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a arquitetura moderna e a era vargas - Unigranrio

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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO - UNIGRANRIO<br />

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA - PROPEP<br />

Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas - PPGLCH<br />

Mestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas<br />

MARCELOS DE CARVALHO CALDEIRA<br />

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A<br />

ARQUITETURA MODERNA E A ERA<br />

VARGAS (1930-1945)<br />

Dissertação apresentada ao Curso de<br />

Mestrado do Programa de Pós-graduação<br />

em Letras e Ciências Humanas da<br />

Universidade do Grande Rio Prof. José de<br />

Souza Herdy, como parte dos requisitos<br />

para a obtenção do título de Mestre em Letras<br />

e Ciências Humanas.<br />

Orientadora: Profª Dra. Jacqueline de Cassia Pinheiro Lima<br />

Duque de Caxias – Outubro de 2010


MARCELOS DE CARVALHO CALDEIRA<br />

ENTRE A UTOPIA E A REALIDADE: A<br />

ARQUITETURA MODERNA E A ERA<br />

VARGAS (1930-1945)<br />

Dissertação apresentada ao Curso de<br />

Mestrado do Programa de Pós-graduação<br />

em Letras e Ciências Humanas da<br />

Universidade do Grande Rio Prof. José de<br />

Souza Herdy, como parte dos requisitos<br />

para a obtenção do título de Mestre em Letras<br />

e Ciências Humanas.<br />

Orientadora: Profª Dra. Jacqueline de Cassia<br />

Pinheiro Lima<br />

Aprovado em ___ de __________ de _____.<br />

Banca examinadora:<br />

______________________________________________<br />

Professora Doutora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima<br />

Universidade do Grande Rio<br />

______________________________________________<br />

Professora Doutora Angela Maria Roberti Martins<br />

Universidade do Grande Rio<br />

______________________________________________<br />

Professora Doutora Lia Calabre<br />

Fundação Casa de Rui Barbosa


A Lize, Camila e Guilherme, o porto<br />

sempre seguro.<br />

A Edison e Maria José pelo exemplo de<br />

vida e pelos princípios transmitidos.


AGRADECIMENTOS<br />

Em primeiro lugar à minha família, incluindo os recém-chegados Pedro e<br />

Marina, pelo apoio, paciência e tolerância nos momentos de ausência.<br />

Aos amigos do Colégio Pedro II, especialmente aos professores Anderson<br />

Ribeiro, Denise Mattos, Eunice Couto, Oscar Halac, Leonardo Bueno e Walber<br />

Carvalho Melo pelo apoio em todos os momentos, especialmente naqueles mais<br />

difíceis.<br />

Aos professores do Curso de Mestrado da UNIGRANRIO pelo carinho, pela<br />

acolhida, pela compreensão, por tudo que ensinaram e pela forma como ensinaram.<br />

Às funcionárias da Secretaria do Mestrado, prestativas e pacientes, mesmo<br />

com a nossa correria de sempre.<br />

Aos amigos Ana Lucia, Davidson, Denise, Luciana, Obertal, Sonia e<br />

Terezinha, que conheci no curso e partilhei as dificuldades e angústias, mas onde<br />

também encontrei apoio para seguir adiante.<br />

À Professora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima, pelo incentivo e pela<br />

orientação atenta, paciente e cuidadosa.<br />

Ao Paulo Seabra, amigo fraterno de muitas caminhadas percorridas e outras<br />

que ainda virão.


RESUMO<br />

O objetivo deste trabalho é apresentar a relação entre <strong>arquitetura</strong> e<br />

monumentalidade durante as reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro, então<br />

Distrito Fed<strong>era</strong>l, durante a Era Vargas, especialmente no período do Estado Novo<br />

(1937-1945). Foram escolhidas algumas obras simbólicas pela sua<br />

monumentalidade: a Avenida Presidente Vargas e os novos edifícios do Ministério<br />

da Educação e Saúde, do Ministério da Guerra (Palácio Duque de Caxias) e da<br />

Estrada de Ferro Central do Brasil. Serão analisadas as disputas entre as diversas<br />

correntes pela hegemonia no campo da <strong>arquitetura</strong> naqueles anos e o papel do<br />

Estado ao utilizar as reformas como meio de erguer símbolos <strong>arquitetura</strong>is do poder,<br />

que se constituíram em legados à memória coletiva.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura, Memória, Modernismo, Monumentalidade,<br />

Positivismo, Trabalhismo.


ABSTRACT<br />

The objective of my work is to understand the relation between architecture<br />

and monumentality during the urban reforms in the city of Rio de Janeiro, then<br />

Fed<strong>era</strong>l District, during the Age Vargas, especially in the period of the New State<br />

(1937-1945).<br />

I will analyze the disputes between diverse chains for the hegemony in the<br />

field of the architecture in those years and the paper of the State when using the<br />

reforms as half to raise architectural symbols of the power, that if had constituted in<br />

legacies to the collective memory.<br />

Some symbolic workmanships for its monumentality had been chosen: the<br />

Avenue President Vargas and the new buildings of the Ministry of the Education and<br />

Health, the Ministry of the War (Palace Duke of Caxias) and of the Central Train<br />

Station of Brazil.<br />

labourism.<br />

KEYWORDS: Architecture, memory, modernism, monumentality, positivism,


LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />

FIGURA TÍTULO PÁGINA<br />

1 - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (1936) 34<br />

2 - AEROPORTO SANTOS DUMONT (1938) 34<br />

3 - A AVENIDA CENTRAL NA DÉCADA DE 1920 37<br />

4 - A AVENIDA CENTRAL NA DÉCADA DE 1920 37<br />

5 - EXEMPLAR DO ESTILO ECLÉTICO NA EXPOSIÇÃO DE<br />

1922 – PAVILHÃO DE SÃO PAULO<br />

6 - IMAGEM ATUAL DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL 40<br />

7 - IMAGEM ATUAL DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL 40<br />

8 - O EDIFÍCIO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE NA<br />

DÉCADA DE 1940<br />

9 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - AFRESCOS DE<br />

CÂNDIDO PORTINARI<br />

10 - MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - MURAIS EM<br />

AZULEJOS NA FACHADA DO TÉRREO<br />

11 - MONUMENTO À JUVENTUDE BRASILEIRA 62<br />

12 - MONUMENTO À JUVENTUDE BRASILEIRA 62<br />

13 - PONTE DOS MARINHEIROS (1924) 64<br />

14 - O CAIS DOS MINEIROS NO INÍCIO DO SÉCULO XX DIAS<br />

ATUAIS<br />

15 - O CAIS DOS MINEIROS – O QUE RESTOU NOS DIAS<br />

ATUAIS<br />

16 - RUAS SENADOR EUZÉBIO E VISCONDE DE ITAÚNA –<br />

TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A PRAÇA<br />

ONZE<br />

17 - ABERTURA DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS –<br />

TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A<br />

CANDELÁRIA (14 DE AGOSTO DE 1940)<br />

18 - ABERTURA DA AVENIDA PRESIDENTE VARGAS –<br />

TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A<br />

CANDELÁRIA (28 DE AGOSTO DE 1944)<br />

39<br />

57<br />

58<br />

59<br />

65<br />

65<br />

68<br />

71<br />

71


19 - PRAÇA ONZE DE JUNHO (DÉCADA DE 1910) 73<br />

20 - IGREJA DE SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS 74<br />

21 - PRAÇA DA REPÚBLICA NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1930 76<br />

22 - EDIFICIO DO JORNAL “A NOITE” - PRAÇA MAUÁ (RJ) –<br />

DÉCADA DE 1930<br />

23 - CINEMA ICARAÍ, EM NITERÓI (RJ), NA DÉCADA DE 1940 78<br />

24 - TEATRO CARLOS GOMES – FACHADA 78<br />

25 - TEATRO CARLOS GOMES – INTERIOR (HALL) 78<br />

26 - O PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS DURANTE A SUA<br />

CONSTRUÇÃO<br />

27 - VISTA ATUAL DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS 80<br />

28 - CROQUI DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS 81<br />

29 - EDIFÍCIO DA CHANCELARIA DURANTE O III REICH 82<br />

30 - PROJETO PARA O MEMORIAL AOS SOLDADOS 82<br />

31 - ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO 83<br />

32 - SALÃO NOBRE DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS 84<br />

33 - PAINEL “REPÚBLICA” 84<br />

34 - PROJETO ORIGINAL DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA<br />

DE FERRO CENTRAL DO BRASIL<br />

35 - CONSTRUÇÃO DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE<br />

FERRO CENTRAL DO BRASIL<br />

36 - TRANSEUNTE DIANTE DA TORRE DO EDIFÍCIO DA<br />

ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL<br />

77<br />

80<br />

86<br />

87<br />

88


LISTA DE TABELAS<br />

TABELA TÍTULO PÁGINA<br />

1 PARTICIPAÇÃO ELEITORAL, 1872-1945 12


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS<br />

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.<br />

DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público.<br />

IBESP – Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política.<br />

ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros.<br />

ENBA – Escola Nacional de Belas Artes.<br />

IUP – Institute D’Urbanisme de Paris.<br />

MES – Ministério da Educação e Saúde.<br />

ABI – Associação Brasileira de Imprensa.<br />

SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.<br />

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do<br />

Brasil.<br />

ECEME - Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.


SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO 1<br />

CAPÍTULO 1 – O POSITIVISMO E A ERA VARGAS<br />

1.1) o positivismo e o movimento republicano ..................................................... 7<br />

1.2) A Revolução de 1930 e a retomada do projeto positivista ............................ 14<br />

1.3) Populismo ou Trabalhismo? .......................................................................... 20<br />

CAPÍTULO 2 – A ARQUITETURA MODERNA<br />

2.1) A origem e a ascensão da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> ........................................... 30<br />

2.2) Arquitetura <strong>moderna</strong> e monumentalidade ..................................................... 43<br />

CAPÍTULO 3 – A ERA VARGAS E AS REFORMAS NO RIO DE JANEIRO<br />

3.1) Os monumentos do progresso ...................................................................... 49<br />

a) O Ministério da Educação e Saúde .................................................................. 49<br />

b) A Avenida Presidente Vargas .......................................................................... 63<br />

3.2) Os monumentos da ordem............................................................................. 75<br />

a) O Palácio Duque de Caxias ............................................................................. 79<br />

b) O Novo Prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil ..................................... 85<br />

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 89<br />

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 93<br />

Pg.


INTRODUÇÃO<br />

Esse trabalho foi amadurecido após um longo caminho, com algumas<br />

correções de rumo.<br />

Desde os tempos de graduação na Universidade Fed<strong>era</strong>l Fluminense, entre<br />

1984 e 1988, a problemática urbana me despertava interesse.<br />

Naqueles anos ocorriam intensas discussões sobre o tema, proporcionando<br />

trabalhos que troux<strong>era</strong>m uma notável contribuição para melhor conhecermos as<br />

transformações por que passou o Rio de Janeiro, especialmente nas primeiras<br />

décadas do século XX. A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro financiou os<br />

volumes que constituíram a Coleção Biblioteca Carioca 1 ; o Instituto de<br />

Planejamento Municipal do Rio de Janeiro (IPLANRIO) patrocinou a publicação<br />

Evolução Urbana do Rio de Janeiro, de Maurício de A, Abreu; a Universidade<br />

Fed<strong>era</strong>l Fluminense, em parceria com outras instituições lançou os quatro volumes<br />

da Revista Rio de Janeiro, entre 1985 e 1986.<br />

Entretanto, apesar do meu entusiasmo pelo assunto, não pude ao concluir a<br />

graduação dar prosseguimento a uma pesquisa acadêmica. As necessidades<br />

pessoais me levaram a buscar oportunidades no magistério tanto em escolas<br />

particulares como em públicas, onde sucessivamente lecionei nas Redes Municipal,<br />

Estadual e Fed<strong>era</strong>l no Rio de Janeiro. No Colégio Pedro II trabalho desde 1992, e,<br />

desde o ano passado, respondo pela direção da Unidade Escolar Descentralizada<br />

Niterói, a primeira a ser criada fora do município do Rio de Janeiro.<br />

Durante todos esses anos, lecionando todos os dias úteis da semana, a<br />

maioria das vezes em três turnos, e utilizando o pouco tempo livre para dar uma<br />

atenção prioritária à família, me vi afastado dos debates acadêmicos.<br />

Em 2008, Paulo Seabra, amigo desde os tempos da UFF e colega do Colégio<br />

Pedro II, onde ingressamos no mesmo concurso, me deu a notícia da abertura do<br />

1 Algumas obras importantes desta coleção foram: A <strong>era</strong> das demolições, de Oswaldo Porto Rocha<br />

e Lia de Aquino Carvalho; Pereira Passos: um Haussmann tropical, de Jaime Larry Benchimol;<br />

Avenida Presidente Vargas: uma drástica cirurgia, de Evelyn Furquim Werneck Lima; Dos<br />

trapiches ao porto, de Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão.<br />

1


Mestrado Acadêmico em Letras e Ciências Humanas na Universidade do Grande<br />

Rio – UNIGRANRIO. Mais uma vez, juntos, decidimos enfrentar um novo desafio.<br />

Ao iniciar o primeiro semestre do mestrado, o interesse pela pesquisa foi<br />

reforçado quando cursei as disciplinas Os Conceitos de Memória, ministrada pela<br />

Professora Ângela Maria Roberti Martins, e Cidade, Cultura e Transformação<br />

Urbana, ministrada pela Professora Jacqueline de Cássia Pinheiro Lima, que viria a<br />

me orientar nesta dissertação.<br />

Na primeira, as discussões dos trabalhos de Pierre Nora, Jacques Le Goff,<br />

Maurice Halbwachs e Ecléa Bosi foram muito úteis para entender a relação entre<br />

memória e monumentalidade.<br />

Na segunda, as leituras e discussões dos trabalhos de Antony Giddens,<br />

Georg Simmel, Manuel Castells, Barbara Freitag e Richard Sennett se revelaram<br />

fundamentais para o caminho que escolhi para pesquisar.<br />

Inicialmente, meu objeto seria as reformas urbanas realizadas em Niterói<br />

durante o período em que <strong>era</strong> administrada pelo interventor Ernâni do Amaral<br />

Peixoto, genro de Getúlio Vargas, que governava o Brasil com plenos poderes no<br />

período de 1937 a 1945. Pretendia fazer um paralelo entre elas e as que ocorriam<br />

ao mesmo tempo na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República. Porém,<br />

encontrei dificuldades que se revelavam dificílimas de serem transpostas no tempo<br />

que tinha para realizar a dissertação. Niterói não possui um núcleo organizado de<br />

documentação ou de memória da cidade. Apenas na década de 1990 foi criado o<br />

Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural da cidade. Nem mesmo o<br />

jornal “O Fluminense”, o mais antigo em circulação na cidade, possui um acervo<br />

para consulta sobre aquele período da história.<br />

Ao constatar essas dificuldades, resolvi fazer uma correção no objeto da<br />

pesquisa. Decidi trabalhar com as reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro<br />

durante a Era Vargas (1930-1945) 2 relacionando-as ao surgimento e afirmação da<br />

“escola carioca” da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong>. Ao mesmo tempo, mostrar que as ações<br />

do governo, incluindo as obras monumentais, foram fortemente influenciadas pelo<br />

2 Adoto nessa pesquisa a denominação utilizada na maioria dos livros que tratam do assunto, quando<br />

distinguem a Era Vargas (1930-1945) do outro período, de 1951 a 1954, quando chegou à<br />

presidência através de uma eleição direta.<br />

2


positivismo, que, como discutiremos, exerceu forte influência em Getúlio Vargas<br />

desde a sua juventude.<br />

A <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> e o legado da Era Vargas são temas que até hoje<br />

g<strong>era</strong>m estudos e debates, demonstrando o quanto sua influência foi marcante na<br />

História recente do Brasil.<br />

A <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong>, surgida ainda na década de 1920, se afirmou na<br />

década seguinte, criando uma “escola” até hoje influente e ativa, realizando projetos<br />

importantes em diversas cidades, alguns dos quais se tornando marcas da sua<br />

identidade. É o caso, por exemplo, do Museu de Arte Contemporânea, em Niterói.<br />

Inaugurado em 2 de setembro de 1996, o museu tornou-se o principal símbolo da<br />

cidade, ilustrando inclusive a logomarca da Prefeitura Municipal, deixando em<br />

segundo plano a estátua de Araribóia, situada na Praça Martim Afonso, em frente à<br />

Estação das Barcas.<br />

A denominada Era Vargas iniciou-se a Revolução de 1930, movimento que<br />

marcou o colapso da República oligárquica e a redefinição do papel do Estado<br />

brasileiro, que assumiu a função de um agente impulsionador de um projeto<br />

“modernizador”.<br />

Esse período, consid<strong>era</strong>ndo-se as transformações político-institucionais, é<br />

dividido em três etapas: Governo Provisório (1930-1934); Governo Constitucional<br />

(1934-1937); e Estado Novo (1937-1945). Foi exatamente nesta última, onde<br />

Getúlio governou com poderes ditatoriais, que aquele novo papel do Estado pôde<br />

ser plenamente posto em prática.<br />

Ao nível político, todos os partidos foram suprimidos e a censura à imprensa<br />

e às manifestações culturais tornou-se cada vez mais rígida. Ao Departamento de<br />

Imprensa e Propaganda (DIP), criado logo após o golpe que instituiu o regime, foi<br />

atribuída a tarefa de fiscalizar e controlar os meios de comunicação e a produção<br />

cultural, estabelecendo um rigoroso controle ideológico. Era também atribuição do<br />

DIP a elaboração de uma “propaganda oficial”, visando a reforçar os laços entre o<br />

“chefe da nação” e o “seu povo”.<br />

Foi durante o Estado Novo que se consolidou a imagem de Vargas como o<br />

“pai dos pobres” em função de uma legislação trabalhista que, se por um lado<br />

3


garantiu determinadas conquistas para os trabalhadores, por outro, devido ao<br />

“sindicalismo oficial”, atrelou os trabalhadores ao Estado por meio da ação do<br />

Ministério do Trabalho.<br />

Ao controle social dos trabalhadores somou-se, no plano econômico, um<br />

expressivo avanço no campo industrial pela forte presença do Estado (modelo<br />

nacionalista, industrializante e estatizante).<br />

Uma das marcas desse período foi a criação de empresas estatais, como a<br />

Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Fábrica<br />

Nacional de Motores, entre outras. O governo Vargas entendia que esses setores<br />

estratégicos da economia deveriam estar sob controle do Estado, reduzindo<br />

gradualmente a presença do capital estrangeiro nessas áreas fundamentais ao<br />

desenvolvimento do país, em nome da “sob<strong>era</strong>nia nacional”.<br />

Verificou-se assim, não apenas um grande avanço do setor industrial, mas<br />

também uma mudança qualitativa deste, com o surgimento de indústria de base no<br />

país.<br />

A Era Vargas, constituiu-se naquilo que muitos historiadores conceituaram<br />

como modernização conservadora, na medida em que Getúlio, ao lado da<br />

modernização econômica, estabeleceu um rígido autoritarismo político, e,<br />

paralelamente às conquistas de direitos, como a legislação trabalhista, a população<br />

foi obrigada a conviver com a repressão e a censura.<br />

A Era Vargas continua despertando polêmicas até a atualidade. Durante a<br />

década de 1990, quando o neolib<strong>era</strong>lismo desfrutava de enorme influência após a<br />

queda dos regimes socialistas do Leste europeu, a presença do Estado na<br />

economia e a legislação trabalhista foram duramente criticadas como obstáculos ao<br />

desenvolvimento por reduzirem a competitividade da economia nacional. Não por<br />

acaso, Fernando Henrique Cardoso, ao vencer a eleição presidencial de 1994,<br />

anunciou que iria que iria encerrar a Era Vargas. Por outro lado, o movimento<br />

operário desde aquela década até os dias atuais continua mobilizado para manter<br />

os direitos trabalhistas implantados naquele período.<br />

Neste sentido nossa pesquisa tem como objeto a relação entre as reformas<br />

urbanas empreendidas na cidade do Rio de Janeiro durante aquele período de<br />

4


intensas transformações da Era Vargas e a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong>, discutindo os<br />

aspectos coerentes e contraditórios dessa relação.<br />

Paralelamente, pretendemos discutir outro aspecto aparentemente<br />

contraditório da Era Vargas, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945).<br />

Durante o regime ditatorial daqueles anos, construíram-se sedes ministeriais com<br />

estilos arquitetônicos tão diversos, ao mesmo tempo em que se abriam espaços na<br />

administração - especialmente no Ministério da Educação e Saúde, chefiado por<br />

Gustavo Capanema -, a intelectuais com uma formação ideológica distinta da<br />

ideologia oficial. Portanto, ao menos no que se refere à <strong>arquitetura</strong> e à<br />

monumentalidade o regime não foi caracterizado pelo monolitismo.<br />

Mostraremos que essa contradição na verdade é apenas aparente, na<br />

medida em que as ações de Getúlio Vargas no governo foram em grande parte<br />

inspiradas em sua formação intelectual positivista. Nessa linha, as grandes obras<br />

(Avenida Presidente Vargas, Edifício-sede da Estrada de Ferro Central do Brasil,<br />

Palácio Duque de Caxias) foram idealizadas como símbolos que deveriam transmitir<br />

uma mensagem para os que os olhassem ou deles tomassem conhecimento. E para<br />

simbolizar o que o regime queria – a estabilidade, o progresso, a ordem, a disciplina<br />

e a eficiência – encontrou o meio de fazê-lo recorrendo à monumentalidade, onde<br />

os projetos dos arquitetos modernos revelaram-se bastante adequados.<br />

A dissertação está dividida em três capítulos, seguidos de uma conclusão.<br />

No primeiro, “O positivismo e a Era Vargas”, será apresentado as bases<br />

teóricas que orientaram a pesquisa, discutindo a influência daquela corrente<br />

filosófica na formação intelectual de Getúlio Vargas – o que explicará em grande<br />

parte o seu estilo de governar. Por outro lado, será feito uma análise crítica do<br />

conceito de populismo, mostrando minhas restrições a ele e explicando porque<br />

adotei o conceito de trabalhismo na formulação de Ângela de Castro Gomes como<br />

mais adequado para entendermos aquele período da História do Brasil.<br />

No segundo capítulo será tratado especificamente da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong>:<br />

seus fundamentos teóricos, seu amadurecimento e as razões que levaram esse<br />

grupo a conquistar a hegemonia diante de outras correntes. Além disso, será feita<br />

uma discussão entre a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> e a monumentalidade.<br />

5


No terceiro capítulo, relacionaremos as “partes” abordadas nos dois outros<br />

capítulos, mostrando o significado simbólico de algumas obras monumentais<br />

erguidas naqueles anos, destacando como a <strong>arquitetura</strong> de algumas delas<br />

representariam o ideal da “ordem” e outras do “progresso”, sendo que foi<br />

exatamente nestas últimas que os projetos dos arquitetos modernos mais se<br />

destacaram.<br />

Na conclusão realizaremos um balanço das reformas, destacando os projetos<br />

que foram bem e mal sucedidos, assim como as contradições entre a utopia e a<br />

realidade no legado deixado pela <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong>.<br />

6


CAPÍTULO 1 – O POSITIVISMO E A ERA VARGAS<br />

1.1) O positivismo e o movimento republicano<br />

O positivismo foi uma das correntes filosóficas mais influentes na Europa<br />

durante o século XIX e início do XX, quando o capitalismo alcançava um<br />

extraordinário desenvolvimento: a siderurgia com máquinas cada vez mais<br />

complexas elevavam de forma crescente a produtividade das indústrias; a<br />

navegação à vapor e as ferrovias interligavam os mercados, além de aproximar a<br />

cidade e o campo; o telégrafo e o telefone, ao facilitavam as comunicações, abriam<br />

oportunidades para novos negócios (HOBSBAWN, 1983).<br />

Paralelamente às transformações econômicas, a ciência em g<strong>era</strong>l também<br />

alcançava avanços importantíssimos. Multiplicavam-se museus e escolas<br />

politécnicas, introduziu-se o ensino regular da ciência. Charles Darwin publicava a<br />

Teoria da Evolução das Espécies; Johann Friedrich Miescher anunciava a<br />

descoberta da molécula de DNA; na Física, os resultados mais significativos<br />

ocorr<strong>era</strong>m no campo da óptica, da teoria do calor e da eletricidade; e muito<br />

importante para nossa pesquisa, em 1848, a invenção do concreto armado por<br />

Joseph Monnier serviu de base para novas mudanças na arte da construção.<br />

Nesse contexto que o Positivismo surgiu e foi largamente difundido nos meios<br />

acadêmicos. Seu fundador e principal teórico foi o francês Augusto Comte (1789-<br />

1857). Segundo ele, no desenvolvimento do espírito humano existiria uma lei<br />

fundamental, denominada Lei dos Três Estados, que é a base de sua explicação<br />

da História: o estado teológico, que tem diferentes fases (fetichismo, politeísmo e<br />

monoteísmo) e em que o espírito humano explica os fenômenos por meio de<br />

vontades transcendentes ou agentes sobrenaturais; o estado metafísico-abstrato,<br />

onde os fenômenos são explicados por meio de forças ou entidades ocultas e<br />

abstratas; e o estado positivo-científico, no qual se explicam os fenômenos,<br />

subordinando-os às leis experimentalmente demonstradas. O estado positivo<br />

seria, pois, o estágio definitivo em que o espírito humano encontraria a ciência,<br />

concluindo a evolução dos indivíduos e da sociedade.<br />

7


A obra de Augusto Comte constituiu-se, outrossim, em uma tentativa de<br />

síntese g<strong>era</strong>l dos conhecimentos de seu tempo, cujo programa fundamental <strong>era</strong><br />

unificar as duas culturas – a humanística e a científica – num novo humanismo,<br />

fundado na ciência 3 .<br />

Os avanços científicos e tecnológicos do século XIX, aos olhos dos<br />

seguidores de Augusto Comte, pareciam confirmar a chegada do estado positivo.<br />

No Brasil, a influência de doutrinas políticas e filosóficas surgidas na Europa<br />

esteve presente em diversos movimentos importantes de sua História. Porém, a<br />

circulação dessas idéias limitava-se aos membros ilustrados da classe senhorial,<br />

muitos dos quais realizaram seus estudos na Europa, fazendo com que as idéias<br />

fossem reinterpretadas à luz dos seus interesses, o que acarretou inúm<strong>era</strong>s<br />

contradições.<br />

Um exemplo foi a Conjuração Mineira, primeiro movimento, embora regional,<br />

a propor a separação de Portugal. Suas lid<strong>era</strong>nças inspiravam-se no iluminismo,<br />

utilizando o lema “liberdade e igualdade” para contestar o domínio português sobre<br />

o Brasil, mas em nenhum momento a defesa desses princípios se ampliou ao ponto<br />

de defender o fim da escravidão no novo país que pretendiam construir (MOTA,<br />

2008). Importante destacar que, à exceção de Tiradentes, todas as outras<br />

lid<strong>era</strong>nças pertenciam a famílias abastadas da sociedade mineira.<br />

Tempos depois, durante o processo que conduziu à emancipação política do<br />

Brasil, várias lid<strong>era</strong>nças brasileiras que se articularam com D. Pedro I, utilizaram-se<br />

do lib<strong>era</strong>lismo para contestar as medidas recolonizadoras aprovadas pelas Cortes<br />

portuguesas a partir da Revolução do porto de 1820, porém como afirma Emília<br />

Viotti da Costa:<br />

As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822<br />

compunham-se de fazendeiros, comerciantes e membros de sua<br />

clientela, ligados à economia de importação e exportação e<br />

interessados na manutenção das estruturas tradicionais de<br />

produção cujas bases <strong>era</strong>m o sistema de trabalho escravo e a<br />

grande propriedade. Após a Independência, reafirmaram a tradição<br />

agrária da economia brasileira; opus<strong>era</strong>m-se às débeis tentativas de<br />

alguns grupos interessados em promover o desenvolvimento da<br />

indústria nacional e resistiram às pressões inglesas visando abolir o<br />

tráfico de escravos. Formados na ideologia da Ilustração,<br />

3 Coleção “Os pensadores” – COMTE. São Paulo: Abril Cultural, 1978.<br />

8


expurgaram o pensamento lib<strong>era</strong>l das suas feições mais radicais,<br />

talhando para uso próprio uma ideologia essencialmente<br />

conservadora e antidemocrática. A presença do herdeiro da Casa<br />

de Bragança no Brasil ofereceu-lhes a oportunidade de alcançara<br />

Independência sem recorrer à mobilização das massas.<br />

Organizaram um sistema político fortemente centralizado que<br />

colocava os municípios na dependência dos governos provinciais e<br />

as províncias na dependência do governo central. Continuando a<br />

tradição colonial, subordinaram a Igreja ao Estado e mantiv<strong>era</strong>m o<br />

catolicismo como religião oficial... (COSTA, 1999, p. 9).<br />

Com a doutrina positivista não foi diferente. Sua influência foi crescente no<br />

Brasil nas três últimas décadas do século XIX, exercendo forte atração em<br />

profissionais lib<strong>era</strong>is, intelectuais e – especialmente após a Guerra do Paraguai –<br />

na oficialidade do Exército.<br />

Militares e civis tinham em comum o fato de terem sido<br />

seduzidos pela doutrinação positivista. A influência exercida por<br />

esta filosofia nos meios militares foi decisiva para que ocorresse a<br />

aproximação com os civis. A idéia de cientificidade a permear toda a<br />

explicação dos fenômenos sociais, distanciando-se dessa maneira<br />

das filosofias impregnadas de subjetivismos e reducionismos<br />

metafísicos, exerceu uma forte atração junto aos oficiais jovens e<br />

cultos, levando-os a se situarem mais comodamente no campo<br />

deste postulado doutrinário. Além disso, a explicação positivista de<br />

que a república <strong>era</strong> superior à monarquia, posto que ela simbolizava<br />

o ingresso a uma etapa superior reclamada pelo progresso humano,<br />

conduziu finalmente a corporação a aderir ao republicanismo e,<br />

particularmente, aos ideólogos deste movimento. (PENNA, 1997, p.<br />

46)<br />

O líder que melhor representou esse alinhamento militar foi sem dúvida<br />

Benjamin Constant 4 . Repudiando as ações violentas, acreditava que as agitações<br />

não conduziriam à república e sim à “anarquia”, à destruição da sociedade. Já<br />

estava claro em seu pensamento, portanto que o progresso só ocorreria<br />

paralelamente ao desenvolvimento da ordem.<br />

Lid<strong>era</strong>nças como Benjamin Constant e outras, especialmente militares e<br />

profissionais lib<strong>era</strong>is que militavam no movimento republicano, acreditavam que a<br />

República seria, portanto, uma etapa fundamental em direção ao progresso humano<br />

4 BENJAMIN Botelho de Magalhães CONSTANT (1836-1891) foi um dos principais articuladores e<br />

ideólogos do movimento que conduziu à proclamação da República em 15 de novembro de 1889.<br />

Engenheiro formado pela Escola Militar, combateu na Guerra do Paraguai e posteriormente dedicouse<br />

ao magistério. Foi ministro da Guerra no primeiro governo republicano, quando remodelou as<br />

escolas militares. Passou depois para o Ministério da Instrução Pública, onde fez o mesmo com todo<br />

o ensino no país. Em 1890, alcançou o posto de gen<strong>era</strong>l do Exército brasileiro.<br />

9


e social no Brasil, aquele momento apontado por Comte como o estágio positivo da<br />

humanidade.<br />

No entanto, esse idealismo republicano positivista encontrava obstáculos<br />

dentro do próprio Partido Republicano, onde o componente civil mais importante do<br />

movimento <strong>era</strong> a oligarquia cafeeira do denominado Oeste paulista. O interesse<br />

desse grupo residia fundamentalmente na sup<strong>era</strong>ção do unitarismo do Império pelo<br />

fed<strong>era</strong>lismo republicano – na verdade, antes de republicanos, <strong>era</strong>m fed<strong>era</strong>listas. O<br />

que desejavam <strong>era</strong> a concessão de uma ampla autonomia administrativa e<br />

financeira para os estados, o que beneficiaria diretamente São Paulo, que já se<br />

destacava como o pólo mais dinâmico da economia brasileira. Assim, a defesa da<br />

República atendia muito mais aos seus interesses particulares do que propriamente<br />

a interesses verdadeiramente republicanos. É o que podemos perceber no trecho<br />

da primeira edição do jornal “A República”, em 03 de dezembro de 1870:<br />

Para nós, a República não estará fundada senão quando<br />

cada província for um verdadeiro Estado senhor de seus destinos,<br />

podendo dispor de todos os seus recursos sem dependência de<br />

tutela da capital. Para nós a república é – fed<strong>era</strong>ção. Sem<br />

fed<strong>era</strong>ção no Brasil, não há república. (PENNA, 1997, p. 34)<br />

Após a vitória do movimento republicano, em 1889, pouco a pouco as<br />

oligarquias regionais lid<strong>era</strong>das pelos Partidos Republicanos Paulista e Mineiro<br />

foram conquistando hegemonia no controle do Estado, afastando aqueles grupos<br />

que tinham uma identificação mais forte com o projeto positivista.<br />

Muito embora a contribuição da Escola Militar tenha sido<br />

bastante importante para a unidade da corporação, ela não<br />

conseguiu produzir uma estratégia clara e definida com relação à<br />

República da qual os militares tiv<strong>era</strong>m uma participação decisiva.<br />

Instalados no poder ressentiram-se de um projeto político a partir do<br />

qual pudessem imprimir tudo aquilo que mais os unia: promover o<br />

progresso na ordem. Diante da constatação de que careciam de um<br />

programa que viabilizasse este intento, foram forçados a se<br />

submeterem de imediato aos representantes do setor cafeeiro. Esta<br />

oligarquia paulista possuía engrenagens que facilitavam a adoção<br />

de uma política de alianças voltada principalmente aos interesses<br />

regionais dispersos no território nacional. Esta coalizão<br />

conservadora unia a oligarquia rural e o Estado, enfraquecendo a<br />

representação dos demais setores da sociedade que, excluídos<br />

antes, assim permanec<strong>era</strong>m mesmo após a transição da monarquia<br />

à República. (PENNA, 1997, p. 49).<br />

10


O controle das diversas instâncias de poder pelas oligarquias, especialmente<br />

a partir do governo Campos Sales (1898-1902), conduziu a república para um<br />

caminho bem diferente daquele idealizado pelos positivistas.<br />

Do ponto de vista econômico, não ocorr<strong>era</strong>m mudanças estruturais<br />

significativas. Fora alguns limitados “surtos industriais” – como o que ocorreu no<br />

período da I Guerra Mundial -, a economia continuou ancorada na agricultura de<br />

exportação, com uma dependência excessiva da cafeicultura, o que deixava o país<br />

em uma situação de grande vuln<strong>era</strong>bilidade, como ficou demonstrado com os<br />

efeitos devastadores da Quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.<br />

Além disso, a industrialização brasileira nessa fase esteve subordinada ao<br />

capital cafeeiro. Cafeicultoras paulistas, principalmente, interessados em diversificar<br />

seus investimentos, passaram a destinar uma parte do seu capital às indústrias de<br />

bens de consumo não-duráveis, como tecidos, vestuário e alimentos, produtos com<br />

baixo valor agregado e tecnologia limitada. As indústrias de base e bens de<br />

produção praticamente inexistiam naquele momento.<br />

Os dados apresentados pelo primeiro Censo nacional de<br />

produção, realizado no país em 1920, demonstram como <strong>era</strong> nossa<br />

estrutura industrial no período; as indústrias alimentícias constituíam<br />

30,7% do valor produzido; as indústrias têxteis, 29,3%; as fábricas<br />

de bebidas e cigarros, 6,3%; e apenas 4,7% representam as<br />

indústrias metalúrgicas e mecânicas. (MENDONÇA, 1995, p. 18)<br />

Portanto, o progresso prometido pelo movimento republicano, ocorreu, na<br />

prática, de forma muito limitada.<br />

Na organização política, o progresso foi tão ou mais limitado quanto na<br />

ordem econômica, apesar da Constituição promulgada em 1891, inspirada na norte-<br />

americana, promover mudanças institucionais importantes, como a implantação do<br />

fed<strong>era</strong>lismo e a separação e independência entre os Poderes Executivo, Legislativo<br />

e Judiciário, eliminando definitivamente o Poder Mod<strong>era</strong>dor, um dos principais<br />

instrumentos do unitarismo imperial e alvo de duras críticas por parte dos<br />

republicanos, como podemos constatar no Manifesto Republicano de 1870:<br />

A centralização, tal qual existe, comprime a liberdade,<br />

constrange o cidadão, subordina o direito de todos ao arbítrio de um<br />

só poder, nulifica de fato a sob<strong>era</strong>nia nacional, mata o estímulo de<br />

11


progresso local. O regime de fed<strong>era</strong>ção, [ao contrário, está]<br />

baseado na independência recíproca das províncias, e é aquele que<br />

adotamos no nosso programa, como sendo o único capaz de<br />

manter a comunhão da família brasileira. (PESSOA, 1976, p. 39).<br />

Prometia-se a liberdade, a cidadania e o fim do arbítrio, no entanto, na<br />

prática ocorreu uma grande distância entre a lei e a realidade. O sistema eleitoral<br />

instituído pela República substituía o voto censitário pelo universal, mas as<br />

exigências para qualificação dos eleitores <strong>era</strong>m tantas – mulheres e analfabetos,<br />

por exemplo, não tinham direito de votar -, que o percentual de participação eleitoral<br />

da população pouco mudou em relação ao Império.<br />

TABELA 1<br />

PARTICIPAÇÃO ELEITORAL, 1872-1945<br />

(porcentagem de pessoas que votavam)<br />

Ano Votantes % da população total<br />

1872 1.097.698 10,8 (13,0)*<br />

1886 117.022 0,8<br />

1894 290.883 2,2<br />

1906 294.401 1,4<br />

1922 833.270 2,9<br />

1930 1.890.524 5,6<br />

1945 6.200.805 13,4<br />

*Excluindo a população escrava.<br />

Fonte: CARVALHO, 2007, p 395<br />

Mais grave foram as práticas políticas nada democráticas ou progressistas,<br />

como as inúm<strong>era</strong>s e frequentes fraudes eleitorais e a ação truculenta e clientelista<br />

dos chamados “coronéis”, grandes proprietários que controlavam a política em seus<br />

municípios, atores políticos fundamentais num período em que o eleitorado rural<br />

pesava mais que o urbano.<br />

Entretanto, setores importantes aos poucos manifestavam sua insatisfação<br />

com os rumos da República. A classe média urbana ressentia-se do fato de sua<br />

influência política ser limitada, não só devido à predominância do eleitorado rural,<br />

12


mas principalmente por ser no campo onde ocorriam as maiores fraudes eleitorais e<br />

desmandos (LEAL, 1978).<br />

O movimento que melhor expressou esse descontentamento foi o tenentismo,<br />

organizado pela jovem oficialidade do Exército e iniciado a partir do episódio<br />

conhecido como o “Movimento dos 18 do Forte de Copacabana”. Ainda que os<br />

tenentes não apresentassem um programa claro de reformas econômicas e<br />

políticas, a crítica presente em todas as suas manifestações <strong>era</strong> dirigida às fraudes<br />

eleitorais e à corrupção em g<strong>era</strong>l, cuja culpa <strong>era</strong> atribuída aos políticos civis.<br />

Uma demonstração deste descontentamento é o depoimento de um militar<br />

positivista, Ximeno de Villeroy, autor de uma biografia sobre Benjamin Constant,<br />

publicada em 1928, exatamente no período em que a República Oligárquica vivia<br />

seus momentos difíceis.<br />

Duas causas principais concorrem para esta aflitiva situação<br />

cujo termo parece-nos afastado, uma de ordem g<strong>era</strong>l e outra<br />

especial. Esta última consiste essencialmente no imoral predomínio<br />

dessa casta de politiqueiros profissionais que fez da política a arte<br />

de bater moeda; e aquela, na desordem permanente, na indisciplina<br />

g<strong>era</strong>l em que vive o povo brasileiro... (COSTA, 1999, p. 405)<br />

Embora os movimentos tenentistas fracassassem, ficava claro que o poder<br />

oligárquico atravessava um período de intenso desgaste que encontrará seu ponto<br />

culminante a partir da Quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.<br />

13


1.2) A Revolução de 1930 e a retomada do projeto positivista<br />

Em 1930 estava marcada a eleição para escolher o novo Presidente da<br />

República. A partir do Governo Campos Sales, constituiu-se um pacto para a<br />

disputa da presidência conhecido como política do café-com-leite, uma aliança<br />

envolvendo os partidos que representavam os estados com maior eleitorado, ao<br />

mesmo tempo em que se constituíam nos maiores produtores de café, o Partido<br />

Republicano Mineiro e o Partido Republicano Paulista. Pelo acordo, os dois partidos<br />

caminhariam unidos nas eleições presidenciais, revezando-se na indicação do<br />

candidato à presidência. Esse pacto foi muito bem sucedido, o que pode ser<br />

constatado pelo fato de que essa aliança não perdeu uma eleição sequer ao longo<br />

da República Velha (FAUSTO, 2008).<br />

Essa situação mudou na eleição de 1930. Como apontamos anteriormente,<br />

durante a década de 1920 o questionamento ao controle político das oligarquias <strong>era</strong><br />

crescente, especialmente entre a classe média urbana. Por outro lado, dentro das<br />

próprias oligarquias já começavam a ocorrer divisões. Havia um descontentamento<br />

crescente das oligarquias do Nordeste e do Sul em relação aos privilégios<br />

concedidos aos cafeicultores, na medida em que quanto mais o Governo Fed<strong>era</strong>l<br />

socorria os cafeicultores, menos recursos <strong>era</strong>m destinados às outras regiões.<br />

Desde o início do século XX, a cafeicultura começava a apresentar sinais de<br />

desequilíbrio entre oferta e procura, já que a produção de café no Brasil e em outras<br />

partes do mundo crescia a um ritmo muito mais acel<strong>era</strong>do do que a expansão dos<br />

mercados consumidores. Para evitar uma crise no setor, os governadores dos três<br />

principais estados produtores (São Paulo, Minas G<strong>era</strong>is e Rio de Janeiro)<br />

assinaram um acordo em 1906, conhecido como Convênio de Taubaté,<br />

determinando que o Estado compraria os excedentes da produção de café sempre<br />

que houvesse um desequilíbrio entre a oferta e a procura. Esse acordo deixava<br />

claro o quanto os estados cafeicultores tiravam proveito de sua maior influência na<br />

política nacional para obterem um privilégio que não <strong>era</strong> estendido a nenhum outro<br />

setor da economia.<br />

Essa situação chegou a um ponto insustentável com a Quebra da Bolsa de<br />

Nova Iorque em 1929, que atingiu duramente a economia brasileira, demonstrando<br />

14


o quanto <strong>era</strong> frágil o tradicional modelo primário-exportador do país, especialmente<br />

pela sua dependência da exportação de um produto que não pode ser consid<strong>era</strong>do<br />

essencial – o café. A consequência disso foi que nosso comércio internacional<br />

despencou, até porque nosso maior consumidor <strong>era</strong> justamente os Estados Unidos,<br />

que vivia o período da Grande Depressão. Paralelamente, o governo brasileiro teria<br />

que socorrer os cafeicultores num nível muito maior do que qualquer outra crise.<br />

Foi nesse contexto que teve início a campanha eleitoral de 1930. De acordo<br />

com a política do café-com-leite, o candidato oficial deveria ser indicado pelo<br />

Partido Republicano Mineiro, que substituiria o Presidente em exercício,<br />

Washington Luís, que na eleição anterior fora indicado pelo Partido Republicano<br />

Paulista. Porém, a oligarquia paulista temendo que um presidente mineiro não<br />

suportasse a pressão contra os privilégios concedidos à cafeicultura, decidiu romper<br />

o pacto e indicar outro candidato do Partido Republicano Paulista à Presidência,<br />

Júlio Prestes. Como resposta, a oligarquia mineira iniciou as articulações com<br />

outras oligarquias descontentes com as ações do governo - especialmente as<br />

oligarquias gaúcha e paraibana - para a formação de uma chapa de oposição,<br />

denominada Aliança Lib<strong>era</strong>l, resultando na indicação de Getúlio Vargas como<br />

candidato à Presidência.<br />

A eleição ocorreu em 1º de março de 1930, marcada por fraudes<br />

gen<strong>era</strong>lizadas dos dois lados, mas ao final da apuração Júlio Prestes e o Partido<br />

Republicano Paulista saíram vitoriosos. Inicialmente, Getúlio Vargas e outras<br />

lid<strong>era</strong>nças da Aliança Lib<strong>era</strong>l demonstraram conformidade com o resultado.<br />

Todavia, jovens lid<strong>era</strong>nças das oligarquias dissidentes 5 e do movimento tenentista<br />

iniciaram uma forte pressão sobre os dirigentes da Aliança Lib<strong>era</strong>l para a<br />

organização de um movimento armado que deveria ser desencadeado antes da<br />

posse do novo presidente, o que acabou por ocorrer vitoriosamente em outubro de<br />

1930, quando Washington Luís foi deposto e Getúlio Vargas assumiu a presidência,<br />

de onde só sairá 15 anos depois. Para entendermos melhor as profundas mudanças<br />

pelas quais o Brasil passará nesse período, é importante lembrar resumidamente a<br />

trajetória anterior do líder gaúcho.<br />

5 Entre eles destacamos Osvaldo Aranha, João Batista Luzardo, João Neves da Fontoura, Virgílio de<br />

Melo Franco, Artur Bernardes Filho, Caio e Carlos de Lima Cavalcanti.<br />

15


Getúlio Vargas (1882-1954) nasceu no município de São Borja, zona rural e<br />

interiorana do Rio Grande do Sul, fronteiriça com a Argentina. Bacharelou-se em<br />

Direito em 1907, trabalhando em seguida como promotor público em Porto Alegre,<br />

para logo depois iniciar uma bem sucedida carreira política. Em 1909, elegeu-se<br />

para deputado pelo Partido Republicano Riograndense para a Câmara de<br />

Representantes (atualmente Assembléia Legislativa) do seu estado. Em 1923, foi<br />

eleito deputado fed<strong>era</strong>l, deixando o cargo em 1926 para ocupar o Ministério da<br />

Fazenda no governo Washington Luís, onde ficou até o ano seguinte, quando<br />

renunciou para concorrer vitoriosamente ao governo do Rio Grande do Sul.<br />

A formação intelectual de Getúlio desde a juventude foi fortemente marcada<br />

pela influência positivista, doutrina que transitava com muita intensidade naquela<br />

região de fronteira, como apontaram LOVE (1975) e PAIM (1980 e 1984). O pai,<br />

estancieiro, foi militante no Partido Republicano Riograndense, sendo um fiel<br />

seguidor de seu líder, Júlio de Castilhos (1860-1903). Este último constituiu-se em<br />

personagem central da política gaúcha durante o movimento republicano e no início<br />

do novo regime, tendo ocupado a Presidência do estado e redigido a maioria dos<br />

artigos da Constituição riograndense, aprovada em 1891.<br />

Para Castilhos, a República seria o regime da virtude, da moralidade e da<br />

competência. Esses princípios legitimariam suas ações autoritárias, especialmente<br />

no que se refere a pouca importância atribuída à vida parlamentar. Era como se o<br />

valor da ordem e da virtude estivesse acima da participação. Também podemos<br />

observar nas ações de Castilhos o princípio de que a democracia econômica e<br />

social deveria ser privilegiada em relação à democracia política, o que se<br />

constituiria em outra justificativa para ações autoritárias.<br />

Foi dentro dessa tradição positivista autoritária que Getúlio Vargas constituiu<br />

sua formação política e intelectual, o que nos ajuda a compreender em parte muitas<br />

ações de seu governo, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945). A forte<br />

ligação de Getúlio com o castilhismo pode ser notada quando foi escolhido, ainda<br />

cursando a faculdade de Direito, para ser o orador no fun<strong>era</strong>l de Júlio de Castilhos,<br />

em 1903, e na sua militância na Juventude Castilhista, onde manteve vínculos de<br />

amizade com vários jovens da elite do estado que o apoiariam futuramente na<br />

16


Revolução de 1930, entre eles João Neves da Fontoura e Joaquim Maurício<br />

Cardoso.<br />

Em trabalho onde analisa o pensamento político de Getúlio Vargas ao longo<br />

de sua trajetória, FONSECA (2001) destaca que em sua juventude, no início de sua<br />

carreira política, seus discursos revelavam a influência positivista tanto no<br />

vocabulário utilizado (evolução, etapas, progresso, ordem, ciência), como nos<br />

autores citados (Comte, Stuart Mill, Spencer), assim como já anunciavam sua visão<br />

contrária ao lib<strong>era</strong>lismo econômico. Em um debate travado com um adversário<br />

durante uma sessão da Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande<br />

do Sul (Assembléia Legislativa), em 1919, Vargas afirmava:<br />

(...) permita-me dizer que V. Exa. está filiado à velha teoria<br />

econômica do ‘laissez faire’, teoria essa que pretende atribuir<br />

unicamente à iniciativa particular o desenvolvimento econômico ou<br />

industrial de qualquer país, deixando de lado a teoria da<br />

nacionalização desses serviços por parte da administração pública,<br />

amplamente justificada pelas lições da experiência, não levando V.<br />

Exa., em linha de conta, que nos países novos, como o nosso, onde<br />

a iniciativa é escassa e os capitais ainda não tomaram o incremento<br />

preciso, a intervenção do governo em tais serviços é uma<br />

necessidade real. (FONSECA, 2001, p. 107)<br />

Portanto, o estilo e as ações de Getúlio Vargas na Presidência da República<br />

representaram, em linhas g<strong>era</strong>is, uma retomada do projeto positivista do início da<br />

República. Entre 1930 e 1945 buscou-se promover o progresso econômico, tendo<br />

como um pré-requisito fundamental a manutenção da ordem. Porém, a grande<br />

novidade introduzida no período reside na compreensão de que o progresso<br />

material e econômico só seria alcançado e garantido ao mesmo tempo em que<br />

promovesse a valorização do trabalho e da melhoria das condições de vida dos<br />

trabalhadores em todos os aspectos: salário, moradia, educação e saúde.<br />

Já durante a campanha eleitoral, a Aliança Lib<strong>era</strong>l anunciava um ambicioso<br />

programa de reformas para a época: no campo social, previa o reconhecimento por<br />

lei dos direitos trabalhistas, tais como o direito de aposentadoria, a regulamentação<br />

do trabalho do menor e do da mulher e o direito ao gozo de férias, e, no campo<br />

político, condenava o abuso do poder, a corrupção, a interferência oficial na escolha<br />

dos sucessores. Pregava a defesa das liberdades individuais, o voto secreto, a<br />

instituição da justiça eleitoral, anistia (visando atrair os ''tenentes") e a reforma<br />

17


política, com o objetivo de estabelecer eleições que expressassem a verdadeira<br />

vontade do povo.<br />

Ao assumir o governo, Getúlio tratou de por em prática alguns dos<br />

compromissos assumidos na campanha eleitoral, além de paulatinamente tomar<br />

medidas que garantissem o PROGRESSO e a manutenção da ORDEM 6 .<br />

Na avaliação do novo governo, o PROGRESSO seria alcançado através de<br />

um amplo programa de industrialização fomentado pelo Estado, na medida em que<br />

inexistia no Brasil uma classe empresarial forte e organizada, com acumulação de<br />

capital suficiente para conduzir esse projeto. Ao mesmo tempo, a própria<br />

administração pública deveria ser totalmente reformulada através de uma<br />

profissionalização crescente, para atender ao novo papel que o estado deveria<br />

representar no desenvolvimento econômico 7 .<br />

Além disso, para esse progresso econômico ser alcançado seria fundamental<br />

a melhoria das condições de vida e trabalho da população. Esse bem estar social<br />

seria garantido pela paulatina concessão das leis trabalhistas. Assim, a questão<br />

social deixava de ser um “caso de polícia” para ser uma questão a ser solucionada<br />

pelo Estado, que assume o papel de provedor e protetor da classe trabalhadora.<br />

Portanto, o progresso que se pretendia alcançar deveria trazer não apenas o<br />

desenvolvimento econômico, mas também a melhoria das condições de vida da<br />

classe trabalhadora através da concessão de direitos. Por outro lado, o pré-requisito<br />

para o progresso econômico e social <strong>era</strong> a manutenção da ORDEM. Para isso, o<br />

governo criou diversos mecanismos para controlar e disciplinar a classe<br />

trabalhadora: a propaganda oficial, a criação de uma estrutura sindical<br />

corporativista, submetendo os sindicatos à tutela do Estado, ou através da<br />

repressão policial aplicada sobre os elementos ameaçadores da ordem,<br />

especialmente os comunistas.<br />

6 Para a análise da evolução política e econômica da Era Vargas (1930-1945) tomei como referência<br />

o CD ROM A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945", lançado pelo CPDOC em 1997. Seu<br />

conteúdo também está disponibilizado na página Navegando na História no portal do CPDOC.<br />

7 Diretamente subordinado ao Presidente da República, o Departamento Administrativo do<br />

Serviço Público (DASP) foi criado pelo Decreto-Lei n.º 579, de 30/07/1938, com o objetivo de<br />

profissionalizar a dar maior eficiência à máquina administrativa fed<strong>era</strong>l.<br />

18


Entendo que aí estaria a gênese para a compreensão da conduta de Getúlio<br />

no poder. Levando-se em conta que os positivistas primavam pela ciência e pela<br />

técnica como meio de construir uma sociedade melhor, <strong>era</strong> natural que esses<br />

princípios estivessem acima das diferenças e interesses político-partidários. Da<br />

mesma forma, a influência positivista pode nos ajudar a compreender também a<br />

composição heterogênea dos ministros, assessores e quadros administrativos<br />

recrutados durante seu período na presidência. Onde o fundamental <strong>era</strong> a<br />

manutenção da ORDEM, a escolha de pessoas com um perfil conservador e<br />

autoritário – foi o caso de Góis Monteiro, Ministro da Guerra entre 1934 e 1935 e,<br />

em seguida, chefe do Estado-Maior do Exército, e de Francisco Campos, Ministro<br />

da Justiça. Por outro lado, para cuidar da EDUCAÇÃO E DA SAÚDE, fundamentais<br />

para a construção do PROGRESSO, a escolha de pessoas como Gustavo<br />

Capanema, que monta uma equipe composta por intelectuais com um perfil<br />

claramente progressista, muitos influenciados pelo modernismo, comprometidos<br />

com o projeto de construção do “homem novo” para o Brasil.<br />

19


1.3) Populismo ou Trabalhismo?<br />

No meio acadêmico, durante muito tempo <strong>era</strong> amplamente aceita a tese de<br />

que a Era Vargas seria o marco inicial da formação do populismo na política<br />

brasileira, um “estilo de governo e política de massas” que se perpetuaria até o<br />

Golpe Militar de 1964.<br />

Nos dias atuais, o conceito de populismo é muitas vezes, a maioria talvez,<br />

utilizado de forma gen<strong>era</strong>lista e depreciativa. É comum ouvirmos “tal político é um<br />

populista”, insinuando que ele foi eleito devido à sua capacidade de manipular e de<br />

enganar o povo. Consid<strong>era</strong>-se, assim, o eleitorado despreparado e destituído de<br />

discernimento político, tornado-se vulnerável à ação de políticos carismáticos e<br />

manipuladores.<br />

Mas, afinal, quem são os populistas? Difícil saber, pois<br />

depende do lugar político em que o personagem que acusa se<br />

encontra. Para os conservadores, populismo é o passado político<br />

brasileiro, são políticas públicas que garantam os direitos sociais<br />

dos trabalhadores... O populista, portanto, é o adversário, o<br />

concorrente, o desafeto. O populista é o Outro. Trata-se de uma<br />

questão eminentemente política e, muito possivelmente, políticopartidária,<br />

que poderia ser enunciada da seguinte maneira: o meu<br />

candidato, o meu partido, a minha proposta política não são<br />

populistas, mas o teu candidato, o teu partido e a tua proposta<br />

política, estes, sim, são populistas. Populista é sempre o Outro,<br />

nunca o Mesmo. (FERREIRA, 2001, p. 124).<br />

Não concordamos com essa análise e, tomando como referência os trabalhos<br />

de FERREIRA (2001) e GOMES (1988), apresentaremos nosso ponto de vista<br />

destacando em primeiro lugar como surgiu e em que contexto foi criado o conceito<br />

de populismo no Brasil.<br />

A origem da formulação do conceito encontra-se em agosto de 1952, quando<br />

um grupo de estudiosos começou a se reunir periodicamente no Parque Nacional<br />

de Itatiaia, entre Rio de Janeiro e São Paulo, para realizar estudos e debates<br />

acerca dos grandes problemas relacionados ao desenvolvimento nacional – esse<br />

grupo ficou conhecido, por esse motivo de “Grupo de Itatiaia”. Alguns meses depois,<br />

já em 1953, ele levaria à criação do Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e<br />

Política - IBESP, responsável, entre 1953 e 1956, pela edição de cinco volumes dos<br />

Cadernos de Nosso Tempo. A importância do IBESP e dos Cadernos é que eles<br />

20


contêm, no nascedouro, toda a ideologia do nacionalismo, que ganharia força cada<br />

vez maior no país nos anos subseqüentes, e serviriam de ponto de partida para a<br />

constituição do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).<br />

Um dentre os principais problemas divisados na agenda deste grupo é o do<br />

surgimento do populismo na política brasileira. Ele pode ser sugestivamente<br />

exemplificado, por um pequeno ensaio, sem autor identificado, intitulado: Que é o<br />

Ademarismo? (FERREIRA, 2001, p. 23). Publicado durante o primeiro semestre do<br />

ano de 1954, portanto antes do suicídio do presidente Vargas, o artigo tem como<br />

preocupação e motivação imediata a projeção do político paulista, Adhemar de<br />

Barros, como candidato à sucessão presidencial de 1955.<br />

Resumidamente, de uma forma bem esquemática, pode-se dizer que o<br />

ensaio aponta duas condições fundamentais para a emergência/caracterização do<br />

populismo. Atuando como variáveis histórico-sociais, elas terão longa carreira em<br />

inúm<strong>era</strong>s formulações posteriores, integrando-se ao esforço coletivo empreendido<br />

no campo das ciências sociais.<br />

Em primeiro lugar, o populismo é uma política de massas, vale dizer, ele é um<br />

fenômeno vinculado à proletarização dos trabalhadores na sociedade complexa<br />

<strong>moderna</strong>, sendo indicativo de que tais trabalhadores não adquiriram consciência e<br />

sentimento de classe: não estão organizados e participando da política como<br />

classe. As massas, interpeladas pelo populismo, são originárias do proletariado,<br />

mas dele se distinguem por sua inconsciência das relações de espoliação sob as<br />

quais vivem.<br />

Em segundo lugar, o populismo está igualmente associado a uma certa<br />

conformação da classe dirigente, que perdeu sua representatividade e poder de<br />

exemplaridade, deixando de criar os valores e os estilos de vida orientadores de<br />

toda a sociedade. Em crise e sem condições de dirigir com segurança o Estado, a<br />

classe dominante precisa conquistar o apoio político das massas emergentes.<br />

Finalmente, satisfeitas estas duas condições mais amplas, é preciso um terceiro<br />

elemento para completar o ciclo: o surgimento do líder populista, do homem<br />

carregado de carisma, capaz de mobilizar as massas e controlar de forma<br />

centralizada o poder.<br />

21


O que importa aqui destacar é a seleção das pré-condições para a<br />

construção do modelo, bem como o perfil dos atores que o integram: um<br />

proletariado sem consciência de classe; uma classe dirigente em crise de<br />

hegemonia; e um líder carismático, cujo apelo subordina instituições e transcende<br />

fronteiras sociais.<br />

As características acima serviram de referência para inúmeros estudos<br />

posteriores, mas para nossa análise crítica ao conceito iremos tomar como base a<br />

obra clássica O populismo na política brasileira, de Francisco Weffort, sem<br />

dúvida o principal teórico do populismo no Brasil.<br />

Analisando a origem e a evolução do populismo, Weffort afirma que:<br />

O populismo, como estilo de governo, sempre sensível às<br />

pressões populares, ou como política das massas, que buscava<br />

conduzir, manipulando suas aspirações, só pode ser compreendido<br />

no contexto do processo de crise política e de desenvolvimento<br />

econômico que se abre com a revolução de 1930. Foi a expressão<br />

do período de crise da oligarquia e do lib<strong>era</strong>lismo, sempre muito<br />

afins na história brasileira, e do processo de democratização do<br />

Estado que, por sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo<br />

de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional da ditadura<br />

Vargas (1937-45), seja o autoritarismo paternalista ou carismático<br />

dos líderes de massas da democracia do pós-guerra (1945-64). Foi<br />

também uma das manifestações das debilidades políticas dos<br />

grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir-se à<br />

oligarquia nas funções de domínio político de um País<br />

tradicionalmente agrário, numa etapa em que pareciam existir as<br />

possibilidades de um desenvolvimento capitalista nacional. E foi<br />

sobretudo a expressão mais completa da emergência das classes<br />

populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial verificado<br />

nestes decênios e da necessidade, sentida por alguns dos novos<br />

grupos dominantes, de incorporação das massas ao jogo político.<br />

(WEFFORT, 1978p. 61)<br />

O autor também constata que a classe trabalhadora não tem consciência de<br />

classe e, assim, desorganizada, torna-se facilmente suscetível ao apelo de um líder<br />

carismático.<br />

Se baseados na tradição européia de luta de classes,<br />

entendemos como participação política ativa aquela que implica<br />

uma consciência comum dos interesses de classe e na capacidade<br />

de auto-representação política, caberia concluir que todas as<br />

classes sociais brasileiras foram politicamente passivas nos<br />

decênios posteriores à revolução de 1930. (WEFFORT, 1978, p. 71)<br />

22


A partir dessa análise, o conceito de populismo tem sido usado de forma um<br />

tanto quanto gen<strong>era</strong>lizada e destituída de historicidade. Assim, políticos com perfis<br />

e projetos tão diversos como Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Adhemar de<br />

Barros, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, entre outros foram<br />

tachados de populistas.<br />

Detendo-me na Era Vargas (1930-1945), período escolhido para essa<br />

pesquisa, prefiro optar por outro caminho, tomando como referência os trabalhos de<br />

dois autores: Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira.<br />

Acompanhando os autores acima, não considero adequadas algumas das<br />

conclusões do trabalho de Weffort. Ao invés de consid<strong>era</strong>r as “massas” como<br />

manipuladas por um líder messiânico e carismático, entendo que na verdade elas<br />

foram tão pragmáticas quanto os governos ditos populistas e seus líderes. Se estes<br />

pretendiam modernizar o Brasil implantando um modelo industrializante com forte<br />

conotação nacionalista, tentando promover a transição para um modelo avançado<br />

de capitalismo, acredito que a classe trabalhadora das cidades apoiou esse projeto<br />

ao obter de forma crescente benefícios na forma de leis trabalhistas.<br />

Como afirma Ângela de Castro Gomes,<br />

...o processo de produção do consentimento não se sustenta<br />

somente em apelos ideológicos, tendo uma explícita dimensão<br />

sócio-econômica. Isto é, ele está fundado em procedimentos que<br />

asseguram a existência de vantagens materiais efetivas para os<br />

grupos dominados. A legitimidade de um arranjo institucional não<br />

advém simplesmente da manipulação e/ou repressão políticas,<br />

deitando raízes em práticas que incorporam — em graus muito<br />

variados — interesses e valores concretos dos que estão excluídos<br />

do poder. (GOMES, 1999, p. 56).<br />

A crítica que os autores citados acima fazem ao conceito de populismo<br />

refere-se à sua utilização para explicar a política brasileira, como também à maneira<br />

como os trabalhadores alcançaram a cidadania social. Destacam que foi após a<br />

Revolução de 1930 que ocorreu o processo em que os assalariados tiv<strong>era</strong>m acesso<br />

aos direitos sociais e, após 1945, aos direitos políticos. Enquanto na experiência<br />

européia os trabalhadores, primeiro, tiv<strong>era</strong>m acesso aos direitos de votar e ser<br />

votado para, mais adiante, alcançarem os direitos sociais, no caso brasileiro,<br />

ocorreu o processo inverso. Ou seja, no Brasil, os trabalhadores se tornaram<br />

23


cidadãos não pelo direito de votar e ser votado, mas com a obtenção de seus<br />

direitos sociais: regulamentação da jornada de trabalho, férias, descanso semanal<br />

remun<strong>era</strong>do, pensões, aposentadorias, etc. Isso teria marcado a cultura política<br />

brasileira.<br />

... o “mito” Vargas não foi criado simplesmente na esteira da<br />

vasta propaganda política, ideológica e doutrinária veiculada pelo<br />

Estado. Não há propaganda, por mais elaborada, sofisticada e<br />

massificante, que sustente uma personalidade pública por tantas<br />

décadas que beneficiem, em termos materiais e simbólicos, o<br />

cotidiano da sociedade. O “mito” Vargas expressava um conjunto de<br />

experiências que, longe de se basear em promessas irrealizáveis,<br />

fundamentadas tão-somente em imagens e discursos vazios, alterou<br />

a vida dos trabalhadores. (FERREIRA, 2001, p. 88)<br />

Nesse sentido, os trabalhadores, a partir dos anos de 1930, tiv<strong>era</strong>m acesso à<br />

cidadania com leis sociais e reconhec<strong>era</strong>m o papel do Estado naquele processo. A<br />

partir de 1945, parcelas significativas do eleitorado identificaram seus direitos<br />

sociais com a pessoa de Getúlio Vargas e, consequentemente, com o Partido<br />

Trabalhista Brasileiro e o trabalhismo. Mas isso é um processo de reconhecimento,<br />

resultado de experiências vividas pelos próprios trabalhadores – e não de<br />

manipulação. Os trabalhadores, nesse sentido, fiz<strong>era</strong>m suas escolhas. Estado e<br />

trabalhadores int<strong>era</strong>giram um com o outro. Contudo, na ótica do populismo, tudo<br />

não teria passado de manipulação das massas.<br />

O Estado Nacional do pós-1937, por seu ideal de justiça<br />

social, voltava-se para a realização de uma política de amparo ao<br />

homem brasileiro, o que significava basicamente o reconhecimento<br />

de que a civilização e o progresso <strong>era</strong>m um produto do trabalho...<br />

O ideal de justiça social ia sendo explicitado como um ideal<br />

de ascensão social pelo trabalho, que tinha no Estado seu avalista e<br />

intermediário. O ato de trabalhar precisava ser associado a<br />

significantes positivos que constituíam substantivamente a<br />

sup<strong>era</strong>ção das condições objetivas vividas no presente pelo<br />

trabalhador. A ascensão social, principalmente em sua dimensão<br />

g<strong>era</strong>cional, apontava o futuro do homem como intrinsecamente<br />

ligado ao “trabalho honesto”, que devia ser definitivamente despido<br />

de seu conteúdo negativo. O trabalho <strong>era</strong> civilizador.... (GOMES,<br />

1999, p. 58-9)<br />

Portanto, entendemos que com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder o<br />

projeto de desenvolvimento voltado para o progresso econômico tornou-se<br />

prioridade fundamental para o governo, mas com uma novidade em relação ao<br />

24


discurso oficial durante o período da República Velha: a incorporação e a<br />

valorização do trabalho e dos trabalhadores como parte desse projeto de<br />

desenvolvimento.<br />

Durante a República Velha a questão social <strong>era</strong> tratada como um caso de<br />

polícia. Enquanto na Europa o movimento operário vinha conquistando desde a<br />

segunda metade do século XIX avanços progressivos na legislação trabalhista, no<br />

Brasil os operários ainda trabalhavam em condições não muito diferentes dos seus<br />

pares europeus do século XVIII. Insensíveis a esses problemas, os sucessivos<br />

governos da República Velha ocupara-se apenas com a repressão às greves e aos<br />

sindicatos, prova disso foi a aprovação da Lei Cel<strong>era</strong>da, em 1927, durante a<br />

presidência de Washington Luís. Na tentativa de conter as greves essa lei dava ao<br />

Executivo o direito de intervir em sindicatos e criminalizar qualquer manifestação<br />

dos operários, além de permitir o fechamento de qualquer instituição que não<br />

seguisse as diretrizes do governo. Como consequências imediatas dessa lei, o<br />

Partido Comunista Brasileiro foi posto na ilegalidade e sindicatos trabalhistas e<br />

clubes militares foram fechados.<br />

Esse descaso com a condição da classe trabalhadora começou a ser revisto<br />

a partir da Revolução de 1930, especialmente durante o período do Estado Novo,<br />

quando houve o entendimento de que a questão social <strong>era</strong> um problema a ser<br />

solucionado e não reprimido pelo Estado. Dentro desse contexto, o regime utilizava<br />

um discurso de legitimação através de uma “ideologia política de valorização do<br />

trabalho e de ‘reabilitação’ do papel e do lugar do trabalhador nacional” (GOMES,<br />

1999, p. 53).<br />

Operários do Brasil: No momento em que se festeja o ‘Dia do<br />

Trabalho’, não desejei que esta comemoração se limitasse a<br />

palavras, mas que fosse traduzida em fatos e atos que<br />

constituíssem marcos imperecíveis, assinalando pontos luminosos<br />

na marcha e na evolução das leis sociais do Brasil.<br />

Nenhum governo, nos dias presentes, pode desempenhar a sua<br />

função sem satisfazer as justas aspirações das massas<br />

trabalhadoras. (Muito bem; palmas.)<br />

Podeis interrogar, talvez: Quais são as aspirações das massas<br />

obreiras, quais os seus interesses? E eu vos responderei: a ordem,<br />

e o trabalho! (Muito bem; palmas prolongadas.)<br />

Em primeiro lugar, a ordem, porque na desordem nada se constrói:<br />

porque, num país como o nosso, onde há tanto trabalho a realizar,<br />

onde há tantas iniciativas a adotar, onde há tantas possibilidades a<br />

25


desenvolver, só a ordem assegura a confiança e a estabilidade.<br />

(Muito bem.)<br />

O trabalho só se pode desenvolver em ambiente de ordem. Por isso,<br />

a Lei do Salário Mínimo, que vem trazer garantias ao trabalhador,<br />

<strong>era</strong> necessidade que há muito se impunha. Como sabeis, em nosso<br />

país, o trabalhador, principalmente o trabalhador rural, vive<br />

abandonado, percebendo uma remun<strong>era</strong>ção inferior às suas<br />

necessidades. (Muito bem.)<br />

No momento em que se providencia para que todos os<br />

trabalhadores brasileiros tenham casa barata, isentos dos impostos<br />

de transmissão, torna-se necessário, ao mesmo tempo, que, pelo<br />

trabalho, se lhes garanta a casa, a subsistência, o vestuário, a<br />

educação dos filhos. (Muito bem; palmas prolongadas.)<br />

O trabalho é o maior fator da elevação da dignidade humana.<br />

Ninguém pode viver sem trabalhar; (Muito bem.) e o operário não<br />

pode viver ganhando apenas o indispensável para não morrer de<br />

fome! (Muito bem; aplausos prolongados.) O trabalho justamente<br />

remun<strong>era</strong>do eleva-o na dignidade social. Além dessas condições, é<br />

forçoso observar que num país como o nosso, onde em alguns<br />

casos há excesso de produção, desde que o operário seja melhor<br />

remun<strong>era</strong>do, poderá, elevando o seu padrão de vida, aumentar o<br />

consumo, adquirir mais dos produtores e, portanto, melhorar as<br />

condições do mercado interno.<br />

Após a série de leis sociais com que tem sido amparado e<br />

beneficiado o trabalhador brasileiro, a partir da organização sindical,<br />

da Lei dos Dois Terços, que terá de ser cumprida e que está sendo<br />

cumprida, (Muito bem; palmas prolongadas.) das férias<br />

remun<strong>era</strong>das, das caixas de aposentadoria e pensões, que<br />

asseguraram a tranqüilidade do trabalhador na invalidez e a dos<br />

seus filhos na orfandade, a Lei do Salário Mínimo virá assinalar,<br />

sem dúvida, um marco de grande relevância na evolução da<br />

legislação social brasileira. Não se pode afirmar que seja o seu<br />

termo, porque outras se seguirão.<br />

O orador operário, que foi o intérprete dos sentimentos de seus<br />

companheiros, declarou, há pouco, que a legislação social do Brasil<br />

veio estabelecer a harmonia e a tranqüilidade entre empregados e<br />

empregadores. É esta uma afirmativa feliz, que ecoou bem no meu<br />

coração. (Muito bem; palmas.) Não basta, porém, a tranqüilidade e a<br />

harmonia entre empregados e empregadores. E preciso a<br />

colaboração de uns e outros no esforço espontâneo e no trabalho<br />

comum em bem dessa harmonia, da coop<strong>era</strong>ção e do<br />

congraçamento de todas as classes sociais. (Muito bem;<br />

prolongados aplausos.) O movimento de 10 de novembro pode ser<br />

consid<strong>era</strong>do, sob certos aspectos, como um reajustamento dos<br />

quadros da vida brasileira. (Muito bem; palmas.) Esse reajustamento<br />

terá de se realizar, e já se vem realizando, exatamente pela<br />

coop<strong>era</strong>ção de todas as classes. O governo não deseja, em<br />

nenhuma hipótese, o dissídio das classes nem a predominância de<br />

umas sobre as outras. (Muito bem.) Da fixação dos preceitos do<br />

coop<strong>era</strong>tivismo na Constituição de 10 de novembro deverá decorrer,<br />

naturalmente, o estímulo vivificador do espírito de colaboração entre<br />

todas as categorias de trabalho e de produção. Essa colaboração<br />

será efetivada na subordinação ao sentido superior da organização<br />

26


social. Um país não é apenas um conglom<strong>era</strong>do de indivíduos<br />

dentro de um trecho de território, mas, principalmente, a unidade da<br />

raça, a unidade da língua, a unidade do pensamento nacional.<br />

(Muito bem; palmas.)<br />

E preciso, portanto, para a realização desse ideal supremo, que<br />

todos marchem unidos, em ascensão prodigiosa, heróica e vibrante,<br />

no sentido da colaboração comum e do esforço homogêneo pela<br />

prosperidade e pela grandeza do Brasil! (Muito bem, muito bem;<br />

aplausos vibrantes.) 8<br />

Durante o Estado Novo, o governo entendeu também que a pobreza <strong>era</strong> um<br />

problema que entravava o desenvolvimento nacional, estando associada à<br />

ignorância e à doença. Dessa forma, houve a compreensão da necessidade de<br />

políticas públicas que enfrentassem esses problemas, elevando a condição social<br />

do trabalhador brasileiro, tornando-o um “homem novo”.<br />

Promover o homem brasileiro, defender o desenvolvimento<br />

econômico e a paz social do país <strong>era</strong>m objetivos que se unificavam<br />

em uma mesma e grande meta: transformar o homem em<br />

cidadão/trabalhador, responsável por sua riqueza individual e<br />

também pela riqueza do conjunto da nação. (GOMES, 1999, p. 55)<br />

Partindo do princípio de que o trabalho <strong>era</strong> civilizador, ele deveria ser<br />

humanizado e apresentado ao trabalhador como o meio fundamental de melhorar<br />

sua condição social. Ao mesmo tempo em que o Estado utilizava o controle dos<br />

meios de comunicação para veicular esse discurso, por outro lado decretava<br />

progressivamente uma legislação trabalhista, que, comparando com a situação da<br />

República Velha, continha avanços bastante significativos.<br />

Juntamente com a legislação trabalhista, complementavam as políticas<br />

públicas para a transformação do homem brasileiro em “cidadão-trabalhador”, os<br />

investimentos na medicina social, na educação e nas habitações populares. . Não<br />

por acaso uma das inovações da Era Vargas foi a criação do Ministério da<br />

Educação e Saúde, fundindo duas áreas que, acreditava-se, estavam intimamente<br />

relacionadas.<br />

No próprio interesse do progresso do país, deviam-se<br />

vincular estreitamente as legislações social e sanitária, já que o<br />

8 VARGAS. Getúlio. Discurso no Palácio Guanabara, 1º de maio de 1938. Citado em Biblioteca da<br />

Presidência da República, acessado através de www2.gestao.presidencia.serpro.gov.br/areapresidencia/pasta.2008-10-08.1857594057/pasta.2008-10-08.9262201718/pasta.2008-12-<br />

17.8067491282/pasta.2009-08-04.8476074125/07.pdf, em 13/março/2010.<br />

27


objetivo de ambas <strong>era</strong> construir trabalhadores fortes e sãos, com<br />

capacidade produtiva ampliada. (GOMES, 1999, p. 60)<br />

Isso não significa que o governo deve ser isentado de utilizar meios de<br />

coerção e propaganda para se legitimar junto à sociedade e particularmente aos<br />

trabalhadores.<br />

...Por outro lado, a produção de uma ideologia política, ao<br />

mesmo tempo que atinge a finalidade de articulação de informações<br />

e ideais legitimadores — o que se garante por sua função de<br />

propaganda —, assume conotação repressiva, na medida em que<br />

exclui e combate a veiculação de mensagens anti-regime — o que<br />

se verifica por sua função de censura.<br />

Assim, tanto as regras legais como a ideologia política<br />

podem ser pensadas como mecanismos organizadores do<br />

consentimento e controladores do conflito social, através de formas<br />

diferenciadas do exercício da coesão e da coerção. Suas relações<br />

precisam ser percebidas para que a própria configuração de um<br />

projeto político seja captada mais perfeitamente dentro de<br />

determinada conjuntura. (GOMES, 1999, p. 56)<br />

Por tudo o que foi exposto, considero mais correto e melhor relacionado ao<br />

meu objeto conceituar a ideologia oficial da Era Vargas como trabalhismo,<br />

envolvendo ao mesmo tempo coerção e consenso com a classe trabalhadora. Não<br />

há dúvidas quanto ao caráter autoritário do regime, assim como não podemos negar<br />

que demandas importantes da classe trabalhadora pela primeira vez no Brasil foram<br />

colocadas na ordem do dia.<br />

***<br />

Portanto, no que se refere ao contexto histórico da Era Vargas (1930-1945)<br />

nossa pesquisa se orienta pelos seguintes princípios:<br />

1 – A Era Vargas representou uma retomada do projeto positivista do início<br />

da República, pretendendo modificar estruturalmente o país e alcançando o<br />

PROGRESSO econômico, deixado de lado durante a República Oligárquica.<br />

2 – Fazia parte dessa concepção de progresso o atendimento das demandas<br />

da classe trabalhadora, na medida em que essa classe <strong>era</strong> consid<strong>era</strong>da um ator<br />

fundamental, juntamente com a indústria, para o desenvolvimento econômico.<br />

28


Passou a época dos lib<strong>era</strong>lismos imprevidentes, das<br />

democracias estéreis, dos personalismos inúteis e semeadores da<br />

desordem. À democracia política substitui a democracia econômica,<br />

em que o poder, emanado diretamente do povo e instituído para<br />

defesa do seu interesse, organiza o trabalho, fonte do<br />

engrandecimento nacional e não meio de fortunas privadas. Não há<br />

mais lugar para regimes fundados em privilégios e distinções;<br />

subsistem, somente, os que incorporam toda a Nação nos mesmos<br />

deveres e oferecem, eqüitativamente, justiça social e oportunidades<br />

na luta pela vida.<br />

(Discurso de Getúlio Vargas, proferido a 11 de junho de 1940, citado<br />

em Getúlio Vargas, As Diretrizes da Nova Política do Brasil, Rio de<br />

Janeiro, José Olímpio, s/d)<br />

3 – O apoio da classe trabalhadora ao governo não deve ser entendido<br />

apenas como uma m<strong>era</strong> manipulação, mas também como uma atitude pragmática<br />

diante de um governo com o qual ela em grande parte se identificava por ter<br />

encaminhado a solução de problemas sociais que tradicionalmente estiv<strong>era</strong>m<br />

relegados ao esquecimento pelas autoridades.<br />

4 – Para alcançar o progresso, o governo estabeleceu diversos mecanismos<br />

garantidores da ORDEM, como construção de um eficiente aparato repressivo<br />

policial, mas também através da manipulação da sociedade através da censura e da<br />

repressão.<br />

5 – As ações de Getúlio Vargas no poder demonstram uma linha de<br />

coerência com a sua formação política positivista desde a juventude no Rio Grande<br />

do Sul.<br />

Foi nesse contexto que os arquitetos modernos, mais especificamente sua<br />

vertente “carioca”, encontraram espaços dentro da administração pública para se<br />

projetarem e aos poucos conquistarem a hegemonia p<strong>era</strong>nte outras correntes.<br />

Porém, apesar de se apresentassem como um grupo de vanguarda disposto a<br />

colocar a <strong>arquitetura</strong> a serviço de uma sociedade mais justa e democrática, veremos<br />

que na prática esse projeto incorreu em fortes contradições, embora a nova<br />

linguagem trazida por sua <strong>arquitetura</strong> exerça forte influência até a atualidade.<br />

29


CAPÍTULO 2 – A ARQUITETURA MODERNA<br />

2.1) A origem e a ascensão da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong><br />

a nova <strong>arquitetura</strong> se converte... em um ponto de chegada<br />

que sup<strong>era</strong> todas as buscas anteriores, as das vanguardas e a do<br />

neocolonial, ambas representativas, para [Lucio] Costa, de<br />

realidades parciais do Brasil que agora se deseja uno,<br />

materializando na <strong>arquitetura</strong> uma velha aspiração dos intelectuais<br />

recém-compartilhada, a partir de 1930, pelo Estado: a construção da<br />

identidade nacional capaz de romper com o particularismo dos<br />

poderes regionais da República Velha. (GORELIK, 2005, p. 45)<br />

No início da década de 1930, havia em alguns setores políticos e intelectuais<br />

um sentimento de que o Brasil <strong>era</strong> um país com uma nação ainda por construir, um<br />

Brasil sem identidade nacional. Ainda no século XIX, o professor de Botânica<br />

Auguste de Saint-Hilaire tinha chegado a mesma conclusão, quando, entre 1816 e<br />

1822, percorreu os territórios dos atuais estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo,<br />

Minas G<strong>era</strong>is, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em<br />

um de seus livros observou que “...havia um país chamado Brasil; mas<br />

absolutamente não havia brasileiros...” (SAINT-HILAIRE ,1974, p. 213).<br />

Esse mesmo sentimento também <strong>era</strong> compartilhado pelos mesmos setores<br />

em outros países latino-americanos. Ernesto Sabato, em seu romance Sobre<br />

héroes y tumbas, ambientado em Buenos Aires, o expressa através de um dos<br />

seus personagens:<br />

...nossa desgraça <strong>era</strong> que não tínhamos terminado de construir uma<br />

nação quando o mundo onde ela se originara começou a rachar e<br />

depois a desmoronar, de modo que aqui não tínhamos nem sequer<br />

esse simulacro de eternidade que na Europa, ou no México, ou em<br />

Cuzco, são as pedras milenares. Aqui... não somos Europa nem<br />

América, mas uma região fraturada, um lugar de fratura e<br />

dilac<strong>era</strong>ção instável, trágico e transtornado. De modo que aqui tudo<br />

<strong>era</strong> mais transitório e frágil, não havia nada sólido em que se<br />

agarrar, o homem parecia mais mortal, e sua condição, mais<br />

efêm<strong>era</strong>. (SABATO, 2002, p. 309).<br />

A <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> começou a se constituir e se afirmar no Brasil na<br />

década de 1930, paralelamente à revolução de 1930 e aos anos da Era Vargas<br />

(1930-1945), quando o regime então instaurado pretendia sup<strong>era</strong>r o “atraso” da<br />

30


economia nacional com um arrojado conjunto de reformas dirigidas pelo Estado,<br />

como vimos no capítulo anterior. Por outro lado, o novo regime também consid<strong>era</strong>va<br />

como parte integrante e essencial desse projeto de desenvolvimento, a construção<br />

de um sentimento de unidade nacional, buscando assim criar uma identidade entre<br />

a sociedade e o modelo econômico nacionalista. Para alcançar esses objetivos, o<br />

governo investiu fortemente nos meios de comunicação, especialmente no rádio,<br />

além de apoiar manifestações culturais que exaltassem o Brasil e os brasileiros 9 .<br />

Essa preocupação com a identidade nacional <strong>era</strong> partilhada com setores do<br />

meio intelectual e acadêmico que se projetavam naqueles anos. Nas décadas de<br />

1930 e 1940, intelectuais com formações teóricas distintas se debruçaram sobre o<br />

tema, o que resultou em algumas obras que são referências até os adias atuais:<br />

Casa Grande e Senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936), de<br />

Sérgio Buarque de Holanda; Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio<br />

Prado Júnior<br />

O movimento de surgimento e ascensão da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> teve como<br />

marco inicial a nomeação de Lúcio Costa como diretor da Escola Nacional de Belas<br />

Artes (ENBA), em 1930 pelo então Ministro da Educação e Saúde, Francisco<br />

Campos. Em entrevista concedida em dezembro daquele ano, Lúcio Costa<br />

anunciava claramente seus objetivos:<br />

Embora julgue imprescindível uma reforma em toda a Escola,<br />

aliás, como é pensamento do governo, vamos falar um pouco de<br />

<strong>arquitetura</strong>. Acho que o curso de <strong>arquitetura</strong> necessita uma<br />

transformação radical. Não é só o curso em si, mas os programas<br />

das respectivas cadeiras e principalmente a orientação g<strong>era</strong>l do<br />

ensino. A atual é absolutamente falha. A divergência entre a<br />

<strong>arquitetura</strong> e a estrutura, a construção propriamente dita, tem<br />

tomado proporções simplesmente alarmantes. Em todas as épocas<br />

as formas estéticas e estruturais se identificam... Fazemos<br />

cenografia, “estilo”, arqueologia, fazemos casas espanholas de<br />

terceira mão, miniaturas de castelos medievais, falsos coloniais,<br />

tudo, menos <strong>arquitetura</strong>. (AZEVEDO, 2003, p. 3).<br />

9 Uma das manifestações culturais surgidas naqueles anos que alcançou grande popularidade foi o<br />

“samba-exaltação”, gênero musical que se caracterizava pelo ufanismo, exaltando as qualidades do<br />

país e do seu povo. O principal representante desse estilo foi Ary Barroso que em 1939 compôs<br />

“Aquarela do Brasil”, a canção mais simbólica desse estilo, apresentada pela primeira vez no musical<br />

Joujoux e balangandans, espetáculo beneficente patrocinado por Darcy Vargas, a então primeiradama.<br />

31


Para acel<strong>era</strong>r a renovação do ensino de <strong>arquitetura</strong> na ENBA, Lúcio Costa<br />

contratou novos professores identificados com esse projeto, destacando-se Gregori<br />

Warchavchik, precursor do modernismo em São Paulo, Attílio Correa Lima, recém-<br />

chegado do doutoramento no IUP de Paris, que introduziu a disciplina urbanismo no<br />

curso e Affonso Eduardo Reidy, ocupando a cadeira de Composição de Arquitetura<br />

(AZEVEDO, 2003, p. 3).<br />

A renovação no ensino de <strong>arquitetura</strong> provocou reações e<br />

descontentamentos no corpo docente da Escola, onde predominavam duas outras<br />

correntes: os acadêmicos, adeptos dos estilos neoclássico e eclético, e os<br />

neocoloniais ou tradicionalistas. José Mariano Filho, defensor do estilo<br />

neocolonial e antecessor de Lúcio Costa na ENBA, articulou junto à reitoria sua<br />

demissão depois de um período de nove meses (8 de dezembro de 1930 a 18 de<br />

setembro de 1931) no cargo. Entretanto, as bases da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> estavam<br />

lançadas recebendo ampla aceitação entre os alunos naquele período - prova disso<br />

foi a greve estudantil que se seguiu à demissão de Lúcio Costa -, e, nos anos<br />

seguintes, pouco a pouco os modernos foram ganhando hegemonia p<strong>era</strong>nte seus<br />

adversários.<br />

Esse período coincide com uma valorização profissional crescente dos<br />

arquitetos. Em 11 de dezembro de 1933, pelo Decreto-Lei nº 23.569 da Presidência<br />

da República a profissão de arquiteto foi regulamentada. Entre 1930 e 1939 o<br />

número de formandos na ENBA atingiu trezentos e quarenta e quatro, um<br />

crescimento altamente significativo se levarmos em conta que os formandos entre<br />

1890 e 1900 foram apenas três, e entre 1901 e 1929, trinta e sete.<br />

Em 1932, Affonso Eduardo Reidy tornou-se arquiteto-chefe da Diretoria de<br />

Engenharia da prefeitura do Distrito Fed<strong>era</strong>l, projetando inúmeros edifícios públicos<br />

de linhas <strong>moderna</strong>s como o edifício-sede da Polícia Municipal do Distrito Fed<strong>era</strong>l e<br />

o Albergue da Boa Vontade. Em Pernambuco, o mineiro Luiz Carlos Nunes de<br />

Souza, líder da greve contra o afastamento de Lucio Costa da Direção da ENBA,<br />

esteve à frente da Secretaria de Obras Públicas a partir de 1934, durante o governo<br />

de Carlos de Lima Cavalcanti.<br />

Entretanto, o passo decisivo para a conquista dessa hegemonia foi a<br />

nomeação de Gustavo Capanema para o Ministério da Educação e Saúde, em julho<br />

32


de 1934, fazendo deste órgão do governo a porta de entrada para diversos<br />

intelectuais alinhados com as propostas inovadoras do modernismo. Assessorado<br />

por seu chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade, cercou-se de<br />

uma equipe diversificada, integrada, entre outros, por Mário de Andrade, Cândido<br />

Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Cecília Meireles, Vinícius de Morais,<br />

Afonso Arinos de Melo Franco e Rodrigo Melo Franco de Andrade.<br />

O Ministério da Educação e Saúde preocupava-se não apenas com a<br />

educação, mas principalmente, com a formação desse novo homem que pretendia<br />

moldar, adotando uma séria de iniciativas que iam ao encontro das preocupações<br />

nacionalistas do governo.<br />

Era preciso “elevar” o nível das camadas populares, sendo<br />

necessário para isso “desenvolver a alta cultura do país, sua arte,<br />

sua música, suas letras”. Órgãos oficiais como a revista Cultura<br />

Política veiculavam artigos insistindo na inexistência de um povo<br />

brasileiro e na premência de forjá-lo. Para a gigantesca tarefa de<br />

formar a nacionalidade, necessário seria tornar o país homogêneo,<br />

aplainando as distinções regionais e raciais que distinguiriam,<br />

negativamente, o Brasil. (CAVALCANTI, 1999, p. 180).<br />

Em artigo onde compara a atuação dos intelectuais nos governos de Juan<br />

Domingo Perón e Getúlio Vargas, FIORUCCI (2004) destaca as inúm<strong>era</strong>s<br />

realizações ocorridas quando o líder brasileiro decidiu “convidá-los” a participar da<br />

construção do seu projeto de nação, através do ministro Capanema: a inauguração<br />

dos Museus Nacional de Belas Artes, Imperial, da Inconfidência; o Serviço de<br />

Radiodifusão Educativa; o Instituto Cayru (depois Instituto do Livro) e o Instituto de<br />

Cinema Educativo. Também foram reformadas a Biblioteca Nacional, a Casa Rui<br />

Barbosa e o Museu Histórico Nacional.<br />

Aproveitando a oportunidade, os arquitetos modernos foram conquistando<br />

cada vez mais espaço e influência, o que pode ser comprovado pelo fato de que<br />

inúm<strong>era</strong>s edificações estatais foram erguidas com base em seus projetos, como o<br />

Aeroporto Santos Dumont, a nova sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI),<br />

a Estação de Hidros e, especialmente, do Ministério da Educação e Saúde. Ao<br />

mesmo tempo sua ação se estendeu à abertura das largas avenidas e aterros,<br />

demolindo quadras e criando novos espaços que modificaram substancialmente a<br />

feição da cidade.<br />

33


FIGURA 1<br />

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA (1936)<br />

Extraído de www.almanaquedacomunicacao.com.br, em agosto de 2010<br />

FIGURA 2<br />

AEROPORTO SANTOS DUMONT (1938)<br />

Extraído de www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.<br />

Nesse aspecto, encontramos uma especificidade da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> no<br />

Brasil, na medida em que esta se afirma principalmente através de encomendas<br />

estatais, ao contrário do ocorrido na Europa. Assim, não foi por acaso que alguns<br />

34


arquitetos europeus, sem oportunidades em um continente afetado pela crise<br />

econômica do período entre-guerras, manifestaram interesse em trabalhar no Brasil,<br />

onde se abria uma espécie de mercado de obras públicas (CAVALCANTI, 2006, p.<br />

46).<br />

Outra demonstração da supremacia dos arquitetos modernos ocorreu quando<br />

em 1937 o grupo foi convidado para fundar e dirigir o Serviço de Patrimônio<br />

Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). O controle desse órgão teve uma<br />

importância estratégica na medida em que o grupo passaria a ter poder de decisão<br />

sobre o que deveria ser preservado e sacralizado e o que poderia ser removido.<br />

Em 1936, com a escolha para a construção da sede do MES<br />

e para constituírem a equipe do Serviço do Patrimônio Histórico e<br />

Artístico Nacional, logram os modernos serem consid<strong>era</strong>dos os mais<br />

aptos a erigir os novos monumentos do Estado, assim como são<br />

consid<strong>era</strong>dos “dignos” pelo Estado para tornarem “digna”, em seu<br />

nome, a produção do passado que será por ele protegida para a<br />

posteridade. Na implantação do “modernismo” como dominante de<br />

uma política cultural, conseguem realizar o sonho de todo<br />

revolucionário: deter as rédeas da edificação do futuro e da<br />

reconstrução do passado... (CAVALCANTI, 1999, p. 182).<br />

Durante a Era Vargas, como já assinalamos, o Estado pretendia alavancar o<br />

desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo construir um sentimento de unidade<br />

nacional. Os arquitetos modernos acreditaram que seus princípios de vanguarda<br />

adequavam-se a esses objetivos, mas foram além, pretendendo com seus projetos<br />

construir uma sociedade mais justa e democrática.<br />

Aproveitando as oportunidades criadas pelo governo com as inúm<strong>era</strong>s obras<br />

públicas, criaram monumentos que projetavam o futuro, e, ao controlarem a direção<br />

do SPHAN, também selecionavam o que deveria ser conservado como parte<br />

integrante da memória nacional. Detinham, em aliança com o governo, os<br />

instrumentos de construção da memória, da identidade e do projeto, como assinala<br />

Gilberto Velho (VELHO: 2003, p. 97-105).<br />

O projeto e a memória associam-se e articulam-se ao dar<br />

significado à vida e às ações dos indivíduos, em outros termos, à<br />

própria identidade. Ou seja, na constituição da identidade social<br />

dos indivíduos, com particular ênfase nas sociedades e segmentos<br />

individualistas, a memória e o projeto individuais são amarras<br />

fundamentais. São visões retrospectivas e prospectivas que situam<br />

35


o indivíduo, suas motivações e o significado de suas ações, dentro<br />

de uma conjuntura de vida, na sucessão das etapas de sua<br />

trajetória. (VELHO, 2003, p. 101)<br />

Ao controlarem o SPHAN, com o firme apoio de Gustavo Capanema, o órgão<br />

passou a ter uma ação ao mesmo tempo dinâmica e inovadora. Isso pode ser<br />

constatado quando observa-se a política de preservação em outros países no<br />

mesmo período, quando os bens culturais <strong>era</strong>m tratados isoladamente<br />

(monumentos, museus, arte popular etc.). No Brasil, pelo contrário, buscava-se<br />

sempre tratá-la de forma ampla, abrangendo os diversos bens culturais em conjunto<br />

(FONSECA, 2005, p. 118-119). Além disso, enquanto em outros países os<br />

responsáveis pela preservação normalmente <strong>era</strong>m escolhidos entre intelectuais<br />

identificados com uma concepção nostálgica e conservadora da cultura, no Brasil os<br />

modernos sempre buscavam fundamentar seus pareceres após rigorosos estudos<br />

técnicos e históricos, almejando a criação de um elo entre a tradição e a<br />

modernidade.<br />

(...) para muitas pessoas menos informadas, cabe ao Serviço<br />

de Patrimônio apenas a restauração de obras históricas. Daí as<br />

freqüentes acusações que recebemos, quando um prédio de<br />

reconhecido valor histórico tem a aparência de um “pardieiro” (esta é<br />

a expressão mais comumente usada por aqueles que nos<br />

censuraram). Mas não é a aparência que importa. Ao contrário, o<br />

mais importante é a conservação da integridade do monumento, isto<br />

é, a proteção das características primitivas, do ambiente adequado.<br />

(ANDRADE, 1987, p. 39)<br />

Não por acaso, seus maiores opositores <strong>era</strong>m personalidades com um perfil<br />

ultraconservador, como Gustavo Barroso e José Mariano Filho, de quem voltaremos<br />

a comentar mais à frente.<br />

Fica claro, portanto, que na década de 1930 a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> se<br />

consolidou como o estilo hegemônico. Mas, que razões explicariam essa ascensão<br />

tão rápida em detrimento de outras correntes que até então gozavam de grande<br />

influência? Antes da resposta, vejamos com mais detalhes as principais correntes<br />

opositoras dos modernos.<br />

O grupo dos acadêmicos, defensores do estilo eclético, viveu seu apogeu na<br />

primeira década do século XX, especialmente durante a abertura da Avenida<br />

Central, inaugurada em 15 de novembro de 1905. Naquele tempo, em que<br />

36


pretendia-se transformar o Rio de Janeiro em uma Paris nos trópicos, o estilo<br />

eclético pareceu mais adequado para equiparar a capital do Brasil à capital da<br />

França. Mais que isso, a capital, porta de entrada do país, transmitiria a todos,<br />

especialmente aos estrangeiros, uma nova imagem do Brasil, culto e civilizado,<br />

libertado do passado colonial que simbolizaria o atraso.<br />

Uma prova incontestável do predomínio dos acadêmicos ocorreu quando foi<br />

lançado o concurso público para as edificações da nova avenida, ficando a disputa<br />

restrita aos arquitetos-engenheiros formados pela ENBA, onde os acadêmicos<br />

desfrutavam de ampla hegemonia, que perduraria mais alguns anos.<br />

FIGURAS 3 e 4<br />

A AVENIDA CENTRAL NA DÉCADA DE 1920<br />

Extraídasde www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.<br />

Na década seguinte, começou a se fortalecer outra corrente, os neocoloniais<br />

ou tradicionalistas, especialmente quando José Mariano Filho assumiu a direção<br />

da ENBA. Embora não fosse engenheiro ou arquiteto por formação, tornou-se uma<br />

espécie de mecenas, utilizando sua fortuna pessoal para patrocinar os estudos dos<br />

jovens arquitetos e propagar o seu estilo. Lucio Costa, antes da conversão ao<br />

modernismo, foi um dos que se beneficiou de sua ajuda (CAVALCANTI, 1999, p.<br />

180).<br />

O grupo neocolonial começou a ganhar evidência em 1922, quando foi<br />

realizada a Exposição Internacional do Centenário da Independência, quando<br />

executaram vários projetos para as edificações construídas especialmente para o<br />

37


evento, que pretendia transmitir aos brasileiros e ao mundo mais uma vez a imagem<br />

de um país em sintonia com o progresso, porém orgulhoso de sua cultura e<br />

criatividade.<br />

A Exposição não teria somente o caráter de uma vitrine<br />

dupla, onde os visitantes do exterior conheceriam a riqueza e as<br />

potencialidades do país e onde os brasileiros teriam a oportunidade<br />

de tomar contato com as maravilhas do estrangeiro; o espaço<br />

tomado ao mar e ao Castelo deveria ser também um espelho, onde<br />

a cidade e a nação pudessem buscar a imagem que<br />

verdadeiramente queriam e deveriam projetar, a imagem do<br />

progresso, da civilização, da higiene e da beleza. (KESSEL, 2001,<br />

p. 61)<br />

Naquele evento, o governo inspirou-se nas Exposições Universais da<br />

segunda metade do século XIX, onde a <strong>arquitetura</strong> desempenhou um papel<br />

fundamental na criação de cenários monumentais, sendo um dos fatores<br />

fundamentais de atração e de sucesso destes eventos. Símbolos de progresso e<br />

modernidade, as exposições buscavam mostrar a ousadia das novas tecnologias.<br />

Na exposição brasileira, o ecletismo europeu continuava presente, mas<br />

dividiria espaço com as manifestações em busca das raízes nacionais, através do<br />

movimento neocolonial 10 . Nesse ponto, é importante lembrar que o nacionalismo<br />

ganhava ímpeto na Europa, especialmente com a ascensão de Benito Mussolini na<br />

Itália, cujas idéias despertavam a admiração em uma parte importante do meio<br />

artístico, intelectual e político no Brasil.<br />

A exposição ocorreu no último ano da presidência de Epitácio Pessoa, que<br />

não escondia sua admiração pelo líder fascista italiano, como podemos observar no<br />

trecho da entrevista concedida por ele ao jornal Il Popolo d’Italia no final de 1922,<br />

quando já havia deixado a presidência:<br />

...a personalidade energica e voluntariosa do Presidente<br />

Mussolini me dispertou profunda sympathia. Admiro e comprehendo<br />

a sua forte concepção de Governo, realizada com vontade inflexível,<br />

que sempre considerei virtude necessaria e inestimável fortuna para<br />

o Governo dos povos, hoje mais que nunca, dado o estado de crise<br />

e de perturbações em que se encontra o mundo inteiro. (ROCHA,<br />

2009, p. 17-18)<br />

10 Dos pavilhões construídos no estilo colonial, o que ganhou mais destaque foi o das Grandes<br />

Indústrias, de Archimedes Memória e F. Cuchet, que atualmente abriga o Museu Histórico Nacional.<br />

38


Apesar de dividir o espaço com o estilo eclético, as edificações neocoloniais<br />

atraíram a atenção das autoridades, obtendo o apoio oficial para se afirmarem nos<br />

anos seguintes. Governo, arquitetos e artistas relacionavam a comemoração da<br />

independência com o surgimento de um símbolo da emancipação artística, como<br />

testemunhou o prefeito Carlos Sampaio:<br />

... [meu] principal objetivo naquela Exposição que consegui<br />

que fosse Internacional foi fazer ver ao Mundo Civilizado não só que<br />

nós tínhamos arquitetos de valor, mas que também tínhamos uma<br />

arte nacional que podia ser devidamente apreciada por nacionais e<br />

estrangeiros... esse objetivo foi atingido... a nossa Exposição, não<br />

envergonhou o nosso país e constituiu uma prova da alta<br />

capacidade e do gosto artístico dos nossos arquitetos. (KESSEL,<br />

2001, p. 61)<br />

FIGURA 5<br />

EXEMPLAR DO ESTILO ECLÉTICO NA EXPOSIÇÃO DE 1922 – PAVILHÃO DE SÃO<br />

PAULO<br />

Extraído de www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.<br />

39


FIGURAS 6 e 7<br />

IMAGENS ATUAIS DO MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, QUE NA EXPOSIÇÃO DE 1922<br />

ABRIGOU O PALÁCIO DAS GRANDES INDÚSTRIAS, CONSTITUINDO-SE EM UM DOS<br />

PRINCIPAIS EXEMPLARES DA ARQUITETURA NEOCOLONIAL.<br />

Extraído de www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.<br />

Dessa forma, ao iniciar a década de 1930, os grupos que iriam disputar a<br />

hegemonia no campo da <strong>arquitetura</strong> apresentavam-se da seguinte forma: os<br />

acadêmicos, vivendo um período de decadência, os neocoloniais, fortalecidos com<br />

pelo controle da ENBA, e os modernos, um grupo de jovens arquitetos com sólida<br />

formação técnica e intelectual em busca de espaços e oportunidades para se<br />

projetarem.<br />

Portanto, o principal enfrentamento que se daria nos anos seguintes seria<br />

entre as correntes neocolonial e <strong>moderna</strong>.<br />

Voltemos, então, às razões da vitória dos modernos. Esta ocorreu<br />

principalmente porque sua <strong>arquitetura</strong> adequava-se ao projeto de nação proposto<br />

durante a Era Vargas e também pela sua formação teórica e técnica superior aos<br />

seus opositores.<br />

Ao elaborarem projetos para a edificação de ministérios e órgãos públicos,<br />

eles se apresentavam adequados ao modelo econômico que se pretendia implantar,<br />

articulando indústria e nacionalismo. Influenciados pelo arquiteto franco suíço Le<br />

Corbusier, mas desenvolvendo uma linguagem própria, planejavam seus prédios<br />

como indústrias: pragmáticos, austeros, funcionais e racionais.<br />

A eliminação de ornamentos desnecessários e a simplicidade do mobiliário<br />

também cumpria uma função social ao reduzir a necessidade de empregados<br />

40


encarregados da faxina, disponibilizando mão-de-obra para as tarefas intelectuais e<br />

produtivas mais adequadas à <strong>era</strong> da industrialização, símbolo do progresso.<br />

Os arquitetos modernos relacionavam os “trabalhos domésticos” à<br />

escravidão, maior símbolo da opressão social e do atraso econômico. Lúcio Costa<br />

consid<strong>era</strong>va a casa <strong>moderna</strong> um instrumento de lib<strong>era</strong>ção dos trabalhadores:<br />

A máquina de morar ao tempo da Colônia dependia do<br />

escravo... O negro <strong>era</strong> esgoto, <strong>era</strong> água corrente quente e fria; <strong>era</strong><br />

interruptor de luz e botão de campainha. (CAVALCANTI, 2006, p.<br />

14)<br />

As críticas mais duras aos seus projetos partiram dos representantes da<br />

corrente neocolonial, especialmente José Mariano Filho, que, na ausência de<br />

argumentos técnicos bem fundamentados, suas críticas foram deslocadas do campo<br />

da <strong>arquitetura</strong> para o político-ideológico e até racial, referindo-se aos modernos<br />

como “lit<strong>era</strong>tos extremistas”, “derrotistas universais”, “judeus sem pátria”,<br />

“antinacionalistas mulatos” (CAVALCANTI, 2006, p. 103).<br />

Por outro lado, a criação do SPHAN esvaziou a Inspetoria de Monumentos<br />

Nacionais do Museu Histórico Nacional,dirigido por Gustavo Dodt Barroso, antigo<br />

militante integralista e defensor entusiástico do arianismo:<br />

Pode-se dizer que o característico moral da raça branca é o<br />

altruísmo. Daí sua monogamia quase g<strong>era</strong>l,sua sociabilidade e sua<br />

vocação para os apostolados... Com essa força, a raça ariana, cujo<br />

símbolo será o Carneiro, Áries, motivo heráldico determinado por<br />

motivos astronômicos, entrará na História e construirá o maior dos<br />

Impérios, não sobre o sangue e as angústias dos povos esmagados<br />

mas sobre as bases eternas do Espírito. (CAVALCANTI, 2006, p.<br />

100)<br />

Gustavo Barroso e José Mariano Filho uniram-se na crítica à gestão dos<br />

modernos no SPHAN com o argumento, sem nenhuma prova concreta, de supostas<br />

irregularidades na gestão dos recursos públicos. Mais uma vez, ficava demonstrada<br />

a ausência de argumentos técnicos diante de rigorosos e abrangentes trabalhos de<br />

pesquisa realizados pelos modernos, organizados especialmente por Mário de<br />

Andrade. Como assinalou Ítalo Campofiorito:<br />

Vê-se logo que o nacionalismo é outro. Escolhendo-se, entre<br />

tantos, um volume referente a 1942, dos Anais do Museu Histórico<br />

41


Nacional, basta percorrer os títulos. A heráldica dos Vice-Reis. A<br />

louça blasonada (dos barões, Condes, Marqueses etc.) no museu.<br />

O culto da Virgem Maria na numismática, e daí por diante... A sua<br />

fundação em 1922 teria respondido a um artigo de Gustavo Barroso,<br />

empossado como primeiro (e quase vitalício) diretor que rezava: ‘ O<br />

Brasil precisa de um museu onde se guardem objetos gloriosos... –<br />

espadas, canhões, lanças.’ O mesmo autor, no mesmo volume,<br />

consid<strong>era</strong> como uma das tarefas de nossas forças armadas ‘destruir<br />

focos de fanatismo e desordem’. Em comparação, já se vê o quanto<br />

o SPHAN <strong>era</strong> aberto e progressista. (CAMPOFIORITO, 1985, p. 6).<br />

A materialização de inúmeros projetos dos arquitetos modernos durante a Era<br />

Vargas, como veremos com mais detalhes no próximo capítulo, assim como a<br />

permanência de Lúcio Costa no SPHAN até sua aposentadoria em 1972, atestam a<br />

hegemonia conquistada pelo grupo, cuja influência será marcante na formação de<br />

várias g<strong>era</strong>ções de arquitetos.<br />

42


2.2) A <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> e a monumentalidade<br />

Em seu trabalho Documento/Monumento, Jacques Le Goff aponta as<br />

origens etimológicas dessas duas palavras e mostra as maneiras como os<br />

historiadores têm usado esses conceitos:<br />

A palavra latina monumentum remete para a raiz indoeuropéia<br />

men, que exprime uma das funções essenciais do espírito<br />

(mens), a memória (memini). O verbo monere significa “fazer<br />

recordar”, donde “avisar”, “iluminar”, “instruir”. O monumentum é um<br />

sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o<br />

monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a<br />

recordação, por exemplo, os actos escritos. Quando Cícero fala dos<br />

monumenta hujus ordinis[...], designa os atos comemorativos,<br />

quer dizer; os decretos do senado. Mas desde a Antiguidade<br />

romana o monumentum tende a especializar-se em dois sentidos:<br />

1) uma obra comemorativa de <strong>arquitetura</strong> ou de escultura:<br />

arco de triunfo, coluna, troféu, pórtico, etc.;<br />

2) um monumento funerário destinado a perpetuar a<br />

recordação de uma pessoa no domínio em que a memória é<br />

particularmente valorizada: a morte. (LE GOFF, 1996, p. 526).<br />

Acompanhando Le Goff, consid<strong>era</strong>mos como monumentos as obras<br />

<strong>arquitetura</strong>is, esculturais, artísticas, mas também documentos escritos e<br />

iconográficos que expressem a atividade e o pensamento social de uma época.<br />

O monumento traz consigo uma determinada intencionalidade, tornando-se<br />

um símbolo para ser ao mesmo tempo registrado pelos testemunhos<br />

contemporâneos como também um legado às g<strong>era</strong>ções futuras.<br />

É essa intencionalidade do monumento que dá origem à monumentalidade.<br />

Se o monumento é algo concreto como uma estátua, um quadro ou uma edificação,<br />

a monumentalidade relaciona-se ao seu caráter abstrato, simbólico, a mensagem<br />

que se deseja transmitir aos contemporâneos e às g<strong>era</strong>ções futuras. Em outras<br />

palavras, o monumento é uma categoria concreta, palpável. Porém, a simbologia, a<br />

mensagem nele embutida, é o que consid<strong>era</strong>mos como monumentalidade. Por isso,<br />

ele nunca é neutro:<br />

...É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem,<br />

consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que<br />

o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais<br />

continuou a viver; talvez esquecido, durante as quais continuou a<br />

ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento e uma coisa<br />

que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento [...] que ele traz<br />

43


devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu<br />

significado aparente. O documento é monumento. Resulta do<br />

esforço das sociedades históricas para impor ao futuro voluntária ou<br />

involuntariamente determinada imagem de si próprias... (LE GOFF,<br />

1996, p. 537-538)<br />

Ao longo da História monumentos foram erguidos como transmissores de<br />

ideologias dominantes. Monumentos, configurados sobretudo em obras<br />

arquitetônicas ou esculturais, falam por uma minoria, especialmente pelo grupo que<br />

dirige o Estado, para uma maioria dominada, da qual se esp<strong>era</strong> como resposta o<br />

respeito, a admiração, a fé e até o medo. É a afirmação do poder por intermédio da<br />

<strong>arquitetura</strong>.<br />

Tomando como referência Jacob Burckhardt, Aldo Rossi destaca o diálogo<br />

entre a história, a arte e os monumentos:<br />

...de que modo a história fala mediante a arte? Isso<br />

acontece, antes de mais nada, através dos monumentos<br />

arquitetônicos que são a expressão voluntária do poder, seja em<br />

nome do Estado, seja em nome da religião. (ROSSI, 1995, p. 198)<br />

A íntima relação entre <strong>arquitetura</strong>, espaço e poder também foi estudada pelo<br />

filósofo e professor francês Michel Foulcault:<br />

Seria preciso fazer uma “história dos espaços” ― que seria<br />

ao mesmo tempo uma “história dos poderes” ― que estudasse<br />

desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas<br />

do habitat, da <strong>arquitetura</strong> institucional, da sala de aula ou da<br />

organização hospitalar; passando pelas implantações econômicopolíticas.<br />

(FOULCAULT, 1982, p. 212)<br />

Sobre a utilização da <strong>arquitetura</strong> por alguma forma de poder instituído,<br />

Foulcault aponta as diferenças qualitativas entre a sociedade estruturada em<br />

relações feudais com a sociedade capitalista. Segundo ele, o poder exercido até o<br />

século XVIII tinha como base principal a relação sob<strong>era</strong>no-súdito, onde o poder<br />

sob<strong>era</strong>no articulava-se com o poder eclesiástico. Naquele tempo, configurou-se<br />

uma <strong>arquitetura</strong> que:<br />

(...) respondia sobretudo à necessidade de manifestar o<br />

poder, a divindade, a força. O palácio e a igreja constituíam as<br />

grandes formas, às quais é preciso acrescentar as fortalezas;<br />

manifestava-se a força, manifestava-se o sob<strong>era</strong>no, manifestava-se<br />

44


Deus. A <strong>arquitetura</strong> durante muito tempo se desenvolveu em torno<br />

destas exigências. (FOULCAULT, 1982, p. 211)<br />

A <strong>arquitetura</strong> monumental daquele tempo foi erguida para transmitir a todos a<br />

representação de dois poderes incontestáveis – o rei absoluto e a Igreja – porque<br />

emanavam da vontade de Deus.<br />

No século XVIII, com a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, a<br />

afirmação da ordem capitalista promoveu “a invenção de uma nova mecânica de<br />

poder, com procedimentos específicos, instrumentos totalmente novos e aparelhos<br />

bastante diferentes, o que e absolutamente incompatível com as relações de<br />

sob<strong>era</strong>nia” (FOULCAULT, 1982, p. 187). O poder sob<strong>era</strong>no dava lugar a um novo<br />

poder, um poder disciplinar, estruturado não como propriedade ou privilégio pessoal<br />

de um governante ou classe social. A <strong>arquitetura</strong>, acompanhando essas mudanças,<br />

torna-se mais específica, mais funcional, quando “(...) no final do século XVIII.<br />

começa a se especializar, ao se articular com os problemas da população, da<br />

saúde, do urbanismo (...) trata-se de utilizar a organização do espaço para alcançar<br />

objetivos econômico-políticos” (FOULCAULT, 1982, p. 211).<br />

Não por acaso a nova ordem industrial capitalista gerou nos séculos<br />

seguintes as necessidades de uma nova ordenação do espaço urbano, que<br />

garantissem ao mesmo tempo, oportunidades crescentes para os negócios como<br />

também mecanismos de controle sobre a sociedade que assegurassem a segurança<br />

para os investimentos. Esse foi o caso, por exemplo, das grandes reformas urbanas<br />

em Londres e Paris no século XIX.<br />

Em suas origens, na Europa durante a década de 1920, o movimento<br />

moderno na <strong>arquitetura</strong> rejeitava a monumentalidade por considerá-la um<br />

instrumento do poder autoritário, possivelmente por consid<strong>era</strong>r que os monumentos<br />

buscavam transmitir às pessoas uma concepção estática do mundo, sem lugar para<br />

transformações que ameaçassem a estrutura social (CAVALCANTI, 2006, p. 136).<br />

Partindo do princípio de que o monumento no passado foi um instrumento<br />

ideológico conservador, os arquitetos modernos entendiam que seu trabalho<br />

deveria afastar-se das construções dedicadas aos sob<strong>era</strong>nos e a Igreja para serem<br />

dirigidas a outros propósitos sociais, como escolas, fábricas e habitações<br />

populares.<br />

45


Dessa forma, os arquitetos modernos europeus apresentavam um discurso<br />

de rompimento com a <strong>arquitetura</strong> conservadora e repressora do passado, rejeitando<br />

uma possível utilização ideológica ou simbólica de seus projetos, ambicionando<br />

torná-los instrumentos de construção de uma nova <strong>era</strong> de liberdade e progresso<br />

social. Para os modernos, portanto, o monumento e a monumentalidade tornavam-<br />

se coisas do passado, não tendo mais lugar em um mundo onde avançavam as<br />

práticas democráticas e que os interesses coletivos se sobrepunham às ambições<br />

pessoais.<br />

Esse posicionamento começou a ser revisto durante a década de 1930 e foi<br />

aprofundado na década de 1940. Em 1943, o arquiteto José Luis Sert, o historiador<br />

Siegfried Giedon e o pintor Ferdinand Léger lançaram o manifesto intitulado Nove<br />

Pontos sobre a Monumentalidade, defendendo a elaboração de uma nova<br />

monumentalidade para as cidades. Destacamos seis desses pontos:<br />

1. Os monumentos são marcos humanos que os homens<br />

criaram como símbolos de seus ideais, objetivos e atos. Sua<br />

finalidade é sobreviver ao período que lhes deu origem e<br />

constituir um legado às g<strong>era</strong>ções futuras. Enquanto tais,<br />

formam um elo entre o passado e o futuro.<br />

2. Os monumentos são a expressão das mais altas<br />

necessidades culturais do homem. Devem satisfazer à<br />

eterna exigência das pessoas, que desejam ver sua força<br />

coletiva transformada em símbolos. Os monumentos mais<br />

vitais são aqueles que expressam o sentimento e as idéias<br />

dessa força coletiva ― o povo;<br />

3. Os últimos cem anos testemunharam a desvalorização da<br />

monumentalidade. Isto não significa que exista ausência<br />

alguma de monumentos formais ou exemplos arquitetônicos<br />

que pretendam servir a essa finalidade; com raras exceções,<br />

porém, os chamados monumentos dos últimos tempos<br />

transformaram-se em fachadas vazias. De modo algum<br />

representam o espírito e o sentimento coletivo dos tempos<br />

modernos;<br />

4. O declínio e o mau uso da monumentalidade são a principal<br />

razão pela qual os arquitetos modernos delib<strong>era</strong>damente<br />

abandonaram a idéia de monumento e se revoltaram contra<br />

ele;<br />

5. Um novo passo está à nossa frente. As mudanças do pósguerra<br />

em toda a estrutura econômica das nações podem<br />

trazer consigo a organização da vida comunitária na cidade,<br />

que foi praticamente ignorada até o presente momento;<br />

6. As pessoas querem que os edifícios que representam sua<br />

vida social e comunitária proporcionem algo além da m<strong>era</strong><br />

satisfação funcional. Devem atender e expressar os seus<br />

46


desejos por monumentalidade, alegria, orgulho e excitação.<br />

(FRAMPTON, 1997, p. 270)<br />

Ao analisar o documento, podemos observar que para os autores não deveria<br />

existir distinção entre <strong>arquitetura</strong> e urbanismo. Além disso, a nova monumentalidade<br />

(<strong>moderna</strong>) serviria aos interesses comunitários e democráticos, projetando uma<br />

sociedade mais justa no futuro, simbolizando uma força coletiva e popular.<br />

É provável que esse novo sentido à monumentalidade defendido pelos<br />

arquitetos modernos seja uma resposta aos modelos de <strong>arquitetura</strong> praticados na<br />

Itália fascista e na Alemanha nazista, utilizados como instrumentos de poder e de<br />

dominação. Também é possível que eles estivessem preocupados com os impactos<br />

econômicos, sociais e culturais provocados pela II Guerra Mundial (1939-1945),<br />

marcada pela destruição maciça das cidades e pela mortalidade nunca vista antes -<br />

especialmente entre civis - em um conflito militar. Nesse sentido, os autores do<br />

manifesto dão ênfase à questão da identidade e do vínculo do habitante com a<br />

cidade, cuja <strong>arquitetura</strong> deve restabelecer e/ou reforçar o sentimento de<br />

coletividade.<br />

Essa proposta de uma nova monumentalidade foi amplamente aceita pelos<br />

arquitetos modernos no Brasil, e aplicada em inúmeros projetos de moradia coletiva<br />

popular como o do Pedregulho (São Cristóvão, Rio de Janeiro), de Affonso Eduardo<br />

Reidy; Monlevade (MG), de Lucio Costa; e a Cidade dos Motores (Xerém, RJ), de<br />

Attilio Corrêa Lima. 11<br />

Em depoimento a Lauro Cavalcanti em 1989, Oscar Niemeyer assume a<br />

procura da emoção na monumentalidade dos seus projetos:<br />

Uma pessoa pode até não gostar de um projeto meu, mas<br />

não consegue ficar indiferente; a <strong>arquitetura</strong> deve surpreender e<br />

criar emoções. O que nos ficou do Egito não foram as casas do diaa-dia,<br />

mas as grandes realizações. (CAVALCANTI, 2006, p. 226)<br />

Entretanto, a grande contradição dos arquitetos modernos no Brasil na<br />

década de 1930 - quando o movimento estava na fase de afirmação p<strong>era</strong>nte outras<br />

correntes -, foi que para alcançarem seus objetivos, isto é, utilizar a <strong>arquitetura</strong><br />

11 Enquanto o Conjunto do Pedregulho foi concluído e até hoje é bastante estudado nas faculdades<br />

de <strong>arquitetura</strong>, os dois últimos não saíram do papel. Para uma análise desses projetos, consultar:<br />

CAVALCANTI, 2006, p. 134-144.<br />

47


como meio de promover uma sociedade mais justa e democrática, associaram-se a<br />

um regime nada democrático.<br />

Um traço igualmente distintivo do modernismo brasileiro é<br />

que, desde os seus primórdios, ele se constitui com o apoio e o<br />

patrocínio do Estado. Há uma coincidência dos princípios modernos<br />

com os de correntes intelectuais do Ministério da Educação,<br />

encarregadas de estabelecer os parâmetros artísticos de um Estado<br />

que se queria novo e que pretendia “fundar” um país.<br />

(CAVALCANTI, 2006, p. 228)<br />

A principal demonstração dessa contradição está no fato de que sua obra<br />

mais simbólica, o novo edifício do Ministério da Educação e Saúde, que<br />

analisaremos no próximo capítulo, foi construído exatamente durante o Estado<br />

Novo.<br />

Dessa forma, o movimento moderno conquistou progressivamente a<br />

hegemonia no campo da <strong>arquitetura</strong> no final da década de 1930 e durante a década<br />

de 1940 ao construir grandes obras para o Estado Novo. O estilo moderno de fazer<br />

monumentos conseguia conciliar economia, simplicidade e imponência, além de<br />

transmitir às pessoas uma mensagem de confiança no progresso do Brasil.<br />

Estabelecia-se, assim, uma união, no que se refere ao aspecto pedagógico,<br />

entre a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> e o discurso estadonovista. Ao mesmo que o governo<br />

buscava impor um modelo de nacionalidade – e de civilização - aos brasileiros, os<br />

arquitetos modernos através dos seus projetos buscaram reeducar os hábitos e criar<br />

uma identidade entre a população e nova estética monumental.<br />

48


CAPÍTULO 3 – OS MONUMENTOS DA ORDEM E DO PROGRESSO<br />

3.1) Os monumentos do Progresso<br />

a) O Ministério da Educação e Saúde<br />

Vitoriosa a revolução de 1930, Getúlio Vargas organizou o novo governo e<br />

tomou uma série de medidas que apontavam seus grandes objetivos a longo prazo:<br />

tornar o Brasil um país moderno e industrializado, constituindo um capitalismo com<br />

forte componente nacionalista.<br />

No entanto, para tal finalidade, o governo entendeu que duas pré-condições<br />

<strong>era</strong>m fundamentais. Em primeiro lugar, na ausência de capital privado forte o<br />

suficiente para levar à frente esse projeto, o Estado assumiria o papel de principal<br />

indutor do desenvolvimento. Para isso, o Estado deveria ser reinventado de forma<br />

que rompesse com os vícios do passado e administração pública passasse a ser<br />

norteada pela qualidade e eficiência tanto na sua estrutura como nos seus quadros<br />

funcionais.<br />

Em segundo lugar, essa busca pela modernização deveria incluir a classe<br />

trabalhadora como agente e beneficiária desse processo. O governo entendeu que<br />

operários saudáveis, tecnicamente preparados e, seguros quanto ao futuro, com o<br />

amparo da legislação trabalhista, iriam aderir com entusiasmo às mudanças pelas<br />

quais o país passaria. Não por acaso, ainda em novembro de 1930, logo no início<br />

do governo, foram criados dois emblemáticos ministérios: o do Trabalho e o da<br />

Educação e Saúde (MES).<br />

O trabalho e a indústria se complementariam representando o presente, o<br />

ponto de partida para o Brasil moderno. Porém, para esse projeto ter continuidade,<br />

<strong>era</strong> necessário cuidar da educação e da saúde das g<strong>era</strong>ções futuras. Portanto, a<br />

educação e a saúde projetariam o futuro, a garantia da caminhada do progresso do<br />

país. Não por acaso, em seu discurso de posse no MES Francisco Campos<br />

afirmava “sanear e educar – eis o primeiro dever da Revolução”. (BUENO, 2005, p.<br />

140)<br />

Inicialmente dirigido por Francisco Campos (1930-1932), o MES sem dúvida<br />

viveu sua fase mais ativa durante a gestão de Gustavo Capanema (1934-1945). A<br />

49


vinculação da educação com o progresso e o futuro, bem como a preocupação com<br />

o novo homem brasileiro que o Estado pretendia moldar fica explícita quando, em<br />

carta ao Presidente Vargas, Capanema afirma que “o Ministério da Educação e<br />

Saúde se destina a preparar, a compor, a aperfeiçoar o homem do Brasil. Ele é<br />

verdadeiramente o Ministério do Homem” (LISSOVSKY e SÁ, 1996, p. 224-225).<br />

Comentamos no capítulo 2 as preocupações do governo e alguns<br />

representantes da elite intelectual do país quanto a inexistência de um sentimento<br />

de nacionalidade entre os brasileiros. Especialmente durante o Estado Novo, o<br />

governo empenhou-se em forjá-lo, acreditando que essa ação <strong>era</strong> parte integrante<br />

do projeto de desenvolvimento em curso no país. Além disso, o desenvolvimento<br />

econômico deveria caminhar ao lado do desenvolvimento intelectual do povo<br />

brasileiro. Portanto, o MES naqueles anos adquiria uma atenção e importância<br />

estratégica para o governo, atuando como “civilizador” da sociedade.<br />

Se a tarefa educativa visava, mais do que a transmissão de<br />

conhecimentos, a formação de mentalidades, <strong>era</strong> natural que as<br />

atividades do ministério se ramificassem por muitas outras esf<strong>era</strong>s,<br />

além da simples reforma do sistema escolar. Era necessário<br />

desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras;<br />

<strong>era</strong> necessário ter uma ação sobre os jovens e sobre as mulheres<br />

que garantisse o compromisso dos primeiros com os valores da<br />

nação que se construía, e o lugar das segundas na preservação de<br />

suas instituições básicas; <strong>era</strong> preciso, finalmente, impedir que a<br />

nacionalidade, ainda em fase tão incipiente de construção, fosse<br />

ameaçada por agentes abertos ou ocultos de outras culturas, outras<br />

ideologias e nações 12 .<br />

Ao entender o MES como instrumento fundamental para a formação do<br />

homem e da nacionalidade, da renovação e da vanguarda, Gustavo Capanema<br />

durante a sua gestão apoiou uma série de ações pedagógicas através da música,<br />

da educação física, cinema, rádio e habitação. Para isso, convidou para integrar ou<br />

participar dos quadros do ministério intelectuais importantes que se projetavam<br />

naquele período, muitos deles claramente identificados com o modernismo 13 .<br />

12<br />

In: http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm#_1_1, acessado em agosto de<br />

2010.<br />

13 Entre os colaboradores com órgãos do MES, estavam Gilberto Freyre, Joaquim Cardoso, Abgar<br />

Renault, Emílio Moura, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Prudente de Morais Neto e Afonso<br />

Arinos de Melo Franco.<br />

50


Porém, para atingir objetivos tão ambiciosos, o ministério necessitava de uma<br />

nova sede, ampla o suficiente para centralizar todos os órgãos que estavam sob<br />

sua direção. O ministério, dessa forma, reproduziria a concepção de administração<br />

pública implantada durante a Era Vargas, especialmente após a instituição do<br />

Estado Novo: a centralização como instrumento da racionalidade, da eficiência e da<br />

modernização.<br />

Inicialmente, a escolha do projeto seria feita através de concurso, cujo edital<br />

foi publicado em 23 de abril de 1935 no Diário Oficial da União e nos principais<br />

jornais da capital. O júri <strong>era</strong> constituído por Eduardo Sousa Aguiar, engenheiro,<br />

superintendente do Setor de Obras e Transportes do MES; Salvador Duque Estrada<br />

Batalha, indicado pelo Instituto Central de Arquitetos; Adolfo Morales de Los Rios<br />

Filho, representado a ENBA; Natal Palladini, engenheiro e representante da Escola<br />

Politécnica da Universidade Técnica Fed<strong>era</strong>l e o Ministro Capanema, na condição<br />

de presidente, com direito a voto somente no caso de desempate (CAVALCANTI,<br />

2006, p. 34).<br />

O concurso foi realizado em duas etapas. A primeira levaria em conta a<br />

adequação dos projetos às posturas municipais. As limitações impostas por elas<br />

levaram à desclassificação de 33 projetos, restando apenas três para a segunda e<br />

última etapa.<br />

Em 1º de outubro de 1935 foi realizada a reunião para a escolha dos<br />

premiados no concurso. Ao final, o projeto vitorioso foi o de Archimedes Memória,<br />

planejando uma “sede misturando estilo neoclássico e elementos decorativos<br />

alusivos a uma fictícia civilização marajoara que teria existido durante a<br />

Antiguidade, na região norte do Brasil” (CAVALCANTI, 2006, p. 40).<br />

Archimedes Memória <strong>era</strong> diretor da ENBA e membro da Câmara dos<br />

Quarenta, órgão máximo da Ação Integralista Brasileira. Seu projeto “marajoara”<br />

guardava coerência com o nacionalismo radical que constava dos princípios<br />

daquela agremiação política, como pode ser comprovados ao observarmos parte<br />

dos seus estatutos, apresentados em 1937 no seu Manifesto-programa às eleições<br />

presidenciais, que não chegaram a acontecer devido ao golpe que instituiu o Estado<br />

Novo:<br />

51


A “Ação Integralista Brasileira”, como sociedade civil, de fins<br />

culturais, objetiva, de uma maneira imediata, de conformidade com<br />

os seus Estatutos:<br />

• a formação de uma consciência nacional de grandeza da Pátria<br />

e dignidade do Homem e da sua Família;<br />

• o desenvolvimento do gosto pelos estudos na mocidade<br />

brasileira, objetivando a criação de uma cultura nacional própria,<br />

nas grandes expressões das atividades intelectuais, como sejam<br />

a filosofia, a ciência, a lit<strong>era</strong>tura, as belas-artes;<br />

• a eugenia da raça, pela prática metodizada do atletismo da<br />

ginástica, dos esportes;<br />

• a assistência social, às mães, às crianças, aos sertanejos e<br />

operários desamparados, assistência essa que não será apenas<br />

material, porque procurará criar uma consciência espiritual e<br />

uma consciência nacional nas massas brasileiras;<br />

• o combate ao comunismo por uma educação sistematizada 14 .<br />

Para Capanema, que desejava um prédio que representasse uma ação<br />

voltada para o futuro e a formação do novo homem brasileiro, o projeto vitorioso<br />

representava exatamente o contrário.<br />

Ainda durante o concurso, ele já demonstrava sua insatisfação com os rumos<br />

que as escolhas caminhavam. Prova disso foi que, na penúltima reunião do júri,<br />

quando seriam classificados para a última etapa os anteprojetos que recebessem<br />

votação igual ou superior a três votos, foi devido ao voto de Capanema que o<br />

projeto de Gérson Pinheiro, único dos concorrentes que possuía - ainda que tímidas<br />

-, feições <strong>moderna</strong>s, conseguiu ser classificado. Ao final, esse projeto ficou em<br />

terceiro lugar.<br />

Decepcionado com resultado final, em 11 de fevereiro de 1936 Capanema<br />

enviou carta ao Presidente Vargas expondo sua opinião acerca da inadequação do<br />

projeto vitorioso e propondo a contratação de Lúcio Costa para a realização de um<br />

novo projeto:<br />

Nenhum desses projetos premiados me parece adequado ao<br />

edifício do Ministério da Educação. Não se pode negar o valor dos<br />

arquitetos premiados. Mas exigências municipais tornaram difícil a<br />

execução de um projeto realmente bom. Julguei de melhor alvitre<br />

mandar fazer novo projeto. Solicito verbalmente a sua autorização.<br />

E pedi à prefeitura municipal que dispensasse as exigências, que<br />

impediam a realização de uma bela obra arquitetônica. Não quis<br />

14 http://integralismope.blogspot.com/2009/12/manifesto-programa-da-aib.html, acessado em agosto<br />

de 2010.<br />

52


abrir novo concurso... Encarreguei, assim, o arquiteto Lucia Costa<br />

da realização do trabalho. Este arquiteto chamou a colaborar<br />

consigo outros arquitetos de valor. E entraram a executar o serviço<br />

que já está bem adiantado. É preciso, porém, que se faça um<br />

contrato de honorários. A proposta feita pelos arquitetos foi julgada<br />

razoável pelo técnico deste Ministério, como consta deste processo.<br />

Venho, pois, solicitar a V Excia. que me autorize a fazer os<br />

contratos, nos termos da minuta junta, salvo uma ou outra alt<strong>era</strong>ção<br />

da data para a entrega do trabalho. (CAVALCANTI, 2006, p. 40)<br />

Para conquistar o aval político, Capanema buscou argumentações técnicas<br />

para rejeitar o projeto vencedor, solicitando pareceres ao embaixador Maurício<br />

Nabuco, ao engenheiro Saturnino de Brito e ao inspetor de engenharia sanitária do<br />

MES, Domingos da Silva Cunha. Todos condenaram o projeto. Este último, em seu<br />

despacho, foi categórico:<br />

Penso que o edifício projetado não deverá ser concluído se o<br />

governo quer, realmente, além de satisfazer perfeitamente às suas<br />

necessidades de administração, possuir uma notável obra de<br />

<strong>arquitetura</strong>, digna de nossa cultura artística. (CAVALCANTI, 2006, p.<br />

41)<br />

Tanto Capanema como Domingos Cunha justificam suas opiniões com<br />

argumentando as necessidades administrativas, mas também a preocupação com a<br />

monumentalidade - “bela obra arquitetônica”; “notável obra de <strong>arquitetura</strong>”.<br />

Todos os argumentos acabaram por convencer o presidente. Em 25 de março<br />

de 1936, Capanema convida oficialmente Lúcio Costa para elaborar o novo projeto.<br />

Em seguida, este procede à formação de uma equipe composta por alguns dos<br />

representantes mais importantes da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> naquele tempo: Affonso<br />

Eduardo Reidy, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos e Oscar Niemeyer.<br />

Ao receber a notícia de que seu projeto não seria executado, Archimedes<br />

Memória reagiu de forma veemente através de uma carta enviada diretamente ao<br />

Presidente Getúlio Vargas. Destituído de qualquer embasamento técnico, Memória<br />

ataca a equipe convidada apelando com argumentos repletos de preconceitos:<br />

O que acabamos de narrar tem, no presente momento,<br />

gravidade não pequena, em se sabendo que esse arquiteto é sócio<br />

do arquiteto Gregori Warchavchik, judeu russo de atitudes<br />

suspeitas .... Não ignora o sr. ministro da Educação as atividades<br />

do arquiteto Lucio Costa, pois pessoalmente já mencionamos a S.<br />

Excia. vários nomes dos filiados ostensivos à corrente modernista<br />

53


que tem como centro o Club de Arte Moderna, célula comunista<br />

cujos principais objetivos são a agitação no meio artístico e a<br />

anulação de valores reais que não comungam no seu credo. Esses<br />

elementos deletérios se desenvolvem justamente à sombra do<br />

Ministério da Educação, onde têm como patrono e intransigente<br />

defensor o sr. Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do<br />

ministro. Expondo aos olhos de V. Excia. esses fatos, esp<strong>era</strong>mos<br />

que V. Excia., defendendo o Tesouro Nacional e a honorabilidade<br />

de vosso governo do país, alente a arte nacional que ora atravessa<br />

uma crise dolorosíssima, próxima do desfalecimento.<br />

(CAVALCANTI, 2006, p. 43-44)<br />

Em maio de 1936, Lucio Costa apresentou o primeiro resultado do trabalho<br />

ao ministro e sugere o convite ao arquiteto franco-suíço Le Corbusier para prestar<br />

consultoria ao grupo. Provavelmente acreditava que sua participação no projeto<br />

daria maior legitimidade trabalho. Capanema, então, convidou Lucio Costa para<br />

uma audiência com o Presidente da República para encaminharem a sugestão. Ao<br />

final da reunião, Vargas concordou com os argumentos e autorizou a contratação de<br />

Le Corbusier.<br />

Após ser contactado e examinar o projeto, Corbusier aceitou com entusiasmo<br />

o convite, não só pela admiração que o trabalho lhe causou, mas também por<br />

encontrar nele uma oportunidade que <strong>era</strong> cada vez mais limitada na França durante<br />

o período entre-guerras, onde o campo da <strong>arquitetura</strong> <strong>era</strong> dominado pela tradicional<br />

Escola de Belas Artes, refratária à <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> (CAVALCANTI, 2006, p. 45).<br />

A aproximação de Lucio Costa e outros arquitetos brasileiros com as idéias<br />

de Le Corbusier teve início em 1929, quando arquiteto visitou o Brasil para ministrar<br />

um ciclo de palestras (HARRIS, 1987).<br />

Uma das bases do pensamento de Le Corbusier que atraiu Lucio Costa foi a<br />

proposta de que a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> traduzisse em seu campo uma ruptura com<br />

a sociedade anterior. A modernidade estaria situada na indústria e na máquina, em<br />

oposição ao trabalho artesanal. Le Corbusier defendia que a casa deveria ser uma<br />

“máquina de morar”, com economia e eficiência industriais, eliminando os<br />

ornamentos desnecessários, simplificando e racionalizando as construções. O<br />

arquiteto acreditava que dessa forma o novo estilo aboliria as fronteiras nacionais e<br />

de classes, formando uma comunidade democrática universal (CORBUSIER, 1981).<br />

54


A consultoria de Le Corbusier aliada à sólida formação técnica e intelectual<br />

do grupo, propiciou aos modernos a vitória em um longo embate iniciado em 1935,<br />

ano da realização do concurso de projetos para a nova sede do MES, e concluído<br />

em 1945, data da inauguração no prédio. A sede do MES havia se transformado em<br />

uma das principais arenas da disputa entre neocoloniais e modernos. Afinal,<br />

“tratava-se obra monumental, da sede do ministério encarregado de traçar as<br />

diretrizes ‘culturais’ da nação; o aval estético governamental é, portanto, disputado<br />

palmo a palmo” (CAVALCANTI, 2006, p. 48).<br />

O debate girava em torno de três elementos: passado, vínculo com o Brasil e<br />

futuro. Cada corrente reivindicava para si a primazia sobre eles. Ao contrário dos<br />

modernos, os neocoloniais cultuavam a tradição colonial, de onde brotaria o futuro,<br />

que para eles é basicamente restaurador (e não inovador), como defendia José<br />

Marianno Filho:<br />

A única estrada que nos conduzirá à verdade é a estrada do<br />

passado...A volta ao espírito tradicional da arte brasileira não<br />

significa uma homenagem fetichista ao passado esquecido, mas a<br />

volta ao bom senso... Qualquer monumento colonial representa um<br />

esforço muito maior do que as arapucas do cimento armado, diante<br />

das quais nos extasiamos. (CAVALCANTI, 2006, p. 48)<br />

Os modernos, pelo contrário, alegavam que a leitura neocolonial do passado<br />

<strong>era</strong> superficial, enquanto a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> estabelecia fortes ligações com os<br />

princípios estruturais da <strong>arquitetura</strong> colonial. Uma <strong>arquitetura</strong> que projetava o futuro,<br />

conciliando a tradição com a modernidade.<br />

Apontavam semelhanças estruturais entre as casas<br />

“tradicionais” sobre estacas e o pilotis, a estrutura em madeira das<br />

casas coloniais <strong>era</strong> comparada ao esqueleto de concreto armado e<br />

relacionavam-se as grandes extensões caiadas da <strong>arquitetura</strong><br />

“tradicional” à pureza do novo modo de construir. Dessa forma a<br />

<strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> brasileira, embora característica de condições<br />

técnicas e sociais novas, se proporia a reinterpretar , através de<br />

uma leitura estrutural e de técnicas de seu tempo, a tradição<br />

construtiva brasileira. (CAVALCANTI, 2006, p. 49)<br />

Além disso, os pressupostos teóricos da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> iam ao encontro<br />

dos princípios estabelecidos pela vanguarda literária daquela época, o que pode ser<br />

55


constatado com o minucioso trabalho de Mário de Andrade no SPHAN, ao conciliar<br />

o erudito com elementos tradicionais e populares.<br />

Os modernos venc<strong>era</strong>m a disputa do MES, etapa fundamental para sua<br />

supremacia no campo arquitetônico, apresentando o argumento de que suas<br />

construções <strong>era</strong>m ao mesmo tempo inovadoras, nacionais e estruturalmente ligadas<br />

ao passado.<br />

Após a vitória no campo das idéias, restava aos modernos provarem a<br />

funcionalidade do projeto, bem como a adequação de sua monumentalidade à<br />

imagem que o ministério deveria transmitir à população.<br />

Em artigo publicado em 1935 na Revista da Diretoria de Engenharia, editada<br />

pelo Ministério da Educação e Saúde, Affonso Eduardo Reidy demonstra como as<br />

novas técnicas proporcionariam ao mesmo tempo funcionalidade e versatilidade:<br />

Uma das maiores conquistas da técnica construtiva <strong>moderna</strong><br />

é a estrutura livre, isto é, independente das paredes do edifício. A<br />

estrutura livre permite a standartização dos elementos estruturais e<br />

flexibilidade quanto à utilização dos espaços, de forma a que em<br />

qualquer época possam ser modificadas as divisões internas do<br />

edifício sem prejuízo para as boas condições de estabilidade e<br />

aspecto da edificação. (CONDURU, 2005, p. 25)<br />

Testemunho importante dessa preocupação com a funcionalidade foi o de<br />

Carlos Drummond de Andrade, chefe de gabinete do Ministro, ao registrar seu<br />

primeiro dia de trabalho (22/07/1944) no gabinete da sede recém construída.<br />

Dias de adaptação à luz intensa, natural, que substitui as<br />

lâmpadas acesas durante o dia; às divisões baixas de madeira, em<br />

lugar de paredes; aos móveis padronizados (antes obedeciam às<br />

fantasias dos diretores ou ao acaso dos fornecimentos). Novos<br />

hábitos são ensaiados... (CAVALCANTI, 2006, p. 56)<br />

Portanto, a luz natural, intensa em uma cidade tropical como o Rio de<br />

Janeiro, propiciaria a economia de energia. O mobiliário padronizado, sem luxos<br />

(fantasias) despersonalizaria a administração pública.<br />

A monumentalidade foi preocupação dominante no projeto da sede do MES.<br />

A produção da obra monumental começa na própria ocupação do prédio, criando<br />

enorme praça com amplo espaço de circulação no centro do Rio de Janeiro, de<br />

56


forma a abrir espaço para a contemplação da obra. Tal efeito é obtido com a<br />

verticalização do prédio em 14 pavimentos e a utilização de amplo pilotis. O bloco<br />

do auditório, portaria e sala atravessa por baixo da estrutura vertical, fazendo com<br />

que o espaço entre as colunas, embaixo desse grande bloco, funcione como parte<br />

aberta do jardim público, utilizando espécimes da flora nacional, criado pelo<br />

paisagista Burle Marx. Os dois blocos transmitem uma representação de leveza,<br />

idealizados para parecerem desprovidos de peso ao sustentarem-se sobre o pilotis.<br />

FIGURA 8<br />

O EDIFÍCIO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE NA DÉCADA DE 1940<br />

Extraído de http://www.maxpressnet.com.br/e/iphan/iphan_17-10-08.html, em agosto de 2010<br />

Mais uma vez podemos constatar a influência de Corbusier sobre a equipe<br />

brasileira, quando observamos a plena aplicação dos Cinco pontos da Nova<br />

Arquitetura, propostos pelo arquiteto franco-suíço no início de sua carreira em<br />

1926.<br />

57


1. Pilotis, lib<strong>era</strong>ndo o edifício do solo e tornando público o uso<br />

deste espaço antes ocupado, permitindo inclusive a circulação de<br />

automóveis;<br />

2. Terraço jardim, transformando as coberturas em terraços<br />

habitáveis, em contraposição aos telhados inclinados das<br />

construções tradicionais;<br />

3. Planta livre, resultado direto da independência entre estruturas<br />

e vedações, possibilitando maior diversidade dos espaços internos,<br />

bem como mais flexibilidade na sua articulação;<br />

4. Fachada livre, também permitida pela separação entre<br />

estrutura e vedação, possibilitando a máxima abertura das paredes<br />

externas em vidro, em contraposição às maciças alvenarias que<br />

outrora recebiam todos os esforços estruturais dos edifícios; e<br />

5. A janela em fita, ou fenêtre en longueur, também<br />

conseqüência da independência entre estrutura e vedações, se trata<br />

de aberturas longilíneas que cortam toda a extensão do edifício,<br />

permitindo iluminação mais uniforme e vistas panorâmicas do<br />

exterior. 15<br />

Buscando articular a técnica com a arte, Portinari foi contratado para realizar<br />

um grande afresco sobre os principais ciclos econômicos da história brasileira na<br />

sala de reuniões anexa ao gabinete do ministro, além dos murais em azulejos azuis<br />

e brancos na fachada do térreo e nos pilotis.<br />

FIGURA 9<br />

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - AFRESCOS DE CÂNDIDO PORTINARI<br />

Extraído de http://blogillustratus.blogspot.com/2010/05/candido-portinari.html, em agosto de 2010<br />

15 Os Cinco pontos da Nova Arquitetura são o resultado das pesquisas realizadas nos anos iniciais<br />

da carreira de Le Corbusier, sendo publicados em 1926 na revista francesa L’Esprit Nouveau. Para<br />

mais detalhes ver: MACIEL, Carlos Alberto. Villa Savoye: <strong>arquitetura</strong> e manifesto (1). In: Revista<br />

arquitextos 024.07, ano 02, mai 2002. http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.<br />

024/785. Acessado em agosto de 2010.<br />

58


FIGURA 10<br />

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - MURAIS EM AZULEJOS NA FACHADA DO<br />

TÉRREO<br />

Extraído de http://www.c<strong>era</strong>micanorio.com/conhecernorio/portinarigcapanema/portinarigcapanema<br />

em agosto de 2010.<br />

Ainda no que se refere à monumentalidade e ao papel pedagógico que todo o<br />

conjunto deveria transmitir à sociedade, merece uma análise o debate acerca da<br />

construção da escultura O Homem Brasileiro.<br />

Em carta ao Presidente Vargas, em 14 de julho de 1937, o ministro apresenta<br />

com entusiasmo a obra, que seria a principal na área externa ao prédio:<br />

...a principal delas será a estátua do homem, do homem<br />

brasileiro... O homem estará sentado num soco. Será nu, como o<br />

Penseur de Rodin. Mas o seu aspecto será o da calma, do domínio,<br />

da afirmação. A estátua terá cerca de 11 metros de altura... A<br />

concepção, parece-me, é grandiosa. Há, na obra planejada,<br />

qualquer coisa de parecido com os colossos de Memon, em Tebas,<br />

ou com as estátuas do templo de Amon, em Karnak... A estátua<br />

ficará localizada numa grande área, em frente ao edifício. O edifício<br />

e a estátua se completarão, de maneira exata e necessária.<br />

(KNAUSS, 1999, p. 30)<br />

O MES, como já assinalamos, seria o “ministério do homem”, ou melhor, do<br />

novo homem brasileiro que o Estado deveria moldar. Não por acaso, Capanema<br />

afirmava que “o edifício e a estátua se completarão, de maneira exata e<br />

necessária”.<br />

Para a execução da obra, o ministro convidou o escultor Celso Antônio, que<br />

em 1931 já havia ministrado cursos na ENBA, quando ela ainda <strong>era</strong> dirigida por<br />

59


Lucio Costa, o que já apontava um alinhamento do escultor com o movimento<br />

modernista.<br />

No entanto, quando Celso Antônio apresentou o esboço do monumento,<br />

caracterizando um homem com feições sertanejas, barrigudo e com um tipo físico<br />

nada atlético, a decepção do ministro ficou evidente. Não seria aquele o tipo de<br />

homem brasileiro projetado para o futuro.<br />

Enquanto o escultor insistia em dar ao seu “homem” as feições “brasileiras”<br />

de um caboclo, o ministro desejava que ele o executasse segundo rigorosos<br />

cálculos antropométricos que antecipassem as feições cientificamente mais<br />

prováveis do “homem brasileiro” do futuro. Consulta sobre o assunto alguns<br />

representantes importantes da elite intelectual daqueles anos 16 , enviando cartas<br />

com as seguintes perguntas: “Como será o corpo do homem brasileiro, do futuro<br />

homem brasileiro, não do homem vulgar ou inferior, mas do melhor exemplar da<br />

raça? Qual sua cultura? O seu volume? A sua cor? Como será sua cabeça? A forma<br />

do seu rosto? A sua fisionomia?” (CAVALCANTI, 2006, p. 51)<br />

Todos respondem que deverá ser um homem branco, acreditando que essa<br />

<strong>era</strong> a evolução natural da espécie humana. Roquete Pinto, em pequeno bilhete<br />

posterior, acrescenta uma advertência ao ministro: “Penso que o homem brasileiro<br />

deve ser representado na posição de quem marcha. Sentado? Nunca” (KNAUSS,<br />

1999, p. 33).<br />

Nada mais coerente com um Estado que valorizava o trabalho na propaganda<br />

oficial. O homem sentado representaria o conformismo e a preguiça, uma imagem<br />

do homem comum, meditando sobre um destino incerto – nada parecido com “os<br />

colossos de Memon” -, enquanto o homem marchando representaria a confiança e a<br />

disciplina, projetando uma nação trabalhadora e integrada ao modelo de<br />

desenvolvimento em curso no país.<br />

Como Celso Antônio rejeitou a intromissão em sua obra, seu projeto foi<br />

descartado definitivamente em dezembro de 1937. Em seguida, Capanema solicitou<br />

a Mario de Andrade que procurasse Victor Brecheret para uma nova encomenda:<br />

16 Entre eles estavam Oliveira Vianna, Rocha Vaz e Roquete Pinto.<br />

Venho pedir a você um favor. Tudo confidencialmente. O<br />

60


trabalho que está sendo, aqui, elaborado, para a ereção da estátua<br />

do homem brasileiro, não me parece que chegará a bom termo... E<br />

julgo que terei que começar o trabalho de novo. Abrir concurso foi<br />

a primeira idéia. Mas concurso não tem dado certo aqui no<br />

Ministério... Você diga ao Brecheret, como coisa sua, que não faça<br />

trabalho estilizado nem decorativo. Seguir o rumo dos grandes<br />

escultores de hoje: Maillol, Despian etc. O homem estará sentado e<br />

deverá ser uma figura sólida, forte, de brasileiro. Nada de rapaz<br />

bonito. Um tipo moreno, de boa qualidade, com o semblante<br />

denunciando a inteligência, a elevação, a coragem, a capacidade<br />

de criar e realizar. Você imagine outras coisas que devam, ainda,<br />

ser ditas ao Brecheret e lhe dê o meu recado, sem lhe mostrar esta<br />

carta. (KNAUSS, 1999, p. 35)<br />

Não há registros quanto a alguma resposta de Brecheret, o que pode<br />

significar seu desinteresse quanto ao projeto ou pelo fato do escultor estar ocupado<br />

com a construção do Monumento às Bandeiras, em São Paulo 17<br />

O projeto da estátua do Homem Brasileiro acabou sendo substituído pela<br />

construção do Monumento da Juventude Brasileira, construído pelo escultor<br />

Bruno Giorgi e custeado pelo Sindicato dos Educadores e pelo Movimento da<br />

Juventude Brasileira 18<br />

Em outubro de 1943, no programa de rádio Hora da Juventude, a locutora<br />

Lucia Magalhães, em outubro de 1943, anunciava o projeto de construção do novo<br />

monumento, convocando uma mobilização para a arrecadação de fundos para<br />

realizá-lo. Segundo ela, a estátua seria definida como:<br />

...uma expressão de confiança no futuro da raça, (..) é o que<br />

deve ser esse monumento (...). Eu muitas vezes disse, através<br />

deste microfone, que a atual g<strong>era</strong>ção da Juventude Brasileira <strong>era</strong><br />

predestinada. Confirmando essa intuição, é preciso ver mais um<br />

signo de predestinação nesse momento que perpetuando no bronze<br />

toda a Juventude da nossa terra, a que amanhã surgirá para tomar<br />

das mãos dos seus maiores o facho da civilização (...). É esse<br />

sentimento, fator precioso e unificador da Pátria, que o Monumento<br />

da Juventude Brasileira quer perpetuar. (...) Entrego aos meus<br />

ouvintes da Hora da Juventude a missão honrosa de propagar a fé<br />

no futuro de seus próprios destinos. (KNAUSS, 1999, p. 37)<br />

17 Em 1923 o governo do Estado de São Paulo encomendou-lhe a execução do Monumento às<br />

Bandeiras, ao qual Brecheret viria a se dedicar nos vinte anos seguintes.<br />

18 Criado em março de 1940, o Movimento da Juventude Brasileira tinha um caráter cívico,<br />

voltado para o culto dos símbolos nacionais, com uma ação oposta àquela realizada pela combativa<br />

União Nacional dos Estudantes, fundada em11 de agosto de 1937.<br />

Para uma análise mais detalhada desses movimentos, consultar o CD ROM A Era Vargas -<br />

1º tempo - dos anos 20 a 1945". Seu conteúdo também está disponibilizado na página<br />

Navegando na História no portal do CPDOC.<br />

61


Ao final, portanto, ergueu-se um monumento simbolizando o futuro projetado<br />

pela ação do Estado, especialmente através do MES. Caberia à predestinada<br />

juventude cumprir a missão de unificar a pátria. Era a comunhão da juventude com o<br />

governo. Não por acaso, no dia 1º de fevereiro de 1944, quando foi lançada a pedra<br />

fundamental do movimento, o discurso do professor Frederico Ribeiro,<br />

representando o Sindicato Nacional dos Estabelecimentos de Ensino Secundário e<br />

Primário, afirmou que o movimento buscava “perpetuar na pedra e no bronze os<br />

sentimentos de afeto e respeito da juventude brasileira pelo Presidente Getúlio<br />

Vargas” (KNAUSS, 1999: 38). Nesse mesmo discurso, como homenagem ao<br />

Presidente, decidiu-se instituir o Dia da Juventude na mesma data de aniversário de<br />

Getúlio Vargas.<br />

FIGURA 11 e 12<br />

O MONUMENTO À JUVENTUDE BRASILEIRA, VISTO DE DOIS ÂNGULOS<br />

Extraído de: http://www.csvp.g12.br/fotoartes8a/804/14_804.htm, em agosto de 2010.<br />

Os objetivos da equipe dos arquitetos que projetaram o MES, vislumbrando<br />

um futuro otimista de progresso aliado à justiça social ficam evidentes na carta<br />

enviada por Lucio Costa a Gustavo Capanema, em outubro de 1945, ao ver a obra<br />

concluída. Segundo ele, foi efetivamente naquele edifício onde:<br />

62


) A Avenida Presidente Vargas<br />

... pela primeira vez, se conseguiu dar corpo, em obra de<br />

tamanho vulto, levada a cabo com esmero de acabamento e pureza<br />

integral de concepção, às idéias mestras porque, já faz um quarto<br />

de século, o gênio criador de Le Corbusier se vem batendo com a<br />

paixão, o destemor e a fé de um verdadeiro cruzado (...) Neste oásis<br />

circundado de pesados casarões de aspecto uniforme e enfadonho,<br />

viceja agora, irreal na sua limpidez cristalina, tão linda e pura flor -<br />

flor do espírito, prenúncio certo de que o mundo para o qual<br />

caminhamos inelutavelmente, poderá vir a ser, apesar das previsões<br />

agourentas do saudosismo reacionário, não somente mais humano<br />

e socialmente mais justo, senão, também, mais belo. 19<br />

Quando iniciativas municipais relacionam-se a necessidades<br />

denunciadas pela população e a propostas discutidas, há muitas<br />

influências, muitos motivos, inclusive motivos acidentais. Mas<br />

quando a câmara municipal não representa a vontade popular<br />

(como em Paris, entre 1831 e 1871), como não pôr em primeiro<br />

plano as idéias de estética, de higiene, de estratégia urbana, de<br />

prática social de um indivíduo ou de poucos indivíduos no poder?<br />

Desse ponto de vista, a configuração atual de uma grande cidade<br />

será como a superposição da obra de certos partidos, de certas<br />

personalidades, de certos sob<strong>era</strong>nos; assim, planos diversos se<br />

sobrepus<strong>era</strong>m, se misturaram, se ignoraram... (ROSSI, 1995, p.<br />

216)<br />

O projeto de abertura de uma grande avenida ligando a Ponte dos<br />

Marinheiros ao Cais dos Mineiros já existia há muito tempo. Segundo LIMA (1992),<br />

a primeira idéia foi de Grandjean de Montigny, ainda no século XIX. Porém, aos<br />

poucos, algumas intervenções caminharam nesse sentido desde o início do século<br />

XX.<br />

19 Extraído de http://www.schwartzman.org.br/simon/capanema/capit3.htm#_1_1, em agosto de 2010.<br />

63


FIGURA 13<br />

PONTE DOS MARINHEIROS (1924)<br />

Próxima à estação ferroviária da Leopoldina, <strong>era</strong> uma ligação muito importante na época entre a<br />

Zona Sul/Centro e a Zona Norte. Atualmente neste local há um conjunto enorme de viadutos.<br />

Fotografia de Malta, extraída de http://www.fotolog.com.br/luiz_o/87163817, extraída em agosto de<br />

2010<br />

Durante a gestão de Pereira Passos, foi feita a canalização do Mangue e o<br />

alargamento da Rua Estreita de São Joaquim, atual Rua Marechal Floriano. Em<br />

1920, na administração de Carlos Sampaio (1920-1922), foi apresentado um novo<br />

projeto prevendo a abertura da Avenida da Independência, ligando a Avenida Rio<br />

Branco à Praça da República. Porém, tal projeto também não foi levado adiante.<br />

Entre 1926 e 1930, o urbanista Alfred Agache foi contratado para elaborar o<br />

primeiro plano diretor para a capital, que ficou conhecido como Plano Agache.<br />

Dentre as várias intervenções previstas, previa-se novamente a idéia da abertura da<br />

avenida.<br />

64


FIGURAS 14 e 15<br />

O CAIS DOS MINEIROS, NO INÍCIO DO SÉCULO XX E O QUE RESTOU DELE NOS<br />

DIAS ATUAIS 20<br />

Fonte: Coluna Rio Antigo, de Paulo Pacina, no JB on line.<br />

Extraída de http://www.jblog.com.br/rioantigo.php?itemid=16668, em agosto de 2010<br />

Contratado na administração Prado Jr., último prefeito do Distrito Fed<strong>era</strong>l da<br />

República Velha, o plano foi abandonado pelo sucessor, Pedro Ernesto. Com a<br />

decretação do Estado Novo em 1937 e a nomeação de Henrique Dodsworth para o<br />

cargo de interventor na capital, o projeto finalmente foi executado.<br />

Observando o contexto político e econômico podemos identificar dois fatores<br />

que contribuíram para a execução da obra. Em primeiro lugar, a economia brasileira<br />

já se encontrava em plena expansão após se recup<strong>era</strong>r da crise decorrente da<br />

quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Como já assinalamos, na década de<br />

1930 o Estado realizou uma intervenção crescente na economia como forma de<br />

sup<strong>era</strong>r a crise e promover o desenvolvimento da indústria nacional. Dessa forma,<br />

sendo o Estado o grande agente investidor naquele modelo econômico, tornava-se<br />

necessária a criação e a expansão de diversos órgãos e repartições públicas,<br />

especialmente na capital. Por isso o centro da cidade do necessitavam se adequar<br />

à nova conjuntura vivida no país. Paralelamente, também se abriam novas<br />

oportunidades de negócios ao capital privado, especialmente no setor de serviços.<br />

Em segundo lugar, com a decretação do Estado Novo, o governo não apenas<br />

aprofundaria a intervenção na economia, mas também teria plenos poderes para<br />

controlar a sociedade, especialmente os movimentos sociais e os meios de<br />

20 O Cais dos Mineiros situava-se aproximadamente entre a Rua da Alfândega e o Arsenal de<br />

Marinha (hoje o 1º Distrito Naval), e recebeu esse nome por ter se tornado na segunda metade do<br />

século XVIII um importante escoadouro do ouro proveniente de Minas G<strong>era</strong>is.<br />

65


comunicação. Portanto, qualquer manifestação contra os atos do governo poderia<br />

ser abafada pela repressão, pela censura e pela propaganda oficial.<br />

Iniciativas desse tipo, articulando desenvolvimento econômico e controle<br />

social, já tinham sido implementadas em outros países capitalistas desenvolvidos, e<br />

de certa forma, serviram de referências para outras intervenções no espaço urbano<br />

em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil.<br />

É o que podemos constatar a partir da análise de SENNET (1997) sobre a<br />

revolução urbana passada nas metrópoles de Londres e Paris na segunda metade<br />

do século XIX.<br />

Segundo ele, a profunda reforma implantada nas duas cidades foi um dos<br />

reflexos do triunfo do capitalismo em sua fase monopolista, quando a Inglaterra e a<br />

França comandavam a corrida imperialista, impondo seu domínio sobre uma grande<br />

parte da África e da Ásia.<br />

As intervenções na estrutura e na organização nas duas cidades fiz<strong>era</strong>m com<br />

que o espaço urbano fosse recortado em grandes corredores, onde o deslocamento<br />

das pessoas da residência para o trabalho e vice-versa seria feito com rapidez<br />

crescente, atendendo não só as necessidades das atividades capitalistas em<br />

expansão – rendimento e produtividade -, mas também ao interesse do Estado em<br />

desarticular grupos sociais “ameaçadores à ordem”, mantendo-os sob controle e<br />

vigilância, lembrando que no mesmo período, o movimento operário mostrava-se<br />

melhor articulado para lutar por suas reivindicações, além de estar influenciado por<br />

ideologias que defendiam abertamente o fim do capitalismo, como o socialismo<br />

marxista e o anarquismo.<br />

Uma das consequências da revolução urbana foi a desconexão entre as<br />

pessoas e o espaço. Assim, os indivíduos, cada vez mais dispersos e isolados,<br />

atentos apenas à rapidez do ir e vir teriam cada vez menos contato entre si, o que<br />

dificultaria a ação de grupos organizados ou a sua formação.<br />

... As cidades planejadas do século XIX pretendiam tanto<br />

facilitar a livre circulação das multidões quanto desencorajar os<br />

movimentos de grupos organizados. Corpos individuais que<br />

transitam pela cidade tornam-se gradualmente desligados dos<br />

lugares em que se movem e das pessoas com quem convivem<br />

66


nesses espaços, desvalorizando-os através da locomoção e<br />

perdendo a noção de destino comum. (SENNETT, 1997, p. 216)<br />

As reformas naquelas metrópoles se assemelharam a atos cirúrgicos, onde<br />

as cidades <strong>era</strong>m tratadas como um corpo humano, cujas veias e artérias (ruas e<br />

avenidas) deveriam ser desobstruídas e alargadas para facilitar a circulação. Uma<br />

obra emblemática desse período foi a construção do metrô de Londres, que<br />

cumpriria uma dupla função, como artéria e veia da cidade. Além disso,<br />

Com o transporte barato, pelo menos parte daqueles 50%<br />

que tinham acesso a 3% da riqueza nacional pud<strong>era</strong>m procurar<br />

domicílio em algum lugar melhor. Graças ao capital fornecido por<br />

coop<strong>era</strong>tivas habitacionais, por volta de 1880, a maré urbana<br />

começou a refluir. Quem conseguia juntar dinheiro mudava-se para<br />

a tão sonhada casa própria, ao norte do centro da cidade, em South<br />

Bank, ou nos distritos de Camden Town... (SENNETT, 1997, p. 272)<br />

É importante ressaltar que essas melhorias, ainda que limitadas, das<br />

condições de habitação e transporte, não pode ser atribuída a alguma política oficial<br />

de reduzir as desigualdades sociais naqueles dois países. Se o Estado pôde de<br />

alguma forma compensar os efeitos perversos das reformas, é porque dispunha de<br />

abundantes recursos decorrentes da expansão imperialista na África e na Ásia.<br />

Portanto, as tímidas melhorias das condições da classe trabalhadora em Londres e<br />

Paris foram alcançadas às custas de uma brutal espoliação de africanos e asiáticos.<br />

Outros aspectos importantes da revolução urbana foram a estética das novas<br />

construções e o novo ordenamento urbano que foi imposto. Deslocando as fábricas<br />

e as habitações populares para bairros distantes das áreas centrais, estas d<strong>era</strong>m<br />

lugar a sedes de bancos, da administração de grandes empresas e, evidentemente,<br />

dos órgãos da administração pública, situados nas grandes e arborizadas avenidas,<br />

próximas a grandes parques, muito bem simbolizados pelo conjunto Regent's Park e<br />

Regent Street, em Londres. Nessa nova “ordem”, não havia lugar para as ruas<br />

estreitas da malha medieval e da renascença, cujo patrimônio foi duramente afetado<br />

pelas intervenções.<br />

Podemos concluir, portanto, que a revolução urbana em Londres e Paris no<br />

século XIX, ao mesmo tempo em que promoveu o embelezamento e o saneamento<br />

das cidades, possibilitou o deslocamento acel<strong>era</strong>do das pessoas, atingindo dessa<br />

67


forma a outros importantes objetivos da elite dirigente: a dispersão da classe<br />

trabalhadora e o seu insulamento em bairros afastados do centro das metrópoles,<br />

ao mesmo tempo em que a disciplinava politicamente.<br />

No Brasil, pensamento semelhante influenciou a elaboração do projeto de<br />

abertura da Avenida Central na gestão do prefeito Pereira Passos e mais ainda da<br />

Avenida Presidente Vargas, um dos objetos de nosso estudo.<br />

Em 1938, o projeto foi apresentado com a denominação Avenida Dez de<br />

Novembro - aludindo à data do golpe que instituiu o Estado Novo – prevendo a<br />

eliminação de quadras inteiras para a sua realização, como pode ser observado na<br />

fotografia a seguir, onde aparece delimitado o trecho entre a Praça Onze, na parte<br />

superior, e a Praça da República, na parte inferior. As ruas marcadas <strong>era</strong>m Senador<br />

Euzébio e Visconde de Itaúna:<br />

FIGURA 16<br />

RUAS SENADOR EUZÉBIO E VISCONDE DE ITAÚNA – TRECHO ENTRE O CAMPO DE<br />

SANTANA E A PRAÇA ONZE<br />

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.<br />

68


Apesar do Brasil estar sob um regime ditatorial, as autoridades do governo se<br />

esforçaram para convencer o empresariado e os meios de comunicação acerca dos<br />

benefícios que a obra traria para o desenvolvimento da cidade. Foi o que fez, por<br />

exemplo, o engenheiro Edison Passos, Secretário de Viação, ao defender o projeto<br />

em palestra realizada na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em 10 de<br />

dezembro de 1940:<br />

Sob o ponto de vista urbanístico, a abertura da Avenida<br />

Presidente Vargas concorrerá, outrossim, para melhorar a massa<br />

edificada da cidade, levando para a zona que atravessa e dela<br />

tributária, novos conjuntos arquitetônicos e gabaritos de maior<br />

altura. Ela será elemento de valorização e pesará favoravelmente<br />

na transformação urbana. (LIMA, 1992, p. 33)<br />

A expectativa quanto às oportunidades de negócios pode ser observada<br />

quando foi decidido que o gabarito lib<strong>era</strong>do para a construção de prédios <strong>era</strong> de 22<br />

andares até a Rua da Quitanda. Dali até o mar o gabarito seria de 12 andares,<br />

prevendo nesse trecho uma grande praça em torno da Igreja Nossa Senhora da<br />

Candelária, o que aponta o interesse do governo em não encontrar oposição por<br />

parte da Igreja Católica. Essa perspectiva racional e simbólica da Avenida<br />

Presidente Vargas fica mais uma vez realçada na citada palestra do Secretário da<br />

Viação na ABI: “Da Avenida Rio Branco às Docas da Alfândega ela dará realce<br />

monumental à Igreja da Candelária, desafogando o centro bancário” (LIMA, 1992, p.<br />

32).<br />

A monumentalidade da obra e seu papel didático junto à população podem<br />

ser observados através do discurso enaltecedor a Getúlio Vargas realizado pelo<br />

prefeito Henrique Dodsworth durante a cerimônia de inauguração do primeiro trecho<br />

da avenida, não por acaso no dia 10 de novembro de 1941:<br />

“Exmo. Sr. Presidente da República: É de tradição que os<br />

presidentes atravessem os eixos das avenidas rasgadas em benefício do<br />

progresso da cidade. Esta tradição esteve interrompida por mais de duas<br />

décadas e hoje V. Ex a , retoma-a, percorrendo trecho inicial da avenida<br />

que menos um decreto do que a aclamação dos seus compatriotas<br />

denominou Av. Presidente Vargas.<br />

Permita que V. Ex a , que eu guarde desta cerimônia apenas<br />

lembranças de nela ter tido a honra de ser o intérprete do governo de V.<br />

Ex a nos agradecimentos e louvores devidos aos operários de todas as<br />

categorias e ofícios dessa obra, que enaltece o valor da engenharia<br />

brasileira e do trabalhador nacional.<br />

69


Exceção feita da maquinaria, tudo que aqui nos rodeia é brasileiro.<br />

Os projetos da nova urbanização da cidade são da autoria dessa<br />

maravilhosa floração de engenheiros que trabalham na Prefeitura e que<br />

alvorecem para as responsabilidades dos largos públicos, técnicos,<br />

escritórios, capital e mão-de-obra brasileiros.<br />

Depois de quatro anos ininterruptos de atividades de restauração<br />

administrativa e financeira, a Prefeitura do Distrito Fed<strong>era</strong>l deu início a<br />

esse empreendimento. Não se trata de um espetáculo de aformosamento<br />

da cidade, mas de realização de um programa que procura resolver<br />

problemas econômicos de tráfego e do saneamento da cidade.<br />

Convidando V. Ex a Sr. Presidente, a percorrer o trecho inicial da<br />

avenida, solicito que V. Ex a incorpore estas obras que, resolvendo os<br />

problemas apontados irão por igual transformar a Cidade Maravilhosa na<br />

Cidade das Maravilhas.” (LIMA, 1992, p. 32)<br />

Nota-se no discurso a preocupação do prefeito em destacar o nacionalismo,<br />

um dos principais traços da política econômica getulista, e em enaltecer os<br />

trabalhadores que participaram da obra, em sintonia com a ideologia trabalhista.<br />

Ao mesmo tempo ele equipara em importância a obra com as reformas<br />

executadas durante a administração de Pereira Passos, afirmando que estava<br />

retomando uma tradição progressista interrompida por mais de duas décadas.<br />

A construção da avenida representava, portanto, o progresso e o<br />

desenvolvimento, propiciando maior eficiência e dinamismo nas atividades<br />

econômicas praticadas no Centro da cidade, maior rapidez nos meios de transporte<br />

e na circulação das mercadorias. Ao mesmo tempo, simbolizava a “nova” classe<br />

trabalhadora que o regime pretendia criar: disciplinada e dedicada ao seu ofício.<br />

Ao observarmos os prédios construídos ao longo da avenida, fica evidente a<br />

influência da <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong>. Edificações funcionais, sem grandes<br />

preocupações estéticas, onde os extensos pilotis se projetavam sobre as largas<br />

calçadas, facilitando o rápido deslocamento dos trabalhadores e dificultando as<br />

aglom<strong>era</strong>ções, que na visão das autoridades, <strong>era</strong> um estímulo à “desordem”.<br />

Portanto, a avenida propiciava ao mesmo tempo melhor aproveitamento da força de<br />

trabalho, que perderia menos tempo para começar seu ofício, como também criava<br />

obstáculos para manifestações.<br />

70


FIGURA 17<br />

AV. PRESIDENTE VARGAS - TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A<br />

CANDELÁRIA (14 DE AGOSTO DE 1940)<br />

Nesta fotografia, destacam-se os quarteirões das ruas Gen<strong>era</strong>l Câmara e de São Pedro, entre a<br />

Praça da República e o Cais da Alfândega, demolidos para a abertura da avenida, vendo-se em<br />

primeiro plano a Escola Rivadávia Correia (ainda existente) e o Palácio da Prefeitura; no alto a Igreja<br />

da Candelária.<br />

Fonte: Arquivo G<strong>era</strong>l da Cidade do Rio de Janeiro.<br />

FIGURA 18<br />

AV. PRESIDENTE VARGAS - TRECHO ENTRE O CAMPO DE SANTANA E A<br />

CANDELÁRIA (28 DE AGOSTO DE 1944)<br />

A avenida, pouco antes da sua inauguração, já aberta e em fase de finalização de sua implantação<br />

viária, expõe sua escala monumental, totalmente diversa das acanhadas ruas, de gênese colonial,<br />

daquela parte da cidade na qual se inseriu.<br />

Fonte: Arquivo G<strong>era</strong>l da Cidade do Rio de Janeiro.<br />

71


Cumpre ainda destacar que a avenida também traduzia outro aspecto<br />

importante do modelo político-econômico vigente. Da mesma forma que o Estado<br />

não tinha limites institucionais para intervir na economia e controlar a sociedade,<br />

também não haveria nenhum obstáculo ao progresso que não pudesse ser<br />

transposto por ele. Assim, diversos marcos importantes do contexto urbano-<br />

arquitetônico carioca foram sumariamente eliminados – o Paço Municipal e as<br />

Igrejas de São Pedro dos Clérigos, do Bom Jesus do Calvário, de São Domingos e<br />

de N. Sra. da Conceição - ou drasticamente alt<strong>era</strong>dos – Campo de Santana e Praça<br />

Onze.<br />

Como assinala Evelyn Furquim Werneck Lima:<br />

É típico dos governos autoritários o processo de demolição<br />

dos centros históricos, as inchações dos bairros periféricos,<br />

g<strong>era</strong>lmente com o prejuízo das camadas sociais de menor poder<br />

aquisitivo, que perdem sua moradia e seu habitat natural. Isto<br />

ocorreu na Paris de Napoleão III, na Itália, na Alemanha, na Rússia<br />

na década de 1930 e acabou também ocorrendo no Rio de Janeiro<br />

durante o regime de exceção do Estado Novo. (LIMA, 1992, p. 15)<br />

A intervenção na Praça Onze é especialmente simbólica. Área de intenso<br />

comércio e grande diversidade social 21 e cultural, com a ocorrência das famosas<br />

rodas de samba, especialmente as da casa da tia Ciata. Com o fortalecimento das<br />

instituições carnavalescas, a cultura da cidade cresceu também em vibração e<br />

prestígio popular.<br />

A praça, ao lado de tantas atividades, constituía um centro de animado<br />

carnaval de rua, cantada em versos por poetas e compositores musicais. Em 9 de<br />

fevereiro de 1932 o Jornal do Brasil noticiava:<br />

A Praça Onze de Julho, tradicional pelos seus folguedos,<br />

tipicamente característicos, manteve ainda este ano galhardamente<br />

os seus foros de reduto inexpugnável da genuína festa da cidade.<br />

O que ali se viu anteontem e ontem, das primeiras horas da<br />

tarde às últimas da madrugada, vale como um atestado do quanto<br />

aquela gente se reúne, sabe se divertir.<br />

O que a Praça Onze de Julho mostrou ao carioca excedeu a<br />

qualquer previsão e foi ainda uma nota inédita, porque teve<br />

aspectos diferentes dos que se apreciam em outros pontos da<br />

cidade.<br />

21 A Praça Onze constituía uma área plural, onde conviviam harmonicamente árabes, judeus,<br />

italianos, portugueses, negros e mulatos.<br />

72


O Carnaval da Praça Onze é privativo da Cidade Nova e por<br />

isso tem atrativos e motivos exclusivamente seus. Um sucesso, um<br />

grande sucesso o carnaval da Praça Onze. (LIMA, 1992, p. 15)<br />

A abertura da avenida também trouxe consigo também o desaparecimento de<br />

exemplares importantíssimos do patrimônio histórico da cidade, como foi o caso da<br />

Igreja de São Pedro dos Clérigos, situada na Rua São Pedro, que depois se<br />

transformou em pista lat<strong>era</strong>l da Avenida Presidente Vargas.<br />

Construída em 1773, foi possivelmente a primeira igreja do continente<br />

americano com traçado curvilíneo. Segundo Lima (1992), um apelo por sua<br />

preservação foi enviado pelo SPHAN 22 , através de Rodrigo de Melo Franco, porém,<br />

a Prefeitura ignorou o pedido, alegando que o prédio não estava ligado “a nenhum<br />

acontecimento político ou social do país que lhe desse lustro histórico (...), nem sua<br />

construção <strong>era</strong> tão sólida quanto parecia à primeira vista, nem tão valiosa” (LIMA,<br />

1992, p. 42). O progresso sobrepunha-se ao patrimônio.<br />

FIGURA 19<br />

PRAÇA ONZE DE JUNHO (DÉCADA DE 1910)<br />

A praça situava-se, aproximadamente, onde hoje está a área circundada pelo monumento a Zumbi<br />

dos Palmares. Na parte superior, vemos a Escola São Sebastião, onde o D. Pedro II havia estudado.<br />

Com a proclamação da República, seu nome foi trocado para Benjamim Constant. Por trás dela<br />

iniciava-se o Canal do Mangue.<br />

Foto de A. Malta, extraída de http://receitadesamba.blogspot.com, em agosto de 2010.<br />

22 Órgão controlado por simpatizantes do modernismo, como vimos no capítulo anterior.<br />

73


FIGURA 20<br />

IGREJA DE SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS<br />

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em setembro de 2010.<br />

A grande intervenção urbanística projetada na gestão de Henrique Dodsworth<br />

promoveu a demolição de quarteirões inteiros da Praça Onze, alt<strong>era</strong>ndo<br />

substancialmente a paisagem local e empurrando seus moradores para outras<br />

localidades, como os morros próximos ao Centro ou os bairros do subúrbio, que<br />

cresciam às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil. Era o símbolo do<br />

progresso (a larga avenida) e do trabalho se sobrepondo ao símbolo da cultura<br />

popular espontânea, associada pelas autoridades à desordem ou à malandragem.<br />

O governo fed<strong>era</strong>l dessa forma realizava uma das mais profundas<br />

intervenções na capital, constituindo uma nova linguagem urbanística - de<br />

inspiração modernista –, racional, sem preocupações estéticas especiais, cuja<br />

monumentalidade buscava transmitir a imagem de um país que avançava em<br />

direção ao progresso.<br />

74


3.2) Os monumentos da ordem<br />

A Avenida Presidente Vargas, como já assinalamos, foi projetada como um<br />

monumento ao progresso, associada ao desenvolvimento econômico e industrial<br />

que o Brasil passava naquele período da Era Vargas, especialmente o Estado<br />

Novo.<br />

Idealizada como uma grande artéria, atravessaria uma região importante do<br />

centro do Rio de Janeiro, estabelecendo um entroncamento com outra grande<br />

artéria - a Avenida Rio Branco -, abrindo novas oportunidades de negócios e<br />

investimentos.<br />

Quem percorre a avenida até os dias de hoje (local de bancos e escritórios<br />

públicos e particulares no trecho entre o Campo de Santana e a Candelária)<br />

observa o ritmo apressado das pessoas atravessando rapidamente a avenida. A<br />

<strong>arquitetura</strong> não transmite ou estabelece um diálogo com os transeuntes, que,<br />

circulando sob os largos pilotis não têm como observar sequer a fachada dos<br />

prédios. A única preocupação é transpassá-la para chegar rapidamente ao trabalho.<br />

Observamos que não existe nesse trecho nenhum ponto que facilite a<br />

aglom<strong>era</strong>ção, vista pelas classes dominantes como um instrumento da desordem.<br />

Tomando como referência Monique Seyler, LIMA (1992) destaca que:<br />

Desde sua invenção,a avenida, reta e larga, é antes de mais<br />

nada um espaço que permite o desfile e a marcha triunfal das tropas<br />

(...). Delimitada por construções bastante parecidas entre si, numa<br />

ordem lógica, clara e ventilada. A avenida desemboca em um<br />

monumento... a <strong>arquitetura</strong> não prevê mais locais para a reunião<br />

das pessoas, porém perspectivas para serem contempladas. O<br />

cidadão, de ator que <strong>era</strong>, torna-se um passivo expectador da parada<br />

do poder: o do Estado e do Dinheiro; tanto um quanto o outro nos<br />

olhando alto do calçamento. (LIMA, 1992, p. 12)<br />

Porém, se nas edificações erguidas ao longo da avenida fica evidente a<br />

preocupação em garantir às pessoas o abrigo para um deslocamento rápido ao<br />

trabalho, por outro lado, foram criados na avenida alguns importantes símbolos<br />

<strong>arquitetura</strong>is do poder, utilizando a expressão de LIMA (1992, p. 56).<br />

São esses símbolos, situados exatamente em um dos poucos pontos<br />

possíveis de aglom<strong>era</strong>ção que foram erguidas edificações que, pela sua<br />

75


monumentalidade, transmitiam a quem passasse a mensagem da ordem, da<br />

disciplina e da hi<strong>era</strong>rquia. Foi o caso do Palácio Duque de Caxias e o novo prédio<br />

da Central do Brasil.<br />

Na fotografia abaixo, do final da década de 1920, podemos ter uma dimensão<br />

g<strong>era</strong>l da profunda intervenção no tecido urbano que passou a Praça da República<br />

durante o Estado Novo.<br />

FIGURA 21<br />

PRAÇA DA REPÚBLICA NO INÍCIO DA DÉCADA DE 1930<br />

Áreas afetadas pelas reformas:<br />

1. Área do Campo de Santana, removida para a abertura da Avenida Presidente Vargas.<br />

2. Praça Onze de Junho, à esquerda.<br />

3. Antigo prédio da Central do Brasil.<br />

4. Antigo Quartel-G<strong>era</strong>l, cuja ala principal, à esquerda, também será removida. No local, situa-se<br />

atualmente o Pantheon do Duque de Caxias.<br />

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010<br />

Ao contrário do que ocorreu no edifício do MES, o estilo escolhido para a<br />

construção dessas duas obras foi o Art Déco. 23<br />

1<br />

2<br />

Lançado oficialmente em 1925 na Exposição Internacional de Artes<br />

Decorativas e Industriais Modernas de Paris, o Art Déco foi um movimento que se<br />

23<br />

Uma boa descrição sobre a aplicação do estilo Art Déco no Brasil é encontrada em: CORREIA,<br />

Telma de Barros. Art déco e indústria: Brasil, décadas 1930 e 1940. São Paulo: Anais do Museu<br />

Paulista, v. 16, n. 4, p. 47, jul-dez 2008.<br />

76<br />

3<br />

4


manifestou na <strong>arquitetura</strong>, nas artes plásticas, no design gráfico, e no design<br />

industrial, ganhando força na década de 1930 na Europa e nas Américas.<br />

Os edifícios projetados pela <strong>arquitetura</strong> Art Déco utilizavam o concreto<br />

armado e possuíam fachadas com rigor geométrico e ritmo linear, com fortes<br />

elementos decorativos em granito e mármore. No interior, as esculturas, jóias e<br />

móveis também são geometrizados, com ornamentos em bronze, mármore, prata<br />

marfim e outros materiais nobres.<br />

Inúmeros projetos neste estilo foram aplicados a partir da década de 1930 no<br />

Brasil, como repartições públicas, cinemas, teatros e sedes de emissoras de rádio.<br />

Muitos desses edifícios existem até os dias de hoje e fazem parte da paisagem<br />

urbana de várias cidades brasileiras, como podemos observar nos exemplares<br />

abaixo:<br />

FIGURA 22<br />

EDIFICIO DO JORNAL “A NOITE” - Praça Mauá (RJ) – década de 1930 24<br />

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010<br />

24 Construído em fins dos anos 20, com a nova tecnologia do concreto armado, é<br />

consid<strong>era</strong>do o introdutor da <strong>arquitetura</strong> em estilo Art Decó no Brasil, além de ser o primeiro<br />

arranha céu da capital.<br />

77


FIGURA 23<br />

CINEMA ICARAÍ, em Niterói (RJ), na década de 1940, pouco após sua inauguração<br />

Extraído de http://blogandoarte.blogspot.com, em agosto de 2010<br />

FIGURAS 24 e 25<br />

TEATRO CARLOS GOMES – FACHADA E INTERIOR (HALL)<br />

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010<br />

78


a) O Palácio Duque de Caxias<br />

A construção do Palácio Duque de Caxias foi realizada entre 07/09/1937 e<br />

28/08/1941, e sua ocupação definitiva foi concluída em 1944. Portanto, a obra<br />

coincidia tanto com o período do Estado Novo como com as obras de abertura da<br />

Avenida Presidente Vargas.<br />

O projeto foi de Cristiano Stockler das Neves, arquiteto com escritório em São<br />

Paulo e com larga experiência com a construção de prédios em concreto armado,<br />

sendo autor do projeto do primeiro arranha-céu da capital paulista, o Edifício<br />

Sampaio Moreira, inaugurado em 1924. Designou-se uma comissão composta<br />

pelos engenheiros militares Major Raul de Albuquerque e Capitão Rubens<br />

Rousado Teixeira para executar a obra. Toda a estrutura de concreto foi calculada<br />

pela comissão. Portanto, a construção do edifício ficou todo o tempo<br />

supervisionada pelo Exército, que poderia providenciar as modificações ou<br />

adaptações que fossem consid<strong>era</strong>das necessárias.<br />

A construção do edifício foi feita na área afastada vinte metros do antigo<br />

quartel, este demolido após a conclusão das obras da nova sede, como podemos<br />

observar na figura 26. As alas, respectivamente voltadas para a Praça Cristiano<br />

Otonni e para o Palácio Itamaraty, foram, no entanto, conservadas sem alt<strong>era</strong>ção.<br />

Em termos de área construída, foi o maior edifício público administrativo de<br />

seu tempo, com 86 mil metros quadrados de área e 23 andares, destacando a<br />

monumentalidade do projeto. Seu imponente embasamento e pórtico de entrada<br />

foram executados em granito vermelho-escuro e preto. Com mármore oriundo do<br />

Paraná, Santa Catarina e Minas G<strong>era</strong>is, foram executados os pisos da ala<br />

principal. No saguão de entrada, que abrange dois andares, vê-se ao fundo um<br />

vitral de 13 metros de altura representando o “Duque de Caxias em Itororó”, de<br />

autoria de Alcebíades Miranda Júnior.<br />

79


FIGURA 26<br />

O PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS DURANTE A SUA CONSTRUÇÃO, COM O ANTIGO<br />

QUARTEL-GERAL AINDA À FRENTE<br />

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de www.ahex.ensino.eb.br, em agosto de 2010.<br />

FIGURA 27<br />

VISTA ATUAL DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS<br />

Extraído de http://img716.imageshack.us/img716/1452/conjunto.jpg, em agosto de 2010<br />

80


A obra transmite robustez e estabilidade, impondo a quem passa uma<br />

sensação de submissão e obediência diante do monumento. Ela atemoriza quem se<br />

aproxima, se apresentando como um espaço hermético, inacessível a quem não faz<br />

parte da instituição.<br />

O pavimento térreo, tal como um gigantesco rodapé, revestido em granito<br />

vermelho-escuro, aparenta uma barra de proteção, como se fosse uma área de<br />

transição entre os pavimentos superiores e os pedestres que circulam abaixo: o<br />

poder e o povo. Ao que tudo indica, o projeto também teve a preocupação de<br />

transmitir a disciplina do poder militar. LIMA (1992) observou que a simetria entre o<br />

corpo central, destacando as alas lat<strong>era</strong>is, parece associar à imagem de um gen<strong>era</strong>l<br />

à frente de suas divisões.<br />

Fonte: LIMA, 1992, p. 66.<br />

FIGURA 28<br />

CROQUI DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS<br />

Como afirma Robert Goodman:<br />

A essência da <strong>arquitetura</strong> hierárquica é reforçar visualmente<br />

as estruturas políticas, também hierárquicas. Quanto mais<br />

majestosos e monumentais forem os locais públicos oficiais, mais<br />

81


trivial parece ser o ambiente de vivência pessoal do cidadão. (LIMA,<br />

1992, p. 92)<br />

Podemos encontrar algumas semelhanças da edificação com algumas obras<br />

executadas ou projetadas pelo arquiteto Albert Speer 25 na Alemanha nazista.<br />

EDIFÍCIO DA CHANCELARIA DURANTE O<br />

III REICH<br />

Extraído de http://germanhistorydocs.ghi-dc.org,<br />

em setembro de 2010<br />

FIGURAS 29 e 30<br />

PROJETO PARA O MEMORIAL AOS<br />

SOLDADOS<br />

Extraído de http:// aen.com.sapo.pt/mundial/<br />

Berlim, em setembro de2010.<br />

O Memorial aos Soldados nunca saiu do papel, mas a nova chancelaria foi<br />

inaugurada em 1939, constituindo a sede do governo da Alemanha até sua<br />

destruição pelos ataques aliados em 1945. A <strong>arquitetura</strong> do edifício manifestava o<br />

estilo que Hitler e os seus seguidores pretendiam dar ao Reich, demonstrando a<br />

força a pujança e o poder do "Império Alemão".<br />

Outras edificações militares construídas durante o Estado Novo<br />

acompanharam o mesmo estilo e transmitiam a mesma mensagem. Foi o caso da<br />

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), localizada na Praia<br />

Vermelha (Rio de Janeiro) e inaugurada em 1940.<br />

25 Albert Speer (1905-1981) foi ministro do Armamento e arquiteto-chefe do Terceiro Reich, sendo<br />

responsável por alguns dos mais importantes projetos arquitetônicos do regime nazista.<br />

82


FIGURA 31<br />

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME)<br />

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de : www.ahex.ensino.eb.br, em setembro de 2010.<br />

Na fachada principal do Palácio Duque de Caxias, na altura do terceiro e<br />

quarto andares, foi aposta uma ornamentação em bronze com os temas “A Glória<br />

Militar” e “Apoteose à Bandeira”, de autoria do escultor Hildegardo Leão Veloso. A<br />

escolha dos artistas foi feita pelos mesmos membros da Comissão Construtora,<br />

lid<strong>era</strong>da pelo Professor Pedro Calmon, diretor da Faculdade Nacional de Direito da<br />

Universidade do Brasil entre 1938 e 1948.<br />

Um das áreas mais imponentes do Palácio Duque de Caxias é o salão nobre<br />

de recepções no 10º pavimento, onde sobressaem os diversos ornamentos e,<br />

principalmente, os painéis em forma de vitrais localizados no teto.<br />

A confecção desses painéis ficou a cargo do pintor acadêmico Armando<br />

Martins Viana, vencedor do concurso realizado para a obra. Nota-se nesses painéis<br />

a imagem de um nacionalismo nostálgico e heróico, com o estilo bem diferente<br />

daquele proposto pelos arquitetos modernos. Essa visão do passado pode ser<br />

demonstrada pelos próprios títulos dos vitrais: “A Batalha de Guararapes”, “A<br />

Defesa das Fronteiras”, “Batalha do Avaí”, “República” e “A Pátria Brasileira”.<br />

Curiosamente no painel “República” são retratados importantes personagens<br />

do movimento republicano, como Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamin<br />

Constant, e Quintino Bocaiúva, mas não há qualquer referência a Silva Jardim,<br />

possivelmente por representar a corrente mais radical e democrática do Partido<br />

Republicano.<br />

83


FIGURA 32<br />

SALÃO NOBRE DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS<br />

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de: www.ahex.ensino.eb.br, em agosto de 2010.<br />

FIGURA 33<br />

Painel “REPÚBLICA”<br />

Fonte: Acervo Histórico do Exército. Extraído de: www.ahex.ensino.eb.br, em setembro de 2010<br />

84


Portanto, dentro do espírito conservador e autoritário das forças armadas, foi<br />

adotado um estilo artístico e arquitetônico que impõe a quem passa a mensagem da<br />

ordem: obediência, hi<strong>era</strong>rquia e disciplina.<br />

b) O Novo Prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil<br />

O desenvolvimento econômico acel<strong>era</strong>do na década de 1930 foi<br />

acompanhado por uma série de investimentos estatais na infraestrutura do Brasil,<br />

incluindo os serviços de transportes.<br />

As ferrovias ainda se constituíam no principal meio de transporte de carga e<br />

passageiros do Brasil, embora o transporte rodoviário estivesse se multiplicando. A<br />

antiga estação da Estrada de Ferro Central do Brasil mostrava-se insuficiente para<br />

atender as necessidades de transporte, além de obsoleta diante de um serviço cuja<br />

eletrificação exigia altíssimos investimentos.<br />

O projeto original foi elaborado em 1936 por Roberto Magno de Carvalho,<br />

arquiteto formado pela ENBA em 1921 e funcionário de carreira da Estrada de Ferro<br />

Central do Brasil. Porém, no início das obras, verificou-se que ele precisava ser<br />

revisto e ampliado. Em primeiro lugar, porque se constatou que ele não se<br />

adequava ao terreno proposto. Em segundo lugar, o governo decidiu que o novo<br />

prédio deveria abrigar todos os setores da administração da ferrovia, que se<br />

achavam dispersos em imóveis alugados em várias partes da cidade. Novamente,<br />

aplicava-se a um órgão estatal o modelo centralizador que norteava a administração<br />

pública em g<strong>era</strong>l naquele período, visto como instrumento para promover maior<br />

racionalidade e eficiência da burocracia.<br />

As modificações no projeto foram feitas pelos arquitetos húngaros Adalberto<br />

Szillard e Geza Heller, contratados para substituir Roberto Magno de Carvalho que<br />

tinha falecido pouco antes do início efetivo dos trabalhos, em 1937.<br />

85


FIGURA 34<br />

PROJETO ORIGINAL DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO<br />

BRASIL APRESENTADO POR ROBERTO M. DE CARVALHO<br />

Fonte: LIMA, 1992, p. 89.<br />

Interessante observar que a ditadura do Estado Novo ainda não tinha sido<br />

instaurada quando foi lançada a pedra fundamental do prédio, em 28 de março de<br />

1936. Porém, as modificações no projeto original, executado já no período<br />

autoritário, demonstram não apenas a preocupação com a funcionalidade, mas<br />

também a maior atenção à monumentalidade, adequando-a aos interesses do<br />

governo. Não é por acaso que a mudança que ganhou mais destaque foi a torre e o<br />

relógio, que foram substancialmente ampliadas em comparação com o projeto<br />

original.<br />

Inaugurada em 29 de março de 1943, a estação é o único ponto de<br />

concentração popular ao longo da Avenida Presidente Vargas. Como as elites<br />

tradicionalmente associavam as aglom<strong>era</strong>ções à desordem, <strong>era</strong> necessário criar<br />

mecanismos de controle e disciplina.<br />

86


FIGURA 35<br />

CONSTRUÇÃO DO NOVO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL DO BRASIL,<br />

TENDO À FRENTE AINDA O ANTIGO PRÉDIO DA ESTAÇÃO<br />

Extraído de http://www.rioquepassou.com.br, em agosto de 2010.<br />

Assim, não é por acaso que em frente à estação estava o Palácio Duque de<br />

Caxias, sede do Ministério da Guerra, maior símbolo do poder militar. Importante<br />

destacar também que durante o Estado Novo, a Estrada de Ferro Central do Brasil,<br />

subordinada ao Ministério de Viação e Obras Públicas, também <strong>era</strong> dirigida por um<br />

militar, o Coronel João de Mendonça Lima.<br />

Por outro lado, o que mais se destaca no prédio da Central do Brasil é o<br />

gigantesco relógio situado no alto de uma torre de 135 metros de altura, como que<br />

estivesse disciplinando o horário da chegada dos trabalhadores aos seus<br />

escritórios, o que pode ser observado na emblemática figura 36, de 1963:<br />

87


FIGURA 36<br />

TRANSEUNTE DIANTE DA TORRE DO EDIFÍCIO DA ESTRADA DE FERRO CENTRAL<br />

DO BRASIL<br />

Extraído de http://img34.imageshack.us/img34/9914/centraldobrasil1963.jpg, em agosto de 2010.<br />

Como bem lembrou LIMA (1992, p. 92), “a torre, desde as épocas mais<br />

remotas sempre representou um signo de poder mítico, em que a verticalidade faz<br />

crer que a matéria atinge espíritos superiores, toca o firmamento”. No caso da torre<br />

da Central do Brasil, ela representa um poder concreto e disciplinador sobre os<br />

trabalhadores, que ao desembarcarem na estação, se deparavam com duas<br />

“sentinelas do poder” impondo a eles a disciplina e a obediência ao trabalho<br />

(relógio) e à autoridade (Estado).<br />

88


CONCLUSÃO<br />

A própria cidade é a memória coletiva dos povos; e como a<br />

memória está ligada a fatos e a lugares, a cidade é o ‘locus’ da<br />

memória coletiva. Essa relação entre o ‘locus’ e os citadinos tornase,<br />

pois, a imagem predominante, a <strong>arquitetura</strong>, a paisagem; e,<br />

como os fatos fazem parte da memória, novos fatos crescem juntos<br />

na cidade. (ROSSI, 1995, p. 198)<br />

Realizar uma pesquisa cujo objeto é a relação entre a Era Vargas e a<br />

<strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> foi uma tarefa árdua, por serem assuntos permanentemente<br />

envolvidos em debates e discussões no meio acadêmico. Ao finalizar, quero<br />

esclarecer que não tive a pretensão de esgotar o tema, mas apresentar uma<br />

contribuição, ainda que modesta, ao debate.<br />

Demonstrei que Getúlio Vargas, ao chegar ao poder, em 1930, buscou<br />

progressivamente implantar um novo modelo de desenvolvimento econômico ao<br />

Brasil. Fazia parte dessas mudanças uma ampla reforma na administração pública,<br />

capacitando a burocracia para o novo papel que o Estado desempenharia como<br />

principal agente indutor do desenvolvimento.<br />

A centralização política e administrativa chegou ao ápice com a decretação<br />

do Estado Novo em 1937. Essa articulação entre centralização político-<br />

administrativa e intervenção estatal na economia como instrumento que alavancaria<br />

o desenvolvimento econômico <strong>era</strong> uma crença que Getúlio Vargas alimentava<br />

desde a juventude, quando sua formação intelectual foi decisivamente influenciada<br />

pelo positivismo.<br />

O crescimento do aparelho estatal com a criação ou ampliação de ministérios<br />

e órgãos públicos gerou a necessidade de construir edifícios que abrigassem uma<br />

burocracia que não parava de crescer. Essas mudanças permitiram que fosse<br />

aberto uma espécie de mercado de obras públicas, oferecendo oportunidades aos<br />

profissionais da <strong>arquitetura</strong>, carreira que testemunhou um crescimento notável na<br />

década de 1930.<br />

Ao mesmo tempo, toda essa produção arquitetônica teve que obedecer aos<br />

interesses do governo que pretendia que os novos prédios fossem, ao mesmo<br />

89


tempo, funcionais e monumentais, transmitindo mensagens de confiança e<br />

otimismo, mas também de obediência ao Estado.<br />

Esse programa de obras públicas proporcionou uma disputa entre as<br />

principais “escolas” de <strong>arquitetura</strong> daquele tempo: de um lado, os acadêmicos e os<br />

neocoloniais; de outro, os modernos.<br />

Observamos como os modernos aproveitaram melhor as oportunidades,<br />

iniciando uma trajetória onde progressivamente foram conquistando a hegemonia no<br />

campo da <strong>arquitetura</strong>. Entre as razões dessa conquista estão a sua melhor<br />

fundamentação técnica e intelectual, o apoio que tiv<strong>era</strong>m do Ministro Gustavo<br />

Capanema e o controle do SPHAN.<br />

Por outro lado, mesmo com a influência crescente dos modernos,<br />

constatamos que a postura do governo Vargas com relação às escolas<br />

arquitetônicas, não teve uma orientação monolítica, variando principalmente entre a<br />

<strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> e o Art-Déco, sem excluir outros estilos que, embora em menor<br />

grau, também estivessem presentes, como o neoclássico, utilizados nos Ministérios<br />

do Trabalho e da Fazenda.<br />

Essa ambiguidade não constitui, como pode parecer a princípio, uma<br />

contradição. Na verdade, essa atitude do governo Vargas, especialmente durante o<br />

Estado Novo, demonstra o quanto a influência positivista ainda estava presente no<br />

pensamento do presidente. O Estado patrocinava as obras, mas definia de forma<br />

autoritária o estilo que seria utilizado: a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> apresentava-se mais<br />

adequada aos monumentos que representariam o PROGRESSO, enquanto os<br />

outros estilos, especialmente o Art-Déco, mostravam-se mais adequados à<br />

mensagem da ORDEM.<br />

A contradição ficou por conta dos modernos, na medida em que propunham<br />

com sua <strong>arquitetura</strong> contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e<br />

democrática. Porém, seus grandes projetos, ao serem encomendas estatais,<br />

acabaram por fortalecerem um regime autoritário, do qual se beneficiaram.<br />

Importante aqui lembrar o episódio do MES, quando o Ministro Capanema, com<br />

autorização de Getúlio Vargas, decidiu não executar o projeto vencedor do<br />

concurso organizado para aquele fim. Provavelmente, se o Brasil não estivesse<br />

90


vivendo um regime de exceção, tal atitude g<strong>era</strong>ria muito mais contestações e<br />

polêmicas do que aquelas que ocorr<strong>era</strong>m na época.<br />

Podemos concluir afirmando que a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong> na Era Vargas ficou<br />

em um ponto intermediário entre a utopia e a realidade. Por um lado, inovaram<br />

criando uma nova linguagem na <strong>arquitetura</strong> marcada pela funcionalidade, leveza e<br />

despojamento. Por outro, a contribuição de sua <strong>arquitetura</strong> como instrumento da<br />

democracia e justiça social foi muito limitada.<br />

Nos anos que se seguiram ao fim do Estado Novo, a <strong>arquitetura</strong> <strong>moderna</strong><br />

afirmou-se cada vez mais ao ponto de ser consid<strong>era</strong>da por muitos o gênero nacional<br />

por excelência, estando à frente de grandes projetos estatais, seja para sede de<br />

órgãos públicos ou de moradias populares. Porém, as contradições entre a utopia e<br />

a realidade continuaram acompanhando seus projetos.<br />

Affonso Eduardo Reidy, ao projetar o Conjunto Residencial do Pedregulho,<br />

destinado aos funcionários de baixa renda da Prefeitura do Distrito Fed<strong>era</strong>l,<br />

acreditava na ação reformadora da <strong>arquitetura</strong>, que desempenharia forte papel na<br />

mudança social. O projeto constituiu em uma das primeiras tentativas de construir<br />

conjuntos habitacionais no país deixando clara a opção de oferecer uma maior<br />

dignidade à classe trabalhadora, compreendendo blocos de habitação, mercado,<br />

posto de saúde, creche, escola, ginásio, piscina, campos de jogos e lavanderia<br />

mecânica. Porém, a realidade ficou bem distante daquilo que projetou. A obra,<br />

iniciada em 1946, demorou quinze anos para ser concluída. Além disso,<br />

A demora na construção de unidades residenciais, embora<br />

estrategicamente correta, ocasionou um problema. As pessoas<br />

originalmente recenseadas raramente se beneficiaram dos<br />

apartamentos e, em muitos casos, sua situação familiar e<br />

necessidades modificaram consid<strong>era</strong>velmente com o correr dos<br />

tempos. Por outro lado, freqüentemente a mudança para o<br />

Pedregulho correspondia a uma ascensão que não <strong>era</strong><br />

acompanhada por melhoria efetiva de vida, como emprego melhor,<br />

remun<strong>era</strong>ção condizente etc. Dessa forma, os moradores se viram<br />

diante de espaço que exigia um aumento de repertório econômicosocial<br />

que não havia ocorrido. Passaram a habitar, como<br />

"estrangeiros", organizações espaciais que pressupunham hábitos<br />

e modos de vida totalmente distintos dos seus. Algumas vezes, tal<br />

fato gerou inadaptações e mau uso de equipamentos.<br />

(CAVALCANTI, 1999, p. 138)<br />

91


Brasília está completando 50 anos em 2010. Inaugurada em 1960,<br />

certamente se constitui no maior símbolo da <strong>arquitetura</strong> modernista no Brasil. No<br />

plano de Lucio Costa, as ruas foram eliminadas da nova capital, substituídas por<br />

pistas, vias, passeios, eixos etc., acreditando que dessa forma eliminar-se-ia o caos<br />

das cidades tradicionais. O setor residencial buscava criar novas formas de<br />

convivência, rejeitando as divisões por classes dos bairros das cidades<br />

convencionais. Os apartamentos, de propriedade pública, deveriam ser distribuídos<br />

por moradores de diferentes origens sociais.<br />

No entanto, mais uma vez a realidade suplantou a utopia. Os espaços da<br />

capital democrática acabaram proporcionando aquilo que Lauro Cavalcanti<br />

denominou de positivismo espacial, onde o convívio é basicamente entre iguais: as<br />

elites nos clubes à beira dos lagos e os mais pobres nas proximidades da rodoviária<br />

ou nas cidades-satélites. Ironicamente, um dos poucos espaços de convívio<br />

relativamente “democrático” são os shopping-centers, que crescem no trecho<br />

intermediário entre o plano-piloto e as cidades-satélites.<br />

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