A questão da prova no crime de embriaguez - Trânsito Brasil
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
recusa ao teste do etilômetro - Julia<strong>no</strong> Del Antonio<br />
INTRODUÇÃO<br />
Não chega a ser uma gran<strong>de</strong> <strong>no</strong>vi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>no</strong>s <strong>de</strong>pararmos com casos <strong>de</strong><br />
aci<strong>de</strong>ntes automobilísticos envolvendo condutores em total estado <strong>de</strong><br />
<strong>embriaguez</strong> 1 , ocasionando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> um mero susto, passando por graves lesões<br />
corporais, chegando ao extremo <strong>de</strong> provocar ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras carnificinas <strong>no</strong><br />
trânsito <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s e rodovias brasileiras.<br />
Foi com essa premissa que o Legislador aprovou a Lei nº. 11.705 <strong>de</strong> 19<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2008, que alterou a Lei nº. 9.503 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1997, que<br />
instituiu o Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro (CTB), objetivando estabelecer uma<br />
<strong>no</strong>rma mais rígi<strong>da</strong> àqueles que insistem em conduzir veículos automotores em<br />
condição <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong>. É a vulgarmente conheci<strong>da</strong> e propala<strong>da</strong> “Lei Seca”.<br />
To<strong>da</strong>via, a <strong>no</strong>va disposição legal, ao alterar o conteúdo do art. 306 do<br />
Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro, que anteriormente preconizava que “conduzir<br />
veículo automotor, na via pública, sob a influência <strong>de</strong> álcool ou substância <strong>de</strong><br />
efeitos análogos, expondo a <strong>da</strong><strong>no</strong> potencial a incolumi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> outrem” pela<br />
atual que diz: “conduzir veículo automotor, na via pública, estando com<br />
concentração <strong>de</strong> álcool por litro <strong>de</strong> sangue igual ou superior a 6 (seis)<br />
<strong>de</strong>cigramas, ou sob a influência <strong>de</strong> qualquer outra substância psicoativa que<br />
<strong>de</strong>termine <strong>de</strong>pendência”, cuja pena comina<strong>da</strong> é <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong> seis meses a<br />
três a<strong>no</strong>s, cumulados com multa e suspensão ou proibição <strong>de</strong> se obter a<br />
permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, trouxe o condão <strong>de</strong>, ao<br />
mesmo tempo, <strong>de</strong> um lado enrijecer a penali<strong>da</strong><strong>de</strong> aferi<strong>da</strong> pela esfera<br />
administrativa do CTB, proporcionar, em sentido contrário, ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro<br />
1 “Derivado <strong>de</strong> embrigar-se, do latim inebriare (embebe<strong>da</strong>r-se, embriagar-se), quer o vocábulo significar o estado<br />
em que se encontra a pessoa, que se embriagou ou está embriaga<strong>da</strong>, pela absorção ou ingestão <strong>de</strong> bebi<strong>da</strong>s<br />
alcoólicas, ou <strong>de</strong> substâncias <strong>de</strong> efeitos análogos. (...) manifestado pela per<strong>da</strong> do raciocínio ou do discernimento, o<br />
que leva o embriagado, transitoriamente, a não se po<strong>de</strong>r conduzir como em estado <strong>no</strong>rmal, <strong>de</strong> plena compreensão e<br />
direção <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, enquanto perdurem os efeitos (...) provocados pelas bebi<strong>da</strong>s absorvi<strong>da</strong>s em excesso. (...) A<br />
<strong>embriaguez</strong> voluntária ou culposa não isenta o agente <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo <strong>crime</strong> praticado. A <strong>embriaguez</strong><br />
fortuita ou por força maior po<strong>de</strong> atenuar ou mesmo livrá-lo <strong>da</strong> sanção penal.” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário<br />
Jurídico. p. 520).<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
recusa ao teste do etilômetro - Julia<strong>no</strong> Del Antonio<br />
abran<strong>da</strong>mento naquilo que se refere a esfera criminal do Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> e<br />
suas implicações.<br />
Em outras palavras, po<strong>de</strong>-se concluir que sob a égi<strong>de</strong> <strong>da</strong> lei antiga, não<br />
havia a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> com<strong>prova</strong>ção <strong>de</strong> quaisquer níveis <strong>de</strong> álcool na corrente<br />
sanguínea do condutor, bastando apenas e tão-somente a configuração <strong>da</strong><br />
prática <strong>de</strong> direção a<strong>no</strong>rmal. Contrário senso, a atual disposição legal, exige a<br />
incidência <strong>de</strong> um percentual previsto <strong>no</strong> próprio tipo penal, que é a taxa <strong>de</strong> 6<br />
(seis) <strong>de</strong>cigramas por litro <strong>de</strong> sangue.<br />
Importante ressaltar que o <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante constitui<br />
<strong>crime</strong> comum, por não ser exigi<strong>da</strong> qualquer peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> para a consecução<br />
do referido tipo, inclusive, po<strong>de</strong>ndo ser perpetrado por pessoa não habilita<strong>da</strong>,<br />
isto é, não portadora <strong>da</strong> Carteira Nacional <strong>de</strong> Habilitação.<br />
Mas como operar a <strong>prova</strong> <strong>de</strong> tal fato, tendo em vista os preceitos<br />
constitucionais <strong>da</strong> não auto-incriminação (art. 5º, LXIII) e <strong>da</strong> presunção <strong>de</strong><br />
i<strong>no</strong>cência (art. 5º, LVII)?<br />
Quais são os elementos probatórios admitidos para a materialização <strong>da</strong><br />
infração <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante, ressaltando que o art. 277 do CTB 2 , este<br />
com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº. 11.275/2006, <strong>de</strong>termina a realização <strong>de</strong> testes<br />
<strong>de</strong> alcoolemia, exames clínicos, perícia, bem como outros exames, que por<br />
meios técnicos ou científicos, <strong>de</strong>terminem ou afastem a incidência, em<br />
condutores <strong>de</strong> veículos automotores envolvidos em aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito ou<br />
que sejam alvo <strong>de</strong> fiscalização e que haja suspeita <strong>de</strong> estarem dirigindo sob a<br />
influência <strong>de</strong> álcool ou <strong>de</strong> substância entorpecente, tóxica ou <strong>de</strong> efeitos<br />
análogos?<br />
2 Art. 277 do Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro: Todo condutor <strong>de</strong> veículo automotor, envolvido em aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito<br />
ou que for alvo <strong>de</strong> fiscalização <strong>de</strong> trânsito, sob suspeita <strong>de</strong> dirigir sob a influência <strong>de</strong> álcool será submetido a testes <strong>de</strong><br />
alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos<br />
homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. § 1o Medi<strong>da</strong> correspon<strong>de</strong>nte aplica-se <strong>no</strong> caso <strong>de</strong><br />
suspeita <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> substância entorpecente, tóxica ou <strong>de</strong> efeitos análogos. (...).<br />
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recusa ao teste do etilômetro - Julia<strong>no</strong> Del Antonio<br />
DA PRODUÇÃO DE PROVAS NO QUE TANGE AO CRIME DE<br />
EMBRIAGUEZ AO VOLANTE<br />
É <strong>no</strong>tório que o conceito <strong>de</strong> <strong>prova</strong> remete ao objetivo <strong>de</strong> se <strong>de</strong>terminar<br />
a existência ou inexistência <strong>de</strong> uma referi<strong>da</strong> situação <strong>de</strong> fato, bem como atestar<br />
a veraci<strong>da</strong><strong>de</strong> ou falsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ilação, a fim <strong>de</strong> proporcionar efetiva condição<br />
ao magistrado <strong>de</strong> se convencer <strong>da</strong> culpa ou i<strong>no</strong>cência do acusado, tendo em<br />
monta ser o juiz o <strong>de</strong>stinatário final <strong>da</strong> <strong>prova</strong>.<br />
Do mesmo modo, temos o princípio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> probatória o qual<br />
permite a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, ressalva<strong>da</strong>s algumas exceções, <strong>de</strong> se <strong>prova</strong>r tudo em<br />
todos os pla<strong>no</strong>s, isto é, em face do momento, do conteúdo ou dos meios <strong>de</strong><br />
<strong>prova</strong> admitidos ou que não sejam, contrário senso, expressamente proibidos.<br />
Luiz Flávio Gomes 3 , traz em artigo publicado uma série <strong>de</strong> questões<br />
pertinentes à <strong>questão</strong> <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> <strong>prova</strong>s na seara do <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong><br />
ao volante, tais como: 1) “a <strong>prova</strong> testemunhal com<strong>prova</strong> a <strong>embriaguez</strong>?”; 2) “e<br />
a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool?”; 3) “quais os meios probatórios que possibilitam<br />
quantificar a taxa alcoólica?”; 4) “o legislador acertou ao exigir 6 (seis)<br />
<strong>de</strong>cigramas <strong>de</strong> álcool por litro <strong>de</strong> sangue?”; 5) “po<strong>de</strong> o juiz, via hermenêutica,<br />
suprir as <strong>de</strong>ficiências legislativas?”.<br />
Por <strong>prova</strong> testemunhal enten<strong>de</strong>-se, em sentido estrito, todo aquele<br />
indivíduo, estranho ao feito e equidistante <strong>da</strong>s partes, ou seja, aquela pessoa<br />
idônea e <strong>de</strong>sinteressa<strong>da</strong>, que é chama<strong>da</strong> ao processo a fim <strong>de</strong> falar acerca<br />
<strong>da</strong>quilo que vislumbrou <strong>no</strong> que tange ao objeto do litígio, sem faltar com a<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, calar-se ou fazer ilações falsas, sob pena <strong>de</strong> incorrer <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong><br />
falso testemunho, imputado pelo art. 342 do Código Penal brasileiro 4 .<br />
3 Embriaguez ao volante: basta a <strong>prova</strong> testemunhal(?). Disponível em:<br />
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090713175634332<br />
4 Art. 342 do Código Penal. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> como testemunha, perito, contador,<br />
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão,<br />
<strong>de</strong> um a três a<strong>no</strong>s, e multa.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
recusa ao teste do etilômetro - Julia<strong>no</strong> Del Antonio<br />
Isto posto, po<strong>de</strong>mos afirmar, sem sombra <strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong>s que a <strong>prova</strong><br />
testemunhal seria capaz <strong>de</strong> com<strong>prova</strong>r o estado <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> <strong>de</strong> condutor <strong>de</strong><br />
veículo automotor. To<strong>da</strong>via, <strong>de</strong>terminar, via testemunha, a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> exata <strong>de</strong><br />
álcool por litro <strong>de</strong> sangue, como faz exigir o caput do art. 306 do CTB, com<br />
re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Lei nº. 11.705/2008 é totalmente impossível, para não dizer jocoso.<br />
Assim, <strong>de</strong>ve-se partir para a consecução <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> <strong>prova</strong>s por<br />
outros meios, os quais seriam: 1) o exame <strong>de</strong> sangue laboratorial, realizado por<br />
laboratórios especializados indicados pelo órgão <strong>de</strong> trânsito competente ou<br />
pela Polícia Judiciária; e 2) o teste <strong>de</strong> ar alveolar pulmonar, realizado através<br />
do sopro <strong>no</strong> aparelho <strong>de</strong><strong>no</strong>minado etilômetro e que ficou popularmente<br />
conhecido como “bafômetro”.<br />
Porém, ao chegarmos nesse ponto, <strong>no</strong>s <strong>de</strong>paramos com diversos<br />
entraves para a efetiva produção probatória, seja por questões principiológicas<br />
constitucionais, bem como questões <strong>de</strong> cunho técnico, tais como, a discussão<br />
acerca <strong>da</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong> e legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> utilização do etilômetro para se aferir a<br />
exata quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool por litro <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong> condutor <strong>de</strong> veículo<br />
automotor, uma vez que esse aparelho, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, me<strong>de</strong> a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
álcool por litro <strong>de</strong> ar expelido.<br />
Por tratar-se <strong>de</strong> espécies <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s diferentes (álcool por litro <strong>de</strong><br />
sangue e álcool por litro <strong>de</strong> ar expelido), foi necessário, ao mesmo tempo em<br />
que se promulgou a Lei nº. 11.705/2008, promulgar o Decreto nº. 6.488 <strong>de</strong> 19<br />
<strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2008, que <strong>no</strong> seu art. 2º e incisos 5 , equiparou as 6 (seis)<br />
<strong>de</strong>cigramas por litro <strong>de</strong> sangue aos 3 (três) décimos <strong>de</strong> miligramas por litro <strong>de</strong><br />
ar, a fim <strong>de</strong> se caracterizar o tipo penal previsto <strong>no</strong> art. 306 do CTB.<br />
5 Art. 2º do Decreto nº. 6.488/2008. Para os fins criminais <strong>de</strong> que trata o art. 306 <strong>da</strong> Lei <strong>no</strong> 9.503, <strong>de</strong> 1997 - Código<br />
<strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro, a equivalência entre os distintos testes <strong>de</strong> alcoolemia é a seguinte: I - exame <strong>de</strong> sangue:<br />
concentração igual ou superior a seis <strong>de</strong>cigramas <strong>de</strong> álcool por litro <strong>de</strong> sangue; ou II - teste em aparelho <strong>de</strong> ar alveolar<br />
pulmonar (etilômetro): concentração <strong>de</strong> álcool igual ou superior a três décimos <strong>de</strong> miligrama por litro <strong>de</strong> ar expelido<br />
dos pulmões.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
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Ain<strong>da</strong>, nessa seara técnica, também é possível haver a divergência<br />
entre resultados <strong>no</strong>s testes <strong>de</strong> etilômetro, bem como <strong>no</strong>s exames clínico-<br />
laboratoriais, on<strong>de</strong> se fará imperar o princípio do “in dubio pro reo”.<br />
Tais situações elenca<strong>da</strong>s, porém, somente serão alvo <strong>de</strong><br />
questionamento, quando e se o condutor optar por realizar os referidos<br />
exames, fato este o qual não está obrigado, pois a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
1988 traz em seu bojo, <strong>no</strong> art. 5º, o princípio <strong>da</strong> não auto incriminação, também<br />
conhecido como “não produção <strong>de</strong> <strong>prova</strong>s contra si mesmo”, ain<strong>da</strong> que o art.<br />
277 do CTB, conforme exposto anteriormente, diga o contrário.<br />
Esse princípio, na<strong>da</strong> mais é do que corolário dos princípios <strong>da</strong><br />
presunção <strong>de</strong> i<strong>no</strong>cência (inciso LVII), <strong>da</strong> ampla <strong>de</strong>fesa (inciso LV) e do direito<br />
<strong>de</strong> permanecer calado (inciso LXIII), todos constantes do art. 5º <strong>da</strong> Carta<br />
Magna. Baseia-se <strong>no</strong> fato <strong>de</strong> ser o Estado, <strong>no</strong> que tange a persecução penal, a<br />
parte mais forte, por possuir os meios e instrumentos aptos a buscar e<br />
<strong>de</strong>scobrir <strong>prova</strong>s contra o agente que cometeu o ilícito, prescindindo assim, <strong>de</strong><br />
sua colaboração. Nas palavras <strong>de</strong> Uadi Lammêgo Bulos,<br />
“(...) o privilégio contra a auto-incriminação traduz o direito<br />
público subjetivo, assegurado a qualquer indiciado, imputado<br />
ou testemunha. A jurisprudência do Pretório Excelso (...) e a<br />
doutrina (...) enten<strong>de</strong>m que, embora o inciso LXIII do art. 5º fale<br />
em preso, a exegese do preceito constitucional <strong>de</strong>ve ser <strong>no</strong><br />
sentido <strong>de</strong> que a garantia alcança to<strong>da</strong> e qualquer pessoa,<br />
pois, diante <strong>da</strong> presunção <strong>de</strong> i<strong>no</strong>cência, que também constitui<br />
garantia fun<strong>da</strong>mental do ci<strong>da</strong>dão, a <strong>prova</strong> <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
incumbe exclusivamente à acusação (...).” 6<br />
Grosso modo, o condutor <strong>de</strong> veículo automotor, não está obrigado a,<br />
nas palavras <strong>de</strong> Luiz Flavio Gomes, “ce<strong>de</strong>r seu corpo ou parte <strong>de</strong>le para fazer<br />
6 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Fe<strong>de</strong>ral a<strong>no</strong>ta<strong>da</strong>. p. 325-326.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
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<strong>prova</strong> contra ele mesmo” 7 . Havendo a recusa do mesmo, somente restará o<br />
exame clínico, realizado, via <strong>de</strong> regra, pelo Instituto Médico Legal ou a <strong>prova</strong><br />
testemunhal.<br />
E é aí que o caput do art. 306 do CTB encontra óbice para sua<br />
efetivação, uma vez ser impossível <strong>de</strong>terminar a porcentagem <strong>de</strong> álcool por<br />
litro <strong>de</strong> sangue ou por litro <strong>de</strong> ar expelido, sem a efetiva disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
corpo do condutor, seja com a coleta <strong>de</strong> sangue, seja para soprar o etilômetro,<br />
respon<strong>de</strong>ndo assim, a <strong>questão</strong> anteriormente aventa<strong>da</strong>, <strong>de</strong> ter ocorrido ou não<br />
êxito em se especificar <strong>no</strong> texto <strong>de</strong> lei a quantia <strong>de</strong> 6 (seis) <strong>de</strong>cigramas por litro<br />
<strong>de</strong> sangue. Portanto, conclui-se que mandou mal o legislador ao fixar a referi<strong>da</strong><br />
quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>, cerrando o tipo penal, e alijando-o <strong>de</strong> qualquer necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
busca <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong>scritivos, subjetivos, valorativos e <strong>no</strong>rmativos para sua<br />
melhor compreensão.<br />
Tal conclusão é possível quando comparamos a re<strong>da</strong>ção do texto<br />
vigente <strong>da</strong>do pela Lei nº. 11.705/2008 com aquele que vigia anteriormente,<br />
on<strong>de</strong> não havia a exigência atual <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool por litro <strong>de</strong><br />
sangue, po<strong>de</strong>ndo a <strong>embriaguez</strong> ser atestado através <strong>de</strong> um exame clínico 8 ,<br />
quando <strong>da</strong> recusa do condutor em se submeter às outras duas espécies <strong>de</strong><br />
aferições <strong>da</strong> taxa <strong>de</strong> alcoolemia (etilômetro e exame <strong>de</strong> sangue).<br />
Em linhas gerais, bastava a exteriorização <strong>de</strong> comportamento<br />
compatível com a <strong>embriaguez</strong>, tais como fala <strong>de</strong>sconexa, gestos<br />
<strong>de</strong>scor<strong>de</strong>nados, odor característico etc, evi<strong>de</strong>nciando assim, a condução<br />
irregular do veículo, trafegando por sobre o passeio público, fazendo ma<strong>no</strong>bras<br />
perigosas, an<strong>da</strong>ndo em ziguezague, para sua caracterização. A conduta se<br />
amol<strong>da</strong>va perfeitamente ao tipo penal, o que não ocorre hoje, bastando a<br />
7 Embriaguez ao volante: basta a <strong>prova</strong> testemunhal(?). Disponível em:<br />
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090713175634332.<br />
8 Trata-se <strong>de</strong> exame clínico com laudo conclusivo firmado pelo médico examinador <strong>da</strong> Polícia Judiciária.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
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ingestão <strong>de</strong> bebi<strong>da</strong> alcoólica acima do limite fixado, ain<strong>da</strong> que a condução do<br />
veículo se dê <strong>de</strong> modo regular.<br />
Se anteriormente bastava, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool<br />
ingeri<strong>da</strong>, a com<strong>prova</strong>ção <strong>de</strong> uma direção temerária e/ou perigosa, a qual<br />
<strong>de</strong><strong>no</strong>mina-se, <strong>crime</strong> <strong>de</strong> perigo concreto 9 , hodiernamente, faz-se mister a<br />
com<strong>prova</strong>ção <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> taxa <strong>de</strong> alcoolemia fixa<strong>da</strong> em lei, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> se haver ou não, uma direção perigosa, passando, portanto, a ser tratado<br />
como <strong>crime</strong> <strong>de</strong> perigo abstrato 10 .<br />
Nesse sentido, expõe Roger Spo<strong>de</strong> Brutti, para quem<br />
“Efetivamente, a tipificação dos <strong>crime</strong>s <strong>de</strong> perigo abstrato<br />
representa uma preocupação <strong>de</strong> cunho prevencionista do<br />
direito criminal <strong>da</strong> <strong>no</strong>ssa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> contemporânea a qual<br />
<strong>de</strong>seja antecipar a punição <strong>de</strong> certas condutas, com o fim <strong>de</strong><br />
prevenir perturbações futuras e garantir o bem-estar social,<br />
porquanto já fatiga<strong>da</strong> está com as lesões efetivas aos seus<br />
bens juridicamente tutelados.” 11<br />
To<strong>da</strong>via, a temática dos <strong>crime</strong>s <strong>de</strong> perigo abstrato não é uníssona na<br />
doutrina. Doutrinadores como Luiz Flávio Gomes, negam a existência <strong>de</strong>sse<br />
tipo <strong>de</strong> <strong>crime</strong>, pois, enten<strong>de</strong> o autor, referenciado por Eduardo Luiz Santos<br />
Cabette que<br />
“(...) mencione ou não o legislador em <strong>da</strong>do tipo penal a<br />
necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> perigo concreto, esta se faz presente, ain<strong>da</strong><br />
que tacitamente, em estrito respeito ao Princípio <strong>da</strong><br />
Ofensivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Portanto, ‘todo tipo penal que <strong>de</strong>screve um<br />
perigo abstrato <strong>de</strong>ve ser interpretado na forma <strong>de</strong> perigo<br />
9 Há <strong>crime</strong> <strong>de</strong> perigo concreto, “(...) quando a realização do tipo exige a existência <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> efetivo<br />
perigo.” (CAPEZ, Fernando. Curso <strong>de</strong> Direito Penal – parte geral. Vol I. p. 263).<br />
10 Há <strong>crime</strong> <strong>de</strong> perigo abstrato, quando “(...) a situação <strong>de</strong> perigo é presumi<strong>da</strong>, (...).” (CAPEZ, Fernando. Op. Cit. p.<br />
263).<br />
11 BRUTTI, Roger Spo<strong>de</strong>. A eficácia <strong>da</strong> <strong>prova</strong> testemunhal <strong>no</strong>s <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante. p. 4.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
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concreto’. Por essa razão o autor em <strong>de</strong>staque enten<strong>de</strong> que,<br />
mesmo na atual conformação, o artigo 306, CTB, <strong>de</strong>screve um<br />
‘<strong>crime</strong> <strong>de</strong> perigo concreto in<strong>de</strong>terminado’, para cuja<br />
configuração é impositivo com<strong>prova</strong>r ‘risco efetivo para o bem<br />
jurídico coletivo segurança viária’.” 12<br />
Desta forma, chegamos ao último dos cinco questionamentos<br />
esposados <strong>no</strong> início <strong>de</strong>ste tópico, isto é, aquele que se refere à possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> o magistrado, valendo-se <strong>da</strong> interpretação hermenêutica, suprir as<br />
<strong>de</strong>ficiências legislativas. Po<strong>de</strong> ocorrer a autuação flagrancial do referido<br />
condutor pelo <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante, tendo este recusado-se a<br />
submeter-se ao teste <strong>de</strong> alcoolemia?<br />
Primeiramente, <strong>de</strong>vemos levar em monta o fato <strong>de</strong> o art. 291 do CTB 13<br />
preconizar serem os <strong>crime</strong>s cometidos na direção <strong>de</strong> veículo automotor,<br />
abrangidos pelo Código <strong>de</strong> Processo Penal, naquilo que couber.<br />
Isto posto, ao manusearmos o CPP, verificamos que o art. 158 do<br />
referido Co<strong>de</strong>x 14 , assevera que a infração ao <strong>de</strong>ixar vestígios <strong>de</strong>ve ser alvo do<br />
exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, seja ele direto ou indireto, não tendo a confissão do<br />
acusado o condão <strong>de</strong> suprir sua consecução. To<strong>da</strong>via, o art. 167 do mesmo<br />
diploma processual 15 , é claro ao afirmar ser a <strong>prova</strong> testemunhal suficiente<br />
para suprir a falta do exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito quando <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sua realização.<br />
Portanto, havendo o condutor negado a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> submissão<br />
aos testes <strong>de</strong> alcoolemia, seja por meio do teste do etilômetro, seja por meio <strong>de</strong><br />
12 Será preciso <strong>prova</strong>r o que é <strong>no</strong>tório? p. 2-3.<br />
13 Art. 291 do Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro. Aos <strong>crime</strong>s cometidos na direção <strong>de</strong> veículos automotores, previstos<br />
neste Código, aplicam-se as <strong>no</strong>rmas gerais do Código Penal e do Código <strong>de</strong> Processo Penal, se este Capítulo não<br />
dispuser <strong>de</strong> modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1995, <strong>no</strong> que couber.<br />
14 Art. 158 do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Quando a infração <strong>de</strong>ixar vestígios, será indispensável o exame <strong>de</strong> corpo<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, direto ou indireto, não po<strong>de</strong>ndo supri-lo a confissão do acusado.<br />
15 Art. 167 do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Não sendo possível o exame <strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito, por haverem <strong>de</strong>saparecido<br />
os vestígios, a <strong>prova</strong> testemunhal po<strong>de</strong>rá suprir-lhe a falta.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
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exame <strong>de</strong> sangue, tendo os vestígios atinentes à conduta do mesmo já<br />
<strong>de</strong>saparecidos, é <strong>no</strong>tório o suprimento <strong>de</strong>ssa lacuna através <strong>de</strong> <strong>prova</strong><br />
testemunhal.<br />
É o que enten<strong>de</strong> a jurisprudência emana<strong>da</strong> pela Segun<strong>da</strong> Câmara<br />
Criminal do Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Santa Catarina, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Apelação Cível nº. 2009.007530-3, sob a lavra do Desembargador Irineu João<br />
<strong>da</strong> Silva, julgado em 19 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009, cujo trecho transcrevemos, in verbis<br />
“Embriaguez ao volante. Art. 306 <strong>da</strong> Lei nº. 9.503/97.<br />
Necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>da</strong>r interpretação hermenêutica à Lei nº.<br />
11.705/2008, para aten<strong>de</strong>r aos seus próprios fins. Ausência <strong>de</strong><br />
teste do bafômetro. Estado etílico que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstrado<br />
por outras <strong>prova</strong>s. Recurso Ministerial provido. (...) Ao operador<br />
do direito, atento às incongruências do legislador, outra solução<br />
não resta do que lançar mão <strong>da</strong> hermenêutica jurídica para<br />
<strong>de</strong>cifrar a vonta<strong>de</strong> <strong>da</strong> lei em face <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do país e <strong>da</strong><br />
necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> impor maior rigor aos infratores <strong>da</strong>s <strong>no</strong>rmas <strong>de</strong><br />
trânsito, não obstante as imperfeições humanas.” 16<br />
CONCLUSÃO<br />
Constitui ponto pacífico, o fato <strong>de</strong> que tanto o álcool, bem como as<br />
<strong>de</strong>mais substâncias <strong>de</strong> efeitos análogos, atuam sobre o sistema nervoso<br />
central do indivíduo, resultando em sensível diminuição <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
reação do condutor <strong>de</strong> veículo automotor, fazendo com que não apenas a vi<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong>ste encontre-se em flagrante estado <strong>de</strong> perigo, como a segurança <strong>da</strong><br />
coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong> passa a ser alvo <strong>de</strong> suas atitu<strong>de</strong>s, afinal, a qualquer momento,<br />
alguém po<strong>de</strong> se tornar vítima <strong>da</strong> conduta perpetra<strong>da</strong> por um motorista<br />
embriagado.<br />
16 Acórdão disponível <strong>no</strong> sitio do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina, em:<br />
http://app.tjsc.jus.br/jurispru<strong>de</strong>ncia/acnaintegra!html.action?qID=AAAGxaAALAAA5DEAAB&qTo<strong>da</strong>s=2009.0075<br />
30-3&qFrase=&qUma=&qCor=FF0000. Acesso em 20 mar. 2010.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
recusa ao teste do etilômetro - Julia<strong>no</strong> Del Antonio<br />
Em que pese a louvável intenção <strong>de</strong> tornar a lei mais severa,<br />
almejando, como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> <strong>da</strong> leitura do art. 1º <strong>da</strong> Lei nº. 11.705/2008 17 , a<br />
alcoolemia zero, o legislador mais uma vez pecou na técnica, talvez pela ânsia<br />
<strong>de</strong> <strong>da</strong>r uma rápi<strong>da</strong> e efetiva resposta à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, acabando por proporcionar<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira celeuma, <strong>de</strong>ntre aqueles que buscam um trânsito mais seguro e<br />
pacífico em prol <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, afastando os péssimos motoristas que ig<strong>no</strong>ram<br />
a premissa <strong>de</strong> que álcool e direção juntos, muitas vezes, são tão antagônicos<br />
quanto a mistura <strong>da</strong> água e do óleo.<br />
Acabou que o legislador “atirou <strong>no</strong> que viu e acertou <strong>no</strong> que não viu”,<br />
ao <strong>de</strong> um lado enrijecer as penali<strong>da</strong><strong>de</strong>s administrativas, previstas <strong>no</strong> art. 165 do<br />
CTB 18 , com re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>da</strong> pela Lei nº. 11.705/2008, atinentes ao condutor <strong>de</strong><br />
veículo automotor em estado <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong>, e <strong>de</strong> outro, tornando se não<br />
impraticável, <strong>de</strong>veras dificultosa, a consecução penal do mesmo fato, pois,<br />
estamos falando <strong>de</strong> uma mesma <strong>embriaguez</strong>, fato este que repercute em duas<br />
esferas do direito.<br />
Impraticável na medi<strong>da</strong> em que, num primeiro momento, o indivíduo se<br />
abarca <strong>de</strong> uma garantia, ou mais do que isso, <strong>de</strong> um direito <strong>de</strong> não produzir<br />
<strong>prova</strong>s que o prejudiquem, malogrando as expectativas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em ver<br />
seus anseios atendidos, em razão dos inúmeros casos <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao<br />
volante, inviabilizando a constatação <strong>de</strong> seu estado ébrio e o respectivo mol<strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> conduta ao tipo penal, sendo suprimi<strong>da</strong> apenas, <strong>no</strong> <strong>no</strong>sso entendimento<br />
através <strong>de</strong> <strong>prova</strong> testemunhal.<br />
17 Art. 1o <strong>da</strong> Lei nº. 11.705/2008. Esta Lei altera dispositivos <strong>da</strong> Lei <strong>no</strong> 9.503, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1997, que<br />
institui o Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro, com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer alcoolemia 0 (zero) e <strong>de</strong> impor penali<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, e <strong>da</strong> Lei <strong>no</strong> 9.294, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1996, que<br />
dispõe sobre as restrições ao uso e à propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> produtos fumígeros, bebi<strong>da</strong>s alcoólicas, medicamentos, terapias e<br />
<strong>de</strong>fensivos agrícolas, <strong>no</strong>s termos do § 4o do art. 220 <strong>da</strong> Constituição Fe<strong>de</strong>ral, para obrigar os estabelecimentos<br />
comerciais em que se ven<strong>de</strong>m ou oferecem bebi<strong>da</strong>s alcoólicas a estampar, <strong>no</strong> recinto, aviso <strong>de</strong> que constitui <strong>crime</strong><br />
dirigir sob a influência <strong>de</strong> álcool. (grifo <strong>no</strong>sso).<br />
18 Art. 165 do Código <strong>de</strong> <strong>Trânsito</strong> <strong>Brasil</strong>eiro. Dirigir sob a influência <strong>de</strong> álcool ou <strong>de</strong> qualquer outra substância<br />
psicoativa que <strong>de</strong>termine <strong>de</strong>pendência: Infração - gravíssima; Penali<strong>da</strong><strong>de</strong> - multa (cinco vezes) e suspensão do direito<br />
<strong>de</strong> dirigir por 12 (doze) meses; Medi<strong>da</strong> Administrativa - retenção do veículo até a apresentação <strong>de</strong> condutor<br />
habilitado e recolhimento do documento <strong>de</strong> habilitação. Parágrafo único. A <strong>embriaguez</strong> também po<strong>de</strong>rá ser apura<strong>da</strong><br />
na forma do art. 277.<br />
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A <strong>questão</strong> <strong>da</strong> <strong>prova</strong> <strong>no</strong> <strong>crime</strong> <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong> ao volante em face <strong>da</strong><br />
recusa ao teste do etilômetro - Julia<strong>no</strong> Del Antonio<br />
Prova testemunhal que tem, ao <strong>no</strong>sso ver, a vantagem <strong>de</strong> aferir se o<br />
indivíduo <strong>no</strong> caso concreto teria ou não condição <strong>de</strong> conduzir o veículo<br />
automotor, afinal, o erro crasso que cometeu o legislador ao estipular uma<br />
quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima para a com<strong>prova</strong>ção do estado <strong>de</strong> <strong>embriaguez</strong>, resi<strong>de</strong> <strong>no</strong><br />
fato <strong>de</strong> que ca<strong>da</strong> indivíduo é permeado <strong>de</strong> particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s específicas, <strong>de</strong>ntre<br />
elas a tolerância ou intolerância a ingestão <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool,<br />
on<strong>de</strong>, por exemplo, uma lata <strong>de</strong> cerveja po<strong>de</strong> fazer com que o indivíduo “A”<br />
esteja completamente inapto a dirigir e, a mesma quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> ou até mesmo o<br />
dobro <strong>da</strong> dose ingeri<strong>da</strong>, permita que o indivíduo “B”, mantenha suas condições<br />
básicas <strong>de</strong> reação inaltera<strong>da</strong>s.<br />
Importa aqui ressaltar que não <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos a existência <strong>de</strong> uma<br />
quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> ingestão <strong>de</strong> álcool ou a fixação <strong>de</strong> uma “faixa segura <strong>de</strong><br />
ebrie<strong>da</strong><strong>de</strong>”, para que o motorista possa, ain<strong>da</strong>, exercer a condução <strong>de</strong> veículo<br />
automotor. Tal situação, fatalmente redun<strong>da</strong>ria em aci<strong>de</strong>ntes ocasionados pela<br />
falsa percepção que o indivíduo po<strong>de</strong>ria vir a ter <strong>de</strong> que tudo está bem e que a<br />
quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool ingeri<strong>da</strong> não trará o condão <strong>de</strong> reduzir seus reflexos.<br />
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Julia<strong>no</strong> Del Antonio. Licenciado em História pela Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong><br />
Filosofia, Ciências e Letras <strong>de</strong> Jacarezinho-PR (FAFIJA) - Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual<br />
do Norte do Paraná (UENP) e bacharelando em Direito pelas Facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
Integra<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Ourinhos-SP (FIO).<br />
Elaborado em maio <strong>de</strong> 2010.<br />
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