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Expressões da Resistência no Cotidiano do Trabalho em - Anpad

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Disponível <strong>em</strong><br />

http://www.anpad.org.br/rac-e<br />

RAC-Eletrônica, Curitiba, v. 2, n. 3, art. 2,<br />

p. 374-391, Set./Dez. 2008<br />

<strong>Expressões</strong> <strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> <strong>em</strong> Bancos<br />

Bancos<br />

Portugueses<br />

Portugueses<br />

Expressions Expressions of of Resistance Resistance in in Daily Daily Work Work Life Life in in Portuguese Portu<br />

guese Banks<br />

Vânia Gisele Bessi *<br />

Doutoran<strong>da</strong> <strong>em</strong> Administração, com ênfase <strong>em</strong> Recursos Huma<strong>no</strong>s, pelo PPGA/EA/UFRGS.<br />

Professora e pesquisa<strong>do</strong>ra <strong>da</strong> UPF, Passo Fun<strong>do</strong>/RS, Brasil.<br />

Carm<strong>em</strong> Ligia Iochins Grisci<br />

Doutora <strong>em</strong> Psicologia pela PUC/RS.<br />

Professora <strong>do</strong> PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre/RS, Brasil.<br />

* Endereço: Vânia Gisele Bessi<br />

Av. Washington Luis, 855, Centro, Porto Alegre/RS, 90010-460. E-mail: vania.bessi@terra.com.br.<br />

Copyright © 2008 RAC-Eletrônica. To<strong>do</strong>s os direitos, inclusive de tradução, são reserva<strong>do</strong>s.<br />

É permiti<strong>do</strong> citar parte de artigos s<strong>em</strong> autorização prévia desde que seja identifica<strong>da</strong> a fonte.


<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

RESUMO ESUMO<br />

O objetivo <strong>da</strong> pesquisa é contribuir para eluci<strong>da</strong>r os mo<strong>do</strong>s de expressão que a resistência assume nas práticas<br />

cotidianas <strong>do</strong> setor bancário português e que repercussão acarreta à produção de subjetivi<strong>da</strong>de. Foram<br />

distribuí<strong>do</strong>s 150 questionários, realizaram-se 18 entrevistas individuais com diferentes atores sociais envolvi<strong>do</strong>s<br />

e analisaram-se fontes <strong>do</strong>cumentais. A análise <strong>do</strong>s <strong>da</strong><strong>do</strong>s focou o conteú<strong>do</strong>. Os resulta<strong>do</strong>s apontam que as<br />

resistências à organização <strong>do</strong> trabalho se dão a partir de atos, individuais ou coletivos, que burlam o estabeleci<strong>do</strong><br />

<strong>no</strong>s manuais e procedimentos, visan<strong>do</strong> a ganhar t<strong>em</strong>po. O t<strong>em</strong>po ganho é reverti<strong>do</strong> na execução de outras<br />

ativi<strong>da</strong>des, mas, igualmente, converti<strong>do</strong> <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po pessoal e desaceleração. Essa marg<strong>em</strong> de ma<strong>no</strong>bra se mostra<br />

como possibili<strong>da</strong>de de enfrentamento <strong>da</strong> exigência exacerba<strong>da</strong> pela realização <strong>do</strong> trabalho de forma ca<strong>da</strong><br />

vez mais veloz; e <strong>em</strong> face <strong>da</strong> pressão pelo cumprimento de metas s<strong>em</strong>pre maiores. Outra forma de resistir é a que<br />

contraria a d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> pelo prolongamento <strong>da</strong> carga horária, diferencian<strong>do</strong>-se conforme aspectos culturais. As<br />

expressões de resistência encontra<strong>da</strong>s configuram-se como mecanismos de sobrevivência e criação de reali<strong>da</strong>des<br />

paralelas àquelas impostas pela organização <strong>do</strong> trabalho que se apresenta como potencia<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> a<strong>do</strong>ecimento e<br />

<strong>da</strong> desestabilização <strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> trabalho.<br />

Palavras-chave: trabalho bancário; resistência; subjetivi<strong>da</strong>de.<br />

ABSTRACT BSTRACT<br />

The aim of this paper is to help to eluci<strong>da</strong>te the means of expression that resistance assumes in the <strong>da</strong>ily labor<br />

practices of the Portuguese banking industry, and what repercussion results in the production of subjectivity. 150<br />

questionnaires were distributed, 18 individual interviews with different social actors were conducted and several<br />

<strong>do</strong>cumental sources were analyzed. The <strong>da</strong>ta analysis focused on the content. The results showed that the<br />

resistance to work organization st<strong>em</strong>s from actions, either individual or collective, that defraud what are<br />

established in the manuals and procedures in order to save time. The time saved is reverted to the performance of<br />

other activities, but equally converted into personal time and in deceleration. This operation margin is shown as a<br />

possibility of facing the exacerbated d<strong>em</strong>ands of work achiev<strong>em</strong>ent in a faster and faster mode; and pressure in<br />

relation to the accomplishment of even greater goals. A<strong>no</strong>ther manner to resist is that which contradicts d<strong>em</strong>and<br />

by means of prolongation of working hours, varying according to cultural aspects. The resistance expressions<br />

encountered are configured as survival mechanisms and creation of parallel realities to the current work<br />

organization which are presented as potentiators of illness and of the destabilization of work subjects.<br />

Key words: bank working; resistance; subjectivity.<br />

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Vânia Gisele Bessi, Carm<strong>em</strong> Ligia Iochins Grisci<br />

INTRODUÇÃO<br />

NTRODUÇÃO<br />

O capitalismo cont<strong>em</strong>porâneo vive um regime de acumulação flexível <strong>em</strong> virtude <strong>da</strong> busca<br />

incessante <strong>da</strong> superação <strong>da</strong> rigidez imposta por sist<strong>em</strong>as de produção de base taylorista-fordista. Isso<br />

se deve, entre outras coisas, às necessi<strong>da</strong>des de deslocalização e flexibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong> capital, configuran<strong>do</strong><br />

a chama<strong>da</strong> compressão espaciot<strong>em</strong>poral (Harvey, 2001).<br />

O setor de serviços bancários se inscreve nesse movimento de reestruturação <strong>do</strong> capital e ilustra o<br />

processo que torna as fronteiras ca<strong>da</strong> vez mais permeáveis, indican<strong>do</strong> a criação de <strong>no</strong>va ord<strong>em</strong> <strong>no</strong><br />

processo <strong>do</strong> trabalho, intrinsecamente relaciona<strong>do</strong> às i<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas. As Tec<strong>no</strong>logias de<br />

Informação e Comunicação [TICs], por sua vez, têm-se mostra<strong>do</strong> propícias ao aumento <strong>da</strong><br />

produtivi<strong>da</strong>de e à maximização <strong>do</strong>s recursos disponíveis, entre eles o t<strong>em</strong>po de trabalho. Nesse<br />

cenário, a questão <strong>da</strong> experimentação espaciot<strong>em</strong>poral faz prevalecer o imperativo <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

aceleração (Virilio, 1997).<br />

O objeto <strong>do</strong> trabalho bancário – a merca<strong>do</strong>ria-dinheiro – ganha, ca<strong>da</strong> vez mais, maior mobili<strong>da</strong>de,<br />

complexi<strong>da</strong>de e veloci<strong>da</strong>de <strong>em</strong> seu fluxo. O tradicional fluxo de papéis, <strong>do</strong>cumentos manipula<strong>do</strong>s e<br />

contabiliza<strong>do</strong>s <strong>no</strong> trabalho de escrituração <strong>do</strong> movimento diário <strong>do</strong>s bancos passa a ser substituí<strong>do</strong> por<br />

<strong>da</strong><strong>do</strong>s armazena<strong>do</strong>s e manipula<strong>do</strong>s <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>as eletrônicos, basea<strong>do</strong>s nas TICs (Bessi & Grisci, 2004;<br />

Kovács, 2002, 2005; Kovács & Castillos, 1998).<br />

Ao trabalha<strong>do</strong>r bancário é d<strong>em</strong>an<strong>da</strong><strong>do</strong> um tipo de trabalho de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> imaterial (Grisci, 2006b;<br />

Lazzarato & Negri, 2001; Negri, 2003). O trabalho burocrático de back office diminui, sen<strong>do</strong><br />

incr<strong>em</strong>enta<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des de front office. Com isso exige-se que o bancário se torne um consultor de<br />

negócios ou, para além disso, como escrev<strong>em</strong> Lazzaratto e Negri (2001), que crie necessi<strong>da</strong>des para os<br />

clientes, a partir <strong>da</strong> manipulação de sentimentos de confiança e segurança.<br />

A exigência imposta aos sujeitos <strong>do</strong> trabalho de uma mobili<strong>da</strong>de s<strong>em</strong> precedentes não pressupõe, <strong>no</strong><br />

entanto, auto<strong>no</strong>mia para traçar suas próprias rotas, uma vez que o controle se impõe de maneira<br />

dispersa, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des, de forma rizomática, conforme propõe Grisci (2005). Neste contexto<br />

cont<strong>em</strong>porâneo, há que perguntar: o que significa resistência, <strong>em</strong> especial para aqueles trabalha<strong>do</strong>res<br />

inseri<strong>do</strong>s nas chama<strong>da</strong>s relações de serviço? Que possibili<strong>da</strong>des de resistência se apresentam <strong>no</strong><br />

cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho e que mo<strong>do</strong>s de expressão ela assume? Será que a resistência provém justamente<br />

<strong>da</strong>s características gera<strong>do</strong>ras de valor, relaciona<strong>da</strong>s ao trabalho imaterial?<br />

Parte-se <strong>do</strong> pressuposto de Pelbart (2003) e S. Rolnik (2001) de que, atualmente, a resistência <strong>do</strong>s<br />

sujeitos às formas de organização <strong>do</strong> trabalho não mais se <strong>da</strong>ria pelo enfrentamento. Ela se <strong>da</strong>ria<br />

obliquamente, via criação de linhas de fuga que <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> <strong>no</strong> próprio cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho. Diante<br />

disso, coloca-se o desafio de verificar e analisar o que Negri (2003) menciona: realmente se encontram<br />

mecanismos de resistência utiliza<strong>do</strong>s pelos sujeitos para a busca <strong>da</strong> <strong>em</strong>ancipação.<br />

A presente pesquisa constitui-se de uma etapa de ampla investigação desenvolvi<strong>da</strong> junto ao setor<br />

bancário português. O setor bancário português passou, nas últimas duas déca<strong>da</strong>s, por importantes e<br />

profun<strong>da</strong>s transformações, relativas à entra<strong>da</strong> de Portugal na União Européia [EU], o que levou a uma<br />

intensa desregulamentação e a uma significativa centralização <strong>no</strong> setor. Com isso, os bancos peque<strong>no</strong>s<br />

foram, aos poucos, sen<strong>do</strong> incorpora<strong>do</strong>s por grandes corporações financeiras e a competitivi<strong>da</strong>de<br />

tor<strong>no</strong>u-se muito mais acirra<strong>da</strong>. Também se diss<strong>em</strong>i<strong>no</strong>u a idéia de que se enfraqueceram as resistências<br />

coletivas que tomavam corpo <strong>no</strong> espaço <strong>do</strong>s grandes sindicatos. Em face disso, propõe-se como<br />

questão de pesquisa: que mo<strong>do</strong>s de expressão a resistência assume nas práticas laborais <strong>do</strong> setor<br />

bancário português e que repercussões acarreta à produção de subjetivi<strong>da</strong>de?<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

REFERENCIAL<br />

EFERENCIAL TEÓRICO EÓRICO DO O ESTUDO STUDO<br />

O O Capitalismo Capitalismo Capitalismo Flexível Flexível e e as as Mu<strong>da</strong>nças Mu<strong>da</strong>nças Mu<strong>da</strong>nças <strong>no</strong> <strong>no</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>Trabalho</strong> Bancário<br />

Bancário<br />

Para Virilio (1997), vive-se uma revolução dromológica (lógica que t<strong>em</strong> como referência absoluta,<br />

como equivalente geral, não mais a riqueza, mas a veloci<strong>da</strong>de) e não mais uma revolução industrial.<br />

Assim, surge a idéia de uma veloci<strong>da</strong>de desterritorializa<strong>da</strong>. O que permite que a veloci<strong>da</strong>de se<br />

desterritorialize são as Tec<strong>no</strong>logias de Informação e Comunicação [TICs]. Segun<strong>do</strong> o autor, a<br />

dromologia é atravessa<strong>da</strong> pelo vetor tec<strong>no</strong>lógico. Pensar o papel <strong>da</strong> tec<strong>no</strong>logia como vetor <strong>da</strong><br />

dromologia se faz importante, pois, como menciona Virilio (1997), os trabalha<strong>do</strong>res <strong>da</strong> era <strong>da</strong><br />

comunicação são auxilia<strong>do</strong>s pelas próteses tec<strong>no</strong>lógicas.<br />

Pelbart (1998), por sua vez, menciona que a experimentação espaciot<strong>em</strong>poral está relaciona<strong>da</strong> aos<br />

opera<strong>do</strong>res de t<strong>em</strong>po, às tec<strong>no</strong>logias que produz<strong>em</strong> tal ou qual experiência, vivência, idéia ou forma <strong>do</strong><br />

t<strong>em</strong>po. O autor ressalta que a atual experimentação espaciot<strong>em</strong>poral <strong>do</strong>s sujeitos, <strong>em</strong> contexto de<br />

trabalho imaterial, precisa ser pensa<strong>da</strong> como atravessa<strong>da</strong> pela tec<strong>no</strong>logia, levan<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> conta a lógica<br />

dromológica, que é o imperativo <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a capitalista atual.<br />

Bauman (2001) toma o conceito de espaciot<strong>em</strong>porali<strong>da</strong>de a partir <strong>do</strong> que de<strong>no</strong>mina moderni<strong>da</strong>de<br />

líqui<strong>da</strong> ou flui<strong>da</strong>, de onde, segun<strong>do</strong> ele, resultam sujeitos cujas principais características dev<strong>em</strong> ser:<br />

leveza, mobili<strong>da</strong>de, inconstância e rapidez de movimentos.<br />

A acumulação flexível “(...) apóia-se na flexibili<strong>da</strong>de: <strong>do</strong>s processos de trabalho; <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s de<br />

trabalho; <strong>do</strong>s produtos e <strong>do</strong>s padrões de consumo” (Harvey, 2001, p. 140). Caracteriza-se,<br />

principalmente, por fatores como: surgimento de setores inteiramente <strong>no</strong>vos; <strong>no</strong>vas maneiras de<br />

fornecimento de serviços estrangeiros; <strong>no</strong>vos merca<strong>do</strong>s; taxas altamente intensifica<strong>da</strong>s de i<strong>no</strong>vação<br />

comercial, tec<strong>no</strong>lógica e organizacional.<br />

O setor de serviços e, <strong>em</strong> especial, o financeiro assume papel preponderante nesse <strong>no</strong>vo regime, uma<br />

vez que é o merca<strong>do</strong> financeiro que proporciona o deslocamento <strong>do</strong>s capitais, s<strong>em</strong> as antigas restrições<br />

espaciot<strong>em</strong>porais. Almei<strong>da</strong> (2004), ao analisar o setor bancário, menciona que <strong>no</strong> setor de serviços<br />

acontec<strong>em</strong> <strong>do</strong>is movimentos significativos: um que vai <strong>em</strong> direção à industrialização <strong>do</strong>s serviços,<br />

com a padronização <strong>do</strong>s produtos e serviços, visan<strong>do</strong> a uma crescente d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>; e outro movimento<br />

que vai <strong>em</strong> direção à imaterialização <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de, relaciona<strong>do</strong> aos saberes intelectuais e às<br />

capaci<strong>da</strong>des humanas associa<strong>da</strong>s ao trabalho.<br />

Para Almei<strong>da</strong> (2005, p. 184) “a i<strong>no</strong>vação <strong>no</strong>s sist<strong>em</strong>as financeiros parece ter si<strong>do</strong> um requisito<br />

necessário para superar a rigidez geral, b<strong>em</strong> como a crise t<strong>em</strong>poral, geográfica e até política peculiar<br />

<strong>em</strong> que o fordismo caiu”. Nessa <strong>no</strong>va lógica, a configuração espaciot<strong>em</strong>poral <strong>no</strong> trabalho bancário<br />

assume contor<strong>no</strong>s completamente diferencia<strong>do</strong>s <strong>da</strong>queles <strong>da</strong> lógica tayloro-fordista.<br />

Nessa <strong>no</strong>va configuração <strong>do</strong> trabalho não se pode deixar de levar <strong>em</strong> conta o papel que ocupam as<br />

TICs. A tec<strong>no</strong>logia é percebi<strong>da</strong> como constitutiva <strong>da</strong> atual socie<strong>da</strong>de basea<strong>da</strong> <strong>no</strong> trabalho imaterial,<br />

b<strong>em</strong> como ferramenta <strong>da</strong>s transformações <strong>do</strong> capitalismo basea<strong>do</strong> na flexibili<strong>da</strong>de, na mobili<strong>da</strong>de e na<br />

veloci<strong>da</strong>de (Castells, 2000). Nesse senti<strong>do</strong>, o que se propõe pensar é como as características <strong>do</strong><br />

trabalho imaterial, que é atravessa<strong>do</strong> pela veloci<strong>da</strong>de e potencia<strong>do</strong> pelas TICs pode, a partir <strong>da</strong> criação<br />

de <strong>no</strong>vas possibili<strong>da</strong>des, servir como estratégia de <strong>em</strong>ancipação <strong>do</strong> sujeito e de resistência, <strong>em</strong> face<br />

<strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s heg<strong>em</strong>ônicos de produção.<br />

O <strong>Trabalho</strong> rabalho Imaterial como omo Gera<strong>do</strong>r era<strong>do</strong>r de de de Valor alor alor<br />

O trabalha<strong>do</strong>r, atualmente, t<strong>em</strong> si<strong>do</strong> caracteriza<strong>do</strong> como o trabalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> conhecimento, uma vez<br />

que o uso <strong>da</strong>s TICs configura uma d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> por um tipo de trabalho diferencia<strong>do</strong> <strong>da</strong>quele massifica<strong>do</strong><br />

<strong>da</strong>s indústrias <strong>do</strong> começo <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>. Em uma eco<strong>no</strong>mia de serviços, a definição <strong>do</strong> que seja o<br />

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Vânia Gisele Bessi, Carm<strong>em</strong> Ligia Iochins Grisci<br />

trabalho mu<strong>da</strong>. O trabalho passa a ser “considera<strong>do</strong> como o processo de desenvolvimento e de<br />

aplicação de saberes, de competências, de conhecimentos e de informações: <strong>em</strong> suma, de <strong>em</strong>prego de<br />

recursos huma<strong>no</strong>s e de mobilização de inteligência prática” (Almei<strong>da</strong>, 2005, p. 49). Como menciona<br />

Harvey (2001), na atual estratégia de flexibilização enfatiza-se a importância de forças de trabalho<br />

altamente prepara<strong>da</strong>s, capazes de compreender, impl<strong>em</strong>entar e administrar os padrões <strong>no</strong>vos e mais<br />

flexíveis de i<strong>no</strong>vação tec<strong>no</strong>lógica e orientação para o merca<strong>do</strong>.<br />

Dentro dessas <strong>no</strong>vas formas de conceber e estruturar o trabalho, com o aumento <strong>da</strong> informatização e<br />

<strong>da</strong> intelectualização, toma corpo o trabalho imaterial, ti<strong>do</strong> como “o conjunto de ativi<strong>da</strong>des corporais,<br />

intelectuais, criativas, afetivas e comunicativas inerentes ao trabalha<strong>do</strong>r, atualmente valoriza<strong>da</strong>s e<br />

d<strong>em</strong>an<strong>da</strong><strong>da</strong>s como uma imposição <strong>no</strong>rmatiza<strong>do</strong>ra de que o trabalha<strong>do</strong>r se torne sujeito ativo <strong>do</strong><br />

trabalho” (Grisci, 2006b, p. 327).<br />

Segun<strong>do</strong> Negri (2003), Lazzarato e Negri (2001) e Hardt e Negri (2001), o trabalho imaterial precisa<br />

ser entendi<strong>do</strong> como el<strong>em</strong>ento constitutivo <strong>da</strong> <strong>no</strong>va ord<strong>em</strong> capitalista mundial. Nessa <strong>no</strong>va<br />

configuração, o trabalho imaterial caracteriza-se não como relação fecha<strong>da</strong> de trabalho, mas como<br />

relação aberta, pois os seus el<strong>em</strong>entos e processos de valorização são de outra natureza. A criação de<br />

valor, na perspectiva <strong>do</strong> trabalho imaterial, se dá pela socialização <strong>do</strong> trabalho, sen<strong>do</strong> seu principal<br />

instrumento o cérebro e as capaci<strong>da</strong>des de mobilização subjetiva <strong>do</strong>s agentes <strong>do</strong> trabalho. Torna-se<br />

necessário que o trabalha<strong>do</strong>r mobilize to<strong>do</strong> o seu potencial criativo para o projeto <strong>do</strong> capital.<br />

É a partir dessa idéia que os autores defend<strong>em</strong> que, se o trabalho imaterial está <strong>no</strong> cerne <strong>da</strong> <strong>no</strong>va<br />

ord<strong>em</strong> capitalista, e se esse tipo de trabalho necessita <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong>des de mobilização, de criação e de<br />

i<strong>no</strong>vação <strong>do</strong>s sujeitos, é <strong>no</strong> próprio trabalho imaterial que se encontram as possibili<strong>da</strong>des políticas de<br />

resistência, de libertação e de auto<strong>no</strong>mia. Para Negri (2003), assim como para Pelbart (2003) e S.<br />

Rolnik (2001), a possibili<strong>da</strong>de de resistência, <strong>no</strong> contexto <strong>do</strong> trabalho imaterial, está situa<strong>da</strong> <strong>no</strong><br />

el<strong>em</strong>ento fun<strong>da</strong>nte dele, que é o poder <strong>da</strong> invenção.<br />

O trabalho imaterial destrói a idéia de um fora <strong>do</strong> trabalho, uma vez que pode ser exerci<strong>do</strong> <strong>em</strong><br />

qualquer t<strong>em</strong>po e <strong>em</strong> qualquer lugar. Inseri<strong>do</strong> nessa lógica, o banco deixa de privilegiar o trabalho<br />

burocrático e passa a privilegiar o serviço de aconselhamento, de assessoramento de negócios para os<br />

grandes clientes. Em razão disso, outros mo<strong>do</strong>s de ser e de trabalhar bancário se faz<strong>em</strong> <strong>no</strong>tar.<br />

A A <strong>Resistência</strong> <strong>Resistência</strong> e os os Mo<strong>do</strong> Mo<strong>do</strong>s Mo<strong>do</strong> de Subjetivação<br />

A resistência é toma<strong>da</strong>, neste estu<strong>do</strong>, como um <strong>do</strong>s componentes <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de. A subjetivi<strong>da</strong>de é<br />

entendi<strong>da</strong> não como sinônimo de interiori<strong>da</strong>de, mas como algo construí<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> social e como<br />

construtor deste. Conforme Pelbart (2000, p. 37), a subjetivi<strong>da</strong>de “não é algo abstrato, trata-se <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />

mais precisamente <strong>da</strong>s formas de vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong>s maneiras de sentir, de amar, de perceber, de imaginar, de<br />

sonhar, de fazer, mas também de habitar, de vestir-se, de <strong>em</strong>belezar-se, de fruir etc.”. A subjetivi<strong>da</strong>de<br />

pode ser compreendi<strong>da</strong> como fabrica<strong>da</strong>, produzi<strong>da</strong>, mol<strong>da</strong><strong>da</strong>, modula<strong>da</strong>, como menciona o autor.<br />

O sujeito, nesse contexto, é toma<strong>do</strong> a partir de uma perspectiva que não é de um indivíduo<br />

isola<strong>da</strong>mente, mas de uma coletivi<strong>da</strong>de, que constrói e reconstrói mo<strong>do</strong>s de viver e de trabalhar, a<br />

partir <strong>da</strong> concretude <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong>, o trabalha<strong>do</strong>r é entendi<strong>do</strong> como tal por meio <strong>do</strong><br />

trabalho que realiza, trabalho este que lhe possibilita não somente sofrer sua história, mas produzi-la,<br />

trabalho que se caracteriza, portanto, como usina de produção de subjetivi<strong>da</strong>de: “significa, pois,<br />

produção de registro social, relação direta com a contingência sócio-histórica que afeta o indivíduo”<br />

(Fonseca, 1995, p. 19).<br />

Os mo<strong>do</strong>s de subjetivação diz<strong>em</strong> respeito, portanto, às diversas maneiras pelas quais os indivíduos<br />

ou as coletivi<strong>da</strong>des se tornam o que são (Deleuze, 2004). No entanto o sujeito não ocupa uma posição<br />

passiva, simplesmente absorven<strong>do</strong>, estaticamente, a subjetivi<strong>da</strong>de produzi<strong>da</strong> pelo mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho.<br />

Os mo<strong>do</strong>s de subjetivação são construí<strong>do</strong>s atravessa<strong>do</strong>s pelos processos concretos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, num<br />

imbricamento entre o fora <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> exterior, e o dentro <strong>do</strong> sujeito. Esse é processo dinâmico,<br />

metamorfoseante, que afeta os sujeitos de diversas formas (Deleuze, 2005).<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

Quan<strong>do</strong> se fala <strong>em</strong> resistência às d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s <strong>do</strong> capital, que se pod<strong>em</strong> expressar <strong>em</strong> ações que passam<br />

pelo cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho, se está falan<strong>do</strong> de uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des de consumo <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de.<br />

Guattari e S. Rolnik (2005) mencionam que os sujeitos pod<strong>em</strong> consumir a subjetivi<strong>da</strong>de produzi<strong>da</strong> de<br />

duas diferentes formas, de<strong>no</strong>mina<strong>da</strong>s pelos autores como processos. O primeiro é o processo de<br />

individualização, que se caracteriza pela tentativa de bloquear o processo de resistência, instauran<strong>do</strong>se<br />

conforme os padrões universais, massifica<strong>do</strong>res e individualizantes vigentes. Esse processo,<br />

segun<strong>do</strong> Guattari e S. Rolnik (2005, p. 42) é “uma relação de alienação e opressão, na qual o indivíduo<br />

se submete à subjetivi<strong>da</strong>de tal como a recebe”.<br />

O segun<strong>do</strong> de<strong>no</strong>mina-se processo de singularização e opõe-se ao anterior. O processo de<br />

singularização faz-se pela associação de dimensões de diferentes espécies, por meio <strong>da</strong> afirmação de<br />

outras maneiras de ser, outras sensibili<strong>da</strong>des, outras percepções, poden<strong>do</strong> ser considera<strong>do</strong> como forma<br />

de resistência diante <strong>do</strong>s moldes previamente determina<strong>do</strong>s. O processo de singularização pode ser<br />

considera<strong>do</strong> como “uma relação de expressão e de criação, na qual o indivíduo se reapropria <strong>do</strong>s<br />

componentes <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de” (Guattari & S. Rolnik, 2005, p. 42).<br />

Como refere S. Rolnik (2001), a resistência, hoje, tende a não mais situar-se por oposição frontal e<br />

aberta à reali<strong>da</strong>de vigente, como suposta reali<strong>da</strong>de paralela, de enfrentamento; seu alvo, agora, é<br />

manter o controle <strong>do</strong> princípio que <strong>no</strong>rteia o desti<strong>no</strong> <strong>da</strong> criação. O desafio está, segun<strong>do</strong> a autora, <strong>em</strong><br />

enfrentar a ambigüi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> estratégia cont<strong>em</strong>porânea <strong>do</strong> capitalismo, que tenta tomar, para seus<br />

propósitos, as possibili<strong>da</strong>des cria<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>s sujeitos. S. Rolnik (2001) sugere que, para resistir, os<br />

sujeitos dev<strong>em</strong> colocar-se <strong>no</strong> próprio âmago <strong>do</strong> capitalismo, mas negocian<strong>do</strong> para manter a vi<strong>da</strong> como<br />

princípio ético organiza<strong>do</strong>r.<br />

Acredita-se, portanto, que as estratégias de resistência, atualmente, possam encontrar-se dispersas <strong>no</strong><br />

cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s sujeitos. Como l<strong>em</strong>bram Deleuze e Guattari (2004, p. 63), “não há ato de<br />

criação que não pegue a revés, ou não passe por uma linha libera<strong>da</strong>”.<br />

PROCEDIMENTOS<br />

ROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS<br />

ETODOLÓGICOS<br />

Esta pesquisa exploratória descritiva visa contribuir para eluci<strong>da</strong>r os mo<strong>do</strong>s de expressão que a<br />

resistência assume nas práticas laborais <strong>do</strong> setor bancário português, e que repercussões ela acarreta à<br />

produção de subjetivi<strong>da</strong>de. Constitui-se de uma etapa de ampla investigação desenvolvi<strong>da</strong> junto ao<br />

setor bancário português.<br />

A pesquisa exploratória, segun<strong>do</strong> Malhotra (2001), t<strong>em</strong> como principal finali<strong>da</strong>de a coleta de <strong>da</strong><strong>do</strong>s<br />

e de informações iniciais sobre o campo ou objeto de estu<strong>do</strong>. Para o autor, os <strong>da</strong><strong>do</strong>s primários,<br />

coleta<strong>do</strong>s nessa fase de estu<strong>do</strong>, pod<strong>em</strong> ser considera<strong>do</strong>s como <strong>da</strong><strong>do</strong>s qualitativos e como tal dev<strong>em</strong> ser<br />

analisa<strong>do</strong>s.<br />

Para Malhotra (2001), os <strong>da</strong><strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s por meio <strong>da</strong> pesquisa exploratória pod<strong>em</strong> ser utiliza<strong>do</strong>s<br />

para prover critérios e para propiciar a melhor compreensão e definição <strong>do</strong>s objetivos <strong>da</strong> pesquisa<br />

posterior, <strong>da</strong> qual a exploratória é uma fase. Para o autor, as principais finali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> pesquisa<br />

exploratória são: identificar cursos alternativos de ação; desenvolver hipóteses; isolar variáveis e<br />

relações-chave para posterior exame; estabelecer priori<strong>da</strong>des para pesquisas posteriores etc. A<br />

amostra, nesse tipo de pesquisa, pode ser pequena e pouco representativa.<br />

O estu<strong>do</strong> também pode ser classifica<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo qualitativo, pois li<strong>da</strong> com interpretações<br />

<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social, utilizan<strong>do</strong>-se de instrumentos de coleta de <strong>da</strong><strong>do</strong>s como entrevistas de diferentes<br />

tipos (Bauer, Gaskell, & Allum, 2004). Sua finali<strong>da</strong>de é “explorar o espectro de opiniões, as diferentes<br />

representações sobre o assunto <strong>em</strong> questão” (Gaskell, 2004, p. 68).<br />

Inicialmente, visan<strong>do</strong> a traçar uma visão pa<strong>no</strong>râmica <strong>do</strong> setor bancário português, foram realiza<strong>da</strong>s<br />

duas entrevistas com especialistas <strong>da</strong> área, e duas entrevistas com representantes de sindicatos <strong>do</strong><br />

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setor. Foram entrevista<strong>do</strong>s, posteriormente, <strong>do</strong>is m<strong>em</strong>bros de comissões de <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s de <strong>do</strong>is<br />

grandes bancos portugueses, e <strong>do</strong>is representantes sindicais, bancários, r<strong>em</strong>unera<strong>do</strong>s por seus bancos<br />

de orig<strong>em</strong> e que estão dentro <strong>da</strong>s instalações <strong>da</strong> organização, a serviço <strong>do</strong> sindicato (ambos estão a<br />

serviço <strong>do</strong> sindicato <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po integral). Eles somam oito sujeitos.<br />

Em um encontro de bancários, promovi<strong>do</strong> por um <strong>do</strong>s sindicatos (<strong>em</strong> Portugal, diferent<strong>em</strong>ente <strong>do</strong><br />

Brasil, não existe a unici<strong>da</strong>de sindical), foram distribuí<strong>do</strong>s 150 questionários, conten<strong>do</strong> questões<br />

abertas e fecha<strong>da</strong>s. Destes, 73 retornaram respondi<strong>do</strong>s, configuran<strong>do</strong> 49% de retor<strong>no</strong>, o que pode ser<br />

considera<strong>do</strong> um bom percentual de retor<strong>no</strong>. Os respondentes foram escolhi<strong>do</strong>s por conveniência, uma<br />

vez que o encontro se configurou uma excelente oportuni<strong>da</strong>de de acessar a um significativo número de<br />

trabalha<strong>do</strong>res bancários, visto que há grande dificul<strong>da</strong>de para condução de projetos de investigação<br />

junto às <strong>em</strong>presas portuguesas (Kovács, 2005). Cabe salientar que o questionário foi submeti<strong>do</strong> a um<br />

teste piloto, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> entregue a três pessoas de nacionali<strong>da</strong>de portuguesa, mas de diferentes<br />

formações, visan<strong>do</strong> à verificação de possíveis dúvi<strong>da</strong>s quanto à re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s questões. Esses<br />

questionários respondi<strong>do</strong>s foram descarta<strong>do</strong>s e os ajustes necessários foram feitos.<br />

Como havia a intenção de realizar entrevistas com alguns bancários, a última pergunta <strong>do</strong><br />

questionário era: “Está disponível para participar numa segun<strong>da</strong> etapa <strong>da</strong> investigação?”. Aos que<br />

responderam afirmativamente, foi solicita<strong>do</strong> telefone ou e-mail para contato. Dos 73 respondentes, 21<br />

responderam ‘sim’. Após vários contatos, foi possível a realização de 10 entrevistas. To<strong>da</strong>s foram<br />

realiza<strong>da</strong>s fora <strong>do</strong> local de trabalho desses bancários, grava<strong>da</strong>s e transcritas. Foi possível compor um<br />

conjunto de entrevista<strong>do</strong>s de ambos os sexos, vincula<strong>do</strong>s a diferentes bancos, com diferentes cargos e<br />

t<strong>em</strong>pos varia<strong>do</strong>s de serviço. Foi uma <strong>da</strong>s preocupações <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r entrevistar o maior número<br />

possível de sujeitos, limitan<strong>do</strong>-se aos 10, por questões de disponibili<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res. Na Tabela<br />

1 apresenta-se a caracterização de to<strong>do</strong>s os 18 entrevista<strong>do</strong>s.<br />

Fonte: <strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> pesquisa.<br />

Tabela 1: Caracterização <strong>do</strong>s Entrevista<strong>do</strong>s <strong>da</strong> Pesquisa<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

As siglas apresenta<strong>da</strong>s na Tabela 1 refer<strong>em</strong>-se ao seguinte elenco: Instituto Superior de Eco<strong>no</strong>mia e<br />

Gestão [ISEG]; Instituto Superior de Ciências <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> e <strong>da</strong> Empresa [ISCTE]; Sindicato <strong>do</strong>s<br />

Bancários <strong>do</strong> Sul e Ilhas [SBSI]; Caixa Geral de Depósitos [CGD]; Banco Português de Investimentos<br />

[BPI]; Banco Português de Negócios [BPN]; Banco de Crédito Português [BCP]; Banco Espírito<br />

Santo [BES].<br />

Por último, como instrumento de coleta de <strong>da</strong><strong>do</strong>s, se utilizaram fontes <strong>do</strong>cumentais, como: material<br />

divulga<strong>do</strong> na imprensa, sítios <strong>da</strong> Internet, material disponibiliza<strong>do</strong> pelos sindicatos etc. Quanto ao<br />

material divulga<strong>do</strong> na imprensa, cabe salientar que o setor bancário português se configura, na<br />

atuali<strong>da</strong>de, como uma fonte quase onipresente <strong>em</strong> <strong>no</strong>ticiários nas mais varia<strong>da</strong>s mídias. Diariamente,<br />

<strong>no</strong>s principais jornais de caráter econômico, circulam amplas reportagens sobre o setor, que t<strong>em</strong><br />

importante papel na eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> país. To<strong>do</strong>s os <strong>da</strong><strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s foram analisa<strong>do</strong>s qualitativamente, a<br />

partir <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s respostas, <strong>da</strong>s transcrições <strong>da</strong>s entrevistas e <strong>do</strong> material <strong>do</strong>cumental coleta<strong>do</strong>,<br />

ten<strong>do</strong>-se <strong>em</strong> mente os objetivos <strong>da</strong> pesquisa e o escopo teórico eleito.<br />

APRESENTAÇÃO<br />

PRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO ISCUSSÃO DOS OS RESULTADOS<br />

ESULTADOS<br />

Essa seção está estrutura<strong>da</strong> <strong>da</strong> seguinte forma: inicialmente apresentam-se algumas colocações sobre<br />

o setor bancário português, visan<strong>do</strong> a um melhor entendimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social e econômica, onde<br />

a pesquisa se desenvolveu; <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, apresentam-se a caracterização <strong>do</strong>s sujeitos respondentes <strong>do</strong><br />

questionário e <strong>da</strong>s entrevistas, algumas considerações sobre suas vivências cotidianas para, finalmente,<br />

focar as expressões de resistência.<br />

O O Setor Setor Setor Bancário Bancário Português: Português: Algumas Algumas Algumas Colocações<br />

Colocações<br />

Dois momentos históricos pod<strong>em</strong> ser considera<strong>do</strong>s marcantes e determinantes <strong>da</strong> atual configuração<br />

<strong>do</strong> setor bancário português: 1) o perío<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong> à Revolução de 1974, que teve como principais<br />

conseqüências a nacionalização <strong>do</strong> setor, forte intervenção estatal e forte regulamentação; 2) o perío<strong>do</strong><br />

relativo à integração de Portugal à União Européia [UE] que culmi<strong>no</strong>u com um forte processo de<br />

privatização, liberalização e desregulamentação <strong>do</strong> setor (Almei<strong>da</strong>, 2001; Car<strong>do</strong>so, 2001; Casinhas,<br />

2002; Grisci, 2005; Pinto, 2004; Raposo, 2005).<br />

A participação na UE fez com que o país precisasse aderir a um sist<strong>em</strong>a de eco<strong>no</strong>mia priva<strong>da</strong> mais<br />

aberto, o que gerou também uma reabertura <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de bancária portuguesa à iniciativa priva<strong>da</strong>, pela<br />

assimilação de <strong>no</strong>va relação salarial e por mu<strong>da</strong>nças <strong>no</strong> enquadramento regulamentar, <strong>no</strong> estatuto e<br />

<strong>no</strong>s modelos organizacionais (Almei<strong>da</strong>, 2001). O setor bancário português passa, então, a buscar<br />

soluções, diante <strong>do</strong> aumento <strong>da</strong> concorrência, que agora se dá de forma mais aberta, com os outros<br />

países m<strong>em</strong>bros. Tais soluções passam, via de regra, pelo recurso às TICs, b<strong>em</strong> como pela a<strong>do</strong>ção de<br />

fenôme<strong>no</strong>s europeus, como as fusões e as aquisições, a segmentação de merca<strong>do</strong>s, a personalização<br />

<strong>do</strong>s serviços e a diversificação na oferta de produtos.<br />

Como menciona o autor, as fusões e aquisições entre bancos alteram a concorrência, levan<strong>do</strong> à<br />

redução <strong>no</strong>s preços, com vistas ao aumento <strong>do</strong> volume <strong>do</strong>s negócios, transforman<strong>do</strong> os bancos <strong>em</strong> uma<br />

indústria de massa. Atualmente, <strong>em</strong> Portugal, cerca de 80% <strong>do</strong> volume <strong>do</strong>s negócios está<br />

concentra<strong>do</strong> <strong>em</strong> cinco grandes grupos financeiros, o que, como foi possível constatar também nas<br />

entrevistas com bancários, é o processo de mu<strong>da</strong>nça mais significativo ocorri<strong>do</strong> <strong>no</strong> setor.<br />

Durante certo t<strong>em</strong>po passou a existir <strong>em</strong> Portugal os chama<strong>do</strong>s bancos velhos e os bancos <strong>no</strong>vos<br />

(Raposo, 2005). Os velhos eram aqueles que existiam há déca<strong>da</strong>s e os <strong>no</strong>vos foram os entrantes, a<br />

partir <strong>da</strong> liberalização <strong>da</strong>s leis. Os <strong>no</strong>vos apresentavam estrutura mais enxuta e competitiva, com<br />

profissionais mais qualifica<strong>do</strong>s e aptos a usar as <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias e dentro de um espírito de merca<strong>do</strong>.<br />

No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, o pa<strong>no</strong>rama <strong>do</strong> setor já se apresenta caracteriza<strong>do</strong> por: um merca<strong>do</strong><br />

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altamente competitivo; <strong>no</strong>vas estratégias <strong>do</strong>s bancos, com lançamento de <strong>no</strong>vos produtos; prestação de<br />

serviços <strong>em</strong> diferentes áreas (banco universal ou múltiplo); surgimento de <strong>no</strong>vos serviços liga<strong>do</strong>s à<br />

i<strong>no</strong>vação tec<strong>no</strong>lógica; rápi<strong>da</strong> e intensa difusão de <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias de informação.<br />

Durante um longo t<strong>em</strong>po, a introdução <strong>em</strong> massa <strong>da</strong>s TICs, <strong>no</strong> setor bancário português, fez com<br />

que acontecesse um processo de desagregação funcional, relaciona<strong>da</strong> à externalização <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des<br />

bancárias, que passaram a ser realiza<strong>da</strong>s por agentes exter<strong>no</strong>s ao banco (Casinhas, 2002). Com a<br />

automatização de muitos processos de trabalho, as tarefas <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res bancários também<br />

mu<strong>da</strong>ram de natureza, já que muitas ativi<strong>da</strong>des operacionais passaram a ser feitas pelos próprios<br />

clientes, <strong>no</strong>s canais de auto-atendimento. Aos trabalha<strong>do</strong>res bancários foi d<strong>em</strong>an<strong>da</strong><strong>da</strong> uma atenção<br />

maior ao cliente e às suas necessi<strong>da</strong>des, sen<strong>do</strong>-lhes exigi<strong>da</strong> uma maior capaci<strong>da</strong>de de respostas e<br />

polivalência funcional.<br />

A <strong>no</strong>va configuração <strong>do</strong> banco, propicia<strong>da</strong> pelas TICs, desenhou <strong>no</strong>vo tipo de <strong>em</strong>presa, na qual as<br />

ativi<strong>da</strong>des financeiras são ofereci<strong>da</strong>s aos clientes s<strong>em</strong> constrangimentos espaciais ou t<strong>em</strong>porais,<br />

facilita<strong>da</strong>s pelas redes de distribuição eletrônica, o sist<strong>em</strong>a ATM (Multibanco), o home banking etc.<br />

Os terminais Automatic Teller Machines [ATM] permit<strong>em</strong> aos clientes fazer transações de autoatendimento,<br />

<strong>no</strong>s caixas Multibanco, <strong>em</strong> qualquer um <strong>do</strong>s países m<strong>em</strong>bros onde ele se encontre. A<br />

competição, a desregulamentação e a necessi<strong>da</strong>de de maior racionalização <strong>do</strong> trabalho, <strong>em</strong> face <strong>da</strong><br />

concorrência aberta, criaram um ambiente de negócios totalmente diferente <strong>da</strong>quele que existia <strong>no</strong> país<br />

há poucos a<strong>no</strong>s.<br />

Caracterização Caracterização Caracterização <strong>do</strong>s <strong>do</strong>s <strong>do</strong>s Bancários<br />

Bancários<br />

Os <strong>da</strong><strong>do</strong>s aqui apresenta<strong>do</strong>s refer<strong>em</strong>-se a uma caracterização <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res bancários<br />

participantes <strong>da</strong> pesquisa.<br />

A i<strong>da</strong>de média <strong>do</strong>s 73 bancários respondentes é de 29 a<strong>no</strong>s, o que configura uma tendência <strong>no</strong> setor,<br />

de trabalha<strong>do</strong>res muito jovens, principalmente <strong>no</strong>s bancos priva<strong>do</strong>s, onde a rotativi<strong>da</strong>de e o recurso<br />

aos contratos de trabalho por t<strong>em</strong>po determina<strong>do</strong> são maiores. Cabe salientar que a legislação<br />

trabalhista portuguesa permite a contratação de trabalha<strong>do</strong>res por t<strong>em</strong>po determina<strong>do</strong> até um prazo<br />

máximo de três a<strong>no</strong>s, recurso que é amplamente utiliza<strong>do</strong> pelos bancos, até mesmo pelo banco público<br />

português, a Caixa Geral de Depósitos.<br />

Quanto ao sexo, 51% são mulheres. É importante mencionar que pôde ser constata<strong>do</strong> nas entrevistas<br />

que há um número significativo de mulheres ocupan<strong>do</strong> cargos de gerência <strong>no</strong>s bancos pesquisa<strong>do</strong>s, o<br />

que também é uma <strong>no</strong>va tendência <strong>no</strong> setor.<br />

Em relação à escolari<strong>da</strong>de, esta se concentra <strong>em</strong> licenciatura completa (38,4%), freqüência<br />

universitária (26%) e 12º a<strong>no</strong> (27,4%) (1) . 5,5% <strong>do</strong>s respondentes possui curso de pós-graduação. Em<br />

Portugal é comum encontrar bancários com curso de Mestra<strong>do</strong>, uma vez que os mestra<strong>do</strong>s <strong>no</strong> país são,<br />

<strong>em</strong> sua maioria, volta<strong>do</strong>s para o merca<strong>do</strong> de trabalho e não para a carreira acadêmica.<br />

A maioria (68,5%) não teve experiência <strong>em</strong> bancos, anteriormente ao trabalho atual. A média <strong>do</strong><br />

t<strong>em</strong>po de trabalho é de 7 a<strong>no</strong>s. Quan<strong>do</strong> se associam essas informações à média de i<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s<br />

respondentes, esses <strong>da</strong><strong>do</strong>s se tornam ain<strong>da</strong> mais interessantes. São pessoas que ingressaram <strong>no</strong>s bancos<br />

logo após o térmi<strong>no</strong> de seus estu<strong>do</strong>s. Em Portugal, os cursos de nível superior exig<strong>em</strong> dedicação<br />

integral, com aulas durante to<strong>do</strong> o dia; por isso o habitual é que os jovens primeiro concluam seus<br />

cursos, para somente depois ingressar<strong>em</strong> <strong>no</strong> merca<strong>do</strong> de trabalho.<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> relação à i<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s funcionários <strong>do</strong>s bancos, pode-se relacionar esse fator às crescentes<br />

exigências <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de e à conseqüente hipersolicitação <strong>do</strong>s sujeitos. Os jovens, segun<strong>do</strong> suas<br />

próprias falas, estão mais dispostos a apostar <strong>no</strong> seu futuro de trabalho, <strong>em</strong>pregan<strong>do</strong> e entregan<strong>do</strong> a<br />

quase totali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po para o trabalho <strong>no</strong> banco. Esse comportamento é comum entre os<br />

entrevista<strong>do</strong>s solteiros e s<strong>em</strong> filhos. Aqueles que têm família (esposa/o, filhos) apresentam maior<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> se colocar totalmente à disposição <strong>do</strong> banco. Um entrevista<strong>do</strong> menciona a esse<br />

respeito:<br />

“as pessoas mais antigas, as pessoas com mais t<strong>em</strong>po de banco, não estão muito abertas à mu<strong>da</strong>nça, gostam<br />

mais <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de, só sab<strong>em</strong> fazer aquilo e faz<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre aquilo, não estão muito disponíveis para<br />

prolongar seu tur<strong>no</strong> de trabalho. Por isso o banco aposta na re<strong>no</strong>vação <strong>da</strong>s pessoas e está s<strong>em</strong>pre a trazer<br />

pessoas <strong>no</strong>vas” (E1).<br />

As horas extraordinárias, exigi<strong>da</strong>s pelos bancos, para a execução <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des e <strong>da</strong>s metas de<br />

ven<strong>da</strong>s, configuram-se como um sério probl<strong>em</strong>a <strong>no</strong>s bancos portugueses. O número médio de horas<br />

trabalha<strong>da</strong>s, de acor<strong>do</strong> com os respondentes, é de 10 horas; a totali<strong>da</strong>de alega que faz alguma hora<br />

extraordinária, <strong>no</strong>rmalmente, s<strong>em</strong> r<strong>em</strong>uneração extra.<br />

O prolongamento <strong>da</strong> carga horária de trabalho se dá <strong>em</strong> decorrência de <strong>do</strong>is fatores: o cumprimento<br />

<strong>da</strong>s metas de ven<strong>da</strong>s (é fora <strong>do</strong> horário de expediente exter<strong>no</strong> que os bancários faz<strong>em</strong> os contatos com<br />

os potenciais clientes), e pela necessi<strong>da</strong>de de realização de ativi<strong>da</strong>des administrativas que são<br />

considera<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des “burocráticas e às vezes desnecessárias” (E3). Em decorrência <strong>da</strong> eliminação<br />

<strong>do</strong>s setores de retaguar<strong>da</strong>, essas ativi<strong>da</strong>des ficaram a cargo <strong>do</strong>s bancários <strong>do</strong> front office.<br />

O horário de trabalho <strong>no</strong>rmal <strong>no</strong>s bancos é <strong>da</strong>s 8h30m até às 16h30m; o atendimento exter<strong>no</strong> se<br />

encerra às 15h. No entanto, raros (ou inexistentes) são os casos <strong>do</strong>s bancários que consegu<strong>em</strong> encerrar<br />

o seu expediente às 16h30. To<strong>do</strong>s os entrevista<strong>do</strong>s mencionam ampliação <strong>da</strong> carga horária de trabalho,<br />

como E7: “nunca saio às quatro e meia, que é o meu horário, mas saio às cinco e meia, o que não é<br />

b<strong>em</strong> visto pelo gestor, porque há pessoas que ficam até as sete ou até as oito”.<br />

Nesse aspecto, vale ressaltar que aqueles que detêm cargos de chefia e de gerência receb<strong>em</strong> o que se<br />

chama de isenção de horário. Trata-se de um percentual (que varia de 27 a 42%) que o trabalha<strong>do</strong>r<br />

recebe a mais, sobre o seu salário, para ficar à disposição <strong>do</strong> banco e ampliar a sua carga horária, de<br />

acor<strong>do</strong> com as necessi<strong>da</strong>des. Ocorre que os trabalha<strong>do</strong>res são unânimes <strong>em</strong> afirmar que o valor<br />

recebi<strong>do</strong> pela isenção é um valor consideravelmente me<strong>no</strong>r <strong>em</strong> relação às d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s pelo alargamento<br />

<strong>da</strong> carga horária, diariamente.<br />

O prolongamento <strong>do</strong> expediente se constitui <strong>em</strong> ponto central <strong>da</strong> questão trabalhista, uma vez que é<br />

uma situação já praticamente institucionaliza<strong>da</strong>; <strong>no</strong> entanto é alvo constante de inspeções <strong>da</strong> Justiça <strong>do</strong><br />

<strong>Trabalho</strong>. O t<strong>em</strong>po de trabalho, portanto, alarga-se de mo<strong>do</strong> quase naturaliza<strong>do</strong>, <strong>em</strong> uma tentativa, por<br />

parte <strong>do</strong>s bancos, de ocupar completamente os espaços de vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> trabalho, buscan<strong>do</strong> uma<br />

implosão <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po (Baumann, 2001; Harvey, 2001), livre <strong>da</strong>s limitações que a legislação trabalhista<br />

possa impor.<br />

Vivências Vivências Cotidian otidian otidianas otidian as <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r rabalha<strong>do</strong>r Bancário Português<br />

Um <strong>do</strong>s blocos <strong>do</strong> questionário aplica<strong>do</strong> objetivava conhecer os principais pontos de satisfação e de<br />

insatisfação <strong>no</strong> trabalho para os respondentes. Essa parte foi inserta, visan<strong>do</strong> a levantar aspectos <strong>da</strong><br />

organização <strong>do</strong> trabalho e <strong>da</strong>s políticas de Administração de Recursos Huma<strong>no</strong>s mais b<strong>em</strong> e mais mal<br />

avalia<strong>do</strong>s, de acor<strong>do</strong> com a percepção <strong>do</strong>s respondentes.<br />

Os principais pontos de insatisfação <strong>no</strong> trabalho, aponta<strong>do</strong>s pelos respondentes, são: salário,<br />

critérios para a promoção na carreira, exigências e pressão com relação a prazos e ritmo intenso de<br />

trabalho. Convém informar que a questão de promoções na carreira foi muito salienta<strong>da</strong> nas<br />

entrevistas, posteriormente realiza<strong>da</strong>s. Os entrevista<strong>do</strong>s, <strong>em</strong> geral, manifestaram seu descontentamento<br />

<strong>em</strong> relação aos critérios utiliza<strong>do</strong>s pelas chefias para promoção de <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s, uma vez que poucos<br />

bancos têm processos seletivos inter<strong>no</strong>s sist<strong>em</strong>atiza<strong>do</strong>s (Sindicalista1) e a ascensão na carreira passa<br />

pela decisão pessoal <strong>do</strong>s gestores <strong>da</strong>s agências.<br />

Os bancários entrevista<strong>do</strong>s consideram que as chefias, via de regra, privilegiam aqueles que se<br />

mostram totalmente disponíveis para permanecer por longas horas <strong>no</strong> banco, além <strong>do</strong> expediente<br />

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<strong>no</strong>rmal, como menciona E6: “infelizmente, hoje <strong>em</strong> dia, qu<strong>em</strong> é promovi<strong>do</strong>, qu<strong>em</strong> vai subir são<br />

aquelas pessoas que ficam até muito tarde <strong>no</strong> banco e eu não estou para isso”. Há, portanto, uma idéia<br />

diss<strong>em</strong>ina<strong>da</strong> entre os bancários de que os bancos valorizam mais aqueles que “consegu<strong>em</strong> dispor mais<br />

<strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po para o banco” (E2), esses é que serão considera<strong>do</strong>s e beneficia<strong>do</strong>s por ocasião <strong>da</strong>s<br />

avaliações e <strong>da</strong>s decisões de permanência e/ou de promoção para outras funções.<br />

Percebe-se, <strong>no</strong>vamente, que a questão <strong>da</strong> gestão <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po é ponto crucial na atual relação de<br />

trabalho. A gestão bancária, na tentativa de vencer a concorrência, amplia<strong>da</strong> devi<strong>do</strong> ao ingresso <strong>do</strong><br />

país na UE, toma como principal el<strong>em</strong>ento de gestão a capitalização <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, tal<br />

como menciona Virilio (1997). A <strong>em</strong>presa busca a utilização integral <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po destina<strong>do</strong> ao trabalho,<br />

<strong>no</strong> espaço de trabalho; mas isso, somente, não é mais suficiente. Há uma exigência exacerba<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

entrega total <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po de vi<strong>da</strong> ao serviço e aos propósitos <strong>do</strong> capital, materializa<strong>da</strong> seja na ampliação<br />

<strong>da</strong> carga horária, seja <strong>no</strong> ato de levar ativi<strong>da</strong>des para realizar <strong>em</strong> casa, como menciona<strong>do</strong> pelos<br />

entrevista<strong>do</strong>s.<br />

Por outro la<strong>do</strong>, as estratégias <strong>da</strong> gestão também primam pela sensação de insegurança <strong>do</strong>s<br />

funcionários, visan<strong>do</strong> à capitalização e rentabilização <strong>do</strong> sentimento de me<strong>do</strong> <strong>da</strong> per<strong>da</strong> <strong>do</strong> <strong>em</strong>prego.<br />

Tal estratégia gera um sentimento dual. Ao mesmo t<strong>em</strong>po que os bancários quer<strong>em</strong> permanecer na<br />

organização, <strong>em</strong> virtude de um contexto de des<strong>em</strong>prego e de precarização <strong>do</strong> trabalho (Kovács, 2005)<br />

e se ressent<strong>em</strong> ao ser<strong>em</strong> preteri<strong>do</strong>s nas promoções, alguns, <strong>em</strong> especial os mais jovens, estão s<strong>em</strong>pre<br />

abertos a <strong>no</strong>vas ativi<strong>da</strong>des e a <strong>no</strong>vas propostas de <strong>em</strong>prego. Ou seja, a instabili<strong>da</strong>de nas relações,<br />

gera<strong>da</strong> pela organização, é retribuí<strong>da</strong> pelos bancários, como se pode ver <strong>em</strong> algumas falas:<br />

“o que eu faço é que nunca fecho as portas. Se eu vir outra oportuni<strong>da</strong>de, <strong>em</strong> outro lugar, concorro, não<br />

deixo passar. Tenho consciência de que posso ficar e fazer carreira na área <strong>da</strong> banca, mas também posso ir<br />

para outro lugar” (E4).<br />

O perfil jov<strong>em</strong> <strong>do</strong>s bancários, alia<strong>do</strong> a uma política repressiva, <strong>em</strong> termos de cobranças de ativi<strong>da</strong>des<br />

e de prolongamentos excessivos de carga horária, pode transformar uma relação de mobilização<br />

integral e, <strong>em</strong> última análise, de total leal<strong>da</strong>de para com a organização, <strong>em</strong> uma busca constante de<br />

<strong>no</strong>vas oportuni<strong>da</strong>des. Essa análise é respal<strong>da</strong><strong>da</strong> pelas idéias de Bauman (2001), ao mencionar que o<br />

hom<strong>em</strong>, inseri<strong>do</strong> <strong>em</strong> uma lógica flui<strong>da</strong>, acaba ele próprio adquirin<strong>do</strong> as características <strong>do</strong>s flui<strong>do</strong>s, que<br />

não se fixam o espaço n<strong>em</strong> se prend<strong>em</strong> <strong>no</strong> t<strong>em</strong>po, não se deten<strong>do</strong> muito <strong>em</strong> qualquer forma e<br />

constant<strong>em</strong>ente prontos e propensos a mudá-la.<br />

Quanto aos pontos de satisfação, os principais fatores aponta<strong>do</strong>s são: tec<strong>no</strong>logia disponível para a<br />

realização <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des, espaço físico de trabalho, equipe de trabalho/colegas e relacionamentos com<br />

clientes.<br />

Em relação à tec<strong>no</strong>logia, além <strong>da</strong> intensa automatização <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des (como é peculiar ao setor,<br />

mundialmente), ressaltam-se algumas questões importantes. Um ponto t<strong>em</strong> relação direta com a<br />

ampliação de fronteiras gera<strong>da</strong> pela UE e a integração monetária e cambial. É possível a um ci<strong>da</strong>dão,<br />

que detenha uma conta bancária <strong>em</strong> um país <strong>da</strong> Europa, efetuar levantamentos de numerários <strong>em</strong><br />

qualquer país m<strong>em</strong>bro. Para isso estão espalha<strong>do</strong>s terminais de auto-atendimento (Terminais ATM,<br />

chama<strong>do</strong>s de multi-banco) <strong>em</strong> uma infini<strong>da</strong>de de locais, s<strong>em</strong>pre exter<strong>no</strong>s às agências bancárias. Em<br />

virtude dessa pulverização, as salas de auto-atendimento específicas de ca<strong>da</strong> banco são reduzi<strong>da</strong>s.<br />

Portanto, a maior parte <strong>do</strong>s clientes que entram na agência bancária t<strong>em</strong> interesse <strong>no</strong> contato direto<br />

com os bancários, visan<strong>do</strong> à realização de algum tipo de transação bancária.<br />

Em alguns bancos, <strong>em</strong> especial <strong>no</strong> banco público, essa clientela que v<strong>em</strong> à agência está visivelmente<br />

dividi<strong>da</strong> <strong>em</strong> <strong>do</strong>is grupos: as pessoas mais i<strong>do</strong>sas e que ain<strong>da</strong> têm alguma dificul<strong>da</strong>de <strong>em</strong> li<strong>da</strong>r com a<br />

tec<strong>no</strong>logia e aqueles que quer<strong>em</strong> um contato mais direto com o seu gestor de contas. Assim, a clientela<br />

e os próprios bancários são segmenta<strong>do</strong>s espacialmente, pois não é interessante que esses públicos tão<br />

distintos sejam atendi<strong>do</strong>s <strong>em</strong> um mesmo local.<br />

Cabe salientar também o papel importante que ocupam os gestores de clientes na atual estrutura <strong>do</strong>s<br />

bancos portugueses. São bancários que possu<strong>em</strong> uma carteira específica de clientes, com um mínimo<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

de 300 ca<strong>da</strong>stros e que sofr<strong>em</strong> a maior pressão <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s e <strong>do</strong> atingimento de metas.<br />

Como não possu<strong>em</strong> subordina<strong>do</strong>s, representam a exacerbação máxima <strong>da</strong>quilo que Grisci (2006a)<br />

menciona a respeito <strong>da</strong> atual necessi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res de ser<strong>em</strong> gestores de si, uma vez que,<br />

nesse caso, a gestão é exerci<strong>da</strong> sobre algo virtual e imaterial, que são as possíveis relações com os<br />

clientes (Lazzarato & Negri, 2001).<br />

Ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> que se refere às TICs, a Intranet se configure como importante ferramenta <strong>da</strong> gestão na<br />

exacerbação <strong>da</strong>s exigências impostas aos trabalha<strong>do</strong>res bancários, <strong>em</strong> termos de pressão por ven<strong>da</strong>s e<br />

de uma mobilização subjetiva total. É na Intranet que, s<strong>em</strong> qualquer tipo de aviso prévio, são<br />

disponibiliza<strong>do</strong>s os produtos <strong>da</strong>s campanhas de ven<strong>da</strong>s, b<strong>em</strong> como as suas características e respostas<br />

de eventuais dúvi<strong>da</strong>s que possam surgir, por parte <strong>do</strong>s clientes. As campanhas de ven<strong>da</strong>s são<br />

campanhas rápi<strong>da</strong>s, de produtos específicos, com metas próprias e s<strong>em</strong> ligação com as metas<br />

estabeleci<strong>da</strong>s mensalmente, mas com cobranças iguais, às vezes até mesmo mais acentua<strong>da</strong>s por se<br />

realizar<strong>em</strong> <strong>em</strong> curto espaço de t<strong>em</strong>po.<br />

Torna-se imperioso, portanto, que o bancário consulte a Intranet constant<strong>em</strong>ente. Por ocasião <strong>do</strong><br />

lançamento de campanhas <strong>no</strong>vas (o que é freqüente) não raro os bancários, <strong>no</strong> final <strong>do</strong> dia, imprim<strong>em</strong><br />

o material disponibiliza<strong>do</strong> e o levam para casa, onde estarão mais descansa<strong>do</strong>s para ler e se inteirar,<br />

como menciona E6:<br />

“às vezes, não t<strong>em</strong>os t<strong>em</strong>po de olhar durante o dia; então aproveitamos, <strong>no</strong> fim <strong>do</strong> dia, para imprimir e levar<br />

para casa para ler. Eu costumo fazer isso, porque <strong>no</strong> fim <strong>do</strong> dia já estamos cansa<strong>do</strong>s; por mais que a gente<br />

leia, já não consegue ficar com a <strong>no</strong>ção de na<strong>da</strong>, se calhar, quan<strong>do</strong> saímos <strong>do</strong> banco, vamos para casa; já é<br />

aquela mu<strong>da</strong>nça, já conseguimos ler aquilo e ficar com mais coisas”.<br />

Assim, as ferramentas tec<strong>no</strong>lógicas, que serv<strong>em</strong> para agilizar e facilitar o trabalho <strong>do</strong>s bancários,<br />

cumpr<strong>em</strong> igualmente a função de vetor para a intensificação <strong>do</strong> controle e <strong>da</strong> pressão por veloci<strong>da</strong>de<br />

(Bessi, Zimmer, & Grisci, 2007; Virilio, 1997).<br />

O prolongamento <strong>da</strong>s jorna<strong>da</strong>s de trabalho, portanto, deixa de se <strong>da</strong>r somente dentro <strong>do</strong> espaço físico<br />

<strong>do</strong>s bancos, uma vez que os bancários precisam levar coisas para aprender <strong>em</strong> casa. Esse fato, alia<strong>do</strong><br />

às estratégias de gestão, está relaciona<strong>do</strong> diretamente à percepção de 89% <strong>do</strong>s bancários participantes<br />

<strong>da</strong> pesquisa, que responderam que o seu trabalho provoca estresse; a grande maioria diz que o nível<br />

de estresse pode ser considera<strong>do</strong> como intenso e muito intenso.<br />

No tocante ao relacionamento com os clientes, ti<strong>do</strong> como um <strong>do</strong>s pontos de maior satisfação <strong>no</strong><br />

trabalho, cabe um olhar mais deti<strong>do</strong>. Como apontam Lazzarato e Negri (2001) e Hardt e Negri (2001,<br />

2003), ao mencionar<strong>em</strong> as características <strong>do</strong> trabalho imaterial, o desenvolvimento de relações<br />

estreitas entre produtor e consumi<strong>do</strong>r (o bancário e seu cliente), permea<strong>da</strong>s pelas características de<br />

i<strong>no</strong>vação e de criativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quele é que se constitui <strong>no</strong> grande diferencial nesse <strong>no</strong>vo ciclo produtivo.<br />

É interessante, <strong>no</strong> entanto, observar o comportamento <strong>da</strong> gestão e o <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res bancários a esse<br />

respeito.<br />

Por se tratar de uma ativi<strong>da</strong>de cujo principal produto é a merca<strong>do</strong>ria dinheiro (Jinkings, 1996), a<br />

direção <strong>do</strong>s bancos costuma realizar o rodízio <strong>do</strong>s funcionários entre agências, visan<strong>do</strong> a que os<br />

bancários “não fiqu<strong>em</strong> amigos <strong>do</strong>s clientes” (RepSindical1). Isso mostra um para<strong>do</strong>xo <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de<br />

que os bancários precisam conhecer profun<strong>da</strong>mente seus clientes, a fim de saber quais são os produtos<br />

que potencialmente lhes interessariam e fidelizá-los; mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, “dev<strong>em</strong> manter certa<br />

distância, de forma a não se envolver <strong>em</strong>ocionalmente com eles” (Comissão2).<br />

Para os bancários, <strong>da</strong> mesma forma, a relação com os clientes se apresenta de maneira ambígua. Se,<br />

por um la<strong>do</strong>, os clientes são considera<strong>do</strong>s como mais uma fonte de pressão (para o rápi<strong>do</strong> atendimento<br />

de suas exigências), por outro la<strong>do</strong> é com os clientes que a maioria <strong>do</strong>s entrevista<strong>do</strong>s diz manter os<br />

melhores relacionamentos. O cliente é, nesse contexto, a principal fonte de reconhecimento <strong>no</strong><br />

trabalho. A percepção de que os clientes os reconhec<strong>em</strong> como “o fula<strong>no</strong> <strong>do</strong> banco tal” (E3) configurase<br />

como uma “tábua de salvação”, <strong>em</strong> meio a um ambiente sufocante, e resgata-lhes o sentimento de<br />

pertencimento, totalmente macula<strong>do</strong> pelas práticas <strong>da</strong> gestão.<br />

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Vânia Gisele Bessi, Carm<strong>em</strong> Ligia Iochins Grisci<br />

Da mesma forma, pergunta<strong>do</strong>s sobre o diferencial <strong>do</strong> seu banco, <strong>em</strong> relação aos d<strong>em</strong>ais bancos, os<br />

entrevista<strong>do</strong>s respond<strong>em</strong> que são o atendimento e as relações que consegu<strong>em</strong> estabelecer com sua<br />

clientela o que os diferencia <strong>do</strong>s d<strong>em</strong>ais. Assim, as relações estabeleci<strong>da</strong>s com os clientes configuramse<br />

como importante fonte de prazer, mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, de sofrimento <strong>no</strong> trabalho.<br />

Ao ser<strong>em</strong> questiona<strong>do</strong>s se existe algum tipo de pressão <strong>no</strong> trabalho, 87,7% responderam que sim.<br />

Os principais fatores de pressão, de acor<strong>do</strong> com as respostas, são: cobrança para o atendimento <strong>do</strong>s<br />

objetivos de ven<strong>da</strong>s estipula<strong>do</strong>s, prazos exíguos, pressão <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po, horário de trabalho <strong>em</strong> relação à<br />

quanti<strong>da</strong>de de tarefas que precisam cumprir, o que exige que trabalh<strong>em</strong> horas extraordinárias.<br />

<strong>Expressões</strong> <strong>Expressões</strong> de de <strong>Resistência</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>do</strong> Trabalha<strong>do</strong>r Bancário <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong><br />

<strong>Trabalho</strong><br />

Se o capitalismo busca superar a rigidez espaciot<strong>em</strong>poral tayloro-fordista (Harvey, 2001), essa<br />

lógica se acentua <strong>no</strong> setor bancário. A necessi<strong>da</strong>de de atendimento de metas ca<strong>da</strong> vez mais ousa<strong>da</strong>s e a<br />

percepção, por parte <strong>do</strong>s clientes, de que os fluxos urba<strong>no</strong>s não mais comportam a espera (R. Rolnik,<br />

2001), leva à existência de uma dupla pressão <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po: a) a exigência <strong>do</strong> banco de que o<br />

trabalho seja executa<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong>s prazos ca<strong>da</strong> vez mais exíguos <strong>em</strong> relação ao volume de ven<strong>da</strong>s<br />

exigi<strong>do</strong>; b) a pressão <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po pelos clientes, que não aceitam esperar e cobram respostas ca<strong>da</strong> vez<br />

mais rápi<strong>da</strong>s para as suas necessi<strong>da</strong>des e/ou desejos.<br />

Se, como menciona<strong>do</strong> anteriormente, a capitalização <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po se converte <strong>em</strong> el<strong>em</strong>ento essencial <strong>da</strong><br />

gestão, parece ser justamente aí que resid<strong>em</strong> as principais possibili<strong>da</strong>des de resistência <strong>do</strong>s bancários.<br />

É nesse senti<strong>do</strong> que, uma <strong>da</strong>s expressões de resistência que se observou <strong>no</strong>s <strong>da</strong><strong>do</strong>s coleta<strong>do</strong>s, diz<br />

respeito justamente aos mecanismos utiliza<strong>do</strong>s pelos bancários, visan<strong>do</strong> a manter certo controle <strong>do</strong><br />

próprio t<strong>em</strong>po, o chama<strong>do</strong> t<strong>em</strong>po pessoal, superan<strong>do</strong> as d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s <strong>da</strong> gestão bancária.<br />

A pressão <strong>do</strong>s prazos para a execução <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des e a intensificação <strong>do</strong> ritmo de trabalho foram<br />

menciona<strong>da</strong>s, tanto <strong>no</strong>s questionários preenchi<strong>do</strong>s como pelos entrevista<strong>do</strong>s, como sen<strong>do</strong> as principais<br />

fontes de pressão <strong>no</strong> trabalho. Visan<strong>do</strong> a fazer frente a essas exigências, os bancários criam<br />

mecanismos de burla <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmas e procedimentos estabeleci<strong>do</strong>s, como a liberação de <strong>do</strong>cumentos s<strong>em</strong><br />

to<strong>da</strong>s as assinaturas necessárias, o não preenchimento de <strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>no</strong>s sist<strong>em</strong>as informáticos, a queima<br />

de etapas <strong>do</strong>s procedimentos etc. As burlas é que permit<strong>em</strong> certo ganho de t<strong>em</strong>po aos bancários. Esse<br />

t<strong>em</strong>po ganho é utiliza<strong>do</strong> de diferentes formas: 1) para <strong>em</strong>pregar <strong>em</strong> proveito <strong>do</strong> banco, na realização<br />

de outras ativi<strong>da</strong>des, para o atendimento <strong>do</strong>s objetivos de ven<strong>da</strong>s; 2) para a diminuição <strong>do</strong> ritmo de<br />

trabalho, visan<strong>do</strong> certa desaceleração; 3) para <strong>em</strong>pregar <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong>des pessoais, converti<strong>do</strong>, portanto,<br />

<strong>em</strong> t<strong>em</strong>po pessoal.<br />

Essa eco<strong>no</strong>mia <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po se caracteriza como um mo<strong>do</strong> contra-heg<strong>em</strong>ônico (Guattari & S. Rolnik,<br />

2005), uma vez que a gestão, instrumentaliza<strong>da</strong> pelas TICs, d<strong>em</strong>an<strong>da</strong> uma veloci<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais<br />

acentua<strong>da</strong> para a execução <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des. Da mesma forma, esse ganho de t<strong>em</strong>po se configura como<br />

marg<strong>em</strong> de ma<strong>no</strong>bra, como possibili<strong>da</strong>de de enfrentamento <strong>do</strong>s sujeitos, <strong>em</strong> face <strong>da</strong> exigência<br />

exacerba<strong>da</strong> pela realização <strong>do</strong> trabalho de um mo<strong>do</strong> ca<strong>da</strong> vez mais veloz, e pela pressão de<br />

cumprimento de metas s<strong>em</strong>pre mais exigentes. Essas margens de ma<strong>no</strong>bra são indicativas <strong>da</strong>s<br />

possibili<strong>da</strong>des cria<strong>da</strong>s pelos sujeitos para continuar trabalhan<strong>do</strong>.<br />

Também é importante el<strong>em</strong>ento na busca <strong>do</strong>s sujeitos pela manutenção <strong>da</strong> sua sani<strong>da</strong>de física e<br />

mental, <strong>em</strong> face <strong>da</strong> organização <strong>do</strong> trabalho que tende ao a<strong>do</strong>ecimento. Em Portugal há grande<br />

contingente de trabalha<strong>do</strong>res bancários <strong>em</strong> licença-<strong>do</strong>ença, ten<strong>do</strong> como principais causas, aponta<strong>da</strong>s<br />

pelos especialistas e sindicalistas entrevista<strong>do</strong>s, probl<strong>em</strong>as de ord<strong>em</strong> psíquica, segui<strong>do</strong> de Doenças<br />

Ocupacionais Relaciona<strong>da</strong>s ao <strong>Trabalho</strong> [DORT]. A dificul<strong>da</strong>de está na caracterização dessas <strong>do</strong>enças,<br />

uma vez que esse é um <strong>do</strong>s el<strong>em</strong>entos não considera<strong>do</strong>s pela gestão, ao ocultar as estatísticas e as<br />

causas <strong>do</strong>s afastamentos.<br />

Essa marg<strong>em</strong> de ma<strong>no</strong>bra na busca pela sani<strong>da</strong>de e pela estabilização como sujeitos <strong>do</strong> trabalho,<br />

como l<strong>em</strong>bram Deleuze e Guattari (2004, p. 64), é um ato cotidia<strong>no</strong> que passa pelas fissuras <strong>da</strong><br />

organização <strong>do</strong> trabalho e escapa à <strong>no</strong>rmatização e aos registros. Torna-se, portanto, um ato de criação<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

e, como mencionam os autores, “não há ato de criação que não pegue a revés, ou não passe por uma<br />

linha libera<strong>da</strong>”. Convém, ain<strong>da</strong>, l<strong>em</strong>brar Pelbart (2003, p. 89), quan<strong>do</strong> menciona que estes atos de<br />

criação é que permit<strong>em</strong> “furar” a ord<strong>em</strong> dura <strong>do</strong> capital, servin<strong>do</strong> como estratégia de <strong>em</strong>ancipação <strong>do</strong><br />

sujeito e de resistência <strong>em</strong> face <strong>do</strong>s mo<strong>do</strong>s heg<strong>em</strong>ônicos de produção, a fim de que os sujeitos possam<br />

“‘sair <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>’ <strong>do</strong> Império”.<br />

As respostas aos questionários apontam nesse mesmo senti<strong>do</strong>, uma vez que 58,9% <strong>do</strong>s respondentes<br />

disseram que os bancários, freqüent<strong>em</strong>ente, faz<strong>em</strong> as tarefas de maneira diferente <strong>da</strong>quela que foi<br />

solicita<strong>da</strong> e 67% aponta que s<strong>em</strong>pre existe algum tipo de resistência <strong>em</strong> relação às tarefas solicita<strong>da</strong>s e<br />

à forma de executá-las.<br />

É importante ressaltar que as burlas se estabelec<strong>em</strong> tanto individual como coletivamente. As<br />

manifestações individuais relata<strong>da</strong>s são relaciona<strong>da</strong>s à busca de maneiras diferentes de fazer a<br />

ativi<strong>da</strong>de, não condizentes com aquilo que estabelec<strong>em</strong> os manuais e os procedimentos ou mesmo as<br />

próprias chefias. No nível coletivo, refer<strong>em</strong>-se, por ex<strong>em</strong>plo, à atitude <strong>do</strong> grupo de bancários <strong>da</strong>s<br />

agências, quan<strong>do</strong> decid<strong>em</strong> não lançar ven<strong>da</strong>s de determina<strong>do</strong>s produtos <strong>no</strong> sist<strong>em</strong>a informático, além<br />

<strong>da</strong> meta estipula<strong>da</strong> para o mês, visan<strong>do</strong> a guar<strong>da</strong>r essas ven<strong>da</strong>s para o mês seguinte. Assim,<br />

consegu<strong>em</strong> “ganhar certa vantag<strong>em</strong> para o próximo mês” (E8). Essas estratégias são de conhecimento<br />

de algumas gerências, que apóiam a prática, talvez por perceber<strong>em</strong> nessas expressões as possibili<strong>da</strong>des<br />

desses trabalha<strong>do</strong>res para preservar<strong>em</strong>-se minimamente estáveis e <strong>em</strong> condições de continuar a<br />

trabalhar.<br />

Para conseguir burlar as <strong>no</strong>rmas e estabelecer <strong>no</strong>vas formas de realizar as ativi<strong>da</strong>des, me<strong>no</strong>s<br />

acelera<strong>da</strong>s e mais condizentes com o seu ritmo de trabalho, ou mesmo com seu ritmo pessoal, e tornar<br />

isso um ato de criação cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho, os bancários precisam mobilizar as suas características de<br />

criativi<strong>da</strong>de e i<strong>no</strong>vação, típicas <strong>do</strong> trabalho imaterial, conforme apontam Lazzarato e Negri (2001).<br />

Assim, essas características, ti<strong>da</strong>s pelos autores como as gera<strong>do</strong>ras de valor <strong>no</strong> trabalho imaterial, são<br />

utiliza<strong>da</strong>s pelos bancários com dupla finali<strong>da</strong>de: para fazer frente às exigências <strong>da</strong> gestão <strong>do</strong>s bancos e<br />

para encontrar maneiras me<strong>no</strong>s desgastantes de fazer as suas ativi<strong>da</strong>des diárias.<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, pode-se vislumbrar aquilo que Negri (2003), Pelbart (2003) e S. Rolnik (2005)<br />

mencionam a respeito <strong>da</strong> resistência. Para esses autores, as possibili<strong>da</strong>des de resistência,<br />

cont<strong>em</strong>poraneamente, estão pulveriza<strong>da</strong>s <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho. E, são as próprias características<br />

d<strong>em</strong>an<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo trabalho imaterial que permit<strong>em</strong> aos sujeitos resistir, que permit<strong>em</strong> aos sujeitos<br />

manter<strong>em</strong>-se estáveis, respirar, movimentar-se <strong>em</strong> um mun<strong>do</strong> de instabili<strong>da</strong>de, de fluidez e de<br />

desapego (Bauman, 2001). É essa possibili<strong>da</strong>de de criação de outros mun<strong>do</strong>s, de reali<strong>da</strong>des paralelas,<br />

que dá aos sujeitos <strong>do</strong> trabalho bancário a possibili<strong>da</strong>de de se manter<strong>em</strong>, de sobreviver<strong>em</strong>.<br />

Assim, o projeto capitalista, que preconiza uma exigência ca<strong>da</strong> vez maior de qualificação e de<br />

mobilização subjetiva <strong>do</strong>s agentes <strong>do</strong> trabalho, transforma-se na principal fraqueza <strong>do</strong> sist<strong>em</strong>a. Isso<br />

porque quanto mais o trabalha<strong>do</strong>r se mobiliza intelectual e afetivamente <strong>no</strong> trabalho, maiores as suas<br />

possibili<strong>da</strong>des de criar linhas de escape e de encontrar fissuras na estrutura aparent<strong>em</strong>ente sóli<strong>da</strong><br />

(Deleuze, 2005).<br />

Outras expressões de resistência <strong>em</strong> relação ao t<strong>em</strong>po de trabalho foram encontra<strong>da</strong>s. Essas<br />

manifestações <strong>da</strong> resistência, <strong>no</strong> entanto, são condiciona<strong>da</strong>s <strong>em</strong> um importante aspecto <strong>da</strong> cultura<br />

portuguesa. Os trabalha<strong>do</strong>res que resist<strong>em</strong> à constante solicitação para ampliação indiscrimina<strong>da</strong> de<br />

seu tur<strong>no</strong> de trabalho são, <strong>em</strong> geral, aqueles casa<strong>do</strong>s e com filhos. Muitos <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res<br />

entrevista<strong>do</strong>s e mesmo os sindicalistas, os representantes de comissões de <strong>em</strong>prega<strong>do</strong>s e os<br />

representantes sindicais mencionaram que prefer<strong>em</strong> estar junto <strong>da</strong> família a estar <strong>no</strong> banco. De forma<br />

diferente ag<strong>em</strong> os bancários mais jovens e solteiros, que se dispõ<strong>em</strong> a uma entrega total <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po<br />

de vi<strong>da</strong> ao banco, tal como menciona E4 é por sermos jovens que t<strong>em</strong>os que apostar e mostrar aquilo<br />

que nós val<strong>em</strong>os, a capaci<strong>da</strong>de que nós t<strong>em</strong>os, t<strong>em</strong>os de fazer render o <strong>no</strong>sso trabalho e, às vezes, a<br />

questão <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po é um condicionante; por isso t<strong>em</strong>os de ficar até mais tarde.<br />

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Vânia Gisele Bessi, Carm<strong>em</strong> Ligia Iochins Grisci<br />

Já os mais velhos, com família e filhos, faz<strong>em</strong> colocações como: eu quero mais é estar ao pé <strong>do</strong> meu<br />

filho, ao pé <strong>da</strong> minha casa; então se o gestor me pede que fique to<strong>do</strong>s os dias para além <strong>do</strong> meu tur<strong>no</strong>,<br />

eu não fico, tenho mais que fazer (E9). É esse grupo também que resiste às d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s por<br />

deslocamentos entre agências, para ci<strong>da</strong>des mais distantes. Da mesma forma, os mais jovens estão<br />

totalmente disponíveis para os deslocamentos espaciais:<br />

“eu prefiro que me mand<strong>em</strong> agora pra qualquer lugar, <strong>do</strong> que depois, quan<strong>do</strong> tiver filhos e quero ficar ao pé<br />

<strong>da</strong> minha casa. Hoje eles me diz<strong>em</strong>: vai pra qualquer lugar e eu vou, mas há de chegar um ponto <strong>em</strong> que eu<br />

digo: não, agora eu que é que deci<strong>do</strong> pra onde é que vou” (E6).<br />

A família configura-se, portanto, como el<strong>em</strong>ento de suporte <strong>da</strong> expressão <strong>da</strong> resistência. É <strong>no</strong> núcleo<br />

familiar que esses trabalha<strong>do</strong>res se apóiam para resistir às tentativas <strong>da</strong> gestão bancária <strong>em</strong> tomar para<br />

si uma fatia ca<strong>da</strong> vez maior <strong>do</strong> seu t<strong>em</strong>po de vi<strong>da</strong> e resistir, enquanto sujeitos <strong>do</strong> trabalho. O núcleo<br />

familiar caracteriza-se como mais um mun<strong>do</strong> paralelo, como porto seguro, como repositório de<br />

energias para que os sujeitos possam movimentar-se, ca<strong>da</strong> dia, num mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho que se<br />

apresenta também gera<strong>do</strong>r de sofrimento e estresse.<br />

A estrutura familiar proporciona a esse grupo de bancários a sensação de territorialização, de<br />

enraizamento e de pertencimento, sentimentos esses que não são mais vistos com bons olhos <strong>em</strong> uma<br />

condição de flexibilização e de moderni<strong>da</strong>de líqui<strong>da</strong> e flui<strong>da</strong> (Bauman, 2001; Harvey, 2001). A<br />

organização <strong>do</strong> trabalho, que privilegia o sentimento de instabili<strong>da</strong>de, de deslocamentos, de fluxos<br />

contínuos e ininterruptos, não consegue ocupar to<strong>do</strong>s os pensamentos e to<strong>da</strong> a condição<br />

espaciot<strong>em</strong>poral <strong>do</strong>s sujeitos <strong>do</strong> trabalho. Restam, ain<strong>da</strong>, algumas possibili<strong>da</strong>des de oxigenação, de<br />

margens de ma<strong>no</strong>bra, <strong>em</strong> <strong>no</strong>me <strong>da</strong> sani<strong>da</strong>de.<br />

CONSIDERAÇÕES<br />

ONSIDERAÇÕES FINAIS INAIS<br />

O resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> pesquisa mostra indícios de que os trabalha<strong>do</strong>res bancários estão construin<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong><br />

que de forma incipiente e pouco visível, possibili<strong>da</strong>des de resistência <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> trabalho, ou seja,<br />

linhas de fuga (Deleuze & Guattari, 2004) <strong>em</strong> face <strong>da</strong> atual organização <strong>do</strong> trabalho. Essas expressões<br />

de resistência configuram-se como margens de ma<strong>no</strong>bra, visan<strong>do</strong> à manutenção de sua integri<strong>da</strong>de<br />

enquanto sujeitos <strong>do</strong> trabalho.<br />

Se, por um la<strong>do</strong>, a invisibili<strong>da</strong>de dessas práticas de resistência está <strong>no</strong> seu caráter individualista, por<br />

outro la<strong>do</strong> é justamente a invisibili<strong>da</strong>de que permite que elas existam. Poucas ou quase inexistentes<br />

são as ações coletivas, como ocorriam <strong>no</strong>s limites <strong>do</strong> capitalismo dito de linha fordista, <strong>em</strong> que as<br />

grandes movimentações sindicais amealhavam grande número de manifestantes, <strong>no</strong> espaço delimita<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s sindicatos, <strong>da</strong>s ruas e, algumas vezes, <strong>da</strong>s próprias fábricas.<br />

Ain<strong>da</strong> que pulul<strong>em</strong>, na socie<strong>da</strong>de portuguesa, <strong>em</strong> especial nesses últimos t<strong>em</strong>pos, grandes<br />

manifestações (de pensionistas, de professores, manifestações contra o encerramento de escolas, de<br />

materni<strong>da</strong>des etc. (2) ), <strong>no</strong> que concerne ao trabalho, essas manifestações tend<strong>em</strong> ao mínimo, ao micro.<br />

As formas de resistências cont<strong>em</strong>porâneas, <strong>no</strong> âmbito <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> trabalho, concentram-se nas ações<br />

diárias, naquilo que escapa aos grandes registros, naquilo que é cotidia<strong>no</strong>, <strong>no</strong> que está <strong>no</strong>s interstícios<br />

<strong>do</strong> <strong>em</strong>aranha<strong>do</strong> <strong>da</strong>s relações de trabalho.<br />

A individualização <strong>da</strong>s resistências é uma decorrência direta <strong>da</strong>s práticas de gestão, que pr<strong>em</strong>iam as<br />

individuali<strong>da</strong>des e a disponibili<strong>da</strong>de quase total ao projeto <strong>da</strong> organização. E é justamente o caráter de<br />

individualização que fragiliza as formas de resistência. No entanto, ain<strong>da</strong> que de forma fragiliza<strong>da</strong>, as<br />

expressões encontra<strong>da</strong>s mostram a busca <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res pelas bolhas de oxigênio, pelas fissuras na<br />

sóli<strong>da</strong> estrutura <strong>do</strong> capital (Deleuze, 2005; Pelbart, 2003, 2004).<br />

Retoma-se, aqui, um provérbio português muito menciona<strong>do</strong> durante as entrevistas: primeiro,<br />

estranha-se; depois, entranha-se. Esse provérbio foi, muitas vezes, utiliza<strong>do</strong> por alguns entrevista<strong>do</strong>s<br />

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<strong>Expressões</strong> <strong>da</strong> <strong>Resistência</strong> <strong>no</strong> Cotidia<strong>no</strong> <strong>do</strong> <strong>Trabalho</strong> <strong>em</strong> Bancos Portugueses<br />

para dizer que, se num primeiro momento possa haver alguma manifestação de resistência por parte<br />

<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res às d<strong>em</strong>an<strong>da</strong>s <strong>da</strong> gestão, num segun<strong>do</strong> momento, executam-se as tarefas s<strong>em</strong> maiores<br />

constrangimentos. No entanto o desafio está justamente <strong>em</strong> observar o desassossego (o<br />

estranhamento), como menciona S. Rolnik (2005) e não o que as aparências, na superficiali<strong>da</strong>de,<br />

suger<strong>em</strong> como ato de entranhar.<br />

Como limitações <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> apontam-se a impossibili<strong>da</strong>de de generalização <strong>do</strong>s resulta<strong>do</strong>s<br />

encontra<strong>do</strong>s, a dificul<strong>da</strong>de de acesso às organizações bancárias e a impossibili<strong>da</strong>de de realizar a<br />

observação <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des cotidianas <strong>do</strong>s bancários, o que poderia ter proporciona<strong>do</strong> um olhar mais<br />

apura<strong>do</strong> <strong>do</strong> objeto <strong>do</strong> estu<strong>do</strong>.<br />

Artigo recebi<strong>do</strong> <strong>em</strong> 06.11.2007. Aprova<strong>do</strong> <strong>em</strong> 02.04.2008.<br />

NOTAS OTAS<br />

1 Licenciatura: ensi<strong>no</strong> superior; freqüência universitária: cursan<strong>do</strong> ensi<strong>no</strong> superior ou superior incompleto; 12º a<strong>no</strong>: equivale<br />

ao Ensi<strong>no</strong> Médio Completo.<br />

2 O a<strong>no</strong> de 2006 foi prodigioso <strong>em</strong> termos de manifestações desse tipo, <strong>em</strong> face <strong>da</strong>s políticas governamentais portuguesas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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