LOURDES RAMALHO REVISITADA Valéria Andrade Diógenes ...
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<strong>LOURDES</strong> <strong>RAMALHO</strong> <strong>REVISITADA</strong><br />
<strong>Valéria</strong> <strong>Andrade</strong><br />
<strong>Diógenes</strong> André Vieira Maciel<br />
Incluir a dramaturgia de autoria feminina como objeto legítimo de pesquisa nos<br />
meios acadêmicos do país – eis a tarefa a que, nos últimos quinze anos, pelo menos, um<br />
grupo de estudiosas da literatura brasileira vem se dedicando, com paixão e, sobretudo,<br />
com teimosia. Trabalhando, de início, como que ilhadas, inclusive umas das outras,<br />
espalhadas pelas várias regiões do país, essas pesquisadoras realizaram seus estudos,<br />
num primeiro momento, a partir de uma perspectiva revisionista. Urgia provar que<br />
nossas primeiras escritoras exerceram seu ofício também no campo da dramaturgia, e<br />
não apenas no da narrativa e da poesia. Se, principalmente por implicar ação e<br />
movimento para fora de si, tal oficio vinha, séculos afora, sendo entendido como<br />
exclusivamente masculino, impunha-se àquelas estudiosas, até por uma questão de<br />
coerência, resistir a vozes que, aqui e ali, ainda insistiam, numa eterna inaptidão das<br />
mulheres para a escrita de textos teatrais.<br />
Ultrapassado esse primeiro momento, cujos resultados mais significativos já<br />
circulam nas bibliotecas e livrarias, 1 outras preocupações começaram a surgir: se já<br />
podíamos entender e visualizar o período formativo dessa tradição, em fins do século<br />
XIX, quando se destacaram nomes como Maria Ribeiro (1829-1880), Josefina Álvares<br />
de Azevedo (1851-?), Guilhermina Rocha (1884-1938) e Júlia Lopes de Almeida (1862-<br />
1934); cabia agora discutir qual o lugar dessas mulheres e de suas peças, tendo-se a<br />
certeza de que elas não poderiam novamente voltar aos porões de onde haviam sido<br />
resgatadas, enfim, essas obras clamavam por edições revisadas, atualizadas, críticas,<br />
para que pudessem re-encontrar o público-leitor ou o público das salas de espetáculo.<br />
Porém, chegava-se a outro impasse: re/editar onde e para quem? Esta pergunta abria os<br />
nossos olhos para as portas fechadas do mercado editorial que, salvo algumas<br />
oportunidades, 2 não costumam se abrir para a dramaturgia, a não ser aquela de autores<br />
consagrados e, portanto, capaz de auferir lucro às editoras. Ainda são poucos os<br />
‘leitores’ de dramaturgia em nosso país, principalmente se considerarmos o pouco<br />
espaço nos estudos acadêmicos da área de literatura brasileira sobre este gênero, o que<br />
1 Nesta linha revisionista, com caráter marcadamente político, destacam-se as seguintes publicações: SOUTO-<br />
MAIOR, <strong>Valéria</strong> <strong>Andrade</strong>. Índice de dramaturgas brasileiras do século XIX. Florianópolis: Mulheres, 1996;<br />
SOUZA, Maria Cristina de. A tradição obscura: o teatro feminino no Brasil. Niterói, Rio de Janeiro: Bacantes, 2001;<br />
SOUTO-MAIOR, <strong>Valéria</strong> <strong>Andrade</strong>. O florete e a máscara: Josefina Álvares de Azevedo, dramaturga do século XIX.<br />
Florianópolis: Mulheres, 2001; RODRIGUES, Marise. Catálogo Coleção Maria Jacintha: dramaturgia e teatro.<br />
Niterói, Rio de Janeiro: Bacantes, 2001.Destaque-se, ainda, o trabalho pioneiro de análise sobre a dramaturgia de<br />
autoria feminina, das décadas de 1960-1980, de VICENZO, Elza Cunha de. Um teatro da mulher: dramaturgia<br />
feminina no palco brasileiro contemporâneo. São Paulo: Perspectiva, 1992.<br />
2 Nos últimos anos esta tradição da dramaturgia de autoria feminina encontrou espaço nos dois volumes da antologia<br />
Escritoras brasileiras do século XIX, organizada por Zahidé Lupinacci Muzart, co-editados pela Editora Mulheres e<br />
Edunisc, em 1999 e 2004. A comédia em um ato, O voto feminino (1890), de Josefina Álvares de Azevedo, ganhou<br />
publicação, na íntegra, na revista Acervo Histórico, da Assembléia Legislativa de São Paulo (n. 2, jul-dez. 2004).
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se complica ainda mais quando tratamos da dramaturgia feminina, sendo sempre<br />
necessário se assumir uma dupla militância, primeiramente, pela dramaturgia, depois,<br />
por aquela escrita por mulheres. Sendo poucos os leitores e os espaços para esta leitura,<br />
as companhias editoriais parecem não se incomodar com o silenciamento das vozes da<br />
ribalta, impondo, assim, um terceiro espaço de militância, o da re/edição dos textos, que<br />
possibilitariam a sua volta aos palcos e sua descoberta pelos estudiosos, numa escala<br />
mais ampla, que não aquela de restritos círculos acadêmicos.<br />
Como desdobramentos desses estudos pioneiros, começaram a surgir, aqui e ali,<br />
outras perspectivas sobre a fatura dessas primeiras dramaturgas, que não apenas<br />
consideram o estabelecimento desta tradição, mas já começam a discutir as relações<br />
entre as autoras, em perspectiva sincrônica e diacrônica, ou se debruçam sobre as<br />
malhas dos textos para a construção de suas interpretações.<br />
No entanto, aqui, poderíamos começar a situar uma outra discussão em torno da<br />
dramaturgia de autoria feminina, enfocando a produção contemporânea, mas em outros<br />
espaços que não aqueles privilegiados pelos mecanismos de produção teatral<br />
profissional e comercial. Enquanto em grandes centros, como Rio de Janeiro e São<br />
Paulo, destacam-se as peças de Leilah Assumpção, Maria Adelaide Amaral ou Consuelo<br />
de Castro, aqui, pelos lados do Nordeste, surge o nome de Lourdes Ramalho, autora<br />
ímpar na história do teatro paraibano, cuja produção dramatúrgica remonta os idos da<br />
década de 1970, sendo marcados estes últimos mais de trinta anos por uma profícua<br />
atividade criadora.<br />
Maria de Lourdes Nunes Ramalho nasceu em 23 de agosto de 1923, entre a<br />
Paraíba e o Rio Grande do Norte, na localidade sertaneja de Jardim do Seridó, próxima<br />
a Caicó-RN, numa família de intelectuais e artistas ligados a expressões e práticas<br />
culturais populares. Seu bisavô, Hugolino Nunes da Costa, afrontando a imposição dos<br />
pais quanto a seguir uma profissão de prestígio, condizente com o status<br />
socioeconômico da família, fugiu de casa aos dezoito anos para se dedicar ao repente e à<br />
cantoria de viola, tornando-se mais tarde um dos expoentes da primeira geração de<br />
cantadores surgida no sertão paraibano em meados do século XIX, dando seqüência a<br />
uma linhagem iniciada por Agostinho Nunes da Costa, considerado o pai da poesia<br />
sertaneja nordestina. 3<br />
Professora, poeta e dramaturga, Lourdes Ramalho cresceu em contato com<br />
cantadores de viola, cordelistas e contadores de história, aprendendo desde menina a<br />
captar, a entender e a admirar os procedimentos próprios da literatura popular,<br />
assimilados mais tarde à sua escrita dramática. Fez seus primeiros estudos em Caicó,<br />
assistida bem de perto pela mãe, a também professora e dramaturga Ana Brito. Suas<br />
primeiras experiências no sentido de registrar no papel, de forma dramatizada, hábitos,<br />
falares e visões de mundo de mulheres e homens comuns da sua região, foram feitas<br />
ainda na sua adolescência, com o incentivo da mãe e de outros familiares, também<br />
envolvidos com teatro. Sua paixão pela palavra e pelo palco tomou grande impulso na<br />
década de 1970, quando sua dramaturgia caiu na estrada, chegando ao Sul e Sudeste do<br />
Brasil, através de festivais de teatro amador.<br />
3 Cf. ALVES SOBRINHO, José. Cantadores, repentistas e poetas populares. Campina Grande: Bagagem, 2003 e<br />
<strong>RAMALHO</strong>, Maria de Lourdes Nunes. Raízes ibéricas, mouras e judaicas do Nordeste. João Pessoa: Editora<br />
Universitária/UFPB, 2002.
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Vale, aqui, uma rápida digressão. Como já bem nos ensinou Sábato Magaldi, 4<br />
quando Eles não usam black-tie estréia em São Paulo, em 1958, revirando a nossa cena<br />
teatral definitivamente e abrindo as portas do teatro brasileiro para a representação de<br />
conteúdos críticos ligados às classes subalternas, uma série de outros textos já haviam<br />
marcado a cena paulista, entre eles O auto da Compadecida, de Ariano Suassuna,<br />
escrito em 1955 e encenada, lá pelos lados do sul, em 1957 e A moratória, de Jorge<br />
<strong>Andrade</strong>, também de 1955, que marca a possibilidade de estabelecimento e valorização<br />
do dramaturgo nacional. A novidade de Ariano, em relação à dramaturgia produzida no<br />
Sudeste, é a maneira como ele traz aos palcos os problemas e a cultura nordestina, em<br />
oposição ao repertório estrangeiro que encontrávamos nos teatros. Sua produção iniciase<br />
no TEP (Teatro do Estudante de Pernambuco), surgido em torno de 1945, movimento<br />
que contará com nomes como Hermilo Borba Filho, e que terá continuidade no TPN<br />
(Teatro Popular do Nordeste), que surge em torno de 1959. Esse grupo propunha um<br />
teatro redemocratizado e que tivesse como destinatário o povo, com o qual dialogaria<br />
através da escolha dos temas das peças que “deveriam ser buscados nos assuntos do<br />
povo, nas histórias da literatura popular em versos, poesia épica, trágica, cômica,<br />
passional, que o povo gosta de ouvir cantada pelos cegos nas feiras e por outros<br />
cantadores”. 5 Assim, podemos afirmar, em concordância com Maria Ignez Novais<br />
Ayala, que para realizar seu trabalho dramatúrgico, Ariano Suassuna se apóia na reelaboração<br />
da região Nordeste a partir de suas próprias visões de mundo, re-escrevendo<br />
em seus textos mitos e fábulas do repertório popular, que passam a compor um projeto<br />
estético que foi buscar na cultura popular elementos que delineiam o “desejo de fazer o<br />
povo reconhecer-se a si mesmo e à sua cultura”. 6 Contudo, enquanto alguns críticos<br />
vêem esse elemento popular como positivo, de outro lado, outros o apontam como<br />
“fossilizado” e “pouco criativo”. Ambas as posições refletem posturas ideológicas, no<br />
entanto, sobressalta a perspectiva classista daquelas visões que só enxergam o elemento<br />
popular, no teatro nordestino, como dado de simples pitoresco ou como acionador do<br />
riso fácil, desconsiderando-o enquanto importante elemento de elaboração artística ou<br />
de perspectiva crítica, que vem se desenvolvendo desde a obra de Martins Pena (1815-<br />
1848).<br />
Na esteira desse processo, Lourdes Ramalho desponta no cenário teatral do país<br />
com seus textos que recriam, criticamente, o universo da gente comum do sertão<br />
nordestino, enfatizando as relações de tensão e opressão estabelecidas neste contexto<br />
social e, de outro lado, a riqueza cultural do universo popular da região. Fundadora do<br />
Centro Cultural Paschoal Carlos Magno e do Teatro Ana Brito, ambos sediados em<br />
Campina Grande-PB, esta autora já escreveu mais de cinqüenta textos teatrais, em prosa<br />
e em verso, que vão da farsa à tragédia, passando pelo drama e a comédia, incluindo um<br />
repertório infanto-juvenil. De Fogo-fátuo (1974) a Guiomar, filha da mãe... (2003),<br />
passando pelo antológico As velhas (1975) e dezenas de outros, como O trovador<br />
encantado (1999), Chã dos esquecidos (1998), Charivari (1997), O Reino de Preste<br />
4 MAGALDI, Sábato. Panorama do teatro brasileiro. 5. ed. São Paulo: Global, 2001.<br />
5 AYALA, Maria Ignez Novais. Trilhas e percursos da cultura popular na dramaturgia de Ariano Suassuna. In:<br />
MACIEL, <strong>Diógenes</strong> André Vieira, ANDRADE, <strong>Valéria</strong> (orgs.). Por uma militância teatral: estudos de dramaturgia<br />
brasileira do século XX. Campina Grande: Bagagem/João Pessoa: Idéia, 2005. p. 35-53. A citação refere-se às<br />
páginas 40-41.<br />
6 Ibidem, p.53.
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João (1994), Romance do conquistador (1990), Frei Molambo, ora pro nobis (1987),<br />
Os mal-amados (1977) e A feira (1976), o itinerário criativo de Lourdes Ramalho revela<br />
uma dramaturgia em que a proposta central de privilegiar a representação das<br />
experiências de mundo e de vida do seu povo se desdobra no desvendamento e na<br />
re/significação das raízes ibéricas do universo cultural do Nordeste brasileiro.<br />
Representando este universo, no qual circulam cantadores de feira, matriarcas<br />
opressoras e oprimidas, judeus errantes e retirantes da seca, sob o ângulo destes<br />
personagens, ela coloca-se à disposição, em sua fatura artística, da elaboração destes<br />
sentimentos e visões de mundo. Assim, em suas obras, ela nos desafia a questionar os<br />
limites do ‘teatro popular’, 7 diferentemente da postura de Ariano Suassuna que nunca<br />
nomeou o seu teatro como ‘popular’, mesmo que se insira entre aqueles que buscam<br />
construí-lo. Afinal de contas, ‘teatro popular’ é aquele que tem apenas como objetomodelo<br />
da representação o povo e seus costumes, mesmo que não se destine a ele, ou<br />
‘teatro popular’ é aquele que se destina ao povo, enquanto espectador de preferência?<br />
Ou ainda mais, como já nos perguntou Maria Ignez Ayala, “a existência de elementos<br />
populares em uma peça teatral garante o caráter popular da peça?” 8 No que diz respeito<br />
ao nosso universo cultural brasileiro, não podemos esquecer que o povo tem suas<br />
próprias expressões dramáticas, feitas por ele e a ele destinadas, como as danças<br />
dramáticas – o Bumba-meu-Boi, a Nau Catarineta, as Lapinhas, os Congos, etc. – e as<br />
várias formas de teatro de bonecos.<br />
Uma outra maneira de responder a estas perguntas seria considerarmos as<br />
“Categorias do teatro popular”, elaboradas por Augusto Boal. 9 Segundo esta<br />
categorização o teatro ‘popular’ se organiza de três maneiras: a primeira tem perspectiva<br />
‘popular’– ou seja, se alia às concepções de mundo e de vida do povo, estando a favor<br />
da transformação social, a exemplo do teatro de agitprop dos Centros Populares de<br />
Cultura da UNE (União Nacional dos Estudantes) – e tem como destinatário o povo –<br />
entendido como grandes aglomerados de trabalhadores, por exemplo, que se juntam em<br />
praças e outros espaços públicos que não as salas de espetáculo; a segunda é aquela em<br />
que a perspectiva é ‘popular’, mas o destinatário não é o povo, visto as apresentações se<br />
concentrarem nas salas de espetáculo, para um público restrito, formado por estudantes,<br />
funcionários públicos e liberais, etc; na terceira categoria se inserem os espetáculos que<br />
não têm perspectiva ‘popular’, mas que se destinam ao povo, corroborando preconceitos<br />
e visões de mundo não transformadoras da realidade.<br />
Como estamos tentando mostrar, há uma diferença entre um teatro com<br />
perspectiva ‘popular’ e um teatro produzido pelo/para o povo, portanto, popular, que<br />
compreende as manifestações populares a que nos referimos anteriormente, quase nunca<br />
tomadas enquanto teatro.<br />
Ou seja, a dramaturgia de Lourdes Ramalho, como a de Ariano Suassuna, apesar<br />
de se valer dos elementos próprios do universo popular, de se aliar às classes<br />
7 Destaque-se que duas coletâneas de textos de Lourdes Ramalho trazem em seus títulos a clara ligação com o<br />
universo regional – <strong>RAMALHO</strong>, Lourdes. Teatro nordestino: cinco textos para montar ou simplesmente ler. (A feira,<br />
As velhas, A festa do Rosário, O psicanalista, Fogo-Fátuo) [Campina Grande]: [s.n.], [1980] – e popular –<br />
<strong>RAMALHO</strong>, Maria de Lourdes Nunes. Teatro popular: três textos. (A eleição, Guiomar – sem rir sem chorar, Frei<br />
Molambo – ora pro nobis) [Campina Grande]: [s.n.], [s.d.] – explicitando, assim, uma postura estético-ideológica.<br />
8 AYALA, op. cit., p. 35.<br />
9 BOAL, Augusto. Categorias do teatro popular. In:__. Técnicas latino-americanas de teatro popular: uma revolução<br />
copernicana ao contrário. São Paulo: Hucitec, 1979. p. 21-49.
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subalternas, representando-as artisticamente, não constituem exemplares do teatro<br />
popular, pois, em primeira instância, esses autores fazem parte de um outro sistema<br />
literário, baseado na escrita, em oposição àquele, vazado nas formas orais, e depois,<br />
porque os espetáculos baseados em seus textos, acabaram se destinando, infelizmente, a<br />
um outro tipo de público, que freqüenta as salas de espetáculo, na medida em que esta<br />
dramaturgia foi sendo incorporada pelos repertórios das grandes companhias ou foi<br />
caindo no gosto de famosos encenadores. No caso específico de Lourdes Ramalho,<br />
podemos afirmar, ainda, que a autora, por conta de sua trajetória pessoal, tem uma<br />
identificação com as formas artísticas populares e que, segundo inúmeros dos seus<br />
depoimentos públicos, veria as camadas populares como destinatário de predileção para<br />
os seus textos, inclusive já tendo, na década de 1970, levado algumas de suas<br />
montagens para bairros periféricos de Campina Grande-PB. De qualquer maneira,<br />
certamente, a perspectiva ‘popular’ de seus textos pode despertar o interesse pela<br />
modificação no público para o qual acabam sendo representados, independentemente<br />
dos espaços, atingindo, sim, um nível de elaboração próximo das propostas do nacionalpopular<br />
elaboradas por Antonio Gramsci.<br />
É nessa direção que o projeto de pesquisa-ensino, “Lourdes Ramalho e o teatro<br />
na Paraíba na segunda metade do século XX: representações e possibilidades de<br />
leitura”, em desenvolvimento pela Profa. Dra. <strong>Valéria</strong> <strong>Andrade</strong>, tem buscado, como um<br />
dos eixos de trabalho, espaços alternativos para a prática de leitura, representação e<br />
recepção dos textos de Lourdes Ramalho. Nesta busca, que inclui atividades junto a<br />
uma comunidade de trabalhadores rurais, moradores do Assentamento Dona Antônia,<br />
localizado na área rural do município paraibano do Conde, propõe-se a seleção dos<br />
textos que serão trabalhados, a partir da correlação entre as experiências e histórias de<br />
vida deste grupo e aquelas veiculadas através da dramaturgia da autora, segundo<br />
critérios discutidos e estabelecidos com os envolvidos. É o caso, por exemplo, de uma<br />
das possibilidades de trabalho que estão sendo consideradas: a leitura encenada de As<br />
velhas, texto emblemático por tratar não só das questões agrárias e da experiência de<br />
retirada, mas, e principalmente, por trazer à tona o tema da solidariedade/rivalidade<br />
entre mulheres, que poderá render bons frutos naquele espaço.<br />
A presente edição de 2 textos para ler e/ou montar, surge como primeiro fruto<br />
do outro eixo deste projeto e como parte das atividades do Núcleo de Pesquisa em<br />
Dramaturgia-NPD, 10 qual seja o de organizar edições anotadas, comentadas e definitivas<br />
da obra dramática de Lourdes Ramalho. Este volume reedita dois textos: um em prosa,<br />
As velhas, na oportunidade de comemorarmos o seu 30º. Aniversário (1975-2005), e<br />
outro em versos, O trovador encantado, representativos de dois ciclos distintos da<br />
produção desta autora, premiada inúmeras vezes em concursos de dramaturgia e<br />
festivais de teatro, inclusive fora do Brasil, que se impõe como expressão das mais<br />
significativas da nossa dramaturgia de autoria feminina contemporânea, em torno da<br />
qual o interesse da crítica teatral vem propiciando o desenvolvimento de uma fortuna<br />
crítica, na acepção mais ampla desta expressão, espalhada nos diversos jornais do país,<br />
que noticiam as suas encenações. Contudo, o interesse por parte da crítica especializada<br />
em dramaturgia e literatura brasileira se espraia na dificuldade de acesso às edições de<br />
10 O Núcleo de Pesquisa em Dramaturgia está sediado no Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade<br />
Federal da Paraíba, como parte das atividades da Linha de Pesquisa “Memória e produção cultural”. As atividades<br />
deste núcleo foram iniciadas em maio de 2003, reunindo pesquisadores desta instituição e de outras, localizadas nas<br />
diversas regiões do país, com o objetivo de fortalecer a discussão sobre o gênero dramático no universo das Letras.
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seus textos que, até então, não circulavam facilmente, inclusive, se considerarmos o<br />
caráter artesanal das edições disponíveis de sua obra, levada às gráficas locais pela<br />
obstinação da autora em, de uma maneira ou de outra, fazê-la ganhar meios mais fáceis<br />
para circulação entre seus prováveis encenadores, atores e leitores.<br />
Assim, a edição que ora apresentamos objetiva trazer à luz estes textos, reeditando-os<br />
a partir de critérios que vão do cotejo às primeiras edições, passando por<br />
sucessivas revisões do texto, etapa esta acompanhada pela própria autora, que<br />
estabeleceu conosco um generoso espaço de diálogo, e chegando à construção de notas<br />
que têm por princípio norteador a intenção de propiciar ao leitor a compreensão, tão<br />
completa quanto possível, das peças. Tais notas esclarecem, portanto, não apenas o<br />
sentido de palavras e expressões usadas no Nordeste – muitas vezes, não encontradas<br />
nos dicionários da língua portuguesa atuais –, como também alusões a fatos e<br />
personagens relacionados com a ação dramática ou com os diferentes contextos em que<br />
foram escritas as peças, os quais, eventualmente, perdem com o tempo e a distância<br />
espacial a possibilidade de entendimento mais imediato pelo leitor. Destaque-se, como<br />
essencial ao resultado a que chegamos, o trabalho compartilhado com a dramaturga,<br />
incansável em abrir seus arquivos pessoais – álbuns de recortes e de fotografias,<br />
programas de espetáculos e originais datilografados – e sua casa, explicando-nos,<br />
repetidas vezes, sentidos de frases, expressões, hábitos culturais incorporados à trama<br />
dos seus textos, possibilitando-nos a compreensão do contexto e do objetivo da escritura<br />
e das sucessivas montagens teatrais. Corrigimos os ‘erros’ tipográficos, ocasionados<br />
pelo trabalho nem sempre cuidadoso das gráficas, e mantivemos o uso tão particular de<br />
travessões, que passam a desempenhar uma função dramatúrgica, enfatizando falas e<br />
expressões e conduzindo sua inflexão, o que pode auxiliar o leitor e o ator.<br />
Contamos para a realização da pesquisa e do trabalho de preparação dos textos<br />
com bolsas de Desenvolvimento Científico Regional (DCR), do CNPq (Conselho<br />
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e do Programa de Absorção<br />
Temporária de Doutores (PRODOC) da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de<br />
Pessoal de Ensino Superior), cujos recursos financiaram parte desta edição.<br />
Agradecemos, também, à acolhida da Editora Bagagem e da Editora Idéia, que abriram<br />
suas portas a esta proposta e ao Programa de Pós-Graduação em Letras que não tem<br />
medido esforços para acolher as nossas militâncias.<br />
A todos, boa leitura!