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Dinâmicas ideológicas no movimento punk Marco Antonio Milani ...

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<strong>Dinâmicas</strong> <strong>ideológicas</strong> <strong>no</strong> <strong>movimento</strong> <strong>punk</strong><br />

<strong>Marco</strong> <strong>Antonio</strong> <strong>Milani</strong> *<br />

Resumo: O <strong>movimento</strong> <strong>punk</strong> teve duas partes em sua ideologia, a negação do poder macro e a<br />

negação do poder micro. A primeira parte existiu nas idéias dos primeiros <strong>punk</strong>s, em Nova<br />

Iorque e Inglaterra, a segunda parte evoluiu da primeira com a adoção de doutrinas políticas<br />

como o anarquismo e o comunismo, ela está presente na maioria dos <strong>punk</strong>s ao redor do mundo.<br />

Palavras-chave: Punk; ideologia; política; poder.<br />

Abstract: The <strong>punk</strong> movement has two parts on your ideology, the deny of the macro and the<br />

deny of the micro power. The first part existed in the ideas of the first <strong>punk</strong>s, in New York and<br />

England, the second part evolutes from the first with adoption of politics doctrines, like<br />

anarchism and communism, it is present in the most of <strong>punk</strong>s around the world.<br />

Key words: Punk. Ideology; politics; power.<br />

Em 1º de dezembro de 1976 é dito o primeiro palavrão da televisão inglesa:<br />

Johnny Rotten declara <strong>no</strong> programa de Bill Grundy, bem na hora do chá das cinco:<br />

“Fuck”. O apresentador é suspenso por duas semanas e a imprensa inglesa faz uma<br />

sensação. A Inglaterra ficou chocada! (BIVAR, 1992).<br />

João Gordo, vocalista da banda Ratos de Porão, declara antes de um show <strong>no</strong>s<br />

a<strong>no</strong>s 80: “Pau <strong>no</strong> cu da Globo, pau <strong>no</strong> cu de Deus”<br />

Atitudes como essas se tornaram extremamente comum entre os <strong>punk</strong>s e é<br />

através delas que eles são muitas vezes lembrados. Como explicar tais atitudes sem ser<br />

contraditório ou sem seguir o senso comum que as trata como “rebeldia adolescente” e<br />

“falta de educação”?<br />

Para fugir dessas idéias simplistas este estudo vê nas atitudes do <strong>movimento</strong><br />

<strong>punk</strong> uma ideologia autêntica e tenta explicá-la; o que, contudo, não é tarefa fácil, já que<br />

suas características são muito discutidas até mesmo entre os <strong>punk</strong>s. Portanto ele lança<br />

mão de letras de músicas e depoimentos de integrantes desse <strong>movimento</strong> para tentar<br />

explicá-la de forma livre de filtros culturais.<br />

Não podemos negar que os traços do <strong>movimento</strong> expostos nas atitudes citadas<br />

acima são condizentes com as características mais gerais dos grupos jovens, onde eles<br />

buscam sua afirmação em um <strong>no</strong>vo grupo social diferente de sua família. Esses <strong>no</strong>vos<br />

grupos geralmente adotam posturas que subvertem a do status quo e buscam a mudança<br />

dos elementos repressores de seu grupo (Souza, 1997).<br />

* Graduando em História pela Unesp/Assis. End. eletrônico: marco@edcm.net


Isso <strong>no</strong> entanto não pode ser usado para negar o valor das idéias e dos atos dos<br />

<strong>punk</strong>s, já que mesmo as idéias de importantes pensadores são adotadas por milhares de<br />

jovens, como as de Marx, Nietzsche e até Adam Smith, sem que isso lhes tire o mérito.<br />

Seria hipocrisia também acusar os <strong>punk</strong>s de “rebeldes sem causa”, já que o<br />

<strong>movimento</strong> surgiu de um contexto muito comum nas grandes cidades do mundo,<br />

carregado de desemprego, abismos sociais e violência. Mesmo o fato de um jovem viver<br />

em um lar que não seja ameaçado pelas mazelas do capitalismo selvagem, isso não<br />

significa que ele não tenha o direito de se indignar com as injustiças ao seu redor.<br />

Enfim, deve ser deixada de lado a visão demasiado simplista que classifica o<br />

<strong>movimento</strong> <strong>punk</strong> como simples revolta adolescente, seja cultural, social, ou<br />

politicamente, para tentar entender o que ele realmente <strong>no</strong>s tem a dizer. Sendo<br />

adolescente ou não, é uma revolta ideologicamente bem estruturada (mesmo que não<br />

necessariamente homogenia) que deixou marcas profundas em <strong>no</strong>ssa sociedade de<br />

massas.<br />

Sem querer assumir aqui o objetivo de definir um marco específico para o<br />

surgimento do Punk, vamos partir da cena <strong>no</strong>vaiorquina onde surgiram bandas como<br />

New York Dolls e Ramones.<br />

No início da década de 1970, John Len<strong>no</strong>n proferiu sua famigerada frase: “O<br />

sonho acabou”. Esse evento é um marco para os muitos <strong>movimento</strong>s sócio-culturais<br />

jovens, mas para muitos garotos que confortavam-se com uma realidade extremamente<br />

dura, em subúrbios de cidades como Nova Iorque e Detroit, o sonho nunca existira. A<br />

cultura “paz e amor” e a psicodelia nunca atraíra esses jovens; estamos falando de<br />

pessoas que não buscavam, nas drogas, uma forma de expandir a percepção das coisas<br />

do universo, mas de fugir do mundo em que viviam.<br />

Esses jovens não se sentiam representados por nem uma liderança e não<br />

encontravam seu lugar na sociedade, eles foram chamados pelo poeta, ator, escritor e<br />

músico Richard Hell de Blank Generation, ou seja, a geração vazia. Nota-se aí uma<br />

forte influência do existencialismo que, <strong>no</strong> entanto, é agora potencializado. Esses<br />

garotos e garotas não possuíam uma ideologia a qual se apegar, a maioria buscava as<br />

drogas e se apegava todos os elementos proibidos pelas convenções sociais, símbolos<br />

considerados negativos pela sociedade, que iam desde o Livro Vermelho de Mao Tsé-<br />

Tung e Suásticas à elementos sadomasoquistas e homossexuais.<br />

Foi nesse contexto que surgiu, em Nova Iorque, uma escola de teatro que e auto-<br />

intitulava Ridiculous Theather, que tinha como princípio exaltar tudo aquilo que a


sociedade <strong>no</strong>rte-americana desprezava na época, seu elenco era composto por Drag<br />

Queens e deficientes físicos. Essa escola ficou famosa pelo uso de purpurina sobre os<br />

atores, que segundo um dos diretores, John Vaccaro: “A purpurina era a ostentação da<br />

América, era assim que eu a interpretava. E era bonito. A purpurina era maquiagem. Eu<br />

a usava porque ela empurrava o traseiro da América na cara dos america<strong>no</strong>s. Era a<br />

ostentação do Times Square” (MCCAIN, 2004).<br />

O Teatro Ridículo influenciou muitos jovens da cidade, que passaram a usar as<br />

roupas femininas (inclusive os garotos) e a purpurina. Nessa cena, surgiu o New York<br />

Dolls, que tinham um estilo i<strong>no</strong>vador e agressivo, eles eram rudes com a própria platéia,<br />

flautulavam e cuspiam diante dela e a xingavam; sua música era igualmente agressiva e<br />

falava de assuntos de que os jovens da periferia da cidade gostavam de falar. As<br />

melodias eram simples e lembravam o rock da década de 1950, o que contrastou com o<br />

rock da época, que tinha arranjos complexos, produções de centenas de dólares.<br />

Na verdade, a própria banda não usava a purpurina, nem sequer se definia como<br />

Glitter, entretanto, o que fez com que a platéia se identificasse com ela foi o estilo<br />

escandaloso e agressivo dos Dolls, os integrantes vestiam-se com roupas femininas e<br />

sua performance tinha um tom considerado homossexual, o que era visto como cool 1<br />

na época. Pela platéia, a imprensa chamou o estilo dos New York Dolls de Glitter Rock.<br />

Durante os a<strong>no</strong>s 1960 e 1970, o rock era repleto das Rock Stars, celebridades<br />

ligadas a música que eram contratadas pelas grandes gravadoras, elas levavam uma vida<br />

extremamente luxuosas, andavam de limusines e moravam em mansões. Os fãs<br />

raramente chegavam perto desses músicos. Além disso, o rock vinha evoluindo em<br />

busca de <strong>no</strong>vas experiências, muitas impulsionadas por alucinóge<strong>no</strong>s e estimulantes,<br />

Led Zeppelin gravara uma música chamado Moby Dick, que era um solo de bateria que<br />

ocupava um lado todo do disco de vinil em que foi publicada. Tudo isso fazia com que<br />

o rock se distanciasse de seu público, e boa parte dos jovens já não se identificava mais<br />

com ele.<br />

A Blank Generation, da mesma forma que era descontente com os <strong>movimento</strong>s<br />

sociais, o era com a música. A rompimento dos Dolls com o seu contexto musical atraiu<br />

então esses jovens. Isso inspirou diversas outras bandas, que numa ética do do it<br />

yourself, se formaram para cantar sobre suas realidades.<br />

1 Cool é um termo que aparece freqüentemente <strong>no</strong>s depoimentos de Mate-me por favor. Ele designa uma<br />

atitude ou algo que é considerado moder<strong>no</strong>, bonito e interessante. Ele era usado principalmente para<br />

designar o que i<strong>no</strong>vava e fugia do comum.


Dessa forma nasceram os Ramones, quatro garotos que viajavam do Queens<br />

para Manhattan para assistir os New York Dolls. Dee Dee Ramone chegou a declarar<br />

em entrevista para o documentário The End of The Century (GRAMAGLIA, 2004) que<br />

participar da banda salvou sua vida; durante sua vida artística ele diminuiu<br />

drasticamente o consumo de drogas e deixou para trás a perigosa vida de garoto de<br />

programa, que conta na música 53 th and 3 th . A família de Joey Ramone conta, <strong>no</strong><br />

mesmo documentário, que em sua infância, os médicos declararam que seus transtor<strong>no</strong>s<br />

psicológicos o impediriam de levar uma vida <strong>no</strong>rmal; isso <strong>no</strong>s mostra o quão grande era<br />

sua falta de perspectivas.<br />

Os Ramones são um marco para o <strong>punk</strong> rock e foram diversas vezes<br />

considerados um marco para a música mundial. Suas músicas têm melodias bastante<br />

simples, bases geralmente com três acordes que foram diversas vezes usadas por outras<br />

bandas <strong>punk</strong>s em suas músicas. Mesmo depois dos New York Dolls, eles conseguiram<br />

chocar e agradar com a sua simplicidade, crueza e agressividade na forma da qual eram<br />

tocadas.<br />

Paralelamente, Malcolm McLarem punha um de seus projetos artísticos em<br />

prática; ele já havia empresariado, por algum tempo, os Dolls e agora mantinha uma<br />

butique em Londres chamada Sex. Ele reuniu alguns garotos que freqüentavam a loja e<br />

formou uma banda chamada Sex Pistols. A Idéia da banda era criar uma imagem oposta<br />

à de bem a que estava ligada a maioria dos <strong>movimento</strong>s sociais, principalmente o<br />

Hippie, na opinião de Malcolm. Para ele, a idéia do bem estava atrelada à do <strong>no</strong>rmal,<br />

que lhe era assustadora (MCCAIN, 2004).<br />

É importante ressaltar que o contexto em que ele se encontrava era uma<br />

Inglaterra extremamente conservadora, que defendia a sua estrutura social ig<strong>no</strong>rando o<br />

caos em que ela se encontrava, milhares de jovens viviam do seguro-desemprego. Em<br />

1972, Kubrick já mostrara a todos através de Laranja Mecânica que algo não ia bem<br />

com os jovens ingleses.<br />

Os Sex Pistols foram grandes divulgadores do Punk <strong>no</strong> mundo todo através de<br />

seus atos, que eram amplamente divulgados pela mídia sensacionalista. Suas letras<br />

talvez não falem tanto de sua filosofia quanto seus atos, ele eram extremamente<br />

mordazes ao quebrar todos os protocolos dos bons costumes ingleses toda vez que<br />

apareciam publicamente. Os tablóides ingleses davam ênfase a algumas atitudes dos<br />

integrantes da banda, como cuspir na platéia e xingá-la, ou então às atitudes auto-<br />

destrutivas como marcar frases <strong>no</strong> próprio peito com lâminas.


Esse tipo de ato já não era <strong>no</strong>vidade, pois já era marca maior de Iggy Pop,<br />

músico de Detroit que inspirou a maioria das bandas <strong>punk</strong>s, e que Malcolm McLarem<br />

provavelmente já conhecia. O fato é que a cena inglesa cresceu muito mais do que a<br />

<strong>no</strong>rte-americana e passou a intitular-se como <strong>punk</strong>, termo que havia sido emprestado de<br />

uma revista que falava sobre a cena ianque. O costume então acabou passando para<br />

Nova Iorque, onde algumas pessoas e bandas passaram a ser rotuladas com o termo, que<br />

era anteriormente usado pela imprensa da mesma forma que a imprensa brasileira atual<br />

usa o termo “marginal”.<br />

Todavia, enquanto o fenôme<strong>no</strong> Sex Pistols estourava na Inglaterra e <strong>no</strong> mundo,<br />

o Brasil estava sobre plena ditadura militar, AI-5, gover<strong>no</strong> do General Médici. A<br />

censura influenciava profundamente a cultura, por isso as idéias <strong>punk</strong>s chegaram de<br />

forma tímida ao país, mas não tardia.<br />

Nesse período, Brasília era, ironicamente, talvez o lugar onde houvesse maior<br />

contato dos jovens com a cultura underground estrangeira. Filhos de diplomatas e de<br />

professores universitários faziam, com certa freqüência, viagens ao exterior e falavam<br />

outras línguas, alem do português, o que possibilitou que muitos deles tivessem contato<br />

com a cultura <strong>punk</strong> e a trouxessem para cá, na forma de idéias ou de discos. Por isso,<br />

em 1976, já havia discos dos Ramones em Brasília e em 1977, exemplares do Never<br />

Mind The Bollocks dos Sex Pistols (MOREIRA, 2006).<br />

Talvez pelo fato de não possuir tantos jovens de classe média baixa nessa época,<br />

a cena da cidade ficou restrita a algumas bandas como o Aborto Elétrico, que deu<br />

origem ao Legião Urbana e ao Capital Inicial depois de sua dissolução e poucos fãs.<br />

Não podemos dizer, portanto, que tenha havido um <strong>movimento</strong>, de fato, nesse período.<br />

A Grande São Paulo foi o primeiro lugar do país a abrigar um expressivo<br />

<strong>movimento</strong> <strong>punk</strong>. No fim dos a<strong>no</strong>s 1970, a cidade já era um centro comercial <strong>no</strong> país, e<br />

o ABC um centro industrial, ambos abrigavam uma e<strong>no</strong>rme classe proletária. Crimes,<br />

desemprego, poluição, São Paulo era uma grande metrópole daquele mundo capitalista<br />

em plena Guerra Fria, mas uma cidade real, onde a maioria da população não vivia o<br />

modelo dos american way of life. Os jovens paulista<strong>no</strong>s desempregados, com restrito<br />

acesso a educação formal, sem perspectivas de vida e que não se sentem representados<br />

pela cultura popular, eram um campo extremamente fértil para as idéias que chegaram<br />

de fora. É óbvio que muitos desses fatores citados estavam presentes em todo o país,<br />

porém grandes massas de desempregados, violência urbana e grandes subúrbios ainda


não existiam <strong>no</strong> interior, ainda muito ruralizado, e em outras capitais havia em me<strong>no</strong>r<br />

quantidade (Rio de Janeiro e Salvador, por exemplo, terão seus <strong>movimento</strong>s mais tarde).<br />

Em São Paulo, além dos jovens que viajavam ou tinham parentes <strong>no</strong> exterior,<br />

havia outra forma de entrada da cultura <strong>punk</strong>, muito mais comum. Os discos importados<br />

chegavam ao país em caixas fechadas, elas traziam todo o tipo de música estrangeira,<br />

desde discos de estilos que faziam muito sucesso por aqui, como o Discoteque, até<br />

outros que vinham apenas para ocupar espaço nas caixas, como os de <strong>punk</strong> rock, na<br />

maioria das vezes. Quem repassava, <strong>no</strong> início, esse material aos jovens era a Wop Bop,<br />

lojinha de discos importados situada na galeria que hoje é conhecida por Galeria do<br />

Rock, <strong>no</strong> Largo do São Bento, <strong>no</strong> centro de São Paulo. Depois do sucesso do <strong>punk</strong> rock<br />

entre os garotos paulista<strong>no</strong>s, Fábio, o do Olho Seco, abre uma loja na mesma galeria<br />

chamada Punk Rock Discos, especializada <strong>no</strong> estilo. Nesse contexto se formarão então<br />

inúmeras bandas tocando o estilo de forma própria e falando de suas realidades.<br />

A ideologia <strong>punk</strong> diz respeito especialmente à atitude dos jovens inseridos em<br />

<strong>no</strong>sso contexto social reacionário e opressivo, mas não possui idéias de alternativas a<br />

esse contexto. Portanto, na primeira metade da década de 80, algumas ideologias<br />

políticas surgirão como substrato para a ação dos <strong>punk</strong>s brasileiros, em parte pelo<br />

contato com os <strong>punk</strong>s estrangeiros, as principais serão as idéias comunistas e como<br />

esmagadora maioria as anarquistas.<br />

Michel Foucault, em alguns de seus trabalhos, especialmente em “Microfísica do<br />

Poder” (FOUCAULT, 1979), defende a idéia de que existem dois grandes tipos de<br />

poder em <strong>no</strong>ssa sociedade que, a grosso modo, podemos chamar de um nível micro e<br />

macro. O poder nível macro seria o exercido pelo Estado e suas instituições; a nível<br />

micro, que é também chamado por ele de periférico ou capilar seria o poder exercido<br />

através das sociais, família, gênero, escola e etc.<br />

O mais provável é que a maioria dos <strong>punk</strong>s nunca tenha lido Foucault e a<br />

mudança na ideologia não pode ser inteiramente atribuída a sua teoria, <strong>no</strong> entanto, seria<br />

interessante usá-la para entender o que mudou ideologicamente.<br />

O <strong>punk</strong> rock que <strong>no</strong>tamos em Ramones e Sex Pistols mostra um ataque ao nível<br />

de poder micro. Já vimos que os integrantes dos Ramones eram garotos que não tinham<br />

perpectivas de um futuro promissor; suas composições se originaram do fato de que eles<br />

não conseguiam tocar as músicas das bandas que gostavam o que fez que as melodias<br />

fossem extremamente simples (MCCAIN, 2004, p.239).


Quanto às letras das canções, elas falam de assuntos que gostavam e ironizam<br />

aquilo que lhes irritava. Podemos <strong>no</strong>tar em várias músicas a crítica às instituições de<br />

poder de nível micro, como a família em We’re A Happy Family, vajamos o trecho:<br />

We're a happy family<br />

we're a happy family<br />

we're a happy family<br />

me mom and daddy<br />

Sitting here in Queens<br />

eating refried beans<br />

we're in all the magazines<br />

gulpin' down thorazines<br />

we ain't got <strong>no</strong> friends<br />

our troubles never end<br />

<strong>no</strong> Christmas cards to send<br />

daddy likes men<br />

Daddy's telling lies<br />

baby's eating flies<br />

mommy's on pills<br />

baby's got the chills<br />

I'm friends with the president<br />

I'm friends with the pope<br />

we're all making a fortune<br />

selling daddy's dope 2<br />

A forma irônica com a qual ele retrata uma família desestruturada fica<br />

extremamente clara. Dessa mesma forma a ironia aparecerá na crítica à escola em Rock<br />

n’roll Hight Scool. Uma crítica mordaz à situação do jovem e ao tratamento que se dá a<br />

ele aparece em Psycho Therapy, o título pode ser entendido como “Psicoterapia” ou<br />

então “Terapia para/de loucos”, vejamos a letra:<br />

Psycho Therapy Psycho Therapy Psycho Therapy<br />

That's what they wanna give me<br />

Psycho Therapy Psycho Therapy Psycho Therapy<br />

All they wanna give me<br />

I'm a teenage schizoid the one your parent despise<br />

Psycho Therapy <strong>no</strong>w I got glowing eyes<br />

I'm a teenage schizoid pranks and muggins are fun<br />

Psycho Therapy gonna kill someone<br />

2 Nós somos uma família feliz (3X)/eu, papai e mamãe/ Sentado aqui <strong>no</strong> Queens/ comendo feijões<br />

gelados/ nós estamos em todas as revistas/ engolindo thorazines/ nós não temos amigos/ os problemas<br />

nunca acabam/ sem cartões de natal para enviar/ o papai gosta de homens/ O papai está contando<br />

mentiras/ o bebê está comendo moscas/ mamãe está “nas pílulas”/ o bebê está com calafrios/ eu sou<br />

amigo do presidente/ eu sou amigo do Papa/ estamos fazendo fortuna/ vendendo as drogas do papai.


Psycho Therapy Psycho Therapy<br />

I like takin' Tuinal it keeps me edgy and mean<br />

I'm a teenage schizoid I'm a teenage dope fiend<br />

I'm a kid in the nuthouse I'm a kid in the psycho zone<br />

Psycho Therapy I'm gonna burglarize your home 3<br />

Ao longo de toda sua carreira, fica evidente a crítica dos Ramones à esse nível<br />

de poder, a crítica ao poder <strong>no</strong> nível macro, quase não será presente (PROCURAR I<br />

belive in miracles) nas músicas ou <strong>no</strong>s atos da banda, de forma que apenas na última<br />

década do século XX, eles começaram a participar de campanhas políticas, defendendo<br />

cada um sua posição, e campanhas pedido que os america<strong>no</strong>s votassem. Joey e Johnny<br />

eram os últimos integrantes da formação original da banda nesse tempo, o primeiro<br />

participava da esquerda liberal <strong>no</strong>rte-americana, enquanto o segundo era um<br />

conservador de direita.<br />

Enfim, o legado dos Ramones é o ataque ao poder capilar. Como os <strong>movimento</strong>s<br />

sociais de época, que criticavam as grandes instituições de poder central, não se<br />

encaixavam na realidade dos garotos <strong>punk</strong>s, eles não seguiam essa tradição de crítica<br />

política; além disso, sua educação formal era restrita, de modo que o seu senso crítico<br />

aguçado se canalizou para quem os oprimia de forma direta.<br />

Sobre os Sex Pistols é, <strong>no</strong> entanto, necessário levar em consideração outros<br />

fatores, embora a Inglaterra também sofresse com a depressão econômica e as filas do<br />

desemprego também fossem gigantescas, aqueles país dispunha de um cenário muito<br />

mais conservador que os EUA, as regras de etiqueta eram mais rígidas de um modo<br />

geral; sem levar isso em conta, não faz sentido o choque causado pelo “fuck” de Johnny<br />

Rotten, segundo <strong>Antonio</strong> Bivar, em seu livro O que é Punk, houve até um cidadão que<br />

jogou sua televisão pela janela ao ver o palavrão sendo dito na televisão. Ciente da<br />

potencialidade da falta de etiqueta <strong>no</strong> contexto em que viviam, os Sex Pistols faziam de<br />

tudo para subverte-la, provavelmente por sugestão de Malcolm McLarem. É claro que<br />

esses atos foram superdimensionados pela mídia, principalmente pelos famosos<br />

tablóides ingleses, mas é fato que os Pistols xingavam, cuspiam, vomitavam e se<br />

cortavam durante os shows. Esses atos eram uma forma de reforçar a mensagem que<br />

3 Psicoterapia, psicoterapia, psicoterapia/ é isso que eles querem me dar/ psicoterapia, psicoterapia,<br />

psicoterapia/ tudo o que eles vão me dar/ Eu sou um adolescente esquizóide, o que seus pais desprezam/<br />

Psicoterapia, agora tenho meus olhos vermelhos/ Eu sou um adolescente esquizóide, travessuras e (?) são<br />

divertidas/ Psicoterapia vai matar alguém/ Psicoterapia, psicoterapia/ Eu gosto de tomar um tunail e isso<br />

me mantém agudo e mesquinho/ Eu sou um adolescente esquizóide, chapado e viciado/ Eu sou uma<br />

criança num hospício, eu sou uma criança numa zona de loucos/ Psicoterapia, eu vou roubar sua casa.


tentavam passar em suas músicas, vejamos uma das mais emblemáticas, Anarchy in the<br />

U.K.:<br />

I am the Antichrist<br />

I am an anarchist<br />

Don't k<strong>no</strong>w what I want but<br />

I k<strong>no</strong>w how to get it<br />

I wanna destroy the passer by 'cos I<br />

I wanna be anarchy!<br />

No dog's body<br />

Anarchy for the U.K<br />

It's coming sometime and maybe<br />

I give a wrong time stop a traffic line<br />

Your future dream is a shopping scheme 'cos I<br />

I wanna be anarchy!<br />

In the city<br />

How many ways to get what you want<br />

I use the best I use the rest<br />

I use the enemy I use anarchy 'cos I<br />

I wanna be anarchy!<br />

The only way to be<br />

Is this the MPLA<br />

Or is this the UDA<br />

Or is this the IRA<br />

I thought it was the UK or just<br />

A<strong>no</strong>ther country<br />

A<strong>no</strong>ther council tenancy<br />

I wanna be anarchy<br />

And I wanna be anarchy<br />

Oh what a name<br />

I wanna be an anarchist<br />

Get pissed! Destroy! 4<br />

A primeira vista, a música pode parecer propor uma adesão ao Anarquismo<br />

como corrente político-filosófica, mas analisando com mais cuidado, <strong>no</strong>tamos que o uso<br />

da palavra anarchist tem o mesmo peso e sentido de antichrist, ou então das suásticas<br />

4 Eu sou um anti-cristo/ Eu sou um anarquista/ Não sei o que eu quero/ Mas sei como conseguir/ Eu quero<br />

destruir transeuntes porque eu/ quero ser a Anarquia/ Ninguém, cachorrada!/ Anarquia para o Rei<strong>no</strong><br />

Unido/ Virá em algum momento e talvez/ Dei o tempo errado, parei o fluxo de trânsito/ Seu sonho futuro<br />

é um esquema comercial porque eu/ Eu quero ser anarquia/ Na cidade!/ Quantas formas existem para<br />

conseguir o que se quer?/ Eu uso o melhor/ Eu uso o resto/ Eu uso o inimigo/ Eu uso a anarquia/ Porque<br />

eu quero ser a anarquia/ É a única maneira de ser/ Isso é a M.P.L.A. ou/ É o U.D.A.? ou /É o I.R.A./ Eu<br />

pensei que fosse o Rei<strong>no</strong> Unido ou apenas/ Um outro país/ Outra propriedade do Conselho!/ Eu quero ser<br />

a anarquia/ E eu quero ser a anarquia/ Oh, Que <strong>no</strong>me/ Eu quero ser um anarquista/ Ficar bêbado!<br />

Destruir!


que serão largamente usada pelos Pistols por influência dos <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s; se<br />

deixarmos para trás o entendimento superficial do uso desses símbolos, podemos<br />

perceber que em ambos os casos eles não significavam a adesão das idéias que eles<br />

representavam, eles eram apenas uma forma de chocar a sociedade; já que eles criavam<br />

a mesma reação na população mais ou me<strong>no</strong>s conservadora, eles podiam ser usados lado<br />

a lado, da mesma forma.<br />

Da mesma forma que a música God Save The Queen não pode ser interpretada<br />

simplesmente como um ataque à organização política do país, e sim à hipocrisia com<br />

que suas políticas eram vistas pela população, além de ser uma crítica ao maior símbolo<br />

do nacionalismo britânico: a rainha.<br />

God save the queen<br />

Her fascist regime<br />

It made you a moron<br />

A potential H bomb<br />

God save the queen<br />

She ain't <strong>no</strong> human being<br />

There is <strong>no</strong> future<br />

In England's dreaming<br />

Don't be told what you want<br />

Don't be told what you need<br />

There's <strong>no</strong> future<br />

No future <strong>no</strong> future for you<br />

God save the queen<br />

We mean it man<br />

We love our queen<br />

God saves<br />

God save the queen<br />

'cos tourists are money<br />

And our figurehead<br />

Is <strong>no</strong>t what she seems<br />

Oh God save history<br />

God save your mad parade<br />

Oh lord God have mercy<br />

All crimes are paid<br />

When there's <strong>no</strong> future<br />

How can there be sin<br />

We're the flowers<br />

In the dustbin<br />

We're the poison<br />

In your human machine<br />

We're the future<br />

Your future<br />

God save the queen


We mean it man<br />

There is <strong>no</strong> future<br />

In England's dreaming<br />

No future for you<br />

No future for me<br />

No future <strong>no</strong> future for you 5<br />

Contudo, o <strong>movimento</strong> <strong>punk</strong> logo começará a adotar um caráter político,<br />

atacando as grandes instituições de poder. E será bastante logo, já que esse caráter ficou<br />

claro <strong>no</strong> The Clash, que foi criado sob influência e foi contemporâneo dos Pistols. No<br />

Brasil, <strong>no</strong> entanto, esse caráter demorará um pouco a chegar, devido à dificuldade da<br />

vinda de materiais durante a ditadura militar, como já foi descrito acima. A ideologia<br />

<strong>punk</strong> será freqüentemente mal interpretada <strong>no</strong>s próprios países onde ela surgiu e se<br />

consolidou. Aqui, aonde chegavam apenas algumas <strong>no</strong>tícias distorcidas nas revistas e<br />

alguns discos ao acaso nas caixas de importação, esse problema foi ainda maior, o que<br />

fez com que a adoção de uma ideologia política demorasse ainda mais tempo.<br />

Os <strong>punk</strong>s então adotarão idéias políticas condizentes com a sua causa; <strong>no</strong> a<strong>no</strong>s<br />

de 1983, Ariel faz uma declaração ao documentário “Punks” de que era necessário<br />

encontrar uma forma e um ideal de luta para o <strong>movimento</strong>, refletindo a busca crescente<br />

da época por um embasamento político para a ideologia <strong>punk</strong>. No entanto, o tiro sairá<br />

pela culatra com grupos que descenderam, de certa forma, do <strong>movimento</strong> <strong>punk</strong> que<br />

adotarão idéias fascistas e nazistas 6 .<br />

Os <strong>punk</strong>s anarquistas constituíram o grupo mais expressivo dentro dos quais<br />

adotaram ideologias políticas; dentro desses, <strong>no</strong>ta-se dois subgrupos, durante os a<strong>no</strong>s<br />

80, os que se baseavam na idéias de anarquistas pacifistas, como Pierre-Joseph<br />

Proudhon e os que se baseavam em idéias da revolução pela violência, tendo como<br />

principal pensador Bakunin (WOODCOCK, 2002). As idéias de Mikhail Bakunin<br />

serviram muitas vezes de substrato para as atitudes violentas que já haviam se tornado<br />

5 Deus salve a rainha/ E seu regime fascista/ Fez de você um retardado/ Uma bomba H em potencial/<br />

Deus salve a rainha/ Ela não é humana/ Não há futuro/ Nos sonhos da Inglaterra/ Não diga o que você<br />

quer/ Não diga o que você precisa/ Não há futuro, não há futuro/ Não há futuro para você/ Deus salve a<br />

rainha/ Nós queremos dizer isso, cara/ Nós amamos <strong>no</strong>ssa rainha/ Deus salve/ Deus salve a rainha/ Porque<br />

turistas são dinheiro/ Nossa revolta/ Não é o que ela parece/ Oh, Deus salve a história/ Deus salve a <strong>no</strong>ssa<br />

parada louca/ Oh, Senhor Deus tenha piedade/ Todos os crimes são pagos/ Quando não há futuro/ Como<br />

podemos estar em pecado?/ Nós somos/ As flores <strong>no</strong> chiqueiro/ Nós somos o vene<strong>no</strong> em seu sistema/ Na<br />

sua máquina humana/ Nós somos o futuro/ O seu futuro/ Deus salve a rainha/ Nós queremos dizer isso,<br />

cara/ Não há futuro/ Nos sonhos da Inglaterra/ Sem futuro para você/ Sem futuro para mim/ Sem futuro,<br />

Sem futuro para você.<br />

6 É importante ressaltar que esses grupos não são considerados <strong>punk</strong>s não são aceitos por eles e sequer se<br />

dizem <strong>punk</strong>s, se colocando contra estes e freqüentemente atacando-os na rua. Contudo, a atitude <strong>punk</strong>, de<br />

rebelião contra os costumes sociais, inspirou a formação desses grupos, o que pode ser percebido<br />

inclusive nas formas de vestimenta. Tal assunto poderá ser tratado com mais profundidade mais tarde.


comuns devido a má interpretação do Movimento <strong>no</strong> Brasil, como a luta entre gangues e<br />

até o uso de bombas (MOREIRA, 2006), <strong>no</strong> entanto essa violência parece não ter<br />

atingido níveis tão assustadores quanto a que veremos <strong>no</strong>s conflitos com os grupos<br />

fascistas e neonazistas, que ocasionarão nas mortes de muitos garotos. Essa vertente do<br />

<strong>movimento</strong> parece ter perdido espaço gradativamente e hoje não tem grande<br />

representatividade, <strong>no</strong> entanto, não é meu objetivo aqui discutir a validade dessas idéias.<br />

Já a vertente pacifista, se manteve e parece ser hoje quase a totalidade do<br />

<strong>movimento</strong> <strong>punk</strong> brasileiro.<br />

É interessante ressaltar, <strong>no</strong> entanto, que a agressão ao poder de caráter capilar<br />

nunca desapareceu, mesmo com a adoção do ataque ao poder central, é essa oposição a<br />

toda a forma de repressão social é, até hoje, o grande diferencial do <strong>movimento</strong> <strong>punk</strong><br />

em relação a outros <strong>movimento</strong>s sociais.<br />

Referências:<br />

ESSINGER, Silvio. Punk, a anarquia planetária e a cena brasileira. São Paulo: Editora<br />

34, 1999.<br />

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.<br />

GRAMAGLIA, Michael e Jim Fields. The end of the century: the story of the Ramones.<br />

Warner Music, 2004.<br />

MCCAIN, Gillian e Legs McNeil. Mate-me Por Favor. Porto Alegre: LP&M Pocket,<br />

2004.<br />

MOREIRA, Gastão. Botinada, a origem do <strong>punk</strong> <strong>no</strong> Brasil. São Paulo: ST2 Music,<br />

2006.<br />

OLIVEIRA, Antônio Carlos. Os fanzines contam uma história sobre <strong>punk</strong>s. Rio de<br />

Janeiro: Achiamé, 2006.<br />

SOUZA, Rafael Lopes de. Punk: cultura subversiva e protesto, as mutações <strong>ideológicas</strong><br />

de uma comunidade subversiva – São Paulo 1983/1996. Dissertação (Mestrado) em<br />

História. Assis, Unesp, 1997.<br />

WOODCOCK, Jorge. História das idéias de <strong>movimento</strong>s anarquistas. Porto Alegre:<br />

L&PM Pocket, 2002.

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