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4 | RANKING | PÚBLICO, SÁB 13 OUT 2012 Como se sabe se uma escola está acima ou abaixo do que é esperado dela Análise Conceição Portela e Joaquim Azevedo A existência de dados de contexto das escolas (ainda que aproximados) permite este ano, pela primeira vez, uma análise dos rankings em perspectiva. Isto é, podemos perceber em que medida os maus resultados (ou bons resultados) de uma escola podem ser parcialmente explicados pelo contexto em que esta se insere. Claramente um contexto desfavorável não é, por si só, ‘desculpa’ para maus resultados, da mesma forma que um contexto favorável não é necessariamente garantia de bons resultados. Assim, é importante conhecer em que medida outras escolas em contextos semelhantes obtêm resultados também semelhantes. Para fazer esta comparação entre os resultados de uma dada escola e os resultados de escolas similares (i.e. no mesmo contexto) existem várias metodologias, sendo que as mais comuns se centram na comparação com valores médios do contexto. Assim, o cálculo de uma média dos resultados obtidos pelas escolas de cada contexto permite-nos perceber se uma escola com maus resultados e num mau contexto, afi nal está acima ou abaixo do esperado (i.e. da média) para esse contexto. O procedimento seguido para ‘contextualizar’ as escolas começou pela selecção de um conjunto de variáveis que nos permitissem perceber em que medida as escolas estão localizadas em agrupamentos cujo contexto é favorável ou desfavorável. Defi nidas essas variáveis e subsequentemente o contexto, foi possível calcular o valor esperado das classifi cações para escolas no mesmo contexto. A este valor chamamos Valor Esperado do Contexto (VEC), que signifi ca a média de resultados de escolas em contextos similares. Claramente podemos ter um VEC para cada disciplina ou para um conjunto de disciplinas. O VEC para uma dada disciplina é simplesmente o valor médio verifi cado para escolas no mesmo contexto a essa disciplina. Nos quadros presentes nesta página mostramos os VEC para cada disciplina no 12º e no 9º anos, onde representamos também as médias para o conjunto de escolas sem contexto atribuído, o número de exames total realizado a cada disciplina, bem como a percentagem de escolas em cada contexto (e a nível nacional) que realizou exames a cada disciplina (% escolas) no 12º ano (no 9º ano esta percentagem é 100% já que todas as escolas realizam exames de português e matemática). É interessante notar que as escolas sem contexto atribuído (s/c) apresentam classifi cações médias superiores às do contexto mais favorável a todas as disciplinas. De notar também que as escolas públicas no contexto 4 são as que realizam consideravelmente um maior número de exames a todas as disciplinas e apresentam uma percentagem bastante elevada de escolas que realizam cada exame. Já no contexto 1 apenas 13.58% de escolas realizaram exame de geometria e apenas 14.81% realizaram exame de Economia. Tal facto denota perfi s diferentes de exames realizados por escolas em diferentes contextos. Também no caso do 9º ano as escolas no contexto 4 tendem a realizar mais exames que as escolas nos restantes contextos. Como podemos ver, em ambas as tabelas reproduzidas nesta página, à medida que o contexto das escolas aumenta (i.e. é mais favorável) também os resultados esperados a cada disciplina aumentam. Tal facto deve-se à infl uência do contexto nos resultados. Quando calculamos o VEC para um conjunto de disciplinas aplicamos o mesmo raciocínio (de comparação com a média do contexto), mas é necessário fazer um ajustamento para o número de exames realizados pela escola. Consideremos um pequeno exemplo de uma escola situada num contexto desfavorável (contexto 1), fazendo apenas dois exames do secundário (português e matemática). Se a escola tiver feito 10 exames de português e 90 de matemática e obtido classifi cações médias de 8,9 e 9,8, respectivamente, terá uma média ponderada às duas disciplinas de 9,71. Para calcular o valor esperado do contexto para o conjunto das duas disciplinas podemos fazer uma média entre 9,68 e 9,09 Valor esperado do contexto a cada disciplina Ensino secundário Nº de escolas Matemática Português Biologia Física e Química Geografia História Economia Geometria 8 exames 9.º ano do ensino básico Português Matemática 2 exames % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado % escolas Nº exames Valor esperado Nº exames Valor esperado Nº de escolas Nº exames Valor esperado Nº exames Valor esperado Nº exames Valor esperado Fonte: Universidade Católica do Porto a partir dos dados do Ministério da Educação e da Ciência (o VEC individual a cada uma destas disciplinas para escolas no contexto 1), mas esta terá que ser ponderada pelo número de exames feito a cada disciplina. Como a escola em causa fez 9 vezes mais exames a matemática que a português a média ponderada é dada por: (9,68x10 + 9,09 x 90) / 100 = 9,149. Isto é, para o contexto 1, uma escola com a proporção de exames de 10% a português e 90% a matemática tem um valor esperado de 9,149. Como a média da escola a estas disciplinas foi de 9,71 a escola apresenta classifi cações acima do esperado para o contexto a que pertence. De notar que o VEC e a média de referência proposta pelo Ministério da Educação são em tudo semelhantes, com a excepção de que a média de 1 2 3 4 sem contexto Nacional 81 105 117 155 150 608 98 97 100 100 98 99 2243 4463 5641 12.636 6129 31.112 9,09 9,83 9,87 10,74 11,44 10,47 99 98 100 100 97 99 3598 6923 9234 21.615 8697 50.067 9,68 10,23 10,19 10,46 11,06 10,43 98 99 100 100 96 99 2489 4547 5367 11.035 5410 28.848 8,75 9,32 9,46 10,04 10,71 9,83 99 99 100 100 96 99 2376 4557 5407 11.572 5767 29.679 6,87 7,48 7,60 8,35 9,05 8,10 77 74 89 99 72 83 1051 2141 2948 6118 2090 14.348 9,72 10,14 10,37 11,00 11,14 10,67 77 67 83 94 66 78 952 1580 2141 4323 1484 10.480 10,76 11,30 11,51 12,29 12,54 11,88 15 25 35 72 48 43 136 378 573 2503 880 4470 10,11 11,28 11,33 11,77 12,42 11,75 14 37 56 83 52 53 125 540 1016 3162 1004 5847 8,29 8,99 9,45 10,93 12,50 10,71 12.970 25.129 32.327 72.964 31.461 17.4851 8,96 9,54 9,68 10,33 10,86 10,09 1 2 3 4 sem contexto Nacional 278 274 269 234 265 1320 16.372 18.126 18.618 22.268 16.664 92.048 2,68 2,76 2,77 2,92 2,94 2,82 16.529 18.307 18.861 22.417 16.733 92.847 2,65 2,73 2,78 3,04 3,12 2,87 32.901 36.433 37.479 44.685 33.397 184.895 2,66 2,74 2,78 2,98 3,03 2,85 referência proposta tem por base a média nacional e não as médias do contexto. Na presença de dados de contexto, comparações com a média nacional são redundantes pois escolas em contextos desfavoráveis estarão tipicamente abaixo da média nacional e escolas em contextos favoráveis estarão tipicamente acima da média nacional. O que se impõe são comparações justas entre escolas onde se compare aquilo que é comparável. Por fi m uma nota referindo que outras metodologias poderiam ter sido utilizadas para permitir uma leitura dos rankings em perspectiva. Como referido em cima o uso da média é uma das formas mais utilizadas para efectuar comparações entre escolas, mas não é necessariamente a melhor. Comparações com a mediana, a utilização de percentis de contexto, comparações com o máximo resultado obtido em cada contexto, ou a utilização de outro tipo de metodologias que vão além da simples comparação entre valores obtidos e valores ‘ideais’ são algumas possibilidades. O critério seguido este ano foi o de apresentar resultados seguindo uma abordagem simples e de fácil interpretação. O primeiro passo está dado, e a partir daqui é com certeza possível melhorar a metodologia existente, ou introduzir novas metodologias na elaboração de rankings contextualizados. Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto
Da cedência à decência Análise Joaquim Azevedo A transparência, nas pessoas como nas instituições, é uma virtude performativa. Ou se pratica ou de nada vale apregoála. Isto vem a propósito do MEC, que nos leva anualmente mais de 8 mil milhões de euros, dos nossos impostos, e com muita difi culdade nos traz informação sobre como são aplicados e com que resultados. Quando o faz, como aconteceu com a divulgação dos resultados dos exames nacionais do 12º ano, é porque cede, fortemente pressionado pelos media. É por cedência que o faz, não é por decência e isso faz toda a diferença. E como é por cedência, os poucos dados que o MEC “fornece” aos media, a medo, têm sido mal geridos. Primeiro, durante onze anos, apenas cedeu os resultados dos exames nacionais do 12º ano, sem qualquer elemento de contextualização destes resultados e das escolas que os “produzem”. Este procedimento, aparentemente neutro, tem sido muito prejudicial para as escolas públicas portuguesas: tem acentuado a selectividade escolar a qualquer preço. Visitei escolas que não aceitavam certos alunos que pretendiam nelas matricularse apenas porque eram oriundos de “certos meios” e porque eram portadores de “más classifi cações”, sendo encaminhados para outras escolas “menos prestigiadas”, apenas porque as primeiras queriam continuar bem posicionadas nos rankings; conheço escolas que por terem muitos alunos nos cursos profi ssionais, apesar de fazerem um trabalho de muita qualidade, acabam por fi car sempre pior consideradas nos rankings; falo com directores de escolas que querem “atirar a toalha ao chão” porque as suas escolas estão situadas em contextos sociais muito desfavorecidos e que, apesar de fazerem um trabalho notável de “acrescentar valor” aos seus alunos, vêem a sua escola sempre prejudicada na montra social dos rankings. Em termos gerais, está à vista de todos, esta prática do MEC favorece o facilitismo, o empurrar dos problemas para a frente sem nunca os resolver, e incentiva a selectividade baseada na exclusão socioeconómica. O problema não surge porque surgiram os rankings! Mais uma vez, o problema não é do mensageiro, é da mensagem que ele transporta. E o responsável pela mensagem tem um nome: a direcção político-administrativa do Ministério da Educação. Esta foi muitas vezes publicamente alertada para a perversidade do seu procedimento, mas não agiu. Preferiu sempre fazer o discurso da difi culdade da produção de estatísticas fi áveis. Doze anos e sete diferentes ministros da educação e sempre o mesmo discurso, não é aceitável! É grave que assim se tenha procedido e causado tantos danos à qualidade do ensino público! Mas o que é ainda mais grave é que se criou um lastro escorregadio e muito perigoso de facilitação e até incentivo à proliferação de uma agenda que está a fazer da escola pública uma escola selectiva, com base nas diferentes culturas e nas possibilidades socioeconómicas das famílias. Felizmente, em 2012, o MEC vem dar mais um passo na cedência de dados sobre as escolas e os seus contextos. O primeiro gesto público deve ser de louvor. Apesar dos limites evidentes destes novos dados, já se pode promover uma análise bem mais fi el quer dos resultados dos exames e quer dos rankings que os media promovem. Já se pode respirar um pouco mais profundamente em muitas escolas. Já muitos directores e suas equipas de docentes podem ver publicamente reconhecido o seu trabalho e alguns dos seus resultados. O retrato já se aproxima do que retrata. E isso é muito bom e vai fazer muito bem a políticas escolares mais exigentes e de promoção da qualidade dos processos e dos resultados. Os créditos vão para Nuno Crato e para a sua equipa de dirigentes, sem quaisquer hesitações. Mas há ainda vários problemas neste segundo nível de transparência. 1. A administração educacional deu os dados de contexto aos media apenas dez dias antes da sua possível publicação, juntamente com os resultados dos exames nacionais. O que o MEC não fez em doze anos quer que os media façam em dez dias, media estes que não têm de ser especializados em análise social da educação nem possuir experientes e especializadas equipas técnico-científi cas. 2. Os dados de contexto são fornecidos por agrupamento e não por escola, o que distorce, em parte, a análise que se pode empreender (que até deveria ser por aluno, como os resultados dos exames). De facto, se podemos admitir que os dados de um dado agrupamento são relativamente fi áveis para caracterizar o contexto dos alunos do 9º ano, uma vez que a taxa de escolarização neste nível de escolaridade anda pelos 100%, o mesmo já não se pode dizer dos resultados do 12º ano, uma vez que ainda existe uma real selecção cultural e socioeconómica no acesso e no sucesso, no secundário. Ou seja, podemos PÚBLICO, SÁB 13 OUT 2012 | RANKING | 5 ADELAIDE CARNEIRO O retrato já se aproxima do que retrata mas há ainda vários problemas Urge agir publicamente junto das escolas em maiores difi culdades estar a falar de resultados dos exames de 12º ano de 100 alunos e de um dado Valor Esperado para este Contexto, calculado com base em dados relativos a dois mil alunos, não só desta escola secundária, mas também de uma ou duas escolas básicas e de várias escolas de primeiro ciclo. 3. Os dados de contexto apenas compreendem as escolas públicas, deixando de lado a compreensão dos resultados das escolas privadas, com e sem contrato de associação. Ou seja, não é possível ainda esclarecer, por exemplo, o quanto os resultados de exames de 12º ano em algumas escolas privadas é fruto não apenas da sua qualidade, mas também da qualidade do seu contexto. E esta análise também se impõe. Por isso, não podemos estar satisfeitos. O resultado não é neutro e quem está a promover as distorções de análise da nossa “escola” não é quem analisa os dados, é o MEC, o tal aparelho administrativo que se diz e quer ser visto como o grande “defensor da escola pública”. A realidade desmente-o, de modo demasiado evidente. Temos de ir mais além. É essencial dar um novo passo, cedendo ainda mais dados de modo a ser possível um nível mais fi no de análise política dos resultados escolares (aqui medidos ainda e apenas pelos exames). O MEC tem de fornecer os dados de contexto com mais antecedência, tem de juntar os dados das escolas privadas e tem de fornecer os dados de contexto por aluno (ou, no mínimo, por escola) e não apenas por agrupamento. Em 2013, é possível que estes rankings já representem uma medida bem mais real do trabalho das escolas, públicas e privadas, e talvez permitam uma mais justa apreciação pública do labor e do desempenho das escolas, incentivando todas a fazerem sempre mais e melhor, com os recursos que nós lhes proporcionamos. Como tenho repetido ao longo destes anos, o nosso olhar deve dirigir-se não só para as 100 escolas melhor posicionadas, mas também e sobretudo para as 100 pior colocadas e para todas aquelas cujos resultados estão abaixo do “valor esperado para o seu contexto”. Uma cultura que promove o sucesso dos bemsucedidos incentiva apenas o olhar para os melhores. Mas essa não é a única cultura que devemos valorizar. Nas escolas em contexto mais desfavorecido estudam muitos milhares de alunos a quem não são proporcionadas boas condições de aprendizagem; pode haver directores e equipas dirigentes que devam ser substituídas logo que possível; há muitos professores que não vêem valorizado o seu desempenho profi ssional (realizado por vezes em condições muito difíceis); pode haver muito desinteresse por parte das instituições da comunidade local face à situação das escolas… Da análise destes dados resultam duas conclusões: (i) existe uma elevada infl uência do contexto cultural e socioeconómico sobre os resultados dos exames; (ii) esta certeza não é nenhuma fatalidade social, porque se trabalha em muitas escolas acima do “esperado”; (iii) urge agir publicamente junto das escolas em maiores difi culdades. A escola democrática não é apenas a escola aberta a todos; é a escola que promove as aprendizagens e o desenvolvimento por parte de cada um. E esta é a escola que temos de continuar a construir. Presidente do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa
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