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RESUMOS ACAFE 2012 - Escola Apoio

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A pior de todas as personagens é, sem dúvida, o repórter corrupto Amado Ribeiro, resumido por Nelson<br />

Rodrigues como um "cafajeste dionisíaco". Cruel, maligno, inescrupuloso e sensacionalista, ele compensa seu vazio<br />

interior com abuso de poder. Compra provas, inventa testemunhas, se aproveita de situações e ingenuidades, planta<br />

informações, enfim, é uma escola sobre como o jornalismo não deve ser exercido. Não deixa de ser mais uma<br />

personagem frustrada das tragédias rodrigueanas. Figura real, Amado Ribeiro esteve presente também no folhetim<br />

Asfalto Selvagem, e foi retratado desta mesma forma. Em vez de se incomodar, o colega do dramaturgo dizia sempre<br />

que era ainda muito pior.<br />

A peça tem um clima de pesadelo. Todas as pessoas que envolvem Arandir voltam-se contra ele depois da<br />

publicação da foto do beijo no jornal. Werneck, colega de escritório, lidera o coro dos detratores e começa a constranger<br />

Arandir no dia seguinte à manchete do Última Hora. Dona Judith, a datilógrafa, acha que um dia um homem parecido<br />

com o atropelado foi até o jornal e transforma sua dúvida em certeza absoluta. A posição da viúva é ainda pior: com<br />

medo de ver publicado no jornal o fato de ter um amante, testemunha contra Arandir, chegando até mesmo a forjar um<br />

banho dele junto com seu ex-marido. É justamente através de seu falso testemunho sobre a ligação dos dois homens<br />

que a polícia consegue a prova que necessitava para dar verossimilhança à farsa. O detetive Aruba representa o policial<br />

burro, que não consegue acertar uma única vez. E dona Matilde, vizinha, simboliza o coro dos fofoqueiros, típicas figuras<br />

que adoram bisbilhotar a tragédia alheia.<br />

No meio desta confusão, a única pessoa que poderia lutar contra os fatos e acreditar em Arandir é sua mulher,<br />

Selminha. Frágil e bastante feminina, ela ama Arandir desde garotinha e sempre confiou muito nele. Porém sua<br />

fragilidade acaba se mostrando fraqueza e já na primeira notícia ela acaba duvidando da heterossexualidade do marido.<br />

Recusa beijos e, quando inevitável, limpa a boca com as costas da mão. Não aceita visitar o marido no hotel e defende a<br />

hipótese de que ele é "gilete" (bissexual). Sua irmã, Dália, tem verdadeira adoração por Arandir. Morando na mesma<br />

casa que o casal, a menina aproveita que Selminha abandonou o marido no hotel e se sente livre para confessar seu<br />

amor. Oferece-se a Arandir e diz que aceitaria morrer com ele. Ao contrário de Selminha, Dália coloca-se do lado de<br />

Arandir e não acredita nas acusações de seu pai nem de ninguém. Em O Beijo no Asfalto, Nelson Rodrigues abordou<br />

mais uma vez a paixão de duas irmãs pelo mesmo homem.<br />

Aprígio é mais uma personagem frustrada da galeria interminável do autor. Homossexual enrustido, ele fez a<br />

filha acreditar nas notícias do jornal para poder ficar para sempre com o genro. Quando percebe que a paixão sentida<br />

por Dália é ainda maior que a de Selminha, mente para a caçula que o atropelado já estava morto quando foi beijado. Ou<br />

seja, Arandir não beijou para satisfazer o último desejo de um agonizante e sim para satisfazer seu próprio desejo<br />

homossexual. Aprígio garante ainda que os dois eram amantes. Para completar, atira em Arandir, objeto de seu amor,<br />

por causa da impossibilidade de assumir seu sentimento. Mediante um mundo tão preconceituoso, o covarde Aprígio vê<br />

no crime a única possibilidade de libertação e paz interior.<br />

No meio de tanta gente cruel e preconceituosa, é inevitável que uma figura pura e espontânea como Arandir<br />

acabasse soterrado. Típica vítima inocente, ele beijou o atropelado para realizar seu último desejo. Arandir só aceitou<br />

dar o beijo no asfalto por generosidade e piedade. Não tinha nenhuma maldade impulsionando suas atitudes. Sua<br />

bondade, entretanto, não poderia ter futuro num ambiente dominado pela degradação moral e ética. Por isso acaba<br />

sozinho, sendo o único homem da terra a acreditar na verdade dos fatos.<br />

A surpresa é um elemento bastante explorado por Nelson Rodrigues em O Beijo no Asfalto. Desde o início está<br />

sugerido que Aprígio nutre um amor incestuoso pela filha. Os motivos mostrados à platéia não são poucos: ele nunca<br />

chama Arandir pelo nome, ele evita visitar a filha depois que ela se casou, ele faz Selminha acreditar nas manchetes do<br />

jornal. Quando ele diz que sua verdadeira paixão é o genro, a platéia toda fica surpresa. A revelação é quase uma<br />

brincadeira de Nelson Rodrigues, um deboche à sua própria norma de vínculos familiares. Como se ele quisesse mostrar<br />

ao público que não é tão simples assim ser Nelson Rodrigues: para se ter o seu talento, é preciso ter sempre uma carta<br />

escondida na manga.<br />

Crítica<br />

O crítico Sábato Magaldi não gostou nenhum pouco do final. Ao fazer a revelação de amor de Aprígio por<br />

Arandir, a surpresa do espectador não remete aos cânones da melhor literatura. Dificilmente se deixa de pensar em<br />

golpe de melodrama. Apenas em termos de estética popular, diversa do método empregado em toda a construção da<br />

peça, se aceita o desfecho surpreendente. Ele conclui dizendo que os elementos positivos superam as deficiências. Não<br />

é, porém, uma das obras-primas do autor.<br />

Além da paixão de duas irmãs pelo mesmo homem, tema sempre recorrente em sua obra, Nelson Rodrigues<br />

retratou mais uma vez a imprensa. Criticando o jornalismo onde ele próprio se criou, o autor pinta o retrato de uma<br />

imprensa sem um mínimo de qualidade e ética. O que há em comum entre a imprensa de O Beijo no Asfalto, Viúva,<br />

porém honesta e Boca de Ouro é a presença de jornais que prestigiam o sensacionalismo criminoso dos seus<br />

repórteres, abrindo vastas manchetes a "acontecimentos" não raramente forjados. A imprensa criada por Nelson<br />

Rodrigues não tem limites no exercício ilegal de seu poder.<br />

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