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14- a representação da mulher em abismo, de pompília ... - Unioeste

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II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010<br />

Diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

A REPRESENTAÇÃO DA MULHER EM ABISMO, DE POMPÍLIA LOPES<br />

DOS SANTOS<br />

ZANQUETTA, Fabiana dos Santos (PG-UEM)<br />

ZOLIN, Lúcia Osana (coautor- UEM)<br />

RESUMO: O presente trabalho t<strong>em</strong> por finali<strong>da</strong><strong>de</strong> apresentar uma perspectiva <strong>de</strong><br />

leitura <strong>da</strong> obra Abismo (1985), <strong>de</strong> Pompília Lopes dos Santos, observando a<br />

<strong>representação</strong> <strong>da</strong> <strong>mulher</strong>. Não é novi<strong>da</strong><strong>de</strong> que durante séculos a <strong>mulher</strong> foi silencia<strong>da</strong> e<br />

<strong>de</strong>ixa<strong>da</strong> a marg<strong>em</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> que estava inseri<strong>da</strong>. Destina<strong>da</strong> apenas a <strong>de</strong>dicar-se a<br />

vi<strong>da</strong> doméstica, por um gran<strong>de</strong> período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, teve papel secundário na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Esse ambiente, portanto, era exclusivamente dominado pelo hom<strong>em</strong>. Na tentativa <strong>de</strong><br />

sair do silenciamento, impulsiona<strong>da</strong>s pelo movimento f<strong>em</strong>inista, que visava à libertação<br />

<strong>da</strong> <strong>mulher</strong> e conjuntamente <strong>de</strong>nunciar a existência <strong>da</strong>s mais diversas formas <strong>de</strong><br />

opressão, t<strong>em</strong>os o início <strong>de</strong> uma trajetória <strong>de</strong> muitos conflitos até se estabelecer um<br />

mínimo <strong>de</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os gêneros. O movimento f<strong>em</strong>inista favoreceu para que a<br />

<strong>mulher</strong> fosse aos poucos conquistando seu espaço, e se tornando objeto <strong>de</strong> estudo nas<br />

mais diversas áreas do conhecimento. De modo específico no Paraná, traçou-se um<br />

percurso histórico evi<strong>de</strong>nciando os principais acontecimentos, com o intuito <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

como ocorre o processo <strong>de</strong> formação social paranaense. Esse trabalho é <strong>de</strong> caráter<br />

bibliográfico e baseia-se no aporte teórico e nas análises <strong>de</strong> autores que <strong>de</strong>dicam suas<br />

pesquisas sobre a literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina e <strong>representação</strong>.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Mulher, autoria f<strong>em</strong>inina, Paraná, <strong>representação</strong>.<br />

1 - Introdução<br />

O presente trabalho mostra uma leitura <strong>da</strong> obra Abismo, <strong>de</strong> Pompília Lopes dos<br />

Santos, sob a perspectiva dos estudos <strong>de</strong> gênero, com vistas a evi<strong>de</strong>nciar o modo <strong>de</strong><br />

<strong>representação</strong> <strong>da</strong> personag<strong>em</strong> f<strong>em</strong>inina. Trata-se <strong>de</strong> uma escritora, nasci<strong>da</strong> <strong>em</strong> Curitiba<br />

<strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 1900, autora <strong>de</strong> quatro romances, sendo o romance histórico Origens,<br />

ganhador do 1º prêmio através do Concurso do Centro <strong>de</strong> Letras do Paraná, no ano <strong>de</strong><br />

1960. Suas obras também cont<strong>em</strong>plam biografias, antologia e m<strong>em</strong>órias.<br />

Pompília se <strong>de</strong>stacou através do pioneirismo, sendo fun<strong>da</strong>dora e a primeira<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Acad<strong>em</strong>ia F<strong>em</strong>inina <strong>de</strong> Letras do Paraná, assim como a primeira <strong>mulher</strong> a<br />

ingressar na Acad<strong>em</strong>ia Paranaense <strong>de</strong> Letras, ocupando a Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> nº 37. Em sua<br />

formação educacional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito jov<strong>em</strong>, já manifestava gosto pela literatura.<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010<br />

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O romance Abismo (1985) caracteriza-se por peripécias múltiplas à mo<strong>da</strong> do<br />

romance tradicional, diferindo, substancialmente, <strong>da</strong> tendência intimista, largamente<br />

difundi<strong>da</strong> por escritoras brasileiras na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XX.<br />

De modo geral, o livro retrata a história <strong>da</strong> protagonista Letícia. Moça b<strong>em</strong><br />

educa<strong>da</strong> intelectual e moralmente, professora <strong>de</strong> piano, compositora e com um gosto<br />

apurado para o artístico. A partir do casamento, inicialmente feliz, sua vi<strong>da</strong> sofre uma<br />

significativa <strong>de</strong>sestruturação. Inicia-se uma sequência <strong>de</strong> per<strong>da</strong>s como a sua separação<br />

do marido, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> seu comportamento ina<strong>de</strong>quado. A morte <strong>da</strong> mãe,<br />

aparent<strong>em</strong>ente causa<strong>da</strong> pela tristeza <strong>de</strong> acompanhar o sofrimento <strong>da</strong> filha; a do pai,<br />

vítima <strong>de</strong> um <strong>de</strong>rrame cerebral e a <strong>de</strong> seu único filho, vítima <strong>de</strong> um atropelamento; b<strong>em</strong><br />

como o rompimento do compromisso com o novo namorado, acarretando-lhe uma<br />

<strong>de</strong>cepção <strong>em</strong>ocional muito gran<strong>de</strong>. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> uma escritora que, <strong>em</strong>bora,<br />

possa-se chamá-la <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>porânea, parece retratar <strong>em</strong> sua ficção uma imag<strong>em</strong><br />

f<strong>em</strong>inina à mo<strong>da</strong> tradicional, como ver<strong>em</strong>os à diante.<br />

2 - Mulher e Literatura<br />

Durante séculos, a <strong>mulher</strong> foi vista como objeto por se restringir a obe<strong>de</strong>cer e<br />

servir; vonta<strong>de</strong> própria e opinião eram atributos reservados aos homens, cuja<br />

superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> era constant<strong>em</strong>ente afirma<strong>da</strong> com aval <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dessa forma, a<br />

<strong>mulher</strong> era basicamente submeti<strong>da</strong> há três esferas <strong>de</strong> subordinação: a família, a Igreja e<br />

a Escola. A família era o primeiro meio do convívio f<strong>em</strong>inino, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo era<br />

submeti<strong>da</strong> à vonta<strong>de</strong> <strong>da</strong> figura paterna e, posteriormente, à do marido que, muitas vezes,<br />

era escolhido pela família. A Igreja justificava a servidão <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> pauta<strong>da</strong> na Bíblia,<br />

através <strong>de</strong>la a conduta f<strong>em</strong>inina era regi<strong>da</strong> segundo a i<strong>de</strong>ologia patriarcal. A <strong>mulher</strong><br />

estava liga<strong>da</strong> a i<strong>de</strong>ia do pecado original e era, constant<strong>em</strong>ente, aponta<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> suas<br />

falhas; v<strong>em</strong> atestar essa sua subjugação sua própria orig<strong>em</strong>, já que, como retrata o livro<br />

do Gênesis, ela teria nascido <strong>da</strong> costela <strong>de</strong> Adão, e não do próprio Deus. Por fim, a<br />

Escola, quando frequenta<strong>da</strong> pelas meninas, tinha apenas o objetivo <strong>de</strong> reafirmar os<br />

valores impostos pela família, preparando-as para ser<strong>em</strong> boas esposas, enquanto os<br />

meninos eram preparados para a li<strong>de</strong>rança <strong>da</strong> casa, <strong>da</strong> família e do meio social.<br />

Somente no século XX, mais especificamente na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60, as <strong>mulher</strong>es<br />

passam a ter maior liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, impulsiona<strong>da</strong>s pelos pensamentos f<strong>em</strong>inistas que<br />

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buscavam a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos entre os gêneros. Nesse período, proliferam as<br />

publicações literárias feitas por <strong>mulher</strong>es. As conquistas sociais se esten<strong>de</strong>ram para as<br />

conquistas do campo literário. A literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina brasileira t<strong>em</strong>, aos<br />

poucos, conquistado seu espaço, mas sab<strong>em</strong>os que essa conquista é muito recente. Os<br />

gran<strong>de</strong>s nomes consagrados <strong>da</strong> literatura são, ain<strong>da</strong>, quase que exclusivamente<br />

masculinos, heg<strong>em</strong>onia masculina essa que estabelece a formação do cânone.<br />

Garantindo o espaço literário, a <strong>mulher</strong> passa a ter oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expor suas i<strong>de</strong>ias e<br />

mostrar a sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual, não só no âmbito <strong>da</strong> arte literária, mas também no<br />

<strong>da</strong> crítica.<br />

Com intuito <strong>de</strong> periodizar a história <strong>da</strong> escrita feita por <strong>mulher</strong>es, a norte-<br />

americana Elaine Showalter (1985), um dos mais relevantes nomes <strong>da</strong> crítica f<strong>em</strong>inista,<br />

propõe a divisão <strong>da</strong> literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina <strong>em</strong> fases. A primeira, “Fase f<strong>em</strong>inina”<br />

(f<strong>em</strong>inine) que r<strong>em</strong>ete o processo <strong>de</strong> escrita como imitação e internalização dos valores<br />

e padrões vigentes, <strong>em</strong> segui<strong>da</strong> a “Fase f<strong>em</strong>inista” (f<strong>em</strong>inist) que busca <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as<br />

minorias e questionar os valores vigentes e a terceira “Fase fêmea” (f<strong>em</strong>ale) que propõe<br />

a busca <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> própria. No Brasil, t<strong>em</strong> seu marco inicial, segundo Elódia<br />

Xavier (1998), <strong>em</strong> meados do século XIX, com a publicação <strong>de</strong> Úrsula (1859), <strong>de</strong><br />

Maria Firmina dos Reis.<br />

A contribuição <strong>de</strong> Showalter foi importante, no sentido <strong>de</strong> estabelecer<br />

parâmetros para nortear<strong>em</strong> os estudos que se refer<strong>em</strong> à literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina,<br />

porém essa classificação não é consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> uma regra fixa, imutável. É perceptível que<br />

mu<strong>da</strong>nças ocorr<strong>em</strong> e continuarão acontecendo e a busca <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> própria é<br />

persegui<strong>da</strong> pela literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina.<br />

Restringindo a discussão para o âmbito <strong>da</strong> literatura <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina<br />

paranaense, é fácil perceber que durante a formação <strong>de</strong>ssa nova socie<strong>da</strong><strong>de</strong> traços<br />

culturais diversos misturaram-se e afetaram diretamente o comportamento provinciano<br />

<strong>de</strong> seu povo. Dessa forma, a <strong>mulher</strong> sofreu o maior impacto <strong>de</strong>ssas mu<strong>da</strong>nças,<br />

principalmente no que se refere a sua conduta. Segundo Níncia Cecília Ribas Borges<br />

Teixeira<br />

O comportamento <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> paranaense, conforme o lugar que ocupa<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, é permeado <strong>de</strong> regras e traços <strong>de</strong> uma<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> agrária, que exige um comportamento recatado e<br />

doméstico próprio dos costumes <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> nas fazen<strong>da</strong>s, regras que<br />

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estão enraiza<strong>da</strong>s não só na classe dominante, mas que também<br />

orientam o comportamento <strong>da</strong>s famílias <strong>de</strong> classe alta e média [...]<br />

(TEIXEIRA, 2008, p. 68).<br />

Nesse sentido, observamos que a <strong>mulher</strong> fica restrita a um papel secundário<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> que está inseri<strong>da</strong>, o que fortalece ain<strong>da</strong> mais a vigência <strong>da</strong>s<br />

regras patriarcais que norteavam seu comportamento no século passado.<br />

No Paraná, o domínio do sujeito masculino acarretou na exclusão <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> no<br />

âmbito literário, esse fato po<strong>de</strong> ser explicado <strong>de</strong>vido um passado permeado <strong>de</strong><br />

preconceitos que r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> a escrita <strong>de</strong> autoria f<strong>em</strong>inina, favorecendo para que a <strong>mulher</strong><br />

permanecesse um gran<strong>de</strong> período <strong>de</strong> silenciamento.<br />

Somente no século XIX, t<strong>em</strong>os a quebra <strong>da</strong> heg<strong>em</strong>onia masculina e surg<strong>em</strong> no<br />

contexto literário paranaense as escritoras Mariana Coelho (1857-1954) e Júlia Maria <strong>da</strong><br />

Costa (1844-1911). A primeira se <strong>de</strong>dicou a estudos que refletiss<strong>em</strong> sobre a condição <strong>da</strong><br />

<strong>mulher</strong> visando subsídios que promovess<strong>em</strong> a igual<strong>da</strong><strong>de</strong> intelectual e <strong>de</strong> direitos entre<br />

homens e <strong>mulher</strong>es. Essas pesquisas resultaram na publicação <strong>da</strong> obra Evolução do<br />

f<strong>em</strong>inismo no ano <strong>de</strong> 1933. A segun<strong>da</strong>, importante poeta romântica transpôs para sua<br />

obra to<strong>da</strong> a <strong>de</strong>silusão amorosa a que esteve exposta, oscilando entre o casamento por<br />

conveniência com o comen<strong>da</strong>dor Francisco <strong>da</strong> Costa Pereira, e um amor oculto pelo<br />

catarinense Benjamin Carvalho <strong>de</strong> Oliveira. Suas publicações foram Flores dispersas<br />

(1867) e Bouquet <strong>de</strong> violetas (1868).<br />

Atualmente, no Paraná, existe um rol consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> escritoras reconheci<strong>da</strong>s e<br />

outras <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> reconhecimento e / ou <strong>de</strong>scoberta. Os principais motivos para essa<br />

ausência <strong>de</strong> visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> estão relacionados a alguns fatores <strong>de</strong>terminantes: “à falta <strong>de</strong><br />

espaço regular para publicação e na falta <strong>de</strong> r<strong>em</strong>uneração para o ofício” (IBIDEM, p.<br />

71) e ain<strong>da</strong> ligados as relações advin<strong>da</strong>s do passado colonizador do interior do Paraná,<br />

on<strong>de</strong> se priorizava uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> agrária, por conseqüência a <strong>mulher</strong> era excluí<strong>da</strong> do<br />

meio acadêmico. Mesmo com dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que corroboraram para a exclusão <strong>da</strong> <strong>mulher</strong><br />

do âmbito literário, t<strong>em</strong>os alguns nomes que se <strong>de</strong>stacam quando nos referimos à<br />

literatura paranaense, <strong>de</strong>ntre elas Adélia Maria Woellner, Alice Ruiz, Luci Collin e<br />

Helena Kolody.<br />

3 - Representação literária<br />

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A <strong>mulher</strong>, ao longo <strong>de</strong> sua existência, teve sua <strong>representação</strong> seja na literatura,<br />

no cin<strong>em</strong>a, na publici<strong>da</strong><strong>de</strong>, etc. feita através <strong>da</strong> ótica masculina, não raro, calca<strong>da</strong> na<br />

i<strong>de</strong>ologia patriarcal. Trata-se <strong>de</strong> representar a imag<strong>em</strong> f<strong>em</strong>inina consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong><br />

acordo com o pensamento tradicional, portanto, como marginaliza<strong>da</strong>, silencia<strong>da</strong>,<br />

oprimi<strong>da</strong>, cercea<strong>da</strong> ao ambiente doméstico.<br />

De acordo com Maria Cristina Magalhães Castello, “a cultura oci<strong>de</strong>ntal, tendo<br />

<strong>de</strong>stinado à <strong>mulher</strong> um lugar <strong>de</strong> submissão e silêncio, fez, também, com que sua<br />

<strong>representação</strong> na literatura obe<strong>de</strong>cesse a mo<strong>de</strong>los impostos pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> patriarcal<br />

dominante” (2000, p. 17). A literatura como forma <strong>de</strong> expressão humana t<strong>em</strong> como uma<br />

<strong>de</strong> suas finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s transpor ao texto a imitação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real, ou seja, a arte e a vi<strong>da</strong> se<br />

compl<strong>em</strong>entam, sendo quase impossível um isolamento entre elas. Segundo Níncia<br />

Cecília Ribas Borges Teixeira<br />

O ato <strong>de</strong> representar reconstrói e reinterpreta o mundo e, por meio do<br />

trabalho <strong>de</strong> substituição do real pela imag<strong>em</strong> posta, ser representado é<br />

s<strong>em</strong>pre mediatizado pelo discurso que o constrói, muitas vezes a<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> coisa confun<strong>de</strong>-se com a <strong>de</strong>formação figura<strong>da</strong> <strong>de</strong>sta<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfazer o baralhamento entre causas e<br />

efeitos (TEIXEIRA, 2008, p. 28).<br />

Como herança <strong>de</strong>ssa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> patriarcal, po<strong>de</strong>-se consi<strong>de</strong>rar que até o século<br />

XX, a personag<strong>em</strong> <strong>de</strong> ficção f<strong>em</strong>inina era representa<strong>da</strong> quase que exclusivamente<br />

através <strong>de</strong> um autor masculino, um narrador masculino, que através <strong>de</strong> seu ponto <strong>de</strong><br />

vista, atribuía a elas características. Dessa forma, naturalmente a <strong>mulher</strong> era um retrato<br />

social, porém, ao ser construí<strong>da</strong> sob a ótica masculina, a reprodução <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> nas<br />

obras ficcionais estava sujeita a “enganos”, e assim não representar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

f<strong>em</strong>inina.<br />

A <strong>representação</strong>, portanto, po<strong>de</strong> ser vista como “a consoli<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> um discurso<br />

que constrói uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> do f<strong>em</strong>inino e do masculino que encarcera homens e<br />

<strong>mulher</strong>es <strong>em</strong> seus limites” (IBIDEM, p. 34).<br />

4 - Letícia: Retrato <strong>de</strong> Mulher Submissa ou Transgressora?<br />

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No romance Abismo, t<strong>em</strong>os como protagonista a personag<strong>em</strong> f<strong>em</strong>inina Letícia,<br />

que ao longo <strong>da</strong> narrativa é representa<strong>da</strong> imersa <strong>em</strong> constantes e intensos conflitos <strong>de</strong><br />

ord<strong>em</strong> familiar e <strong>em</strong>ocional. Para analisá-la, partimos <strong>da</strong>s três fases <strong>de</strong> sua trajetória: a<br />

<strong>de</strong> solteira, a <strong>de</strong> casa<strong>da</strong> e a <strong>de</strong> separa<strong>da</strong>, observando o impacto social <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las<br />

no âmbito social.<br />

Inicialmente, na condição <strong>de</strong> <strong>mulher</strong> solteira, Letícia t<strong>em</strong> sua formação moral e<br />

intelectual segundo os mol<strong>de</strong>s patriarcais. Era representa<strong>da</strong> como “uma beleza serena,<br />

espiritual, tinha olhos sonhadores, distantes, capazes <strong>de</strong> afastar qualquer pensamento<br />

mau, <strong>da</strong>queles que <strong>de</strong>la se aproximass<strong>em</strong>” (SANTOS, 1985, p.13). Esses atributos<br />

conferiam a ela todos os requisitos que a <strong>de</strong>stacavam como uma futura esposa perfeita,<br />

capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar sentimentos que po<strong>de</strong>riam culminar com o casamento. A<br />

protagonista após a<strong>de</strong>ntrar “oficialmente” para o círculo social, “recebendo e<br />

retribuindo finezas”, é percebi<strong>da</strong> por Altino, que durante um curto período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po<br />

tornou-se seu marido. Porém, a visão <strong>de</strong> união conjugal para ambos divergia: enquanto<br />

t<strong>em</strong>os na figura f<strong>em</strong>inina a divinização do amor – “<strong>da</strong>li por diante, n<strong>em</strong> <strong>em</strong> pensamento,<br />

po<strong>de</strong>ria admitir a hipótese <strong>de</strong> não unir seu <strong>de</strong>stino ao <strong>da</strong>quele que a tomara <strong>em</strong> seus<br />

braços” (IBIDEM, p. 20-21) –, na masculina, a relação que se estabelece é vista <strong>em</strong><br />

termos mais objetivos.<br />

Para a <strong>mulher</strong>, a única forma <strong>de</strong> ser aceita socialmente, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter sido<br />

“toma<strong>da</strong> <strong>em</strong> seus braços”, era através do casamento; não unir-se ao namorado, nessas<br />

circunstâncias, lhe custaria ser julga<strong>da</strong> por uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que não admitia escolhas para<br />

as <strong>mulher</strong>es. Em contraparti<strong>da</strong>, a figura masculina “vivia a hora presente com to<strong>da</strong><br />

satisfação” (IBIDEM, p. 21), pois para o hom<strong>em</strong> não havia represálias sociais, o simples<br />

fato <strong>de</strong> ser do sexo masculino implica uma condição <strong>de</strong> superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> relação à<br />

<strong>mulher</strong>.<br />

Para que as três esferas se complet<strong>em</strong> é essencial que ocorra uma fusão capaz <strong>de</strong><br />

ligar as três condições propostas, ou seja, estamos nos referindo ao casamento: união<br />

legal entre um hom<strong>em</strong> e uma <strong>mulher</strong>. Com a proibição do incesto “Os ritos do<br />

casamento são instituídos para assegurar, <strong>em</strong> ord<strong>em</strong>, a repartição <strong>da</strong>s <strong>mulher</strong>es entre os<br />

homens, para disciplinar <strong>em</strong> torno <strong>de</strong>las a competição masculina, para socializar a<br />

procriação” (DUBY apud BADINTER, 1986, p. 120), <strong>de</strong>ssa forma t<strong>em</strong>os no<br />

matrimônio a peça chave para se concretizar as fases <strong>de</strong> Letícia.<br />

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Através do casamento é preserva<strong>da</strong> a heg<strong>em</strong>onia masculina, ou ain<strong>da</strong> numa<br />

perspectiva mais pessimista, a condição <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> torna-se ain<strong>da</strong> mais <strong>de</strong>lica<strong>da</strong>.<br />

Segundo Elisabeth Badinter, “para o marido, a <strong>mulher</strong> t<strong>em</strong>, triplamente, o status <strong>de</strong><br />

objeto. Ao mesmo t<strong>em</strong>po, é um instrumento <strong>de</strong> promoção social, eventualmente um<br />

objeto <strong>de</strong> distração, e um ventre do qual se toma posse” (1986, p. 125).<br />

“Numa bela manhã <strong>de</strong> abril, <strong>de</strong>ntro do círculo restrito <strong>da</strong> família, realizou-se<br />

com to<strong>da</strong> a simplici<strong>da</strong><strong>de</strong>, o casamento <strong>de</strong> Letícia e Altino” (SANTOS, 1985, p. 22). Eis<br />

o início <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> fase proposta por essa análise: Letícia <strong>de</strong>ixa a condição <strong>de</strong> solteira<br />

para iniciar a condição <strong>de</strong> casa<strong>da</strong>. Ao correlacionar a teoria aplica<strong>da</strong> ao texto literário,<br />

no romance Abismo é possível visualizar claramente esse status <strong>de</strong> objeto proposto por<br />

Badinter.<br />

A trajetória <strong>de</strong> Letícia, até essa altura, parece se configurar como instrumento <strong>de</strong><br />

promoção social, o primeiro status referido por Badinter (1986). Altino provém <strong>de</strong><br />

família forma<strong>da</strong> por interesses, cujos pais se conheceram na mesa <strong>de</strong> jogo e seus<br />

integrantes são <strong>de</strong>scritos como “indivíduos vulgares”; era um hom<strong>em</strong> que “não tinha<br />

profissão” e “não possuía aptidões”. A posição social que ocupa v<strong>em</strong> <strong>de</strong> negócios<br />

ilícitos. Nesse sentido, a <strong>mulher</strong> era vista como sua chance <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>r socialmente <strong>de</strong><br />

maneira “honesta”, já que Letícia <strong>de</strong>scendia <strong>de</strong> família cujo pai era funcionário fe<strong>de</strong>ral e<br />

o irmão seguiu carreira militar. Mesmo assim, face à oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> obter recursos<br />

extras, não hesita <strong>em</strong> manipular a <strong>mulher</strong> como moe<strong>da</strong> <strong>de</strong> troca ao perceber o interesse<br />

do amigo do casal por sua esposa.<br />

De modo especial, o segundo status proposto por Badinter, qual seja, o <strong>da</strong><br />

<strong>mulher</strong> ser eventualmente um objeto <strong>de</strong> distração, permeia a convivência do casal. A<br />

princípio, a esposa é toma<strong>da</strong> pelo marido como simples objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo;<br />

posteriormente, passa<strong>da</strong> a fase inicial do interesse sexual, v<strong>em</strong> a opressão psicológica<br />

por meio <strong>da</strong> anulação <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua agência.<br />

Em relação ao último status referido por Badinter, o <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> vista apenas<br />

como um ventre que se toma conta, também o pod<strong>em</strong>os reconhecer na trajetória <strong>de</strong><br />

Letícia. Ao passar pela amarga experiência <strong>de</strong> uma gravi<strong>de</strong>z marca<strong>da</strong> pela instabili<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

pela solidão e pela violência <strong>de</strong> ter que respon<strong>de</strong>r por crimes que não cometeu, po<strong>de</strong>-se<br />

dizer que o fato <strong>de</strong> gerar um filho não é tratado no texto como um <strong>de</strong>sejo seu, mas como<br />

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uma conseqüência “natural” do casamento. No caso <strong>de</strong>la, acaba por consistir <strong>em</strong> mais<br />

uma responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> com a qual t<strong>em</strong> que arcar sozinha.<br />

Os fragmentos a seguir são ex<strong>em</strong>plares no sentido <strong>de</strong> ilustrar ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>sses<br />

status referidos por Badinter e retratados por Pompília nessa curiosa narrativa:<br />

Altino era apaixonado pela beleza física <strong>de</strong> Letícia. Sentia-se<br />

seduzido pela graça <strong>de</strong> seu corpo. [...]<br />

Nosso noivado já foi uma rapsódia. Você pensou que eu gostava <strong>de</strong><br />

música? [...] Tolinha. Você acreditou? [...]<br />

Bobinha, você não precisa falar, não <strong>de</strong>ve pensar. [...]<br />

Foi adverti<strong>da</strong> pelo marido <strong>de</strong> que era apenas sua boneca, seu<br />

brinquedo e, nunca, confi<strong>de</strong>nte. E, muito menos, conselheira<br />

(SANTOS, 1985, passim).<br />

Como se po<strong>de</strong> verificar Altino é construído como um típico mo<strong>de</strong>lo masculino<br />

que permeia a i<strong>de</strong>ologia patriarcal, <strong>em</strong> que ganham relevo valores relacionados à<br />

dominação, à violência simbólica, nos termos <strong>de</strong> Bourdieu (2005), e a inclinação à<br />

opressão f<strong>em</strong>inina; à <strong>mulher</strong> não é <strong>da</strong><strong>da</strong> a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se afirmar como sujeito,<br />

tampouco <strong>de</strong> revi<strong>da</strong>r as agressões sofri<strong>da</strong>s.<br />

A <strong>de</strong>speito disso, o filho, tragicamente nascido na ocasião <strong>em</strong> que esteve na<br />

prisão, acaba por consistir <strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> alavanca que a conduz ao<br />

amadurecimento; a vi<strong>da</strong> passa a ser cont<strong>em</strong>pla<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> uma outra ótica, diferente<br />

<strong>da</strong>quela oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> vítima, in<strong>de</strong>fesa e oprimi<strong>da</strong>.<br />

Ela rompe com os padrões vigentes e abandona o marido, chegando assim na<br />

última fase <strong>de</strong> sua trajetória. Sua atitu<strong>de</strong> transgressora causa um impacto social bastante<br />

representativo naquele contexto, num certo sentido, provinciano, típico <strong>da</strong> cultura<br />

paranaense, alicerça<strong>da</strong> <strong>em</strong> costumes tradicionais. Mesmo sendo a vítima na relação<br />

conjugal, sua atitu<strong>de</strong> implica vergonha e <strong>de</strong>sapontamento diante dos seus: os familiares<br />

evitam discutir o assunto, a separação torna-se uma espécie <strong>de</strong> tabu, preferiam referir-se<br />

a ela, apenas como sofredora.<br />

Com a sucessão <strong>de</strong> per<strong>da</strong>s – <strong>da</strong> mãe, do pai e do único filho –, a busca pela vi<strong>da</strong><br />

boêmia consiste numa espécie <strong>de</strong> fuga dos probl<strong>em</strong>as, já que, enquanto praticante <strong>de</strong><br />

uma conduta divergente dos padrões, não precisava se preocupar com seu julgamento<br />

social, obviamente, negativo – “tudo lhe era indiferente. Desprezava os preconceitos.<br />

Prezava e conservava a sua digni<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque era honesta” (SANTOS, 1985, p. 44).<br />

ISSN 2178-8200


II S<strong>em</strong>inário Nacional <strong>em</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: 06 a 08 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2010<br />

Diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>, Ensino e Linguag<strong>em</strong> UNIOESTE - Cascavel / PR<br />

Ain<strong>da</strong> assim, são visíveis as marcas <strong>de</strong> sua formação patriarcal. Ao jogar, beber<br />

e fumar, ela sabia que estava indo contra as regras formais, no entanto, não sendo mais<br />

casa<strong>da</strong>, não havia a qu<strong>em</strong> prejudicar, era somente sua imag<strong>em</strong> que estava sob avaliação<br />

social. Julgava, portanto, preserva<strong>da</strong> sua formação moral, sua honesti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Trata-se,<br />

nesse sentido, <strong>de</strong> um comportamento que, mais uma vez, r<strong>em</strong>ete à i<strong>de</strong>ologia patriarcal:<br />

o que menos importa é sua individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, os seus interesses, o seu <strong>de</strong>sejo, já que,<br />

certamente, o comportamento transviado não condiz com seus anseios, mas como<br />

parece consistir <strong>em</strong> uma espécie <strong>de</strong> autopunição, própria <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> não se aceita como<br />

“separa<strong>da</strong>”, fracassa<strong>da</strong>, per<strong>de</strong>dora é necessário que tenha que passar por um período <strong>de</strong><br />

conflito. A falta <strong>da</strong> presença masculina, no caso do pai, do marido e do filho, b<strong>em</strong> como<br />

dos irmãos, que preferiram distanciar-se face ao ocorrido, r<strong>em</strong>ete à idéia <strong>de</strong> fracasso,<br />

relacionado aos papéis tradicionais f<strong>em</strong>ininos.<br />

V<strong>em</strong> corroborar isso, o fato <strong>de</strong> a personag<strong>em</strong> só conseguir restabelecer o<br />

equilíbrio <strong>em</strong>ocional após o episódio <strong>em</strong> que, durante um <strong>de</strong> seus passeios noturnos,<br />

salva um jov<strong>em</strong> do suicídio. Trata-se <strong>de</strong> certo tipo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção que justifica sua<br />

existência, talvez, uma maneira alternativa <strong>de</strong> “<strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong>”, “parir”, “ser mãe”. Do<br />

mesmo modo, a nova relação amorosa que se estabelece com Celso, a figura masculina<br />

que, ao final <strong>de</strong> sua trajetória, lhe aparece como uma versão <strong>de</strong> “príncipe encantado”,<br />

consiste na peça que faltava para o equilíbrio final. No entanto, o resgate do passado por<br />

meio do ressurgimento do amigo do marido, acaba por <strong>de</strong>struir o novo relacionamento,<br />

acarretando para ela um <strong>de</strong>sequilíbrio irreversível, que impulsiona a narrativa para um<br />

<strong>de</strong>sfecho negativo para Letícia.<br />

5 - Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

Mesmo publicado alguns anos após o período consi<strong>de</strong>rado o marco do auge do<br />

pensamento f<strong>em</strong>inista, o romance Abismo (1985) mantêm <strong>de</strong> forma visível a supr<strong>em</strong>acia<br />

dos valores patriarcais. Letícia é o reflexo <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> machista on<strong>de</strong> o casamento<br />

era visto como uma instituição essencial para o sujeito f<strong>em</strong>inino, mesmo que o<br />

matrimônio causasse sofrimento à <strong>mulher</strong>. Devia-se, portanto, preservar algumas<br />

convenções e comprometer a imag<strong>em</strong> <strong>da</strong> <strong>mulher</strong> perante o círculo <strong>de</strong> relações familiares<br />

e sociais não eram aceitas.<br />

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Conclui-se, que a tentativa <strong>de</strong> transgressão <strong>da</strong> condição <strong>de</strong> <strong>mulher</strong> submissa<br />

custa um preço alto para Letícia, pod<strong>em</strong>os compará-las às duas faces <strong>da</strong> mesma moe<strong>da</strong>.<br />

Por um lado, é permitido que ela experimente, mesmo que por um curto período <strong>de</strong><br />

t<strong>em</strong>po, a sensação <strong>de</strong> autonomia e liber<strong>da</strong><strong>de</strong> pessoal, mas por outro lado, é puni<strong>da</strong> ao<br />

longo <strong>da</strong> narrativa através <strong>da</strong>s per<strong>da</strong>s <strong>de</strong> seus familiares, e no final, <strong>de</strong> forma irreparável<br />

com sua própria vi<strong>da</strong>. As sequências <strong>de</strong> privações funcionam como castigo e purgação<br />

dos erros cometidos. Dessa forma, por mais que a <strong>mulher</strong> tencionasse reverter os<br />

padrões <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> a ela imposta, não era viável correr riscos, sendo mais cômodo manter-<br />

se na submissão, garantido a integri<strong>da</strong><strong>de</strong> moral perante a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

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trajetória. Revista Mulher e Literatura, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1998.<br />

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