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REEG02 - Deyse Cristina Brito Fabrício e Antonio Carlos Vitte

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PAUL VIDAL DE LA BLACHE E A CONSTRUÇÃO DA GEOGRAFIA HUMANA:<br />

TENSÕES E RELAÇÕES ENTRE O HISTORICISMO NEOKANTIANO E O<br />

EVOLUCIONISMO POSITIVISTA 1<br />

INTRODUÇÃO<br />

<strong>Deyse</strong> <strong>Cristina</strong> <strong>Brito</strong> <strong>Fabrício</strong><br />

e-mail: deyse_nytzah@hotmail.com<br />

Graduanda em Geografia - Instituto de Geociências<br />

Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP<br />

Bolsista: PIBIC/ CNPq.<br />

Orientador: Prof. Dr. <strong>Antonio</strong> <strong>Carlos</strong> <strong>Vitte</strong><br />

Departamento de Geografia - Instituto de Geociências<br />

Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP<br />

Pesquisador: CNPq<br />

O objetivo do presente trabalho é realizar um estudo sobre a construção da geografia<br />

humana em Paul Vidal de La Blache (1845-1918) a partir de sua obra “Princípios de<br />

Geografia Humana”, publicada em 1917, post-mortem, por Emannuel de Martonne.<br />

A premissa que guia a construção deste trabalho fundamenta-se no fato de que a<br />

construção da geografia humana francesa, em La Blache, viveu uma constante tensão entre<br />

o historicismo neokantiano e o evolucionismo positivista, marcando fortemente a cognição<br />

sobre a espacialização das sociedades (GOMES, 1996, p.192-194).<br />

O criticismo neokantiano afirmou o fatalismo histórico marcado pelo dualismo,<br />

exercendo forte influência no filósofo Henri Bérgson, que buscou desenvolver uma filosofia e<br />

uma metodologia científica fugindo do rigor positivista (GOMES, 1996, p. 193).<br />

Por outro lado, enquanto país colonial a França visava uma justificação ideológica<br />

para o seu projeto de expansão pela África e sudoeste asiático. Para isso, realizou uma<br />

leitura menos radical do darwinismo social, diferente dos trabalhos da Escola Alemã (VITTE,<br />

2009).<br />

É no complexo intercruzamento entre essas correntes filosóficas, metodológicas e no<br />

contexto da luta imperial que se configura a Escola Francesa de Geografia e a contribuição<br />

central de Paul Vidal de La Blache para o estabelecimento da chamada “geografia humana”.<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

A Escola Geográfica Francesa ganhou notabilidade entre o final do século XIX e o<br />

início do século XX. No contexto da época havia uma crise no pensamento geográfico que<br />

abalava seus pressupostos científicos, pois o método positivista, que vinha norteando<br />

1 Este trabalho insere-se no eixo temático “Epistemologia”.


fortemente os primeiros trabalhos da disciplina institucionalizada, acabou entrando em<br />

declínio. É necessário entender então, primeiramente, algumas características do<br />

positivismo e sua articulação com a geografia.<br />

Segundo Capel (1981, p.268-273) o positivismo é uma metodologia científica e<br />

também uma concepção filosófica que difundiu-se primeiramente na Europa, em meados do<br />

século XIX. As ciências naturais foram tomadas como modelo, com as ideias de<br />

neutralidade e infalibilidade científica, pela crença no progresso. Atreladas a essa linha de<br />

pensamento, a biologia evolutiva darwinista e lamarckista colocava uma nova metodologia,<br />

focando o conceito de “organismo” e a importância do meio natural. Nesse sentido, a teoria<br />

da seleção natural, concebida por Charles Darwin (1809-1882) modificou o pensamento<br />

científico no século XIX. Acreditava-se que o meio selecionava os indivíduos mais aptos de<br />

uma espécie. Junto a essa teoria, a negação da teologia instaurava uma nova confiança<br />

para o desenrolar da ciência. O caminho para o conhecimento seguiria uma lógica a partir<br />

da experimentação empírica, que se aplicaria ao estudo das ciências naturais e também às<br />

ciências humanas, ambas vistas como uma unidade. Assim, a sociedade seguiria, também,<br />

leis naturais, numa concepção tomada de forma conservadora por muitos positivistas.<br />

A corrente positivista e o evolucionismo acabaram influenciando a busca de um<br />

método para as ciências humanas e à geografia, em particular, sendo muito presentes na<br />

geografia alemã da época.<br />

Um dos primeiros geógrafos a incorporar os pressupostos do positivismo<br />

evolucionista foi Friedrich Ratzel (1844-1804) colocando a influência dos fatores naturais<br />

como cruciais para explicar os povos. Não podemos dissociar sua teoria do contexto<br />

político. Inserido na disputa territorial por colônias, o teórico procura legitimar o imperialismo<br />

alemão. Para isso afirma que o homem, sua história e cultura seriam frutos do meio e das<br />

imposições deste aos seus habitantes. O objeto geográfico seria, então, o estudo da<br />

influência das condições naturais na sociedade, atuando na fisiologia, no caráter dos<br />

indivíduos e na condição social.<br />

A partir disso, Friedrich Ratzel enfatiza as condições naturais, criando a teoria do<br />

“Espaço Vital”. É o território quem viabilizaria a existência da nação e seu progresso (Capel,<br />

1981, p.290-291). A disputa entre povos (espécies) era apropriada para a evolução. Os mais<br />

adaptados venceriam essa luta e sobreviveriam. Os europeus seriam os mais adaptados e<br />

poderiam dominar os outros povos.<br />

Dessa forma, apesar de não negar os elementos humanos e a história, a visão<br />

naturalista de Friedrich Ratzel propõe uma metodologia parecida com as demais ciências<br />

naturais. Todas as leis que regem aqueles fenômenos também regeriam os fenômenos<br />

humanos, seguindo os pressupostos positivistas.<br />

Em prosseguimento, no final do século XIX a corrente positivista, com suas bases<br />

epistemológicas, acabou entrando em declínio e os cientistas iniciaram uma busca pela


especificidade das ciências humanas. Com influências neokantianas, separava-se natureza<br />

e história em dois ramos numa reação que seria chamada de “historicismo”.<br />

A corrente historicista teve sua origem na Alemanha entre o final do século XVIII e<br />

início do século XIX, apresentando inicialmente um caráter reacionário, legitimador. Afirma a<br />

historicidade de todos os fenômenos sociais, considerados distintos dos fatos naturais.<br />

Também afirma a historicidade do próprio cientista, que possui uma visão de mundo<br />

interferindo em seus trabalhos, contrariamente ao que afirmava a neutralidade positivista<br />

(LÖWY, 1985, p. 69-70).<br />

A citada tendência à separação entre as ciências físicas e humanas traz um ponto de<br />

crise para a unidade da ciência geográfica. Nesse contexto a Escola Geográfica Francesa<br />

vai ganhando destaque, principalmente pelos trabalhos de Paul Vidal de La Blache. A<br />

concepção vidaliana inseria um aspecto historicista à ciência geográfica, numa tentativa de<br />

garantir-lhe um método. Criticava o positivismo evolucionista e os pontos de vista de<br />

Friedrich Ratzel, afirmando que estes tinham claramente um interesse político embora<br />

buscassem a neutralidade.<br />

Engendra-se, então, a chamada Geografia Regional Francesa, colocando o conceito<br />

de região como foco de unidade. Estabelecer diferenças entre regiões e delimitá-las a partir<br />

de critérios muito específicos, com peso dos fatores naturais, seria a essência da geografia,<br />

acreditando-se que dessa forma integravam-se fatores físicos e humanos.<br />

Embora essa ideia seja ilusória, pois havia mais uma justaposição de fatores físicos<br />

e humanos do que uma integração, a parte histórica e cultural passou a ter maior<br />

consideração, mesmo que permanecesse atrelada aos fatores físicos (ANDRADE, 1987,<br />

p.64).<br />

É importante notar que a carga naturalista e positivista se mantinha, apesar de serem<br />

inseridos os fatores históricos. A Escola Francesa, embora contestando alguns<br />

pressupostos positivistas, herdaria muitos conceitos evolucionistas, vigentes no pensamento<br />

científico da época.<br />

Como exemplo, citamos o conceito biológico de “função” (Capel, 1981, p.275)<br />

apropriado por Paul Vidal de La Blache para explicar a dinâmica das regiões, que se<br />

constituiriam como organismos vivos, fazendo parte de um conjunto mais amplo: a nação.<br />

Assim, as críticas vidalianas à postura marcadamente política de Friedrich Ratzel<br />

acabam “mascarando” o profundo caráter ideológico de suas próprias declarações, como<br />

confirma Lacoste (1997, p.57). Cada país seria considerado uma unidade, com suas várias<br />

regiões. Concebendo um historicismo conservador, as fronteiras seriam algo “dado”,<br />

demarcadas principalmente por meios naturais, sendo pertencentes à nação desde tempos<br />

imemoriais.<br />

Nessa ideia, engendra-se o conceito de gênero de vida. Acrescentando os elementos<br />

humanos, Paul Vidal de La Blache acreditava que as regiões constituiriam uma unidade, um


organismo compondo o meio físico que daria o “suporte” para os homens e os grupos<br />

desenvolverem, ao longo da história, um gênero de vida.<br />

O entendimento das regiões seria fundamental para a compreensão de cada gênero<br />

de vida, pois o meio ofereceria os obstáculos e as possibilidades para o homem exercer sua<br />

atividade, criar técnicas ou extrair produtos, daí a expressão “possibilismo”, difundida por<br />

Lucien Febvre (ANDRADE, 1987, p.70).<br />

O homem estaria inserido nessa complexa rede de relações, sendo ora passivo, ora<br />

ativo, pois quando se depara com as possibilidades do meio, tem inteligência para aumentar<br />

os recursos e utilizá-los de forma satisfatória.<br />

Prosseguindo a análise, o conceito de modo de vida está inserido num contexto que<br />

não perpassa a neutralidade. As disputas históricas entre potências européias inserem as<br />

monografias regionais vidalianas numa feição de legitimação do imperialismo francês e do<br />

sistema burguês estabelecido.<br />

Nessa concepção, a obra fundamental de Paul Vidal de La Blache, “Princípios de<br />

Geografia humana”, reporta aos povos ditos primitivos, sua dependência em relação ao<br />

meio e quais os fatores que colocaram a superação dos obstáculos que a natureza oferecia.<br />

O autor diz que a tendência foi a aglomeração de núcleos humanos ao longo do<br />

curso de rios, constituindo áreas mais propensas à vida. A partir disso, ocorreu uma<br />

separação por obstáculos, como montanhas. Nesse isolamento, em sua relação com o meio<br />

o homem teria engendrado seu modo de vida, levando à criação de técnicas capazes de<br />

transformar o ambiente (LA BLACHE, 1954, p.40).<br />

Analisados a partir de ideias darwinistas, os isolamentos levaram à formação de<br />

“raças”. Em alguns casos, a população ficaria estagnada em seus hábitos, assemelhando-se<br />

às sociedades animais, por serem presas, historicamente, à mesma forma de interação com<br />

o meio (LA BLACHE, 1954, p. 80-84).<br />

Concluindo a obra, então, o autor diz que o meio europeu teria sido muito mais<br />

exigente, por isso a população que lá vive fez um povoamento original, concentrado a<br />

principal massa da humanidade, capaz de uma “evolução” mais complexa. Os povos teriam<br />

uma tendência inerente ao aperfeiçoamento. Há culturas pontuais e outras capazes de<br />

transmitir seus progressos. A Europa ocidental teria apresentado, num movimento histórico,<br />

um desenvolvimento quase contínuo, o que não ocorrera com as civilizações da África e da<br />

Ásia, habitantes das zonas de deserto e de estepes. Por isso, os europeus deveriam alastrar<br />

seu “progresso” e “evolução” para outros gêneros de vida (LA BLACHE, 1954, p.277-278).<br />

CONCLUSÃO<br />

Paul Vidal de La Blache estruturou a Escola Francesa de Geografia a partir do livro<br />

“Princípios de Geografia Humana”. Suas ideias e reflexões resultaram de um complexo


processo de intercruzamento entre o neokantismo historicista e os postulados do positivismo<br />

evolucionista.<br />

O processo de articulação dessas correntes de pensamento na geografia regional<br />

lablachiana é permeado por um caráter conservador e legitimador do imperialismo e da<br />

ordem burguesa estabelecida na França.<br />

Assim, entender a concepção das monografias regionais e o conceito de gênero de<br />

vida torna-se algo complexo, que não pode desatrelar-se de seu contexto histórico e<br />

filosófico. Nessa articulação, pode-se chegar a um maior entendimento do saber científico<br />

na passagem do século XIX ao XX e de suas repercussões para as diretrizes do<br />

pensamento geográfico.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia, ciência da sociedade: uma introdução a<br />

analise do pensamento geográfico. São Paulo: Atlas, 1987.<br />

BLACHE, Vidal de la. Princípios de geografia humana. 2.ed. Lisboa: Cosmos,1954.<br />

CAPEL, Horacio Sáez. Filosofia y ciência en la geografia contemporânea: una<br />

introduccion a la geografia. 3. ed. Barcelona: Barcanova, 1988, c1981.<br />

GOMES, Paulo C. da C. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.<br />

GOMEZ, Josefina Mendoza; MUNOZ, Julio Jimenez (co-aut.); ORTEGA, Nicolas (co-aut.).<br />

El pensamiento geográfico: estudio interpretativo y antologia de textos: (de Humboldt<br />

a las tendências radicales. 2. ed. corr. y aum. Madrid: Alianza, c1994.<br />

LACOSTE, Yves. A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 4. ed.<br />

Campinas, SP: Papirus, 1997.<br />

LOWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. 2.<br />

ed. São Paulo: Cortez, 1985.<br />

VITTE, <strong>Antonio</strong> <strong>Carlos</strong>. Pierre Gourou e a geografia tropical francesa. In: II Encontro<br />

Nacional de História do Pensamento Geográfico, 2009, São Paulo. Anais do II Encontro<br />

Nacional de História do Pensamento Geográfico. São Paulo, 2009. p. 1-15.

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