URBANIZAÇÃO DISPERSA DA ZONA DE EXPANSÃO ... - UFF
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Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas<br />
ISSN 2238-1627, Nº 3, junho de 2012<br />
<strong>URBANIZAÇÃO</strong> <strong>DISPERSA</strong> <strong>DA</strong> <strong>ZONA</strong> <strong>DE</strong> <strong>EXPANSÃO</strong> URBANA <strong>DE</strong><br />
ARACAJU/SE: MATERIALIZAÇÃO <strong>DE</strong> CONFLITOS SÓCIOAMBIENTAIS<br />
RESUMO<br />
Sarah Lúcia Alves França 1<br />
sarahfranca@ig.com.br<br />
Vera F. Rezende 2<br />
vrezende@openlink.com.br<br />
Este artigo é resultado de uma pesquisa na temática urbanização dispersa, planejamento<br />
e conflitos ambientais e teve como objetivo analisar a produção do espaço na Zona de<br />
Expansão Urbana – ZEU de Aracaju, e dos intensos conflitos ambientais que tem<br />
ocorrido nos últimos 30 anos. A ZEU abrange o litoral sul do município onde estão<br />
sendo implantados conjuntos populares e condomínios que dirigem para esta área, o<br />
crescimento fragmentado da cidade. Essas ações acarretam uma produção do solo<br />
regida por uma legislação contraditória que permite o adensamento populacional, com<br />
acirramento dos conflitos ambientais diante da degradação ambiental e a precarização<br />
das condições de vida dos moradores, merecendo assim, destaque no planejamento e<br />
gestão urbano na busca de soluções sustentáveis, a fim de compatibilizar ocupação e<br />
meio ambiente. Para essa pesquisa foram realizados levantamento bibliográfico e<br />
documental, coleta de informações, visitas ao local, bem como elaboração de mapas.<br />
Palavras-chave: Dispersão Urbana, Conflitos Ambientais, Gestão e Planejamento<br />
Urbano, Zona de Expansão Urbana de Aracaju.<br />
ABSTRACT<br />
This paper is the result of a research on urban sprawl, planning and environmental<br />
conflicts, which has as the main objective to analyze the production of the Urban<br />
Expansion Zone - ZEU in Aracaju, and the intense environmental conflicts that have<br />
occurred in the last 30 years. The ZEU covers the coastal shoreline south of the city,<br />
where popular housing, and condominiums are being implanted, leading to this area<br />
the fragmented growth of the city. These actions brought about the production of the<br />
1 Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e<br />
Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense/<strong>UFF</strong>.<br />
2 Arquiteta e Urbanista, Doutora em Planejamento Urbano pela FAU/USP. Professora do Programa de Pós-graduação em<br />
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense/<strong>UFF</strong>.<br />
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ISSN 2238-1627, Nº 3, junho de 2012<br />
soil, ruled by a contradictory legislation that permits population densification, with the<br />
intensification of environmental conflicts in the face of environmental degradation and<br />
deterioration of living conditions of residents, they warrant, especially in urban<br />
planning and management in the search for sustainable solutions in order to match<br />
occupation and the environment. In order to develop this research, some steps were<br />
performed: bibliographical and documental, collect data, visits to the site, as well as the<br />
elaboration of maps<br />
Keywords: Urban Sprawl, Environmental Conflicts, Management and Urban Planning,<br />
Urban Expansion Zone of Aracaju.<br />
<strong>URBANIZAÇÃO</strong> <strong>DISPERSA</strong> <strong>DA</strong> <strong>ZONA</strong> <strong>DE</strong> <strong>EXPANSÃO</strong> URBANA <strong>DE</strong><br />
ARACAJU/SE: MATERIALIZAÇÃO <strong>DE</strong> CONFLITOS SÓCIOAMBIENTAIS<br />
INTRODUÇÃO<br />
As rápidas transformações provocadas pelo fenômeno da metropolização em<br />
Aracaju, nas décadas de 1980-1990, nos levam a indagações sobre o futuro das cidades,<br />
que apresentam características como ocupação dispersa em áreas carentes de<br />
infraestrutura e degradação ambiental, aliadas a aplicação e a fiscalização de leis e<br />
normas de forma insuficientes.<br />
Assim, como várias metrólopes brasileiras, Aracaju tem sido alvo do<br />
desenvolvimento conduzido pela ação governamental através de implantação de<br />
políticas e projetos públicos, financiados pelo Governo Federal como Programa de<br />
Aceleração do Crescimento - PAC, e órgãos mundiais como Banco Interamericano de<br />
Desenvolvimento - BID, e também decorrente da intervenção do mercado da construção<br />
civil.<br />
A soma dessas estratégias públicas e privadas tem configurado um território<br />
fragmentado, a partir de eixos principais de acesso e práticas como a produção de<br />
condomínios horizontais fechados e conjuntos habitacionais populares, situados<br />
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distantes do centro principal e fora da mancha urbana consolidada, criando assim,<br />
novas centralidades.<br />
A ideia de gestão das cidades difundida nos dias atuais refere-se a realização de<br />
intervenções no ambiente urbano construído, fruto de ações interligadas com<br />
desempenho coletivo dos diferentes atores sociais, cujo Estado é responsável por liderar<br />
o processo.<br />
No intuito de elucidar essas indagações, este trabalho tem como objetivo geral<br />
analisar a produção dispersa do espaço, consagrada na Zona de Expansão Urbana de<br />
Aracaju, como local de materialização da atuação do Estado, do capital imobiliário,<br />
geradores de intensa degradação ambiental; sem deixar de lado a questão ambiental e a<br />
resolução dos seus conflitos com a ajuda da população residente.<br />
1. A produção do espaço na Zona de Expansão Urbana de Aracaju: das fazendas de<br />
côco aos condomínios fechados<br />
Sede da capital de Sergipe, Aracaju está situada na porção leste do Estado, com<br />
uma área de 182 Km 2 que ocupa 0,79% do território sergipano e abriga 571.149<br />
habitantes (IBGE, 2010) (Figura 1).<br />
Na capital sergipana, o “boom imobiliário” tem se direcionado ao sul, sobretudo<br />
Zona de Expansão Urbana – ZEU , área definida pela Lei Municipal de n o 873, de 1 o de<br />
outubro de 1982, que compreende a porção sul da cidade e tem como limites, o rio Vaza<br />
Barris e o canal Santa Maria ao sul, o Oceano Atlântico a leste, o município de São<br />
Cristóvão a oeste e ao norte, com o bairro Aeroporto. Correspondendo a quase 40% do<br />
território municipal, ali se concentram a maior parte dos vazios urbanos existentes na<br />
cidade que apresenta, nos últimos anos, maior apreciação do valor da terra.<br />
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Figura 01: Ortofotocarta de Aracaju com Localização da Zona de Expansão Urbana<br />
Fonte: PMA/SEPLAN. Editado por Sarah França, 2011.<br />
A expansão da malha urbana na ZEU deveu-se a uma série de condicionantes.<br />
Primeiro, a ascensão imobiliária da região, devido à proximidade com a porção central e<br />
a praia. Segundo, a enorme concentração de terras nas mãos de poucos proprietários,<br />
acentuando a ocupação. Terceiro, os investimentos governamentais e as políticas<br />
públicas, que beneficiaram a produção imobiliária, principalmente a inserção de<br />
conjuntos habitacionais do Programa de Arrendamento Residencial e projetos voltados<br />
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para habitação popular. Quarto, a realização de obras de infraestrutura viária que<br />
facilitaram o acesso, direcionando a migração populacional.<br />
O parcelamento iniciado, no final década de 1970, ainda que pontual, se<br />
intensificou na década de 1980, com uma soma de 12 loteamentos (1979-1989)<br />
destinados à classe de alto poder aquisitivo, que construía mansões desfrutadas apenas,<br />
nos finais de semana ou nos meses de verão, a exemplo dos Loteamentos Aruana I e II e<br />
o Morada do Mar, os primeiros a serem construídos aí. Portanto, a construção da<br />
Rodovia José Sarney, em 1984, realizada pelo Governo Estadual, atendeu aos anseios<br />
dos proprietários fundiários e dos promotores imobiliários. Os moradores dos<br />
povoados, à medida que tomavam conhecimento da procura por terras para construção<br />
de residências em local tranquilo e de contato com a natureza, vendiam-nas aos<br />
interessados. Carvalho afirma, em seus estudos, que de 1979 a 1983, a ZEU foi “parcelada<br />
em 139 hectares, equivalente a 41,2% de toda área loteada no mesmo período, sendo 81,4% dos<br />
lotes com padrão de classe alta – área superior a 360m² - e 18,6% com padrão médio” (1983,<br />
p.38-39). Esse fato permite compreender a transformação da paisagem com<br />
características rurais e a explosão demográfica nos últimos anos, com um dos maiores<br />
índices de crescimento populacional de Aracaju. Até 2011, quando finalizada esta<br />
pesquisa, a ZEU abrigava 44 loteamentos residenciais, o que resulta 6.314 lotes<br />
disponíveis para construção de moradia (FRANÇA, 2011) (Figura 02).<br />
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a população<br />
residente passou de 9.377, em 2000, para 18.544 habitantes, em 2007, significando um<br />
acréscimo de 97,76%. Enquanto isso, no município, o aumento registrado foi de apenas<br />
12,44% no mesmo período. A intensidade da migração populacional para a ZEU é,<br />
também, resultado da presença de 6.905 lotes que correspondem a 63,76% da área da<br />
zona (FRANÇA, 2011).<br />
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A partir de meados da década de 1980, a especulação imobiliária atinge a<br />
localidade, quando parte dos vazios urbanos e propriedades rurais dão lugar aos<br />
condomínios fechados. A chegada dessa nova tipologia residencial provém da demanda<br />
por isolamento, o que é necessário para que uma área só seja passível de apropriação<br />
pelos iguais, preservando assim, o sentido de exclusividade entre muros e cercas<br />
privilegiando o sentido de máxima segurança e homogeneidade social (CAL<strong>DE</strong>IRA,<br />
2000).<br />
O êxito dessas iniciativas acarretou na difusão da modalidade, sobretudo, a partir<br />
de 2000, com a inauguração da Avenida Melício Machado (década de 90) e a chegada de<br />
novos serviços, quando outros empreendimentos se instalaram às suas margens. O<br />
sucesso é comprovado ao observar que, entre 1990 e 2011, foram instalados 46 deles com<br />
3.986 unidades habitacionais no total (FRANÇA, 2011) (Figura 03).<br />
Ainda marcada com fortes traços rurais tradicionais, a área apresenta<br />
remanescentes das grandes propriedades cocoicultoras, sendo que parte expressiva dos<br />
moradores vive da pesca, do cultivo e colheita do coco-da-baía e dos serviços<br />
domésticos. Entretanto, contraditoriamente, a implantação de novas formas<br />
habitacionais, além de trazer valorização do solo à área, acarreta a instalação de funções<br />
comerciais e de serviços, principalmente na região mais consolidada, de forma a atender<br />
a população residente nos condomínios horizontais e verticais, loteamentos (Aruana) e<br />
conjuntos habitacionais (PAR).<br />
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Figura 1: Evolução da Implantação dos Loteamentos Residenciais 1979-2010<br />
Fonte: Informações da PMA/EMURB/DP, 2011. Ortofotocarta cedida pela PMA/SEPLAN, 2008.<br />
Produzido por Sarah França, 2011.<br />
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Figura 2: Evolução da Implantação dos Condomínios Horizontais, 1990-2010<br />
Fonte: Informações da PMA/EMURB/DPB, 2011. Ortofotocarta cedida pela PMA/SEPLAN,<br />
2008. Produzido por Sarah França, 2011<br />
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Assim, o crescimento na direção sul até o povoado Mosqueiro configura um<br />
tecido urbano disperso e fragmentado, provocando a expulsão da população nativa<br />
(pescadores e agricultores), em substituição por residências mais sofisticadas,<br />
concentradas principalmente, na faixa litorânea (Condomínios Morada da Praia I e II, e<br />
Lago Paranoá), e as margens do Rio Vaza Barris (Condomínio Morado do Rio). França<br />
observa que “a construção de casas em Aracaju vem acontecendo por parte de uma parcela da<br />
população de renda mais elevada, em loteamentos situados na Zona de Expansão Urbana. [...] A<br />
área construída é outra evidência da elitização. São casas de 250 a 400 e até 750 metros<br />
quadrados” (1999, p. 188).<br />
Esses condomínios residenciais ocupam locais privilegiadas como Avenida<br />
Melício Machado, Rodovias José Sarney e Ayrton Senna, além dos novos eixos leste-<br />
oeste (Rodovia Vereador João Alves Bezerra, estrada do Matapoã e Av. Dr. José<br />
Domingos Maia). No entanto, essas “cidades intramuros” assinalam não apenas a atual<br />
tendência de moradia, mas indicam novas direções para expansão de Aracaju,<br />
acentuando, cada vez mais a degradação socioambiental da área.<br />
Portanto, o crescimento de Aracaju se intensificou na Zona de Expansão Urbana,<br />
onde, cada vez mais, se concentram vários empreendimentos multifamiliares,<br />
ocasionando o deslocamento populacional de bairros mais centrais para esse espaço. Os<br />
grupos de maior poder aquisitivo participam do processo para o uso de segunda<br />
residência ou como forma de especulação. Ainda que esses atores tenham contribuído<br />
para a fragmentação espacial da ZEU, apenas os moradores sofrem com a falta de<br />
saneamento ambiental e serviços públicos, deficiência de acessibilidade, decorrentes da<br />
postura inócua do Estado, perante a melhoria das condições de vida. Para os promotores<br />
imobiliários, só restam os lucros e a construção cada vez mais constante das novas<br />
tipologias habitacionais, gerando milhares de moradias.<br />
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2. Políticas Públicas: a atuação do Estado rumo à “cidade da qualidade de vida 3 ”<br />
Desde 2001, a porção norte da ZEU recebeu 17 conjuntos habitacionais do<br />
Programa de Arrendamento Residencial, desenvolvido pela Prefeitura Municipal em<br />
convênio com a CAIXA, totalizando 2.849 moradias destinadas a uma população com<br />
renda entre três a seis salários mínimos.<br />
Estas residências foram construídas sem dotação completa de infraestrutura,<br />
especialmente drenagem e esgotamento sanitário, ocasionando graves problemas no<br />
período chuvoso, quando o alto lençol freático não consegue absorver o grande volume<br />
de água, provocando sérias inundações.<br />
Estas residências foram construídas sem dotação completa de infraestrutura,<br />
especialmente drenagem e esgotamento sanitário, ocasionando graves problemas no<br />
período chuvoso, quando o alto lençol freático não consegue absorver o grande volume<br />
de água, provocando sérias inundações.<br />
O Bairro Novo faz parte do leque das políticas públicas da Prefeitura Municipal,<br />
com o objetivo de reduzir o déficit habitacional da capital e reassentar uma parcela da<br />
população carente residente em assentamentos precários e áreas de risco do Morro do<br />
Avião, Prainha, Marivan, Água Fria e Gasoduto (Figuras 05 e 06). O projeto prevê a<br />
criação de um bairro em terreno de 1.960.083,13m², cedido pela União e concebido para<br />
ser executado em etapas, conforme a disponibilidade de recursos. As divisões em Blocos<br />
I, II, IIA e III correspondem a construção de 2.752 unidades habitacionais e a<br />
3<br />
Pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, encomendada pelo Ministério da Saúde e divulgada em 2005 apontou Aracaju<br />
como a capital Norte/Nordeste de qualidade de vida, classificada como a 12ª melhor cidade do país para se viver. O estudo foi<br />
baseado no índice de satisfação dos habitantes, utiliza dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF 2002/2003) do Instituto<br />
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e contém ainda informações sobre a satisfação das pessoas em relação a 12 quesitos,<br />
dentre os quais: oferta de serviços públicos, alimentação, moradia, renda e segurança. Com base nessa classificação, a atual<br />
gestão da Prefeitura Municipal adotou esse título como slogan da instituição: “Prefeitura de Aracaju, cidade da qualidade de<br />
vida”. (Fonte:www.aracaju.se.gov.br)<br />
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implantação de toda infraestrutura, equipamentos sociais, espaços públicos, comércios e<br />
serviços necessários.<br />
Além desses, outros projetos foram implantados, como a Ponte Jornalista Joel<br />
Silveira que interliga a região do Mosqueiro, em Aracaju, a praia da Caueira, na cidade<br />
de Itaporanga D'Ajuda. A ligação viária vai viabilizar a integração da Região<br />
Metropolitana com as praias do litoral sul do Estado, diminuindo o tempo de<br />
deslocamento dos usuários, acabando com as filas intermináveis nas balsas e criando<br />
condições para atrair investimentos no campo da hotelaria e do turismo (Figuras 04 e<br />
05).<br />
Figuras 04 e 05: Ponte Joel Silveira Aju-<br />
Caueira<br />
Fonte: Marco Vieira – Agência Sergipe de<br />
Notícias<br />
Essa ponte corresponde a primeira etapa do projeto de integração do litoral sul<br />
sergipano ao litoral norte de Salvador, reduzindo o trajeto em cerca de setenta<br />
quilômetros. Para a realização da obra, o investimento total é de R$ 43.871.652,50, cujo<br />
R$ 30 milhões são do Governo Federal através do Ministério do Turismo e o restante é<br />
proveniente do repasse do Governo do Estado.<br />
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Outra obra que promete melhorar da qualidade de vida da população, não só<br />
daquela região, mas de toda a cidade, é a Reurbanização da Orla de Aruana, na Rodovia<br />
José Sarney, uma área de proteção ambiental, por determinação da Justiça Federal, no<br />
início de 2009. O projeto contempla a construção de 17 quiosques, do muro de contenção<br />
de 565 m², acessibilidade, estacionamento, ciclovia, tratamento paisagístico,<br />
esgotamento sanitário (Figuras 06 e 07).<br />
Figura 06: Quiosque na Orla de Aruana<br />
Fonte: www.aracaju.se.gov.br<br />
Figura 07: Pavimentação na Orla de<br />
Aruana<br />
Fonte: www.aracaju.se.gov.br<br />
De fato, a região é resultado de um processo de ocupação, marcado por uma<br />
dinâmica conflitante, cujo poder público, apesar da inércia em atender as várias<br />
demandas sociais, torna-se o agente fundamental na transformação do espaço, mediante<br />
a aplicação de planos, projetos e intervenções, agrupando e investindo nas funções<br />
urbanas mais importantes. Ao mesmo tempo, as ações do capital privado, que visam<br />
rentabilidade, utilizam-se do planejamento urbano, para atender seus interesses.<br />
3. Condições Ambientais da Zona de Expansão Urbana: o grande entrave da ocupação<br />
Sem dúvida, uma das fortes características da Zona de Expansão Urbana de<br />
Aracaju para atrair novos moradores é a qualidade paisagística. Tranqüilidade, sossego,<br />
proximidade à praia são elementos enfocados pelo mercado da construção civil, através<br />
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do marketing imobiliário com estratégias de venda da natureza. Nomes de<br />
empreendimentos como Viva Vida, Caminho dos Ventos, Parque das Águas, Parque dos<br />
Corais, Morada da Praia e Morada do Rio tentam reproduzir a riqueza ambiental local, nos<br />
seus condomínios, embora o espaço interno não a reporte.<br />
Os recursos naturais fazem da área um local propício ao turismo e lazer, com um<br />
estuário que oferece grandes oportunidades para prática de roteiros turísticos<br />
ecológicos. As Praias do Mosqueiro, Náufragos, Refúgio, Robalo e Aruana, às margens<br />
da Rodovia José Sarney são reflexos dessa atividade. De fato, os variados elementos<br />
naturais, que fazem parte do cenário e o valorizam de forma paradoxal, constituem<br />
como um dos maiores obstáculos à sua ocupação. A degradação do ecossistema tem<br />
sido cada vez mais célere, seja pelos condomínios fechados ou pelos conjuntos<br />
habitacionais e obras do Estado.<br />
Os conjuntos dunares são destacados, principalmente nos terrenos do<br />
NUCAT/Petrobrás, no Loteamento Aruana e nas proximidades do rio Vaza Barris. Essas<br />
áreas são protegidas por três parques ecológicos (Aruana, Mosqueiro e Farol do<br />
Mosqueiro), pelo significado relevante, no conjunto do ecossistema, e por ser o elemento<br />
da paisagem que mais chama a atenção (Figura 08).<br />
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Figura 8: Realidade Ambiental da ZEU<br />
Fonte: Informações da PMA/SEPLAN, 2004; EMURB, 2011. Ortofotocarta cedida pela<br />
PMA/SEPLAN, 2008. Produzido por Sarah França, 2011.<br />
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A presença de lagoas (Figura 09) de drenagem, vegetação nativa e parques<br />
ecológicos evidenciam o delicado panorama ambiental e sinalizam a necessidade de<br />
planejamento e controle do uso e ocupação da área, sobretudo no tocante ao desmonte<br />
de dunas (Figura 10) e consequente aterro e drenagem.<br />
Os manguezais são dispersos pela área em três pontos (Foz do Vaza Barris, curva<br />
do Vaza Barris e ao longo do canal de Santa Maria), cuja recomendação é que não seja de<br />
forma alguma ocupada, por ser extremamente frágil. As lagoas de drenagem<br />
representam a predominância de solos arenosos e com nível de água próximo à<br />
superfície, com problemas de escoamento superficial, não sendo recomendada a<br />
ocupação, evidenciando o delicado panorama ambiental e sinalizam a necessidade de<br />
planejamento, controle do uso do solo e apropriação da área, sobretudo que interfere no<br />
quesito drenagem.<br />
Figura 09: Vazios urbanos e lagoas de<br />
drenagem e coqueirais<br />
Fonte: SEPLAN, 2008<br />
Figura 10: Dunas na Rodovia Jose Sarney<br />
Fonte: PMA, 2005.<br />
Por se constituir área plana e baixa, com terrenos arenosos e presença de cordões<br />
litorâneos, entremeados de lagoas, há certa dificuldade de escoamento das águas<br />
pluviais, formando novas lagoas. Os aterros realizados nessas áreas alagadas têm<br />
aguçado os problemas naturais já existentes (Figuras 11 e 12). Como efeito, há o<br />
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acréscimo de volume de água nas lagoas de drenagem que causam os seguintes efeitos:<br />
contaminação do lençol freático através de lançamento de efluentes; contaminação de<br />
doenças; prejuízos econômicos e desgaste da pavimentação de ruas.<br />
Figuras 11 e 12: Aterramento das lagoas<br />
Fonte: adcarrobalo.blogspot.com/2011/01/fotos-de-aterro-de-lagoa-no-robalo.html,<br />
acesso em: 28 jun. 2011<br />
De fato, se foram consideradas non aedificandi as áreas protegidas ambientalmente<br />
por lei, poucas áreas restariam para a ocupação. Isso reflete uma área de intensa<br />
fragilidade, mesclada entre grandes e longos elementos naturais, minimizando a<br />
construção de grandes empreendimentos, sem que haja o ilegal aterramento de corpos<br />
hídricos, ou mesmo desmontes de dunas. Tal situação demonstra porque o Plano<br />
Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju (Lei Complementar n o 042/2000) a<br />
definiu como Zona de Adensamento Restrito - ZAR, além de apresentar malha dispersa<br />
e descontínua e ainda, acentuado déficit ou ausência na infraestrutura local,<br />
restringindo o atendimento da demanda populacional existente.<br />
Dessa forma, o artigo 136 da referida lei, garante que a instalação de<br />
infraestrutura e de serviços urbanos deve preceder o processo de uso e ocupação do<br />
solo, além de definir que a ZAR seja estruturada internamente, dando ênfase ao sistema<br />
viário básico, à macrodrenagem, à preservação e proteção do meio ambiente. Além<br />
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disso, enfatiza a importância da priorização de verbas orçamentárias no resgate do<br />
déficit desses serviços.<br />
Para garantir que a ocupação se adequará às características físicas locais e<br />
permitir o equilíbrio climático, deverão ser observados os índices de ocupação,<br />
impermeabilização e coeficiente de aproveitamento. Entretanto, para ZAR, o Plano<br />
Diretor institui taxa de ocupação máxima de 90% (noventa por cento) e taxa de<br />
permeabilidade mínima de 5% (cinco por centro) de área verde, sem nenhum tipo de<br />
construção, para garantir o escoamento das águas pluviais no lençol freático.<br />
O coeficiente de aproveitamento fixado para toda Aracaju é três, podendo-se<br />
ultrapassar até quatro com isenção de pagamento, quando será cobrada então, a outorga<br />
onerosa do direito de construir. Todavia, na ZAR, o máximo pode ser 3,5 (três vírgula<br />
cinco) desde que se tenha, na localidade, sistema de esgoto sanitário projetado pelos<br />
órgãos competentes. Há de se considerar que esses índices, apresentados como<br />
reguladores da ocupação do solo, são muito elevados, devido à ausência de<br />
infraestrutura e serviços e a presença de ecossistemas, que fazem da área, um campo<br />
minado de intensa fragilidade ambiental.<br />
Esses instrumentos urbanísticos são responsáveis pelos conflitos da arena<br />
regulatória que mobilizam o setor imobiliário nas políticas municipais. Observa-se que<br />
se, o macrozoneamento tem a função de deliberar diferentes zonas considerando<br />
requisitos como infraestrutura, porque para ZEU esse índice não é divergente das<br />
demais, uma vez que é totalmente deficiente desses serviços?<br />
A ZEU também é regulamentada como Área de Diretrizes Especiais de Interesse<br />
Ambiental – AIA devido a presença das dunas, lagoas, vegetação nativa e parques<br />
ecológicos constituindo Áreas de Proteção e de Preservação Ambiental – APP´s. Além<br />
disso, a faixa litorânea em toda extensão do Oceano Atlântico recebe a classificação Área<br />
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de Interesse Urbanístico - AIU, que em “razão de sua singularidade e função, constituem<br />
marcos de referência para memória e dinâmica a cidade” (ARACAJU, 2000, p.13).<br />
Com um panorama ambiental intenso com a presença de ricos elementos, a<br />
consequente existência de graves conflitos ambientais na Zona de Expansão Urbana<br />
merece destaque nas ações de planejamento e gestão urbana, a fim de solucionar, no<br />
âmbito sustentável, as questões que agravam cada vez mais, a paisagem local. De fato, o<br />
ponto crucial da área é o saneamento ambiental, o maior obstáculo para a sua ocupação.<br />
A ZEU ainda não dispõe de todo aparato de infraestrutura necessária para proporcionar<br />
uma boa condição de vida, especialmente quanto à abastecimento de água, drenagem e<br />
esgotamento sanitário.<br />
Isso é comprovado quando se verifica que cerca de 28,10% (2.240) dos 7.970<br />
domicílios da área, ainda são abastecidos de água através de poços artesianos, o que, de<br />
certa forma, limita o parcelamento, em decorrência da baixa qualidade da água (IBGE,<br />
2000). Quanto à coleta de esgoto sanitário por rede, a ausência desse serviço tem<br />
comprometido a qualidade da água do lençol freático, além de afetar a saúde da<br />
população e as atividades de lazer e turísticas. Mesmo assim, todas as obras até hoje<br />
realizadas, foram licenciados sem a adequada rede pública de coleta de resíduos, com<br />
métodos incompatíveis com as características ambientais.<br />
Nos dois últimos anos, a degradação intensificada pela ação humana, através do<br />
aterramento das lagoas, somados à falta de infraestrutura, tem se refletido em sérias<br />
inundações e calamidades (Figuras 13 e 14). A ocupação sem a efetivação dos serviços<br />
públicos de drenagem e a proteção das áreas de preservação através de intensificação da<br />
fiscalização pelos órgãos públicos, tem feito a população residente principalmente, na<br />
porção norte da ZEU sofrer as consequências. Fortes chuvas têm acarretado inundações,<br />
com estragos às moradias e risco à saúde pública com manifestação de doenças<br />
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contagiosas, provenientes da água contaminada pelo esgoto sanitário. Esses são alguns<br />
dos impactos da urbanização dispersa da Zona de Expansão Urbana de Aracaju.<br />
Figura 13: Chuvas em maio/2009<br />
Fonte: www.infonet.com.br, acessado em<br />
28 abr. 2010<br />
Figura 14: Chuvas de abril/2010<br />
Fonte: www.infonet.com.br, acessado em 28<br />
abr. 2010<br />
Conforme recomendações do Relatório do Diagnóstico Ambiental, realizado pela<br />
Prefeitura Municipal de Aracaju, em 2005, as lagoas presentes na ZEU “não devem ser<br />
ocupadas pela dificuldade de drenagem, fundações e pelos riscos de enchentes”. Wanderley<br />
ainda alerta que<br />
nos próximos 20 anos, a impermeabilização conseqüente poderá<br />
trazer sérios problemas a essa parte da Aracaju do futuro e,<br />
somente um plano de macrodrenagem definidor e preservador dos<br />
charcos e lagoas [...] e sua execução em um horizonte temporal<br />
próximo, poderá tornar essa zona menos problemática do que a<br />
Aracaju tradicional. (2003, apud, PMA, 2005, p.16)<br />
Sem dúvida, o problema de drenagem se deve, essencialmente, à ausência de<br />
uma estrutura planejada para escoamento de águas pluviais, adicionada à grande<br />
quantidade de empreendimentos imobiliários sem um mínimo de preocupação com esse<br />
sistema. Sem esquecer também, do aterramento e pavimentação de áreas inundáveis,<br />
que servem para a absorção dessas águas.<br />
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Mesmo com todos os indícios e estudos acerca da problemática urbana e<br />
ambiental que assola a ZEU, o poder público e o mercado imobiliário cada vez mais<br />
insistem na ocupação e apropriação dos espaços vazios e a sua substituição por<br />
condomínios luxuosos ou mesmo, conjuntos habitacionais. A cidade parece estar<br />
fechando os olhos para a degradação dos recursos naturais como aterramento das<br />
lagoas, destruição de dunas e devastação dos manguezais.<br />
Verifica-se, no entanto, a existência de um nó entre urbanização dispersa versus<br />
condições ambientais e precariedade de infraestrutura, cuja população carente de<br />
soluções assim se expressa:<br />
Um crime está sendo cometido diariamente no Aruana. O MPF<br />
[Ministério Público Federal] tem que fazer algo, ainda é tempo. As<br />
lagoas de estabilização da área estão sumindo. Estão todas sendo<br />
aterradas. E o pior: o complexo residencial do PAR tem um sistema<br />
de fossa e sumidouro, algo ultrapassado. Quando chove e enche<br />
tudo retorna. Sem as lagoas a situação é pior ainda. É preciso um<br />
sistema moderno, com estação de tratamento e tudo mais. A região<br />
está crescendo e nada é feito.<br />
(http://www.infonet.com.br/claudionunes, acesso em: 21 jan. 2010)<br />
Como resultado das enchentes das chuvas de maio de 2009, que ocasionou sérios<br />
estragos em diversos pontos, principalmente nos mais adensados, em meados de<br />
setembro do mesmo ano, o Ministério Público Federal convoca empresas da construção<br />
civil, CAIXA, Prefeitura, Companhia Estadual de Saneamento de Sergipe – <strong>DE</strong>SO,<br />
Petrobrás, Estado de Sergipe (A<strong>DE</strong>MA), e União (Procuradoria da União no Estado de<br />
Sergipe) para intervir na área. A partir de uma Ação Civil Pública 4 , assinada em junho<br />
de 2009, a Justiça Federal determinou bloqueio temporário de licenciamento, construção<br />
e inauguração de quaisquer empreendimentos.<br />
4 o<br />
Processo n 2009.85.00.002637-9/ Ação Civil Pública (0002637-41.2009.4.05.8500) de autoria do Ministério Público Federal. A<br />
Juíza Federal concede decisão e penalização aos réus, em 12/06/2009.<br />
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A ocupação irregular de quiosques e bares na Praia de Aruana, trecho do<br />
Tecarmo/ Petrobras, deliberada como Área de Preservação Ambiental, também resultou<br />
numa ação da Justiça Federal que tramita entre os órgãos Federais e Estaduais desde<br />
1994, com assinatura do TAC entre Prefeitura Municipal, Ministério Público Federal e os<br />
proprietários em 2004. Entretanto, perante o não cumprimento dos Termos de Ajuste de<br />
Conduta pelos comerciantes diante de falta da demolição voluntária dos seus bares, em<br />
meados de 2008, através de determinação da Justiça Federal 5 , os antigos bares foram<br />
demolidos, para que fossem iniciadas as obras da nova Orla. Apesar de a medida ter<br />
sido drástica, vale ressaltar que esse foi o resultado da falta de atitude e inércia no<br />
comportamento dos comerciantes, durante cerca de oito anos. Esse é o reflexo do pouco<br />
caso para com o meio ambiente e o desrespeito dispensado ao Ministério Público, ao<br />
imaginar que nesse nosso país, a efetividade das ações é demorada. Entretanto, como<br />
diz o ditado, “a Justiça tarda, mas não falha”.<br />
A procura pelo Poder Judiciário na resolução dos entraves sociais em Aracaju,<br />
especialmente na Zona de Expansão Urbana, tem-se acentuado cada vez mais e acontece<br />
“quando as demandas não são atendidas em outras instancias, por políticas públicas ou<br />
solicitações diretas à administração pública”. O Ministério Público tem atuado, para garantir<br />
a “tutela de direitos coletivos e difusos” [...] “sobre os conflitos de ordem política, quanto a<br />
influência sobre as resoluções e as políticas públicas, controvérsias a respeito de normas, além dos<br />
conflitos de cunho social”. (POLI, NOGARA, 2008, p.4)<br />
O Ministério Público, seja ele Federal ou Estadual, tem procurado, nas resoluções<br />
dos conflitos ambientais, a solidificação do direito à uma cidade justa, igualitária, com<br />
verdadeira tutela dos interesses coletivos e preservação ambiental, mesmo que isso<br />
venha de encontro aos anseios dos outros grupos.<br />
5 Processo n°2008.85.00.002491-3 – Ação Civil Pública, datada de 22/07/2008.<br />
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Na tentativa de solucionar os problemas ocasionados pela indústria imobiliária e<br />
mediante a ausência de uma política pública de investimentos em infraestrutura de<br />
saneamento, em 2005 iniciaram-se as reivindicações da comunidade com constituição do<br />
Conselho das Associações dos Bairros Aeroporto e Zona de Expansão de Aracaju –<br />
COMBAZE. Porém, somente em 2007, começou a atuar de forma legal, sem fins<br />
lucrativos, visando atrair a atenção do poder público quanto aos efeitos da falta de<br />
planejamento e seriedade na promoção do bem estar social. Um documento emitido<br />
para o Congresso Nacional reflete a indignação dos moradores diante do descaso do<br />
governo:<br />
Porque todos os moradores todos os anos terão que contabilizar<br />
em sua economia familiar prejuízos com enchentes, quando a<br />
causa é a falta de infra estrutura autorizada pelo poder público em<br />
suas esferas de competências? Estes são os pontos X da questão...<br />
[...] A omissão dos Governos Federal e Estadual, quanto a seu<br />
exclusivo papel de promover o bem estar social da população<br />
deixou os moradores do local sofrerem e terem prejuízos<br />
financeiros neste ultimo período de chuvas em Aracaju.<br />
(http://combaze.blogspot.com/2009/07/encaminhamento-textocamara-federal.html,<br />
acesso em 15 abr. 2010)<br />
Entretanto, a acelerada expansão urbana na ZEU balizada pela especulação<br />
imobiliária exprime claramente a contradição na urbanização, uma vez que provoca<br />
graves impactos negativos como a ocupação regular e irregular sobre os ecossistemas<br />
ainda existentes.<br />
4. Caminhos Entrelaçados ou Distanciamento entre Planejamento, Legislação e<br />
Intervenções Urbanas?<br />
A realidade urbana da Zona de Expansão de Aracaju é marcada pela dinâmica da<br />
urbanização dispersa, caracterizada pela expansão da área antes rural, através da<br />
construção dispersa de empreendimentos habitacionais, permitida pelas normas<br />
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municipais, favorecendo o surgimento dos confrontos socioambientais, como a ausência<br />
da rede de macrodrenagem, extremamente necessária, sobretudo na porção norte, onde<br />
os efeitos são mais fortes, devido ao crescente adensamento e à largura e profundidade<br />
dos charcos naturais.<br />
A construção dos complexos habitacionais tem agravado o panorama ambiental,<br />
devido ao adensamento proposto. A dificuldade de sanar essas questões tende a se<br />
acentuar, diante da dimensão da zona e da intensificação dos problemas, já que a<br />
redução das áreas verdes em função do “crescimento da ocupação atual impermeabilizará<br />
parte dos terrenos que hoje são superfícies infiltráveis, causando inundações periódicas”<br />
(WAN<strong>DE</strong>RLEY L.; WAN<strong>DE</strong>RLEY M., 2003, p.3)<br />
Quanto às enchentes, são sérios os efeitos nocivos no âmbito econômico, sociais e<br />
na saúde pública. Essas situações de risco têm sido constantes, trazendo danos materiais<br />
e prejuízos àqueles que perdem suas casas. É, diante disso que a população procura a<br />
tão discursada qualidade de vida, que deveria estar internalizada nas políticas públicas<br />
da Prefeitura, de forma a reduzir esses riscos ambientais.<br />
É preciso avaliar até quando será aceito o aterramento das lagoas e a demolição<br />
das dunas, riquezas tão peculiares e importantes. Existe uma Lei de Crimes Ambientais,<br />
entretanto para seu devido cumprimento, falta fiscalização dos órgãos competentes.<br />
Verifica-se também, a ausência do cumprimento efetivo do Plano Diretor, entre outras<br />
leis, que tem prejudicado essa ocupação, devido a não implementação de algumas<br />
diretrizes, sobretudo referente à macrodrenagem. O que se ressalta é que o Estado,<br />
muitas vezes, provoca mais tensões do que as controla.<br />
Ao analisar a Figura 15, nota-se que em muitos casos, a ocupação se sobrepõe às<br />
áreas de interesse ambiental, como lagoas de drenagem (consideradas áreas alagadiças),<br />
a exemplo da porção norte nos conjuntos habitacionais do PAR, e ao longo da Rodovia<br />
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José Sarney, quando ocorre a privatização de recursos, como dunas por condomínios<br />
(protegidas por parques ecológicos), especialmente ao sul.<br />
De 1979, quando foi aprovada a Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano até<br />
os dias atuais, contabilizou-se um volume de 120 empreendimentos construídos na<br />
Zona de Expansão Urbana de Aracaju, resultando em 17.873 unidades habitacionais.<br />
Esse volume duplicou, quando comparado ao dado do IBGE de 2000, que calculou<br />
quase 8.000 domicílios nessa área, que ocupam aproximadamente 11,18km² dos 63km²<br />
da área total da zona (FRANÇA, 2011). De fato, é essa é a tendência da ZEU.<br />
A dificuldade mais grave é a falta de saneamento ambiental, implantada,<br />
desproporcionalmente à construção de novos empreendimentos. Recentemente, a<br />
chegada do Bairro 17 de Março, abrigando mais de duas mil famílias, se contradiz as<br />
deliberações do Plano Diretor de Aracaju, quando estabelece que o adensamento na<br />
Zona de Adensamento Restrito deve estar atrelado à oferta de serviços públicos.<br />
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Figura 15: Realidade Ambiental X Ocupação Urbana da ZEU<br />
Fonte: Informações da PMA/EMURB, 2011. Ortofotocarta cedida pela PMA/SEPLAN, 2008.<br />
Produzido por Sarah França, 2011.<br />
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Em meio à fragilidade ambiental, as inúmeras tensões que ocorrem, refletem o<br />
repúdio da população com o Poder Público. As manifestações são intensas, a cobrança é<br />
ativa. Os moradores se organizam através das associações de moradores e participam na<br />
direção da sua própria vida, ao exigir das autoridades um planejamento com ações<br />
integradas, que sirvam, efetivamente para auxiliar no desenvolvimento, o que até hoje<br />
não foi mostrado. Esse é o grande destaque referente às conquistas em prol da ZEU.<br />
Ainda que de forma incipiente, nos últimos dez anos, a população tem<br />
denunciado os crimes ambientais junto ao Poder Judiciário, auxiliando no<br />
monitoramento das ações dos atores e no combate à degradação ambiental. O direito do<br />
cidadão de participar das decisões públicas, dado pela Constituição Federal de 1988,<br />
tem se concretizado na atuação do Ministério Público Federal e Estadual - MP, através<br />
da assinatura de Termos de Ajuste de Conduta e de Ações Civis Públicas a fim de<br />
obrigar os órgãos e instituições responsáveis a arcar com as sequelas da ineficiência da<br />
administração pública. Assim, o MP tem exercido influências expressivas na produção<br />
do espaço urbano e no cenário de vida do local, ou seja, e na formação das políticas<br />
públicas ou normas reguladoras, fazendo prevalecer soluções que visem sempre o<br />
direito à uma Aracaju mais justa ambientalmente.<br />
Neste contexto, faz-se pertinente confirmar então, que existe uma enorme<br />
diferença entre realidade e legislação, isto é, entre Zona de Expansão Urbana e Zona de<br />
Adensamento Restrito, ou mesmo entre expansão e restrição. Portanto, torna-se<br />
necessário estabelecer critérios, além de fortalecer diretrizes e instrumentos da<br />
legislação. O mais grave é a negligência, ao definir o mesmo coeficiente para toda a<br />
cidade, uma vez que as zonas têm características peculiares, principalmente quando se<br />
refere à ZEU, que dispõe de infraestrutura precária e condições ambientais frágeis, mas<br />
com forte tendência ao adensamento.<br />
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O reflexo da ineficiência do planejamento e administração dos recursos públicos<br />
e, por outro lado, a falta de vontade política em democratizar o acesso aos serviços<br />
urbanos, bem como à gestão pública, tem agravado cada vez mais os aspectos locais e a<br />
vida daqueles moradores. Está na hora de levar a sério as deficiências da ZEU. Está na<br />
hora dos órgãos ambientais se preocuparem em oferecer o saneamento ambiental, pois<br />
não são questões para se resolver a curto prazo. A Prefeitura precisa se preocupar com o<br />
ordenamento da ocupação, pois “na prática está sendo estruturada pelos empreendedores<br />
imobiliários, pressupondo-se no futuro um desenho caótico e desorganizado, resultado da<br />
justaposição dos loteamentos” (WAN<strong>DE</strong>RLEY L.; WAN<strong>DE</strong>RLEY M., 2003, p.3).<br />
A questão que se coloca é: como a ZEU vai suportar toda essa demanda de<br />
construções, com característica de intensa fragilidade ambiental, com presença de AIAs,<br />
além de saneamento ambiental ausente? A verdade é que as intervenções urbanas<br />
realizadas pelo Estado preconizam a valorização da terra, em benefício dos grandes<br />
agentes imobiliários, mesmo que, para isso, haja a queda da qualidade de vida da<br />
região.<br />
Considerações Finais<br />
Nota-se a existência de três caminhos independentes, mas simultâneos que se<br />
tocam e se comunicam para regular os projetos na cidade. Um deles é o planejamento, o<br />
segundo corresponde à legislação de uso e ocupação do solo e o último são as<br />
intervenções realizadas. O distanciamento entre planejamento (Constituição de 88,<br />
Estatuto da Cidade, Plano Diretor), legislação (Uso e Ocupação do Solo) e as<br />
intervenções é fortemente marcado por ações pontuais. Na maioria dos casos, estas são<br />
resultado de pressões exercidas pela população e/ou Ministério Público para contornar e<br />
resolver a problemática, em busca da equidade, como no caso do Plano de<br />
Macrodrenagem, já previsto no PDDU, em 2000, mas ainda não executado.<br />
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De fato, essas três dimensões têm que ser reagrupadas. Infelizmente, o caminho<br />
percorrido é o da degradação urbana e ambiental. As normas federais e estaduais<br />
devem ser rebatidas e concretizadas na legislação municipal. Por outro lado, as<br />
diretrizes do Plano Diretor devem ser efetivadas através de projetos formulados dentro<br />
dos princípios da gestão democrática, isto é, com a participação da população. Então,<br />
qual caminho da política, planejamento e intervenção? Eles não devem ter caminhos<br />
paralelos, mas sim, unificados sempre.<br />
Atualmente, o planejamento de Aracaju tem sido cada vez mais substituído pela<br />
gestão estratégica, baseada em referendar caminhos espontâneos do crescimento das<br />
cidades e as tendências existentes, além de concretizar as expectativas de grupos ligados<br />
ao setor imobiliário (REZEN<strong>DE</strong>, 2002).<br />
A cidade planejada há 154 anos, hoje cresce praticamente sem restrições, mesmo<br />
diante das “definições da lei”. Isso porque, dentro os componentes necessários a<br />
ocupação urbana, a elaboração de práticas sustentáveis perde a importância no<br />
momento de elaboração de políticas públicas de investimento, gerando conflitos sociais<br />
de reivindicação por saneamento ambiental.<br />
Portanto, condomínios construídos em manguezais, desmonte de dunas,<br />
aterramento de lagoas e as intervenções “estratégicas”, do governo contribuem para o<br />
aumento da degradação da paisagem do ambiente urbano, distanciando-se do ideal da<br />
cidade sustentável.<br />
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