13.04.2013 Views

A CAPES vista por seu ex-diretor ou Nos bastidores da CAPES, na ...

A CAPES vista por seu ex-diretor ou Nos bastidores da CAPES, na ...

A CAPES vista por seu ex-diretor ou Nos bastidores da CAPES, na ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A <strong>CAPES</strong> <strong>vista</strong> <strong>por</strong> <strong>seu</strong> <strong>ex</strong>-<strong>diretor</strong><br />

<strong>ou</strong><br />

<strong>Nos</strong> <strong>bastidores</strong> <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>, <strong>na</strong> visão de um <strong>ex</strong>-<strong>diretor</strong><br />

Claudio de M<strong>ou</strong>ra Castro<br />

A <strong>na</strong>rrativa abaixo conta <strong>da</strong> minha passagem pela direção <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>. É uma versão pessoal<br />

dos fatos, com pedido de perdão <strong>por</strong> possíveis falhas de memória. Ademais, tanto quanto<br />

almejei a imparciali<strong>da</strong>de, é impossível despir-se <strong>por</strong> completo <strong>da</strong>s vai<strong>da</strong>des que protegem o<br />

ego e distorcem as interpretações. Cabe ao leitor <strong>da</strong>r o desconto que lhe parecer apropriado.<br />

Convite<br />

Em um belo domingo de maio (1979), preparava-me para sair de casa, rumo a um vôo de<br />

asa delta <strong>na</strong> Praia do Pepino. Soa o telefone. Era o Guilherme De la Penha. Eduardo<br />

Portella havia sido convi<strong>da</strong>do para “estar” Ministro <strong>da</strong> Educação e o indic<strong>ou</strong> para dirigir a<br />

Secretaria de Ensino Superior (SESu). Guilherme, <strong>por</strong> sua vez, lig<strong>ou</strong>-me para oferecer a<br />

Direção Geral <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>. Não conhecia pessoalmente o Portella e com o Guilherme havia<br />

estado uma só vez. Mas tínhamos amigos comuns.<br />

Esse tipo de cargo público estava fora do meu ra<strong>da</strong>r. Era professor de pós-graduação e<br />

pesquisador, com uma passagem pelo IPEA. Mas entraram <strong>na</strong> equação vários ingredientes.<br />

A vai<strong>da</strong>de e o gostinho do poder, não sei quem não os têm. Cont<strong>ou</strong> a favor a reputação <strong>da</strong><br />

<strong>CAPES</strong> de ser o território mais sadio do MEC. Mas, acho que teve muito peso um<br />

argumento puramente científico. Era um crítico feroz <strong>da</strong>s políticas educacio<strong>na</strong>is, atacando<br />

com sanha assassi<strong>na</strong> os <strong>seu</strong>s gestores e suas idéias. Achava quase sempre que deveriam agir<br />

de forma diversa. Ora, seria possível reformar a educação? Achei que eu próprio deveria<br />

provar o fel que destilava contra as autori<strong>da</strong>des constituí<strong>da</strong>s. Passaria a ser vítima<br />

voluntária do tipo de crítica que fazia. Julguei que poderia testar o sistema e ver o que<br />

aconteceria. Era quase um <strong>ex</strong>perimento científico. Conversei longamente com Hélio<br />

Barros, então Vice-Diretor. Aceitei o desafio.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, o risco de desemprego <strong>na</strong> época era praticamente nulo. Com o número ínfimo<br />

de d<strong>ou</strong>tores no Brasil e uma pós-graduação em <strong>ex</strong>pansão acelera<strong>da</strong>, poderia ser contratado<br />

como professor de praticamente qualquer curso de economia <strong>ou</strong> educação do país – sem<br />

mérito pessoal algum, ape<strong>na</strong>s com o valor de mercado do diploma.<br />

Mas entrei <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong> de corpo e alma. É ver<strong>da</strong>de, estava escu<strong>da</strong>do pelo “segurodesemprego”<br />

do meu currículo. Contudo entrei para lutar até o minuto fi<strong>na</strong>l. Raramente a<br />

jor<strong>na</strong><strong>da</strong> durava menos de doze horas e as crises se sucediam. Vivi intensamente todos os<br />

minutos que lá passei.<br />

Havia certo desencontro de opiniões, com relação ao tempo que levaria, até que fosse<br />

demitido. Alguns amigos <strong>da</strong>vam um par de meses. Minha tia, Bárbara Heliodora, estimava


em sema<strong>na</strong>s. Eu próprio não tinha um prognóstico certo. Fui demitido após quase três anos,<br />

uma permanência muito mais longa do que a sugeri<strong>da</strong> pelos cenários mais otimistas.<br />

Primeiro dia do novo Diretor Geral<br />

Meu contato inicial com a <strong>CAPES</strong> teve três momentos pitorescos e um susto. Ia saindo <strong>da</strong><br />

<strong>na</strong> sala do MEC, onde assinei o termo de posse. Pressurosa, a <strong>diretor</strong>a do serviço ofereceuse<br />

para conduzir-me até o elevador – hábitos <strong>da</strong> corte. Caminhava eu para o elevador <strong>da</strong><br />

plebe e ela insistia que embarcasse no <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des. Nesse momento, como até hoje, não<br />

estava de gravata. Como previ, o ascensorista me barr<strong>ou</strong> e fech<strong>ou</strong> a <strong>por</strong>ta, declarando que<br />

ali, só entravam autori<strong>da</strong>des. Lembro-me até hoje do sem-jeito <strong>da</strong> funcionária.<br />

Fiz uma visita a ca<strong>da</strong> departamento <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>, fazendo perguntas, <strong>por</strong> curiosi<strong>da</strong>de <strong>ou</strong> <strong>por</strong><br />

diplomacia, como foi o caso <strong>da</strong>s salas onde se administra a intrica<strong>da</strong> burocracia dos pedidos<br />

de bolsas de estudos. Perguntei, sem maiores refl<strong>ex</strong>ões, <strong>por</strong> que esse formulário, se o<br />

assunto já havia sido perguntado em um <strong>ou</strong>tro? Helio Barros franziu a cara, pens<strong>ou</strong> e disse:<br />

É, realmente não serve para <strong>na</strong><strong>da</strong>. Vamos acabar com ele agora. Dito e feito. Mas meu<br />

primeiro ato administrativo foi man<strong>da</strong>r desentupir o sanitário do meu gabinete, providência<br />

que surtiu o efeito desejado.<br />

O susto fic<strong>ou</strong> <strong>por</strong> conta <strong>da</strong> conversa que tive com o Secretário Geral do MEC, <strong>na</strong> posse <strong>da</strong><br />

Diretora do INEP. Ao saber o velho burocrata que eu era o novo dirigente <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>,<br />

declar<strong>ou</strong> em tom melodramático: “A <strong>CAPES</strong> já não é mais o que era! Imagine, um<br />

desembargador, um homem que merece todo o nosso respeito, pediu uma bolsa para o <strong>seu</strong><br />

filho. Pois não é que a bolsa foi nega<strong>da</strong>!” Fiz então, os piores prognósticos sobre o que me<br />

esperava, sob as asas do MEC.<br />

Na ver<strong>da</strong>de, as surpresas que tive foram muito reconfortantes. Descobri que imperava um<br />

nível elevado de probi<strong>da</strong>de administrativa. A <strong>CAPES</strong> tinha um time de gente honesta e bem<br />

intencio<strong>na</strong><strong>da</strong>. Era um bando dedicado, sério e de altos ideais. No tempo que passei lá, no<br />

máximo, descobrimos um contrato de limpeza que estava um p<strong>ou</strong>co inflado e, logo foi<br />

corrigido. No mais, probi<strong>da</strong>de de burocracia suíça. A idéia de burocratas preguiçosos,<br />

ve<strong>na</strong>is e conformados não correspondia de todo à reali<strong>da</strong>de.<br />

Não obstante, se a honesti<strong>da</strong>de era persegui<strong>da</strong> com fervor, a legali<strong>da</strong>de era impossível, <strong>da</strong><strong>da</strong><br />

a rigidez <strong>da</strong>s regras do serviço público. Metade dos nossos funcionários era de carreira. O<br />

resto era emprestado <strong>ou</strong> contratado <strong>por</strong> via <strong>da</strong>s fun<strong>da</strong>ções universitárias. E eram muitas<br />

fun<strong>da</strong>ções, artifício necessário para iludir os controles internos. Alguns funcionários<br />

recebiam ca<strong>da</strong> mês de uma fun<strong>da</strong>ção diferente. Eu próprio recebia uma complementação<br />

salarial, cria<strong>da</strong> pela Secretaria de Ensino Superior (SESu) e cuja fonte era também uma<br />

fun<strong>da</strong>ção. Nunca mais revi a conclusão de que é impossível ser um bom administrador<br />

público respeitando as regras formais. Em minhas conferências freqüentes, dizia sempre:<br />

“Reitor que não acor<strong>da</strong> à noite com pesadelos de haver sido flagrado pelo Tribu<strong>na</strong>l de<br />

Contas não pode ser um bom reitor”. Esse continua sendo o maior dilema moral de um<br />

dirigente público brasileiro.


Encontro com o Coronel Nini<br />

Um momento curioso, logo no início <strong>da</strong> minha gestão, foi o encontro com o Coronel<br />

Newton Cruz, então o número dois do SNI. Para os mais íntimos, era o Coronel Nini. Mas<br />

certamente, havia que ter coragem para chamá-lo assim, sem o benefício de sua amizade.<br />

Fui a segun<strong>da</strong> escolha para dirigir a <strong>CAPES</strong> – somente s<strong>ou</strong>be disso muito depois. O<br />

primeiro candi<strong>da</strong>to escolhido era o Professor Roberto Cardoso, eminente antropólogo <strong>da</strong><br />

UnB – recentemente falecido. Ao ser consultado, disse que só aceitaria se fosse elimi<strong>na</strong>do o<br />

“veto político”, feito pelo SNI. Todo candi<strong>da</strong>to preenchia um formulário adicio<strong>na</strong>l que ia<br />

para o SNI. Se havia algum episódio lá considerado negro, nem pensar em bolsas de estudo<br />

para o <strong>ex</strong>terior. Mas obviamente, Eduardo Portella não tinha a mais remota chance de<br />

mu<strong>da</strong>r as regras do SNI. Diante <strong>da</strong> sua impotência, fui eu o próximo <strong>da</strong> lista de convi<strong>da</strong>dos.<br />

A ver<strong>da</strong>de é que só s<strong>ou</strong>be do “veto ideológico” após a minha posse, quando apareceu o<br />

primeiro caso. E era sempre um assunto delicado, pois os consultores sabiam <strong>da</strong> sua<br />

<strong>ex</strong>istência. Ca<strong>da</strong> vez que a guilhoti<strong>na</strong> caia sobre algum “subversivo”, faziam questão de<br />

anunciar a quatro ventos que o candi<strong>da</strong>to havia sido tecnicamente aprovado. Portanto, o<br />

veto só podia vir do SNI. Ficava a imprensa em polvorosa e Diretor <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> tendo que<br />

<strong>da</strong>r entre<strong>vista</strong> sem ter o que dizer.<br />

Por conta de parentesco, Guilherme de la Penha tinha contatos com o Coronel Newton<br />

Cruz. Ao ver o mal estar que se formava a ca<strong>da</strong> veto, não teve dúvi<strong>da</strong>s e proclam<strong>ou</strong>:<br />

“Vocês têm que ir falar com o Cel Nini. É um militar inteligente e compreensivo. Vai<br />

resolver tudo”.<br />

A bem <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, se meu ceticismo não era total, era quase. Mas ele marc<strong>ou</strong> a entre<strong>vista</strong><br />

para cinco presidentes de comissão de consultores e para mim. Fábio Wanderley era meu<br />

temor, pois tem a mereci<strong>da</strong> fama de ter pavio curtíssimo. Imagi<strong>na</strong>va todos nós presos <strong>na</strong>s<br />

masmorras do SNI.<br />

Fomos gentilmente recebidos. Mas o Cel Newton Cruz tinha uma posição firme. Pediu a<br />

um assistente que tr<strong>ou</strong>xesse qualquer <strong>da</strong>s pastas de candi<strong>da</strong>tos que estavam empilha<strong>da</strong>s<br />

sobre a mesa. Abriu e começ<strong>ou</strong> a decli<strong>na</strong>r as estripulias ideológicas do candi<strong>da</strong>to. Greves,<br />

agitação, comunista professo, e <strong>por</strong> aí afora. Concluiu perguntando: Como o governo vai<br />

<strong>da</strong>r uma bolsa a um adversário que quer desestabilizá-lo? E se sair falando mal do país no<br />

<strong>ex</strong>terior?<br />

O argumento tem sua lógica. Mas ain<strong>da</strong> assim retruquei, mostrando os dois cenários<br />

possíveis. Como praticamente todos os candi<strong>da</strong>tos são professores universitários, quem<br />

teve a sua bolsa nega<strong>da</strong> pelo SNI vai passar o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> falando mal do governo e dos<br />

militares. A probabili<strong>da</strong>de é próxima de um que isso aconteça. Se ganha a bolsa, irá para<br />

um d<strong>ou</strong>torado duríssimo, tendo que estu<strong>da</strong>r dia e noite. Se quiser fazer comício, não terá a<br />

quem falar, pois os colegas estarão igualmente traumatizados pelo medo de não ser<br />

aprovados nos <strong>ex</strong>ames. Ou seja, voltará mais manso e tendo conhecido a vi<strong>da</strong> em um país<br />

capitalista. Não será o eterno inimigo do sistema.


O Coronel fez um gesto de impaciência e ignor<strong>ou</strong> minhas palavras. Aliás, não foi uma<br />

surpresa para mim. Continu<strong>ou</strong> folheando as pastas e vituperando sobre as peripécias<br />

revolucionárias dos candi<strong>da</strong>tos.<br />

Ao cabo de duas horas, quando era óbvio que o assunto havia chegado ao fim, o Coronel<br />

vira-se para mim e diz: “Castro, você tem razão no <strong>seu</strong> argumento. Só tem uma coisa. O<br />

SNI não proíbe a <strong>CAPES</strong> de <strong>da</strong>r bolsas, aPenhas recomen<strong>da</strong> que não dê. Isso não podemos<br />

mu<strong>da</strong>r, faz parte do regulamento. Mas façamos o seguinte, to<strong>da</strong> vez que recomen<strong>da</strong>rmos<br />

não <strong>da</strong>r a bolsa, você dá assim mesmo. V<strong>ou</strong> combi<strong>na</strong>r com meu pessoal que assim será.”<br />

Saí <strong>da</strong> reunião sem entender <strong>na</strong><strong>da</strong>. Perguntei aos <strong>ou</strong>tros se estavam embaralhados meus<br />

pensamentos. Não estavam. Daí para frente, nunca mais deixamos de <strong>da</strong>r bolsas, apesar de<br />

algumas recomen<strong>da</strong>ções negativas do SNI. Acab<strong>ou</strong>-se o pesadelo dos jor<strong>na</strong>is denunciando a<br />

<strong>CAPES</strong> <strong>por</strong> aceitar um veto político. Não sei quantas pessoas têm uma dívi<strong>da</strong> de gratidão<br />

para com o temido e odiadoCel Nini. Mas eu s<strong>ou</strong> uma delas.<br />

O único problema que tivemos – e que quase me cust<strong>ou</strong> o cargo – foi quando saiu Eduardo<br />

Portella e entr<strong>ou</strong> Rubem Ludwig. Para o <strong>seu</strong> gabinete foi um diplomata que <strong>na</strong><strong>da</strong> sabia do<br />

assunto. Coincidiu com as férias dos funcionários <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> e do DSI do MEC que<br />

implementavam o acordo sigiloso com o SNI. Ex abrupto, o jovem e arrogante diplomata<br />

encontra um despacho <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> <strong>da</strong>ndo uma bolsa para um vetado pelo SNI. Até que se<br />

restabelecessem as comunicações, era como se eu já estivesse demitido.<br />

Meritocracia no país do compadrio<br />

Em um país de compadrescos e favores, operar uma agência onde só prevalece o mérito não<br />

é proeza menor. E <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, implementar uma ver<strong>da</strong>deira meritocracia era o nosso<br />

orgulho e vai<strong>da</strong>de. A principal arma era a boa fama <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>, que desencoraja os pedidos<br />

políticos. Mas não bloqueia todos. Um <strong>ou</strong> <strong>ou</strong>tro político vinha pedir bolsas para <strong>seu</strong>s<br />

apaniguados. A estratégia já estava mapea<strong>da</strong>. Eram gentilmente atendidos, anotávamos o<br />

pedido e dizíamos que seria a<strong>na</strong>lisado. Se aprovado pela comissão de consultores, qual o<br />

problema? Se recusado, p<strong>ou</strong>cos candi<strong>da</strong>tos tinham o poder de fogo para voltar ao político<br />

amigo. <strong>Nos</strong>so único pecado, venial, era aceitar os pedidos fora de prazo. Mas se o<br />

pretendente ganha a bolsa pelos <strong>seu</strong>s méritos, um par de sema<strong>na</strong>s de desrespeito pelos<br />

prazos não é um pecado grave.<br />

Nesse particular, é interessante registrar o aumento de politização, após a saí<strong>da</strong> dos<br />

militares. Pelo que me contaram sucessores <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong>, nos primeiros anos de governo<br />

civil, aumentaram os pedidos políticos e fic<strong>ou</strong> mais difícil dizer não. Foi preciso transigir.<br />

Mas pelo que sei, não a ponto de desmoralizar a instituição.<br />

Os pedidos mais ameaçadores à nossa meritocracia vinham do gabinete do Ministro <strong>ou</strong> <strong>da</strong><br />

Casa Civil. De início, ficávamos perpl<strong>ex</strong>os, pois recusar pedido do Eduardo Portella <strong>ou</strong> do<br />

Golbery soava como ato suici<strong>da</strong>. Mas descobrimos a solução. Recebíamos o pedido,<br />

guardávamos <strong>na</strong> gaveta, junto com <strong>ou</strong>tro do mesmo <strong>na</strong>ipe. Aliás, para a devi<strong>da</strong>


identificação, a funcionária desenhava um “peixinho” <strong>na</strong> capa do processo. Quando já havia<br />

um bom cardume, aproveitávamos uma audiência com o Ministro para perguntar-lhe:<br />

“Desses pedidos, há algum que o senhor faz questão de atender?” Tinha um conhecido <strong>na</strong><br />

Casa Civil que transmitia o mesmo recado. Em nenhum caso, os pedidos eram do Eduardo<br />

Portella <strong>ou</strong> do Golbery. Eram os funcionários que estavam usando o <strong>seu</strong> nome. Portanto,<br />

lixo com eles.<br />

E os presentes oferecidos <strong>ou</strong> recebidos? Apesar do gostinho de ser home<strong>na</strong>geado, eles eram<br />

uma fonte de frustração, pois traziam a sensação de que a concessão <strong>da</strong> bolsa era um favor,<br />

uma generosi<strong>da</strong>de nossa. E isso, quando todo o nosso esforço se concentrava <strong>na</strong> criação de<br />

uma ilha de meritocracia dentro do governo. Mas eram presentes de bolsistas agradecidos e<br />

não de empreiteiros. O mais caro que recebi foi uma rede. Ganhei também uma panela de<br />

cozinhar sukiaki e um pote de geléia de jabuticaba, feito pela mãe do bolsista contemplado.<br />

A <strong>CAPES</strong> que herdei<br />

Recebi uma <strong>CAPES</strong> turbi<strong>na</strong><strong>da</strong>, pelo di<strong>na</strong>mismo <strong>da</strong> gestão do Darcy Closs, durante uma<br />

<strong>ex</strong>pansão vertiginosa dos fundos para Ciência e Tecnologia. Encontrei altas a moral e a<br />

adre<strong>na</strong>li<strong>na</strong>. Fui precedido <strong>por</strong> um ven<strong>da</strong>val de modernização, após muitos anos de<br />

ativi<strong>da</strong>des e atitudes mais acanha<strong>da</strong>s.<br />

Antes de tomar posse, li religiosamente um dos livros de Peter Drucker. Ao chegar, mais<br />

<strong>por</strong> intuição, tomei duas providências que se revelaram sábias. Juntei as chefias e declarei<br />

que estavam todos confirmados no cargo. Não faria nenhuma mu<strong>da</strong>nça – embora indicasse<br />

que, com o tempo, os ajustes normais viriam. A garantia de estabili<strong>da</strong>de tranqüiliz<strong>ou</strong> a<br />

equipe, que continu<strong>ou</strong> a trabalhar no mesmo ritmo enérgico que a gestão Darcy havia<br />

imprimido. Nesse mesmo momento, trocaram-se to<strong>da</strong>s as chefias <strong>da</strong> SESU. A máqui<strong>na</strong><br />

par<strong>ou</strong> e, anos depois, a memória <strong>da</strong> instituição ain<strong>da</strong> não havia sido recomposta.<br />

Em segundo lugar, distribui aos funcionários mais graduados um formulário com questões<br />

gerais sobre a <strong>CAPES</strong>, <strong>seu</strong>s programas e suas políticas. Foi como uma prova escrita. Fiquei<br />

sabendo como pensava ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s cabeças relevantes <strong>na</strong> instituição. E fiquei sabendo<br />

quais pensavam mais do que <strong>ou</strong>tras e quem seria mais indicado para fazer o quê.<br />

Tínhamos próximo de três mil bolsistas no <strong>ex</strong>terior, frequentemente, necessitando se<br />

comunicar conosco. Às vezes, re<strong>por</strong>tavam crises sérias, deman<strong>da</strong>ndo providências <strong>da</strong> nossa<br />

parte. O protocolo vergava, tal o peso de cartas e relatórios. A triagem podia levar dias.<br />

Mandei investigar os atrasos. Na<strong>da</strong> foi detectado. O processo era limpo e claro. Era abrir as<br />

cartas e colocar nos escaninhos correspondentes. O único problema era o volume<br />

monstruoso <strong>da</strong> correspondência. Não acreditei e fui, eu mesmo, triar cartas, junto com os<br />

contínuos. Pedi <strong>ex</strong>plicações e passei a manhã abrindo e colocando cartas nos escaninhos.<br />

Para minha surpresa, não encontrei <strong>na</strong><strong>da</strong> errado. Mas tive uma surpresa ain<strong>da</strong> maior. Desse<br />

dia em diante, o protocolo adquiriu uma veloci<strong>da</strong>de que nunca havia tido. A única<br />

<strong>ex</strong>plicação plausível é que para aquela meni<strong>na</strong><strong>da</strong> tão modesta, sentar-se com o Diretor<br />

Geral <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> e ensi<strong>na</strong>r-lhe a fazer o serviço deu a eles um sentido de im<strong>por</strong>tância e<br />

responsabili<strong>da</strong>de que foi responsável pelo aumento de produtivi<strong>da</strong>de.


As burocracias têm <strong>seu</strong> DNA bem marcado. Apesar de melhor do que as <strong>ou</strong>tras, a <strong>da</strong><br />

<strong>CAPES</strong> não podia ser diferente demais. Para informar quem nunca o freqüent<strong>ou</strong>, o mundo<br />

de um serviço público opera em torno de uma peça central: o processo. Fisicamente, é uma<br />

pasta que vai engor<strong>da</strong>ndo ao longo de <strong>seu</strong> longo trajeto, vai adquirindo assi<strong>na</strong>turas e<br />

carimbos, até que chegue ao olimpus, para o <strong>seu</strong> grand fi<strong>na</strong>l: a assi<strong>na</strong>tura do chefe. É assim<br />

que funcio<strong>na</strong> o serviço público e não adianta reclamar. O problema é que são ungidos em<br />

processos e caminham implacavelmente para a mesa do <strong>diretor</strong> assuntos irrelevantes,<br />

cretinos <strong>ou</strong> que deveriam ser resolvidos bem mais abaixo. No início, fiquei perpl<strong>ex</strong>o com os<br />

processos que pediam minha assi<strong>na</strong>tura.<br />

Mas arquitetei uma vingança que resolveu o problema de uma vez <strong>por</strong> to<strong>da</strong>s. Quando<br />

chegava um processo cretino, no local do despacho, escrevia com letra grande “E eu com<br />

isso?” Assi<strong>na</strong>va e devolvia. Criava-se um enorme nó administrativo para li<strong>da</strong>r com aquelas<br />

quatro palavrinhas. Como <strong>da</strong>r marcha à ré? Santo remédio, as cretinices pararam de subir<br />

ao meu gabinete.<br />

Sintonia fi<strong>na</strong> <strong>da</strong> pós-graduação<br />

A <strong>CAPES</strong> não era uma instituição de grandes estrelas – <strong>por</strong> <strong>ex</strong>emplo, compara<strong>da</strong> com um<br />

CNPq, tripulado <strong>por</strong> cientistas de nomea<strong>da</strong>. Mas eram quase todos professores<br />

universitários, de boa cabeça e dedicados. E nos escalões mais baixos, uma meni<strong>na</strong><strong>da</strong> que<br />

trazia como trunfo uma notável dedicação – e p<strong>ou</strong>co mais do que isso. Aos p<strong>ou</strong>cos, fui<br />

trazendo mais gente. No lado pitoresco, tr<strong>ou</strong>xe uma funcionária dedica<strong>da</strong>, mas que vinha<br />

trabalhar à cavalo e deixava sua montaria amarra<strong>da</strong> a um poste, em frente ao prédio <strong>da</strong><br />

<strong>CAPES</strong>.<br />

Vieram muitos novos com boa <strong>ex</strong>periência de pesquisas <strong>na</strong> área social, um reforço<br />

im<strong>por</strong>tante para avaliar nossos próprios programas. Por <strong>ex</strong>emplo, realizamos estudos de<br />

acompanhamento dos mestres e d<strong>ou</strong>tores, após a sua formatura. Fizemos o mesmo para<br />

uma grande amostra de graduados de universi<strong>da</strong>des. Conduzimos várias pesquisas com os<br />

bolsistas no <strong>ex</strong>terior, tentando avaliar sua <strong>ex</strong>periência nos países onde estu<strong>da</strong>ram.<br />

Com p<strong>ou</strong>co tempo, fui afi<strong>na</strong>ndo meu diagnóstico <strong>da</strong> pós-graduação e recalibrando as<br />

políticas <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>, em linha com essas percepções. A pós-graduação havia tido um<br />

crescimento vertiginoso <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1970 e acreditava que muitos dos programas novos<br />

nem tinham quali<strong>da</strong>de e nem a sua promessa. Acreditava também que, nesse nível de<br />

ensino, a quali<strong>da</strong>de era a única priori<strong>da</strong>de, não sendo vantajoso permitir um crescimento<br />

selvagem.<br />

Vitória <strong>na</strong> guerra <strong>da</strong> avaliação<br />

Diante de tais percepções, avaliar os cursos e recalibrar a pós-graduação seria o principal<br />

objetivo <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>. Na gestão de Darcy Closs, diante <strong>da</strong> <strong>ex</strong>pansão dos programas, torn<strong>ou</strong>se<br />

problemático conceder individualmente milhares de bolsas com uma equipe peque<strong>na</strong> e


diante <strong>da</strong> decisão de não criar uma grande burocracia. Melhor seria distribuir cotas de<br />

bolsas para os melhores cursos e deixar que eles próprios escolhessem <strong>seu</strong>s alunos. Mas<br />

para decidir o tamanho <strong>da</strong>s cotas a serem aloca<strong>da</strong>s a um número de programas que já<br />

ultrapassava mil, seria necessário avaliá-los. Daí o <strong>na</strong>scimento de um mecanismo inicial de<br />

avaliação, usando o chamado julgamento dos pares. Isso é, quem avaliaria os cursos seriam<br />

consultores selecio<strong>na</strong>dos dentro <strong>da</strong> própria comuni<strong>da</strong>de científica.<br />

Quando entrei <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong>, já havia a <strong>ex</strong>periência de quatro ro<strong>da</strong><strong>da</strong>s de avaliação. Contudo,<br />

os resultados eram ape<strong>na</strong>s para uso interno, como previsto, isto é, <strong>na</strong> alocação de bolsas.<br />

Acredito que meu trabalho mais im<strong>por</strong>tante <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong> haja sido transformar um<br />

mecanismo informal e interno em um sistema <strong>ex</strong>plícito de avaliação, com resultados<br />

progressivamente divulgados. Com Gláucio Soares, fizemos modelos de simulação dos<br />

critérios de avaliação usados pelos consultores e vários <strong>ou</strong>tros estudos. Implantamos<br />

instrumentos de coleta de <strong>da</strong>dos informatizados e criamos definições padroniza<strong>da</strong>s para os<br />

parâmetros avaliados. Determi<strong>na</strong>mos man<strong>da</strong>tos e mecanismos de escolha para os<br />

consultores. Criamos também um sistema de visitas de campo, a fim de obter informações<br />

acerca de cursos insuficientemente conhecidos.<br />

Então como agora, as áreas consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s e com azimutes bem definidos conseguiam acertar<br />

<strong>seu</strong> processo de avaliação com p<strong>ou</strong>co trauma e muito consenso. Quando perguntava aos<br />

físicos se queriam visitar alguma instituição para ver melhor o programa, respondiam<br />

céleres que conheciam todos e não tinham dúvi<strong>da</strong>s. Já a filosofia estava dilacera<strong>da</strong> em uma<br />

controvérsia com o movimento <strong>da</strong> “filosofia brasileira”. A arquitetura vivia <strong>seu</strong> casamento<br />

mal consumado com o urbanismo. A educação, dias após o início do encontro para a<br />

avaliação, ain<strong>da</strong> não havia decidido se é possível avaliar cursos. Pelo que sei, problemas<br />

semelhantes persistem até hoje, embora as áreas problemáticas não sejam <strong>ex</strong>atamente as<br />

mesmas.<br />

Progressivamente, passamos a divulgar alguns resultados. Inicialmente, eram os cursos de<br />

nota “A” - e os “B” quando não havia “A”. Alguns pro-reitores de pós-graduação, como o<br />

Jacob Gerhard <strong>da</strong> UFRJ e o Estáquio <strong>da</strong> UFMG passaram, <strong>por</strong> conta própria, a tor<strong>na</strong>r<br />

públicas to<strong>da</strong>s as avaliações de suas universi<strong>da</strong>des. Mas nos movemos lentamente, <strong>da</strong>ndo<br />

tempo ao sistema para se consoli<strong>da</strong>r, antes de enfrentar a fúria dos mal avaliados.<br />

Até hoje não sei quem vaz<strong>ou</strong>, mas Rosa<strong>na</strong> Bitar, do Estadão, conseguiu uma cópia <strong>da</strong> lista<br />

com to<strong>da</strong>s as avaliações e public<strong>ou</strong> uma pági<strong>na</strong> inteira sobre os cursos de nota E, a pior. Os<br />

coorde<strong>na</strong>dores dos cursos “E” <strong>da</strong> USP, que não eram p<strong>ou</strong>cos, ensaiaram um grande<br />

protesto, desqualificando a avaliação. Acontece que mais de duzentos professores <strong>da</strong> USP<br />

já haviam sido membros dos comitês de avaliação <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> e o Senise, pró-reitor de PG<br />

<strong>da</strong>quela universi<strong>da</strong>de, era também presidente do comitê de química <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>. Não<br />

demor<strong>ou</strong> que jogasse um balde de água fria nos protestos dos coorde<strong>na</strong>dores dos cursos<br />

conde<strong>na</strong>dos. Afirm<strong>ou</strong>, no próprio Estadão, que se ganharam nota ruim é <strong>por</strong>que são ruins.<br />

Foi o batismo de fogo <strong>da</strong> avaliação. Nunca mais recebeu ameaças sérias.<br />

Desde o período do Darcy já <strong>ex</strong>istia a idéia de condicio<strong>na</strong>r os auxílios aos resultados <strong>da</strong><br />

avaliação. Mas é somente com a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> avaliação – ocorri<strong>da</strong> no meu período –<br />

que isso se tor<strong>na</strong> possível. As matemáticas do Ubirajara geraram algoritmos que


automaticamente atribuíam auxílios fi<strong>na</strong>nceiros diferentes, de acordo com as notas obti<strong>da</strong>s<br />

<strong>na</strong> avaliação. Há muitos observadores que atribuem a esse vínculo rígido entre avaliação e<br />

recompensa monetária uma grande im<strong>por</strong>tância para a consoli<strong>da</strong>ção de uma pós-graduação<br />

de quali<strong>da</strong>de.<br />

Mas quanto mais robusta foi ficando a avaliação, mais os <strong>seu</strong>s pequenos defeitos passaram<br />

a incomo<strong>da</strong>r. Já no meu tempo, as áreas profissio<strong>na</strong>is desafi<strong>na</strong>vam, pois os critérios de<br />

valorizar titulação docente e produção científica publica<strong>da</strong> não se ajustam bem a elas.<br />

Tomem-se as artes, es<strong>por</strong>tes, engenharias, administração e <strong>ou</strong>tras. Nelas, é preciso valorizar<br />

os que sabem sem ter diplomas. Igualmente, a produção criativa e relevante pode ser uma<br />

ópera, um novo processo produtivo, uma consultoria, um parecer. Os contornos do<br />

problema já apareciam e tentei lutar contra eles. Mas lutava contra uma hidra cartorial<br />

invencível. Chegamos fi<strong>na</strong>nciar a UFRJ, às escondi<strong>da</strong>s, para que contratassem Jacques<br />

Klein e Turíbio Santos, para servirem como <strong>ex</strong>emplo, pois nenhum dos dois era diplomado.<br />

Mas de <strong>na</strong><strong>da</strong> adiant<strong>ou</strong>. Do p<strong>ou</strong>co que me arrependo de haver feito <strong>ou</strong> não feito, destaco a<br />

pe<strong>na</strong> de não haver arremetido ditatorialmente contra esse defeito crônico <strong>da</strong> nossa pósgraduação.<br />

Cruza<strong>da</strong>s <strong>na</strong> imprensa pela quali<strong>da</strong>de<br />

Se no front <strong>da</strong> avaliação, a tranqüili<strong>da</strong>de rein<strong>ou</strong>, a imprensa ach<strong>ou</strong> muita graça <strong>na</strong> minha<br />

cruza<strong>da</strong> contra a pós-graduação vira-lata e deu ampla publici<strong>da</strong>de às minhas rabugices e<br />

invectivas. Na déca<strong>da</strong> de 1970, h<strong>ou</strong>ve um enorme incentivo para criar mestrados. Parte era<br />

o encorajamento <strong>da</strong>s agências fi<strong>na</strong>nciadoras, incluindo a própria <strong>CAPES</strong>, turbi<strong>na</strong><strong>da</strong> pelos<br />

recursos do FNDCT, administrados pela FINEP. Mas havia também a estratégia <strong>da</strong>s<br />

universi<strong>da</strong>des menores para criar os cursos que iriam diplomar <strong>seu</strong>s professores, no regaço<br />

de <strong>seu</strong> próprio campus. A acusação de “entulho” retumb<strong>ou</strong> nos ares, embora eu não tivesse<br />

sido tão <strong>ex</strong>plícito assim. Mas não sei quantas vezes reclamei, denunciei e ridicularizei<br />

cursos meio artificiais, criados com professores alugados e sem arremedo algum de<br />

pesquisa. Somente quando os nossos computadores começaram a capturar os nomes de<br />

professores que eram “tempo integral”, simultaneamente, em várias universi<strong>da</strong>des é que a<br />

prática começ<strong>ou</strong> a se reduzir.<br />

Essa foi a época do mestrado com “filial”. Para permitir a uma universi<strong>da</strong>de de p<strong>ou</strong>ca<br />

<strong>ex</strong>pressão diplomar <strong>seu</strong>s professores sem enviá-los a <strong>ou</strong>tros lugares, alguns mestrados<br />

criavam filiais. Enviavam <strong>seu</strong>s professores, a conta-gota, para a filial, complementavam o<br />

curso com alguns mestres locais e assim, os professores <strong>da</strong> filial iam adquirindo <strong>seu</strong>s<br />

créditos. Havia <strong>ex</strong>emplos sérios, como a Escola Paulista de Medici<strong>na</strong>, com sua filial no Rio<br />

Grande do Norte (URGN). Mas a maioria não correspondia à idéia do mestrado como uma<br />

formação sóli<strong>da</strong>, incluindo uma boa iniciação <strong>na</strong> pesquisa.<br />

Obviamente, minha cruza<strong>da</strong> caus<strong>ou</strong> ódios incontidos contra mim e muitas reclamações. Fui<br />

chamado pelo Ministro Ludwig para <strong>ex</strong>plicar <strong>por</strong> que havia chamado de “entulho” os<br />

mestrados de uma certa universi<strong>da</strong>de. A bem <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, o Ministro foi muito filosófico<br />

sobre o assunto. Mas durante minha permanência <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong>, o elenco dos meus inimigos<br />

mortais aument<strong>ou</strong> de forma <strong>ex</strong>ponencial.


Arrogância, lua de mel com o gostinho do poder? Deve haver alguma coisa nessa direção.<br />

Mas o principal era uma crença forte de que era época de mu<strong>da</strong>r de direção. Criar cursos<br />

artificiais, do dia para a noite e de baixíssima quali<strong>da</strong>de, era uma maneira cara e ineficiente<br />

de melhorar o ensino superior. Acho que a trajetória subseqüente <strong>da</strong> pós-graduação<br />

brasileira confirm<strong>ou</strong> minha tese. Desapareceu boa parte dos cursos criados sem um lastro<br />

sólido de quali<strong>da</strong>de.<br />

Na época, eu falava de duas estirpes de cursos. Os cursos tipo “trapiche”, onde se contratam<br />

Ph.Ds pelas dúzias, como se fossem um depósito de d<strong>ou</strong>tores. E havia os cursos de<br />

desenvolvimento orgânico, como uma planta, em torno de lideranças intelectuais<br />

espontaneamente revela<strong>da</strong>s.<br />

Pela minha teoria, os primeiros, não iriam a parte alguma, pois um monte de d<strong>ou</strong>tores<br />

arrebanhados aqui e acolá não forma um grupo capaz de produzir pesquisas de quali<strong>da</strong>de e<br />

em ritmo continuado. E mestrado acadêmico é o aprendizado <strong>da</strong> pesquisa. Os grupos que<br />

<strong>da</strong>riam certos seriam aqueles <strong>na</strong>scidos sob uma liderança intelectual clara e cujo<br />

crescimento se <strong>da</strong>ria <strong>por</strong> acréscimos concêntricos. Seriam grupos de <strong>ex</strong>pansão<br />

relativamente lenta.<br />

Acreditava que os grupos bem sucedidos <strong>na</strong>scem e crescem de forma harmônica, em torno<br />

de lideranças <strong>na</strong>turais. São os líderes quem controlam a <strong>ex</strong>pansão e contratam os novos<br />

figurantes. Já os grupos criados <strong>por</strong> reitores tendem a não ter coerência inter<strong>na</strong>.<br />

Jamais fizemos uma pesquisa conduzi<strong>da</strong> de acordo com os padrões científicos usuais. Mas<br />

de to<strong>da</strong> a observação que fizemos então e de tudo que vimos subseqüentemente, a hipótese<br />

do trapiche versus crescimento orgânico se confirma.<br />

Se assim é, minha orientação foi certa. Adiant<strong>ou</strong>? Ou teria tudo acontecido igual, sem<br />

minha cruza<strong>da</strong> e sem os embates e desgastes emocio<strong>na</strong>is <strong>por</strong> todos os lados? Difícil dizer.<br />

Os “allons enfants”: avanços e farpas<br />

De todos os países com quem tivemos programas, o de maior turbulência foi a França. A<br />

França atraia candi<strong>da</strong>tos <strong>da</strong>s áreas sociais, mais espaventados e imbuídos de fervor<br />

ideológico – fonte garanti<strong>da</strong> de dificul<strong>da</strong>des. Ademais, o sistema francês trazia <strong>ou</strong>tros<br />

problemas, <strong>por</strong> suas incompatibili<strong>da</strong>des com o nosso.<br />

Fui várias vezes à França, para implementar os planos do COFECUB, um acordo de<br />

cooperação e intercâmbio <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> com o governo francês. O programa era complicado e<br />

difícil de fazer an<strong>da</strong>r. Entre <strong>ou</strong>tras coisas, programa de reitor com reitor tende a deixar de<br />

lado os professores - que são os que irão operar no cotidiano. Algumas providências deram<br />

certo e o programa se consolid<strong>ou</strong> – funcio<strong>na</strong>ndo muito bem, ain<strong>da</strong> hoje. Como resultado<br />

dos esforços, a França me ofereceu a comen<strong>da</strong> Palmes Academiques, considera<strong>da</strong> de bom<br />

valor no mercado <strong>da</strong>s condecorações francesas.


Contudo, no contencioso <strong>da</strong> pós-graduação brasileira estavam os Doctorats Troisième<br />

Cycle <strong>da</strong> França. Eram d<strong>ou</strong>torados mais curtos do que os americanos e as próprias<br />

universi<strong>da</strong>des francesas não os aceitavam para a carreira docente (para isso, <strong>ex</strong>igiam o<br />

Doctorat d”État”, muito mais longo). Nas áreas sociais, os orientadores estavam<br />

sobrecarregados e <strong>da</strong>vam p<strong>ou</strong>ca atenção aos alunos. Havia até um certo Professor<br />

Rochefort que tinha várias deze<strong>na</strong>s de orientandos. A quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s teses era bastante<br />

variável. Como resultado, várias universi<strong>da</strong>des brasileiras pararam de aceitar o 3ème Cycle<br />

como equivalente ao d<strong>ou</strong>torado, aumentando o conflito. Os <strong>ex</strong>-bolsistas nos culpavam <strong>por</strong><br />

aprovar bolsas para um diploma que as nossas próprias universi<strong>da</strong>des federais não<br />

aceitavam.<br />

Havia também o caso <strong>da</strong>s Maitrises, fonte inevitável de interpretações errôneas. Na França,<br />

a Maitrise é o trabalho de fim de curso <strong>da</strong> graduação. Na<strong>da</strong> tem a ver com o nosso<br />

mestrado, de inspiração america<strong>na</strong> e que é um programa longo e para pós-graduados. Mas<br />

alguns alunos brasileiros mais fracos eram direcio<strong>na</strong>dos para a Maitrise. Ao voltar,<br />

traduziam Maitrise <strong>por</strong> Mestrado. De fato, é a mesma palavra. Mas as pretensões de<br />

equivalência ao mestrado <strong>na</strong>s nossas universi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>vam curto circuito.<br />

Comecei a fechar o cerco sobre os d<strong>ou</strong>torados de ciências sociais, sobretudo em Paris.<br />

Vetei bolsas para futuros orientandos do inefável Rochefort. Fiz algumas visitas, sempre<br />

me encontrando com os bolsistas brasileiros. Em uma delas, a reunião quase não aconteceu,<br />

pois a platéia, altamente politiza<strong>da</strong>, discutia com veemência quem poderia falar em nome<br />

dos bolsistas.<br />

Nessa época, tomam as dores <strong>da</strong> França intelectuais brasileiros de primeira linha, lá<br />

graduados. Seus méritos individuais não estavam em jogo, mas se sentiam atingidos.<br />

Publicam-se entre<strong>vista</strong>s zanga<strong>da</strong>s, em que me acusam de ser preconceituoso contra a<br />

França. Os estilhaços atingem a imprensa brasileira que ficava abasteci<strong>da</strong> com sua dose<br />

diária de intrigas e conflitos.<br />

O auge dos duelos com as vacas sagra<strong>da</strong>s diploma<strong>da</strong>s <strong>na</strong> França coincide com o momento<br />

em que deveria, oficialmente, receber as Palmes Universitaires. Fico imagi<strong>na</strong>ndo a aflição<br />

dos diplomatas franceses em Brasília que já haviam anunciado a concessão <strong>da</strong> comen<strong>da</strong> e<br />

não poderiam voltar atrás. O beneficiário estava sendo acusado <strong>por</strong> intelectuais brasileiros<br />

de ser francófobo! Afi<strong>na</strong>l, a entrega <strong>da</strong> comen<strong>da</strong> foi quase às escondi<strong>da</strong>s, sem o jantar e<br />

cerimônias prometidos.<br />

Por razões certamente não tendo a ver com o que disse <strong>ou</strong> o que fiz, é curioso verificar que<br />

a França acab<strong>ou</strong> <strong>por</strong> substituir os dois d<strong>ou</strong>torados <strong>por</strong> um terceiro, mais parecido com o<br />

americano.<br />

A vi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong><br />

Foi um período de ativi<strong>da</strong>de febril dentro <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>. I<strong>na</strong>uguramos vários programas e<br />

recalibramos muitos dos velhos.


Se a avaliação era impiedosa para com todos, no caso dos programas fracos <strong>ou</strong> em processo<br />

de consoli<strong>da</strong>ção, havia apoios institucio<strong>na</strong>is, visando reforçar <strong>seu</strong>s alicerces. Universi<strong>da</strong>des<br />

mais fracas podiam enviar <strong>seu</strong>s professores para os melhores programas de pós-graduação,<br />

no país e no <strong>ex</strong>terior.<br />

Aperfeiçoamos os procedimentos para bolsas de estudo. Fomos aos principais países<br />

receptores de bolsistas (Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha), para sentir melhor<br />

o desempenho dos nossos alunos. Contratamos consultores nos Estados Unidos, para aju<strong>da</strong>r<br />

os candi<strong>da</strong>tos <strong>na</strong> escolha dos cursos. Contratamos <strong>ou</strong>tros <strong>na</strong> França, para acompanhar os<br />

alunos <strong>na</strong>s áreas sociais, mais soltas e problemáticas.<br />

Um estudo muito útil, encomen<strong>da</strong>do de economistas, foi pesquisar indicadores de custo <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> nos países para onde enviávamos nossos bolsistas. Com <strong>seu</strong>s resultados pudemos<br />

definir valores de bolsas, de acordo com o país.<br />

Organizamos um programa de ensino a distância, o Pós-Grad, para oferecer cursos aos<br />

professores <strong>da</strong>s discipli<strong>na</strong>s centrais do currículo, no caso de facul<strong>da</strong>des e universi<strong>da</strong>des<br />

peque<strong>na</strong>s e sem condições de enviar <strong>seu</strong>s professores para os mestrados. As avaliações<br />

mostraram resultados muito favoráveis. Contudo, o programa foi, posteriormente,<br />

descontinuado.<br />

Criamos o PET, modelo copiado do sistema de bolsas <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Ciências<br />

Econômicas <strong>da</strong> UFMG, onde estudei. Ao contrário do programa de Iniciação Científica do<br />

CNPq, onde os alunos trabalham individualmente, o objetivo do PET era o de formar<br />

grupos reunindo melhores alunos do curso. Tais grupos, liderados <strong>por</strong> um tutor, geram uma<br />

dinâmica própria e estabelecem metas mais ambiciosas para si próprios. O PET funcion<strong>ou</strong><br />

bastante bem e <strong>seu</strong>s alunos se destacaram <strong>na</strong> pós-graduação, até que (no fim <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de<br />

1990) um <strong>diretor</strong> <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> resolveu <strong>da</strong>r cabo dele, <strong>por</strong> capricho <strong>ou</strong> <strong>por</strong> razões até hoje<br />

misteriosas. Mas a <strong>CAPES</strong> havia “criado cobra”. Os bolsistas do PET são brilhantes,<br />

aguerridos e organizados. Por mais que o MEC fizesse, foi montado um mecanismo de<br />

defesa muito eficaz, incluindo o Congresso Nacio<strong>na</strong>l. Fi<strong>na</strong>lmente, a crise foi debela<strong>da</strong> e o<br />

PET continua operando com mais de dez mil bolsistas. Deve ter os <strong>seu</strong>s problemas, mas<br />

méritos não lhe falta.<br />

O Darcy Closs incentiv<strong>ou</strong> a criação de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação que<br />

tor<strong>na</strong>ram-se um ponto de união entre a <strong>CAPES</strong>, a incipiente pós-graduação e a reitoria <strong>da</strong>s<br />

universi<strong>da</strong>des. Comprei a idéia e dei continui<strong>da</strong>de à iniciativa. É bom lembrar que foi<br />

através desta estratégia que a <strong>CAPES</strong> conseguiu penetrar em muitas Universi<strong>da</strong>des e a<br />

maioria dos Reitores pass<strong>ou</strong> a levar mais a sério a escolha desses Pro-reitores. Para que<br />

pudessem desempenhar um bom trabalho junto a <strong>CAPES</strong> (principal fi<strong>na</strong>nciadora <strong>da</strong> PG),<br />

eles deveriam ser aceitos pelo “Alto Clero” de sua universi<strong>da</strong>de. Quando isto não acontecia,<br />

não era bom para a Universi<strong>da</strong>de e nem para a <strong>CAPES</strong>.<br />

Abrimos uma linha de ativi<strong>da</strong>des em áreas onde os diplomas acadêmicos não são<br />

relevantes, como as artes. Enviamos gente para estagiar em Hollywood e em <strong>ou</strong>tros locais.<br />

Nessa linha, foi muito útil nosso acordo com a Comissão Fulbright, pelo qual


compartilhávamos os custos para o envio de bolsistas, em programas menos convencio<strong>na</strong>is<br />

<strong>ou</strong> acadêmicos.<br />

Uma <strong>da</strong>s razões que pudemos fazer tanto é que íamos sendo abastecidos com recursos<br />

adicio<strong>na</strong>is. O caso é curioso e algo perverso, mas ilumi<strong>na</strong> aspectos estruturais de qualquer<br />

burocracia deste tipo. Ao entrar no MEC, Portella percebeu com clareza que a grande<br />

priori<strong>da</strong>de do Brasil seria o ensino fun<strong>da</strong>mental – somente Paulo Re<strong>na</strong>to de S<strong>ou</strong>za, quase<br />

quinze anos depois, retoma essa priori<strong>da</strong>de. Mas Portella cometeu erros no processo. Não<br />

se faz priori<strong>da</strong>de sem uma burocracia capaz de se im<strong>por</strong> e de fazer funcio<strong>na</strong>r a<br />

paquidérmica máqui<strong>na</strong> que cui<strong>da</strong> <strong>da</strong> nova priori<strong>da</strong>de. E então, como até hoje, a burocracia<br />

do ensino fun<strong>da</strong>mental é a mais frágil do MEC.<br />

Mal assessorado, Portella foi ao <strong>ex</strong>tremo de praticamente não mencio<strong>na</strong>r o ensino superior<br />

em <strong>seu</strong>s planos e de não mencio<strong>na</strong>r, de todo, nem a pós-graduação e nem a <strong>CAPES</strong>. Era a<br />

declaração de guerra. Mas <strong>seu</strong> <strong>ex</strong>ército para lutar pelo fun<strong>da</strong>mental era esfarrapado.<br />

Inevitavelmente, os amplos recursos desti<strong>na</strong>dos ao fun<strong>da</strong>mental não eram <strong>ex</strong>ecutados. Na<br />

burocracia ministerial, gastar dinheiro é proeza <strong>da</strong>s grandes. Requer competência para<br />

vencer to<strong>da</strong>s as etapas <strong>da</strong>s licitações e transferências. Mais adiante, vem o desembolso e as<br />

prestações de conta. E os funcionários <strong>da</strong> Secretaria que cui<strong>da</strong> do fun<strong>da</strong>mental não estavam<br />

à altura <strong>da</strong> tarefa.<br />

<strong>Nos</strong>sas relações com os “orçamenteiros” do MEC eram <strong>ex</strong>celentes. Por isso, ficávamos<br />

sabendo quando um projeto não desembolsava <strong>ou</strong> enguiçava em algum ponto. Chega<strong>da</strong> a<br />

informação secreta, reuníamos-nos no meu gabinete e varávamos a noite para preparar um<br />

projeto atraente. No dia seguinte estava pronto. Pedíamos audiência ao Ministro e<br />

apresentávamos a proposta. O Ministro concor<strong>da</strong>va em que havia charme <strong>na</strong> idéia, mas<br />

retrucava que não tinha fundos. Dizíamos então: “Ligue para o Orçamento e veja que há<br />

recursos parados e que vão cair em <strong>ex</strong>ercícios findos! Como nosso intelligence service era<br />

bom, confirmava-se a sobra e saíamos do <strong>seu</strong> gabinete com a promessa dos fundos. Da<strong>da</strong><br />

nossa reputação de gastar bem e prestar contas impecavelmente, o projeto fluía sem<br />

tropeços dentro <strong>da</strong> burocracia.<br />

Assim conquistávamos <strong>na</strong>cos substanciais de orçamentos. Para mim que fui catapultado<br />

para a <strong>CAPES</strong> quando esbravejava em favor do ensino fun<strong>da</strong>mental, fazer crescer a pósgraduação<br />

com recursos desti<strong>na</strong>dos a nível básico não era sem conflitos. Mas também<br />

sabíamos que os burocratas do fun<strong>da</strong>mental não estavam conseguindo gastar os recursos<br />

ganhos. Melhor <strong>na</strong> <strong>CAPES</strong> que em <strong>ex</strong>ercícios findos.<br />

Espectadores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no MEC<br />

Assistíamos, às vezes atônitos, as trapalha<strong>da</strong>s do MEC. Em uma ocasião, durante uma<br />

viagem do Ministro Portella ao <strong>ex</strong>terior, o Secretário Geral resolveu tomar uma decisão<br />

heróica. Fez um pedido de reforço orçamentário e foi levá-lo para o Delfin que era Ministro<br />

do Planejamento. Só que o reforço dobrava o orçamento <strong>da</strong> educação. Fico imagi<strong>na</strong>ndo as<br />

gargalha<strong>da</strong>s <strong>da</strong> equipe do Delfin, após a audiência com o nosso quixotesco Secretário.


No puro campo do pitoresco, esse mesmo Secretário protest<strong>ou</strong> energicamente contra os<br />

trambolhos que encontr<strong>ou</strong>, enfeando a garage do <strong>seu</strong> edifício funcio<strong>na</strong>l. Mas fic<strong>ou</strong> meio<br />

sem jeito, ao descobrir que se tratava <strong>da</strong> asa delta do Diretor <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>, complementa<strong>da</strong><br />

<strong>por</strong> um guincho e tubos de alumínio quebrados em aterrissagens p<strong>ou</strong>co felizes.<br />

Voltando ao sério, foi uma época em que se acreditava em reformas administrativas. A<br />

mais óbvia é a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> organização inter<strong>na</strong>, plasma<strong>da</strong> em organogramas diferentes. O<br />

MEC contrat<strong>ou</strong> um técnico para fazer a sua versão. Em ca<strong>da</strong> departamento que pass<strong>ou</strong>,<br />

revir<strong>ou</strong> os quadrinhos e setinhas de per<strong>na</strong>s para o ar. Ipso facto, revirava as hierarquias e<br />

montagens dos departamentos, com efeitos desastrosos. No caso <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>, tomamos a<br />

dianteira e asseguramos ao consultor que iríamos fazer nossa própria reforma. No fim do<br />

ano, o relatório do consultor indicava que a única reforma realmente bem sucedi<strong>da</strong> havia<br />

sido a <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>.<br />

O que fizemos? O crescimento vertiginoso <strong>da</strong> organização, sobretudo antes <strong>da</strong> minha<br />

chega<strong>da</strong>, fez com que os organogramas oficiais estivessem totalmente caducos. Como só<br />

<strong>ex</strong>istiam no papel, íamos <strong>ex</strong>perimentando colocar gente para cá e para lá, até acertar.<br />

Quando veio a on<strong>da</strong> <strong>da</strong> reorganização, o que fizemos foi simples. Antonio MacDowell, o<br />

incurável engenheiro do ITA, foi encarregado de entre<strong>vista</strong>r todos os funcionários,<br />

perguntar o que faziam, em quem man<strong>da</strong>vam e quem man<strong>da</strong>va neles. Com essa pesquisa de<br />

campo, desenh<strong>ou</strong> o nosso organograma, colocando no papel, rigorosamente, o que estava<br />

acontecendo no mundo real. A reorganização deu certo <strong>por</strong>que ninguém mud<strong>ou</strong> de posição<br />

para corresponder ao organograma. Pelo contrário, estavam lá <strong>por</strong>que foi a melhor solução<br />

encontra<strong>da</strong> <strong>na</strong>s inúmeras <strong>ex</strong>perimentações que fazíamos. O organograma era a mera<br />

representação no papel do organograma informal que prevalecia.<br />

<strong>Nos</strong>sas relações com <strong>ou</strong>tras áreas do MEC podiam ser turbulentas. Alguns <strong>ex</strong>-reitores, ao<br />

deixar o cargo, vieram para a SESu. Devem haver servido de muro de lamentações dos<br />

mestrados que foram alvo <strong>da</strong>s minhas críticas, à vezes sarcásticas.<br />

Durante a gestão do Ministro Portella assistimos, em prudente silêncio, as suas disputas<br />

com as universi<strong>da</strong>des. Ou melhor dito, <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des com ele. Na ver<strong>da</strong>de, <strong>seu</strong> trato<br />

com a burocracia dentro e fora do MEC foi politicamente ingênua. Cerc<strong>ou</strong>-se de uma<br />

equipe com perfis i<strong>na</strong>dequados e que não pode ajudá-lo <strong>na</strong>s crises. Por ser considerado de<br />

esquer<strong>da</strong>, ach<strong>ou</strong> que contaria com o apoio e a confiança <strong>da</strong>s alas mais barulhentas <strong>da</strong>s<br />

instituições públicas. Ledo engano, foi truci<strong>da</strong>do <strong>por</strong> elas, sem entender muito <strong>por</strong> que e<br />

sem que tivesse armas para se defender <strong>ou</strong> um grande apoio <strong>da</strong> Presidência.<br />

Seu fim se aproxim<strong>ou</strong> quando h<strong>ou</strong>ve uma enorme reação ao “pacotão de reformas”<br />

apresentado <strong>por</strong> ele. Na ver<strong>da</strong>de, o pacotão não passava <strong>da</strong> republicação de três propostas<br />

de reforma, assi<strong>na</strong><strong>da</strong>s <strong>por</strong> pessoas diferentes. A prova de que não se tratava de um pacotão<br />

foi <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo fato singular de serem incompatíveis entre si. Ca<strong>da</strong> uma li<strong>da</strong>va de forma<br />

diferente com a autonomia <strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des e <strong>da</strong>s carreiras docentes. Em vez <strong>da</strong> discussão<br />

de idéias que pretendeu, o que se viu foi um rechaço <strong>da</strong>s propostas, sem entrar em <strong>seu</strong><br />

mérito. E Portella que estava Ministro, deix<strong>ou</strong> de sê-lo nesse momento.


Em um encontro franco e íntimo com Portella, insisti com ele que reformar o ensino<br />

fun<strong>da</strong>mental levaria um Ministro <strong>da</strong> Educação à história. Mas também disse que quem<br />

derruba Ministro é a universi<strong>da</strong>de. Na época, nem fiquei sabendo se ele prest<strong>ou</strong> atenção ao<br />

comentário. Mas para meu grande espanto, a Veja notici<strong>ou</strong>, logo à sua saí<strong>da</strong>, que a mesma<br />

frase estava rabisca<strong>da</strong> em um bilhete deixado dentro do <strong>seu</strong> gabinete.<br />

Em um período de franca abertura política, tirar um intelectual de esquer<strong>da</strong> e colocar um<br />

general <strong>da</strong> ativa foi um gesto recebido com frieza e hostili<strong>da</strong>de, sobretudo pela imprensa.<br />

Começ<strong>ou</strong> a era Ludwig. Ao contrário do <strong>seu</strong> antecessor, p<strong>ou</strong>co afeito à gestão, Ludwig<br />

reforç<strong>ou</strong> bastante a equipe do MEC. Possivelmente, foi uma <strong>da</strong>s mais fortes <strong>da</strong> sua história,<br />

lidera<strong>da</strong>s pelo Coronel Pasquale, <strong>seu</strong> Secretário Geral.<br />

Para a surpresa de todos, foi um dos momentos quando a administração do MEC deu-se de<br />

forma mais competente e mais suave. Os dois militares tinham uma liderança discreta e<br />

tranqüila. Pasquale, já estava muito habituado a li<strong>da</strong>r com universi<strong>da</strong>des e estu<strong>da</strong>ntes, do<br />

<strong>seu</strong> período de chefia do Projeto Rondon. Em p<strong>ou</strong>co tempo, Ludwig conquist<strong>ou</strong> a afeição<br />

<strong>da</strong> imprensa e deix<strong>ou</strong> de ser visto com desconfiança. A festa de sua despedi<strong>da</strong>, para assumir<br />

a Casa Civil, foi muito concorri<strong>da</strong> e a imprensa foi generosa ao julgar a sua passagem pelo<br />

MEC.<br />

O aspecto mais vulnerável <strong>da</strong> gestão Ludwig deu-se logo <strong>na</strong>s primeiras horas após a posse.<br />

As universi<strong>da</strong>des estavam em greve. Havia muitas reivindicações <strong>na</strong> mesa de discussão.<br />

Mal aconselhado, Ludwig aceit<strong>ou</strong> mais do que seria necessário para debelar a greve.<br />

Alguns consideram que <strong>seu</strong> erro foi haver efetivado, sem concurso, um número<br />

considerável de assistentes contratados a título precário – e que não passariam em um<br />

concurso. Mas é difícil culpá-lo <strong>por</strong> não entender corretamente a situação, com p<strong>ou</strong>cas<br />

horas de cargo.<br />

Ludwig presidia as reuniões com tranqüili<strong>da</strong>de e confiança. Ouvia cui<strong>da</strong>dosamente todos os<br />

lados e não tinha constrangimentos de perguntar o que não sabia <strong>ou</strong> entendia. Em privado,<br />

nos dizia: “Vocês entendem de educação, digam-me que leis é preciso mu<strong>da</strong>r. O resto é<br />

comigo”. Bons tempos!<br />

Fim <strong>da</strong> linha<br />

Ao longo <strong>da</strong> minha gestão, fui acumulando aliados e inimigos. Os aliados estavam <strong>na</strong><br />

FINEP. Os inimigos <strong>na</strong> SESu, no CNPq e <strong>na</strong>s universi<strong>da</strong>des de segun<strong>da</strong> linha. Era tudo<br />

efeito colateral <strong>da</strong> minha cruza<strong>da</strong> contra a pós-graduação vira-lata. Sabia perfeitamente que<br />

o terreno era mi<strong>na</strong>do. Pipocavam críticas e reclamações. Uma demissão para o bem dos<br />

amigos do Ministro <strong>ou</strong> de quem quer que fosse jamais estava fora de questão. Na minha<br />

cabeça, não era “se”, mas “quando”. Afi<strong>na</strong>l, esse era o meu projeto de direção <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>:<br />

fazer tudo que achava certo e ver quanto tempo duraria. Segundo um observador, foi ape<strong>na</strong>s<br />

o bom desempenho <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> que impediu uma demissão anterior.<br />

Em um dia inesperado, sem crises, sem marolas, o Secretário <strong>da</strong> SESu pede o meu cargo.<br />

Fiquei chocado, apesar <strong>da</strong> preparação psicológica. A razão apresenta<strong>da</strong> era uma viagem que


fiz sem avisá-lo. É claro, não poderia ser isso, pois <strong>diretor</strong> <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong> ape<strong>na</strong>s indiretamente<br />

presta contas à SESu. De fato, <strong>na</strong> época, a relação de autori<strong>da</strong>de entre SESu e <strong>CAPES</strong> era<br />

tênue. Tanto assim que despachávamos com to<strong>da</strong>s as figuras do MEC, incluindo o<br />

Ministro, sem nem sequer informar à SESu.<br />

Outra hipótese seria uma iniciativa do Ministro <strong>ou</strong> <strong>seu</strong> Secretário Geral. Mas não parece<br />

crível. Fui tratado muito bem <strong>por</strong> ambos. Pediram que eu indicasse algum <strong>ou</strong>tro lugar no<br />

MEC onde gostaria de estar. Ao que parece, prevaleceu o respeito militar pela hierarquia.<br />

Parece mais razoável su<strong>por</strong> que quiseram acatar uma decisão do Secretário a quem a<br />

<strong>CAPES</strong> estava formalmente liga<strong>da</strong>.<br />

Mas pedido de cargo é o direito dele. Saí, com festas e choros.<br />

Ao longo dos anos, especulei sobre as razões <strong>da</strong> minha saí<strong>da</strong>. Tinha inimigos. Alguns<br />

haviam chegado a cargos im<strong>por</strong>tantes em Brasília. Fiquei convencido de que era uma<br />

conjugação de pressões sobre a SESu, <strong>por</strong> parte de gente em cujos calos pisei. Acreditei<br />

nessa versão <strong>por</strong> muito tempo. Mas um amigo apareceu com uma <strong>ou</strong>tra <strong>ex</strong>plicação menos<br />

conspiratória. Segundo ele, o Secretário <strong>da</strong> SESu devia favores a uma figura cuja gestão em<br />

<strong>ou</strong>tro órgão estava <strong>por</strong> termi<strong>na</strong>r. Queria recompensá-lo com a direção <strong>da</strong> <strong>CAPES</strong>. A maior<br />

credibili<strong>da</strong>de dessa segun<strong>da</strong> <strong>ex</strong>plicação deve-se ao fato de que foi confirma<strong>da</strong> <strong>por</strong> um dos<br />

dois atores envolvidos.<br />

Epílogo? Fic<strong>ou</strong> demonstra<strong>da</strong> a tese de que dá para entrar em uma instituição, cheio de<br />

idealismo e sair sem destruí-lo. E dá para levar a cabo um plano de trabalho bem<br />

ambicioso. Acho que minha maior contribuição foi consoli<strong>da</strong>r o que estava em an<strong>da</strong>mento.<br />

Encontrei boas idéias em processo de implementação, retoquei com minhas próprias<br />

correções, tendo a avaliação como colu<strong>na</strong> vertebral <strong>da</strong> minha gestão. Nisso tudo, tive o<br />

apoio total <strong>da</strong> equipe. Mais ain<strong>da</strong>, tive a sorte de ser sucedido <strong>por</strong> <strong>ou</strong>tros <strong>diretor</strong>es que<br />

fizeram mais <strong>ou</strong> menos o mesmo.<br />

Mas as condições eram bastante especiais. Nem precisava e nem tinha amor pelo cargo.<br />

Entrei disposto a perdê-lo. Tive a sorte de ir parar em uma instituição modelar, sendo<br />

precedido <strong>por</strong> <strong>ou</strong>tro <strong>diretor</strong> que me leg<strong>ou</strong> um time entusiasmado e sério. Não menos<br />

im<strong>por</strong>tante, o governo militar criava muito mais espaço para as decisões técnicas, além de<br />

haver menor presença de forças políticas dentro <strong>da</strong> máqui<strong>na</strong> administrativa. Sem as<br />

pressões políticas e sem o “assembleismo” cevado mais adiante é possível imprimir maior<br />

veloci<strong>da</strong>de às mu<strong>da</strong>nças.<br />

Uma sema<strong>na</strong> antes <strong>da</strong> minha demissão, fui falar com o Secretário de Orçamento do MEC,<br />

para pedir uma lasquinha adicio<strong>na</strong>l de recursos. O Secretário foi muito educado e atencioso,<br />

mas mostr<strong>ou</strong> que, <strong>na</strong>quele momento, não tinha margem de manobra. Dias após minha<br />

defenestração, virei Secretário Executivo do CNRH, órgão do Ministério do Planejamento<br />

que cui<strong>da</strong> <strong>da</strong> área social, com direito a palpites nos orçamentos ministeriais. Recém sentado<br />

em meu novo escritório, recebi a visita do mesmo Secretário do MEC que vinha pedir um<br />

reforço para o <strong>seu</strong> orçamento. Assim é a vi<strong>da</strong> <strong>na</strong> corte.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!