14.04.2013 Views

Vanessa Pinheiro de Andrade - Outros Tempos - Uema

Vanessa Pinheiro de Andrade - Outros Tempos - Uema

Vanessa Pinheiro de Andrade - Outros Tempos - Uema

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Vanessa</strong> <strong>Pinheiro</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

“Alguém vai ter que me<br />

ouvir”:<br />

Aplicação didática <strong>de</strong> músicas do cantor e<br />

compositor Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda sobre<br />

o regime militar no Brasil.<br />

São Luís – MA<br />

2006<br />

12


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA<br />

CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN<br />

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA<br />

CURSO DE HISTÓRIA<br />

VANESSA PINHEIRO DE ANDRADE<br />

“ALGUÉM VAI TER QUE ME OUVIR”:<br />

Aplicação didática <strong>de</strong> músicas do cantor e compositor Chico Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda sobre o regime militar no Brasil.<br />

São Luís<br />

2006<br />

13


VANESSA PINHEIRO DE ANDRADE<br />

“ALGUÉM VAI TER QUE ME OUVIR”:<br />

Aplicação didática <strong>de</strong> músicas do cantor e compositor Chico Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda sobre o regime militar no Brasil.<br />

São Luís<br />

2006<br />

14<br />

Monografia apresentada ao curso<br />

<strong>de</strong> História da Universida<strong>de</strong><br />

Estadual do Maranhão, para<br />

obtenção do grau <strong>de</strong> Licenciatura<br />

em História.<br />

Orientador: Prof.ª Mestre Júlia<br />

Constança Pereira Camêlo.


VANESSA PINHEIRO DE ANDRADE<br />

“ALGUÉM VAI TER QUE ME OUVIR”:<br />

Aplicação didática <strong>de</strong> músicas do cantor e compositor Chico Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda sobre o regime militar no Brasil.<br />

Aprovada em ____ / ____ / ____<br />

BANCA EXAMINADORA<br />

15<br />

Monografia apresentada ao curso<br />

<strong>de</strong> História da Universida<strong>de</strong><br />

Estadual do Maranhão, para<br />

obtenção do grau <strong>de</strong> Licenciatura<br />

em História.<br />

Prof.ª Mestre Júlia Constança Pereira Camêlo (Orientador)<br />

Universida<strong>de</strong> estadual do Maranhão<br />

Mestre em História<br />

UNESP - Assis<br />

Prof.° Mestre Marcelo Cheche<br />

Universida<strong>de</strong> estadual do Maranhão<br />

Mestre em História<br />

UNESP - Assis<br />

Prof.º Mestre Carlos Alberto Ximen<strong>de</strong>s<br />

Universida<strong>de</strong> estadual do Maranhão<br />

Mestre em História<br />

UNESP - Assis


16<br />

“A incompreensão do presente<br />

nasce fatalmente da ignorância do<br />

passado”<br />

Marc Bloch


17<br />

À minha esplendorosa mãe, por<br />

ser a luz da minha escuridão.


A G R A D E C I M E N T O S<br />

A minha mãe, que em toda sua sabedoria e <strong>de</strong> forma<br />

sublime, enxerga e me guia pelas incertezas <strong>de</strong> minha vida.<br />

seguro.<br />

Ao meu pai, sempre presente, companheiro, meu porto<br />

A minha amada irmã Débora por sua pressa sufocante em<br />

me ver além das expectativas e meu cunhado Davi por sua benevolência.<br />

tia Liz, exemplo <strong>de</strong> pureza.<br />

A minha tia Tânia por seu amor maternal e incondicional e<br />

A minha orientadora, Júlia Constança, que me acolheu num<br />

momento <strong>de</strong> abandono e incompreensão, dispensando sua generosida<strong>de</strong><br />

e paciência comigo e com este trabalho <strong>de</strong> conclusão do Curso <strong>de</strong><br />

História.<br />

Ao professor Marcelo Cheche, que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser pai<br />

<strong>de</strong>ste trabalho e a quem cultivo muito apreço e admiração.<br />

A professora “Lourdinha”, simplesmente por ser<br />

incomparável, insubstituível e inesquecível, inspiradora do amor<br />

incondicional à História.<br />

Aos <strong>de</strong>mais professores do Curso <strong>de</strong> História que<br />

contribuíram na minha aquisição <strong>de</strong> conhecimentos ao longo <strong>de</strong> minha<br />

18


estadia no curso. Entre eles, os memoráveis: Paulo Rios, Beth, Allan, Lilá<br />

e Henrique.<br />

Aos amigos queridos, parceiros <strong>de</strong> minha vida, Carolina e<br />

Klevison, pelo companheirismo <strong>de</strong> todas as horas, pelo amor dispensado,<br />

pela fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, incentivo, apoio, carinho. Obrigada por existirem em<br />

minha vida.<br />

meus percalços no curso.<br />

A amiga Adriana, companheira fiel, única escu<strong>de</strong>ira dos<br />

Ao meu namorado Fernando, por me fazer centrar nas<br />

coisas realmente importantes para minha vida. Te amo!<br />

E a Deus, por me fazer ser.<br />

19


RESUMO<br />

Estudo dirigido sobre a utilização da música como mecanismo didático na<br />

busca <strong>de</strong> diversificação e aperfeiçoamento do processo ensino-<br />

aprendizagem, tendo como eixo temático a utilização <strong>de</strong> músicas do<br />

cantor e compositor Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda, elaboradas durante e<br />

acerca do regime militar que assolou o Brasil, como recurso, enquanto<br />

documento histórico.<br />

Palavras-chaves: Música, Processo ensino-aprendizagem, Chico<br />

Buarque, Regime Militar, Documento histórico.<br />

20


ABSTRACT<br />

Study directed on the use of music as didactic mechanism in the<br />

diversification search and perfectioning of the process teach-learning,<br />

having as thematic axle the use of musics of the singer and composer<br />

Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda, elaborated during and about the military<br />

regimen that <strong>de</strong>vastated Brazil, as resource, while historical document.<br />

Key Words: Music, Process teach-learning, Chico Buarque, Military<br />

Regimen, historical Document.<br />

21


S U M Á R I O<br />

p.<br />

1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 12<br />

2 “INDA PAGO PRA VER / O JARDIM FLORESCER”: O incentivo à<br />

utilização da música como mecanismo didático................................ 16<br />

3 “ERA A DURA, NUMA MUITO ESCURA VIATURA”: Breve contexto<br />

histórico sobre aspectos da Ditadura.................................................. 25<br />

4 “NINGUÉM, NIMGUÉM VAI ME SEGURAR / NINGUÉM HÁ DE ME<br />

FECHAR / AS PORTAS DO CORAÇÃO”: Sugestão <strong>de</strong> aplicação<br />

didática das músicas <strong>de</strong> Chico Buarque, produzidas durante a<br />

ditadura que assolou o Brasil, para alunos do ensino fundamental e<br />

médio........................................................................................................35<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................. 52<br />

ANEXOS.................................................................................................. 54<br />

REFERÊNCIAS....................................................................................... 60<br />

22


LISTA DE ANEXOS<br />

ANEXO A – Foto 1.................................................................................. 55<br />

ANEXO B – Foto 2 ................................................................................. 56<br />

ANEXO C – Foto 3 e 4 ........................................................................... 57<br />

ANEXO D – Foto 5 e 6 ........................................................................... 58<br />

ANEXO E – Foto 7 ................................................................................. 59<br />

23<br />

p.


Andra<strong>de</strong>, <strong>Vanessa</strong> <strong>Pinheiro</strong><br />

“Alguém vai ter que me ouvir”: aplicação didática <strong>de</strong><br />

músicas do cantor e compositor Chico Buarque sobre o regime<br />

militar / <strong>Vanessa</strong> <strong>Pinheiro</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. – São Luís, 2006.<br />

61 f.:il.<br />

Monografia (Graduação em História) - Universida<strong>de</strong> Estadual do<br />

Maranhão, 2006.<br />

1. Música 2. Processo ensino-aprendizagem 3. Chico Buarque 4.<br />

Regime militar 5. Documento Histórico. I. Título<br />

CDU: 78.04:371.67<br />

24


1 INTRODUÇÃO<br />

Dotada <strong>de</strong> uma importância cultural e política singulares, a<br />

música brasileira constitui-se num po<strong>de</strong>roso mecanismo <strong>de</strong> auto-<br />

conhecimento, <strong>de</strong> interação sobre o “eu” nacional. E isso não é pouca<br />

coisa num país acusado <strong>de</strong> não ter memória sobre si mesmo. O objetivo<br />

<strong>de</strong>ste trabalho não se remete ao estudo do período referente ao regime<br />

militar em seus mínimos <strong>de</strong>talhes, mas na sugestão <strong>de</strong> uma abordagem<br />

didática para a construção, por alunos do ensino fundamental e médio, <strong>de</strong><br />

uma concepção sobre o período adquirida não apenas pela recepção <strong>de</strong><br />

informações pré-fabricadas, mas pela observação, análise e conseqüente<br />

formação <strong>de</strong> conhecimento autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte a partir da<br />

observação <strong>de</strong> documentos históricos, que no caso <strong>de</strong>ste trabalho,<br />

resumem-se às músicas do cantor e compositor Francisco Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda, elaboradas durante e acerca do regime militar que assolou o<br />

Brasil nas décadas <strong>de</strong> 1960 a 1980.<br />

A análise histórica, nas últimas décadas, ampliou-se <strong>de</strong><br />

maneira a permitir que houvesse a efetiva discussão sobre a História<br />

Cultural, possibilitando um levantamento <strong>de</strong> possíveis perspectivas <strong>de</strong><br />

análise numa discussão exaustiva e difícil, embora estimulante, sobre as<br />

25


elações entre práticas culturais e ação social. Assim, as músicas<br />

elaboradas durante o Regime Militar ao qual o Brasil foi submetido e que<br />

tiveram o regime como temática aparecem para somar e enriquecer o<br />

corpo documental sobre o período. Elas expressam e consolidam <strong>de</strong><br />

maneira peculiar a sensibilida<strong>de</strong> que emerge <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em<br />

processo <strong>de</strong> industrialização e urbanização, bem como <strong>de</strong> vivência <strong>de</strong> um<br />

regime autoritário.<br />

Em convergência aos pressupostos explanados nos<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997) que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a<br />

utilização <strong>de</strong> outras fontes documentais, além da escrita, com o objetivo<br />

<strong>de</strong> aperfeiçoar métodos <strong>de</strong> interpretação que abrangem os vários<br />

registros produzidos, entre eles, especialmente no caso <strong>de</strong>ste trabalho, a<br />

comunicação sonora, o nosso recorte será analisar as canções <strong>de</strong> Chico<br />

Buarque <strong>de</strong> Holanda numa perspectiva didática, ou seja, compreen<strong>de</strong>r a<br />

gestação <strong>de</strong> manifestações políticas <strong>de</strong>ntro das representações culturais<br />

no período que abrange a ditadura brasileira para enten<strong>de</strong>rmos aquela<br />

socieda<strong>de</strong>. Canções estas que abordam os anseios da esquerda<br />

organizada diante das insatisfações políticas do momento, as reações<br />

populares ao golpe. Abre-se aí um campo fértil às relações<br />

interdisciplinares que articulam os conhecimentos <strong>de</strong> História com a<br />

Música.<br />

26


Não preten<strong>de</strong>mos no trabalho per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista os<br />

movimentos antagônicos às reações populares, pois a partir dos fins da<br />

década <strong>de</strong> 60 suce<strong>de</strong>-se uma das repressões políticas mais atuantes,<br />

acirradas e violentas, revelada em nosso documento: a música. Nessa<br />

perspectiva o trabalho com a música no contexto <strong>de</strong>ste período histórico<br />

facilitará a compreensão dos alunos, pois é raro encontrar uma pessoa<br />

que não se sensibilize com o som. Acreditamos no valor que o som<br />

organizado por nós, seres humanos, po<strong>de</strong> alcançar: a transmissão do<br />

saber às novas gerações. Propomos <strong>de</strong>sta forma oferecer uma<br />

contribuição aos que exercem o ofício <strong>de</strong> ensinar ou transmitir a outra<br />

pessoa algum saber, conhecimento ou informação, instrumentos que<br />

tornem os seus trabalhos mais agradáveis, produtivos e eficientes na<br />

medida em que a música associada à disciplina auxilie a assimilação dos<br />

aprendizes, pois há uma abertura <strong>de</strong> um novo canal <strong>de</strong> comunicação<br />

entre quem ensina e quem apren<strong>de</strong>, que não é somente o verbal. Com a<br />

música, é possível <strong>de</strong>spertar e <strong>de</strong>senvolver nos alunos sensibilida<strong>de</strong>s<br />

mais aguçadas nas observações <strong>de</strong> questões próprias da disciplina.<br />

Assim, acreditamos que a música abordada numa<br />

perspectiva didática não só facilitará o aprendizado, como também<br />

ajudará a superar aspectos negativos da educação brasileira, configurado<br />

nos altos índices <strong>de</strong> repetência, evasão escolar, baixa freqüência, além, é<br />

claro, <strong>de</strong> possibilitar a criação <strong>de</strong> um ambiente mais agradável e<br />

27


estimulante à interação do aluno no conhecimento e i<strong>de</strong>ntificação da<br />

disciplina História.<br />

Para tanto, o trabalho divi<strong>de</strong>-se em três momentos. O<br />

primeiro, com o título: “INDA PAGO PRA VER / O JARDIM FLORESCER”:<br />

O incentivo à utilização da música como mecanismo didático; trata <strong>de</strong><br />

perspectivas metodológicas relacionadas à possibilida<strong>de</strong> (e seu estímulo)<br />

da utilização <strong>de</strong> múltiplos recursos no processo ensino-aprendizagem,<br />

que no caso <strong>de</strong>ste trabalho se reduz à música nas aulas <strong>de</strong> História.<br />

Neste capítulo busco embasar minha sugestão em práticas autorizadas e<br />

estimuladas pelos PCNs, em consonância com as prerrogativas atuais da<br />

História que autorizam a leitura do cotidiano.<br />

O segundo momento, com o título: “ERA A DURA, NUMA<br />

MUITO ESCURA VIATURA”: Breve contexto histórico sobre aspectos da<br />

Ditadura; trata, como já mencionado, <strong>de</strong> uma breve exposição do contexto<br />

histórico relacionado ao Regime Militar no Brasil sob a óptica da classe<br />

média intelectualizada na qual se inseria Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda e sua<br />

relação com este contexto, localizando o compositor no tempo histórico<br />

para, assim, po<strong>de</strong>r imprimir o significado <strong>de</strong> suas canções a este trabalho.<br />

Por fim, o terceiro momento, com o titulo: “NINGUÉM,<br />

NINGUÉM VAI ME SEGURAR / NINGUÉM HÁ DE ME FECHAR / AS<br />

PORTAS DO CORAÇÃO”: Sugestão <strong>de</strong> aplicação didática das músicas<br />

28


<strong>de</strong> Chico Buarque, produzidas durante a ditadura que assolou o Brasil,<br />

para alunos do ensino fundamental e médio; sugere uma metodologia<br />

para a utilização das músicas do cantor e compositor Chico Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda, produzidas durante e acerca do regime militar, como recurso<br />

didático e fonte histórica que é, na busca <strong>de</strong> dinamicida<strong>de</strong> às aulas <strong>de</strong><br />

História para alunos do ensino fundamental e médio.<br />

As músicas escolhidas para a utilização <strong>de</strong>ste trabalho,<br />

entre as diversas músicas <strong>de</strong> Chico Buarque que po<strong>de</strong>m aplicar-se à<br />

sugestão <strong>de</strong>ste trabalho, foram colhidas do livro “Chico Buarque <strong>de</strong><br />

Holanda: literatura comentada” <strong>de</strong> Adélia Bezerra <strong>de</strong> Meneses e<br />

encontram-se à disposição também no CD “Chico: O Político”.<br />

Este trabalho, por sua vez, não tem a pretensão <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminar uma aplicação didática da música na disciplina História, mas<br />

sugerir a sua aplicação na busca <strong>de</strong> melhores <strong>de</strong>sempenhos no processo<br />

ensino-aprendizagem através da utilização <strong>de</strong>ssa alegoria.<br />

2 “INDA PAGO PRA VER / O JARDIM FLORESCER”: O incentivo à<br />

utilização da música como mecanismo didático<br />

29


A Nova História emergiu na ativida<strong>de</strong> historiográfica com<br />

novas perspectivas à busca do conhecimento histórico abordando novos<br />

problemas, e novos objetos que acabaram por levar à reflexão do próprio<br />

contexto da história modificando, acrescentando e re<strong>de</strong>finindo a<br />

percepção tradicional (LE GOFF, NORA, 1976).<br />

A historiografia tradicional, em todas as suas vertentes:<br />

positivismo, estruturalismo, marxismo ortodoxo ou historicismo; passou a<br />

sofrer gran<strong>de</strong>s contestações.<br />

Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos <strong>de</strong><br />

1980, os conhecimentos escolares, no Brasil, passaram a ser<br />

questionados e re<strong>de</strong>finidos por reformas curriculares. No campo da<br />

história essas se apresentaram através do <strong>de</strong>bate entre diversas<br />

tendências historiográficas voltadas para a abordagem <strong>de</strong> novas<br />

problemáticas e temáticas <strong>de</strong> estudo, atreladas às questões da história<br />

social, cultural e do cotidiano, sugerindo mecanismos <strong>de</strong> revisão ao<br />

formalismo da abordagem histórica tradicional.<br />

30<br />

A apresentação do processo histórico como seriação dos<br />

acontecimentos num eixo espaço-temporal<br />

europocêntrico, seguindo um processo evolutivo e<br />

seqüência <strong>de</strong> etapas que cumpriam uma trajetória<br />

obrigatória, foi <strong>de</strong>nunciada como redutora da capacida<strong>de</strong><br />

do aluno, como sujeito comum, <strong>de</strong> se sentir parte<br />

integrante e agente <strong>de</strong> uma história que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rava<br />

sua vivência, e era apresentado como produto pronto e


acabado. (PARÂMETROS CURRICULARES<br />

NACIONAIS / Ensino Fundamental, 1997, p. 28)<br />

Incorporando orientações mais relativistas às análises,<br />

através também <strong>de</strong> novas perspectivas pedagógicas que passaram a<br />

difundir estudos sobre processos <strong>de</strong> ensino e aprendizagem em que o<br />

aluno é consi<strong>de</strong>rado como participante ativo no processo <strong>de</strong> construção<br />

do conhecimento, busca-se mo<strong>de</strong>rnamente, com a ajuda da chamada<br />

Nova História, inspirada na e continuadora da Escola dos Annales,<br />

direcionar o conhecimento histórico à observação dos sujeitos com seus<br />

objetos <strong>de</strong> conhecimento, o que lhe ren<strong>de</strong>rá um posicionamento, através<br />

do questionamento sobre as formas <strong>de</strong> existência humana, promovendo<br />

uma re<strong>de</strong>finição no mundo em que vivem.<br />

Apesar <strong>de</strong> não ser espelho fiel <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> e sim uma<br />

representação <strong>de</strong> partes e momentos particulares <strong>de</strong>la, o documento<br />

<strong>de</strong>sperta o interesse e a atenção em sala <strong>de</strong> aula, uma vez que <strong>de</strong>rruba a<br />

barreira do “discurso competente” em que estudar História parte da<br />

premissa <strong>de</strong> um saber acabado e pronto, como uma verda<strong>de</strong> absoluta e<br />

irrefutável trazida pelo professor ou livro didático ao aluno, cabendo a<br />

esse absorvê-lo passivamente. O aluno, assim como o próprio professor,<br />

uma vez que terá que buscar através <strong>de</strong> pesquisa prévia as fontes a<br />

serem apresentadas à sala <strong>de</strong> aula, passa a sentir-se parte integrante da<br />

construção do conhecimento já que, através do contato, é levado a<br />

31


analisar, questionar e elaborar suas conclusões a respeito do material<br />

estudado.<br />

O trabalho com documentos leva à percepção <strong>de</strong> que ele<br />

fala e que o faz tanto melhor conforme as perguntas que se lhe colocam,<br />

respon<strong>de</strong>ndo a diferentes indagações conforme as intenções do<br />

pesquisador.<br />

Em consonância com o disposto, os PCNs colocam:<br />

32<br />

Valorizar trabalhos <strong>de</strong> leitura crítica significa optar por<br />

aprendizagens qualitativas e não simplesmente<br />

quantitativas que visam, por exemplo, apenas o acesso<br />

a informações históricas <strong>de</strong> caráter cumulativo. É<br />

importante que o professor consi<strong>de</strong>re que tanto as<br />

informações mais explícitas nas obras quanto aquelas<br />

obtidas por leitura crítica contribuem para a ampliação<br />

do repertório cultural e histórico <strong>de</strong> seus alunos. O modo<br />

como os alunos i<strong>de</strong>ntificam e reconstroem as questões<br />

pertinentes à disciplina da história, como <strong>de</strong> fato, sujeito<br />

e tempo histórico, serão também fundamentais para que<br />

possam compreen<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> modo cada vez mais<br />

complexo, as relações entre os homens, as suas ações<br />

e as suas produções. (PARÂMETROS CURRICULARES<br />

NACIONAIS / Ensino Fundamental, 1997, p. 83)<br />

Nesta perspectiva, tem-se a intenção <strong>de</strong> junção do processo<br />

<strong>de</strong> aprendizagem ao <strong>de</strong> construção do conhecimento, e tal processo<br />

requer pesquisa, rompem-se as obvieda<strong>de</strong>s comuns, pertinentes aos<br />

métodos <strong>de</strong> ensino passados, instaurando-se níveis <strong>de</strong> aprofundamento<br />

racional da consciência.


33<br />

Sistematicamente o processo <strong>de</strong> aprendizagem<br />

confun<strong>de</strong>-se com a iniciação à investigação, <strong>de</strong>slocando<br />

o problema da integração ensino-pesquisa para todos os<br />

níveis <strong>de</strong> conhecimento, mesmo o mais elementar. A<br />

pesquisa é assim entendida como caminho privilegiado<br />

para a construção <strong>de</strong> autênticos sujeitos do<br />

conhecimento que se propõem a construir sua leitura <strong>de</strong><br />

mundo. (KNAUSS, 2001, p. 29)<br />

O período contemporâneo vem fabricando importantes<br />

informações sobre si mesmo através das estatísticas, materiais<br />

jornalísticos, editoriais e documentos audiovisuais, o que vem<br />

possibilitando novas perspectivas para a pesquisa e o ensino <strong>de</strong> História.<br />

Dessa forma:<br />

Em relação às fontes (...), os estudos <strong>de</strong> História<br />

Contemporânea não apenas contribuíram com novos<br />

objetos e problemas, mas, sobretudo com novos<br />

documentos primários. As fontes audiovisuais (cinema,<br />

fotografia), sonoras (fonogramas musicais, registros<br />

radiofônicos) e orais (<strong>de</strong>poimentos vivos) se juntam às<br />

tradicionais e cultuadas fontes escritas, acrescidas, por<br />

sua vez, do vasto material produzido pela imprensa<br />

diária. (NAPOLITANO, 2003, p.170)<br />

Assim, partindo da premissa <strong>de</strong> que o conhecimento<br />

histórico é algo construído a partir <strong>de</strong> um procedimento metodológico, ou<br />

seja, uma constante construção, a música surge como objeto <strong>de</strong> estudo,<br />

passível <strong>de</strong> observação histórica, possibilitando novas e interessantes<br />

interpretações, uma vez que o trabalho com fontes variadas é sempre<br />

indispensável, pois o entendimento <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> acontece a partir da


análise das diversas vertentes sociais e não apenas <strong>de</strong> um documento<br />

isolado. O documento sonoro constitui-se, <strong>de</strong>sta forma, em mais uma<br />

<strong>de</strong>ssas fontes, enriquecendo e multiplicando as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

interpretação sobre o tema.<br />

A música está presente em situações da vida humana,<br />

sendo, em muitos casos, suporte para aten<strong>de</strong>r a vários propósitos, como<br />

a formação <strong>de</strong> hábitos, atitu<strong>de</strong>s e comportamentos, num exercício<br />

sensível e expressivo que também oferece condições para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> hipóteses e <strong>de</strong><br />

elaboração <strong>de</strong> conceitos.<br />

34<br />

A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos,<br />

estéticos e cognitivos, assim como a promoção <strong>de</strong><br />

interação e comunicação social, conferem caráter<br />

significativo à linguagem musical. É uma das formas<br />

importantes <strong>de</strong> expressão humana, o que por si só<br />

justifica sua presença no contexto da educação (...).<br />

(REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA A<br />

EDUCAÇÃO INFANTIL, 1998, p.45)<br />

Sem fugir à característica <strong>de</strong> incitar sentimentos e emoções,<br />

como todas as outras representações artísticas, a música proporciona a<br />

aproximação dos sentimentos <strong>de</strong> forma momentânea por indivíduos que<br />

não tem necessariamente algum tipo <strong>de</strong> ligação ou vínculo. Assim,<br />

tomada como objeto <strong>de</strong> estudo, abre um campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s,<br />

potencialida<strong>de</strong>s e limites para os historiadores, uma vez que, instituída <strong>de</strong><br />

um caráter cultural, não se <strong>de</strong>svincula <strong>de</strong> seu viés social, apresentando-


se, pois como potencial subsídio à investigação <strong>de</strong> assuntos relacionados<br />

ao seu contexto e sua relação à atualida<strong>de</strong> (FURTADO, 1997).<br />

As fontes sonoras no ensino <strong>de</strong> História vem sendo<br />

utilizadas não mais como prática esporádica e aleatória <strong>de</strong> um ou outro<br />

professor, mas como sugestão nos próprios documentos da política<br />

educacional oficial, como explícito nos Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

(PCNs) quando dispõe:<br />

35<br />

Na transposição do conhecimento histórico (...) é <strong>de</strong><br />

fundamental importância o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />

competências ligadas à leitura, análise, contextualização<br />

e interpretação <strong>de</strong> diversas fontes e testemunhos das<br />

épocas passadas – e também do presente. (...) Abre-se<br />

aí um campo fértil às relações interdisciplinares,<br />

articulando os conhecimentos <strong>de</strong> História com aqueles<br />

referentes à Língua Portuguesa, à Literatura, à Música e<br />

a todas as Artes, em geral. (PARÂMETROS<br />

CURRICULARES NACIONAIS / Ensino Médio, 1999, p.<br />

301)<br />

Contudo, apesar dos esforços do MEC para nortear a<br />

revisão do livro didático em várias áreas, direcionando a elaboração <strong>de</strong><br />

materiais articulados a uma série <strong>de</strong> elementos, além dos capítulos <strong>de</strong><br />

conteúdo e <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, com a adição <strong>de</strong> ilustrações ao texto explicativo<br />

e às legendas, conceitos e valores atitudinais diante do conteúdo, janelas<br />

<strong>de</strong> textos complementares ao texto principal, aspectos metodológicos que<br />

permitam ao estudante enten<strong>de</strong>r como aqueles conteúdos expostos no<br />

livro foram gerados pela historiografia, fontes primárias e secundárias <strong>de</strong><br />

várias origens; poucos livros trazem elementos para-textuais que


contenham registros sonoros, partindo da iniciativa dos professores o<br />

interesse em pesquisar e incluir em suas aulas e projetos didáticos<br />

documentos sonoros.<br />

Assim:<br />

36<br />

... gran<strong>de</strong> parte dos sistemas educacionais das<br />

socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, entre os quais incluo a maioria<br />

dos sistemas educacionais vigentes no Brasil, têm<br />

esquecido sua aplicação na prática <strong>de</strong> ensino e, ainda<br />

que haja a manutenção ou o resgate heróico <strong>de</strong> tal<br />

prática por parte <strong>de</strong> alguns poucos professores isolados,<br />

muitos fazem-no <strong>de</strong> maneira ina<strong>de</strong>quada, isto é,<br />

apreciam e sabem valorizar a música como ela merece,<br />

mais muitas vezes enfrentam a falta <strong>de</strong> conhecimento<br />

mais <strong>de</strong>talhado a respeito <strong>de</strong>ssa arte. (FERREIRA,<br />

2002, p.10)<br />

A falta <strong>de</strong> conhecimentos mais <strong>de</strong>talhados sobre uma<br />

abordagem didática com o instrumento sonoro leva os profissionais,<br />

enquanto professores e pesquisadores, ao impasse <strong>de</strong> ver-se impelido a<br />

optar pela observação <strong>de</strong> apenas um parâmetro da música. No caso das<br />

aulas <strong>de</strong> História acaba-se priorizando, <strong>de</strong>vido principalmente à maior<br />

proximida<strong>de</strong> da disciplina à linguagem escrita, a “letra”. Contudo, essa<br />

prática acaba por minimizar a mensagem da canção uma vez que<br />

ignorando aspectos como o arranjo, a melodia, o ritmo e o gênero, o<br />

sentido da música fica comprometido, pois esses elementos, muitas<br />

vezes, são responsáveis por complementar a mensagem verbal<br />

(NAPOLITANO 2002).


Com a música, observada a partir <strong>de</strong> seus parâmetros<br />

poéticos e musicais, é possível <strong>de</strong>spertar e <strong>de</strong>senvolver nos alunos<br />

sensibilida<strong>de</strong>s mais aguçadas nas observações <strong>de</strong> questões próprias da<br />

disciplina. Esse aguçamento da observação e da análise do aprendiz<br />

revela-se imprescindível na socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna e pós-mo<strong>de</strong>rna da<br />

imagem, do fantástico, do passageiro, já que garante a participação do<br />

aluno na análise do documento. A música torna-se um instrumento que<br />

me<strong>de</strong>ia a diversida<strong>de</strong> dos saberes existentes, possibilitando ao aluno<br />

diagnostica-los e <strong>de</strong>senvolver suas capacida<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>s cognitivas,<br />

sentindo-se estimulados.<br />

na Sala <strong>de</strong> Aula”:<br />

Como dispõe FERREIRA em sua obra “Como Usar a Música<br />

37<br />

Muitas vezes é mais eficaz perpetuar um pensamento<br />

transmitindo-o verbalmente pelo canto que pela escrita<br />

no papel, no papiro, no pergaminho ou na pedra – a<br />

história da humanida<strong>de</strong> prova isso. (...) A música, o som<br />

or<strong>de</strong>nado, assim como é uma linguagem universal<br />

também é uma linguagem por meio da qual uma idéia é<br />

mais bem difundida ao longo dos tempos (...) Essa é a<br />

transmissão verbal-oral-cantada do conhecimento.<br />

(FERREIRA, 2002, p.9)<br />

Além da música proporcionar o <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo<br />

<strong>de</strong> forma mais atraente e envolvente, será ela responsável, <strong>de</strong>vido<br />

principalmente ao exercício da análise, pela formação <strong>de</strong> indivíduos mais


críticos e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes quanto às opiniões acerca não apenas do<br />

conteúdo que foi apresentado, mas a respeito do mundo, da realida<strong>de</strong>, do<br />

contexto que os cercam. Aten<strong>de</strong>-se assim um outro preceito educacional<br />

que vai além da transmissão do conhecimento, a formação <strong>de</strong> cidadãos.<br />

3 “ERA A DURA, NUMA MUITO ESCURA VIATURA”: Breve contexto<br />

histórico sobre alguns aspectos da Ditadura<br />

O movimento instaurado no dia 31 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1964 que se<br />

propunha, aparentemente, a livrar o país da corrupção e do comunismo e<br />

restaurar a <strong>de</strong>mocracia iniciou sua atuação através dos chamados Atos<br />

Institucionais (AI).<br />

O po<strong>de</strong>r real da nação foi <strong>de</strong>slocado para a esfera militar,<br />

em que, num clima <strong>de</strong> conspiração, <strong>de</strong>flagrou-se um processo que viria a<br />

amputar as liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas da Constituição <strong>de</strong> 1946.<br />

Iniciou-se, assim, a implantação <strong>de</strong> uma ditadura que<br />

alcançaria sua plenitu<strong>de</strong> com a promulgação do Ato Institucional n° 5, o<br />

AI–5, <strong>de</strong>cretado em 1968.<br />

38


Parcialmente institucionalizada, a or<strong>de</strong>m autoritária imposta<br />

pelo regime caracterizou-se por regras cambiantes, tendo as divisas entre<br />

o proibido e o permitido uma fronteira pouco <strong>de</strong>finida. Instituições e<br />

liturgias próprias do sistema <strong>de</strong>mocrático mantiveram-se distorcidas com<br />

o objetivo <strong>de</strong> aumentar o campo <strong>de</strong> ação do Po<strong>de</strong>r Executivo e cercear o<br />

Congresso.<br />

39<br />

Ao se instalar no po<strong>de</strong>r, em 9 <strong>de</strong> abril, os militares<br />

obrigaram a história política brasileira a dar uma<br />

reviravolta: com efeito, <strong>de</strong>smoronava a primeira<br />

experiência <strong>de</strong>mocrática que o país vinha construindo,<br />

aos trancos e barrancos, ao longo <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anos. O<br />

golpe iria também mudar radicalmente a vida daqueles<br />

brasileiros que não viam motivos para comemorar a<br />

<strong>de</strong>rrocada <strong>de</strong> um governo civil eleito, o qual, mal ou bem<br />

tentava implantar reformas em benefício do povo. Eles<br />

acabariam se opondo <strong>de</strong> distintas maneiras a um regime<br />

militar apoiado pelos estratos mais conservadores da<br />

socieda<strong>de</strong>. (ALMEIDA, WEIS, 1998, p.323)<br />

Dotados <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res excepcionais legados pelos AIs, os<br />

militares <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aram um processo <strong>de</strong> perseguições aos adversários<br />

do regime, envolvendo prisões e torturas. Sofreram incansáveis investidas<br />

setores como os políticos liberais do Movimento Democrático Brasileiro<br />

(MDB), a igreja (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a alta hierarquia até as pastorais e as<br />

comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base), as oposições sindicais e populares <strong>de</strong> modo geral<br />

e a classe média intelectualizada, constituída por estudantes<br />

politicamente ativos, professores universitários, profissionais liberais,<br />

artistas, jornalistas, publicitários, etc, na qual <strong>de</strong>sponta, <strong>de</strong>ntre tantos,


Francisco Buarque <strong>de</strong> Holanda, o Chico Buarque (ALMEIDA, WEIS,<br />

1998).<br />

O SNI, Serviço Nacional <strong>de</strong> Informações, surge neste<br />

contexto, como mecanismo <strong>de</strong> importância imprescindível para a<br />

fiscalização das ativida<strong>de</strong>s realizadas pelos cidadãos, tendo como<br />

objetivo primário recolher e analisar informações pertinentes à Segurança<br />

Nacional, à contra-informação e à informação sobre questões <strong>de</strong><br />

subversão interna, transformando-se, na prática, em um órgão dotado <strong>de</strong><br />

quase tanto po<strong>de</strong>r quanto o po<strong>de</strong>r Executivo, atuando in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

contra os supostos opositores do regime. Outro mecanismo <strong>de</strong> intensa<br />

importância para esta conjuntura foi o DOI-CODI, Destacamento <strong>de</strong><br />

Operações e Informações e do Centro <strong>de</strong> Operações <strong>de</strong> Defesa Interna,<br />

criado em 1969, constituindo-se no mais importante pólo <strong>de</strong> tortura da<br />

ditadura (FAUSTO, 2002).<br />

A violência constante nas intervenções militares fez crescer<br />

a indignação das pessoas, criando condições para mobilizações<br />

populares amplas que reuniam estudantes, setores representativos das<br />

igrejas e a classe média, tendo como marco <strong>de</strong>sse processo na luta pela<br />

<strong>de</strong>mocratização a chamada Passeata dos 100 Mil, realizada em junho <strong>de</strong><br />

1968.<br />

40


A classe média intelectualizada teve participação ativa no<br />

contexto da oposição. Destarte, promover a oposição podia significar<br />

problemas diferenciados num regime em que as dimensões entre o<br />

público e o privado são mais incertas e movediças em comparação às<br />

<strong>de</strong>mocracias, <strong>de</strong>ste modo:<br />

41<br />

..., embora o autoritarismo procure restringir a<br />

participação política autônoma e promova a<br />

<strong>de</strong>smobilização, a resistência ao regime inevitavelmente<br />

arrasta a política para <strong>de</strong>ntro da órbita privada. Primeiro,<br />

porque parte pon<strong>de</strong>rável da ativida<strong>de</strong> política é trama<br />

clan<strong>de</strong>stina que <strong>de</strong>ve ser ocultada dos órgãos<br />

repressivos. Segundo, porque, reprimida, a ativida<strong>de</strong><br />

política produz conseqüências diretas sobre o dia-a-dia.<br />

Po<strong>de</strong> implicar a perda <strong>de</strong> emprego; mudança <strong>de</strong> casa;<br />

afastamento da família, dos amigos e parceiros, e, ainda,<br />

prisão, exílio, morte. Um traço peculiar do regime<br />

imposto em 1964 gerou efeitos também peculiares para<br />

a vida <strong>de</strong> seus opositores. (ALMEIDA, WEIS, 1998,<br />

p.327)<br />

O engajamento e envolvimento dos indivíduos no<br />

movimento <strong>de</strong> resistência ao regime militar aconteceram <strong>de</strong> maneiras<br />

diferentes:<br />

..., as formas <strong>de</strong> participação e o grau <strong>de</strong> envolvimento<br />

na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência variavam <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ações<br />

espontâneas e ocasionais <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> a um<br />

perseguido pela repressão até o engajamento em tempo<br />

integral na militância clan<strong>de</strong>stina dos grupos armados.<br />

Entre esses dois extremos, ser <strong>de</strong> oposição incluía<br />

assinar manifestos, participar <strong>de</strong> assembléias e<br />

manifestações públicas, dar conferências, escrever<br />

artigos, criar músicas, romances, filmes ou peças <strong>de</strong><br />

teatro; emprestar a casa para reuniões políticas, guardar<br />

ou distribuir panfletos <strong>de</strong> organizações ilegais, abrigar<br />

um militante <strong>de</strong> passagem; fazer chegar à imprensa


42<br />

<strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> tortura, participar <strong>de</strong> centros acadêmicos<br />

ou associações profissionais, e assim por<br />

diante.(ALMEIDA, WEIS, 1998, p.327)<br />

Devido ao perfil do regime autoritarista, qualquer ato<br />

relacionado à oposição direcionava a riscos pessoais impossíveis <strong>de</strong><br />

serem analisados <strong>de</strong> antemão o que gerou um constante sentimento <strong>de</strong><br />

insegurança e medo cotidiano à vida dos oposicionistas. Assim, aos<br />

membros da oposição intelectualizada restava testar cotidianamente os<br />

limites da ação permitida através da confecção das colunas <strong>de</strong> jornais,<br />

das composições, canções, encenações, protestos públicos.<br />

Como já citado, a oposição ao autoritarismo pela classe<br />

média ocorreu <strong>de</strong> diferentes formas, com intensida<strong>de</strong>s variadas e diversos<br />

graus <strong>de</strong> envolvimento. Assim, <strong>de</strong>ve-se levar em conta sua inconstância,<br />

numa história que se prolongou por mais <strong>de</strong> vinte anos e que igualmente<br />

se caracterizou pela instabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ditadura por vezes mais dura e<br />

outra mais branda. Durante esse período, alguns tomaram posição contra<br />

a intervenção militar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua instauração e assim permaneceram,<br />

outros mudaram <strong>de</strong> lado com o passar do tempo, uns fizeram oposição<br />

<strong>de</strong>ntro dos partidos legais, outros nas organizações profissionais e nos<br />

grupos <strong>de</strong> convivência, configurando um contexto <strong>de</strong>veras diversificado<br />

on<strong>de</strong> a intensida<strong>de</strong> do envolvimento com o movimento era relativa<br />

(ALMEIDA, WEIS, 1998) .


Os representantes da classe média intelectualizada que<br />

fizeram parte da resistência em tempo integral somaram apenas uma<br />

minoria. Nesses casos, a vida privada das pessoas subvertia-se aos<br />

imperativos da luta organizada, fazer parte da oposição significava,<br />

muitas vezes, <strong>de</strong>senvolver formas <strong>de</strong> fazer com que a atuação política<br />

fosse compatível com a vida cotidiana. Por várias vezes trabalho e política<br />

se confundiam como na advocacia, nas produções artísticas e culturais,<br />

no jornalismo.<br />

A repressão e a censura impostas pelo regime<br />

consolidaram-se <strong>de</strong> forma expressiva contra a produção artística e<br />

cultural do país on<strong>de</strong> muitas vezes o objetivo primordial era calar mais do<br />

que a obra, o autor. O cerceamento da ativida<strong>de</strong> artística e do prestígio<br />

público dos artistas foi proporcional à sua importância e disseminação<br />

como instrumento <strong>de</strong> crítica ao autoritarismo e expressão <strong>de</strong> idéias<br />

libertárias.<br />

43<br />

A censura abateu-se duramente sobre músicos e<br />

compositores <strong>de</strong> oposição. Não surpreen<strong>de</strong>: a canção<br />

popular, pelo lugar que ocupa na indústria cultural e na<br />

cultura da juventu<strong>de</strong>, foi o mais amplo canal <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia<br />

do autoritarismo no Brasil. E nenhuma outra criação<br />

artística simbolizou com tanto vigor a oposição ao<br />

regime, nem tão explicitamente convocou à sua<br />

<strong>de</strong>rrubada – pelo menos até o ‘Hino nacional’ cantado<br />

por Fafá <strong>de</strong> Belém nos comícios pelas Diretas já, em<br />

1984 – quanto ‘Para não dizer que não falei <strong>de</strong> flores’, <strong>de</strong><br />

Geraldo Vandré, que horrorizou os militares para todo o<br />

sempre pelos seus versos explícitos sobre o que se


44<br />

ensinava nos quartéis (‘morrer pela pátria/ e viver sem<br />

razão’). (ALMEIDA, WEIS, 1998, p.345)<br />

O engajamento, a linguagem cifrada, o teor <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do<br />

regime <strong>de</strong>mocrático moldavam a produção <strong>de</strong> uma parcela relevante <strong>de</strong><br />

artistas ante ao regime instaurado, numa postura pertinente que buscava<br />

driblar as ré<strong>de</strong>as da censura. Assim, a repressão do regime militar,<br />

principalmente após o AI-5, apesar <strong>de</strong> todas as adversida<strong>de</strong>s que causou<br />

no cenário musical do país, acabou sendo a responsável pela gênese <strong>de</strong><br />

uma “frente ampla” musical, componente do complexo e diversificado<br />

movimento <strong>de</strong> resistência cultural à ditadura.<br />

É nesse contexto que Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda inicia o<br />

posicionamento que o tornou protagonista <strong>de</strong> uma das mais longas e<br />

aci<strong>de</strong>ntadas histórias <strong>de</strong> atrito com a ditadura e a censura. Os<br />

movimentos populares da década <strong>de</strong> 60, minados <strong>de</strong> fermentações<br />

i<strong>de</strong>ológicas e políticas, encontram um “Chico universitário” e, nesse<br />

momento “conscientização” era a palavra <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m nestes ambientes em<br />

que a convivência entre os alunos e <strong>de</strong>stes com os professores<br />

configurava-se em válvula para o crescimento do ativismo estudantil e sua<br />

significativa presença social. Assim, a produção inaugural do compositor<br />

caracteriza-se por um inegável comprometimento com o social.<br />

Importa na obra <strong>de</strong> Chico, recuperar os elementos da<br />

biografia <strong>de</strong> uma geração, apontando o paralelo <strong>de</strong><br />

evolução política / evolução poética. Em outras palavras:


45<br />

<strong>de</strong>scobrir aí uma poesia que conta a história do seu<br />

tempo, ao contar a história do homem. Pe<strong>de</strong>-se ver aqui<br />

em que medida uma biografia individual po<strong>de</strong> ser<br />

reveladora <strong>de</strong> uma crônica social. (MENESES, 2000, p.<br />

18)<br />

Contudo, é válido ressaltar que Chico, apesar <strong>de</strong> toda sua<br />

produção reveladora do contexto social da época, nunca se configurou<br />

a<strong>de</strong>pto a doutrinas específicas ou esteve relacionada à militância<br />

partidária (AZEVEDO, 2004). O próprio Chico Buarque não se consi<strong>de</strong>ra<br />

um manifestante ativo, apesar <strong>de</strong> ser configurado como ícone do<br />

movimento intelectual <strong>de</strong> resistência pacífica ao regime militar, acredita-se<br />

apenas como um cantor que expõe seu cotidiano, seus <strong>de</strong>sejos e<br />

aspirações. Como ressalta Adélia Bezerra <strong>de</strong> Meneses:<br />

Não se po<strong>de</strong> dizer que Chico Buarque seja um “cantor<br />

<strong>de</strong> protesto” propriamente dito. Ele próprio, em entrevista<br />

à imprensa, se recusa essa “pecha”: “[...] sou um cantor<br />

do cotidiano. Um cantor <strong>de</strong> resmungo. E uma pessoa <strong>de</strong><br />

protesto”. No entanto, algumas <strong>de</strong> suas composições<br />

cumpriram historicamente o papel <strong>de</strong> canção <strong>de</strong><br />

protesto, ou melhor, foram como tal utilizadas. [...]<br />

Talvez, no caso <strong>de</strong> Chico, melhor do que se falar em<br />

“canções <strong>de</strong> protesto”, seja falar em canções <strong>de</strong><br />

repressão. Algumas <strong>de</strong>las dizem mais a respeito da<br />

época em que surgiram do que muitos livros sobre o<br />

assunto. Não que elas pretendam ser o registro<br />

fotográfico <strong>de</strong>ssa época, ou que representem (como <strong>de</strong><br />

fato o são) um documento histórico: mas por que nelas,<br />

introjetado, está o “clima” do seu tempo. (MENESES,<br />

2000, p. 70)<br />

Em 1966 Chico teve seu primeiro embate com a censura<br />

<strong>de</strong>vido à música “Tamandaré” 1 conter frases consi<strong>de</strong>radas ofensivas ao<br />

patrono da Marinha e em 1968, dias após a <strong>de</strong>cretação do Ato<br />

1 Incluída no repertório do show “Meu refrão”, em parceria com o grupo MPB–4 e O<strong>de</strong>te Lara,<br />

Tamandaré foi proibida após seis meses em cartaz, <strong>de</strong>vido conter trechos como: “ Seu Marquês,<br />

seu Almirante / Do semblante meio contrariado / Que fazes parado / No meio <strong>de</strong>ssa nota <strong>de</strong> um<br />

cruzeiro rasgado” e “Cadê teu valor / Meu caro almirante / O tempo inconstante roubou”.


Institucional n° 5, foi <strong>de</strong>tido em sua própria casa e levado ao Ministério do<br />

Exército para prestar <strong>de</strong>poimento sobre a sua participação na passeata<br />

dos cem mil e sobre as cenas exibidas na peça Roda Viva, consi<strong>de</strong>radas<br />

subversivas. Chico passou a ser então constantemente intimado a prestar<br />

informações. Esta realida<strong>de</strong> gerou o seguinte <strong>de</strong>poimento:<br />

46<br />

Eu me sinto um indivíduo vigiado e por isso mesmo<br />

marginal. Não é que me tratem mal, mas é uma rotina à<br />

qual nunca vou me acostumar, mas que já assimilei<br />

como sendo parte integrante <strong>de</strong> minha vida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

resolvi viver neste país, que é o único que tenho. Então,<br />

isso perturba minha vida particular e minha ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

criação [...] O resultado é um medo, exagerado até, <strong>de</strong><br />

todos os lados... (HOLANDA apud ALMEIDA, WEIS,<br />

1998, p.347)<br />

Neste período, ainda está submerso em composições<br />

impregnadas <strong>de</strong> um lirismo nostálgico, característica dominante <strong>de</strong> sua<br />

obra na década <strong>de</strong> 1960, o que o afastava das canções <strong>de</strong> protesto, numa<br />

atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> distanciamento, forma <strong>de</strong> resistência à mo<strong>de</strong>rnização<br />

conservadora pós-64, que só será quebrada com o advento do AI-5 em<br />

1968, quando compõe “Sabiá”, no qual expõe <strong>de</strong> maneira pertinente o<br />

problema da pátria, e se consi<strong>de</strong>ra num exílio virtual, imaginário, uma vez<br />

envolto pela realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amputação das liberda<strong>de</strong>s individuais.<br />

Com a vida já monitorada pelo regime, em 1969 <strong>de</strong>ixa o<br />

Brasil, inicialmente para apresentar-se numa Feira na França e por<br />

orientação <strong>de</strong> amigos, parte para um auto-exílio na Itália.


No ano <strong>de</strong> 1970 volta-se para o protesto político com<br />

“Apesar <strong>de</strong> Você”, uma resposta crítica ao regime ditatorial no qual o país<br />

ainda estava imerso. Surpreen<strong>de</strong>ntemente, a música passou incólume<br />

pela censura prévia e se tornaria uma espécie <strong>de</strong> hino <strong>de</strong> resistência à<br />

ditadura. É a partir <strong>de</strong>sse momento que suas músicas se tornam mais<br />

hostis e reivindicatórias.<br />

As canções <strong>de</strong> protesto, durante a época aguda da<br />

repressão, refletem em Chico Buarque a confluência <strong>de</strong> uma vertente<br />

utópica e outra crítica configurando-se como documento fiel <strong>de</strong> seu<br />

tempo. Assim, “Apesar <strong>de</strong> você” (1970), “Deus lhe Pague” (1971),<br />

“Quando o Carnaval Chegar” (1972) e “Cálice” (1973), em parceria com<br />

Gilberto Gil <strong>de</strong>spontam – só para falar das mais significativas – num<br />

período em que a repressão e a censura encontram-se em sua vertente<br />

mais terrível.<br />

Neste momento Chico passa a retratar o tempo, em suas<br />

canções, não mais como mítico e sim como algo que carrega em seu bojo<br />

a virtualida<strong>de</strong> da transformação, passando a encará-lo como um “por vir”<br />

que não se confun<strong>de</strong> mais com o saudosismo <strong>de</strong> um passado a ser<br />

recuperado, mas um futuro a ser construído, concebendo a noção <strong>de</strong> que<br />

47


o homem faz parte da história, estando os valores históricos imersos no<br />

tempo, uma vez que são acontecimentos históricos.<br />

A repressão torna-se elemento estrutural das canções do<br />

compositor, e estas, por sua vez, passam a revelar a proposta <strong>de</strong><br />

mudança do presente, entendida numa dimensão histórica e, portanto,<br />

irreversível. Assim estabelece-se o duro confronto entre Chico e a<br />

censura, um jogo <strong>de</strong>sgastante entre o compositor e o censor numa<br />

enumeração <strong>de</strong> confrontos longos e cansativos.<br />

4 “NINGUÉM, NINGUÉM VAI ME SEGURAR / NINGUÉM HÁ DE ME<br />

FECHAR / AS PORTAS DO CORAÇÃO”: Sugestão <strong>de</strong> aplicação<br />

didática das músicas <strong>de</strong> Chico Buarque, produzidas durante e acerca<br />

da ditadura que assolou o Brasil, para alunos do ensino fundamental<br />

e médio<br />

O Brasil, gran<strong>de</strong> usina sonora do planeta, constituiu-se num<br />

cenário privilegiado não apenas para se ouvir música, mas também para<br />

pensá-la. A história sociocultural do país reserva à música, principalmente<br />

à Música Popular, <strong>de</strong>vido seu caráter <strong>de</strong> mediação, fusão, encontro <strong>de</strong><br />

etnias, classes, regiões e, no que se refere a este trabalho, reivindicações<br />

e protestos, um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque (NAPOLITANO, 2002).<br />

48


A história do país no século XX <strong>de</strong>ixa-se transparecer na<br />

música como veículo ativo dos nossos dilemas nacionais e utopias<br />

sociais. Utilizou-se <strong>de</strong> seu caráter reivindicativo, contestador e<br />

<strong>de</strong>nunciador como mecanismo do processo <strong>de</strong> luta estética e i<strong>de</strong>ológica.<br />

As aspirações contemporâneas por novos objetos e fontes<br />

propiciaram à música tornar-se fonte <strong>de</strong> estudos, entre outros, históricos,<br />

que possibilitam a ampliação do leque <strong>de</strong> conhecimentos sobre a história<br />

social, cultural e política do país que, no caso <strong>de</strong>ste trabalho, remete-se<br />

ao período que engloba a ditadura. Partindo do pressuposto <strong>de</strong> que a<br />

música, como qualquer outra manifestação artístico-cultural, <strong>de</strong>ve ser<br />

entendida <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua época e da cena histórica em que está inserida,<br />

uma vez que é produto <strong>de</strong> uma mediação da experiência histórica<br />

subjetiva com as estruturas objetivas da esfera socioeconômica<br />

potencializa-se enquanto fonte e até mesmo documento para formas<br />

teórico-metodológicas e historiográficas que vêem, a algumas décadas,<br />

se manifestando, melhor seria dizer: florescendo, no processo didático.<br />

Em consonância com NAPOLITANO, que logo em suas<br />

linhas iniciais da obra “História e música: história cultural da música<br />

popular” coloca:<br />

49<br />

Mas além <strong>de</strong> ser veículo para uma boa idéia, a canção<br />

(e a música popular como um todo) também ajuda a


50<br />

pensar a socieda<strong>de</strong> e a história. A música não é apenas<br />

“boa para ouvir”, mas também é “boa para pensar”.<br />

(NAPOLITANO, 2002, p. 11)<br />

A década <strong>de</strong> 60, que consagra a música, principalmente a<br />

MPB como objeto <strong>de</strong> reflexão acadêmica, proporciona a criação <strong>de</strong> um<br />

campo documental fértil a respeito do posicionamento dos artistas no que<br />

se refere à ditadura instaurada no período, uma vez que a essência das<br />

obras musicais advém <strong>de</strong> convenções socioculturais, da exposição do<br />

autor ao meio em que se inseria, ultrapassando o viés do intrínseco.<br />

Neste contexto, a exposição e análise <strong>de</strong> obras (produzidas<br />

no bojo da Ditadura Militar que assolou o país) do cantor e compositor<br />

Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda, numa perspectiva didática para o ensino<br />

fundamental e médio configura a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar numa<br />

abordagem interessante, atrativa e envolvente ao processo ensino-<br />

aprendizagem e conseqüentemente a construção do conhecimento do<br />

aluno, uma vez que manuseando músicas, que por sua simples condição<br />

<strong>de</strong> proporcionadora <strong>de</strong> divertimento já <strong>de</strong>notariam um clima bem mais<br />

ameno à enfadonha relação professor-doador x aluno-receptor, estarão<br />

também a <strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> um documento histórico, relato proveniente da<br />

participação do autor no que concerne a conjuntura histórica do período<br />

estudado. Essa conjuntura operacional proporcionará ao aluno a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir pelo menos parte <strong>de</strong> sua opinião sobre a época<br />

abordada.


Para tanto, a exposição <strong>de</strong>ve acontecer subsidiada por<br />

prerrogativas que norteiem o processo <strong>de</strong> recepção do material<br />

apresentado, para que o aluno possa montar <strong>de</strong> forma lógica e coerente,<br />

através <strong>de</strong> suas análises, suas conclusões obtidas a partir <strong>de</strong> sua<br />

percepção da obra.<br />

Diversas são as formas que esta alegoria, a música, po<strong>de</strong><br />

ser apresentada ao aluno, contudo acredito que a mais frutífera remete-se<br />

à apresentação da música a ser analisada sendo tocada para que o aluno<br />

tenha um contato inicial e se familiarize com o objeto. Depois a letra lhe<br />

seria apresentada para que ele pu<strong>de</strong>sse a conhecer. Neste momento é<br />

essencial a articulação entre o texto e o contexto histórico na qual está<br />

inserida para que a análise posterior não corra o risco <strong>de</strong> ser reduzida, o<br />

que reduziria a própria importância do objeto analisado. Buscar-se-á<br />

então direcionar o aluno a, da mesma forma que um pesquisador, mapear<br />

as camadas <strong>de</strong> sentido embutidas na obra, bem como suas formas <strong>de</strong><br />

interação da socieda<strong>de</strong> e na história. Para tanto, seria apropriado<br />

conduzir o aluno a perceber e <strong>de</strong>terminar quais seriam as reais intenções<br />

do autor na letra apresentada, como essas intenções se manifestam,<br />

leva-los a perceberem os <strong>de</strong>talhes e o que eles revelam.<br />

51


Músicas como “Cordão”, “Bom Conselho”, “O que Será”,<br />

“Cálice”, “Apesar <strong>de</strong> Você”, “Acorda Amor”, “Quando o Carnaval Chegar”<br />

e tantas outras sustentam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste trabalho. Algumas <strong>de</strong>las<br />

<strong>de</strong>monstram e refletem mais a respeito da época em que surgiram do que<br />

alguns dos livros sobre o assunto. O sentimento <strong>de</strong> resistência e protesto<br />

traduz-se, por exemplo, em “Cordão”:<br />

Ninguém, ninguém vai me segurar<br />

Ninguém há <strong>de</strong> me fechar<br />

As portas do coração<br />

Ninguém, ninguém vai me sujeitar<br />

A trancar no peito a minha paixão<br />

Eu não, eu não vou <strong>de</strong>sesperar<br />

Eu não vou renunciar, fugir<br />

Ninguém, ninguém vai me acorrentar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r sorrir<br />

Ninguém, ninguém vai me ver sofrer<br />

Ninguém vai me surpreen<strong>de</strong>r na noite da solidão<br />

Pois quem tiver nada pra per<strong>de</strong>r<br />

Vai formar comigo um imenso cordão<br />

E então quero ver o vendaval<br />

Quero ver o carnaval sair<br />

Ninguém, ninguém vai me acorrentar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r sorrir<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Alguém vai ter que me ouvir<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r seguir<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r sorrir<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r.<br />

(MENEZES, 1980, p. 29)<br />

O aluno terá a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indagar-se sobre quem<br />

compõe esse cordão, quem são esses que mais nada tem a per<strong>de</strong>r:<br />

52


Pois quem tiver nada pra per<strong>de</strong>r<br />

Vai formar comigo um imenso cordão<br />

E então quero ver o vendaval<br />

Quero ver o carnaval sair<br />

Po<strong>de</strong>rá o aluno, concluir que o que resta a esses que nada<br />

mais tem a per<strong>de</strong>r, segundo a mensagem da música, são suas<br />

convicções e aspirações e esse perfil lhe dá um caráter crítico e<br />

reivindicativo, em que se recusa o atual na espera <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong><br />

renovada, sentimento explicitado quando coloca:<br />

Ninguém, ninguém vai me segurar<br />

Ninguém há <strong>de</strong> me fechar<br />

As portas do coração<br />

Ninguém, ninguém vai me sujeitar<br />

A trancar no peito a minha paixão<br />

Eu não, eu não vou <strong>de</strong>sesperar<br />

Eu não vou renunciar, fugir<br />

Ninguém, ninguém vai me acorrentar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r cantar<br />

Enquanto eu pu<strong>de</strong>r sorrir<br />

[...]<br />

Alguém vai ter que me ouvir<br />

Po<strong>de</strong>rá notar que esta música alerta para a força e a<br />

gran<strong>de</strong>za das convicções, que a muitos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tolhidas todas as suas<br />

forças, foi o que restou. Neste contexto, o aluno po<strong>de</strong>rá indagar-se sobre<br />

a amplitu<strong>de</strong> da intervenção dos militares na vida das pessoas, como suas<br />

liberda<strong>de</strong>s eram violadas.<br />

Ninguém, ninguém vai me sujeitar<br />

A trancar no peito a minha paixão<br />

53


[...]<br />

Eu não vou renunciar, fugir<br />

Ninguém, ninguém vai me acorrentar<br />

[...]<br />

Ninguém vai me surpreen<strong>de</strong>r na noite da solidão<br />

A imaginação configura-se no limite para as possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> apresentação das músicas aos alunos. No caso da música “Cordão” o<br />

professor po<strong>de</strong>rá, entre outras abordagens à sua escolha, fazer uma<br />

explanação sobre o conteúdo trabalhado e apresentar a música num<br />

segundo momento. Deste modo, dotado <strong>de</strong> prévias informações<br />

fornecidas pelo professor, o aluno será orientado a interpretar a música<br />

em consonância com os dados que lhe foram fornecidos.<br />

“Acorda, Amor” reflete uma estrutura conjuntural da<br />

socieda<strong>de</strong> da época em que o cidadão comum prefere ser abordado por<br />

um ladrão à polícia:<br />

Acorda, amor<br />

Eu tive um pesa<strong>de</strong>lo agora<br />

Sonhei que tinha gente lá fora<br />

Batendo o portão<br />

Que aflição<br />

Era a dura<br />

Numa muito escura viatura<br />

Minha nossa, santa criatura<br />

Chame, chame, chame lá, chame o ladrão<br />

Chame o ladrão<br />

Acorda, amor<br />

Não é mais pesa<strong>de</strong>lo nada<br />

Tem gente já no vão da escada<br />

Fazendo confusão<br />

Que aflição<br />

São os homens<br />

E eu aqui parado <strong>de</strong> pijama<br />

54


Eu não gosto <strong>de</strong> passar vexame<br />

Chame, chame lá, chame o ladrão!<br />

Se eu <strong>de</strong>morar uns meses<br />

Convém às vezes você sofrer<br />

Mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um ano eu não vindo<br />

Ponha a roupa <strong>de</strong> domingo<br />

E po<strong>de</strong> me esquecer<br />

Acorda, amor<br />

Que o bicho é brabo e não sossega<br />

Se você corre, o bicho pega<br />

Se fica, não sei não<br />

Atenção, não <strong>de</strong>mora<br />

Dia <strong>de</strong>sses chega sua hora<br />

Não discuta à toa<br />

Não reclame, clame<br />

Clame, clame, chame, clame<br />

Chame o ladrão!<br />

Chame o ladrão!<br />

Não esqueça a escova,<br />

O sabonete e o violão.<br />

(MENEZES, 1980, p.45)<br />

As referências ao período atribulado que se vivia são<br />

notórias, <strong>de</strong> fácil percepção: a ditadura (“Era a dura / “Numa muito escura<br />

viatura” / “São os homens” / “Que o bicho é brabo e não sossega”), as<br />

prisões arbitrárias no meio da noite (“Não é mais pesa<strong>de</strong>lo nada” / Tem<br />

gente já no vão da escada”), os sumiços inexplicados <strong>de</strong> presos políticos<br />

(“Mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um ano eu não vindo” / Ponha roupa <strong>de</strong> domingo / E<br />

po<strong>de</strong> me esquecer”), os impasses e medos (“Se você corre, o bicho pega<br />

/ Se fica, não sei não”), a insegurança (“Dia <strong>de</strong>sses chega a sua hora”).<br />

Todas essas características, tão peculiares ao regime, po<strong>de</strong>rão ser<br />

analisadas e questionadas pelos alunos. E mais, o aluno também po<strong>de</strong>rá<br />

aludir para o fato da música sugerir o crime comum como subterfúgio ao<br />

crime político quando coloca: “Chame o ladrão!”<br />

55


Com a música “Acorda Amor” o professor po<strong>de</strong> iniciar seu<br />

trabalho apresentando a música aos alunos. Logo após incitará as<br />

percepções que os alunos fizeram sobre ela (essas certamente estarão<br />

atrelada às suas realida<strong>de</strong>s) explorando, por exemplo, suas visões sobre<br />

a polícia e os ladrões e como se estabelece a relação <strong>de</strong>stes com seus<br />

entendimentos sobre segurança, temor, repressão. Então, a partir do<br />

entendimento <strong>de</strong> mundo que seus alunos possuem, sobre as<br />

características acima mencionadas, apresentará informações sobre o<br />

regime militar para que eles possam comparar, extrair e compreen<strong>de</strong>r as<br />

características do período estudado, a ditadura, encontradas na música.<br />

Nesta música o professor, tanto no primeiro momento,<br />

quanto no segundo, tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atentar ou incitá-lo, se<br />

necessário, à percepção das mensagens subliminares dispostas nos<br />

arranjos melódicos, que aparece nesta canção como o som <strong>de</strong> sirene<br />

policial no início e no final da música. Assim, por exemplo, tem a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer um diálogo sobre as emoções e sentimentos<br />

que este som lhes imprime e relacioná-los à repressão.<br />

A mais conhecida canção <strong>de</strong> repressão <strong>de</strong> Chico, “Apesar<br />

<strong>de</strong> você”, que foi a primeira em termos <strong>de</strong> cronologia, mesmo tendo sido<br />

56


apidamente proibida pela censura <strong>de</strong>vido sua relação <strong>de</strong> referência ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte Médice, foi cantada em diversas situações pelo povo:<br />

Hoje você é quem manda<br />

Falou, tá falado<br />

Não tem discussão; não<br />

A minha gente hoje anda<br />

Falando <strong>de</strong> lado<br />

E olhando pro chão, viu<br />

Você que inventou esse estado<br />

E inventou <strong>de</strong> inventar<br />

Toda a escuridão<br />

Você que inventou o pecado<br />

Esqueceu-se <strong>de</strong> inventar<br />

O perdão<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser<br />

Outro dia<br />

Eu pergunto a você<br />

On<strong>de</strong> vai se escon<strong>de</strong>r<br />

Da enorme euforia<br />

Como vai proibir<br />

Quando o galo insistir<br />

Em cantar<br />

Água nova brotando<br />

E a gente se amando<br />

Sem parar<br />

Quando chegar o momento<br />

Esse meu sofrimento<br />

Vou cobrar com juros, juro<br />

Todo esse amor reprimido<br />

Esse grito contido<br />

Esse samba no escuro<br />

Você que inventou a tristeza<br />

Ora, tenha a fineza<br />

De <strong>de</strong>sinventar<br />

Você vai pagar e é dobrado<br />

Cada lágrima rolada<br />

Nesse meu penar<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser<br />

Outro dia<br />

Inda pago pra ver<br />

O jardim florescer<br />

Qual você não queria<br />

Você vai se amargar<br />

Vendo o dia raiar<br />

Sem lhe pedir licença<br />

E eu vou morrer <strong>de</strong> rir<br />

57


Que esse dia há <strong>de</strong> vir<br />

Antes do que você pensa<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser<br />

Outro dia<br />

Você vai ter que ver<br />

A manhã renascer<br />

E esbanjar poesia<br />

Como vai se explicar<br />

Vendo o céu clarear<br />

De repente, impunemente<br />

Como vai abafar<br />

Nosso coro a cantar<br />

Na sua frente<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser<br />

Outro dia<br />

Você vai se dar mal<br />

Etc. e tal.<br />

(MENEZES, 1980, p. 43)<br />

Nesta música o aluno po<strong>de</strong>rá observar a manifestação <strong>de</strong><br />

uma dupla intenção. Por um lado a <strong>de</strong>núncia das atrocida<strong>de</strong>s vivenciadas<br />

durante a repressão, sob o signo do hoje se retrata as forças <strong>de</strong> retenção,<br />

o bloqueio das expansões vitais, a contenção, o abafado; e por outro a<br />

perspectiva <strong>de</strong> alteração radical <strong>de</strong>sse contexto. Sob o signo do amanhã,<br />

se retrata um futuro incontestável em que a fecundida<strong>de</strong>, a<br />

expansivida<strong>de</strong>, a liberda<strong>de</strong> prepon<strong>de</strong>ram, ou seja, a esperança, a crença<br />

em dias melhores funcionando como fertilizante às aspirações dos<br />

<strong>de</strong>scontentes.<br />

Assim, a representação da realida<strong>de</strong> repressiva dos militares<br />

po<strong>de</strong>rá ser analisada quando da observação do trecho:<br />

58


em:<br />

Hoje você é quem manda<br />

Falou, tá falado<br />

Não tem discussão; não<br />

A situação <strong>de</strong> sujeição a que as pessoas estão submetidas:<br />

A minha gente hoje anda<br />

Falando <strong>de</strong> lado<br />

E olhando pro chão, viu<br />

A angústia, o represamento <strong>de</strong> emoções:<br />

Quando chegar o momento<br />

Esse meu sofrimento<br />

Vou cobrar com juros, juro<br />

Todo esse amor reprimido<br />

Esse grito contido<br />

Esse samba no escuro<br />

Já o <strong>de</strong>sejo e a crença na mudança po<strong>de</strong>m ser observados<br />

Apesar <strong>de</strong> você<br />

Amanhã há <strong>de</strong> ser<br />

Outro dia<br />

Eu pergunto a você<br />

On<strong>de</strong> vai se escon<strong>de</strong>r<br />

Da enorme euforia<br />

Como vai proibir<br />

Quando o galo insistir<br />

Em cantar<br />

Água nova brotando<br />

E a gente se amando<br />

Sem parar<br />

59


E também em:<br />

Inda pago pra ver<br />

O jardim florescer<br />

Qual você não queria<br />

Você vai se amargar<br />

Vendo o dia raiar<br />

Sem lhe pedir licença<br />

E eu vou morrer <strong>de</strong> rir<br />

Que esse dia há <strong>de</strong> vir<br />

Antes do que você pensa<br />

O aluno po<strong>de</strong>rá também aludir sobre a função social <strong>de</strong><br />

“Apesar <strong>de</strong> Você” enquanto canção <strong>de</strong> protesto, uma vez que a música<br />

traz o papel primário e imediato <strong>de</strong> suscitar a consciência da repressão,<br />

ela exerce também a raiva impotente pela ausência <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> modo<br />

verbal-emocional, <strong>de</strong>smobilizando, <strong>de</strong> certo modo, a violência, uma vez<br />

que o compositor a <strong>de</strong>saprovava.<br />

No caso da música “Apesar <strong>de</strong> Você” o professor po<strong>de</strong>rá<br />

iniciar seu trabalho estabelecendo com os alunos uma discussão sobre<br />

autorida<strong>de</strong>, submissão, angústia, sujeição e obediência na família e no<br />

meio social do aluno. Assim estes po<strong>de</strong>rão, a partir <strong>de</strong> suas realida<strong>de</strong>s,<br />

ter a percepção <strong>de</strong>sses conceitos. Num segundo momento a música lhes<br />

seria apresentada e lhes seria conferido a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazerem suas<br />

interpretações e conexões com o que já havia sido discutido. No terceiro<br />

momento, após explanação sobre o regime militar, seriam orientados a,<br />

60


segundo os momentos vividos anteriormente, interpretar e analisar a<br />

música <strong>de</strong> acordo com o período em que foi confeccionada.<br />

Ao observar a canção “Cálice” o aluno terá a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> analisar a dimensão expandida da censura e da repressão que<br />

levavam as pessoas a sentir-se na constante obrigação do silêncio,<br />

assinalada no próprio título quando observado o trocadilho cálice / cale-<br />

se:<br />

Como beber <strong>de</strong>ssa bebida amarga<br />

Tragar a dor, engolir a labuta<br />

Mesmo calada a boca resta o peito<br />

Silêncio na cida<strong>de</strong> não se escuta<br />

De que me serve ser filho da santa<br />

Melhor seria ser filho da outra<br />

Outra realida<strong>de</strong> menos morta<br />

Tanta mentira, tanta força bruta<br />

Como é difícil acordar calado<br />

Se na calada da noite eu me dano<br />

Quero lançar um grito <strong>de</strong>sumano<br />

Que é uma maneira <strong>de</strong> ser escutado<br />

Esse silêncio todo me atordoa<br />

Atordoado eu permaneço atento<br />

Na arquibancada pra a qualquer momento<br />

Ver emergir o monstro da lagoa<br />

Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice<br />

Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice<br />

Pai, afasta <strong>de</strong> mim esse cálice<br />

De vinho tinto <strong>de</strong> sangue<br />

De muito gorda a porca já não anda<br />

De muito usada a faca já não corta<br />

Como é difícil, pai, abrir a porta<br />

Essa palavra presa na garganta<br />

Esse pileque homérico no mundo<br />

De que adianta ter boa vonta<strong>de</strong><br />

Mesmo calado o peito resta a cuca<br />

Dos bêbados do centro da cida<strong>de</strong><br />

61


Talvez o mundo não seja pequeno<br />

Nem seja a vida um fato consumado<br />

Quero inventar o meu próprio pecado<br />

Quero morrer no meu próprio veneno<br />

Quero per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vez tua cabeça<br />

Minha cabeça per<strong>de</strong>r teu juízo<br />

Quero cheirar fumaça <strong>de</strong> óleo diesel<br />

Me embriagar até que alguém me esqueça.<br />

(MENEZES, 1980, p. 42)<br />

O levantamento das mensagens usadas nessa canção,<br />

realizado pelos alunos, levará à constatação da conhecida situação <strong>de</strong><br />

agüentar calado às investidas da repressão retratada, por exemplo, em:<br />

“tragar a dor, engolir a labuta, calada a boca, silêncio, realida<strong>de</strong> morta,<br />

acordar calado, danar-se, calado o peito, silêncio que atordoa, dificulda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> abrir a porta, palavra presa na garganta”. Todas essas expressões<br />

convergem e enfatizam uma mesma realida<strong>de</strong> repressora que aparece<br />

manifesta em “tanta mentira, tanta força bruta”.<br />

O aluno terá a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perceber que a canção,<br />

como o próprio título, remete-se a um silêncio imposto, assumido à revelia<br />

que <strong>de</strong> forma contaminadora vai progressivamente sufocando a todos.<br />

Quando coloca “mesmo calado a boca resta o peito” e <strong>de</strong>pois “mesmo<br />

calado o peito resta a cuca” e por fim “quero per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vez tua cabeça /<br />

minha cabeça per<strong>de</strong>r teu juízo” percebe-se a inserção avassaladora da<br />

repressão na possibilida<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> das pessoas se comunicarem,<br />

sentirem e pensarem.<br />

62


A angústia do sofrimento reprimido em que o indivíduo é<br />

<strong>de</strong>stituído <strong>de</strong> toda a sua autonomia configura-se quando o compositor<br />

coloca:<br />

Como é difícil acordar calado<br />

Se na calada da noite eu me dano<br />

Quero lançar um grito <strong>de</strong>sumano<br />

Que é uma maneira <strong>de</strong> ser escutado<br />

[...]<br />

Como é difícil, pai, abrir a porta<br />

Essa palavra presa na garganta<br />

O <strong>de</strong>sejo da liberda<strong>de</strong> que acaba por <strong>de</strong>monstrar que a<br />

esperança, apesar das adversida<strong>de</strong>s, perdura e que é através <strong>de</strong>la que os<br />

<strong>de</strong>scontentes abastecem-se <strong>de</strong> força po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificados em:<br />

Talvez o mundo não seja pequeno<br />

Nem seja a vida um fato consumado<br />

Quero inventar o meu próprio pecado<br />

Quero morrer no meu próprio veneno<br />

Quero per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vez tua cabeça<br />

Minha cabeça per<strong>de</strong>r teu juízo<br />

Quero cheirar fumaça <strong>de</strong> óleo diesel<br />

Me embriagar até que alguém me esqueça.<br />

A análise do contexto do período, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

manifestação do pensamento, o emprego da força para a contenção dos<br />

ânimos dos <strong>de</strong>scontentes, as atitu<strong>de</strong>s arbitrárias, po<strong>de</strong>rá ser efetuada<br />

pelos alunos quando observarem: “Outra realida<strong>de</strong> menos morta / Tanta<br />

mentira, tanta força bruta”.<br />

63


Para trabalhar a música “Cálice” o professor po<strong>de</strong>rá realizar<br />

um trabalho <strong>de</strong> pesquisa. Para tanto, inicialmente estabelecerá com os<br />

alunos uma explanação sobre o ofício do historiador e sua relação com a<br />

pesquisa e a investigação. Num segundo momento apresentará a canção<br />

aos alunos orientando-os sobre a sua função e os motivos pelos quais se<br />

configura em um documento histórico. Num terceiro momento proporá<br />

uma pesquisa sobre o regime militar e, estando esta realizada, os<br />

orientará a realizar o trabalho <strong>de</strong> investigação em busca <strong>de</strong> informações<br />

sobre a ditadura que a canção (documento histórico) po<strong>de</strong> lhes fornecer.<br />

São várias as músicas <strong>de</strong> Chico Buarque disponíveis para o<br />

tipo <strong>de</strong> abordagem retratada neste trabalho e incontáveis as<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manuseio, utilização e interpretação. Resta ao educador<br />

apenas o interesse e a disposição em utilizar esse recurso didático, uma<br />

alegoria que possibilitará a obtenção <strong>de</strong> múltiplos resultados positivos no<br />

processo ensino-aprendizagem.<br />

64


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Nas ultimas décadas não apenas a análise histórica, como<br />

também a educação passou por substanciais reformas em suas<br />

estruturas aplicativas. A investigação histórica veio a consi<strong>de</strong>rar a<br />

importância da utilização <strong>de</strong> outras fontes documentais, além da escrita<br />

(pregada pelos pressupostos metódicos), aperfeiçoando métodos <strong>de</strong><br />

interpretação que abrangem vários tipos <strong>de</strong> registros produzidos pelo<br />

homem ao longo do tempo, <strong>de</strong>ntre eles a comunicação sonora. Nesse<br />

sentido surgiu uma nova proposta educacional <strong>de</strong> amplitu<strong>de</strong> nacional<br />

<strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) <strong>de</strong>legando à<br />

História o papel interdisciplinar <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver competências ligadas à<br />

leitura, análise, contextualização e interpretação <strong>de</strong> diversas fontes e<br />

testemunhos das épocas passadas e do presente.<br />

Ao longo <strong>de</strong>ste trabalho procurei sintetizar uma forma <strong>de</strong><br />

utilização das músicas do cantor e compositor Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda,<br />

confeccionadas durante o Regime Militar instaurado no Brasil, enquanto<br />

documento histórico em que se potencializa, como recurso didático<br />

disponível, à incessante busca do professor em dinamizar e tornar mais<br />

atraente sua aula.<br />

65


A musica brasileira como um todo, e neste trabalho em<br />

especial as <strong>de</strong> Chico Buarque, constituem um patrimônio histórico e<br />

cultural <strong>de</strong> nosso país, uma importante e especial contribuição para a<br />

cultura da humanida<strong>de</strong> e, principalmente, para a formação <strong>de</strong> nossa<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. Assim, traduz e indica, a um só tempo, as posições e os<br />

dilemas não só dos artistas, mas também dos seus públicos e mediadores<br />

culturais (produtores, críticos, formadores <strong>de</strong> opinião).<br />

Levar este tipo <strong>de</strong> alegoria ao aluno, mais do que dinamizar<br />

a aula e envolver e captar o interesse do estudante acaba por cumprir<br />

com a tarefa educacional e cívica <strong>de</strong> contribuir na formação <strong>de</strong> indivíduos<br />

intelectualmente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e capazes, aptos a ocupar o posto <strong>de</strong><br />

verda<strong>de</strong>iros cidadãos, conscientes e comprometidos, uma vez que ao<br />

compreen<strong>de</strong>rem seu passado relacionam-se e interce<strong>de</strong>m melhor por seu<br />

presente.<br />

66


ANEXOS<br />

67


Foto 1 – Chico Buarque apresentando um Show<br />

Fonte: Revista Contigo / Biografias – Edição <strong>de</strong> Colecionador (Chico<br />

Buarque <strong>de</strong> Holanda: 60 anos), 2004. p. 4.<br />

68


Foto 2 – Chico Buarque saindo <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>poimento ao DOPS (Departamento <strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m<br />

Política e Social).<br />

Fonte: História da Vida Privada no Brasil, Vol. 4,<br />

1998, p. 347.<br />

69


Foto 3 - Chico em 1966, ano em que estourou “A Banda”.<br />

Fonte: Revista Contigo / Biografias – Edição <strong>de</strong> Colecionador<br />

(Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda: 60 anos). p. 28<br />

Foto 4 – Comício do Movimento <strong>de</strong>mocrático<br />

Brasileiro (MDB) na campanha <strong>de</strong> 1974. na faixa,<br />

alusão à música “Apesar <strong>de</strong> Você”, <strong>de</strong> Chico<br />

Buarque, voltada para censura.<br />

Fonte: História da Vida Privada no Brasil, Vol. 4,<br />

1998, p. 335.<br />

70


Foto 5 - Chico e Tom Jobim.<br />

Fonte: Revista Primeira Leitura, Edição n° 28, junho <strong>de</strong><br />

2004. p. 45.<br />

Foto 6 – Passeata dos 100 mil em julho <strong>de</strong> 1968: Chico<br />

encontra-se na primeira fila, lado direito.<br />

Fonte: Revista Contigo / Biografias – Edição <strong>de</strong> Colecionador<br />

(Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda: 60 anos). p. 64.<br />

71


Foto 7 - Chico<br />

Fonte: Revista Primeira Leitura, Edição n°<br />

28, junho <strong>de</strong> 2004. p. 42.<br />

72


R E F E R Ê N C I A S<br />

ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares <strong>de</strong> & WEIS, Luiz. ”Carro-zero e pau<strong>de</strong>-arara:<br />

o cotidiano da oposição <strong>de</strong> classe média ao regime militar” IN:<br />

NOVAES, Fernando A. & SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da<br />

Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Vol. 4.<br />

AZEVEDO, Reinaldo. “O poeta faz 60 anos”. Revista Primeira Leitura,<br />

junho, 2004, n° 28. p. 42-47<br />

FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2002.<br />

FERREIRA, Martins. Como usar a música na sala <strong>de</strong> aula. São Paulo:<br />

Contexto, 2002.<br />

FURTADO, Antônio Pinto. “A música popular brasileira dos anos 60 aos<br />

90: apontamentos para o estudo das relações entre linguagem e prática<br />

social”. São Paulo: Revista Pós História, 1997. Vol. 5. p. 123-143.<br />

KNAUSS, Paulo. “Sobre a norma e o óbvio: a sala <strong>de</strong> aula como lugar <strong>de</strong><br />

pesquisa” IN: NIKITIUK, Sônia M. Leite (Org.). Repensando o ensino <strong>de</strong><br />

História. São Paulo: Cortez, 2001.<br />

LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (Org.). História: novos problemas.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: F. Alves, 1976.<br />

MENESES, Adélia Bezerra <strong>de</strong>. Desenho Mágico: Poesia e política em<br />

Chico Buarque. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000.<br />

________________________ . Chico Buarque <strong>de</strong> Holanda: literatura<br />

comentada. São Paulo: Abril Cultural, 1980.<br />

NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural da música<br />

popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.<br />

73


NAPOLITANO, Marcos. “Pensando a estranha história sem fim” IN:<br />

KARNAL, Leandro (Org.). História na sala <strong>de</strong> aula: conceitos, práticas e<br />

propostas. São Paulo: Contexto, 2003.<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: Ministério<br />

da Educação, 1999.<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Fundamental. Brasília:<br />

MEC/SEF, 1997. Vol. 5.<br />

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Vol. 3.<br />

Brasília:MEC/SEF, 1998.<br />

74

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!