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<strong>UMA</strong> <strong>BREVE</strong> <strong>HISTÓRIA</strong> <strong>DA</strong> <strong>LINGUAGEM</strong><br />

Introdução à origem das línguas


Steven Roger Fischer<br />

<strong>UMA</strong> <strong>BREVE</strong> <strong>HISTÓRIA</strong> <strong>DA</strong> <strong>LINGUAGEM</strong><br />

Introdução à origem das línguas<br />

Tradução Flávia<br />

Coimbra


A History of Language<br />

by Steven Roger Fischer<br />

was first published by Reaktion Books, London, UK, 1999<br />

Copyright © Steven Roger Fischer, 1999<br />

Copyright © 2009 by Novo Século Editora<br />

PRODUÇÃO EDITORIAL Equipe Novo Século PROJETO GRÁFICO E<br />

COMPOSIÇÃO Claudio Braghini Jr. CAP A Genildo Santana PREPARAÇÃO DE<br />

TEXTO Josias Aparecido de Andrade REVISÃO Salete Brentan Patrícia<br />

Murari<br />

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara<br />

Brasileira do Livro, SP, Brasil)<br />

Fischer, Steven Roger<br />

Uma breve história da linguagem / Steven Roger Fischer, tradução<br />

Flávia Coimbra.— Osasco, SP: Novo Século Editora, 2009.<br />

Título original: A history of language<br />

1. Linguagem e língua 2. Linguística histórica 3. Mudanças<br />

linguísticas — Aspectos sociais 4. Sociolinguística.<br />

09-01046 CDD-417.7<br />

1. História da linguagem 417.7<br />

2. Linguagem: História 417.7<br />

Índices para catálogo sistemático:<br />

2009<br />

IMPRESSO NO BRASIL<br />

PRINTED IN BRAZIL<br />

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À<br />

NOVO SÉCULO EDITORA<br />

Rua Aurora Soares Barbosa, 405 — 2 o andar<br />

CEP 06023-010 — Osasco — SP<br />

Tel. (11) 3699-7107 — Fax (11) 3699-7323<br />

www.novoseculo.com.br<br />

arendimenro@novoseculo.com.br


Capa – Orelha — Contracapa<br />

Sumário<br />

Prefácio ............................................................................................................. 7<br />

1 — Comunicação animal e 'linguagem' ........................................................ 11<br />

2 — Primatas falantes ..................................................................................... 43<br />

3 — Primeiras famílias ................................................................................... 75<br />

4 — Linguagem escrita ................................................................................ 107<br />

5 — Linhagens ............................................................................................. 141<br />

6 — Em direção a uma ciência da linguagem ............................................. 175<br />

7 — Sociedade e linguagem ........................................................................ 219<br />

8 — Indicativo futuro .................................................................................. 261<br />

Notas ............................................................................................................ 285


Prefácio<br />

Este livro é uma introdução à história da linguagem. Ao tratar o<br />

tema em seu sentido mais amplo, sua intenção é preparar o leitor, que<br />

talvez esteja familiarizado apenas de modo geral com línguas<br />

estrangeiras e o estudo da linguagem, para o aprendizado profissional<br />

da linguística. Nesse sentido, o presente volume é uma leitura<br />

preliminar útil antes do início de um curso introdutório de linguística<br />

numa universidade. Não é necessária nenhuma experiência anterior<br />

em linguística para sua leitura. Ele não exige conhecimento prévio de<br />

uma terminologia linguística especial nem de métodos linguísticos<br />

particulares.<br />

Como uma história da linguagem em geral, esta visão difere em<br />

muito das histórias tradicionais da linguística — que consistem em<br />

descrições formais da mudança linguística em línguas humanas<br />

conhecidas ou reconstituídas. Ela vai além das restrições humanas,<br />

para<br />

7


incluir a linguagem dos animais. É uma exposição curta e concisa do<br />

significado histórico da 'linguagem' em termos globais.<br />

O primeiro capítulo começa com a Natureza e o passado; o<br />

último termina com a Tecnologia e o futuro. Esta história introdutória<br />

também se inicia com macroquestões para chegar até as<br />

microquestões: das linguagens de todos os animais até aquelas<br />

específicas aos primatas; das linguagens do Homo sapiens em geral às<br />

macrofamílias das línguas humanas; e de famílias de línguas<br />

específicas ao uso da língua na nossa nova sociedade global e o futuro<br />

possível do inglês, no momento em que a espécie humana começa a<br />

colonizar o Sistema Solar. É uma história do único e do lugar-comum,<br />

apresentando a capacidade mais fascinante do mundo natural: a<br />

linguagem.<br />

As muitas facetas do que o ser humano quer dizer com essa<br />

palavra amorfa que é a 'linguagem', com suas vinte e quatro diferentes<br />

definições, além de várias outras conotações em contextos específicos,<br />

se tornarão evidentes no decorrer desta introdução à história da<br />

linguagem. A atual definição formal de 'linguagem' também está<br />

passando por mudanças semânticas, em que a 'linguagem' não é mais<br />

privilégio exclusivo do Homo sapiens. Hoje, acredita-se que qualquer<br />

ser vivo, em qualquer época, que tenha usado algum meio para<br />

transmitir informação a outros animais, usou algum tipo de<br />

'linguagem'. Ela é, obviamente, uma faculdade universal.<br />

Seria absurdo declarar que 'alguém, em algum lugar, emitiu a<br />

primeira palavra. E outro alguém a entendeu . No presente, tal<br />

discurso pode ser especialmente sedutor. Mas seu conteúdo é<br />

historicamente inválido, como sabemos hoje. A linguagem não<br />

'começou'. A linguagem, em toda a sua miríade de formas, evoluiu<br />

durante centenas de milhões de anos. Apenas no final dessa lenta<br />

evolução a 'linguaguem', um conceito essencialmente antropomórfico,<br />

aparece numa forma em<br />

8


que seres humanos modernos conseguem identificá-la como tal e<br />

entendê-la melhor.<br />

Uma história da linguagem precisa incluir a linguagem<br />

não-humana, como foi revelado particularmente em experimentos<br />

inovadores feitos com aves, cetáceos e primatas, conduzidos desde a<br />

década de 1960. Ainda existem formas primevas de linguagem em<br />

todo o mundo e que apenas agora estão sendo reconhecidas,<br />

principalmente como resultado da tecnologia moderna, que usa<br />

equipamentos de monitoração sensíveis para registrar a comunicação<br />

do mundo natural que havia passado despercebida até então.<br />

Tempos atrás, os hominídeos se tornaram seres falantes. O tema<br />

principal deste livro consiste na história do surgimento da linguagem<br />

humana e sua subsequente evolução. Não há respostas definitivas para<br />

as principais questões relativas à linguagem humana: o que é a<br />

'linguagem'? Como a 'linguagem' se relaciona a outras habilidades<br />

intelectuais? De que modo a linguagem humana se diferencia da<br />

comunicação entre não hominídeos? Um dos objetivos de uma história<br />

da linguagem é descobrir maneiras de responder essas e outras<br />

perguntas semelhantes.<br />

Este livro não aborda aspectos teóricos específicos da evolução<br />

linguística. O tema é mencionado, mas apenas como parte de uma<br />

história da linguagem em geral, dentro de uma visão global. Para o<br />

aprofundamento de controvérsias teóricas específicas — a origem das<br />

'palavras', o surgimento da sintaxe e assim por diante — há textos<br />

relevantes citados nas Referências e na Bibliografia. A evolução da<br />

capacidade do cérebro em processar referências vocais específicas é<br />

um campo igualmente fascinante que, infelizmente, está além da<br />

esfera de ação dessa introdução a uma história da linguagem.<br />

9


Jeremy Black sugeriu que eu escrevesse este livro, e sou<br />

extremamente grato a ele pela ideia e por seu inigualável apoio.<br />

Também agradeço Michael Leaman da Reaktion Books, que<br />

gentilmente discutiu comigo as especificidades do projeto e forneceu<br />

vários comentários e sugestões construtivas.<br />

Também devo agradecimentos especiais a muitas pessoas<br />

especiais, que desempenharam papéis importantes, cada uma de sua<br />

própria maneira, na minha carreira linguística e filológica. Seu<br />

profundo conhecimento sobre línguas, ciência da linguística e/ou<br />

filologia influenciou, formou e afiou meu conhecimento e crenças<br />

linguísticas e filológicas nos últimos trinta anos. Dos muitos que<br />

merecem menção, gostaria de expressar minha gratidão<br />

particularmente a Eli Sobel (T), Noam Chomsky, Raimo Antilla, Theo<br />

Vennemann, Terrence Wilbur, Stephen Schwartz, Arthur Groos,<br />

Thomas Bartel (T), H. G. A. Hughes, Margaret Orbell, Bruce Biggs,<br />

Andrew Pawley, Malcom Ross, Ross Clark, Ray Harlow, Terry<br />

Crowley, Albert Schutz, John Charlot e Jack Ward.<br />

E também um agradecimento muito especial a Jean Aitchison,<br />

por mostrar a todos nós como se deve escrever sobre a linguagem.<br />

vela.<br />

Acima de tudo, a minha esposa, Taki, que foi meu pilar e minha<br />

10<br />

Steven Roger Fischer<br />

Ilha de Waiheke, Nova Zelândia<br />

Janeiro de 1999


1<br />

Comunicação animal e 'linguagem'<br />

Os primeiros organismos terrestres desenvolveram mecanismos<br />

primitivos de troca capazes de transmitir informações sobre espécie,<br />

gênero e intenção. Essa transmissão ocorria através do que então<br />

consistia o meio mais sofisticado da natureza: a comunicação química.<br />

Os milhões de anos da necessidade contínua de se entrar em contato<br />

com outra criatura da mesma espécie para fins reprodutivos exigiram<br />

métodos de comunicação ainda mais complexos. Desse processo<br />

evolutivo nasceu a 'linguagem' em seu sentido mais amplo.<br />

Cada tipo de linguagem usada na natureza difere entre si.<br />

Quanto mais profundamente se investiga, mais se descobre sobre a<br />

habilidade comunicativa de cada espécie, distinguida por definições<br />

cada vez mais elaboradas do conceito de 'linguagem'.<br />

11


Em sua definição mais simples, linguagem significa 'meio de<br />

troca de informações'. Essa definição permite que o conceito de<br />

linguagem englobe expressões faciais, gestos, posturas, assobios,<br />

sinais de mão, escrita, linguagem matemática, linguagem de<br />

programação (ou de computadores), e assim por diante. A definição<br />

também abarca a 'linguagem' química das formigas e a dança das<br />

abelhas (hoje sabemos que ambos os insetos também usam<br />

simultaneamente outros meios de expressão comunicativa).<br />

A definição reconhece as várias trocas de informação<br />

bioacústicas (emissões de sons de formas de vida) que ocorrem em<br />

frequências que escapam à audição humana. Por exemplo, um<br />

humano comum de 15 anos de idade só consegue ouvir cerca de dez<br />

oitavas dentro da frequência e amplitude da conversação normal —<br />

que fica entre 30 e 18.000 hertz (ondas por segundo). Aves, rãs, sapos<br />

e cães vocalizam dentro desse intervalo. Porém, a maioria das outras<br />

criaturas parece se comunicar tanto abaixo quanto acima dos limites<br />

considerados 'normais' pelos humanos. O infrassom compreende<br />

emissões abaixo de 30 hertz, como, por exemplo, os sons emitidos por<br />

baleias-fin, baleias-azuis, elefantes, crocodilianos, ondas oceânicas,<br />

vulcões, terremotos e tempo ruim. O ultrassom ocorre acima dos<br />

18.000 hertz, frequências normalmente usadas por insetos (os<br />

habitantes mais numerosos do planeta), morcegos, golfinhos e<br />

musaranhos. Porém, a linguagem é muito mais do que a comunicação<br />

vocal. Em seu sentido mais universal, a linguagem é o nexo do mundo<br />

animado, cujos limites são traçados apenas pelos seres humanos.<br />

Estudos mais recentes sobre comunicação animal tendem a se<br />

concentrar na descrição das espécies, ligando a comunicação animal a<br />

processos essencialmente biológicos ou especificamente sociais. 1<br />

Embora uma 'história da linguagem' no início do século XXI ainda<br />

12


seja implicitamente uma 'história da linguagem humana', ela carrega a<br />

sugestão de que possa evoluir de modo a abarcar muitas formas de<br />

linguagem desconhecidas até então. A comunicação vocal de muitos<br />

anfíbios, especialmente rãs, foi pesquisada intensivamente nos últimos<br />

anos — embora ainda não se encontre qualquer referência a uma<br />

'linguagem das rãs'. A bioacústica vem concentrando sua atenção<br />

também nos peixes, uma vez que, particularmente durante a desova,<br />

muitos peixes emitem um 'som complexo' representativo, cuja<br />

primeira parte consiste numa série de pulsos parcialmente<br />

sobrepostos, e a segunda, composta por pulsos rapidamente repetidos<br />

que se sobrepõem, produzindo uma onda constante semelhante a um<br />

'tom'.<br />

A comunicação vocal em sua forma mais primitiva é, por<br />

exemplo, surpreendentemente demonstrada pelo 'zumbido' do peixe<br />

mamangá do litoral oeste dos EUA, cujos 'zumbidos' noturnos eram<br />

desconhecidos para a ciência até perturbarem, recentemente, uma<br />

comunidade flutuante na Califórnia, chegando às manchetes<br />

internacionais. O mamangá macho emite 'zumbidos' para atrair fêmeas<br />

que desovem em seus ninhos. O barulho — um zumbido alto e<br />

ressonante, muito parecido ao som produzido pelo didgeridoo 2<br />

australiano — se origina de um par de músculos presos à bexiga<br />

natatória, que se contrai e vibra contra a parede do estômago, e<br />

continua se movimentando por mais de uma hora. Quando a fêmea<br />

chega, o 'zumbido' prontamente acaba.<br />

Várias ordens de insetos também possuem órgãos que produzem<br />

sons, evidentemente usados para a comunicação. Muitos deles usam o<br />

ultrassom, cuja própria existência era desconhecida à ciência até a<br />

segunda metade do século XX. Por exemplo, durante a corte, traças<br />

machos e fêmeas se comunicam por meio dos feromônios (secreções<br />

excretadas por glândulas específicas); toda a sequência do<br />

comportamento das<br />

13


traças durante a corte também envolve a produção do ultrassom. Esta<br />

descoberta recente exigiu que o comportamento das traças durante a<br />

corte fosse reconsiderado, e que fosse colocada uma maior ênfase na<br />

interação entre os vários modos de expressão comunicativa.<br />

Porém, quando se ouve sobre comunicação ou 'linguagem'<br />

animal, normalmente se pensa na linguagem das formigas, abelhas,<br />

aves, cavalos, elefantes, cetáceos e grandes primatas.<br />

FORMIGAS (FORMICI<strong>DA</strong>E)<br />

Há entre 12.000 e 14.000 espécies de formigas no mundo, cada<br />

uma de suas colônias compreende um milhão de indivíduos ou mais.<br />

Elas ocupam quase todos os locais habitáveis do planeta e excedem<br />

em trilhões o número de seres humanos. Nenhuma está sozinha. Todas<br />

se comunicam de alguma maneira. Cada formiga consegue transmitir<br />

pelo menos 50 mensagens diferentes usando a linguagem corporal e<br />

os feromônios. Suas glândulas mandibulares secretam odores de<br />

alerta; seu aparelho digestivo termina numa glândula retal que libera<br />

um cheiro que marca sua trilha. Excreções da glândula esternal são<br />

usadas para chamar as formigas operárias que estiverem por perto, e<br />

assim por diante. Essas mensagens químicas altamente específicas,<br />

combinadas com a linguagem corporal, aparentemente oferecem um<br />

pacote econômico que contém as informações necessárias que uma<br />

formiga precisa trocar com suas companheiras para a sobrevivência da<br />

colônia. Aqui, a linguagem foi reduzida a seu mínimo, basicamente a<br />

uma 'linguagem dos feromônios'. Alguns a chamam de idioma<br />

primevo da Terra.<br />

Porém, é possível que a habilidade linguística das formigas seja<br />

mais complexa do que a ciência atualmente admite. A divisão do<br />

trabalho das<br />

14


formigas não pode ser totalmente explicada pelo modelo de<br />

comunicação presente. Como o grupo decide qual folha levar? Como<br />

são alcançadas a organização e a coordenação em massa? Isso deve<br />

envolver uma troca de informação mais elaborada do que a<br />

identificada até então. Além disso, pesquisas bioacústicas muito<br />

recentes revelaram que as formigas também usam a estridulação; sua<br />

produção de som e ultrassom ainda é pouco entendida e os contextos<br />

precisos de seu uso ainda são desconhecidos. Em qualquer evento,<br />

hoje, os entomologistas desconfiam de que talvez as formigas se<br />

comuniquem por meio de uma altamente complexa combinação de<br />

feromônios, linguagem corporal e emissão de sons há centenas de<br />

milhões de anos. 3<br />

ABELHAS-EUROPEIAS (Apis mellifera)<br />

Na primeira metade do século vinte, o zoólogo austríaco Karl<br />

von Frisch revelou que as abelhas-europeias usam a 'dança' para se<br />

comunicar, chocando o mundo ao demonstrar que mesmo 'insetos<br />

insignificantes' eram capazes de trocar informações complexas sobre<br />

coisas distantes no tempo e no espaço. Por meio de uma 'dança', a<br />

abelha forrageadora informa às seguidoras o tipo (por meio de<br />

amostras oferecidas), a qualidade (quantidade de voltas de 180 graus<br />

realizadas na 'dança') e a localização (traçando uma figura em forma<br />

de oito para comunicar a distância e a direção) da comida que<br />

encontrou além da colmeia. No passado, a dança da abelha-europeia<br />

foi frequentemente citada como um exemplo clássico do uso da<br />

'verdadeira linguagem' no reino animal.<br />

Pesquisas recentes também revelaram que as abelhas<br />

forrageadoras da espécie Trigona minima dançam apenas a céu aberto,<br />

acima das colmeias; as seguidoras apenas assistem. Porém, as<br />

forrageadoras das espécies que dançam dentro das colmeias vibram as<br />

asas para<br />

15


produzir correntes de ar, uma 'voz' que as seguidoras, após<br />

acompanhar várias figuras em oito, monitoram de perto com suas<br />

antenas — indicando que as abelhas conseguem 'ouvir'. Logo depois,<br />

as seguidoras pedem amostras da comida pressionando seus corpos<br />

para baixo e emitindo uma vibração repentina no tórax, sentida pelas<br />

pernas da dançarina. Essa combinação de meios de expressão —<br />

linguagem corporal, troca de comida e 'voz' — constitui a 'linguagem'<br />

das abelhas-europeias. Experimentos com 'abelhas-robôs' mostraram<br />

que tanto a dança quanto a mensagem acústica são essenciais para o<br />

estabelecimento de uma comunicação correta entre as<br />

abelhas-europeias. Se um desses meios é omitido, a maioria das<br />

seguidoras não consegue encontrar a comida.<br />

PÁSSAROS (AVES)<br />

Há muito tempo ornitólogos entusiasmados vibram com o vasto<br />

repertório de sons da carriça. Desde a Antiguidade, sabe-se que na<br />

natureza, alguns pássaros aprendem suas músicas em contextos<br />

diferentes, um fato que sugere que os pássaros agregam significados<br />

diferentes a suas vocalizações. Pesquisas de campo recentes<br />

confirmam o fato. 4<br />

Os pássaros apresentam grandes diferenças individuais nas<br />

inclinações e habilidades vocais, mesmo entre as espécies mais<br />

loquazes. Alguns não dizem nada; outros, ao que parece, nunca se<br />

calam. Talvez, os grandes papagaios estejam entre os 'linguistas' mais<br />

fenomenais do reino animal, especialmente o papagaio cinzento e o<br />

papagaio da Amazônia (papagaio-de-nuca-amarela,<br />

papagaio-campeiro, papagaio-diadema e papagaio-verdadeiro). A<br />

arara-piranga e a arara-vermelha também vocalizam bem; mas suas<br />

vocalizações são normalmente roucas e altas. Cacatuas são boas<br />

'falantes' de voz suave; porém, assim como ocorre com as araras, é<br />

difícil ensiná-las. 5<br />

16


Já na década de 1940, foi demonstrado que o papagaio-cinzento<br />

era perfeitamente capaz de aprender tarefas não vocais, que, segundo<br />

a crença comum, exigem uma inteligência complexa, como combinar<br />

quantidades de objetos. Pesquisas posteriores observaram que os<br />

papagaios, em particular, pareciam usar entre eles vocalizações<br />

naturais 'significativas' de diversas maneiras, vocalizações certamente<br />

aprendidas com outros membros do bando.<br />

Os últimos vinte e cinco anos do século XX testemunharam<br />

uma grande ruptura no nosso entendimento do que, durante séculos,<br />

era chamado apenas metaforicamente de 'linguagem' dos pássaros. 6<br />

Em junho de 1977, Irene Pepperberg começou a ensinar um<br />

papagaio-cinzento de 13 meses de idade chamado 'Alex' a se<br />

comunicar com ela em inglês, usando novas técnicas e resultados de<br />

pesquisas sobre o aprendizado social humano. Os resultados do<br />

experimento são impressionantes. Segundo todos os indícios, Alex,<br />

totalmente treinado, não 'repete' o discurso humano, mas sim entende<br />

seu significado e consegue expressar uma resposta de teor semântico<br />

similar, numa variedade de modos conceituais, com uma precisão<br />

estatística notável.<br />

Por exemplo, um pesquisador segura no alto uma chave de<br />

metal roxa e uma chave maior de plástico verde. Ele pergunta: Alex,<br />

quantos?' Quinze segundos depois, Alex responde: 'Dois'. 'Qual é o<br />

maior?' 'Chave verde'. Então, um palito de sorvete de madeira é<br />

levantado. 'De que é feito?' Há uma longa pausa e ele finalmente<br />

responde: 'Madeira'.<br />

Em 12 anos, os treinadores de Alex ensinaram a ele uma<br />

variedade de tarefas linguísticas. Alex conseguia nomear 40 objetos<br />

diferentes (banana, rolha, água, e assim por diante). Ele fazia um uso<br />

funcional de 'não', 'Venha cá', 'Eu quero X', e 'Quero ir para Y'. Ele<br />

conseguia nomear sete cores, descrever várias formas e contar objetos<br />

até seis. No<br />

17


fim, Pepperberg descobriu que Alex estava combinando todas aquelas<br />

etiquetas vocais para identificar, pedir, recusar, categorizar e<br />

quantificar mais de 100 objetos diferentes, incluindo alguns que<br />

diferiam dos exemplares de seu treinamento regular. Quando suas<br />

habilidades eram testadas, a precisão de Alex chegava, em média, a<br />

80%. 7<br />

Havia limites. Embora Alex fosse evidentemente capaz de se<br />

comunicar com seres humanos num nível aparentemente elevado, ele<br />

não conseguia 'falar' com seus treinadores da mesma maneira que<br />

papagaios falam uns com os outros. Diferente de grandes primatas,<br />

Alex também não conseguia se referir ao que havia feito no dia<br />

anterior, ou ao que gostaria de fazer no dia seguinte. O que Alex<br />

mostrou aos seres humanos é que talvez os pássaros também possam<br />

usar a linguagem de maneira criativa e, portanto, também possam<br />

raciocinar com um nível de complexidade comparável ao dos grandes<br />

primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos) e cetáceos<br />

(baleias e golfinhos).<br />

Recentes testes neuroanalíticos revelaram que, nos pássaros, o<br />

controle do canto é feito pelo lado esquerdo do cérebro, semelhante<br />

aos humanos, cuja fala também é controlada no lado esquerdo do<br />

cérebro. Uma ligação foi feita a partir desse fato. Porém, a<br />

comunidade científica ainda não a estudou.<br />

Será que se a ciência acabar por concluir que os pássaros têm e<br />

usam algum tipo de 'linguagem' elaborada, o fato implicaria que seus<br />

longínquos ancestrais, os dinossauros, também usavam algum tipo de<br />

linguagem, talvez de um modo semelhante? A implicação parece<br />

evidente.<br />

A comunicação acústica também é muito usada por todos os<br />

mamíferos, grandes vertebrados que amamentam seus filhotes com<br />

18


leite excretado peias glândulas mamárias. Ao ajudar na sobrevivência<br />

dos mamíferos, permitindo a coesão social e a adaptação, a linguagem<br />

parece uma característica primitiva de toda essa classe de vertebrados.<br />

Os intricados sons produzidos pelos mamíferos tornam seu estudo tão<br />

difícil quanto o estudo dos sons dos não mamíferos, além dos<br />

contextos sociais dos mamíferos serem extremamente complexos e<br />

variados. É difícil associar sons específicos e/ou padrões de sons com<br />

atividades particulares e/ou trocas entre a mesma espécie.<br />

Aumentando ainda mais a dificuldade, assim como ocorre com os<br />

pássaros que vivem na natureza, parece haver muitas variantes<br />

regionais ('dialetos') no 'discurso' dos mamíferos, assim como<br />

capacidades de aprendizado e expressões individuais ('idioletos').<br />

A maioria das pesquisas sobre a comunicação dos mamíferos<br />

feitas até então se concentra em sua bioacústica: a medição e análise<br />

das emissões de som de formas de vidas. Os estudos bioacústicos mais<br />

sofisticados feitos com mamíferos foram concluídos em ambientes<br />

com um contexto altamente específico, como o acasalamento ou<br />

estudo de sonares (ecolocalização 8 ). Na verdade, apenas os estudos<br />

mais recentes conseguiram satisfazer quase todas as exigências<br />

normalmente feitas a experimentos científicos, uma vez que seu<br />

ambiente é limitado por leis físicas bem conhecidas e essas emissões<br />

de sons são mais uniformes e fáceis de monitorar do que as atividades<br />

sociais, permitindo comparações simples de dados. Porém, o estudo<br />

de sonares não consiste em comunicação. Ele prova que vários<br />

mamíferos, como morcegos, baleias e golfinhos, possuem<br />

biomecanismos elaborados que podem ser capazes de promover<br />

sofisticadas trocas de informação entre membros de uma espécie.<br />

Particularmente, os estudos com morcegos se concentram no sonar de<br />

frequência constante e de frequência modulada com o qual esses<br />

pequenos mamíferos se<br />

19


orientam e caçam através da ecolocalização; nesse caso, emissões<br />

ultrassônicas compreendem seu componente mais importante. Porém,<br />

os chamados sociais dos morcegos são emitidos em frequências mais<br />

baixas, e ainda não são compreendidos. Os estudos de bioacústica em<br />

mamíferos também tratam da vocalização de camundongos. Mesmo<br />

assim, poucos escreveram sobre uma 'linguagem dos morcegos' ou<br />

uma 'linguagem dos camundongos'. Essa é uma deficiência, cuja causa<br />

reside na falta de familiaridade ou na restrição do termo 'linguagem'<br />

aos seres humanos, pois a complicada comunicação bioacústica ocorre<br />

tanto com morcegos quanto com ratos. Até muito recentemente, a<br />

espécie humana simplesmente não percebeu o fato.<br />

Por outro lado, as 'linguagens' de cavalos, elefantes, baleias e<br />

golfinhos receberam uma enorme quantidade de atenção popular nos<br />

últimos anos. Escritores esotéricos chegaram a ligar esses sistemas de<br />

comunicação com formas de 'supercomunicação' sobrenaturais e até<br />

extraterrestres. Embora isso seja absurdo, não há dúvidas de que esses<br />

mamíferos se comuniquem de alguma forma. Sua comunicação é<br />

simplesmente diferente da nossa. Não há indícios científicos que<br />

sugiram que a comunicação entre mamíferos não humanos é de<br />

qualquer forma 'superior' — ou seja, contextualmente mais elaborada<br />

— à linguagem humana. Na verdade, o acúmulo de indícios da<br />

segunda metade do século XX leva enfaticamente à conclusão de que<br />

só os hominídeos (espécie humana e ancestrais próximos)<br />

desenvolveram formas mais sofisticadas de comunicação natural e<br />

artificial na história natural do planeta.<br />

CAVALOS (Equus caballus, FAMÍLIA EQUI<strong>DA</strong>E)<br />

Há muito tempo é sabido que os cavalos usam alguma forma<br />

sofisticada de linguagem corporal (gestos, orientação, contato visual e<br />

20


evitação), com vocalizações específicas, para se comunicarem uns<br />

com os outros, mesmo a longa distância. Nos últimos anos,<br />

treinadores humanos desenvolveram novas técnicas baseadas na<br />

observação dessa 'língua' equina para manipular o comportamento dos<br />

cavalos para propósitos humanos, como selar e montar. Os resultados<br />

são notáveis, reduzindo o ‘breaking time’ de cavalos de muitos dias<br />

para dezenas de minutos. Não pode haver muitas dúvidas de que se<br />

alcançou assim alguma forma de comunicação entre humanos e<br />

equinos desconhecida até então. Realizações semelhantes com cervos<br />

(família Cervidae) seguiram técnicas quase idênticas, embora o<br />

processo tenha sido mais lento e sutil. Normalmente, as vocalizações<br />

não desempenham um papel nessas interações; como regra, entre eles,<br />

os cavalos quase sempre combinam linguagem corporal e vocalização.<br />

Contudo, uma forma de 'linguagem' fica evidente aqui, pois há uma<br />

troca de informações específicas entre humanos e cavalos e humanos<br />

e cervos. Porém, a investigação científica acerca de 'linguagens' de<br />

cavalos e cervos está apenas no início.<br />

ELEFANTES (ELEPHANTI<strong>DA</strong>E)<br />

Nas últimas duas décadas do século vinte, pesquisadores usaram<br />

métodos e técnicas científicas modernas na questão da comunicação<br />

dos elefantes. Há muito se suspeita de que os elefantes se comunicam<br />

constantemente para reforçar os laços sociais que sustentam a<br />

sobrevivência de uma manada. Porém, se essa comunicação pode ser<br />

considerada uma 'linguagem', no sentido de transmitir informações<br />

significativas entre a espécie, ainda é um fato, em geral,<br />

desconhecido.<br />

Elefantes usam vários tipos de vocalizações: roncos, rugidos,<br />

rosnados, bufos, barridos e ladros. 9 Cada uma dessas vocalizações<br />

parece representar um diferente modo de expressão comunicativa,<br />

21


dentro dos quais os variados sons representam subunidades<br />

importantes. O ronco é, sem dúvida, a mais significativa de todas as<br />

vocalizações dos elefantes, emitidas entre 14 e 35 hertz; acima de 30<br />

hertz, os roncos são audíveis aos seres humanos como um deep organ<br />

bass, sentido como um 'tinido' subcutâneo. Frequências tão baixas são<br />

pouco barradas por obstáculos ao passar por matagais e florestas.<br />

Pesquisas no Zimbábue, Namíbia e Quênia sugerem que os elefantes<br />

(provavelmente de maneira única entre os mamíferos) usam os roncos<br />

infrassonoros abaixo do limite normalmente audível para se<br />

comunicarem de algum modo com outros elefantes distantes de si.<br />

Sensores remotos, com cronômetros, provaram a ocorrência de<br />

comunicação infrassonora entre elefantes fêmeas e machos separados<br />

por uma distância de quatro quilômetros. Parece que, entre várias<br />

outras utilidades, os roncos permitem que elefantes machos e fêmeas<br />

se encontrem para a reprodução (machos e fêmeas adultos vivem<br />

longe uns dos outros e não contam com migrações previsíveis nem<br />

temporada de acasalamento fixa). Durante o cio, uma fêmea emite<br />

uma sequência única de chamados com infrassons que, como<br />

preservam a mesma forma, podem ser classificados como uma 'canção<br />

de acasalamento': ela começa com roncos lentos e profundos, que<br />

gradualmente crescem em força e aumentam o tom; e depois baixam<br />

até o silêncio. O 'concerto' pode durar meia hora.<br />

As vocalizações da fêmea são ricas e variadas, implicando<br />

muitos tipos diferentes de mensagens. Às vezes, seus chamados<br />

parecem indicar até onde a manada pode ir, quando amamentar, quem<br />

está presente no grupo e assim por diante. As fêmeas também reagem<br />

a eventos distantes. Machos adultos vocalizam muito menos; um<br />

pesquisador jocosamente concluiu que isso ocorre porque os machos<br />

22


estão ocupados demais ouvindo as fêmeas tagarelas. O olfato é<br />

sempre usado com a audição; é evidente que os feromônios<br />

desempenham um papel significativo na reprodução dos elefantes.<br />

Machos em estado de frenesi sexual em busca de uma parceira, que<br />

podem ter apenas dois dias de cio a cada quatro anos, reagem<br />

agudamente a tal 'comunicação química'.<br />

É claro que a comunicação dos elefantes como uma forma de<br />

'linguagem' incluiria os roncos que permitem variados tipos de<br />

mensagens, e não apenas sinais reprodutivos. Alguns dos mais fortes<br />

infrassons de elefantes já registrados documentaram roncos que<br />

claramente assinalam pânico; foi sugerido que esses 'chamados de<br />

pânico' são emitidos para pedir ajuda a uma manada distante. Embora<br />

separadas por quilômetros de florestas, manadas individuais<br />

conseguem ajustar continuamente sua busca por alimento numa<br />

sincronia quase perfeita, evidentemente usando roncos infrassonoros<br />

para manter contato umas com as outras. Essa rede também pode<br />

permitir a manutenção de uma elaborada sociedade hierárquica,<br />

mesmo entre populações esparsas, como sugerem alguns<br />

pesquisadores.<br />

BALEIAS (CETACEA)<br />

Por uma ampla variedade de motivos, frequentemente de<br />

natureza militar secreta (estudos com sonares), a maioria das<br />

pesquisas internacionais sobre a acústica dos mamíferos envolve os<br />

cetáceos: mamíferos aquáticos, na maior parte marinhos, que incluem<br />

baleias, golfinhos, botos e animais similares. Além dos pássaros e dos<br />

hominídeos, os cetáceos parecem ser as únicas outras criaturas<br />

terrestres que contam com trocas vocais facilmente audíveis,<br />

espontâneas e complexas. As pesquisas atuais sobre a acústica dos<br />

cetáceos se concentram em chamados sociais e sinais de<br />

ecolocalização, por meio da análise de<br />

23


egistros de sons na água, detectados por conjuntos de hidrofones<br />

ligados a estações de trabalho com processadores de sinais digitais.<br />

Porém, o método falha na hora de mostrar os contextos sociais dos<br />

cetáceos; para isso, seria necessário um monitoramento de vídeo em<br />

tempo real, cujos resultados deveriam, então, ser analisados em<br />

laboratório para dados comparativos. Em particular no caso das<br />

baleias, cuja coleta de dados é extremamente difícil.<br />

As vocalizações das baleias podem alcançar 256.000 hertz —<br />

uma frequência doze vezes mais aguda que o ouvido humano<br />

consegue detectar. Por esse motivo, os seres humanos só ficaram a par<br />

do verdadeiro intervalo de comunicação vocal entre as baleias após o<br />

desenvolvimento de dispositivos eletrônicos sensíveis, na segunda<br />

metade do século XX. Há muitos tipos de 'linguagens' de baleias, que<br />

dependem do seu gênero. 10<br />

Pesquisas sobre as orcas feitas desde a década de 1970 revelam<br />

que suas vocalizações compreendem cliques, assobios e gritos curtos e<br />

agudos chamados de 'chamados em pulso'. Os cliques são<br />

simplesmente sons do sistema de ecolocalização. Os assobios são<br />

ouvidos entre orcas que estão descansando ou socializando e parecem<br />

estar envolvidos em brincadeiras e atividades sexuais. Chamados em<br />

pulso, junto a um 'grito parecido com uma dobradiça enferrujada',<br />

provavelmente servem para rastrear membros do cardume que não<br />

estão à vista, uma vez que eles podem ser ouvidos por outras orcas a<br />

oito quilômetros de distância. Cada cardume compartilha um número<br />

de sequências de pulsos com outros cardumes da região. Porém,<br />

frequentemente, cada cardume demonstra versões únicas desses<br />

chamados em pulso em comum; além disso, cada um deles possui um<br />

ou dois chamados em pulso distintos, que não são compartilhados<br />

com outros cardumes. São essas<br />

24


diferenças que parecem isolar um 'dialeto' local. Cardumes individuais<br />

de orcas podem ser facilmente identificados por seu dialeto único.<br />

Diferentemente das baleias-jubarte, as orcas mantêm dialetos<br />

individuais sem mudanças intencionais por períodos muito longos,<br />

possivelmente pela vida inteira.<br />

Hoje, as baleias-fin são conhecidas por emitirem intensos<br />

chamados infrassônicos; mas ainda não se sabe se eles servem para<br />

sua comunicação. Também não se sabe se os gemidos, grunhidos e<br />

sons parecidos com o da corneta e do barrido do elefante feitos pela<br />

baleia-franca, um dos cetáceos mais vocais, compreendem algum tipo<br />

de comunicação.<br />

Entre os mais poderosos sons uniformes emitidos por qualquer<br />

forma de vida terrestre está o chamado produzido pela baleia-azul.<br />

Como foi medido pela marinha norte-americana no litoral da América<br />

do Sul, sua 'canção' de 188 decibéis — um nível de barulho<br />

comparável a um cruzeiro navegando em velocidade normal — pode<br />

ser detectada a centenas de quilômetros de distância. Normalmente<br />

infrassônicas, as canções da baleia-azul compreendem notas<br />

perfeitamente harmonizadas, repetidas em intervalos de 128 segundos.<br />

Durante a maior parte do ano, a baleia-azul canta continuamente<br />

durante oito dias, repetindo apenas cinco dessas notas harmonizadas<br />

em diferentes combinações. Se há alguma pausa, a nota seguinte<br />

ocorre em exatos 256 segundos. Alguns especialistas acreditam que as<br />

baleias-azuis 'cantam' para apontar com precisão sua localização no<br />

oceano, cronometrando o reflexo de suas emissões em bancos de areia<br />

dos continentes, ilhas e montanhas submersas. Assim essas canções<br />

não teriam uma função comunicativa. Porém, o fato de as canções<br />

serem audíveis em distâncias tão gigantescas parece contradizer essa<br />

hipótese.<br />

25


Hoje, nós sabemos que as baleias-jubarte — assim como os<br />

primatas, talvez as únicas outras compositoras na natureza —<br />

transmitem, de modo semelhante, 'canções' para centenas de<br />

quilômetros pelo oceano. As jubartes evidentemente usam uma<br />

'linguagem' especial que deve verdadeiramente ser uma das<br />

características mais fascinantes da natureza. Elas exibem uma grande<br />

variedade de vocalizações: lamentos, chiados, grunhidos, rugidos e<br />

urros que podem, às vezes, ser associados a comportamentos<br />

específicos, sugerindo um significado social. Mas são as canções da<br />

jubarte que mais se aproximam do nosso conceito de 'linguagem'<br />

verdadeira. Durante mais de vinte anos, as canções das jubartes das<br />

bermudas foram investigadas. Foi descoberto que entre as<br />

vocalizações havia 'longas canções de amor' — ou seja, sequências<br />

regulares de sons repetidos emitidos para o acasalamento. As canções<br />

apresentavam uma ampla variedade de tons e duravam entre seis e 30<br />

minutos; quando gravadas e artificialmente aceleradas em mais de 14<br />

vezes, as canções se pareciam notavelmente com o canto de um<br />

pássaro. Há solos, duetos, trios e até coros de dezenas de jubartes.<br />

Cada uma delas canta a mesma 'canção', embora não em uníssono. E a<br />

canção muda diacronicamente, ou seja, ao longo do tempo, um<br />

processo que parece ser constante e intencional, muito semelhante a<br />

formas de mudança da linguagem humana: novos elementos são<br />

compostos, mantidos, e depois aperfeiçoados. Isso é muito diferente<br />

do 'dialeto' das aves, que são simplesmente regionais. Como os<br />

humanos, as jubartes modificam intencionalmente seu próprio ritual<br />

de vocalizações com o tempo. Um grupo regional de jubartes cantará a<br />

mesma 'canção' durante um ano, e no ano seguinte colocará outra<br />

canção em seu lugar. É significativo que as canções de dois anos<br />

consecutivos sejam mais parecidas do que duas canções separadas por<br />

um intervalo de vários anos. A canção parece estar 'evoluindo' e cada<br />

jubarte participa da evolução da canção.<br />

26


Quando as jubartes do Havaí foram comparadas às jubartes das<br />

Bermudas, num período de quatro anos, foi descoberto que em todos<br />

os anos os grupos cantavam canções diferentes. Ainda assim, ambas<br />

apresentaram uma mudança diacrônica e demonstraram a mesma<br />

estrutura (não conteúdo) na canção. Por exemplo, cada canção<br />

compreende cerca de seis temas, com várias frases idênticas ou que<br />

mudavam lentamente. Cada frase contém entre dois e cinco sons. A<br />

canção mantém os temas numa determinada ordem, mas, às vezes, as<br />

jubartes omitem um ou mais temas. Os temas que restam são sempre<br />

cantados numa sequência previsível, baseada em performances<br />

anteriores. Embora as jubartes das Bermudas e do Havaí não tenham<br />

contato, suas canções compartilham 'regras linguísticas' essenciais.<br />

Assim, as leis de composição das jubartes parecem ser<br />

universais, seja no Atlântico, seja no Pacífico. Isso sugere que as<br />

jubartes (na verdade, talvez todos os cetáceos) herdam um conjunto<br />

de leis de vocalização, dentro das quais cada geração pode improvisar.<br />

Não se sabe se essas supostas leis de vocalização são transmitidas<br />

geneticamente ou transmitidas pelo aprendizado. Sugere-se que, como<br />

as jubartes não cantam nas áreas de alimentação durante o verão e<br />

como as canções são complexas demais, elas simplesmente esqueçam<br />

a canção entre uma estação e outra e arquitetem uma nova versão,<br />

baseadas numa lembrança parcial. A hipótese foi testada nos mares da<br />

Ilha de Maui, no Havaí, e se provou equivocada: quando as jubartes<br />

voltaram, a canção antiga foi cantada, e depois gradualmente alterada<br />

durante a temporada de acasalamento.<br />

As jubartes sempre cantam as novas frases num andamento<br />

mais rápido do que as frases antigas, e, às vezes, as frases novas são<br />

ajustadas, de modo a conectar o início e o final de frases consecutivas.<br />

As partes<br />

27


do meio são simplesmente omitidas, como as abreviações usadas por<br />

seres humanos ('cê' por Você'). Esse processo também é parecido com<br />

o modo como a linguagem evolui em comunidades humanas. Como as<br />

canções das jubartes são diferentes, embora a forma da canção seja<br />

similar tanto no Atlântico como no Pacífico, os especialistas<br />

concordam que, nesse caso, pode-se falar em termos de verdadeiros<br />

'dialetos' regionais. O fato também indica fortemente que na canção da<br />

jubarte pode se encontrar uma forma de 'linguagem' que mais se<br />

aproxima das expectativas humanas, embora sua natureza específica<br />

ainda precise ser entendida.<br />

Os celebrados codas — distintos padrões de cliques — do<br />

grande e tímido cachalote parecem ser diferentes para cada indivíduo;<br />

ou seja, eles não parecem constituir o mesmo tipo de 'linguagem'<br />

compartilhada, exibida pela jubarte. Infelizmente, esses codas ainda<br />

não foram decifrados. Porém, sabe-se que eles variam de oceano para<br />

oceano, e, portanto, podem representar (pelo menos para rastreadores<br />

humanos) uma marca de 'dialeto'. Por exemplo, os cachalotes de<br />

Galápagos emitem 23 codas distintos durante interlúdios sociais. Há<br />

um coda de cinco cliques que frequentemente inicia as conversações,<br />

como um 'oi'. Também há um coda de sete cliques que normalmente<br />

segue um coda de oito cliques, ambos os significados são<br />

desconhecidos. Os machos se anunciam com um som metálico<br />

chamado de 'grande clique', repetido a cada sete segundos, parecido<br />

com o som do 'bater de uma porta de cela de cadeia', talvez o som seja<br />

usado para atrair fêmeas ou intimidar rivais. Os codas do cachalote<br />

são quase sempre ouvidos no meio do dia, quando as baleias estão<br />

socializando perto da superfície do mar. Foi sugerido que os codas<br />

permitem que os cachalotes se identifiquem individualmente, uns para<br />

os outros. Vários outros cliques (não codas) usados pelos cachalotes<br />

podem agir<br />

28


como um sonar de ecolocalização e, como dizem alguns, para<br />

atordoar a presa com o som.<br />

GOLFINHOS (DELPHINI<strong>DA</strong>E)<br />

O termo golfinho geralmente inclui os botos, uma subespécie,<br />

que também vocaliza frequentemente, como é observado há milhares<br />

de anos no caso do golfinho-riscado, que assobia para se comunicar e<br />

faz cliques para ecolocalização simultaneamente. Os golfinhos<br />

produzem os cliques forçando as cavidades nasais contra as beiradas<br />

ósseas do crânio, e depois, convergindo-os através do tecido adiposo<br />

em sua testa. Os golfinhos não possuem ouvidos externos; o som é<br />

recebido através de uma estreita 'janela no osso maxilar inferior.<br />

Na década de 1960, o neurofisiologista e psicanalista<br />

norte-americano John C. Lilly, convencido de que os golfinhos já<br />

possuíam uma elaborada linguagem natural, começou a ensiná-los a<br />

'falar inglês'. 11 O objetivo do Projeto Janus, idealizado por Lilly, era<br />

permitir que seres humanos e golfinhos, cada um em seu respectivo<br />

ambiente, trocassem vocalizações ajustadas a uma 'audição<br />

confortável', através de um código de 64 sons. Lilly esperava rápidas<br />

comunicações entre humanos e golfinhos: 'Quero descobrir se eles têm<br />

sagas, ensinamentos, histórias'. Seu desejo antropocêntrico — talvez<br />

ingênuo, quando visto em retrospecto — não foi satisfeito. Tentativas<br />

semelhantes posteriores, como as feitas em Marineland, na Flórida,<br />

seguindo o modelo de experimentos contemporâneos para ensinar uma<br />

língua artificial para primatas, também produziram resultados<br />

insatisfatórios. A comunicação entre humanos e golfinhos, quase<br />

sempre vinculada à combinação de códigos simples, raramente<br />

transmitia mais de 12 palavras codificadas em inglês.<br />

29


É evidente que o repertório vocal dos golfinhos inclui<br />

mensagens emocionais de alguma espécie. Especialistas isolaram um<br />

grito, que sobe e desce, parecido com o de um pássaro, que deve<br />

significar algo parecido com 'socorro!'. Outros sinais isolados e<br />

específicos de golfinhos devem significar alguma coisa como: 'Sou o<br />

Flipper'. Apesar disso, a opinião científica atual, num forte contraste<br />

com o entusiasmo otimista de mais de uma geração passada, sustenta<br />

que a 'linguagem' do golfinho na natureza (em oposição à<br />

comunicação artificial entre humanos e golfinhos) esteja talvez mais<br />

próxima aos gemidos, risadinhas e suspiros humanos do que<br />

geralmente se espera de uma 'linguagem' verdadeira.<br />

Como vimos, a acústica dos cetáceos indica 'dialetos'<br />

discerníveis, e mesmo evoluções de estrutura marcadas, esperadas<br />

numa troca de informações baseadas no conhecimento. Por tudo isso,<br />

as tentativas dos humanos em estabelecer 'diálogos', na forma como<br />

os entendemos, com os cetáceos falharam até o momento. Nós não<br />

compreendemos realmente o modo como os cetáceos transmitem<br />

informações. Eles se comunicam uns com os outros de alguma<br />

maneira; e acima de tudo, os golfinhos e as jubartes parecem viver<br />

numa sociedade ricamente vocal. Mas ainda temos de compreender a<br />

'linguagem' dos cetáceos nessas elaboradas vocalizações.<br />

No caso dos primatas, o terreno é mais familiar. Como escreveu<br />

o primatologista John Mitani: 'Você não consegue olhar de perto um<br />

grande primata sem sentir algo muito especial'. É o extremo da<br />

vaidade: percebemos nós mesmos. Cerca de dezessete milhões de<br />

anos atrás, durante o período mioceno, havia pelo menos três vezes<br />

mais gêneros de macacos do que hoje. Seus descendentes são os<br />

pequenos primatas ou gibões; os grandes primatas (orangotangos,<br />

gorilas, chimpanzés e bonobos); e os seres humanos, o último dos<br />

hominídeos.<br />

30


Todos os grandes primatas parecem exibir habilidades linguísticas que<br />

chegam perto daquilo que entendemos por verdadeira 'linguagem',<br />

principalmente devido a seu conceito antropocêntrico.<br />

ORANGOTANGOS (Pongo pygmaeus)<br />

No final da década de 1970, a linguagem de sinais foi ensinada<br />

para grandes primatas em seu próprio lar pela primeira vez, para<br />

orangotangos em Bornéu. Suas lições foram preparadas no modelo de<br />

experimentos contemporâneos com gorilas e chimpanzés nos EUA.<br />

Dois orangotangos aprenderam vinte sinais da Linguagem de Sinais<br />

Norte-Americana em menos de um ano, uma taxa semelhante à<br />

capacidade de aprendizado das outras espécies. O experimento indicou<br />

que as habilidades de 'linguagem' de todos os grandes primatas é,<br />

provavelmente, quase a mesma, independentemente da espécie. O<br />

talento individual parece apresentar uma diferenciação mais ampla. As<br />

experiências com a linguagem em orangotangos aumentaram nos<br />

últimos anos. Elas produziram resultados de compreensão e produção<br />

linguísticas ainda mais surpreendentes.<br />

GORILAS (Gorilla gorilla)<br />

Uma tolerância temporária a seres humanos na sociedade dos<br />

gorilas da montanha pode ser alcançada por meio de gestos (fingindo<br />

comer folhas), postura (de lado, olhos desviados) e vocalizações (sons<br />

que imitam o ato de comer, grunhidos de busca por alimentos) — tudo<br />

simultaneamente, como demonstrou Dian Fossey no Centro de<br />

Pesquisa Karisoke de Ruanda, desde a década de 1960, até seu<br />

assassinato em 1985. Ela fez um estudo básico das vocalizações dos<br />

gorilas na natureza, e chegou até mesmo a reproduzir esses sons,<br />

numa tentativa<br />

31


de 'falar a língua dos gorilas'. Pela primeira vez na história, foi<br />

estabelecida uma confiança entre gorilas e seres humanos na natureza<br />

— por meio da 'linguagem' deles e não da nossa.<br />

Ao mesmo tempo, os experimentos de linguagem com a<br />

chimpanzé fêmea Washoe haviam inspirado Francine Patterson a<br />

tentar ensinar uma adaptação da Linguagem de Sinais<br />

Norte-Americana, ou Ameslan, a linguagem dos 'surdos-mudos' dos<br />

Estados Unidos, a uma gorila ocidental das terras baixas, fêmea de 13<br />

meses chamada Koko em julho de 1972. Em 6 anos, o mundo<br />

aclamava Koko como a 'primeira gorila a alcançar proficiência' em<br />

conversar por sinais. O experimento se tornou o mais longo estudo em<br />

andamento sobre a linguagem dos primatas, título que mantém até<br />

hoje. 12 Atualmente, Koko apresenta um vocabulário ativo de mais de<br />

500 sinais; ela também tem um vocabulário passivo com outros 500<br />

sinais. Hoje, seu vocabulário total é semelhante ao de uma criança<br />

humana de menos de 5 anos de idade. Tal capacidade linguística<br />

também prova a existência de uma faculdade cerebral para a<br />

linguagem em grandes primatas — ou seja, os gorilas na natureza já<br />

são 'preparados' para algum tipo de linguagem, que os permite usar a<br />

linguagem de sinais em laboratório. O QI de Koko, testado por meio<br />

do exame Stanford-Binet, fica entre 85 e 95; muito pouco abaixo da<br />

média das crianças humanas. Porém, vários de seus 'erros' cometidos<br />

no teste antropocêntrico foram computados incorretamente: por<br />

exemplo, para um gorila, uma árvore, e não uma casa, é o abrigo<br />

lógico contra chuva. Provavelmente, o QI de Koko seja um pouco<br />

mais alto.<br />

As proezas de Koko são tanto divertidas quanto sérias. Quando<br />

Koko viu um cavalo com um freio na boca, fez sinais para 'cavalo<br />

triste'. Patterson perguntou por quê. Koko respondeu: 'Dentes'. Ao<br />

imitar os humanos, Koko tentou até falar; uma vez, ela tentou<br />

telefonar<br />

32


(aterrorizado, o operador rastreou a chamada, achando que a pessoa<br />

que havia ligado estava morrendo). Em 1976, um gorila ocidental das<br />

terras baixas, macho de três anos e meio chamado Michael, se juntou<br />

ao treinamento de Koko. Patterson disse a Koko que um novo bebê<br />

estava chegando. Quando Koko viu Michael, de 23 quilos, respondeu<br />

por meio dos sinais: 'Errado. Velho'. Em dois anos, os gorilas Koko e<br />

Michael 'conversavam' entre si usando a Ameslan.<br />

Um teclado especial foi projetado para operar com um<br />

sintetizador de voz. Koko e Michael apertavam uma tecla e a palavra<br />

escolhida era pronunciada em voz alta nas caixas de som. Por meio da<br />

linguagem de sinais e do teclado, Koko, em particular, apresenta toda<br />

a gama de emoções, humor e inteligência de uma criança humana. 13<br />

Patterson foi mais além. Reconhecendo o deslocamento — a<br />

habilidade inata de se referir a eventos distantes no tempo e no espaço<br />

do ato presente da comunicação — como uma característica principal<br />

da linguagem humana, ela testou se Koko estava na verdade<br />

classificando eventos simultâneos ou se os recriava linguisticamente<br />

usando o deslocamento. 'Será que os animais usam símbolos para se<br />

referir a eventos passados ou futuros?', ela ousou perguntar. Logo foi<br />

descoberto que Koko conseguia conversar prontamente sobre um<br />

incidente passado, assim como descrever um estado emocional<br />

passado. 14 O deslocamento também foi demonstrado pelas mentiras<br />

que Koko contava, usadas principalmente para evitar a culpa, mas<br />

também com humor ou fazendo gracinhas. Por exemplo, Koko<br />

começou a mastigar um giz de cera vermelho. Patterson perguntou:<br />

'Você não está comendo o giz de cera, está?' Koko respondeu por<br />

meio de sinais: 'Lábio', e começou a passar o giz, primeiro no lábio<br />

superior, e depois no lábio inferior, como se fosse um batom. Essa<br />

anedota contém uma revelação mais profunda: o uso da linguagem por<br />

um<br />

33


não humano para distorcer a percepção da realidade do ouvinte. Ale<br />

os experimentos de Patterson com Koko, tal uso era uma prerrogativa<br />

exclusivamente humana.<br />

Ao contrário das estimativas depreciativas dos naturalistas sobre<br />

a inteligência dos gorilas na metade do século XX, no início do século<br />

XXI os primatologistas hoje consideram os gorilas pares intelectuais<br />

dos chimpanzés, em grande parte devido aos resultados da pesquisa de<br />

Patterson. Mas há diferenças significativas entre gorilas e chimpanzés.<br />

Em comparação com seus primos chimpanzés, Koko usa os sinais<br />

mais deliberada e cuidadosamente. Ela também usa os sinais com<br />

mais frequência e se dirige a uma gama muito maior de atividades. 15<br />

Mesmo hoje, 27 anos após o início do experimento, Koko ainda<br />

usa ativamente seu teclado auditivo de 46 teclas. Ele apresenta os<br />

números e as letras comuns do alfabeto, mas cada tecla também está<br />

pintada com um padrão geométrico simples e arbitrário em dez cores<br />

diferentes. Koko entende que eles representam 'palavras' para objetos,<br />

emoções e ações; eles também incluem pronomes, preposições e<br />

modificadores, permitindo uma sintaxe primitiva. Pacientemente,<br />

Koko digita com o dedo indicador; uma mão fica livre para fazer<br />

sinais. Ela digita e 'fala' simultaneamente. Koko e seu companheiro<br />

Michael usam regularmente centenas de gestos da Ameslan. O projeto<br />

em andamento continua revolucionando nossa compreensão da<br />

comunicação animal e da 'linguagem'.<br />

CHIMPANZÉS (Pan troglodytes)<br />

O ano de 1967 foi um marco para a comunicação entre humanos<br />

e primatas, quando a chimpanzé Washoe proferiu a sentença 'quero<br />

doce' na linguagem de Sinais Norte-Americana. O período<br />

34


entre as décadas de 1960 e 1980 foi a grande era dos experimentos em<br />

comunicação entre humanos e chimpanzés. Experimentos anteriores,<br />

levados a cabo durante anos com as chimpanzés Viki e Sarah, usavam<br />

símbolos de plástico ou palavras faladas e haviam gerado apenas um<br />

vocabulário extremamente pequeno. Em contraste, Washoe aprendeu<br />

34 sinais da Ameslan nos primeiros 22 meses de treinamento, e dois<br />

anos mais tarde, em 1970, já havia adquirido um total de 132 sinais,<br />

que ela usava de uma maneira semelhante à usada por crianças<br />

humanas nos primeiros estágios de aprendizado da fala. 16 Ficou<br />

evidente para os treinadores de Washoe, Allen e Beatrix Gardner, que<br />

a dificuldade dos chimpanzés em adquirir a linguagem está em sua<br />

incapacidade de controlar os lábios e a língua — ou seja, em produzir<br />

um discurso articulado. Além disso, a faringe dos grandes primatas<br />

impede o som aspirado dos humanos, permitindo apenas as<br />

vocalizações mais simples através da laringe: grunhidos, gritos<br />

agudos, choramingos e assim por diante. Os Gardners foram os<br />

primeiros a usar a linguagem dos sinais com os primatas. Seus<br />

resultados foram impressionantes, e inspiraram Francine Patterson a<br />

usar a Ameslan com a gorila Koko, quando também instigaram Duane<br />

Rumbaugh a colocar a chimpanzé Lana em frente a um computador no<br />

Centro Regional de Pesquisa de Primatas de Yerkes, em Atlanta, na<br />

Geórgia: eventualmente, Lana 'digitou' declarações racionais e<br />

intencionais num teclado arbitrariamente codificado. 17<br />

Se no início da década de 1970 os linguistas, com base apenas<br />

nas pesquisas feitas com chimpanzés, concluíram com unanimidade<br />

que Washoe e outros grandes primatas não possuíam uma linguagem<br />

como nós conhecemos; no final da década de 1970, principalmente<br />

devido aos resultados dos experimentos de Patterson com os gorilas<br />

Koko e Michael, eles ou se retrataram totalmente ou modificaram<br />

35


significativamente sua avaliação: os grandes primatas, admitiu a<br />

maioria dos linguistas, pareciam ser dotados de alguma forma de<br />

'capacidade de linguagem'. Muito recentemente, uma característica do<br />

cérebro considerada essencial para a linguagem humana — a<br />

assimetria do planum temporale localizado bem acima do ouvido —<br />

foi descoberta também no cérebro do chimpanzé; porém, ainda não se<br />

sabe como isso pode influenciar na capacidade de linguagem dos<br />

chimpanzés, se é que há uma influência. O papel exato dessa<br />

assimetria na recepção e/ou produção de linguagem ainda precisa ser<br />

determinado.<br />

Experimentos de comunicação entre humanos e primatas feitos<br />

entre as décadas de 1960 e 1980, nos quais alguns primatas<br />

aprenderam a linguagem de sinais, enquanto outros, usaram<br />

linguagens simbólicas inventadas, demonstram que não há uma<br />

diferença real se são usados gestos ou símbolos. Os grandes primatas<br />

aprenderam sim a trocar informações com seus treinadores humanos,<br />

alguns deles de maneira notável, o que provou que seus caminhos<br />

neurais para a linguagem, de alguma forma não específica, já estavam<br />

presentes. Porém, uma questão ainda permanece: a comunicação entre<br />

humanos e primatas prova que os grandes primatas são capazes de<br />

usar a linguagem de modo semelhante aos humanos? Talvez Washoe<br />

estivesse sinalizando associações vagas esperando uma recompensa.<br />

Koko pode ter sido superinterpretada a partir de pré-concepções<br />

humanas. Outros chimpanzés podem ter respondido a sugestões<br />

corporais, sons circunstanciais e sutis, e não a uma linguagem real. O<br />

pessimismo recaiu sobre todo o campo e os fundos de pesquisa foram<br />

extremamente reduzidos. Mas tudo mudou com o bonobo Kanzi.<br />

BONOBOS (Part paniscus)<br />

Dividimos 99% da nossa constituição genética com os<br />

chimpanzés, e ainda mais características consideradas humanas com<br />

os<br />

36


chimpanzés pigmeus, os bonobos. Na natureza, os bonobos foram<br />

observados se comunicando individualmente e de maneira constante<br />

uns com os outros por meio da linguagem corporal (gestos, expressões<br />

faciais, postura, orientação) combinada com vocalizações simultâneas.<br />

Por exemplo, há pelo menos vinte gestos e chamados que demonstram<br />

a vontade de copular. Será que essa 'linguagem natural' dos bonobos<br />

na natureza pode indicar os caminhos neurais que permitem que os<br />

bonobos usem a linguagem de uma maneira talvez mais familiar para<br />

os seres humanos? Experimentos recentes feitos pela norte-americana<br />

Sue Savage-Rumbaugh, aclamada pela comunidade científica, não<br />

apenas confirmaram o fato, mas também revelaram uma dimensão até<br />

então ignorada da capacidade linguística dos grandes primatas. 18<br />

O bonobo Kanzi foi ensinado a se comunicar com os seres<br />

humanos por meio de um 'lexigrama, um teclado com símbolos que<br />

representam conjuntos de palavras ou ações. Kanzi é diferente de um<br />

'primata treinado', no sentido de que suas respostas são motivadas em<br />

vez de condicionadas: Kanzi é 'estimulado' a usar símbolos de maneira<br />

espontânea e criativa para se comunicar com humanos e outros<br />

prima-tas. Após muitos anos nesse ambiente de treinamento artificial,<br />

Kanzi também aprendeu a entender perguntas, declarações e<br />

comandos de voz em inglês, aos quais ele responde usando o<br />

lexigrama. Hoje, o lexigrama também consegue ativar eletronicamente<br />

uma resposta vocal para Kanzi. Raramente um primata chegou tão<br />

perto de produzir um léxico e uma sintaxe que seres humanos<br />

conseguem identificar e entender prontamente. Kanzi parece estar no<br />

limiar do uso da 'linguagem' do modo que os seres humanos<br />

compreendem o conceito. 19<br />

Exemplificando, um dos chimpanzés do centro de pesquisa<br />

havia roubado as chaves de Savage-Rumbaugh. Ela pediu para Kanzi<br />

recuperá-las. Kanzi foi até o culpado, 'murmurou' alguma coisa em<br />

seu<br />

37


ouvido, e voltou com as chaves. Kanzi também demonstra reconhecer<br />

vozes humanas no telefone, e consegue sinalizar respostas apropriadas<br />

a essas mensagens telefônicas. Ele aparenta compartilhar uma<br />

comunicação vocal parecida com a dos humanos com seus<br />

treinadores, embora suas respostas a mensagens vocais sejam<br />

necessariamente eletrônicas ou simbólicas. Atualmente, Kanzi está<br />

usando o lexigrama com 256 símbolos geométricos. Os chimpanzés<br />

estão aprendendo a usar o lexigrama de Kanzi de maneira semelhante.<br />

Um resultado curioso do experimento é que, hoje em dia, crianças<br />

humanas com dificuldades de aprendizado estão usando e se<br />

beneficiando de uma versão adaptada do lexigrama do bonobo.<br />

Num teste recente, 660 solicitações inéditas, do tipo 'coloque a<br />

maçã no chapéu', foram feitas para Kanzi e para crianças. Os acertos<br />

de Kanzi foram superiores aos de crianças de 2 anos de idade. Kanzi<br />

parece ser capaz de responder e produzir linguagem de maneira<br />

espontânea com a mesma proporção inata de uma criança de dois anos<br />

e meio. Savage-Rumbaugh provou, para a satisfação da maioria dos<br />

especialistas, que primatas podem compreender e usar a linguagem<br />

espontaneamente do mesmo modo que uma criança: por meio da<br />

audição e relação das palavras faladas a objetos, símbolos e ações que<br />

elas representam.<br />

Se a capacidade linguística de um ser humano de dois anos de<br />

idade é chamada de 'linguagem', então o bonobo Kanzi está 'falando'<br />

conosco. 20<br />

Haverá uma 'linguagem' verdadeiramente não humana? Ou<br />

estaremos nós apenas 'concedendo' a linguagem a não humanos,<br />

talvez interpretando uma linguagem onde há, na verdade, uma<br />

38


não linguagem? Como escreveu o filósofo austríaco Ludwig<br />

Wittgenstein: 'Se um leão pudesse falar, nós não o entenderíamos'. A<br />

comunicação dos grandes primatas na natureza é significativamente<br />

diferente da comunicação entre humanos e primatas em laboratório: o<br />

primeiro compreende uma rica combinação de linguagem corporal e<br />

vocalizações, enquanto o segundo ocorre era um ambiente humano<br />

artificial que estimula os primatas a responderem por meio de<br />

símbolos humanos ou palavras. 21 Porém, uma grande quantidade de<br />

testes controlados demonstrou, talvez além de qualquer dúvida, que<br />

embora o meio seja artificial e treinado, o resultado dos experimentos<br />

com humanos e animais é uma comunicação espontânea e criativa —<br />

ou seja, a troca vocal ou por meio de sinais de informações com<br />

significado. Através de caminhos neurais preexistentes, os animais<br />

estão falando para nós, e conosco, de uma maneira significativa. 22<br />

Contudo, a comunicação entre humanos e animais não forneceu<br />

quase nenhuma informação sobre o que os animais comunicam uns<br />

aos outros em seu ambiente natural. É possível que primatas<br />

transmitam mensagens complexas, porém o conteúdo das informações<br />

trocadas ainda é desconhecido. Os humanos podem ensinar papagaios<br />

cinzentos e bonobos a se comunicar de modo humano, mas papagaios<br />

cinzentos e bonobos não estão ensinando seres humanos a se<br />

comunicarem de maneira não humana.<br />

A ignorância e a arrogância humana em relação à maioria das<br />

espécies de animais até o meio do século XX foi substituída, na<br />

segunda metade do século, por uma crença exagerada na equidade<br />

intrínseca dos animais, postulando inclusive intelectos<br />

proporcionados. Essa dialética irracional encontrou, atualmente, um<br />

equilíbrio mais racional, que aceita que os animais usem sim 'algum<br />

tipo de linguagem' na<br />

39


natureza; que eles são capazes de ser treinados para se comunicar,<br />

deforma espontânea e criativa, com humanos e não humanos por<br />

meios artificiais e/ou não naturais; e que o limite (definido por<br />

humanos) da inteligência de tal comunicação entre humanos e animais<br />

pode, às vezes, se aproximar do de crianças muito pequenas. Por outro<br />

lado, precisa-se aceitar que a questão da inteligência comparativa de<br />

não humanos pode simplesmente não valer a pena.<br />

A linguagem que os não humanos aprendem e usam ativamente<br />

não é irrelevante nem efêmera para esses animais. No início da década<br />

de 1970, o chimpanzé Bruno aprendeu o Ameslan; em 1982, o projeto<br />

foi encerrado e Bruno foi levado para um laboratório médico. Em<br />

1992, mesmo sem estímulos, Bruno continuava usando o Ameslan,<br />

inspirando os técnicos do laboratório a aprender a linguagem de sinais<br />

para se comunicar com ele. Outros primatas ensinaram<br />

voluntariamente a membros de sua espécie, incluindo os filhotes,<br />

modos de comunicação aprendidos com os humanos. Para esses<br />

animais, a linguagem artificial, uma vez adquirida, é reconhecida<br />

como um elemento essencial de interação social. Talvez, a apreciação<br />

seja inata. 23<br />

Mais importante, o estudo da comunicação e 'linguagem' animal<br />

nos permite especular de maneira mais inteligente sobre a evolução da<br />

linguagem humana. Certamente, não é coincidência o fato de os<br />

animais que aparentam ter uma 'linguagem' mais próxima àquela<br />

como concebemos — embora a vocalização tenha sido alcançada<br />

apenas eletronicamente — serem também os geneticamente mais<br />

próximos de nós. O próprio conceito humano do que constitui a<br />

linguagem é, necessariamente, antropocêntrico. Não estamos<br />

buscando linguagem em animais, estamos procurando a linguagem<br />

humana. Quando planejamos várias maneiras de extrair linguagem<br />

dos animais, geralmente as limitamos a artifícios humanos. A maioria<br />

das pesquisas de<br />

40


'linguagem' entre humanos e animais, mesmo as mais objetivas, cria<br />

um meio artificial, centrado no humano, que tem pouca relação com<br />

as linguagens naturais. Sob esse aspecto, é admirável que<br />

pesquisadores como Patterson e Savage-Rumbaugh também<br />

considerem o conteúdo semântico de olhadelas, gestos, posturas e<br />

orientações como 'modos comunicativos' que, também em laboratório,<br />

recebem a mesma consideração que expressões vocais e habilidades<br />

no teclado.<br />

O que diferencia os humanos? Não podemos mais ser<br />

identificados como a espécie que constrói ferramentas. Parece que não<br />

temos mais a patente da linguagem. Talvez os humanos sejam animais<br />

que simplesmente desenvolveram uma 'comunicação mais elaborada'<br />

que rendeu benefícios sem precedentes para seus inovadores.<br />

Concluindo com sua definição mais estrita, a linguagem pode<br />

ser entendida como o meio pelo qual se transmitem pensamentos<br />

complexos por símbolos arbitrários — expressões vocais gramaticais<br />

ou sua expressão gráfica — numa sintaxe significativa. Embora a<br />

humanidade tenha até então assumido que essa definição é preenchida<br />

apenas pelo Homo sapiens, as revelações dos experimentos feitos com<br />

humanos e animais forçaram, pelo menos, uma reconsideração dessa<br />

antiga pressuposição.<br />

Talvez seja melhor considerar os animais similares a<br />

administradores — assessores, que tentam, por meio de uma variedade<br />

de meios comunicativos, fazer com que outras criaturas obedeçam de<br />

modo a beneficiar o indivíduo, o grupo e a espécie. Essa interação<br />

entre administradores e assessores poderia então explicar a evolução<br />

da comunicação animal em geral: é o que o comportamento<br />

comunicativo conquista, e não o que ele diz, que realmente importa<br />

para a sobrevivência e prosperidade na natureza. Nesse processo<br />

evolucionário cada vez mais elaborado, a linguagem na forma de<br />

comunicação<br />

41


vocal não apenas como a base de toda a interação social, mas também<br />

como veículo de pensamentos sofisticados — pelo menos em termos<br />

comparativos — parece ter surgido naturalmente em uma única<br />

família, a dos hominídeos.<br />

42


2<br />

Primatas falantes<br />

Nossos ancestrais primatas evidentemente possuíam os exatos<br />

caminhos neurais necessários para variados modos de expressão<br />

comunicativa de maneira a alcançar uma transmissão de informação<br />

adequada. Porém, os lábios e a língua dos grandes primatas careciam<br />

de controle coordenado; eles também eram incapazes de controlar a<br />

expiração. Mesmo se esses grandes primatas fossem fisicamente aptos<br />

a falar, sua 'fala provavelmente não seria em nada semelhante no<br />

modo como a entendemos hoje. O cérebro do humano moderno é duas<br />

ou três vezes mais volumoso do que qualquer outro primata existente<br />

no planeta; ele confere maior capacidade de usar e posteriormente<br />

elaborar a linguagem falada e raciocinar com ela. A história da<br />

linguagem humana é também uma história do cérebro humano e suas<br />

habilidades cognitivas; as duas caminham lado a lado. É uma história<br />

antiga.<br />

43


Entre sete e cinco milhões de anos atrás, na África,<br />

provavelmente como resultado de dietas diferenciadas, os hominídeos<br />

se separaram das outras espécies de primatas primitivos. 1 Dois<br />

principais gêneros de hominídeos se distinguiram: o gênero<br />

Australopithecus e o gênero Homo.<br />

Forçado pelas mudanças do clima na Terra a se adaptar para<br />

sobreviver, o hominídeo Australopithecine — presente no Grande<br />

Vale do Rift, na África há, pelo menos 4,1 milhões de anos — se<br />

tornou mais carnívoro que seus primos primatas e desenvolveu o<br />

bipedalismo (capacidade de andar sobre duas pernas) com uma<br />

postura ereta, permitindo maiores possibilidades de coleta de comida e<br />

a caça com duas mãos livres. Segundo alguns especialistas, devido à<br />

dieta altamente calórica, sua capacidade cerebral aumentou<br />

proporcionalmente ao seu peso corporal. As florestas africanas<br />

continuaram a se retrair, e esses robustos Australopithecines se<br />

ajustaram física e mentalmente às novas, áridas e abertas savanas; eles<br />

desenvolveram uma maior cooperação entre pequenos bandos, com<br />

períodos de caça mais longos e cobrindo distâncias maiores. Nenhum<br />

grande primata jamais exibiu a coerção social necessária para caçar<br />

nas savanas (embora os chimpanzés se juntem em bandos para caçar<br />

macacos na floresta); ainda assim, foi na savana africana que o<br />

Australopithecine se desenvolveu. Porém, um Australopithecus<br />

africanus de três milhões de anos atrás, por exemplo, teria<br />

demonstrado uma capacidade linguística similar à de um gorila,<br />

chimpanzé ou bonobo moderno. Ao dominar o bipedalismo, os<br />

australopithecines se tornaram grandes primatas andantes, mas a<br />

maioria dos especialistas concorda em afirmar que eles não eram<br />

grandes primatas falantes. 2<br />

A linguagem vocal humana parece ter surgido pela primeira vez<br />

com o gênero Homo, como será explicado a seguir. Hoje em dia, a<br />

44


maioria dos especialistas assume que uma espécie do gênero<br />

Australopithecus — ou os africanus do sul da África, ou os afarensis<br />

do leste da África — originou uma linhagem que eventualmente<br />

evoluiu para 0 nosso gênero Homo, cerca de 2,5 milhões de anos atrás.<br />

(Porém, é igualmente possível que o Homo seja um gênero não<br />

relacionado a ele.) O mais antigo espécime Homo já identificado, com<br />

2,4 milhões de anos, pertence à espécie Homo habilis. O habilis<br />

surgiu quando o clima da África mudou novamente: ele ficou mais<br />

seco e frio; as florestas tropicais encolheram, o pasto cobriu extensões<br />

maiores. Com uma capacidade cerebral de 400 cc a 500 cc, os<br />

Australopithecines eram evidentemente inaptos, em termos<br />

evolucionários, para se adaptar a essas mudanças ambientais. Com um<br />

cérebro significativamente maior, com capacidade entre 600 cc a 750<br />

cc, o Homo habilis possuía outros atributos inexistentes no<br />

Australopithecus e necessários à sobrevivência nesse novo ambiente<br />

— membros modernos, mais longos — e assim, o habilis prosperou<br />

até cerca de 1,6 milhão de anos atrás. O habilis não fabricava armas;<br />

ele comia restos de presas de carnívoros mais fortes e velozes. Porém,<br />

o habilis fabricou ferramentas de pedra simples, como martelos de<br />

pedra. O habilis também foi a primeira criatura a controlar o fogo.<br />

O cérebro maior do habilis permitiu que bandos maiores<br />

sobrevivessem, conseguindo excedentes ocasionais de comida. Por<br />

sua vez, isso permitiu que agrupamentos cada vez maiores e mais<br />

complexos de habilis se desenvolvessem, exigindo sociedades mais<br />

elaboradas e favorecendo maior propagação entre os membros com<br />

habilidades mentais superiores. Apenas no crânio do Homo habilis foi<br />

encontrada pela primeira vez a saliência da área de Broca, uma região<br />

do cérebro, essencial para a produção da fala e da linguagem de<br />

sinais. 3 O habilis poderia possuir os caminhos neurais para uma<br />

linguagem muito rudimentar.<br />

45


Porém, a fala humana não devia ser fisicamente possível<br />

naquela época. Os atributos físicos necessários para a produção do<br />

discurso vocal foram, geralmente, ignorados na busca pelas origens da<br />

linguagem humana. A ciência só começou a investigar essa questão a<br />

sério nas últimas duas décadas do século XX. Parece que há 1,6<br />

milhão de anos, o Homo ergaster, uma espécie de hominídeo que<br />

sucedeu o habilis, ainda preservava o pequeno buraco na vértebra da<br />

caixa torácica através do qual passa a medula espinhal, idêntico ao<br />

pequeno buraco que hoje também é encontrado em primatas não<br />

humanos. Os nervos dessa região controlam os músculos da caixa<br />

torácica usados especificamente na expiração. Um buraco tão pequeno<br />

torna as expirações necessárias à fala incontroláveis: há muito pouco<br />

tecido nervoso. As duas espécies mais antigas do Homo eram, desse<br />

modo, capazes apenas de padrões de fala curta e lenta e não<br />

modulada, e não uma fala articulada, que é o arranjo sistemático de<br />

sons vocais significativos.<br />

Além disso, sua laringe ou caixa vocal ainda era parecida com a<br />

das crianças humanas, que são anatomicamente incapazes de articular<br />

a maior parte dos sons humanos até a descida da laringe na garganta,<br />

que ocorre após o primeiro ano de vida (a laringe dos grandes<br />

prima-tas não desce). O crânio do antigo Homo habilis mostra apenas<br />

uma leve flexão na sua base, indicando que sua laringe ainda não<br />

havia evoluído para a dos humanos adultos modernos. Mesmo se os<br />

caminhos neurais que permitem a fala estivessem presentes, os órgãos<br />

físicos necessários a ela não estavam.<br />

Os atributos físicos, necessários à fala articulada humana,<br />

parecem ter evoluído bem rapidamente entre 1,6 milhão e 400 mil<br />

anos atrás. É dessa última data que provém o mais antigo fóssil de<br />

hominídeo que indica um uso possível do discurso vocal. Essa<br />

46


possibilidade surgiu com uma espécie de hominídeo totalmente nova:<br />

o Homo erectus.<br />

HOMO ERECTUS<br />

A ciência moderna reconhece atualmente pelo menos três<br />

espécies essenciais do gênero Homo: habilis, erectus e sapiens, nesta<br />

ordem evolucionária. É possível que apenas duas espécies humanas<br />

tenham vivido além da África: o erectus e o sapiens, e que tenham<br />

realizado o feito apenas porque haviam elaborado, por meio de uma<br />

fala rudimentar, um alto grau de organização social, que permitiu a<br />

migração dos grupos. Um modelo atualmente preferido coloca o<br />

Homo erectus como o primeiro hominídeo a deixar a África, seguindo<br />

animais selvagens maiores e deixando para trás uma trilha de<br />

machados minuciosamente manufaturados.<br />

Na década de 1890, a descoberta dos fósseis do topo do crânio,<br />

molar e fêmur de um humano na ilha de Java, na Indonésia, datado de<br />

700.000 anos atrás, provou que um hominídeo, primeiro chamado de<br />

'homem de Java', habitava o que na época era o sudeste do<br />

subcontinente asiático de Sunda. Descobertas posteriores permitiram a<br />

identificação de uma nova espécie: o Homo erectus. Essa espécie de<br />

hominídeo pode ter evoluído na África cerca de dois milhões de anos<br />

atrás, seguindo manadas pelos pastos africanos durante uma expansão<br />

interglacial, tornando-se, aos poucos, quase totalmente carnívora. O<br />

surgimento do erectus assinalou um grande avanço na evolução dos<br />

hominídeos. O erectus era mais magro, mais alto, mais rápido e mais<br />

esperto que todos os outros hominídeos antes dele. Do pescoço para<br />

baixo, ele lembrava com precisão os humanos modernos. Assim, o<br />

erectus ostentava um corpo forte, sua cabeça apresentava sulcos<br />

47


protuberantes na área da sobrancelha, e sua testa se projetava para<br />

atrás. Alguns especialistas acreditam que a energia extra fornecida por<br />

sua dieta predominantemente carnívora produziu um cérebro maior:<br />

800 cc a 1.000 cc (Homo sapiens: 1.100 cc a 1.400 cc).<br />

O cérebro maior permitiu que o erectus inventasse de uma<br />

maneira sem precedentes na natureza até então. O erectus fabricou o<br />

primeiro machado de mão (o mais antigo sítio arqueológico de<br />

machados de mão do mundo fica em Konso-Gardula, na Etiópia, e<br />

data entre 1,7 e 1,37 milhão de anos). Ele matava a presa com lascas e<br />

tijolos feitos de pedras. Provavelmente também usava ossos e<br />

madeira. Com armas versáteis e bons suprimentos de carne, o erectus<br />

se tornou evidentemente o primeiro hominídeo globalmente adaptado.<br />

Aparentemente, o erectus emigrou da África bem cedo, quase ao<br />

mesmo tempo de seu surgimento como espécie. (Ou então seu<br />

ancestral Homo emigrou antes dele, e evoluiu para erectus em outro<br />

lugar, emigrando depois para Java, e de volta para a África, como<br />

propõe uma outra teoria.) Parece que o erectus já estava instalado em<br />

Java — ou seja, no antigo subcontinente de Sunda, antes da elevação<br />

do oceano — cerca de dois milhões de anos atrás.<br />

A conexão com Java é essencial. Até 1997, acreditava-se que o<br />

erectus nunca havia, provavelmente devido à ausência de fala e<br />

inteligência, conseguido cruzar a linha de Wallace, o limite<br />

imaginário que separa Sunda da ilha de Lombok e divide a fauna da<br />

Ásia e da Austrália. Na verdade, até então, a linha de Wallace<br />

representava um divisor de águas que delineava as diferentes<br />

capacidades e alcance do Homo erectus e do Homo sapiens}<br />

Porém, ferramentas de pedra e restos dietéticos descobertos em<br />

1997 na ilha Flores ao leste de Lombok — do outro lado da<br />

48


linha de Wallace -, datados entre 900.000 e 800.000 anos atrás,<br />

parecem demonstrar que o erectus era inteligente e socialmente bem<br />

organizado o suficiente para construir balsas de bambu e cruzar o<br />

estreito de dezessete quilômetros que separa Sunda de sua vizinha<br />

oriental, mesmo nas épocas de níveis marítimos mais baixos. (Mais de<br />

uma década antes, um paleontólogo holandês sugeriu que os humanos<br />

haviam causado ali a extinção dos stegodons pigmeus cerca de<br />

900.000 anos atrás.)<br />

Planejamentos complexos exigem processos mentais<br />

complexos. A implementação social de um planejamento complexo<br />

demanda um alto grau de cooperação social. Isto implica o uso de uma<br />

linguagem que permita uma sintaxe condicional (frase significativa e<br />

sentença sequencial): 'se fizermos isto, acontecerá isso e aquilo'.<br />

Parece apropriado concluir a partir das evidências da ilha Flores que já<br />

há quase um milhão de anos, o Homo erectus era capaz de expressar<br />

tal forma de proposição condicional em sua fala. Isto já está bem além<br />

do 'primeiro passo' da humanidade em direção a um pensamento<br />

simbólico.<br />

Apenas recentemente os especialistas cogitaram a ideia de que o<br />

erectus poderia ter sido capaz da linguagem vocal. A admissão deriva<br />

do reconhecimento da capacidade de organização do erectus, como<br />

pode ser testemunhado em suas múltiplas conquistas através do globo.<br />

Porém, é improvável que a linguagem do erectus tenha sido a fala<br />

como a conhecemos. O buraco na vértebra mais baixa através da qual<br />

passa a medula espinhal ainda era pequeno demais para que ele<br />

pudesse controlar a expiração. Expressões vocais curtas e<br />

significativas eram possíveis; talvez uma sintaxe condicional estivesse<br />

realmente se desenvolvendo. Mas expressões vocais longas e<br />

complexas eram anatomicamente impossíveis. 5<br />

49


Aparentemente o Homo erectus povoou todo o Velho Mundo<br />

(ilustração I). Dez mil ferramentas de pedra, incluindo muitos<br />

machados de mão, recentemente descobertos em Ubeidiya em Israel,<br />

perto do Mar da Galileia foram datados de 1,4 milhão de anos atrás.<br />

Até a década de 1990, acreditava-se que os humanos não haviam<br />

entrado na Europa antes de 500 mil anos atrás. Porém, indícios da<br />

presença do erectus no local datam de um tempo muito anterior a<br />

esse, e aparecem quase anualmente nos registros arqueológicos. É<br />

claro que isso estabelece uma relação imediata cora a história da<br />

linguagem humana na Europa.<br />

No início de 1996, uma grande parte do topo do crânio de um<br />

(provisoriamente identificado) erectus que havia sido encontrado a 80<br />

quilômetros a sudeste de Roma, perto de Ceprano, foi montado e<br />

descobriu-se que ele datava de mais de 800.000 anos; ele não tem a<br />

crista que percorre o centro do crânio, e seu cérebro é<br />

significativamente maior que o do erectus clássico. Em duas<br />

temporadas recentes no sítio arqueológico de Gran Dolina, na Serra de<br />

Atapuerca, no norte da Espanha, foram descobertos cerca de 100<br />

fósseis, provavelmente de erectus, e o dobro de ferramentas de pedra,<br />

datando de pelo menos 800.000 anos. A fabricação de ferramentas não<br />

exige linguagem, embora a travessia do estreito de Gibraltar como<br />

uma 'migração de grupo' — do mesmo modo que o cruzamento da<br />

linha de Wallace na Indonésia — a exija. A semelhança desses fósseis<br />

com os fragmentos do erectus encontrado na Argélia na década de<br />

1950 sugere que o erectus efetuou travessias marítimas semelhantes<br />

do litoral do norte da África até a Sicília e à Itália continental mais ou<br />

menos na mesma época. O maxilar inferior de um erectus, datado de<br />

talvez 1,6 milhão de anos (o dado é contestado por vários cientistas<br />

ocidentais), foi encontrado em 1991, na República da Geórgia. O peso<br />

cumulativo desses indícios<br />

50


atualmente sugere que o Homo erectus deve ter entrado na Europa por<br />

vários pontos — sudoeste, sul e leste — mais de um milhão de anos<br />

atrás. Porém, nem todos os paleontólogos concordam. 6<br />

Esses primeiros europeus parecem surpreendentemente<br />

sofisticados quando comparados aos primeiros hominídeos. O sítio<br />

arqueológico de Boxgrove no sudeste da Inglaterra demonstra isso,<br />

por um curto período, há, pelo menos, 500 mil anos, os humanos<br />

primitivos estavam caçando animais grandes e perigosos, como<br />

auroques e cavalos, com lanças de madeira numa elaborada<br />

orquestração. Não era o mesmo que comer restos, como os antigos<br />

erectus africanos; era uma caça cooperativa, numa escala bem acima<br />

do modo como os chimpanzés caçam macacos na floresta. Para<br />

planejar, coordenar e emboscar a presa dessa maneira, a fala é<br />

essencial.<br />

Mais recentemente, a Alemanha revelou a sofisticação da<br />

sociedade dos erectus na Europa central há quase 500 mil anos. Em<br />

1995, perto de Schöeningen, a leste de Magdeburgo, foram<br />

encontradas cinco longas lanças com 400.000 anos, entre milhares de<br />

ossos de cavalos abatidos e muitos restos de fogueiras. Outro sítio,<br />

Bilzingsleben, perto de Jena, parece ter sido um povoado permanente<br />

de erectus, há, pelo menos, 412.000 anos, com 'casas' de 3 a 4 metros<br />

de largura e uma grande área pavimentada que deve ter servido para<br />

rituais de grupo, incluindo o de esmagar e espalhar restos humanos. O<br />

sítio forneceu a maior coleção de artefatos feitos com ossos do mundo<br />

que indicam uma presença anterior de oficinas para a fabricação de<br />

artefatos de ossos, madeira e pedras. Vários ossos de Bilzingsleben<br />

parecem exibir incisões intencionais, revelando linhas cortadas em<br />

intervalos regulares. Embora seu descobridor veja nesses talhos<br />

símbolos gráficos primitivos, outros sustentam que qualquer<br />

intencionalidade humana seria improvável, uma vez que o<br />

51


1 Alcance cronológico do Homo erectus (o mapa apresenta os litorais modernos).


pensamento simbólico é geralmente aceito como uma característica da<br />

mente humana moderna.<br />

Cerca de 350.000 anos atrás, o norte da Europa foi tragado pelas<br />

geleiras. Os humanos tornaram-se escassos, e migraram para o sul<br />

atrás de climas mais quentes. Restos de pelos menos 32 humanos de<br />

300.000 anos atrás foram descobertos em 1993 na Serra de Atapuerca.<br />

Um crânio possuía um cérebro tão grande quanto o de um humano<br />

moderno. As características faciais desses humanos primitivos<br />

lembravam os primeiros Neandertais (veja mais à frente), mas sua<br />

altura era similar à nossa. Não se sabe se essa população era composta<br />

de Homo heidelbergensis tardios, Homo sapiens primitivos ou uma<br />

nova espécie de Homo. Como resultado de migrações sucessivas,<br />

nessa época, a Europa abrigava muitas espécies diferentes de<br />

hominídeos. As diferenças entre os fósseis também sugerem uma<br />

diversidade 'racial' significativa entre as populações de erectus,<br />

indicando uma maior liberdade genética do que se estimava até então.<br />

O clima ríspido da Europa forçava uma dieta quase<br />

exclusivamente carnívora, a qual, por sua vez, devido às enormes<br />

dificuldades apresentadas pela caça naquele clima, tornava urgente<br />

planejamentos, coordenações e organizações ainda mais complexas:<br />

as sociedades de hominídeos primitivos europeus chegaram a designar<br />

pequenos grupos de caçadores que se separavam do grupo principal<br />

durante longos períodos. Para sobreviver na Europa durante as Eras<br />

Glaciais, migrantes de latitudes meridionais mais quentes tiveram de<br />

desenvolver redes sociais mais complexas, ir embora ou perecer. Uma<br />

teoria recente propõe que a fala articulada humana possivelmente<br />

evoluiu primeiro no ríspido norte europeu e só depois foi transmitida<br />

para outras espécies de Homo em outros locais. Porém, se a linguagem<br />

é geneticamente determinada, sua transmissão para outras espécies só<br />

poderia<br />

54


ocorrer por meio de acasalamentos híbridos; isso faz essa teoria<br />

parecer improvável. Caso o suposto uso da linguagem articulada em<br />

Sunda, que permitiria a travessia da linha de Wallace 900.000 anos<br />

atrás seja verdade, ele similarmente contradiz a sugestão.<br />

O Homo erectus 'deixou' de existir? Recentemente, uma coleção<br />

de fósseis de erectus no sítio arqueológico de Ngandong, na<br />

Indonésia, foi redatada para menos de 50.000 anos atrás. Talvez o<br />

erectus tenha coexistido com o recém-surgido sapiens. Sob esse<br />

aspecto, as descobertas mais recentes de fósseis ainda parecem apoiar,<br />

pelo menos, uma versão modificada da teoria da 'Saída da África para<br />

a substituição do Homo erectus e o aparecimento do Homo sapiens<br />

nessa região. 7 Ou seja, o sapiens moderno surgiu na África entre<br />

150.000 e 100.000 anos atrás, e depois se expandiu para o Oriente<br />

Médio e a Europa, onde substituíram os Neandertais, 30.000 anos<br />

atrás, e para a Ásia, onde substituíram os mais antigos Homo erectus.<br />

Os crânios de Ngandong exibem abóbadas mais altas que os mais<br />

primitivos crânios de erectus de Java ou da China. Alguns<br />

especialistas acreditam que isso pode ser explicado ou como uma<br />

evolução convergente — ou seja, que o crânio dos erectus<br />

simplesmente evoluiu por conta própria para um crânio parecido com<br />

o dos humanos modernos — ou como resultado de acasalamento<br />

híbrido com a chegada do sapiens menos de 50.000 anos atrás<br />

(embora a característica que defina uma 'espécie' seja a incapacidade<br />

de se acasalar com outra).<br />

Com a espécie erectus, talvez originada há 900.000 anos, uma<br />

forma de fala articulada foi aparentemente se desenvolvendo pela<br />

primeira vez, possivelmente permitindo planejamentos e organizações<br />

complexas. É possível que os humanos já estivessem usando nomes<br />

para identificar indivíduos. Porém, declarar, como fez recentemente<br />

um neurocientista, que um primitivo ritual de casamento plantou<br />

55


o simbolismo na mente do hominídeo, e foi a única fonte da<br />

linguagem humana, é ignorar a complexidade e a antiguidade do<br />

desenvolvimento da fala humana que, na realidade, foi um processo<br />

demorado de evolução anatômica conduzido e alimentado por uma<br />

série de fatores externos. Que esse processo já houvesse sido iniciado<br />

especificamente pelo erectus, talvez seja ainda mais insinuado pelas<br />

capacidades físicas e neurais de fala que eles dividiam com os<br />

posteriores neanderthalensis (Neandertais) e sapiens (humanos<br />

modernos) e a relativa sofisticação de suas sociedades baseadas na<br />

fala: uma sofisticação que aponta para ou uma evolução convergente<br />

ou uma origem comum.<br />

Quais fundamentos linguísticos o Homo erectus poderia ter<br />

desenvolvido há quase um milhão de anos? Deve-se lamentar a<br />

improbabilidade de que os processos cerebrais dos primeiros<br />

hominídeos possam ser restaurados. Geralmente, aceita-se que a<br />

linguagem vocal humana não deriva diretamente de alguma<br />

característica pré-humana. A linguagem vocal humana também não<br />

lembra nenhuma forma conhecida de comunicação animal na<br />

natureza: o alerta 'fogo!' dos grandes primatas e outros animais, por<br />

exemplo, não constitui uma 'palavra embrionária. E a associação<br />

indexical — ou seja, uma ligação entre um objeto físico e uma palavra<br />

falada ou sinalizada como 'banana' ou 'teclado' — não é simbólica,<br />

mas simplesmente associativa. Assim, as vocalizações ou sinais que<br />

reproduzem essas associações, tais quais as usadas nos experimentos<br />

de comunicação entre humanos e animais, não apontam para o uso<br />

humano da linguagem. A linguagem vocal humana é diferente. Ela é<br />

um processo dinâmico, simbólico — não associativo — e totalmente<br />

antropocêntrico. Isso ocorre porque a linguagem vocal humana<br />

evoluiu como uma função distinta e autônoma com os órgãos de fala e<br />

cérebro humanos.<br />

56


Porém, a implicação de que o cérebro humano só poderia ter evoluído<br />

em conjunção com a fala é improvável.<br />

No centro da história do surgimento da linguagem vocal humana<br />

estão duas questões fundamentais: como apareceram as 'palavras' e<br />

como a 'sintaxe' surgiu? 8 Talvez essas duas questões possam ser mais<br />

bem respondidas por meio de uma investigação dos universais<br />

linguísticos. Esses universais poderiam estar presentes nos primeiros<br />

estágios do desenvolvimento da linguagem dos hominídeos. A classe<br />

básica do 'léxico' (entendido aqui em seu sentido mais amplo,<br />

significando o conjunto de unidades individuais de comunicação) deve<br />

ser compartilhada por todas as criaturas, e manifestada por meio de<br />

diferentes modos de expressão: os feromônios, no caso das formigas, a<br />

dança das abelhas e a linguagem vocálica dos hominídeos. Porém,<br />

pode-se observar que o léxico vocal da linguagem de uma criança<br />

humana não se combina em estruturas mais longas; seu léxico também<br />

não pode ser definido em termos de outras palavras. A linguagem da<br />

criança humana carece de sintaxe, da mesma forma que todos os não<br />

humanos carecem de sintaxe em seus vários modos de comunicação.<br />

(O contra-argumento de que as danças das abelhas certamente têm<br />

algum tipo de sintaxe começaria o problema; coreografia não substitui<br />

articulação.)<br />

Cerca de um milhão de anos atrás mudanças significativas nas<br />

vocalizações dos hominídeos primitivos foram, evidentemente,<br />

ocorrendo, talvez como mais uma consequência, a evolução da<br />

capacidade cerebral resultante da dieta, das migrações e/ou das<br />

mudanças climáticas. A gramática foi surgindo a partir de sons até<br />

então indistinguíveis. Provavelmente, um léxico vocal básico foi<br />

incorporando uma morfologia simples: por exemplo, uma palavra<br />

central como 'caça poderia agora se tornar 'caçado' para expressar o<br />

passado. (Essa<br />

57


é uma analogia meramente ilustrativa.) Uma fonologia, ou sistema de<br />

sons, mais sofisticada talvez decorrente de um melhor controle verbal,<br />

permitiu distinções fonéticas (som falado) que se tornaram distinções<br />

fonêmicas (a menor unidade de som): uma palavra como 'cão' poderia<br />

agora ser distinguida de uma palavra como 'mão'. Foi nessa época que<br />

os primeiros universais linguísticos específicos poderiam, talvez, ter<br />

aparecido. Pode-se deduzir os universais pré-sapiens nos tipos de<br />

universais encontrados nos sapiens de hoje.<br />

Aparentemente há quatro tipos básicos de universais<br />

linguísticos. Entre os vários universais absolutos, estão, por exemplo,<br />

o reconhecimento de que todos os sistemas linguísticos contêm pelo<br />

menos três vogais e que preto e branco devem estar presentes entre o<br />

conjunto de cores. Entre os universais tendenciais, está a percepção de<br />

que [p t k] são 'normalmente' os pontos de articulação básicos para<br />

pausas (consoantes que encerram uma obstrução total das vias<br />

respiratórias) e que outras pausas geralmente não são incluídas à<br />

língua a não ser que [p t k] já estejam presentes. Universais<br />

implicativos só são verdadeiros quando existem certas condições: por<br />

exemplo, se vermelho é uma cor em determinada língua, então<br />

pode-se 'esperar' que preto e branco já estejam presentes nelas. Os<br />

universais não implicativos não exigem condições prévias, mas<br />

também podem ser absolutos ou tendenciais: isso é observado no<br />

aparente universal de que todas as línguas humanas contêm pelo<br />

menos três vogais.<br />

O linguista norte-americano Noam Chomsky propôs que<br />

crianças possuem uma 'predisposição inata para selecionar certos<br />

princípios formais de construção de frases em línguas naturais e não<br />

em outras. Ele está convencido de que se, digamos, fosse construída<br />

uma língua artificial que violasse vários desses princípios, então essa<br />

língua simplesmente não poderia ser aprendida ou adquirida com a<br />

58


'facilidade e eficiência' que uma criança normal demonstra ao<br />

aprender uma língua natural. Porém, a hipótese de Chomsky não está<br />

sujeita à verificação empírica direta. Também há vários problemas<br />

graves com o conceito 'inato'. 9 Mais significativamente, o conceito<br />

parece exigir uma aceitação passiva de uma qualidade indefinível e<br />

inexplicável — 'inatismo' — em vez de identificar características<br />

linguísticas universais derivadas do processo dinâmico do pensamento<br />

relacionadas à capacidade de percepção, cognição, demanda social e<br />

processamento de informações.<br />

Vamos passar da sintaxe, da construção das sentenças, para um<br />

léxico linguístico ou palavras constituintes, para ampliar a discussão<br />

sobre os universais (embora deva-se notar que a posição de Chomsky<br />

diz respeito apenas à sintaxe). O universal preto/branco mencionado<br />

acima não é verdadeiramente um 'universal de cores', mas meramente<br />

um produto do processo perceptivo do cérebro humano que pode<br />

registrar o brilho em termos de 'negritude' e 'brancura', embora as<br />

cores sejam separadamente codificadas como 'amarelo/azul',<br />

'vermelho/verde, e assim por diante, para o estabelecimento das seis<br />

cores focais do arco-íris as quais todos os grupos linguísticos parecem<br />

responder de variadas maneiras.<br />

Do mesmo modo, também é formalmente inadequado<br />

simplesmente declarar que há um mínimo de três vogais em todas as<br />

línguas humanas modernas (ou seja, do Homo sapiens). Também<br />

deve-se incluir a informação de que as línguas que possuem apenas<br />

três vogais apresentam apenas o [i] (pronunciado i), [a] (a) e [u] (u).<br />

(Estudos recentes mostraram que mesmo o Homo neanderthalensis<br />

era anatomicamente incapaz de produzir especificamente essas três<br />

vogais do Homo sapiens.) Pode-se perguntar 'por quê?'. A resposta<br />

seria que essas três vogais fornecem a máxima projeção acústica.<br />

Vogais adicionais<br />

59


serão posicionadas uniformemente entre essas três voga is básicas de<br />

acordo com o papel dinâmico da separação de vogais.<br />

Um outro exemplo, ligado ao processo cognitivo do cérebro<br />

humano, seria o reconhecimento de que em todas as línguas o singular<br />

ocorre mais frequentemente que o plural, e o plural mais<br />

frequentemente que o dual. Ou seja, o cérebro humano registra uma<br />

unidade específica antes de um grupo (conjunto), e um grupo antes de<br />

um tipo de grupo. A partir daí pode-se generalizar a dinâmica<br />

universal de que, em todas as línguas, uma marcação simples vem<br />

antes de uma marcação menos simples. 10 (Marcação significando<br />

qualificação por meio da identificação de características distintas.)<br />

Existirão universais sintáticos que podem ter sido elaborados<br />

numa época tão distante pelo Homo erectus? Na verdade parece<br />

existir um grande número de universais sintáticos. Por exemplo, todas<br />

as línguas parecem compelidas a colocar adjetivos ('grande') próximos<br />

aos substantivos ('caverna') que eles modificam. Uma sensação<br />

cerebral de 'pertencimento' opera na linguagem humana de modo a<br />

limitar a distância entre itens que se 'pertencem'. O que mentalmente<br />

se pertence é então unido sintaticamente. As sintaxes artificiais,<br />

arcaicas e/ou quase sempre forçadas da poesia (como, por exemplo, a<br />

de Homero, Virgílio e Bãshõ) simplesmente compreendem felizes<br />

exceções expressadas em modos de fala altamente marcados ou<br />

menos frequentes; esse universal sintático também é encontrado na<br />

maioria das línguas.<br />

Talvez o Homo erectus já estivesse elaborando, durante<br />

centenas de anos, formas semelhantes de processar a linguagem que<br />

contivessem os essenciais linguísticos humanos. Apesar de limitados,<br />

se conotativos, os significados são os únicos universais linguísticos<br />

humanos óbvios: todos os seres humanos precisam abrir a boca para<br />

falar; todas as línguas humanas possuem um verbo (ação ou modo) e<br />

um<br />

60


complemento (sujeito ou coisa). Todas as línguas humanas têm<br />

imperativo, afirmativo, negativo e interrogativo. Muito mais<br />

importante para as pesquisas atuais são as dinâmicas linguísticas<br />

universais: em todas as línguas, por exemplo, parece que uma frase<br />

significativa e sentença sequencial encontram-se em oposição à<br />

formação sistemática de palavras, que a palavra ('colmeia')<br />

encontra-se em oposição à frase ('para a colmeia'), e oposições<br />

semelhantes ulteriores.<br />

Uma questão adicional em relação a uma elaboração gradual da<br />

fala articulada do Homo erectus seria em que grau a função<br />

comunicativa da linguagem poderia influenciar a própria forma da<br />

linguagem. Os inatistas acreditam que os universais de linguagem são<br />

características inerentes num modelo linguístico autônomo herdado<br />

pela nossa espécie. Os funcionalistas falam em coerções<br />

interlinguísticas — ou universais — explicadas primeiramente pelos<br />

processos linguísticos e a pressão imposta por eles. Um exame do<br />

debate entre inatistas e funcionalistas demonstra que talvez uma<br />

postura conciliadora de que tanto as coerções sintáticas autônomas<br />

quanto a complexidade processual desempenham papéis fundamentais<br />

e complementares na produção da linguagem. 11 A função<br />

comunicativa da linguagem influencia dinamicamente a forma da<br />

linguagem ('colmeia' versus 'para a colmeia'), mas dentro de<br />

específicas restrições herdadas, é o que parece ('caverna grande'<br />

permanece unida mentalmente e sintaticamente).<br />

Porém, todos os especialistas concordam que nos hominídeos o<br />

controle da linguagem e o controle das mãos estão intimamente<br />

ligados a funções cerebrais. Os gestos estão tão integrados à fala<br />

humana, que parecem facilitar o processo cerebral que sustenta a<br />

capacidade linguística. Os gestos não estão presentes apenas para<br />

informar expectadores e ouvintes, mas para permitir que o falante<br />

pense. Desde uma época muito distante, a linguagem dos gestos talvez<br />

tenha contribuído,<br />

61


de uma maneira ainda não muito clara, para o desenvolvimento da<br />

linguagem vocal humana.<br />

HOMO NEANDERTHALENSIS (NEANDERTAL)<br />

As características distintas dos Neandertais começaram a<br />

aparecer no Pleistoceno Médio, entre 300.000 e 230.000 anos atrás. 12<br />

Os Neandertais são anatomicamente bem diferentes dos Homo sapiens<br />

tardios, embora ambos tenham provavelmente se originado do mesmo<br />

ancestral. Seus fósseis foram encontrados pela primeira vez na década<br />

de 1850, numa pedreira perto de Dusseldorf, na Alemanha; desde<br />

então, restos de Neandertais surgem desde Gibraltar até o Iraque.<br />

Vivendo em bandos independentes de cerca de 30 membros, é<br />

evidente que os Neandertais jamais se juntaram em grupos superiores<br />

a poucas dezenas. Os Neandertais mais antigos, os Pré-Neandertais,<br />

eram altos e magros, e preservavam muitas características dos erectus<br />

anteriores, numa região que apresentava períodos ocasionais do clima<br />

quente subtropical.<br />

Cerca de 180.000 anos atrás, outra parede de gelo desceu a<br />

Europa. Provavelmente, muitos, embora não todos, Pré-Neandertais<br />

migraram para o sul e sudeste até o Oriente Médio. Quando o gelo<br />

lentamente se retraiu, muitos grupos repovoaram a Europa. Porém,<br />

eles não eram mais os altos e magros Pré-Neandertais, mas sim<br />

Neandertais atarracados e troncudos, com membros curtos e fortes —<br />

uma adaptação anatômica que retém o calor contra o clima ríspido e<br />

gelado da Europa da Era do Gelo. Coletores de mariscos, plantas e<br />

répteis e caçadores de grandes caças, os Neandertais matavam pela<br />

estratégia e cooperação, e não por meio de armas superiores. Os<br />

dentes desgastados de seus fósseis provam que eles rasgavam o couro<br />

com os dentes da frente para fabricar roupas quentes, do mesmo modo<br />

como hoje<br />

62


fazem os limites .13 Eles enterravam os mortos; cuidavam dos<br />

incapacitados; adoravam ornamentos pessoais. Suas ferramentas,<br />

frequentemente raspadores de couro, eram o ideal de um artesão. Eles<br />

eram especialistas em pedras de fogo, uma tecnologia altamente<br />

sofisticada. Embora o cérebro do Neandertal fosse maior do que o dos<br />

humanos modernos, essa capacidade extra era, possivelmente, usada<br />

para gerenciar sua adicional massa corporal. Parece que os<br />

Neandertais sempre preferiram os músculos ao cérebro.<br />

A maioria dos especialistas concorda que os Neandertais<br />

usavam uma linguagem rudimentar, parecida com a nossa própria<br />

língua; nada mais poderia explicar sua complexa manufatura de<br />

ferramentas c o alto nível de suas sociedades. A partir da descoberta<br />

de um osso hioide (que fica na parte de trás da língua e dá apoio à<br />

laringe) de Neandertal, intacto, datado de 60.000 anos, idêntico ao dos<br />

humanos modernos, foi recentemente proposto que a língua dos<br />

Neandertais era tão hábil quanto a língua dos Homo sapiens tardios,<br />

indicando uma fala fluente e frequente. Porém, nem todos os<br />

especialistas concordam. 14 Mais recentemente, foi descoberto que a<br />

largura do canal hipoglosso (que leva os nervos que controlam a<br />

língua através da base do crânio) dos Neandertais está dentro dos<br />

limites de variação dos humanos modernos.<br />

Pode-se considerar que naquela época, mais de 300.000 anos<br />

atrás, sentenças mais complexas possivelmente permitiam processos<br />

mentais humanos mais complexos. 15 O rápido aumento do cérebro<br />

humano aparentemente ocorreu lado a lado com processos mentais<br />

cada vez mais sofisticados facilitados por uma linguagem humana<br />

mais complexa. A 'linguagem de bebê' dos humanos primitivos estava<br />

sendo substituída — primeiramente no caso do Homo erectus, e<br />

depois de maneira mais complexa no caso do Homo neanderthalensis<br />

— por<br />

63


um meio que estava evoluindo rapidamente junto ao seu aparato<br />

funcional: o cérebro maior permitia a fala articulada, e a fala<br />

articulada permitia que o cérebro aumentasse ainda mais.<br />

Aparentemente, esses dois hominídeos já conseguiam transcender as<br />

necessidades imediatas da vida cotidiana — comida, calor, sexo —<br />

objetificando mentalmente as conquistas de um dia, analisando e<br />

qualificando-as de maneira a se preparar para fazer melhor no dia<br />

seguinte.<br />

Para alcançar essa objetificação, para criar um pensamento<br />

produtivo, o cérebro humano exige mais que palavras referenciais, ou<br />

seja, sons autônomos relacionados a objetos da vida real, como<br />

auroques, fogo, genitais. Um cérebro humano exige palavras que<br />

apontem para outras palavras. O pensamento e o sistema linguístico<br />

precisam se tornar autorreferenciais. Para isso, a linguagem humana,<br />

talvez já numa era primitiva, poderia ter elaborado toda uma classe de<br />

palavras especiais como 'para' e 'que', 'porque' e 'por quê?'. Essa nova<br />

ordem superior de palavras — de modo algum associadas com o<br />

exterior, o mundo objetivo — poderia então ter ligado o léxico de<br />

ordem inferior, palavras herdadas, para formar sentenças complexas.<br />

São as sentenças complexas que fundamentam a dinâmica do<br />

pensamento multifacetado. A linguagem humana moderna nasce<br />

através da sintaxe, algo que se tornou tão absolutamente essencial à<br />

humanidade, mas que falta às 'linguagens' não humanas na natureza:<br />

regras que governem o modo como palavras e elementos de frases e<br />

sentenças são conectados de modo a produzir sentido.<br />

Os hominídeos primitivos, talvez como resultado de uma<br />

mutação ao acaso que gerou uma reorganização cerebral, tornaram a<br />

sintaxe o centro de sua linguagem vocal única. Essa sintaxe humana<br />

— que só pôde evoluir quando os humanos já possuíam tanto os<br />

caminhos neurais para processar esse nível de linguagem quanto o<br />

aparato<br />

64


espiratório para controlar a aspiração, construída sobre a fundação de<br />

uma linguagem gestual — evidentemente teve 'início' há quase um<br />

milhão de anos entre os Homo erectus ou possivelmente há mais de<br />

um milhão de anos, (uma vez que esse processo era evidentemente<br />

compartilhado por erectus primitivos da Ásia e da Europa). Ela<br />

provavelmente chegou ao 'fim' apenas há cerca de 400.000 a 300.000<br />

anos, quando o primeiro Homo neanderthalensis surgiu na Europa. O<br />

processo só se completaria totalmente quando surgiram os seres<br />

humanos anatomicamente modernos, cerca de 150.000 anos mais<br />

tarde. Antes da sintaxe, não se pode falar de uma linguagem humana<br />

articulada. Após o final da elaboração da sintaxe, o ser humano falou,<br />

e raciocinou, como nós. Esse não foi um processo repentino. Ele<br />

evoluiu durante muitas centenas de milhares de anos, começando com<br />

o Homo erectus e culminando (e ainda evoluindo) com o Homo<br />

sapiens.<br />

A teoria da importância da sintaxe na história da linguagem<br />

humana, defendida por Noam Chomsky por mais de 40 anos, é apenas<br />

uma entre as muitas teorias. Porém, atualmente, ela parece oferecer a<br />

melhor explicação linguística para o fenômeno observado. A maioria<br />

das teorias sobre a origem e o desenvolvimento da linguagem deriva<br />

de investigações paleoantropológicas, paleoanatômicas e<br />

neuroanalíticas, que geralmente ignoram as prerrogativas mais<br />

imediatas da ciência linguística. A teoria do papel da sintaxe — talvez<br />

o âmago da fala articulada moderna — na história da linguagem<br />

humana merece uma consideração séria, até que apareça uma melhor.<br />

Entre 100.000 e 80.000 anos atrás, outra parede de gelo invadiu<br />

a Europa. Novamente, os Neandertais teriam migrado para o sul e<br />

sudeste em direção ao Oriente Médio, onde também há indícios de<br />

Homo sapiens primitivos de pelo menos 90.000 anos. Nessa época as<br />

atividades sociais, enterros e práticas de caça dos<br />

65


Neandertais eram indistinguíveis das práticas dos sapiens. Na<br />

verdade, há a possibilidade de que neanderthalensis e sapiens<br />

primitivos tenham interagido de forma direta; talvez eles tenham,<br />

inclusive, se reproduzido hibridamente. É óbvio que isso teria<br />

influenciado suas respectivas linguagens, resultando num tipo de<br />

bilingualismo (habilidade de falar duas línguas) entre as espécies,<br />

trocas lexicais (palavras) isoladas e talvez contaminação fonológica<br />

(sistema sonoro), levando a mudanças sistemáticas limitadas. Mas,<br />

devido a populações tão esparsas, esse contato nunca teria sido tão<br />

produtivo quanto os contatos entre uma mesma espécie através do uso<br />

da sua própria língua territorial.<br />

A indistinção entre as culturas dos neanderthalensis e dos<br />

sapiens continuou até 50.000 anos atrás, quando novas tecnologias<br />

surgiram subitamente entre os sapiens — armas, projéteis e lâminas<br />

mais afiadas para o corte. Parece que alguns grupos de sapiens deram<br />

algum tipo de 'salto' evolucionário que permitiu que eles, e não os<br />

neanderthalensis, evoluíssem em humanos modernos. Nessa época o<br />

sapiens 'Cro-Magnon' começou a se estabelecer na Europa, com suas<br />

fogueiras mais elaboradas, abrigos mais eficientes e roupas<br />

especialmente fabricadas. Em cerca de 20.000 anos todos os<br />

Neandertais já estavam extintos, talvez vítimas de invasões e<br />

competições por comida com o Homo sapiens. 16<br />

HOMO SAPIENS<br />

Antigamente acreditava-se que os Homo sapiens arcaicos<br />

haviam sido os primeiros hominídeos a emigrar da África. Mas<br />

apenas as pesquisas das últimas duas décadas provaram, sem sombra<br />

de dúvida, que durante um período de cerca de 100.000 anos os<br />

sapiens substituíram os Neandertais na Europa e no Oriente Médio e<br />

o erectus no<br />

66


Extremo Oriente, duas espécies de hominídeos proeminentes que há<br />

muito habitavam essas regiões. Formas arcaicas dos sapiens já<br />

evoluíam havia 500.000 anos: hominídeos de constituição forte com<br />

rostos mais largos, queixos menores e sobrancelhas protuberantes.<br />

Uma nova era glacial, ocorrida há 186.000 anos, criou condições<br />

áridas na África e possivelmente forçou várias espécies humanas que<br />

viviam ali, incluindo os sapiens, a sobreviver em grupos menores e<br />

mais isolados. Há 150.000 anos, humanos anatomicamente modernos,<br />

que possuíam todas as características necessárias para a fala como<br />

conhecemos hoje, estavam surgindo tanto na África quanto no Oriente<br />

Médio, onde provavelmente ocorreram os primeiros contatos com<br />

grupos de Neandertais. Cerca de 120.000 anos atrás, a parede de gelo<br />

que cobria a Europa se retraiu, mais uma vez criando condições<br />

favoráveis, e surgiram os Homo sapiens modernos, idênticos a nós. Os<br />

mais antigos fragmentos de ossos de sapiens modernos datam dessa<br />

época; eles são encontrados no sul da África e na Etiópia e apresentam<br />

características da humanidade moderna: testas altas e lisas — com as<br />

elevações das sobrancelhas pouco visíveis — e maxilares salientes.<br />

Em nenhum outro lugar apareceram fósseis de sapiens tão antigos e<br />

claramente modernos.<br />

Muitos especialistas acreditam que o Homo sapiens se originou<br />

na África. A chamada teoria da 'Saída da África' aponta para indícios<br />

de DNA mitocondrial — o material genético que apenas as fêmeas<br />

podem transmitir — que indicam que os humanos modernos viveram<br />

mais tempo na África do que em qualquer outro lugar. 17 Além disso, a<br />

teoria reconhece que os fósseis mais antigos de esqueletos com<br />

características de sapiens modernos provêm igualmente da África.<br />

Porém, há uma outra opinião chamada teoria 'multirregional', que<br />

sustenta que humanos modernos evoluíram de predecessores Homo<br />

erectus em várias regiões: os australianos nativos, por exemplo,<br />

preservariam<br />

67


características específicas de erectus. 18 Os que endossam essa última<br />

teoria acreditam que houve uma constante troca de genes entre as<br />

populações primitivas. Eles desconsideram o indício do DNA<br />

mitocondrial da teoria da 'Saída da África', por não enxergarem a<br />

importância do papel do macho nas excursões, trocas e acasalamentos<br />

no milênio. Porém, as últimas comparações de DNA mitocondrial<br />

distribucionais com o cromossomo masculino Y revelaram que a taxa<br />

de migração das mulheres na história parece ser oito vezes maior que<br />

a dos homens.<br />

Ambas as teorias influenciam nosso entendimento das línguas<br />

dos primeiros humanos. Se a teoria da 'Saída da África' estiver correta,<br />

então todas as famílias linguísticas presentes no planeta teriam se<br />

originado das relativamente recentes línguas africanas. Porém, se a<br />

teoria 'multirregional' estiver correta, essas famílias linguísticas seriam<br />

muito mais antigas e abrigariam uma complexidade de<br />

desenvolvimento de um milhão de anos ou mais. Também há uma<br />

teoria conciliatória: que algumas áreas, como a Europa Ocidental,<br />

apresentaram uma substituição total ou quase total, de Neandertais<br />

nativos pelos sapiens, enquanto outros lugares, como o Extremo<br />

Oriente, parecem indicar que pode ter havido algum fluxo genético<br />

entre espécies de hominídeos primitivos. Talvez essa teoria<br />

conciliatória deva ser considerada na investigação das macrofamílias<br />

de línguas, por exemplo (veja ilustração 2).<br />

Análises genéticas recentes deixam poucas dúvidas de que, pelo<br />

menos, a maioria dos europeus descende dos primeiros humanos<br />

caçadores-coletores que migraram do Oriente Médio para a Europa no<br />

início do período paleolítico superior, cerca de 50.000 anos atrás.<br />

Desde então, na Europa, a hereditariedade genética permaneceu<br />

regularmente constante. 19<br />

No sítio arqueológico da foz do rio Klasies, na África do Sul, há<br />

uma caverna que abrigou Homo sapiens entre 120.000 e 60.000 anos<br />

68


atrás. Esses humanos modernos podiam abater búfalos gigantes com<br />

lanças. Suas atividades domésticas eram complexas. Seus desenhos de<br />

'giz de cera' vermelho-ocre podem indicar o uso da cor de maneira<br />

simbólica. A gama e procedência de suas ferramentas indicam que<br />

ferramentas particulares foram manufaturadas especificamente para a<br />

troca com tribos vizinhas. Esses sapiens primitivos praticavam a arte e<br />

a música e enterravam ritualmente seus mortos com presentes. Essa<br />

era uma pequena sociedade humana elaborada vivendo num<br />

assentamento permanente. Eles tinham um conhecimento da natureza<br />

e da caça tão rico e complexo quanto o nosso conhecimento da<br />

sociedade moderna e da tecnologia. Eles teriam usado a linguagem<br />

tanto quanto nós a usamos hoje.<br />

Entre 40.000 e 35.000 anos atrás, grupos de sapiens já haviam<br />

chegado no norte da Austrália, onde deixaram decorações ou símbolos<br />

em paredes de abrigos de pedras. Enquanto, no Velho Mundo, o<br />

sapiens substituía e/ou absorvia os erectus e neanderthalensis, eles<br />

experimentavam simultaneamente uma 'explosão cultural' que se<br />

iniciou mais ou menos nessa época e continuou até 11.000 anos atrás:<br />

artefatos manufaturados que exibiam eles mesmos, animais, símbolos<br />

e até mesmo a passagem do tempo (calendários lunares) em osso,<br />

marfim, pedra e madeira; pinturas, gravuras ou molduras em paredes<br />

de cavernas, pedras lisas, ossos redondos e rochas grandes, numa<br />

variedade de cenas ou representações de tirar o fôlego (Lascaux,<br />

Caverna Chauvet); a invenção de novas ferramentas como cabos e<br />

punhos; e a fabricação de flautas, tambores e instrumentos de corda.<br />

Nesse momento, a fala articulada — e o raciocínio simbólico que ela<br />

permitia — estava certamente sendo usada de todos os modos que<br />

conhecemos, e os hominídeos não eram mais apenas os 'primatas<br />

falantes', mas sim os 'primatas simbólicos'. O que importava agora era<br />

o cérebro e não os músculos.<br />

69


Australopithecus gestos, vocalizações (grunhidos,<br />

(4,1 milhões de anos atrás) gritos agudos, suspiros etc.)<br />

Homo habilis gestos, vocalizações (grunhidos,<br />

(2,4 milhões de anos atrás) gritos agudos, suspiros etc.)<br />

Homo erectus talvez expressões vocais curtas,<br />

(2 milhões de anos atrás) incluindo proposições condicionais<br />

cerca de 1 milhão de anos atrás<br />

(Do erectus evidentemente houve<br />

2 principais divergências:)<br />

1. Homo neanderthalensis processos mentais complexos são<br />

(300.000 a 30.000 anos atrás) possivelmente possibilitados por<br />

sentenças complexas, permitindo sociedades<br />

baseadas na fala; mas [i], [a] e [u] não podem ser<br />

pronunciados por essa espécie.<br />

2. Homo sapiens processos mentais complexos são<br />

(300.000 anos atrás) possibilitados por sentenças complexas,<br />

permitindo sociedades baseadas na fala<br />

humanos modernos todas as características físicas<br />

(150.000 anos atrás) necessárias para a fala como a<br />

conhecemos hoje estão presentes há cerca de 150.000 anos.<br />

70


A humanidade colocou cabos e punhos na própria natureza.<br />

Nunca houve uma ursprache, uma 'língua primeva'. Mesmo<br />

assim, a capacidade para algum tipo de linguagem já estava presente<br />

entre os hominídeos mais primitivos. Os humanos evoluíram a partir<br />

de criaturas sem linguagem, e por esse motivo, áreas do cérebro com<br />

outras funções, como a de gesticular, assumiram a nova tarefa da fala.<br />

(Deve-se notar que os centros cerebrais usados nas vocalizações dos<br />

chimpanzés não são os mesmos usados pelos humanos.) A linguagem<br />

foi sobreposta e elaborada em cima desses sistemas cerebrais mais<br />

primitivos e, além disso, parece parasitá-los.<br />

A linguagem vocal humana evoluiu simultaneamente com o<br />

cérebro humano e o desenvolvimento dos órgãos da fala, durante<br />

centenas de milhares de anos. Enquanto o cérebro humano aumentava<br />

sua capacidade, a fala se tornou mais articulada e a dependência da<br />

química e dos sinais do corpo diminuiu. Em troca, isso exigiu a<br />

evolução de órgãos de fala especializados que demandavam uma<br />

maior capacidade cerebral para se adaptar à complexidade da<br />

sociedade engendrada por ele. Causa e efeito funcionaram em ambas<br />

as direções. Cada função alimentava a outra num sistema fechado,<br />

dinâmico e sinérgico. O pensamento primitivo e as vocalizações<br />

evoluíram progressivamente para o pensamento sofisticado e a fala<br />

articulada, na mesma razão, na fila evolucionária. A linguagem<br />

humana moderna parece continuar evoluindo dessa maneira com a<br />

química primordial e a linguagem de sinais virtualmente reduzidos à<br />

percepção subliminar.<br />

O sistema social fundamental de todos os hominídeos, incluindo<br />

nós mesmos, pode ser um sistema social primata, mas os humanos<br />

elaboraram de maneira única a linguagem vocal, e a partir daí, uma<br />

71


cultura baseada quase exclusivamente nela. Há quase um milhão de<br />

anos, com o Homo erectus, a fala humana primitiva já permitia<br />

alguma forma de planejamento e organização sociais para a realização<br />

de vastos projetos cooperativos, como cruzar os mares, algo que<br />

nenhum grupo de grandes primatas conseguiria fazer. Os erectus<br />

tardios, tendo talvez desenvolvido vocalizações mais sofisticadas,<br />

instalaram-se em vilas mais permanentes com uma tecnologia que<br />

germinava. Rituais e estratagemas de caça elaborados. Talvez, há<br />

500.000 anos, o pensamento simbólico e com ele o início da fala<br />

articulada com uma sintaxe mais complexa e os primeiros universais<br />

de linguagem, já estivessem sendo usados pelo Homo erectus. Essa<br />

capacidade foi herdada e/ou mais tarde evoluída — embora de<br />

maneiras significativamente diferentes — pelos Homo<br />

neanderthalensis e os Homo sapiens. O pensamento humano moderno<br />

e o uso da linguagem como conhecemos hoje foi, finalmente, atingido<br />

pelo Homo sapiens cerca de 35.000 anos atrás, se não<br />

significativamente mais cedo.<br />

No longo processo de evolução da fala articulada, sempre houve<br />

um fluxo e refluxo de populações humanas, vítimas e beneficiários de<br />

guerras e doenças, acidentes geológicos e clima. Milhares de línguas e<br />

famílias linguísticas surgiram e desapareceram sem deixar traços.<br />

Contatos frequentes com vizinhos e outras populações por intermédio<br />

do comércio, exogamia, migração, guerra e dominação causaram<br />

mudanças linguísticas para populações cada vez maiores, cujos<br />

avanços tecnológicos e novas formas de transporte criaram suas<br />

próprias dinâmicas. Durante períodos de equilíbrio linguístico, que<br />

devem ter durado milhares de anos, linguagens prototípicas teriam se<br />

formado pela convergência de várias línguas diferentes. Esses<br />

períodos então acabaram subitamente, criando famílias e línguas com<br />

árvores genealógicas. 20 Talvez tenha sido esse processo repetitivo de<br />

longos períodos de equilíbrio<br />

72


linguístico, pontuados por mudanças abruptas, que criou as famílias<br />

de línguas que geraram as línguas que falamos hoje.<br />

Quando a fala totalmente articulada já havia sido conquistada,<br />

grupos individuais de Homo sapiens já governavam territórios<br />

autônomos com raios de 30 a 40 quilômetros, com seus vizinhos<br />

imediatos a distâncias de talvez 40 a 60 quilômetros. Membros de<br />

grupos comercializavam e se casavam com esses vizinhos, trocando<br />

bens e filhas, mas também palavras, expressões, histórias e diferentes<br />

pronúncias. Mediante longas separações, dialetos próximos evoluíram<br />

durante séculos, tornando-se línguas autônomas. Línguas diferentes se<br />

fundiram em línguas híbridas com alterações de léxico e sintaxe e<br />

mudanças fonológicas e produziram outras línguas dominantes e<br />

influentes. Novas famílias de línguas, virtualmente irreconhecíveis,<br />

produzidas por outras famílias linguísticas ou por línguas<br />

convergentes, surgiram com a difusão regional e ajustes internos. E<br />

essas, por meio da migração ou por algum outro motivo, geraram<br />

famílias de línguas ainda maiores quando seus falantes as espalhavam<br />

ou dominavam outras áreas, como resultado de mudanças climáticas,<br />

ganância ou sede de viagens, resultando em outras populações que<br />

tiveram a língua nativa substituída pela da minoria intrusa.<br />

Há cerca de 14.000 anos, o Homo sapiens, a única espécie de<br />

hominídeo que sobreviveu à evolução, já possuía milhares de línguas<br />

diferentes, agrupadas em centenas de famílias linguísticas desde as<br />

ilhas Orkney na Escócia até a Tasmânia, e desde o Alasca até a Terra<br />

do Fogo. Nessa época, no Oriente Médio, muitos humanos modernos<br />

já cultivavam trigo selvagem, aveia e cevada usando foices feitas de<br />

ossos presos a lâminas de pedra.<br />

Pouco depois, cerca de 2.000 anos atrás, o clima esquentou<br />

novamente. Isso aumentou as chuvas e levou embora a última geleira<br />

de<br />

73


volta para a região polar. Os oceanos do planeta subiram<br />

dramaticamente, separando povos antigos para sempre. Talvez mais<br />

significativamente, o clima quente produziu um grão mutante, um<br />

híbrido fértil do trigo selvagem com o pasto natural, formando o trigo<br />

de pão (Triticum dicoccum) com 28 cromossomos, cujas sementes se<br />

espalhavam naturalmente com o vento. A partir daí, seguiu-se uma<br />

revolução biológica. Os humanos modernos, tanto do Velho quanto do<br />

Novo Mundo, em seis 'centros de origem', poderiam agora semear e<br />

colher num único lugar. Eles começaram a domesticar o trigo e a<br />

cevada, ovelhas e cabras pela primeira vez, e estabeleceram grupos<br />

rurais permanentes. Durante milhares de anos, o cultivo evoluiu da<br />

horticultura para a agricultura e se tornou o principal meio de<br />

subsistência para muitas (embora não todas) populações humanas, que<br />

produziam excedentes, prosperavam e cresciam cada vez mais. A<br />

complexidade social aumentou. Os humanos permaneceram instalados<br />

durante gerações num único lugar. Apareceram as primeiras cidades<br />

de tijolos de barro. As línguas regionais se tornaram mais influentes, e<br />

eram reconhecidas em terras estrangeiras como a 'língua de uma<br />

determinada área geográfica.<br />

A linguagem humana estava agora ligada à terra.<br />

74


3<br />

Primeiras famílias<br />

Apenas uma geração atrás, um renomado linguista<br />

norte-americano propôs que o sânscrito, a antiga língua clássica dos<br />

hindus, estava geneticamente relacionado ao aztec (nahuatl clássico), a<br />

língua do grande império dos nativos do México. 1 Acreditava-se que o<br />

indício para o suposto parentesco estava nas mudanças sonoras<br />

concordantes em itens de vocabulário 'relacionados', que seriam<br />

derivados de uma mesma língua-mãe antiga, falada há mais de 10.000<br />

anos, antes do fim da última Era Glacial. Mas hoje em dia avalia-se<br />

que essa e outras declarações semelhantes acerca de parentescos com<br />

línguas antigas ao redor do mundo desafiam tanto a ciência quanto o<br />

senso comum. A verdadeira história das línguas é muito mais<br />

complexa do que se acreditava até então. Deve-se começar a busca<br />

pelo lado mais estreito do funil, e não pelo mais largo, para descobrir<br />

as primeiras famílias de línguas. E mesmo assim, o termo 'primeiras'<br />

constitui uma metáfora.<br />

75


As famílias são grupos de línguas geneticamente relacionadas.<br />

Ou seja, que dividem um ancestral comum, demonstrado por meio de<br />

correspondências sistemáticas, em forma e significado, não atribuíveis<br />

a mudanças ou apropriações. Há três motivos para a similaridade<br />

linguística: genética compartilhada, difusão areai e semelhanças<br />

tipológicas ao acaso. Apenas a genética compartilhada justifica uma<br />

'árvore genealógica. O número e a qualidade das características<br />

relacionadas variam de acordo com o tempo que se passou desde a<br />

divergência do ancestral comum. 2 A linguística histórica já<br />

desenvolveu algumas técnicas de 'reconstrução' das línguas (em vez<br />

de simplesmente deduzir a história das línguas). A aplicação dessas<br />

técnicas permitiu a distinção entre elementos apropriados e os<br />

elementos herdados, a comprovação da idade de características, e a<br />

identificação de características compartilhadas advindas de uma fonte<br />

ancestral comum. 3 Esse processo, eventualmente, permite uma<br />

'classificação' da língua ou de toda uma família linguística baseada<br />

nas similaridades e diferenças entre palavras e elementos gramaticais.<br />

Há dois tipos de classificação linguística: tipológica e genética<br />

(ou genealógica). Uma classificação tipológica associa línguas<br />

baseando-se em características distintivas que podem ser<br />

categorizadas em tipos definidos de fenômenos linguísticos. Por<br />

exemplo, uma língua pode ser isolada, como o mandarim, que é uma<br />

língua de raiz. Línguas isoladas são aquelas que tendem a ter, por<br />

palavra, apenas um morfema — a menor unidade dotada de<br />

significado da língua, como 'um' ou 'lá'. Porém, uma língua pode ser<br />

fusional, em que muitos morfemas podem ser encontrados numa<br />

palavra, mas as ligações entre eles são incertas. Este é o caso do latim,<br />

que usa variadas terminações: corpus, que significa 'corpo' em latim,<br />

também pode aparecer como corporis, corpori e corpore dependendo<br />

da sua função na sentença. Isso é chamado 'inflexão', e as línguas<br />

fusionais também são conhecidas como línguas inflexionais.<br />

76


Um terceiro tipo de língua é a aglutinante, na qual uma palavra pode<br />

conter muitos morfemas individuais que podem tanto ser livres (que<br />

se mantêm sozinhos, como por exemplo, 'banco') ou ligados (que não<br />

se mantêm sozinhos, como '-ário' em 'bancário'). O turco é uma língua<br />

aglutinante em que, como em todas as línguas aglutinantes, tanto a<br />

palavra base quanto as palavras adicionadas a ela se mantêm distintas,<br />

assim todas as ligações entre os morfemas são facilmente<br />

identificáveis. Infelizmente, classificações tipológicas como essa não<br />

conseguem fornecer informações históricas diretas. Na classificação<br />

tipológica, é a semelhança relacionai, e não a substancial, entre as<br />

línguas, que tem relevância.<br />

Uma classificação genética se empenha em conectar as línguas<br />

através de suas origens e relações. Línguas relacionadas são<br />

comparadas quanto às inter-relações de subgrupos e línguas dentro de<br />

uma família, por exemplo, como o francês e o italiano, dentro das<br />

línguas românicas ou as línguas românicas e germânicas dentro da<br />

família de línguas indo-europeias. Desse modo, a classificação<br />

genética, particularmente quando é baseada nas formas e paradigmas<br />

gramaticais, e não no vocabulário, consegue fornecer informações<br />

históricas diretas. Por isso, ela é a abordagem mais produtiva para se<br />

entender a história mais recente da linguagem humana.<br />

Algumas línguas, devido a circunstâncias geográficas ou<br />

tecnológicas únicas, não geram línguas descendentes, mas a população<br />

de seus falantes aumenta de tal maneira, que a família compreenda<br />

uma única língua, produzindo uma 'família linguística. A geografia<br />

permitiu que a língua egípcia se tornasse um exemplo do fenômeno, e<br />

seus descendentes são meramente diacrônicos (temporais); o inglês<br />

apresenta o mesmo potencial, devido à comunicação global via<br />

tecnologia moderna. Outras línguas expandem — ou seja, geram<br />

descendentes — sob condições favoráveis — e depois, se retraem, sob<br />

condições desfavoráveis. Foi o que aconteceu com a família de<br />

línguas célticas.<br />

77


Embora seja comum que, sob circunstâncias favoráveis, uma<br />

língua possa gerar de oito a quinzes línguas descendentes que<br />

sobrevivam num período de 2.000 anos — como, por exemplo,<br />

ocorreu com o germânico ocidental, o românico e o polinésio oriental<br />

— a qualificação 'favorável' é relativa. Não há justificativa para<br />

propor que esse fenômeno observado seja uma regra geral para medir<br />

o tempo das famílias linguísticas. Ou seja, não é axiomático que uma<br />

grande família com cerca de 100 descendentes (como a indo-europeia)<br />

tenha cerca de 6.000 anos ou que uma superfamília com mil ou mais<br />

descendentes (a suposta 'nigero-congolesa' ou a austronésia) tenha<br />

10.000 anos. Há muitas incertezas envolvidas, muito poucos<br />

parâmetros de controle e muitos fenômenos contraditórios. Na<br />

verdade, caso se procurasse as fontes primordiais das línguas do<br />

planeta, elas poderiam redundar nas pequenas línguas isoladas<br />

vestigiais (línguas únicas e inclassificáveis, como o basco) nas<br />

periferias das superfamílias atuais, que, até invasões relativamente<br />

recentes teriam, talvez, figurado entre as línguas mais amplamente<br />

faladas de suas regiões.<br />

Por esse e outros motivos, os paleolinguistas não buscam mais<br />

descobrir uma quimérica 'primeira língua, mas sim tentam entender a<br />

complexidade da multidão de línguas que já existiram. Um padrão de<br />

linguagem antigo sobrevive em cada um dos continentes do planeta,<br />

largamente obscurecido por uma grande distância temporal. Um<br />

estudo inovador recente se concentrou na análise de características<br />

mais amplas de grupos linguísticos, em vez de na evolução de línguas<br />

individuais. 4 Nele, as distribuições e frequências estatísticas de<br />

determinadas características de uma amostra de 174 línguas foram<br />

identificadas dentro de continentes inteiros. O estudo concluiu que<br />

parece ter havido uma dispersão em três estágios do Homo sapiens,<br />

desde a emigração da África, mais de 100.000 anos atrás. Nenhuma<br />

característica linguística sobreviveu à emigração original (se for aceito<br />

que houve uma 'única emigração original'). A segunda emigração foi<br />

78


a do Homo sapiens em direção às Américas, entre 60.000 e 30.000<br />

anos atrás; foi nessa época que as línguas de Sahul (tasmaniano,<br />

australiano, papua) também entraram na região da Austrália.<br />

Finalmente, na era pós-glacial, emergiram grandes sociedades<br />

complexas, criando maiores unidades de poder político e econômico<br />

que, mais tarde, basicamente destruíram a diversidade linguística<br />

humana.<br />

Porém, num longo período de 100.000 anos, as semelhanças que<br />

poderiam ter sido obtidas entre línguas e famílias de línguas próximas<br />

foram completamente obliteradas pela mudança constante. 5<br />

Protolínguas, como a proto-sino-tibetana, provavelmente não têm<br />

mais de 10.000 anos, mas com certeza têm mais de 6.000. Muito<br />

pouco é verdadeiramente conhecido, mesmo sobre famílias<br />

linguísticas mais recentes. Os paleolinguistas dominam um<br />

conhecimento impressionante sobre as línguas indo-europeias,<br />

chinesas e semíticas, devido a documentos escritos de um período<br />

relativamente recente. A história primitiva de outras famílias<br />

linguísticas como a austronésia e a suposta nigero-congolesa,<br />

precisam ser recuperadas por meio da reconstrução linguística, um<br />

meio relativamente impreciso e artificial, em que se 'recria' algo que<br />

pode nunca ter existido na realidade. É de se lamentar que a maioria<br />

dos estudos sobre as protofamílias (ou macrofamílias),<br />

independentemente da orientação da família, simplesmente estenda o<br />

modelo teórico das 'árvores genealógicas' da história da linguagem em<br />

árvores com níveis maiores, criando relações que podem nunca ter<br />

existido.<br />

No final da última Era Glacial, com a temperatura mais quente e<br />

o nível dos oceanos mais elevado, populações humanas — de<br />

aproximadamente dez milhões na época — espalharam-se mais uma<br />

vez, iniciando um longo período de mudança social e linguística (ver<br />

ilustração 3). Tentativas isoladas de agricultura primitiva logo<br />

aumentaram exponencialmente esse quadro. É o período mais antigo<br />

em que se pode especular sobre afiliações linguísticas. A era das<br />

'primeiras famílias'.<br />

79


ANO 1000<br />

Ocorrem mais mudanças internas e<br />

migrações, ao longo e por entre as<br />

montanhas.<br />

ANO 0<br />

Um pequeno grupo de falantes do potórico migra<br />

para o outro lado do rio, mudando, com o tempo,<br />

todos seus pês para efes e deixando de pronunciar<br />

os erres finais: os migrantes passam a chamar a si<br />

mesmos de 'Foto'.<br />

ANO 2000<br />

Um aumento populacional, com mais mudanças<br />

internas e migrações, resulta numa grande família<br />

linguística potórica, que inclui subfamílias.<br />

3 Como podem emergir famílias linguísticas (com o exemplo de um povo imaginário<br />

chamado Poror').<br />

80


LÍNGUAS AFRICANAS<br />

Apenas após a Segunda Guerra Mundial os linguistas puderam<br />

tentar fazer a primeira classificação completa das línguas africanas<br />

nativas. 6 Desde então, seguiram-se avanços substanciais. 7 Identificada<br />

por alguns como uma das 'superfamílias' linguísticas do mundo,<br />

afirma-se que a suposta família 'nigero-congolesa', um agrupamento<br />

estatístico de características comuns, compreende mais de mil línguas<br />

autônomas, regularmente divididas entre duas grandes subfamílias que<br />

talvez mereçam mais a designação de 'superfamílias' (se é que existe<br />

algo assim): atlântico-congolesa e volta-congolesa. A denominação<br />

presente, 'nigero-congolesa' é simplesmente remota e nebulosa demais<br />

para ser aceita como uma família linguística comprovada.<br />

Não relacionada à nomeada família 'nigero-congolesa' está a<br />

família africana nilo-saariana, cujas onze subfamílias contêm, cada<br />

uma, entre duas e 96 línguas individuais. Com exceção de duas, todas<br />

as 35 línguas da terceira família não relacionada, a família khoisan,<br />

apareceram na África do Sul. Qualquer uma dessas grandes famílias<br />

linguísticas — 'nigero-congolesa, nilo-saariana e khoisan — pode<br />

muito bem ter sido uma protolíngua autônoma 10.000 anos atrás, se,<br />

em primeiro lugar, alguma delas houver existido como entidade real,<br />

caso contrário, elas meramente refletem a convergência ou união de<br />

características linguísticas difusas.<br />

A história humana da África é tão antiga, apresentando espécies<br />

de Homo sapiens em evolução por quase meio milhão de anos, que<br />

pode-se esperar que quase todas as suas antigas famílias linguísticas<br />

tenham aparecido e desaparecido sem deixar rastros. Apenas uma<br />

81


pequena porcentagem de todas as línguas africanas da história ainda<br />

existe, e essas são descendentes apenas das línguas mais recentes. Há<br />

muitas línguas africanas não classificadas, tais como o anlo, em Togo,<br />

o bete, na Nigéria, o imeraguen, na Mauritânia e cerca de dezesseis<br />

outras, sendo que cada uma delas também pode compreender a<br />

relíquia de uma língua que já foi uma família maior, muitos milhares<br />

de anos atrás.<br />

LÍNGUAS AFRO ASIÁTICAS<br />

As exuberantes e férteis regiões do norte da África de 10.000<br />

anos atrás — muito antes de sua relativamente recente desertificação<br />

— sugerem um excedente populacional, fonte de muitas línguas<br />

antigas. Até o momento, foram identificadas 317 línguas<br />

afro-asiáticas, divididas em seis famílias linguísticas diferentes:<br />

bérbere (29 línguas), tchádica (192), chuchítica (47), egípcia (1),<br />

omótica da Etiópia (28) e semítica (73) (ver ilustração 4). O<br />

surpreendente número de línguas tchádicas, em comparação às outras<br />

famílias que são bem menores, aponta para a origem dessa importante<br />

e muito antiga superfamília que, antes das grandes migrações do final<br />

da última Era Glacial, ocupou as regiões do norte central da África,<br />

hoje coberto em grande parte pelo deserto.<br />

82


4 As famílias de línguas afro-asiáticas.<br />

Uma das línguas afro-asiáticas mais conhecidas, a egípcia, é<br />

uma 'família linguística cujos registros escritos datam de 5.400 anos<br />

atrás; devido a circunstâncias geográficas únicas, ela não gerou<br />

múltiplas línguas sincrônicas (contemporâneas), mas apenas<br />

diacrônicas (temporais). Como a língua egípcia, a família linguística<br />

semítica possivelmente divergiu da proto-afro-asiática bem nos<br />

primórdios, talvez cerca de 8.000 anos atrás. O semítico foi fonte de<br />

muitas das mais importantes línguas da história. Logo no início, ele<br />

se diferenciou em família semítica oriental (representada apenas pela<br />

língua acádia dos babilônios, preservada por inscrições cuneiformes<br />

de quase 4.500 anos atrás) e família semítica ocidental, que<br />

eventualmente<br />

83


se desenvolveu em aramaico-cananita (fenício, hebraico) e<br />

árabe-etiópica. Teorias recentes que ligam as línguas semíticas às<br />

indo-europeias numa época muito primitiva não encontraram uma<br />

aceitação geral entre os linguistas. 8 Durante muitos milhares de anos,<br />

as línguas bérberes dominaram a maior parte do litoral mediterrânico<br />

sul, enriquecendo sociedades fortes e influentes ligadas ao antigo<br />

Egito, o Levante e o Egeu, como os povos do Planalto Líbio e os de<br />

Putaya, perto da antiga Creta.<br />

O ramo semítico-oriental da família Afro-Asiática, em sua<br />

expansão dinâmica em direção ao Oriente quase 5.000 anos atrás,<br />

suplantou uma língua do Oriente Médio ainda mais antiga, a língua<br />

suméria. Falada há mais de 6.000 anos, na baixa Mesopotâmia (hoje<br />

sudeste do Iraque) e escrita há 5.100 anos, a língua suméria<br />

aparentemente não está relacionada a nenhuma outra. Ela parece ter<br />

sido introduzida à força no território de um povo mais civilizado,<br />

cujos nomes para cidades e profissões foram tomados pelos sumérios.<br />

Argumentos recentes que defendem uma hipotética 'superfamília<br />

suméria, uralo-altaica e húngara' não convencem a maioria dos<br />

linguistas.<br />

LÍNGUAS ASIÁTICAS<br />

A Ásia, onde primitivas espécies de Homo podem estar<br />

evoluindo há dois milhões de anos, primeiro o Homo erectus, mais<br />

tarde substituído ou absorvido pelo Homo sapiens hoje presente,<br />

como a África, tem uma das paisagens linguísticas mais complexas do<br />

planeta. Como várias grandes famílias linguísticas têm a Ásia como<br />

fonte máxima ou imediata, pode-se assumir que várias famílias<br />

linguísticas asiáticas já exerciam sua influência durante a última Era<br />

Glacial. Algumas delas cruzaram a ponte de terra do Estreito de<br />

Bering, talvez 30.000 anos atrás (alguns dizem 60.000 anos) e se<br />

tornaram as<br />

84


primeiras línguas das Américas. Milhares de anos depois, quando a<br />

temperatura do planeta esquentou, descendentes dessas mesmas<br />

línguas migraram para todos os cantos da Ásia e além. Hoje, elas são<br />

conhecidas como famílias de línguas sino-tibetanas, altaicas, urálicas,<br />

caucásicas e paleo-asiáticas.<br />

A língua proto-sino-tibetana gerou uma das mais importantes<br />

famílias linguísticas da história da humanidade. Há muito tempo,<br />

talvez apenas dois ou três mil anos após a última glaciação, a<br />

proto-sino-tibetana se diferenciou em três grandes subfamílias:<br />

chinesa, yenisei-ostyak e tibeto-birmanesa. A subfamília chinesa<br />

consiste hoje em nove línguas mutuamente ininteligíveis, com muitos<br />

dialetos principais. Hoje, sua língua principal, o chinês mandarim<br />

(com quatro dialetos principais), baseado na fala de Pequim, é a<br />

primeira língua mais falada por pessoas do que qualquer outra língua<br />

do planeta. 9 (A proeminência do mandarim não reflete uma situação<br />

antiga, mas é o resultado da migração de falantes do chinês para o<br />

delta do Yang-Tsé há menos de 5.000 anos, onde o cultivo do arroz<br />

gerou uma explosão populacional sem precedentes na história.) O<br />

chinês arcaico foi um meio para a escrita já há 3.000 anos. A<br />

subfamília yenisei-ostyak inclui línguas atualmente faladas no norte<br />

da Sibéria, o antigo lar de toda subfamília sino-tibetana. A antiga<br />

subfamília tibeto-birmanesa eventualmente se diferenciou em duas<br />

sub-subfamílias de línguas do Tibete e da Birmânia.<br />

Cerca de 8.500 anos atrás, a domesticação do arroz por falantes<br />

do pré-chinês no delta do Yang-Tsé permitiu a elaboração de culturas<br />

que eventualmente geraram quatro grandes — e talvez antigamente<br />

relacionadas — famílias do sudeste asiático: tai-kadai, miao-yao,<br />

austro-asiáticas (em sua maioria mon-khmer) e austronésia (veja mais<br />

adiante). Cerca de 5.000 anos atrás (as datas são incertas) essas<br />

línguas<br />

85


se espalharam pelo sudeste asiático para serem empregadas pelas<br />

muitas comunidades étnicas diversificadas desde o norte da Tailândia<br />

até as ilhas de Hainan e Taiwan. 10<br />

A família altaica, que consiste das línguas mongólicas e<br />

manchu-tungúsicas (ou seja, as línguas túrquicas), foi classificada<br />

recentemente, tendo como primeira base critérios tipológicos e não<br />

genéticos. A classificação permanece especulativa. Todas as<br />

semelhanças entre as línguas túrquicas, mongólicas e tungúsicas são,<br />

geralmente, consideradas resultado de difusões regionais e não<br />

heranças compartilhadas. As línguas túrquicas surgiram na Ásia<br />

central apenas 4.000 anos atrás, ou pouco antes. Elas talvez derivem<br />

diretamente de uma língua paleoasiática da Sibéria ou de um ancestral<br />

comum da família linguística paleoasiática. (Diversas línguas<br />

túrquicas são faladas ainda hoje no sul da Sibéria.) Ainda mais<br />

especulativa que a classificação altaica é a teoria de que as línguas<br />

fino-úgricas são, de alguma maneira, relacionadas geneticamente ao<br />

altaico, e sua protofamília é às vezes chamada de 'uralo-altaicá'.<br />

O chão é mais sólido no caso dos falantes do proto-urálico.<br />

Cerca de 6.000 anos atrás, eles ocupavam o nordeste europeu. 11 Logo<br />

no início, eles se diferenciaram em duas principais famílias<br />

linguísticas: samoieda e fino-úgrica. As línguas samoiedas do extremo<br />

leste da Sibéria, possivelmente uma família da Lapônia, foram as<br />

primeiras a se diferenciar da família urálica, talvez 5.000 anos atrás.<br />

Uma língua relacionada comum cerca de 4.000 anos atrás, o<br />

fino-úgrico, se diferenciou em duas famílias: fínico (que deu origem<br />

às famílias linguísticas balto-fínica, lapônica, volga-fínica, permiana e<br />

ugriana) e úgrico (húngaro, mansi e khanty). 12 Hoje as muitas línguas<br />

descendentes da família urálica possuem poucos falantes, com<br />

exceção do finlandês (quatro milhões) e do húngaro (treze milhões).<br />

86


A Ásia ocidental possui cerca de 40 línguas caucásicas das<br />

Montanhas do Cáucaso, e suas vastas planícies confinadas<br />

evidentemente compartilham uma grande ancianidade (ou seja, não<br />

apresentam substituições). Num período bem primitivo, talvez 10.000<br />

anos atrás, possivelmente como resultado da primeira 'migração de<br />

povos' pós-glacial, a família caucásica se diferenciou em três grandes<br />

subfamílias: caucásica meridional, das quais o georgiano é a única<br />

amplamente falada (cinco milhões de falantes); caucásica do noroeste;<br />

e na grande família caucásica do nordeste, cujas oito subfamílias<br />

ocuparam o que tenha, talvez, sido o lar original dos falantes da língua<br />

protocaucásica.<br />

A família linguística paleoasiática (ou hiperbórea) do leste<br />

siberiano é pouco compreendida. Porém, há poucas dúvidas de que ela<br />

tenha existido como grupo linguístico autônomo por, pelo menos,<br />

6.000 anos. Hoje, essas línguas são relativamente pouco faladas.<br />

Embora alguns linguistas tenham tentado ligar as línguas<br />

paleoasiáticas às do Novo Mundo, suas declarações carecem de<br />

indícios convincentes.<br />

A língua nativa do Japão, chamada ainu, é uma língua isolada<br />

cuja origem é tão antiga, que ela não pode ser ligada a nenhuma outra<br />

língua conhecida nem a nenhuma família linguística reconstituída. O<br />

japonês é uma língua totalmente diferente que, poucos milhares de<br />

anos atrás engoliu o ainu (marginalizando o ainu à Ilha de Hokkaido,<br />

no norte do Japão), e com o coreano, é, às vezes, ligada à altamente<br />

especulativa família 'uralo-altaicá'; porém a ligação carece de indícios<br />

convincentes. Tanto o japonês quanto o coreano obviamente surgiram<br />

no continente asiático numa época extremamente antiga. O japonês<br />

compartilha uma ancestral comum com as línguas luchuan<br />

(oquinawana) das ilhas Ryukyu, no sul do Japão.<br />

87


LÍNGUAS AMERICANAS<br />

A aceitação científica cautelosa da possibilidade da presença do<br />

Homo sapiens nas Américas cerca de 30.000 anos atrás só surgiu na<br />

última década. Aceitar sua chegada no Novo Mundo numa época tão<br />

primitiva poderia explicar uma paisagem linguística que<br />

evidentemente rivaliza com a complexidade africana, asiática e<br />

europeia. Muitas hipóteses sobre a relação entre as línguas do Novo<br />

Mundo e as línguas de outras partes do globo foram apresentadas.<br />

Porém todas, com exceção de uma dessas 'afiliações', foram rejeitadas<br />

como inconsistentes: apenas a conexão entre as línguas<br />

esquimó-aleútes e as línguas luoravetlan no extremo oriente da<br />

Sibéria, talvez, refletindo uma subsequente migração 'recente', parece<br />

merecer uma precavida consideração. 13 Antes de procurar relações<br />

externas, deve-se levar em conta que algumas das 150 famílias<br />

linguísticas americanas podem inclusive não ter relações umas com as<br />

outras. 14<br />

Tal convolução linguística implica poucas possibilidades de que<br />

uma classificação formal das línguas americanas lance uma luz sobre<br />

os primeiros povoados da região; para isso, deve-se recorrer a outras<br />

disciplinas. Na verdade, hoje acredita-se que devem ter havido<br />

múltiplas migrações para a América, através das pontes de terra<br />

noroestes. Se isso for verdade, há a tentação de se aceitar a existência<br />

de múltiplos extratos (camadas linguísticas) que evoluíram juntos<br />

durante dezenas de milhares de anos, criando uma população de<br />

línguas relacionadas e não relacionadas diacrônica e sincronicamente<br />

complexa. Devido à falta de documentos escritos de milênios<br />

anteriores, as informações sobre essa região que a linguística histórica<br />

pode providenciar são necessariamente advindas da reconstituição das<br />

línguas americanas sobreviventes. Isso permite uma desapontadora<br />

classificação rasa que, no melhor dos casos, não vai além de 10.000<br />

anos.<br />

88


No caso das línguas da América do Norte, uma 'classificação<br />

consensual' concluída em 1964 aceitava sete grandes famílias<br />

linguísticas que podem ser derivadas de línguas comuns faladas entre<br />

grupos autônomos no fim da última Era Glacial: ártico-paleossiberiana<br />

americana (com duas famílias linguísticas), na-dene (uma família,<br />

duas línguas isoladas), macroalgonquinas (duas famílias, sete línguas<br />

isoladas), macrosiouana (três famílias, duas línguas isoladas), hocana<br />

(dez famílias, sete línguas isoladas), penutiana (nove famílias, sete<br />

línguas isoladas) e asteca-tanoana (duas famílias, nenhuma língua<br />

isolada). Também há um surpreendente número de famílias<br />

linguísticas (como a salish) e línguas isoladas (keres), que não<br />

possuem afiliação evidente com nenhuma das grandes famílias<br />

listadas. A análise comparativa (reconstituição de uma protolíngua por<br />

meio da comparação de línguas descendentes) não conseguiu<br />

encontrar indícios de que essas línguas norte-americanas sejam<br />

descendentes de uma ancestral comum. 15 Na verdade, todas as grandes<br />

famílias identificadas parecem não ter nenhuma relação umas com as<br />

outras, provavelmente como resultado de um período longo demais<br />

(no qual as atuais técnicas linguísticas não conseguem penetrar) e/ou<br />

múltiplos povoamentos (ou seja, famílias linguísticas não relacionadas<br />

que chegaram ao Novo Mundo uma após a outra).<br />

A situação é semelhante na Mesoamérica (América Central),<br />

onde foram identificadas muitas famílias autônomas e línguas<br />

isoladas. Entre as famílias mais importantes estão a otomangueana e<br />

maia. A família otomangueana é uma das maiores famílias linguísticas<br />

da Mesoamérica, com oito subfamílias. A família maia, que deve ter<br />

existido como língua autônoma mais de 4.000 anos atrás, inclui a<br />

pequena família huastecana e a imensa família iucatã-core, com<br />

diversas subfamílias e subsubfamílias. Também há<br />

39


mais de 100 línguas extintas e não classificadas on dialetos na<br />

Mesoamérica, mencionadas apenas em fontes históricas, e de outro<br />

modo desconhecidas.<br />

A entrada de populações humanas na América do Sul foi<br />

condensada de maneira semelhante nos últimos anos. Hoje,<br />

geralmente — embora não universalmente — aceita-se que o sítio<br />

arqueológico de Monte Verde no sul do Chile tenha 12.500 anos. Os<br />

arqueólogos também dataram vilas em todo o litoral pacífico da<br />

América do Sul em, pelo menos, 20.000 anos, e um sítio arqueológico<br />

no interior do Brasil indica uma ocupação de 50.000 anos atrás;<br />

porém, ambas as datas são controversas. Uma análise de DNA<br />

mitocondrial sugere que uma linhagem ameríndia de 30.000 anos<br />

(para contrastar, a linhagem na-dene do noroeste da América do Norte<br />

parece ter apenas 9.500 anos). É evidente que essas datas estão bem<br />

além das possibilidades de reconstituição de qualquer técnica<br />

linguística moderna. 16<br />

Toda a América do Sul apresenta atualmente uma paisagem<br />

linguística muito antiga e complicada, que data de, talvez, dezenas de<br />

milhares de anos, com possíveis incursões múltiplas do noroeste<br />

(Panamá) e nordeste (Caribe), antes da elevação do nível do mar.<br />

Foram propostos setenta e cinco ramos ou superfamílias para a<br />

América do Sul, dentro dos quais, alguns também ocorrem em regiões<br />

da Mesoamérica e do Caribe. Entre eles estão o chibcha (a 'ponte<br />

linguística' entre a Mesoamérica e a América do Sul), arawak (a maior<br />

família linguística do Novo Mundo, com cerca de 65 línguas<br />

autônomas), tucano, quéchua, pano, tacanan, guaikuru, gê, tronco tupi<br />

e carib. Atualmente, a América do Sul apresenta um dos mais difíceis<br />

desafios linguísticos do planeta.<br />

90


LÍNGUAS OH SAHUL (TASMANIANO,<br />

AUSTRALIANO E PAPUA)<br />

Antes da elevação dos níveis do oceano no final da última<br />

glaciação, a Tasmânia, a Austrália e a Nova Guiné formavam o antigo<br />

continente de Sahul. Embora indícios recentes sugiram a possibilidade<br />

da presença humana em Sahul entre 60.000 e 50.000 anos atrás, a<br />

maioria dos especialistas ainda concorda que as provas da presença<br />

humana não tenham mais que 35.000 e 40.000 anos. Uma recente<br />

análise linguística sugeriu que todas as línguas de Sahul compreendem<br />

um único estrato e que a colonização subsequente estabeleceu uma<br />

segunda camada, cujas características residuais podem ser encontradas<br />

nas línguas do noroeste, o pressuposto ponto de entrada. 17 Porém, a<br />

extrema antiguidade da presença humana em Sahul faz com que<br />

qualquer característica remanescente de um povoamento inicial seja<br />

altamente improvável; as características reconhecidas devem datar de<br />

muito após a intromissão do sapiens. A história da linguagem da área<br />

precisa ser remontada por meio de uma abordagem indutiva, usando<br />

as modernas línguas sobreviventes. Novamente, a reconstituição<br />

histórica limita a linguística a, no melhor dos casos, alguns milhares<br />

de anos antes da era presente.<br />

Na época da chegada europeia, no final do século dezoito, cerca<br />

de 5.000 a 8.000 tasmanianos, considerados de alguma maneira<br />

'racialmente diferentes' dos australianos nativos, ocupavam a ilha da<br />

Tasmânia ao sul do litoral leste da Austrália. 18 Duas línguas<br />

tasmanianas autônomas existiram: o tasmaniano do norte e o<br />

tasmaniano do sul. Nenhuma delas parece relacionada a qualquer<br />

língua do continente australiano nem a qualquer família linguística<br />

que tenha sido reconstituída. Talvez os falantes tasmanianos sejam<br />

descendentes de<br />

91


uma população muito antiga de Sahul, que tenha sido levada à<br />

periferia do continente e ficado presa ali quando, 12.000 anos atrás, o<br />

estreito de Bass se encheu, separando a Tasmânia da Austrália.<br />

Porém, a baixa qualidade do material linguístico tasmaniano<br />

disponível para os linguistas, totalmente antedatado da morte de seu<br />

último falante em 1877, dificulta uma reconstituição rígida. 19<br />

Na época da intromissão britânica na Austrália em 1788, havia<br />

cerca de 260 línguas distintas próprias da Austrália e das ilhas do<br />

estreito de Torres, no norte da Austrália. Desde então, mais de 100<br />

foram extintas e atualmente, outras 100 estão em vias de<br />

desaparecimento; apenas cerca de vinte dessas línguas ainda são<br />

aprendidas por crianças australianas. Diferente das línguas<br />

americanas, asiáticas e africanas nativas, as línguas australianas<br />

apresentam uma uniformidade notável, particularmente em seu<br />

sistema fonêmico (sons significantes), o que, infelizmente dificulta<br />

uma abordagem comparativa para uma classificação, uma vez que<br />

faltam necessárias características que as distingam. Parece que a<br />

homogeneidade incomum das línguas australianas pode ser atribuída<br />

ao isolamento virtual do continente desde o fim da última Era Glacial.<br />

Essas línguas também podem ter experimentado um período<br />

notavelmente longo de equilíbrio linguístico, pontuado apenas<br />

periodicamente, por mudanças súbitas causadas por fatores externos<br />

(migração, invasão, mudança social e assim por diante) ou internos<br />

(pressões sistêmicas, criticalidade auto-organizada). Na verdade, foi o<br />

perfil australiano incomum que primeiro inspirou o modelo de<br />

'equilíbrio pontuado' da linguística histórica. 20<br />

Com o termo emprestado da biologia evolucionária, esse<br />

modelo recente propõe que longos períodos de equilíbrio social no<br />

passado experimentaram a difusão de características linguísticas numa<br />

determinada área, fazendo com que as diferentes línguas daquela área<br />

92


convergissem numa língua prototípica comum (ver ilustração 5).<br />

Porém, ocasionalmente, esse estado de equilíbrio alongado seria<br />

'pontuado' ou perturbado por uma mudança súbita, causada por um ou<br />

mais fatores externos ou internos mencionados acima. Isso poderia<br />

então aumentar o número de povos e dividi-los, assim como suas<br />

línguas, criando uma 'árvore genealógica' de línguas.<br />

Embora muitos linguistas assumam a existência de uma língua<br />

primitiva protoaustraliana, tal protolíngua nunca foi satisfatoriamente<br />

estabelecida por uma aplicação formal do método comparativo<br />

(provavelmente devido à fraqueza do próprio método, baseado apenas<br />

em 'árvores genealógicas' e, mais tarde, também em mudanças<br />

pontuadas). Há quem argumente que o protoaustraliano nunca existiu<br />

como língua real, mas representa uma coincidência superficial de<br />

características artificialmente consolidadas por técnicas linguísticas<br />

modernas. Então, novamente, alguma coisa que se aproximou de um<br />

suposto protoaustraliano pode ter gradualmente emergido das línguas<br />

agregadas faladas pelo Homo sapiens, que interagiu de algum modo<br />

desconhecido em Sunda e/ou noroeste de Sahul, cerca de 35.000 anos<br />

atrás. Assim, as línguas sapiens mais primitivas da área se espalharam<br />

por todo o continente e foram faladas por, talvez, dezenas de milhares<br />

de anos, com mudanças e convergências advindas de difusões<br />

regionais ocasionais e ajustes internos.<br />

As atuais línguas australianas não se dividem confortavelmente<br />

em 'árvores genealógicas', como ocorre em outras línguas. 21 Por<br />

exemplo, as 29 subfamílias de uma grande família australiana são<br />

fonologicamente (fonologia é a ciência dos sons da fala e seus<br />

sistemas) menos diferenciadas que apenas duas subfamílias e uma<br />

grande família americana. É principalmente esse fato que torna<br />

urgente a identificação de um protoaustraliano primitivo, que esteja<br />

93


extremamente distante no tempo. Muitos falantes de qualquer língua<br />

australiana conseguem entender os dialetos de seus vizinhos<br />

próximos, mas considerando todos os dialetos da língua, a densidade<br />

dos cognatos (palavras relacionadas pela origem) é tão baixa quanto a<br />

obtida entre línguas totalmente diferentes. 22 Por esse motivo, os<br />

linguistas sugerem o termo 'língua aparentada'.<br />

As línguas australianas também apresentam estruturas muito<br />

semelhantes, quase idênticas, em todos os seus dialetos (mesmo com<br />

apenas 45% de vocabulário compartilhado entre dialetos que estão nas<br />

pontas). Tais cadeias dialetais são impressionantemente longas, com<br />

mais de 1.500 quilômetros. Porém, ainda é virtualmente impossível<br />

provar que essa característica particular deriva de uma língua<br />

ancestral comum, ou o protoaustraliano. Este último, se realmente<br />

existiu como língua real, pode ter sido uma forma de língua migrante<br />

que se impôs sobre uma ou mais línguas anteriores de maneira tão<br />

completa, que essa(s) língua(s) anterior(es) não é(são) mais<br />

reconhecida(s) hoje. Ou pode ter sido a única língua da Austrália.<br />

Apenas em vocabulários regionais australianos, há o que talvez sejam<br />

vestígios de uma ou mais línguas anteriores. 23 Mas, novamente, elas<br />

podem ser convergências recentes, derivadas em último caso do<br />

protoaustraliano, que pode ter passado por uma evolução cíclica num<br />

período de 35.000 anos sem intervenções estrangeiras significativas<br />

até 1788.<br />

Isolada de Sahul desde o preenchimento do estreito de Torres,<br />

cerca de 8.000 anos atrás, a Nova Guiné, a segunda maior ilha do<br />

mundo, abriga o mais rico tesouro de línguas, mais de 700 (além de<br />

outras 200 línguas austronésias), dentro de uma área geográfica<br />

confinada. 24 Embora se possa esperar ligações genéticas com as<br />

línguas australianas, não foi encontrada nenhuma correspondência<br />

sistemática fonológica nem morfológica confiável. Ao contrário da<br />

crença<br />

94


ANO 0<br />

Três diferentes línguas vizinhas<br />

apresentam palavras diferentes para<br />

'humanidade, com os sufixos nominais<br />

variantes V, '-da' e Y.<br />

ANO 2000<br />

A supremacia política da língua dominante<br />

causou mais mudanças e cópias, resultando<br />

em compartilhamento sistêmico, apenas<br />

com diferenças dialetais menores na nova<br />

protolíngua.<br />

ANO 1000<br />

Aconteceram mudanças naturais<br />

internas, com ocorrência de cópia,<br />

devido à comunicação contínua entre<br />

as três línguas.<br />

5 Durante um período de equilíbrio, diferentes línguas podem convergir em uma protolíngua<br />

pela difusão.<br />

anterior, muitas das línguas papua (ou seja, não austronésia) da Nova<br />

Guiné parecem ser faladas por comunidades relativamente populosas,<br />

às vezes superiores a 100.000 falantes. 25<br />

Após as línguas austronésias, as línguas papuas compreendem a<br />

segunda maior divisão linguística do Pacífico e do sudeste asiático. O<br />

papua é falado em quase toda a Nova Guiné (com exceção de alguns<br />

litorais); norte de Halmaera nas Molucas; leste da Indonésia (Alor,<br />

Pantar, partes do Timor); regiões da Nova Bretanha e da Nova Irlanda;<br />

e partes de Bougainville e outras ilhas Salomão até o arquipélago de<br />

Santa Cruz. Das supostas 741 línguas papua identificadas<br />

95


na década de 1980, 507 supostamente pertencem a uma 'superfamília'<br />

linguística, a assim chamada trans-nova guineense. 26 Esse seria um<br />

agrupamento de um nível mais alto (mais antigo) que incluiria cerca<br />

de 80% de todos os falantes papua. Porém, outros pesquisadores<br />

identificaram apenas cerca de 60 pequenas famílias linguísticas. Muito<br />

do trabalho comparativo sobre o papua foi baseado na análise<br />

estatística de palavras, e é, de modo geral, duvidoso, embora poucas<br />

pesquisas linguísticas histórico-comparativas tenham sido feitas. Na<br />

verdade, 'papua' é usado muito frequentemente para designar todas as<br />

línguas não austronésias da área, cujas afiliações genéticas precisas<br />

não são claras.<br />

LÍNGUAS AUSTRONÉSIAS<br />

A elevação do nível dos oceanos no fim da última glaciação<br />

também gerou, indiretamente, a relativamente recente superfamília<br />

linguística austronésia — que atualmente se estende desde<br />

Madagascar, no Oceano Indico, até a Ilha de Páscoa, no sul do<br />

Pacífico — que comporta o maior número de línguas,<br />

aproximadamente 1.200, cerca de 30% de todas as línguas do<br />

mundo. 27 Falada atualmente por cerca de 270 milhões de pessoas, a<br />

família austronésia inclui quase todas as línguas da Indonésia,<br />

Micronésia e Polinésia. Surpreendentemente, 2 % (25 línguas da<br />

Malásia, Indonésia e Brunei) do total de línguas austronésias atuais<br />

são faladas por 87% dos falantes de línguas desta família.<br />

É possível que os falantes da pré-protoaustronésia, talvez<br />

agricultores de arroz do delta do Yang-Tsé, pertencessem a um<br />

subgrupo de uma família linguística sino-tibetana, falada cerca de<br />

8.000 anos atrás. Indícios dessa afirmação são encontrados nas<br />

reconstruções tonais e monossilábicas do protoaustronésio, que<br />

parecem lembrar muitas das línguas e famílias linguísticas da China e<br />

do sudeste asiático. 28<br />

96


Deslocados por intrusos falantes de sino-tibetano do norte, é possível<br />

que os falantes do protoaustronésio tenham chegado à Ilha de Taiwan<br />

vindos do sudeste, cerca de 6.000 a 5.000 anos atrás. 29 Assim, Taiwan<br />

permaneceu exclusivamente habitada por falantes de austronésio até a<br />

invasão chinesa no século 17 d.C, que levou os falantes de austronésio<br />

para o interior montanhoso; hoje, restam apenas 200.000 falantes de<br />

austronésio, apenas 1 % da população de Taiwan.<br />

LÍNGUAS INDIANAS<br />

A primitiva convolução linguística do subcontinente indiano<br />

lembra o que ocorreu na África, na Ásia e na América do Sul. Já nos<br />

primórdios, muitas grandes famílias linguísticas, cujas origens estão<br />

obscurecidas pela passagem do tempo, lutavam pela supremacia. Por<br />

outro lado, arqueólogos identificaram uma continuidade notável na<br />

antiga cultura hindu que vai de 8.000 a 1.000 a.C. É geralmente aceito<br />

que a família dravídica — sem nenhum cognato identificável entre as<br />

línguas do mundo — foi a família linguística nativa mais amplamente<br />

distribuída da Índia, quando os falantes do indo-europeu entraram pela<br />

primeira vez pelo noroeste mais de 3.000 anos atrás. (As línguas<br />

indo-iranianas, extremamente populosas na Índia são indo-europeias.)<br />

A cultura altamente avançada do Vale do Indo, 4.000 anos atrás, pode<br />

muito bem ter sido elaborada, por exemplo, por falantes do<br />

protodravídico. A superfamília dravídica, hoje falada por cerca de 175<br />

milhões de pessoas, é a quarta maior do mundo e inclui 24 grandes<br />

subfamílias. 30 Embora algumas poucas línguas dravídicas tenham<br />

sobrevivido no norte da Índia — Baluchistão oriental (centro do<br />

Paquistão), por exemplo, a língua dravídica bahui ainda é falada<br />

atualmente — as principais línguas dravídicas estão hoje localizadas<br />

no sul da Índia (télugo, tâmil, kanarese e malaiala).<br />

97


A classificação das outras línguas nativas da Índia é difícil. Elas<br />

podem muito bem representar relíquias de famílias muito grandes que<br />

foram marginalizadas durante muitos milhares de anos, primeiro pelos<br />

dravidianos, depois pelos indo-europeus. Semelhante ao basco na<br />

Europa, a língua burushaski, do noroeste da Índia, por exemplo, não<br />

tem nenhum cognato identificável. As populosas famílias linguísticas<br />

munda, mon-khmer e annam-muong da Índia oriental pertencem à<br />

família austro-asiática que entrou no território indiano pelo sudeste<br />

asiático muito tempo atrás.<br />

LÍNGUAS EUROPEIAS<br />

Evidentemente também existiram muitas famílias linguísticas na<br />

Europa, onde várias espécies humanas prosperaram por centenas de<br />

milhares de anos. Quase todas essas famílias desapareceram sem<br />

deixar rastros. Uns poucos nomes pré-indo-europeus (acredita-se)<br />

sobreviveram em escritos primitivos, como os pictos ou cruithne na<br />

Escócia (que, porém, podem ter sido celtas primitivos), os lígures do<br />

sul da França e oeste dos Alpes, os etruscos da Itália e os bascos do<br />

norte da Espanha e sudoeste da França. Os últimos exigem um lugar<br />

especial na pré-história da Europa.<br />

Nomeados em relatos romanos de 2.000 anos atrás, os bascos<br />

representam geneticamente um tipo paleolítico que evidentemente já<br />

foi mais espalhado pela Europa Ocidental, aparentemente relacionado<br />

com os aquitanos do sudoeste da Gália da era romana. Expulsos para a<br />

periferia geográfica dos Pirineus, pelos celtas falantes de gaulês, os<br />

bascos falavam uma língua — o basco — não relacionada com<br />

nenhuma língua viva conhecida, embora seu vocabulário seja<br />

permeado por palavras emprestadas do celta, do gótico e do itálico.<br />

(Linguistas mais antigos deduziram uma ligação por meio do antigo<br />

liguriano às línguas caucásicas da Ásia Ocidental.)<br />

98


Hoje, a maioria dos especialistas aceita que os falantes do basco<br />

ocuparam, ou evoluíram linguisticamente, a região basca antes do<br />

primeiro contato com línguas indo-europeias, neste caso, célticas.<br />

Embora alguns pesquisadores tenham proposto que os bascos e sua<br />

língua possam ser descendentes diretos dos Homo sapiens<br />

colonizadores originais da Europa, 50.000 anos atrás, a proposta<br />

parece forçada, pelo menos no que diz respeito à língua (a questão<br />

genética permanece aberta, como se verá a seguir). Os bascos, ou sua<br />

língua, podem muito bem ter precedido os primeiros intrusos célticos<br />

por poucos milhares de anos. Os bascos parecem geneticamente mais<br />

distintos dos vizinhos espanhóis do que dos franceses, uma vez que<br />

seu perfil genético se difundiu gradualmente na região de Garona<br />

(antiga Aquitânia). Os dez principais dialetos bascos são atualmente<br />

falados por cerca de 700.000 pessoas, em sua maioria no norte da<br />

Espanha.<br />

Quase três milênios atrás, os territórios dos falantes do basco<br />

foram invadidos pelos celtas que falavam o gaulês, uma língua<br />

indo-europeia atualmente extinta. O indo-europeu é uma superfamília<br />

linguística — a mais bem-sucedida da história — que inclui quase<br />

todas as línguas faladas atualmente na Europa e suas vastas<br />

ex-colônias, das Américas à Nova Zelândia. (O inglês, por exemplo, é<br />

uma língua indo-europeia da subfamília germânica e subsubfamília<br />

germânica ocidental.) Geralmente se assume que guerreiros montados<br />

da Europa Oriental conquistaram toda a Europa e substituíram as<br />

línguas nativas pelo seu próprio protoindo-europeu. Essa interpretação<br />

foi posta em questão na década de 1980, pela teoria que diz que os<br />

indo-europeus chegaram na Europa no fim da última Era Glacial,<br />

10.000 anos atrás, vindos do Oriente Médio — não como guerreiros,<br />

mas sim como agricultores que plantavam e colhiam. 31 Segundo a<br />

nova teoria, esses novos migrantes entraram gradualmente na Europa,<br />

cerca de um<br />

99


quilômetro por ano, absorvendo as populações que caçavam e<br />

coletavam. Sua linguagem 'superior' primeiro dominou, e depois<br />

suprimiu todas as línguas locais enquanto a agricultura substituía<br />

lentamente a caça e a coleta.<br />

Porém, por sua vez, tanto geneticistas quanto linguistas puseram<br />

em questão essa teoria. Os geneticistas apontaram que o perfil<br />

genético humano na Europa não teve alterações significativas nos<br />

últimos 50.000 anos: talvez técnicas agrícolas, ou mesmo novas<br />

línguas, tenham sido introduzidas por povos do Oriente Médio, cerca<br />

de 10.000 anos atrás, mas os residentes europeus não foram expulsos<br />

por outros povos. Os linguistas rejeitam uma substituição gradual da<br />

língua; também não há indícios linguísticos que apontem que os<br />

indo-europeus introduziram a agricultura na Europa numa época tão<br />

antiga — isso pode ter sido alcançado por um povo pré-indo-europeu,<br />

com a chegada dos indo-europeus da cultura de cerâmica linear<br />

muitos anos mais tarde, cerca de 3500 a.C, vindos não do Oriente<br />

Médio, mas da Europa Oriental. 32<br />

A ciência da linguística histórica argumenta que o lar original<br />

dos indo-europeus era o centro geográfico da área a partir da qual sua<br />

língua se expandiu — a Europa Oriental. Isso explicaria evidentes e<br />

extremamente antigas afinidades com as línguas fino-úgricas e o<br />

samoiedas da família urálica. 33 Se essas afinidades são substanciais<br />

(uma comparação formal ainda está pendente), há, então, a<br />

possibilidade de que o indo-europeu e o urálico tenham uma língua<br />

ancestral comum, ou representem a convergência heterogênea de duas<br />

ou mais línguas diferentes, porém contíguas, falada no extremo<br />

oriente da Europa cerca de 7.000 anos atrás.<br />

O povo da cultura de cerâmica linear, talvez os primeiros<br />

indo-europeus a entrar na Europa Central, cerca de 5.500 anos<br />

100


atrás, teria substituído aqueles agrupamentos muito antigos e dispersos<br />

de povos celto-itálicos, germânicos e talvez balto-eslavos, que<br />

perseveraram nos milênios subsequentes. Então, cada língua<br />

indoeuropeia individual evoluiu em seu próprio solo: ela não era uma<br />

'invasora', mas sim, nativa.<br />

Consequência de um mecanismo histórico, às vezes difícil de<br />

entender, as línguas europeias nativas conhecidas atualmente surgiram<br />

apenas como resultado de muitas forças. Linguisticamente, o grego<br />

moderno, o francês e o inglês surgiram do mesmo modo que o<br />

protogrego, o itálico e o germânico emergiram anteriormente,<br />

evoluindo a partir de conjuntos tribais mais antigos por meio de uma<br />

miríade de processos específicos da língua. O perfil genético das<br />

línguas europeias modernas revela que as línguas dos minoritários<br />

invasores indo-europeus foram bem-sucedidas em quase todos os<br />

lugares, substituindo as línguas nativas dos moradores majoritários,<br />

com exceção do território basco e da região norte da Escandinávia e<br />

do Báltico. Então, o indo-europeu se diferenciou, ou seja, gerou<br />

línguas descendentes, sobre substratos variados e dinâmicos ou<br />

línguas subjacentes, um processo que produziu a extremamente rica e<br />

culturalmente significativa superfamília linguística que o<br />

indo-europeu se tornou nos últimos 5.500 anos.<br />

Documentada em registros escritos em quase 4.000 desses anos,<br />

o indo-europeu compreende hoje uma das famílias linguísticas mais<br />

prósperas do planeta (ver ilustração 6). 34 Só o inglês, que é apenas<br />

uma das mais de 100 línguas descendentes do indo-europeu,<br />

distribuídas em oito subfamílias modernas (céltica, germânica,<br />

românica, albanesa, grega, balto-eslava, armênia e indo-iraniana),<br />

pode atualmente contar com mais falantes de primeira e segunda<br />

línguas do que o mandarim chinês, até então detentor do recorde<br />

linguístico.<br />

101


6 Árvore genealógica das línguas Indo-europeias (resumida).


Protoindo-europeu


Na segunda metade do século vinte, o inglês se tornou a língua<br />

dominante da comunicação global e o mais próximo que a<br />

humanidade já chegou de uma linguagem mundial. O indo-europeu<br />

também compreende a família linguística mais estudada do planeta e,<br />

nos séculos dezoito e dezenove, serviu, principalmente por<br />

intermédio do sânscrito, como origem da ciência linguística<br />

moderna. 35<br />

Quanto mais para trás vai a pesquisa linguística, menos se<br />

consegue reconstituir uma língua autêntica. Isso acontece porque o<br />

método comparativo de reconstituição linguística não permite o<br />

mesmo tipo de Viagem no tempo' que outras ciências. A<br />

paleolinguística é limitada a um grande corpus de itens<br />

compartilhados que devem, então, permitir comparações léxicas<br />

(palavras) e fonológicas (sistemas sonoros significativos) entre<br />

línguas. Quando esse corpus fica pequeno demais — como ocorre<br />

num longo período de separação física entre tribos relacionadas — as<br />

correspondências sonoras sistemáticas entre as línguas simplesmente<br />

desaparecem. 36 Reconstituições além de um certo ponto temporal se<br />

dissolvem em especulações vãs para a necessidade de dados<br />

comparativos concretos. 'Não é nem sensato nem prudente procurar<br />

uma árvore genealógica ou árvores genealógicas'. 37 Esse ponto<br />

temporal fica cerca de 10.000 anos atrás para uma amplitude muito<br />

grande de protofamílias linguísticas, e a maior parte de suas<br />

especulações, mas apenas cerca de 6.000 ou menos para protolínguas<br />

específicas, como a protoindo-europeia. Em relação à antiguidade do<br />

ser humano, isso é muito recente.<br />

Contudo, o fim da última Era Glacial, 10.000 anos atrás, foi<br />

um grande ponto de virada na história da humanidade. Foi uma era<br />

de grande diversidade linguística. Até então, bolsões isolados de<br />

sociedades primitivas só haviam interagido ocasionalmente.<br />

104


Esse isolamento natural engendrou um grande número de pequenos<br />

agrupamentos linguísticos autônomos, cujo estado normal era, talvez,<br />

de equilíbrio e mudanças modestas e graduais, quase sempre por meio<br />

da difusão regional. O enorme aumento populacional humano que se<br />

seguiu após a última glaciação, talvez de um modo paradoxal, reduziu<br />

a diversidade linguística da humanidade, porque na época, o aumento<br />

da população estabeleceu não apenas famílias linguísticas maiores,<br />

mas também casos de uma única língua (como o mandarim chinês)<br />

com um número de falantes sem precedentes.<br />

O aumento do poder econômico e político na sociedade humana,<br />

como regra, gera unidades linguísticas homogêneas cada vez maiores,<br />

que então suprimem as menores. Esse sistema sinergístico cresce<br />

exponencialmente até que, no fim, apenas um número muito limitado<br />

de línguas e famílias linguísticas sobrevive. Essa é a situação<br />

linguística do mundo atual, com um número de línguas que diminui<br />

rapidamente, apesar do excesso populacional. Talvez também por esse<br />

mesmo motivo, é essencial que nós compreendamos a abundante<br />

paisagem linguística de 10.000 anos atrás, provavelmente o limite<br />

absoluto da reconstituição linguística: foi este o funil pelo qual os<br />

ancestrais de todas as línguas sobreviventes atravessaram.<br />

Análises genéticas recentes revelaram que, através dos séculos e<br />

milênios, geralmente as línguas, e não os povos, são substituídas. Ou<br />

seja, novas línguas são prontamente absorvidas por populações<br />

relativamente estáveis. Desse modo, por exemplo, os pré-celtas das<br />

Ilhas Britânicas e Irlanda adotaram as línguas dos celtas minoritários,<br />

quando esses indo-europeus entraram em seu território. Seus<br />

descendentes, muitos séculos depois, de maneira semelhante,<br />

adotaram a<br />

105


língua dos minoritários germânicos ocidentais ('anglo-saxões') que<br />

invadiram suas terras, embora o perfil genético dos moradores<br />

insulares tenha permanecido relativamente o mesmo. Esse é um<br />

fenômeno que ocorreu inumeráveis vezes em todo o mundo. Em toda<br />

a história, as sociedades humanas usaram novas línguas como capas.<br />

As metamorfoses linguísticas sempre passaram despercebidas — até a<br />

escrita.<br />

106


4<br />

Linguagem escrita<br />

'Um escriba, cuja mão se iguala à boca é um escriba de verdade',<br />

escreveu, em argila, um sumério anônimo, cerca de 4.000 anos atrás, e<br />

com a frase, ele capturou a essência da escrita. 1 A escrita não 'evoluiu'<br />

gradualmente a partir de desenhos mudos. Ela começou<br />

imediatamente como a expressão gráfica da própria fala humana, e<br />

assim permaneceu. Mesmo o mais antigo hieróglifo egípcio de cerca<br />

de 3400 a.C, que imortalizou um chacal, teria evocado imediatamente<br />

na mente de seu leitor a palavra egípcia para 'chacal'.<br />

Não houve uma pessoa que 'inventou' a escrita. Ela surgiu pela<br />

primeira vez numa ampla faixa que vai do Egito até o Vale do Indo,<br />

aparentemente como resultado da melhora de um antigo sistema de<br />

contagem e classificação. Um negociante ou funcionário melhorou<br />

esse sistema descrevendo pictoricamente o bem que estava sendo<br />

107


contado, medido ou pesado, para diminuir as ambiguidades. Embora<br />

todos os glifos (abreviação para hieróglifo) primitivos<br />

compreendessem figuras simples, mesmo os mais rudimentares<br />

representavam um significado fonético ou sonoro tirado diretamente<br />

da língua.<br />

O modelo mais básico de linguagem escrita compreende três<br />

classes gerais, com muitas variantes transicionais e combinações<br />

(escritas mistas): 2<br />

— Uma escrita logográfica permite que um glifo represente um<br />

único morfema (a menor unidade linguística significativa, como<br />

'mão') ou uma palavra inteira ('chacal', como no primitivo hieróglifo<br />

egípcio).<br />

— Uma escrita silábico, compreende glifos que têm<br />

significados apenas silábicos-fonéticos (por exemplo, ko-no-so para<br />

'Konossos', nos escritos egeus da Era do Bronze).<br />

— Uma escrita alfabética permite que glifos, chamados 'letras',<br />

representem vogais e consoantes individuais (a, b, c, como no<br />

alfabeto latino).<br />

Com o tempo, a maioria dos escritos históricos reflete uma<br />

mudança de classe, em que a semântica anterior, ou sentido, é<br />

gradualmente substituída pelo conteúdo fonético ou sonoro: desse<br />

modo, os sistemas logográficos tendem a se tornar sistemas silábicos.<br />

Em contraste, o sistema alfabético permanece único: uma vez<br />

desenvolvida — iniciada no Levante e terminado na Grécia — a<br />

escrita alfabética foi subsequentemente adotada por centenas de<br />

línguas. Hoje, o sistema de escrita alfabético é o único usado para<br />

representar graficamente línguas anteriormente sem escrita.<br />

É possível que a ideia da escrita tenha surgido uma única vez na<br />

história humana, e depois imitada por muitas sociedades. Até bem<br />

108


ecentemente, a maioria dos pesquisadores acreditava que esse<br />

surgimento havia ocorrido somente no sul da Mesopotâmia (hoje,<br />

sudeste do Iraque). 3 Porém, novos indícios arqueológicos tornam<br />

urgente a consideração de que a escrita primitiva se desenvolveu num<br />

território mais amplo, que se estende do Egito até o vale do Indo.<br />

Através da 'difusão estimulada — a transmissão de uma ideia ou<br />

costume de um povo a outro — a ideia da utilidade de mecanismos de<br />

escrita, onde quer que tenha sido sua origem, inspirou seus vizinhos a<br />

criar seus próprios sistemas de escrita de maneira semelhante, embora<br />

gráfica e foneticamente únicos. 4 Em algumas culturas, a linguagem<br />

escrita alcançou a veneração, como no caso dos hebreus de Canaã, os<br />

antigos germânicos e habitantes da Ilha de Páscoa. Nesses casos, a<br />

arte gráfica da escrita, e não necessariamente a mensagem transmitida,<br />

se tornou algo à parte da existência cotidiana, uma comunicação<br />

transcendental a ser praticada apenas por escribas ou sacerdotes. Na<br />

história, o próprio ato de escrever foi frequentemente considerado um<br />

processo mágico.<br />

Um darwinista considerado um dos fundadores da antropologia<br />

moderna proclamou que a evolução da sociedade da 'barbárie' à<br />

'civilização' foi possível primeiro e antes de tudo pela capacidade de<br />

ler a linguagem escrita. 5 Pode-se ir além, como acredita-se<br />

atualmente, considerando a escrita como o principal lubrificante da<br />

sociedade: a escrita não permitiu o desenvolvimento social, mas<br />

facilitou em muito a mudança social. Também pode-se optar em evitar<br />

a identificação de 'estágios' no uso da escrita. As três classes de escrita<br />

— logográfica, silábica e alfabética (e seus usos transicionais e<br />

mistos) — são, cada uma delas, maximizadas por uma língua, uma<br />

sociedade e uma era particulares.<br />

Sistemas de escrita são ajustados com a mudança das línguas<br />

através do tempo, ou então um sistema de escrita vizinho é tomado<br />

109


emprestado e radicalmente alterado para se encaixar numa língua<br />

diferente. As três classes não são graus qualitativos nem estágios de<br />

um modelo de evolução da escrita; são simplesmente diferentes<br />

formas de escrever, às vezes, usadas para acomodar novas e diferentes<br />

necessidades. 6<br />

As línguas podem 'evoluir', ou seja, se desenvolver de maneira<br />

livre da intervenção intencional humana, mas os sistemas de escrita<br />

são modificados propositalmente por agentes humanos para alcançar<br />

determinados objetivos específicos. O objetivo mais comum é uma<br />

melhor reprodução gráfica da língua falada do escritor. Com o passar<br />

dos séculos e milênios, pequenas modificações constantes num<br />

sistema de escrita resultam numa enorme diferença na aparência e uso<br />

de um manuscrito. 7 Mesmo mais de 2.000 anos depois, o atual<br />

alfabeto latino, descendente dos mais antigos hieróglifos egípcios,<br />

ainda está experimentando, simultaneamente em muitas línguas<br />

diferentes, a adição de um novo sistema de sinais externos — ou,<br />

devido a novas tecnologias, a expansão semântica de sinais antigos —<br />

como %, ¥, , ©, e mais recentemente, @ e // com a internet.<br />

Nas sociedades em que a capacidade de ler e escrever é limitada<br />

a poucas pessoas selecionadas, parece que a escrita tem poucos efeitos<br />

sobre a língua falada. 8 Mas em sociedades em que essa capacidade é<br />

difundida, o impacto da escrita é profundo. A escrita preserva a língua<br />

falada, nivela, padroniza, determina, enriquece e gera muitos outros<br />

processos orientados pela língua com implicações sociais de amplo<br />

alcance. A sociedade humana como conhecemos não pode existir sem<br />

a escrita. A aquisição da capacidade de ler e escrever se tornou, no<br />

mundo moderno, a segunda capacidade mais importante, perdendo<br />

apenas para a aquisição da própria língua. A inspirada elaboração da<br />

escrita a tornou, em pouco mais de 5.000 anos, quase tão<br />

indispensável à humanidade quanto as línguas que ela transmite.<br />

110


Traços de sistemas de escrita apareceram e desapareceram na<br />

história. Tanto eles quanto as dezenas que estão atualmente em uso<br />

em todo o mundo não devem nos retardar nesta história da linguagem.<br />

(Ao leitor curioso, recomenda-se alguns excelentes trabalhos.) 9<br />

Merecem um exame mais detalhado os escritos que deram voz às<br />

mais primitivas culturas do planeta, e engendraram famílias inteiras<br />

de escritas e aqueles que hoje dominam o mundo.<br />

Surpreendentemente, apenas três principais tradições guiaram<br />

efetivamente o curso da linguagem escrita: a do Egito e Suméria, aqui<br />

chamada de escrita afro-asiática; a da China, ou escrita asiática; e a da<br />

Mesoamérica.<br />

ESCRITA AFRO-ASIÁTICA<br />

Talvez os povos afro-asiáticos tenham sido os únicos na história<br />

a elaborar uma escrita sem inspiração externa. Em todas as outras<br />

partes do mundo, a escrita serviu às prerrogativas dos sacerdotes e<br />

propagandistas, implicando um empréstimo cultural para a obtenção<br />

de prestígio e poder. Apenas nas terras do Egito até o Vale do Indo a<br />

escrita surgiu a partir de uma necessidade mundana: contabilidade.<br />

Placas de argila datadas de 8.000 a.C. na Mesopotâmia, a 'terra<br />

entre os rios' Tigre e Eufrates, podem ter sido as primeiras precursoras<br />

da escrita fonética. 10 Nos povoamentos agrícolas mais primitivos da<br />

região, quantidades de grãos e número de animais foram computados<br />

por meio de formas, como pratos e cones, feitas de argila. Após a<br />

incursão dos sumérios na área, que adotaram nomes de cidades e<br />

profissões e o sistema de contagem dos moradores locais, novas<br />

formas e mesmo marcas, estampadas com estiletes de junco estavam<br />

sendo desenvolvidas para incluir mais informações sobre contagem de<br />

jarras de azeite e vinho e unidades de terra. Quando os sumérios<br />

projetaram 'envelopes' de bolas ocas feitas de argila para colocar essas<br />

placas<br />

111


de contagem, outras placas, reproduzindo o conteúdo dos envelopes<br />

foram estampadas em sua superfície exterior, e 'lidas' como um rótulo.<br />

Em tempo, os marcadores contábeis do interior dos envelopes se<br />

tornaram supérfluos, uma vez que a impressão exterior já comunicava<br />

o bem e a quantidade.<br />

Parece que os egípcios e os harappeanos do Vale do Indo, que<br />

mantinham um comércio ativo com os sumérios, adotaram bem cedo<br />

este, ou um método semelhante de contagem, com o uso de<br />

figuras-símbolos identificáveis para representar sons falados: via-se<br />

um objeto reconhecível e simplesmente pronunciava-se seu nome em<br />

voz alta. Tal símbolo é chamado de pictograma, e a escrita que usa<br />

pictogramas é chamada de escrita pictográfica. Os egípcios, por sua<br />

vez, sofisticaram esse processo, reduzindo as figuras a morfemas e<br />

sinais puramente fonéticos para melhor reproduzir a língua egípcia.<br />

No fim, nasceu um sistema de escrita logográfica, totalmente capaz de<br />

transmitir sentenças gramaticais da língua falada. Era a escrita como<br />

atualmente a conhecemos.<br />

Descobertas recentes em Abidos, o mais antigo 'centro de poder'<br />

do Alto Egito, revelaram que os egípcios do local usavam uma escrita<br />

logográfica ou hieroglífica mais refinada já em 3400 a.C. Durante o<br />

período pré-dinástico Gerzean, ou Naqada II, antes da união das<br />

províncias locais, os governantes do Alto Egito estavam consolidando<br />

gradualmente sua base de poder, criando uma administração central<br />

mais eficiente para cumprir seus ousados planos de unificação do Alto<br />

e do Baixo Egito num único reino. O centro de qualquer<br />

administração é, como sempre, o controle da informação. Com a nova<br />

escrita logográfica, que podia capturar e sustentar a lei real e permitia<br />

uma contabilidade controlada, com suas óbvias vantagens<br />

econômicas, os intermediários do poder do Alto Egito tinham um<br />

112


veículo para avançar o processo de centralização política. É possível<br />

que a escrita hieroglífica do Egito tenha surgido como resultado<br />

imediato da dinâmica social que levou à unificação do Alto e do<br />

Baixo Egito. A nova escrita também se encaixava perfeitamente bem<br />

à estrutura particular da língua afro-asiática do Egito — na verdade,<br />

bem mais do que qualquer um dos nossos alfabetos modernos<br />

conseguiria se encaixar. Isso também pode explicar por que o sistema<br />

de escrita logográfica dos egípcios sobreviveu quase sem mudanças<br />

em sua base por mais de 36 séculos, mais do que qualquer outro<br />

sistema de escrita da história da humanidade. 11<br />

Há três formas de escrita egípcia antiga. A mais importante são<br />

os hieróglifos (uma posterior denominação grega errada para o termo<br />

'entalhe sagrado') de uso principalmente monumental ou ritualístico.<br />

As duas escritas cursivas (a escrita cursiva flui livremente com<br />

caracteres unidos), a hierática e a bem mais tardia escrita demótica,<br />

que normalmente eram escritas com tinta em papiros. 12 Porém, as três<br />

escritas só se diferenciam na aparência externa. Todas as três são,<br />

essencialmente, uma única escrita. 13 A escrita hieroglífica consistia,<br />

originalmente, de cerca de 2.500 glifos, mas apenas cerca de 500 deles<br />

eram usados regularmente. Esses glifos consistiam da reprodução<br />

gráfica do objeto nomeado: o glifo de uma 'mão' era pronunciado drt,<br />

e o da 'lótus' ssn. (Normalmente, os egípcios não designavam o som<br />

das vogais, só o das consoantes.) Outros hieróglifos são apenas<br />

sugestivos: por exemplo, wnm, que significa 'comer', consiste de um<br />

homem sentado com uma mão na boca. Os glifos podem ser objetos,<br />

ações, ou mesmo abstrações. Eles também podem ser usados<br />

homofonicamente, com uma palavra servindo para significar outra de<br />

som parecido: a palavra db que significa 'dedo', também era usada<br />

para representar db, que significa '10.000'. Cerca de 26 glifos<br />

representavam apenas<br />

113


uma consoante, outros 84 representavam duas consoantes. 24 outros<br />

eram sílabas (silabogramas). 14 Cerca de 100 glifos<br />

determinativos-impronunciados que 'determinavam' ou identificavam<br />

a classe à qual o respectivo glifo pertencia — seguiam-se após os<br />

glifos fonéticos (sonoros). Uma única barra embaixo de um glifo<br />

significava que ele era um logograma; duas barras abaixo<br />

significavam dois do objeto retratado; e três significavam que havia<br />

três ou mais (ver ilustração 7).<br />

Os hieróglifos egípcios parecem ter assumido suas formas<br />

padronizadas e significados sonoros muito antes da Primeira Dinastia,<br />

cerca de 5.400 anos atrás; na época, produzindo um sistema de escrita<br />

misto com várias centenas de logogramas, silabogramas e<br />

determinativos. Apenas dessa forma poder-se-ia escrever coisas que<br />

iam além de objetos específicos e facilmente determináveis. Por<br />

exemplo, dizia-se par para 'casa' ou 'sair', mas escrevia-se apenas pr<br />

para ambos, que, mais tarde, os escribas usaram para palavras que não<br />

tinham qualquer relação com 'casa' nem 'sair', quase sempre anexando<br />

determinativos para identificar qual palavra específica ela significava.<br />

Embora na época tenham surgido 26 glifos específicos para<br />

consoantes, eles nunca se desenvolveram num alfabeto. Porém, no<br />

segundo milênio a.C, eles talvez tenham inspirado os silabários<br />

protoalfabéticos (conjuntos de símbolos que representam sílabas) do<br />

Levante, e em última análise, nosso próprio alfabeto. 15<br />

Os hieróglifos egípcios eram mais frequentemente escritos com<br />

tinta em papiro, couro e óstraco (fragmentos inscritos em cerâmica).<br />

Isso permitiu que uma escrita cursiva — mais tarde chamada de<br />

hierática — se desenvolvesse no final da Segunda Dinastia, cerca de<br />

2600 a.C, para facilitar a escrita da contabilidade do governo central.<br />

As características pictóricas dos escritos iniciais haviam sido<br />

estilizadas até se tornarem irreconhecíveis, ao mesmo tempo e do<br />

mesmo modo<br />

114


que a escrita cuneiforme dos sumérios no Oriente Médio. Embora os<br />

liieróglifos tenham sido preservados pela lei e pela tradição, a escrita<br />

cursiva foi desenvolvida separadamente, o que permitiu mudanças<br />

contínuas. Surgiram diferentes caracteres, dependendo do propósito<br />

da escrita cursiva: oficial, pessoal, profano ou religioso. 16 Na<br />

Vigésima Quinta Dinastia, no sétimo século a.C, era usada uma forma<br />

cotidiana de escrita cursiva, chamada demótica; ela contava<br />

fortemente com expressões abreviadas e era usada em todas as<br />

transações administrativas e comerciais. Com a introdução do<br />

cristianismo no terceiro século d.C, as três escritas egípcias foram<br />

substituídas por uma escrita descendente dos hieróglifos muito<br />

posterior, a escrita alfabética grega, que, junto ao o alfabeto cóptico,<br />

passou a ser usada para escrever a língua egípcia.<br />

Cerca de 3100 a.C, talvez através de uma inspiração de seus<br />

parceiros comerciais egípcios, os sumérios já haviam substituído seus<br />

rótulos externos por simples tabletes impressos que usavam marcas<br />

logográficas indicando unidades, medidas e pesos. 17 O sumério é uma<br />

língua monossilábica com muitos homônimos, ou seja, palavras com o<br />

mesmo som e diferentes significados, como em português, os<br />

homônimos cesta e sexta. Isso cria ambiguidades para a escrita<br />

logográfica, em que um glifo representa um morfema ou uma palavra<br />

inteira. Os sumérios encontraram uma maneira de evitar a confusão,<br />

novamente, talvez emprestando uma ideia dos egípcios: eles<br />

arquitetaram glifos puramente fonéticos para ajudar na identificação<br />

dos logogramas. Esses glifos fonéticos foram particularizados,<br />

novamente do mesmo modo que faziam os egípcios, usando o<br />

princípio rebus (no qual as figuras representam partes da palavra): por<br />

exemplo, em inglês a palavra betray seria representada por uma<br />

abelha ‘bee’ e uma bandeja ‘tray’ . (Desde então, o princípio rebus foi<br />

usado inúmeras vezes em todo o<br />

115


'Ilumine sua face, abra seus olhos'<br />

Os sons s e hd são sugeridos pelo gancho e o bastão de cabo longo,<br />

produzindo shd, que significa 'ilumine'. O sol repete esse<br />

significado funcionando como um determinativo. A cesta é um<br />

sufixo masculino, significando 'você'. Portanto, 'Que você ilumine'.<br />

O rosto é a 'face' e o som hr. A vareta diz ao leitor: 'o que se lê aqui<br />

é o objeto que se vê'.<br />

A serpente com chifres é o sufixo masculino -f, significando 'ele',<br />

'dele' ou 'seu'.<br />

A lebre é wn e também a palavra para 'aberto'. Isto também é<br />

apoiado para o sinal ondulado, lido como um n.<br />

Os dois determinativos seguintes são uma porta de lado (então<br />

também está 'aberta') e um antebraço agarrando uma vara<br />

(sugerindo 'esforço').<br />

Novamente a cesta é um sufixo masculino, significando 'você'. Ele<br />

pertence aos quatro sinais anteriores e produz a leitura 'que você<br />

abra'.<br />

Os dois olhos significam 'isto mesmo', reproduzindo a palavra irty.<br />

Novamente a serpente com chifres significa 'ele' (relacionando-se<br />

com os dois olhos acima), enquanto os dois sinais em diagonal<br />

apontam para a dualidade dos olhos.<br />

7 Como funcionam os hieróglifos egípcios: no sarcófago do rei Amenhotep II, a imagem da<br />

deusa Isis invoca sua bênção ao deus da terra, Geb.<br />

mundo.) Porém, como há homônimos demais na língua suméria, a<br />

escrita fonética se mostrou insuficiente. Então, os sumérios passaram<br />

a usar determinativos, mais uma vez, do mesmo modo que os<br />

egípcios. Por exemplo, os nomes de todos os deuses e deusas<br />

sumérios<br />

116


eram acompanhados com um asterisco * quando escritos. O sistema<br />

de escrita sumério só conseguiria reproduzir elementos gramaticais<br />

graficamente após desenvolver significados silábicos dos logogramas,<br />

depois do desenvolvimento do método egípcio. Só então ela se tornou<br />

uma escrita verdadeiramente útil, capaz de ser usada também por<br />

falantes de outras línguas.<br />

Em 2500 a.C, uma técnica de escrita muito sofisticada que<br />

rivalizava com os hieróglifos egípcios em sua simples eficiência havia<br />

se desenvolvido na Suméria: os sumérios usavam um estilete com<br />

uma ponta arredondada triangular que podia ser facilmente<br />

manuseado para formar impressões cuneiformes em argila mole numa<br />

rápida sucessão. 18 Os glifos não eram mais objetos reconhecíveis que<br />

evocariam imediatamente uma palavra da língua suméria, mas sim<br />

formas padronizadas e abstratas feitas com impressões sucessivas com<br />

o estilete. Isso aumentou em muito a capacidade do sistema em formar<br />

palavras individuais. Nos 500 anos seguintes, foi criado um corpus<br />

ativo de cerca de 600 glifos, capaz de expressar qualquer coisa na<br />

língua suméria, e com eles, o mais antigo documento literário do<br />

planeta foi impresso em argila.<br />

Não era mais apenas a língua suméria que podia ser lida na<br />

escrita cuneiforme. Começando cerca de 2600 a.C, os semitas<br />

orientais acádios invadiram seu território e começaram a assimilar a<br />

cultura suméria não semítica e, cerca de 2400 a.C, assimilaram<br />

também a escrita cuneiforme suméria. 19 Com ela os acádios<br />

desenvolveram sua gloriosa cultura babilônica. (Foram os acádios que<br />

deram o nome 'Suméria' para a região.) Embora os sumérios já<br />

houvessem sido totalmente absorvidos pelos acádios cerca de 1800<br />

a.C, sua língua sobreviveu nas leituras dos escritos cuneiformes<br />

sumérios feitos pelos acádios. Os acádios também liam os mesmos<br />

glifos na língua acádia,<br />

117


conferindo duas leituras diferentes para cada glifo. 20 Devido ao<br />

poderoso império babilônico dos acádios, nos séculos seguintes vários<br />

vizinhos adotaram a escrita cuneiforme suméria-acádia em suas<br />

próprias línguas, fazendo alterações e adições para melhor reproduzir<br />

suas diferentes fonologias. 21 Quando os hititas indo-europeus<br />

adotaram a escrita cuneiforme, cerca de 1600 a.C, seus escribas<br />

adicionaram um novo significado hitita aos já presentes significados<br />

sumérios e acádios para cada glifo. Assim, cada glifo cuneiforme<br />

hitita poderia, teoricamente, ser lido de três maneiras diferentes.<br />

Porém, o hábil uso hitita de determinativos reduziu em grande parte<br />

qualquer ambiguidade potencial.<br />

Em 1400 a.C, a escrita cuneiforme era a escrita internacional da<br />

diplomacia e do comércio. Mesmo o poderoso Egito usava a escrita<br />

cuneiforme em suas correspondências diplomáticas com os vizinhos<br />

do nordeste. Grandes bibliotecas de escritos cuneiformes foram<br />

acumuladas por poderosos governantes semitas e hititas:<br />

Assurbanipal, da Assíria (669-633 a.C.) possuía uma biblioteca de<br />

escritos cuneiformes em Nineveh, que chegou a portar quase 25.000<br />

tabletes de argila com inscrições. A expansão cuneiforme diminuiu,<br />

depois parou. Nos primeiros séculos d.C, o uso da escrita cuneiforme<br />

se restringiu à Babilônia, onde continuou sendo usada em escolas de<br />

astronomia até 50 d.C, quando a escrita cuneiforme finalmente<br />

sucumbiu à muito mais influente escrita consonantal semítica.<br />

Uma ramificação anterior da escrita logográfica suméria pode<br />

ser a ainda indecifrada escrita da civilização do Vale do Indo, onde<br />

hoje fica o leste do Paquistão. Cerca de 4.600 anos atrás, surgiu a<br />

primeira sociedade urbana do Vale do Indo, com duas cidades<br />

densamente populosas com ruas pavimentadas e sistema de água.<br />

Harappa, no norte; e Mohenjo-daro, no sul. Ambas influenciavam<br />

uma região maior do<br />

118


que o Antigo Egito. 22 O povo do Vale do Indo desenvolveu um tipo<br />

único de escrita em tabletes de cobre esculpidos e selos de esteatita<br />

(pedra-sabão). Uma protoforma dessa escrita, aparentemente datada<br />

de 3500 a.C, aparece em fragmentos de cerâmica de Harappa.<br />

Características de selos harappianos foram encontradas em cidades<br />

mesopotâmicas dentro de contextos arqueológicos que datam de 2500<br />

a.C. Vários milhares de tais selos foram encontrados no próprio Vale<br />

do Indo, objetos normalmente quadrados ou retangulares com<br />

intricadas figuras esculpidas representando animais, bestas míticas,<br />

pessoas fantasiadas, e assim por diante. Porém, a escrita não está<br />

nesses desenhos, e sim nos cerca de cinco glifos que normalmente os<br />

acompanham. O número total de glifos autônomos na relação dos<br />

milhares de selos ilustrados do Vale do Indo é de cerca de 400, porém<br />

muitos deles são obscuros e não padronizados. Como o número de<br />

glifos é grande demais para uma escrita alfabética ou silábica,<br />

presume-se que eles expressem algum tipo de escrita logográfica,<br />

talvez identificando um dono pelo nome. 23 Embora tenha sido<br />

proposto que a escrita reproduz uma antiga língua dravídica, 24 não há<br />

nenhum indício concreto que aponte para isso. A civilização do Vale<br />

do Indo entrou em declínio cerca de 1900 a.C, por motivos<br />

desconhecidos.<br />

O sistema hieroglífico egípcio, que também incluía 24 sílabas,<br />

pode ter gerado a primitiva escrita semítica ocidental, com 22 sílabas,<br />

baseada no princípio acrofônico ou da consoante inicial. 25 O silabário<br />

semítico ocidental gerou então as escritas arábica, mongol, manchu,<br />

síria, aramaica e pahlavi. 26 Ele também inspirou o brahmi índico, que<br />

por sua vez gerou o devanágari — a escrita usada para o sânscrito<br />

entre muitas outras línguas modernas da Índia — assim como várias<br />

outras escritas do sul da Ásia. Todas essas escritas permaneceram<br />

silábicas, como sua fonte.<br />

119


No início do segundo milênio a.C, a escrita silábica semítica<br />

ocidental da cosmopolita cultura cananita, com seu sistema integrado<br />

de economias e diplomacia internacional, também inspirou as várias<br />

escritas silábicas dos gregos indo-europeus, evidentemente através de<br />

Chipre. Os gregos haviam ocupado a área da Grécia moderna no<br />

terceiro milênio a.C. e então, vários séculos depois, com o domínio da<br />

região, haviam iniciado um relacionamento comercial com os muito<br />

mais ricos cananitas do Levante. Os gregos emprestaram do Levante<br />

apenas a ideia da escrita silábica; seus elaborados glifos e significados<br />

fonéticos eram totalmente egeus em forma e som, baseados no<br />

princípio rebus e usando uma forma muito primitiva da língua grega.<br />

(A tradicional teoria de que os pré-gregos da região haviam elaborado<br />

a primeira escrita egeia de modo independente parece insustentável.)<br />

Entre as várias escritas silábicas usadas por muitos séculos pelos<br />

minoicos e micênicos de Creta, nas Ilhas Egeias e no continente<br />

grego, estava a famosa escrita hieroglífica de Creta (com variantes) e<br />

suas simplificações estilizadas linear A e linear B. Os mais de 4.000<br />

fragmentos que sobreviveram constituem a mais antiga literatura<br />

europeia. Os escritos silábicos gregos foram evidentemente<br />

abandonados nos últimos séculos do segundo milênio a.C, com a<br />

introdução do eminentemente mais conveniente protoalfabeto,<br />

também vindo do Levante. A ilha de Chipre, na periferia da Grécia,<br />

manteve uma arcaica escrita silábica reservada para uso especial até o<br />

segundo século a.C. 27<br />

Indícios da escrita alfabética mais antiga do mundo — que<br />

adorna as jarras de Gezer, onde fica hoje a área da moderna Israel —<br />

datam do século dezesseis a.C. 28 Esse protoalfabeto, usado em Canaã<br />

como pictogramas, foi escrito 200 anos depois junto ao o alfabeto<br />

cuneiforme que serviu simultaneamente em Ugarit (moderna Rãs<br />

Shamrah, na Síria) e outras importantes cidades do Levante. Os<br />

120


escribas ugaríticos haviam mantido o material de escrita e a técnica da<br />

escrita cuneiforme primitiva, mas haviam inventado seus glifos e<br />

significados próprios.<br />

Cerca de 1300 a.C, os escribas fenícios de Biblos elaboraram<br />

um silabário altamente simplificado usando glifos derivados do<br />

princípio acrofônico ou 'da consoante inicial'. Os fenícios semitas não<br />

acharam que a representação das vogais era necessária em seu<br />

silabário; entre outros motivos não linguísticos para não usar a escrita<br />

egípcia, neste caso, é suficiente reconhecer que uma escrita silábica<br />

era mais conveniente que a escrita logográfica dos egípcios. (Línguas<br />

semíticas priorizam consoantes antes de vogais na formação de<br />

palavras.) Esse novo silabário levantino, um protoalfabeto que foi<br />

usado de várias formas por centros comerciais no final da Idade do<br />

Bronze, durou apenas até 1200 a.C, quando, junto ao alfabeto<br />

cuneiforme, sucumbiu ao alfabeto consonantal que havia se<br />

desenvolvido através do alfabeto pictográfico de Canaã da Idade do<br />

Bronze. 29<br />

Os gregos, ainda parceiros comerciais regulares, também<br />

adotaram esse novo alfabeto consonantal. Porém, eles logo<br />

descobriram que embora ele representasse eficientemente as línguas<br />

semíticas, a falta de vogais causava muitas ambiguidades no caso de<br />

uma língua indo-europeia, como o grego, em que as vogais são<br />

componentes gramaticais e produtores de sentido importantes. Eles<br />

perceberam que alguma coisa deveria ser feita para criar um alfabeto<br />

conveniente tanto para o escritor quanto para o leitor de grego. Essa<br />

'alguma coisa' produziu o mais importante desenvolvimento da escrita<br />

desde seu surgimento em si: os gregos introduziram vogais no alfabeto<br />

consonantal levantino, e, desse modo, completando toda uma nova<br />

classe e escrita. A escrita alfabética grega permaneceu, desde essa<br />

época, essencialmente a mesma, a não ser em sua aparência externa:<br />

há quase 3.000 anos.<br />

121


A conquista grega foi tremendamente simples e<br />

impressionantemente eficiente (ver ilustração 8). Do glifo consonantal<br />

semítico hebraico ‘aleph, cujo pictograma original reproduzia um 'boi'<br />

— onde a consoante inicial ' representa a parada glotal semítica (como<br />

ã-hã em português), um fonema desconhecido em grego — os gregos<br />

usaram apenas o a do glifo, sem a parada glotal, criando com isso um<br />

sinal para uma vogai pura. Eles também emprestaram outra consoante<br />

inicial (o yodh semítico para ι) e inventaram duas novas 'letras' (glifos<br />

num alfabeto), até conseguirem sinais para todas as vogais puras<br />

necessárias na representação da língua grega: a (a), ε (é) ι (i) e ο (ó).<br />

Assim, os gregos montaram seu novo 'alfabeto', uma palavra composta<br />

das duas primeiras letras gregas aλΦa e βετa, para uma reprodução<br />

ainda mais fiel da língua grega como ela era falada. Primeiro, o η foi<br />

emprestado do glifo semítico heth para distinguir o ε longo do ε curto.<br />

De maneira semelhante Ω foi pensado — um o com a parte de baixo<br />

aberta — para distinguir o o longo do o curto. Os quatro sons gregos<br />

especiais υ (upsilon), f (phi, χ (chi) e ψ (psi) também foram todos<br />

elevados à categoria de letras individuais, talvez tiradas de<br />

significados cipriotas mais antigos.<br />

No final desse processo os engenhosos escribas gregos estavam<br />

de posse de um pequeno e prático alfabeto de letras com consoantes e<br />

vogais individuais. Tudo o que eles tinham de fazer para escrever sua<br />

língua era combinar consoantes e vogais em sequências que<br />

formassem palavras inteiras, o mesmo método que usamos hoje. Em<br />

nenhum outro lugar do planeta a invenção independente de um<br />

alfabeto vocálico e consonantal se repetiu. Talvez mais<br />

significativamente, nenhum sistema de escrita conseguiu nada mais<br />

eminentemente útil para a maioria — embora não todas — das línguas<br />

do mundo. 30<br />

122


Todas as escritas da Europa ocidental e oriental derivam do<br />

alfabeto grego, incluindo a deste livro. Ao encontrar o alfabeto grego,<br />

europeus pré-alfabetizados ou tomaram emprestada a ideia da escrita<br />

grega ou adotaram o alfabeto grego, com ou sem mudanças. As<br />

primitivas tribos germânicas, por exemplo, simplesmente<br />

emprestaram a ideia da escrita para elaborar seu sistema único de<br />

runas. Ele consistia de 24 sinais, em três séries de oito, usados para<br />

inscrições curtas, mais frequentemente em enterros. O texto<br />

germânico mais antigo, do primeiro século d.C, foi escrito em runas.<br />

Só no século dez, quando as tribos germânicas mais ao norte se<br />

converteram ao cristianismo e adotaram o alfabeto latino, o uso das<br />

runas cessou completamente. De modo semelhante, o irlandês e o<br />

galês primitivos, ao encontrar a escrita alfabética, desenvolveram sua<br />

própria escrita, chamada ogham. Ela consistia de linhas ou pontos<br />

precisos que se interseccionavam; um a cinco pontos, ou uma a cinco<br />

linhas, produzindo cinco sinais para vogais e quinze para consoantes,<br />

que poderia ir da esquerda para a direita, ou em ambas as direções ao<br />

mesmo tempo. A introdução do cristianismo viu a escrita ogham<br />

também sucumbir ao alfabeto latino.<br />

Os etruscos do primeiro milênio a.C. usavam letras gregas para<br />

escrever sua própria língua. Atualmente, sua escrita, ainda não<br />

decifrada (a escrita é conhecida, mas não a língua), permite que se leia<br />

em etrusco, mas não que se entenda. No século quatro d.C, os povos<br />

eslavos usaram o alfabeto grego de Constantinopla para construir duas<br />

escritas eslavas: a cirílica, baseada nas letras maiúsculas e adotada na<br />

Rússia (a escrita russa atual, usada por centenas de milhões de<br />

pessoas), e subsequentemente em muitas outras línguas eslavas e<br />

mesmo não eslavas; e a Glagolítica, talvez derivada das letras<br />

minúsculas dos gregos por Santo Cirilo,<br />

123


Fenício Grego Arcaico Grego Clássico Latim<br />

8 O desenvolvimento dos alfabetos grego e latino.<br />

124


apóstolo dos Eslavos, que atualmente sobrevive apenas na liturgia<br />

católica romana croata.<br />

De longe, a mais importante adaptação do alfabeto grego foi<br />

feita pelos romanos que, cerca de 600 a.C, se depararam com a escrita<br />

grega em solo italiano por intermédio dos vizinhos etruscos. Os<br />

romanos mudaram muito pouco o original grego. Mais notavelmente,<br />

eles sonorizaram o C, que em latim tem o som de [k] e o escreviam<br />

como G. O subsequente poder militar e econômico romano viu o latim<br />

escrito ser usado em todo o mundo ocidental, também em línguas de<br />

origem não latina como as célticas e germânicas.<br />

As modificações finais no alfabeto foram terminadas cerca de<br />

800 d.C, quando a necessidade de uma base de escrita clara e clássica<br />

foi sentida pelos instruídos conselheiros de Carlos Magno. A letra V<br />

foi dobrada para se criar o W para o som [w]; o U foi inventado para<br />

se distinguir a vogai [u] da consoante V; e o J sofreu uma inovação<br />

para se distinguir da função consonantal da letra I. Mas o alfabeto<br />

atual é muito pouco diferente do usado pelos romanos 2.000 anos<br />

atrás. (Um romano antigo teria poucas dificuldades para pronunciar de<br />

modo aproximado os sons deste livro.) No terceiro milênio d.C, o<br />

alfabeto latino se tornou o sistema de escrita mais importante do<br />

planeta. Houve desdobramentos fascinantes dessa venerável tradição.<br />

Na América do Norte, cerca de 1820, Sequoyah, o líder dos<br />

cherokees, modificou a forma do alfabeto latino para criar 85 sinais<br />

silábicos — não alfabéticos — especiais para reproduzir a fonologia<br />

cherokee. Mesmo hoje, a escrita cherokee de Sequoyah pode ser lida<br />

em publicações religiosas e jornais cherokees. Entre 1905 e 1909,<br />

falantes de woleai das Ilhas Carolinas, no sul do Pacífico,<br />

remodelaram o alfabeto latino dos missionários europeus para criar, de<br />

maneira semelhante, uma escrita especial silábica capaz de<br />

125


Al + B > C<br />

Manu ma’u ika ra’ã<br />

Manu mau ika ra’ã<br />

Pássaro todos peixe sol<br />

(Te) manu mau[falo: ki’ai ki roto ki} (te) ika: (ka pu te) ra’ã<br />

Todos os pássaros copularam com o peixe: então originaram o sol.<br />

9 Lendo a escrita rongorongo da Ilha de Páscoa.<br />

expressar sua língua. Duas outras expansões nativas do alfabeto latino<br />

são a escrita silábica vai, de Duala Bukere no oeste da África, de<br />

1834; e a escrita bamum, decretada pelo rei Nshoya, no centro de<br />

Camarões, a partir de 1900.<br />

Com exceção dos escritos macáçar-buginese de Celebe e dos<br />

escritos bisaya das Filipinas — descendentes de sistemas de escrita<br />

vindos da Índia — o Pacífico permaneceu sem escrita até o final do<br />

século dezoito. Na verdade, a escrita era desnecessária nas antigas<br />

sociedades do Pacífico, uma vez que lá nunca se desenvolveram<br />

estados elaborados que exigissem contabilidade, e a literatura oral e a<br />

memória prodigiosa satisfaziam as exigências dessas sociedades,<br />

incluindo longas recitações genealógicas. Então, uma das escritas<br />

mais intrigantes do mundo foi<br />

126


elaborada na isolada Ilha de Páscoa, no extremo leste do sul do<br />

Pacífico. 31 Emprestando a ideia da escrita, linearidade e direção da<br />

esquerda para a direita de visitantes espanhóis em 1770, os polinésios<br />

nativos da Ilha de Páscoa escreveram seus famosos rongorongos, com<br />

cerca de 120 logogramas básicos — pássaros, peixes, deidades,<br />

plantas, figuras geométricas e assim por diante — que aceitam vários<br />

semasiogramas (glifos que indicam diretamente ideias, sem o uso da<br />

língua) como conexões, resultando numa escrita solta mista com glifos<br />

principais, fusões, conexões e componentes. A escrita não se tornou<br />

repentinamente 'necessária' na Ilha de Páscoa primitiva. O mana, ou<br />

'força sócio-espiritual', da escrita dos visitantes estrangeiros, com seus<br />

grandes navios, espingardas e canhões, foi explorado para restabelecer<br />

a autoridade decadente da classe dominante da ilha, o líder e seus<br />

sacerdotes. A maioria, embora não todas, das 25 inscrições<br />

rongorongo preservadas estão em madeira, e parecem compreender<br />

produções simples no 'estilo telegrama Al + B > C, como: 'Todos os<br />

pássaros copularam [com o] peixe: [então originaram o] sol' (ver<br />

ilustração 9).<br />

ESCRITA ASIÁTICA<br />

Talvez inspirada pelas escritas ocidentais, a escrita chinesa se<br />

originou no segundo milênio a.C. com uma representação simples e<br />

padronizada de objetos em ossos, varas de bambu, tabletes de madeira<br />

e, muito raramente, seda, cujos nomes deveriam ser pronunciados em<br />

voz alta. Como regra, escrevia-se de cima para baixo, em colunas que<br />

iam da direita para a esquerda. Com o tempo, as representações<br />

passaram a ser cada vez mais estilizadas. Isso permitiu uma escrita<br />

mais rápida e eficiente. Assim, a escrita relacionada com a figura<br />

também poderia ser usada por mais falantes, numa área mais ampla.<br />

127


A engenhosidade da escrita chinesa está nas possibilidades<br />

combinatórias, que já estavam totalmente desenvolvidas no final do<br />

segundo milênio a.C. 32 Dois glifos primitivos ou wen (originalmente<br />

pictogramas), como 'árvore' e 'sol', criam um novo glifo derivado ou<br />

dze — 'leste', o sol nascendo por trás e uma árvore. 'Amor' é a<br />

combinação de 'fêmea' e 'criança'. 'Brilho' é 'sol' e 'lua' escritos juntos.<br />

Outros glifos são mais simbólicos: 'acima e 'abaixo' são linhas<br />

horizontais com respectivas linhas perpendiculares acima ou abaixo<br />

(ver ilustração 10).<br />

Os wen e os dze compreendiam originalmente cerca de 2.500<br />

glifos. Eles poderiam também ser usados foneticamente para fornecer<br />

um som que não precisava mais ser ligado a um objeto físico definido.<br />

Na segunda metade do primeiro milênio a.C, um dos cerca de 625<br />

determinativos (sons identificadores) era normalmente ligado à<br />

'fonética' para mostrar qual objeto estava sendo designado com<br />

determinado som fonético.<br />

A forma mais antiga de escrita chinesa conhecida é a 'Antiga<br />

Escrita', cujo estágio mais jovem é o 'Estilo do Grande Selo'. Com a<br />

unificação do primeiro império com Xin Shi Huang Di, no terceiro<br />

século a.C, a escrita da Chancelaria Imperial de Xin, o 'Estilo do<br />

Pequeno Selo' prevaleceu. Desde então, não ocorreu nenhuma<br />

mudança fundamental na escrita, apenas pequenas alterações formais.<br />

A maior delas ocorreu em cerca 200 a.C, com o declínio do uso do<br />

estilete de madeira e o aumento do uso da escova de cabelo, que<br />

necessitava de uma nova técnica, e resultou no 'Estilo dos Escribas.<br />

No século quatro d.C, ela se desenvolveu no esteticamente mais<br />

agradável 'Estilo regular', usado em impressões e correspondências<br />

oficiais. Para o uso diário surgiram cursivas menos precisas e mais<br />

abreviadas.<br />

Devido às numerosas mudanças fonológicas na língua chinesa<br />

no último milênio, os significados originais de muitos glifos chineses<br />

128


10 Escrita chinesa.<br />

não são mais transparentes. Apesar disso, o significado total de um<br />

glifo é facilmente reconhecível, tanto semântica quanto foneticamente,<br />

devido ao glifo determinativo que está normalmente ligado ao glifo<br />

'fonético'. Desse modo, quando se vê o glifo chinês ma, imediatamente<br />

se sabe qual das palavras está lendo, se 'sanguessuga-ma’, 'ágata-ma',<br />

'tábua-ma', rabugenta-ma' ou peso-ma'. A maioria dos glifos chineses<br />

atuais consiste de um elemento identificador e um fonético. Embora<br />

possam ter existido cerca de 50.000 glifos individuais, hoje, apenas<br />

cerca de 4.000 são comumente empregados, logogramas que usam<br />

214 determinativos (MADEIRA, FOGO, ÁGUA, e assim por diante).<br />

Como todas as escritas logográficas, a escrita chinesa é altamente<br />

fonética (relacionada aos sons) com fortes componentes semânticos<br />

(sentido), facilitando a memorização. A simplicidade inata do sistema<br />

de escrita chinês, que é perfeitamente adaptável às línguas tonais,<br />

monossilábicas e inflexivas (ou seja, sem modificações no final das<br />

palavras) que ela reproduz, assegurou sua sobrevivência de modo<br />

129


virtualmente não modificado por mais de 3.000 anos. Hoje- em dia,<br />

essa escrita é lida por bem mais de um bilhão de pessoas.<br />

Entre os vários povos asiáticos que adotaram o sistema de<br />

escrita chinês, talvez os japoneses tenham introduzido as mudanças<br />

mais fascinantes. Ao substituir o povo ainu, originário do Japão, e sem<br />

escrita própria, nos primeiros séculos d.C, os eruditos japoneses<br />

aprenderam a escrita chinesa no continente, e mais tarde a<br />

introduziram na corte japonesa com o intuito de escrever textos<br />

políticos e religiosos japoneses. A cultura japonesa logo foi permeada<br />

pelas palavras monossilábicas chinesas, produzindo um grande<br />

número de homônimos (palavras que se pronunciam do mesmo modo,<br />

mas com diferentes significados, como em português, casa<br />

significando lar e casa do verbo casar). Um glifo chinês ou kanji<br />

chegou a ter várias pronúncias diferentes, ambas sino-japonesas e<br />

japonesas nativas. A escrita chinesa não se encaixava muito bem na<br />

língua japonesa polissilábica (e não monossilábica, como a língua<br />

chinesa) e flexiva (com mudanças no final de palavras que mostram<br />

diferenças gramaticais), que era diferente demais do chinês cuja<br />

escrita havia sido feita para transmitir. Nos primeiros séculos, ler<br />

japonês na escrita chinesa foi um processo lento, trabalhoso e confuso.<br />

Por esse motivo, mais de 1.000 anos atrás, os escribas japoneses<br />

selecionaram várias dezenas de glifos chineses apenas para seus<br />

próprios sons e os reduziram graficamente a partículas essenciais, para<br />

fornecer cinco vogais (a, i, u, e, o) e 41 sílabas consoantes-vogais (ka,<br />

ki, ku e assim por diante). 33 Assim, eles confeccionaram um silabário<br />

com 46 glifos dos quais emergiram eventualmente duas escritas kana<br />

silábicas japonesas, cada qual com 48 glifos. A mais importante das<br />

duas, a hiragana, foi desenvolvida já no século oito ou nove e<br />

normalmente fornece finais gramaticais de palavras ligadas às raízes<br />

chinesas<br />

130


kanji (as raízes são quase sempre escritas com glifos chineses);<br />

fornece marcadores sintáticos ou de sentenças sequenciais; e<br />

frequentemente, na escrita em minúscula, explica kanjis obscuros para<br />

ajudar o leitor. A segunda, katakana, foi desenvolvida por volta do<br />

século doze, como uma versão simplificada do hiragana, e é<br />

principalmente usada para escrever foneticamente palavras<br />

estrangeiras, onomatopaicas (que imitam o som de seu significado),<br />

entre outras. Atualmente, todas as três escritas japonesas — o kanji<br />

logográfico, e os silabários hiragana e katakana — são usadas<br />

simultaneamente num texto escrito em japonês, obedecendo às regras<br />

soltas do uso padrão em domínios restritos. Frequentemente, um kanji<br />

terá um significado e uma pronúncia originais em chinês assim como<br />

um, dois ou mesmo três pronúncias e significados em japonês. Por<br />

esse motivo, talvez o japonês seja o sistema de escrita mais<br />

complicado do mundo, lembrando a mesoamérica em sua<br />

complexidade.<br />

A Coreia começou seguindo o mesmo caminho, mas depois<br />

tomou um rumo totalmente diferente. Na Coreia, a escrita chinesa foi<br />

usada com exclusividade até 692 d.C., quando os glifos ido coreanos<br />

foram elaborados para fornecer terminações coreanas nativas em<br />

textos escritos em chinês, em muito semelhantes às sílabas hiragana<br />

usadas no Japão. Porém, quando os coreanos se depararam com o<br />

alfabeto ocidental, no século quinze, criaram um alfabeto coreano<br />

chamado hangul, primeiro com 28, depois com 25 letras. Ao contrário<br />

do japonês, a escrita hangul é considerada a mais simples do mundo.<br />

ESCRITA MESOAMERICANA<br />

Poucos povos americanos nativos usaram a escrita, e apenas na<br />

Mesoamérica. 34 Sua origem é desconhecida. Alguns estudiosos<br />

defendem uma origem nativa, em que a escrita seria, talvez, um<br />

'reflexo<br />

131


natural' do alto grau de civilização da região. Porém, a escrita como<br />

'reflexo natural' da civilização parece não ter ocorrido em nenhum<br />

outro lugar do planeta. A ideia de uma arte gráfica reproduzindo a fala<br />

humana parece ter surgido uma única vez na história — mais de 5.000<br />

anos atrás, entre os povos afro-asiáticos — e depois levada dali para<br />

outras partes do globo. (Essa é a chamada 'teoria monogenética' da<br />

escrita e que, talvez melhor explique a origem das escritas no mundo,<br />

segundo o peso cumulativo dos indícios atualmente disponíveis.) No<br />

caso dos vários escritos mesoamericanos, pode-se estar lidando com<br />

uma única e muito longa tradição que se originou, talvez com<br />

inspiração exterior, pelos poderosos olmecas do sul do México na<br />

primeira metade do primeiro milênio a.C, se desenvolveu com os<br />

incríveis maias durante o primeiro milênio d.C, e depois acabou cerca<br />

de 1.000 anos atrás. Os escritos menores dos mistecas e astecas da<br />

mesma região parecem compreender simples desenvolvimentos<br />

posteriores da rica tradição escrita maia.<br />

No sul do México, durante a primeira metade do primeiro<br />

milênio a.C, surgiu um sistema hieroglífico olmeca único (1200 a 500<br />

a.C). 35 Restam poucos fragmentos desta escrita, mas em 600 a.C, os<br />

escribas olmecas de Oxaca e partes de Chiapas e Veracruz esculpiam<br />

intrincados hieróglifos em pedra, provavelmente registrando nomes de<br />

governantes e suas conquistas — temas predominantes nas inscrições<br />

mesoamericanas até a chegada dos europeus mais de 2.000 anos<br />

depois. Ocasionalmente, eles vinham acompanhados de números.<br />

Integrantes de toda escrita mesoamericana e, portanto, implicando<br />

uma tradição única, os glifos numéricos foram associados com o<br />

calendário, um dos mais complexos e socialmente difundidos já<br />

projetados em qualquer lugar do mundo. As inscrições olmecas<br />

podem ter inspirado a melhor escrita documentada epiolmeca da<br />

mesma região (150 a.C.<br />

132


a 450 d.C). Por sua vez, a escrita epiolmeca está, talvez, relacionada à<br />

escrita maia, com ambas compartilhando a mesma fonte. Porém, a<br />

linhagem dos escritos mesoamericanos permanece obscura.<br />

Todas as escritas mesoamericanas eram logográficas, e os glifos<br />

representavam objetos, ideias ou sons (dos nomes dos objetos). 36<br />

Também havia um silabário de significados puramente fonéticos<br />

usados num sistema misto com outros glifos. A inferência é, ou de um<br />

desenvolvimento de escrita nativa extremamente longo, anterior ao<br />

primeiro milênio a.C, ou do empréstimo de um sistema de escrita<br />

estrangeiro que já havia se desenvolvido por um longo período. O<br />

sistema de escrita mais sofisticado e melhor conhecido da<br />

Mesoamérica, a escrita maia, contém cerca de 800 glifos no total.<br />

Porém, muitos desses glifos representam nomes reais usados apenas<br />

uma única vez; apenas entre 200 e 300 desses glifos eram usados<br />

regularmente. Mais de 150 glifos maias representam sílabas, quase<br />

todas do tipo consoante-vogal. A escrita exibe polivalência, em que<br />

um glifo compreende vários significados, como som e deter mi nativo;<br />

homofonia, em que o mesmo som é usado por vários glifos diferentes;<br />

e também polifonia, em que um glifo tem vários sons. Isso significa<br />

que um glifo também pode possuir funções duais, tanto logográfica<br />

(representando um morfema ou o nome inteiro de um objeto) quanto<br />

silábica (representando a primeira sílaba do nome do objeto<br />

representado, a ser pronunciada separadamente).<br />

Em seus códices ou livros manuscritos, os maias escreveram<br />

com tinta e escovas de cabelo (como os chineses do século três a.C.)<br />

em páginas de casca de árvore batidas (como o papel chinês do século<br />

dois d.C), medidas com estuque, registrando os glifos em colunas<br />

verticais de cima para baixo (como na escrita chinesa) e da esquerda<br />

para a direita, em pares. 37 Blocos de glifos individuais combinam dois<br />

133


ou mais glifos (como na escrita chinesa). Por exemplo, para escrever o<br />

nome do governante maia Pacal, dever-se-ia, entre outras<br />

possibilidades, desenhar um pacal, ou seja, um 'escudo', com os glifos<br />

para 'soberano' escritos acima e ligados à direita aos glifos silábicos<br />

pa-ca-la para se 'soletrar' o nome (como na 'fonética' chinesa).<br />

Durante o período clássico maia (250 a 900 d.C), os maias<br />

homens e mulheres medianos conseguiriam provavelmente ler datas,<br />

nomes e eventos numa colorida esteia maia (postes de pedra com<br />

inscrições) . A escrita teria um efeito profundo e imediato na<br />

população e língua locais. Não apenas as esteias, mas também grandes<br />

monumentos públicos, similarmente cheios de inscrições e cores<br />

brilhantes, proclamavam as vidas e genealogias gloriosas dos<br />

poderosos governantes maias — dificilmente 'história factual' no<br />

sentido moderno, mas sim uma ferramenta propagandística para<br />

preservar a liderança, proclamar a preeminência e justificar impostos,<br />

como se encontra em vários escritos em diversas partes do mundo. 38<br />

As cerâmicas também eram decoradas com glifos, identificando potes<br />

de chocolate, vasos funerários e outros objetos.<br />

Também havia milhares de códices escritos em grossas cascas<br />

de árvore nas bibliotecas reais dos maias. Devido à destruição total da<br />

literatura maia que se seguiu à invasão espanhola no século dezesseis,<br />

apenas quatro códices maias milagrosamente sobreviveram,<br />

produções pós-clássicas que compreendiam tabelas rituais e<br />

astronômicas. Como o norte-americano Michael Coe, especialista nos<br />

maias lamentou: 'Nem mesmo o incêndio da biblioteca de Alexandria<br />

destruiu tão completamente a herança de uma civilização'.<br />

O ramo egípcio-semítico da escrita afro-asiática experimentou a<br />

maior adaptação de todos os sistemas de escrita do mundo, de pic-<br />

134


togramas para logogramas e de silabogramas para as letras do alfabeto<br />

— dependendo de quem precisava do que, segundo as demandas de<br />

suas respectivas eras e línguas. A história da escrita cuneiforme<br />

suméria e da escrita logográfica chinesa progrediu de maneira<br />

semelhante, mas devido às exigências de suas línguas, elas só<br />

experimentaram uma maior 'sofisticação' ou complexidade linguística<br />

nas escritas silábicas de seus descendentes, o persa antigo e o japonês.<br />

A necessidade da escrita alfabética nunca foi sentida por essas línguas.<br />

Em toda a história, cada língua encontrou e/ou se adaptou à escrita<br />

que melhor se encaixa em sua fonologia. As escritas não 'evoluem':<br />

elas são propositalmente modificadas por agentes humanos para<br />

melhorar a qualidade da reprodução da fala (som) e transmissão<br />

semântica (sentido).<br />

Originalmente, a escrita engenhosa começou com pictogramas,<br />

em que o nome do objeto desenhado servia para estimular uma<br />

pronúncia. Sobre essa base adequada, um sistema logográfico, no qual<br />

glifos representam objetos, ideias ou sons (do nome dos objetos),<br />

eventualmente nasceu para reproduzir a fala humana de maneira mais<br />

fiel e eficiente. Mas com o tempo, os escritos logográficos pareceram<br />

gerar novas necessidades, e quando isso ocorre, sempre são<br />

encontradas soluções silábicas. Elas podem surgir internamente,<br />

quando a escrita logográfica falha em reproduzir a língua em<br />

evolução, como, por exemplo, na adição posterior de glifos silábicos<br />

no Egito; e também externamente, quando a escrita logográfica é<br />

emprestada de uma língua não relacionada, como no caso do kana<br />

japonês.<br />

As maiores mudanças em sistemas de escrita parecem ocorrer<br />

quando falantes de outras línguas emprestam e adaptam sistemas que<br />

não se encaixam nelas. Entre os falantes semitas ocidentais do<br />

Levante, os glifos silábicos foram transformados em símbolos<br />

consonantais que<br />

135


melhor reproduzem as línguas semíticas da área que são orientadas<br />

pelas consoantes. Esse foi, então, o catalisador da maior contribuição<br />

grega para a cultura mundial: um alfabeto puro com sinais tanto para<br />

vogais quanto para consoantes. A forma de comunicação escrita mais<br />

eficiente já projetada (para a maioria, embora não todas, as línguas), o<br />

alfabeto grego foi adotado e imitado em todo o mundo por centenas,<br />

senão milhares de línguas, particularmente nos séculos dezenove e<br />

vinte da nossa era. Hoje, qualquer língua que ainda precise de uma<br />

escrita é automaticamente transposta para a escrita alfabética.<br />

Na pré-escrita, a chamada 'escrita' pictográfica, o desenho de<br />

um objeto aciona a memória de uma expressão vocal. Na primeira<br />

classe de escrita real, a escrita logográfica, a figura novamente aciona<br />

a memória de uma expressão vocal, mas apenas ela — não o objeto<br />

retratado — transmite a mensagem. Na segunda classe, a escrita<br />

silábica, essa expressão vocal é reduzida apenas à sua primeira sílaba<br />

e sua posição dentro de um silabário de sons definido e limitado. Na<br />

última classe, a escrita alfabética, a figura é uma letra que já não é<br />

mais relacionada a qualquer objeto, mas sim reproduz apenas um ou<br />

dois tipos de som, ou uma vogai, ou uma consoante; assim, ela é<br />

depois lida sequencialmente em combinação com outros sons<br />

reproduzidos de maneira semelhante. Em todas as classes, a arte<br />

gráfica permanece inextricavelmente à fala humana. O que equivale a<br />

dizer que: não há escrita que possa transmitir toda a gama de<br />

pensamentos humanos que não seja fonética.<br />

Também é por meio da escrita que se pode acompanhar melhor<br />

a história de uma língua. 39 A reconstituição linguística interna<br />

(trabalhar com uma única língua para recuperar formas antigas) e a<br />

reconstrução linguística comparativa (comparar duas ou mais línguas<br />

relacionadas para alcançar o mesmo objetivo) produzem hipóteses<br />

136


precisas, mas sem provas sobre estágios anteriores da língua. Porém,<br />

documentos antigos — escritos — mostram esses estágios. Isso<br />

permite que o linguista não apenas vislumbre formas antigas de uma<br />

língua, mas também avalie os tipos exatos de mudanças que podem<br />

ocorrer nas línguas durante séculos e milênios. Mais ainda, palavras<br />

emprestadas e nomes de lugares e documentos antigos frequentemente<br />

preservam línguas que, de outro modo, não seriam certificadas, como<br />

o rhaetiano e o gaulês em relatos em grego e latim da Europa<br />

primitiva de mais de 2.000 anos atrás, revelando paisagens<br />

linguísticas pré-históricas que de outro modo estariam perdidas para<br />

sempre. 40 Mesmo grafias modernas, como ‘light’ em inglês, podem<br />

ser cápsulas do tempo, apontando características vestigiais, origens<br />

históricas e as dinâmicas de mudanças relativamente recentes: neste<br />

caso, a perda de um antigo som indo-europeu, ainda preservado no<br />

cognato alemão para ‘light’, Licht.<br />

Assim como não existe algo como uma 'língua primeva',<br />

também não há um 'escrita primeva'. Cada escrita preenche<br />

adequadamente as funções para as quais é designada em determinado<br />

período. Quando se encontra características 'primitivas' numa escrita,<br />

há um julgamento feito numa perspectiva temporal. De maneira<br />

semelhante, não há 'escrita passiva': a escrita afeta a fala tanto quanto<br />

a fala afeta a escrita; isso pode ser avaliado a partir da leitura de cartas<br />

antigas. 41 A capacidade de ler e escrever sempre causou um profundo<br />

impacto na língua falada. Falantes educados e alfabetizados são,<br />

normalmente, líderes de suas sociedades. Habitualmente, eles<br />

padronizam sua fala a partir da língua escrita formal, para ser,<br />

eventualmente, imitados por outros membros da sociedade. Desde seu<br />

início, a fala 'impressa também é um modelo de fala.<br />

Isso conferiu à escrita uma influência excepcional na sociedade<br />

— maior do que a maioria das pessoas percebe — particularmente nas<br />

137


sociedades alfabetizadas modernas, que cultuam a palavra escrita. A<br />

fala escrita diminui a velocidade de mudanças linguísticas através da<br />

nivelação, padronização e preservação de formas e usos que, de outro<br />

modo, desapareceriam com o desgaste natural. A leitura da literatura<br />

passada enriquece qualquer vocabulário vivo. O discurso escrito<br />

também pode determinar o uso da língua falada por séculos (a Bíblia<br />

King James, de 1611, o Talmude, o Alcorão); pode definir formas<br />

artísticas (peças de Shakespeare e o teatro No do Japão); pode<br />

constituir o meio de tecnologias inteiras (linguagens de programação),<br />

substituindo a língua falada.<br />

Porém, todos os sistemas de escrita, independentemente de<br />

quão reverenciados ou inovadores sejam, são imperfeitos e<br />

convencionais. Quase todos são uma aproximação, e não uma<br />

reprodução exata da fala humana. No inglês, a letra a pode<br />

representar seis sons diferentes (dependendo do dialeto), como em:<br />

an, was, pa, date, all e hat, ou devido a um arcaísmo da língua, não<br />

representar nenhum som, como em bean, beau e beauty. A<br />

ambiguidade, ou seja, a dúvida ou incerteza no significado, nascida<br />

da indistinção ou obscuridade, ocorre frequentemente em escritas<br />

silábicas e alfabéticas.<br />

O inglês, em particular, falha em reproduzir suas<br />

supra-segmentais — que são: entoação (Yes?/Yes!), extensão (inglês<br />

britânico cot/ cart), acento (désert/desért), articulação (Van<br />

Dyck/vanned Ike) e tom (eee!/duh...) — devido ao uso de uma escrita<br />

alfabética inadequada. Escritores de língua inglesa tentam corrigir o<br />

problema com pontuação não sistemática, espaço entre palavras e<br />

letras maiúsculas entre outros expedientes, mas é necessário admitir<br />

que uma reprodução precisa do inglês falado não pode ser escrita com<br />

o alfabeto inglês. O acento, por exemplo, que não é marcado em<br />

língua inglesa. Quando lemos desert, queremos dizer 'deserto' ou<br />

'abandonar'? Será attribute 'uma<br />

138


característica inerente' ou 'designar'? Aqui, o alfabeto inglês<br />

simplesmente não funciona. Só o contexto pode revelar o sentido e,<br />

com ele, o acento necessário. A escrita logográfica chinesa, por outro<br />

lado, com sua combinação de determinativos (que identifica a classe<br />

da palavra) e fonética (o som da palavra), não apresenta esse<br />

problema.<br />

Idealmente, uma escrita alfabética deveria, talvez, representar<br />

todas as expressões fonêmicas — a menor unidade de som<br />

significativo da língua. Porém, apenas os símbolos especiais da<br />

linguística conseguem reproduzir pronúncias com exatidão, mas<br />

também eles são muito trabalhosos para uso popular. As escritas<br />

alfabéticas populares em uso no mundo constituem aproximações<br />

convenientes, com muitas ambiguidades e enormes diferenças de<br />

pronúncia entre dialetos diferentes e línguas diferentes, que usam o<br />

mesmo alfabeto escrito. Mas a eficiência demonstrável de uma<br />

simples escrita alfabética assegurou sua adoção na maior parte do<br />

planeta, a escrita logográfica como a chinesa e a japonesa ainda<br />

continuam sendo praticadas por uma porção significativa da<br />

humanidade, que a considera eminentemente preferível para suas<br />

respectivas línguas.<br />

Mesmo imperfeita, a escrita é atualmente uma expressão<br />

indispensável da fala viva. A fala também responde dinamicamente à<br />

escrita. Tanto a fala quanto a escrita existem num relacionamento<br />

sinergístico, inextricavelmente ligados um ao outro, de maneira muito<br />

parecida com o modo como o pensamento primitivo estava ligado às<br />

vocalizações dos primeiros hominídeos, e isso continua fazendo com<br />

que a humanidade mude e avance com uma mágica multidimensional.<br />

No início do século XXI, a mão não mais apenas 'se iguala à boca',<br />

mas por meio das linguagens de programação de computadores, cria<br />

palavras totalmente novas e dá voz ao futuro eletrônico da<br />

humanidade.<br />

139


5<br />

Linhagens<br />

Como as línguas bantas na África e as polinésias no Pacífico, a<br />

maioria das línguas do mundo não tem uma árvore genealógica<br />

escrita. Elas precisam revelar suas histórias por meio da reconstituição<br />

comparativa. Técnicas linguísticas modernas baseadas em línguas com<br />

uma longa história escrita, como as línguas célticas, germânicas,<br />

itálicas e chinesas, permitiram que as reconstituições comparativas<br />

atingissem um nível em que se pode, atualmente, mesmo sem registros<br />

escritos da maioria das línguas, entender de onde elas vieram e como e<br />

quando elas se diferenciaram de outras línguas relacionadas.<br />

Porém, as protolínguas reconstituídas são regulares e<br />

homogêneas demais para serem reais. Apenas línguas artificiais<br />

modernas, como o esperanto, se igualam em regularidade às<br />

protolínguas reconstituídas, mostrando o quão longe da realidade está<br />

a reconstituição.<br />

141


A reconstituição linguística sempre produz uma aproximação apenas<br />

parcial, nunca uma 'língua' natural completa.<br />

Toda a prosperidade, decadência e mudança de uma língua é<br />

resultado tanto do tempo quanto do fortalecimento ou do<br />

enfraquecimento de uma sociedade. Embora todas as línguas sofram<br />

mutações, as línguas de sociedades fortes prosperam, enquanto as<br />

línguas de sociedades fracas perecem, ou seja, são substituídas por<br />

uma língua estrangeira. Línguas extintas são sempre tão vítimas<br />

quanto aqueles que as falaram; talvez ainda mais, uma vez que povos<br />

de todo o mundo cederam com muito mais boa vontade suas línguas<br />

do que suas vidas. Durante 50.000 anos, o perfil genético dos<br />

europeus quase não mudou, enquanto ondas após ondas de novas<br />

línguas passaram por eles. Dialetos e línguas prestigiadas ou<br />

dominantes são adotadas, dialetos e línguas infrutíferas e perigosas<br />

são abandonadas. Isso aconteceu em toda a história, continua<br />

acontecendo hoje e guiará o curso de todas as línguas futuras até que<br />

reste apenas uma única língua dominante no planeta. Centenas de<br />

línguas menores estão sendo substituídas pelo bahasa indonésio, o<br />

mandarim chinês, o inglês e o espanhol, e um pequeno e deprimente<br />

número de outras línguas. Certamente, os séculos futuros não<br />

desfrutarão da imensa diversidade linguística que o planeta conheceu<br />

no passado.<br />

A história das línguas humanas é a história das mudanças<br />

linguísticas. Parece possível fazer algumas generalizações em relação<br />

ao modo como as línguas se relacionam e mudam com o tempo em<br />

todas as épocas e partes do globo: 1<br />

— A terra natal de uma família linguística — ou seja, a região<br />

onde uma língua mãe foi falada — é normalmente, mas não sempre,<br />

142


uma região da área onde as línguas descendentes foram, ou<br />

atualmente são faladas.<br />

— As mais antigas diferenciações numa língua mãe<br />

normalmente, mas nem sempre, ocorrem perto de sua terra natal. Por<br />

esse motivo, é comum encontrar uma maior diversidade linguística<br />

perto da terra natal e uma menor diversidade linguística em sua<br />

periferia.<br />

— Um relacionamento histórico entre as línguas é estabelecido<br />

quando se identifica semelhanças sistemáticas grandes demais para<br />

serem atribuídas ao acaso.<br />

— Línguas irmãs apresentam inovações compartilhadas de uma<br />

língua-mãe e esta mãe ou protolíngua pode ser, na verdade, uma área<br />

linguística onde duas ou mais línguas separadas se combinaram.<br />

— Uma pequena diversidade entre línguas-irmãs normalmente,<br />

mas nem sempre, implica um desenvolvimento comum mais curto<br />

longe da língua-mãe.<br />

— Uma grande diversidade linguística entre línguas-irmãs<br />

normalmente, mas nem sempre, implica um maior período de<br />

separação da língua-mãe.<br />

Há quatro tipos básicos de mudança linguística:<br />

A mudança fonológica, ou mudança sistemática no som, é<br />

efetuada por falantes de todas as línguas do mundo muito mais<br />

rapidamente do que qualquer outro tipo de mudança linguística. É por<br />

isso que as palavras hus e mus no inglês de Chaucer são, 600 anos<br />

depois, 'house' e 'mouse' (hus e mus do alto-alemão médio também<br />

são hoje Haus e Maus em alemão moderno).<br />

143


A mudança morfológica é uma mudança sistemática na forma<br />

das palavras, e ocorre com muito menos frequência que a mudança<br />

fonológica. Por exemplo, 400 anos atrás, Shakespeare usou 'goeth' e<br />

'didst' em contextos que hoje usaríamos 'goes' e 'did'.<br />

A mudança sintática reordena sistematicamente as palavras em<br />

frases ou períodos. As expressões inglesas 'court martial' e<br />

Attorney-General' 2 são expressões medievais fossilizadas emprestadas<br />

do francês normando, as quais o sistema sintático inglês — sob<br />

pressão de seu substrato germânio — deveria, de outro modo, ter<br />

revertido há várias centenas de anos para 'martial court' ou General<br />

Attorney'.<br />

A mudança semântica altera o significado comum de uma<br />

palavra. Por exemplo, a palavra cniht em inglês arcaico era muito<br />

comum para 'menino' ou 'jovem', mas na época do inglês médio, kniht,<br />

com o k ainda pronunciado, significava 'servo militar do rei', e mais<br />

tarde 'arrendatário feudal, responsável por serviços militares para o<br />

rei'. Hoje, 'knight' (já não se pronuncia mais o k) é 'uma pessoa criada<br />

para uma posição social nobre por um rei ou rainha ou qualquer outra<br />

pessoa qualificada', uma palavra que hoje tem um domínio<br />

extremamente limitado, e que talvez logo se torne extinta.<br />

Cada um desses processos é o resultado da combinação de<br />

operações linguísticas bem conhecidas — assimilação, dissimilação,<br />

lenição (uma suavização da articulação), excrescência (adição de um<br />

som ou letra), apócope (corte do último som ou sílaba), síncope (corte<br />

de uma letra ou sílaba do meio), analogia, metátese (transposição de<br />

um som ou letra), empréstimo, nivelamento, expansão, redução e<br />

muitos outros. O leitor interessado pode desejar consultar os livros de<br />

história linguística para obter detalhes de tais operações (ver<br />

bibliografia).<br />

Todos esses processos e operações ocorreram nas seguintes<br />

linhagens representativas.<br />

144


LÍNGUAS CÉLTICAS<br />

Os celtas estavam entre os primeiros indo-europeus a migrar da<br />

terra natal no leste para a Europa ao oeste, cerca de 5.500 anos atrás. 3<br />

Com relações muito antigas com os povos itálicos, os celtas<br />

habitavam amplas regiões da Europa central e ocidental já havia<br />

muito tempo. Sua presença é certificada por nomes de lugares como a<br />

Boêmia; de rios como o Danúbio, o Rhine e o Rhône; 4 e por nomes de<br />

cidades como Viena e Paris. Cerca de 2.600 anos atrás, os celtas se<br />

mudaram novamente, ocupando a Península Ibérica e as ilhas<br />

Britânicas. No quarto século a.C. eles invadiram as regiões do norte<br />

da Itália, antes ocupadas pelos etruscos e logo tomaram Roma. Um<br />

século depois, eles já haviam chegado a Ankara, onde hoje fica a<br />

Turquia; São Paulo se referiu a eles como os 'Gálatas'. 5<br />

Nos últimos séculos a.C, três línguas célticas dominavam o<br />

continente europeu e a Ásia Menor. Os falantes do gaulês do leste da<br />

Gália foram, eventualmente, dominados pelos falantes germanos nos<br />

primeiros séculos d.C.; nesta época, o latim dos romanos já havia<br />

substituído o gaulês da França e norte da Itália. (O gaulês permaneceu<br />

na Bretanha por mais um ou dois séculos, até ser substituído por um<br />

retorno migratório céltico do sudoeste inglês.) A língua celtibérica da<br />

Espanha e o gálata da Ásia Menor sucumbiram de maneira<br />

semelhante ao poder de Roma. 6<br />

Apenas as línguas célticas das Ilhas Britânicas sobreviveram<br />

(ver ilustração II). Hoje, elas são classificadas em dois grupos, de<br />

acordo com a interpretação do fonema protoindo-europeu /k w /. Os<br />

q-celtas ou povo goidélico (irlandeses, maneses e escoceses falantes<br />

de gaélico) preservaram o /k w /, é por isso que k w etuores, 'quatro' em<br />

protoindo-europeu, com suas mudanças subsequentes ficou ceathair<br />

145


em irlandês, kiare em manes e ceithir em gaélico escocês. Os p-celtas<br />

ou povo britônico (galeses, córnicos e bretões falantes de britônico)<br />

mudaram o /k w / para /p/, e assim, o 'quatro' é pedwar em galês,<br />

peswar em córnico e pevar em bretão.<br />

Os falantes originais de gaélico (goidélico) foram os irlandeses,<br />

provavelmente os primeiros celtas a chegar às ilhas Britânicas cerca<br />

de 600 a.C. A língua irlandesa gerou vários dialetos principais do<br />

período do irlandês antigo (700-950 d.C); nenhum deles se<br />

desenvolveu em línguas descendentes no período do irlandês médio,<br />

(950-1400), talvez devido à conquista inglesa normanda. A<br />

subsequente supressão do irlandês pelo inglês continuou no período<br />

do irlandês moderno (1400 até o presente), particularmente nos<br />

séculos dezessete e dezoito, quando o inglês substituiu quase todos os<br />

dialetos irlandeses. Com o estabelecimento da República da Irlanda,<br />

no século vinte, o dialeto do sudoeste irlandês de Munster foi<br />

selecionado para servir como nova língua nacional em lugar do inglês<br />

'estrangeiro'. Porém, até o momento, as pressões econômica, histórica<br />

e social frustraram seu sucesso. Hoje, o irlandês é falado como<br />

primeira língua por poucos milhares de habitantes, em geral em<br />

desvantagem econômica, do extremo oeste, noroeste e algumas ilhas<br />

da Irlanda, que atualmente encorajam seus filhos a falar o inglês como<br />

primeira língua, principalmente por motivos econômicos.<br />

No quinto século d.C, colonizadores irlandeses falantes de<br />

gaélico navegaram para o leste e se estabeleceram na Ilha de Man e na<br />

Escócia, assimilando os nativos pictos. Em Man, sua língua<br />

eventualmente se tornou o autônomo manês, cujo suposto 'último<br />

falante nativo' morreu em 1974. Na Escócia, a língua dos<br />

colonizadores irlandeses também evoluiu, em solo picto, e mais tarde<br />

ficou conhecida como gaélico escocês.<br />

146


11 Alcance das línguas célticas hoje.<br />

Os celtas britônicos se seguiram aos irlandeses nas ilhas<br />

Britânicas nos primeiros séculos a.C. Porém, sua língua permaneceu<br />

tão semelhante ao gaulês continental, que uma 'língua galo-britônica' é<br />

reconhecida como a língua franca dos celtas da França e Bretanha até<br />

a época da invasão romana, quando os falantes de latim e alemão<br />

entraram na região. As tribos germânicas intrusas, particularmente no<br />

quinto século d.C, empurraram os britônicos para a periferia da<br />

Bretanha: o sul da Escócia, Gales, Devon e Cornualha. Durante mais<br />

de dois séculos, os britônicos escaparam das invasões<br />

147


saxônicas migrando de volta para o continente, ao sul, para a<br />

Bretanha, na França. Atualmente, seus descendentes, os bretões, são<br />

cerca de meio milhão, mas poucos falam o bretão. Recentemente,<br />

jovens bretões demonstraram um interesse renovado em aprender sua<br />

língua ancestral, que não é reconhecida como língua oficial pelo<br />

governo francês.<br />

A língua céltica com o maior número de falantes ativos é o<br />

galês. A língua que J.R.R. Tolkien acreditava ser a 'mais antiga língua<br />

dos homens da Bretanha' era falada em 1991 por 510.920 pessoas, ou<br />

seja, 18,7% da população de Gales com mais de três anos de idade. 7 O<br />

Galês sobreviveu com grande dificuldade. A ocupação romana<br />

introduziu muitas palavras latinas. Mais tarde, os colonizadores<br />

irlandeses invadiram o território galés, introduzindo palavras gaélicas<br />

desde o século sete até o final do período do galés primitivo (cerca de<br />

850). A influência do inglês aumentou no período do galês antigo<br />

(850 a 1100). Durante a era do galés médio (1100 a 1500), os nobres<br />

franceses normandos da Inglaterra conquistaram Gales, resultando na<br />

introdução de muitas palavras emprestadas do francês; porém o galés<br />

prevaleceu. Apenas no período do galés moderno (1500 até o<br />

presente) — e principalmente devido ao Ato de União de Henrique<br />

VIII, que incorporava Gales à Inglaterra — o uso do galés diminuiu, e<br />

o inglês se tornou a língua das cortes e cargos públicos de Gales.<br />

Mesmo assim, ele sobreviveu.<br />

Acima de tudo, foi o avanço do inglês que dividiu os falantes<br />

britônicos: o cúmbrico foi falado no sul da Escócia e no noroeste da<br />

Inglaterra; o galês em Gales; e o córnico no sudoeste da Bretanha. Os<br />

anglo-saxões chamavam todos os falantes dessas línguas de wealas ou<br />

'não germanos', que deu origem à palavra inglesa 'welsh'. 8 Os<br />

britônicos galeses e cúmbricos hoje se referem a si mesmos como<br />

148


combrogi, 'companheiros do campo', assinalando um novo sentido de<br />

identidade étnica. Os galeses de hoje são cymry (pronuncia-se<br />

CÚM-RÍ) e sua língua cymraeg (CUM-RÁ-EG). O cúmbrico<br />

sobreviveu sofrendo uma crescente pressão até a queda do reino de<br />

Strathclyde, em cerca de 1018. Na Cornualha, o reino céltico foi<br />

vencido pela Inglaterra em cerca de 878; desde então, o uso da língua<br />

córnica diminuiu num ritmo constante até sua extinção no século<br />

dezenove. Como o manês, atualmente o córnico está sendo<br />

ressuscitado artificialmente.<br />

A família céltica, a mais importante e amplamente distribuída<br />

família linguística 2.300 anos atrás, hoje — primeiro devido aos<br />

romanos e germanos, e depois devido à consolidação nacional<br />

(Inglaterra, França) — constitui uma das menores famílias<br />

indo-europeias, confinada ao oeste da França e às periferias das ilhas<br />

Britânicas. Com exceção do dialeto oficial de Munster na Irlanda, as<br />

línguas célticas estão entre aquelas línguas 'não estatais' à mercê das<br />

línguas metropolitanas dominantes, sofrendo o mesmo destino do<br />

catalão (Espanha, França, Itália), do galego (Espanha), do occitano<br />

(Espanha, França, Itália), do romani (presente na maioria dos países<br />

europeus) e de muitas outras línguas de comunidades europeias. E os<br />

falantes de línguas não oficiais de seus respectivos países superam o<br />

número de vinte milhões de pessoas. Até bem recentemente, temia-se<br />

que as línguas célticas desaparecessem ao mesmo tempo. Dinâmicas<br />

sociopolíticas e a redescoberta do sentimento do orgulho entre os<br />

celtas causaram um novo ressurgimento do interesse no irlandês,<br />

ressuscitaram o manês, o gaélico escocês, o galês, o córnico e o<br />

bretão, e permitiram que o número de seus falantes crescesse, e que<br />

eles conquistassem uma maior autonomia política na nova Europa<br />

unificada.<br />

149


LÍNGUAS ITÁLICAS<br />

No primeiro milênio a.C, a maioria da península com exceção<br />

dos etruscos e rhaetianos não indo-europeus do norte e noroeste; as<br />

tribos messápicas dos ilirianos originários do outro lado do Adriático;<br />

e as colônias gregas independentes do sul, falavam uma língua itálica<br />

pertencente a uma das três subfamílias: picena, osco-umbra e latina?<br />

Ao se diferenciar, no segundo milênio a.C, se não antes, a<br />

língua picena do sul do centro do litoral leste italiano parece ter sido<br />

intimamente relacionada à família osco-umbra, embora também<br />

compartilhe características com as línguas venetas e balcânicas. Seus<br />

falantes foram derrotados por Roma em 268 a.C.<br />

O osco-umbro (sabeliano) incluía o osco, o umbro e o volsco (e<br />

seus dialetos menores). 10 Como os p-celtas, todos os falantes de<br />

osco-umbro substituíram o indo-europeu /k w / pelo /p/, assim, o<br />

protoindo-europeu k w i (s), que significa 'quem?' se tornou pis em<br />

osco, e o protoindo-europeu penk w e que significa 'cinco' se tornou,<br />

após mudanças subsequentes, pompe em umbro. Preservando muitas<br />

vogais protoindo-europeias sem mudanças, o osco foi a língua mais<br />

forte e amplamente distribuída da subfamília; ela sobrevive em cerca<br />

de 200 inscrições, em sua maioria dos últimos dois séculos a.C. O<br />

umbro é conhecido principalmente pelas famosas Tabulas Iguvinas, os<br />

textos não-latinos mais significativos da Itália antiga: sete inscrições<br />

em bronze, talvez datadas do primeiro século a.C, que contêm regras<br />

sobre presságios, penitências, oferendas e preces. Os dialetos<br />

osco-umbros da Itália central — sabino, aequiano, hernicano,<br />

marsiano, entre outros — sucumbiram muito cedo ao latim dominante<br />

de Roma. Os volscos do sudeste do Lácio — Itália central, na<br />

fronteira com o mar Tirreno — falavam uma língua autônoma<br />

intimamente relacionada com o umbro.<br />

150


Com uma história primitiva obscura, a língua veneta era falada<br />

pelos vênetos do litoral adriático, entre o rio Pó e a Aquileia." Sua<br />

língua sobrevive em cerca de 300 inscrições, a maioria de Esta e<br />

Làgole di Calázio no Vêneto atual. Muitas características sugerem a<br />

afiliação do vêneto às várias línguas itálicas, particularmente ao latim.<br />

O vêneto pode representar, então, um vestígio da primeira incursão<br />

itálica na península, no terceiro milênio a.C.<br />

As línguas latinas falisco e latim estão, provavelmente, entre as<br />

mais antigas línguas faladas na península, exibindo uma fonologia<br />

indo-europeia arcaica e um vocabulário muito modificado, talvez<br />

estimulado pelo contato com a população pré-indo-europeia. O falisco<br />

era a língua da antiga tribo itálica cuja capital era Falerii (a moderna<br />

Cività Castellana ao norte de Roma), que desde o século dezoito a.C.<br />

esteve sob influência etrusca. Ela foi destruída pelos romanos cerca de<br />

241 a.C, extinguindo o falisco antes das línguas osco-umbras.<br />

O latim surgiu no Lácio no primeiro milênio a.C, quando Roma<br />

chegou ao poder e subsequentemente suprimiu todas as outras línguas<br />

itálicas da península. 12 No início, o latim era simplesmente o dialeto<br />

local da vila de Roma, mas com o passar do tempo ele se tornou uma<br />

das grandes línguas da história.<br />

A literatura começou seriamente apenas cerca de 240 a.C, o que<br />

deu força e enriqueceu o império romano em expansão. A história do<br />

latim segue os seguintes estágios de desenvolvimento: latim<br />

pré-literário até 240 a.C; latim antigo, 240 a 100 a.C; latim clássico (a<br />

literatura latina preservada), 100 a.C. a 14 d.C; idade de prata, 14 d.C<br />

a cerca de 120 d.C; latim arcaico, 120 a 200 d.C; latim vulgar da<br />

antiguidade tardia, 200 a 600 d.C; latim médio, 600 ao século<br />

quatorze d.C; e, desde então, o latim moderno.<br />

151


O latim clássico era a fala cotidiana de Júlio César, Augusto c<br />

Virgílio. Logo 'petrificada' como meio escrito da administração e da<br />

cultura do império em expansão, o latim eventualmente se tornou o<br />

meio escrito e falado da Igreja cristã e de toda educação ocidental. Ele<br />

sobreviveu ao século dezoito como a principal língua erudita e ao<br />

século vinte como a língua da liturgia católica romana. Negligenciado<br />

por muitas décadas, o latim clássico está hoje passando por um<br />

ressurgimento dinâmico como segunda língua ou língua adicional na<br />

Europa e na América do Norte.<br />

O latim vulgar falado continuou a evoluir em substratos<br />

estrangeiros em todo o império romano, criando a família linguística<br />

românica. 13 Cada uma de suas línguas descendentes foi falada em suas<br />

protoformas durante muitos séculos até serem finalmente registradas<br />

em documentos: francês no século nove; o italiano no século dez; o<br />

provençal no sul da França, um século depois; as três línguas<br />

ibero-românicas espanhol, português e catalão, no século doze; e o<br />

romeno no século dezesseis. As línguas românicas menores incluem o<br />

valão, do sul da Bélgica, o reto-românico (romanche, ladino) dos<br />

vales suíços, o sardo, o recentemente extinto dálmata, o crioulo<br />

haitiano e o judeu-espanhol, a língua dos judeus expulsos da Espanha<br />

que hoje sofre de risco iminente de extinção. 14<br />

Todas as línguas românicas, com exceção do romeno, sofreram<br />

influência contínua do latim clássico. Por esse e outros motivos, a<br />

inteligibilidade entre os falantes atuais das línguas itálicas é muito<br />

maior do que entre os falantes de línguas germânicas. Embora a<br />

população falante do latim vulgar no noroeste africano houvesse sido<br />

dominada pelos falantes de árabe cerca de 700 d.C, muito mais tarde<br />

colonizadores espanhóis, portugueses, franceses e italianos levaram as<br />

línguas itálicas para outras partes da África, e para lugares ainda<br />

muito mais<br />

152


distantes, como as Américas, a Ásia e o Pacífico ocidental, onde elas<br />

prosperaram. Por esse motivo, atualmente as línguas itálicas são as<br />

segundas em distribuição geográfica, perdendo apenas para as línguas<br />

germânicas (inglês).<br />

O francês surgiu do latim vulgar em solo gaulês, conservando<br />

várias pronúncias célticas: ct como cht (como no escocês Loch), que<br />

mais tarde, se tornou it (desse modo, a palavra factum, em latim, se<br />

tornou fait em francês); e o u latino como o u alto como o francês tu.<br />

Assim que a latinização da Gália foi consumada sob a tutela<br />

romano-germânica, ocorreu a invasão de novas tribos germânicas,<br />

com os francos dominando a maior parte do norte da Gália. A<br />

influência germânica afetou muito a fonologia do latim vulgar falado<br />

ali. (O sul da Gália não sofreu esse processo; seu latim vulgar se<br />

desenvolveu na autônoma língua provençal.) Os estágios de<br />

desenvolvimento do francês são francês antigo (842 a 1350), francês<br />

médio (1350 a 1605) e francês moderno (1605 até o presente). 15 Desde<br />

o século doze, o francês é uma das grandes línguas culturais do<br />

mundo, sua rica literatura afetou o rumo de muitas outras, mesmo de<br />

línguas e literaturas não indo-europeias. 16<br />

O espanhol surgiu do latim vulgar falado em solo céltico, na<br />

península Ibérica. 17 O espanhol antigo (1100 a 1450) está atualmente<br />

preservado na fala dos poucos falantes remanescentes do<br />

judeu-espanhol (do mesmo modo que o iídiche preserva parcialmente<br />

o alto-alemão médio). O espanhol moderno (1450 até o presente) foi<br />

dominado pelo dialeto castelhano, que estabeleceu os padrões da<br />

língua escrita, ou castelhano. O espanhol conservou muitas<br />

características do latim vulgar perdidas em outras línguas românicas.<br />

Porém, devido à longa ocupação muçulmana na Espanha (713 a<br />

1492), sua língua adquiriu muitas palavras árabes. Em épocas mais<br />

recentes, os<br />

153


dialetos da América Hispânica emprestaram muitas palavras<br />

americanas nativas. Hoje, o espanhol é, depois do inglês, a segunda<br />

língua mais amplamente distribuída do mundo. 18<br />

O italiano é uma forma evoluída do latim vulgar falado no solo<br />

original dos povos itálicos. 19 Devido a seu caráter nativo, o italiano<br />

conservou o maior número de características originais do latim — ou<br />

seja, ele não experimentou os vários substratos ou invasões que tanto<br />

alteraram outras línguas românicas. Inovações gramaticais específicas<br />

como a formação do plural (finais —i/-e/-a) diferenciam o italiano das<br />

línguas românicas ocidentais (-s/-es), assim, o italiano está<br />

formalmente alinhado com o romeno, ao românico oriental. Única<br />

entre as línguas românicas — e fato realmente raro no mundo — é a<br />

fonologia quase sem modificações do italiano no decorrer de vários<br />

séculos: qualquer italiano educado dos dias de hoje consegue ler<br />

facilmente seus poetas medievais sem treinamento especial. Por esse<br />

motivo, a história do italiano não é categorizada em períodos antigo,<br />

médio e moderno, encontrados na maioria das línguas europeias. O<br />

longo período de desunião política italiana também promoveu um<br />

desenvolvimento dialetal separado que levou, como no caso do<br />

alemão, a literaturas dialetais locais de grande força: a italiana central<br />

e do sul (com o siciliano); toscana (com os dialetos corsos) e romana<br />

Umbra; e a alta italiana ou o grupo de dialetos galo-italianos. Hoje, os<br />

dialetos italianos das principais cidades da Toscana (Florença, Siena,<br />

Arezzo) e de Roma constituem o padrão nacional, ou a língua toscana<br />

in bocca romana.<br />

LÍNGUAS GERMÂNICAS<br />

No terceiro milênio a.C, um povo indo-europeu que havia<br />

seguido os celtas para fora da Europa oriental ocupava o local onde<br />

hoje<br />

154


fica a Suécia, a Dinamarca e o norte e nordeste da Alemanha. Era o<br />

povo germânico, sua língua era acima de tudo caracterizada por uma<br />

reinterpretação sistemática radical das consoantes indo-europeias (o<br />

Primeiro Desmembramento do Som) e por outras inovações<br />

específicas. Mil anos depois, tribos germânicas isoladas migraram<br />

para o leste para Weichsel, ao sul do Danúbio e ao leste do Rhine,<br />

expulsando ou absorvendo os celtas nativos. Nessa época, havia duas<br />

tribos germânicas principais, identificadas por sua interpretação de<br />

sons específicos do protoindo-europeu: os falantes do germânico<br />

setentrional (godo-nórdico) haviam mudado esses sons; os falantes do<br />

germânico ocidental os preservaram. Durante o primeiro milênio a.C,<br />

os falantes do germânico ocidental, crescendo cada vez mais em<br />

número, começaram a expulsar os celtas vizinhos em direção ao sul e<br />

ao oeste. Nos primeiros séculos d.C, escandinavos, balto-germanos,<br />

germanos do Mar do Norte, germanos do Elba e germanos ocidentais<br />

viviam em pequenas comunidades diferenciadas. 20<br />

Além dos relatos antigos gregos e romanos, que confundem as<br />

tribos germânicas com os celtas, o indício linguístico mais antigo de<br />

uma presença germânica até então é a curta inscrição do casco Negau<br />

encontrado na Estíria (sudoeste da Áustria), datado do início da Era<br />

Cristã. Nessa época, os falantes do germânico setentrional do leste,<br />

mais conhecidos como 'godos', repetiam o que os falantes do celta<br />

haviam feito séculos antes: migrando para a Espanha (até mesmo para<br />

a África), a Gália, a Itália, a Península Balcânica, o Mar Negro, e a<br />

Ásia Menor. O documento gótico mais significativo continua sendo a<br />

tradução da Bíblia, do bispo visigodo Wulfila (311 — 83 d.C), que<br />

sobreviveu num manuscrito ostrogótico transcrito em letras gregas<br />

mais de um século após a morte do bispo. Como preserva muitas<br />

formas linguísticas germânicas mais antigas, o gótico tem uma<br />

utilidade con-<br />

155


siderável em comparações histórico-linguísticas. Entre outras línguas<br />

germânicas setentrionais cujos falantes faziam a história da Europa<br />

ocidental dos primeiros séculos d.C. estavam o burgundo, o vândalo,<br />

o gepídico, o rugiano e o Scirano, entre outras, que sucumbiram no<br />

primeiro milênio d.C. para o latim vulgar local. O gótico da Crimeia,<br />

falado ao longo do Mar Negro, sobreviveu até o século dezesseis. 21<br />

A língua nórdica antiga original dos germânicos setentrionais<br />

está preservada em inscrições rúnicas encontradas em quase todas as<br />

regiões da Escandinávia, algumas datando do século quatro d.C. As<br />

inscrições exibem uma língua arcaica que retém as vogais de sílabas<br />

átonas (horna para 'horn'), uma característica que foi perdida mais<br />

tarde. Provavelmente, a língua nórdica antiga já havia se diferenciado<br />

em nórdico oriental (que compreendeu mais tarde o sueco, o<br />

dinamarquês e o gútnico) e o nórdico ocidental (norueguês, feroês e<br />

irlandês) na metade do primeiro milênio d.C; porém, a<br />

intercomunicação ativa dos séculos seguintes impediu que os dois<br />

grupos perdessem a inteligibilidade mútua. 22 O nórdico antigo surtiu<br />

um grande impacto no inglês antigo do final do primeiro milênio d.C.<br />

Pouco depois, o irlandês antigo enriqueceu a literatura mundial com<br />

suas canções Eddas, sagas, poemas e histórias dos escaldos ou bardos.<br />

A Escandinávia preservou a unidade linguística por muito mais tempo<br />

que qualquer outra comunidade germânica. Por esse motivo, hoje suas<br />

línguas podem ser mais consideradas como dialetos da língua<br />

escandinava do que línguas separadas.<br />

O 'Segundo' Desmembramento do Som do alto-alemão dividiu<br />

as tribos germânicas ocidentais em dois grupos distintos: os falantes<br />

do alto-alemão do interior e os falantes do baixo-alemão no norte e<br />

noroeste da área costeira. 23 Já nos séculos sete e oito d.C. escribas<br />

medievais usavam o alfabeto latino para registrar uma variedade de<br />

156


coisas em alto-alemão médio. Predominava o frâncico renano da corte<br />

de Carlos Magno. Mais tarde, na Idade Média, a influência política se<br />

transferiu para a alta Alemanha, onde se falava dois dialetos<br />

principais: o alemânico no oeste e o bávaro no leste. No século<br />

dezesseis, os reformadores da Igreja, liderados por Martinho Lutero,<br />

usavam o novo peso político da Alemanha central para difundir suas<br />

publicações; de seu dialeto alemão central emergiu o alto-alemão<br />

moderno, hoje a língua padrão da Alemanha. 24<br />

O alto-alemão se tornou uma das grandes línguas culturais do<br />

planeta. Os poetas, dramaturgos e romancistas alemães ainda são<br />

proeminentes na literatura mundial. No século dezenove, o alemão era<br />

a língua principal da ciência e da cultura. O alemão é rico em dialetos,<br />

desde o plattdeutsch, do norte, ao tirolês meridional, nos vales alpinos<br />

do extremo norte da Itália. A fonologia do alemão medieval ainda<br />

pode ser ouvida hoje em algumas regiões dos Alpes. Uma relíquia do<br />

dialeto alemão medieval, o iídiche, foi preservada durante muitos<br />

séculos por uma comunidade especial; ele é falado até hoje,<br />

principalmente em Nova Iorque e Israel.<br />

Uma língua do baixo-alemão, o baixo-frâncico medieval,<br />

sobrevive nos Países Baixos com o holandês; seu dialeto meridional é<br />

o flamengo, uma das três línguas oficiais da Bélgica (flamengo, valão<br />

e alemão). O holandês foi levado para a África do Sul no século<br />

dezessete, e se desenvolveu numa língua autônoma, o africâner, que,<br />

hoje, está sendo substituída pelo inglês, a ex-língua colonial da África<br />

do Sul, sob o novo regime nativo.<br />

No século cinco d.C, muitas comunidades de baixo-alemães que<br />

viviam ao longo do Mar do Norte — anglos, saxões e jutos da<br />

Dinamarca — migraram para o leste e o sul da Britânia, unindo-se aos<br />

alto-alemães descendentes das tropas romano-germânicas de Roma.<br />

157


Sua fusão linguística criou uma nova língua que, um dia, dominaria o<br />

mundo: o inglês. O saxão antigo foi escrito pela primeira vez em solo<br />

inglês no século sete; o poema anglo Beowulf, a maior e mais antiga<br />

saga dos povos germânicos, foi provavelmente composto no norte da<br />

Inglaterra pouco antes de 750 d.C. O inglês antigo (700-1100 d.C.)<br />

compreendia três dialetos principais, com muitas variantes e<br />

influências estrangeiras: o kentish, no sul (Kent e Surrey); o saxão, no<br />

território meridional central (Sussex a Middlesex); e o anglo, ao norte<br />

(Essez a Nortúmbria). Quase substituído pelo francês após a invasão<br />

normanda de 1066, o inglês médio (1100 a 1500) era composto por<br />

quatro dialetos principais altamente influenciados pelo francês e o<br />

latim: o meridional, centro-ocidental, centro-oriental e setentrional.<br />

Chaucer escreveu seus Contos de Canterbury no dialeto londrino que<br />

fazia fronteira tanto com o inglês meridional quanto com o<br />

centro-oriental. Devido à centralização política, o dialeto londrino<br />

acabou se tornando a língua padrão da Bretanha.<br />

Com seu início no século dezessete, a língua inglesa seguiu o<br />

exemplo do holandês e foi levada para a América do Norte, as Índias<br />

Orientais, o Caribe, partes da África e para a Índia. Enquanto a<br />

influência do holandês diminuía, a do inglês crescia. A colonização da<br />

Austrália, da Nova Zelândia e de várias regiões do Pacífico ocorreu<br />

nos séculos dezoito e dezenove. Essa expansão global resultou na<br />

criação de um Inglês Padrão Internacional, a principal língua de<br />

falantes bilíngues do planeta. Em número de falantes nativos, o inglês<br />

só perde para o mandarim chinês. O crescimento internacional do<br />

inglês não tem paralelos na história mundial. Com o advento do Inglês<br />

Padrão Internacional, uma verdadeira língua mundial foi quase<br />

alcançada pela primeira vez. 25<br />

A maior parte das semelhanças que as línguas germânicas um<br />

dia possuíram foi substituída pelo grande número de idiossincrasias<br />

158


extremas que surgiram nas línguas sobreviventes. O vocabulário<br />

itálico do inglês e a perda de inflexão (terminações de palavras que<br />

marcam características gramaticais, como em 'whom'), a estrutura<br />

sentenciai emaranhada do alemão (com o verbo quase sempre no final<br />

da sentença), a sufixação dos artigos definidos do escandinavo (a<br />

palavra islandesa bók significa 'livro', mas bókin significa 'o livro')<br />

além de muitas outras inovações. A diversidade das línguas<br />

germânicas é a antítese da homogeneidade itálica.<br />

LÍNGUAS BANTAS<br />

A família linguística africana banta compreende hoje cerca de<br />

550 línguas — um número gigantesco quando comparado com a<br />

família indo-europeia, que tem pouco mais de 100. Descendente do<br />

ramo benue-congolês da suposta superfamília linguística<br />

'nigero-congolesa', as línguas bantas cobrem uma imensa área<br />

geográfica. 26 Quase todos os povos da África central, desde do baixo<br />

rio Cross no oeste até o sul da Somália no leste, falam línguas<br />

relacionadas, imprecisamente agrupadas sob o nome banto ('povo').<br />

Originalmente limitadas à região da baía de Benin antes de 1000 d.C,<br />

apenas no último milênio as línguas bantas alcançaram a enorme<br />

distribuição vista hoje — embora no século dezessete, o holandês<br />

houvesse alcançado o Cabo da Boa Esperança antes do banto. Além<br />

disso, o alto grau de semelhança linguística entre as línguas bantas<br />

revela uma proximidade de longa data.<br />

Quatro das principais línguas 'nigero-congolesas' são bantas:<br />

ruanda, macua, xhosa e zulu. O suaíli é o idioma banto do litoral leste<br />

da África e de Zanzibar que, muitos séculos atrás, emprestou um<br />

grande número de palavras do vocabulário árabe para ser usado, com<br />

a gramática banta, como língua franca. No século dezenove,<br />

159


negociantes de escravos árabes usavam o suaíli como língua<br />

comercial em lugares interioranos tão distantes quanto o Congo. 27<br />

As línguas bantas foram reconhecidas como pertencentes a uma<br />

única família mais de um século atrás. Desde então, se seguiu a<br />

reconstituição da fonologia (sistema de sons significativos) e<br />

morfologia (formação sistemática de palavras) bantas. Porém,<br />

empréstimos frequentes entre as línguas bantas relacionadas (ou seja,<br />

difusão areai e convergência) tornaram a descrição da árvore<br />

genealógica banta extremamente difícil. 28<br />

Um estudo recente usou o método da léxicoestatística — a<br />

comparação de 100 (ou 200) itens de palavras básicas ou<br />

culturalmente neutras entre línguas relacionadas — para construir um<br />

perfil geral e altamente especulativo da 'árvore genealógica' banta. 29 A<br />

léxico-estatística sustenta que o vocabulário central sempre se<br />

comporta de maneira diferente do periférico; que a substituição de<br />

palavras ocorre numa taxa constante; e que um léxico, ou lista de<br />

palavras, pode, sozinho, fornecer informações sobre relacionamentos<br />

genéticos. A origem da família banta, segundo esse estudo, seria<br />

supostamente no vale Benue da atual Nigéria. Lá, cerca de 5.000 anos<br />

atrás, o banto se dividiu entre banto ocidental e banto oriental. O<br />

estudo diz que as línguas bantas ocidentais se desenvolveram ao leste<br />

do rio Cross no oeste de Camarões. Começando em cerca de 1560<br />

a.C, as línguas bantas ocidentais se expandiram gradualmente por toda<br />

a África central, talvez com os portadores de novas técnicas de<br />

agricultura. O banto ocidental divergiu numa sucessão de línguas<br />

descendentes, em que cada uma se diferenciou, em distintas épocas,<br />

do 'corpo principal' (um termo relativo) dos falantes do banto<br />

ocidental, um processo bem diferente da fragmentação geral das<br />

línguas germânicas.<br />

160


Segundo essa interpretação, os primeiros a 'divergir' foram os<br />

falantes de nen-yambassa. Depois deles, foi a vez dos myene-tsogo,<br />

seguidos pelos bioko. Em cerca de 1120 a.C, os aka-mbati, as línguas<br />

do norte do Zaire, se diferenciaram das línguas do sudoeste e se<br />

dispersaram. Cerca de dois séculos depois, o 'corpo principal' dos<br />

falantes do banto ocidental se dividiu em dois e estabeleceu duas<br />

famílias separadas: o banto sul-ocidental e savana, incluindo as<br />

línguas congolesas e gabão-congolesas. Cerca de 580 a.C. as línguas<br />

buansoan se diferenciaram, e depois as línguas buan se dividiram<br />

internamente cerca de um século e meio depois. Cerca de 170 d.C, as<br />

línguas biran divergiram do buan, tornando-se o grupo mais oriental<br />

do subgrupo. A expansão inicial do banto ocidental cessou quando o<br />

grupo linguístico meridional maniema se diferenciou da língua<br />

vizinha savana cerca de 330 d.C. Apenas no segundo milênio d.C, as<br />

línguas bantas se expandiram rapidamente para as extremidades leste<br />

e sul da África, substituindo muitas das línguas nativas que<br />

encontraram no caminho.<br />

Essa árvore genealógica das línguas bantas ocidentais foi<br />

proposta recentemente, na falta de uma língua escrita, com base na<br />

reconstituição comparativa léxico-estatística, que reconhece que,<br />

como em todas as mudanças linguísticas, certas inovações têm de vir<br />

antes de outras. 30 A essa árvore genealógica, foram anexadas mais<br />

estimativas estatísticas que estudam o vocabulário para determinar o<br />

relacionamento entre línguas em particular e seu desenvolvimento<br />

através do tempo. Isto se chama glotocronologia, e é um método<br />

linguístico tão especulativo quanto a léxicoestatística. Sua fórmula é<br />

baseada na observação de línguas com uma longa história escrita, em<br />

que todo o vocabulário básico muda ou é substituído numa taxa<br />

constante. A fórmula deveria permitir que qualquer porcentagem<br />

léxicoestatística dada (calculada pela<br />

161


comparação de palavras básicas selecionadas entre línguas<br />

semelhantes) fosse expressa em termos de um número de anos<br />

específico, segundo os proponentes da glotocronologia.<br />

Porém, as taxas de substituição de vocabulário não são<br />

constantes. Isso pode ocorrer, como propõe uma nova teoria, porque<br />

as línguas também passam por longos períodos de equilíbrio. Durante<br />

tais períodos, as mudanças podem ocorrer através de difusão, ajustes<br />

internos da língua ou convergência linguística. Esses períodos podem<br />

ser seguidos por uma 'pontuação' ou perturbação súbita, que leva à<br />

criação das assim chamadas 'árvores genealógicas'.<br />

Consequentemente, todos os dados glotocronológicos para o banto<br />

continuam como especulação subjetiva.<br />

Apenas comparações fonológicas (baseadas no sistema de sons<br />

de uma língua) que forneçam cronologias relativas para<br />

desenvolvimentos linguísticos relacionados sustentam uma validade<br />

incontestável neste campo de pesquisa, embora não possam fornecer<br />

dados absolutos. Apesar disso, pode-se dizer com uma certeza<br />

razoável que, no início da Era Cristã, os falantes de banto ocidental<br />

ocupavam a maior parte do oeste da África central. Mais de um<br />

milênio depois, as línguas bantas iniciaram suas grandes migrações<br />

que, eventualmente, as levaram ao extremo sul do continente africano<br />

no final do século dezessete.<br />

LÍNGUAS CHINESAS<br />

O chinês ou sinítico é a subfamília mais oriental e importante da<br />

grande família linguística sino-tibetana. 31 Seus membros são línguas<br />

isolantes — ou seja, sua 'palavra é geralmente um morfema (a menor<br />

unidade significativa de uma língua), com uma construção sintática<br />

e/ou partículas especiais que mostram as relações gramaticais.<br />

162


Diferente das línguas célticas, germânicas e itálicas, que se tornaram<br />

isolantes apenas recentemente, o chinês preservou essa característica<br />

em todos os estágios de sua história. Provavelmente, menos de 5.000<br />

anos atrás, os primeiros falantes de sino-tibetano entraram no Vale do<br />

rio Amarelo e se instalaram permanentemente. Quem eles<br />

encontraram ali — aqueles cuja língua ajudou a criar o que veio a se<br />

tornar o chinês — permanece desconhecido. Parece que uma grande<br />

parte do vocabulário chinês, mas não sua gramática, poder ter sido<br />

emprestada desses primeiros habitantes.<br />

Durante a Dinastia Chou (1050 a 220 a.C), o chinês era falado<br />

numa área muito mais restrita do que no presente. Sua terra natal foi a<br />

Planície do rio Amarelo. Mas seus domínios se expandiram para as<br />

periferias já no primeiro milênio a.C. Com os séculos, a conquista das<br />

etnias vizinhas impôs a língua chinesa nos territórios onde ela é<br />

atualmente falada — de modo semelhante ao latim no ocidente. O<br />

chinês antigo era falado antes do século seis d.C. O chinês médio<br />

designa a língua falada entre os séculos seis e dez. O mandarim antigo<br />

foi ouvido desde o século dez até o século quatorze (início da Dinastia<br />

Ming), o mandarim médio do século quatorze ao dezenove e o<br />

mandarim moderno do início do século dezenove até o presente.<br />

Além da descendente sinítica, o mandarim chinês, ser falada<br />

como primeira língua por um número maior de pessoas do que<br />

qualquer outro idioma do planeta, o chinês é uma das poucas línguas<br />

(ou famílias linguísticas) contemporâneas cuja história está<br />

documentada por meio da escrita numa tradição contínua que remonta<br />

à metade do segundo milênio a.C. Nessa época, durante a Dinastia<br />

Shang (cerca de 1700 a 1100 a.C), textos divinatórios em conchas e<br />

ossos foram escritos numa linguagem obviamente relacionada com<br />

aquela que foi mais copiosamente documentada na sucessora Dinastia<br />

Chou. Não há<br />

163


dúvidas de que a língua da Dinastia Chou gerou todos os estágios<br />

posteriores do chinês, incluindo as línguas chinesas faladas<br />

atualmente.<br />

Devido ao sistema de escrita logográfica (ou seja, não<br />

alfabética) da língua chinesa, até mesmo a reconstituição da pronúncia<br />

dos logogramas do chinês médio é difícil, uma vez que o elemento<br />

fonético (som) não é claro. O processo de reconstituição vem sendo<br />

auxiliado por antigos dicionários de rima chineses, que podem ajudar<br />

a reconstruir terminações de palavras e pela comparação de<br />

empréstimos das línguas coreana e japonesa para a identificação dos<br />

inícios das palavras. A reconstituição linguística histórica demonstrou<br />

que antes do século dois a.C, o chinês antigo usava agrupamentos<br />

consonantais no início de uma palavra, mas sua natureza precisa ainda<br />

é desconhecida. Com o tempo, eles foram reduzidos a consoantes<br />

únicas, como resultado os morfemas das línguas chinesas são palavras<br />

monossilábicas. (Agrupamentos consonantais sobrevivem em<br />

terminações de palavras em algumas poucas línguas chinesas.)<br />

Também foi sugerido que o sistema de vogais do chinês antigo<br />

continha apenas duas vogais, o que é improvável, ou então que<br />

contava com quatorze vogais. Além disso, é evidente que o chinês<br />

primitivo era uma língua flexiva — ou seja, a função sintática era<br />

mostrada por meio da mudança das palavras — e que as distinções<br />

efetuadas pelas inflexões, uma vez que essas inflexões foram perdidas,<br />

foram preservadas pela introdução ou expansão de diferentes tons nas<br />

palavras, um outro método de marcar função ou sentido. Os<br />

especialistas ainda estão em processo de reconstrução do chinês<br />

antigo.<br />

Durante a Dinastia Chou, a língua escrita chinesa, da mesma<br />

forma que o latim clássico, provavelmente não diferia muito da fala<br />

educada comum. Porém, no final da Dinastia Han (206 a.C. a 220<br />

d.C), a língua falada não seguia mais a escrita, e a lacuna entre as duas<br />

164


se alargou nos séculos seguintes. Novamente, como no caso do latim<br />

no Ocidente, a escrita chinesa não refletia as línguas vernáculas que<br />

emergiam. Sempre houve dialetos regionais em chinês, mesmo numa<br />

época muito primitiva. Mas eles não se desenvolveram em línguas<br />

separadas até o final do primeiro milênio a.C, ou seja, quase 1.000<br />

anos antes do surgimento das línguas românicas a partir do latim<br />

vulgar.<br />

O chinês médio era muito diferente do chinês antigo. Nessa<br />

época, os agrupamentos consonantais haviam desaparecido<br />

totalmente. Além disso, o sistema tonai do chinês médio já contava<br />

com quatro tons para registros altos e quatro tons para registros<br />

baixos, como ainda ocorre nas línguas do sul da China. (Por outro<br />

lado, o mandarim de Pequim atual, falado no norte, reconhece ao todo<br />

apenas quatro tons para as palavras.) Entre o chinês médio e o chinês<br />

moderno ocorreu uma grande redução no número de fonemas —<br />

sendo um fonema o menor som significativo de uma língua que<br />

distingue uma palavra (ou parte de uma palavra) de outra — como os<br />

dois fonemas que distinguem mão de pão. O processo deixou como<br />

resíduo muitos homófonos, ou palavras que possuem o mesmo som, e<br />

a língua de Pequim contém hoje o menor número de fonemas. Essa<br />

redução no número de fonemas em todas as línguas chinesas tornou<br />

inevitável a formação de novas composições de palavras,<br />

principalmente de conjuntos de sinônimos (palavras com o mesmo, ou<br />

quase o mesmo, significado). Por esse motivo a 'palavra' chinesa atual<br />

não é mais monossilábica (com uma sílaba), mas di- ou mesmo<br />

polissilábica (com duas ou mais sílabas).<br />

Hoje, as oito principais línguas chinesas constituem uma família<br />

de línguas mutuamente ininteligíveis, com vários dialetos principais<br />

cada. Embora o chinês antigo possa ser hoje tão diferente do<br />

mandarim chinês contemporâneo de Pequim quanto o latim clássico é<br />

do francês de Paris, permanece, contudo, um forte senso de unidade<br />

linguística<br />

165


entre todos os falantes do chinês. Isso é o resultado de três fatores: um<br />

texto logográfico que não reflete línguas diferentes ou mudanças<br />

diacrônicas; uma língua escrita baseada num dialeto padrão que<br />

previne a competição entre outros dialetos; e a unidade política do<br />

povo chinês, quase sem paralelos na história. Hoje, a língua escrita<br />

chinesa é uma continuação direta da língua padrão vernacular literária<br />

do chinês médio.<br />

Porém, na língua falada — não escrita — o significado original<br />

verbal ou pronominal (relativo aos pronomes) de muitas das partículas<br />

gramaticais usadas para esclarecer as relações sintáticas numa<br />

sentença foi enfraquecido no chinês moderno ao papel de afixos<br />

gramaticais ou palavras de ligação. O chinês moderno hoje tende ao<br />

polissilabismo, usando palavras com várias sílabas, e até mesmo à<br />

aglutinação — a formação de palavras derivadas ou compostas pela<br />

união de constituintes com um significado.<br />

O mandarim chinês do norte sustenta três dialetos principais:<br />

mandarim setentrional (bacia do rio Amarelo e Manchúria), mandarim<br />

do sudeste e mandarim do sudoeste. Durante a maior parte da história<br />

da China houve uma língua padrão, compreendendo tanto a língua<br />

falada quanto a escrita. Uma fala comum, ou língua franca, era<br />

necessária para o comércio, a burocracia e a consolidação política por<br />

um rígido governo central. Nos dias de hoje, o mandarim chinês<br />

surgiu da língua franca usada nas dinastias estrangeiras Liao (916 a<br />

1125 d.C), Jin (1115 a 1234 d.C.) e Yuan (1271 a 1368 d.C), sendo<br />

que todas as três mantiveram suas capitais na área geral de Pequim.<br />

Usado em todo o norte da China e além, ou seja, cerca de dois terços<br />

dos falantes chineses, o mandarim é falado por aproximadamente um<br />

bilhão de pessoas. O dialeto mandarim setentrional da capital Pequim<br />

é a base para o Chinês Comum Vernacular, introduzido no início do<br />

século vinte, que serve como base para a maioria dos dicionários<br />

ocidentais.<br />

166


As sete principais línguas chinesas do sul atuais são geralmente<br />

mais conservadoras em suas fonologias e sistemas tonais do que os<br />

dialetos do norte. Os dialetos min nan são falados no sudeste,<br />

geralmente em Zhejiang, Fujian e as ilhas de Hainan e Taiwan. Os<br />

dialetos min pei são encontrados no noroeste de Fujian. Em Shanxi e<br />

no sudoeste de Hebei podem ser ouvidos os dialetos gan. Os idiomas<br />

wu são falados no delta do Yang-Tsé, incluindo Xangai e outras partes<br />

de Anhui, Jiangsu e Zhejian. Os dialetos yueb ou cantonenses do sul<br />

são ouvidos principalmente em Guangdong, no sul de Guangxi, em<br />

Macau e também em Hong Kong. O hakka é uma língua bem<br />

distribuída, cujos dialetos são falados principalmente entre Fujian e<br />

Guangxi. O hsiang, também conhecido como hunan, é falado na<br />

região de Hunan, no centro-sul da China.<br />

Durante muitos séculos, coreanos, japoneses e vietnamitas<br />

usaram o chinês literário como seu meio cotidiano de expressão<br />

escrita. Mesmo hoje, esses três povos continuam a usar raízes<br />

chinesas para criar novas palavras em seus vocabulários. Por este e<br />

outros motivos, o chinês pode muito bem ser chamado de 'latim da<br />

Ásia Oriental'. Devido a numerosas migrações recentes — talvez de<br />

pequeno alcance quando comparadas às migrações dos falantes de<br />

inglês e espanhol — o chinês pode ser ouvido na maioria das grandes<br />

cidades de todo o mundo. A influência da família linguística chinesa<br />

permanecerá, sem sombra de dúvida, considerável durante a maior<br />

parte do século vinte e um.<br />

LÍNGUAS POLINÉSIAS<br />

A Polinésia também sustenta uma árvore genealógica<br />

respeitável. 32 Cerca de 6.000 anos atrás, sua mãe, a superfamília<br />

linguística austronésia gerou uma família proto-oceânica que incluía,<br />

por um<br />

167


lado as línguas austronésias da Nova Guiné, do Arquipélago de<br />

Bismarck, das ilhas Salomão, da Nova Caledônia e de outras ilhas do<br />

Pacífico Ocidental, e por outro lado, a família linguística<br />

proto-oceânica oriental. A última compreendia as línguas ocidentais<br />

das Novas Hébridas norte e central, da Micronésia e de Rotuma e a<br />

línguas orientais protopacíficas centrais, que, eventualmente se<br />

tornaram protofijianas no Ocidente, e protopolinésia, cerca de 1500<br />

a.C, no centro-leste do crescente Fiji-Tonga-Samoa.<br />

As línguas polinésias estão entre as mais conservadoras do<br />

mundo. As vogais, o vocabulário e a gramática polinésia<br />

permaneceram extraordinariamente estáveis nos últimos 3.500 anos,<br />

num grau talvez nunca visto no planeta. Pode-se atribuir esse fato ao<br />

extremo reducionismo (simplificação) já presente no protopolinésio<br />

— poucas consoantes, vocabulário monossilábico e dissilábico<br />

simples, reduplicação frequente (duplicação de palavras, como<br />

hulahula) e um número muito limitado de partículas que mostram<br />

funções gramaticais. Assim, as mudanças que ocorreram nas línguas<br />

polinésias são geralmente mudanças consonantais em um estágio,<br />

como de k para ', a parada glotal; ng para n ou '; e t para k, que são<br />

quase de natureza dialetal, permitindo uma quase inteligibilidade em<br />

toda a Polinésia. O notável conservadorismo e a homogeneidade das<br />

línguas polinésias também são, provavelmente, o resultado de um<br />

comércio ativo contínuo entre a maioria dos grupos insulares até<br />

poucas centenas de anos atrás.<br />

Diferente da maioria das outras famílias linguísticas, a família<br />

polinésia não contém nenhum membro cuja inclusão seja controversa.<br />

Porém, os limites entre língua e dialeto são frequentemente pouco<br />

claros, devido ao grande número de línguas semelhantes que<br />

compartilham um vocabulário quase idêntico, com exceção de<br />

substituições<br />

168


fonológicas menores, facilmente identificáveis. Por exemplo, 'casa'<br />

em samoano é fale, em taitiano é fare, em rapanui (Ilha de Páscoa) é<br />

hare, em maori é whare e em havaiano é hale. Há cerca de 36 línguas<br />

polinésias faladas atualmente, desde as Ilhas Salomão no Pacífico<br />

Ocidental até a Ilha de Páscoa no sul do extremo Pacífico Oriental,<br />

descendentes de uma única comunidade original que, cerca de 3.500<br />

anos atrás se desenvolveu dentro de seu novo isolamento, com<br />

contatos apenas esporádicos com a terra natal, uma cultura e língua<br />

únicas que milênios depois, os ocidentais chamaram de 'Polinésia, do<br />

grego poli para 'muitos' e nesos para 'ilha.<br />

Após a diferenciação de sua língua-irmã, o protofijiano, o<br />

protopolinésio experimentou um longo período de desenvolvimento<br />

isolado, provavelmente em Tonga. 33 Em toda a história da Polinésia, a<br />

causa comum da diferenciação linguística continuou a ser a remoção<br />

de falantes de uma ilha ou arquipélago para outro. A continuidade<br />

linguística da população estabelecida estava assegurada, porque os<br />

pequenos números de subsequentes visitantes não imporiam sua<br />

língua sobre a população de uma grande ilha. Em Tonga, no segundo<br />

milênio a.C, a protolíngua se dividiu em duas famílias: a prototongíca<br />

(que eventualmente gerou as línguas tonganesa e niueana) e a família<br />

linguística protopolinésia nuclear, que provavelmente se originou no<br />

povoado de Samoa. Cerca de 2.000 anos atrás, os falantes de<br />

protopolinésio nuclear migraram para as Ilhas Marquesas<br />

norte-ocidentais, onde foram bem-sucedidos no estabelecimento de<br />

um povoado permanente. Foi nas ilhas Marquesas norte-ocidentais,<br />

durante muitos séculos, e com transações comerciais apenas isoladas<br />

com a terra natal, que uma nova língua evoluiu — a protopolinésia<br />

oriental.<br />

Enquanto isso, em Samoa, a língua ancestral também continuou<br />

a se desenvolver, eventualmente se tornando a<br />

169


protosamoica-discrepante. Com o tempo, ela gerou a língua samoana,<br />

assim como as línguas individuais faladas por grupos que saíram para<br />

colonizar outras ilhas, particularmente no primeiro milênio d.C. Como<br />

essas últimas divergiram do samoano em diferentes épocas,<br />

tornaram-se em suas ilhas isoladas, línguas como o tokelauano, o<br />

tuvaluano, o uveano oriental, o futunano oriental, o niuafo'o, o<br />

pukapukano e cerca de outras quinze línguas, algumas delas<br />

pertencentes aos subgrupos especiais dos assim chamados<br />

'discrepantes', ou comunidades de falantes de polinésio a oeste do<br />

'Triângulo Polinésio' formado por Nova Zelândia-Havaí-Ilha de<br />

Páscoa. 34<br />

No início do primeiro milênio d.C, os falantes de protopolinésio<br />

das Ilhas Marquesas norte-ocidentais migraram para a Ilha de Páscoa,<br />

talvez através das Ilhas Tuamotu, Mangareva e Ilhas Pitcairn; sua<br />

língua evoluiu para a atual língua rapanui. As Ilhas Marquesas<br />

sul-orientais foram subsequentemente colonizadas, ao mesmo tempo<br />

que a língua protopolinésia central oriental evoluía ali. Talvez, no<br />

século quatro d.C, um grupo de marquesanos tenha se dirigido para o<br />

Havaí, onde muitos séculos depois, sua língua se tornou o havaiano.<br />

Cerca de um século mais tarde, outro grupo de marquesanos foi para o<br />

Taiti, onde sua língua estabeleceu seu próprio subgrupo — taítico —<br />

que se espalhou para o arquipélago de Tuamotu, as Ilhas Austrais, as<br />

Ilhas Kermadec e as Ilhas Cook. Cerca de 700 d.C, um grupo de<br />

falantes de maori das Ilhas Cook trouxe sua língua taítica para a Nova<br />

Zelândia. Quando as grandes migrações polinésias chegaram ao fim,<br />

cerca de 1000 d.C, e quase todas as ilhas habitáveis do Pacífico já<br />

haviam sido colonizadas, o marquesano norte-ocidental e o<br />

marquesano sul-oriental diferiam cada vez mais em suas fonologias e<br />

vocabulário, até se tornarem línguas separadas no século dezoito. O<br />

mesmo processo havia ocorrido em todos os outros lugares onde havia<br />

falantes<br />

170


do polinésio oriental, assim como nas Ilhas Austrais ao sul do Taiti,<br />

embora na maioria dos casos — como em Tuamotu, ilhas Cook e<br />

Nova Zelândia — essas línguas diferenciadas sejam chamadas de<br />

'dialetos', mesmo que sua diferença seja maior do que a diferença<br />

entre o dinamarquês e o sueco.<br />

No século dezenove, a invasão europeia e americana no Pacífico<br />

causou a perda de mais de 96% da população, devido a pandemias<br />

calamitosas e tráfico de escravos e a concomitante destruição cultural,<br />

nivelamento linguístico, perda dialetal e contaminação linguística e<br />

substituições: inglês (Havaí, Nova Zelândia, Samoa, Ilhas Cook),<br />

francês (Taiti, Tuamotu, Ilhas Marquesas, Ilhas Austrais e<br />

Mangareva) e espanhol (Ilha de Páscoa). Apenas a monárquica Tonga<br />

e algumas longínquas ilhas menores foram poupadas do furioso<br />

ataque.<br />

Hoje, a maioria dos moradores da Polinésia já perdeu ou está<br />

perdendo sua língua ancestral para um idioma metropolitano<br />

ocidental, particularmente na Polinésia Francesa, ou está sendo<br />

substituída pela língua franca taitiana. Vigorosas línguas polinésias<br />

caracterizam populações grandes (tonganesa, samoana, taitiana),<br />

pequenas e isoladas (kapingamarangi, tikopiana entre muitas outras)<br />

além daquelas cujas línguas já foram faladas por muitos e estão sendo<br />

revividas pelo povo com apoio governamental (havaiana, maori). A<br />

rica literatura oral da Polinésia — músicas dançadas, cantos sagrados,<br />

histórias místicas, genealogias, entre muitos outras — foi quase toda<br />

perdida no século dezenove. Apenas uma pequena fração dessa<br />

literatura foi escrita por estudiosos ocidentais e poucos insulares que<br />

receberam educação ocidental. Só a Ilha de Páscoa possui uma escrita<br />

nativa; porém, seu rongorongo foi uma elaboração inspirada por<br />

europeus no final do século dezoito.<br />

171


Estas linhagens representativas — céltica, itálica, germânica,<br />

banta, chinesa e polinésia — exibem a rica diversidade e a<br />

universalidade das mudanças linguísticas. A linhagem céltica mostra<br />

como uma família linguística importante e amplamente distribuída<br />

pode ser reduzida a uma relativa insignificância em apenas poucos<br />

séculos. A itálica mostra como uma pequena língua descendente, o<br />

latim, pode gerar uma enorme, porém homogênea, família própria, as<br />

línguas românicas, cujas fonologias e vocabulários continuam a lucrar<br />

com sua língua-mãe milênios depois. Por sua diversidade e<br />

fragmentação, a linhagem germânica exibe um desenvolvimento<br />

exatamente oposto ao da itálica. Com uma única língua descendente, o<br />

inglês, altamente alterado pela linhagem itálica, eventualmente vem se<br />

aproximando do status de língua mundial. A linhagem banta produziu<br />

muitas línguas descendentes de poucas divisões na África<br />

centro-ocidental, e depois, experimentou, no milênio passado, uma<br />

expansão sem paralelos, que permitiu que ela dominasse a maior parte<br />

do leste e do sul da África. A linhagem chinesa é caracterizada<br />

principalmente por sua uniformidade e consistência, talvez resultante<br />

de um rígido conformismo social e centralização política durante<br />

muitos milênios. E a linhagem polinésia, que se expandiu a ponto de<br />

se tornar a família linguística mais amplamente distribuída da<br />

Pré-história embora fosse, ao mesmo tempo, talvez a mais<br />

conservadora, hoje, corre o risco de sucumbir a línguas metropolitanas<br />

mais fortes.<br />

Grandes tendências se tornam evidentes no decorrer dos<br />

milênios. Por exemplo, muitas dessas línguas compartilham a<br />

transição de um tipo de língua fusional (sintecismo) para um tipo<br />

isolante (analiticismo); ou seja, a protolíngua usava terminações em<br />

palavras para mostrar sua função sintática, mas as línguas<br />

descendentes abandonam essas terminações e usam em vez delas<br />

partículas e preposições que<br />

172


designam essas funções. Quase toda mudança linguística é cíclica,<br />

alternando períodos fusionais, aglutinativos e isolantes e marcação no<br />

núcleo verbal (mudanças no verbo), nos elementos dependentes do<br />

verbo (mudanças no sujeito/objeto) e ordem sintática rígida em frases<br />

e sentenças sequenciais. Em cerca de 3.000 anos, o egípcio evoluiu de<br />

fusional para aglutinante, e voltou a ser fusional. Enquanto as línguas<br />

mudam, elas tendem a descrever um círculo tipológico similar. 35<br />

Pode ser detectada uma hierarquia das mudanças, dentro da qual<br />

alguns elementos linguísticos mudam mais rapidamente que outros. A<br />

mudança fonológica é o mais frequente tipo de mudança linguística. A<br />

mudança semântica também ocorre numa taxa relativamente rápida.<br />

Menos frequente, é a mudança morfológica, a mudança sistemática na<br />

formação das palavras e também mudanças nas formas gramaticais,<br />

especialmente paradigmas (como em latim puer, pieri, puero, puerum<br />

e assim por diante). O que também ocorre raramente é a mudança<br />

sintática, a mudança sistemática da ordem das palavras numa frase ou<br />

sentença. Uma das mudanças mais raras de todas é a sílaba tônica das<br />

palavras. O acento, ou sílaba tônica, tende a ser mais uma<br />

característica arcaica que ajuda os linguistas a alinhar línguas<br />

descendentes a uma língua-mãe, ou palavras emprestadas à sua origem<br />

estrangeira. Por exemplo, Marcel em francês, tem seu acento tônico na<br />

última sílaba, mantendo o acento da palavra latina paroxítona<br />

marcellus, mesmo após ter se tornado uma língua isolada e, perdido a<br />

terminação — us. Portanto, o oxítono francês moderno é, na realidade,<br />

um paroxítono histórico. Ao reconhecer tais relíquias, os linguistas<br />

podem iluminar um grande número de origens e relações linguísticas.<br />

Outra tendência se torna evidente com o passar do tempo.<br />

Paradoxalmente, quanto maior a população humana, menor o número<br />

de línguas. As comunidades isoladas da pré-história presumidamente<br />

173


desfrutavam de uma enorme diversidade linguística. O aumento<br />

populacional ocorrido desde o início da urbanização significou a<br />

redução dessa diversidade linguística. Particularmente, a corrida para<br />

as cidades do início do século dezenove, resultante da Revolução<br />

Industrial, que criou a terceira grande onda populacional da história<br />

(ainda em andamento), gerou nações que, com a centralização política,<br />

exigiam uma língua nacional padronizada. Os idiomas nacionais<br />

atuais, as assim chamadas línguas metropolitanas, estão hoje<br />

eliminando centenas de línguas menores em todo o mundo. Enquanto<br />

a estimativa é de que a população do planeta, hoje por volta dos seis<br />

bilhões, dobre nos próximos 50 anos, pode-se esperar que muitas das<br />

menores línguas do mundo desapareçam durante esse período.<br />

Um último ponto para concluir esse exame das linhagens<br />

linguísticas. Expressões populares como 'a língua tâmil de 5.000 anos'<br />

ou 'a língua inglesa de 1.500 anos' não poderiam estar mais longe da<br />

verdade. Nenhuma língua do planeta é 'mais antiga' que outra: todas as<br />

línguas naturais — ou seja nem revividas nem inventadas —<br />

atualmente faladas têm exatamente a mesma idade.<br />

174


6<br />

Em direção a uma ciência da linguagem<br />

'A ciência linguística é um passo na autorrealizaçáo do homem,<br />

escreveu o ilustre linguista norte-americano Leonard Bloomfield no<br />

início do século vinte. 1 O passo percorre milênios. Muito antes da<br />

língua escrita, povos antigos divinizaram a fala humana como um dom<br />

especial de um deus, uma crença ainda presente hoje em dia em<br />

muitas culturas não relacionadas umas com outras. O estudo sério e<br />

organizado da língua teve início na Índia e na Grécia no primeiro<br />

milênio a.C. e continua sendo feito, numa tradição contínua e<br />

mutuamente enriquecedora, até os dias atuais. Traduções latinas de<br />

termos gramaticais gregos — substantivo, pronome, verbo, advérbio,<br />

adjetivo, artigo, transitivo, intransitivo, inflexão, declinação, tempo,<br />

caso, gênero, sujeito, objeto<br />

175


entre muitos outros — são usados ainda hoje para descrever a língua<br />

na maioria das culturas ocidentais.<br />

Na Índia antiga, os eruditos sânscritos se sobressaíram na teoria<br />

fonética (som) e fonológica (sistema de sons significativos) e em<br />

aspectos da análise gramatical. Na época seu trabalho era muito mais<br />

científico — ou seja, exibia os métodos e princípios do conhecimento<br />

sistematizado — do que qualquer estudo europeu do mesmo tipo. Mas<br />

pouco se sabe sobre a origem e o início do desenvolvimento da<br />

linguística da Índia antiga. Em contraste, há uma continuidade de seu<br />

desenvolvimento desde os primórdios da Grécia antiga até os dias de<br />

hoje. A linguística grega foi levada para Roma. Os últimos gramáticos<br />

latinos de Roma, que estudaram as classes de palavras latinas, suas<br />

inflexões, funções e relações sintáticas, inspiraram os eruditos<br />

medievais, cujo trabalho foi reinterpretado pelos gramáticos<br />

renascentistas. Foram eles que lançaram as bases iniciais para a<br />

ciência linguística moderna que finalmente emergiu no século<br />

dezenove. Há um fluxo constante de linguistas europeus desde as<br />

primeiras especulações gregas sobre o assunto; cada geração desfrutou<br />

e lucrou com o conhecimento gerado pelo trabalho de perspicazes<br />

antecedentes (ver ilustração 12). Por esse motivo, a história da<br />

linguística europeia consegue corporificar uma história da linguística<br />

em geral. Apesar disso, não se deve subestimar a influência de<br />

linguistas não europeus, uma vez que cada estudioso que escreveu<br />

seriamente sobre a linguagem nos últimos dois mil anos e meio<br />

contribuiu para o conhecimento sobre o que é a linguagem, de onde<br />

ela veio e para onde ela vai.<br />

ÍNDIA<br />

Os estudos linguísticos mais antigos conhecidos do planeta<br />

foram feitos na Índia entre 800 e 150 a.C, numa tentativa de preservar<br />

176


a literatura oral indiana do muito anterior período védico. 2 Como no<br />

Ocidente, os eruditos hindus mantiveram uma continuidade dos<br />

estudos linguísticos até o presente. A fonética indiana e vários tópicos<br />

gramaticais, incluindo tratados profundos sobre fonologia e<br />

semântica, feitos até o século dezoito, superam qualquer realização<br />

ocidental na área. Embora sem preocupações históricas, os linguistas<br />

hindus basearam seus estudos no fenômeno observado da mudança da<br />

língua através do tempo.<br />

Diferente da antiga linguística grega, a tradição indiana parecia<br />

totalmente amadurecida, a primorosa culminação de um<br />

desenvolvimento teórico longo embora não registrado. O primeiro<br />

grande trabalho de linguística indiano foram os Astadhyayi ou 'Oito<br />

Livros', da gramática sânscrita, escritos por Panini, o primeiro<br />

trabalho científico em língua indo-europeia escrito ou transmitido<br />

oralmente entre 600 e 300 a.C. 3 Os escritos indianos sobre a língua<br />

podem ser agrupados sob os mesmos tópicos gerais encontrados na<br />

cultura ocidental, embora a tradição linguística indiana preceda e<br />

supere a europeia, pois já debatia com profundidade teorias<br />

linguísticas, semântica, fonética, fonologia e gramática descritiva.<br />

Comparado com a investigação literária e a especulação filosófica, os<br />

primeiros linguistas indianos chegaram à conclusão irrevogável de<br />

que a relação linguística entre a forma e o sentido se deve mais a uma<br />

convenção arbitrária (costumes da sociedade) do que a uma mimesis<br />

natural (cópia dos sons da natureza). Seus estudos semânticos também<br />

enxergavam os significados das palavras como criações<br />

observacionais, assim como heranças. 4 Os primeiros linguistas hindus<br />

assumiram a visão notavelmente moderna de que sentenças inteiras<br />

poderiam compreender unidades linguísticas autônomas (os linguistas<br />

ocidentais, que se concentraram durante muito tempo na palavra'<br />

como a<br />

177


partícula primária da língua, chegaram a essa conclusão pela<br />

primeira vez no século vinte).<br />

A antiga questão da linguagem versus substância — ou seja, a<br />

expressão vocal era oposição ao sistema herdado de características,<br />

categorias e regras — já havia sido antecipada pelos primeiros<br />

estudiosos sânscritos da Índia, que desenvolveram a teoria da relação<br />

dhvani-sphota. A expressão vocal era dhvani; a substância linguística<br />

permanente, inexprimível, era sphota. Assim, o dhvani provinha do<br />

sphota assim como 'se tira água de uma nascente'. Na fonética, já em<br />

150 a.C, os linguistas hindus haviam ordenado a descrição fonética<br />

em estruturas fonológicas, com processos precisos de articulação (o<br />

ato ou modo de dar expressão vocal), divisões consonantais e vogais e<br />

síntese segmentai. A partir disso, é evidente que os estudiosos<br />

indianos intuíram totalmente os princípios da fonêmica — dos quais<br />

se aproximam partes da teoria sphota — que os estudiosos ocidentais<br />

só conseguiram descrever adequadamente no século vinte (veja a<br />

seguir).<br />

Talvez os linguistas hindus sejam mais conhecidos por sua<br />

análise gramatical do sânscrito, especialmente pelos Astadhyayi de<br />

Panini, embora o trabalho falhe em compreender totalmente o que<br />

hoje se entende por 'gramática'. Os estudiosos da Índia antiga parecem<br />

ter sido obcecados pela gramática, procurando estabelecer todas as<br />

regras de modo mais econômico e priorizado possível: um comentador<br />

notou que poupar metade do comprimento de uma vogai curta ao<br />

postular uma regra gramatical tinha 'a mesma importância que o<br />

nascimento de um filho'. As regras da formação das palavras,<br />

aplicadas de modo rigoroso em sutras ou 'encadeamentos' aforísticos,<br />

têm precedência; por outro lado, a descrição fonética e a gramática do<br />

sânscrito são quase totalmente presumidas. A<br />

178


'gramática' de Panini não apenas fundou a linguística indiana, mas<br />

também, cerca de 2.300 anos depois, contribuiu para a criação dos<br />

estudos comparativos e históricos europeus sobre a linguagem, que<br />

ajudaram a criar a ciência linguística moderna.<br />

GRÉCIA<br />

Porém, a ciência linguística tem seus pilares em solo grego. 5 O<br />

mais antigo registro de estudo linguístico na Grécia data do início da<br />

era clássica, no século cinco a.C. Os gregos não estavam interessados<br />

na fala dos bárbaroi ou 'falantes estrangeiros'. Mas os dialetos gregos<br />

os fascinavam, uma vez que o grego antigo era altamente<br />

diferenciado, como hoje são as línguas escandinavas, mas, mesmo<br />

assim, uma unidade subjacente era agudamente sentida por todos os<br />

falantes. (No início do século cinco a.C, o historiador Heródoto<br />

escreveu: 'toda a comunidade grega, com um sangue e uma língua'.)<br />

A maioria desses dialetos, embora não todos, foi reduzida com a<br />

escrita. Na verdade, talvez a maior conquista cultural grega, no início<br />

do primeiro milênio a.C, senão antes, tenha sido a elaboração de uma<br />

escrita alfabética (veja Capítulo 4). A habilidade de ler e escrever as<br />

letras (grámmata) do alfabeto grego era chamada de téchne<br />

grammatike e aquele que a dominava era um grammatikós, ou<br />

'gramático'. 6 O estudo das letras era uma parte integrante da<br />

philosophía ou 'esforço intelectual'. Em particular, os retóricos como<br />

Górgias da Sicília, no século cinco a.C, estudavam e escreviam sobre<br />

a língua como uma ferramenta para melhorar habilidades oratórias.<br />

Platão (427?-347 a.C.) recebeu mais tarde os créditos como<br />

'primeiro investigador das potencialidades da gramática'. Seu diálogo<br />

Crátilo compreendia um debate sobre a origem da língua e as relações<br />

179


12 Breve panorama do desenvolvimento da Linguística.


entre palavras e seus significados: ele mostra que os naturalistas<br />

acreditavam que as palavras eram onomatopaicas (com o som<br />

sugerindo seu significado) e simbólicas em seus sons, mas os<br />

convencionalistas sustentavam que as palavras eram arbitrariamente<br />

mutáveis, ou seja, que qualquer mudança linguística é uma mera<br />

convenção. 7<br />

Aristóteles (384-322 a.C), o maior intelecto da Antiguidade,<br />

escreveu ecleticamente sobre a língua, desenvolvendo sua própria<br />

opinião sobre o assunto: A língua é convenção, uma vez que os nomes<br />

não aparecem naturalmente'. Seu entendimento sobre a linguagem era<br />

inequívoco: 'Fala é a representação das experiências da mente'.<br />

Trabalhos feitos pelos estoicos no segundo século a.C.<br />

investigaram os aspectos individuais da língua pela primeira vez na<br />

cultura ocidental. Os estoicos foram os primeiros a dividir os estudos<br />

da língua em fonética, gramática e etimologia (história da palavra). Os<br />

gregos se destacaram na gramática e seu estudo influenciou a<br />

trajetória da linguística ocidental por mais de 2.000 anos.<br />

Com a mimesis (imitação da natureza) versus a convenção<br />

(sociedade) na origem da língua — com os estoicos favorecendo a<br />

mimesis e Aristóteles a convenção — também havia uma dicotomia<br />

no pensamento sobre se a anomalia (irregularidade) ou a analogia<br />

(regularidade) seria o principal tema da língua. 8 (Enquanto cruzava os<br />

Alpes, numa campanha militar, no primeiro século a.C, Julio César<br />

ocupou seu tempo refletindo sobre a controvérsia entre a anomalia e a<br />

analogia na linguística clássica, tal era a sua popularidade.) Aristóteles<br />

havia sustentado que a analogia era o fator dominante na morfologia<br />

grega, ou formação sistemática de palavras. Por sua causa, hoje os<br />

linguistas modernos entendem que uma descrição moderada da<br />

morfologia grega está na identificação e regularização de analogias<br />

formais.<br />

182


Após os estoicos, o estudo linguístico grego se concentrou<br />

principalmente com a pronúncia correta e o estilo literário, junto à<br />

criação de acentos gráficos para reproduzir com precisão o grego<br />

falado na escrita, e com a produção dos melhores textos do trabalho<br />

de Homero. Uns poucos estudos fonéticos foram escritos, mas eles<br />

eram alfabeticamente orientados, presumindo uma relação inválida<br />

entre as letras de um texto e os sons distintos da língua falada. (A<br />

verdadeira relação entre letras e sons não foi considerada até os<br />

tempos modernos.) Na Grécia, o entendimento da fonética<br />

permaneceu subjetivo e poeticamente interpretativo e não chegou nem<br />

perto da adequação descritiva dos linguistas hindus.<br />

Porém, a análise gramatical dos gregos antigos tinha um alto<br />

padrão e seu sistema e nomenclatura se tornaram exemplares. Baseada<br />

principalmente no grego clássico da região de Atenas, a descrição<br />

gramatical grega assumiu o modelo palavra-e-paradigma tão familiar a<br />

gerações de estudantes latinos: amo 'eu amo', amas 'tu amas', amat<br />

'ele/ela ama', e assim por diante. Mas a morfologia clássica não era um<br />

substituto para uma teoria do morfema (a menor unidade significativa<br />

de uma língua), então, a linguística grega, 'empacada' apenas no 'nível<br />

da palavra', não conseguiu avançar e chegar ao estágio de<br />

discernimento que a Índia havia alcançado séculos antes. A fonologia<br />

também estava focada na pronúncia das letras do alfabeto, fazendo<br />

com que o estudo da língua grega continuasse sendo principalmente<br />

uma descrição da língua escrita — e não a falada. Porém, os gregos,<br />

particularmente por intermédio dos escritos de Platão e Aristóteles,<br />

criaram uma nomenclatura linguística para descrever características e<br />

processos linguísticos observáveis pela primeira vez em língua<br />

europeia, e foi dessa maneira que ferramentas tão notavelmente úteis<br />

como 'substantivo' e 'verbo' entraram em circulação.<br />

183


A mais antiga descrição explícita da língua grega, a Téchne<br />

Grammatike de Dionísio Thrax, do início do primeiro século d.C,<br />

fornece o que foi durante treze séculos considerado o texto definitivo<br />

sobre a linguagem, omitindo apenas a sintaxe (ordem da frase ou<br />

sentença). A brevidade, precisão e simplicidade de Thrax, assim como<br />

sua exagerada exposição das regularidades linguísticas, consistiam<br />

então no principal domínio da gramática. Na Alexandria egípcia, no<br />

segundo século d.C, Apolônio Díscolo, cuja posterior influência nos<br />

gramáticos latinos foi gigantesca, compilou a primeira teoria completa<br />

da sintaxe grega. Ele basicamente construiu sua descrição sintática<br />

sobre dois pilares: o substantivo e o verbo, e descobriu que a<br />

gramática está na relação entre esses dois conceitos e sua relação com<br />

outras classes de palavras. Nesse estudo, Apolônio prefigurou as<br />

muito posteriores distinções sintáticas de sujeito e objeto, e conceitos<br />

de regência e subordinação.<br />

Os estudos linguísticos gregos na Constantinopla medieval, com<br />

poucas exceções notáveis como a investigação semântica dos casos<br />

gregos (levada para a Europa renascentista, ela influenciou a teoria do<br />

caso) de Máximo Planude (c. 1260-1310), compreendiam, em sua<br />

maioria, comentários literários de textos antigos e careciam da<br />

profundidade intelectual dos escritores helênicos. 9 Na época, a<br />

dinâmica da cultura grega já havia passado havia muito tempo para os<br />

romanos, cuja língua latina se tornou o veículo de perpetuação da<br />

teoria gramática grega.<br />

OS ROMANOS<br />

Durante o terceiro e o segundo séculos a.C, a Grécia cedeu<br />

gradualmente à supremacia romana. Ironicamente, com a tomada<br />

184


completa do mundo helênico no primeiro século d.C, a língua grega<br />

não se submeteu ao latim, mas o latim capitulou ao grego. Embora os<br />

germânicos e os celtas do oeste do império romano houvessem sido<br />

forçados a se submeter a administrações de língua latina, o império<br />

oriental, sob administração grega, continuou firmemente falando o<br />

grego, com funcionários gregos, cultura grega e ideais gregos, uma<br />

dicotomia ideológica que, vários séculos depois, levou à divisão do<br />

império. A literatura grega compreendia o modelo erudito romano, e a<br />

língua grega era a língua da própria cultura, assim como viria a ser a<br />

própria língua latina na idade média europeia, mil anos depois.<br />

Como em outras esferas artísticas e intelectuais, a linguística<br />

romana era a extensão da linguística grega. Não havia uma separação<br />

intelectual clara entre a teoria linguística grega e a romana, mas sim<br />

uma continuação da mesma dinâmica com parâmetros filosóficos<br />

idênticos, um processo favorecido em parte pela relativa similaridade<br />

entre as duas línguas indo-europeias. 10 O prolífico intelectual Varro<br />

(116-27 a.C.) foi o primeiro crítico latino, cujos escritos<br />

sobreviveram, a debater a linguística, embora os romanos tenham<br />

certamente compilado trabalhos anteriores. Seu De Língua Latina,<br />

com originalmente 25 volumes — apenas os livros de cinco a dez e<br />

alguns fragmentos de outros volumes sobreviveram — discute<br />

longamente a controvérsia anomalia-analogia na linguística, mas<br />

também fornece considerações originais, não sendo uma mera<br />

imitação dos mentores gregos, sobre a natureza e os primeiros estágios<br />

da língua latina. O trabalho de Varro, dividido em etimologia,<br />

morfologia e sintaxe, com tratamento perspicaz e copiosos exemplos<br />

em latim, rivaliza com o melhor da Grécia. Embora a ignorância da<br />

Antiguidade em relação à linguística histórica também seja<br />

pronunciada aqui, onde considerações diacrônicas e sincrônicas são,<br />

infelizmente intercambiáveis,<br />

185


Varro, ao discutir variações na forma da palavra a partir de uma raiz<br />

única, apresenta argumentos pró e contra a anomalia e a analogia, uma<br />

solução conciliatória que reconhece ambas na formação das palavras<br />

da língua e seus sentidos associados.<br />

Se suas ideias não derivaram de um autor anterior cuja obra<br />

tenha se perdido, Varro foi inovador para a sua era. Ele distinguiu a<br />

formação derivada (por exemplo, a palavra 'derivação', de 'derivar') da<br />

flexionada (por exemplo, a palavra 'derivamos' de 'derivar'),<br />

acreditando ser a última uma variação natural, mas a primeira, uma<br />

variação artificial e mais restrita. Sua classificação morfológica das<br />

palavras latinas também foi altamente original. Diferente dos gregos,<br />

Varro não simplesmente reconheceu o caso e o tempo verbal como as<br />

principais categorias latinas e gregas e estabeleceu as quatro classes<br />

— de acordo com sua flexão — de substantivos (flexão de caso),<br />

verbos (flexão de tempo), particípios (caso e tempo) e advérbios (nem<br />

caso nem tempo): ele caracterizou as funções específicas de cada um<br />

deles. Substantivos davam nome às coisas. Verbos faziam afirmações.<br />

Particípios juntavam elementos (eles compartilhavam a sintaxe dos<br />

dois anteriores) e os advérbios davam apoio a todos eles. Varro estava<br />

obviamente fascinado pelo amplo alcance gramatical das palavras<br />

baseadas numa simples raiz comum: lego eu escolho, ler'; lector<br />

'leitor'; legens 'lendo, alguém que está lendo'; e lecte 'primorosamente'.<br />

Varro foi, sem dúvida, o linguista mais original de Roma. Ele se<br />

destacou entre outros escritores romanos, que discutiram o tópico<br />

apenas superficialmente, concentrados em assuntos literários, ou<br />

seguiram cegamente a Téchne de Thrax. Após Varro, desapareceu o<br />

interesse pela controvérsia anomalia-analogia. Um notável sucessor<br />

foi Quintiliano no primeiro século d.C, que, em seus doze livros do<br />

Institutio Oratoria, repetia a afirmação de Thrax que a gramática<br />

consistia<br />

186


numa ferramenta indispensável para uma educação liberal, e apenas<br />

superficialmente examinava o sistema de caso latino. Até o século seis<br />

d.C, a linguística romana constituiu da adoção, análise e aplicação das<br />

nomenclaturas e categorias gregas à língua latina. O estudioso<br />

alexandrino Dídimo, que escreveu na segunda metade do primeiro<br />

século a.C, já havia 'demonstrado' que todas as características da<br />

gramática grega também poderiam ser encontradas na gramática<br />

latina.<br />

Só no final do período latino foi formalizada uma gramática<br />

latina, que serviu como base de toda a educação ocidental que se<br />

seguiu. 11 O trabalho principal dos últimos gramáticos latinos foi o<br />

Institutiones Gramaticae, de Prisciano, escrito cerca de 500 d.C. em<br />

Constantinopla. Em seu tomo de mil páginas, Prisciano refletiu a<br />

retrospecção de Constantinopla e a Categorização baseada no grego da<br />

língua já arcaica da literatura clássica, ignorando as dinâmicas<br />

evolutivas da língua falada. O objetivo de Prisciano era claro: traçar<br />

uma linguística latina sobre a matriz grega, em particular a Téchne de<br />

Thrax e os trabalhos de Apolônio Díscolo, que Prisciano chamou de<br />

'maior autoridade em gramática'. O modelo do trabalho de Prisciano<br />

foi o palavra-e-paradigma grego, e nenhum significado era ligado a<br />

nenhum elemento abaixo do nível da palavra derivada. Ou seja,<br />

Prisciano via domus, que significa 'casa, por exemplo, num nível<br />

primeiro da língua e, como toda a Antiguidade ocidental, permaneceu<br />

sem saber que tanto dom-quanto — us eram morfemas (menores<br />

unidades significativas) e que d, por exemplo, era um fonema (aqui<br />

contrastando com o t, em latim tomus significa 'cortar, picar').<br />

Prisciano alcançou a descrição mais abrangente do latim clássico, que<br />

serve como base para o ensino da língua latina até o presente. O<br />

Institutiones foi a gramática mais copiada nos escritórios de conventos<br />

medievais. Ele lançou as bases para os linguistas da Idade Média.<br />

187


O MUNDO ÁRABE<br />

A sofisticação cultural do Islã no Oriente Próximo, norte da<br />

África e Espanha engendrou um grande número de estudos<br />

linguísticos significativos durante a Idade Média. 12 Alguns autores<br />

desses trabalhos eram na verdade judeus espanhóis, como Ibn Barun,<br />

que compilou um tratado comparativo entre o árabe e o hebraico.<br />

Porém, a maioria era feita por muçulmanos que centravam sua<br />

pesquisa no Alcorão que, desde o século sete d.C, tem sido visto como<br />

a palavra de Deus mediada pelo profeta Maomé em língua árabe, que<br />

não admite tradução, mesmo entre muçulmanos que não falam árabe.<br />

A demanda do ensino do árabe em todo o extenso domínio do Islã<br />

exigiu o estabelecimento, durante muitos séculos, de centenas de<br />

escolas de árabe, que, então, elaboraram as regras da leitura, escrita e<br />

pronúncia árabes.<br />

Algumas escolas do Alcorão realçaram a origem natural e<br />

multiforme do árabe como a representação da natureza e<br />

generalizaram esse conceito para incluir nele todas as línguas, de<br />

modo muito semelhante aos naturalistas da linguística grega clássica.<br />

Depois, houve outras escolas, como as de Basra, no sul do Iraque, nas<br />

quais Aristóteles influenciou diretamente o reconhecimento árabe da<br />

arbitrariedade convencional e regularidade sistemática da língua. 13<br />

Contudo, o mundo árabe desenvolveu uma abordagem única da<br />

linguagem, e evitou a adoção indiscriminada dos protótipos gregos<br />

característica dos gramáticos latinos.<br />

O persa não árabe, Sibawaih de Basra, que escreveu no século<br />

oito d.C, consolidou todas as instruções linguísticas árabes em seu<br />

tratado gramatical Al kitab (O Livro). Partindo de uma base sólida e<br />

estudos linguísticos anteriores, Sibawaih definiu o árabe clássico<br />

como<br />

188


ele é conhecido hoje. Sua descrição fonética e anatômica da produção<br />

do som, guarnecida com uma terminologia precisa, pode levantar<br />

suspeitas acerca de uma inspiração indiana, embora não seja<br />

necessariamente o caso. Com certeza, Al kitab é, em sua precisão<br />

descritiva, superior a tudo o que gregos e romanos conseguiram<br />

alcançar.<br />

Os linguistas árabes nunca mais atingiram tal proeminência<br />

linguística.<br />

CHINA<br />

Embora o primeiro dicionário de língua chinesa tenha sido<br />

compilado entre 1100-900 a.C, a preocupação chinesa com a análise<br />

linguística se concentrou numa reprodução mais fiel da palavra falada<br />

através de glifos sílabo-fonéticos. 14 Em 489 d.C, os tons chineses<br />

foram identificados pela primeira vez de um modo sistemático, como<br />

componentes de sílabas faladas, talvez graças à influência de monges<br />

budistas, familiarizados com a escrita alfabética. Outras análises<br />

fonológicas no século onze chegaram por meio das tabelas de rimas<br />

chinesas que colocavam as sílabas iniciais em colunas verticais e as<br />

sílabas finais em fileiras horizontais, permitindo que todas as<br />

características mediais, finais e tonais potenciais do chinês fossem<br />

ressaltadas, mesmo que elas não ocorressem na língua falada devido<br />

às restrições fonotáticas ('toque-do-som') naturais. A influência dos<br />

linguistas sânscritos é evidente na ordenação precisa das sílabas<br />

iniciais das tabelas de rimas de acordo com a articulação, entre outras<br />

características.<br />

Essa análise fonológica pseudoprosódica (ou seja, relacionada à<br />

prosódia, ou ao estudo sistemático da versificação) condizente com o<br />

modo como o chinês era escrito permaneceu sendo a base da<br />

investigação linguística chinesa em toda a Idade Média até a Idade<br />

Moderna.<br />

189


Se os estudiosos chineses inicialmente houvessem tratado da literatura<br />

clássica do chinês médio, ele teria sido mais tarde ligado ao mandarim<br />

de Pequim e outras línguas chinesas. Dignos de nota são os escritos do<br />

dialetólogo Pan-lei, que viajou pela China no século dezessete,<br />

descrevendo as muitas línguas e dialetos que encontrou.<br />

A linguística chinesa nunca atingiu o nível de investigação<br />

erudita tanto do Ocidente quanto, acima de tudo, da índia já no<br />

primeiro milênio a.C. Desde o final do século dezenove, um dos<br />

principais tópicos da linguística chinesa é a questão da transliteração<br />

mais eficiente da escrita chinesa para o alfabeto ocidental.<br />

A I<strong>DA</strong>DE MÉDIA LATINA<br />

A investigação linguística durante a Idade Média Latina — um<br />

nome conveniente e talvez historicamente equivocado, para o período<br />

entre 600 e 1500 d.C. na Europa — é caracterizada principalmente<br />

pela sua orientação: baseada na Igreja, ela permaneceu pedagógica.<br />

Como o latim falado e escrito havia sobrevivido à queda romana como<br />

a língua erudita em todos os países ocidentais independentemente da<br />

língua local, estudar a língua significava estudar a gramática do latim<br />

clássico, particularmente no início da Idade Média. 15 Das 'Sete Artes<br />

Liberais' que compreendiam essa educação, não menos que três —<br />

gramática, dialética (lógica) e retórica — envolviam diretamente o<br />

estudo da língua latina. Na verdade, durante a Idade Média, a<br />

gramática latina foi considerada a mais importante das sete, o próprio<br />

fundamento de uma educação adequada. Todas as Sete Artes Liberais<br />

eram, é claro, subordinadas à teologia.<br />

Nos estudos gramaticais latinos, as duas principais autoridades,<br />

Prisciano e Donato, eram meramente regurgitadas com mudanças<br />

190


insignificantes. 16 Embora a cópia da Bíblia e o ensino do latim<br />

dominassem os monastérios, monges com inclinação linguística<br />

também comentavam ou glosavam, redigiam etimologias e<br />

compilavam léxicos. Neste último, o mais notável foi Isidoro de<br />

Sevilha, na Espanha, que no início do século sete escreveu a<br />

Etymologiae, a ‘Britannica’ da Idade Média. Porém, tentativas de<br />

gramáticas e livros de conversação latinos independentes, como as<br />

feitas por Bede e Alcuin na Nortúmbria no século oito, também<br />

apareceram bem cedo. Em particular, os irlandeses estiveram entre os<br />

primeiros a aplicar os princípios da gramática latina à língua<br />

vernácula local, iniciando uma tradição que prosperou durante muitos<br />

séculos na Irlanda. 17<br />

Durante o período da filosofia escolástica que começou em<br />

cerca de 1100, com o surgimento das primeiras universidades na<br />

Europa, a arquitetura gótica e a literatura cortesã, os estudos<br />

linguísticos ainda pertenciam à doutrina pedagógica. Mesmo assim,<br />

vários deles se destacaram: Doctrinale, de Alexandre de Villedieu, um<br />

manual de latim de cerca de 1200; gramáticas galesas e irlandesas; e o<br />

Primeiro Tratado de Gramática escrito por um extraordinário irlandês<br />

desconhecido no século doze, chamado de o 'Primeiro Gramático'. Ao<br />

defender uma reforma na ortografia que melhor reproduzisse a língua<br />

islandesa na escrita, o irlandês incluiu uma rara análise fonética e<br />

fonológica. Na verdade, o 'Primeiro Gramático' identificou os<br />

princípios subjacentes da fonêmica, o sistema interno de sons<br />

significativos de uma língua. Seu trabalho, que compreende o melhor<br />

que a Idade Média tinha a oferecer, permaneceu ignorado até o século<br />

vinte.<br />

A tradição, e não a inovação, linguística floresceu na Idade<br />

Média com 'gramáticas especulativas', tratados intitulados De Modus<br />

Significandi (Nos Modos do Significado), escritos por muitos autores<br />

entre 1200 e 1350 que, geralmente, compartilhavam a<br />

191


mesma postura teórica e concepção linguística. 18 Esses 'Modistae'<br />

integraram as descrições da gramática latina de Prisciano e Donato na<br />

filosofia escolástica. (A escolástica é a escola de pensamento que<br />

incorpora a filosofia aristotélica na teologia católica.) Os Modistae<br />

declararam que a simples descrição do latim não era mais sufi ciente;<br />

eram necessárias uma teoria mais profunda e uma melhor justificativa<br />

para elementos e categorias do latim. A filosofia havia sido ligada à<br />

gramática: 'Não é o gramático, mas o filósofo que, cuidadosamente<br />

considerando a natureza específica das coisas, [...] descobre a<br />

gramática'.<br />

Desse clima teórico surgiu a noção de uma 'gramática universal'<br />

que serviria para todas as línguas. O inglês Roger Bacon (1214?-94),<br />

autor de uma das primeiras gramáticas especulativas, escreveu que: A<br />

gramática é, em sua essência, uma e a mesma em todas as línguas, e<br />

varia nelas apenas acidentalmente'. (Desde então, teóricos linguistas<br />

vêm buscando uma 'gramática universal'.) A semântica foi<br />

particularmente usada numa tentativa de definir a diferença entre o<br />

significatio (significado) de uma palavra e sua suppositio (substituição<br />

relacionai).<br />

Mas o principal interesse dos Modistae era a própria gramática,<br />

e aqui eles criaram uma elaborada terminologia para explicar um<br />

sistema integral e coerente de gramática filosófica, se desviando<br />

significativamente de Prisciano para fornecer uma dimensão<br />

explanatória para a análise meramente descritiva do latim feita por<br />

ele. O sistema sintático dos Modistae, por exemplo, alcançou uma<br />

transparência muito maior na função específica das classes de<br />

palavras, permitindo uma definição mais adequada dessas. Os<br />

Modistae também conseguiram uma teoria abrangente e coerente da<br />

estrutura das sentenças e sua análise sintática. Isso envolvia níveis<br />

estruturais mais profundos do que as flexões das palavras de<br />

Prisciano. Em sua teoria da linguagem, os Modistae<br />

192


acreditavam que a mente humana executava processos de abstração,<br />

reflexão e comunicação do mesmo modo em todas as línguas — uma<br />

teoria que desabou quando as línguas não indo-europeias se tornaram<br />

conhecidas. Embora ainda estivessem muito longe da gramática<br />

formal atual, as 'gramáticas especulativas' dos Modistae representam<br />

uma ponte entre a Antiguidade e a Idade Moderna.<br />

ATÉ O SÉCULO DEZENOVE<br />

Escritores clássicos recolheram dados e descreveram o grego e o<br />

latim. Os Modistae medievais especularam sobre o uso do latim. Mas<br />

após a Idade Média, os eruditos europeus estudaram as línguas não<br />

europeias e leram os trabalhos de linguistas não europeus, não<br />

permitindo mais que o grego e o latim dominassem o estudo<br />

linguístico. A própria língua se tornou objeto de investigação. É claro<br />

que um pouco de árabe e hebraico foi estudado na Idade Média,<br />

particularmente o hebraico, por sua importância para o Cristianismo.<br />

Porém, no Renascimento, o hebraico se tornou um importante objeto<br />

de investigação. O De rudimentis hebraicis, do alemão Johannes<br />

Reuchlin, de 1506, ilustrava para os linguistas europeus a diferença<br />

radical do sistema de classe de palavras com substantivos e verbos<br />

declináveis e partículas indeclináveis. Nessa época também<br />

apareceram gramáticos de outras línguas: italiano e espanhol, no<br />

século quinze; francês, polonês e eslavo eclesiástico, no século<br />

dezesseis. Foram impressos os primeiros dicionários. A Bíblia foi<br />

traduzida para línguas vernáculas e a relação entre o hebraico original<br />

e o grego foi comparada com elas. A pronúncia e a ortografia se<br />

tornaram mais padronizadas com as emergentes literaturas nacionais.<br />

As novas gramáticas de línguas vernáculas se concentravam na<br />

ortografia para alcançar o máximo de compreensão entre povos ainda<br />

193


não unidos em nações. Particularmente entre as relacionadas línguas<br />

românicas: italiano, provençal, francês, catalão, espanhol e português,<br />

ficou claro que elas não eram simples corrupções do latim clássico,<br />

mas sim línguas autônomas que se diferenciavam de modos<br />

sistematicamente descritíveis. As línguas vernáculas estavam se<br />

libertando do latim ao mesmo tempo e sendo estudadas por seu<br />

próprio mérito, como línguas separadas cujas gramáticas eram<br />

igualmente dignas de consideração para os estudiosos.<br />

Um precursor do estruturalismo moderno, o francês Pierre<br />

Ramée (c. 1515-72), cuja Dialectique foi o primeiro livro filosófico<br />

em língua francesa ('Tudo que Aristóteles disse está errado'), escreveu<br />

gramáticas de grego, latim e francês e teorizou sobre a gramática em<br />

Scholae Grammaticae. Divergindo da orientação precedente, Ramée<br />

declarou que as línguas antigas deviam aderir ao emprego clássico,<br />

mas as línguas modernas à observação. Desse modo, as descrições e<br />

classificações gramaticais de Ramée realçam as formas observadas<br />

das palavras, não ideais clássicos.<br />

Gramáticas do quéchua peruano (1560), do basco (1587), do<br />

guarani brasileiro (1639) e muitas outras línguas, incluindo o chinês,<br />

também começaram a ser impressas. Rapidamente avaliou-se o quão<br />

enormemente as línguas diferiam do grego e do latim. As línguas<br />

clássicas agora eram reverenciadas como modelos antigos, mas não<br />

mais ideais vivos. As línguas vernáculas começaram a substituir o<br />

latim medieval como a língua da educação, um processo longo que em<br />

alguns países europeus só terminou no século dezenove.<br />

Convenientemente, o latim já havia sido cultuado e também<br />

objetivamente descrito. O próprio Ramée introduziu as novas letras<br />

latinas j e v para representar a pronúncia exata da semivogal, distintas<br />

das pronúncias vocálicas latinas do i e do u. A impressão aumentou a<br />

alfabetização, e a maior<br />

194


alfabetização significou uma explosão de conhecimento geral e<br />

consciência, similar apenas à revolução tecnológica do século vinte.<br />

Foram formadas sociedades eruditas como a Academie Française, na<br />

França, em 1635, e a Royal Society, na Inglaterra, em 1662, que<br />

frequentemente consistiam em fóruns e mesmo 'cães de guarda da<br />

pesquisa e questões linguísticas. 19<br />

Do século dezesseis ao dezoito, a ciência linguística transcendeu<br />

das questões puramente orientadas pela linguagem para se tornar ela<br />

própria uma ferramenta no debate filosófico entre empiristas e<br />

racionalistas, cada grupo enxergando a linguagem de um modo<br />

diferente. Os empiristas, rejeitando a escolástica medieval, realçavam<br />

o fato observado; os racionalistas não acreditavam na percepção dos<br />

sentidos, mas, talvez mais tradicionalmente, naquilo que a razão<br />

humana aduzia. Porém, ambos acreditavam que a base do raciocínio<br />

filosófico estava na matemática e na ciência newtoniana. Todos os<br />

estudos linguísticos da época foram influenciados pelo debate<br />

empirista-racionalista. Foi daí que surgiram as primeiras<br />

reivindicações sérias por uma nova e inventada 'língua universal'<br />

como um meio internacional de aprendizado e comércio.<br />

Um resultado da linguística empírica inglesa foi a primeira<br />

descrição sistemática da fonética inglesa e o início de uma análise<br />

formal de uma gramática inglesa livre da imposição latina de<br />

Prisciano. Nasceu a escola de fonética inglesa que basicamente<br />

fundou o estudo da fonética e fonologia do inglês. Embora a maioria<br />

dos linguistas ingleses ainda forçasse a língua dentro da<br />

camisa-de-força das classes de palavras latinas de Prisciano, havia<br />

exceções que ousavam descartar a tradição em favor da observação<br />

direta do uso real do inglês: Elements of Speech (1669), de William<br />

Holder abordava o diagnóstico articulatório da distinção vocal e não<br />

vocal em consoantes — ou seja, b/p,<br />

195


d/t, g/k e assim por diante — melhor do que qualquer outro estudioso<br />

ocidental antes dele.<br />

De seu lado, o movimento racionalista produziu gramáticas<br />

filosóficas que, em particular deviam sua inspiração às escolas Port<br />

Royal francesas de 1637 a 1661, cuja influência continuou no século<br />

dezoito. Devido à desconfiança institucional do classicismo pagão das<br />

escolas Port Royal, esses gramáticos racionalistas prolongaram as<br />

gramáticas escolásticas da Idade Média propondo uma 'gramática<br />

universal', mas como uma teoria da gramática geral expressa em<br />

idioma vernáculo, não um modelo latino ou ideal. O objetivo dos<br />

gramáticos de Port Royal era revelar a unidade subjacente de todas as<br />

gramáticas em comunicar o pensamento humano. Eles tentaram<br />

alcançar esse objetivo, entre outras coisas, por meio de uma<br />

reinterpretação semântica radical das nove classes de palavras<br />

clássicas, como, por exemplo, enxergando advérbios estruturalmente<br />

como apenas frases preposicionais abreviadas. Os gramáticos de Port<br />

Royal empreenderam a escrita de uma gramática geral baseada no<br />

grego, no latim, no hebraico e em línguas europeias contemporâneas,<br />

acreditando que tal postulado realmente existisse.<br />

No século dezoito a especulação linguística se voltou para a<br />

origem e o desenvolvimento da língua de uma maneira mais<br />

filosófica. Os filósofos franceses Condillac e Rousseau acreditavam<br />

que a origem da língua estava na imitação da natureza por meio de<br />

gestos e gritos; mais tarde, abstrações e complexidades gramaticais<br />

haveriam se desenvolvido a partir de inícios 'tonais' muito simples. O<br />

alemão Johann Gottfried Herder argumentou que a linguagem humana<br />

crescia por meio de sucessivos estágios de desenvolvimento e<br />

maturidade junto ao pensamento humano, um dependendo do outro;<br />

Herder acreditava que primeiro o sentido da audição promovia a<br />

língua, e<br />

196


os outros sentidos contribuíam depois para desenvolver um<br />

Vocabulário simples' quando a língua amadurecia. O inglês James<br />

Harris, discípulo da filosofia aristotélica, que, como Herder<br />

reconhecia as idiossincrasias das línguas individuais, desenvolveu<br />

uma teoria linguística baseada era dois 'princípios' universais:<br />

substantivos e verbos, que segundo Harris subjaziam todas as<br />

gramáticas desde o início da fala humana.<br />

O tratado de seis volumes do Lorde Monboddo (James Burnett)<br />

de Edimburgo, intitulado Of the Origin and Progress of language<br />

(1773-92) também se voltava para o desenvolvimento histórico,<br />

colocando a sociedade humana como um pré-requisito para a criação<br />

linguística, afirmando que as 'línguas' primitivas contemporâneas<br />

revelam características humanas de 'uma língua original', como a<br />

escassez de vocabulário abstrato e organização gramatical, ou seja, em<br />

relação ao grego, ao latim e ao hebraico. (Hoje, sabe-se que nenhuma<br />

língua viva é mais 'primitiva' que outra, cada uma é igualmente<br />

suficiente em todas as suas necessidades imediatas.) Isso não é uma<br />

'arrogância linguística', como muitos afirmaram. É a investigação<br />

linguística, na véspera das grandes descobertas ao longo do<br />

desenvolvimento na direção de uma verdadeira ciência da linguagem.<br />

Perto do final do século dezoito, como resultado de um influxo<br />

de novos dados, os linguistas adotaram uma aproximação mais<br />

histórica e menos teórica e filosófica do estudo da língua, com<br />

comparações tipológicas de línguas desconhecidas até então. A<br />

descoberta de antigos textos sânscritos e a rica tradição linguística<br />

sânscrita revolucionaram e transformaram o estudo ocidental. O<br />

marco foi o ano de 1786, quando Sir Willian Jones, um juiz inglês de<br />

42 anos de idade da Companhia das Índias Orientais, leu um artigo,<br />

hoje em dia lendário, para a Royal Asiatic Society em Calcutá, que<br />

identificava o<br />

197


elacionamento genético do sânscrito com as línguas gregas, latinas,<br />

góticas, célticas e persas antigas.<br />

O conceito em si não era novo, mas Jones foi o primeiro a<br />

introduzir duas noções novas: que as línguas poderiam estar<br />

relacionadas historicamente — 'desenvolvidas a partir de uma fonte<br />

comum', como ele afirmou — em vez de ser produtos umas das outras<br />

(ou seja, do sânscrito para o grego para o latim); e que existia uma<br />

língua ancestral, o que os linguistas chamam hoje de protolíngua. O<br />

estudo de Jones não apenas inaugurou o campo da linguística<br />

histórica, mas também revelou a tradição linguística sânscrita de mais<br />

de 2.500 anos de idade para os estudiosos ocidentais. O resultado da<br />

combinação das tradições sânscritas e ocidentais estabeleceu a ciência<br />

linguística moderna na primeira metade do século dezenove.<br />

O SÉCULO DEZENOVE<br />

No início do século dezenove começou a surgir uma verdadeira<br />

ciência linguística. O século dezenove é a era da linguística<br />

comparativa e histórica — ou seja, da busca de similaridades e<br />

diferença entre as línguas e suas relações históricas uma com as<br />

outras, e o desenvolvimento de um vocabulário científico e<br />

ferramentas para alcançar este objetivo. A investigação histórica das<br />

línguas indo-europeias dominou o século dezenove e estabeleceu os<br />

padrões para a investigação de todas as outras famílias linguísticas.<br />

Esse era o domínio principalmente dos estudiosos de língua alemã que<br />

desempenharam um papel de vanguarda na fundação de uma nova<br />

ciência linguística por meio do espelhamento de contribuições<br />

contemporâneas das ciências naturais, da matemática, da física, da<br />

medicina, da astronomia, da história, entre outras disciplinas dos<br />

Principados alemães, Império Austro-Húngaro e Suíça.<br />

198


Já no século doze, o 'Primeiro Gramático' irlandês havia notado<br />

semelhanças na forma das palavras inglesas e islandesas. No início do<br />

século quatorze, em seu De Vulgari Eloquentia, o italiano Dante<br />

Alighieri havia descrito as diferenças entre línguas e dialetos como<br />

resultado da passagem do tempo e da dispersão geográfica de falantes<br />

de uma única língua (protolíngua). Porém, para Dante, o hebraico<br />

havia sido a primeira língua do planeta, o dom dado por Deus a Adão<br />

no Éden. Toda a diferenciação linguística provinha da destruição da<br />

Torre de Babel, como descrito em Gênesis 11. Escritos históricos<br />

semelhantes sobre a língua continuaram a aparecer até, e mesmo, no<br />

século dezenove, sem que ninguém ousasse questionar o relato<br />

bíblico.<br />

Muitos estudiosos como o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz<br />

(1646-1716), haviam apontado a necessidade da preparação de<br />

gramáticas e dicionários das línguas do mundo, para fornecer uma<br />

maior fonte de informação para que generalizações linguísticas<br />

pudessem ser fundamentadas. Particularmente no século dezoito, eram<br />

compiladas listas de palavras, normalmente incluindo o Pai-Nosso e o<br />

levantamento linguístico efetuado. O auge do frenesi da coleta de<br />

dados foi o Linguarum Totius Orbis Vocabularia Comparativa (São<br />

Petersburgo 1786-9) em quatro volumes, do alemão Peter Simon<br />

Pallas, que incluía 200 línguas. O exame do primeiro volume da<br />

compilação feita pelo alemão C. J. Krus em 1787 forneceu,<br />

possivelmente, a primeira discussão científica da linguística<br />

comparativa e histórica numa estrutura moderna — ou seja, não<br />

clássica e não bíblica.<br />

Em 1808 Friedrich Schlegel publicou um tratado sobre o<br />

sânscrito no qual apontava a urgência do estudo das 'estruturas<br />

internas' (morfologia ou formação sistemática de palavras) das línguas<br />

com o intuito de descobrir semelhanças genéticas. Nesse trabalho<br />

embrionário, Schlegel cunhou o termo vergleichende Grammatik ou<br />

199


'gramática comparativa' para abarcar tanto a linguística comparativa<br />

quanto a histórica.<br />

Dois intelectuais iniciaram o estudo comparativo e histórico da<br />

família linguística indo-europeia: o dinamarquês Rasmus Rask<br />

(1787-1832) e o alemão Jacob Grimm (1785-1863, um dos irmãos<br />

Grimm). Rask foi o primeiro a comparar sistematicamente a forma<br />

das palavras de várias línguas indo-europeias e estabelecer um padrão<br />

de relações etimológicas. Em 1818 ele reconheceu: 'Se entre duas<br />

línguas é encontrada uma concordância nas formas de palavras<br />

indispensáveis, de modo que as regras das mudanças das letras seja<br />

descoberta ao se passar de uma para outra, então, há uma relação<br />

básica entre essas línguas'.<br />

Em sua Deutsche Grammatik (Gramática Alemã) de 1822,<br />

Grimm, que conhecia do trabalho de Rask, descreveu aquela que viria<br />

a se chamar 'Lei de Grimm', identificando a substituição de classes<br />

consonantais de três locais articulatórios em língua alemã e três tipos<br />

de diferenças em relação à fonologia de outras línguas que não<br />

apresentavam as mesmas mudanças. Formulado e ilustrado por Rask<br />

quatro anos antes, ela fornecia a primeira e mais importante das<br />

chamadas 'leis sonoras', que eventualmente promoveram o<br />

conhecimento do indo-europeu e de outras famílias linguísticas. (O<br />

próprio Grimm não via aqui uma lei linguística, apenas uma 'mudança<br />

sonora' que era uma 'tendência geral'.)<br />

Outros estudiosos produziram trabalhos semelhantes, criando<br />

uma nova ciência nesse processo. Franz Bopp (1791-1867), que<br />

estudava sânscrito desde 1812, publicou em seu primeiro estudo,<br />

quatro anos depois, uma comparação das formas verbais sânscritas,<br />

gregas, latinas e alemãs, com a intenção de traçar o desenvolvimento<br />

200


da inflexão (terminações sistemáticas de palavras que mostram função<br />

sintática). Em sua principal contribuição na área, a Vergleichende<br />

Grammatik, publicada entre 1833 e 1852, Bopp cumpriu seu intento<br />

para todas as formas flexionadas. Seguindo os passos de Rask, ele<br />

também investigou as correspondências sonoras entre as línguas<br />

individuais, incluindo o lituano, o armênio, o albanês e as línguas<br />

eslavas e célticas, como membros da família linguística<br />

indo-europeia. Bopp é considerado hoje o pai do estudo<br />

histórico-comparativo das línguas indo-europeias e o verdadeiro<br />

fundador da ciência linguística moderna.<br />

Um dos pensadores mais originais do século dezenove foi<br />

Wilhelm von Humboldt (1767-1835), escritor, historiador e um dos<br />

primeiros estadistas da Prússia. Ele publicou vários trabalhos sobre a<br />

linguagem durante a vida, enfatizando sua teoria de que a linguagem é<br />

uma habilidade inerente de toda a humanidade. É a mente humana,<br />

declarava von Humboldt, que cria as palavras e a gramática, e não<br />

fenômenos externos como alegavam os filósofos gregos e latinos.<br />

Cada língua do planeta é uma criação individual daqueles que a falam,<br />

segundo a innere Sprachform — a estrutura interna da linguagem —<br />

que impões padrões e regras, algumas específicas da língua em<br />

questão, mas outras comuns a toda a humanidade (universais de<br />

linguagem). Cada língua é reflexo das línguas passadas, e cada<br />

palavra de uma língua pressupõe a totalidade de sua língua dentro de<br />

uma estrutura semântica e gramatical. As diferenças entre as línguas<br />

não estão meramente nos sons, mas em todo um Weltansichten —<br />

atitudes e entendimento do mundo.<br />

Von Humboldt foi o maior teórico linguista do século<br />

dezenove, exerceu uma enorme influência, particularmente nos<br />

linguistas germano-americanos do início do século vinte e linguistas<br />

europeus<br />

201


da metade do século vinte. No início do século vinte e um, o innere<br />

Sprachform de von Humboldt fornece uma teoria linguística universal<br />

com uma estrutura que explica como diferentes comunidades étnicas,<br />

por meio da linguagem, podem viver em diferentes realidades mentais<br />

e adotar diferentes sistemas de pensamento. Talvez a contribuição<br />

mais imediata de von Humboldt para a teoria linguística seja sua<br />

divisão em tipos de línguas em isolante (chinês), aglutinante (turco) e<br />

flexionai (sânscrito), baseada na 'palavra' como a unidade gramatical<br />

dominante.<br />

Outras personalidades rapidamente alargaram a ciência<br />

linguística. August Schleicher (1821-68) introduziu uma abordagem<br />

biológica para o estudo da língua em sua reconstituição e descrição<br />

gramatical da língua protoindo-europeia. Mais conhecido por sua<br />

Stammbaumtheorie ou 'modelo da árvore genealógica', Schleicher<br />

agrupou as línguas descendentes que sobreviveram e as dividiu em<br />

subfamílias como o germânico, o eslávico, o celto-itálico, e assim por<br />

diante, baseado em características compartilhadas; depois, ele as<br />

rastreou até sua língua-mãe, o indo-europeu, e tentou então remontar<br />

ou 'reconstituir'. Apesar de sua fraqueza — línguas reais não se<br />

'dividem' nem formam 'galhos' uma de outras, e muito poucas famílias<br />

linguísticas caberem dentro desse modelo (como a indo-europeia, a<br />

polinésia e a semítica) — o modelo da árvore genealógica se mostrou<br />

uma das mais importantes ferramentas teóricas da história da<br />

linguística. Ela também acomodava extremamente bem a abordagem<br />

darwiniana que dominava as ciências naturais no final do século<br />

dezenove.<br />

A ciência linguística nos últimos vinte e cinco anos do século<br />

dezenove foi caracterizada pelos inicialmente controversos<br />

Junggrammatiker, ou partidários da doutrina neogramática. Originária<br />

202


de Leipzig, na Alemanha, sob a tutela de Hermann Osthoff<br />

(1847-1909) e Friedrich Karl Brugmann (1849-1919), a nova teoria<br />

propunha que, do mesmo modo que os processos mecânicos, todas as<br />

mudanças sonoras ocorressem sob leis que não permitiam exceções<br />

dentro do mesmo dialeto, então, aquele mesmo som, no mesmo<br />

ambiente, sempre se desenvolveria da mesma forma. Essa postura<br />

havia sido forçada pelo reconhecimento da ordem por trás dos<br />

conjuntos de correspondências formais entre as línguas<br />

indo-europeias. Toda a ciência linguística histórico-comparativa<br />

parecia estar baseada na aceitação da regularidade das mudanças<br />

sonoras nas línguas humanas com o passar do tempo. Se não havia<br />

uma regularidade nas mudanças sonoras, afirmavam os adeptos da<br />

neogramática, então a variação ocorreria ao acaso, e não poderia haver<br />

uma verdadeira ciência linguística.<br />

O trabalho dos neogramáticos transformou a investigação<br />

linguística numa disciplina científica cujos métodos eram tão exatos<br />

quanto os que germinavam nas ciências naturais. Especulações sobre a<br />

linguagem foram descartadas para dar lugar à aplicação de apenas<br />

dados ou leis que governavam os dados. Muitos trabalhos valiosos<br />

sobre a concepção estrutural da linguagem, como os de von<br />

Humboldt, não foram bem-vindos nesta nova 'mecanização' da<br />

linguagem. Os neogramáticos triunfaram sobre as teorias concorrentes<br />

e uma longa lista de proeminentes linguistas — Delbruck, Paul,<br />

Meyer-Lubke, Wright, Meillet, Boas, Sapir e Bloomfield —<br />

desenvolveram, ou foram treinados nos princípios e métodos da<br />

neogramática.<br />

Também houve muitas críticas justificáveis aos neogramáticos,<br />

especialmente dos dialetólogos que descobriram grandes<br />

irregularidades nas línguas em níveis de uso local e não generalizado.<br />

O principal dialetólogo francês, Tules Gilliéron (1854-1926) chegou a<br />

declarar<br />

203


que: 'cada palavra tem sua própria história', o que, por um lado, é<br />

perfeitamente verdadeiro. Mas cada palavra pertence a um sistema<br />

maior, e era nesse sistema que os neogramáticos se concentravam. A<br />

linguística do século vinte constituiu principalmente na modificação<br />

da doutrina neogramática, não em sua suspensão.<br />

O SÉCULO VINTE<br />

Os linguistas do século vinte introduziram a expansão dos<br />

princípios e métodos da neogramática com a inclusão de línguas não<br />

indo-europeias e a reação à doutrina neogramática por aqueles que<br />

não praticavam a linguística histórico-comparativa (diacrônica), mas<br />

sim a estrutural e sincrônica. Se a Idade Média enfatizou a linguística<br />

pedagógica, o século dezoito a linguística filosófica e o século<br />

dezenove a linguística histórica, até o meio do século vinte prevaleceu<br />

a linguística descritiva — o estudo da estrutura de uma língua numa<br />

época particular, normalmente com a exclusão de dados históricos e<br />

comparativos.<br />

O início do século vinte deu continuidade às três grandes<br />

investidas do século dezenove, a gramática tradicional, a cultura<br />

sânscrita e a adoção dos princípios e métodos de outras disciplinas. A<br />

maior personalidade linguística do início do século foi o suíço<br />

Ferdinand de Saussure (1857-1913), cujas conferências de Genebra<br />

mudaram o rumo da linguística do século vinte. 20 Saussure definia a<br />

distinção entre o estudo diacrônico (temporal, portanto histórico) e<br />

sincrônico (concentrado em determinada época, portanto descritivo),<br />

cada um com seus princípios e métodos próprios. Ele também<br />

distinguia a langue (uma competência linguística do falante) da parole<br />

(a própria expressão vocal do falante), em que langue compreende o<br />

principal objeto da investigação linguística.<br />

204


E Saussure demonstrou que a langue precisava ser abordada<br />

sincronicamente dentro de um sistema de elementos lexicais,<br />

gramaticais e fonológicos, todos operando em relação uns com os<br />

outros: a langue é como um enxadrista num tabuleiro de xadrez, ele<br />

declarou. Essa abordagem estrutural da linguagem assinalou o<br />

nascimento da 'linguística estruturalista'.<br />

O efeito mais imediato de Saussure foi na fonologia. Sua<br />

abordagem estrutural coincidia com os pensamentos mais recentes<br />

sobre a fonética — o estudo e a classificação sistemática dos sons<br />

produzidos pela expressão vocal. O inglês Henry Sweet (1845-1912)<br />

já havia, em 1877, descoberto, embora ainda não definido, o conceito<br />

de fonema, por meio da distinção evidente das contrastantes palavras<br />

inglesas bin/pin. 21 A nomeação exata do fenômeno de um fonema<br />

apareceu em 1884, num trabalho publicado pelo polonês Baudouin de<br />

Courtnay, que havia distinguido um simples fone (som arbitrário) de<br />

um fonema (som significativo). Apenas quando as anotações das<br />

conferências de Saussure alcançaram reconhecimento internacional,<br />

no final da Primeira Guerra Mundial, o conceito de fonema, e a<br />

própria palavra, se tornou parte do cânone mundial.<br />

Nas décadas de 1920 e 1930, o 'Círculo Linguístico de Praga'<br />

desenvolveu ainda mais a teoria do fonema. 22 Eles consideravam o<br />

fonema pertencente à langue, aos constituintes internamente<br />

relacionados da língua, e o trataram como uma unidade fonológica<br />

complexa. Eles acreditavam que cada fonema compreendia um<br />

determinado número de características distintas individuais, cuja soma<br />

o caracterizava como um elemento linguístico autônomo; mas cada<br />

característica distinta também contrastava com sua ausência, ou com<br />

uma característica diferente em pelo menos um outro fonema da<br />

língua investigada. Sistemas fonológicos inteiros podiam, então,<br />

205


ser classificados de acordo com seus inventários de características<br />

contrastantes em seus fonemas constituintes. Desse modo, o galês p/b,<br />

ff/f, th/dd, t/d, ll/l e c/g (aqui escritos alfabeticamente, não<br />

foneticamente), por exemplo, revela um contraste fonêmico não vocal/<br />

vocal. Foi observado que esses contrastes se contraíam, expandiam ou<br />

mesmo desapareciam em diferentes posições na palavra, onde vários<br />

outros fonemas os afetavam, ou como resultado de determinado<br />

número de fenômenos. Foi descoberto que mesmo acento, duração,<br />

tom e articulação — os chamados 'suprassegmentais' — mostravam<br />

características distintas que fornecem um significado além dos<br />

segmentos consoante-vogais comuns. Devido ao trabalho do 'Círculo<br />

Linguístico de Praga' o fonema assumiu um papel principal na teoria<br />

linguística e hoje está implícito na descrição e análise de qualquer<br />

língua do planeta.<br />

Embora a Europa continuasse a produzir um grande número de<br />

estudos sincrônicos embrionários, os Estados Unidos da década de<br />

1920 também começaram a se sobressair na linguística descritiva, e<br />

eventualmente acabariam dominando a ciência linguística no meio do<br />

século vinte. 23 Essa foi uma conquista de três linguistas radicados na<br />

América do Norte: os alemães Franz Boas (1858-1942) e Edward<br />

Sapir (1884-1939) e o norte-americano nascido em Chicago Leonard<br />

Bloomfield (1887-1949). Tanto Boas quanto Sapir eram produtos de<br />

sua era e de sua bagagem alemã, e as teorias linguísticas de von<br />

Humboldt ressoavam em seus escritos. Mas a América, onde de<br />

maneira única a antropologia compreendia uma parte fundamental da<br />

linguística, também os afetou. As línguas nativas dos EUA e do<br />

Canadá caíram sob o escrutínio científico nessa época, e Boas editou e<br />

coescreveu o Handbook of American-Indian Languages (1911, 1938),<br />

no qual usou as técnicas da linguística descritiva em línguas<br />

206


que nunca haviam sido descritas em termos científicos formais.<br />

Gerações de linguistas de campo se baseariam na estudada<br />

combinação de teoria e técnica de Boas ao abordar pela primeira vez<br />

uma língua ainda não descrita. Seguindo os modelos alemães, Boas<br />

redirecionou o rumo da antropologia americanista durante o período<br />

da profissionalização da ciência nos EUA.<br />

Sapir, que havia sido aluno de Boas, abordou a língua de uma<br />

perspectiva ampla, enxergando o trabalho como uma variedade de<br />

esforços humanos, permeando todos os aspectos do discurso. Ele<br />

estava particularmente interessado na tipologia das línguas — a<br />

análise das línguas baseada em tipos (como isolante, aglutinante,<br />

flexionai, e assim por diante) — e acreditava que uma tipologia válida<br />

poderia ser alcançada pela determinação de características gramaticais<br />

e morfológicas gerais de uma ampla variedade de línguas, ao contrário<br />

da confiança de seus contemporâneos na semântica e na psicologia. O<br />

Language (1921) de Sapir continua sendo a melhor introdução geral a<br />

uma classificação tipológica. 24<br />

Rigorosamente metodológico e baseado na análise formal, a<br />

linguística de Bloomfield estava altamente condicionada pelo<br />

positivismo da psicologia behaviorista americana, refletindo o<br />

interesse científico de sua era. 25<br />

Sua Language, publicada pela primeira vez em 1933 nos EUA,<br />

se tornou não só a melhor descrição introdutória da linguística durante<br />

duas décadas, mas também o principal livro universitário sobre a<br />

matéria, influenciando o rumo da própria disciplina. 26 A 'era<br />

bloomfieldiana' viu a maioria dos linguistas americanos concentrar<br />

seus estudos na análise formal por meio de operações e conceitos<br />

objetivamente descritos. Aqui, o fonema e o morfema tomaram o<br />

207


centro do palco, com a estrutura sentenciai 'diagramada' em termos de<br />

análise constituinte imediata; os morfemas foram ligados em 'árvores'<br />

que ilustravam construções de tamanho e complexidade ascendentes.<br />

O modelo afirmado era o da distribuição, com uma menor atenção à<br />

sintaxe e à morfologia.<br />

O norte-americano Kenneth L. Pike e seus colegas<br />

fundamentaram uma análise constitutiva imediata, usando em sua<br />

maioria línguas da Mesoamérica e da América do Sul, para criar o<br />

sistema de análise tagmêmico, identificando o tagmema como a<br />

unidade gramatical fundamental, ou 'traço' estrutural — a posição<br />

numa sentença dentro da qual uma determinada classe de itens<br />

gramaticais pode se encaixar'. As sentenças poderiam ser assim mais<br />

precisamente analisadas não como sucessões de constituintes<br />

imediatos, como faziam os linguistas bloomfieldianos, mas sim como<br />

cadeias de constituintes colaterais.<br />

Após a Segunda Guerra Mundial, a ciência linguística começou<br />

a se fragmentar em vários subcampos autônomos. Um movimento<br />

necessário pela complexidade apresentada por cada aspecto do estudo<br />

da linguagem, seja a sintaxe, a fonologia, a fonética, a semântica, a<br />

semiótica (estudo de sinais e símbolos e sua relação com o<br />

significado), a dialetologia, a linguística histórica, a lexicografia, ou<br />

outros campos. O interesse da linguística também se expandiu e<br />

incluiu esferas maiores de aspectos etnológicos, sociais e psicológicos<br />

da linguagem.<br />

A segunda metade do século vinte experimentou um aumento<br />

exponencial no número de linguistas, cursos de linguística e teorias<br />

linguísticas. Significativamente, foi escrito muito mais sobre a<br />

linguagem nesses 50 anos do que nos 1.500 anos anteriores. Dessa<br />

208


montanha de material, foi alcançado um número significativo de<br />

avanços substanciais na investigação linguística. Uma dinâmica<br />

completamente nova também revelou a direção que a ciência<br />

linguística provavelmente tomará, pelo menos no novo século. 27<br />

Na Grã-Bretanha, nas décadas de 1940 e 1950, J. R. Firth,<br />

concentrado na fonologia, fez avanços com sua teoria da 'análise<br />

prosódica', que alguns chamam de teoria da linguagem contextual.<br />

Palavras e frases componentes de uma expressão vocal assumem<br />

sentido apenas em relação às suas várias funções nos contextos<br />

situacionais de uso real. Toda forma linguística compreende conjuntos<br />

de abstrações em três níveis diferentes: lexical, gramatical e<br />

fonológico. Esses se referem a características e ocorrências reais de<br />

aplicação fônica, com elementos e categorias relacionados uns com os<br />

outros em cada um dos três níveis em estruturas sintáticas e sistemas<br />

paradigmáticos. Aqui, a fonologia se torna a ligação entre a gramática<br />

e a expressão vocal (fonética). 28<br />

A análise de características distintas na transmissão real da fala<br />

foi melhorada por Roman Jakobson, originalmente do 'Círculo<br />

Linguístico de Praga', que após a Segunda Guerra Mundial, analisou<br />

acusticamente características fonêmicas da perspectiva do ouvinte<br />

para desconstruir os fonemas das línguas do planeta em combinações<br />

de doze contrastes binários (agudeza/gravidade, difusão/compactação,<br />

e assim por diante), definidos em termos de distribuição de energia em<br />

frequências variáveis em suas ondas sonoras. O sistema fonológico de<br />

uma língua poderia então ser analisado na matriz de oposições das<br />

características. 29<br />

A revolução russa assinalou a ruptura da área com a tradição<br />

linguística ocidental. Os estudos linguísticos soviéticos foram<br />

209


excentricamente controlados por Nikolai Y. Marr (1864-1934), que<br />

havia inventado suas próprias teorias da história da linguística. Marr<br />

rejeitava até a teoria indo-europeia e adotava o antigo conceito do<br />

gesto como origem da língua, que ele combinou com a tipologia do<br />

século dezenove como um indicador dos 'estágios' da evolução da<br />

língua. Em 1950, Josef Stálin ordenou a rejeição total da teoria<br />

marrista, como ela ficou conhecida, e, desde então, os linguistas<br />

russos, em particular, adotaram os princípios e métodos da linguística<br />

ocidental, se sobressaindo na lexicografia (os princípios e práticas da<br />

confecção de dicionários) que, nas décadas de 1950 e 1960 havia<br />

alcançado, na ciência linguística, o mesmo status da fonologia e da<br />

gramática.<br />

Vários linguistas das décadas de 1940 e 1950 reinterpretaram a<br />

ideia neogramática das leis sonoras e as modificaram para incorporar<br />

a teoria fonêmica, enxergando as mudanças históricas e linguísticas<br />

como o 'Primeiro Desmembramento do Som' germânico como a<br />

mudança num sistema — não em sons autônomos — permitindo uma<br />

explicação de tal mudança para representar a manutenção das<br />

oposições fonológicas durante alternâncias sucessivas nas articulações<br />

dos falantes. Agora, as causas também foram investigadas, e não<br />

apenas os efeitos. Descobriu-se que uma das causas mais<br />

significativas estava dentro do próprio sistema fonológico das línguas.<br />

Todas as línguas tendem para a simetria em todos os níveis, mas o<br />

aparelho vocal humano é anatomicamente assimétrico. Isso cria um<br />

desequilíbrio permanente que produz ajustes, ou mudanças,<br />

automaticamente. Os contrastes precisam ser mantidos para se<br />

alcançar uma comunicação significativa, e assim as línguas mudam<br />

constantemente por si próprias, independentemente da intervenção<br />

consciente humana, para manter esses contrastes necessários.<br />

210


Em outra esfera investigativa, a 'gramática estratificacional' do<br />

norte-americano Sidney M. Lamb postulava quatro estratos dentro da<br />

estrutura da língua para a análise sintática: semêmica (a menor<br />

unidade de sentido), lexêmica, morfêmica e fonêmica, sendo cada<br />

nível hierarquicamente ligado a outro. Com uma rejeição consciente<br />

da análise distribucional de Bloomfield, a gramática estratificacional<br />

tornou evidente os vários tipos de relações estruturais que podem ser<br />

encontrados, assim como os muitos modos como uma estrutura em um<br />

nível de análise pode se relacionar com outra estrutura num nível<br />

diferente. 30<br />

Uma ruptura significativa com a tradição linguística ocorreu em<br />

1957, o ano em que surgiu o Estruturas Sintáticas do norte-americano<br />

Noam Chomsky, que apresentou o conceito de uma 'gramática<br />

gerativa transformacional'. 31 Uma gramática gerativa é, basicamente,<br />

uma que 'projete' um ou mais conjuntos dados de sentenças até o<br />

maior, talvez infinito, conjunto de sentenças que formam a língua que<br />

está sendo descrita, um processo que caracteriza a criatividade da<br />

linguagem humana. Modificada em seus princípios e métodos teóricos<br />

com o passar dos anos por muitos linguistas, principalmente nos EUA,<br />

uma gramática gerativa transformacional tenta descrever a<br />

competência linguística de um falante nativo, compondo as descrições<br />

linguísticas como regras para 'gerar' um número infinito de sentenças<br />

gramaticais. 32<br />

Uma gramática gerativa, como entendida por Chomsky, também<br />

precisa ser explícita; ou seja, precisa especificar precisamente as<br />

regras gramaticais e suas condições operacionais. Essas regras se<br />

enquadram em três conjuntos: regras de estruturas frasais (descritas<br />

como 'árvores', hierarquicamente ordenadas como sintagma<br />

nominal/sintagma verbal, então artigo/nome e verbo/sintagma<br />

nominal,<br />

211


e assim por diante); transformações específicas dessas regras<br />

(reordenação, adição, supressão e assim por diante) que afetam a<br />

'estrutura profunda' para produzir uma 'estrutura superficial'; e um<br />

componente morfofonêmico, cujas regras convertem o resultado dos<br />

primeiros dois conjuntos em sons reais (expressão vocal) ou<br />

simbolização dos sons (língua escrita). 33<br />

A gramática gerativa transformacional virou a linguística<br />

descritiva Bloomfieldiana de cabeça para baixo, projetando regras que<br />

demonstram e realçam a própria natureza criativa da língua, em vez de<br />

descrever as regras de uma língua. Seus precursores teóricos são<br />

encontrados entre os gramáticos latinos, von Humboldt e os<br />

gramáticos de Port Royal, que apontavam para certas técnicas<br />

transformacionais, como o próprio Chomsky reconheceu. Mas a<br />

gramática gerativa transformacional vai além, fornecendo uma<br />

estrutura para gerar uma competência linguística infinita. Chomsky<br />

também acredita que a linguística, a psicologia e a filosofia não devem<br />

mais se manter como disciplinas separadas, mas sim compreender um<br />

sistema unitário de pensamento humano que deve ser entendido como<br />

um todo maior. Embora a passagem do tempo tenha relativizado o<br />

lugar de Chomsky na história da linguística, de 'a' direção para 'uma'<br />

direção para os estudos linguísticos futuros, a gramática gerativa<br />

transformacional continuará sendo o modelo teórico linguístico mais<br />

importante da segunda metade do século vinte. 34<br />

Os linguistas tradicionais ainda seguiam, e continuam seguindo,<br />

o modelo projetado por Bloomfield, Sapir e Boas, entre outros. São os<br />

descritivistas, que geralmente aderem à Teoria Linguística Básica —<br />

conceitos de trabalho fundamentais para descrever a língua e<br />

mudanças linguísticas, e reconhecer propriedades linguísticas gerais.<br />

Os descritivistas se opõem aos formalistas (principalmente os<br />

212


chomskyanos), partidários das 'teorias não básicas', como se declaram,<br />

que tentam criar um novo modelo de linguagem, baseada não numa<br />

língua natural conhecida, mas em universais linguísticos mais<br />

profundos, teoricamente aplicáveis a todas as línguas. Os descritivistas<br />

são inflexíveis em afirmar que não pode haver acordo com os<br />

formalistas, uma vez que nunca poderá existir uma teoria total da<br />

linguagem: eles alegam que para os formalistas a 'análise' consiste em<br />

'encaixar a língua em suas estruturas axiomáticas'. 35 Os formalistas<br />

ignoram todo esse debate, uma vez que para eles não há debate, sendo<br />

toda a questão irrelevante. Surgiram muitas novas teorias formalistas,<br />

algumas aumentando, outras competindo com a gramática gerativa<br />

transformacional. Que a gramática gerativa transformacional também<br />

pode ser utilmente aplicada na linguística histórica, explicando certos<br />

fenômenos fonológicos que os linguistas tradicionais não conseguiram<br />

explicar adequadamente até o momento, é demonstrado desde a<br />

década de 1960 por um número considerável de linguistas históricos<br />

importantes. 36<br />

A gramática gerativa transformacional é a principal afirmação<br />

teórica da linguagem da segunda metade do século vinte, ao mesmo<br />

tempo que a Teoria Linguística Básica é formalizada como um<br />

contrastante campo de linguística aplicada com uma sólida base<br />

teórica. Os descritivistas podem reclamar do 'mal-estar do formalismo'<br />

e identificar a ausência de boas gramáticas descritivas da maioria das<br />

línguas do planeta. Mas os formalistas também estão dando uma<br />

grande contribuição nessa área, especialmente na área associada da<br />

linguística computacional (ver a seguir).<br />

Surgiram direções totalmente novas. A análise do discurso, do<br />

pioneiro professor de Chomsky, Zellig Harris, da década de 1950, que<br />

chamou a transformação entre duas ou mais sentenças reais em<br />

213


textos de uma 'relação de conversão', já se mostrou uni meio eficaz de<br />

estender a análise descritiva textual para além das fronteiras da<br />

sentença. Ela faz uso do conceito de 'quadros' de linguagem para<br />

interpretar um texto colocando-o num contexto definidor; de 'assalto<br />

de turno' ou 'mudança de turno' numa conversação para identificar<br />

sistemas de se perceber conclusões na fala ou assinalar a atenção do<br />

ouvinte; de 'marcas do discurso' como 'e', 'ah', 'é', e 'mas', que dividem<br />

o discurso em segmentos e mostram relações no discurso que estão<br />

além das meras definições dos dicionários; e da 'análise do ato do<br />

discurso' que investiga o que a expressão vocal alcança, como elogiar<br />

para submeter, insinuar ou tomar posse indiretamente, um aspecto<br />

importante do entendimento intercultural.<br />

A linguística computacional, também conhecida como<br />

processamento de linguagem natural, teve seu início em 1946, quando<br />

os computadores foram usados pela primeira vez para gerar traduções<br />

automáticas do russo para o inglês. 37 (Desde então, o campo de<br />

traduções automáticas se tornou uma disciplina altamente sofisticada e<br />

comercialmente lucrativa, com vários e diversificados sistemas em<br />

uso.) Essencialmente, a linguística computacional usa os<br />

computadores para estudar línguas naturais, em contraste com as<br />

linguagens de programação como Java, C++, Fortran, e assim por<br />

diante. Nessa área, os linguistas unem a linguística e os recursos da<br />

ciência da computação para permitir que os computadores sejam<br />

usados tecnologicamente como um auxílio na análise e processamento<br />

de línguas naturais e, psicologicamente, para entender melhor, por<br />

analogia com computadores, como a linguagem humana é processada.<br />

Por meio de métodos e ferramentas da ciência da computação e<br />

disciplinas relacionadas, os linguistas podem construir e testar<br />

modelos computacionais de várias teorias e, portanto conseguir pistas<br />

a partir<br />

214


de algoritmos aplicados (regras de procedimento para resolver um<br />

problema computacional recorrente), estruturas de dados e linguagens<br />

de programação.<br />

Há muitos subcampos na linguística computacional, como a<br />

lexicografia computacional, a fonologia computacional, línguas<br />

controladas e programação com restrições lógicas. A linguística<br />

computacional aplicada se concentra na tradução automática, extração<br />

de informação de textos e síntese e reconhecimento do discurso. O<br />

entendimento e geração do discurso — para deficientes, para sistemas<br />

de informações baseados na telefonia, para sistemas de ditados<br />

empresariais e assim por diante — são campos aplicados da linguística<br />

computacional com gigantescos mercados comerciais. Outros aspectos<br />

são a criação, a administração e a apresentação de textos usando o<br />

computador, removendo o agente humano para minimizar os custos e<br />

maximizar a eficiência. A apresentação de informações textuais em<br />

hipertexto, eliminando a necessidade de textos padronizados (ou seja,<br />

lineares), é, atualmente, um dos maiores desafios da linguística<br />

computacional.<br />

A linguística computacional é hoje um importante campo de<br />

pesquisa, com institutos, seminários, centros de pesquisa e empresas<br />

privadas de todo o mundo dedicadas a seu estudo e fornecimento de<br />

serviços. A disciplina está crescendo exponencialmente, se tornando o<br />

ramo da ciência linguística mais dinâmico e lucrativo dos dias de hoje.<br />

Os estudos linguísticos desfrutam de uma longa e rica tradição.<br />

Os eruditos sânscritos da Índia fizeram descobertas<br />

impressionantemente profundas sobre a natureza da linguagem ainda<br />

na primeira<br />

215


metade do primeiro milênio a.C. Os antigos gregos C romanos<br />

ordenaram e categorizaram de maneira ordenada suas próprias<br />

línguas, criando pilares gramaticais que deram suporte a muitas<br />

estruturas, mesmo a dos 'bárbaros' por mais de 2.000 anos. As<br />

'gramáticas especulativas' medievais combinavam as declinações de<br />

Prisciano com a filosofia aristotélica. A Renascença, descobrindo o<br />

hebraico e outras línguas, percebeu que o grego e o latim não<br />

explicavam todos os fenômenos linguísticos observados. O século<br />

dezoito compilou léxicos e propôs questões sobre a origem da língua,<br />

e o século dezenove forneceu as respostas, e no processo, fundou a<br />

ciência linguística. O século vinte foi rico em novas teorias<br />

linguísticas animadoras e inovações, começando com o fonema e<br />

concluindo com linguagens geradas por computadores, abrindo uma<br />

janela para todo um novo universo de possibilidades linguísticas.<br />

A ciência linguística contribui em muito para guardar o<br />

conhecimento humano. Só agora outras disciplinas podem apenas<br />

confirmar o que a linguística histórica já havia descoberto muito<br />

antes. Por exemplo, as comparações linguísticas de várias décadas<br />

atrás estabeleceram que o finlandês é uma língua urálica do norte da<br />

Ásia; atualmente os geneticistas vêm apresentando sua 'descoberta' de<br />

que os finlandeses são asiáticos, porque podem demonstrar que os<br />

polimorfismos Y (mutações extremamente raras em machos) tão<br />

abundantes na Ásia também prevalecem nas populações finlandesas.<br />

Num caso semelhante, décadas atrás os linguistas identificaram que os<br />

maoris, da Nova Zelândia, assim como os polinésios, haviam se<br />

originado na Ásia, em particular em Taiwan, cerca de 5.000 a 6.000<br />

anos atrás. Em 1998, a mídia mundial comemorava a 'descoberta' do<br />

mesmo fato pelos geneticistas, sem fazer nenhuma menção à anterior<br />

contribuição da ciência linguística. Talvez de maneira mais<br />

espetacular, a linguística computacional em particular<br />

216


está aparentemente oferecendo às vistas de todos um mundo<br />

totalmente novo de descobertas por meio das linguagens de<br />

programação, de maneira que pouco se pode compreender.<br />

A linguística continua evoluindo, como as línguas que ela<br />

investiga. Isso não ocorre apenas devido a novas descobertas, mas<br />

também devido às fluidas mudanças, interesses e prioridades sociais<br />

que afetam o rumo dos estudos da linguagem. A ciência da linguagem,<br />

o 'passo na autorrealização do homem, hoje totalmente desabrochada e<br />

com sua própria e única dinâmica, irá, sem dúvida, continuar a realçar<br />

o entendimento e a valorização da linguagem da humanidade em<br />

evolução e seu aparentemente infinito potencial por muitos séculos<br />

ainda por vir.<br />

217


7<br />

Sociedade e linguagem<br />

'Colocarei meu nome onde são escritos os nomes dos homens<br />

famosos', vangloriou-se o rei sumério Gilgamesh, cerca de 4.000 anos<br />

atrás, assinalando um dos principais usos da linguagem na sociedade:<br />

demarcar um lugar na sociedade. As grandes e pequenas questões da<br />

sociedade sempre são refletidas no uso linguístico. Os antigos egípcios<br />

já avaliavam que 'a palavra é o pai do pensamento', reconhecendo que<br />

a linguagem é tanto a fundação quanto o material de construção da<br />

casa social. A arquitetura final da sociedade e as subsequentes<br />

remodelações também são medidas a partir e por meio da linguagem.<br />

A língua dá voz à ação humana, de maneiras complexas e sutis. 1<br />

Níveis de interação social múltiplos, desde relações internacionais até<br />

relacionamentos íntimos, nascem, são permitidos e enriquecidos por<br />

meio da língua.<br />

219


A língua não apenas assinala de onde viemos, o que advogamos<br />

e a quem pertencemos, mas também opera tática e estrategicamente<br />

para investir nossa franquia individual, étnica e de gênero; para<br />

autorizar nossa peregrinação através da ordem social; e para mostrar<br />

aos outros o que queremos e como pretendemos alcançar o que<br />

queremos. 2 Por intermédio da história as pessoas julgam umas as<br />

outras — ou seja, consciente ou inconscientemente avaliam seu lugar<br />

na sociedade humana — baseadas somente em sua língua étnica, seu<br />

dialeto regional, e em sua própria escolha pessoal de palavras<br />

individuais. O veredicto linguístico vem sendo definitivo e modelador<br />

de toda a história humana. 3<br />

A LÍNGUA MU<strong>DA</strong><br />

Todas as línguas vivas experimentam mudanças constantes. 4 A<br />

mudança linguística é mais aparente na escrita, o que pode ser<br />

percebido, por exemplo, quando se lê Shakespeare. Menos aparente é<br />

a mudança que está efetivamente ocorrendo, ou 'mudança em<br />

processo'. Apenas uma palavra aqui ou uma vogai ali da fala de um<br />

avô ou avó parecerá um pouco 'estranha'. Inversamente, as gerações<br />

mais antigas acham a fala dos mais jovens 'inapropriada'.<br />

O domínio social da divisão do infinitivo 5 se tornou um tópico<br />

tão importante na Grã-Bretanha no final do século dezenove — para<br />

mencionar um caso lento de mudança linguística — que preocupou os<br />

mais altos escalões: 'Este é o tipo de inglês que eu não usaria!',<br />

gracejou Sir Winston Churchill numa nota à margem de um<br />

documento oficial, talvez intuindo que, um século depois, o<br />

Dicionário Inglês Oxford iria ao menos 'tolerar' a construção... que o<br />

inglês usa há séculos com um eminente sucesso.<br />

220


Os registros hierárquicos do uso da língua — sacro, real,<br />

profissional, oficial, militar, civil, familiar e íntimo — competem uns<br />

com os outros e com a fala usada por gerações precedentes e<br />

sucessoras em todas as línguas do mundo. Mesmo assim, a<br />

comunicação resiste e a língua continua a prosperar.<br />

As causas das mudanças linguísticas são tão variadas e<br />

intrincadas quanto a vida pessoal de cada falante: contato estrangeiro,<br />

bilingualismo, substratos, língua escrita, e o próprio sistema<br />

fonológico que sempre busca a simetria, entre outras causas. 6 Nos<br />

últimos 200 anos uma das grandes causas de mudanças foi a<br />

urbanização sem precedentes. Em 1790, apenas um em cada vinte<br />

norte-americanos vivia em cidades; em 1990, apenas um em cada 40<br />

vivia numa fazenda. Agora, o Terceiro Mundo está experimentando<br />

uma revolução urbana semelhante, erradicando não apenas línguas,<br />

mas famílias linguísticas inteiras. A inversão dos padrões tradicionais<br />

de povoamento humano provocou inumeráveis revoluções<br />

linguísticas, uma 'pontuação' que causa inovações, nivelamento de<br />

dialetos e mesmo substituição da língua. Em contraste, durante um<br />

alongado período de equilíbrio que pode durar milhares de anos, a<br />

difusão areai pode muito bem ser um fator principal de mudança<br />

linguística.<br />

A tecnologia recente introduziu uma dimensão totalmente nova<br />

à dinâmica da mudança linguística: telefone, rádio, cinema e<br />

televisão. Pela primeira vez na história da humanidade estamos<br />

ouvindo sem 'ver', de modo que um elemento tão primitivo do<br />

discurso—o gesto — está ausente na comunicação não visual, embora<br />

ao falar ao telefone, os italianos ainda gesticulem, os japoneses ainda<br />

se curvem e todos nós sorrimos e franzimos as sobrancelhas, como se<br />

nosso interlocutor estivesse presente, tão ligado está o gesto à fala.<br />

Acreditava-se em tudo que saía da máquina, disse o ator, diretor e<br />

221


escritor norte-americano Orson Welles, sobre o rádio na década de<br />

1930. Ao mesmo tempo, na Alemanha, a amplamente distribuída<br />

Volksempfänger ou 'Receptora do Povo', transmitia pronunciamentos<br />

propagandísticos em alto alemão de Berlim por todo o Terceiro Reich,<br />

estabelecendo efetivamente a pronúncia de um governo central entre<br />

uma grande população de falantes dialetais, algo que nunca havia<br />

acontecido antes. Em todo o mundo, o efeito do rádio na língua falada<br />

foi gigantesco, iniciando um nivelamento linguístico que reverberou<br />

três gerações depois.<br />

Após a Segunda Guerra Mundial, a televisão se impôs ainda<br />

mais dramaticamente: o aumento do nivelamento dialetal, a<br />

contaminação e a superimposição têm sido, desde então,<br />

documentadas entre grandes populações de expectadores. Neste<br />

momento, a televisão é talvez a única grande causa do nivelamento<br />

dialetal universal. No caso do inglês, a predominância dos estúdios de<br />

Hollywood na programação televisiva internacional das últimas duas<br />

décadas do século vinte assegurou o aumento do uso do Inglês Padrão<br />

Americano numa taxa cada vez mais rápida nos países onde a<br />

transmissão dessa programação é feita sem 'dublagem' (reprodução da<br />

fala dos atores em língua estrangeira). Na década de 1970, a Nova<br />

Zelândia, por exemplo, desconhecia os preenchedores discursivos<br />

norte-americanos — 'like', 'sorta', 'kinda', 'ya know' 'and stuff' 7 — mas,<br />

no meio da década de 1990, quando por motivos econômicos a<br />

programação norte-americana havia substituído quase toda a<br />

programação britânica e neozelandesa, essas expressões, geralmente<br />

adolescentes, estavam poluindo a fala da Nova Zelândia, assim como<br />

ocorreu nos EUA e no Canadá.<br />

O fenômeno também está ocorrendo em outros países de fala<br />

inglesa, e está efetivamente reinterpretando o Inglês Padrão<br />

222


Internacional, que atualmente está se tornando um idioma híbrido<br />

britânico-amcricano. Introduções léxicas imediatas, particularmente<br />

de gírias, são testemunhadas em todo o mundo como resultado de um<br />

programa favorito ou transmissão de notícias. A transmissão de uma<br />

programação de língua metropolitana a uma comunidade pequena de<br />

falantes minoritários pode ser socialmente devastadora: a televisão<br />

chilena na pequena Ilha de Páscoa, por exemplo, resultou em pais que<br />

falam com seus filhos na tradicional língua polinésia rapanui e filhos<br />

que respondem apenas em espanhol, um fenômeno que ocorre de<br />

maneira semelhante em todo o mundo.<br />

Reflexo de uma sociedade que muda rapidamente, a expansão e<br />

substituição do vocabulário é um processo quase diário em todos os<br />

países modernos. Neste caso, não entram as vinte palavras para 'neve'<br />

em inuit, as 40 palavras para 'verde' em gaélico irlandês, nem as 226<br />

palavras para 'dinheiro' em inglês, que podem ser um fenômeno<br />

ambiental ou psicolinguístico. O que mais preocupa os sociolinguistas<br />

são palavras que aparecem, desaparecem ou têm seu significado<br />

alterado devido ao crescimento tecnológico, recolocação, maturação<br />

ou sofrimento de uma sociedade.<br />

A migração para novos territórios com objetos e topografias até<br />

então desconhecidos e a invenção de novas tecnologias como o<br />

computador são motores sociolinguísticos comumente observados,<br />

que causam mudanças linguísticas. Cerca de 4.500 anos atrás, os<br />

primeiros gregos encontraram os habitantes pré-gregos do Egeu e<br />

aprenderam com eles o que era plínthos 'tijolo, telha', mégaron<br />

'espécie de sala', símblos 'colmeia abobadada', kypárissos/kypárittos<br />

'cipreste' e mesmo thálassa/thálatta 'mar', coisas que eles não<br />

conheciam nem haviam visto antes. Logo elas se tornaram palavras<br />

gregas. Quando os celtas britônicos aprenderam as palavras romanas<br />

strata 'rua, ecclesia 'igreja'<br />

223


e fenestra 'janela', cerca de 2.000 anos atrás, emprestaram esses<br />

conceitos desconhecidos, o que explica por que os galeses dizem<br />

stryd, eglwys e ffenest atualmente. Uma expansão lexical maciça<br />

acabou de ocorrer em muitas línguas do mundo, por exemplo, devido<br />

à introdução de computadores pessoais: 'download', 'online', 'internet',<br />

'spread-sheet', 'database', 'modem', e muitas outras palavras que não<br />

existiam 30 anos atrás são usadas cotidianamente. Emprestar novas<br />

palavras e expandir o domínio das palavras antigas são processos<br />

linguísticos que enriqueceram a sociedade humana desde o<br />

surgimento da fala articulada.<br />

As sociedades também alteram léxicos devido à recolocação,<br />

que algumas vezes reflete o progresso agonizantemente lento de uma<br />

sociedade em direção à maturação. Antes uma palavra honrada,<br />

'guerra' hoje evoca a repugnância geral. 'Nigger' 8 para negro é tabu,<br />

uma palavra talvez mais emocionalmente carregada que o pior<br />

palavrão da língua inglesa; significando o mesmo que 'nigger', a<br />

palavra keffir está sendo atualmente expurgada dos vocabulários da<br />

África do Sul. Outras palavras que sumiram totalmente, ou em certos<br />

contextos, do inglês estão 'fairy', 'queer', 'cohabitation', 'concubine' 9 e<br />

outras vítimas da revolução sexual das décadas de 1960 e 1970, que<br />

tornaram esses termos não apenas sem sentido, mas ofensivos.<br />

'Divorcèe', 'spinster' e 'unwed mother', 10 praticamente desapareceram<br />

desde a década de 1970, evidenciando a mudança do papel da mulher<br />

na sociedade. Muitos termos genéricos antigos — palavras que<br />

relacionavam ou caracterizavam todo um grupo ou uma classe —<br />

também estão sendo Semanticamente reconsiderados, à luz da<br />

crescente percepção e sensitividade do ser humano no início do<br />

terceiro milênio: 'animal', por exemplo, está atualmente passando por<br />

uma reinterpretação semântica, de 'besta' para 'criatura amiga'. Tais<br />

mudanças revelam muito sobre a evolução da condição humana.<br />

224


Os sociolinguistas também notam mudanças negativas.<br />

'Música', 'literatura', 'arte' e 'teatro' estão perdendo suas definições<br />

tradicionais devido a mudanças daquilo que abarcam; essas palavras<br />

estão 'se dissolvendo na falta de sentido'. Talvez de modo mais<br />

alarmante, 'família', 'casamento', 'honra', e até mesmo 'Deus', estão se<br />

tornando conceitos indistintos uma vez que a sociedade inverte e falha<br />

em manter condições e crenças reverenciadas até então. 11 A palavra<br />

'parceiro', que até recentemente significava apenas 'amigo', 'sócio<br />

comercial' ou 'companheiro de equipe' está atualmente expandindo<br />

seu domínio semântico para substituir relacionamentos tão antigos<br />

quanto 'marido', 'esposa' e 'noiva/noivo'. (Porém, 'filho/a', 'mãe' e<br />

'incesto' permanecem intocados; 'pai' está em processo de<br />

reavaliação.)<br />

Pode ser vista uma reinvenção da sociedade nessas<br />

substituições. Todas as mudanças citadas acima ocorreram durante a<br />

vida do autor, a última metade do século vinte, que experimentou uma<br />

difícil reelaboração do tecido social que ainda não terminou. O mais<br />

velho se transforma, cada vez mais se torna necessário abandonar<br />

usos antigos e redefinir conceitos veneráveis. Para muitos é uma<br />

tarefa difícil, se não impossível.<br />

Mudanças menores refletem a inclinação da humanidade pela<br />

mudança-pela-mudança, ou seja, a inovação sem motivo algum a não<br />

ser a novidade da própria inovação. Palavras padrões perfeitamente<br />

boas são regularmente substituídas ou suplementadas apenas pelo<br />

tempero adicional, para dar sabor à fala do mesmo modo que o<br />

tomilho dá sabor à sopa. A maioria são palavras passageiras, que<br />

desaparecem quase imediatamente, especialmente entre os jovens. Um<br />

exemplo particularmente vulnerável Semanticamente, que convida a<br />

uma suplementação regular, em inglês, é a palavra 'excellent', com<br />

suas dezenas de sinônimos populares que aparecem e desaparecem:<br />

225


'awsome' (década de 1990), 'groovy' (década de 1960), 'hep' (década<br />

de 1940), 'absolute' (Shakespeare), 'ful faire' (Chaucer). 12 Outras<br />

palavras entram no vocabulário como uma moda passageira e<br />

permanecem: no século dezoito, a palavra 'acute' 13 em inglês se tornou<br />

a gíria 'cute' significando 'esperto, afiado, sagaz' e então, nos EUA, se<br />

tornou 'atraente, bonito'; 'cuteness' significando 'beleza é uma<br />

derivação recente desta última redefinição.<br />

A gíria representa o uso de um vocabulário informal não<br />

padronizado — tanto na forma de palavras quanto de expressões —<br />

para manipular criativamente a fala por uma variedade de motivos. Na<br />

língua inglesa, apenas no século dezoito a gíria recebeu uma<br />

conotação negativa: Chaucer, Shakespeare, Dryden e Pope usaram<br />

gírias em seus trabalhos como uma parte integrante de suas<br />

manifestações artísticas. 14 Do século dezoito ao final do século vinte,<br />

a gíria se tornou algo a ser evitado, enquanto os falantes de inglês se<br />

esforçavam na direção de um uso prescritivo da língua, reflexo do<br />

movimento da educação em geral, com seu conceito idealizado de<br />

uma 'língua apropriada'. Hoje, os falantes de inglês estão mais<br />

parecidos com os da época de Shakespeare, em relação ao uso da<br />

gíria. A gíria se tornou aceitável, inclusive nos registros sociais mais<br />

altos, particularmente entre os falantes norte-americanos: um assessor<br />

de imprensa da Casa Branca referindo-se ao lançamento de um satélite<br />

como 'muito legal' exemplifica o uso rápido, inovador, comercial e<br />

multiétnico da língua pelos EUA. 15 Num contraste sóbrio, alemães e<br />

franceses, por exemplo, não tolerariam a gíria nos registros sociais<br />

mais altos, uma vez que em ambas as línguas a gíria está restrita a<br />

camadas 'mais baixas' precisamente definidas. 16 Para citar um caso<br />

extremo, usar uma gíria numa oração no Taiti antigo seria motivo para<br />

levar um golpe na cabeça.<br />

226


LÍNGUAS COMUNS, CONTATO E<br />

CONSTRUÍ<strong>DA</strong>S<br />

Pode-se imaginar que desde as primeiras tribos de Homo erectus<br />

houve um esforço para o estabelecimento de algum tipo de língua<br />

comum para facilitar o entendimento mútuo e promover o comércio.<br />

Em toda a história, línguas comuns têm se desenvolvido dessa forma,<br />

normalmente em rotas de comércio. Se uma língua dominante fosse<br />

falada na região de tais rotas, essa língua se tornava a 'interlíngua',<br />

como é chamada. Tal interlíngua, ou koiné, é um dialeto simplificado<br />

com o qual os falantes de dois ou mais dialetos bem diferentes se<br />

comunicam uns com os outros. Características comuns de suas línguas<br />

são retidas e as características não compartilhadas são ignoradas.<br />

Uma das primeiras interlínguas documentadas foi o koiné<br />

diálektos ou 'dialeto comum' da era helênica (323-27 a.C).<br />

Basicamente, um dialeto da Ática na região de Atenas, influenciado<br />

por outros dialetos, particularmente o Jônico, o koiné mudou sua<br />

fonologia, morfologia, sintaxe e léxico e se espalhou rapidamente por<br />

intermédio do comércio e da colonização. Ele também se tornou a<br />

língua grega padrão usada na literatura, especialmente nos escritos de<br />

estrangeiros helenizados, como no Novo Testamento. A partir da<br />

metade do primeiro século a.C, estudiosos, esforçando-se para<br />

ressuscitar uma língua literária Ática 'pura, mostraram antipatia por<br />

essa língua vulgar 'inferior'. No entanto, o koiné continuou a dominar<br />

os portos e centros comerciais da maior fonte mediterrânea nos<br />

primeiros séculos d.C.<br />

Uma das principais interlínguas dos povos célticos nos<br />

primeiros séculos a.C, quando o koiné dominava o Mediterrâneo, era,<br />

227


talvez, o galo-britônico, a língua comum falada pelos falantes do<br />

gaulês do continente e os falantes do britônico da Bretanha, antes da<br />

ocupação romana. Porém, pouco se sabe sobre esse presumido idioma<br />

comum.<br />

Língua franca era como árabes medievais chamavam a língua<br />

dos povos românicos com os quais tiveram contato. Em particular, o<br />

latim vulgar, de origem veneziana e genovesa, dominava o Levante e<br />

servia como interlíngua entre os povos semíticos e os residentes<br />

europeus. O termo língua franca, assim como koiné, vem sendo,<br />

desde então, adotado por muitas línguas para designar qualquer<br />

interlíngua. Língua Geral é a língua portuguesa, em particular as<br />

interlínguas tupi da Bacia Amazônica e o guarani, no Paraguai e sul<br />

do Brasil. O suaíli, com gramática banta e um vocabulário em grande<br />

parte árabe, se tornou a língua franca das rotas comerciais do leste<br />

africano, e no século dezenove, foi usada em regiões no interior do<br />

continente, seguindo o rio Congo. O suaíli ainda representa uma das<br />

principais interlínguas do mundo, com uma própria e rica literatura.<br />

Diferente de uma língua que evolui naturalmente e deriva de<br />

uma protolíngua, uma língua pidgin pode surgir quando falantes de<br />

várias línguas diferentes convergem por longos períodos. 17<br />

Normalmente, seu vocabulário provém de uma língua dominante, mas<br />

é muito menor que este; sua gramática é extremamente simplificada e,<br />

na maioria, embora não em todos os casos, regularizada. Uma língua<br />

pidgin é geralmente usada apenas como segunda língua, mas há<br />

exceções. Exemplos de línguas pidgin são o fanagolo, baseada no<br />

zulu, na África do Sul; o settla, baseado no suaíli, na Zâmbia; o tay<br />

boi, do Vietnam, baseado no francês, além de muitas outras. O<br />

processo de pidginização é comumente associado com línguas<br />

coloniais, como o português, o espanhol, o francês e o inglês.<br />

228


Como exemplo de uma língua pidgin baseada no inglês, três<br />

formas de uma nova língua surgiram no século dezenove, quando<br />

trabalhadores da Melanésia foram transportados por donos de<br />

plantações falantes do inglês, das Ilhas Salomão, de Vanuatu<br />

(ex-Novas Hébridas) e de Papua-Nova Guiné para cortar<br />

cana-de-açúcar na Austrália e em Samoa. A língua pidgin que eles<br />

trouxeram de volta se tornou o tok pisin em Papua, pijin nas Ilhas<br />

Salomão e Bislama em Vanuatu, consistindo em línguas com entre 80<br />

e 90% de inglês, com uma mistura de vocabulários locais. As três são<br />

hoje 'línguas novas e distintas, com fonologia, gramática e léxico<br />

próprios'. 18<br />

Quando uma língua pidgin substitui as línguas nativas, é<br />

chamada de língua crioula, assim como o haitiano, baseado no francês<br />

do Haiti; o Kituba, baseado no congo do Zaire; o unserdeutsch,<br />

baseado no alemão de Papua-Nova Guiné; o nubi, baseado no árabe<br />

de Uganda, entre muitos outros. Uma língua crioula pode surgir de<br />

uma língua pidgin, por exemplo, se os trabalhadores homens falantes<br />

de pidgin forem impedidos de voltar para casa, e as mulheres forem<br />

levadas com eles, pode haver o estabelecimento de famílias de origem<br />

linguística mista. Assim, a língua pidgin se torna a primeira língua, e<br />

apenas fragmentos das línguas-mães permanecem, como relíquias do<br />

novo crioulo. Devido ao tráfico de escravos africanos, um grande<br />

número de línguas crioulas surgiu exatamente dessa maneira nas<br />

muitas ilhas do Caribe.<br />

Há uma zona cinzenta entre as línguas pidgin e crioulas,<br />

ocupadas por aqueles que falam uma mesma língua que não é nem<br />

pidgin nem crioula — ou seja, uma e mesma língua pode servir a<br />

qualquer um dos grupos de falantes. Talvez seja necessária uma<br />

redefinição do crioulo, e que ele seja visto como uma língua de<br />

contato rasa cuja língua pidgin subjacente ainda não tenha uma<br />

linguística<br />

229


sólida elaborada. Uma geração de pessoas que cresce falando apenas<br />

esse pidgin 'inacabado' como primeira língua parece gravitar na<br />

direção de regras estabilizadoras que sugerem universais de<br />

linguagem. A recente Hipótese da Linguagem Bioprogramada alega<br />

que características gramaticais específicas tendem a se mostrar neste<br />

processo de crioulização. 19<br />

Se uma pessoa não usa a interlíngua, projeta ou adota um<br />

pidgin, nem cresce falando uma língua crioula, pode elaborar sua<br />

própria língua inventada, uma 'língua humana construída'. Uma língua<br />

artificialmente criada, idealmente fácil de ser aprendida, feita para<br />

servir a todas as nações de maneira neutra. Em séculos mais antigos,<br />

na Europa, uma construção como esta era desnecessária, uma vez que<br />

todos os europeus instruídos falavam latim como segunda língua.<br />

Porém, já no século dezessete, Descartes e Leibniz teoricamente<br />

propuseram a criação de um sistema simbólico perfeito para a<br />

transmissão do conhecimento científico. Uma língua humana<br />

construída é frequentemente chamada de 'naturalística' porque, apesar<br />

de construída artificialmente, ela tenta reduzir uma ou mais línguas<br />

naturais conhecidas a uma gramática e vocabulário comuns e<br />

simplificados. Historicamente, isso tem se dado pela incorporação das<br />

características mais compartilhadas das palavras das línguas<br />

ocidentais, em particular das línguas indo-europeias. É claro que essa<br />

fundamentação histórica na família indo-europeia — apenas uma<br />

entre as muitas famílias linguísticas do mundo — não faz jus à<br />

pretensão à 'universalidade'.<br />

A primeira língua construída experimentada foi o volapuque,<br />

criada pelo pastor Schleyer do sudoeste alemão em 1870; porém, sua<br />

gramática complicada e vocabulário irregular tornavam difícil seu<br />

aprendizado. A língua construída mais bem-sucedida foi o esperanto,<br />

projetada pelo oftalmologista de Varsóvia Ludwig Zamenhof<br />

230


em 1887, que hoje conta com cerca de um milhão de falantes.<br />

Influenciados pelo esperanto, vários membros da Academia<br />

Volapuque se reorganizaram e publicaram em 1902 uma nova<br />

tentativa: o idioma neutral, que foi aclamado como um grande avanço<br />

na construção de uma língua naturalista e surtiu um grande impacto<br />

nas tentativas subsequentes. Na mesma época, o matemático italiano<br />

Giuseppe Peano ofereceu uma versão simplificada (sem flexões, ou<br />

variações na terminação das palavras) do latim chamada interlíngua.<br />

Em 1907, um esperanto naturalisticamente reformado, chamado ido,<br />

desenvolvido pelo francês L. de Beaufront, foi retrabalhado e<br />

endossado por um comitê científico em Paris, causando uma rixa com<br />

os defensores do esperanto e dividindo o movimento pela língua<br />

artificial.<br />

Em 1918, cerca de 100 diferentes línguas construídas já haviam<br />

sido propostas. A experiência real do esperanto e as inovações teóricas<br />

do ido levaram a novas sugestões, como a ocidental, do alemão E. von<br />

Wahl em 1922 e o novial do dinamarquês Otto Jespersen em 1928,<br />

cujo vocabulário era baseado nas línguas europeias ocidentais.<br />

Seguiram-se novas investigações, como os movimentos totalmente<br />

independentes do Basic English de C. K. Ogden em 1930 e do<br />

interglossa de L. Hogben em 1943. Em 1951, foi publicado um<br />

dicionário interlíngua-inglês, com o patrocínio da International<br />

Auxiliary Language Association em Nova Iorque.<br />

Ainda hoje há um interesse ativo pelas línguas humanas<br />

construídas, tanto do ponto de vista teórico-linguístico quanto do<br />

prático, com a criação de novas línguas com o auxílio de<br />

computadores pessoais. O campo é historicamente fascinante, mas o<br />

objetivo não é mais o uso real. A maioria das línguas construídas tem<br />

base indo-europeia e sofre da ausência de uma 'universalidade<br />

linguística' (qualquer que seja<br />

231


esse conceito). Além disso, é simplesmente artificial tentar ser natural.<br />

Línguas vivas exercem muito mais influência sobre o mundo,<br />

particularmente o mandarim chinês, o espanhol e o inglês. A ideia<br />

original por trás das línguas humanas construídas era evitar a<br />

identificação nacional numa era de nações emergentes e competição<br />

pela colonização. Essa necessidade já não existe mais, uma vez que a<br />

maioria das grandes línguas metropolitanas já não identifica mais uma<br />

única nação. Ou seja, as línguas mundiais estão surgindo naturalmente<br />

pela primeira vez na história. Na verdade, a língua inglesa — devido a<br />

circunstâncias históricas, não por si própria — atualmente conta com<br />

mais falantes de segunda língua que qualquer outro idioma do planeta,<br />

e os números continuam crescendo. 20<br />

LÍNGUAS NACIONAIS E ÉTNICAS<br />

Em toda a história as pessoas se identificam mais intimamente<br />

com a própria língua e aqueles que a falam. Na verdade, foi pela<br />

identificação com outros falantes do mesmo idioma que surgiu a ideia<br />

de uma 'nação'. Nações multiétnicas e multilíngues mais recentes<br />

frequentemente balançam, principalmente por causa da língua —<br />

basta pensar na Bélgica, no Canadá, no País Basco e outras sociedades<br />

similarmente conturbadas. Uma língua nacional também compreende<br />

de modo inerente a noção de um 'dialeto superior' dentro dela,<br />

normalmente porque os falantes desse dialeto são os mais ricos e<br />

poderosos, enquanto aqueles que não o falam são os mais pobres e<br />

desamparados. Assim, as gramáticas prescritivas, que ensinam como a<br />

língua 'deveria' ser falada 'acolhem pronúncias' de dialetos<br />

prestigiados, uma questão de moda, como um novo chapéu, que<br />

constantemente remodelam dialetos não prestigiados. Hoje, com o<br />

rádio, a televisão e a internet, o bombardeamento dos linguisticamente<br />

poderosos pode ocupar todo o planeta.<br />

232


Num processo contrastante, a recente 'modernização' da British<br />

Broadcasting Corporation (BBC) basicamente eliminou o que havia<br />

sido chamado de 'inglês da BBC, uma pronúncia facilmente<br />

reconhecível da língua inglesa que passou muito tempo levada em alta<br />

conta. Hoje, ouvintes mais velhos, estejam eles na Inglaterra ou na<br />

Nova Zelândia, sentem-se alarmados ao ouvir transmissões da BBC<br />

naquilo que registram como uma 'pronúncia da classe mais baixa'; eles<br />

sentem que isso não apenas 'diminui o padrão', mas também<br />

demonstra uma 'terrível falta de bom gosto'. Porém, tais protestos não<br />

têm sentido na grande saga das línguas vivas. Dialetos 'superiores' são<br />

apenas uma quimera, uma vez que os próprios dialetos especiais<br />

mudam e/ou perdem aquilo que os tornava especiais.<br />

Todos os dialetos de uma nação — geográficos, étnicos, 'de<br />

classe' social, étnico-sociais (negro 'de classe alta' com branco 'de<br />

classe baixa' e vice-versa), prestigiados, nobres, entre outros — com<br />

as influências de contato (como a influência do francês sobre o inglês<br />

por quase 1.000 anos) contribuem para o amálgama linguístico que<br />

caracteriza todas as línguas naturais do planeta. 21<br />

Na sociolinguística urbana, normalmente se segue o 'modelo<br />

vernacular padrão', onde se invoca os pares 'poder' versus<br />

'solidariedade, classe social 'mais alta versus 'mais baixa, 'redes<br />

sociais abertas' versus 'redes sociais fechadas' e assim por diante.<br />

Porém, nas comunidades menores que caracterizaram a maioria da<br />

história humana, essas polaridades são evidentemente irrelevantes: a<br />

variação linguística é melhor conceitualizada e ordenada segundo as<br />

normas locais e ancestrais da fala, como revelam hoje os estudos de<br />

línguas africanas menores.<br />

É verdade que alguns grupos étnicos em sociedades multiétnicas<br />

mostram um maior regionalismo do que outros, uma consciência<br />

233


e lealdade a uni domínio distinto com uma população homogênea.<br />

Norte-americanos de origem europeia são muito mais regionalistas<br />

(ligados à área), por exemplo, que americanos de origem africana, que<br />

tendem mais a um comportamento étnico e linguístico universal<br />

(regionalmente independentes, contrastando com as comunidades<br />

africanas). Mas a fala de todos os grupos de uma nação molda<br />

continuamente a língua e a modifica diariamente, do mesmo modo<br />

que cada tempero adicionado a uma sopa muda e enriquece seu sabor.<br />

A fala dos negros norte-americanos, principalmente por intermédio da<br />

música, dos filmes e da televisão, teve uma gigantesca influência na<br />

fala dos euro-americanos nos últimos anos, especialmente entre os<br />

jovens. Um dialeto prestigiado pode impressionar superficialmente,<br />

com certeza; mas todos os dialetos de uma língua, juntos, como um<br />

todo dinâmico, a expressam. E são esses constituintes expressivos<br />

numa orquestração dinâmica que permitem que uma língua viva<br />

prospere. Já foi mencionado como, no início do quinto século a.C, o<br />

historiador Heródoto descreveu 'toda a comunidade grega como um só<br />

sangue e uma só língua. Isso é insignificante. Pois durante a maioria<br />

da história humana, o sangue era a língua. Devido a pequenas<br />

populações humanas, aqueles que falam como você normalmente<br />

estão relacionados com você. Por dezenas de milênios, essa<br />

consanguinidade engendrou uma convicção de que falas semelhantes<br />

se compreendem. Inversamente, a fala estrangeira é uma ameaça.<br />

Enquanto as comunidades de falantes das mesmas línguas se uniram,<br />

primeiro em cidades-estado, depois em Principados e então em<br />

nações, encontros com falantes de outras línguas na mesma época<br />

levaram a conflitos cada vez maiores. Isso definiu ainda mais as<br />

fronteiras entre vizinhanças, fronteiras baseadas na ausência de uma<br />

língua comum.<br />

234


Pode sr notar com tristeza como a divisão entre os falantes do<br />

inglês e do francês no Canadá ameaça a unidade nacional; como a<br />

violenta desintegração da ex-União Soviética segue principalmente<br />

fronteiras linguísticas, e como as muitas guerras africanas são travadas<br />

quase exclusivamente entre tribos de línguas diferentes. Nos EUA, a<br />

recente incursão de milhões de falantes de espanhol vindos de nações<br />

meridionais elevou tanto as sensibilidades, que muitos<br />

norte-americanos clamam por uma emenda 'pelo inglês' na<br />

constituição norte-americana — uma proposta legislativa que torne o<br />

inglês a língua 'oficial' dos EUA. Uma leviandade semelhante foi<br />

instituída pelos falantes russos da União Soviética, aumentando a<br />

discordância interna.<br />

A ideia do 'isolamento linguístico' falha em contar com a força<br />

motora das línguas humanas, o poder de absorver e relacionar de<br />

maneira a incentivar a cooperação e assegurar a sobrevivência<br />

humana. O inglês médio não foi poluído nem destruído pelo francês<br />

normando após 1066; ele foi extraordinariamente enriquecido. Um<br />

enriquecimento semelhante — por intermédio do espanhol no inglês<br />

— pode agora ser desfrutado pelos norte-americanos, mais de 900<br />

anos depois.<br />

Tais tópicos discutem o status das línguas nacionais e<br />

vernaculares como indicadores efetivos da harmonia social em nações<br />

que estão em evolução. Desde a articulação da fala, a avaliação da<br />

humanidade do papel das línguas nacionais na sociedade variou,<br />

unindo e dividindo comunidades, formando-as ou incitando a guerra.<br />

Em meio a tudo isso, as culturas multilíngues experimentam um atrito<br />

constante. A criação do estado-nação em épocas recentes aumentou<br />

esse atrito, adicionando uma pressão artificial de cima para baixo. 22<br />

Na maioria dos países multilíngues, os movimentos de libertação<br />

nacionais após<br />

235


a Segunda Guerra Mundial forçaram novamente a discussão sobre as<br />

línguas oficiais após a independência das colônias. Desde essa época,<br />

o impacto social das línguas foi estudado com profundidade: a<br />

necessidade de se identificar com uma comunidade linguística<br />

definida dentro do conceito de 'terra natal' é hoje reconhecida como<br />

um dos requisitos mais básicos da sociedade. Além disso, a questão<br />

dos direitos das minorias causou, ao mesmo tempo, o reconhecimento<br />

da igualdade das línguas e dialetos minoritários na maioria dos<br />

ocidentais, como o espanhol chicano, o inglês afro-americano e<br />

afro-britânico. Essa é uma preocupação antiga, que perturbou os<br />

putayas e os líbios na Creta minoica em 1600 a.C, os gregos no Egito<br />

em 200 a.C. e os romanos e alemães na Bretanha em 200 d.C. — na<br />

verdade, povos minoritários em todas as eras.<br />

A história afro-americana é notável. Levados à força para a<br />

América, os africanos foram proibidos tanto de falar as línguas<br />

africanas ocidentais quanto o inglês instruído. O inglês negro<br />

vernacular que eles desenvolveram para se comunicar foi colocado<br />

inconfortavelmente acima de um substrato africano herdado. Ele ainda<br />

está lá, um emblema étnico facilmente identificável. Em particular, a<br />

fonologia afro-americana tem um excesso de características não<br />

encontradas na fonologia euro-americana. Em geral, presume-se que<br />

elas derivam das línguas africanas ocidentais, embora não seja<br />

necessariamente o caso: tais características podem muito bem ter se<br />

originado entre as comunidades escravas em solo americano no século<br />

dezessete. 23<br />

Porém, muitos itens lexicais africanos ocidentais não apenas<br />

sobreviveram, quase sempre escondidos em homônimos ingleses, mas<br />

também entraram em uso internacional: 'dig', 'jive', 'jazz', 'hep', 'cat',<br />

'boogie-woogie', e muitos outros. 24 Suplementando a palavra<br />

germânica homônima, a gíria 'cool' pode talvez derivar da palavra<br />

236


africana ocidental kul que significa 'admirável, excelente'; um 'cool<br />

cat' teria sido, por exemplo, uma 'pessoa admirável'. Porém, nos<br />

últimos vinte anos, jovens de todo o mundo vêm usando o<br />

afro-americano 'cool' como um termo representativo para 'excelente'<br />

— tornando 'cool' o adjetivo mais amplamente emprestado em todo o<br />

mundo atualmente. De uma posição inicial de perseguição, devido aos<br />

movimentos pelos direitos civis que se iniciaram na década de 1950, o<br />

inglês negro vernacular conseguiu uma posição influente no inglês<br />

padrão internacional.<br />

Num contraste dramático, a minoria turca residente na Bulgária<br />

há séculos foi recentemente proibida não apenas de usar sua língua<br />

turca, mas também seus nomes turcos; consequentemente, milhares de<br />

pessoas fugiram para a vizinha Turquia. E em 1998, para suprimir a<br />

ex-língua colonial, o francês, o governo da Argélia aprovou uma lei<br />

que torna o uso de qualquer língua que não seja o árabe uma ofensa; a<br />

minoria argelina Bérbere, que fala língua conhecida mais antiga do<br />

país, foi às ruas protestar. Os dois exemplos descrevem um destino<br />

muito comum de línguas minoritárias.<br />

GÊNERO E LÍNGUA<br />

Desde a década de 1960, o movimento pela libertação da mulher<br />

estimulou os linguistas a estudar as diferenças de gênero na língua, em<br />

particular para verificar se o uso da língua ajuda a reforçar e perpetuar<br />

a desigualdade sexual. 25 O movimento causou inclusive uma<br />

'neutralização' parcial da língua inglesa — a remoção das tradicionais<br />

'marcas de gênero' — para ajudar mulheres, gays e lésbicas a alcançar<br />

a igualdade social por meio da língua. Para aqueles cuja doutrinação<br />

social e escolaridade antedataram o movimento, foi necessária uma<br />

237


evisão constante do inglês (alado e escrito, assim como de atitudes de<br />

conceitos herdados.<br />

Em muitas línguas, tal neutralização é simplesmente impossível,<br />

uma vez que a distinção de gênero (particularmente classes nominais<br />

diferenciadas) está na base gramatical. Por exemplo, a sentença galesa<br />

Rydw i yn chwarae ei biano 'eu estou tocando o piano dele' contrasta<br />

com Rydw i yn chwarae ei phiano 'eu estou tocando o piano dela'<br />

apenas com uma mutação consonantal que opera na palavra piano que<br />

é guiada pelo gênero. No francês, os adjetivos precisam concordar<br />

tanto em gênero quanto em número com o substantivo: em lês soeurs<br />

sont belles 'as irmãs são bonitas' e lês frères sont beaux 'os irmãos são<br />

bonitos', o plural feminino belles contrasta com o plural masculino<br />

beaux. No alemão, a flexão de gênero é um marcador indispensável da<br />

função gramatical: das Kind gehört der Frau 'a criança pertence à<br />

mulher', onde die Frau 'a mulher' se torna o dativo (objeto indireto)<br />

singular der Frau 'à mulher'. Em muitas línguas, as diferenças de<br />

gênero (ou seja, classes nominais) também carregam distinções<br />

semânticas essenciais. Em alemão, por exemplo, o masculino der<br />

Band significa 'o volume (de um livro)' e o neutro das Band 'o cordão,<br />

a corda, a faixa'. No galês, que como o francês usa apenas dois<br />

gêneros, o masculino gwaith é 'trabalho', mas o feminino gwaith é<br />

'tempo'. Na falta de regras e distinções específicas de gênero, talvez o<br />

inglês esteja numa posição eminente para alcançar, pelo menos<br />

linguisticamente, uma igualdade parcial de gênero.<br />

O que realmente ocorreu com a língua inglesa nos últimos 25<br />

anos foi uma 'limpeza de gênero' sem precedentes, facilitada por uma<br />

concomitante explosão da comunicação de massa. Isso promoveu uma<br />

reavaliação consciente de todo falante ou escritor instruído de língua<br />

inglesa de seu vocabulário para evitar qualquer palavra que<br />

238


pudesse afetar negativamente os direitos não só tias mulheres, mas<br />

também de gays e lésbicas. 26 Às vezes, o debate chega a ser absurdo.<br />

Defensores das mulheres, acreditando ser a palavra 'human' uma<br />

derivada de 'man', 27 tentaram, por exemplo, substituí-la por<br />

'huperson'. 28 Felizmente, a tentativa falhou, talvez nem tanto por<br />

'humano' ser, na verdade, uma palavra proveniente do latim himanus,<br />

que não tem relação com a palavra germânica mann/mannon 'homem,<br />

ser humano', mas sim porque a palavra faz parte do vocabulário<br />

central da língua. (Os humoristas indagaram na época se as 'mulheres<br />

liberais' também gostariam de mudar Manhattan para 'Personhattan'.)<br />

Porém, outras palavras realmente sumiram do vocabulário<br />

inglês ativo, particularmente aquelas que expressam claramente uma<br />

masculinidade desnecessária. Por exemplo, neste livro, o autor<br />

conscientemente substituiu cada 'mankind' pelo politicamente correto<br />

'humankind'. 29 Apesar da tentativa do primeiro-ministro da Austrália,<br />

em 1998, de reintroduzir a palavra 'chairman', ela foi efetivamente<br />

substituída em todos os lugares por 'chairperson'. 30 A maioria das<br />

categorias ocupacionais foi neutralizada em língua inglesa, 'stewards'<br />

e 'stewardesses' são hoje chamados de 'flight attendants', 31 por<br />

exemplo. Palavras antigas como 'forefathers', 'fatherhood' e<br />

'manservant' — que significam, 'ancestrais', 'paternidade' e 'doméstico'<br />

— talvez também desapareçam do vocabulário inglês ativo, para se<br />

juntar ao vasto número de arcaísmos que inflam o léxico histórico.<br />

Esse não é apenas o destino da língua, é seu dever... quando garantido.<br />

O passado vivenciou aventuras semelhantes, normalmente de<br />

natureza religiosa, étnica ou nacionalista (ver mais adiante). No<br />

século dezenove, o político inglês Thomas Massey lutou contra os<br />

catolicismos na língua inglesa e propôs à Câmara dos Comuns que o<br />

termo Christmas deveria ser trocado por 'Christtide', para evitar uma<br />

239


eferência à massa católica. 32 Mas, quando o primeiro-ministro<br />

Benjamin Disraeli perguntou se ele também estaria pronto para mudar<br />

seu nome para 'tom-tide tidey', a questão foi encerrada.<br />

PURIFICAÇÃO LINGUÍSTICA<br />

Em vez de alterar a língua herdada para efetivar uma mudança<br />

social, os puristas linguísticos queriam o retorno a uma forma<br />

intuitivamente 'mais pura' de sua língua. Talvez o principal motivo<br />

dos primeiros gramáticos sânscritos, gregos, latinos e árabes não fosse<br />

tanto 'entender' a língua (no sentido científico moderno) quanto<br />

prescrevê-la — ou seja, definir e petrificar sua forma 'mais pura na<br />

língua escrita. O mito de uma língua antiga e pura de antecessores<br />

mais sábios sempre pareceu subjacente a essa atividade. Quando os<br />

estudiosos da Renascença introduziram uma profusão de empréstimos<br />

gregos e latinos em todas as línguas europeias para criar um novo<br />

vocabulário filosófico e científico, a maré de palavras<br />

subsequentemente geradas provocou, no século dezessete,<br />

'purificações linguísticas' que procurou se livrar de todos os elementos<br />

estrangeiros percebidos na língua e prescrever um uso 'apropriado', ou<br />

seja, mais antigo, da língua. Apenas no século dezoito, um equilíbrio<br />

racional entre os dois extremos foi, finalmente, alcançado.<br />

Em Florença, na Itália, vários estudiosos e poetas se reuniram<br />

em 1582 para fundar a Accademia della Crusca com a intenção de<br />

expulsar todas as palavras estrangeiras da língua nacional e elevar as<br />

características do italiano sentidas como nacionais, baseando o ideal<br />

particularmente nos reverenciados textos de Dante e Boccaccio. A<br />

Accademia prosperou durante dois séculos e inspirou sociedades<br />

semelhantes em toda a Europa. A Alemanha contava com várias,<br />

sendo a mais antiga e respeitada a Fruchtbringende Gesellschaft<br />

240


(1617-80) em Weimar, a qual pertenciam todos os poetas alemães<br />

importantes do século dezessete. De maneira semelhante, a França<br />

estabeleceu a Academie Française em 1635, que até hoje permanece<br />

sendo a instituição prescritiva de supervisão da língua mais respeitada<br />

da França.<br />

A Royal Society inglesa foi fundada em 1662, principalmente<br />

para tentar superar a França. Até então, a Inglaterra já reclamava havia<br />

muito tempo da impureza da língua. No final do século quinze, o<br />

tipógrafo Willian Caxton havia protestado contra 'Termos curiosos<br />

que não podiam ser entendidos por pessoas comuns'. Centenas de<br />

palavras emprestadas do francês competiam com palavras inglesas<br />

nativas: rock/stone, realm/kingdom, stomach/belly, velocity/speed,<br />

aid/help, cease/stop, depart/leave, parley/speak. 33 A solução inglesa:<br />

manter ambas, mas conferir a cada uma delas uma diferente nuance ou<br />

valor social (que também sofreram vários deslocamentos e<br />

substituições). Isso enriqueceu a língua inglesa de modo que poucas<br />

línguas do planeta experimentaram, basicamente tornando o inglês um<br />

produto de duas famílias linguísticas diferentes, a germânica e a<br />

itálica. Em 1577, o historiador Ralph Holinshed pôde declarar: 'Não<br />

há uma língua falada em nossa época que tenha possibilitado tão<br />

grande variedade de palavras e número de expressões quanto o inglês'.<br />

Outros criticaram o empréstimo sem restrições, porém,<br />

disciplinando aqueles que 'remendavam os buracos com retalhos de<br />

outras línguas, emprestando aqui do francês, ali do italiano, e também<br />

do latim, sem pesar como essas línguas vão combinar entre si, e muito<br />

pior, com a nossa língua: então, agora, eles querem transformar a<br />

nossa língua inglesa numa mistura ou miscelânea de todas as outras<br />

línguas'. Samuel Johnson, que, no século dezoito tentou escrever o<br />

primeiro dicionário 'completo' de inglês, declarou que seu objetivo<br />

241


era 'redefinir nossa língua a uma pureza gramatical e limpá-la dos<br />

barbarismos coloquiais'. Johnson, é claro, estava desde o início<br />

condenado ao fracasso, uma vez que não existe algo como uma 'língua<br />

pura. Em particular no inglês, das 10.000 palavras utilizadas com<br />

mais frequência, apenas 31,8% foram herdadas do germânico, sendo<br />

as restantes 45% provenientes do francês, 16,7% do latim e o restante<br />

de várias outras línguas menores. (O inglês também apresenta um<br />

superestrato francês em sua gramática e fonologia, mas ele não é tão<br />

pronunciado quanto seu vocabulário.) Porém, das 1.000 palavras mais<br />

frequentes do inglês, 83% derivam do inglês antigo, 12% do francês e<br />

2% do latim.<br />

O erro dos puristas linguísticos sempre foi a não percepção de<br />

que o empréstimo é uma das grandes forças de uma língua. As línguas<br />

humanas não são pedras, são esponjas. Essa qualidade é uma dádiva<br />

em sua maravilhosa criatividade, assim como em sua adaptabilidade e<br />

viabilidade. Mesmo assim, em toda a história, purificações<br />

linguísticas ocorreram de tempos em tempos. Na Primeira Guerra<br />

Mundial, por exemplo, palavras alemãs ou relacionadas ao alemão em<br />

inglês foram anglicizadas: 'pastor alemão' se tornou 'alsaciano',<br />

Battenberg' se tornou 'Mountbatten', e assim por diante. De maneira<br />

semelhante, devido à aberração ariana das décadas de 1930 e 1940, os<br />

nazistas tentaram purificar a língua alemã de todas as influências<br />

estrangeiras, particularmente as judias. Ao mesmo tempo, a Rússia<br />

purificava a língua russa de todas as palavras capitalistas em toda a<br />

União Soviética, para criar um 'vocabulário puro, socialista',<br />

semelhante a uma miragem.<br />

Quando a Indonésia se tornou independente da Holanda, após a<br />

Segunda Guerra Mundial, o novo governo substituiu o holandês pelo<br />

bahasa indonésio — até então apenas uma das línguas locais — como<br />

a<br />

242


língua do governo, da corte, da mídia e da instrução. Um conselho de<br />

língua e literatura foi estabelecido para criar uma nova terminologia e<br />

traduzir os materiais holandeses para o bahasa indonésio usando essa<br />

terminologia. Isso significava um bahasa indonésio totalmente 'puro',<br />

planejado, sancionado e implementado pelo governo central. Toda<br />

educação na Indonésia vem sendo, desde então, transmitida por essa<br />

nova língua artificial, resultando numa rápida redução da rica<br />

diversidade linguística da Indonésia.<br />

Os maoris da Nova Zelândia são cerca de 11 % da população,<br />

mas apenas um em cada vinte maoris fala ativamente a língua maori,<br />

um idioma polinésio (todos os maoris falam inglês fluentemente). No<br />

entanto, devido à campanha pelos direitos dos nativos da Nova<br />

Zelândia, inspirada pelos movimentos a favor dos direitos civis dos<br />

negros nos EUA, um conselho linguístico semelhante ao da Indonésia<br />

foi estabelecido para criar um novo vocabulário maori incluindo itens<br />

da cultura e tecnologia ocidentais desconhecido em maori. Como essa<br />

é uma ação preconceituosa para 'proteger' o maori do inglês, não é<br />

necessária, nem frequentemente aplicada. O plano não pode ser<br />

comparado a medidas tomadas em outras partes do mundo para<br />

preservar um língua nacional majoritária.<br />

Um exemplo, a Islândia é outro país que pratica a purificação<br />

linguística. O irlandês é a língua germânica da maioria dos<br />

descendentes de colonizadores, em grande parte nórdicos (mas<br />

também irlandeses), que se instalaram na Islândia a partir de 874 d.C.<br />

Devido à pequena população islandesa, de cerca de 270.000 pessoas,<br />

o que torna a Islândia um país particularmente vulnerável a<br />

influências estrangeiras, e devido a um forte orgulho étnico, um<br />

conselho linguístico especial se encontra regularmente para 'islandizar'<br />

qualquer novo termo, em grande maioria tecnológico' que entre na<br />

língua, como sjónvarp para<br />

243


'televisão' (literalmente Visão a distância'). O trabalho do conselho<br />

vem ajudando na sobrevivência da língua islandesa.<br />

PROPAGAN<strong>DA</strong> E LÍNGUA<br />

Uma sociedade também ofusca, mente e engana por intermédio<br />

da língua, com consequências terríveis para a liberdade pessoal de<br />

seus membros que ficam assim privados do direito de alcançar um<br />

consentimento democrático. Tal mau uso da língua é sintoma de uma<br />

sociedade doente. No passado, governos que praticaram esse mau uso<br />

por períodos prolongados invariavelmente pereceram.<br />

O 'politicamente correto' é primeiro e principalmente<br />

linguístico. Uma pessoa é prejudicada se não fala a língua daqueles<br />

que estão no poder. 34 Os antigos atenienses tiveram de usar os lógoi<br />

que rebaixaram os espartanos e defenderam os valores atenienses.<br />

Após a invasão romana, os celtas londrinos tinham o cuidado em<br />

evitar qualquer latinismo que pudesse insultar o domini novi.<br />

Enquanto os monges medievais exerciam a castidade da fala, os<br />

vikings que os assassinaram escolheram o tal que exaltava sua<br />

coragem entre seus guerreiros. Com a imprensa surgiu uma censura<br />

mais rigorosa, e os escribas se tornaram escritores e editores que<br />

escolhiam cuidadosamente o usus scribendi que não colocasse em<br />

perigo a precisa impressão aos olhos do príncipe ou bispo local.<br />

A mídia em particular, com o advento dos primeiros jornais no<br />

final do século dezesseis, tinha de ser especificamente cautelosa com<br />

seu vocabulário ao relatar e criticar. Por esse motivo, a palavra<br />

impressa representa normalmente um compromisso linguístico<br />

diferenciado do uso da fala. A palavra impressa também leva<br />

frequentemente ao erro. Nos EUA, na primeira metade do século<br />

dezenove, o 'Manifest<br />

244


Destiny' foi uma provocação jornalística que promovia a matança de<br />

americanos nativos e a posse de suas terras. Um século depois, os<br />

movimentos anticoloniais após a Segunda Guerra Mundial quase<br />

sempre foram chamados, caso lutassem contra a Aliança Ocidental, de<br />

'grupos de guerrilha' ou 'insurgentes comunistas', ou caso se<br />

opusessem ao Bloco Oriental de 'rebeldes capitalistas', 'fascistas',<br />

'bandidos' e assim por diante. A antifaschistische Schutzmauer ou<br />

'forte antifascista' da Alemanha Oriental era, na verdade, uma prisão<br />

que mantinha milhões de pessoas encarceradas. Mesmo após a Guerra<br />

Fria, a retórica propagandística persiste.<br />

A propaganda trabalha de modo sutil. Numa entrevista à rádio<br />

de Joanesburgo em 1998, um entrevistador branco usou a expressão<br />

'vocês, afro-americanos', enquanto seu entrevistado respondeu com<br />

um 'vocês, brancos', uma inversão irônica de antigas ofensas<br />

linguísticas na região. (Hoje, a África do Sul está num período em que<br />

os jornais brancos se classificam como 'pós-apartheid', mas os jornais<br />

negros como 'pós-libertação'.) Convoluções linguísticas semelhantes<br />

são frequentemente empregadas no mais alto nível para mascarar os<br />

excessos corporativos multinacionais: poluição radioativa, bioinvasão,<br />

emissões excessivas de dióxido de carbono, desmatamento de<br />

florestas tropicais, aumento do buraco da camada de ozônio. Quando<br />

esse mascaramento ocorre somente para o lucro de empresas, alguns<br />

acreditam que o 'consentimento de produção' — ou seja, que a mídia<br />

manipula a língua para comunicar a desinformação e uma realidade<br />

composta a favor de uma minoria privilegiada — pode causar, na<br />

nossa era de comunicação global, danos graves em sistemas<br />

democráticos, na humanidade em geral e em toda a natureza. 35<br />

Pode-se lembrar com horror da sanitarização linguística. A<br />

Endlösung ou 'Solução Final' de Adolf Hitler encobria o assassinato<br />

em<br />

245


massa dos judeus europeus. Nos EUA, durante a Guerra do Vietnã, as<br />

expressões 'levar alguém para fora' e 'higienizar' substituíram 'morte' e<br />

'assassinato'. Mesmo no final do século vinte, após a Guerra Fria, o<br />

pentágono ainda chamava bombas de 'dispositivos liberados<br />

verticalmente feitos para atingir pessoas'. Mortes humanas viram<br />

'contagens de corpos'. Muitos acreditam que a sanitarização linguística<br />

é necessária, pois permite que o ser humano cometa atos inumanos.<br />

Num fenômeno semelhante, os soldados reduzem o inimigo a um<br />

coletivo de não entidades para se convencerem de que suas vítimas em<br />

potencial são diferentes de seres humanos comuns e, portanto,<br />

assassináveis. Para os gregos antigos, os persas eram apenas bárbaroi<br />

ou 'bárbaros'. Na Guerra da Independência Norte-Americana, ou se<br />

estava com os 'redcoats' ou com os 'yankees'; na Guerra Civil<br />

Americana, 'Johnny Rebs', ou novamente 'yankees'; no Sudão, os<br />

'fuzzy-wuzzies'; na Primeira Guerra Mundial, os 'Hunos'; na Segunda<br />

Guerra Mundial os 'Heinies', 'Jerries', 'Krauts', 'Fritz' ou 'Japas'; e no<br />

Vietnã, simplesmente 'Charley'.<br />

Na verdade, os oficiais são ensinados a encorajar tais usos da<br />

língua. Às vezes, seu uso é indecoroso para políticos íntegros. No<br />

quartel do general Eisenhower, em Londres, durante a Segunda<br />

Guerra Mundial, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill<br />

ouviu um coronel norte-americano perguntar, após uma batalha: 'Qual<br />

a contagem de PDC?' Churchill perguntou: 'O que é PDC?' 'Pessoal<br />

danificado em combate', respondeu o coronel. 'Nunca mais diga essa<br />

expressão detestável na minha frente', irritou-se Churchill. 'Se você<br />

estiver falando sobre as tropas britânicas, refira-se a eles como<br />

'soldados feridos'.<br />

Debochando da razão e dos sentimentos, a língua afetada da<br />

burocracia também é endêmica em todas as nações que possuem es-<br />

246


crita. O 'oficialês', em seu sentido mais amplo, degrada quase todas as<br />

inscrições monumentais egípcias e maias antigas, uma vez que elas<br />

comunicam em alto grau mensagens estilisticamente do e sobre o<br />

autoengrandecimento do poder central. Hoje o abuso é comum. Em<br />

inglês, inumeráveis títulos ocupacionais receberam recentemente<br />

novas denominações quase incompreensíveis: 'undertaker' ou<br />

'mortician' se tornou 'diretor funerário' e então bereavement care<br />

expert; 'caretaker' (Inglaterra) ou 'janitor' (Escócia, Canadá e EUA) se<br />

tornaram hoje 'sanitary engineer'. 36 De modo mais sinistro, conceitos<br />

perfeitamente compreensíveis desaparecem cada vez mais, dando<br />

lugar a expressões mais ambíguas que escondem realidades<br />

desagradáveis ou politicamente incorretas. Alguns textos são<br />

frequentemente escritos de maneira tão confusa, que desafiam o senso<br />

comum; e algumas vezes esse é o objetivo do autor.<br />

Para conter tais abusos linguísticos, foi lançada uma Campanha<br />

pelo Inglês Compreensível em 1979, para persuadir as organizações a<br />

se comunicar com o público numa linguagem direta. Contrários ao<br />

mau estilo, à ambiguidade e ao ofuscamento, os diretores do<br />

movimento reclamam do oficialês, do legalês e das 'letras miúdas', ou<br />

seja, do engodo linguístico implícito. O trabalho da campanha<br />

'transformou a linguagem e a forma da informação transmitida ao<br />

público no Reino Unido', com repercussões internacionais. O editor da<br />

Oxford Companion to the English Language escreveu recentemente:<br />

'Em toda a história da língua [inglesa], nunca houve um movimento<br />

popular com uma influência tão forte quanto a Campanha pelo Inglês<br />

Compreensível. Um exemplo de reescrita em inglês compreensível:<br />

Ambientes de ensino e alta qualidade são uma pré-condição necessária<br />

para a facilitação e intensificação do processo de aprendizado' se<br />

torna: 'Crianças precisam de boas escolas para aprender bem'.<br />

247


LÍNGUA DE SINAIS<br />

Todas as línguas vivas do mundo combinam gestos com a fala,<br />

indicando que alguma forma de 'sinal' sempre fez parte da<br />

comunicação humana. Alguns acreditam que foram os sinais<br />

primitivos que desencadearam o desenvolvimento da língua vocal nos<br />

primeiros seres humanos. Mas uma 'língua de sinais' per se também<br />

consegue se sustentar sozinha como um sistema organizado de<br />

símbolos criados naturalmente, mecanicamente ou eletronicamente<br />

para transmitir mensagens a longas distâncias; e de gestos feitos com<br />

as mãos e/ou pantomimas no lugar da língua falada entre pessoas com<br />

uma língua comum ou entre indivíduos fisicamente incapazes de falar<br />

e/ou ouvir. A semiótica é a teoria filosófica dos símbolos e sinais que<br />

lida particularmente com sua função nas línguas naturais e construídas<br />

artificialmente.<br />

Seres humanos sempre transmitiram mensagens a distância<br />

através de uma forma de língua de sinais: fumaça, tambores, conchas,<br />

flechas, trompetes, cornetas, entre muitos outros meios. 37 Os gregos<br />

antigos faziam sinais para navios refletindo o sol em escudos de<br />

bronze polidos. Os romanos usavam trompetes e estandartes para<br />

sinalizar uma batalha. Os chineses empregavam rojões coloridos em<br />

código e pólvora. Os norte-americanos nativos frequentemente<br />

transmitiam sinais especiais por entre extensos vales pelo uso de<br />

nuvens de fumaça, como uma espécie de Código Morse primitivo.<br />

Códigos em bandeiras são usados por navios mercantes e marinhas há<br />

milênios. Com o surgimento das ferrovias no século dezenove, surgiu<br />

um sistema de sinais gerais feitos com lanternas que significavam<br />

'liberar freios', 'parar', 'voltar' e assim por diante. Com o telégrafo<br />

surgiram códigos linguísticos elaborados que também podiam ser<br />

usados por outros<br />

248


meios de sinalização física: o Código Morse, por exemplo, é usado<br />

por bandeiras de mão, projeção de raios de sol, ou, à noite, por tochas,<br />

lanternas ou outras fontes de luz; se a distância for curta, o Código<br />

Morse também pode ser transmitido por meio de assobios, buzinas,<br />

tambores, entre outros meios.<br />

A língua falada também é transmitida por meio de gestos<br />

preestabelecidos. A língua de sinais monástica é usada dentro de<br />

monastérios europeus desde a Idade Média como segunda língua,<br />

permitindo a comunicação sem a quebra de votos de silêncio. Não há<br />

falantes de uma 'língua-mãe' da língua de sinais monástica. A língua<br />

de sinais dos índios das planícies norte-americanas, compartilhada por<br />

falantes de grupos linguísticos mutuamente ininteligíveis, é um<br />

manual de linguagem elaborado que consegue expressar objetos<br />

naturais, conceitos, emoções e sensações por meio de uma sintaxe<br />

sofisticada que beira a gramática. Ela foi projetada na América do<br />

Norte após a introdução de cavalos pelos espanhóis vindos do sul das<br />

Grandes Planícies, e o cerco de armas francês ao leste. Permitindo<br />

conversações detalhadas, os Sinais das Planícies permitiam a troca de<br />

informações sobre comércio, caça e informações sociais não apenas<br />

com outras nações americanas nativas, mas também com os europeus.<br />

Dentro das nações individuais, os Sinais das Planícies ainda são<br />

usados hoje em dia para lendas, preces, rituais e contação de histórias;<br />

eles não são mais usados entre as nações, uma vez que todos os<br />

americanos nativos são agora fluentes em inglês. A língua de sinais<br />

dos índios das planícies não é uma língua de sinais para deficientes<br />

auditivos e permanece apenas como segunda língua.<br />

Para os deficientes auditivos que conhecem a língua de sinais,<br />

ela é a primeira língua. Com bem mais de 100 línguas individuais<br />

sendo transmitidas — do catalão ao chinês e do mongol ao maia — a<br />

249


língua de sinais para deficientes auditivos é o maior grupo de língua<br />

de sinais atualmente usado no mundo. Na verdade, a língua de sinais<br />

diz respeito principalmente à cultura dos deficientes auditivos, com<br />

um número significativo de pesquisas e outras atividades no campo<br />

que, atualmente, conta com dezenas de milhões de praticantes.<br />

A Abbé de l'Épée, que em 1770 fundou em Paris a primeira<br />

escola para surdos e deficientes mentais, projetou um alfabeto especial<br />

expresso com uma mão para seus estudantes. Mais tarde, foi elaborado<br />

um alfabeto expresso por duas mãos, cujo método é atualmente usado<br />

pela maioria dos deficientes auditivos. A língua de sinais dos<br />

deficientes auditivos não é uma língua separada, mas, em geral, o<br />

alfabeto de uma língua natural codificado por meio de sinais manuais.<br />

Ao copiar a língua de sinais dos índios das planícies e o exemplo<br />

francês, especialistas em deficientes auditivos norte-americanos<br />

elaboraram dois tipos de linguagens gestuais manuais, das quais<br />

derivam a maioria das línguas de sinais para deficientes auditivos do<br />

mundo: o primeiro de sinais naturais, que, como no caso do sistema<br />

dos povos das planícies, assinala objetos e conceitos com base na<br />

língua falada; e o segundo de sinais sistemáticos, que sinaliza palavras<br />

ou letras do alfabeto individuais, com base na língua escrita. A<br />

maioria das pessoas que se comunica por sinais no mundo hoje usa a<br />

Língua de Sinais Americana. Ela também é usada para a comunicação<br />

com animais (ver Capítulo 1).<br />

LÍNGUAS AMEAÇA<strong>DA</strong>S E<br />

EXTINÇÃO DE LÍNGUAS<br />

As línguas morrem mais frequentemente do que os povos que as<br />

falam. Na verdade, a história humana da Europa dos últimos 50.000<br />

anos abarca uma esmagadora substituição linguística, e não genética.<br />

250


Embora os livros citem cerca de 5.000 línguas existentes,<br />

provavelmente apenas cerca de 4.000 ainda são faladas atualmente, e<br />

esse número diminui rapidamente. Estima-se que talvez menos de<br />

1.000 dessas línguas continuaram sendo faladas no início do século<br />

vinte e um. A integração social e a dissolução étnica nunca foram tão<br />

pronunciadas na história humana. 38 Línguas sempre desapareceram,<br />

por motivos econômicos, culturais, políticos, religiosos, entre outros.<br />

Não é necessário ser uma minoria para perder uma língua: a maioria<br />

das línguas majoritárias da Europa foi substituída por uma minoria de<br />

línguas indo-europeias no decorrer de várias ondas de invasões do<br />

leste. O risco de extinção das línguas é, atualmente, um dos maiores<br />

desafios culturais da humanidade, apresentando enormes problemas<br />

científicos e humanistas. 39<br />

Ao contrário da opinião geral, a extinção de uma língua como<br />

resultado de uma catástrofe — seca, guerra, terremoto, erupção de<br />

vulcões, deslizamento, tsunami e inundação — é extremamente rara.<br />

Embora em épocas mais antigas assassinatos, doenças e exílios<br />

fossem causas mais frequentes de perda da língua, na história humana<br />

mais recente, essa perda, que é quase sempre uma substituição da<br />

língua, é muito mais frequentemente 'voluntária', ou seja,<br />

'relutantemente desejada'. Desse modo, os pré-indo-europeus da<br />

Aquitânia se renderam ao gaulês dos celtas, e, depois, o próprio gaulês<br />

cedeu ao latim de Roma. A maior parte dos celtas britônicos da<br />

Bretanha aceitou o latim dos seus ocupantes minoritários de maneira<br />

semelhante, e depois finalmente adotaram o germânico dos ocupantes<br />

minoritários que se seguiram. O polábio, a língua eslava dos eslavos<br />

ocidentais que ocupavam a região entre os rios Elba e Oder, foi<br />

finalmente assimilado pela língua e a cultura alemã cerca de 1750 d.C,<br />

após 800 anos de contato próximo; mesmo assim, os vênedos ou<br />

sorábios, eslavos ocidentais<br />

251


do alto e médio rio Spree, a sudeste de Berlim, conseguiram manter<br />

sua língua e cultura eslava até os dias de hoje, como resultado de uma<br />

série de circunstâncias fortuitas. Após 500 anos de colonização, quase<br />

toda a América Latina fala hoje o espanhol. A pequena Ilha de Páscoa,<br />

que atualmente já não é mais o último refúgio do planeta, também está<br />

finalmente se rendendo ao espanhol, trocando seu patrimônio<br />

polinésio por renda financeira. Quando ocorre o contato com uma<br />

força estrangeira 'superior', pais e mães de todo o mundo aconselham<br />

seus filhos a se encaixarem, desejando sua segurança e progresso. São<br />

normalmente eles que substituem sua língua por outra, encorajando ou<br />

tolerando o bilingualismo. As crianças eventualmente acabam se<br />

tornando monolíngues no novo idioma.<br />

Apesar dos ganhos imediatos produzidos pela substituição da<br />

língua, aqueles que abrem mão voluntariamente de seu idioma<br />

invariavelmente sentem a perda da identidade étnica, uma derrota<br />

causada pelo poder colonial ou metropolitano (com concomitantes<br />

sentimentos de inferioridade) e traição penosa a seus ancestrais<br />

sagrados. Ela também causa a perda de histórias orais, cantos, mitos,<br />

religiões e vocabulário técnico, assim como das tradições, costumes e<br />

comportamento prescrito. Toda sociedade antiga desaba, e quase<br />

sempre a nova língua não consegue preencher o vácuo resultante,<br />

tendo como consequência gerações perdidas em busca de uma nova<br />

identidade, de 'algo de valor'.<br />

Uma alternativa à substituição da língua é o bilingualismo<br />

permanente. Ou seja, o povo continua falando sua língua nativa entre<br />

eles ao mesmo tempo em que também usa ativamente uma língua<br />

metropolitana, como o Inglês Padrão Internacional ou o espanhol para<br />

se comunicar cora os outros. Em grandes populações de falantes, a<br />

solução funciona eminentemente. Mas entre populações menores, ela<br />

252


quase invariavelmente acarreta a substituição pela língua<br />

metropolitana. Línguas verdadeiramente minoritárias, ou seja, aquelas<br />

faladas por cerca de 20.000 pessoas ou menos, dependentes das<br />

circunstâncias, só conseguem ser preservadas por meio do total<br />

isolamento. Qualquer outro meio significa uma aniquilação certa.<br />

Não apenas as línguas estão sendo perdidas numa velocidade<br />

sem precedentes. Os dialetos também estão desaparecendo. Todos os<br />

dialetos regionais de línguas ouvidas em transmissões midiáticas estão<br />

se rendendo ao dialeto prestigiado que os centros governamentais ou<br />

corporativos escolheram para serem representados pela mídia<br />

(normalmente o dialeto da própria classe governante). É um<br />

nivelamento da variedade linguística comparável ao desmatamento<br />

das florestas tropicais. Além disso, desde o início do século dezenove,<br />

a instrução também é tradicionalmente transmitida na língua<br />

prestigiada de uma nação e no dialeto prestigiado desta língua. Isso<br />

resultou, do mesmo modo, numa grande uniformidade da fala, como,<br />

mais comumente, impuseram os modos 'prescritivos'.<br />

A maioria das tentativas de salvar línguas ameaçadas falhou. Às<br />

vezes argumenta-se que manter a variedade linguística é tão essencial<br />

para a humanidade quanto manter a diversidade da flora e da fauna,<br />

com o intuito de evitar um mundo culturalmente esvaziado. 40 Porém,<br />

cada cultura muda para se adaptar e sobreviver; isso não é perda, é<br />

evolução social. Há muito mais linguistas estrangeiros entusiasmados<br />

em salvar línguas ameaçadas do que dentro das comunidades que as<br />

falam. Para propósitos científicos, as línguas ameaçadas precisam ser<br />

documentadas em descrições formais, sem demora e com todos os<br />

recursos disponíveis. Mas elas não podem ser salvas.<br />

Uma vez mortas, as línguas também não podem ser<br />

'ressuscitadas'. Não há um Lázaro entre as línguas. Frequentemente<br />

ouve-se que<br />

253


O hebraico é um 'renascimento' moderno. Porém, o hebraico nunca<br />

chegou a morrer. Sempre considerada a língua prestigiada por seus<br />

falantes, por motivos religiosos e étnicos, o hebraico foi a língua<br />

escrita e cantada dos serviços religiosos judaicos, então, era<br />

constantemente ouvida e falada. Eventualmente, devido à necessidade<br />

política da fundação de um estado judeu em 1948, o hebraico foi<br />

elevado de segunda língua ritual para primeira língua ativa. Tentativas<br />

de renascimentos linguísticos modernos, como no caso do manês e do<br />

córnico, invariavelmente permanecem como uma distração de<br />

pequenos grupos interessados, sem repercussões linguísticas de larga<br />

escala: as línguas metropolitanas que as substituíram permanecem<br />

como primeira língua. A maioria dos linguistas aceita que a extinção<br />

em massa de línguas humanas já é uma conclusão inevitável, o preço<br />

que a humanidade paga pela nova sociedade global.<br />

HUMOR VERBAL<br />

Dos muitos tipos de humor — pantomímico, gestual,<br />

situacional, musical, ilustrativo, gráfico, simbólico, e assim por diante<br />

— o humor verbal é de longe o mais comum, e constitui igualmente<br />

um elemento essencial da sociedade humana. Todas as sociedades<br />

usam o humor verbal. Ele implica brincar com a língua em múltiplos<br />

níveis, do ridículo ao sublime, apelando para o lúdico ou o<br />

absurdamente incongruente. Frequentemente com uma interação<br />

desses níveis ao mesmo tempo, a manipulação linguística une opostos<br />

de uma maneira súbita ou inesperada, para produzir, pelo menos<br />

inicialmente, a surpresa e o deleite. 41<br />

Pode-se assumir que formas mais sofisticadas de humor verbal,<br />

como a sátira, a ironia e a paródia sempre existiram. Porém, uma parte<br />

extraordinariamente grande do humor antigo que sobreviveu parece<br />

254


ter uma natureza sexual, uma forma de humor verbal evidentemente<br />

universal. Isso não significa que as sociedades mais primitivas eram<br />

mais promíscuas. Pelo contrário, indica o oposto. O humor verbal<br />

revela o que normalmente é suprimido numa sociedade e como as<br />

sociedades mais antigas mantinham um decoro rígido com<br />

comunidades pequenas e próximas, e, frequentemente regras quase<br />

sufocantes de fala e conduta, histórias picantes e mesmo obscenas<br />

eram mais bem-vindas por sua condição de 'enema social'. 42 O humor<br />

está em revelar aquilo que é oculto e mencionar o que não é<br />

mencionado — o choque da justaposição súbita produz o riso<br />

imediato. A crítica social mordaz que só podia ser feita quando<br />

ocultada pelo humor também era apreciada.<br />

No antigo Egito, o 'país que possuía tantas maravilhas', nas<br />

palavras de Heródoto, o humor sem dúvida temperava a dieta diária.<br />

'Os ouvidos de um menino estão em seu traseiro, explicou um antigo<br />

escriba, 'pois ele ouve melhor quando apanha!' Um amante do Nilo<br />

escreveu sobre sua amada (numa tradução livre): 'Se eu a beijo e seus<br />

lábios estão abertos, fico bêbado sem cerveja!'<br />

O mais antigo humor verbal europeu conhecido é a história<br />

homérica em que Odisseu diz ao ciclope Polifemo que seu nome é<br />

'ninguém'. Quando os outros ciclopes ouvem os gritos de dor de<br />

Polifemo e correm para ajudá-lo, perguntam o que o está machucando,<br />

Polifemo responde: 'Ninguém!', e eles vão embora.<br />

O poeta romano Marcial escreveu como Pompeia foi destruída<br />

pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C: 'Mesmo para os deuses,<br />

isto é ir longe demais'. Entre as pichações encontradas em Pompeia<br />

está uma que diz: 'Você acha que eu me importaria se você morresse<br />

amanhã?' Um marido romano escreveu à sua esposa, que havia<br />

comprado cremes caros: 'Você está estocada em centenas de<br />

potinhos...<br />

255


seu rosto não dorme com você!' E no século dezoito, os descendentes<br />

dos romanos disseram sobre a coleta do Grande Tour: 'Se o Coliseu<br />

fosse portátil, os ingleses o teriam levado embora!'<br />

A Idade Média foi um período particularmente rico para o<br />

humor, um fato frequentemente esquecido pelos estudiosos. Um<br />

fragmento da última página das 'Cambridge Songs', copiado em cerca<br />

de 1050 d.C. preserva a lírica latina, cantada por uma mulher à sua<br />

amante (um dos gêneros literários preferidos da época):<br />

Venha para mim, meu querido amor — com ah! e oh!<br />

Me visite, e você experimentará delícias — com ah! e oh! e ah!<br />

e oh!<br />

Estou morrendo de desejo — com ah! e oh!<br />

Como anseio pelo fogo de Vênus — com ah! e oh! e ah! e oh!...<br />

Se você vier e trouxer sua chave — com ah! e oh!<br />

Como será fácil entrar — com ah! e oh! e ah! e oh!<br />

Numa canção espanhola de al-Andaluz (Andaluzia) do início do<br />

século doze, uma jovem canta a seu amante: 'Eu lhe darei tanto amor<br />

— mas apenas se você dobrar meus tornozelos acima dos meus<br />

brincos!'<br />

Guilherme IX da Aquitânia (1071-1127), o primeiro poeta lírico<br />

secular da França que conhecemos pelo nome, uma das<br />

personalidades mais interessantes da Idade Média, duque de Poitou e<br />

Aquitânia e avô de Eleanor da Aquitânia, que se tornou depois a<br />

rainha da Inglaterra, cantou para seu grupo de companhos (cavaleiros<br />

e soldados) sobre suas 'duas esplêndidas éguas que [eu] posso montar'.<br />

Mas elas não se suportam; se ele apenas conseguisse domá-las, teria<br />

'uma melhor montaria do que qualquer outro homem. Então, ele pede<br />

a seu<br />

256


público que 'resolva minha difícil situação: nunca uma escolha causou<br />

tanta confusão. Não sei quem manter agora — Agnes, ou Ermensent!'<br />

(nomeando duas damas nobres de sua corte).<br />

O mais antigo canto polinésio reconstituído da Ilha de Páscoa,<br />

composto em cerca de 1800 d.C, termina com a fala de um<br />

adolescente escarnecendo das meninas adolescentes:<br />

Por que a devoção à música? — para ficar dentro do buraco.<br />

Dentro do buraco onde? — [nas] ti folhas onde são deitadas<br />

Quando [uma vez que] não houver chuva, contorcendo,<br />

preenchendo.<br />

Armem um briga, jovens mulheres, temendo que a flor seja<br />

domada, ha!<br />

O humor verbal foi exaltado como uma raridade até ou antes de<br />

William Shakespeare, quando, em sua peça a Tragédia do Rei Lear,<br />

de 1606, ele permitiu que o Bobo da Corte revelasse o mais profundo<br />

objetivo do humor: trazer à tona as mais feias verdades da vida.<br />

Quando Lear protesta: 'Você me chamou de bobo, menino?' o<br />

Bobo da Corte responde: 'Já abandonaste todos os outros títulos; mas<br />

este é de nascimento'.<br />

Mais tarde. 'Quem está aí que pode dizer quem eu sou?' chora<br />

Lear. A sombra de Lear', responde o Bobo.<br />

E então: 'Se o cérebro de um homem estivesse em seu<br />

calcanhar', diz o Bobo, 'ele não correria o risco de ter frieiras?' Ah,<br />

menino', diz Lear. 'Então, eu peço, seja feliz; teu espírito não andará<br />

de chinelos'. Ao que Lear ri ingenuamente: 'Ha, ha, ha!'<br />

257


Perto do final trágico de Lear, o Bobo aconselha Kent: 'Soltes a<br />

roda quando ela começar a rolar morro abaixo, para não quebrar o<br />

pescoço seguindo-a; mas quando a roda grande subir o morro, deixe<br />

que ela te arraste. Quando um homem sábio lhe der um conselho<br />

melhor, devolva com o meu: quisera eu que apenas os velhos o<br />

seguissem, bobo que sou'.<br />

Pela primeira vez na história humana, o papel supremo da língua<br />

na transmissão, formação e retratação de todos os fenômenos sociais é<br />

considerado, e essa consideração começou a ser aplicada a amplos<br />

problemas sociais, educacionais e políticos. Essa é a tarefa da<br />

sociolinguística que, por meio do estudo do uso da linguagem na<br />

sociedade, une teoria, descrição e prática.<br />

A principal preocupação da sociolinguística é a mudança na<br />

língua que marca os pontos de atrito da atividade humana; assinala a<br />

morte de crenças e o surgimento de conceitos; define os limites do<br />

tolerável; revela as maquinações dos que estão no poder; e, talvez, o<br />

mais importante, registra a evolução da consciência e sensibilidade<br />

humanas reveladas pela língua. O uso de línguas comuns e construídas<br />

artificialmente demonstra uma necessidade fundamental das<br />

sociedades humanas de se comunicar de maneira igualitária. Em toda<br />

história, as sociedades se identificam mais com outras de fala<br />

semelhante; por causa disso, surgiram nações com um único idioma.<br />

Minorias étnicas dentro dessas nações também se empenham em<br />

expressar sua contribuição única por meio da língua. A independência<br />

colonial em regiões multiétnicas revelou a importância da língua no<br />

estabelecimento de um sentido de nacionalidade.<br />

Na geração passada, a reinvenção do papel da mulher na<br />

sociedade assistiu uma 'purificação de gênero' na língua inglesa. A<br />

purificação<br />

258


linguística ocorre na história humana quando a sociedade muda de<br />

maneira proeminente, quando há um número demasiado de<br />

empréstimos estrangeiros, ou quando um regime declara uma agenda<br />

nacionalista. A propaganda e o politicamente correto são fenômenos<br />

sociais que sempre contaminaram as línguas; na verdade, ambos<br />

tornaram possíveis os atos mais hediondos da humanidade. Mas<br />

bem-vindos, no entanto, são os movimentos que 'limpam' e<br />

'simplificam' as ofuscações linguísticas e engodos da burocracia.<br />

A língua de sinais é em suas várias formas a demonstração da<br />

necessidade que a sociedade tem de se comunicar quando a língua<br />

vocal falha fisicamente, um fenômeno biológico ao qual muitas<br />

sociedades recorrem por meio de uma linguagem sistematizada de<br />

gestos. As mais de 100 línguas de sinais para deficientes auditivos do<br />

mundo testemunham a maravilhosa plasticidade e utilidade dessa<br />

forma de linguagem. Ura fenômeno social ligado à língua humana é a<br />

morte da língua. Dezenas de milhares de línguas desapareceram desde<br />

que a primeira fala humana surgiu. Ao contrário da crença comum, a<br />

maioria simplesmente evoluiu numa nova língua, ou foi<br />

voluntariamente substituída por uma língua intrusa porque se esperava<br />

conseguir com isso algum benefício. Todo contato linguístico é<br />

enriquecedor.<br />

Essas manifestações ocorreram com os triunfos e tragédias da<br />

vida, sempre contando com o humor verbal, a arte linguística que<br />

permite que a humanidade zombe da adversidade e ria em face da<br />

aflição enquanto examina as profundidades da vida.<br />

Dessas e de muitas outras fascinantes maneiras, a língua é a<br />

maior medida da sociedade humana. Mais do que qualquer outra<br />

faculdade, é a língua que nos diz quem somos, o que queremos dizer e<br />

para onde vamos.<br />

259


8<br />

Indicativo futuro<br />

Como serão as línguas do planeta no futuro? Não se pode prever<br />

com precisão um futuro linguístico, uma vez que tantos fatores não<br />

linguísticos remodelam constantemente a língua de uma sociedade:<br />

mudanças econômicas, insurreições civis, migrações de massa, o<br />

aumento súbito da influência de nações, novas tecnologias, novidades<br />

sociais, entre muitos outros fenômenos. Porém, o exame das<br />

mudanças linguísticas passadas e o reconhecimento das tendências<br />

linguísticas atuais podem fornecer cenários linguísticos possíveis, pelo<br />

menos para um futuro próximo. Pode-se também desejar considerar as<br />

atividades governamentais e estrategistas corporativas —<br />

principalmente em língua inglesa — que estão ardentemente<br />

expandindo seus campos de atividades no presente, aumentando a<br />

probabilidade de que sua língua (inglesa) prevaleça sobre as línguas<br />

de não estrategistas nas décadas futuras.<br />

261


O simples esboço de analogias com as mudanças e dinâmicas<br />

linguísticas passadas não apresenta uma validade qualificativa. Todas<br />

as relações tradicionais de poder político, cultural e econômico entre<br />

as nações ocidentais e o resto do mundo se encontram num processo<br />

de transformação sem precedentes. Hoje, esta parece ser uma<br />

característica global permanente, que, talvez, criará uma nova ordem<br />

mundial cuja natureza e qualidade ainda são em grande parte<br />

desconhecidas. Mas que, provavelmente, privilegiará as maiores<br />

nações e corporações, e quanto maiores elas forem, menos línguas<br />

existirão.<br />

Não é simplesmente a mudança e perda (substituição), como no<br />

passado, que atualmente descreve a história linguística, mas também a<br />

expansão do domínio da língua a um grau sem precedentes na<br />

sociedade humana. Ela está reinventando o significado da própria<br />

palavra 'língua'. Novas tecnologias, como as linguagens de<br />

programação (de computadores), estão elaborando extensões<br />

inovadoras da fala humana, permitindo um novo meio de linguagem<br />

que se comunica artificialmente consigo mesmo.<br />

Embora as línguas sobreviventes do planeta continuem a mudar<br />

de modos familiares, uma dimensão linguística tradicional foi alterada<br />

para sempre. Em toda a história, a língua esteve relacionada com o<br />

território geográfico — a terra. Agora, o atlas linguístico não faz mais<br />

sentido. A língua significa principalmente tecnologia e riqueza, um<br />

novo mundo sem fronteiras, onde a única direção é para cima ou para<br />

baixo, separando aqueles que têm dos que não têm. A proficiência na<br />

única língua corporativa do planeta — talvez, em última análise, o<br />

inglês — logo definirá o lugar de casa pessoa no planeta... e além.<br />

262


LINGUAGENS DE PROGRAMAÇÃO<br />

Os computadores facilitam a manipulação da descrição de<br />

valores, propriedades e métodos para fornecer mais prontamente<br />

soluções para problemas particulares. O resultado de um processo de<br />

programação é um programa para processamento de texto, sistemas<br />

operacionais, bancos de dados e outras atividades computadorizadas.<br />

A ferramenta específica que permite os processos de programação é<br />

uma linguagem de programação, uma convenção para descrições<br />

escritas que podem ser avaliadas. 1 Uma linguagem de programação<br />

também pode ser usada para pesquisa linguística, como compilador de<br />

pesquisa e no ensino, entre outros.<br />

Muitas definições contrastantes tentam capturar sucintamente a<br />

essência de uma linguagem de programação. Ela é uma linguagem,<br />

sim, porque é um 'meio de troca de informação'. Mas é totalmente<br />

diferente de todas as formas de linguagem anteriormente conhecidas<br />

da humanidade, com exceção, talvez, da escrita, com seus muitos<br />

tipos e formas de reprodução das línguas naturais. 2 Para alguns, a<br />

linguagem de programação é simplesmente uma ferramenta para<br />

ajudar o programador. Para outros, é um sistema notável de descrever<br />

a computação de maneira que tanto máquinas e humanos conseguem<br />

ler. Alguns entendem a linguagem de programação como uma notação<br />

que expressa formalmente algoritmos (uma regra de procedimento<br />

para a solução de qualquer problema computacional) de modo que<br />

eles podem ser entendidos tanto por humanos quanto por<br />

computadores. E outros a vêem simplesmente como uma sequência de<br />

instruções para uma máquina.<br />

O propósito de toda linguagem é a comunicação, e assim o<br />

principal objetivo de uma linguagem de programação é se comunicar<br />

com<br />

263


máquinas de mentalidade literal. 3 Em sua essência, a linguagem de<br />

programação, com certas exceções, é um mecanismo para descrever a<br />

computação e soluções de problemas. Ela precisa, acima de tudo, ser<br />

lida pela máquina; ou seja, um computador precisa ser apto a traduzir<br />

dados, problemas e instruções em sua própria língua. E uma<br />

linguagem de programação também precisa ser lida por seres<br />

humanos; ou seja, a pessoa tem de estar apta a ler e entender a<br />

descrição da solução. 4<br />

Cada linguagem de programação revela diferentes perspectivas<br />

e características da descrição e do projeto de algoritmos, em estruturas<br />

de dados e direção e programas. Como uma língua natural humana,<br />

cada linguagem de programação tem características únicas e<br />

específicas. Isso determina sua adequabilidade a uma tarefa<br />

computacional dada. 5 A teoria da linguagem de programação de<br />

computadores normalmente reconhece três aspectos principais de uma<br />

linguagem de programação:<br />

Sintaxe: a linguagem de programação determina os símbolos e<br />

suas combinações permitidas ('legais');<br />

Semântica: são os significados que os programadores designam<br />

para as construções da linguagem de programação;<br />

Modelo de linguagem: este é o domínio, a filosofia ou<br />

paradigma inerente ao programa (ou seja, os modos de abordagem da<br />

computação de modo a solucionar um problema específico).<br />

Há, atualmente, uma grande variedade de modelos de<br />

linguagem ou abordagem de solução de problemas. Entre as mais<br />

importantes (e as seguintes são apenas uma pequena seleção de todas<br />

as abordagens atualmente existentes) estão: 6<br />

264


Uma linguagem imperativa aplica um algoritmo a um conjunto<br />

inicial de dados. Aqui, os programas são sequências de comandos<br />

básicos, normalmente tarefas; eles usam estruturas associadas de<br />

controle como sequências, condicionais e curvas que governam os<br />

comandos. Por exemplo, Fortran, Pascal, C e Assembly Code.<br />

Uma linguagem orientada para o objeto tem programas que são<br />

coleções de objetos que se comunicam. Por exemplo, C++, Java,<br />

Eiffel, Simula e Smalltalk-80.<br />

Uma linguagem lógica sequência passos dedutivos garantindo<br />

que a solução fique dentro de uma relação específica ao conjunto<br />

inicial de dados. Ela consiste de programas que são coleções de<br />

afirmações de uma lógica específica, normalmente lógica predicada,<br />

como no caso da linguagem Prolog. Linguagens lógicas equacionais<br />

são OBJ, Mercury e Equational.<br />

Uma linguagem funcional aplica funções (matemáticas) a um<br />

conjunto inicial de dados. Por exemplo, ML, Haskell, FP e Gofer.<br />

Uma linguagem paralela ou concorrente consiste em programas<br />

que são coleções de processos que se comunicam ou cooperam<br />

mutuamente. Por exemplo, Ada, Modula-2 e C*.<br />

Uma linguagem declarativa contém programas que são<br />

simplesmente coleções de fatos. Várias linguagens lógicas e<br />

funcionais estão incluídas nesta categoria.<br />

265


As linguagens de script adotam muitos dos modelos anteriores,<br />

mas são normalmente utilizadas como pacotes de suporte maiores.<br />

Ao adotar um ou mais entre os modelos acima, ou entre outras<br />

abordagens, as linguagens de programação começam a se assemelhar<br />

com os tradicionais modelos de 'famílias linguísticas normalmente, se<br />

não totalmente, associadas com as línguas naturais humanas — elas se<br />

'bifurcam' umas das outras, em outras palavras, criam novas 'famílias'<br />

de linguagens de programação. Mas as principais diferenças das<br />

linguagens de programação são o fato de elas não serem biológicas,<br />

nem vocais (até o momento) e prescindirem de território geográfico.<br />

Elas são um processo interno ao sistema do teclado que só existe no<br />

cyberespaço.<br />

Porém, também isso parece estar evoluindo. Pesquisadores da<br />

Raytheon Systems e da Universidade do Texas, em Dallas,<br />

recentemente desenvolveram um interruptor neural eletrônico para um<br />

sistema nervoso artificial. Ele vai imitar os processos do cérebro<br />

humano e sua rede de comunicação, permitindo a criação de um robô<br />

autônomo que possa receber informações através de vários sensores e<br />

tomar decisões independentes. Em último caso, até a 'fala' entre robôs<br />

e humanos e entre robôs e outros robôs e sistemas computacionais<br />

deve se tornar possível.<br />

Em todo o mundo, os computadores já se 'comunicam' entre si,<br />

através de uma ampla gama de linguagens de programação, de modo<br />

muito parecido à comunicação entre humanos e animais, mas desta<br />

vez a comunicação é induzida pelo humano sem necessariamente ser<br />

guiada por ele. A 'linguagem', em seu sentido mais amplo, está<br />

transcendendo rapidamente o domínio humano para se tornar também<br />

a<br />

266


origem de sistemas eletrônicos artificiais. No presente, não se pode<br />

saber para onde esse desenvolvimento nos levará.<br />

INTERNET, E-MAIL E NEWSGROUP<br />

Um dos recursos mais amplamente usados da internet é o ensino<br />

e o aprendizado de línguas. 7 Beneficiando escolas, governos,<br />

empresas e indivíduos, esse uso promove e preserva de uma maneira<br />

até então sem precedentes, não apenas línguas vivas, mas também as<br />

línguas extintas, sendo a mais popular delas o latim clássico.<br />

Professores de línguas de todo o mundo descobriram que um<br />

aprendizado eficiente de um idioma é alcançado por meio da<br />

aplicação de recursos linguísticos da internet em planos de aulas<br />

pessoais. A internet é, portanto, não um fim, mas uma ferramenta<br />

eficaz, um meio para o fim: um melhor aprendizado da língua. A<br />

internet não consegue substituir a interação linguística face a face. 8<br />

Um estudo conduzido em 1989-90 com estudantes do ensino<br />

médio na Finlândia, na Grã-Bretanha, nos EUA, na Áustria, no<br />

Canadá, e depois nas Alemanhas ocidental e oriental, na Suécia, no<br />

Japão e na Islândia, mostrou que a comunicação online via e-mail se<br />

assemelha com a comunicação oral, fazendo uso de um estilo<br />

linguístico causai que inclui coloquialismos e fala elíptica, ou seja,<br />

uma grande economia de expressões. 9 Toda a comunicação não verbal<br />

(gestual) é substituída on-line por visualizações textuais. A escrita<br />

off-line, em contraste, exibe muito mais coesão textual e linguística;<br />

ela é melhor estruturada e hierarquicamente organizada. O estudo<br />

indica que o uso linguístico do e-mail (e consequentemente do<br />

newsgroup) parece ocupar uma posição especial entre a língua falada<br />

e escrita. 10<br />

267


Todas as situações linguísticas naturais envolvem<br />

'espectadores-ouvintes'. Porém, cora as comunicações via e-mail e<br />

newsgroup, não se usa os sentidos da visão e da audição, a menos que<br />

eles sejam eletronicamente permitidos, como através de<br />

videomensagens enviadas por e-mail. Com a perda da visão e da<br />

audição, também se perdem expressões faciais, gestos, postura,<br />

suprassegmentais (duração, acento, articulação, tom), distinções de<br />

altura/suavidade, velocidade da fala, e muitas outras características<br />

integrantes da comunicação humana. Sinais subliminares, como o<br />

cheiro, que se referem a um nível de comunicação mais primitivo,<br />

embora não menos importante, também não conseguem ser<br />

transmitidos com a nova mídia eletrônica. Com o ganho óbvio,<br />

evidentemente também perdemos uma boa parte do que atualmente<br />

significa ser humano.<br />

No presente, o Inglês Padrão Internacional é a língua universal<br />

da internet. O inglês não tem tal status 'oficial', uma vez que, em<br />

grande parte, a internet não é regulamentada; apenas alguns poucos<br />

países, como a China, exercem uma censura rigorosa na internet.<br />

Alguns alegam que o inglês domina a internet devido ao<br />

'imperialismo' econômico e político dos países de língua inglesa.<br />

Porém, o inglês prevalece na internet porque ela é a criação de países<br />

que falam o inglês e porque, no início do século vinte e um, o inglês é<br />

o idioma mais popular como segunda língua do mundo. O fato de a<br />

internet ter evoluído dentro de um meio que conta principalmente com<br />

a língua inglesa foi uma circunstância histórica, e não arquitetada. 11<br />

Deve-se esperar que nunca haja uma língua 'oficial' para a<br />

internet, apenas a língua ou línguas que seus usuários desejem e<br />

precisem. No momento, o inglês prevalece (alguns diriam 'domina').<br />

Mas qualquer outra língua pode vir a substituir o inglês na internet no<br />

futuro. Uma língua construída pode ser escolhida por um corpo<br />

regulador<br />

268


como uma alternativa (embora pareça improvável). A tradução<br />

automática computadorizada pode tornar supérflua toda a questão da<br />

predominância de uma língua natural, fazendo com que a escolha<br />

recaia apenas em qual linguagem de programação usar. Com esse<br />

cenário, a internet transcenderia então a necessidade da predominância<br />

de qualquer língua natural, inclusive do inglês.<br />

Porém, deve-se reconhecer que o bilingualismo é uma tendência<br />

mundial, além da jurisdição do cyberespaço da internet. Em todo o<br />

mundo, cada vez mais pessoas escolhem o inglês como segunda<br />

língua ou língua adicional. Quando possível, as pessoas retêm sua<br />

língua nativa como primeira língua para uma esfera de interação<br />

menor e mais imediata. Parece que a própria internet permanecerá,<br />

pelo menos no futuro próximo, a experimentação de tais<br />

desenvolvimentos humanos reais.<br />

A internet, o e-mail e os newsgroups também estão por si<br />

mesmos afetando ativamente os vocabulários do planeta. O Inglês<br />

Padrão Internacional adicionou um grande número de itens lexicais a<br />

seu vocabulário (ou expandiu o significado de palavras mais antigas)<br />

que eram desconhecidas uma geração atrás: bit (dígito binário),<br />

browser (um software projetado para o usuário, usado para examinar<br />

os recursos da internet), clicar (usar o 'mouse' para acessar um site),<br />

cyberespaço (a gama de recursos de informações disponíveis na rede<br />

de computadores), e-mail (mensagens que as pessoas mandam umas<br />

às outras via computador), v-mail (videomensagens), gopher (um<br />

método de fazer menus do material disponível na internet), hipertexto<br />

(qualquer texto que tenha 'links' para outro documento), modem (de<br />

modulador, demodulador, o dispositivo que conecta o computador a<br />

uma linha telefônica e permite a comunicação entre computadores) e<br />

muitos outros. A maioria das nações modernas está<br />

269


emprestando esses termos de língua inglesa diretamente, sem tradução<br />

para a língua local.<br />

Logo, os sistemas de reconhecimento por meio de voz<br />

permitirão que uma pessoa fale diretamente com um computador e<br />

consiga uma resposta vocal. Traduções simultâneas também poderão<br />

ser feitas da mesma maneira. No presente, um número cada vez maior<br />

de pessoas passa cada vez mais horas por dia usando a escrita, ou seja,<br />

a linguagem do teclado, em vez da língua falada. Isso é<br />

especificamente verdade no caso de estudantes, funcionários de<br />

escritórios, jornalistas, editores, escritores, pesquisadores,<br />

programadores, bolsistas universitários, entre muitos outros usuários<br />

de computadores. Na Idade Média, apenas os escribas, que<br />

compreendiam uma porcentagem muito pequena da população<br />

medieval, eram encontrados nos escritórios dos conventos. Em poucos<br />

anos, os computadores enriquecerão quase todos os lares do mundo<br />

desenvolvido. A vida humana nesses países está se centrando, e se<br />

restringindo, a textos eletrônicos e redes de contatos internacionais, se<br />

afastando da fala vocal e visual mais imediata. Um tipo diferente de<br />

linguagem está surgindo a partir dessa superfície de contato artificial:<br />

uma 'língua escrita oral'. Não há dúvidas de que também ela vai mudar<br />

com a evolução da nova tecnologia.<br />

O FUTURO <strong>DA</strong> LÍNGUA<br />

Antes de Thomas Edison inventar o fonógrafo em 1877, apenas<br />

anciãos e antigos textos escritos, cujas qualidades faladas precisas<br />

eram desconhecidas, podiam revelar estágios anteriores da língua.<br />

Hoje, ao ouvir aquelas vozes arranhadas de mais de um século atrás,<br />

pode-se avaliar a rapidez com que a língua muda. Analisando textos<br />

escritos, ouvindo as mudanças recentes e seguindo as amplas<br />

tendências linguísticas, pode-se aproximar de um consenso — apesar<br />

da geral<br />

270


'imprevisibilidade' da mudança linguística — sobre a direção que as<br />

línguas faladas no mundo seguirão num futuro próximo.<br />

Todos os linguistas concordam que as mudanças linguísticas<br />

naturais que ocorrerão permanecerão em grande parte, mas não<br />

exclusivamente, dentro dos parâmetros fonológicos, morfológicos,<br />

sintáticos, lexicais e semânticos conhecidos. As maiores mudanças, os<br />

destinos de línguas e famílias linguísticas inteiras, são, talvez, a maior<br />

preocupação dos linguistas. Isso ocorre porque, sem dúvida, os<br />

próximos dois séculos testemunharão uma substituição linguística sem<br />

precedentes; a homogeneização e nivelamento dos poucos dialetos e<br />

línguas que sobreviverem; e então, por fim, todos estarão falando o<br />

inglês como primeira ou segunda língua, quando a sociedade global se<br />

tornar uma realidade, pelo menos linguística.<br />

Entre as poucas línguas que sobreviverão aos próximos dois<br />

séculos, a evolução tipológica cíclica continuará em vigor. Isso<br />

significa que o mandarim chinês, por exemplo, se tornará ainda mais<br />

isolante e mais aglutinante em sua estrutura, tendendo mais<br />

fortemente ao polissilabismo (usando palavras com várias sílabas) e<br />

formando palavras derivadas ou compostas pela união de constituintes<br />

de significado próprio. As línguas indo-europeias, por outro lado, em<br />

vários estágios de suas próprias evoluções linguísticas, continuarão,<br />

sem dúvida, se afastando da condição fusional anterior em busca de<br />

uma estrutura cada vez mais isolante. Ao mesmo tempo, devido à<br />

mídia moderna, o léxico das línguas do planeta continuará a ser<br />

preenchido com empréstimos comuns. Se em séculos anteriores os<br />

empréstimos levavam anos para serem aceitos em uma língua e se<br />

espalharem para outras línguas (chocolate, café, tabaco, tabu,<br />

varanda), por causa do rádio, da televisão e agora da Internet tais<br />

empréstimos podem se tornar parte do vocabulário nativo em<br />

semanas, ou mesmo dias: fatwa 'lei<br />

271


eligiosa', Scud 'tipo de míssil guiado', aiatolá 'líder religioso',<br />

glasnost 'transparência política', para nomear alguns exemplos<br />

recentes.<br />

As transformações sociais que ocorrem simultaneamente em<br />

muitos países também estão deixando suas marcas, causando<br />

mudanças linguísticas fascinantes, cujos efeitos continuarão, sem<br />

dúvida, a repercutir no futuro. Nas línguas indo-europeias que ainda<br />

preservam a distinção entre pronomes formais e informais — o<br />

alemão du e Sie, o francês tu e vous, o espanhol tu e usted, e assim por<br />

diante — o pronome informal se infiltrará cada vez mais no domínio<br />

formal. Ou seja, as crianças desses países, por exemplo, ao se<br />

dirigirem aos pais com as formas formais usadas desde tempos<br />

imemoriais, elas estarão usando os pronomes informais, refletindo<br />

uma mudança fundamental de atitude em relação aos pais e aos mais<br />

velhos em geral.<br />

Porém, um adolescente galês ainda dirá à sua mãe 'Peidiwch â<br />

phoeni!' ('Não se preocupe') usando a gramática formal — e não a<br />

informal que será ouvida no mesmo contexto em alemão ('Mach' Dir<br />

Keine Sorgen!') ou francês ('Ne t'inquiète pas!'). Ou seja, embora a<br />

maioria das línguas metropolitanas de origem indo-europeia tenha<br />

expandido o domínio da forma informal desde a Segunda Guerra<br />

Mundial, as línguas indo-europeias menores geralmente resistem a<br />

essa tendência. Talvez seja um esforço consciente dos falantes de<br />

línguas menores para se afastar das influências metropolitanas<br />

'invasoras', especialmente entre falantes bilíngues (como galeses,<br />

vênedos, catalães, galegos, occitanos, entre outros). Há inumeráveis<br />

exemplos de tendências identificáveis ocorrendo nas línguas do<br />

planeta. Em alemão, por exemplo, o tempo verbal do discurso relatado<br />

(ou seja, o contraste de evidencialidade testemunha ocular/testemunha<br />

não ocular), na forma de 'Er sagte, er sei...' ('Ele disse que estava...')<br />

está se tornando supérfluo na fala moderna, sendo substituído pelo<br />

discurso<br />

272


declarativo neutro: 'Er sagte, er ist...' A sintaxe da conjunção weil,<br />

'porque', que sempre colocava o verbo no final da oração subordinada<br />

('weil er alt ist') hoje permite que o verbo siga imediatamente o<br />

sujeito, como no inglês ('weil er ist alt'), embora a forma ainda não<br />

seja considerada de uso padrão por falantes mais formais e idosos.<br />

Esse novo uso pode se generalizado no futuro para incluir conjunções<br />

semelhantes, alterando radicalmente a sintaxe do alemão durante o<br />

processo. O léxico alemão também compreende muitos empréstimos<br />

do inglês moderno: der Computer, der Supermarket, der Soft Drink,<br />

die Jeans. Não há dúvida de que o alemão absorverá centenas de<br />

introduções semelhantes nos próximos anos.<br />

Na língua rapanui da Ilha de Páscoa, que provavelmente será<br />

substituída pelo espanhol chileno nos próximos vinte anos, o tempo<br />

verbal/marcador de aspecto verbal ku... ‘a, que abarca uma ação ou<br />

estado que começou no passado e continua em vigor, foi recentemente<br />

substituído pelo ko...’a. Durante mais de 100 anos, a parada glotal<br />

taitiana vem substituindo o k na língua, produzindo duplos<br />

historicamente identificáveis: kino/’ino 'mau, cruel, perverso'. Muito<br />

do léxico rapanui mais antigo foi substituído pelo taitiano, um<br />

processo que hoje está se tornando feroz: o rapanui ki 'falar' é hoje o<br />

taitiano parau; ra’a’sum 'dia' foi substituído por mahana; ta’u 'ano' é<br />

hoje matahiti entre muitos outros exemplos, incluindo o sistema<br />

numérico rapanui que hoje é quase totalmente taitiano. O conectivo<br />

taitiano ‘e 'e' foi introduzido (não havia nenhum conectivo na língua<br />

rapanui), assim como o espanhol pero 'mas'. Porém, também esses<br />

empréstimos taitianos logo cairão vítimas do espanhol chileno na ilha.<br />

O galês exibe, de modo semelhante, significativas 'mudanças<br />

em processo'. Em sua fonologia, uma das mudanças mais evidentes é<br />

a perda gradual da terminação f. tref [pronuncia-se TREIVE] para<br />

273


'cidade' hoje se tornou simplesmente ter [TREI]. Logo todas as<br />

terminações em f deverão desaparecer do galês. Após o yn<br />

significando 'em', muitos falantes galeses hoje favorecem mais a<br />

mutação sibilante (com seu domínio de uso mais amplo) do que o<br />

gramaticalmente 'mais apropriado' e menos geralmente, a mutação<br />

nasal, assim, yn Gaerdydd 'in Cardiff hoje é ouvido mais<br />

frequentemente que o tradicional yngh Nghaerdydd. O novo sistema<br />

numérico decimal galés substituiu o antigo sistema numérico celta<br />

apenas na última geração. Assim, 11 un deg un, 12 un deg dau, 15 un<br />

deg pump, 16 un deg chwech, 20 dau ddeg, 30 tri deg, e assim por<br />

diante, para nomear alguns exemplos, substituiu — particularmente<br />

entre os falantes mais jovens — os tradicionais números: 11 un ar<br />

ddeg, 12 deuddeg, 15 pymtheg, 16 un ar bymtheg, 20 ugain, 30 deg ar<br />

hugain e assim por diante.<br />

Como o inglês é atualmente a língua mais popular do mundo (e<br />

também a língua em que este livro foi escrito), com a qual a maioria<br />

dos leitores estará, talvez, mais familiarizado do que com as línguas<br />

acima citadas, os exemplos seguintes mostraram as tendências futuras<br />

do inglês. O inglês está na vanguarda das mudanças linguísticas<br />

internacionais, seguindo a onda da nova linguagem tecnológica.<br />

Embora possa passar despercebido, o inglês também está passando<br />

por rápidas mudanças em vários níveis diferentes: fonológico,<br />

morfológico, sintático, lexical e semântico. E embora a maioria das<br />

línguas do planeta enfrente uma extinção iminente, o inglês continua<br />

ganhando milhares de novos falantes por dia. Na verdade, o inglês<br />

está se tornando algo totalmente novo: uma língua natural mundial.<br />

Em sua fonologia, o inglês exibe tendências características, que<br />

sem dúvida, mudarão o som do inglês do futuro, tanto regionalmente<br />

quanto internacionalmente. No inglês britânico, por exemplo, o t entre<br />

vogais e no final das palavras está sendo substituído por uma<br />

274


parada glotal (') em dialetos bem além da região de Cockney<br />

(Londres) onde a inovação ocorreu pela primeira vez, particularmente<br />

nas terras médias: Ge’ the le’uce tha’s a li’o bi’a ('Get the lettuce<br />

that's a little bitter'). A recente e súbita difusão da inovação antiga —<br />

na variedade de uma fala regional modificada chamada inglês do<br />

estuário, como foi identificado pelo linguista David Rosewarne em<br />

1984 — pode derivar dos filmes e programas de televisão<br />

concentrados em Londres e ter se espalhado principalmente por meio<br />

de falantes jovens imitando a forma antes censurada, que se tornou um<br />

dialeto preferido.<br />

A maior 'mudança em processo' do inglês americano revela uma<br />

inovação semelhante. Nele, o t entre vogais, por muitas décadas, vem<br />

sendo cada vez mais substituído pelo d (ou seja, o ambiente vocálico<br />

do t fez com que ele fosse pronunciado): Get the ledduce that’s a<br />

liddle bidder. No inglês americano, portanto, não há mais uma<br />

distinção falada entre Writer e rider, matter e madder, boating e<br />

boding, whitest e eidest e assim por diante, a distinção é feita pelo<br />

ouvinte apenas a partir do contexto. A enorme influência do inglês<br />

americano no presente sugere que essa inovação fonológica possa se<br />

espalhar em pouco tempo para além da América do Norte. (Em<br />

contraste, parece improvável que a inovação Cockney mencionada<br />

antes experimente uma difusão internacional.)<br />

Como uma demonstração de sua força linguística, a inovação<br />

norte-americana parece ter se tornado produtiva. Ou seja, está<br />

causando uma outra mudança. Em 1998, uma jovem mulher branca<br />

falante de inglês americano do meio oeste diria My dar was sin —<br />

num Inglês Padrão Internacional talvez mais compreensível, 'My<br />

daughter was sitting'. Isso reflete uma forma da fala norte-americana<br />

relativamente nova e cada vez mais distribuída. Nela, um derivado da<br />

forma My daughder was siddin’ experimentou o enfraquecimento do d<br />

entre<br />

275


vogais até seu total desaparecimento, deixando apenas dar para 'filha'<br />

e sin para 'sitting'. Pode ser que essa tendência marque um<br />

desenvolvimento em longo prazo do d intervocálico e das terminações<br />

— ing no inglês americano. Assim, novamente, a mudança pode se<br />

mostrar uma pronúncia alternativa de vida curta. Apenas o tempo<br />

poderá dizer.<br />

Os adjetivos estão assumindo um papel cada vez mais<br />

substantivado na sintaxe inglesa. Por muitos séculos, os adjetivos<br />

ingleses servem como substantivos. Alguns desses usos chegam a<br />

datar do francês antigo, como 'at present', 'in the past', e in future', em<br />

que o substantivo 'time' está subentendido. 'Professional' significa<br />

'professional person'; por exemplo, 'profligate' é 'profligate person' 'the<br />

blind' significa 'blind people; e 'a white' significa 'a white person'. Esse<br />

sentido elíptico ou absoluto tem uma história antiga tanto na família<br />

germânica quanto na família itálica, das quais o inglês moderno<br />

deriva. Porém, seu uso experimentou uma expansão súbita recente,<br />

especialmente entre falantes norte-americanos (que, por sua vez,<br />

afetaram os falantes britânicos), assim, uma qualificação adjetiva<br />

anteriormente limitada pode hoje também servir como um substantivo<br />

genérico: um 'historical' é um 'historical novel', um 'botanical' e 'herbal<br />

drug ou medicine', e assim por diante. Como tais usos parecem<br />

continuar aumentando, pode-se imaginar que no futuro mais adjetivos<br />

assumirão funções substantivas até então inimagináveis: 'a reasonable'<br />

significando 'an acceptal proposal', por exemplo, ou 'a timely' para 'a<br />

recent news item'.<br />

Os adjetivos também estão perdendo espaço para os<br />

substantivos. Enquanto a maioria dos falantes britânicos falaria 'a<br />

Californian wine' e 'a Texan rancher', mantendo as terminações que<br />

marcam os adjetivos, os falantes norte-americanos diriam hoje: 'a<br />

California wine' e 'a Texas rancher'. Ou seja, os substantivos fazem<br />

eles mesmos<br />

276


o papel dos adjetivos no inglês norte-americano. Hoje, a maioria dos<br />

escritores norte-americanos não faz qualquer distinção entre 'linguistic<br />

change' e 'language change', por exemplo. Se essa tendência se tornar<br />

universal, então pode-se esperar que daqui a uma ou duas décadas, as<br />

construções 'the Britain royal family' ou 'an Australia kangaroo' sejam<br />

possíveis.<br />

Nem mesmo as frases preposicionadas são poupadas de tais<br />

reinterpretações, invertendo a sintaxe herdada: o que costumava ser<br />

'children at risk' e 'patients at risk' é agora 'at-risk children' e at-risk<br />

patients', ambos escritos com hífen, tornando uma frase pospositiva<br />

um adjetivo prepositivo. Essa tendência sintática é particularmente<br />

feroz no presente, então no futuro se pode esperar que as construções<br />

'on-time trains' e 'with-a-grudge colleagues' sejam possíveis. Uma<br />

inovação semelhante foi usada por um importante jornal britânico que<br />

publicou recentemente 'a biophysicist-turned-expert on technology<br />

and society at Oxford', uma redução da sintaxe inglesa que, apenas<br />

uma década atrás, dificilmente teria passado pelo exame de um editor.<br />

De maneira semelhante, a 'sintaxe popular' da língua inglesa<br />

também está mudando, muito frequentemente de maneiras que não são<br />

percebidas pelo público geral. A palavra 'chemical' parece hoje<br />

significar 'composto químico Sinteticamente manufaturado', o modo<br />

como a palavra é usada na frase que frequentemente aparece em<br />

propagandas: "This product is 100 per cent chemical free'. (Quando na<br />

verdade, nada no mundo é 'chemical free'.) E 'natural' recebeu<br />

recentemente uma conotação positiva, desde então não se pode<br />

imaginar a expressão perfeitamente correta em inglês 'natural bubonic<br />

plague', embora 'natural hair shampoo' e 'natural washing powder'<br />

passem pelo escrutínio público sem censuras.<br />

277


Embora formas dialetais do inglês como sommat 'somcthing',<br />

anyroad 'anyway', aught/ought 'anything' e naught/nought 'nothing'<br />

tendam a ser substituídas por seus sinônimos, que serão entendidos<br />

universalmente em uma ou duas gerações, novamente, pelo<br />

nivelamento midiático, a gíria internacional — principalmente de<br />

origem norte-americana — continuará a se difundir rapidamente.<br />

Porém, essa gíria internacional, originada principalmente a partir de<br />

filmes hollywoodianos (usando principalmente os dialetos<br />

californianos e nova-iorquinos), da televisão e da música popular que<br />

dominam o mercado de entretenimento mundial, também está<br />

sofrendo uma pressão cada vez mais forte do espanhol. Pode-se<br />

imaginar que a gíria, assim como o léxico inglês em geral, apresentará<br />

nas décadas futuras um uso cada vez mais frequente de palavras e<br />

expressões da língua espanhola do que de qualquer outra língua<br />

estrangeira.<br />

De maneira semelhante, as variedades locais do inglês<br />

continuarão a suplementar seus vocabulários com recursos nativos: o<br />

inglês australiano emprestará mais palavras e expressões australianas<br />

nativas; o inglês da Nova Zelândia, mais palavras e expressões<br />

maoris; o inglês sul-africano, mais palavras e expressões zulus,<br />

xhosas, sothos, tswanas, e assim por diante. Todos esses<br />

desenvolvimentos devem ser saudados como enriquecimentos da<br />

língua inglesa, contribuindo para a destilação de um novo Inglês<br />

Padrão Internacional.<br />

Contudo, o inglês internacional continua perdendo a maioria de<br />

suas características dialetais, amalgamando-se rapidamente ao amorfo<br />

Inglês Padrão Internacional — que é, na realidade, uma norma<br />

estatística que não existe em lugar algum e que não possui um corpo<br />

oficial que determine sua natureza e regulamente seu uso. O Inglês<br />

Padrão Internacional surgiu por intermédio da comunicação global,<br />

permitindo uma compreensão imediata do rádio, da televisão e da<br />

278


internet seja em Nova Déli, Tóquio ou São Petersburgo. Ele é ainda o<br />

produto de circunstâncias históricas, não projetado (embora isso logo<br />

possa mudar), e continuará mudando e evoluindo.<br />

Antes do rádio e dos filmes, a maioria dos britânicos nunca<br />

havia ouvido a fala norte-americana, que muitos consideraram 'vulgar'<br />

num primeiro momento, especialmente a nasalização norte-americana.<br />

A maioria dos norte-americanos também nunca havia ouvido um<br />

inglês apropriado. Agora, apenas três gerações depois, os dois<br />

dialetos, em vez de se tornarem línguas descendentes, como um<br />

processo linguístico normal produziria, estão cada vez mais próximos.<br />

Na verdade, eles estão evoluindo um em direção ao outro, de uma<br />

forma desigual no presente, devido à nova tecnologia. O inglês<br />

britânico, o inglês padrão americano e todas as outras formas de inglês<br />

no mundo inteiro estão contribuindo para o amálgama linguístico que<br />

é o Inglês Padrão Internacional, uma língua emergente.<br />

Neste livro, frequentemente se mencionou o inglês como uma<br />

'língua mundial'. Há um bom motivo para isso. Pela primeira vez na<br />

história humana, a comunicação global é uma realidade diária. O<br />

surgimento dessa conquista tecnológica coincidiu com e parcialmente<br />

foi o resultado do surgimento do inglês como a mais popular segunda<br />

língua ou língua adicional do mundo. Este último desenvolvimento é<br />

proveniente de uma combinação de fatores: a internacionalização do<br />

inglês além da Grã-Bretanha com o estabelecimento de colônias de<br />

língua inglesa em todo o mundo, o desfecho de duas guerras mundiais<br />

no século vinte, o enorme crescimento econômico dos países de língua<br />

inglesa e os recentes acontecimentos políticos.<br />

A ascensão do inglês no século vinte ocorreu ao mesmo tempo<br />

que a influência de forças antigas, em particular a francesa e a alemã,<br />

diminuiu rapidamente. 12 Entre as línguas do mundo, apenas o<br />

279


espanhol apresenta atualmente uma dinâmica semelhante à do inglês,<br />

mas num grau muito menor. No caso do mandarim chinês, o idioma<br />

mais falado como primeira língua do mundo, os chineses estão<br />

atualmente aprendendo a falar inglês. Poucos falantes do inglês estão<br />

aprendendo o chinês.<br />

O inglês é atualmente falado como primeira língua (idioma<br />

nativo); segunda língua (ou língua adicional) nos países que falam o<br />

inglês, não apenas na Grã-Bretanha, EUA e Nova Zelândia, por<br />

exemplo, mas também na África do Sul, na Índia, em Fiji, nas Ilhas<br />

Cook, entre muitos outros; e exclusivamente por falantes de outras<br />

línguas. O futuro do inglês como língua mundial está nas mãos dos<br />

dois últimos grupos. 13 Oitenta por cento de todos os dados da internet<br />

estão em língua inglesa. Julgando a partir do crescimento do uso da<br />

internet, só esse fato poderia assegurar a posição do inglês como a<br />

língua mais popular do mundo no século vinte e um, se não por mais<br />

tempo. 14 O futuro econômico e político do mundo está ligado a uma<br />

base tecnológica que fala inglês e é definida pelo inglês. Desse modo,<br />

a população mundial está sendo 'forçada' a adotar e prosperar, ou<br />

ignorar o inglês e fracassar. No início do século vinte e um, o<br />

aprendizado do inglês se tornou uma questão econômica: os trabalhos<br />

mais bem pagos do mundo exigem a fluência no inglês. É uma<br />

tendência que, talvez, determine o perfil linguístico do planeta, pelo<br />

menos nos próximos dois séculos.<br />

Escandinávia, Holanda, Singapura e algumas outras regiões do<br />

mundo já podem representar a situação linguística que logo<br />

prevalecerá em toda parte: populações adultas bilíngues que falam a<br />

língua local (metropolitana) tão bem quanto o inglês. Depois disso,<br />

talvez no final do século vinte e quatro, pode ser que o inglês seja a<br />

única língua sobrevivente do planeta, junto à sua língua de sinais.<br />

Porém,<br />

280


a história mostrou que tais previsões globais são normalmente<br />

inválidas. O alemão ou o japonês podem muito bem se tornar a língua<br />

dominante do planeta daqui a 200 anos, apesar da tendência atual que<br />

torna tal situação impossível. No presente, considerando apenas os<br />

números, apenas três línguas (e suas respectivas línguas de sinais)<br />

sobreviverão aos próximos 300 anos: mandarim chinês, espanhol e<br />

inglês. Contudo, sociedades ricas e menores (como Japão, países de<br />

língua alemã, França, Itália, entre outros) podem muito bem conseguir<br />

preservar sua língua como vestígios locais por várias centenas de<br />

anos, por razões culturais. E como o latim, o árabe e o hebraico<br />

certamente continuarão sendo falados e sinalizados, por muitos<br />

séculos, principalmente por motivos religiosos.<br />

E depois? Quando a humanidade colonizar o sistema solar uma<br />

nova forma de — talvez — inglês pode vir a ser falada num futuro<br />

nem tão distante. Pode-se imaginar que os descendentes multiétnicos,<br />

colonizadores presumidamente falantes do Inglês Padrão Internacional<br />

em Marte, por exemplo, apresentem, no final do século vinte e um<br />

inovações linguísticas não conhecidas no inglês da Terra. Nesse caso,<br />

surgirá um dialeto diferente, um inglês marciano que será<br />

imediatamente identificável por aqueles que não o falam. Mas, devido<br />

à comunicação interplanetária regular, essa nova forma de inglês<br />

permanecerá dialetal e não se tornará uma língua separada, assim, a<br />

compreensão mútua entre falantes do inglês marciano e do inglês<br />

terrestre será facilmente mantida. Diacronicamente, substituindo o<br />

Inglês Padrão Internacional, poderá eventualmente surgir um inglês<br />

interplanetário.<br />

'A língua é o mais precioso recurso humano', afirmou<br />

recentemente o linguista australiano Robert Dixon. 15 Na verdade, a<br />

sociedade humana é inconcebível sem a língua. É ela que define<br />

nossas vidas,<br />

281


proclama nossa existência, formula nossos pensamentos, e permite<br />

tudo o que somos e temos. Mas como tudo que foi colocado até agora<br />

demonstrou, talvez mais convincentemente que qualquer outra coisa, a<br />

língua não é permanente, estável e fixa. Como o próprio rio na<br />

história, a língua está num fluxo constante, sempre mudando, sempre<br />

se transformando, substituindo, morrendo, rejuvenescendo, crescendo.<br />

Embora seja possível identificar características comuns entre as<br />

mudanças no decorrer de milênios, inovações, como o computador<br />

pessoal podem mudar a dinâmica da própria mudança, de modo que<br />

surjam processos de mudanças e usos linguísticos até então sem<br />

precedentes. Desse modo, a língua permanece, e sem dúvida<br />

continuará permanecendo, uma das características mais voláteis da<br />

sociedade humana; enquanto a humanidade sobreviver, sempre haverá<br />

a linguagem, mas ela não será a linguagem como nós a conhecemos<br />

hoje.<br />

Logo, todas as línguas do planeta, com exceção de um pequeno<br />

número vestigial, desaparecerão, deixando apenas uma língua para<br />

toda a humanidade (com sua língua de sinais). Com essa perda, a nova<br />

sociedade global atingirá simultaneamente um grau de comunicação<br />

até então inimaginável, com concomitantes benefícios em todos os<br />

aspectos da atividade humana. Perderemos a maioria da diversidade<br />

cultural do planeta, mas, ao mesmo tempo, ganharemos, com uma<br />

língua única, um novo senso de pertencimento, uma nova ordem<br />

mundial, um novo entendimento comum do nosso lugar no Universo.<br />

Porém, muitos temem, com uma única língua, uma possibilidade de<br />

manipulação política, propaganda e controle sem precedentes. Além<br />

disso, a perda das línguas locais inicialmente levará, pela perda da<br />

identidade étnica, a um maior sentimento de alienação, e não de<br />

fraternidade universal. Uma língua mundial pode trazer benefícios,<br />

mas talvez a um preço alto demais. Qualquer que seja<br />

282


o futuro linguístico do planeta, a língua continuará evoluindo com a<br />

humanidade, como ocorreu no último milhão de anos, desde que os<br />

primitivos hominídeos começaram a se comunicar oralmente.<br />

Pois a linguagem — em toda a sua miríade de formas:<br />

comunicação química, 'dança', infrassom, ultrassom, gestos, fala,<br />

escrita, linguagem de programação — é o próprio nexo da Natureza...<br />

e das criações comunicativas da Natureza.<br />

283


Notas<br />

1 — Comunicação animal e 'linguagem'<br />

1 Donald H. Owings and Eugene S. Morton, Animal Vocal Communication<br />

(Cambridge, 1998).<br />

2 Instrumento musical primitivo australiano. (N. T.)<br />

3 William C. Agosta, Chemical Communication: The Language of<br />

Pheromones (New York, 1992).<br />

4 D. A. Nelson and P. Marler, 'Measurement of Song Learning Behavior in<br />

Birds', in Methods in Neurosciences, XIV: Paradigms for the study of<br />

Behavior, ed. P. Conn (Orlando, FL, 1993), pp. 447-65.<br />

5 Irene M. Pepperberg and R. J. Bright, 'Talking Birds', Birds, USA, II<br />

(1990), pp. 92-6.<br />

6 Irene M. Pepperberg, 'Functional Vocalizations by an African Grey Parrot<br />

(Psittacus erithacus)\ Zeitschrift fur Tierpsyichologie, LV (1981), pp.<br />

139-60.<br />

285


7 Irene Pepperberg, 'Cognition in an African Grey Parrot (Psittacus<br />

erithacus), Further Evidence for Comprechension of Catcgories and<br />

Label's, Journal of Comparative Psychology, CIV (1990), pp. 42-51.<br />

8 Capacidade biológica de calcular a posição e a distância de objetos<br />

através da emissão de ondas ultra-sônicas, que refletem no alvo e<br />

retornam ao emissor sob a forma de eco. (N.T.)<br />

9 L. E. L. Rasmussen, "The Sensory and Communication Systems', in<br />

Medicai Management of the Elephant, ed. S. Mikota, E. Sargent, and G.<br />

Ranglack (West Bloomfield, MI, 1994), pp. 207-17.<br />

10 George Harrar and Linda Harrar, Signs of the Apes, Songs of the Whales:<br />

Adventures in Human-Animal Communication (New York, 1989).<br />

11 John C. Lilly, Communication Between Man and Dolphin (New York,<br />

1987).<br />

12 Francine Patterson, The Education of Koko (New York, 1981).<br />

13 Francine Patterson, 'In Search of Man: Experiments in Primate<br />

Communication, Michigan Quarterly Review, XIX (1980) pp. 95-114.<br />

14 Francine Patterson and C. H. Patterson, 'Review of Ape Language: From<br />

Conditioned Response of Symbol', American Journal of Psychology, Cl<br />

(1988), pp. 582-90.<br />

15 Eugene Linden, Silent Partners: The Legacy of the Ape Language<br />

Experiments (New York, 1986).<br />

16 R. Allen Gardner and Beatrix T. Gardner, Teaching Sign Language to<br />

Chimpanzees (Albany, NY, 1989).<br />

17 Duane M. Rumbaugh, Language Learning by a Chimpanzee: The Lana<br />

Project (New York, 1977).<br />

18 Sue Savage-Rumbaugh, Kanzi: The Ape at the Brink of the Human Mind<br />

(New York, 1996).<br />

19 Duane M. Rumbaugh, 'Primate Language and Cognition', Social<br />

Research, LXII (1995), pp. 711-30.<br />

20 Sue Savage-Rumbaugh, Stuart Shanker, and Talbot Taylor, Apes<br />

Language, and the Human Mind (Oxford, 1998).<br />

286


21 Sue Taylor Parker and Kathleen Rita Gibson, eds, ‘Language’ and<br />

Intelligence in Monkeys and Apes: Comparative Development<br />

Perspectives (Cambridge, 1991).<br />

22 Stephen Hart and Franz De Waal, The Language of Animais (New York,<br />

1996).<br />

23 Judith De Luce and Hugh T. Wilder, Language in Primates: Perspectives<br />

and Implications (New York, 1983).<br />

2 — Primatas falantes<br />

1 Richard Leakey, The Origin Of Humankind (New York, 1996).<br />

2 Donald Johanson and Blake Edgar, From Lucy to Language (New York,<br />

1996).<br />

3 Jean Aitchison, The Seeds of Speech: Language Origin and Evolution<br />

(Cambridge, 1996).<br />

4 Christopher Stringer and Robin McKie, African Exodus: The Origins of<br />

Modern Humanity (New York, 1997).<br />

5 Alan Walker and Pat Shipman, The Wisdom of the Bones: In Search of<br />

Human Origins (New York, 1997).<br />

6 Clive Gamble, The Palaeolithic Settlement of Europe (Cambridge, 1996).<br />

7 Ian Tattersall, 'Out of Africa Again... and Again?', Scientific American,<br />

CCLVI/4 (1997), pp. 60-7.<br />

8 Derek Bickerton, Language and Species (Chicago, 1992).<br />

9 Bernard Comrie, Language Universais and Linguistic Typology: Syntax<br />

and Morphology, 2 nd edn (Chicago, 1989).<br />

10 Herbert Clark and Eve Clark, 'Language Processing', in Universais of<br />

Human Language, ed. Joseph Greenberg (Stanford, 1978), I, pp.<br />

225-77.<br />

11 Simon Kirby, 'Function, Selection and Innateness: The Emergence of<br />

Language Universais', PhD. Thesis, University of Edinburgh, 1998.<br />

287


12 Ian Tattersall, The Last Neandertal: lhe Rise, Success, and Mysterious<br />

Extinction of Our Closest Human Relativa (New York, 1996).<br />

13 Nação indígena mais populosa do Quebec no Canadá. (N.T.)<br />

14 Philip Lieberman, Eve Spoke (New York, 1998). See also Philip<br />

Lieberman et al, 'Folk Psychology and Talking Hyoids', Nature,<br />

CC-CXLII/6249 (1990), pp. 486-7.<br />

15 Derek Bickerton, Language and Human Behavior (Seattle, 1995).<br />

16 James Shreeve, The Neandertal Enigma: Solving the Mystery of Modern<br />

Human Origins (New York, 1995).<br />

17 Roger Lewin, Bones of Contention: Controversies in the Search for<br />

Human Origins (Chicago, 1997).<br />

18 Milford Wolpoff and Rachel Caspari, Race and Human Evolution (New<br />

York, 1997).<br />

19 Ian Tattersall, The Fossil Trail: How We Know What We Think We Know<br />

About Human Evolution (Oxford, 1997).<br />

20 Robert M. W. Dixon, The Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).<br />

3 — Primeiras famílias<br />

1 Morris Swadesh, 'Linguistic Overview', in Prehistoric Man in the New<br />

World, ed. Jesse D. Jennings and Edward Norbeck (Chicago, 1964), pp.<br />

527-56.<br />

2 Sydney M. Lamb and E. Douglas Mitchell, eds, Sprung from Some<br />

Common Source: Investigation into the Prehistory of Languages<br />

(Stanford, 1991).<br />

3 Ernst Pulgram, 'The Nature and Use of Proto-Languages', Língua, x<br />

(1961), pp. 18-37.<br />

4 Johanna Nichols, Linguistic Diversity in Space and Time (Chicago, 1992).<br />

5 Terry Crowley, An Introduction to Historical Linguistics, 3 rd edn<br />

(Auckland, 1997).<br />

288


6 Joseph Greenberg, Studies in African Linguistic Classification (New<br />

Haven, 1955).<br />

7 Ian Maddieson and Thomas J. Hinnebusch, eds, Language History and<br />

Linguistic Discription in Africa, Trends in African Linguistics 2<br />

(Lawrenceville, NJ, 1998).<br />

8 Saul Levin, Semitic and Indo-European: The Principal Etymologies, with<br />

Observations on Afro-Asiatic, Amsterdam Studies in The Theory and<br />

History of Linguistics (Amsterdam, 1995).<br />

9 Jerry Norman, Chinese (Cambridge, 1998).<br />

10 Malcolm D. Ross, 'Some Current Issues in Austronesian Linguistics', in<br />

Comparative Austronesian Dictionary: An Introduction to Austronesian<br />

Studies, Part I:Fascicle I, ed. Darrel T. Tryon (Berlin and New York,<br />

1995), pp. 45-120.<br />

11 Daniel Mario Abondolo, ed., The Uralic Languages, Routledge Language<br />

Family Descriptions (London, 1998).<br />

12 Peter Hajdu, Finno-Ugrian Languages and Peoples, Translated G. F.<br />

Cushing (London, 1975).<br />

13 Ives Goddard, "The Classification of the Native Languages of North<br />

America', in Handbook of North American Indians, XVII: Languages<br />

(Washington, 1996), pp. 290-323.<br />

14 Lyle Campbell, American Indian Languages: The Historical Linguistics<br />

of Native America, Oxford Studies in Anthropological Linguistics 4<br />

(Oxford, 1997). Please, consult this outstanding study for the latest<br />

research on the classification, history of investigation, and most recent<br />

theories concerning the North American, Central American and South<br />

American languages.<br />

15 William Bright, American Indian Linguistics and Literature (Berlin, New<br />

York, Amsterdam, 1984).<br />

16 Harriet E. Klein and Louisa R. Stark, eds, South American Indian<br />

Languages: Retrospect and Prospect (Austin, TX, 1985).<br />

17 Nichols (veja nota 27).<br />

289


18 Stephen A. Wurm, 'Classifications of Australian Languages, Including<br />

Tasmanian', in Current Trends in Linguistics, VIII: Linguistics in<br />

Oceania, ed. Thomas A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp.<br />

721-803.<br />

19 A. Capell, 'History of Research in Australian and Tasmanian Languages',<br />

in Current Trends in Linguistics, VIII: Linguistics in Oceania, ed.<br />

Thomas A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp. 661-720.<br />

20 Robert M. W. Dixon, The Languages of Australia (Cambridge, 1980).<br />

21 Capell (veja nota 62).<br />

22 CF. Voegelin et al, 'Obtaining an Index of Phonological Differentiation<br />

from the Construction of Non-Existent Minimax Systems', International<br />

Journal of American Linguistics, XXIX/I (1963), pp. 4—29.<br />

23 Capell (veja nota 62).<br />

24 Pamela Swadling, Papua New Guinea’s Prehistory: An Introduction (Port<br />

Moresby, 1981).<br />

25 Stephen A. Wurm, 'The Papuan Linguistic Situation', in Current Trends<br />

in Linguistics, VIII: Linguistis in Oceania, ed. Thomas A. Sebeok (The<br />

Hague and Paris, 1971), pp. 541-657.<br />

26 Stephen A. Wurm, The Papuan Languages of Oceania (Tubingen, 1982).<br />

27 Darrell T. Tryon, 'The Austronesian Languages',in Comparative<br />

Austroinesia Dictionary: An Introduction to Austronesian Studies, Part I,<br />

Fascicle I, ed. Darrell T. Tryon (Berlin and New York, 1995). pp. 5-44.<br />

28 Isidore Dyen, "The Austronesian Languages and Proto-Austronesian', in<br />

Current Trends in Linguistics, VIII: Linguistics in Oceania, ed. Thomas<br />

A. Sebeok (The Hague and Paris, 1971), pp. 5—54.<br />

29 Malcolm D. Ross, 'Some Current Issues in Austronesian Linguistics', in<br />

Comparative Austronesian Dictionary: An Introduction to Austronesian<br />

Studies, Part I, Fascicle I, ed. Darrell T. Tryon (Berlin and New York,<br />

1995), pp. 45-120.<br />

30 Sanford B. Steever, ed., The Dravidian Languages, Routledge Language<br />

Family Descriptions (London, 1998).<br />

290


31 Cohn Renfrew, Archaeology and Language: The Puzzle of lndo-European<br />

Origins (London, 1987).<br />

32 Robert S. P. Beekes, Comparative Indo-European Linguistics: An<br />

Introduction (Amsterdam, 1995).<br />

33 Björn Collinder, An Introduction to the Uralic Languages (Berkeley and<br />

Los Angeles, 1965). See also Bela Brogyanyi and Reiner Lipp, eds,<br />

Comparative Historical Linguistics: Indo-European and Finno-Ugric.<br />

Papers in Honor of Oswald Szemerenyi, III (Amsterdam, 1993).<br />

34 Philip Balsi, An Introduction to the Indo-European Languages<br />

(Carbondale, IL, 1983).<br />

35 Anna Giacalone Ramat and Paolo Ramat, eds, The Indo-European<br />

Languages, Routledge Language Family Descriptions (London, 1998).<br />

36 Crowley (veja nota 48).<br />

37 Robert M. W. Dixon, The Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).<br />

4 — Linguagem escrita<br />

1 M. W. Green, "The Construction and Implementation of the Cuneiform<br />

Writing System', Visible Language, XV74 (1981), pp. 345-72.<br />

2 Archibald A. Hill, "The Typology of Writing Systems', in Papers in<br />

Linguistics in Honor of Léon Dostert, ed. W M. Austin (The Hague,<br />

1967), pp. 92-9.<br />

3 Wayne M. Senner, ed., The Origins of Writing (Lincoln, NB, 1991).<br />

4 Hans Jensen, Sign Symbol and Script. An Account of Man’s Efforts to<br />

Write, 3 rd edn (London, 1970).<br />

5 Edward B. Tylor, Anthropology (New York, 1881).<br />

6 David Diringer, Writing (London, 1962).<br />

7 George L. Trager, 'Writing and Writing Systems', in Current Trends in<br />

Linguistics, XII: Linguistics and Adjacent Arts and Sciences, ed. Thomas<br />

A. Sebeok (The Hague, 1974), pp. 373-96.<br />

291


8 Geoffrey Sampson, Writing Systems (London, 1985).<br />

9 For the most comprehensive and up-to-date, see Peter T. Daniels and William<br />

Bright, eds, lhe Words Writing Systems (New York, 1996). Also recomended<br />

are George L. Campbell, Handbook of Scripts and Alphabets (London,<br />

1997); Florian Colmas, The Blackwell Encyclopedia of Writing Systems<br />

(Oxford, 1996); Sampson (see note 88); Diringer (veja nota 86); and Jensen<br />

(note 84).<br />

10 Denise Schmandt-Besserat, How Writing Carne About (Austin, TX, 1997).<br />

11 John D. Ray, 'The Emergence of Writing in Egypt', World Archaeology,<br />

XVII/3 (1986), pp. 307-16.<br />

12 Hillary Wilson, Understanding Hieroglyphs: A Complete Introductory Guide<br />

(Lincolnwood, IL, 1995).<br />

13 Jaromir Malek, The ABC of Hieroglyphs: Ancient Egyptian Writing (Gilsum,<br />

NH, 1995).<br />

14 W V. Davies, Egyptian Hieroglyphs, Reading the Past, vol. VI (Berkeley and<br />

Los Angeles, 1990).<br />

15 David P. Silverman, Language and Writing in Ancient Egypt, Carnegie<br />

Series on Egypt (Oakland, CA, 1990).<br />

16 E. A. Wallis Budge, An Egyptian Hieroglyphic Dictionary, 2 vols (Mineola,<br />

New York, 1978).<br />

17 Denise Schmandt-Besserat, Before Writing: From Counting to<br />

Cuneiforme (Austin, TX, 1992).<br />

18 Stuart Schneider and George Fischler, The Illustrated Guide to Antique<br />

Writing Instruments (New York, 1997).<br />

19 Marvin A. Powell, "Three Problems in the History of Cuneiforme Writing:<br />

Origins, Direction of Script, Literacy', Visible Language, XV/4 (1981), pp.<br />

419-40.<br />

20 C. B. F. Walker, Cuneiforme, Reading, the Past, vol. III (Berkeley and Los<br />

Angeles, 1989).<br />

21 Green (veja nota 81).<br />

292


22 Gregory L. Possehl, The Indus Age: The Writing System (Philadelphia,<br />

1996).<br />

23 Walter A. Fairservis, Jr, "The Script of the Indus Valley Civilization',<br />

Scientific American (March 1983), pp. 41-9.<br />

24 Asko Parpola, "The Inds Script: A Challenging Puzzle', World<br />

Archaeology, XVII/3 (1986), pp. 399-419, and Deciphering the Indus<br />

Script (Cambridge, 1994).<br />

25 Maurice W. M. Pope, 'The Origin of Near Eastern Writing', Antiquity, XL<br />

(1965), pp. 17-23.<br />

26 G. R. Driver, Semitic Writing (London, 1948).<br />

27 Roger D. Woodard, Greek Writing from Knossos to Homer: A Linguistic<br />

Interpretation of the Origin of the Greek Alphabet and the Continuity of<br />

Ancient Greek literacy (Oxford, 1997). The new theory that Minoan<br />

Greeks elaborated the hieroglyphic and Linear A scripts can be read in<br />

Steven Roger Fischer, Evidence for Hellenic Dialect in the Phaistos Disk<br />

(Berne, Frankfurt am Main, New York, Paris, 1988); a popular version of<br />

his theory can be read in Steven Roger Fischer, Glyphbreaker (New<br />

York, 1997).<br />

28 Brian Colless, 'The Byblos Syllabary and the Proto-Alphabet',<br />

Abr-Nahrain, XXX (1992), pp. 55-102.<br />

29 Brian E. Colless, 'Recent Discoveries Illuminating the Origin of the<br />

Alphabet', Abr-Nahrain, XXVI (1988), pp. 30-67.<br />

30 John F. Healey, Early Alphabet, Reading the Past, vol. IX (Berkeley and<br />

Los Angeles, 1991).<br />

31 Steven Roger Fischer, Rongorongo: The Easter Island Script. History,<br />

Traditons Texts, Oxford Studies in Anthropological Linguistics, 14<br />

(Oxford, 1997).<br />

32 S. Robert Ramsey, The Languages of China (Princeton, NJ, 1990).<br />

33 Sampson (veja nota 88).<br />

34 John S. Justeson, "The Origin of Writing Systems: Preclassic<br />

Mesoamerica, World Archaeology, XVII (1986), pp. 439-56.<br />

293


35 John S. Justeson and Terrence Kaufman, 'A Decipherment of Epi-Olmec<br />

Hieroglyphic Writing', Science, CCLIX (1993), pp. 1703-11.<br />

36 Michael D. Coe, Breaking the Maya Code (London, 1992).<br />

37 Michael D. Coe and Justin Kerr, The Art of the Maya Scribe (London,<br />

1998).<br />

38 Joyce Marcus, Mesoamerican Writing Systems: Propaganda, Myth and<br />

History in Four Ancient Civilizations (Princeton, NJ, 1992).<br />

39 D. Gary Miller, Ancient Scripts and Phonological Knowledge,<br />

(Amsterdam, 1994).<br />

40 Henri Jean Martin, The History and Power of Writing, translated by<br />

Lydia G. Cochrane (Chicago, 1995).<br />

41 John L. White, ed., Studies in Ancient Letter Writing (Atlanta, GA, 1983).<br />

5 — Linhagens<br />

1 Ross Clark, 'Language', in The Prehistory of Polynesia, ed. Jesse D.<br />

Jennings (Cambridge, MA, and London, 1979), pp. 249-70.<br />

2 Em português, conselho de guerra e procurador-geral, respectivamente.<br />

(N.T.)<br />

3 Donald Macaulay, The Celtic Languages (Cambridge, 1993).<br />

4 Também Ródano, em português. (N.T.)<br />

5 James Fife and Martin J. Ball, eds, The Celtic Languages (London,<br />

1993).<br />

6 Kenneth Hurlstone Jackson, Language and History in Early Britain<br />

(Portland, OR, 1994).<br />

7 Janet Davies, The Welsh Language (Cardiff, 1993).<br />

8 Galês, em português. (N.T.)<br />

9 R. S. Conway, The Italic Dialects (Cambridge, 1897).<br />

10 Carl Darling Buck, A Grammar of Oscan and Umbrian: With a<br />

Collection of Inscriptions and Glossary (Boston, MA, 1994).<br />

294


11 M. S. Beeler, The Venetic Language, University of California<br />

Publications in Linguistics, IV/I (Berkeley and Los Angeles, 1949).<br />

12 Helena Kurzova, From Indo-European to Latin: The Evolution of a<br />

Linguistic Morphosyntactic Type, Amsterdam Studies in the Theory and<br />

History of Linguistic Science, Series 4 (Amsterdam, 1993).<br />

13 Roger Wright, ed., Latin and the Romance Languages in the Early<br />

MiddleAges (University Park, PA, 1995).<br />

14 Tracy K. Harris, Death of a Language: The History of Judeo-Spanish<br />

(Newark, DE, 1994).<br />

15 Peter A. Machonis, Histoire de la langue: du latin à l’ancien français<br />

(Lanham, MD, 1990).<br />

16 Peter Rickard, A History of the French Language, 2 nd edn (London, 1989).<br />

17 Paul M. Lloyd, From Latin to Spanish: Historical Phonology<br />

andMorphology of the Spanish Language, Memoirs of the American<br />

Philosophical Society,173, (Philadelphia, PA, 1987).<br />

18 Ralph Penny, A History of the Spanish Language (Cambridge, 1991).<br />

19 Martin Maiden, A Linguistic History of Italian, Longman Linguistics<br />

Library (London, 1994).<br />

20 D. H. Green, Language and History in the Early Germanic World<br />

(Cambridge, 1998).<br />

21 Johan van der Auwera and Ekkehard K. Fonig, The Germanic Languages<br />

(London, 1994).<br />

22 Joseph B. Voyles, Early Germanic Grammar: Pre-, Proto-, and<br />

Post-Germanic Languages (San Diego, CA, 1992).<br />

23 Orrin W. Robinson, Old English and Its Closest Relatives: A Survey of the<br />

Earliest Germanic Languages (Stanford, CA, 1994).<br />

24 Charles V. J. Russ, German Language Today: A Linguistic Introduction<br />

(London, 1994).<br />

25 Rolf Bemdt, History of the English Language (Leipzig, 1982).<br />

26 Malcolm Guthrie, Comparative Bantu: An Introduction to the<br />

Comparative Linguistic and Prehistory of the Bantu Languages, 4 vols<br />

(Farnborough, 1967-70).<br />

295


27 Derek Nurse and Thomas J. Hinnebusch, Suabili and Sabaki: A<br />

l.inguistic History, University of California Publications in Linguistics,<br />

CXXI (Berkeley and Los Angeles, 1993).<br />

28 Harry H. Johnston, A Comparative Study of the Bantu andSemi-Bantu<br />

Languages (New York, 1997).<br />

29 Jan Vansina, Paths in the Rainforests (Madison, Wisconsin, 1990).<br />

30 Ibidem.<br />

31 Jerry Norman, Chinese (Cambridge, 1988).<br />

32 Victor Krupa, The Polynesian Languages: A Guide, Languages of Asia<br />

and Africa, IV (London, 1982).<br />

33 Clark (veja nota 122).<br />

34 Andrew Pawley, "The Relationships of Polynesian Outlier Languages',<br />

Journal of the Polynesian Society, LXXVI (1967), pp. 259-96.<br />

35 Carleton T. Hodge, 'The Linguistic Cycle', Language Sciences, XIII,<br />

PP I-7.<br />

6 — Em direção a uma ciência da linguagem<br />

1 Leonard Bloomfield, An Introduction to Linguistic Science (New York,<br />

1914).<br />

2 Bimal Krishna Matilal, The Word and the World: India’s Contibution<br />

to the Study of Language (Oxford, 1990).<br />

3 Giulio Lepschy, ed., History of Linguistics: lhe Eastern Traditions of<br />

Linguistics (London, 1996).<br />

4 Esa Itkonen, Universal History of Linguistics: India, China, Arabia,<br />

Europe, Amsterdam Studies in the Theory and History of Linguistic<br />

Science 65 (Amsterdam, 1991).<br />

5 Robert H. Robins, A Short History of Linguistics, 3 rd edn, Longman<br />

Linguistics Library (London, 1996).<br />

6 Pieter A. M. Seuren, Western Linguistics: An Historical Introduction<br />

(Oxford, 1998).<br />

296


7 Giulio Lepschy, ed., History of Linguistics: Classical and Medieval<br />

Linguistics (London, 1996).<br />

8 Roy Harris and Talbot J. Taylor, Landmarks in Linguistic Thought: The<br />

Western Tradition from Socrates to Saussure, Routledge History of<br />

Linguistic Thought Series (London, 1997).<br />

9 Robert H. Robins, The Byzantine Grammarians: Their Place in History,<br />

Trends in Linguistics, Studies, and Monographs 70 (Berlin, New York,<br />

Amsterdam, 1993).<br />

10 Seuren (veja nota 162).<br />

11 Lepschy (veja nota 163).<br />

12 Kees Versteegh, Landmarks in Linguistic Thought III: The Arabic<br />

Linguistic Tradition, Routledge History, of Linguistic Thought Series<br />

(London, 1997).<br />

13 Itkonen (veja nota 160).<br />

14 Lepschy (veja nota 159).<br />

15 Vivien Law, ed., History of Linguistic Thought in the Early Middle Ages,<br />

Amsterdam Studies in the Theory and History of Linguistic Science<br />

(Amsterdam, 1993).<br />

16 Lepschy (veja nota 163).<br />

17 Law (veja nota 171).<br />

18 Robins (veja nota 161).<br />

19 Seuren (veja nota 162).<br />

20 Ferdinand de Saussure, Course in General Linguistics, translated by<br />

Wade Baskin (New York, 1966).<br />

21 Jindrich Toman, The Magic of a Common Language: Jakobson,<br />

Mathesius, Trubetzkoy, and the Prague Linguistic Circle, Current Studies<br />

in Linguistics, 26 (Cambridge, MA, 1995).<br />

22 Em português caixa e alfinete, respectivamente. (N.T)<br />

23 Randy Allen Harris, The Linguistics Wars (Oxford, 1995).<br />

24 Edward Sapir, Language: An Introduction to the Study of Speech (New<br />

York, 1921).<br />

297


25 P. H. Matthews , Grammatical Theory in the United States from<br />

Bloomfield to Chomsky, Cambridge Studies in Linguistics, 67<br />

(Cambridge, 1993).<br />

26 Leonard Bloomfield, Language (London, 1935).<br />

27 William O'Grady, Contemporary Linguistics: An Introduction, 3 rd edn<br />

(London, 1997).<br />

28 J. R. Firth, Papers in Linguistics 1934-1951 (Oxford, 1957).<br />

29 Roman Jakobson, Selected Writings I: Phonological Studies (The Hague,<br />

1962).<br />

30 Sidney M. Lamb, 'The Sememic Approach to Structural Semantics',<br />

American Anthropologist, LXVI (1964), pp. 57—78; and Outline of<br />

Stratificational Grammar (Washington, DC, 1966).<br />

31 Noam Chomsky, Syntactic Structures (The Hague, 1957).<br />

32 Emmon Bach, Introduction to Transformational Grammars (New York,<br />

1964).<br />

33 Noam Chomsky, Aspects of the Theory of Syntax (Cambridge, MA,<br />

1965).<br />

34 On 12 November 1998, as I was writing this chapter, Noam Chomsky<br />

visited me at my home on Waiheke Island, New Zealand, where we spent<br />

the afternoon together discussing, among other things, transformational<br />

generative grammar and its place in the history of linguistics. When I<br />

asked Chomsky whether he agreed with my assessment, he replied yes,<br />

that 'generative grammar' would perhaps be the most important<br />

theoretical linguistic model of the Second half of the twentieth century.<br />

The 'transformational' aspect might be debatable, he added, though he<br />

believed a transformational element must be present in the process of<br />

language generation.<br />

35 Robert M. W Dixon, lhe Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).<br />

36 Robert D. King, Historical Linguistics and Generative Grammar<br />

(Englewood Cliffs, New Jersey, 1969); Hans Henrich Hock, Principles of<br />

Historical Linguistics (Berlin, New York, Amsterdam, 1986).<br />

37 James Allen, Natural Language Understanding, 2 nd edn (London, 1995).<br />

Noam Chomsky informed me during our meeting on<br />

298


Waiheke Island (see above) that he initially drew his model of<br />

transformational generative grammar from the computational linguistics<br />

being innovated in the USA after the war, specifically in the area of<br />

machine translating.<br />

7 — Sociedade e linguagem<br />

1 Ronald Wardhaugh, An Introduction to Sociolinguistics (Oxford, 1997).<br />

2 Suzanne Romaine, Language in Society: An Introduction to<br />

Sociolinguistics (Oxford, 1994).<br />

3 Peter Trudgill, Sociolinguistics: An Introduction to Language and<br />

Society, rev. edn (New York, 1996).<br />

4 Jean Aitchison, Language Change: Progress or Decay?, 2 nd edn<br />

(Cambridge, 1991).<br />

5 Construção gramatical de língua inglesa em que normalmente advérbios<br />

são colocados entre a forma infinitiva do verbo, 'dividindo-o'. Por<br />

exemplo, 'to go', significando ir para 'to boldly go' significando<br />

ousadamente ir. (N. T.)<br />

6 Roger Lass, Historical Linguistics and Language Change (Cambridge,<br />

1997).<br />

7 'Como', 'tipo', 'meio', 'você sabe', 'essas coisas', respectivamente.<br />

(N.T.)<br />

8 Nigger é uma palavra usada para se referir pejorativamente aos negros<br />

em inglês. (N.T.)<br />

9 Fairy e queer se referem a homossexuais, e cohabitation e concubine<br />

significam coabitar e concubina, respectivamente. (N.T.)<br />

10 Respectivamente divorciado (a), solteirona e mãe solteira. (N.T.)<br />

11 R. L. Trask, Language Change (London, 1994).<br />

12 Em português, alguns exemplos da suplementação da palavra 'excelente'<br />

são 'massa', 'brasa', 'da hora', entre outros. (N.T.)<br />

299


13 Em português, agudo. (N.T.)<br />

14 Jonathan Green, Slangs Through the Ages (Lincolnwood, IL, 1996).<br />

15 Robert L. Chapman, American Slang (New York, 1998).<br />

16 Karl Sornig, Lexical Innovation: A Study of Slang, Colloquialisms, and<br />

Casual Speech (New York, 1981).<br />

17 Suzanne Romaine, Pidgin and Creole Languages (New York, 1988).<br />

18 Terry Crowley, An Introduction to Historical linguistics, 3rd edn<br />

(Auckland, 1997).<br />

19 Derek Bickerton, Roots of Language (Ann Arbor, 1981).<br />

20 David Crystal, English as a Global Language (Cambridge, 1998).<br />

21 J. K. Chambers and Peter Trudgill, Dialectology (Cambridge, 1990).<br />

22 Joshua A. Fishman, In Praise of the Beloved Language: A Comparative<br />

View of Positive Ethnolinguistic Consciousness (Berlin, New York,<br />

Amsterdam, 1997).<br />

23 Joey Lee Dillard, Black English: Its History and Usage in the United<br />

States (New York, 1973).<br />

24 Clarence Major, Juba to Jive: A Dictionary of African-American Slang<br />

(New York, 1994).<br />

25 Dale Spender, Man-Made Language (New York, 1990).<br />

26 Anna Livia, Queerly Phrased: Language, Gender, and Sexuality,<br />

(Oxford, 1997).<br />

27 Respectivamente humano e homem. (N.T.)<br />

28 Hu, corresponderia ao radical de human, e person de pessoa. (N.T.)<br />

29 Humanidade, em ambos os casos. (N.T.)<br />

30 Presidente, moderador, dirigente, em ambos os casos. (N.T.)<br />

31 Aeromoço, aeromoça e comissário (a) de bordo, respectivamente.<br />

(N.T)<br />

32 Christmas significa Natal, no caso Christ mass poderia significar 'massa<br />

de Cristo' ou 'massa católica'. (N.T.)<br />

300


33 Numa tradução simplificada os binômios querem dizer respectivamente:<br />

pedra, reino, barriga, velocidade, socorro, parar, deixar (sair, abandonar),<br />

falar. (N.T.)<br />

34 John W. Young, Totalitarian Language (Charlottesville, VA, 1991).<br />

35 Edward S. Herman and Noam Chomsky, Manufacturing Consent: The<br />

Political Economy of the Mass Media (New York, 1988).<br />

36 Em português seriam equivalentes às denominações coveiro, diretor<br />

funerário e especialista no cuidado dos destituídos, no primeiro caso;<br />

faxineiro, zelador e engenheiro sanitário no segundo. (N.T.)<br />

37 William C. Stokoe, Semiotics and Human Sign Languages (The Hague,<br />

1972).<br />

38 Matthias Brenzinger, ed., Language Death (Berlin, New York,<br />

Amsterdam, 1992).<br />

39 Lenore A. Grenoble and Lindsay J. Whaley, eds, Endangered Languages:<br />

Current Issues and Future Prospects (Cambridge, 1997).<br />

40 Trudgill, (veja nota 196).<br />

41 Alison Ross, Language of Humour (London, 1998).<br />

42 Jan Gavan Bremmer and Herman Roodenburg, eds, A Cultural History of<br />

Humour: From Antiquity to the Present Day (Oxford, 1997).<br />

8 — Indicativo futuro<br />

1 Robert W. Sebesta, Concepts of Programming Languages (Don Mills,<br />

Ont., 1998).<br />

2 Alice E. Fischer and Frances S. Grodzynsky, The Anatomy of<br />

Programming Languages (New York, 1993).<br />

3 Ryan Stansifer, The Study of Programming Languages (New York,<br />

1994).<br />

4 Doris Appleby and Julius J. Vandekopple, Programming Languages:<br />

Paradigm and Practice, 2 nd edn, McGraw-Hill Computer Science Series<br />

(New York, 1997).<br />

301


5 Kenneth C. Louden, Programming Languages: Principles and Practice,<br />

PWS-Kent Series in Computer Science (Boston, MA, 1993).<br />

6 C. A. R. Hoare and C. B. Jones, Essays in Computing Science,<br />

Prentice-Hall International Series in Computer Science (New York,<br />

1989).<br />

7 Mark Warschauer, ed., Virtual Connection: Online Activities and Projects<br />

for Networking Language Learners, National Foreign Language Center<br />

Technical Reports N°. 8 (Honolulu, 1995).<br />

8 Seppo Tella, "The Adoption of International Communications Networks<br />

and Electronic Mail into Foreign Language Education, Scandinavian<br />

Journal of Educational Research, XXXVI (1992), pp. 303-12.<br />

9 Seppo Tella, Introducing International Communications Networks and<br />

Electronic Mail in Foreign Language Classrooms: A Case Study in<br />

Finnish Senior Secondary Schools. Doctoral dissertation, University of<br />

Helsinki, 1991.<br />

10 Seppo Tella, Talking Shop Via e-Mail: A Thematic and Linguistic<br />

Analysis of Electronic Mail Communication (Helsinki, 1992).<br />

11 Dave Sperling, The Internet Guide for English Language Teachers (New<br />

York, 1997).<br />

12 Robert Phillipson, Linguistic Imperialism (Oxford, 1992).<br />

13 Jenny Cheshire, ed., English Around the World (Cambridge, 1991).<br />

14 The British Council, The Future of English? (London, 1997).<br />

15 Robert M. W. Dixon, The Rise and Fall of Languages (Cambridge, 1997).<br />

302


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O autor Steven Roger nos conduz a uma fascinante<br />

viagem ao mundo pré-histórico, remontando os passos<br />

do surgimento de uma das mais importantes conquistas<br />

do ser humano: a linguagem. Com ela, nossos ancestrais<br />

foram capazes de transmitir seus conhecimentos às<br />

gerações futuras, e hoje, conhecemos diversos modos de<br />

linguagem, seja ela verbal ou não verbal, por meio de<br />

sinais, gestos, códigos, imagens etc. Estudos recentes<br />

têm comprovado que qualquer ser vivo, em qualquer<br />

época, sempre foi capaz de se comunicar com outro<br />

animal, por mais limitado que fosse esta comunicação, e<br />

deste modo, podemos afirmar que a linguagem não é um<br />

privilégio somente do Homem, mas uma faculdade<br />

inerente a todos os seres. Uma Breve História da<br />

Linguagem é uma obra interessante e muito abrangente.<br />

Steven Roger Fischer nasceu nos Estados Unidos e foi<br />

Doutor pela Universidade da Califórnia na década de<br />

1970. Fala fluentemente francês, espanhol e alemão, e é<br />

hoje diretor do Instituto de Línguas e Literatura<br />

Polinésias. Vive atualmente na Nova Zelândia.


A linguagem surgiu nos primórdios de nossa existência, e está total¬<br />

mente relacionada à evolução de todas as criaturas tanto quanto o<br />

seu modo de se relacionar. Ela é uma das mais importantes ferra­<br />

mentas que o ser humano conquistou ao longo dos tempos, a qual o possibilita<br />

se desenvolver e aprender sobre si próprio e o mundo que o cerca.<br />

Veremos como a linguagem humana evoluiu e as modificações nela ocorridas<br />

ao longo cia história, até chegarmos ao seu estágio atual, e termos uma prévia<br />

de como poderá vir a ser no futuro, com o avanço da tecnologia.<br />

"O intrigante e ambicioso estudo de Steven Fischer explora um vasto terreno,<br />

partes dele quase não registrado; outras, examinadas profundamente ao longo<br />

de muitos anos — e, como ele relata, por muitos séculos. Do começo ao fim,<br />

ele discute questões difíceis que conduzem diretamente aos aspectos funda­<br />

mentais e particulares da natureza humana e suas conquistas. Uma pesquisa<br />

informativa altamente estimulante."<br />

- NOAM CHOMSKY<br />

"Um livro agradável e inesperadamente acessível... Uma viagem rara ao mun­<br />

do da Lingüística."<br />

-THE ECONOMIST

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