: nas construções com régua e compasso um ponto novo só pode ser construído (a) como intersecção<br />
de duas rectas que já existem, (b) como intersecção de uma recta e uma circunferência que já existem, (c) como<br />
intersecção de duas circunferências que já existem. Se traduzimos estas propriedades geométricas à linguagem<br />
algébrica, introduzindo coordenadas, obtemos que as coordenadas de um ponto novo são soluções de equações de<br />
ordem 2 nas coordenadas que já existem. A formalização desta ideia para obter uma prova rigorosa precisa da<br />
Teoria de corpos.<br />
Por exemplo, são proporções construtíveis 3/5, √ 2, √ 3/2, 4√ 2, 1+√5 ...<br />
2<br />
94<br />
C
A relação entre o lado L de um triângulo equilátero e o raio da circunferência circunscrita<br />
é<br />
√<br />
3<br />
L = 2Rsin(π/3) = 2R<br />
2 = √ 3R<br />
que é uma proporção construtível. No caso do heptágono regular, a relação é<br />
L = 2Rsin(π/7)<br />
e sin(π/7) não é constructível pelo que o heptágono regular não pode ser construído a partir<br />
do lado usando régua e compasso. De facto, o teorema de Gauss-Wantzel diz-nos que<br />
“ um polígono regular de n lados é constructível se e só se n = 2 k p1...ps, com pi<br />
primos de Fermat diferentes”<br />
Gauss provou que para esse valores de n os polígonos são constructíveis (condição suficiente)<br />
e Pierre Wantzel que os outros não o são (condição necessária). Na realidade, o que<br />
Wantzel provou em 1837 foi uma condição necessária (mas não suficiente) para um número ser<br />
constructível:<br />
Todo o número constructível x é raiz de um polinómio com coeficientes inteiros e o<br />
grau do polinómio minimal admitindo x como raiz é uma potência de 2.<br />
Esta condição permitiu dar uma resposta negativa aos conhecidíssimos Problemas Clássicos<br />
da Geometria, propostos já pela geometria grega:<br />
Trisecção de um ângulo Dividir um ângulo dado em três angulos iguais.<br />
Em geral não é possível. Por exemplo, se se conseguisse trisectar com régua e compasso o ângulo π/3, isto é,<br />
construir o ângulo π/9, então cos(π/9) seria constructível (e não é pelo teorema de Wantzel). Um exemplo de<br />
ângulo que se pode trisecar é π (cosπ/3 = 1/2 que é obviamente constructível).<br />
Duplicação do cubo Dado um cubo de lado L construir o lado do cubo com o dobro do<br />
volume.<br />
O lado do cubo D com o dobro do volume deve verificar D 3 = 2L 3 pelo que D = 3√ 2L e 3√ 2 não é constructível<br />
(Wantzel).<br />
Quadratura do círculo Dado um círculo de raio R construir um quadrado com a mesma<br />
área.<br />
O lado do quadrado L deve verificar L = √ πR. (Carl Louis Ferdinand von Lindemann provou que π era trascen-<br />
dente em 1884).<br />
Salienta-se que os dois primeiros problemas não tem solução usando régua e compasso<br />
mas podem resolver-se facilmente admitindo outro tipo de instrumentos (como uma ”régua<br />
marcada” ou neusis)<br />
95
Exercícios . 4.1<br />
Indique construções com régua e compasso que resolvam os problemas propostos, justificando a<br />
construção sucintamente.<br />
1. Fixada uma recta r e um ponto P, construir a perpendicular a r incidente em P.<br />
2. Fixada uma recta r e um ponto P, construir a paralela a r incidente em P.<br />
3. Construir a mediatriz e o ponto médio de um segmento AB.<br />
4. Construir a bissectriz de um ângulo fixado ∠{h+,k+}.<br />
5. Fixados dois pontos A e B, construir o ponto C, na semi-recta de origem A e incidente em B, tal<br />
que AC = √ 2AB.<br />
6. Fixados dois pontos A e B, construir o ponto C, na semi-recta de origem A e incidente em B, tal<br />
que AC = λAB para os valores seguintes de λ: 3/5, √ 2, √ 3/2, 4√ 2, 1+√ 5<br />
2<br />
7. Construir quadrado com base AB.<br />
8. Construir um hexágono regular com base AB (ajuda: cosπ/3 = 1/2)<br />
9. Construir um pentágono regular com base AB (ajuda: consultar a proposição 11 do Livro IV dos<br />
Elementos)<br />
10. Construir um triângulo equilátero com a àrea igual à àrea de um quadrado dado.<br />
96
III. Isometrias<br />
1 Isometrias na geometria absoluta<br />
Seja G = (P, L,I) um plano de incidência verificando os axiomas I, II, III e IV.<br />
Definição . 1.1 Isometria<br />
Uma isometria do plano é uma aplicação f : P −→ P que envia segmentos em segmentos<br />
congruentes com os iniciais, isto é,<br />
Exemplos . 1.2<br />
AB ≡ f(A)f(B) ∀A,B ∈ P<br />
Seja (R 2 , L,I) o modelo analítico usual do plano euclideano.<br />
1. Fixado v ∈ R 2 , definimos τv : R 2 −→ R 2 como τv(A) = A+v, para cada A ∈ R 2 . Esta<br />
aplicação é uma isometria chamada translação pelo vector v.<br />
Note-se que, analiticamente, τv(x1,x2) = (x1 +v1,x2 +v2), se v = (v1,v2).<br />
2. A aplicação definida por f(x1,x2) = (λx1,λx2), para λ=/ ±1 não é uma isometria.<br />
3. A aplicação definida por f(x1,x2) = (−x1,−x2) é uma isometria. Em geral, aplicação<br />
definida por f(x1,x2) = (−x1 + q1,−x2 + q2) é uma isometria do plano euclidiano que<br />
admite um único ponto fixo Ω, isto é, um único ponto tal que f(Ω) = Ω (definido por<br />
Ω = ( q1<br />
2<br />
q2<br />
, )). Esta isometria é chamada simetria central com centro o ponto Ω<br />
2<br />
4. A aplicação definida por g(x1,x2) = (x2,x1) é uma isometria. Observe-se que o ponto A<br />
e g(A) são simétricos em relação à recta r ≡ y −x = 0.<br />
g(A)<br />
A<br />
97
Proposição . 1.3 Propriedades das isometrias<br />
Seja f : P −→ P uma isometria. Então:<br />
1. f é injectiva;<br />
2. f preserva a relação “estar entre”, de facto, C está entre A e B se e só se f(C) está<br />
entre f(A) e f(B);<br />
3. f preserva colinearidade, semi-rectas e semi-planos;<br />
4. Seja △ABC um triângulo, tem-se △ABC ≡ △f(A)f(B)f(C);<br />
5. f preserva os ângulos;<br />
6. f é sobrejectiva;<br />
7. f preserva e o paralelismo.<br />
(Demonstração)<br />
1. Se A=/ B então AB ≡ AA pelo que f(A)f(B) ≡ f(A)f(A) e portanto f(A) = f(B).<br />
2. Seja µ uma medida qualquer de segmentos. Recorde-se que um ponto C está entre A e<br />
B se e só se µ(AB) = µ(AC) + µ(CB). Uma isometria f preserva qualquer medida de<br />
segmentos(preservaacongruênciapordefinição)peloqueµ(f(A)f(B)) = µ(f(A)f(C))+<br />
µ(f(C)f(B)) e portanto f(C) está entre f(A) e f(B).<br />
3. Consequência da alínea anterior;<br />
4. Se A, B e C não são colineares, f(A), f(B) e f(C) também formam triângulo. Aplicando<br />
LLL obtem-se △ABC ≡ △f(A)f(B)f(C);<br />
5. Pela alínea anterior, △ABC ≡ △f(A)f(B)f(C), donde ∠ABC ≡ ∠f(A)f(B)f(C).<br />
6. Seja △ABC um triângulo fixado do plano e △f(A)f(B)f(C) o triângulo imagem. Seja<br />
M um ponto qualquer do plano. Considerar-se-ão dois casos:<br />
(a) M incide na recta < f(A),f(B) >;<br />
(b) M não incide nessa recta.<br />
Provar-se-á que em cada caso existe N ∈ P tal que f(N) = M.<br />
(a) Suponha-se que M está na recta definida por f(A) e f(B). Se M está na mesma<br />
semi-recta com origem f(A) passando por f(B) considere-se N na semi-recta com<br />
origem A passando por B tal que AN ≡ f(A)M. Se M está na semi-recta oposta<br />
considere-se N na semi-recta oposta. Por definição de isometria AN ≡ f(A)f(N) e<br />
então o axioma III-1 assegura que f(N) = M.<br />
98
(b) Se M não está na recta definida por f(A) e f(B) então está num dos semi-planos<br />
definidos por essa recta. Se M está no mesmo semi-plano que f(C) então considerese<br />
N, no semi-plano definido por < A,B > que contém C, tal que<br />
∠BAN ≡ ∠f(B)f(A)M e AN ≡ f(A)M<br />
Como uma isometria preserva os ângulos, pelo axioma III-3, obtemos f(N) = M.<br />
Se M está no semi-plano oposto a f(C) considera-se N nas mesmas condições, no<br />
semi-plano oposto a f(C).<br />
A<br />
C<br />
B<br />
N<br />
f(A)<br />
<br />
f(C)<br />
f(B)<br />
7. Sejam r e s duas rectas. Se f(r) e f(s) não são paralelas existe M incidente em f(r) e<br />
f(s). Como f é bijectiva, o ponto N tal que f(N) = Ms incide em r e s e portanto r e<br />
s não são paralelas.<br />
Proposição . 1.4 O grupo de isometrias do plano<br />
A inversa de uma isometria é uma isometria, a composta de duas isometrias é uma isometria.<br />
Assim, o conjunto de isometrias de um é um grupo para a composição designado por Iso(P).<br />
(Demonstração)<br />
Directa<br />
Definição . 1.5 Pontos fixos, rectas de pontos fixos, rectas globalmente invariantes<br />
Sejam f : P −→ P uma isometria e r uma recta do plano,<br />
• um ponto A diz-se ponto fixo de f se f(A) = A<br />
• a recta r diz-se recta de pontos fixos de f se todos os pontos incidentes em r são fixos;<br />
• a recta r diz-se recta globalmente invariante se para todo o ponto A incidente em r se<br />
verifica que f(A) também é incidente em r.<br />
99<br />
M
Exemplos . 1.6<br />
Seja (R2 , L,I) o modelo analítico usual do plano euclideano.<br />
1. Seja t uma translação pelo vector v, com v=/ (0,0). Não existe nenhuma recta de pontos<br />
fixos para t (de facto, não existe nenhum ponto fixo!!)<br />
As rectas paralelas à direcção da translação, r = A+ < v > são globlamente invariantes.<br />
2. Seja s a simetria central s(x1,x2) = (−x1,−x2). O único ponto fixo é a origem (0,0).<br />
Esta isometria não possui nenhuma recta de pontos fixos mas todas as rectas que incidem<br />
na origem são globalmente invariantes.<br />
3. Seja σ a simetria definida por σ(x1,x2) = (x1,−x2). A recta x2 = 0 é uma recta de<br />
pontos fixos. As rectas verticais x1 = k são rectas globalmente invariantes.<br />
Teorema . 1.7 Pontos fixos das isometrias<br />
Seja f uma isometria. Então:<br />
1. se f fixar os pontos A e B, então f fixa todos os pontos da recta r =< A,B >;<br />
2. se r for uma recta de pontos fixos para f então toda a perpendicular a r é uma recta<br />
globalmente invariante;<br />
3. se f fixar três pontos não colineares, f é a identidade.<br />
Em conclusão, o conjunto de pontos fixos de uma isometria distinta da identidade, se for não<br />
vazio, é um ponto ou uma recta.<br />
(Demonstração)<br />
1. Consequência de f preservar semi-rectas e a congruência de segmentos (aplicar III-1).<br />
2. Se t for perpendicular a r no ponto P, como f preserva os ângulos, f(t) também é<br />
perpendicular a f(r) no ponto f(P). Mas f(r) = r e f(P) = P porque r é uma recta<br />
de pontos fixos e P incide em r. Assim, f(t) é a perpendicular a r incidindo em P e<br />
portanto f(t) = t.<br />
3. Consequência de f preservar semi-planos e congruência de ângulos (aplicar III-3).<br />
Corolário . 1.8<br />
Sejam f e g duas isometrias do plano tais que<br />
f(A) = g(A) f(B) = g(B) f(C) = g(C)<br />
para algum triângulo do plano △ABC. Então f = g<br />
(Demonstração)<br />
Considere-se a isometria composta h = f ◦g −1 . Tem-se que h fixa três pontos não colineares e<br />
portanto h = Id donde f = g.<br />
100
Definição . 1.9 Reflexões e rotações<br />
• Uma isometria que fixa os pontos de uma recta r é chamada reflexão em r e designa-se<br />
por σr. A recta r diz-se o eixo da reflexão σr.<br />
• As isometrias com um único ponto fixo Ω são chamadas rotações. O ponto Ω diz-se<br />
o centro da rotação. Por outro lado, convenciona-se que a identidade do plano é dita<br />
rotação trivial.<br />
Teorema . 1.10 Caracterização geométrica das reflexões<br />
Seja σ uma reflexão do plano e r a recta de pontos fixos de σ. Para todo o ponto A do plano<br />
não incidente em r verifica-se que r é a mediatriz do segmento Aσ(A).<br />
σ(A)<br />
A<br />
r<br />
Em particular uma reflexão em r, σr, é uma aplicação involutiva (isto é, σr ◦ σr = Id), que<br />
permuta os semi-planos definidos por r e fixa os pontos da recta r.<br />
(Demonstração)<br />
Seja A um ponto do plano não incidente em r. Como σ só fixa os pontos de r e é bijectiva<br />
tem-se que σ(A)=/ A e σ(A) não incide em r. Sejam t a recta perpendicular a r e incidente em<br />
A e Ar o pé dessa perpendicular.<br />
Peloteorema1.7, arectatéglobalmenteinvarianteeentãoσ(A)incideemt. Emparticular,<br />
r é perpendicular a < A,σ(A) >. Como σ é uma isometria e Ar é um ponto fixo verifica-se<br />
AAr ≡ σ(A)σ(Ar) = σ(A)Ar<br />
Se A e σ(A) incidem na mesma semi-recta de origem Ar ter-se-ia que A = σ(A) (absurdo)<br />
portantoAeσ(A) incidememsemi-rectasopostas comorigemAr, verificando-seAAr ≡ Aσ(A)<br />
e Ar é o ponto médio entre Ar e σ(A).<br />
Nota . 1.11<br />
No teorema anterior é provado que se σ for uma reflexão então verifica a propriedade indicada.<br />
Reciprocamente, podemos usar essa construcção para definir uma aplicação σ : P → P que<br />
resulta ser uma isometria, obtendo assim que as reflexões existem ....<br />
Para verificar que uma aplicação σ : P → P definida desse modo é efectivamente uma<br />
isometria é preciso considerar dois pontos A,B do plano P e provar que<br />
Analisam-se separadamente três casos:<br />
AB = σr(A)σr(B) (∗)<br />
101
1. A e B incidem na recta r. A igualdade (∗) é directa por serem A e B pontos fixos.<br />
2. A incide em r (σr(A) = A) e B não incide. Consideram-se ainda dois casos:<br />
(a) A é o pé da perpendicular a r e incidente em B. O ponto A é o ponto médio entre<br />
B e σr(B) e a igualdade (∗) é directa.<br />
(b) A não é o pé Br da perpendicular a r incidente em B. Podem-se considerar os<br />
triângulos △ABrB e △ABrσr(B) e aplicar o critério LAL.<br />
A<br />
B<br />
Br<br />
σr(B)<br />
3. A e B não incidem em r. Considerar ainda dois casos:<br />
(a) A e B incidem na mesma perpendicular a r. Neste caso aplica-se a soma ou a<br />
diferença de segmentos (segundo A e B incidam em semi-planos opostos ou não).<br />
(b) A e B não incidem na mesma perpendicular a r definem-se Ar e Br os pés dessas<br />
perpendiculares e comparam-se os triângulos △AArB e △σr(A)ArB usando as propriedades<br />
da diferença ou a soma de ângulos segundo A e B incidem no mesmo<br />
semi-plano definido por r ou em semi-planos opostos.<br />
Ar<br />
<br />
A<br />
σ(A)<br />
<br />
B<br />
Br<br />
σ(B)<br />
<br />
102<br />
Ar<br />
<br />
σ(A)<br />
<br />
A<br />
B<br />
Br<br />
σ(B)
Teorema . 1.12<br />
Sejam △ABC e △A ′ B ′ C ′ dois triângulos congruentes do plano. Existem três isometrias, σ1,<br />
σ2 e σ3, com σi uma reflexão ou a identidade, tais que<br />
(Demonstração)<br />
A ′ = (σ3 ◦σ2 ◦σ1)(A) B ′ = (σ3 ◦σ2 ◦σ1)(B) C ′ = (σ3 ◦σ2 ◦σ1)(C)<br />
Se A = A ′ considera-se σ1 = Id se A=/ A ′ considera-se σ1 como a reflexão na mediatriz de AA ′ .<br />
Seja B1 = σ1(B). Se B1 = B ′ considera-se σ2 = Id, se B1=/ B ′ considera-se σ2 a reflexão na<br />
bissectriz do ângulo ∠B1A ′ B ′ (ou na mediatriz do segmento B1B ′ se B1,A ′ ,B ′ são colineares)<br />
Tem-se que σ2(σ1(A)) = A ′ e que σ2(σ1(B) = B ′ .<br />
Finalmente, seja C2 = σ2(σ1(C)). Se C2 = C ′ considera-se σ3 = Id. Se C2=/ C ′ , define-se<br />
σ3 como a reflexão na recta < A ′ ,B ′ >.<br />
C <br />
B<br />
A<br />
C2<br />
A ′<br />
<br />
Corolário . 1.13 Dados dois triângulos congruentes do plano euclideano △ABC e △A ′ B ′ C ′ ,<br />
existe uma e uma só isometria f tal que f(A) = A ′ , f(B) = B ′ e f(C) = C ′ .<br />
(Demonstração)<br />
A existência deduz-se do teorema anterior, tomando f = σ3 ◦σ2 ◦σ1 e a unicidade do [?]<br />
Corolário . 1.14 Estrutura geométrica do grupo de isometrias do plano Iso(P)<br />
C ′<br />
B1 <br />
Toda isometria do plano é composta de, no máximo, três reflexões.<br />
Nota . 1.15<br />
A decomposição de uma isometria como composta de, no máximo, três reflexões não é única.<br />
103<br />
C1<br />
B′
2 Isometrias do plano euclideano<br />
Seja (R 2 , L,I) o modelo analítico usual do plano euclideano. Pela secção anterior tem-se que:<br />
• O conjunto de isometrias do plano Iso(R 2 ) é um grupo para a composição,<br />
• O conjunto de pontos fixos de uma isometria de R 2 é vazio, um ponto ou uma recta.<br />
• Dados dois triângulos congruentes existe uma e uma só isometria que transforma um no<br />
outro.<br />
• Toda a isometria de R 2 é composta de, no máximo, três reflexões.<br />
Estudamos de seguida as particularidades das isometrias do plano euclideano.<br />
Teorema . 2.1 Expressão analítica de uma isometria do plano euclideano<br />
Seja f : R 2 −→ R 2 uma isometria do plano euclidiano R 2 . Existem a,b ∈ R, verificando<br />
a 2 +b 2 = 1 tais que<br />
com (q1,q2) ∈ R 2 .<br />
f(x1,x2) = (q1 +ax1 −ǫbx2,q2 +bx1 +ǫax2) (ǫ = ±1)<br />
O teorema anterior implica que, se f for uma isometria, então f admite uma representação<br />
matricial:<br />
<br />
y1 q1 a −ǫb x1<br />
= +<br />
b ǫa<br />
onde (y1,y2) = f(x1,x2), ǫ = ±1 e a 2 +b 2 = 1.<br />
Note-se que (q1,q2) é a imagem da origem O = (0,0).<br />
(Demonstração)<br />
y2<br />
q2<br />
Seja f uma isometria do plano euclideano. Pela proposição 1.3, as isometrias são aplicações<br />
bijectivas que preservam a colinearidade e o paralelismo, ou seja, são um tipo particular de<br />
aplicação afim 7 e portanto<br />
x2<br />
f(x1,x2) = (q1 +ax1 +cx2,q2 +bx1 +dx2)<br />
com f((0,0)) = (q1,q2). Se considerarmos a translação t pelo vector (−q1,−q2) a isometria<br />
composta g = t◦f verifica<br />
g(x1,x2) = (ax1 +cx2,bx1 +dx2)<br />
7 Teorema Fundamental da Geometria Afim (consultar [2])<br />
104
ou seja, g é uma aplicação linear. Em particular, g é tal que g(0,0) = (0,0)<br />
Provar-se-á de seguida que esta aplicação g verifica<br />
com a 2 +b 2 = 1 e ǫ = ±1.<br />
g(x1,x2) = (ax1 −ǫbx2,bx1 +ǫax2) (∗)<br />
Suponha-se assim g uma isometria que verifica g(0,0) = (0,0), vamos provar que g tem a<br />
expressão (∗).<br />
Sejam E1 = (1,0) e E2 = (0,1), tem-se g(E1) = (a,b) e g(E2) = (c,d). Note-se que<br />
e, analogamente, c 2 +d 2 = 1.<br />
1 = OE1 = g(O)g(E1) = a 2 +b 2<br />
O ângulo ∠E1OE2 é recto porque −−→<br />
OE1 · −−→<br />
OE2 = 0 e então, como g preserva ângulos,<br />
∠g(E1)Og(E2) também é recto, logo<br />
Em resumo<br />
0 = −−−−→<br />
Og(E1)· −−−−→<br />
Og(E2) = (a,b)·(c,d) = ac+bd<br />
a 2 +b 2 = 1 (1) c 2 +d 2 = 1 (2) ac+bd = 0 (3)<br />
Se a=/ 0, isolando c em (3) obtem-se<br />
Substituindo em (2) obtem-se<br />
c = − bd<br />
a<br />
(4)<br />
1 = b2d2 a2 +d2 = d 2<br />
<br />
b2 +1 = d<br />
a2 2<br />
<br />
b2 +a2 a 2<br />
= d2<br />
a 2<br />
donde |a| = |d|. Usando (4), se a = d tem-se c = −b e se a = −d tem-se c = b.<br />
O caso a = 0 é directo, pois implica b = ±1 por (1) e d = −b por (3).<br />
Definição . 2.2 Aplicação ortogonal associada a uma isometria<br />
Seja f : R 2 −→ R 2 uma isometria do plano euclidiano definida analíticamente por<br />
f(x1,x2) = (q1 +ax1 −ǫbx2,q2 +bx1 +ǫax2) (ǫ = ±1)<br />
com (q1,q2) ∈ R 2 e a 2 +b 2 = 1. A aplicação linear −→ f definida por<br />
−→ f (x1,x2) = (ax1 −ǫbx2,bx1 +ǫax2)<br />
diz-se aplicação ortogonal associada à isometria f.<br />
105
Notas 2.3<br />
1. Em álgebra linear, uma aplicação linear é dita ortogonal se preservar o produto interno.<br />
Prova-se facilmente (consultar demonstração 2.1) que a expressão analítica de<br />
uma aplicação ortogonal é precisamente<br />
(ax1 −ǫbx2,bx1 +ǫax2) (ǫ = ±1)<br />
coma 2 +b 2 = 1. OconjuntodeaplicaçõesortogonaisdeR 2 éumgrupoparaacomposição,<br />
quecostumadesignar-seporO(R 2 ). Observe-seaindaqueumaaplicaçãoortogonaléuma<br />
isometriaquefixaaorigemO = (0,0)eportantoO(R 2 )éumsubgrupodogrupoIso(R 2 ).<br />
2. Na representação matricial de uma isometria do plano euclideano, como a 2 + b 2 = 1,<br />
existe θ ∈ [0,2π[ tal que a = cosθ e b = sinθ e então<br />
f(x1,x2) = (q1 +x1cosθ −ǫx2sinθ,q2 +x1sinθ +x2ǫcosθ)<br />
Matricialmente, se f(x1,x2) = (y1,y2), podemos escrever<br />
<br />
y1 q1 cosθ −ǫsinθ<br />
= +<br />
sinθ ǫcosθ<br />
Exemplos . 2.4<br />
y2<br />
q2<br />
x1<br />
1. Representação matricial da translação pelo vector −→ v = (v1,v2),<br />
<br />
y1 v1 1 0 x1<br />
= +<br />
0 1<br />
y2<br />
v2<br />
x2<br />
<br />
x2<br />
(ǫ = ±1)<br />
2. Representação matricial da simetria central de centro o ponto Ω = (w1,w2) :<br />
y1<br />
y2<br />
<br />
2w1<br />
=<br />
2w2<br />
y2<br />
<br />
−1 0<br />
+<br />
0 −1<br />
x1<br />
3. Representação matricial da simetria em relação à recta y −x = 0<br />
<br />
y1 0 0 1 x1<br />
= +<br />
0 1 0<br />
4. A aplicação definida por h(x1,x2) = (x1,−x2) é uma isometria (note-se que os pontos A<br />
e h(A) são simétricos em relação à recta horizontal y = 0, ou sejam, é a reflexão na recta<br />
y = 0).<br />
A representação matricial de h é<br />
<br />
y1<br />
=<br />
y2<br />
0<br />
0<br />
<br />
1 0<br />
+<br />
0 −1<br />
106<br />
x2<br />
x1<br />
x2<br />
x2
5. A aplicação definida por m(x1,x2) = (−x2,−x1) é uma isometria. Note-se que os pontos<br />
A e m(A) são simétricos em relação à recta y+x = 0 pelo que se trata da reflexão nessa<br />
recta.<br />
A representação matricial de m é<br />
<br />
y1<br />
=<br />
y2<br />
0<br />
0<br />
√<br />
2<br />
6. A aplicação ρ(x1,x2) = (3+<br />
2 x1 −<br />
A representação matricial de ρ é:<br />
y1<br />
y2<br />
y2<br />
<br />
=<br />
3<br />
−10<br />
<br />
0 −1<br />
+<br />
−1 0<br />
x1<br />
x2<br />
√<br />
2<br />
2 x2,−10+<br />
√<br />
2<br />
2 x1<br />
√<br />
2<br />
+<br />
2 x2) é uma isometria.<br />
√<br />
2<br />
+<br />
7. A aplicação ρ ′ (x1,x2) = ( 1<br />
2 x1<br />
√<br />
3<br />
+<br />
2 x2,−2+<br />
A representação matricial de ρ ′ é:<br />
<br />
1<br />
y1<br />
= + 2<br />
0<br />
−2<br />
2 −<br />
√ 2<br />
2<br />
√<br />
2<br />
√2 2<br />
2<br />
<br />
x1<br />
x2<br />
<br />
√ 3<br />
2 x1 − 1<br />
2 x2) é uma isometria.<br />
√ 3<br />
2<br />
√ 3<br />
2 −1<br />
2<br />
x1<br />
Astranslaçõeseassimetriascentraisestãocaracterizadasgeometricamentepelapropriedade<br />
seguinte:<br />
Teorema . 2.5 Caracterização geométrica das translações e das simetrias centrais<br />
Seja f uma isometria distinta da identidade. Então f é uma translação ou uma simetria central<br />
se e só se<br />
< A,B > / < f(A),f(B) > ∀A,B ∈ R 2 .<br />
(Demonstração)<br />
Usando as definições, obtem-se directamente que se f for uma translação verifica-se que −→<br />
AB =<br />
−−−−−−→<br />
f(A)f(B) e se f for uma simetria central verifica-se que −→ −−−−−−→<br />
AB = −f(A)f(B). Por tanto<br />
< A,B > / < f(A),f(B) > .<br />
Reciprocamente, se f é uma isometria que verifica esta propriedade então −→ f , a aplicação<br />
ortogonal associada, verifica que para todo o vector −→ v existe λ tal que −→ f ( −→ v ) = λ −→ v , isto<br />
é, todos os vectores são vectores próprios. Esta condição implica que −→ f é um múltiplo da<br />
identidade, λId, mas, como é ortogonal, isto só é possível se λ = ±1.<br />
107<br />
x2
Teorema . 2.6 Expressão analítica de uma rotação do plano euclideano<br />
Uma isometria f(x1,x2) = (q1+ax1−ǫbx2,q2+bx1+ǫax2) é uma rotação distinta da identidade<br />
se e só se ǫ = 1 e θ = 0, isto é, se f admite uma expressão matricial do tipo:<br />
<br />
y1 q1 cosθ −sinθ x1<br />
= +<br />
θ = 0<br />
sinθ cosθ<br />
y2<br />
q2<br />
(Demonstração) Se f é uma rotação distinta da identidade então f possui um único ponto fixo<br />
Ω. Isto é, o sistema de equações<br />
x1 = q1 +cosθx1 −ǫsinθx2<br />
x2<br />
x2 = q2 +sinθx1 +ǫcosθx2<br />
tem solução única. Este sistema possui solução única se e só se<br />
<br />
cosθ −1 −ǫsinθ<br />
det<br />
= (ǫ+1)−(ǫ+1)cosθ = 0<br />
sinθ ǫcosθ −1<br />
ou seja, se ǫ = 1.<br />
Teorema . 2.7 Expressão analítica de uma reflexão do plano euclideano<br />
Seja σ uma reflexão do plano euclideano na recta r.<br />
1. Se r passa pela origem de coordenadas O = (0,0)) e u = (cosθ,sinθ) é um vector director<br />
unitário de r então a representação matricial de f é dada por<br />
<br />
y1 cos2θ sin2θ x1<br />
=<br />
sin2θ −cos2θ<br />
y2<br />
2. Se r não passa pela origem de coordenadas, sejam r0 a recta paralela a r e incidente na<br />
origem O e P um ponto qualquer de r. Designemos por σ e σ0 as reflexões em r e r0, e<br />
−→<br />
OP e −OP, respectivamente. Verifica-se que<br />
por t −→<br />
OP e t − −→<br />
OP as translações por −→<br />
σ = t −→<br />
OP ◦σ0 ◦t −→<br />
−OP e a representação matricial de σ calcula-se então usando as representações matriciais de<br />
σO e as translações escolhidas.<br />
(Demonstração)<br />
1. No primeiro caso, se r passa pela origem e u = (cosθ,sinθ) é um vector director unitário<br />
de r, tem-se que o pé da perpendicular a r desde A = (x1,x2) é A ′ = (µcosθ,µsinθ),<br />
com µ = x1cosθ + x2sinθ (o ponto A ′ incide em r pelo que verifica A ′ = µu e o<br />
vector −−→<br />
AA ′ deve ser perpendicular a u). A expressão matricial indicada obtem-se porque<br />
σr(A) = A+2 −−→<br />
AA ′ , aplicando as fórmulas do ângulo duplo.<br />
2. Para provar a segunda afirmação usar a caracterização geométrica das translações para<br />
provarqueoconjuntodepontosfixosdacomposiçãoindicadaéprecisamenter (eportanto<br />
é a reflexão inicial σ).<br />
108<br />
x2
Teorema . 2.8 Estrutura algébrica de Iso(R2 )<br />
1. A aplicação Ψ : Iso(R 2 ) −→ O(R 2 ) definida por Ψ(f) = −→ f é um epimorfismo de grupos<br />
cujo núcleo é o conjunto das translações. Em particular o conjunto das translações é um<br />
subgrupo invariante de Iso(R 2 ).<br />
2. A aplicação composta det◦Ψ : Iso(R 2 ) −→ {1,−1} é um epimorfismo de grupos cujo<br />
núcleo é<br />
H = {f ∈ Iso(R 2 ) : f translação ou f rotação}<br />
Em particular H é um subgrupo invariante de Iso(R 2 ) de indice 2.<br />
(Demonstração)<br />
1. Usando as representações matriciais obtém-se facilmente que a aplicação ortogonal associada<br />
à composta de duas isometrias é a composta das aplicações ortogonais associadas<br />
a cada uma delas (Ψ(f ◦g) = Ψ(f)◦Ψ(g). É um epimorfismo porque toda a aplicação<br />
ortogonal é em particular uma isometria. Finalmente, o núcleo deste homomorfismo são<br />
as isometrias cuja parte linear é a identidade, ou seja, as translações.<br />
2. Uma aplicação ortogonal tem determinante 1 ou -1 (consultar representação matricial)<br />
pelo que a restrição da aplicação determinante define um homomorfismo de grupos det :<br />
O(R 2 ) → {1,−1}. O núcleo do homomorfismo de grupos definido pela composição<br />
det◦Ψ : Iso(R 2 ) −→ O(R 2 ) −→ {1,−1}<br />
é H (consultar representação matricial de uma isometria). Note-se que, pelo primeiro<br />
teorema de isomorfismo,<br />
Iso(R 2 )/H ∼ {−1,1}<br />
Notas 2.9<br />
e então H tem indice 2.<br />
1. Uma consequência directa do teorema 2.1 é que toda a isometria é composta de uma<br />
translação e uma aplicação ortogonal. É facil provar que essa decomposição é única: se<br />
existirem t, t ′ translações e g e g ′ aplicações ortogonais tais que t◦g = t ′ ◦g ′ ter-se-ia<br />
(t ′ ) −1 ◦t = g ′ ◦g −1<br />
A composta g ′ ◦ g −1 é uma aplicação ortogonal, em particular, possui pelo menos um<br />
ponto fixo (a origem!). A composta (t ′ ) −1 ◦t é uma translação e só possui pontos fixos<br />
se verificar (t ′ ) −1 ◦t = Id. Assim t ′ = t e g ′ = g.<br />
O teorema de estrutura anterior fornece mais informação sobre essa decomposição: a<br />
inclusãodeO(R 2 )emIso(R 2 )éuminversoaesquerdadeΨ,peloqueIso(R 2 )éoproduto<br />
semi-directo do subgrupo das translações com o subgrupo das aplicações ortogonais.<br />
109
2. Se σ é uma reflexão do plano, como H é um subgrupo de indice 2, existem partições<br />
Iso(R 2 ) = H ∪σH = H ∪Hσ<br />
ondeσH eHσ designam asclassesaesquerdaedireitadeσ. Assim, paratodaaisometria<br />
f∈/ H existem h,h ′ ∈ H tais que f = σ ◦ h e f = h ′ ◦ σ. Provar-se-á nos exercícios<br />
que qualquer rotação e qualquer translação podem ser obtidas como composta de duas<br />
reflexões. Obtem-se mais uma vez que toda a isometria é composta de, no máximo, três<br />
reflexões, mas numa versão mais forte, já que podemos fixar uma das reflexões envolvidas.<br />
Proposição . 2.10 Composta de uma reflexão e de uma translação em direcções paralelas<br />
Sejam σr e τv uma reflexão numa recta r e uma translação pelo vector v, respectivamente, tais<br />
que r e < v > são paralelas. Então:<br />
• σr e τv comutam, ou seja, τvσr = σrτv;<br />
• a isometria composta δ = τvσr (ou σrτv) não possui pontos fixos.<br />
• a recta r é a única recta globalmente invariante.<br />
(Demonstração) Exercícios 14 e 15.<br />
r<br />
v<br />
A<br />
σr(A)<br />
<br />
<br />
τv(A)<br />
δ(A)<br />
Definição . 2.11 Reflexões deslizantes<br />
Sejam σr uma reflexão numa recta r e τv uma translação do vector v tais que < v > e r são<br />
paralelas. A isometria composta δr,v = σrτv diz-se uma reflexão deslizante de base r pelo vector<br />
v.<br />
Teorema . 2.12 Classificação das isometrias do plano euclideano<br />
Toda a isometria do plano euclideano é uma translação, uma rotação, uma reflexão ou uma<br />
reflexão deslizante.<br />
(Demonstração) Toda a isometria do plano é composta de no máximo três reflexões. Nos exercícios<br />
10, 11, 13, 18, 20, 22 e 16 são estudadas geometricamente as composições de duas e<br />
três reflexões, em função da configuração geométrica das rectas base das reflexões. Alternativamente<br />
é possível provar analiticamente, estudando os subespaços invariantes da aplicação<br />
ortogonal associada.<br />
110
Exercícios . 2.13<br />
Se nada for dito em contrário o plano considerado é o plano euclideano usual,<br />
(R 2 , L,I).<br />
1. Indique, justificando pela definição, quais das seguintes aplicações são isometrias do<br />
plano euclidiano.<br />
(a) f(x1,x2) = (x1,x1 +x2);<br />
(b) f(x1,x2) = (2−x2,1+x1);<br />
(c) f(x1,x2) = (3x1,3x2);<br />
(d) f(x1,x2) = (cosx1,cosx2);<br />
(e) f(x1,x2) = (x 2 1 ,x2);<br />
(f) f(x1,x2) = (−3−x2,1−x1).<br />
Determine (calculando o conjunto dos pontos fixos) se alguma dessas isometrias é uma<br />
rotação, uma reflexão ou uma translação.<br />
2. Apresente exemplos de aplicações lineares que não sejam ortogonais e de aplicações afins<br />
que não sejam isometrias. Apresente ainda uma isometria que não seja uma aplicação<br />
ortogonal.<br />
3. Determine as representações matriciais das isometrias seguintes:<br />
(a) f(x1,x2) = (2+x1,3−x2);<br />
√<br />
2<br />
(b) f(x1,x2) = (<br />
2 x1<br />
√<br />
2<br />
+<br />
2 x2,<br />
√<br />
2<br />
2 x1<br />
√<br />
2<br />
−<br />
2 x2);<br />
(c) f(x1,x2) = (3−x1,2−x2);<br />
√<br />
2<br />
(d) f(x1,x2) = (<br />
2 x1<br />
√<br />
2<br />
−<br />
2 x2,<br />
√<br />
2<br />
2 x1<br />
√<br />
2<br />
+<br />
2 x2);<br />
√<br />
3<br />
(e) f(x1,x2) = (1+<br />
2 x1 + 1 1<br />
x2,<br />
2 2 x1<br />
√<br />
3<br />
−<br />
2 x2).<br />
Determine quais as rotações, as translações e as reflexões.<br />
4. Indique a expressão matricial da reflexão na recta dos xx. Indique a expressão matricial<br />
da reflexão na recta dos yy.<br />
5. Indique a expressão analítica das reflexões nas rectas definidas pelas equações seguintes:<br />
(a) −x+y = 0;<br />
(b) 2x+y = 0;<br />
(c) x−3y = 0;<br />
(d) 2x−y = 0;<br />
111
(e) −x+4y = 0.<br />
6. Determine a expressão analítica de reflexão na recta r cuja equação é indicada de seguida:<br />
(a) −x+y = 2;<br />
(b) 2x+y = −1;<br />
(c) x−3y = 1;<br />
(d) 2x−y = 3;<br />
(e) −x+4y = −8.<br />
7. Indique a expressão analítica da reflexão deslizante de base r pelo vector v nos casos<br />
seguintes:<br />
(a) r é a recta de equação −x+y = 2 e v = (3,3);<br />
(b) r é a recta de equação 2x+y = −1 e v = (2,−4).<br />
8. Indique dois triângulos distintos e congruentes do plano. Determine a expressão analítica<br />
da isometria que transforma um no outro.<br />
9. Prove que a composta de duas translações é uma translação por um vector que se determinará.<br />
Verifique também que a inversa de uma translação é uma translação por um<br />
vector que se indicará. Comente a afirmação:<br />
O conjunto das translações é um subgrupo abeliano do grupo de Isometrias Iso(R 2 )<br />
10. Caracterização de translações<br />
(a) Composta de duas reflexões em rectas paralelas<br />
Sejam r e s duas rectas paralelas distintas, A um ponto qualquer de r. Prove que a<br />
composta σsσr é a translação t pelo vector −→ v = −−−−→<br />
Aσs(A).<br />
r<br />
s<br />
A<br />
σr(A)<br />
<br />
σsσr(A)<br />
<br />
B<br />
σr(B)<br />
<br />
σsσr(B)<br />
<br />
Sugestão: considere, por exemplo, pontos A,B ∈ r e As o pé da perpendicular a s<br />
incidente em A. Basta provar que<br />
t(A) = σs(σr(A)) t(As) = σs(σr(As)) t(B) = σs(σr(B))<br />
112
(b) Dado um vector −→ v , prove que existem rectas paralelas r e s (não necessariamente<br />
únicas), perpendiculares à recta < −→ v > tais que a translação do vector −→ v é a<br />
composta σsσr.<br />
(Sugestão: exercício anterior)<br />
11. Composta de três reflexões em rectas paralelas<br />
(a) Sejam r uma recta do plano e −→ v um vector do plano tal que r e < −→ v > são perpendiculares.<br />
Prove que τvσr é a reflexão na recta paralela a r incidente em A+1/2 −→ v ,<br />
com A ∈ r qualquer. Determine também σrτv.<br />
(b) Deduza que a composta de três reflexões em rectas paralelas é uma reflexão numa<br />
recta paralela às anteriores a determinar.<br />
12. Dadas duas reflexões σr e σs, com r e s paralelas, e uma recta l paralela às rectas r e s,<br />
prove que existem e são únicas rectas r ′ e s ′ paralelas às anteriores e tais que<br />
(Sugestão: lembre-se que σr = σ −1<br />
r )<br />
σsσr = σs ′σl = σlσr ′<br />
13. Composta de duas reflexões em rectas perpendiculares<br />
(a) Sejam σr, σs reflexões em rectas r e s, distintas e incidentes num ponto Ω. Prove<br />
que σrσs = σsσr se e só se r e s são perpendiculares.<br />
σsσr(A)<br />
<br />
(b) Caracterização de simetrias centrais<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
σr(A)<br />
<br />
Prove que uma isometria é uma simetria central se e só se é composta de duas<br />
reflexões em rectas perpendiculares.<br />
14. As reflexões deslizantes<br />
Sejam σr e τv uma reflexão numa recta r e uma translação pelo vector v, respectivamente,<br />
tais que r e < v > são paralelas.<br />
(a) Seja A um ponto incidente em r. Indique σr ◦τv(A) e τv ◦σr(A).<br />
113<br />
A
(b) Sejam A um ponto não incidente em r, A ′ o pé da perpendicular a r incidente em<br />
A. Prove que<br />
σr ◦τv(A) = A+2 −−→<br />
AA ′ +v<br />
(Sugestão: considerar B = A+v e B ′ o pé da perpendicular a r incidente em B e<br />
determinar os vectores −−→<br />
A ′ B ′ e −−→<br />
BB ′ )<br />
(c) Deduza σr ◦τv = τv ◦σr.<br />
Recorde-se que esta isometria δ diz-se reflexão deslizante de base r pelo vector v.<br />
r<br />
15. Propriedades das reflexões deslizantes<br />
v<br />
A<br />
σr(A)<br />
Seja δ a reflexão deslizante de base r pelo vector v.<br />
(a) Prove que a recta r é globalmente invariante para δ.<br />
<br />
<br />
τv(A)<br />
δ(A)<br />
(b) Se A∈/ r, prove que A e δ(A) incidem em semi-planos distintos. Deduza que δ não<br />
possui pontos fixos.<br />
(c) Seja s uma recta paralela a r, s=/ r. Verifique que δ(s) e s são paralelas e distintas.<br />
(d) Seja s uma recta não paralela a r. Verifique que s não é globalmente invariante.<br />
(Sugestão: considerar o ponto de incidência de s e r)<br />
(e) Comente o enunciado a recta r é a única recta globalmente invariante para δ.<br />
(f) Seja s uma recta perpendicular a r. Verifique que s e δ(s) são paralelas (e distintas).<br />
(Sugestão: usar propriedades das translações e das reflexões)<br />
16. Composta de uma reflexão e uma translação.<br />
Sejam σ e t uma reflexão numa recta r e uma translação pelo vector v, respectivamente.<br />
Sejam v1 v2 vectores tais que v = v1 +v2, < v1 > /r e < v2 > e r são perpendiculares.<br />
Prove que a composta t◦σ é uma reflexão deslizante de base s pelo vector v1, com s a<br />
recta paralela a r e incidente em A+1/2v2.<br />
(Sugestão: decompor v = v1 +v2, e usar os exercícios 11 e 14.)<br />
114
17. Sejam t uma translação de vector v e σ uma reflexão na recta r. Justifique sucintamente<br />
os seguintes enunciados:<br />
(a) Se < v > /r então t◦σ ◦t −1 = σ;<br />
(b) Se < v > e r são perpendiculares então t◦σ◦t −1 é uma reflexão numa recta paralela<br />
a r;<br />
(c) Em geral, t◦σ ◦t −1 é uma reflexão numa recta paralela a r.<br />
18. Composta de duas reflexões em rectas incidentes<br />
Sejam r e s duas rectas do plano distintas e incidentes num ponto Ω.<br />
(a) Seja A um ponto distinto de Ω. Prove que, se A ∈ r ou A ∈ s, então σr(A)=/ σs(A).<br />
(b) Prove que para todo o ponto A, não incidente em r ou s, se verifica σr(A)=/ σs(A).<br />
(Sugestão: supor que a igualdade se verifica e usar que r é a mediatriz de Aσr(A)<br />
para obter uma contradição.)<br />
(c) Deduzir que as aplicações compostas σr ◦σs e σs ◦σr são rotações com centro Ω.<br />
(d) Deduza que, se ρ é uma rotação com centro Ω, então ρ −1 também é uma rotação<br />
com centro Ω.<br />
Em resumo, a composta de duas reflexões em rectas incidentes é uma rotação com centro<br />
o ponto de incidência. Note-se que, a partir da demonstração do teorema 1, podemos<br />
deduziroresultadorecíproco, istoé, queumarotaçãoésemprecompostadeduasreflexões<br />
em rectas incidentes.<br />
Nota: Uma rotação ρ com centro Ω = (w1,w2) verifica:<br />
y1<br />
y2<br />
<br />
=<br />
w1<br />
w2<br />
com ρ(x1,x2) = (y1,y2) e a 2 +b 2 = 1.<br />
19. Composta de reflexões sucessivas<br />
<br />
a −b<br />
+<br />
b a<br />
x1 −w1<br />
x2 −w2<br />
Sejam r, s e t três rectas. Prove que σr ◦σs◦σt não é uma translação nem uma rotação.<br />
Sejam r, s, t e l quatro rectas. Prove que σr◦σs◦σt◦σl é uma translação ou uma rotação.<br />
Pode generalizar os resultados anteriores?<br />
(Sugestão: considerar o homomorfismo de grupos Ψ : Iso(R 2 ) −→ {1,−1} definido no<br />
teorema 3.21)<br />
20. Composta de três reflexões em rectas incidentes.<br />
Sejam r, s e t três rectas distintas e incidentes num ponto Ω.<br />
(a) Justifique que σr ◦σs ◦σt é uma reflexão numa recta incidente em Ω.<br />
115
(b) Deduzir que se ρΩ é uma rotação com centro Ω e r uma recta incidente em Ω então<br />
σr ◦ρΩ é uma reflexão numa recta incidente em Ω<br />
21. Representação das rotações<br />
Seja ρ = σr ◦σs uma rotação com centro Ω (i.e. Ω = r∩s). Prove que para toda recta l<br />
incidente em Ω existem e são únicas rectas r1 e s1 incidentes em Ω verificando<br />
σr ◦σs = σr1 ◦σl = σl ◦σs1<br />
22. Composta de três reflexões em rectas não incidentes e não paralelas duas a duas<br />
Sejam r, s e t não incidentes e não paralelas duas a duas, isto é, r ∩s = P, com P∈/ t.<br />
(a) Sejam Q o pé da perpendicular a t incidente em P e l essa perpendicular. Verifique<br />
que existe σr1 incidente em P tal que<br />
com SQ a simetria central em Q<br />
σr ◦σs ◦σt = σr1 ◦SQ<br />
(b) Seja m a recta paralela a r1 e incidente em Q e n a perpendicular a m incidente em<br />
Q. Justifique<br />
σr ◦σs ◦σt = σr1 ◦σm ◦σn<br />
(c) Deduza que σr ◦σs ◦σt é uma reflexão deslizante.<br />
23. Comente o enunciado:<br />
Uma isometria do plano é uma translação, uma rotação, uma reflexão ou uma reflexão<br />
deslizante.<br />
24. Rotações equivalentes<br />
Dizemos que duas rotações ρ e ρ ′ são equivalentes e escrevemos ρ ∼ ρ ′ quando existir uma<br />
translação t tal que ρ ′ = t◦ρ.<br />
(a) Prove que esta relação entre as rotações do plano é efectivamente uma relação de<br />
equivalência.<br />
(Sugestão: recorde as propriedades das translações do exercício 6)<br />
(b) Prove que se ρ e ρ ′ são equivalentes e possuem o mesmo centro então ρ = ρ ′ .<br />
Note-se que toda rotação é equivalente a uma rotação com centro na origem (trata-se de<br />
facto da aplicação linear associada à rotação). Recorde-se que se ρ é uma rotação e −→ ρ a<br />
aplicação ortogonal associada tem-se<br />
y1<br />
y2<br />
<br />
=<br />
w1<br />
w2<br />
<br />
a −b<br />
+<br />
b a<br />
x1<br />
x2<br />
116<br />
y ′ 1<br />
y ′ 2<br />
<br />
=<br />
a −b<br />
b a<br />
x1<br />
x2
com ρ(x1,x2) = (y1,y2), ρ ′ (x1,x2) = (y ′ 1 ,y′ 2 ) e a2 +b 2 = 1.<br />
Assim, cada classe de equivalência é determinada por um número real θ, definido 8 a<br />
menos 2kπ, que verifica cosθ = a e sinθ = b. As rotações dessa classe de equivalência<br />
chamam-se rotações de ângulo orientado θ.<br />
25. Determine a expressão analítica de:<br />
(a) A rotação centrada na origem com ângulo orientado π/2;<br />
(b) A rotação centrada no ponto (1,2) com ângulo orientado −π/3.<br />
26. Determine o centro e o ângulo orientado θ ∈]0,2π[ das rotações definidas pelas expressões<br />
matriciais:<br />
27.<br />
(a)<br />
(b)<br />
.<br />
Ângulos orientados<br />
y1<br />
y2<br />
<br />
=<br />
y1<br />
y2<br />
0<br />
1<br />
<br />
=<br />
√ √<br />
2/2 − 2/2<br />
+ √ √<br />
2/2 2/2<br />
√ 2/2 √ 2/2<br />
− √ 2/2 √ 2/2<br />
x1<br />
x1<br />
Considerem-se os pares ordenados (k+,h+)O com k+ e h+ semi-rectas do plano com<br />
origem O. Dizemos que dois pares ordenados, (k+,h+)O e (k ′ +,h ′ ′ +)O são equivalentes se<br />
existem rotações equivalentes ρ e ρ ′ tais que<br />
ρ(k+) = h+ e ρ ′ (k ′ +) = h ′ +<br />
(a) Verifique que se ρ(k+) = h+ então a origem de k+ e h+ é o centro da rotação ρ.<br />
(b) Justifique que a relação definida é efectivamente uma relação de equivalência. Cada<br />
classe do conjunto quociente diz-se um angulo orientado do plano.<br />
(c) Justifique que se h+ e k+ são semi-rectas do plano com origens O e O ′ , respectivamente,<br />
então (h+,h−)0 ∼ (k+,k−)O ′ (esta classe de equivalência é o chamado ângulo<br />
raso) 9 .<br />
(d) Verifique que, se h+ e k+ são semi-rectas com a mesma origem O, com suportes<br />
distintos, então (h+,k+)O e (k+,h+)O nunca são equivalentes.<br />
(Sugestão: por redução ao absurdo, considerar O a origem das semi-rectas, A ∈ h+<br />
B ∈ k+ tais que AO = BO e provar que o ponto médio M entre A e B é ponto fixo<br />
para a rotação ρ tal que ρ(k+) = h+).<br />
8 O intervalo de definição de θ costuma ser ]0,2π[. Frequentemente convenciona-se considerar a identidade<br />
uma rotação e então θ ∈ [0,2π[<br />
9<br />
Se se considerar a identidade uma rotação ter-se-ia que (h+,h+)O ∼ (k+,k+)O ′ e então esta classe de<br />
equivalência define o ângulo nulo.<br />
117<br />
x2<br />
<br />
x2
28. Ângulos geométricos versus ângulos orientados<br />
(a) Seja ρ uma rotação do plano com centro Ω definida por<br />
ρ(x1,x2) = (q1 +ax1 −bx2,q2 +bx1 +ax2)<br />
Seja P um ponto do plano. Prove que −→<br />
ΩP · −−−−→<br />
Ωρ(P) = a.<br />
(Recorde que ΩP = Ωρ(P)!!)<br />
(b) Deduza que se (h+,k+)O e (h ′ +,k ′ ′ +)O representam o mesmo ângulo orientado então<br />
∠{h+,k+} ≡ ∠{h ′ +,k ′ +}<br />
(c) Prove que se ∠{h+,k+} é um ângulo com vértice O ′ existem semi-rectas u+ e v+<br />
com origem no ponto O = (0,0) tais que<br />
(h+,k+)O ′ ∼ (e+,u+)O (k+,h+)O ′ ∼ (e+,v+)O<br />
com e+ a semi-recta horizontal positiva.<br />
Note-se que as semi-rectas u+ e v+ incidem em semi-planos opostos definidos pelo<br />
eixo horizontal. Se u+ incide no semi-plano com segunda coordenada positiva, o<br />
ângulo (h+,k+) diz-se um ângulo orientado positivo (sentido contrário aos ponteiros<br />
do relógio), caso contrário, diz-se ângulo orientado negativo .<br />
29. Qual a imagem através de uma isometria f de uma circunferência C de centro O e raio<br />
r? Qual a imagem da tangente a C num ponto A?<br />
30. Homotetias<br />
Uma homotetia é uma aplicação do tipo h(x1,x2) = (q1,q2) + λ(x1,x2), para λ ∈ R,<br />
λ=/ 0.<br />
Recorde-se que uma homotetia h é uma aplicação bijectiva, com um único ponto fixo<br />
(chamado centro da homotetia) que preserva a colinearidade e o paralelismo. Seja h uma<br />
homotetia de razão λ.<br />
(a) Qual a aplicação inversa h −1 ?<br />
(b) Verifique que h(A)h(B) = |λ|AB;<br />
(c) Prove que h preserva ângulos;<br />
(d) Mostre que se C é uma circunferência de centro O e raio r então h(C) é uma circunferência<br />
de centro h(O) e raio |λ|;<br />
(e) Mostre que se t é uma recta tangente a uma circunferência C num ponto A então<br />
h(t) é tangente a h(C) no ponto h(A).<br />
31. Determine as expressões matriciais das homotetias de centro Ω = (0,−3) e razões λ = −2<br />
e λ ′ = 15. Determine também o centro e a razão da homotetia f(x,y) = (−2x,−2y+4).<br />
118
32. Semelhanças<br />
Uma aplicação afim bijectiva f diz-se uma semelhança se f preserva os ângulos.<br />
Seja f uma aplicação afim bijectiva e −→ f a aplicação linear associada (bijectiva). Recordese<br />
que f = t◦ −→ f com t uma translação.<br />
(a) Prove que f é uma semelhança se e só se −→ f é uma semelhança.<br />
(b) Sejam g uma semelhança linear e O = (0,0) a origem. Considere-se um ponto A=/ O<br />
e seja λ tal que Og(A) = λOA. Prove que, para todos A e B em R 2 tem-se<br />
g(A)g(B) = λAB (∗)<br />
(Sugestão: considerar primeiro pontos B não incidentes em < A,O > e aplicar os<br />
critérios sobre triângulos semelhantes)<br />
(c) Sejam g uma semelhança linear e λ o escalar que verifica (∗). Considere-se h a<br />
homotetia vectorial (isto é, centrada na origem) com razão λ −1 . Determine<br />
para todo A e B em R 2 .<br />
h(g(A))h(g(B))<br />
(d) Justifique sucintamente:<br />
uma semelhança do plano é composta de uma isometria e uma homotetia.<br />
119
120
IV. Introdução ao plano hiperbólico<br />
1 Inversões<br />
As inversões são um tipo de transformações do plano com belíssimas propriedades e inúmeras<br />
aplicações em problemas geométricos (o problema de Steiner, o problema de Apolónio...) Nesta<br />
secção serão apresentadas unicamente os conceitos básicos, necessários para definir o Disco de<br />
Poincaré. O Disco de Poincaré é um modelo analítico do plano hiperbólico,isto é, um modelo<br />
de plano de incidência que verifica os mesmos axiomas que o plano euclideano à excepção do<br />
axioma das paralelas de Euclides.<br />
Para facilitar este estudo, fazemos, de seguida, uma apresentação do plano R 2 através do<br />
conjunto dos números complexos C.<br />
Transformações geométricas básicas em C.<br />
Recorde-se a identificação de R 2 com o corpo dos números complexos C, dada por<br />
FACTOS E NOTAÇÕES<br />
R 2 ≡ C<br />
(a,b) ≡ a+ib.<br />
• Se z = a+ib e z ′ = a ′ +ib ′ , com a,b,a ′ ,b ′ ∈ R, então z+z ′ identifica-se com (a+a ′ ,b+b ′ )<br />
que é a soma dos vectores (a,b) e (a ′ ,b ′ ).<br />
• Se z = a + ib, com a,b ∈ R, o conjugado z = a − ib identifica-se com (a,−b) que é<br />
o simétrico em relação ao eixo dos xx do vector (a,b). Recorde-se que zz = a 2 + b 2 e<br />
z +z = 2a são números reais.<br />
• O módulo |z| é o comprimento do vector (a,b), recorde-se que verifica |z| 2 = zz.<br />
• Sejam ρ um real positivo e z um número complexo, z = x1 + ix2, com x1,x2 ∈ R. O<br />
complexo ρz identifica-se com o vector (ρx1,ρx2) e então é possível interpretar o produto<br />
por um real positivo ρ como uma homotetia com centro na origem e razão ρ.<br />
• Sejaa+ib, coma,b ∈ R, umcomplexodemódulo1, istoé, talquea 2 +b 2 = 1. Note-seque<br />
existe θ ∈ R (único a menos de 2kπ) tal que a = cosθ e b = sinθ, isto é, e iθ = a+ib. Dado<br />
121
z ∈ C, z = x1+ix2, com x1,x2 ∈ R, o produto e iθ z = (a+ib)z = ax1−bx2+i(ax2+bx1)<br />
indentifica-se com o vector<br />
(cosθx1 −sinθx2,cosθx2 +sinθx1)<br />
que é a rotação do vector (x1,x2) pelo ângulo orientado θ com centro a origem.<br />
<br />
θ<br />
eθz<br />
Por outras palavras: o produto por complexos e iθ (complexos de módulo 1) representa<br />
rotações do plano de ângulo orientado θ com centro a origem.<br />
• Em geral, se z é um complexo qualquer não nulo, tem-se que z = |z|e iθ (com e iθ = z<br />
|z|<br />
complexo de módulo 1). A multiplicação por z interpreta-se geometricamente como uma<br />
rotação (multiplicação por e iθ ) seguida de uma homotetia de razão |z|.<br />
• Uma isometria f do plano euclideano, f : R2 −→ R2 , representa-se matricialmente por:<br />
<br />
y1<br />
<br />
w1<br />
<br />
x1<br />
<br />
w1<br />
<br />
y2<br />
=<br />
w2<br />
<br />
a −ǫb<br />
+<br />
b ǫa<br />
com ǫ = ±1, a 2 +b 2 = 1, x = (x1,x2) e f(x) = (y1,y2).<br />
x2<br />
z<br />
=<br />
w2<br />
<br />
ax1 −ǫbx2<br />
+<br />
bx1 +ǫax2<br />
Sejam z = x1 +ix2, w = w1 +iw2 e θ tal que e iθ = a+ib. Note-se que:<br />
e iθ z = (a+ib)z = ax1 −bx2 +i(bx1 +ax2) (ǫ = 1)<br />
e iθ z = (a+ib)z = ax1 +bx2 +i(bx1 −ax2) (ǫ = −1)<br />
Assim, usando a identificação de R 2 com C podemos escrever<br />
f(z) = w +e iθ z (ǫ = 1)<br />
ou<br />
f(z) = w +e iθ z (ǫ = −1)<br />
A primeira representa uma rotação seguida de uma translação e a segunda representa<br />
uma reflexão seguida de uma rotação seguida de uma translação.<br />
122
• Uma semelhança f pode escrever-se como uma composta de uma isometria com uma<br />
homotetia, logo f(z) = w ′ + λ(w + e iθ z) ou f(z) = w ′ + λ(w + e iθ z), com λ ∈ R.<br />
Reciprocamente, se f(z) = w + αz ou f(z) = w + αz, com α,w ∈ C, α=/ 0, então f<br />
é uma semelhança (a multiplicação por um complexos é uma rotação seguida de uma<br />
homotetia!!!)<br />
• Seja r um real positivo, a circunferência C de R 2 de centro (α1,α2) e raio r identifica-se<br />
com o subconjunto de C:<br />
sendo α = α1 +iα2.<br />
C = {z ∈ C : |z −α| = r} = {z ∈ C : zz −αz −αz +αα = r 2 }<br />
• As circunferências centradas na origem α = (0,0) são:<br />
{z ∈ C : |z| = r} = {z ∈ C : zz = r 2 }<br />
E a circunferência unitária de raio 1 e centrada na origem (0,0) (os complexos unitários!!!)<br />
que designamos por U é:<br />
U = {z ∈ C : |z| = 1} = {z ∈ C : zz = 1}<br />
• A recta r de equação cartesiana ax+by +c = 0 identifica-se com o subconjunto de C:<br />
r = {z ∈ C : αz +αz +c = 0}<br />
com α = (a+ib)/2. Em particular, as rectas incidentes na origem são os conjuntos<br />
r = {z ∈ C : αz +αz = 0}<br />
• Uma circunferência C de centro α e raio r é ortogonal à circunferência unitária U se e só<br />
se |α| 2 = 1+r 2 , e então<br />
C = {z ∈ C : zz −αz −αz +1 = 0} (|α| > 1)<br />
123
Definição . 1.1 Circunferências generalizadas<br />
Sejam a e a ′ dois números complexos distintos, e λ um número real positivo. O conjunto:<br />
C(a,a ′ ,λ) = {z ∈ C : |z −a| = λ|z −a ′ |}<br />
diz-se uma circunferência generalizada definida pelos pontos a e a ′ e razão λ ou circunferência<br />
de Apolónio para os pontos a e a ′ e razão λ.<br />
λ = 2<br />
λ|z −a ′ |<br />
z<br />
|z −a ′ |<br />
a a′<br />
Se A e A ′ são dois pontos do plano R 2 , correspondentes aos números complexos a, a ′ e<br />
P é o ponto correspondente com z, como |z − a| = PA as circunferências generalizadas são<br />
efectivamente as circunferências de Apolónio introduzidas no segundo capítulo:<br />
e então:<br />
{P ∈ R 2 : AP = λAP ′ }<br />
• Se λ = 1, C é a mediatriz do segmento de extremos a e a ′ ;<br />
• Se λ=/ 1, C é uma circunferência de centro O e raio r, r > 0, tais que<br />
1. O verifica |O −a| = λ 2 |O −a ′ |;<br />
2. r é tal que r 2 = |O −a||O −a ′ |.<br />
Reciprocamente, para toda a recta r ou toda a circunferência C de C existem números complexos<br />
distintos a e a ′ (e não únicos) e um real positivo λ tais que a circuferência generalizada<br />
C(a,a ′ ,λ) é a recta r ou a circunferência C.<br />
124
Exemplos . 1.2<br />
1. Se α = 0, α ′ = λ = 1 tem-se<br />
C(0,1,1) = {z ∈ C : |z| = |z −1|} = {z ∈ C : z +z −1 = 0}<br />
Note-se que considerando z = x+iy a circunferência generalizada C(0,1,1) é a recta de<br />
equação cartesiana x = 1/2.<br />
2. Se α = 0, α ′ = 1 e λ = √ 2 tem-se<br />
C(0,1, √ 2) = {z ∈ C : |z| = √ 2|z −1|} = {z ∈ C : zz −2(z +z)+2 = 0}<br />
Note-se que considerando z = x+iy a circunferência generalizada C(0,1, √ 2) é a circunferência<br />
de equação x 2 +y 2 −4x+2 = 0.<br />
3. Se α = 0, α ′ = 1 e λ = 2 tem-se<br />
C(0,1,2) = {z ∈ C : |z| = 2|z −1|} = {z ∈ C : 3zz −4(z +z)+4 = 0}<br />
Note-se que considerando z = x + iy a circunferência generalizada C(0,1,2) é a circunferência<br />
de equação 3x 2 +3y 2 −8x+4 = 0.<br />
Convenciona-seque, seacircunferênciageneralizadaforumarectaeuclidianar entãoatangente<br />
num ponto P é precisamente a própia recta r. Assim, podemos dizer que duas circunferências<br />
generalizadas são ortogonais num ponto P se as tangentes em P são perpendiculares.<br />
Definição . 1.3 Inversão na circunferência unitária<br />
Seja C ∗ = C − {0}. Chamamos inversão na circunferência unitária e designamos por I à<br />
aplicação I : C ∗ −→ C ∗ definida por<br />
I(z) = 1<br />
z<br />
= z<br />
|z| 2<br />
Proposição . 1.4 Propriedades da inversão na circunferência unitária<br />
Sejam I : C ∗ −→ C ∗ a inversão na circunferência unitária U e O a origem. Tem-se<br />
1. I é uma transformação bijectiva e involutiva (I 2 = Id);<br />
2. I(z) é o único ponto da semirecta de origem O e incidente em z que verifica |z||I(z)| = 1;<br />
3. I fixa os pontos da circunferência unitária U;<br />
4. I intercâmbia as regiões:<br />
{z ∈ C ∗ : |z| > 1} {z ∈ C ∗ : |z| < 1}<br />
125
5. I transforma circunferências generalizadas em circunferências generalizadas. Em particular,<br />
se C := C(a,a ′ ,λ), com a,a ′ =/ 0, então<br />
com λ ′ = λ |a′ |<br />
|a| .<br />
I(C) = C(I(a),I(a ′ ),λ ′ )<br />
6. I intercâmbia os conjuntos:<br />
{circunferências que incidem na origem} ←→ {rectas que não incidem na origem}<br />
7. I deixa (globalmente) invariantes as circunferências generalizadas ortogonais a U, isto<br />
é, deixa globlamente invariantes as rectas incidentes na origem e as circunferências euclidianas<br />
ortogonais a U.<br />
126
(Demonstração)<br />
1. Directa a partir da definição de I.<br />
2. A primeira parte é directa. Reciprocamente, se ω incide na mesma semi-recta com origem<br />
O que z tem-se ω = λz com λ ∈ R, λ > 0. Se |ω| = 1<br />
= λ|z| então<br />
|z|<br />
donde ω = I(z).<br />
3. Directa (se z ∈ U tem-se |z| = 1 e I(z) = z.<br />
4. Deduz-se da segunda alínea.<br />
λ = 1<br />
|z| 2<br />
5. Prova-se de seguida o caso indicado, os outros são análogos e ficam como exercício.<br />
Suponham-se a e a ′ distintos de 0. Note-se que z=/ 0.<br />
z ∈ C(a,a ′ ,1) ⇐⇒ |z −a| = λ|z −a ′ <br />
<br />
| ⇐⇒ <br />
za(1 1<br />
−<br />
a z )<br />
<br />
<br />
<br />
= λ<br />
a′ z( 1 1<br />
−<br />
a ′ z )<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
⇐⇒ |z| |a| <br />
1 1<br />
− <br />
a z<br />
= λ|z| |a′ <br />
<br />
| <br />
1 1<br />
− <br />
a ′ z<br />
⇐⇒<br />
⇐⇒<br />
<br />
<br />
<br />
1 1<br />
− <br />
a z<br />
= λ|a′ <br />
| <br />
<br />
1 1<br />
|a| − <br />
a ′ z<br />
⇐⇒ I(z) ∈ C<br />
Saliente-se que I é uma aplicação involutiva e portanto sobrejectiva.<br />
6. Note-se que C = C(a,a ′ ,λ) incide na origem se e só se |a| = λ|a ′ |.<br />
<br />
<br />
<br />
1 1<br />
− <br />
a z<br />
= λ|a′ <br />
| <br />
<br />
1 1<br />
|a| − <br />
a ′ z<br />
<br />
I(a),I(a ′ ),λ |a′ <br />
|<br />
|a|<br />
Se C = C(a,a ′ ,λ) é uma circunferência (euclidiana) e incide na origem tem-se |a| = |a ′ |λ,<br />
com λ=/ 1 logo |a|=/ |a ′ |. Pela alínea anterior I(C) = C(I(a),I(a ′ ),λ ′ ) com λ ′ = λ |a′ |<br />
|a| .<br />
Assim<br />
λ ′ = λ |a′ |<br />
|a| = 1 |I(a)|=/ |I(a′ )| (Note-se que |I(a)| = 1<br />
|a| e |I(a′ )| = 1<br />
|a ′ | ).<br />
Se C = (a,a ′ ,λ) é uma recta não incidente na origem, pela proposição anterior, temse<br />
λ = 1 e |a|=/ |a ′ |, assim I(C) é a circunferência generalizada C(I(a),I(a ′ ),λ ′ ) com<br />
λ ′ = |a′ |<br />
=/ 1. Tem-se<br />
|a|<br />
λ ′ |I(a ′ )| = |a′ |<br />
|a|<br />
1<br />
|a ′ |<br />
1 1<br />
= = = |I(a)|<br />
|a| |a|<br />
e portanto C(I(a),I(a ′ ),λ ′ ) é uma circunferência que incide na origem.<br />
127
7. Seja r uma recta incidente na origem definida por uma equação αz+αz = 0. Se z ∈ C∗ ,<br />
tem-se<br />
αz +αz = 0 ⇐⇒ zz(α 1<br />
z +α1 ) = 0 ⇐⇒ αI(z)+αI(z) = 0<br />
z<br />
Se C é uma circunferência ortogonal a U o resultado prova-se de maneira análoga (exercício).<br />
Definição . 1.5 Inversão numa circuferência genérica<br />
Seja C uma circunferência de centro α e raio r. Chamamos inversão em C e designamos por IC<br />
à aplicação:<br />
IC : C−{α} −→ C−{α}<br />
definida por:<br />
IC(z) = α+ r2<br />
z −α .<br />
Nota . 1.6<br />
A esfera de Riemann<br />
O palco ideal para trabalhar com inversões não é o plano C mas sim a chamada esfera de<br />
Riemann que consiste em alargar C adicionando um ponto no infinito: C∪{∞}. Na esfera de<br />
Riemann não é preciso retirar pontos ao domínio da inversão pois podemos definir<br />
I(α) = ∞ e I(∞) = α.<br />
Como o objetivo desta secção é introduzir as ferramentas necessárias para obter um modelo<br />
do plano hiperbólico não vamos aprofondar no estudo da Esfera de Riemann, embora seja um<br />
objeto omnipresente em Geometria, Topologia, Análisis Complexa ...<br />
Proposição . 1.7 Decomposição de uma inversão<br />
Sejam C uma circunferência com centro α e raio r e IC a inversão em C. Tem-se:<br />
IC = tα ◦h r 2 ◦I ◦t−α<br />
onde tα e t−α designam translações por α e −α, respectivamente, h r 2 a homotetia centrada em<br />
0 e razão r 2 e I a inversão na circunferência unitária.<br />
(Demonstração)<br />
Directa.<br />
t−α<br />
C\{α} −→ C\{0} −→ C\{0}<br />
z −→ z −α −→<br />
1<br />
z −α<br />
I<br />
128<br />
h r 2<br />
−→ C\{0}<br />
−→ r2<br />
z −α<br />
tα<br />
−→ C\{α}<br />
−→ α+ r2<br />
z −α
Corolário . 1.8 Propriedades das inversões<br />
Sejam C uma circunferência com centro α e raio r e IC a inversão em C.<br />
1. IC é uma transformação bijectiva e involutiva;<br />
2. IC(z) é o único ponto da semirecta de origem α e incidente em z que verifica<br />
3. I fixa os pontos de C;<br />
4. I intercâmbia as regiões:<br />
|z −α||I(z)−α| = r 2 ;<br />
{z ∈ C\{α} : |z −α| > r} {z ∈ C\{α} : |z −α| < r}<br />
5. I transforma circunferências generalizadas em circunferências generalizadas.<br />
6. I intercâmbia os conjuntos:<br />
{circunferências que incidem em α} ←→ {rectas que não incidem em α}<br />
7. I deixa (globalmente) invariantes as circunferências generalizadas ortogonais a C.<br />
(Demonstração)<br />
Directa a partir da decomposição das inversões.<br />
Nota 1.9 Transformações conformes.<br />
As inversões do plano verificam uma propriedade muito importante: preservam os ângulos.<br />
Este tipo de transformações costumam chamar-se transformações conformes. Outros exemplos<br />
de transformações conformes são as isometrias e as semelhanças. As aplicações constantes ou<br />
as aplicações afins do tipo f(x,y) = (ax,by) com a=/ b não são aplicações conformes.<br />
A prova deste resultado, que precisa de uma definição correcta de ângulo entre curvas, pode<br />
ser encontrada em [9] (página 217).<br />
129
Nota 1.10 Construção geométrica das inversões<br />
Seja C uma circunferência de centro O e raio r.<br />
.<br />
• SejaAumpontointeriordacircunferência, istoé, AO < r, distintodocentroO. Definemse<br />
mA a recta perpendicular ao raio OA incidente em A e P e P ′ a intersecção desta recta<br />
mA com a circunferência. Tem-se que as tangentes tP e t ′ P incidem num ponto A′ na<br />
recta < O,A >.<br />
• Seja A ′ um ponto exterior da circunferência, isto é, A ′ O > r. A ′ incide em duas tangentes<br />
à circunferência e sejam P e P ′ os pontos de tangência. Define-se A o ponto de incidência<br />
da recta < P,P ′ > com a recta < A ′ ,O >.<br />
Os pontos A e A ′ são inversivos para a circunferência C, isto é, A e A ′ verificam<br />
OA·OA ′ = r 2<br />
O<br />
(A demostração baseia-se no facto dos triângulos △OAP e △OPA ′ serem semelhantes.)<br />
A<br />
130<br />
P<br />
P’<br />
A’
Nota 1.11 Centros de circunferências ortogonais<br />
Seja C uma circunferência, A um ponto interior e C ′ uma circunferência ortogonal a C passando<br />
por A. Como a inversão em C deixa globalmente invariante as circunferências ortogonais, o<br />
inverso A ′ de A pertence também a C ′ .<br />
C<br />
<br />
A<br />
C ′<br />
<br />
Obtemos então que o centro de toda a circunferência ortogonal a C que passa por um ponto<br />
dado A pertence a mediatriz do segmento AA ′ , com A ′ o inverso de A relativamente a C.<br />
E então, dados dois pontos A e B interiores a uma circunferência C, não incidentes no<br />
mesmo diâmetro, existe uma e uma só circunferência ortogonal a C passando por A e B cujo<br />
centro é o ponto de intersecção das mediatrizes dos segmentos AA ′ e BB ′ , com A ′ e B ′ os<br />
pontos inversivos de A e B, respectivamente.<br />
C<br />
<br />
A<br />
<br />
B<br />
C ′<br />
<br />
131<br />
A′<br />
A′<br />
B ′
Exercícios . 1.12<br />
1. Qual o complexo α de módulo 1 tal que a multiplicação por α representa a rotação de<br />
ângulo π/4? E π? E −π/6? Qual a transformação geométrica que representa o produto<br />
pelo complexo α = 1/2+i √ 3/2?<br />
2. Dado z ∈ C, interprete geometricamente (a) 2+e iπ/3 z, (b) i+e iπ/2 z, (c) (−2+i5)z. São<br />
isometrias? Admitem representação matricial se identificarmos C com R 2 ?<br />
3. A inversão na circunferência unitária é uma isometria?<br />
4. Seja I a inversão na circunferência unitária. Prove que:<br />
(a) Se C := C(a,0,λ), com a=/ 0 então I(C) é a circunferência com centro I(a) e raio<br />
R = λ<br />
|a| .<br />
(b) Se C := C(0,a ′ ,λ), então I(C) é uma circunferência centrada em I(a ′ ) e raio R =<br />
(λ|a ′ |) −1 .<br />
(c) Determine os conjuntos C(a,0,1) e C(0,a ′ 1,1). Quais os conjuntos imagens?<br />
5. Sejam hλ e hα,λ as homotetias de razão λ com centro a origem e α, respectivamente.<br />
Prove que<br />
hα,λ = tα ◦hλ ◦t−α<br />
6. Prove que a aplicação composta de duas inversões em circunferências C, C ′ do mesmo<br />
centro α e raios r e r ′ é uma homotetia10 <br />
r<br />
de centro α e razão<br />
r ′<br />
2 .<br />
7. Prove que a composta de uma inversão numa circunferência C de centro Ω e raio r com<br />
uma homotetia de centro Ω e razão λ é a inversão pela circunferência de centro Ω e raio<br />
√ λr.<br />
10 Formalmente, é a restrição de uma homotetia a R 2 −{α}.<br />
132
2 Modelo de Poincaré do plano hiperbólico<br />
Sejam U a circunferência unitária e Ω o interior de U, isto é,<br />
ω = {z ∈ C : |z| = 1}<br />
Ω = {z ∈ C : |z| < 1}.<br />
Um modelo do plano de incidência hiperbólico, chamado o círculo de Poincaré, consiste em:<br />
• pontos do plano hiperbólico: pontos do interior da circunferência unitária Ω;<br />
• rectas hiperbólicas : a intersecção com Ω das rectas vectoriais e das circunferências de C<br />
ortogonais a ω;<br />
• relação de incidência: a relação usual de pertença.<br />
133
• relação “estar entre”: cada recta hiperbólica é homeomorfa à recta real R e usando<br />
esse homeomorfismo podemos transladar a noção “estar entre” na recta real às rectas<br />
hiperbólicas e obter segmentos hiperbólicos, semi-rectas hiperbólicas ...<br />
<br />
• relação de congruência de segmentos e ângulos: pode ser definida introduzindo uma<br />
medida de distâncias e de ângulos no plano hiperbólico. A distância hiperbólica ρ, dados<br />
z1,z2 ∈ ω é definida por<br />
ρ(z1,z2) = tanh −1 | z1 −z2<br />
|<br />
1−z1z2<br />
com tanh a tangente hiperbólica. A medida de ângulos define-se a partir da congruência<br />
usual dos ângulos do plano euclideano, usando as tangentes às rectas hiperbólicas.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Nota: Alternativamente podemos indicar quais são as isometrias do plano hiperbólico.<br />
Observe-se que, se especificamos o “grupo de isometrias”, dois segmentos podem ser ditos<br />
congruentes se e só se existe uma isometria que transforma um no outro. Ao final desta<br />
secção são apresentadas as isometrias hiperbólicas do disco de Poincaré.<br />
Notas . 2.1<br />
1. A definição de congruência de ângulos é feita a partir da congruência usual de ângulos<br />
no plano euclidiano. Por esta razão, este modelo é um dos chamados modelos conformes<br />
134
do plano hiperbólico, isto é, um modelo em que a noção de ângulo em Ω coincide com<br />
a noção de ângulo usual. Existem outros modelos do plano hiperbólico não conformes,<br />
onde a definição de ângulo é menos intuitiva.<br />
2. Esteplanodeincidênciaverificaosaxiomasdecontinuidadeporquecadarectahiperbólica<br />
é homeomorfa à recta real e a noção “estar entre” foi definida usando esses homeomorfismos.<br />
3. Neste plano de incidência, por um ponto exterior a uma recta incidem infinitas paralelas<br />
(Axioma das paralelas de Lobachevsky).<br />
Descrição das rectas “hiperbólicas”.<br />
Uma recta hiperbólica neste modelo é a intersecção de Ω com uma recta incidente na origem<br />
ou a intersecção de Ω com uma circunferência ortogonal à circunferência unitária.<br />
A equação de uma circunferência ortogonal à U é:<br />
C = {z ∈ C : zz −αz −αz +1 = 0} |α| > 1<br />
Recorde-se que a reflexão numa recta vectorial r admite uma expressão do tipo<br />
f(z) = e i2θ z<br />
com (cosθ,sinθ) um vector director unitário da recta vectorial. O conjunto de pontos fixos de<br />
f, ou seja, a recta r é definido assim como<br />
com γ = cosθ +isinθ.<br />
γ 2 z = z<br />
Em resumo, as rectas m do plano hiperbólico são um dos dois conjuntos seguintes:<br />
m = Ω∩C = {z ∈ C : |z| < 1 e zz −αz −αz +1 = 0} |α| > 1<br />
m = {z ∈ C : |z| < 1 e γ 2 z = z} |γ| = 1<br />
Recorde-se que uma isometria de um plano na geometria absoluta é composto de, no<br />
máximo, três reflexões. As aplicações que fazem o papel das reflexões, no caso hiperbólico,<br />
serão as inversões nas circunferências ortogonais a U e as reflexões nas rectas incidentes na<br />
origem.<br />
135
Reflexões em rectas hiperbólicas<br />
Uma reflexão numa recta hiperbólica é:<br />
• a reflexão usual na recta r, se a recta hiperbólica é uma recta vectorial r;<br />
• a inversão pela circunferência C, se a recta hiperbólica é uma circunferência C ortogonal<br />
à circunferência unitária U.<br />
σ(M)<br />
Descrição analítica das reflexões hiperbólicas<br />
<br />
r<br />
<br />
<br />
I(M)<br />
<br />
<br />
• Uma inversão IC por uma circunferência C com centro α e ortogonal à circunferência<br />
unitária U está definida por:<br />
IC(z) = α+ |α|2 −1<br />
z −α<br />
C<br />
<br />
M<br />
<br />
= αz −1<br />
z −α<br />
|α| > 1<br />
• Uma reflexão numa recta vectorial de equação γ 2 z = z está definida por<br />
σr(z) = γ 2 z<br />
Usando a medida de segmentos e ângulos hiperbólicos é possível provar que estas aplicações<br />
são efectivamente as reflexões do modelo indicado (tal como foram definidas na secção sobre<br />
isometriasnageometriaabsoluta). Naabordagemalternativa,emqueacongruênciaédefinidaa<br />
partir do grupo de isometrias, é preciso confirmar que as reflexões hiperbólicas (as “candidatas”<br />
a reflexões hiperbólicas para ser precisos) são, efectivamente, aplicações do disco de Poincaré.<br />
Proposição . 2.2<br />
1. Se r é uma recta vectorial, σr a reflexão em r e z ∈ Ω então σr(z) ∈ Ω;<br />
2. Se C é uma circunferência ortogonal a U, então o centro α de C é exterior a U e portanto a<br />
inversãopelacircunferênciaC estádefinidaparatodooz ∈ Ωverificándo-sequeIC(z) ∈ Ω<br />
136
O conjunto de reflexões hiperbólicas não é um grupo para a composição. A composta de<br />
duas reflexões hiperbólicas pode não ser uma reflexão hiperbólica:<br />
<br />
<br />
<br />
It(Is(A))<br />
<br />
A<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
It(Is(B))<br />
Is(B)<br />
<br />
<br />
B<br />
<br />
Is(A)<br />
Analiticamente é facil verificar que tais compostas são aplicações do tipo<br />
f(z) =<br />
az +b<br />
cz +d<br />
com a, b, c e d verificando certas condições:<br />
<br />
<br />
<br />
s<br />
t<br />
ou f(z) =<br />
<br />
<br />
az +b<br />
cz +d<br />
Teorema . 2.3 Caracterização da composição de reflexões hiperbólicas.<br />
Uma transformação f do tipo<br />
f(z) =<br />
az +b<br />
cz +d<br />
é composta de reflexões hiperbólicas se e só se<br />
com |k| = 1 e |b| < |a|.<br />
Exemplos . 2.4<br />
az +b<br />
f(z) = k<br />
bz +a<br />
ou f(z) =<br />
az +b<br />
cz +d<br />
az +b<br />
ou f(z) = k<br />
bz +a<br />
As rotações centradas na origem, as reflexões por rectas que incidem na origem e as inversões<br />
por circunferências ortogonais à circunferência unitária ω são transformações hiperbólicas.<br />
137
Definição . 2.5 Isometrias hiperbólicas<br />
Uma aplicação f : Ω → Ω do tipo<br />
az +b<br />
f(z) = k<br />
bz +a<br />
az +b<br />
ou f(z) = k<br />
bz +a<br />
com |k| = 1 e |b| < |a|, diz-se uma isometria hiperbólica.<br />
Notas . 2.6<br />
1. A composta de duas transformações hiperbólicas é uma transformação hiperbólica, assim<br />
comoainversadeumatransformaçãohiperbólica(estruturadegrupoparaacomposição).<br />
2. As transformações do tipo<br />
f(z) =<br />
az +b<br />
cz +d<br />
ou f(z) =<br />
az +b<br />
cz +d<br />
são chamadas transformações de Moebius generalizadas. Estas transformações verificam<br />
propriedadesparecidasàsinversõesereflexões: transformamcircunferênciasgeneralizadas<br />
emcircunferênciasgeneralizadas, preservamângulos.... Masatenção, nemtodasastransformações<br />
de Moebius são aplicações de Ω em Ω, de facto, só aquelas que caracterizamos<br />
como composição de reflexões hiperbólicas é que preservam Ω.<br />
Podemos então definir agora dois segmentos congruentes como dois segmentos hiperbólicos<br />
tais que existe uma isometria hiperbólica que transforma um no outro. A noção de segmentos<br />
congruentes no plano hiperbólico difere bastante da euclideana ...<br />
<br />
<br />
<br />
It(Is(A))<br />
<br />
A<br />
It(Is(B))<br />
<br />
138<br />
<br />
B
O plano hiperbólico partilha com o plano euclideano todas as propriedades da geometria<br />
absoluta mas, ao introduzir a negação do V Postulado e considerar infinitas paralelas por um<br />
ponto exterior a uma recta, obtemos resultados bem diferentes:<br />
• Existem triângulos cuja medida dos ângulos internos é inferior a dois rectos;<br />
• A noção de paralelismo entre rectas não é transitiva,<br />
• Dois triângulos são congruentes se e só se são semelhantes,<br />
• ...<br />
Por exemplo, eis um mosaico<br />
do disco de Poincaré usando anjos e demónios congruentes ...<br />
139
140
Bibliografia<br />
[1] Ana Do Vale, Geometria Axiomática, Apontamentos da disciplina Geometria, Departamento<br />
de Matemática, Universidade do Minho.<br />
[2] M. Berger, Géométrie, Éditions Nathan (1990)<br />
[3] D.A. Brannan, M. F. Esplen, J. Gray, Geometry, Cambridge University Press (1999)<br />
[4] A.J. Franco de Oliveira, Geometria Euclideana, Universidade Aberta, n 78 (1995)<br />
[5] A.J. Franco de Oliveira, Transformações geométricas, Universidade Aberta, n 139<br />
(1997)<br />
[6] J. Fresnel,Méthodes modernes en géométrie, Hermann, Paris (1996).<br />
[7] D. Hilbert, Fundamentos da Geometria, Publicações do Instituto para a Alta Cultura<br />
(1952)<br />
[8] W. Meyer, Geometry and its applications, Harcourt Academic Press (1999)<br />
[9] D. Pedoe, Geometry: a comprehensive course, Dover Publications (1988).<br />
[10] P. Ventura Araújo, Curso de geometria, Gradiva, Lisboa (1998).<br />
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