Tadeusz Kantor - Cooperativa Paulista de Teatro
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ta<strong>de</strong>usz kantor<br />
íntimas, eu diria mesmo pouco<br />
confessáveis. Obscuras<br />
em todo caso. E difíceis! Tais<br />
são os momentos mais fascinantes<br />
e mais carregados <strong>de</strong><br />
sentido da criação artística.<br />
E subitamente me senti<br />
interessado pela natureza<br />
dos MANEQUINS. O manequim<br />
em minha encenação<br />
<strong>de</strong> La Poule d’eau, <strong>de</strong><br />
Witkacy (1967) e os manequins<br />
em Les Cordonniers<br />
(Os Sapateiros), <strong>de</strong> Witkacy<br />
(1970) tinham um papel<br />
bem específico; constituíam<br />
uma espécie <strong>de</strong> prolongamento<br />
imaterial, alguma<br />
coisa como um ÓRGÃO<br />
COMPLEMENTAR do<br />
ator que era seu “proprietário”.<br />
Quanto aos que utilizei<br />
em gran<strong>de</strong> número na<br />
encenação da Balladyna, <strong>de</strong><br />
Slowacki, eles constituíam<br />
os DUPLOS das personagens<br />
vivas, como se fossem<br />
dotados <strong>de</strong> uma CONSCI-<br />
ÊNCIA superior, atingida “<strong>de</strong>pois da consumação<br />
<strong>de</strong> sua própria vida”. Esses manequins<br />
já estavam visivelmente marcados<br />
com o selo da MORTE.<br />
◗ 8. O manequim como manifestação da<br />
“realida<strong>de</strong>” mais trivial. Como um procedimento<br />
<strong>de</strong> transcendência, um objeto vazio,<br />
um engodo, uma mensagem <strong>de</strong> morte,<br />
um mo<strong>de</strong>lo para o ator.<br />
O manequim que utilizei em 1967 no teatro<br />
Cricot 2 (La Poule d’eau) foi, <strong>de</strong>pois d’O<br />
Peregrino Eterno e das Embalagens Humanas,<br />
o próximo dos meus personagens a entrar<br />
<strong>de</strong> maneira absolutamente natural em minha<br />
Coleção como outro fenômeno a apoiar<br />
esta convicção ancorada em mim há muito<br />
tempo <strong>de</strong> que somente a realida<strong>de</strong> mais trivial,<br />
os objetos mais mo<strong>de</strong>stos e os mais <strong>de</strong>sprezados<br />
são capazes <strong>de</strong> revelar em uma obra <strong>de</strong><br />
arte seu caráter específico <strong>de</strong> objeto.<br />
Manequins e figuras <strong>de</strong> cera sempre exis-<br />
22<br />
Espetáculo Hoje é meu aniversário (1990)<br />
tiram, mas como que mantidos à distância<br />
à margem da cultura aceita, nas bancas dos<br />
mercados, nas barracas duvidosas dos andarilhos,<br />
longe dos esplêndidos templos da<br />
arte, vistos como curiosida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sprezíveis,<br />
boas apenas para abastecer o gosto da ralé.<br />
Mas por esta razão são eles – muito mais<br />
que as acadêmicas peças <strong>de</strong> museu – que<br />
po<strong>de</strong>m, no tempo <strong>de</strong> um breve olhar, levantar<br />
uma ponta do véu.<br />
Os manequins têm também um odor <strong>de</strong><br />
pecado – <strong>de</strong> transgressão <strong>de</strong>lituosa. A existência<br />
<strong>de</strong>ssas criaturas configuradas à imagem<br />
do homem <strong>de</strong> uma forma quase sacrílega<br />
e quase clan<strong>de</strong>stina, fruto <strong>de</strong> procedimentos<br />
heréticos, traz a marca <strong>de</strong>sse lado obscuro,<br />
noturno, sedicioso da trajetória humana,<br />
o cunho do crime e dos estigmas da morte<br />
enquanto fonte <strong>de</strong> conhecimento. A impressão<br />
confusa, inexplicada, <strong>de</strong> que é pelo<br />
artifício <strong>de</strong> uma criatura com falaciosos aspectos<br />
da vida, mas privada <strong>de</strong> consciência