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LÍNGUA PORTUGUESA<br />
<strong>CPV</strong> fgv051f2fnovdir<br />
<strong>FGV</strong> — direito — 1a <strong>CPV</strong> O cursinho que mais aprova na <strong>FGV</strong><br />
Fase — 13/novembro/2005<br />
Leia atentamente o poema abaixo. Ele será o texto-base para as<br />
questões A e B de Língua Portuguesa.<br />
PENSÃO FAMILIAR<br />
Jardim da pensãozinha burguesa.<br />
Gatos espapaçados ao sol.<br />
A tiririca sitia canteiros chatos.<br />
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.<br />
Os girassóis<br />
amarelo!<br />
resistem.<br />
E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais.<br />
Um gatinho faz pipi.<br />
Com gestos de garçon de restaurant-Palace<br />
Encobre cuidadosamente a mijadinha.<br />
Sai vibrando com elegância a patinha direita:<br />
— É a única criatura fina na pensãozinha burguesa.<br />
BANDEIRA, Manuel. Libertinagem. In: Estrela da vida inteira<br />
(Poesias reunidas e Poemas traduzidos). 11º edição, ilustrada,<br />
comemorativa do centenário do poeta. Rio de Janeiro:<br />
José Olympio Editora, 1986. Página 95.<br />
Questão A<br />
O poema apresenta-se descritivo e parece fotografar, com<br />
recursos expressivos, a parte externa do “ambiente familiar”<br />
da pensão, ressaltando seu aspecto visual e sensorial.<br />
A.a) Identifique os tipos de orações e de períodos<br />
predominantes na composição do poema e o modo<br />
como interferem na construção “fotográfica” das<br />
imagens. (1)<br />
Resolução:<br />
Os aspectos visual e sensorial são expressos por meio de<br />
frases nominais e, fundamentalmente, por orações<br />
coordenadas assindéticas.<br />
O título espelha genericamente o objeto (“Pensão Familiar”)<br />
e o primeiro verso, uma parte que será minuciosamente<br />
descrita.<br />
Os diversos verbos demonstram os elementos que compõem<br />
o jardim da pensão com dados sensoriais, privilegiando o<br />
aspecto visual.<br />
A.b) Aponte outros três recursos expressivos utilizados e<br />
explique como auxiliam na montagem espacial e plástica<br />
do poema. (2)<br />
Resolução:<br />
Podem-se citar, dentre outros recursos expressivos que<br />
auxiliam na montagem espacial e plástica do poema: a<br />
disposição gráfica dos versos, que permite visualizar o jardim<br />
da pensãozinha com os elementos que o compõem; a<br />
valorização dos objetos de ordem visual e, por fim, estes<br />
mesmos apresentados como sinédoques (“Gatos”, “dálias”,<br />
“girassóis”, “gatinho”). Pode-se acrescentar, ainda, o fato de,<br />
até o oitavo verso, privilegiar-se a descrição estática. Já nos<br />
últimos cinco versos, há um ser em movimento (“o gatinho”).<br />
Questão B<br />
B.a) O jogo contrastante de sentidos no uso dos diminutivos<br />
é um recurso determinante na composição do poema.<br />
Destaque ao menos duas palavras nas quais tal<br />
procedimento é empregado e relacione-as com o efeito<br />
irônico do texto. (3)<br />
Resolução:<br />
Os diminutivos utilizados que provocam efeito irônico no texto<br />
são “pensãozinha” e “mijadinha”. Em “pensãozinha”, o sufixo<br />
possui conotação pejorativa, enquanto em “mijadinha”, o<br />
diminutivo minimiza o sentido da palavra primitiva. Em ambos<br />
os casos, o sufixo provoca efeito de ironia.<br />
B.b) No poema, a palavra “amarelo” é visualmente<br />
destacada. Apesar de referir-se a “girassóis”, é usada<br />
no singular. Esse recurso poético interfere na classe<br />
gramatical da palavra bem como na sua função sintática.<br />
Analise tal procedimento e o efeito de sentido por ele<br />
gerado no contexto. (4)<br />
Resolução:<br />
Amarelo, no caso, é formada por derivação imprópria<br />
(“translação de classe gramatical e de significado”). Essa<br />
palavra é normalmente utilizada como adjetivo; no poema,<br />
porém, está como advérbio, o que justifica seu uso no singular<br />
(Os girassóis “amarelamente” resistem). Expressivamente,<br />
intensifica o amarelo como cor, que “compõe” todo o cenário:<br />
“sol” (Gatos espapaçados ao sol / O sol acaba de crestar as<br />
boninas” / “Os Girassóis amarelo! resistem”).<br />
1
2<br />
fgv - 13/11/2005 <strong>CPV</strong> o cursinho que mais aprova na <strong>FGV</strong><br />
Questão C<br />
Leia o poema “Música” de Carlos Drummond de Andrade. Ele<br />
será o texto-base para a questão C.<br />
Música<br />
A Pedro Nava<br />
Uma coisa triste no fundo da sala.<br />
Me disseram que era Chopin.<br />
A mulher de braços redondos que nem coxas<br />
martelava na dentadura dura<br />
sob o lustre complacente.<br />
Eu considerei as contas que era preciso pagar,<br />
os passos que era preciso dar,<br />
as dificuldades...<br />
Enquadrei o Chopin na minha tristeza<br />
e na dentadura amarela e preta<br />
meus cuidados voaram como borboletas.<br />
ANDRADRE, Carlos Drummond de. Alguma Poesia. In:<br />
Poesia Completa e Prosa. RJ: Editora Nova Aguilar, 1977. p. 71.<br />
O poema é composto pelo processo de colagem. Por meio de<br />
várias figuras de linguagem, constrói a imagem de uma “ironia<br />
amarga”.<br />
C.a) Aponte três figuras de palavras que considerar<br />
relevantes para a composição do poema e ressalte o<br />
valor expressivo de cada uma delas. (5)<br />
Resolução:<br />
Podem-se apontar as seguintes figuras de palavra (ou tropos):<br />
metonímia (relação autor pela obra) em “Me disseram que<br />
era Chopin” e “Enquadrei o Chopin na minha tristeza”;<br />
compração ou símile em “A mulher de braços redondos que<br />
nem coxas” e metáfora, no verso “martelava a dentadura<br />
dura”. Na primeira, a figura intensifica a tristeza do autor; na<br />
segunda, conota uma pessoa extremamente obesa tocando<br />
piano de forma agressiva e, por fim, a metáfora exprime<br />
semelhança entre o teclado do piano e a “dentadura dura”.<br />
Tais figuras, no processo de colagem, consubstanciam a imagem<br />
de uma “ironia amarga” no poema como um todo.<br />
C.b) Nos versos “martelava na dentadura dura /sob o lustre<br />
complacente” podem-se assinalar, na expressão em<br />
itálico, quatro figuras de som. Identifique ao menos<br />
duas e relacione-as com a imagem da intérprete de<br />
Chopin construída no poema.(6)<br />
Resolução:<br />
Há vários recursos sonoros condensados nesse pequeno<br />
trecho. Poderia ser apontada, por exemplo, a aliteração em d<br />
e t (dentaduras duras), que sugere o impacto dos dedos da<br />
intérprete no teclado do piano, o que também poderia ser<br />
visto como onomatopéia. A assonância em u (dentaduras<br />
duras) faz lembrar notas graves e tristes da peça. A<br />
paranomásia (dentaduras duras) remete a uma seqüência<br />
de notas repetidas, como em sol, lá, dó, ré, dó, ré, por exemplo.<br />
De qualquer forma, todas elas se relacionam com a imagem<br />
taciturna da intérprete, que “martela” as teclas sob o “olhar<br />
complacente do lustre”.<br />
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COMENTÁRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA<br />
A prova de Língua Portuguesa para Direito <strong>FGV</strong> pautou-se em<br />
dois textos literários modernistas. A prova exigia que o<br />
candidato não apenas tivesse o domínio de fatos lingüísticos<br />
mas, principalmente, soubesse contextualizá-los. Com isso, não<br />
se pediram questões em que os candidatos ficassem meramente<br />
na superfície do texto. Exploraram-se muito bem assuntos como<br />
“elementos da descrição”, “formação de palavras” e “figuras<br />
de linguagem”. A prova requeria, enfim, conhecimento e<br />
habilidade de expressão escrita.