SHAKESPEARE E A ASTRONOMIA: A VISÃO DE SUA ... - UTP
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Dossiê especial: Reflexões shakesperianas<br />
SMITH, Cristiane Busato. Shakespeare e a astronomia: a visão de sua época. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
www.utp.br/eletras<br />
Introdução<br />
<strong>SHAKESPEARE</strong> E A <strong>ASTRONOMIA</strong>: A <strong>VISÃO</strong> <strong>DE</strong> <strong>SUA</strong> ÉPOCA i<br />
Na ocasião da comemoração do Ano<br />
Internacional da Astronomia estabelecido pela<br />
UNESCO e pela International Astronomical<br />
Union (IAU), que contribuição poderia a<br />
literatura trazer? Afinal, que relações poderia o<br />
texto literário ter com a ciência que “trata da<br />
constituição, da posição relativa e dos<br />
movimentos dos astros” (Novo Dicionário<br />
Aurélio, 2004, p. 216)? Ainda que num<br />
primeiro momento a resposta não seja tão<br />
óbvia, a literatura, desde seus primórdios,<br />
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009<br />
Dra. Cristiane Busato Smith 1<br />
crisbusato3@hotmail.com<br />
Há mais coisas entre o céu e a<br />
terra, Horácio, do que possa<br />
julgar a nossa filosofia (Hamlet)<br />
reflete tanto o maravilhamento quanto os anseios do homem frente à beleza e mistérios do<br />
cosmos e, portanto, pode ser um veículo adequado para pensarmos os fenômenos celestes.<br />
Com essa questão em mente, quem melhor do que William Shakespeare (1564-<br />
1616) para estabelecer a relação entre as estrelas e a literatura? O poeta inglês demonstra<br />
um verdadeiro fascínio com o céu e seus fenômenos. A palavra “céu”, por exemplo,<br />
aparece mais de oitocentas ii vezes em sua obra, enquanto que “estrela”, cento e dezessete.<br />
O vocábulo “planeta” ocorre dezenove vezes e as referências diretas aos planetas que<br />
haviam sido descobertos até a época, quais sejam, a Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter,<br />
1 Universidade Tuiuti do Paraná – <strong>UTP</strong> – UNIANDRA<strong>DE</strong><br />
Fig 1. Ilustração representando a busca pela<br />
descoberta e conhecimento. (Fonte: Google<br />
Image)<br />
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SMITH, Cristiane Busato. Shakespeare e a astronomia: a visão de sua época. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
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Saturno e o Sol – este último, uma estrela, mas, na época considerado um planeta – são<br />
também impressionantemente numerosas. A Lua figura como campeã do acervo planetário<br />
shakespeariano em termos de menções, com cento e sessenta e uma referências. A popular<br />
tragédia, Romeu e Julieta (1594), faz trinta e duas alusões aos céus, oito às estrelas, seis à<br />
Lua e uma ao universo. Vários personagens de Shakespeare afirmam que nasceram sob a<br />
influência de determinados planetas. Muitos deles mostram-se temerosos quanto ao poder<br />
dos céus sobre seus destinos; outros, em contrapartida, ridicularizam o pretenso domínio<br />
dos astros. A constelação Ursa Maior é mencionada em algumas das peças a fim de que os<br />
personagens possam se certificar da hora da noite. Há, também, menção específica ao<br />
número do grupo de estrelas que ficam na constelação do Touro, as Plêiades. Em<br />
Shakespeare, eclipses solares e lunares são observados e temidos, cometas se vingam,<br />
estrelas brilham, outras “ardem” no céu e o curso do amor mais puro do mundo é cortado<br />
por uma estrela.<br />
Neste ensaio, em um primeiro momento, apresento um breve panorama do que já<br />
foi publicado sobre Shakespeare e a astronomia; depois, delineio o contexto histórico-social<br />
da cosmologia e da astronomia na época de Shakespeare, e, em seguida, averiguo como o<br />
autor ao mesmo tempo reflete e subverte a visão cosmológica vigente em sua época. Em<br />
específico, realizo uma investigação mais detida sobre Rei Lear e Romeu e Julieta a fim de<br />
destacar a interseção da astronomia com a astrologia. Menções ocasionais a outras peças<br />
serão feitas para complementar minha análise.<br />
Uma breve revisão bibliográfica<br />
O primeiro dado que constatei na minha pesquisa bibliográfica foi que os estudiosos<br />
da área da astronomia se debruçam com mais frequência na literatura de Shakespeare do<br />
que os estudiosos de literatura se debruçam na área da astronomia. Ou seja, a grande<br />
maioria da produção acadêmica que tive em mãos é da autoria de astrônomos e físicos<br />
norte-americanos ligados a instituições universitárias e ao Centro de Estudos da NASA,<br />
com a eventual contribuição de um especialista da área da literatura inglesa. No Brasil, ao<br />
me que consta, não há ainda nenhum artigo publicado que aborde esta temática.<br />
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Alguns estudos recuperam as menções astronômicas da obra de Shakespeare e as<br />
associam aos fenômenos que aconteceram na época fornecendo ainda dados históricos e<br />
científicos que ao mesmo tempo em que contribuem para o nosso entendimento da obra de<br />
Shakespeare, auxiliam nos registros da história da astronomia.<br />
Dentre esses estudos, destaca-se “The Stars of Hamlet” (OLSON, OLSON e<br />
DOESCHER, 1998) que analisa a estrela “que arde” / ”burns” iii mencionada pelo guarda<br />
Bernardo na cena inicial de Hamlet (1601) e compila evidências científicas minuciosas para<br />
propor que se trata da famosa supernova iv que apareceu na constelação de Cassiopéia em<br />
novembro do ano de 1572, quando o autor tinha apenas oito anos. Chamada de a<br />
“Supernova de Thycho”, em homenagem ao astrônomo holandês Tycho Brahe (1546-<br />
1601), que lhe dedicou um estudo detalhado. Há outros dois relatos de estudiosos<br />
elisabetanos que reportam o evento, um v deles fonte frequente para as obras de<br />
Shakespeare: as Chronicles de Raphael Holinshed (OLSON, OLSON e DOESCHER, 1998,<br />
p. 69).<br />
A “descoberta” de Olson, Olson e Doescher em “The Stars of Hamlet” foi recebida<br />
com grande estímulo no meio científico e ganhou destaque nos jornais da Texas State<br />
University (1998) e no Austin American Stateman (1998). O artigo gerou interesse em<br />
outros pesquisadores e levou Lewin Altschuler a afirmar em “Searching for Shakespeare in<br />
the Stars” (1998), baseado na idade de Shakespeare e também no fato de que Shakespeare<br />
não teria registrado os eventos celestes importantes de 1606, 1609 e 1610, que a teoria de<br />
Olson, Olson e Doescher corroboraria a suposição de que o autor das peças de Shakespeare<br />
não seria Shakespeare e sim o Conde de Oxford (1550-1604). À parte o estéril debate sobre<br />
a autoria vi das obras de Shakespeare, já sem nenhuma relevância entre pesquisadores sérios,<br />
Altschuler aparentemente não leva em consideração o fascínio que o aparecimento da<br />
supernova pode ter exercido no imaginário do menino William, o que o teria levado a<br />
descrevê-lo mais tarde, em 1601.<br />
De forma semelhante a Altschuler, ainda que com menos sensacionalismo, muitos<br />
pesquisadores revelam-se surpresos com o fato de que o escritor não tenha feito menção ao<br />
sistema heliocêntrico nem à revolucionária invenção do telescópio vii (1608) por Hans<br />
Lippershey (1570–1619), que foi um ano depois desenvolvida por Galileu Galilei (1564-<br />
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1642). Neste sentido, o livro de Peter Usher, Hamlet’s universe (2006), vai na contramão<br />
do discurso científico que afirma que Shakespeare ficou marginal à passagem da “Velha<br />
Astronomia” (a ptolomaica) para a chamada “Nova Astronomia” (a copernicana) nas suas<br />
peças. O autor, astrônomo e astrofísico, propõe eloquentemente que a tragédia Hamlet seja<br />
um relato alegórico da luta para a aceitação da “Nova Astronomia”. De acordo com a<br />
elaborada e imaginativa análise de Usher, Shakespeare teria escrito Hamlet para expressar<br />
as suas reflexões sobre a teoria copernicana que o sol estaria no centro do universo. Como a<br />
Igreja considerava o heliocentrismo uma heresia e o Estado o entendia como traição,<br />
Shakespeare não poderia discutir suas idéias abertamente e, portanto teria “escondido” sua<br />
visão em vários elementos da peça.<br />
Todos os estudos acima mencionados consistem em material valioso especialmente<br />
no sentido de iluminarem os eventos celestes da época. No entanto, algumas pesquisas<br />
incorrem no erro de analisar a obra do autor como se esta fosse uma espécie de almanaque<br />
de astronomia. Ora, Shakespeare de fato se ocupava da astronomia com conhecimento<br />
impressionante para o seu tempo, porém, os planetas, as estrelas, o firmamento e os eclipses<br />
são traduzidos na sua obra, sobretudo, pelos olhos do poeta e não do cientista. É natural<br />
que nem todos os principais fenômenos astronômicos da época tenham sido registrados<br />
pelo autor. Por exemplo, não há nenhuma menção específica ao cometa Halley de 1607,<br />
embora o evento tenha causado grande exaltação na época. Em benefício do fato de<br />
Shakespeare ter legitimado a visão geocêntrica em sua obra, podemos lembrar que o autor<br />
é, acima de tudo, um homem de sua época, como veremos a seguir.<br />
O COSMOS: OR<strong>DE</strong>M E CAOS<br />
O Renascimento foi, na sua essência, uma época de grandes transições e profundas<br />
transformações. Há o declínio de velhas visões que dão lugar às novas ordens emergentes.<br />
Shakespeare dá voz a esses dois mundos conflituosos em suas obras. Uma das visões<br />
contemporâneas presentes que o Bardo explora é a “Grande Corrente dos Seres”, um<br />
sistema que organizava o mundo e as pessoas hierarquicamente. Também conhecida por<br />
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Scala Naturae (escada natural), a Grande Corrente dos Seres foi um conceito recuperado de<br />
Aristóteles durante a Idade Média pela Igreja Católica. Assim, Deus existia no topo da<br />
corrente, seguido dos anjos, dos homens, das mulheres, dos animais, das plantas e dos<br />
minerais. Como Tylliard sugere em The Elizabethan world picture (1934), a grande<br />
corrente afirma o lugar fixo de tudo e todos e, assim, legitima uma ordem social que já dava<br />
sinais de enfraquecimento.<br />
A noção da Grande Corrente dos<br />
Seres espelha e reforça a visão<br />
cosmológica prevalente na época de<br />
Shakespeare. A crença vigente era a de<br />
que Deus havia criado o universo como<br />
um sistema de hierarquias múltiplas e<br />
correspondentes entre si. Tudo, tanto os<br />
elementos do céu, ou seja, os planetas e os<br />
anjos, quanto os elementos da terra, quais<br />
sejam: os reinos, as famílias, e, até mesmo<br />
o corpo humano, era constituído de<br />
elementos hierarquizados nos quais cada<br />
um se subordinava à categoria superior,<br />
exatamente como numa cadeia ou<br />
corrente, como podemos visualizar na<br />
imagem ao lado da época de Shakespeare.<br />
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Fig. 2 Desenho da Grande Corrente dos Seres<br />
(Didacus Valades, Rhetorica Christiana, 1579)<br />
Segundo a Grande Corrente dos Seres, tudo o que fugisse às classificações<br />
desestabilizaria a ordem e traria o caos. O sistema de ordem, portanto, trazia a idéia de que<br />
tudo e todos estavam no “seu devido lugar” e promovia a sensação de ordem, paz e<br />
estabilidade, como se tudo estivesse “fixo” e permanente no universo, uma noção que<br />
retomaremos mais adiante neste estudo. Muito embora Shakespeare reproduza na sua obra<br />
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a noção de ordem da sua época com recorrência, talvez nenhuma passagem a ilustra de<br />
maneira tão evidente quanto esta de Troilus e Cressida (1602):<br />
O próprio céu, os astros e este centro<br />
Observam grau, prioridade, escala,<br />
E curso, e proporção, forma e rodízio,<br />
Comando e posto, em toda a linha de ordem.<br />
(1.3)<br />
O “centro” se refere à Terra; “grau”, “prioridade” e “escala” indicam a ordem e<br />
subordinação do universo. Cada elemento do cosmos deveria ter um lugar próprio, definido<br />
por sua relação com os outros elementos. De maneira semelhante, todas as formas de<br />
organização social deveriam seguir o mesmo padrão, inclusive “Classes de escolas, ou<br />
comunidades, / Pacífico comércio entre as cidades”, assim como a “primogenitura e o<br />
nascimento” e “prerrogativas, cetros e coroas” devem obedecer prioridade e ordem<br />
(1.3.103-7).<br />
Caso a ordem e “esses grau” sejam desrespeitados (“Take but degree away”),<br />
Ulisses alerta que:<br />
Removam-se esses graus, falhe essa nota,<br />
E vejam que discórdia! As coisas entram<br />
Em conflito gratuito: as águas, soltas,<br />
Erguendo-se mais alto do que as praias,<br />
Transformam em lama todo o globo sólido:<br />
O mando entrega-se à imbecilidade,<br />
E o rude filho fere e mata o pai<br />
(I.3)<br />
As consequências, como vemos, podem ser severas. Muda-se apenas o “grau” e o<br />
mundo é virado às avessas, as praias são inundadas, o globo perde sua solidez, a<br />
imbecilidade reina e o filho mata o pai.<br />
Com efeito, a obra shakespeariana é rica de exemplos de como as ações que<br />
desafiam a ordem predeterminada levam ao caos e ao desastre. Para citar apenas outro<br />
exemplo, após Macbeth assassinar o Rei Duncan – desrespeitando, assim, as hierarquias e a<br />
noção de ordem – temos, em seguida, a descrição de imagens de escuridão invadindo o<br />
céu durante o dia: “o céu, aflito com o erro humano” enterra “em negror todo este mundo /<br />
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quando a luz viva o devia beijar” (II.4). Outra imagem paralela que reflete o universo em<br />
desordem é a dos cavalos, animais tidos como “exemplos de beleza e agilidade”, mas que,<br />
“negando obediência”, entram em guerra e se comem para o espanto de todos (Macbeth,<br />
II.4).<br />
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2. A visão geocêntrica.<br />
“...this solid globe” (Troilus e Cressida)<br />
Eu sou firme qual a estrela d’alva<br />
Que, por seus muitos dotes de firmeza,<br />
Não tem par nem igual no firmamento.<br />
(Julio César)<br />
No ambiente exposto acima, não é<br />
difícil entendermos por que os contemporâneos de Shakespeare acreditavam na visão<br />
geocêntrica de Ptolomeu (cerca 90 – 161 d. C.) Astrônomo e intelectual oriundo de<br />
Alexandria, Ptolomeu afirmava que a Terra ficava no centro do universo e era cercada por<br />
nove anéis concêntricos, como mostra a ilustração ao lado. Os corpos celestiais<br />
circunavegavam a terra na seguinte ordem: a Lua, Mercúrio, Venus, o Sol, Marte, Júpiter,<br />
Saturno, e as estrelas. Os planetas Urano viii , Netuno e Plutão ainda não haviam sido<br />
descobertos.<br />
A citação de César da peça Júlio César parcialmente citada na epígrafe acima faz<br />
um elogio à qualidade de “fixidez” e “firmeza” no homem e na natureza e ajuda-nos a<br />
ilustrar a visão fixa do universo que predominava na época de Shakespeare:<br />
Eu sou firme qual a estrela d’alva<br />
Que, por seus muitos dotes de firmeza,<br />
Não tem par nem igual no firmamento.<br />
Pintam os céus milhares de faíscas,<br />
Todas de fogo, todas rebrilhando;<br />
Porém são uma permanece fixa.<br />
(III.1)<br />
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Ainda que os contemporâneos de Shakespeare entendessem o cosmos pelo modelo<br />
geocêntrico, a época testemunha verdadeiras revoluções no desenvolvimento da<br />
astronomia. Em 1543, Nicolau Copérnico (1473-1543) publica a obra Revolutionibus<br />
Orbium Co-elestion onde expõe a hipótese de que o sol era o centro do universo. O modelo<br />
heliocêntrico foi confirmado pelo astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630), cujo<br />
livro De Motibus Stellae Martis (1609) propunha leis para os movimentos dos planetas, e<br />
também por Galileu (1564-1642) que publicou as suas descobertas no livro Sidereus<br />
Nuncius (1610). Muito embora o Princípio Copernicano tenha sido considerado como<br />
responsável pela nova ordem na cosmologia, a verdadeira revolução fica a cargo de Galileu<br />
que, com suas observações celestes exatas e sistemáticas e com registros precisos feitos por<br />
meio dos telescópios que ele próprio construiu, matematiza a astronomia e lhe dá o caráter<br />
de ciência stricto sensu que viria a se instalar definitivamente na prática científica.<br />
Note-se que tanto Galileu quanto Kepler eram contemporâneos de Shakespeare.<br />
Shakespeare esteve, pois, no centro de uma mudança de paradigmas que iria revolucionar o<br />
modo pelo qual o homem olha para o cosmos e para si mesmo.<br />
Os eclipses de Rei Lear e as estrelas de Romeu e<br />
Julieta: astronomia ou astrologia?<br />
Rei Lear (1606) é uma tragédia que narra a<br />
trajetória de um monarca de idade avançada cujo<br />
plano de dividir seu reino entre suas três filhas acaba<br />
numa catástrofe. O erro de Lear abrange várias<br />
esferas: a familiar, a política e a individual. A<br />
ruptura da ordem causada por Lear será refletida<br />
pela ruptura no macrocosmo em forma de imagens<br />
de vários elementos naturais em fúria, como nuvens<br />
contra nuvens, raios, vendavais e dilúvio. É como se<br />
a natureza estivesse respondendo diretamente as<br />
ações do herói trágico, uma visão característica da<br />
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tragédia clássica.<br />
Rei Lear é considerada a obra-prima de Shakespeare no que diz respeito à<br />
associação entre o homem e o cosmos, uma relação que engloba eventos astronômicos<br />
como os eclipses de 1598, 1601 e 1605, devidamente registrados em vários relatos na<br />
época. Como sabemos que a peça foi encenada para o Rei Jaime I em 26 de dezembro de<br />
1606, presume-se que “estes últimos eclipses do sol e da lua” (I. ii) tenham sido inspirados<br />
nos eventos que o próprio dramaturgo tenha observado. Especificamente o eclipse solar do<br />
ano de 1605 pode ter causado um impacto maior no autor. Observado de Londres, no dia 12<br />
de outubro, ao meio-dia, hora de sua máxima visibilidade, este eclipse teve 97% da área<br />
total do sol encoberta pela lua e foi registrado inclusive pelo próprio Rei Jaime I (LEVY,<br />
2002, p.7).<br />
Acima vemos ix o céu exatamente como Shakespeare teria observado de Londres, ao meio-dia de 12<br />
de outubro de 1605. Note-se o eclipse solar que tornou o dia noite, possibilitando a visualização de<br />
estrelas que de outra maneira não seriam vistas, como o caso de Spica. Observe-se, também, a<br />
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coroa ou corona solar (atmosfera solar) do eclipse que só se torna visível durante o período de<br />
escuridão proporcionado por um eclipse solar.<br />
Outra referência encontrada em Rei Lear relacionada especificamente à astronomia<br />
são as Plêiades (M45, também conhecidas como as “Sete Irmãs”), um aglomerado estelar<br />
situado na constelação de Touro que pode ser visto a olho nu, tanto do hemisfério norte<br />
quanto do hemisfério sul. A névoa azul que acompanha as estrelas se deve à fina poeira<br />
interestelar da região em que elas se encontram que reflete a luz azul das estrelas<br />
(FRANCES, 2007, p. 287). Certamente Shakespeare deve ter se encantado com a beleza<br />
dessas estrelas que, com certeza, se destacavam nas noites escuras e impolutas do seu<br />
tempo. A referência é feita pelo Bobo:<br />
Bobo A razão por que as sete estrelas não são mais que sete é muito interessante.<br />
Lear É por que não são oito?<br />
Bobo Isso mesmo! Ah! Tu darias um bom Bobo.<br />
No diálogo acima, temos a sugestão da inversão de papéis que terá lugar na peça: o<br />
Bobo vira a consciência de um Rei que havia violado a lei natural das coisas e que, por isso<br />
mesmo, vira Bobo. A charada proposta pelo Bobo faz menção às sete estrelas, ou seja, às<br />
Plêiades, e serve como metáfora irônica para um mundo desestruturado que já perdeu a<br />
organização natural. Ou seja, “as estrelas são sete por não serem oito” é a lógica natural que<br />
Lear deveria ter aplicado na sua vida, o que não ocorreu devido à sua arrogância.<br />
Como vemos, em Rei Lear, Shakespeare reporta-se a alguns eventos celestes que<br />
aconteceram pouco tempo antes de ter escrito a peça contribuindo, assim, para registrá-los.<br />
Por outro lado, cabe observar que a astronomia, para a maioria das pessoas da época de<br />
Shakespeare, inclusive para a própria Rainha Elisabete I, andava de mãos dadas com a<br />
astrologia. Basta lembrar que o próprio Johannes Kepler (1571 –1630) que nos legou a lei<br />
dos movimentos planetários, ainda usada hoje em dia, também exercia a função de<br />
astrólogo para seu sustento! A Rainha Elisabete I tinha seu próprio astrólogo, John Dee x<br />
(1527-1608), que também era astrônomo, mágico e matemático. Além de mostrar a<br />
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influência dos astros na vida e nas decisões da Rainha, Dee também a aconselhava<br />
ocasionalmente nas suas decisões políticas. Como vemos, a astrologia fazia parte da<br />
tessitura da existência das pessoas naquela época.<br />
A astrologia, enquanto “ciência” que estuda a influência dos astros sobre o destino<br />
das pessoas, é trazida à tona na seguinte fala de Gloster em Rei Lear:<br />
Estes últimos eclipses do sol e da lua não prenunciam nada de bom;<br />
Embora o conhecimento da Natureza possa explicá-los de um ou outro modo,<br />
Contudo a Natureza mesma sente-se castigada por seus efeitos. O amor esfria,<br />
As amizades se desfazem, os irmãos se dividem; são os motins nas cidades, discórdias no campo,<br />
Traição nos palácios; e os laços rompidos entre pais e filhos.<br />
(Sai Gloster)<br />
(I.2)<br />
Nesta passagem, Gloster dá voz ao determinismo astrológico ao ligar os<br />
acontecimentos caóticos no reino aos fenômenos da natureza, fazendo menção específica<br />
aos “eclipses do sol e da lua”. Cabe ressaltar que os eclipses eram tidos por muitos como<br />
fenômenos sobrenaturais. Os eclipses solares, em particular, podiam ser amedrontadores<br />
uma vez que traziam a noite em pleno dia, invertendo a ordem natural do universo. No<br />
entanto, logo após Gloster sair de cena, seu filho Edmundo ridiculariza as idéias do pai:<br />
Aí está o cúmulo da estupidez humana; quando não vamos bem<br />
De sorte, geralmente por excessos em nossa própria conduta, culpamos de nossos<br />
Desastres o sol, a lua e as estrelas; é como se fossemos patifes por fatalidade,<br />
Tolos por compulsão celeste, velhacos, ladrões, traidores, de acordo com a predominância<br />
De uma outra esfera. (...)<br />
Que excelente escusa para o devasso, por a culpa de suas lúbricas tendências num planeta!<br />
(I.2)<br />
Para Edmundo, um dos grandes vilões da peça, a visão determinista do pai que<br />
atribui culpa aos desastres celestes pelos problemas deve ser tida como “estúpida”.<br />
Segundo ele, nós é que somos responsáveis por nossas ações e por nossos destinos.<br />
Deste modo, Shakespeare, em Rei Lear, dá margem a interpretações ambivalentes no que<br />
diz respeito ao determinismo astrológico. Estaria o Bardo condenando a crença na<br />
astrologia e a tendência da época de culpar os astros por nossos próprios erros? Estaria<br />
Shakespeare sugerindo que devemos enxergar os eclipses do Sol e da Lua pelo que eles são,<br />
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ou seja, tais quais fenômenos celestes apenas? Estaria Shakespeare favorecendo, portanto, a<br />
astronomia? Talvez seja um tanto arriscado sustentar uma hipótese em detrimento da outra,<br />
uma vez que a obra do autor nos fornece exemplos abundantes que relativizam a questão.<br />
Para mencionar outro exemplo semelhante ao de Edmundo em Rei Lear, Cassius,<br />
em Julio César (1599), repudia a crença na astrologia quando afirma: “A culpa, Brutus, não<br />
‘stá nas estrelas / Mas em nós mesmos” (I. ii). No entanto, cabe ressaltar que, em termos<br />
quantitativos, as alusões à influência das estrelas e dos planetas sobre os eventos humanos<br />
na obra shakespeariana superam a visão contrária. Como afirma L. McCormick-Goodhart<br />
(1945, p. 177), apenas levando em consideração a palavra “estrela”, consta-se que cerca de<br />
50% se referem ao determinismo astrológico. Observemos os seguintes exemplos de peças<br />
diferentes: Hermione: “Algum nefasto planeta domina / Serei paciente até que os céus se<br />
/Mostrem favoráveis”. (Conto de Inverno II.i, p. 81); Kent: “ São as estrelas,/As estrelas Lá<br />
em cima que nos regem” (Rei Lear IV. I. ii); e, “Lá havia uma estrela, e sob ela eu nasci”<br />
(Muito barulho por nada, II.i).<br />
Com relação aos planetas, cabe lembrar que a platéia de Shakespeare era bem<br />
versada na linguagem da astrologia e compreendia com facilidade o simbolismo das<br />
passagens que podem não ser óbvias para as audiências de hoje. Cada planeta exercia uma<br />
influência especial nos assuntos humanos. A Lua, responsável por controlar as marés e as<br />
precipitações é aludida por Shakespeare como o “astro das marés” (Conto do inverno, I.2 e<br />
Ricardo III, II.2) e o “túmido astro” (Hamlet, I.1). Ligada à inconstância do amor (Romeu e<br />
Julieta, II.2), a Lua é também tida como culpada pela loucura que leva um homem a matar<br />
sua esposa por ciúmes (Otelo, V.2). O adjetivo derivado de Lua, lunático, no sentido de<br />
louco ou enlouquecido, ocorre treze vezes na obra do dramaturgo.<br />
Como podemos observar, temos, de fato, uma riqueza de material para abordarmos a<br />
questão astronomia x astrologia na obra do dramaturgo inglês. Não poderíamos, no entanto,<br />
prescindir de nos referirmos ao exemplo provavelmente mais popular do cânone<br />
shakespeariano: Romeu e Julieta (1595). Shakespeare adorna a peça com várias referências<br />
aos céus, à Lua e mais particularmente às estrelas. No soneto que abre a peça, Romeu e<br />
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009<br />
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Dossiê especial: Reflexões shakesperianas<br />
SMITH, Cristiane Busato. Shakespeare e a astronomia: a visão de sua época. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
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Julieta são chamados de star-crossed lovers, ou seja, amantes cortados em sua trajetória<br />
pelas estrelas:<br />
Duas casas, iguais em seu valor,<br />
Em Verona, que a nossa cena ostenta,<br />
Brigam de novo, com velho rancor,<br />
Pondo guerra civil em mão sangrenta.<br />
Dos fatais ventres desses inimigos<br />
Nasce, com má estrela, um par de amantes,<br />
Cuja derrota em trágicos perigos<br />
Com sua morte enterra a luta de antes.<br />
A triste história desse amor marcado<br />
E de seus pais o ódio permanente,<br />
Só com a morte dos filhos terminado,<br />
Duas horas em cena está presente.<br />
Se tiverem paciência para ouvir-nos,<br />
Havemos de lutar para corrigir-nos.<br />
(I.1, grifo meu)<br />
A descrição dos star-crossed lovers – os amantes que nasceram com “má estrela” –<br />
é apenas mais uma referência ao repertório estrelar do cânone shakespeariano e é<br />
claramente mais astrológica do que astronômica. Há duas maneiras pelas quais podemos<br />
considerar a intervenção das estrelas no curso do amor de Romeu e Julieta. A primeira é<br />
que, muito embora os jovens pertencessem a famílias inimigas que representavam a<br />
desintegração da ordem social em Verona, eles acabam se encontrando, como se este<br />
encontro “mal fadado” já estivesse “escrito nas estrelas”. A segunda maneira é que, uma<br />
vez que os jovens se apaixonam e selam seu amor com o casamento, eles estariam<br />
decididamente desafiando a “ordem natural das coisas” no que diz respeito à esfera social, à<br />
esfera familiar e à esfera individual, de forma análoga ao monarca Lear.<br />
Em vários momentos da peça, os jovens amantes pressentem a sua má estrela.<br />
Romeu reconhece-se como “o bobo da fortuna” (III.1) e imediatamente antes de conhecer<br />
Julieta, pressente: “Algo que, ainda preso nas estrelas, / Vai começar um dia malfadado /<br />
Com a festa desta noite, e ver vencido /O termo desta miserável / Com a pena vil da morte<br />
inesperada" (I.4). Já Julieta, sob a influência da mesma má estrela observa: “Meu leito<br />
nupcial é minha tumba” (I.5). No final da peça, quando Romeu pensa que Julieta está<br />
morta, presenciamos uma mudança radical em Romeu no que diz respeito à sua apreensão<br />
de mundo como algo pré-destinado. Romeu, agora, afirma “desafiar as estrelas” (V.1). Mal<br />
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SMITH, Cristiane Busato. Shakespeare e a astronomia: a visão de sua época. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
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sabia ele, no entanto, que as estrelas estavam conjurando o golpe mais algoz: consumido<br />
pela dor, Romeu compra um frasco de veneno e vai até ao jazigo onde se encontra Julieta<br />
para morrer ao lado da amada. Já dentro do jazigo, Romeu bebe o veneno e morre.<br />
Momentos depois, Julieta acorda e vê a seu lado, o corpo morto de seu marido. Julieta pega<br />
o punhal de Romeu e mata-se, pois já não tem motivos para viver. Vemos, portanto, que o<br />
universo de becos sem saída de Romeu e Julieta não tolera “desafios” ao destino,<br />
diferentemente de outras peças que deixam a questão ambivalente. O destino, ou seja, a<br />
“má estrela” (I.1) põe fim ao amor dos jovens e às suas vidas. Porém, há também a clara<br />
sugestão de que as mortes de Romeu e Julieta tenham um caráter compensatório xi , isto é,<br />
elas poriam fim ao “ódio permanente” (I.1), sugerindo que haveria a volta ao equilíbrio e a<br />
ordem na comunidade.<br />
À guisa de conclusão<br />
Como vimos, a astronomia de Shakespeare muitas vezes se confunde com a<br />
astrologia. No entanto, é interessante sublinhar que por meio de alguns personagens<br />
Shakespeare contesta a visão do determinismo astrológico vigente na época. Ao mesmo<br />
tempo, o autor demonstra uma grande afinidade com a astronomia de rigueur, notadamente<br />
no que diz respeito às referências a fenômenos celestes específicos de seu tempo. Quanto<br />
ao argumento de que Shakespeare parece favorecer a “Velha Astronomia” em detrimento<br />
da “Nova Astronomia”, penso que seria de fato um tanto arriscado sustentar que o autor<br />
tinha em mente pintar um quadro da astronomia da época orientado pelas novas teorias e<br />
descobertas. No entanto, é pouco provável que o autor não tivesse tido conhecimento da<br />
teoria heliocêntrica uma vez que havia uma dinâmica troca de informação entre os<br />
astrônomos do continente europeu e os da Inglaterra. Prova disso é o astrônomo inglês<br />
Thomas Digges (1546-195) que, já em 1576 (ou seja, 33 anos antes de Kepler e 34 anos<br />
antes de Galileu), publicou um diagrama do universo sustentando o sistema heliocêntrico.<br />
Apesar de não termos provas de que Shakespeare tenha frequentado o meio científico de<br />
Londres, imagina-se que ele, poeta de sucesso, agraciado pela própria Rainha Elisabete I e<br />
posteriormente pelo rei Jaime I, tenha cruzado o caminho com Digges, ainda mais quando<br />
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SMITH, Cristiane Busato. Shakespeare e a astronomia: a visão de sua época. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
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se leva em consideração que os dois moravam na mesma área de Londres (OLSON,<br />
OLSON, DOESCHER, p. 71). Um dos motivos que pode ter levado Shakespeare a não<br />
refletir sobre o universo heliocêntrico em suas obras pode muito bem ter sido a censura,<br />
pois, como informa Marlene Santos (2008, p. 175), a obra de Shakespeare estava sujeita a<br />
censura do Master of Revels (Mestre de Cerimônia), do Arcebispo de Canterbury e do<br />
Bispo de Londres. Janet Clare sustenta que várias peças do autor sofreram interferências da<br />
censura (apud SANTOS, 2008, p. 175), fato que explica que a escrita naquela época era,<br />
como alerta o grande poeta no Soneto 66, uma “art made tongue-tied by authority” (arte<br />
amordaçada pela autoridade).<br />
A astronomia está presente no nosso cotidiano de várias maneiras: seja na contagem<br />
do tempo, na determinação dos calendários, no clima, na orientação à navegação ou na<br />
evolução da vida. Mesmo a olho nu, a observação de fenômenos celestes tais como uma<br />
estrela cadente, um eclipse ou um cometa desperta o fascínio de qualquer um de nós.<br />
Shakespeare dramatiza esse fascínio na sua obra, nos legando um repertório estelar que nos<br />
convida a visualizar os céus com os olhos do seu tempo.<br />
REFERÊNCIAS<br />
ALTSCHULER, Lewin. “Searching for Shakespeare in the Stars” in: Physics, University of<br />
California, San Diego, 1998.<br />
FRANCES, Peter (Ed.) Universe. The definitive visual guide. London: Dorling Kindersley<br />
Limited, 2007.<br />
FERREIRA, Marina; ANJOS, Margarida (Cords. e Eds.). Novo dicionário Aurélio da<br />
língua portuguesa. Curitiba: Positivo, 2004.<br />
GIRARD, René. A violência e o sagrado. São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1990.<br />
KNOP, Robert. “Astronomical References in Shakespeare” in: The Meta Institute of<br />
Computational Astronomy, 2009.<br />
LEVY, David. “Shakespeare’s eclipses return” in: Sky & Telescope, June, 2002.<br />
MCCORMICK-GOODHART, L. “Shakespeare and the Stars” in: NASA Astrophysics<br />
Data System, 1945.<br />
OLSON, Donald, OLSON, Marilyn S. e DOESCHER, Russell L. in: “The Stars of Hamlet”<br />
in Sky & Telescope, November 1998.<br />
ORLIN, Lena Cowen. “Ideas of order” in: WELLS, Stanley; ORLIN, Lena Cowen.<br />
Shakespeare: an Oxford Guide. Oxford: Oxford University Press, 2003.<br />
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SANTOS, Marlene. “A dramaturgia shakespeariana” in: LEÃO, Liana e SANTOS,<br />
Marlene (Orgs.). Shakespeare: sua época e sua obra. Curitiba: Editora Beatrice, 2008.<br />
<strong>SHAKESPEARE</strong>, William. Julio César. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda,<br />
2001.<br />
_______. Hamlet. Trad. Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça. Rio de Janeiro:<br />
Lacerda, 2004.<br />
_______ . Macbeth. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda, 2004.<br />
_______. Rei Lear. Trad, Aíla de Oliveira Gomes. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000.<br />
_______.Romeu e Julieta. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda, 2004.<br />
_______ .Troilus e Cressida. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda, 2004.<br />
SMITH, Cristiane Busato. “A vida de William Shakespeare” in: LEÃO, Liana e SANTOS,<br />
Marlene (Orgs.). Shakespeare: sua época e sua obra. Curitiba: Editora Beatrice, 2008.<br />
TYLLIARD, E. M. W. The Elizabethan world picture. London: Chatto & Windus, 1943.<br />
USHER, Peter. Hamlet’s universe. New York: Aventine Press, 2006.<br />
i Agradeço a leitura, as sugestões e os valiosos comentários do historiador Aldo Gusmão e do engenheiro<br />
eletrônico Bill Smith, ambos apaixonados por astronomia e praticantes da astrofotografia.<br />
ii A contagem da incidência das palavras ligadas à astronomia na obra shakespeariana foi feita por meio do<br />
mecanismo de busca RhymeZone.<br />
iii : “Ontem à noite,/ Aquela mesma estrela ali a oeste,/Tendo feito o seu curso e iluminado / Esta parte do céu<br />
onde arde agora, / Marcelo e eu, ao badalar uma hora...” (I.1 Hamlet, p. 30)<br />
iv Supernova é uma explosão estelar. As supernovas são extremamente luminosas e emitem uma radiação que<br />
muitas vezes excede em brilho uma galáxia inteira, até sumir gradativamente de visão. Durante este intervalo<br />
curto, que pode durar várias semanas ou meses, uma supernova pode irradiar tanta energia quanto o Sol pode<br />
emitir durante toda a sua vida. (FRANCES, 2007, p. 262)<br />
v Hollinshed reportando a ocorrência da “nova estrela” conclui que “... the signification [of this event] thereof<br />
is directed purposelie and speciallie to some matter, not naturall, but celestiall, or rather supercelestiall, so<br />
strange, as from the beginning of the world never was the like.” [o significado {deste evento} é direcionado e<br />
com o propósito especial a um assunto tão estranho, não natural, porém celestial ou ainda supercelestial, que,<br />
desde seu início, o mundo nunca viu nada igual, tradução da autora] (apud OLSON, OLSON e DOESCHER,<br />
1998, p. 70)<br />
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SMITH, Cristiane Busato. Shakespeare e a astronomia: a visão de sua época. Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009.<br />
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vi Há amplas e explícitas evidências da época que um homem chamado “William Shakespeare” escreveu as<br />
peças e poemas de “William Shakespeare”, ou das outras seis variações de assinatura que o escritor usava (a<br />
ortografia não estava ainda fixada na época). Muitos documentos vêm de fontes públicas, tais como as<br />
primeiras páginas de peças e poemas publicados durante a sua vida. Há, também, referências sobre ele feitas<br />
por outros escritores como Francis Meres (1565-1647) que, em 1598, atribuiu a autoria de doze peças a<br />
Shakespeare, e John Weever (1576-1632), que lhe dedicou um poema em 1599. Outras referências vêm de<br />
manuscritos que descrevem encenações na corte e vários registros no Stationers’ Register (livro em que<br />
autores deviam registrar as obras a serem publicadas). Apesar das incontestáveis evidências, alguns<br />
alimentam a hipótese que Shakespeare nunca existiu ou que ele não foi o autor das peças, inventando<br />
candidatos para substituí-lo. Os nomes mais absurdos da lista vão desde a rainha Elisabete I até o escritor<br />
Daniel Defoe. Mais recentemente, os substitutos seriam Francis Bacon, Christopher Marlowe, o conde de<br />
Oxford e o conde de Essex. Esse fenômeno, conhecido como anti-stratfordiano, emergiu no final do século<br />
XVIII e aumentou no século seguinte com um certo esnobismo vitoriano que revela a descrença de que um<br />
ator de classe média e que não freqüentou a universidade possa ter sido o maior poeta inglês. A teoria de que<br />
Shakespeare nunca existiu ou de que não foi o autor de suas peças hoje não possui nenhuma importância para<br />
os estudiosos, e surge apenas entre curiosos e oportunistas que nada conhecem dele e da sua época, e se valem<br />
de sua fama para polemizar. (ver SMITH, 2008, p. 20-21)<br />
vii Galileu se baseou nas descrições do holandês Hans Lippershey para fazer seu primeiro telescópio. Após<br />
desenvolvê-lo, Galileu o usou nas suas observações celestes.<br />
viii Urano tem vinte e sete luas e vinte delas são batizadas com nomes de personagens de Shakespeare. São<br />
eles: Ariel, Umbriel, Titania, Oberon, Miranda, Cordélia, Ofélia, Bianca, Cressida, Desdêmona, Julieta,<br />
Pórcia, Belinda, Rosalinda, Perdita, Cupido, Mab, Puck, Caliban, Stephano, Sycorax, Próspero, Setebos,<br />
Trínculo, Ferdinando, Margaret e Francisco.<br />
ix Simulado pelo software The Sky X10 for Serious Astronomers (Software Bisque, Golden Colorado,<br />
U.S.A.). Trata-se de um software que simula o céu de qualquer momento determinado. Agradeço a Bill Smith<br />
por ter feito a simulação para este estudo.<br />
x Alguns críticos sugerem que Shakespeare se inspirou em John Dee na criação de Próspero, de A<br />
Tempestade.<br />
xi Analisado dessa perspectiva, o sacrifício de Romeu e Julieta torna-se central à tragédia, pois é por meio de<br />
suas mortes que haverá redenção para a guerra civil que assola Verona. Nesta leitura, Romeu e Julieta<br />
funcionariam como “bodes expiatórios” e teriam a função de purgar a violência e os pecados dos outros. Para<br />
um estudo aprofundado sobre o mecanismo da vítima sacrificial ver GIRARD, René. A violência e o sagrado.<br />
São Paulo: Ed. Universidade Estadual Paulista, 1990.<br />
Eletras, vol. 18, n.18, jul.2009<br />
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