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revista VIS - Instituto de Artes - UnB

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(Re)programabilida<strong>de</strong> como Fato Artístico e Atitu<strong>de</strong> Política<br />

<strong>VIS</strong> | Julho/Dezembro <strong>de</strong> 2010 Ano 9 nº 1<br />

A hibridização das artes e das mídias ocorrida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o advento da fotografia (MACHADO,<br />

2007; SANTAELLA, 2005) implica que a reflexão artística esteja atenta ao papel legitimador do<br />

po<strong>de</strong>r cumprido pela tecnologia. Para Santaella, a questão é saber quais são as reações possíveis<br />

ante a hegemonia da mídia e que papel a arte po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenhar em um período <strong>de</strong> contiguida<strong>de</strong><br />

e sobreposição <strong>de</strong> diferentes culturas ligadas aos meios da comunicação oral, escrita,<br />

impressa, <strong>de</strong> massa, midiática e digital.<br />

Se a fotografia é o ponto <strong>de</strong> partida para a hibridização mencionada, cabe então rever o<br />

pensamento <strong>de</strong> Walter Benjamin (1994) sobre a reprodutibilida<strong>de</strong> técnica da arte e seus efeitos<br />

na política. Nesse sentido, <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar que contexto atual das mídias digitais nos<br />

impõe a ampliação dos termos usados por Benjamin com a proposição da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> (re)programabilida<strong>de</strong><br />

tecnológica.<br />

Não estamos mais lidando com o fenômeno artístico intercalado por técnicas fotográficas (<strong>de</strong><br />

registro da luz) ou por técnicas prece<strong>de</strong>ntes e subsequentes. Em lugar disso, tratamos agora da<br />

incorporação <strong>de</strong> conhecimentos e <strong>de</strong> programas tecnológicos na máquina <strong>de</strong> fotografia e nas<br />

mídias híbridas sucessoras, que absorvem procedimentos dos meios <strong>de</strong> comunicação anteriores.<br />

Devemos consi<strong>de</strong>rar – ainda – que a digitalização institui uma condição em que as imagens<br />

são sistemas dinâmicos mutáveis, passíveis da interação coletiva por meio dos algoritmos (SAN-<br />

TAELLA, 2003). Em vez da dispersão do belo pela distribuição <strong>de</strong> réplicas autênticas extraídas do<br />

negativo, conforme a reprodutibilida<strong>de</strong> analisada por Benjamin, alcançamos a condição em que<br />

códigos <strong>de</strong> origem são <strong>de</strong>stinados à recombinação, pós-produção ou reprogramação.<br />

As consequências <strong>de</strong>ssa transição parecem acentuar os impactos prévios. Em Benjamin, a técni- técni-<br />

ca surgia para emancipar a arte do ritual e do mito. Deste modo, ela passaria a exercer um papel<br />

cada vez mais importante, exercitando-nos em novas percepções, mas abrindo caminho para a<br />

estetização da política pelo fascismo. Com a reprogramabilida<strong>de</strong> tecnológica, o efeito colateral da<br />

captura pelos mecanismos <strong>de</strong> dominação segue presente, porque embora haja uma difusão mais<br />

ampla dos dispositivos <strong>de</strong> produção e difusão, o que torna mais nivelado e complexo o jogo entre<br />

subjugadores e rebel<strong>de</strong>s, certos códigos <strong>de</strong> acesso, <strong>de</strong> acionamento e <strong>de</strong> transmissão são ainda<br />

privilégio dos conglomerados <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

A politização da estética indicada por Benjamin como antídoto à estetização fascista da polí- polí-<br />

tica <strong>de</strong>ve então ser trabalhada <strong>de</strong> uma nova maneira. Como ponto <strong>de</strong> partida, talvez possamos<br />

recorrer à provocação <strong>de</strong> Lev Manovich (2005) que, ao i<strong>de</strong>ntificar a materialização e superação<br />

dos projetos da arte mo<strong>de</strong>rna pela tecnologia telemática, arrisca-se a i<strong>de</strong>ntificar o software como<br />

a atual vanguarda, as novas mídias como a própria arte e os cientistas <strong>de</strong> computadores como os<br />

artistas <strong>de</strong> nossa época.<br />

Para reverter o projeto <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> rotinas pre<strong>de</strong>stinadas ao aprimoramento tecnológico<br />

por meio da retroalimentação humana, Flusser, por sua vez, sugere o contrabando <strong>de</strong> elementos<br />

não previstos no programa dos dispositivos. A arte seria, então, um caminho para experimentar,<br />

vencer, enganar, <strong>de</strong>sviar, jogar contra o aparelho. Uma visão crítica atenta à ambiguida<strong>de</strong> velada das<br />

intenções codificadoras “do fotógrafo” (e, por extensão, <strong>de</strong> todo aquele que produz arte) e da<br />

máquina (FLUSSER, 2002, p. 42-43 e 51).<br />

A proposta <strong>de</strong> Flusser é semelhante à <strong>de</strong> Stiegler, no ponto em que este ressalta a importância<br />

da singularida<strong>de</strong> incalculável e consistente da diferença vivenciada nas experiências artísticas. Ante<br />

o ímpeto do capitalismo hiperindustrial <strong>de</strong> levar ao esgotamento do <strong>de</strong>sejo pela oferta excessiva<br />

<strong>de</strong> produtos para o consumismo gregário (a <strong>de</strong>ssingularização e hipersincronização das condutas<br />

pelo condicionamento estético), Stiegler <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a necessida<strong>de</strong> (il faut) do <strong>de</strong>feito (défaut), cuja<br />

manifestação se daria no trabalho artístico <strong>de</strong> dilatação do sensível e <strong>de</strong> socialização expansiva da<br />

diversida<strong>de</strong> diacrônica (STIEGLER, 2007, p. 21-22, 23-29 e 38).<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Arte | IdA - <strong>UnB</strong><br />

A essa altura, retomamos o hackeamento como senha conceitual para a apropriação dissente da<br />

tecnologia na arte. Pois, conforme os exemplos <strong>de</strong> artistas e coletivos citados acima nos apontam,<br />

a aproximação entre a produção artística e ação hacker nos oferece, graças a essa abordagem, a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recordar que há um grau <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> da maioria ante ao uso da máquina,<br />

mas que a ameaça <strong>de</strong> uma ditadura cibernética encontra resistência na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subversão<br />

e ruptura (TAYLOR, 1999).<br />

Na conjuntura política das senhas e códigos que resguardam o po<strong>de</strong>r da indústria, o hackeamento<br />

se coloca como tática fluida <strong>de</strong> exploração e interferência nos fluxos <strong>de</strong> acomodação da<br />

cultura movidos pelas forças socioeconômicas que se sobrepõem às <strong>de</strong>mais (THOMAS, 2003).<br />

Na conjugação da arte_hackeamento, abrem-se espaços <strong>de</strong> ocupação coletivista, <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e reprogramação tanto dos meios e finalida<strong>de</strong>s das tecnologias <strong>de</strong> comunicação,<br />

quanto das próprias subjetivida<strong>de</strong>s construídas a partir dos agenciamentos que são impulsionados<br />

pelas mídias.<br />

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