espaço pais–bebês: uma articulação com a teoria de ... - pgpsa/uerj
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO<br />
I<br />
INSTITUTO DE PSICOLOGIA<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICANÁLISE<br />
MARIA ANTUNES TAVARES<br />
ESPAÇO PAIS–BEBÊS: UMA ARTICULAÇÃO COM A TEORIA<br />
DE JACQUES LACAN – ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO<br />
Dissertação <strong>de</strong> Mestrado<br />
RIO DE JANEIRO, FEVEREIRO DE 2008
II<br />
MARIA ANTUNES TAVARES<br />
Dissertação apresentada ao Programa<br />
<strong>de</strong> Pós-Graduação em Psicanálise<br />
da Universida<strong>de</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
<strong>com</strong>o requisito parcial para obtenção do<br />
Título <strong>de</strong> Mestre em Psicanálise.<br />
Orientador: Marco Antonio Coutinho Jorge<br />
Excluído: <br />
Excluído: <br />
<br />
<br />
<br />
POR <br />
MARIA ANTUNES TAVARES<br />
<br />
<br />
ESPAÇO PAIS<br />
Excluído: -<br />
Excluído: –BEBÊS: UMA<br />
ARTICULAÇÃO COM A<br />
TEORIA<br />
DE JACQUES LACAN –<br />
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
TRABALHO APRESENTADO<br />
AO EXAME DE<br />
QUALIFICAÇÃO DO<br />
PROGRAMA DE PÓS<br />
Inserido: -<br />
Excluído: TÍTULO<br />
Excluído: TÍTULO DE<br />
MESTRE EM PSICANÁLISE.<br />
<br />
ORIENTADOR: MARCO<br />
ANTONIO COUTINHO JORGE<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
RIO DE JANEIRO, AGOSTO DE<br />
2007<br />
<br />
<br />
UNIVERSIDADE DO ESTADO<br />
DO RIO DE JANEIRO<br />
<br />
PROGRAMA DE PÓS-<br />
GRADUAÇÃO EM<br />
PSICANÁLISE<br />
Inserido: –<br />
Excluído: –<br />
Excluído: -GRADUAÇÃO EM<br />
PSICANÁLISE DA<br />
UNIVERSIDADE DO ESTADO<br />
DO RIO DE JANEIRO COMO<br />
REQUISITO PARCIAL PARA<br />
OBTENÇÃO DO<br />
Inserido: TÍTULO<br />
... [1]
III<br />
AGRADECIMENTOS<br />
Quase concluindo esse trabalho <strong>de</strong> dissertação, venho a escrever os agra<strong>de</strong>cimentos.<br />
Me <strong>de</strong>paro <strong>com</strong> longo percurso e, nele, várias pessoas e acontecimentos que fazem<br />
parte <strong>de</strong>sse trabalho. Por isso, agra<strong>de</strong>ço a vida, a vida que é feita <strong>de</strong> encontros e <strong>de</strong>sencontros.<br />
Agra<strong>de</strong>ço:<br />
- As crianças e pais por tudo que eu pu<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r <strong>com</strong> eles.`<br />
- A meus caros amigos e <strong>com</strong>panheiros <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> CERSAMI que me ensinaram<br />
muito e pela aposta <strong>de</strong>les nesse trabalho.<br />
- Ao CAPSI Monteiro Lobato pelo acolhimento.<br />
- A prefeitura municipal <strong>de</strong> Betim, a Ana Maria Ragazzi, a Alexandre, coordonador<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong> Betim, a Maternida<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> Betim, pelo apoio.<br />
- A Ana Selra por sua apreciada contribuição<br />
- A Eliane Pirard e a La Lice pela inventivida<strong>de</strong>.<br />
- A Tánia Ferreira pela escrita e a clínica<br />
- A meu orientador pela sua transmissão e <strong>de</strong>dicação.<br />
- A Luciano Elia pelos <strong>com</strong>entários que muito me ajudaram na pesquisa.<br />
- A Maria Anita Carneiro Ribeiro pela <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e pela perspicácia <strong>de</strong> sua leitura.<br />
- A CAPES pela bolsa.<br />
- A meus amigos <strong>de</strong> mestrado pela amiza<strong>de</strong> e o trabalho que realizamos.<br />
- A Marcus André Vieira por sua escuta, transmissão da <strong>articulação</strong> clínica e<br />
teórica.do material <strong>de</strong> dissertação.<br />
- A meus queridos pais e a minha família.<br />
- A Marcos e Arthur pelo carinho e a paciência que eles tiveram.<br />
Formatados: Marcadores e<br />
numeração
IV<br />
RIO DE JANEIRO – FEVEREIRO DE 2008<br />
SUMÁRIO<br />
RESUMO _______________________________________________________________ VII<br />
RÉSUMÉ________________________________________________________________ VII<br />
I. INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 1<br />
ASSUNTO E ROTEIRO DE TRABALHO ____________________________________ 2<br />
Campo <strong>de</strong> trabalho, percurso e mo<strong>de</strong>lo: saú<strong>de</strong> mental e pequena infância__________ 6<br />
Saú<strong>de</strong> mental e pequena infância: nosso campo <strong>de</strong> trabalho __________________ 6<br />
Histórico e mo<strong>de</strong>lo __________________________________________________ 6<br />
II. DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA_____________________________________ 10<br />
Situando os dois campos teóricos_______________________________________ 11<br />
Estrutura e sujeito___________________________________________________ 20<br />
Conseqüências das perspectivas teóricas do <strong>de</strong>senvolvimento e da estrutura para a<br />
<strong>de</strong>terminação do que sinaliza e constitui no campo clínico __________________________ 29<br />
Saú<strong>de</strong> mental: intervenção a tempo x intervenção precoce_________________ 29<br />
Intervenção precoce_______________________________________________ 29<br />
Intervenção a tempo e a clínica <strong>de</strong> crianças menores <strong>de</strong> quatro anos na saú<strong>de</strong><br />
mental infanto-juvenil <strong>de</strong> Betim _______________________________________________ 29<br />
Intervenção a tempo: indicações para um atendimento no Cersami __________ 31<br />
III. ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO ___________________________________________ 43<br />
Excluído: <br />
<br />
<br />
<br />
Excluído: ESPAÇO<br />
Excluído: PAIS-BEBÊS<br />
Excluído: PAIS–BEBÊS: UMA<br />
ARTICULAÇÃO COM A<br />
TEORIA<br />
DE JACQUES LACAN –<br />
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
AUTORA: MARIA ANTUNES<br />
TAVARES<br />
ORIENTADOR: MARCO<br />
ANTONIO COUTINHO JORGE<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
RIO DE JANEIRO – AGOSTO<br />
2007<br />
Inserido: PAIS–BEBÊS
V<br />
A alienação________________________________________________________ 45<br />
A separação ________________________________________________________ 47<br />
Alienação e separação: <strong>articulação</strong> da <strong>teoria</strong> <strong>com</strong> a clínica ___________________ 51<br />
Caso I (S E.) ____________________________________________________ 54<br />
Histórico e <strong>de</strong>scrição do atendimento _________________________________ 54<br />
Consi<strong>de</strong>rações e articulações do fragmento <strong>de</strong> caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> ______ 55<br />
Consi<strong>de</strong>rações e articulações da clínica <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> _____________________ 56<br />
Alienação / separação e o objeto a ________________________________________ 60<br />
Fragmento do caso II (E. e L.) _______________________________________ 62<br />
Histórico e <strong>de</strong>scrição dos atendimentos ________________________________ 63<br />
Articulações do fragmento do caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> ___________________ 66<br />
Fragmento do caso III (R.) __________________________________________ 69<br />
Histórico e <strong>de</strong>scrição dos atendimentos ________________________________ 70<br />
Articulação do fragmento do caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> ____________________ 74<br />
IV. ESPAÇO PAIS-BEBÊS __________________________________________________ 78<br />
Alg<strong>uma</strong>s consi<strong>de</strong>rações sobre os fragmentos clínicos e o <strong>espaço</strong> pais-bebês______ 79<br />
Articulação da operação <strong>de</strong> alienação e separação <strong>com</strong> o <strong>espaço</strong> potencial e o objeto<br />
transicional _______________________________________________________________ 82<br />
Alienação/separação e o objeto a _____________________________________ 82<br />
Aporte <strong>de</strong> D. W. Winnicott sobre o conceito objetos transicionais e <strong>espaço</strong> potencial<br />
_________________________________________________________________________ 84<br />
Articulações do conceito <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> e objeto transicional <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Lacan<br />
alienação/separação e o objeto a e o objeto e <strong>espaço</strong> transicional _____________________ 87<br />
O objeto________________________________________________________ 87<br />
Alienação e separação _____________________________________________ 87<br />
Alg<strong>uma</strong>s aproximações entre a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> alienação e separação <strong>de</strong> Lacan _______ 88<br />
Espaço <strong>pais–bebês</strong>__________________________________________________________ 90<br />
Tentativa <strong>de</strong> formalização do <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>___________________________ 92
V. CONCLUSÃO _________________________________________________________ 100<br />
BIBLIOGRAFIA__________________________________________________________ 111<br />
VI
VII<br />
RESUMO<br />
A presente dissertação preten<strong>de</strong> formalizar, a partir da <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> alienação e separação,<br />
<strong>de</strong> Jacques Lacan, a prática que especifica o trabalho clínico que realizamos <strong>com</strong> bebês e<br />
crianças bem pequenas e seu Outro primordial, no <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>. Em primeiro lugar,<br />
trabalhamos a diferença entre a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e estrutura e apresenta a<br />
constituição do sujeito n<strong>uma</strong> concepção estruturalista: O sujeito nasce do furo da estrutura.<br />
Em seguida, trabalhando a operação <strong>de</strong> alienação e separação, mostramos a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />
sujeito se alienar ao outro da linguagem e assim tentar correspon<strong>de</strong>r ao furo <strong>de</strong>sse outro, ou<br />
seja, ser o objeto do <strong>de</strong>sejo do Outro que, ao barrar-lo, o torna um sujeito <strong>de</strong>sejante. O resto, o<br />
que não po<strong>de</strong> ser simbolizado <strong>de</strong>ssa operação, é o objeto a. Trabalhamos então três casos<br />
clínicos em que articulamos as questões em jogo <strong>com</strong> esses conceitos. Finalmente,<br />
articulamos os conceitos <strong>de</strong> objeto e <strong>espaço</strong> transicional (Winnicott) e a <strong>teoria</strong> da alienação–<br />
separação e do objeto a (Lacan). Em conclusão, transmitimos em que consiste o <strong>espaço</strong> pais–<br />
bebês e articulamos os conceitos vistos <strong>com</strong> o dispositivo apresentado.<br />
RÉSUMÉ<br />
Cette dissertation prétend formaliser, à partir <strong>de</strong> la théorie <strong>de</strong> l'aliénation et <strong>de</strong> la<br />
séparation <strong>de</strong> Jacques Lacan, la pratique qui spécifie le travail clinique que nous avons réalisé<br />
avec <strong>de</strong>s bébés et <strong>de</strong> petits enfants ainsi que leur Autre primordial dans l'espace parents-bébés.<br />
Nous travaillons d'abord la différence entre les notions <strong>de</strong> développement et <strong>de</strong> structure et<br />
présente la constitution du sujet dans une conception strucutraliste : le sujet naît du trou <strong>de</strong> la<br />
structure. Ensuite, travaillant l'opération d'aliénation et <strong>de</strong> séparation, nous montrons la<br />
nécessité qu'a le sujet <strong>de</strong> s'aliéner à l'autre du langage et <strong>de</strong> tenter ainsi <strong>de</strong> correspondre au<br />
trou <strong>de</strong> cet autre, ou encore, d'être l'objet du désir <strong>de</strong> l'Autre qui, en le barrant, en fait un sujet<br />
désirant. Le reste, ce qui ne peut être symbolisé <strong>de</strong> cette opération, c'est l'objet a. Nous avons<br />
alors, à l'ai<strong>de</strong> <strong>de</strong> ces concepts, travaillé trois cas cliniques. Finalement, en relation les concepts<br />
d'objet et espace transitionnel (Winnicott) et la théorie <strong>de</strong> l'aliénation-sépartion et <strong>de</strong> l'objet a<br />
(Lacan). En conclusion, nous transmettons ce en quoi consiste l'espace parents-bebés et nous<br />
articulons les concepts analysés avec ce dispositif.<br />
Excluído: <br />
<br />
Quebra <strong>de</strong> seção (próxima página)<br />
Sumário<br />
Introdução 5<br />
1. Assunto e roteiro <strong>de</strong><br />
trabalho 5<br />
1.2. campo <strong>de</strong> trabalho, percurso e<br />
mo<strong>de</strong>lo: saú<strong>de</strong> mental e pequena<br />
infância 8<br />
1.2.1. Saú<strong>de</strong> mental e pequena<br />
infância: nosso campo <strong>de</strong><br />
trabalho 8<br />
... [2]<br />
Excluído: <br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: Para isso, trabalhamos ... [4]<br />
Excluído: capítulo<br />
Excluído: escolhemos formalizar<br />
Excluído: .<br />
Excluído: Destacamos assim ... que [5]<br />
Excluído: No<br />
Excluído: segundo capítulo<br />
Excluído: trabalhamos<br />
Excluído: . Vemos<br />
Excluído: que é necessário ... que [6] o<br />
Excluído: , Lacan nos diz que ... [7] se<br />
Inserido: ,<br />
Excluído: ele tenta<br />
Excluído: o objeto que vai ... [8]<br />
Excluído: outro<br />
Excluído: . Mas<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: o Outro <strong>de</strong>seja para ... [9]<br />
Inserido:<br />
Inserido:<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: on<strong>de</strong><br />
Excluído: ,<br />
Excluído: No<br />
Excluído: terceiro capítulo,<br />
Excluído: mos<br />
Excluído: <strong>de</strong> Jacques Lacan,<br />
Excluído:<br />
Excluído: –<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: e,<br />
Excluído: por fim<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: no curso da<br />
... [3]<br />
... [10]
1<br />
I . INTRODUÇÃO<br />
Excluído:
Assunto e roteiro <strong>de</strong> trabalho<br />
2<br />
A presente dissertação preten<strong>de</strong> formalizar teoricamente a prática que especifica o<br />
trabalho clínico que realizamos <strong>com</strong> bebês e crianças bem pequenas e seu Outro primordial 1 ,<br />
também nomeado <strong>com</strong>o Outro da linguagem ou Outro materno, muitas vezes a mãe, mas nem<br />
sempre.<br />
Nossa proposta clínica foi elaborada em um serviço integrante da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />
mental do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> – SUS, o Centro <strong>de</strong> Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil<br />
(Capsi) <strong>de</strong> Betim, em Minas Gerais, chamado Centro <strong>de</strong> Referência em Saú<strong>de</strong> Mental Infanto-<br />
Juvenil (Cersami).<br />
Nosso trabalho vem sendo construído a partir da própria experiência clínica e a<br />
dissertação testemunha o esforço <strong>de</strong> formalização teórica que tem a<strong>com</strong>panhado nossa prática.<br />
O contato <strong>com</strong> a gravida<strong>de</strong> dos casos nos instigou a <strong>de</strong>senhar um mo<strong>de</strong>lo assistencial, que<br />
permanece aberto a mudanças e ampliações. Em nosso percurso, iniciado em 1998, <strong>uma</strong><br />
observação teve especial importância: “Os meninos psicóticos, autistas, neuróticos graves que<br />
chegavam até nós, chegavam já gran<strong>de</strong>s, num momento em que a estruturação do sujeito<br />
estava amarrada <strong>de</strong>mais!” 2 .<br />
O que nos sensibilizou, <strong>de</strong> imediato, foi o momento em que as crianças eram trazidas ao<br />
serviço e, sobretudo, a queixa presente na fala das mães ou avós: “eu perguntei para o<br />
pediatra, ele disse que quando crescesse ia passar!”, ou “procurei ajuda, mas não tinha!”.<br />
Começamos, então, a nos perguntar <strong>com</strong>o fazer para que essas crianças chegassem ao serviço<br />
mais cedo.<br />
A partir <strong>de</strong> tal questionamento, iniciamos <strong>uma</strong> interlocução <strong>com</strong> Eliane Pirard,<br />
psiquiatra infantil e psicanalista, coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> <strong>uma</strong> instituição belga chamada La Lice, que<br />
aten<strong>de</strong> crianças em sofrimento psíquico, <strong>de</strong> zero a três anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, apresentando<br />
dificulda<strong>de</strong>s no laço <strong>com</strong> seu Outro primordial, geralmente os pais, assim <strong>com</strong>o também no<br />
<strong>espaço</strong> social mais amplo. Esse projeto tem a psicanálise <strong>com</strong>o referência e é pioneiro na<br />
1 Outro primordial: termo que Claudia Mascarenhas Rohenkohl utiliza para <strong>de</strong>finir tanto aquele que está<br />
ao lado, que é prestativo, que cuida, enfim (no sentido freudiano, que aparece em Freud, 1895, Projeto para <strong>uma</strong><br />
psicologia científica), quanto no sentido lacaniano, <strong>de</strong> um Outro primordial, aquele que servirá <strong>de</strong> suporte na<br />
constituição do sujeito. (ROHENKOHL, Claudia Mascarenha Fernan<strong>de</strong>s (org.), A clínica <strong>com</strong> o bebê. São Paulo,<br />
Casa do Psicólogo, 2000, p. 131)<br />
2 TAVARES, Maria Antunes. “Novos dispositivos <strong>de</strong> atendimento na pequena infância”. In: Transfinitos,<br />
psicanálise: transmissão e causa, Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p.161.<br />
Excluído: é o<br />
Excluído: no<br />
Excluído: MASCARENHAS<br />
FERNANDES<br />
Excluído: 1.<br />
Excluído: Outro primordial,<br />
Excluído: juvenil<br />
Excluído: CAPSI<br />
Excluído: CERSAMI<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: o
Bélgica (Bruxelas) em sua proposta <strong>de</strong> oferecer um atendimento à la carte, isto é, <strong>com</strong> vários<br />
módulos, pensados <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada caso e que permitem montar um<br />
dispositivo <strong>de</strong> a<strong>com</strong>panhamento, mesmo em momentos <strong>de</strong> crise.<br />
3<br />
O contato <strong>com</strong> o trabalho <strong>de</strong> La Lice resultou em <strong>uma</strong> experiência, inicialmente à<br />
distância, <strong>de</strong> trabalho que durou dois anos. Em 2001, retomamos, então, a elaboração <strong>de</strong> um<br />
trabalho clínico junto aos bebês e seus pais no Cersami. Além da nova orientação em nosso<br />
trabalho clínico, três significantes balizaram o caminho que nos levou a <strong>de</strong>finir a questão<br />
central do presente estudo. O primeiro foi “notícia", <strong>de</strong>pois “laço <strong>pais–bebês</strong> ou clínica do<br />
laço” e, finalmente, “intervenção a tempo”.<br />
Destacamos o significante “notícia” justamente a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> hipótese <strong>de</strong> que os bebês<br />
nos mostram que algo vai mal no laço <strong>pais–bebês</strong>, por meio do seu adoecimento que se<br />
apresenta sob forma <strong>de</strong> graves distúrbios psicossomáticos e funcionais (distúrbios do sono,<br />
alimentares, respiratórios e/ou <strong>de</strong> pele), graves distúrbios <strong>de</strong> humor (medo, fobias), graves<br />
distúrbios do <strong>de</strong>senvolvimento sem causa orgânica (intelectual, psi<strong>com</strong>otor, <strong>de</strong> tônus e/ou do<br />
contato) e dificulda<strong>de</strong>s no controle da agressivida<strong>de</strong>.<br />
Ou seja, passamos a ler <strong>com</strong>o “notícia” bebês que estavam muito adoecidos,<br />
apresentando-se <strong>com</strong> infecções repetidamente e sem justificativa clínica, <strong>com</strong> insônia,<br />
anorexia, bebês muito colados à mãe, bebês <strong>com</strong> <strong>de</strong>pressão, apresentando um quadro <strong>de</strong><br />
“hospitalismo domiciliar”, muito parecido <strong>com</strong> a <strong>de</strong>pressão anaclítica 3 <strong>de</strong>scrita por Spitz<br />
(1979), mas que não foi institucionalizada, bebês cm características do autismo (que não<br />
olham, não balbuciam).<br />
Consi<strong>de</strong>ramos que não se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> notícia relacionada apenas à jovem criança ou ao<br />
infans. Remetendo a um sujeito em fase <strong>de</strong> constituição, segundo a psicanálise, aponta para<br />
algo que se passa no laço <strong>com</strong> o Outro primordial. O significante “clínica do laço” passou a<br />
indicar, justamente, a direção <strong>de</strong>ssa clínica, que leva em conta a constituição do sujeito a<br />
partir do campo do Outro. Finalmente, o significante "intervenção a tempo" sinaliza <strong>uma</strong><br />
operação lógica, que remete a um tempo que não é cronológico, que não se me<strong>de</strong> pela ida<strong>de</strong>,<br />
que não é avaliado por um teste <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> "intervenção a tempo",<br />
a tempo do que é possível ler da notícia <strong>de</strong> um sofrimento psíquico, que está lá. No entanto<br />
sabemos que, para a psicanálise, não é possível prevenir ou prever esse sofrimento, porque ele<br />
3 Depressão anaclítica: quadro psicopatológico no qual o bebê entra em <strong>de</strong>pressão grave e, em casos<br />
extremos, até morre, quando é separado <strong>de</strong> modo temporário ou <strong>de</strong>finitivo da mãe no primeiro ano <strong>de</strong> vida.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: pais-bebês
vem <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> produção individual subjetiva, no que é justamente inapreensível porque é<br />
<strong>uma</strong> resposta do sujeito do inconsciente, <strong>uma</strong> resposta do sujeito, que é <strong>uma</strong> produção do<br />
sujeito diante <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> coisa que ele toma do Outro, o discurso inconsciente do Outro e que<br />
ele respon<strong>de</strong> <strong>com</strong> o que lhe é possível. Isso tem por conseqüência que o tempo é atrelado à<br />
resposta do sujeito à sua constituição e que só é possível ler, isto é, <strong>de</strong>cifrá-lo no <strong>de</strong>pois,<br />
quando ele se faz, se constitui, <strong>com</strong>o resposta ao que vem do campo do Outro. "Intervenção a<br />
tempo" sinaliza <strong>uma</strong> operação lógica que remete a um tempo do sujeito, que só é possível ler<br />
no <strong>de</strong>pois, quando houve resposta do sujeito, e que, nela, o sujeito não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> apontar para a<br />
intensida<strong>de</strong> do sofrimento psíquico presente nesse momento.<br />
4<br />
Assim, <strong>com</strong>eçamos a formular a questão <strong>de</strong> trabalho, que extraímos <strong>de</strong> nossa<br />
experiência: da atenção a um tempo constitutivo da subjetivida<strong>de</strong>, passamos a consi<strong>de</strong>rar a<br />
operação lógica, tecida entre o infans e o Outro e que permite que se faça laço entre eles, no<br />
que a mesma indica que algo vai mal. De um tempo constitutivo, caminhamos no sentido <strong>de</strong><br />
atentar para algo da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong> lógico <strong>de</strong> constituição do sujeito e suas vicissitu<strong>de</strong>s.<br />
Devemos frisar que a noção <strong>de</strong> tempo, que recebe <strong>uma</strong> certa ênfase na presente<br />
dissertação, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> colocar <strong>uma</strong> questão sobre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho<br />
psicanalítico <strong>com</strong> crianças tão jovens. Mais importante, entretanto, é consi<strong>de</strong>rar que a<br />
psicanálise também permite interrogar a noção <strong>de</strong> um tempo cronológico, razão pela qual<br />
escolhemos tratar a questão do tempo em sua dimensão constitutiva do sujeito. Trata-se, <strong>com</strong>o<br />
indicamos, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> operação que po<strong>de</strong>ria ser dita mais “espacial”, no sentido <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong><br />
subjetivo, <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong> que enlaça o sujeito e o Outro a partir da linguagem.<br />
Assim, chegamos a um ponto <strong>de</strong> <strong>articulação</strong> e enlace entre os três significantes que<br />
<strong>de</strong>stacamos <strong>de</strong> nossa experiência clínica, a saber, as operações <strong>de</strong> alienação e separação,<br />
conforme formuladas por Lacan 4 . Eis o elemento teórico que consi<strong>de</strong>ramos fundamental para<br />
formalizar o <strong>espaço</strong>, que está na origem da constituição do sujeito e que funda a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> laço <strong>com</strong> o Outro a partir da linguagem. Através <strong>de</strong> seu sofrimento, a criança daria notícia,<br />
indicaria que algo não vai bem em um <strong>espaço</strong> que é da or<strong>de</strong>m do laço, <strong>de</strong>vendo a intervenção<br />
clínica, portanto, ter essa direção.<br />
4 LACAN, Jacques, O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1964. p. 207<br />
Excluído:<br />
Excluído: a<br />
Excluído: ti<br />
Excluído: vém<br />
Excluído: também
5<br />
Nossa dissertação preten<strong>de</strong> contribuir <strong>com</strong> subsídios para pensar e formalizar o trabalho<br />
clínico realizado, tendo <strong>com</strong>o eixo teórico <strong>de</strong> <strong>articulação</strong> as operações <strong>de</strong> alienação e<br />
separação, conforme formuladas por Lacan.<br />
Nessa introdução situaremos nosso campo <strong>de</strong> trabalho, percurso e mo<strong>de</strong>lo.<br />
Na primeira parte, “Desenvolvimento e estrutura”, <strong>de</strong>dicamo-nos a diferenciar a lógica<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento da lógica da estrutura do sujeito, buscando <strong>de</strong>marcar a especificida<strong>de</strong> e a<br />
originalida<strong>de</strong> da contribuição da psicanálise nessa área. Verificamos, a partir do trabalho <strong>de</strong><br />
Luciano Elia, que quando Freud coloca a questão da genitalida<strong>de</strong> na infância, <strong>com</strong> seu texto<br />
"A organização genital infantil” (1923), ele corta qualquer pensamento maturacionista<br />
quanto à questão da sexualida<strong>de</strong><br />
Em seguida, em “Estrutura e sujeito”, nossa proposta é estudar, mais <strong>de</strong>talhadamente, o<br />
conceito <strong>de</strong> estrutura no ensino lacaniano. Nossa discussão a<strong>com</strong>panha um percurso que vai<br />
do simbólico ao real, mostrando a importância do furo na estrutura, na medida em que este<br />
aponta para o sujeito. Também discorremos sobre a concepção <strong>de</strong> sujeito a partir da<br />
psicanálise, especialmente a partir da elaboração <strong>de</strong> Lacan.<br />
“Alienação e separação” está dividida em duas partes: A – “Alienação e separação”; B<br />
– “Alienação, separação e o objeto a”. Apresentamos dois fragmentos <strong>de</strong> caso clínico, em<br />
torno dos quais propomos circunscrever o que consi<strong>de</strong>ramos <strong>com</strong>o o coração do trabalho<br />
<strong>de</strong>sta dissertação, que é a busca da formalização do <strong>espaço</strong> lógico na origem da constituição<br />
do sujeito. Procuramos tratar esse <strong>espaço</strong> subjetivo em constituição – que não é nem só do<br />
infans, nem só do Outro primordial – <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> formulação que legitima nossa intervenção,<br />
por meio da operação <strong>de</strong> alienação e separação.<br />
Confirmamos <strong>com</strong>o é imprescindível que o Outro materno se en<strong>de</strong>rece ao infans <strong>com</strong><br />
seus significantes, em <strong>uma</strong> posição <strong>de</strong>sejante, isto é, faltante, por sua própria alienação à<br />
linguagem. Observamos também que, para o infans, a operação <strong>de</strong> ser barrado, no seu <strong>de</strong>sejo<br />
<strong>de</strong> ser objeto do Outro, terá um efeito <strong>de</strong> separação. Produzindo <strong>uma</strong> mudança <strong>de</strong> posição,<br />
torna o sujeito capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar, restando, da operação <strong>de</strong> alienação e separação, o objeto a.<br />
Na parte “Alienação, separação e o objeto a”, mais <strong>uma</strong> vez partindo <strong>de</strong> um fragmento<br />
<strong>de</strong> caso clínico, damos continuida<strong>de</strong> à discussão relativa ao objeto, não mais na dimensão da<br />
Excluído: o…o…capítulo…nos ... [11]<br />
Excluído: por freud<br />
Excluído: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter escrito ... [12] os<br />
Excluído: dizer que a questão ... [13] da<br />
Excluído: ão<br />
Inserido: ão<br />
Excluído: nele a questão da ... [14]<br />
Inserido: nele a questão da ... [15]<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído: d<br />
Inserido: d<br />
Excluído: e<br />
Inserido: e<br />
Excluído: iz<br />
Inserido: iz<br />
Excluído: s<br />
Inserido: s<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído: respeita<br />
Inserido: respeita<br />
Excluído: respeito ao âmbito ... [16] da<br />
Inserido: respeito ao âmbito ... [17] da<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído: . É justamente por ... [18] ter<br />
Inserido: . É justamente por ... [19] ter<br />
Excluído: freud<br />
Inserido: freud<br />
Excluído: Freud corta a<br />
Inserido: Freud corta a<br />
Excluído: .<br />
Inserido: .<br />
Excluído: " (<br />
Inserido: " (<br />
Excluído: P<br />
Inserido: P<br />
Excluído: p.<br />
Inserido: p.<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído: 91).<br />
Inserido: 91).<br />
Excluído: colocar ref corpo ... e [22]<br />
Inserido: colocar ref corpo ... e [23]<br />
Excluído: <br />
Inserido: <br />
Excluído:<br />
Excluído: a…...<br />
Excluído:<br />
Excluído: O segundo<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído:<br />
... [20]<br />
... [21]<br />
... [24]<br />
... [25]<br />
Excluído: o subcapítulo…objeto ... [26]
alienação, que constitui o furo, mas na sua face <strong>de</strong> separação, <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong> que<br />
surge no próprio trabalho clínico.<br />
6<br />
Finalmente, tentamos avançar um pouco mais em relação ao objeto a, notando que o<br />
objeto da psicose não é o objeto a, porque o objeto a implica <strong>uma</strong> certa separação. Veremos<br />
que a principal conseqüência clínica disso é que o objeto a é esse <strong>espaço</strong> entre alienação e<br />
separação, que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> subjetivo. Sugerimos então <strong>uma</strong> breve<br />
aproximação do objeto a <strong>de</strong> Jacques Lacan <strong>com</strong> o <strong>espaço</strong> e o objeto transicional <strong>de</strong> D. W.<br />
Winnicott e as possibilida<strong>de</strong>s do novo dispositivo "<strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>" — que ainda estão<br />
sendo avaliadas.<br />
Campo <strong>de</strong> trabalho, percurso e mo<strong>de</strong>lo: saú<strong>de</strong> mental e pequena infância<br />
Saú<strong>de</strong> mental e pequena infância: nosso campo <strong>de</strong> trabalho<br />
Histórico e mo<strong>de</strong>lo<br />
Comecemos por situar a história do Cersami, <strong>de</strong> Betim (Minas Gerais), no contexto da<br />
assistência à saú<strong>de</strong> mental infanto-juvenil, para, em seguida, relatar <strong>com</strong>o nosso percurso nos<br />
levou a um trabalho clínico <strong>com</strong> bebês e seu outro primordial.<br />
A proposta <strong>de</strong> assistência pública em saú<strong>de</strong> mental infanto-juvenil <strong>de</strong> Betim nasceu em<br />
1994, tendo <strong>com</strong>o objetivo aten<strong>de</strong>r crianças e adolescentes menores <strong>de</strong> 18 anos, <strong>com</strong><br />
sofrimento mental grave, a saber, autistas, neuróticos e psicóticos.<br />
Nos mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>alização, ficou claro que era impróprio sustentar a<br />
idéia <strong>de</strong> que o mo<strong>de</strong>lo institucional do trabalho clínico <strong>com</strong> crianças e adolescentes seria um<br />
<strong>de</strong>calque do mo<strong>de</strong>lo institucional do trabalho clínico do adulto 6 .<br />
Apoiados na superação da lógica mani<strong>com</strong>ial, nosso <strong>de</strong>safio foi criar novas<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tratamento para crianças e adolescentes em grave sofrimento psíquico. Era<br />
patente o movimento <strong>de</strong> exclusão, da parte <strong>de</strong> encaminhadores, que <strong>de</strong>mandavam <strong>uma</strong> tarefa<br />
reparadora, cuja lógica tivemos que <strong>de</strong>sconstruir, a partir <strong>de</strong> cada caso. Como não tínhamos<br />
6 MORAIS, Rosângela. A clínica da saú<strong>de</strong> mental infanto-juvenil. Artigo inédito.<br />
Excluído:<br />
Excluído: No terceiro capítulo<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: o trabalho possível que<br />
constitui o dispositivo<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: .<br />
Excluído: 1.2.<br />
Excluído: c<br />
Excluído: <br />
<br />
Excluído: 1.2.1.<br />
Excluído: <br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”
um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>finido a priori, foi a construção dos casos clínicos 7 que foi<br />
constituindo o mo<strong>de</strong>lo assistencial. No caso <strong>de</strong> crianças e adolescentes, a constatação da força<br />
da exclusão era evi<strong>de</strong>nte também na lógica dominante em propostas <strong>com</strong>o escolas especiais,<br />
casas <strong>de</strong> apoio, orfanatos, Febem 8 , entre outras. Estava presente ainda nas famílias, que<br />
segregavam o diferente do meio social, restringindo a circulação <strong>de</strong>sses sujeitos aos estreitos<br />
<strong>espaço</strong>s institucionais.<br />
7<br />
Pensamos que romper <strong>com</strong> a lógica da exclusão não é, certamente, fazer o diferente se<br />
enquadrar no pedido social do normal, mas é permitir que a diferença circule pelo social e que<br />
este possa suportá-la, e até modificar-se, para não excluir.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos que a psicanálise, em particular, oferece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada sujeito<br />
buscar respostas a partir <strong>de</strong> sua singularida<strong>de</strong>. No caso do Cersami, a proposta é a <strong>de</strong><br />
construção <strong>de</strong> um projeto terapêutico pelo técnico <strong>de</strong> referência (responsável pela condução<br />
do caso) a partir <strong>de</strong> questões colocadas por cada criança e adolescente. Há, então, a oferta <strong>de</strong><br />
diferentes dispositivos, que são propostas <strong>de</strong> intervenção, na maioria das vezes em grupo.<br />
Estes são sempre <strong>com</strong>plementares ao atendimento individual e permitem <strong>uma</strong> atenção mais<br />
intensiva a casos graves. Assim, cada paciente po<strong>de</strong> freqüentar o serviço mais <strong>de</strong> <strong>uma</strong> vez na<br />
semana sem ser incluído na permanência-dia 9 . A condução dos dispositivos não está <strong>de</strong>finida<br />
por especialida<strong>de</strong> profissional, mas sim pelo <strong>de</strong>sejo e implicação <strong>com</strong> a proposta do mesmo.<br />
Atualmente, a equipe do Cersami é <strong>com</strong>posta por três psiquiatras, cinco psicólogos, dois<br />
assistentes sociais, um enfermeiro, quatro auxiliares <strong>de</strong> enfermagem, um gerente, dois<br />
auxiliares <strong>de</strong> limpeza e dois auxiliares administrativos. Os dispositivos oferecidos são:<br />
módulo terapêutico, <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, permanência-dia (e suas ativida<strong>de</strong>s), visita domiciliar,<br />
grupo <strong>de</strong> adolescentes, projeto <strong>de</strong> a<strong>com</strong>panhamento terapêutico, projeto eventos.<br />
O Cersami é referência em urgência psiquiátrica infanto-juvenil no município <strong>de</strong> Betim<br />
(300 mil habitantes) e municípios consorciados (600 mil habitantes). Representa <strong>uma</strong><br />
proposta alternativa e <strong>de</strong> ampliação do tratamento individual.<br />
Em relação aos diversos saberes que sustentam as instituições que trabalham <strong>com</strong><br />
crianças e adolescentes, adotamos <strong>uma</strong> postura <strong>de</strong> interface, em que há <strong>uma</strong> interseção <strong>de</strong><br />
7 VIGANO, Carlos, “A construção do caso clínico em saú<strong>de</strong> mental”. Conferência proferida no seminário<br />
<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, psiquiatria e psicanálise na AMMG, em 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997.<br />
8 Fundação Estadual do Bem Estar e do Menor - FEBEM<br />
9 Permanência-dia: a permanência-dia do CERSAMI é um dispositivo utilizado <strong>com</strong>o recurso <strong>de</strong><br />
tratamento para os usuários em crise e após da crise até que seja possível <strong>uma</strong> reinserção social e familiar do<br />
mesmo.<br />
Excluído: sau<strong>de</strong><br />
Excluído: FEBEM<br />
Excluído:<br />
Excluído: pais-bebês
saberes <strong>de</strong> campos diferentes: um lugar da implicação, e não da aplicação <strong>de</strong> um saber sobre o<br />
outro. Certamente, muitas vezes, o serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental é buscado <strong>com</strong> a expectativa <strong>de</strong><br />
retorno do diferente “ao curso natural da normalida<strong>de</strong>”. A equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental <strong>de</strong>ve,<br />
portanto, ter clareza sobre sua proposta clínica. Por princípio, um serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental,<br />
<strong>de</strong>ntro do contexto da reforma psiquiátrica, não po<strong>de</strong> incorporar a lógica reparadora e<br />
normatizadora que opera na maioria das instituições que trabalham <strong>com</strong> crianças e<br />
adolescentes. Não nos propomos tampouco a enquadrá-los para fazer <strong>com</strong> que eles caibam<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> idéias. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> clínica <strong>de</strong> um a um, orientada por um saber que está do lado<br />
do sujeito do inconsciente. Enten<strong>de</strong>mos que a condução clínica <strong>de</strong>ve implicar que cada<br />
criança possa dizer <strong>de</strong> si, formular <strong>uma</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> tratamento e, finalmente, construir outras<br />
saídas, talvez menos sofridas. Trabalhamos, então, a partir <strong>de</strong> um tensionamento constante<br />
entre o político e a clínica 10 .<br />
8<br />
Des<strong>de</strong> 1998, viemos buscando incessantemente a construção <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong><br />
tratamento clínico que pu<strong>de</strong>sse servir a um trabalho <strong>de</strong> subjetivação para cada sujeito. O que<br />
nos mobilizou foi o fato <strong>de</strong> nos darmos conta <strong>de</strong> que as crianças psicóticas, autistas e<br />
neuróticas graves que vinham até nós chegavam já gran<strong>de</strong>s e, diante disto, nos perguntávamos<br />
se não era num momento em que a estruturação do sujeito estava por <strong>de</strong>mais estabelecida.<br />
O <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> é um dispositivo que foi criado por mim e pela equipe do Cersami,<br />
em 2001, inspirados no trabalho <strong>de</strong> Françoise Dolto, La Maison Verte 11 , e nos estudos <strong>de</strong><br />
experiências e teorizações que vieram <strong>de</strong>pois, <strong>com</strong>o: Le Jardin Couvert (Lyon), La Maison<br />
Ouverte (Bruxelas) e outras. Mas nos apoiamos fundamentalmente na experiência clínica da<br />
instituição <strong>de</strong> La Lice (Bruxelas) e na unida<strong>de</strong> psiquiátrica <strong>de</strong> internação mãe–bebê <strong>de</strong> Ramée<br />
(Bruxelas) e nas experiências clínicas do Capsi/Cersami (Betim, MG). Embora tenhamos lido<br />
e estudado várias referências teóricas, tanto o nosso texto <strong>com</strong>o o trabalho clínico se orientam<br />
a partir da <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Lacan.<br />
10 TAVARES Maria Antunes, “A clínica e a inserção social no atendimento em saú<strong>de</strong> mental <strong>com</strong><br />
crianças e adolescentes: mo<strong>de</strong>los, possibilida<strong>de</strong>s e o trabalho em equipe"; p. 258, in CAMPOS GUERRA,<br />
Andréia Máris e LAGUARDIA DE LIMA, Nádia (orgs.), A clínica <strong>de</strong> crianças <strong>com</strong> transtorno no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento, <strong>uma</strong> contribuição no campo da psicanálise e da saú<strong>de</strong> mental, Belo Horizonte: Autêntica-<br />
FUMEC, 2003.<br />
11 "Ce que fait la “maison verte” (maison ouverte)", in BENOÎT Pierre, Le corps et la peine <strong>de</strong>s hommes,<br />
Paris, L'Harmattan, pp. 281-291.<br />
Excluído:<br />
Excluído: .<br />
Excluído: à<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: Na verda<strong>de</strong>,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>ssa questão<br />
<strong>de</strong>,estar por <strong>de</strong>mais estabelecida<br />
ficou evi<strong>de</strong>nte que já havia<br />
sofrimento muito antes; e naquilo<br />
que a mãe e, às vezes, os avós nos<br />
contavam quase sempre havia um<br />
tom <strong>de</strong> queixa, <strong>com</strong> frases <strong>com</strong>o:<br />
“Eu perguntei para o pediatra, ele<br />
disse que quando crescesse ia<br />
passar”; ou os avós falavam muitas<br />
vezes <strong>de</strong> quando um autista era<br />
bebê: “procurei ajuda, mas não<br />
tinha”.<br />
Excluído:<br />
Excluído: Com a idéia <strong>de</strong><br />
“intervir a tempo” <strong>com</strong>eçamos<br />
<strong>uma</strong> interlocução <strong>com</strong> Eliane<br />
Pirard, psiquiatra infantil e<br />
psicanalista, coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
instituição chamada La Lice, que<br />
se propõe a aten<strong>de</strong>r criança <strong>de</strong> zero<br />
a três anos que estão em<br />
sofrimento psíquico e apresentam<br />
dificulda<strong>de</strong>s no laço <strong>com</strong> seus pais<br />
e no laço social. Esse projeto tem<br />
<strong>com</strong>o referência a psicanálise e é<br />
pioneiro na Bélgica (em Bruxellas)<br />
em oferecer um atendimento à la<br />
carte, <strong>com</strong> vários módulos<br />
possíveis, que são pensados <strong>de</strong><br />
acordo <strong>com</strong> as questões que estão<br />
em jogo, <strong>de</strong> maneira a po<strong>de</strong>r<br />
montar um dispositivo <strong>de</strong><br />
a<strong>com</strong>panhamento em momentos <strong>de</strong><br />
crise.<br />
Essa interlocução culminou na<br />
minha ida até La Lice em (1999),<br />
on<strong>de</strong> trabalhei por dois anos. Na<br />
volta, em 2001, <strong>com</strong>eçamos, mo<br />
CERSAMI, em Betim, a<br />
elaboração <strong>de</strong> um trabalho clínico<br />
junto aos bebês e a seus pais, que<br />
nos davam noticia <strong>de</strong> algum<br />
sofrimento psíquico grave.<br />
Criamos também o dispositivo<br />
“<strong>espaço</strong> pais-bebês” que iremos<br />
discutir no terceiro capítulo.<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Inserido:<br />
Excluído:<br />
Excluído: -no<br />
Excluído: Mãe<br />
Excluído: -<br />
Excluído: B<br />
Excluído: da
9<br />
Parece-nos ser necessário especificar o que nós enten<strong>de</strong>mos por intervenção a tempo e<br />
para isso vamos marcar a diferença <strong>com</strong> a expressão intervenção precoce no final do 1º<br />
capítulo.<br />
Excluído: Capítulo
10<br />
II. DESENVOLVIMENTO E ESTRUTURA<br />
Excluído: <br />
Excluído: Quebra <strong>de</strong> página<br />
Excluído: <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Excluído: CAPÍTULO<br />
Excluído: 1<br />
Excluído:<br />
Excluído:
Situando os dois campos teóricos<br />
11<br />
Falar <strong>de</strong> sujeito, a partir da psicanálise, particularmente <strong>com</strong> a contribuição <strong>de</strong> Lacan, é<br />
remeter à noção <strong>de</strong> estrutura, e não à idéia <strong>de</strong> crescimento ou evolução 12 . Esta perspectiva é<br />
fundamental para a presente discussão, pois a proposta é a <strong>de</strong> nos <strong>de</strong>termos em um <strong>espaço</strong> que<br />
nem é do infans nem da mãe. Abordaremos a in<strong>com</strong>patibilida<strong>de</strong> entre a lógica da estrutura e a<br />
lógica do <strong>de</strong>senvolvimento. Preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar que o sujeito concebido pela psicanálise<br />
é fruto da estrutura pela linguagem, e não <strong>com</strong>o um ser que vai crescendo e evoluindo<br />
segundo <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m biológica prévia e <strong>de</strong> sua internação <strong>com</strong>o meio. Antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o<br />
ponto <strong>de</strong> vista da psicanálise, buscaremos consi<strong>de</strong>rar brevemente <strong>com</strong>o a questão da<br />
constituição do sujeito é tratada no contexto da lógica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento presente na<br />
psicologia genética. Exemplificaremos <strong>de</strong> maneira resumida a proposta <strong>de</strong> autores importantes<br />
<strong>com</strong>o Jean Piaget (1996–1980) e Henri Wallon (1879–1962), representantes da psicologia do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Discutiremos também o modo pelo qual a psicanálise foi assimilada à psicologia<br />
evolutiva e genética, tratando <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar o equívoco que aí se instala. É Lacan que<br />
evi<strong>de</strong>nciará que Freud concebe que a psicanálise opera a partir <strong>de</strong> um corte que <strong>de</strong>sloca a<br />
questão da evolução genética para o campo da or<strong>de</strong>nação lógica. Assim, veremos <strong>com</strong>o a<br />
<strong>teoria</strong> do estádio do espelho <strong>de</strong> Lacan ajuda a <strong>de</strong>limitar o campo do sujeito no interior <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
lógica do simbólico, da estrutura, e não do <strong>de</strong>senvolvimento. Para finalizar esse capítulo, nos<br />
reportaremos ao nosso campo <strong>de</strong> pesquisa e mostraremos <strong>com</strong>o a lógica do <strong>de</strong>senvolvimento e<br />
a lógica da estrutura têm <strong>uma</strong> concepção diferente <strong>de</strong> sinais <strong>de</strong> sofrimento psíquico e,<br />
conseqüentemente, <strong>uma</strong> concepção diferente do que é o campo <strong>de</strong> intervenção sobre a<br />
maneira <strong>de</strong> intervir.<br />
Jean Piaget (1896–1980) e Henri Wallon (1879–1962), autores da <strong>teoria</strong> dos "estádios<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento”, são os principais representantes da psicologia genética. Para eles, os<br />
estádios são operacionais, <strong>de</strong>finindo níveis funcionais, e, portanto, obe<strong>de</strong>cendo a <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m<br />
<strong>de</strong> sucessão das aquisições. Segundo esses autores, o <strong>de</strong>senvolvimento psíquico ocorre ao<br />
12 Seguiremos nesse capítulo I, o precioso trabalho <strong>de</strong> Oscar CIRINO, no seu livro: Psicanálise e<br />
psiquiatria <strong>com</strong> crianças. Desenvolvimento ou estrutura, Belo Horizonte, Autêntica, 2001. Ver pp. 95-120 (o<br />
título <strong>de</strong>sse capítulo é precisamente "Desenvolvimento e estrutura").<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: <br />
<br />
1.1.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: -<br />
Excluído: wallon<br />
Excluído: -<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: tem<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -
modo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> construção progressiva, produzida pela interação entre o indivíduo e seu meio.<br />
Assim, muitas vezes, supõe-se a evolução psíquica a partir da relação entre o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento cognitivo e o <strong>de</strong>senvolvimento psi<strong>com</strong>otor e emocional ou afetivo.<br />
12<br />
Os "estádios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento" diferenciam-se das "escalas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento",<br />
formuladas, por exemplo, por Charlotte Bühler (1893-1974) e Arnold Gesell (1880–1961),<br />
<strong>uma</strong> vez que estas são <strong>de</strong>scritivas e estabelecem <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m cronológica para medir o nível <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento alcançado. Já os "estádios" são, <strong>com</strong>o foi dito, operacionais e relacionados a<br />
"níveis funcionais", não obe<strong>de</strong>cendo a <strong>uma</strong> "cronologia", mas sim a <strong>uma</strong> "or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão<br />
das aquisições".<br />
Uma vez estabelecido o campo da psicologia evolutiva e genética, parece-nos<br />
importante mostrar que, se a psicanálise foi a esta assimilada em alguns momentos, foi em<br />
função <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>terminada leitura dos textos <strong>de</strong> Freud, sobretudo aquela dos analistas da Ego<br />
psychology — <strong>com</strong>o Anna Freud (1895-1982), Bruno Bettelheim (1903-1990) e René Spitz<br />
(1887-1974). O enfoque <strong>de</strong>sses autores, bem <strong>com</strong>o dos teóricos da relação <strong>de</strong> objeto — Karl<br />
Abraham (1877-1925), Michael Balint (1896-1970) e Fairbairn (1889-1964) —, formaliza a<br />
idéia <strong>de</strong> que haveria um momento no qual o sujeito alcançaria <strong>uma</strong> relação "madura" <strong>com</strong> o<br />
objeto, o "estádio genital" ou "amor objetal", ponto final do <strong>de</strong>senvolvimento psicossexual.<br />
Tal perspectiva dá crédito ao “encontro” entre o sujeito e o objeto, e entre eu e o objeto,<br />
achando <strong>de</strong> maneira equivocada que tendo o encontro haveria satisfação.<br />
Notamos que esse estudo nos levou a verificar que, tanto Melanie Klein <strong>com</strong>o<br />
Winnicott, autores importantes que teorizaram a relação <strong>de</strong> objeto, não acreditam no encontro<br />
entre o sujeito e o objeto; Melanie Klein, no final <strong>de</strong> sua vida, consi<strong>de</strong>ra que o sujeito se<br />
constitui no <strong>de</strong>sencontro <strong>com</strong> o objeto, e Winnicott consi<strong>de</strong>ra a mãe suficientemente boa<br />
aquela que dá a ilusão <strong>de</strong> objeto ao filho, porque ele já possui a noção <strong>de</strong> perda.<br />
Devemos, portanto, sublinhar que o empenho <strong>de</strong> Lacan em um "retorno a Freud" foi<br />
imprescindível para tornar possível a crítica contun<strong>de</strong>nte à assimilação da psicanálise a <strong>uma</strong><br />
psicologia evolutiva genética. Nesse sentido, achamos interessante para a nossa pesquisa o<br />
que pu<strong>de</strong>mos ler no Projeto para <strong>uma</strong> psicologia científica (1985) sobre o não-encontro <strong>com</strong> o<br />
objeto.<br />
Neste texto, Freud afirma que não há coincidência entre o objeto procurado e o<br />
encontrado e que, na verda<strong>de</strong>, nunca haverá: pois é, justamente, a falta do objeto que constitui<br />
o que levará o aparelho psíquico a trabalhar. Ele supõe que o bebê se encontra em um<br />
Excluído: -<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído: (<br />
Excluído: (<br />
Excluído: Ferber<br />
Excluído: )<br />
Excluído: que são<br />
Excluído: teorizarao<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: e<br />
Excluído: da<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: tem<br />
Excluído: .<br />
Excluído: Notamos que esse<br />
estudo nos levou a verificar que<br />
tanto Melanie Klein <strong>com</strong>o<br />
Winnicott que são autores<br />
importantes que tecnizam a relação<br />
<strong>de</strong> objeto, não acreditam no<br />
encontro entre o sujeito e o objeto,<br />
Melanie Klein, no final <strong>de</strong> sua vida<br />
consi<strong>de</strong>ra que o sujeito se constitui<br />
no <strong>de</strong>sencontro <strong>com</strong>o objeto, e<br />
Winnicott, consi<strong>de</strong>ra a mãe<br />
suficientemente boa e aquela que<br />
da a ilusão <strong>de</strong> objeto ao filho<br />
porque ele já tem a noção <strong>de</strong> perda. <br />
Excluído: não<br />
Excluído: (1895)
<strong>de</strong>samparo primordial e é a partir <strong>de</strong>le que analisa a experiência <strong>de</strong> satisfação. A constituição<br />
do sujeito obe<strong>de</strong>ce à lógica da falta estruturante, que é o que põe em ativida<strong>de</strong> o aparelho<br />
psíquico. Eis aí um corte fundamental <strong>com</strong> a lógica <strong>de</strong>senvolvimentista, que acredita que o<br />
encontro <strong>com</strong> o objeto, <strong>uma</strong> vez alcançado, é a marca <strong>de</strong> <strong>uma</strong> fase madura.<br />
13<br />
Freud vai formalizar a experiência <strong>de</strong> satisfação partindo da suposição <strong>de</strong> que, por estar<br />
em <strong>uma</strong> situação <strong>de</strong> urgência, <strong>com</strong>o a fome, por exemplo, situação que configura um excesso<br />
<strong>de</strong> tensão, o recém-nascido reage por meio <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>de</strong>scarga, <strong>com</strong>o o grito ou o choro. Destaca<br />
que isso, no entanto, não é suficiente para cessar a excitação, não havendo, assim, alívio. Será<br />
preciso <strong>uma</strong> modificação no mundo externo, "<strong>uma</strong> ação específica" 13 , que só po<strong>de</strong> ser<br />
efetuada por ajuda externa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> "pessoa experiente" 14 , que leva em conta o estado da<br />
criança.<br />
Vemos <strong>com</strong>o a intervenção <strong>de</strong> um Outro, que interprete o grito do infans, é<br />
fundamental. Não se trata apenas <strong>de</strong> cuidados alimentares: é necessária a presença <strong>de</strong> um<br />
Outro que, <strong>com</strong> suas próprias palavras, interprete o grito e, assim, o transforme em apelo. O<br />
que esse Outro oferece são significantes, ou seja, ele abre o campo do simbólico para o infans.<br />
É importante sublinhar que, aqui, Freud também rompe <strong>com</strong> a lógica <strong>de</strong>senvolvimentista, <strong>uma</strong><br />
vez que não bastam os cuidados básicos para que a gênese do sujeito siga seu curso. O infans<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, na verda<strong>de</strong>, para constituir-se das marcas <strong>de</strong>ixadas pelas primeiras experiências <strong>de</strong><br />
satisfação na relação <strong>com</strong> o Outro. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> lógica <strong>de</strong> estrutura da<br />
linguagem.<br />
O que Freud quer mostrar é que a primeira experiência <strong>de</strong> satisfação acontece a partir <strong>de</strong><br />
um Outro, que inaugura o campo do simbólico, <strong>de</strong>ixando marcas no aparelho psíquico. Tais<br />
marcas, em <strong>uma</strong> nova situação <strong>de</strong> tensão, <strong>com</strong>o, por exemplo, a fome, serão investidas por um<br />
impulso psíquico e, assim, reativadas. Freud <strong>de</strong>nomina esse investimento <strong>de</strong> impulso <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sejo e é este que produz algo próximo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> percepção, a saber, <strong>uma</strong> alucinação. Nesse<br />
sentido, o objeto procurado não será encontrado, <strong>uma</strong> vez que não há coincidência possível<br />
entre o objeto procurado e o encontrado.<br />
Freud postula que é a falta <strong>de</strong> objeto, isto é, o <strong>de</strong>sejo que leva o aparelho psíquico a<br />
trabalhar. Estruturalmente, a procura do objeto dá-se a partir das marcas <strong>de</strong>rivadas da<br />
369.<br />
13 FREUD, Sigmund, “Projeto para <strong>uma</strong> psicologia científica” (1895), AE, vol. I, p. 362; ESB, vol. I, p.<br />
14 O.c., AE, vol. I, p. 363; ESB, vol. I, p. 369.<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: Esb<br />
Excluído:<br />
Excluído: Esb<br />
Excluído: t
experiência <strong>de</strong> satisfação. Estas constituem caminhos "facilitados" 15 para <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> tensão,<br />
caminhos que serão nova e incessantemente percorridos diante da ausência do objeto. A<br />
respeito <strong>de</strong>ssa permanente busca pelo reencontro do objeto, Lacan nos dirá: "não é ele que<br />
reencontramos, mas apenas suas coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> prazer, é nesse estado <strong>de</strong> ansiar por ele e <strong>de</strong><br />
esperá-lo que será buscada, em nome do princípio <strong>de</strong> prazer, a tensão ótima abaixo da qual<br />
não há mais nem percepção nem esforço" 16 . E é essa dimensão do objeto enquanto faltoso,<br />
enquanto impossível, que será salientada por Lacan (1964) em O Seminário 20: mais ainda,<br />
14<br />
<strong>com</strong> a afirmação, por exemplo, da inexistência da relação sexual.<br />
Lacan não encontra em Freud a afirmação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> relação madura <strong>com</strong> o objeto. No<br />
texto <strong>de</strong> Freud, o "objeto genital" só po<strong>de</strong> ser um objeto "reencontrado":<br />
É surpreen<strong>de</strong>nte ver que, no momento em que faz a <strong>teoria</strong> da evolução instintual tal<br />
<strong>com</strong>o esta se origina das primeiras experiências psicanalíticas, Freud nos indica que o objeto é<br />
apreendido pela via <strong>de</strong> <strong>uma</strong> busca do objeto perdido. Este objeto, que correspon<strong>de</strong> a um<br />
estágio avançado da maturação dos instintos, é um objeto reencontrado do primeiro <strong>de</strong>smame,<br />
o objeto que foi inicialmente o ponto <strong>de</strong> ligação das primeiras satisfações da criança 17 .<br />
Lacan tampouco encontra <strong>uma</strong> cronologia evolutiva na <strong>teoria</strong> da libido, ainda que a<br />
partir <strong>de</strong>sta se elabore a proposta <strong>de</strong> "um <strong>de</strong>senvolvimento da organização sexual" ou <strong>de</strong> um<br />
"<strong>de</strong>senvolvimento psicossexual". Pensamos que essa confusão po<strong>de</strong> ter se originado, a partir<br />
do trabalho <strong>de</strong> Abraham, que pega a ultima reformulação <strong>de</strong> Freud (1923) 18 e publica o<br />
clássico trabalho Teoria psicanalítica da libido (1924) 19 , em que faz sua leitura e organiza o<br />
trabalho <strong>de</strong> Freud <strong>de</strong> maneira equivocada, <strong>com</strong>o se ele tivesse feito <strong>uma</strong> organização<br />
cronológica.<br />
Freud <strong>de</strong>screve a libido <strong>com</strong>o a manifestação da pulsão sexual no psiquismo e a<br />
consi<strong>de</strong>ra <strong>com</strong>o sua dimensão fundamental. A libido tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ligar-se aos objetos,<br />
15 FREUD, Op.cit., AE, vol. I, p. 364; ESB, vol. I, p. 369.<br />
16 LACAN, Jacques, O Seminário. Livro 7: A ética da psicanálise (1959-1960), Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />
Zahar, 1988, p. 69.<br />
17 LACAN, Jacques, O Seminário, Livro 4, A relação <strong>de</strong> objeto (1956-1957), Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar,<br />
1995, p. 13 (apud CIRINO, op.cit., p. 105)<br />
18 FREUD, Sigmund (1923), "A organização genital infantil: <strong>uma</strong> interpolação na <strong>teoria</strong> da sexualida<strong>de</strong><br />
infantil", in: ESB, vol. XIX; AE, vol. XIX<br />
19 ABRAHAM, Karl, Teoria psicanalítica da libido: sobre o caráter e o <strong>de</strong>senvolvimento da libido<br />
(1924), Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago Editora, 1970<br />
Excluído:<br />
Excluído: Esb<br />
Excluído: (1959-1960)<br />
Excluído: .<br />
Excluído: a<br />
Excluído: .<br />
Excluído: IV<br />
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Excluído: o.c.<br />
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Excluído: __________________<br />
_____________________<br />
Excluído: publicou<br />
Excluído: “t<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: que é clássico on<strong>de</strong> ele
po<strong>de</strong>ndo ter seus investimentos modificados, ao trocar <strong>de</strong> objeto (auto-erótico, narcísico,<br />
homossexual, heterossexual) e <strong>de</strong> objetivo (sexual ou não sexual, <strong>com</strong>o a sublimação).<br />
A libido também tem várias fontes <strong>de</strong> excitação em todo processo funcional do corpo e<br />
intensifica-se em certas zonas erógenas: oral, anal, uretro-genital. Muito pelo contrário, Freud<br />
não formula nenhum pensamento maturacionista; po<strong>de</strong>mos verificar que Freud operou um<br />
corte, quando ele liga a sua <strong>teoria</strong> da sexualida<strong>de</strong> infantil a <strong>uma</strong> organização genital. Ao<br />
escrever os Três ensaios sobre a <strong>teoria</strong> da sexualida<strong>de</strong> (1905), Freud afirma que a questão da<br />
sexualida<strong>de</strong> no seu conjunto está colocada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início no campo da sexualida<strong>de</strong> infantil 20 .<br />
Assim, quando escreve A organização genital infantil (1923) 21 , muito <strong>de</strong>pois ter escrito os<br />
Três ensaios, ele coloca também no campo da sexualida<strong>de</strong> infantil a questão da genitalida<strong>de</strong> e<br />
das escolhas amorosas baseadas no registro genital. Fazendo isso, ele corta, <strong>com</strong>o diz Luciano<br />
Elia, qualquer possibilida<strong>de</strong> “<strong>de</strong> <strong>uma</strong> posterior genitalização adulta, isto é, não-infantil, não<br />
baseada na <strong>teoria</strong> e na ética da psicanálise, que se diferencia <strong>de</strong> <strong>uma</strong> <strong>teoria</strong> e <strong>de</strong> <strong>uma</strong> moral<br />
sexual vigentes, na qual haveria <strong>com</strong>plementarida<strong>de</strong> genital (relação sexual) no plano do<br />
inconsciente” 22 . O que Freud diz é que a sexualida<strong>de</strong> infantil tal que ela é entendida pela<br />
psicanálise não é <strong>uma</strong> etapa infantil que precisa se <strong>de</strong>senvolver até a fase adulta. Para Freud, a<br />
sexualida<strong>de</strong> infantil é <strong>de</strong>terminada pelo primado do falo <strong>com</strong>o significante da organização<br />
inconsciente que, por sua própria estrutura significante, registra, marca a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> dupla inscrição dos dois orgãos <strong>de</strong>finindo assim a impossibilida<strong>de</strong> da relação sexual.<br />
Desse modo o primado do falo na sexualida<strong>de</strong> infantil <strong>de</strong>termina a condição simbólica <strong>de</strong> toda<br />
inscrição através do recalcamento no inconsciente. Dessa forma o falo ancora o início do<br />
percurso do sujeito. Mas <strong>com</strong>o o primado do falo não dará lugar a nenhum outro lugar, o<br />
sujeito <strong>de</strong>verá ir além do falo.<br />
15<br />
É importante frisar que é só no modo imaginário que o falo faz consistir o simbólico.<br />
Porque o que o primado do falo é que o simbólico é inconsistente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. A posição<br />
fálica é o lugar da castração e a posição genital tem que fazer um a menos, <strong>uma</strong> subjetivação.<br />
Retomando a importância que Freud confere à estrutura, notamos que, em 1930, ele se<br />
interessa não mais ao transcorrer <strong>de</strong> cada fase, mas sim a sua formatação; sendo assim, vemos<br />
que seu interesse concerne àquilo que persiste e que constitui a estrutura, estrutura<br />
20<br />
FREUD, Sigmund (1905), Três ensaios sobre a <strong>teoria</strong> da sexualida<strong>de</strong>, in: ESB, vol. VII; AE, vol. VII.<br />
21<br />
FREUD, Sigmund (1923), "A organização genital infantil: <strong>uma</strong> interpolação na <strong>teoria</strong> da sexualida<strong>de</strong><br />
infantil", in: ESB, vol. XIX; AE, vol. XIX.<br />
22<br />
ELIA, Luciano. Corpo e sexualida<strong>de</strong> em Freud e Lacan, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Uapê, 1995, p. 91<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: , a partir da precisão<br />
Inserido: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: do trabalho do<br />
Luciano Elia,<br />
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Excluído: (interpolado)<br />
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Excluído: .<br />
Excluído: Verificar que o<br />
Excluído: Freud,<br />
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Excluído: três<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: inicio<br />
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Excluído: assim<br />
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Excluído: após<br />
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Excluído: sobre a <strong>teoria</strong> da<br />
sexualida<strong>de</strong><br />
Excluído: ,<br />
Excluído: E<br />
Excluído: n<br />
Excluído: assim<br />
Excluído: Po<strong>de</strong>mos ler, em 1930,<br />
a impor<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: para nós<br />
Excluído: aquilo<br />
Excluído: – digamos
permanente que se mantém <strong>de</strong> <strong>uma</strong> fase para outra, ocupando um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong>finitivo na<br />
economia libidinal:<br />
16<br />
Nossa atitu<strong>de</strong> para <strong>com</strong> as fases da organização da libido modificou-se um pouco, <strong>de</strong><br />
modo geral. Ao passo que, anteriormente, enfatizávamos principalmente a forma <strong>com</strong>o cada<br />
fase transcorria antes da fase seguinte, nossa atenção, agora, dirige-se aos fatos que nos<br />
mostram quanto <strong>de</strong> cada fase anterior persiste junto a configurações subseqüentes, e <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong>las, se obtém <strong>uma</strong> representação permanente na economia libidinal e no caráter da pessoa 23 .<br />
Devemos <strong>de</strong>stacar, <strong>com</strong> a ajuda <strong>de</strong> Lacan, <strong>uma</strong> formulação teórica que Freud produz em<br />
torno da estrutura e do <strong>espaço</strong> na economia libidinal e que produz um corte em relação a <strong>uma</strong><br />
concepção evolucionista. Lacan sustenta que as "fases" ou "etapas", teorizadas por Freud, não<br />
são elementos observáveis e que teriam um <strong>de</strong>senrolar natural do ponto <strong>de</strong> vista biológico,<br />
mas que são estruturas atemporais, que "são or<strong>de</strong>nadas na retroação do Édipo" 24 ,<br />
confirmando, assim, que “as fases” ou “etapas” se <strong>de</strong>finem a partir do simbólico. Melhor<br />
dizendo, é porque somos sujeitos na linguagem que, na retroação <strong>de</strong> Édipo, passamos por <strong>uma</strong><br />
experiência que reor<strong>de</strong>na nosso lugar.<br />
Vê-se que Lacan introduz <strong>uma</strong> perspectiva que ajuda a <strong>de</strong>sfazer a leitura cronológica e<br />
evolutiva, que atrela os avanços teóricos <strong>de</strong> Freud a <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>nação lógica – auto-erotismo,<br />
constituição do eu, <strong>com</strong>plexo <strong>de</strong> Édipo e dissolução do <strong>com</strong>plexo. Tal or<strong>de</strong>nação lógica,<br />
constituída por estruturas atemporais, está inserida no simbólico, que se constitui a partir do<br />
campo do Outro. Na verda<strong>de</strong>, o Outro é o simbólico que opera um or<strong>de</strong>namento do corpo.<br />
O que Lacan quer enfatizar é que há estrutura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, porque o simbólico já está<br />
lá. Em sua leitura do Projeto para <strong>uma</strong> psicologia científica <strong>de</strong> Freud (1895), a necessida<strong>de</strong> da<br />
ação específica <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pessoa experiente para que o infans possa viver <strong>uma</strong> experiência <strong>de</strong><br />
satisfação, conforme a formulação <strong>de</strong> Freud, é a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Outro que garanta o<br />
simbólico. Para Freud, o <strong>de</strong>samparo primordial no qual se encontra o bebê “é a fonte<br />
originária <strong>de</strong> todos motivos morais" 25 . Ao falar da experiência <strong>de</strong> satisfação, Freud sublinha<br />
que ela é constituinte do aparelho psíquico. Lacan ressalta que é a partir do encontro da<br />
23<br />
FREUD, Sigmund, “Angústia e vida instintual"(1933),in: ESB, vol. XXII, p. 85, AE, vol.XXII, p. 92.<br />
24<br />
LACAN, Jacques, “Uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose” (1957-1958),<br />
Escritos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Zahar, 1998, p. 561.<br />
25<br />
FREUD, Sigmund, “Projeto para <strong>uma</strong> psicologia científica” (1895), in: ESB, vol. I, p. 369; AE, vol. I,<br />
p. 363.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: .<br />
Excluído: ; ESB, vol. XXII, p. 85<br />
Excluído: ; Esb, vol. I, p. 369<br />
Excluído: .<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: faz a partir<br />
Excluído: sublinha<br />
Excluído: ,
elação <strong>com</strong> esse Outro que se inscrevem as primeiras marcas constituintes do aparelho<br />
psíquico. Esse Outro é o Outro da linguagem. Assim <strong>com</strong>o nos faz notar Jorge, <strong>de</strong>vemos a<br />
Lacan ter <strong>de</strong>stacado “um segmento nuclear na obra <strong>de</strong> Freud, indicando já no título do escrito<br />
que, segundo ele próprio afirma, inaugura seu ensino, Função e campo da fala e da linguagem<br />
em psicanálise (1953)” 26 . Será a partir disso que Lacan irá formalizar: “o inconsciente é<br />
estruturado <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> linguagem. Assim, <strong>de</strong>vemos, graças a essa fórmula, um retorno da<br />
psicanálise “para seu campo específico – o da linguagem –, do qual precisamente os analistas<br />
pós-freudianos haviam se afastado” 27 .<br />
17<br />
Por essa razão, Lacan afirma que a constituição do sujeito não é um processo evolutivo,<br />
mas sim estrutural, <strong>uma</strong> vez que não se trata <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento condicionado a <strong>uma</strong><br />
genética, mas sim ligado ao Outro, <strong>com</strong>o função que garante o simbólico e constitui a<br />
estrutura. Enfatizando o enfoque <strong>de</strong> Lacan, não há processo evolutivo para se chegar à<br />
condição adulta – já que a presença do simbólico prece<strong>de</strong> o sujeito, <strong>de</strong>finindo assim a<br />
estrutura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre. Vejamos <strong>com</strong>o Lacan <strong>de</strong>screve o ‘‘estádio do espelho’’, <strong>uma</strong> vez que<br />
sua teorização aponta para a importância do simbólico e sua constituição a partir do campo do<br />
Outro.<br />
Propomos partir do estudo <strong>de</strong> Bertrand Ogilvie para situar historica e teoricamente<br />
<strong>com</strong>o Lacan elabora o “estádio do espelho” a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> experiência <strong>de</strong> psicologia<br />
realizada por Henri Wallon em 1931. Em tal experiência, <strong>uma</strong> criança <strong>de</strong> seis meses e um<br />
chimpanzé da mesma ida<strong>de</strong> são colocados diante <strong>de</strong> um espelho. A criança, diferentemente do<br />
macaco, ao reconhecer sua imagem no espelho, é tomada <strong>de</strong> júbilo. Henri Wallon escreve<br />
então um artigo que se intitula “Como se <strong>de</strong>senvolve na criança a noção <strong>de</strong> corpo próprio”.<br />
Henri Wallon aborda a experiência a partir da psicologia, e um dos principais pontos <strong>de</strong>ssa<br />
experiência é <strong>de</strong>scobrir, passo a passo, <strong>com</strong>o a criança vai dar conta <strong>de</strong> superar suas<br />
<strong>de</strong>ficiências e <strong>com</strong>o ela consegue realizar <strong>uma</strong> relação adulta normal <strong>com</strong> sua realida<strong>de</strong>. Ou<br />
seja, Wallon pesquisa <strong>de</strong> que maneira a criança consegue reconhecer, <strong>com</strong> seu aspecto<br />
exteroceptivo, o que lhe está sendo traduzido, <strong>de</strong> maneira mais evi<strong>de</strong>nte e mais <strong>com</strong>pleta, pelo<br />
espelho.<br />
No caso do espelho, trata-se para a criança <strong>de</strong> “conseguir unificar o seu eu no <strong>espaço</strong>”;<br />
“a noção <strong>de</strong> corpo próprio é um caso particular da psicogênese, mas à época <strong>de</strong> sua formação<br />
65.<br />
26 JORGE, Marco Antônio Coutinho (2002). Fundamentos da psicanálise. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, p.<br />
27 Op.cit., p. 65.<br />
Excluído: I<strong>de</strong>m<br />
Excluído: à<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: por<br />
Inserido: por<br />
Excluído: Campo<br />
Excluído: h<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: mente<br />
Excluído: Henri
ela se adianta aos <strong>de</strong>mais, pois não há nenhum outro que seja, <strong>com</strong>o ela, mais indispensável<br />
aos progressos ulteriores da consciência. Ela ce<strong>de</strong> o primeiro plano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter, por sua<br />
parte, tornado possíveis outras operações” 28 .<br />
18<br />
Lacan retoma essa experiência n<strong>uma</strong> perspectiva que é outra, que não é <strong>uma</strong><br />
apropriação positiva, ou <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tomada <strong>de</strong> consciência, através <strong>de</strong> um reflexo apropriado. A<br />
formulação <strong>de</strong> Lacan é radicalmente diferente, trata <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> coisa que se constitui no<br />
sujeito apesar <strong>de</strong>le, não se trata <strong>de</strong> aprendizagem. O que interessa para Lacan é o fato <strong>de</strong> que a<br />
criança, diferentemente do chimpanzé, se interessa pela sua imagem. Não é o que a criança<br />
faz, não lhe interessa classificar as atitu<strong>de</strong>s da criança diante <strong>de</strong> sua imagem no espelho, mas<br />
lhe importa muito, <strong>com</strong>o psicanalista, o fato <strong>de</strong> que ela o faça. Não é o <strong>com</strong>portamento da<br />
criança que lhe interesse, mas sim o próprio ato <strong>de</strong> fazer.<br />
Porque esta ativida<strong>de</strong> tem o sentido <strong>de</strong> <strong>uma</strong> busca <strong>de</strong> si, o que significa que há um<br />
<strong>de</strong>sconhecimento estrutural no próprio sujeito. O fascínio da criança pela sua própria imagem,<br />
ou melhor, a ativida<strong>de</strong> da criança <strong>de</strong> se interessar mostra, para Lacan, que o sujeito não é<br />
anterior a este mundo das formas que o fascinam, mas que ele se faz, se constitui antes <strong>de</strong><br />
mais nada por elas e nelas. Assim, Lacan <strong>de</strong>screve o estádio do espelho <strong>com</strong>o um momento<br />
entre seis e <strong>de</strong>zoito meses, no qual a criança vê a sua imagem no espelho e se vira para o<br />
adulto que o carrega para obter seu assentimento, o assentimento <strong>de</strong> que aquela é a sua<br />
imagem.<br />
Trata-se então <strong>de</strong> um momento em que o infans (aquele que ainda não fala) prefigura<br />
<strong>uma</strong> totalida<strong>de</strong> corporal, a partir do que ele vê da sua própria imagem no espelho, e do<br />
reconhecimento do Outro. Por isso, esse momento é inaugural da constituição do eu. Tudo se<br />
passa da seguinte maneira: o infans, ao reconhecer sua própria imagem <strong>com</strong>o um todo, <strong>com</strong><br />
um contorno nítido no espelho, obtém subitamente a vivência <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, marcando a<br />
passagem da sensação <strong>de</strong> um corpo espedaçado, no qual não havia diferenciação entre seu<br />
corpo e o da sua mãe, para a do corpo próprio. Trata-se <strong>de</strong> um processo no qual o infans se<br />
i<strong>de</strong>ntifica <strong>com</strong> sua imagem especular, mais especificamente <strong>com</strong> sua gestalt visual do corpo.<br />
Esse processo <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia “um ciúme primordial” em relação a sua imagem, <strong>uma</strong> vez que a<br />
ameaça <strong>de</strong> fragmentação é redobrada diante da <strong>com</strong>pletu<strong>de</strong> da mesma. Será então para<br />
resolver essa tensão agressiva que o sujeito vai se i<strong>de</strong>ntificar, jubilosamente, <strong>com</strong> a imagem.<br />
28 . WALLON Henry, "Comment se développe la notion <strong>de</strong> corps propre chez l'enfant", Journal <strong>de</strong><br />
Psychologie, nov.-<strong>de</strong>z. 1931, t. XXVIII, p. 705-748, citado por Bertrand OGILVIE, Lacan , a formação do<br />
conceito <strong>de</strong> sujeito, 1932-1949, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar, 1988, p. 107.<br />
Excluído: Journal <strong>de</strong><br />
Psychologie, nov.-<strong>de</strong>z. 1931, t.<br />
XXVIII, p. 705-748<br />
Excluído: e<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: um momento
Essa i<strong>de</strong>ntificação primária <strong>com</strong> o semelhante é o que constitui a função do eu. Lacan marca<br />
que a prematuração fisiológica na qual se encontra o infans, sua <strong>de</strong>pendência ao campo do<br />
Outro, vai fazer <strong>com</strong> que ele seja precipitado da insuficiência para antecipação, originando o<br />
domínio imaginário do corpo. Em outras palavras:<br />
19<br />
O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para<br />
a antecipação – e que fabrica para o sujeito, apanhado no engodo da i<strong>de</strong>ntificação especial as<br />
fantasias que se suce<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>uma</strong> imagem <strong>de</strong>spedaçada do corpo até <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong> sua<br />
totalida<strong>de</strong> que chamaremos <strong>de</strong> ortopédica – e para a armadura enfim assumida <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> alienante, que marcará <strong>com</strong> sua estrutura rígida todo o seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />
mental 29 .<br />
Lacan sublinha que, para que o infans se i<strong>de</strong>ntifique <strong>com</strong> a imagem, é preciso a<br />
confirmação do Outro, para o qual a criança se vira em busca <strong>de</strong> um olhar que testemunhe,<br />
confirmando o reconhecimento da imagem. Diz ele:<br />
É que o Outro em que o discurso se situa, sempre latente na triangulação que consagra<br />
essa distância, não o é a tal ponto que não se exponha até mesmo na relação especular em seu<br />
momento mais puro: no gesto pelo qual a criança,diante do espelho, voltando-se para aquele<br />
que a segura, apela <strong>com</strong> o olhar para o testemunho que <strong>de</strong>canta, por confirmá-lo, o<br />
reconhecimento da imagem, da assunção jubilatória em que, por certo, ela já estava 30 .<br />
Para Lacan, o estádio do espelho tem um sentido estrutural, e não evolutivo ou<br />
histórico. Diz respeito a <strong>uma</strong> construção lógica, que ilustra o caráter conflitivo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> relação<br />
dual, imaginária, que só po<strong>de</strong> ocorrer <strong>com</strong>o tal porque já havia a presença <strong>de</strong> um terceiro que,<br />
por sua vez, possibilita o reconhecimento da imagem. Vale ressaltar, mais <strong>uma</strong> vez, que há<br />
um or<strong>de</strong>namento simbólico do corpo, que se faz a partir do Outro.<br />
Observamos que, até mesmo no “estádio do espelho”, <strong>teoria</strong> que Lacan elabora sobre a<br />
formação do “eu” e que especifica o caráter imaginário da função do “eu”, ele insistirá na<br />
29<br />
LACAN, Jacques, "O estádio do espelho <strong>com</strong>o formador da função do eu", in: Escritos, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro:Jorge Zahar, 1998, p. 100.<br />
30<br />
LACAN, Jacques, "Observação sobre o relatório <strong>de</strong> Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da<br />
personalida<strong>de</strong>", in: Escritos, Rio <strong>de</strong> Janeiro:Jorge Zahar, 1998, p. 685.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
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Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: ,
presença do simbólico <strong>com</strong>o matriz subjetiva da día<strong>de</strong> infans e imagem. Trata-se <strong>de</strong> marcar a<br />
20<br />
primazia do simbólico <strong>com</strong>o condição <strong>de</strong> emergência do sujeito.<br />
Lacan recorre à metáfora do olhar para enfatizar a presença do Outro <strong>com</strong>o necessária<br />
para a emergência do sujeito, do je. De fato, não se trata apenas <strong>de</strong> que um adulto olha para o<br />
infans, mas que ele lhe dirige a palavra, o nomeia a partir da linguagem, confirmando por ela<br />
sua imagem.<br />
Constatamos <strong>com</strong>o é imprescindível que o Outro se dirija ao infans, inscrevendo-o em<br />
um lugar simbólico: “essa é sua imagem” é a metáfora para dizer que há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
Outro externo que se dirige a ele a partir da linguagem. É <strong>com</strong> seus significantes que ele<br />
recobre o infans e esse passa a existir na linguagem. O infans nasce então <strong>de</strong>sse lugar na<br />
linguagem, <strong>com</strong>o veremos no próximo capítulo.<br />
É a partir da casa vazia no Outro, do furo na linguagem, que ele emerge, ou seja, é se<br />
i<strong>de</strong>ntificando <strong>com</strong> o que a mãe não tem. E <strong>de</strong>sse ponto cego o sujeito po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>duzido da<br />
estrutura.<br />
Po<strong>de</strong>mos afirmar que a primazia do simbólico marca sua presença <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início,<br />
remetendo a <strong>uma</strong> lógica da estrutura, e não do <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Estrutura e sujeito<br />
Percorremos um caminho que procurou <strong>de</strong>stacar alg<strong>uma</strong>s contribuições <strong>de</strong> Lacan,<br />
importantes para nosso estudo, a saber: a presença do simbólico é imprescindível para que<br />
advenha um sujeito, marcando-se aí o papel da linguagem, bem <strong>com</strong>o sua condição <strong>de</strong> furo na<br />
linguagem. Vejamos agora, mais <strong>de</strong>talhadamente, em que consiste a estrutura, realizando um<br />
percurso do simbólico ao real para mostrar a constituição do furo e, portanto, também do<br />
sujeito.<br />
Assim, por isso, neste capítulo nos concentraremos mais no real <strong>com</strong>o furo excluído, e<br />
trataremos do real <strong>com</strong>o resíduo, objeto a, no capítulo 3.<br />
Seguiremos agora as valiosas indicações <strong>de</strong> G. Deleuze 31 , que relata que a lógica da<br />
estrutura, concebida por Lacan, tomou <strong>com</strong>o fonte os trabalhos <strong>de</strong> Saussure e seu Curso <strong>de</strong><br />
lingüística geral e <strong>de</strong> Jakobson, <strong>com</strong> seu binarismo, que se tornaram mais funcionais a partir<br />
31 DELEUZE, Gilles, “A quoi reconnaît-on le structuralisme”, in CHATELET François (dir.), Histoire <strong>de</strong><br />
la philosophie, vol. 8, Le XXème siècle. 1973, pp. 299-335.<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: este<br />
Excluído:<br />
Excluído: o<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: 1.2.<br />
Excluído: objeto a
<strong>de</strong> Lévi-Strauss, o qual or<strong>de</strong>nou todo esse material. Lacan extrai <strong>de</strong> Saussure, Jakobson e<br />
Lévi-Strauss a sua própria concepção. É em um contexto <strong>de</strong> relações tensas entre o real e o<br />
imaginário que Lacan <strong>de</strong>scobre um terceiro termo, o simbólico, ou o pai simbólico, ou ainda,<br />
nome do pai, possibilitando, assim, a diferenciação entre o simbólico, o imaginário e o real.<br />
Para formular a noção <strong>de</strong> simbólico, parte da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações que se sustenta pela diferença, e<br />
não pela substância das coisas.<br />
Po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rar que os elementos simbólicos não têm <strong>de</strong>signação intrínseca, nem<br />
significação intrínseca, se especificando somente pela sua posição. Ou seja, toda estrutura<br />
apresenta dois aspectos: por um lado, um sistema <strong>de</strong> relações diferencial a partir do qual os<br />
elementos simbólicos se <strong>de</strong>terminam reciprocamente; e, por outro, um sistema <strong>de</strong><br />
singularida<strong>de</strong>, correspon<strong>de</strong>ndo às relações que <strong>de</strong>senham o <strong>espaço</strong> da estrutura.<br />
21<br />
Na perspectiva estruturalista, são os elementos simbólicos e suas relações que<br />
<strong>de</strong>terminam a natureza dos seres e objetos, enquanto as singularida<strong>de</strong>s formam <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />
lugares que <strong>de</strong>terminam, simultaneamente, os papéis e atitu<strong>de</strong>s dos seres enquanto eles os<br />
ocuparem. Assim, as singularida<strong>de</strong>s correspon<strong>de</strong>m aos elementos simbólicos e suas relações,<br />
mas sem se parecer <strong>com</strong> eles, simbolizando-os.<br />
As singularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>rivam das relações dos elementos simbólicos, <strong>uma</strong> vez que<br />
qualquer <strong>de</strong>terminação diferencial leva à repartição dos pontos singulares.<br />
Ainda segundo Deleuze, isso terá <strong>com</strong>o conseqüência os termos real e imaginário; suas<br />
relações e perturbações se constituem a partir do simbólico. Para Lacan e outros<br />
estruturalistas, o que está no <strong>com</strong>eço <strong>de</strong> <strong>uma</strong> gênese é o simbólico <strong>com</strong>o estrutura. A partir<br />
<strong>de</strong>ssa perspectiva, a or<strong>de</strong>m simbólicaprece<strong>de</strong> o real e o imaginário, e não po<strong>de</strong> ser reduzida a<br />
eles.<br />
O real se constitui por <strong>uma</strong> incessante tentativa <strong>de</strong> fazer um, enquanto o imaginário<br />
funciona em espelho, <strong>de</strong>sdobrando-se em um jogo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação. Já o que parece<br />
fundamental no simbólico não é apenas o terceiro para além do real e do imaginário, mas há<br />
estruturalmente um simbólico a ser buscado no próprio simbólico.<br />
Segundo Deleuze, o real se constitui por <strong>uma</strong> incessante tentativa <strong>de</strong> fazer um;<br />
analisamos que se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> tentativa incessante justamente porque ele não consegue fazer<br />
um, é <strong>uma</strong> tentativa que não consiste, <strong>uma</strong> vez que o real não constitui borda. Em relação ao<br />
funcionamento do imaginário, diríamos que o jogo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação produz a ilusão <strong>de</strong> fazer<br />
unida<strong>de</strong>; quanto ao simbólico nos interessa a insistência <strong>de</strong> Deleuze em buscar um simbólico<br />
Excluído: Levi<br />
Excluído: que<br />
Excluído: Levi<br />
Excluído: .<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: não po<strong>de</strong> ser reduzida<br />
ao real, nem ao imaginário<br />
Excluído: sendo mais profunda<br />
que os dois<br />
Excluído: Gostaríamos <strong>de</strong><br />
<strong>com</strong>entar essa leitura que Deleuze<br />
faz a partir do que lemos <strong>de</strong> Lacan.<br />
Excluído: faz
no próprio simbólico, isso nos remete ao fato <strong>de</strong> que o simbólico não é <strong>uma</strong> entida<strong>de</strong> e, por<br />
estrutura, é <strong>uma</strong> <strong>com</strong>binatória.<br />
22<br />
Vamos agora nos remeter ao texto <strong>de</strong> J.-A. Miller, “S’truc dur” 32 , no qual estão postos<br />
aspectos que ele consi<strong>de</strong>ra fundamentais para enten<strong>de</strong>r a hipótese estruturalista <strong>de</strong> Lacan.<br />
Temos então <strong>com</strong>o ponto imprescindível o fato <strong>de</strong> que não sabemos em que consiste esse<br />
elemento simbólico, apenas conhecemos sua estrutura. Não conhecemos sua essência, porque<br />
não há substância. A estrutura não é constituída por elementos que têm forma, significação ou<br />
conteúdo, mas apenas por <strong>uma</strong> <strong>com</strong>binatória. O simbólico é, portanto, <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m sem<br />
substância, que consiste em <strong>uma</strong> Lei "que dispõe as relações entre seus elementos" 33 .<br />
Assim, ainda segundo Miller, se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir da hipótese estruturalista a diferenciação<br />
entre o simbólico, o imaginário e o real. Lacan vai chamar essa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações que se<br />
sustenta minimamente <strong>de</strong> simbólico; a or<strong>de</strong>m simbólica é <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m fundada no binarismo<br />
jacobsoniano não substancialista, que consiste em <strong>uma</strong> oposição simbólica mínima entre dois<br />
termos. Ao longo <strong>de</strong> seu percurso, trabalha <strong>com</strong> essa estrutura binária até formular, em seus<br />
últimos esquemas, S1 – S2, que mostra que um significante é, no mínimo, dois, <strong>uma</strong> vez que<br />
“um significante representa o sujeito para outro significante” 34 .<br />
“O registro do significante institui-se pelo fato <strong>de</strong> um significante representar um sujeito<br />
para outro significante” 35 . Isso tem por conseqüência que as representações ficam do lado <strong>de</strong><br />
fora. As representações que as pessoas fazem a partir <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações são o imaginário.<br />
As representações ficam fora do simbólico e da lei simbólica, pois não é possível <strong>de</strong>fini-las ao<br />
nível do significado. A dimensão <strong>de</strong> representação que po<strong>de</strong>mos ter a partir <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
relações é o imaginário.<br />
Para Miller, a escolha inicial do ensino <strong>de</strong> Lacan é a pergunta <strong>de</strong> que or<strong>de</strong>m é o<br />
inconsciente freudiano, se ele é da or<strong>de</strong>m imaginária ou da lei simbólica. A partir <strong>de</strong>ssa<br />
interrogação, constitui a noção <strong>de</strong> real, que não se reduz nem à lei simbólica nem à<br />
representação. A princípio, ele formula o real <strong>com</strong>o um termo excluído, mas mudará essa<br />
formulação, <strong>de</strong>pois irá entendê-lo, ao contrário, <strong>com</strong>o um termo residual, um elemento cuja<br />
natureza é <strong>com</strong>pletamente diferente dos elementos simbólicos. Assim, ele vai paradoxalmente<br />
32<br />
MILLER, Jacques Alain, "S'truc Dure", Matemas II, Buenos Aires, Manantial, 1989, p. 96 (original:<br />
“S'truc Dure”, Pas tant, 1985, pp. 4-11).<br />
33<br />
Op.cit., p. 94.<br />
34<br />
LACAN, Jacques (1960), "Posição do inconsciente (no congresso <strong>de</strong> Bonneval)", in: Escritos, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 854.<br />
35 LACAN, ibid, p. 854.<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: O.c<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: Jacques(1960).<br />
Posição do inconsciente no<br />
congresso <strong>de</strong> Bonneval. In.<br />
Escritos. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge<br />
Zahar, 1998,<br />
Excluído: do<br />
Excluído: '<br />
Excluído: Dur<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ;<br />
Excluído:<br />
Excluído: é<br />
Excluído: ele<br />
Excluído: ele
i<strong>de</strong>ntificar o real <strong>com</strong>o um elemento <strong>de</strong> presença que falta estruturalmente na or<strong>de</strong>m<br />
simbólica.<br />
23<br />
Ele <strong>de</strong>fine o real <strong>com</strong>o resíduo, <strong>com</strong>o objeto a; objeto que dá notícia da essência do<br />
sujeito, mas que, ao mesmo tempo, faz furo <strong>com</strong>o resto, <strong>com</strong>o o que não se encaixa, o que não<br />
é simbolizável. Ou seja, trata-se, paradoxalmente, <strong>de</strong> um elemento <strong>de</strong> presença que falta<br />
estruturalmente, porque não é simbolizável, e assim faz <strong>com</strong> que haja, na estrutura, um furo.<br />
“Digamos que esse elemento <strong>de</strong> presença que falta estruturalmente na or<strong>de</strong>m simbólica é o<br />
que ele i<strong>de</strong>ntificará, será i<strong>de</strong>ntificado, precisamente, <strong>com</strong>o o real 36 .”<br />
Como já dissemos, neste capítulo trataremos do real <strong>com</strong>o excluído e trataremos do real<br />
<strong>com</strong>o resíduo no capítulo 3. Nos parece importante ressaltar que o que se constitui <strong>com</strong>o furo<br />
na estrutura possibilita a emergência do sujeito.<br />
Assim, para Miller, Lacan, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, ao <strong>de</strong>finir o real <strong>com</strong>o elemento <strong>de</strong> presença,<br />
faz um corte na hipótese estruturalista <strong>de</strong> Levi-Strauss, abrindo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a<br />
questão da emergência do sujeito na estrutura. Devemos frisar que, para haver sujeito, a noção<br />
<strong>de</strong> furo é fundamental. Partindo da noção saussureana <strong>de</strong> que, na linguagem, só há diferenças,<br />
Lacan toma a estrutura <strong>com</strong>o linguagem. Ou seja, a constituição estrutural implica leis que<br />
<strong>de</strong>terminam um vazio, um inconsciente não substancial. Escreve o sujeito <strong>com</strong>o $, apontando<br />
esse vazio.<br />
Lacan toma, da hipótese estruturalista, a idéia <strong>de</strong> que, na linguagem, não há mais que<br />
diferenças e enfatiza <strong>uma</strong> lógica <strong>de</strong> relação na qual um remete ao outro, portanto, inserido em<br />
<strong>uma</strong> ca<strong>de</strong>ia. É <strong>com</strong> o raciocínio calcado na noção <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>ia que Lacan estabelece <strong>uma</strong> ruptura<br />
<strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> estruturalista <strong>de</strong> Saussure, Jakobson e Levi-Strauss, quando formula: “um<br />
significante representa o sujeito para outro significante" 37 . De fato, do ponto <strong>de</strong> vista dos<br />
estruturalistas, a estrutura é in<strong>com</strong>patível <strong>com</strong> a noção <strong>de</strong> sujeito. Levi-Strauss, por exemplo,<br />
consi<strong>de</strong>ra que há <strong>uma</strong> in<strong>com</strong>patibilida<strong>de</strong> radical entre o estruturalismo e o sujeito, <strong>uma</strong> vez<br />
que este é i<strong>de</strong>ntificado à consciência.<br />
Seguiremos agora <strong>com</strong> o estudo muito precioso <strong>de</strong> Bruce Fink 38 para abordar a noção <strong>de</strong><br />
estrutura e sujeito. Na perspectiva do corte efetivado por Lacan no estruturalismo, po<strong>de</strong>mos<br />
afirmar que o sujeito lacaniano não é um indivíduo. Não é o sujeito pensante consciente a que<br />
36 MILLER, op.cit., p. 94.<br />
37 LACAN Jacques, "Posição do inconsciente", in: op.cit, p. 840<br />
38 FINK, Bruce, O sujeito lacaniano, Rio <strong>de</strong> janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 57.<br />
Excluído: Jacques Alain, “S’<br />
Excluído: Dure<br />
Excluído: (original: “<br />
Inserido: ’<br />
Excluído: '<br />
Excluído: truc<br />
Excluído:<br />
Excluído: dure, Matemas II”,<br />
Buenos Aires, Manantial, 1989,<br />
Inserido:<br />
Excluído: S'truc<br />
Excluído: S’truc<br />
Excluído: Dure<br />
Inserido: dure<br />
Inserido: S’truc<br />
Excluído: dure”, Pas tant,<br />
Inserido: dure<br />
Excluído:<br />
Excluído: 1985, p.96<br />
Excluído: )<br />
Inserido:<br />
Excluído: Position <strong>de</strong> l<br />
`Inconscien<br />
Excluído: t<br />
Excluído: :Ecrits,<br />
Excluído: oc.<br />
Excluído: 0…<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: noticia<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: prescisamente<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: Lacan realiza<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: Sujeito<br />
Excluído: , po<strong>de</strong>mos afirmar que<br />
o sujeito lacaniano
se refere a maioria da filosofia analítica, nem é o sujeito pensante, confundido <strong>com</strong> o eu,<br />
<strong>com</strong>o enten<strong>de</strong> a escola <strong>de</strong> psicologia do ego.<br />
24<br />
O eu para Lacan é a consolidação <strong>de</strong> imagem, idéias que equivalem a um objeto fixo e<br />
reificado <strong>com</strong> o qual a criança vai apren<strong>de</strong>r a i<strong>de</strong>ntificar-se. Como já vimos, essas imagens<br />
que a criança vê <strong>de</strong> si mesma no espelho são i<strong>de</strong>alizadas, porque naquele momento lógico<br />
subjetivo da criança, ela ainda não possui coor<strong>de</strong>nação motora e a imagem no espelho lhe dá a<br />
sensação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> imagem unificada.<br />
A imagem do espelho apresenta, nesse momento, <strong>uma</strong> aparência superficial unificada<br />
semelhante àquela imagem dos pais muito mais capazes, coor<strong>de</strong>nados e po<strong>de</strong>rosos 39 .<br />
Tal imagem é internalizada, porque os pais valorizam muito e dizem repetidamente para<br />
a criança que a imagem é ela mesma, ou seja, a internalização da imagem especular é feita a<br />
partir da or<strong>de</strong>m simbólica, <strong>uma</strong> vez que é pelo ato da fala, <strong>de</strong> um posicionamento libidinal por<br />
parte dos pais, que a imagem se torna carregada <strong>de</strong> interesse e forma o eu da criança..<br />
Segundo Jorge 40 , o eu é <strong>de</strong>scrito por Lacan <strong>com</strong>o essencialmente imaginário, mas sua<br />
constituição não po<strong>de</strong> prescindir do reconhecimento simbólico do Outro. A passagem da<br />
sensação <strong>de</strong> um corpo <strong>de</strong>spedaçado, no qual não há diferença para o bebê entre seu corpo e o<br />
da sua mãe, para a vivência do corpo próprio, fará <strong>com</strong> que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, o bebê tenha acesso à<br />
dimensão do recalque das pulsões parciais que não se integrarão a essa imagem totalizante do<br />
eu i<strong>de</strong>al. A partir disso, Jorge sugere que, se Freud situa o contra-investimento <strong>com</strong>o sendo o<br />
que opera no recalque originário, <strong>uma</strong> vez que ele está na origem mesma da constituição do<br />
inconsciente, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir que o eu embrionário do estádio do espelho po<strong>de</strong> ser situado<br />
<strong>com</strong>o a força que opera produzindo esse contra-investimento.<br />
Vê-se então que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, o eu é a se<strong>de</strong> das resistências ao pulsional e ao<br />
<strong>de</strong>sejo e, por isso, a ilusão <strong>de</strong> totalida<strong>de</strong> configurada por ele, estará sempre em confronto <strong>com</strong><br />
a parcialida<strong>de</strong> da pulsão. O eu na sua alienação fundadora se apóia então n<strong>uma</strong> imagem que<br />
não é propriamente sua, que não é ele, mas um outro.<br />
45.<br />
39 Ibid.<br />
40 JORGE, Marco Antônio Coutinho, Fundamentos da psicanálise. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p.<br />
Excluído: (2002)<br />
Excluído: .<br />
Excluído: irá<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído:<br />
Excluído: o bebê cedo,
25<br />
Assim, ainda segundo Jorge 41 , Lacan, em A coisa freudiana ou sentido do retorno a<br />
Freud em psicanálise (1955) 43 , reconhece o eu <strong>com</strong>o a se<strong>de</strong> do “<strong>de</strong>sconhecimento crônico 44 ”,<br />
e isso vai levá-lo a realizar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do seu Seminário a distinção entre o eu e o sujeito.<br />
No entanto, para isso, será necessário que ele faça outra distinção, aquela entre o imaginário e<br />
o simbólico. Nessa distinção, o eu é da or<strong>de</strong>m do imaginário e do sentido, e o sujeito é partido<br />
entre os significantes do simbólico. Desse modo, “a unida<strong>de</strong> obtida no eu não é jamais no<br />
nível do sujeito, pois este é sempre dividido, conflitivo, impossível <strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong> modo<br />
absoluto” 45 .<br />
Devemos agora abordar a partir das indicações <strong>de</strong> Bruce Fink, mais <strong>de</strong>talhadamente a<br />
questão do sujeito: que sujeito é esse? O sujeito lacaniano não é o sujeito que aparece no lugar<br />
do que é dito; referindo-se o eu a <strong>uma</strong> i<strong>de</strong>ntificação à imagem i<strong>de</strong>al específica, consi<strong>de</strong>ramos<br />
que: esse é o sujeito do enunciado, é o sujeito consciente, representado pelo pronome pessoal<br />
eu, mas há também o sujeito da enunciação inconsciente, o que significa dizer que o sujeito é<br />
dividido em dois.<br />
Nesse ponto nos interessou muito o estudo que Bruce Fink faz sobre o trabalho <strong>de</strong><br />
Lacan, a respeito <strong>de</strong> <strong>uma</strong> manifestação específica do sujeito no discurso. No início da década<br />
<strong>de</strong> 1960, Lacan teria tentado em vários momentos ligar o aparecimento do sujeito à palavra<br />
francesa “ne”, que significa não, po<strong>de</strong>ndo ser a meta<strong>de</strong> da expressão francesa “ne pas”, que é<br />
usada em muitas situações sozinha, não para funcionar <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> negação peremptória, mas<br />
para funcionar, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>nominaram Damourette e Pichon, <strong>com</strong>o forma “<strong>de</strong> discordância” 46 .<br />
O “ne” encontrado em <strong>de</strong>terminadas expressões <strong>com</strong>o, por exemplo, “pourvu qu’il ne<br />
soit arrivé”, “craindre qu’il ne vienne”, introduz <strong>uma</strong> certa hesitação, ambigüida<strong>de</strong>, que dá a<br />
impressão <strong>de</strong> que quem está falando está negando o que ele está afirmando. Parece então que<br />
a pessoa que fala <strong>de</strong>seja e ao mesmo tempo não <strong>de</strong>seja o que está falando.<br />
Encontra-se na língua inglesa algo da mesma or<strong>de</strong>m <strong>com</strong> a palavra but, mas não<br />
<strong>de</strong>senvolveremos isso aqui. O que nos parece importante é que essas formas evi<strong>de</strong>nciam que<br />
parece haver um conflito em tais expressões entre um discurso consciente do eu, e um<br />
41 JORGE, op.cit.<br />
43 LACAN Jacques, "A coisa freudiana ou sentido do retorno a Freud em psicanálise", in: Escritos, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Jorge Zahar, 1988.<br />
44 JORGE, op.cit., p. 45.<br />
45 JORGE, op.cit., p. 46.<br />
46 Apud FINK, op.cit., pp. 55-70.<br />
Excluído: .<br />
Assim, ainda<br />
Inserido: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: segundo Jorge 42<br />
Excluído: à<br />
Excluído: Marco Antônio<br />
Coutinho (2002). Fundamentos da<br />
psicanálise. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />
Zahar<br />
Excluído: Marco Antônio<br />
Coutinho (2002). Fundamentos da<br />
psicanálise. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />
Zahar<br />
Excluído: <br />
Excluído: á<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: Esse<br />
Excluído:<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: "
discurso do não-eu, ou do inconsciente. Tanto ne <strong>com</strong>o but, nessas formas <strong>de</strong> expressões<br />
apontariam para um tipo <strong>de</strong> não-dizer, o termo usado por Lacan dit-que-non. Nesse sentido<br />
eles evi<strong>de</strong>nciam a divisão do sujeito, o sujeito do enunciado, o sujeito consciente,<br />
representado pelo pronome pessoal eu, e o sujeito da enunciação inconsciente que se beneficia<br />
<strong>de</strong>sse não-dizer. Assim o sujeito da enunciação inconsciente manifesta-se nos lapsos da língua<br />
e também por meio <strong>de</strong> palavras <strong>com</strong>o ne e but, que informam sobre sua divisão, po<strong>de</strong>ndo<br />
26<br />
remeter n<strong>uma</strong> mesma expressão a <strong>uma</strong> afirmação ou a <strong>uma</strong> negação.<br />
Lacan dirá que ne e but são significantes do sujeito do inconsciente, já que, ao fazer sua<br />
<strong>de</strong>claração, o significante substitui o sujeito e este <strong>de</strong>saparece. Dessa maneira, diremos que o<br />
significante ocupa o lugar do sujeito, agora <strong>de</strong>saparecido. “Pois o significante é unida<strong>de</strong> por<br />
ser único, não sendo, por natureza, senão símbolo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> ausência 47 .” Ou seja, ao mesmo<br />
tempo em que o significante constitui sua condição <strong>de</strong> aparecimento do sujeito representando-<br />
o, ele o suprime no próprio ato <strong>de</strong> representação.<br />
Nesse sentido, segundo Bruce Fink, é possível dizer que ne e but são significantes do<br />
sujeito do inconsciente, já que, ao fazer sua <strong>de</strong>claração, o significante substitui o sujeito e este<br />
<strong>de</strong>saparece. Dessa maneira, diremos que o significante ocupa o lugar do sujeito, agora<br />
<strong>de</strong>saparecido. Por isso, afirmamos, a partir <strong>de</strong> Lacan, que o sujeito só existe <strong>com</strong>o furo no<br />
discurso, <strong>uma</strong> vez que ele aparece transitoriamente irrompendo e logo se <strong>de</strong>svanece,<br />
manifestando-se através <strong>de</strong> um significante.<br />
Ainda segundo Bruce Fink, para Lacan 48 , a divisão é exigência e torna possível a<br />
existência <strong>de</strong> um sujeito, <strong>uma</strong> vez que, <strong>com</strong>o já vimos, o sujeito só po<strong>de</strong> vir a ser na condição<br />
<strong>de</strong> ser representado por um significante, e assim ganhar um lugar no simbólico, mas ao ser<br />
representado ele <strong>de</strong>saparece por trás do significante, constituindo assim a divisão: o sujeito,<br />
representado pelo símbolo (o significante) $ (S para “sujeito”, “barrado”: sujeito enquanto<br />
barrado pela linguagem, ou seja, pelo significante, <strong>de</strong>saparece).<br />
Dessa forma, segundo Lacan, S1/$, esse significante S1 usurpa o lugar do sujeito, tendo<br />
por conseqüência que esse sujeito existe apenas <strong>com</strong>o furo no discurso. Verificamos tal<br />
divisão, <strong>com</strong>o já vimos, por exemplo, em um tipo <strong>de</strong> não-dizer que ocorre no <strong>de</strong>senrolar da<br />
fala, quando há <strong>uma</strong> negação do que foi afirmado: pourvu qu’il ne soit arrivé, j’espère qu’elle<br />
ne vienne. Essa frase evi<strong>de</strong>ncia um conflito entre o discurso do eu, ou seja, o discurso<br />
p. 27.<br />
47 LACAN, Jacques, "O seminário sobre a carta roubada", in: Escritos, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1998,<br />
.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: “não<br />
Excluído: ”<br />
Excluído:<br />
Excluído: .<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: ,
consciente, e o discurso inconsciente, que se beneficia da gramática para irromper na frase.<br />
27<br />
Temos, então, um sujeito do enunciado e um sujeito da enunciação.<br />
Por isso, po<strong>de</strong>mos afirmar um sujeito dividido em dois. Lacan escreve o sujeito do<br />
inconsciente <strong>com</strong>o $: S para sujeito e barrado pela língua, o que significa que o sujeito do<br />
inconsciente <strong>de</strong>saparece, escondido pelo significante. No exemplo citado acima, ne <strong>de</strong>signado<br />
por S1, um primeiro significante. É nesse sentido que po<strong>de</strong>mos afirmar que o sujeito do<br />
inconsciente constitui-se <strong>com</strong>o furo no discurso, porque ele <strong>de</strong>saparece sob o significante. Por<br />
essa razão, po<strong>de</strong>mos dizer que o sujeito do inconsciente aparece e <strong>de</strong>saparece, porque o<br />
significante toma seu lugar, fazendo-o <strong>de</strong>saparecer.<br />
Vimos que o inconsciente é constituído por <strong>uma</strong> ca<strong>de</strong>ia significante contínua e que o<br />
sujeito do inconsciente, alienado à linguagem, barrado por esta, <strong>de</strong>saparece sob o significante.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um sujeito dividido entre o enunciado – o eu – e a enunciação – o inconsciente – e<br />
representado pelo significante, portanto, constituído <strong>com</strong>o furo no discurso, n<strong>uma</strong> ca<strong>de</strong>ia, na<br />
estrutura. Segundo Jorge, “a ironia é <strong>uma</strong> figura <strong>de</strong> retórica que, ao empregar <strong>uma</strong> palavra<br />
<strong>com</strong> o sentido <strong>de</strong> antônimo, ilustra <strong>de</strong> modo excelente o caráter antitético do significante” 49 .<br />
Utilizada <strong>de</strong> modo corriqueiro na linguagem cotidiana, ela interessa à psicanálise, por ser a<br />
única forma discursiva que revela a questão da enunciação e do sujeito em sua relação <strong>com</strong> a<br />
significação antitética das palavras. Desse modo, a ironia coloca perfeitamente em evidência o<br />
sujeito do inconsciente, <strong>uma</strong> vez que nela não haverá alteração no enunciado mas apenas na<br />
enunciação, “o sujeito fica reduzido ao seu verda<strong>de</strong>iro lugar – entre os significantes” 50 .<br />
Assim, vê-se em expressão cotidiana, <strong>com</strong>o no exemplo dado por Jorge, “existem poetas e<br />
poetas”, que a duplicação do mesmo significante po<strong>de</strong> servir à produção <strong>de</strong> significação<br />
oposta que faz parte <strong>de</strong> todo significante.<br />
Finalizamos este capítulo <strong>com</strong> a questão do sujeito da estrutura da linguagem e o ponto<br />
<strong>de</strong> interseção <strong>com</strong> o sujeito da palavra. Iremos nos apoiar em um texto <strong>de</strong> Miller 51 que<br />
explicita que há <strong>uma</strong> diferença entre o sujeito na estrutura e o sujeito que toma a palavra. Isso<br />
nos parece importante, porque se trata <strong>de</strong> marcar a diferença entre um furo na estrutura, ou<br />
seja, o sujeito localizado na estrutura, e o sujeito que toma a palavra e tenta preencher esse<br />
furo, que, digamos, é o que faz o sujeito pensar. Essa transição é fundamental para abordar, no<br />
capítulo III, a <strong>articulação</strong> entre alienação e separação e a questão do <strong>de</strong>sejo.<br />
49 MILLER, Jacques Alain, "S'truc Dure", Matemas II, Buenos Aires, Manantial, 1989.<br />
50 JORGE, op.cit., p. 110.<br />
51 MILLER, op.cit..<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído: (original: “S'truc<br />
Dure”, Pas tant,<br />
Inserido:<br />
Excluído:<br />
Excluído: 1985)<br />
Inserido:<br />
Excluído: Marco Antônio<br />
Coutinho (2002). Fundamentos da<br />
psicanálise. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge<br />
Zahar<br />
Excluído: Jacques Alain, “S'truc<br />
Dure, Matemas II”, Buenos Aires,<br />
Manantial, 1989,<br />
Excluído:<br />
Excluído: (original: “S'truc<br />
Dure”, Pas tant,<br />
Inserido:<br />
Excluído:<br />
Excluído: 1985)<br />
Inserido:<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído: ,
28<br />
Lacan formula <strong>uma</strong> concepção <strong>de</strong> sujeito da estrutura da linguagem, mas que tem um<br />
ponto <strong>de</strong> interseção <strong>com</strong> o sujeito da palavra. Ou seja, não é a mesma coisa <strong>de</strong>finir um sujeito<br />
da estrutura da linguagem e um sujeito da palavra.<br />
Para Lacan, a estrutura da palavra não é simétrica, <strong>uma</strong> vez que se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> relação<br />
na qual o auditor é quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o sentido do que está sendo dito. Ou seja, a partir da estrutura<br />
da palavra, Lacan escreve Outro <strong>com</strong> maiúsculo, pois ele <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> o sentido do que é dito,<br />
sendo também <strong>de</strong>stinatário da mensagem, lugar do código que permite <strong>de</strong>cifrá-lo. Isso<br />
significa que o sujeito não <strong>de</strong>signa a si mesmo, mas a partir do outro que o escuta,<br />
encontrando seu estatuto próprio ao passar pelo outro.<br />
O que Miller quer marcar é que há <strong>uma</strong> diferença entre o sujeito na estrutura e o sujeito<br />
que toma a palavra, ou seja, guardando <strong>uma</strong> pessoa fala, não está a estrutura ali, eu não vou<br />
encontrar a estrutura nas palavras, no entanto não tem outro caminho, a não sem fazer alguém<br />
falar para se possa fazer na leitura. Trata-se <strong>de</strong> fazer <strong>uma</strong> leitura porque embora somos da<br />
linguagem, nós não somos o que dissemos. Nós não vamos encontrar n<strong>uma</strong> fala a estrutura da<br />
linguagem do sujeito, vamos encontrar elementos que vão possibilitar fazer <strong>uma</strong> leitura.<br />
Nesse sentido, Miller que dizer que é importante, é e só a partir da fala do sujeito, que o<br />
sujeito vai aparecer no intervalo da fala.<br />
Será então <strong>com</strong>o veremos no capítulo 2: passando pelo discurso do Outro, a estrutura da<br />
linguagem que em algum momento, um filho, por exemplo, vai po<strong>de</strong>r ter um ato <strong>de</strong> fala.<br />
E <strong>com</strong>o nos diz Miller, porque está implícito na estrutura um furo, um ponto cego, é que<br />
vai po<strong>de</strong>r em algum momento haver <strong>uma</strong> conjugação da estrutura da linguagem <strong>com</strong> a<br />
estrutura da palavra. Ou seja, é porque há na estrutura da linguagem <strong>uma</strong> falta, um vazio, um<br />
ponto cego, um gozo que a estrutura da fala vai tentar se produzir, dizer algo a partir <strong>de</strong>sse<br />
vazio, <strong>de</strong>sse gozo.<br />
Por exemplo, <strong>com</strong>o veremos no próximo capítulo, um filho i<strong>de</strong>ntifica-se <strong>com</strong> o que no<br />
discurso da mãe é esse ponto cego, resto que cai do seu discurso, o que não é possível para ela<br />
dizer, e é nesse vazio que ele po<strong>de</strong> ter um ato <strong>de</strong> fala; esse é o resto que sobra <strong>de</strong>ssa operação<br />
<strong>de</strong> alienação e separação do sujeito ao significante, o que não foi possível significantizar.<br />
Dessa forma, ao formalizar um ponto <strong>de</strong> conjunção entre as estruturas da linguagem e<br />
da palavra, Lacan inclui o sujeito na proposta estruturalista, diferentemente <strong>de</strong> Levi-Strauss.<br />
Não é um sujeito da consciência, mas um sujeito suposto pela ca<strong>de</strong>ia, quando essa ca<strong>de</strong>ia é<br />
tomada pela palavra. Trata-se <strong>de</strong> um sujeito que emerge no intervalo <strong>de</strong> dois significantes, é<br />
Excluído: ,
efeito <strong>de</strong>ssa ca<strong>de</strong>ia, da emergência do significante. Po<strong>de</strong>mos dizer que ele é <strong>de</strong>duzido da<br />
estrutura. Nessa perspectiva, a exigência da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sujeito é sua própria divisão<br />
e sua realização ocorre por meio (do <strong>de</strong>slocamento intermitente) <strong>de</strong> suas irrupções.<br />
29<br />
Conseqüências das perspectivas teóricas do <strong>de</strong>senvolvimento e da estrutura<br />
para a <strong>de</strong>terminação do que sinaliza e constitui no campo clínico<br />
Gostaríamos agora <strong>de</strong> abordar as <strong>teoria</strong>s que são subjacentes ao que <strong>de</strong>fine o que<br />
requisitaria intervenção para mostrar <strong>com</strong>o essa <strong>teoria</strong> <strong>de</strong>termina a formação <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> leitura do problema e, por conseqüência, todo um campo <strong>de</strong> intervenções<br />
<strong>com</strong>andado por essas <strong>teoria</strong>s.<br />
Para isso, <strong>com</strong>eçaremos pela <strong>de</strong>finição do nome que <strong>de</strong>mos à nossa intervenção <strong>com</strong><br />
bebês e seus pais e, <strong>de</strong>pois, vamos percorrer o que se <strong>de</strong>fine por sinais <strong>de</strong> sofrimento psíquico<br />
e as conseqüências <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>finição na concepção do problema na clínica.<br />
SAÚDE MENTAL: INTERVENÇÃO A TEMPO X INTERVENÇÃO PRECOCE<br />
Intervenção precoce<br />
Sabemos que o termo intervenção precoce remete a ações realizadas o mais cedo<br />
possível, a partir da <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> sinais e sintomas e <strong>de</strong> um diagnóstico, que po<strong>de</strong> ser feito por<br />
várias instâncias da assistência pública à saú<strong>de</strong>. Ao longo dos anos, o termo associou-se ao<br />
trabalho realizado por equipes <strong>de</strong> reabilitação física, nas quais os profissionais<br />
(fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e neuropediatras, entre outros)<br />
oferecem, a crianças <strong>com</strong> lesão neurológica <strong>de</strong> causas diversas, <strong>uma</strong> abordagem que visa<br />
melhorar as funções motoras e sensoriais, além <strong>de</strong> trazer benefícios em termos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> vida.<br />
Intervenção a tempo e a clínica <strong>de</strong> crianças menores <strong>de</strong> quatro anos na saú<strong>de</strong> mental infanto-<br />
juvenil <strong>de</strong> Betim<br />
Excluído: 1.3.<br />
Excluído: iremos<br />
Excluído: -se<br />
Excluído: 1.3.1.<br />
Excluído: X<br />
Excluído: <br />
Excluído: <br />
1.3.1.1. Intervenção precoce<br />
Excluído: realizado<br />
Excluído: <br />
Excluído: 1.3.1.2.<br />
Excluído:
30<br />
Dizemos a tempo quando estão presentes sinais <strong>de</strong> sofrimento psíquico grave: são<br />
crianças pequenas, <strong>com</strong>o já foi dito, que sofrem, por exemplo, <strong>de</strong> infecção <strong>de</strong> repetição sem<br />
justificativa clínica, <strong>de</strong> insônia, <strong>de</strong> anorexia, bebês que não se aninham no colo da mãe, ou<br />
que estão <strong>com</strong> <strong>de</strong>pressão, que evitam o olhar.<br />
A direção <strong>de</strong> trabalho, que nomeamos <strong>com</strong>o intervir a tempo, só po<strong>de</strong> ocorrer em<br />
<strong>articulação</strong> <strong>com</strong> <strong>uma</strong> segunda direção, que chamamos <strong>de</strong> clínica do laço. Uma vez que o<br />
infans se constitui a partir do campo do Outro, ele nasce <strong>de</strong> um discurso, ou seja, ele é falado<br />
antes que possa falar. O sujeito nasce a partir do campo do Outro, "lugar em que se situa a<br />
ca<strong>de</strong>ia significante que <strong>com</strong>anda tudo o que vai po<strong>de</strong>r presentificar-se do ‘sujeito’" 52 .<br />
Nosso trabalho não consiste n<strong>uma</strong> lógica temporal <strong>de</strong> sucessão cronológica, não<br />
trabalhamos <strong>com</strong> intervenção precoce, não preten<strong>de</strong>mos intervir precocemente, antes <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
cronologia, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessivida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento o da manifestação <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
doença. Trabalhamos a partir da ética da psicanálise, <strong>com</strong> a noção <strong>de</strong> tempo que não é um<br />
tempo prévio, mas que se faz do encontro do outro e do sujeito, que também se constituem a<br />
partir <strong>de</strong>sse encontro, <strong>uma</strong> vez que será no tempo do só <strong>de</strong>pois que po<strong>de</strong>remos verificar a<br />
resposta do sujeito que se constitui em resposta ao significante que vem do Outro. Ou seja, o<br />
vir-a-ser diante do significante que vem do outro se constituir sujeito tentando significar algo,<br />
O outro também se constitui so nesse encontro. Assim o tempo será tempo só <strong>de</strong>pois, quando<br />
já houve resposta do sujeito, ou quando ele se fez resposta.<br />
Estamos diante <strong>de</strong> um paradoxo, temos a anteriorida<strong>de</strong> do campo da linguagem, mas o<br />
Outro, o sujeito e o tempo se constituem no encontro. E assim se faz um tempo do il aura été.<br />
Com a anteriorida<strong>de</strong> da linguagem, o tempo projeta <strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong> futura que só no <strong>de</strong>pois<br />
será possível ler, ler algo sobre o que se constitui no encontro do outro e do Sujeito.<br />
Sabemos que há crianças <strong>com</strong> diagnóstico <strong>de</strong> lesão neurológica nas quais se sobrepõe<br />
fenomenologia <strong>de</strong> autismo, e que, às vezes, é necessário um trabalho anterior à abordagem<br />
pela equipe <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental para que um tratamento <strong>de</strong> reabilitação (intervenção precoce)<br />
possa acontecer. Ocorre também que muitos bebês não estão <strong>de</strong>ntro da categoria <strong>de</strong> “lesão<br />
neurológica”, mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros meses <strong>de</strong> vida, apresentam sinais <strong>de</strong> sofrimento<br />
psíquico.<br />
52 LACAN Jacques, O Seminário, Livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1964, p. 193-194.<br />
Excluído: XI<br />
Excluído: "<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ivida<strong>de</strong><br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: o<br />
Excluído: u<br />
Excluído:<br />
Inserido: -<br />
Excluído: a<br />
Excluído: 9<br />
Excluído: no entanto o<br />
Excluído: só<br />
Excluído: no que o sujeito se<br />
constitui a<br />
Excluído: e<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: e<br />
Excluído: até<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: c<br />
Excluído: n<br />
Excluído: ele<br />
Excluído: ,<br />
Inserido: ,<br />
Excluído: no passado<br />
Excluído: estejam<br />
Excluído: que<br />
Excluído: apresentem
31<br />
No serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental infanto-juvenil <strong>de</strong> Betim, não usamos o nome <strong>de</strong><br />
intervenção precoce, quando consi<strong>de</strong>ramos o atendimento <strong>de</strong> crianças menores <strong>de</strong> quatro anos<br />
<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Nossa escolha tem o respaldo da clínica psicanalítica, que é <strong>uma</strong> clínica do sujeito<br />
do inconsciente. Para nós, só faz sentido <strong>de</strong>senvolver um trabalho quando houver sofrimento<br />
psíquico do infans. Nomeamos nossa proposta <strong>de</strong> intervenção a tempo, marcando a direção <strong>de</strong><br />
nosso trabalho.<br />
É assim que participamos da construção <strong>de</strong> um novo projeto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> mental, no caso<br />
<strong>de</strong> Betim (Minas Gerais), voltado para aten<strong>de</strong>r crianças <strong>de</strong> zero a quatro anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, assim<br />
<strong>com</strong>o seus pais.<br />
O objetivo é acolher e trabalhar questões que dizem respeito a um sofrimento psíquico<br />
que remete ao próprio laço, e às possíveis dificulda<strong>de</strong>s que a parentalida<strong>de</strong> implique.<br />
Intervenção a tempo: indicações para um atendimento no Cersami<br />
Até o presente momento <strong>de</strong>sta dissertação, explicitamos o que reconhecemos <strong>de</strong>sse<br />
sofrimento psíquico a partir <strong>de</strong> um referencial <strong>de</strong>scritivo que se baseia na observação do que<br />
autores <strong>com</strong>o Martine Lamour e Marthe Barraco 53 <strong>de</strong>screvem <strong>com</strong>o “toda a sintomatologia<br />
que revela <strong>uma</strong> dificulda<strong>de</strong>, <strong>uma</strong> perturbação da interação mãe–criança pequena/bebê ou pai e<br />
mãe–criança pequena/bebê. Elas <strong>de</strong>screvem:<br />
Na jovem criança:<br />
1. distúrbios psicossomáticos e funcionais (distúrbios do sono, alimentares, respiratórios<br />
e/ou pele);<br />
2. distúrbios <strong>de</strong> humor: medos, fobias;<br />
3. distúrbios do <strong>de</strong>senvolvimento (que não têm <strong>uma</strong> causa orgânica: intelectual,<br />
psi<strong>com</strong>otor, do tônus e/ou contato;<br />
4. dificulda<strong>de</strong> no controle da agressivida<strong>de</strong>.<br />
Do lado dos pais:<br />
1. Toda a sintomatologia revelando:<br />
53 LAMOUR, Martine; BARACO, Marthe, Souffrances autour du berceau. Des émotions aux soins,<br />
Paris: Gaëtan Éditeur, 1998.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -<br />
Excluído: mãe<br />
Excluído: Distúrbios<br />
Excluído: Distúrbios<br />
Formatados: Marcadores e<br />
numeração<br />
Excluído: Distúrbios<br />
Excluído: Dificulda<strong>de</strong>
2. distúrbios psíquicos do pós-parto;<br />
3. estado psicótico;<br />
4. estados <strong>de</strong>pressivos ou <strong>de</strong>pressão;<br />
5. condutas aditivas;<br />
6. neuroses graves;<br />
7. distúrbios do <strong>com</strong>portamento;<br />
8. maus-tratos (negligência, espancamentos).<br />
32<br />
Seriam, então, não os sintomas por si só, mas sim a dificulda<strong>de</strong> ou perturbação no laço<br />
revelando-se por intermédio <strong>de</strong>sses sintomas ou a<strong>com</strong>panhada <strong>de</strong>sses sintomas. Esses autores<br />
<strong>de</strong>senvolveram, <strong>de</strong> 1990 a 1999, trabalhos <strong>com</strong> bebês <strong>com</strong> menos <strong>de</strong> 18 meses que tinham<br />
sido expostos a falhas graves <strong>de</strong> parentalida<strong>de</strong>. Eles <strong>de</strong>finem parentalida<strong>de</strong> <strong>com</strong>o:<br />
O conjunto das rea<strong>com</strong>odações psíquicas e afetivas que permitam a adultos<br />
tornarem-se pais, quer dizer, respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu(s) filhos(s) em três<br />
níveis: o corpo (os cuidados alimentares), a vida afetiva, a vida psíquica 54 .<br />
A pesquisa mostra <strong>com</strong>o os sinais <strong>de</strong> sofrimento psíquico do bebê po<strong>de</strong>m ser discretos e<br />
que esses sinais dizem respeito principalmente a toda a “esfera tônica-motor” e a “esfera<br />
relacional”. No âmbito da esfera tônica-motor, temos, por exemplo, bebês “hipotônicos”, <strong>com</strong><br />
dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ajustamento entre ele e a mãe, porque são difíceis <strong>de</strong> se carregar no colo, o<br />
que faz <strong>com</strong> que os contatos entre mãe e bebê fiquem cada vez mais raros. Na esfera<br />
relacional, a ausência <strong>de</strong> interações lúdicas e vocais, por parte da mãe, fazem <strong>com</strong> que ela<br />
responda raramente às vocalizações <strong>de</strong> seu bebê, o que provoca <strong>uma</strong> hiperadaptação do bebê<br />
ao ritmo das impulsões maternais.<br />
Nessa perspectiva, portanto, os autores constroem o conceito <strong>de</strong> interação,<br />
<strong>de</strong>monstrando que a concepção da relação mãe–infans/recém-nascido modificou-se, enquanto<br />
passamos da <strong>teoria</strong> da mãe “todo-po<strong>de</strong>rosa”, organizadora da interação, ao reconhecimento do<br />
papel do bebê <strong>com</strong>o parceiro “ativo”. Eles <strong>de</strong>finem então, em geral, as interações, <strong>com</strong>o<br />
54 LAMOUR, Martine; BARACO, Marthe. op.cit., p. 23.<br />
Excluído: Souffrance autour du<br />
berceau. Des émotions aux soins.<br />
Paris: Gaëtan Éditeur, 1998,<br />
Excluído: Distúrbios<br />
Formatados: Marcadores e<br />
numeração<br />
Excluído: Estado<br />
Excluído: Estados<br />
Excluído: Condutas<br />
Excluído: Neuroses<br />
Excluído: Distúrbios<br />
Excluído: Maus<br />
Excluído: realizaram<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: e bebê<br />
Excluído: -
“conjunto <strong>de</strong> fenômenos dinâmicos que se <strong>de</strong>senvolvem no tempo entre o recém-nascido e<br />
seus diferentes parceiros” 55 .<br />
33<br />
N<strong>uma</strong> mesma perspectiva, Claudine e Pierre Geissman organizam os sinais precoces na<br />
criança recortando: distúrbios <strong>de</strong> alimentação; distúrbios do sono; distúrbios psi<strong>com</strong>otores;<br />
distúrbios do tônus; as anomalias do olhar; ausência <strong>de</strong> sorriso no terceiro mês diante do rosto<br />
materno; a ausência <strong>de</strong> choro entre seis e 12 meses por ocasião do afastamento da mãe ou<br />
diante do aparecimento <strong>de</strong> <strong>uma</strong> pessoa estranha; ausência <strong>de</strong> objeto transicional; os<br />
estereótipos; fobias maciças; incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brincar.<br />
Eles insistem no fato <strong>de</strong> que esses sinais parecem banais e não são em si<br />
patognomânicos. Po<strong>de</strong>mos encontrá-los transitoriamente em crianças que apresentaram um<br />
<strong>de</strong>senvolvimento psicoafetivo normal. O que os torna indicativos <strong>de</strong> <strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
afecção psicótica é sua persistência no tempo, e o fato <strong>de</strong> um certo número <strong>de</strong>les estarem<br />
associados.<br />
Num outro campo teórico temos o trabalho clínico e teórico da psicanalista Marie-<br />
Christine Laznik, radicada na França, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolve sua pesquisa no IMEPP (intervenção<br />
médico-psicossocial precoce) e coor<strong>de</strong>na <strong>uma</strong> pesquisa multicêntrica sobre o tema da<br />
intervenção precoce em bebês <strong>com</strong> risco <strong>de</strong> autismo na França e na Itália, em que preten<strong>de</strong><br />
estudar cerca <strong>de</strong> 25.000 bebês.<br />
Trata-se do campo teórico da psicanálise que se propõe a formalizar sinais <strong>de</strong> risco <strong>de</strong><br />
sofrimento psíquico grave, a partir da estruturação do sujeito do inconsciente, e não a partir <strong>de</strong><br />
um referencial <strong>de</strong>senvolvimentista.<br />
Assim, Marie-Christine Laznik relata que <strong>uma</strong> série <strong>de</strong> sinais foram repertoriados por<br />
diversos autores 56 e que, no seu trabalho <strong>com</strong> médicos <strong>de</strong> P.M.I., ela privilegia a <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong><br />
dois sinais “maiores” 57 : O não-olhar entre <strong>uma</strong> mãe e seu filho – ainda mais se a mãe não <strong>de</strong>r<br />
conta disto – e o fracasso do circuito pulsional <strong>com</strong>pleto.<br />
Para a autora, esses dois sinais não são difíceis <strong>de</strong> serem reconhecidos por médicos e<br />
são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse, porque são “a expressão clínica das instaurações estruturais que<br />
fundam o funcionamento mesmo do aparelho psíquico” 58 . Desse modo, mesmo se não houver<br />
55<br />
LAMOUR, Martine; BARACO, Marthe, op.cit., p. 14.<br />
56<br />
HOUZEL, D., "Peut-on endiguer les psychoses infantiles?" in: SOULE, M. (dir.), Des utopies aux<br />
réalisations, Paris: ESF, 1993.<br />
57<br />
LAZNIK, Marie-Christine, "O autismo e os impasses na constituição do sujeito", in: A voz da sereia,<br />
textos <strong>com</strong>pilados por Daniele Wan<strong>de</strong>rley, Ed. Agalma, Coleção <strong>de</strong> calças curtas, 2004, p. 24.<br />
58<br />
LAZNIK, op.cit., p. 24.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: Souffrance autour du<br />
berceau. Des émotions aux soins.<br />
Paris: Gaëtan Éditeur, 1998<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: (1993)<br />
Excluído: .<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
Excluído: . O autismo e os<br />
impasses na constituição do<br />
sujeito. Marie-Christine Laznik.<br />
Excluído: T<br />
Excluído: .<br />
Excluído: :<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: In. A voz da sereia. O<br />
autismo e os impasses na<br />
constituição do sujeito. Marie-<br />
Christine Laznik. Textos<br />
<strong>com</strong>pilados por Daniele<br />
Wan<strong>de</strong>rley. Ed: Agalma. Coleção<br />
<strong>de</strong> calças curtas. 2004<br />
Excluído: Intervenção<br />
Excluído:
<strong>uma</strong> evolução para <strong>uma</strong> síndrome autista caracterizada, ela consi<strong>de</strong>ra que o não-olhar é sinal<br />
<strong>de</strong> “<strong>uma</strong> dificulda<strong>de</strong> maior no nível da relação especular <strong>com</strong> o outro” 59 .<br />
34<br />
Laznik insiste que, se nós não interviermos, o estádio do espelho (Jacques Lacan, 1936)<br />
não se constituirá, ou se constituirá <strong>de</strong> <strong>uma</strong> maneira não conveniente. Ela retoma a<br />
importância dada por Jacques Lacan a esse momento lógico, específico, em que o infans<br />
(aquele que não fala) se vira para o adulto que o carrega para pedir-lhe <strong>uma</strong> confirmação, pelo<br />
olhar, do que ele vê no espelho <strong>com</strong>o emergência <strong>de</strong> <strong>uma</strong> imagem, o que forja <strong>uma</strong> unida<strong>de</strong><br />
corporal, <strong>com</strong> a gestalt <strong>de</strong> seu corpo, e faz <strong>com</strong> que a criança ou o infans “precipite-se da<br />
insuficiência para a antecipação” 60 , produzindo <strong>uma</strong> sensação imaginária <strong>de</strong> domínio do<br />
corpo.<br />
Ou seja, o sujeito se i<strong>de</strong>ntifica <strong>com</strong> júbilo à imagem, e é essa i<strong>de</strong>ntificação primária <strong>com</strong><br />
o semelhante que constitui a “função do eu”. Mas, para isso, é necessário que a criança<br />
encontre esse olhar que lhe confirme que aquela imagem é a <strong>de</strong>la. Aqui está toda a<br />
importância, porque será a partir <strong>de</strong>sse sentimento <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua imagem corporal, que o<br />
bebê vai constituir sua relação <strong>com</strong> os outros.<br />
O olhar dos pais, então, para M-C Laznik, é <strong>uma</strong> forma particular <strong>de</strong> investimento<br />
libidinal que vai lhes possibilitar “<strong>uma</strong> ilusão antecipadora on<strong>de</strong> eles percebem o real<br />
orgânico do bebê, aureolado pelo que aí se apresenta, aí po<strong>de</strong>rá advir” 61 . Trata-se <strong>de</strong> um olhar<br />
que possibilita aos pais antecipar, também, <strong>uma</strong> aposta num vir-a-ser, antecipar os balbucios<br />
do bebê, “mensagem significante que ele fará sua mais tar<strong>de</strong> 62 ”.<br />
Laznik consi<strong>de</strong>ra que, mesmo que o sinal do não-olhar possa alertar o clínico, ele só não<br />
é suficiente para dar a segurança <strong>de</strong> que é preciso intervir. Ela consi<strong>de</strong>ra que para prevenir um<br />
grave problema <strong>de</strong> funcionamento mental é necessário um segundo sinal, observável<br />
clinicamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros meses <strong>de</strong> vida e fácil <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>tectado. Ele possibilita fazer<br />
um prognóstico <strong>com</strong> mais segurança do risco <strong>de</strong> ocorrer um problema, ou permite acionar<br />
<strong>uma</strong> intervenção <strong>com</strong> emergência.<br />
O segundo sinal clínico: a não-instauração do circuito pulsional <strong>com</strong>pleto é um sinal<br />
banal e que po<strong>de</strong> ser um indicador do fracasso da instauração <strong>de</strong> <strong>uma</strong> estrutura, que é central<br />
para o funcionamento do aparelho psíquico. Para explicar o que seria a não-instauração do<br />
59 Op.cit., p. 24.<br />
60 Lacan, Jacques (1949), "O estádio do espelho <strong>com</strong>o formador da função do eu", in: Escritos. op. cit. P.<br />
96-103.<br />
61 LAZNIK, op.cit., p. 25.<br />
62 Op.cit., p. 25.<br />
Excluído: In. A voz da sereia. O<br />
autismo e os impasses na<br />
constituição do sujeito. Marie-<br />
Christine Laznik. Textos<br />
<strong>com</strong>pilados por Daniele<br />
Wan<strong>de</strong>rley. Ed: Agalma. Coleção<br />
<strong>de</strong> calças curtas. 2004,<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
Excluído: O<br />
Excluído: C<br />
Excluído: In. A voz da sereia. O<br />
autismo e os impasses na<br />
constituição do sujeito. Marie-<br />
Christine Laznik. Textos<br />
<strong>com</strong>pilados por Daniele<br />
Wan<strong>de</strong>rley. Ed: Agalma. Coleção<br />
<strong>de</strong> calças curtas. 2004,<br />
Excluído: In. A voz da sereia. O<br />
autismo e os impasses na<br />
constituição do sujeito. Marie-<br />
Christine Laznik. Textos<br />
<strong>com</strong>pilados por Daniele<br />
Wan<strong>de</strong>rley. Ed: Agalma. Coleção<br />
<strong>de</strong> calças curtas. 2004<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: aos pais
circuito pulsional <strong>com</strong>pleto, M-C Laznik apóia-se na leitura por Lacan do conceito <strong>de</strong> pulsão<br />
em Freud, no qual Freud separa a pulsão da necessida<strong>de</strong>. E retoma o caminho que Lacan<br />
percorreu para situar teoricamente o que é instauração do circuito pulsional <strong>com</strong>pleto, ou seja,<br />
o que constituiria a satisfação da pulsão. Ela retoma a idéia <strong>de</strong> que, para Freud, a pulsão é um<br />
conceito situado no limite entre o psíquico e o somático, <strong>uma</strong> vez que ela é o representante<br />
psíquico das excitações vindas do interior do corpo. Assim, a fome e a se<strong>de</strong> são exemplos <strong>de</strong><br />
pulsões.<br />
35<br />
Lendo Freud, Lacan vai enten<strong>de</strong>r que a fome e a se<strong>de</strong> reenviam à questão da<br />
necessida<strong>de</strong> e que, quando Freud se refere à Trieb (pulsão), ele não estava se referindo ao<br />
organismo <strong>com</strong>o um todo. Lacan utiliza o termo pulsão referindo-se às pulsões sexuais<br />
parciais. Assim, Lacan separa a noção <strong>de</strong> satisfação pulsional <strong>de</strong> qualquer satisfação da<br />
necessida<strong>de</strong> orgânica. A partir disto, Laznik coloca então a pergunta sobre o que constituiria<br />
então a satisfação da pulsão. Para isto, retoma Freud (1915) que <strong>de</strong>screve o circuito pulsional,<br />
tentando i<strong>de</strong>ntificar as condições gerais <strong>de</strong> todo remate da pulsão, quer dizer, as condições da<br />
satisfação pulsional. Assim, ela segue Freud a partir dos três tempos do circuito pulsional para<br />
mostrar <strong>com</strong>o, clinicamente, a satisfação da pulsão vai correspon<strong>de</strong>r ao acontecimento <strong>de</strong> um<br />
trajeto em forma <strong>de</strong> circuito que vai se fechar no seu ponto sobre a satisfação orgânica; a<br />
satisfação pulsional será <strong>de</strong> outra or<strong>de</strong>m. Assim, a autora segue os três tempos do circuito<br />
pulsional <strong>de</strong>scritos por Freud (1915) e escolhe a pulsão oral, que é fácil <strong>de</strong> reconhecer nos<br />
primeiros meses <strong>de</strong> vida.<br />
Temos então um primeiro tempo, o tempo ativo, no qual o bebê procura ativamente o<br />
objeto oral (a mama<strong>de</strong>ira ou o seio) para torná-lo para ele. Esse tempo é facilmente<br />
i<strong>de</strong>ntificado pelos pediatras e é <strong>uma</strong> observação central no exame clínico da P.M.I. O segundo<br />
tempo do circuito pulsional é também observável por um médico já advertido. Trata-se <strong>de</strong><br />
observar se o bebê “tem <strong>uma</strong> boa capacida<strong>de</strong> auto-erótica” 63 , ou seja, <strong>de</strong> ver se ele é capaz <strong>de</strong><br />
chupar sua mão, seu <strong>de</strong>do ou então <strong>uma</strong> chupeta. E é o que na psicanálise chamamos <strong>de</strong><br />
experiência alucinatória <strong>de</strong> satisfação e que está relacionada <strong>com</strong> o auto-erotismo.<br />
Segundo Laznik, quase ninguém pensa, nem mesmo os analistas, que na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong><br />
Freud existe um terceiro tempo que é necessário para o remate do circuito pulsional. Freud<br />
afirma que a criança vai se fazer objeto <strong>de</strong> um novo sujeito. Isso significa que a criança se<br />
assujeita a um outro, e assim esse outro se torna sujeito da pulsão do bebê. Será então<br />
63 LAZNIK, Marie-Christine, "O autismo e os impasses na constituição do sujeito", op.cit., p. 27.<br />
Excluído: literatura<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: ele<br />
Excluído: que diz d<br />
Excluído: Lacan,<br />
Excluído: l<br />
Excluído: a<br />
Excluído: (p. 27, voz sereia)<br />
Excluído: é<br />
Excluído: s
necessário alguém que na realida<strong>de</strong> da criança cui<strong>de</strong> <strong>de</strong>la, mas ao mesmo tempo ocupe para a<br />
criança um lugar <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Outro Primordial, ou seja, que antecipa para o bebê, fale no seu<br />
lugar, ofertando-lhe significante.<br />
36<br />
Laznik <strong>de</strong>screve que o terceiro tempo é o momento em que o bebê coloca seu <strong>de</strong>do (do<br />
pé ou da mão) na boca da mãe, que vai fazer <strong>de</strong> conta que vai <strong>com</strong>ê-lo <strong>com</strong> muito prazer. É<br />
um momento marcado por muito prazer da mãe, que <strong>com</strong>enta <strong>com</strong> várias metáforas<br />
gastronômicas e toda essa cena <strong>de</strong>sperta quase sempre sorrisos da criança. Isso indica que a<br />
criança estava procurando fisgar o gozo do Outro materno. Ou seja, Laznik insiste “que o<br />
bebê vai à pesca do gozo <strong>de</strong> sua mãe, enquanto ela representa para ele o Gran<strong>de</strong> Outro<br />
Primordial, provedor <strong>de</strong> significantes” 64 .<br />
O importante é que a pulsão satisfaz se este circuito girar e se cada tempo tornar a<br />
passar infinitamente. Desse modo, só se po<strong>de</strong> estar certo <strong>de</strong> que os dois primeiros tempos são<br />
verda<strong>de</strong>iramente pulsionais se constatamos o terceiro tempo. Po<strong>de</strong>mos nos enganar, no<br />
segundo tempo, se levarmos em conta apenas o fato <strong>de</strong> o bebê sugar o <strong>de</strong>do ou a chupeta, sem<br />
estarmos atentos se o terceiro tempo do circuito pulsional está presente em outros momentos.<br />
Se não estiver significa que não há para esse bebê a dimensão da representação do Outro e<br />
que a ligação erótica ao Outro está ausente. O que significa que, se tiramos “Eros” <strong>de</strong> auto-<br />
erotismo, temos autismo, estaríamos diante <strong>de</strong> um autismo.<br />
Assim, para Laznik, o interesse <strong>de</strong>sses dois sinais é permitir um diagnóstico precoce e<br />
<strong>uma</strong> intervenção. Ela consi<strong>de</strong>ra que a falha constituída pela não-instauração <strong>de</strong>ste terceiro<br />
tempo do circuito pulsional po<strong>de</strong> tanto vir da mãe <strong>com</strong>o da criança. E que nos dois casos, em<br />
“<strong>uma</strong> certa contribuição libidinal da parte <strong>de</strong> um psicanalista que saiba trabalhar <strong>com</strong> a<br />
relação <strong>pais–bebês</strong>”, po<strong>de</strong> haver restabelecimento do circuito pulsional <strong>com</strong>pleto.<br />
Nessa mesma linha <strong>de</strong> pesquisa temos também um estudo multicêntrico realizado em<br />
<strong>de</strong>z capitais brasileiras e financiado pelo Ministério da Saú<strong>de</strong>. O título da pesquisa é Sinais <strong>de</strong><br />
risco para o <strong>de</strong>senvolvimento infantil 65 . Essa pesquisa tem dois focos: o ato médico e a<br />
relação mãe–criança. O foco no ato médico preten<strong>de</strong> abrir para o pediatra, durante a pesquisa<br />
e na sua prática, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar, via observação direta, a implicação dos estados<br />
psíquicos do bebê e <strong>de</strong> sua mãe no <strong>de</strong>senvolvimento da criança; e outro foco é a relação mãe–<br />
bebê <strong>com</strong>o base da subjetivação para o bebê. Assim, eles formalizam quatro eixos que<br />
64 LAZNIK, op.cit., p. 28.<br />
65 Grupo Nacional <strong>de</strong> Pesquisa (GNP): Pesquisa multicêntrica <strong>de</strong> indicadores clínicos <strong>de</strong> risco para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento infantil. In Proceedings of the Colóquio franco-brasileiro sobre a clínica <strong>com</strong> bebês, 2005.<br />
Excluído: ver no verso <strong>de</strong>ssa<br />
página Alfredo N.<br />
Excluído: e<br />
Excluído: lhe<br />
Excluído:<br />
Excluído: (p. 28, a voz)<br />
Excluído: da<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -<br />
Excluído: ra<br />
Excluído:
consi<strong>de</strong>ram fundamentais na relação mãe-filho, e que balizam a constituição da subjetivida<strong>de</strong>.<br />
A hipótese que eles fazem é que a ausência <strong>de</strong>stes aponta para problematizações na estrutura<br />
da subjetivida<strong>de</strong>. Esses eixos são a base dos indicadores. Seria então a ausência <strong>de</strong>sses<br />
indicadores que apontaria para um risco, para o <strong>de</strong>senvolvimento infantil.<br />
37<br />
Os quatro eixos fundamentais na relação mãe-filho são:<br />
1. Supor um sujeito: o bebê, quando nasce, está ainda inconsituido enquanto sujeito. Será<br />
necessário <strong>uma</strong> ação da mãe que vai supor nele um sujeito, vai antecipar um sujeito<br />
para que ele venha a se consitutir <strong>com</strong>o tal. Será então a partir <strong>de</strong>ssa suposição que,<br />
por exemplo, o grito do bebê po<strong>de</strong>rá ser interpretado <strong>com</strong>o apelo pela mãe, abrindo<br />
asim a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse apelo revestir-se <strong>de</strong> significação para ele e para a mãe.<br />
2. Estabelecer a <strong>de</strong>manda da criança: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que as primeiras reações<br />
involuntárias apresentadas por um bebê ao nascer, tais <strong>com</strong>o choro, sejam<br />
reconhecidas pela mãe <strong>com</strong>o um pedido que a criança lhe faz e diante do qual a mãe se<br />
coloca em posição <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r. Isso implica que inicialmente a mãe faça <strong>uma</strong><br />
interpretação na qual usa linguagem, “traduz” em palavras as ações da criança e traduz<br />
em ações suas próprias palavras.<br />
3. Alternar presença e ausência: significa que a mãe no lugar do Outro materno não<br />
responda ao bebê apenas <strong>com</strong> presença ou apenas <strong>com</strong> ausência, mas que faça <strong>uma</strong><br />
alternância, não só física, mas simbólica. Assim, entre a <strong>de</strong>manda da criança e a<br />
experiência <strong>de</strong> satisfação, proporcionada pela mãe, espera-se que haja um intervalo,<br />
para que possa surgir a resposta da criança. Para que um bebê possa advir <strong>com</strong>o ser<br />
<strong>de</strong>sejante é imprescindível que ele possa ter essa experiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>.<br />
4. 4. Função paterna (alterização): Para que a função paterna se efetive é necessário que<br />
a mãe se dirija à criança em referência a um terceiro, não colocando-o <strong>com</strong>o um objeto<br />
do seu capricho. Será a função paterna que vai possibilitar à criança se distanciar do<br />
outro e utilizar a linguagem em sua função simbólica, <strong>com</strong>o propensa a procurar novas<br />
formas <strong>de</strong> satisfação.<br />
Para os autores da pesquisa, esses quatro diferentes eixos não ocorrem separadamente,<br />
mas se recortam nos cuidados que a mãe dirige à criança e também nas produções da criança,<br />
testemunhando os efeitos <strong>de</strong> tais marcas. O grupo nacional <strong>de</strong> pesquisa vai então propor esses<br />
quatro eixos <strong>com</strong>o base para os indicadores, para diferenciar-se da maioria dos indicadores <strong>de</strong><br />
Excluído: e a<br />
Excluído: ess<br />
Excluído: Ou seja,<br />
Excluído: .<br />
Os eixos supõem um sujeito<br />
Excluído: Diz respeito à n<br />
Excluído: ecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
antecipação do agente materno em<br />
relação ao bebê que está em via <strong>de</strong><br />
se constituir. Sua constituição<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa antecipação. É a<br />
partir <strong>de</strong>ssa suposição que o grito<br />
do bebê, por exemplo, po<strong>de</strong>rá ser<br />
tomado <strong>com</strong>o apelo pela mãe e,<br />
assim, interpretado por ela. Isso<br />
abre a possibilida<strong>de</strong> que esse<br />
objeto seja revertido <strong>de</strong><br />
significação para ele e para a mãe.<br />
Formatados: Marcadores e<br />
numeração<br />
Excluído: -<br />
Excluído: e<br />
Excluído: realize<br />
Excluído: <br />
Formatados: Marcadores e<br />
numeração<br />
Excluído: o<br />
Excluído: d<br />
Excluído: s pesquisadores vão<br />
Excluído:
iscos que são propostos, e que são realizados a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado conceito <strong>de</strong><br />
38<br />
<strong>de</strong>senvolvimento que não leva em conta o conceito <strong>de</strong> sujeito.<br />
Esses indicadores, propostos a partir <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />
são propostos a partir <strong>de</strong> escalas <strong>de</strong> avaliação do <strong>de</strong>senvolvimento, e são separados por área<br />
funcional: psi<strong>com</strong>otora, perceptiva, psicológica, cognitiva, social... e o grupo nacional <strong>de</strong><br />
pesquisa consi<strong>de</strong>ra que se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> concepção equivocada, porque é parte <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
fragmentação da criança e que <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra a interligação das funções nesses momentos<br />
precoces da vida.<br />
Por isso, eles vão propor outros indicadores que foram concebidos a partir <strong>de</strong> dados<br />
colhidos por psicanalistas nos últimos 50 anos, em experiências <strong>de</strong> atendimento clínico <strong>de</strong><br />
crianças <strong>com</strong> patologias graves já instaladas. Baseando-se no histórico <strong>de</strong>ssas crianças, foi<br />
possível reconstruir os primeiros sinais, na primeira infância, do que mais tar<strong>de</strong> viria a se<br />
constituir <strong>com</strong>o psicopatologia.<br />
Assim, esses indicadores possibilitam <strong>uma</strong> leitura das incidências psíquicas das<br />
manifestações da criança “no sistema <strong>de</strong> relação que se estabelece entre ela e sua mãe”. Esses<br />
indicadores se apóiam n<strong>uma</strong> concepção da criança <strong>com</strong>o fazendo parte <strong>de</strong> um mundo<br />
essencialmente simbólico. O que implica que, para que a criança participe <strong>de</strong>sse mundo, ela<br />
precisa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> estrutura psíquica que possa organizar as funções e os sistemas <strong>de</strong> relações.<br />
Essa estrutura se constitui a partir da mãe ou <strong>de</strong> quem está no lugar <strong>de</strong> Outro primordial, por<br />
isso, será necessário investigar se encontramos as condições necessárias ao estabelecimento<br />
<strong>de</strong>sse laço, para que se constitua a estrutura.<br />
Indicadores associados à fundamentação teórica:<br />
Indicadores<br />
Eixos:<br />
SS – supor um sujeito<br />
ED – estabelecimento da <strong>de</strong>manda<br />
PA – alternância presença–ausência<br />
FP – função paterna<br />
Investigação: observação/interrogatório<br />
Indicadores Eixos Investigação<br />
Observação/Interrogatório<br />
(0 a 4 meses in<strong>com</strong>pletos)<br />
Excluído: O<br />
Excluído: propostos<br />
Excluído: o<br />
Excluído: eles<br />
Excluído: m<br />
Excluído: fragmentada<br />
Excluído: o<br />
Excluído: n<br />
Excluído: constitui<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -
1. Quando a criança chora<br />
ou grita, a mãe sabe o que ela<br />
quer<br />
2. A mãe fala <strong>com</strong> a<br />
criança num estilo<br />
particularmente dirigido a ela<br />
(mamanhês)<br />
3. A criança reage ao<br />
mamanhês<br />
4. A mãe propõe algo à<br />
criança e aguarda a sua reação<br />
5. Há troca <strong>de</strong> olhares entre<br />
a criança e a mãe<br />
39<br />
SS/ED Dar preferência à observação direta,<br />
interrogatório somente se necessário<br />
SS Observação direta/Se necessário solicite<br />
que a mãe fale <strong>com</strong> a criança <strong>com</strong>o faz<br />
habitualmente<br />
ED Privilegiar observação direta<br />
PA Observação direta<br />
SS/PA Observação direta<br />
Indicadores Eixos Investigação<br />
Observação/ Interrogatório<br />
(4 a 8 meses<br />
in<strong>com</strong>pletos)<br />
6. A criança <strong>com</strong>eça a ED/PA Interrogatório<br />
diferenciar o dia da noite<br />
7. A criança utiliza<br />
sinais diferentes para<br />
expressar suas diferentes<br />
necessida<strong>de</strong>s<br />
8. A criança solicita à<br />
mãe e faz um intervalo para<br />
aguardar sua resposta<br />
9. A mãe fala <strong>com</strong> a<br />
criança dirigindo-lhe<br />
pequenas frases<br />
10. A criança reage<br />
(sorri, vocaliza) quando a<br />
mãe ou outra pessoa está se<br />
dirigindo a ela<br />
11. A criança procura<br />
ativamente o olhar da mãe<br />
12. A mãe dá suporte<br />
às iniciativas da criança sem<br />
poupar-lhe esforços<br />
13. A criança pe<strong>de</strong><br />
ajuda <strong>de</strong> outra pessoa sem<br />
ficar passiva<br />
ED Observação e interrogatório<br />
ED/PA Observação<br />
SS/PA Observação<br />
ED Observação/ solicitar à mãe<br />
que se dirija à criança/ dirigir-se à<br />
criança<br />
ED/PA Somente observação<br />
SS/ED/PA Observação direta/ solicitar à<br />
mãe que aju<strong>de</strong> a criança em alg<strong>uma</strong><br />
ativida<strong>de</strong> e observar<br />
ED/FP Observação<br />
Indicadores Eixos Investigação<br />
Observação/ Interrogatório<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .
(8 a 12 meses)<br />
14. A mãe percebe que<br />
alguns pedidos da criança<br />
po<strong>de</strong>m ser <strong>uma</strong> forma <strong>de</strong><br />
chamar a sua atenção<br />
15. Durante os<br />
cuidados corporais, a criança<br />
busca ativamente jogos e<br />
brinca<strong>de</strong>iras amorosas <strong>com</strong> a<br />
mãe<br />
16. A criança<br />
<strong>de</strong>monstra gostar ou não<br />
gostar <strong>de</strong> alg<strong>uma</strong> coisa<br />
17. Mãe e criança<br />
<strong>com</strong>partilham <strong>uma</strong><br />
linguagem particular<br />
18. A criança estranha<br />
pessoas <strong>de</strong>sconhecidas para<br />
ela<br />
19. A criança possui<br />
objetos prediletos<br />
20. A criança faz<br />
gracinhas<br />
21. A criança busca o<br />
olhar <strong>de</strong> aprovação do adulto<br />
22. A criança aceita<br />
alimentação semi-sólida,<br />
sólida e variada<br />
40<br />
ED/SS Interrogatório/ a criança pe<strong>de</strong><br />
<strong>uma</strong> coisa, mas tem outras<br />
intenções<br />
ED Observar, sobretudo, no<br />
vestir e <strong>de</strong>svestir a criança<br />
ED Observar e, se necessário,<br />
interrogar<br />
SS/PA Observar<br />
FP Observar e, se necessário,<br />
interrogar<br />
ED Interrogar<br />
ED Observar e interrogar<br />
ED Observar<br />
ED Interrogar<br />
Indicadores Eixos Investigação<br />
Observação/Interrogatório<br />
(12 a 18 meses)<br />
23. A mãe alterna<br />
momentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação à<br />
criança <strong>com</strong> outros<br />
interesses<br />
24. A criança reage<br />
bem às breves ausências da<br />
mãe e reage a ausências<br />
prolongadas<br />
ED/FP Interrogatório, se possível<br />
observar na consulta<br />
ED/FP Interrogatório<br />
Excluído:
25. A mãe oferece<br />
brinquedos <strong>com</strong>o<br />
alternativas para o interesse<br />
da criança pelo corpo<br />
materno<br />
26. A mãe já não se<br />
sente mais obrigada a<br />
satisfazer tudo que a criança<br />
pe<strong>de</strong><br />
27. A criança olha <strong>com</strong><br />
curiosida<strong>de</strong> para o que<br />
interessa à mãe<br />
28. A criança gosta <strong>de</strong><br />
brincar <strong>com</strong> objetos usados<br />
pela mãe e pelo pai<br />
29. A mãe <strong>com</strong>eça a<br />
pedir à criança que nomeie o<br />
que <strong>de</strong>seja, não se<br />
contentando apenas <strong>com</strong><br />
gestos<br />
30. Os pais colocam<br />
pequenas regras <strong>de</strong><br />
<strong>com</strong>portamento à criança<br />
31. A criança<br />
diferencia objetos maternos,<br />
paternos e próprios<br />
41<br />
ED/FP Observação ou interrogatório<br />
FP Observação ou interrogatório<br />
SS/FP Privilegiar a observação<br />
FP Interrogatório<br />
FP Observação ou interrogatório<br />
FP Observação ou interrogatório<br />
FP Observação ou interrogatório<br />
Parece-nos importante apresentar essa pesquisa <strong>uma</strong> vez que ela é proposta por um<br />
grupo nacional <strong>de</strong> pesquisa que tem por foco o ato médico e a relação mãe-bebê. O objetivo<br />
do grupe é forjar um instrumento que dê subsídios aos pediatras para que eles possam <strong>de</strong>tectar<br />
o mais cedo possível crianças em situação <strong>de</strong>licada, que po<strong>de</strong>m ser autistas ou psicóticas mas<br />
que, por serem muito pequenas, é muito difícil nos darmos conta disso. Parece-nos pertinente<br />
<strong>uma</strong> vez que sabemos, através da clínica, que a estrutura se faz <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo.<br />
Nesse sentido, essa gra<strong>de</strong> nos dá subsídios para a observação <strong>de</strong> elementos que são<br />
pertinentes para nos ajudar a pensar o que estaria em jogo tão cedo para essa criança e <strong>com</strong>o<br />
termos acesso a elas. Parece-nos importante também esse trabalho <strong>de</strong> sensibilização e<br />
formação dos pediatras <strong>uma</strong> vez que eles estão na linha <strong>de</strong> frente em contato <strong>com</strong> as mães e os<br />
bebês <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento e que o olhar <strong>de</strong>les para essa questão é fundamental: eles são os<br />
principais possíveis encaminhadores para um tratamento psicanalítico.<br />
Excluído: <br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Excluído: Nos p<br />
Excluído: arece mais
42<br />
No entanto, na nossa opinião, esse tipo <strong>de</strong> gra<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser aplicada <strong>de</strong> maneira não<br />
advertida, <strong>uma</strong> vez que é <strong>uma</strong> gra<strong>de</strong> psicológica fundamentada na observação do<br />
<strong>com</strong>portamento. Nesse sentido, ela não é um instrumento que leva a <strong>uma</strong> escuta ou a <strong>uma</strong><br />
leitura psicanalítica por si só. Ela nos parece interessante para ser utilizada <strong>com</strong>o algo que, no<br />
um a um <strong>de</strong> cada criança, vai colocar em tensionamento essa observação, vai dialetizar esses<br />
elementos observados, submetendo-os um a um à escuta <strong>de</strong> um analista<br />
Avançamos isso, apoiano-nos no que o método analítico nos ensina, no que a partir <strong>de</strong>le<br />
po<strong>de</strong>mos ler, apostando num tensionamento entre nossa leitura e o saber dos pediatras, da<br />
puericultura, das enfermeiras, das pessoas que trabalham no programa médico da família, ou<br />
seja, apostar num trabalho que não sobrepõe os saberes, mas os enlaça <strong>de</strong> tal forma que eles<br />
possam operar num mesmo campo <strong>com</strong> <strong>uma</strong> exteriorida<strong>de</strong> entre si.<br />
Po<strong>de</strong>mos então verificar que os indicadores têm <strong>com</strong>o base os quatros eixos, que são noções<br />
fundamentais na psicanálise. Assim, propõe-se que o sinal <strong>de</strong> risco estaria na ausência dos<br />
indicadores. Trata-se então <strong>de</strong> um método que passa pela observação e que se diz<br />
psicanalítico.<br />
Do nosso ponto <strong>de</strong> vista encontramos aí um equivoco. Porque nos parece que a partir<br />
da ética da psicanálise não é possível transformar presença, ausência, <strong>de</strong>manda, suposição <strong>de</strong><br />
saber, em coisas observáveis , mensuráveis, apreensíveis, or<strong>de</strong>náveis.<br />
O método analítico é outro, não existe <strong>uma</strong> or<strong>de</strong>nação do normal ou do patológico.<br />
Para Freud, o patológico é a via <strong>de</strong> acesso à verda<strong>de</strong> possível do sujeito, o “aberrante” é que<br />
revela o normal, é aquilo que o normal escon<strong>de</strong>. Dessa forma o método analítico constitui-se<br />
em um princípio que é <strong>de</strong>terminante na maneira <strong>com</strong>o vamos abordar os indícios <strong>de</strong> que há<br />
sofrimento psíquico, não po<strong>de</strong> ser então pela via do que <strong>de</strong>ve ser, ou seja, pela via da<br />
normalida<strong>de</strong>, <strong>com</strong>o nos parece estar proposto no caso <strong>de</strong>ssa pesquisa do GNP, a partir dos<br />
indicadores <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong>. Para a gente, partir do método analítico seria, pelo contrário, nos<br />
<strong>de</strong>ixar guiar pelo o adoecimento do infans para analisar o que está em jogo para ele.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos que só é possível saber caso a caso, na via <strong>de</strong> acesso <strong>de</strong> cada um.<br />
E <strong>com</strong>o vimos até agora, a partir do discurso, do encontro do outro e do Sujeito, só<br />
<strong>de</strong>pois po<strong>de</strong>remos fazer <strong>uma</strong> leitura <strong>com</strong> o que se transmite nos intervalos do discurso, não no<br />
que é falado ao pé da letra.<br />
Excluído: nos apoiarmos<br />
Excluído: no<br />
Excluído: trabalhão<br />
Excluído: medico<br />
Excluído: m<br />
Excluído: m<br />
Excluído:<br />
Excluído: trabalhar<br />
Excluído: ele<br />
Excluído: se<br />
Inserido: se<br />
Excluído: o.<br />
Excluído: E<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: medível<br />
Excluído: dí<br />
Inserido: dínsurá<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído: <br />
Excluído: a<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: ´´<br />
Excluído: ´´<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: (colocar ref,. Em ... pé [27]<br />
<strong>de</strong><br />
Excluído: ,<br />
Excluído: pricipio<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: contrario<br />
Excluído: esta<br />
Excluído: o infans<br />
Excluído:<br />
Excluído: no<br />
Excluído: que no
43<br />
III. Alienação e separação<br />
Excluído: Nesse sentido nos<br />
parece muito <strong>de</strong>licado propor esses<br />
instrumentos.<br />
Quebra <strong>de</strong> página<br />
Excluído: CAPÍTULO II<br />
ALIENAÇÃO E SE
44<br />
Abordaremos os conceitos <strong>de</strong> alienação e separação articulados <strong>com</strong> questões do sujeito<br />
e do <strong>de</strong>sejo do Outro, a partir do ensino <strong>de</strong> Lacan e do estudo feito sobre o assunto por Bruce<br />
Fink. Lacan dirá que se trata <strong>de</strong> duas operações na relação do Sujeito ao Outro. O conceito <strong>de</strong><br />
alienação trata do assujeitamento do Sujeito ao Outro da linguagem, enquanto o conceito <strong>de</strong><br />
separação trata da relação do sujeito alienado <strong>com</strong> o Outro <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejo.<br />
Se tomarmos o conceito lacaniano <strong>de</strong> alienação, po<strong>de</strong>mos dizer que a criança constitui-<br />
se a partir da linguagem do Outro, ao qual <strong>de</strong>ve assujeitar-se para alcançar a condição <strong>de</strong><br />
sujeito. Só quando a criança é assujeitada ao Outro é que o significante po<strong>de</strong> substituí-la.<br />
Lacan escreve Outro/criança. Na alienação, segundo Lacan, há <strong>uma</strong> “escolha forçada” por<br />
parte da criança em alienar-se ao Outro da linguagem. Freud 66 já havia falado em escolha ou<br />
eleição da neurose. Para Lacan, há sempre um tipo <strong>de</strong> escolha em jogo na aceitação da criança<br />
à sujeição a esse Outro. Há, precisamente, <strong>uma</strong> “escolha forçada” por parte da criança em<br />
alienar-se ao Outro da linguagem. “A psicanálise, então, nos lembra que os fatos da psicologia<br />
h<strong>uma</strong>na não po<strong>de</strong>riam conceber na ausência da função do sujeito <strong>de</strong>finido <strong>com</strong>o efeito do<br />
significante” 67 .<br />
Parece-nos importante <strong>de</strong>stacar aqui a radicalida<strong>de</strong> que Lacan traz nesse paradoxo, <strong>uma</strong><br />
vez que, se é “forçada”, é para dizer que não há <strong>com</strong>o não se tornar sujeito da linguagem,<br />
senão é a morte. É nesse sentido que Freud já havia falado <strong>de</strong> Bejahung 68 , que é o sim para a<br />
linguagem. De fato, esse que faz a escolha forçada antes não é ninguém. Nessa perspectiva<br />
estrutural, constatamos, então, que o termo “escolha” se refere ao fato <strong>de</strong> que tem que ser<br />
possível haver um não, mas que ela é forçada porque tem que se dizer sim para a linguagem,<br />
um sim forçado, senão o ser morre, ele não advém <strong>com</strong>o sujeito.<br />
Po<strong>de</strong>ríamos metaforizar a sujeição do sujeito à linguagem da seguinte forma: trata-se <strong>de</strong><br />
um movimento pelo qual o Outro chega e tenta recobrir o ser <strong>de</strong> sentido, tenta lhe atribuir<br />
sentido. Uma vez que, ao recobrir o sujeito <strong>com</strong> o seu significante, ele reduz o sujeito a um<br />
66<br />
FREUD, Sigmund (1911), Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental, in ESB,<br />
Vol XII; AE, vol. XII.<br />
67<br />
LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 196.<br />
68<br />
Freud introduziu esse termo em 1925, no artigo "A negativa" (AE, vol. XXI; ESB, vol. XIX).<br />
Excluído: .<br />
Excluído: .<br />
Excluído: XII<br />
Excluído: .<br />
Excluído:<br />
Excluído: Esb<br />
Excluído: PARAÇÃO<br />
Excluído: -se<br />
Excluído: d<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: <br />
“<br />
Excluído: ”<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído:
significante, “petrificando-o pelo mesmo movimento <strong>com</strong> que o chama a funcionar, a falar<br />
<strong>com</strong>o sujeito” 69 .<br />
45<br />
Produz-se então um movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>saparecimento do sujeito, a afânise. Para Lacan,<br />
linguagem e <strong>de</strong>sejo integram a estrutura, <strong>uma</strong> vez que o significante, ao representar, substituir<br />
o sujeito, constitui um vazio, um furo, relançando e causando o <strong>de</strong>sejo.<br />
O <strong>de</strong>sejo nasce, portanto, do furo da estrutura. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> operação estrutural, não<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> operação <strong>de</strong>senvolvimentista na qual algo, no infans, estaria previamente,<br />
geneticamente nele e que o Outro viria apenas estimular para que o infans se <strong>de</strong>senvolva bem.<br />
A alienação<br />
Na alienação, temos então o assujeitamento que parte do <strong>de</strong>sejo do Outro que estava lá<br />
antes do seu nascimento, e que consiste na constituição do sujeito a partir do Outro <strong>com</strong>o<br />
linguagem; isso significa que, a partir do <strong>de</strong>sejo do Outro, ou seja, dos significantes que ele<br />
oferece ao sujeito, a partir do seu <strong>de</strong>sejo, o sujeito se constitui. Este <strong>de</strong>sejo consiste na falta,<br />
no furo estrutural, constituído pela linguagem, que, ao representar o sujeito <strong>com</strong> os<br />
significantes, num mesmo movimento representa o sujeito, o assujeita, escon<strong>de</strong>ndo-o por trás<br />
do significante, constituindo assim o furo, a falta e a divisão do sujeito.<br />
Parece-nos interessante marcar aqui que Lacan articula esse processo entre o sujeito e o<br />
Outro <strong>com</strong>o circular, sem reciprocida<strong>de</strong>, “do sujeito chamado ao Outro, ao sujeito pelo que<br />
ele viu a si mesmo aparecer no campo do Outro, do Outro que lá retorna” 70 .<br />
Assim o significante, produzindo-se no campo do Outro, engendra o sujeito <strong>de</strong> sua<br />
significação. No entanto, ao funcionar <strong>com</strong>o significante, ele reduz o sujeito a apenas ser um<br />
significante, petrificando-o pelo mesmo movimento a ser sujeito e fazendo <strong>com</strong> que ele<br />
<strong>de</strong>sapareça, se <strong>de</strong>svaneça, produzindo a afânise do sujeito. Vemos aqui <strong>com</strong>o é importante<br />
esta afânise do sujeito, <strong>com</strong>o ela é estruturalmente necessária para que possa haver esse ponto<br />
<strong>de</strong> falta estrutural que possibilita que o sujeito surja.<br />
Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> operação na qual o sujeito, que <strong>de</strong> início é nada, passa a ser alg<strong>uma</strong><br />
coisa a partir do outro, que lhe dirige a palavra, recobrindo-o <strong>com</strong> significantes. Nesse<br />
69 LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 197.<br />
70 LACAN, Jacques, op.cit., p. 196.<br />
Excluído: (197)<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: Nos parece muito<br />
importante constatar que se t<br />
Excluído: e não <strong>de</strong> algo prévio,<br />
genético, que o Outro viria apenas<br />
estimular <strong>uma</strong> lógica<br />
<strong>de</strong>senvolvimentista.<br />
Excluído: 2.1.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: traz<br />
Excluído:<br />
Excluído: o sujeito dividido entre<br />
o sujeito do enunciado e o sujeito<br />
da enunciação<br />
Excluído: (isso está correto?)<br />
Excluído: Nos p<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: o<br />
Excluído: o<br />
Excluído: (ref)sem 11 os<br />
conceitos...<br />
Excluído: ele,<br />
Inserido: ,<br />
Excluído: que<br />
Excluído: ar
momento, o sujeito, que é nada, é representado por um significante, S1. Há, então, S1,<br />
significante petrificado, porque não remete a nada, o que Lacan chama petrificação do sujeito,<br />
eclipsado pelo S1 e que, portanto, é sem sentido.<br />
46<br />
Devemos <strong>de</strong>stacar que essa falta é <strong>uma</strong> metáfora para falar <strong>de</strong> algo que não está em seu<br />
lugar. O que Lacan quer mostrar é que, para algo faltar, é imprescindível que tenha estado em<br />
um lugar referenciado a algum tipo <strong>de</strong> estrutura simbólica. A alienação confere um lugar, na<br />
or<strong>de</strong>m simbólica, ao sujeito – este passa a ser representado por um significante e, assim, é<br />
“eclipsado pela linguagem”. O sujeito está, então, ligado a <strong>uma</strong> condição <strong>de</strong> falta-a-ser. Lacan<br />
<strong>de</strong>fine a alienação <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> operação que se constitui na relação <strong>com</strong> o Outro, em <strong>uma</strong><br />
lógica <strong>de</strong> união do sujeito ao Outro, que, no entanto, leva em conta a falta-a-ser.<br />
Será necessário um outro significante, S2, que retroativamente fará surgir um efeito <strong>de</strong><br />
sentido. Lacan <strong>de</strong>monstra que há, na operação <strong>de</strong> alienação, um passo lógico, necessário para<br />
que o sujeito possa advir a partir do Outro, do significante do Outro, na condição <strong>de</strong> fazer <strong>uma</strong><br />
escolha forçada que o leve do não ser ao ser, do não-sentido à escolha do sentido. O que é<br />
muito importante é que essa escolha do sentido consiste n<strong>uma</strong> escolha forçada e, na sua<br />
própria estrutura, essa lógica evi<strong>de</strong>ncia a escolha pelo sentido e faz surgir a parte <strong>de</strong> não-<br />
sentido sempre presente e incluída no sentido.<br />
Assim a alienação é constituída por um tipo <strong>de</strong> vel, ou seja, <strong>de</strong> escolha, que tem <strong>com</strong>o<br />
conseqüência que o sujeito aparece na divisão, se ele aparecer <strong>de</strong> um lado <strong>com</strong>o sentido, <strong>com</strong>o<br />
efeito do significante, do outro ele aparecerá <strong>com</strong>o afânise. O vel da alienação se <strong>de</strong>fine pela<br />
forma lógica da reunião – Lacan explica <strong>com</strong> conjuntos e nos mostra que <strong>uma</strong> coisa é<br />
adicionar coleções e outra é reuni-las.<br />
Dessa forma, quando estamos na lógica da reunião, há elementos que po<strong>de</strong>m pertencer<br />
aos dois conjuntos. Ele exemplifica <strong>com</strong> dois círculos contendo cinco elementos em cada um;<br />
um círculo <strong>de</strong>monstra que na lógica da adição teremos <strong>de</strong>z elementos, enquanto na lógica da<br />
reunião há os elementos que po<strong>de</strong>m pertencer aos dois círculos, e reuni-los não consiste em<br />
reduplicá-los, mas em ter na reunião oito elementos 71 .<br />
71 LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 200.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: irá<br />
Excluído: zer<br />
Excluído: –<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: –<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: aparecera<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: 5<br />
Excluído: i<br />
Excluído: a e<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: (ref)sem 11 p.200<br />
Inserido: (ref)sem 11 p.200
47<br />
Por conseqüência, temos na reunião um elemento que se sustenta pelo fato <strong>de</strong> que,<br />
qualquer que seja a escola que se opera, temos por conseqüência um nem um, nem outro.<br />
Temos aí um tipo <strong>de</strong> escolha em que se a gente preten<strong>de</strong>r guardar <strong>uma</strong> das partes, a outra<br />
<strong>de</strong>saparece em cada caso.<br />
A partir disso, se escolhemos o ser, o sujeito <strong>de</strong>saparece, ele se esquiva, cai no não-<br />
senso; se escolhemos o sentido (o significante), ele subsiste <strong>de</strong>cepado <strong>de</strong>ssa parte <strong>de</strong> não-<br />
senso que constitui a realização do sujeito, e que é o inconsciente. Assim o sentido surge no<br />
campo do Outro, e é em boa parte eclipsado pelo <strong>de</strong>saparecimento do ser, em conseqüência da<br />
função do significante.<br />
Embora não estejamos aqui tratando do conceito <strong>de</strong> interpretação, nos parece<br />
importante, em função da tentativa <strong>de</strong> formalização da clínica que abordaremos no próximo<br />
capítulo, observar que, a partir do que acabamos <strong>de</strong> ver, Lacan dirá que a interpretação não<br />
visa tanto o sentido, mas visa sobretudo reduzir os significantes a seu não-senso, para que se<br />
possa reencontrar “os <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> toda a conduta do sujeito” 72 . A interpretação não visa<br />
o que diz o significante ao pé da letra, não é o que está sendo falado, mas sim o que po<strong>de</strong>mos<br />
ler no intervalo entre eles, ou seja, não é tanto o que ele afirma, mas o que ele aponta.<br />
Trata-se então, <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> vel alienante, que traz um paradoxo. Lacan vai ilustrá-lo<br />
<strong>com</strong> a expressão a bolsa ou a vida, ou seja, “é <strong>uma</strong> vida <strong>de</strong>cepada”. Parece-nos que aqui<br />
Lacan quer ilustrar que, no confronto do sujeito <strong>com</strong> o Outro, o primeiro sai <strong>de</strong> cena <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
início – <strong>uma</strong> vez que, na operação <strong>de</strong> alienação, o Outro, ao recobrir o ser <strong>com</strong> o sentido,<br />
produz um furo, <strong>uma</strong> falta, já que o significante que vem do Outro se sobrepõe a esse ser que<br />
agora não é mais ser, mas sujeito.<br />
A separação<br />
A segunda operação é a separação. Segundo Lacan, ela é fundada na subestrutura da<br />
interseção ou produto. Sabemos que a interseção <strong>de</strong> dois conjuntos é constituída pelos<br />
elementos que fazem parte dos dois conjuntos. É na lógica da interseção que a operação da<br />
separação vai se constituir.<br />
72 LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 201.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: teremos que<br />
Excluído: Se<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: n<br />
Excluído: clinica<br />
Excluído: capitulo<br />
Excluído: trazer<br />
Excluído: (<strong>uma</strong> frase para<br />
explicar?)<br />
Excluído: intrpretaçao<br />
Excluído:<br />
Excluído: ’’<br />
Excluído: ‘’<br />
Excluído: pè<br />
Excluído:<br />
Excluído: è<br />
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Excluído: eles<br />
Excluído: è<br />
Excluído: ,<br />
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Excluído: A<br />
Excluído: Nos p<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: inicio<br />
Excluído: . U<br />
Excluído: <br />
Excluído: 2.2.<br />
Excluído: , s
48<br />
Segundo Lacan, essa operação vai se situar precisamente na lúnula, num <strong>espaço</strong> vazio<br />
entre dois, on<strong>de</strong> encontramos a forma da hiância, da borda. Uma vez que o Outro, ao <strong>de</strong>sejar<br />
para mais além do sujeito, constitui-se <strong>com</strong>o um outro a quem falta, que <strong>de</strong>seja e que, ao<br />
<strong>de</strong>sejar para mais além do sujeito, o barra, produz a castração no sujeito, produzindo-se <strong>uma</strong><br />
falta no sujeito, que é o que na operação <strong>de</strong> castração marca o sujeito <strong>com</strong> o que não é<br />
alienável no Outro ou não simbolizável, é o resto da operação, o que Lacan chama <strong>de</strong> objeto<br />
a; temos então o recobrimento <strong>de</strong> duas faltas, a do sujeito e a do Outro.<br />
Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> operação na qual a noção <strong>de</strong> interseção surge do recobrimento <strong>de</strong> duas<br />
faltas, a do sujeito e a do Outro.<br />
O sujeito encontra nos intervalos do discurso do Outro <strong>uma</strong> falta ou <strong>de</strong>sejo. Assim, o<br />
<strong>de</strong>sejo do Outro é apreendido pelo sujeito, no que no discurso do Outro falta <strong>uma</strong> cola. Lacan<br />
enten<strong>de</strong> então os “por que” da criança não simplesmente <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> avi<strong>de</strong>z da razão, mas<br />
<strong>com</strong>o <strong>uma</strong> questão acerca do enigma do <strong>de</strong>sejo do adulto. E nos esclarece que o primeiro<br />
objeto que o sujeito vai propor <strong>com</strong>o resposta para o enigma do objeto <strong>de</strong>sconhecido do<br />
<strong>de</strong>sejo parental é sua própria perda, ou seja, o primeiro objeto que o sujeito coloca em jogo<br />
nessa dialética é a fantasia <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>saparecimento,“po<strong>de</strong> ele me per<strong>de</strong>r?” 73<br />
Por isso Lacan afirma que <strong>uma</strong> falta recobre a outra: “Daí, a dialética dos objetos do<br />
<strong>de</strong>sejo, no que ela faz junção do <strong>de</strong>sejo do sujeito <strong>com</strong> o <strong>de</strong>sejo do Outro – há muito tempo<br />
que lhes disse que era a mesma coisa – essa dialética passa pelo seguinte: que aí ele não é<br />
respondido diretamente. É <strong>uma</strong> falta engendrada pelo tempo prece<strong>de</strong>nte que serve para<br />
respon<strong>de</strong>r à falta suscitada pelo tempo seguinte.” 74<br />
A separação constitui-se, então, na maneira pela qual o sujeito alienado procura<br />
posicionar-se em relação ao <strong>de</strong>sejo do Outro, ou seja, a criança está sempre tentando <strong>de</strong>scobrir<br />
qual seu lugar no <strong>de</strong>sejo do outro.<br />
Nesse sentido, a separação consiste na confrontação do sujeito <strong>com</strong> a falta, <strong>com</strong> o<br />
Outro, e é a tentativa do sujeito <strong>de</strong> fazer um laço não mais <strong>com</strong> o Outro do saber, <strong>com</strong>o na<br />
alienação, mas <strong>com</strong> o Outro do <strong>de</strong>sejo, a quem falta. Devemos esclarecer que para Lacan falta<br />
e <strong>de</strong>sejo são co-extensivos.<br />
Constatamos que, <strong>uma</strong> vez que a separação remete ao momento em que surge o não-<br />
sentido, a tomada <strong>de</strong> posição do sujeito é na direção <strong>de</strong> sua escolha forçada pelo sentido, ou<br />
73 LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 203.<br />
74 LACAN, op.cit., p. 203.<br />
Excluído: … …alem … …i –…<br />
alem … …barra …castraçao<br />
sujeito … –…è ... [28]<br />
Excluído: o<br />
Excluído: È … …<br />
simbolisavel …è…operação ... [29]<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: , …recubrimento ... [30]<br />
Excluído: ,…,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ês<br />
Excluído: ,…,<br />
Excluído: do objeto<br />
<strong>de</strong>sconhecido<br />
Excluído: ,…<strong>de</strong>saparecimento ... [33]<br />
Excluído: .<br />
Excluído: 203<br />
Excluído: .…<br />
o<br />
Excluído: .<br />
Excluído:<br />
Excluído: (ref)p.203<br />
Excluído: através d<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,…Saber<br />
Excluído: não<br />
... [31]<br />
... [32]<br />
... [34]<br />
... [35]
seja, a partir da sua própria falta-a-ser o sujeito tenta preencher a falta-a-ser do Outro. A partir<br />
da tentativa <strong>de</strong> ser o objeto do <strong>de</strong>sejo da mãe, o <strong>de</strong>sejo da criança é constituído. Por isso, para<br />
Lacan 75 , o <strong>de</strong>sejo do homem é o <strong>de</strong>sejo do Outro. “Daí, a dialética dos objetos do <strong>de</strong>sejo (…)<br />
49<br />
faz a junção do <strong>de</strong>sejo do sujeito e do <strong>de</strong>sejo do Outro” 76<br />
O que nos parece fundamental na operação <strong>de</strong> separação é que Lacan <strong>de</strong>monstra que o<br />
<strong>de</strong>sejo da criança se torna possível pelo fato <strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo da mãe não se satisfazer <strong>com</strong> esta<br />
<strong>com</strong>o objeto que preenche sua falta. É esse corte que faz surgir o objeto a, <strong>com</strong>o resto, ou seja<br />
<strong>de</strong>sse verda<strong>de</strong>iro laço entre a falta do sujeito e a falta do Outro.<br />
A operação da separação implica <strong>uma</strong> lógica <strong>de</strong> “um ou outro no laço entre sujeito e<br />
outro. Nela constitui-se um corte no laço sujeito–outro, fazendo <strong>com</strong> que o <strong>de</strong>sejo do Outro se<br />
separe do sujeito. De fato, o <strong>de</strong>sejo do Outro escapa sempre ao sujeito, por estar se dirigindo a<br />
algo mais: é no intervalo entre esses dois significantes que vije o <strong>de</strong>sejo oferecido ao<br />
balisamento do sujeito na experiência do discurso do Outro, do primeiro Outro <strong>com</strong> o qual ele<br />
tem que lidar, digamos, para ilustrar, a mãe, no caso. É no que seu <strong>de</strong>sejo está para além ou<br />
aquém do que ela diz, do que ela intima, do que ela faz surgir <strong>com</strong> sentido, é no que o seu<br />
<strong>de</strong>sejo é <strong>de</strong>sconhecido, é nesse ponto <strong>de</strong> falta que se constitui o <strong>de</strong>sejo do sujeito.” 77 .<br />
Tal separação produz um resto, o objeto a, através do qual o sujeito se constitui <strong>com</strong>o<br />
<strong>de</strong>sejante. Lacan diz que o objeto a possibilita a constituição da fantasia, que sustenta a ilusão<br />
da totalida<strong>de</strong> na tentativa do sujeito <strong>de</strong> se livrar da divisão. Dessa operação surge a divisão do<br />
sujeito em eu e inconsciente, e a divisão do Outro em Outro falante e objeto a.<br />
Assim, segundo Bruce Fink, o corte no laço sujeito–outro produz, do lado do sujeito,<br />
<strong>uma</strong> divisão entre eu e inconsciente. O inconsciente consiste na fantasia $◊a. O <strong>de</strong>sejo do<br />
Outro é conservado na fantasia, enquanto o objeto a torna-se parceiro fantasístico. Ao entrar<br />
na fantasia, o objeto a torna-se um meio, um instrumento para o sujeito arranjar as coisas na<br />
cena da fantasia, na tentativa <strong>de</strong> obter prazer e emoção, “essa emoção, esteja ela relacionada a<br />
um sentimento consciente <strong>de</strong> prazer ou <strong>de</strong> dor, é o que os franceses <strong>de</strong>nominam jouissance<br />
[gozo]” 78 . Já do lado do Outro, o <strong>de</strong>sejo se livra do sujeito resultando na divisão do Outro em<br />
Outro Falante e objeto a. Destacamos, <strong>com</strong>o elemento da operação <strong>de</strong> separação, a produção<br />
75<br />
LACAN, op.cit.,Vea-se FINK, Bruce, O sujeito lacaniano entre a linguagem e o gozo, op.cit., p. 82<br />
76<br />
LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 203.<br />
77<br />
LACAN, Jacques (1964), Op. Cit., p. 207.<br />
78<br />
FINK, Bruce, O sujeito lacaniano entre a linguagem e o gozo, op.cit., p. 82<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído: diz<br />
Excluído: : “Le désir <strong>de</strong><br />
Excluído: L’homme<br />
Excluído: l’homme, c’est le désir<br />
<strong>de</strong> l’Autre”<br />
Inserido: l’homme<br />
Excluído: .<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: -<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: irá<br />
Excluído: r<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: -<br />
Excluído: ( )<br />
Excluído:<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: fantasmático<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a
<strong>de</strong> um gozo, que resulta do movimento do sujeito em tentar <strong>de</strong>cifrar o <strong>de</strong>sejo do Outro. O<br />
gozo visa substituir essa perda.<br />
50<br />
Preten<strong>de</strong>mos agora <strong>de</strong>screver <strong>com</strong>o se daria a constituição do <strong>espaço</strong> subjetivo na<br />
operação <strong>de</strong> alienação e separação, em <strong>uma</strong> referência ao <strong>espaço</strong> criança e mãe ou infans e<br />
Outro materno 60 .<br />
Como vimos, a alienação é a operação na qual o sujeito está diante do Outro da<br />
linguagem, que é, geralmente, a mãe e que lhe en<strong>de</strong>reça a palavra, convidando-o a assujeitar-<br />
se. Trata-se da chamada “escolha forçada” ou o assujeitamento a um significante, o “eclipse”,<br />
e que tem, <strong>com</strong>o conseqüência, a marcação <strong>de</strong> um lugar subjetivo <strong>de</strong>ntro da or<strong>de</strong>m simbólica.<br />
Se retomarmos o <strong>espaço</strong> criança e Outro materno, <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar <strong>com</strong>o é<br />
imprescindível que este se en<strong>de</strong>rece à criança, se interesse por ela, lhe oferecendo<br />
significantes, ou seja, é importante que o Outro materno transmita, em vez <strong>de</strong> mostrar para a<br />
criança, que é um sujeito <strong>de</strong>sejante, ou seja, que é faltante por ter se alienado à linguagem e<br />
ser, portanto, um sujeito dividido. A mãe investe na criança libinalmente, en<strong>de</strong>reçando-se a<br />
ela supondo um sujeito, antecipando o que ela acha que ela está querendo, precisando,<br />
conversando <strong>com</strong> ela, mas não sabendo <strong>de</strong> tudo, ou seja, barrada no seu saber, na sua posição<br />
subjetiva e, assim, não toda.<br />
É a partir do <strong>de</strong>sejo da mãe que a criança busca se situar, tentando fazer coincidir sua<br />
própria falta <strong>com</strong> a do Outro materno. Procura ser o objeto que satisfaz o <strong>de</strong>sejo da mãe: “o<br />
sujeito traz a resposta da falta antece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>saparecimento, que ele vem aqui<br />
situar no ponto <strong>de</strong> falta percebida do Outro” 79 . A criança quer ocupar o <strong>espaço</strong> vazio do<br />
Outro, quer saber que lugar ocupa no <strong>de</strong>sejo do Outro, quer ser amada. Segundo Lacan: “nos<br />
intervalos do discurso do Outro surge na experiência da criança o seguinte, que é radicalmente<br />
<strong>de</strong>stacável – ele me diz isso, mas o que é que ele quer” 80 .<br />
Assim, <strong>uma</strong> falta recobre a outra, “daí a dialética dos objetos do <strong>de</strong>sejo, no que ela faz a<br />
junção do <strong>de</strong>sejo do sujeito <strong>com</strong> o <strong>de</strong>sejo do Outro” 81 .<br />
Na maioria das vezes, o sujeito será barrado pelo Outro materno, que não o autoriza a<br />
ocupar todo o <strong>espaço</strong> do seu <strong>de</strong>sejo e mantém outros interesses. Lacan vai chamar esse<br />
79 LACAN, Jacques (1964), O seminário, Livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 203.<br />
80 Ibid.<br />
81 Ibid.<br />
Excluído: a<br />
Excluído: .<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: en<strong>de</strong>rensando<br />
Excluído: ele<br />
Excluído: esta<br />
Excluído:<br />
Excluído: presisando<br />
Excluído: s<br />
Excluído: ele<br />
Excluído: ,<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: .<br />
Excluído:<br />
Excluído: .<br />
Excluído: 61<br />
Excluído: . A criança<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: .<br />
Excluído: 62<br />
Excluído: .<br />
Excluído: 63
interesse <strong>de</strong> terceiro termo ou nome do pai, <strong>uma</strong> vez que age <strong>com</strong>o função paterna ou<br />
metáfora paterna. Trata-se da função <strong>de</strong> barrar ou interditar o sujeito para o Outro materno.<br />
Ou seja, não é necessário que seja <strong>uma</strong> pessoa, ou po<strong>de</strong> até ser <strong>uma</strong> pessoa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja um<br />
significante.<br />
51<br />
Assim, <strong>com</strong>o postula Bruce Fink, po<strong>de</strong>mos dizer que a linguagem tem <strong>uma</strong> função <strong>de</strong><br />
proteção em relação ao laço dual criança e mãe ou Outro materno. Protege, substituindo o<br />
<strong>de</strong>sejo da mãe por um nome. Isso já tem um efeito <strong>de</strong> separação, <strong>de</strong> diferenciação entre o<br />
sujeito e o <strong>de</strong>sejo do Outro. Temos, então, Nome do Pai/Desejo da Mãe. Ou seja, essa<br />
substituição, que se dá somente por meio da linguagem, ocorre pela instalação <strong>de</strong> um segundo<br />
significante, S2, que, retroativamente, transforma o primeiro significante em S1.<br />
O S2 é um significante que tem por função simbolizar o <strong>de</strong>sejo do Outro materno, ao<br />
transformá-lo em significante e, <strong>de</strong>ssa forma, cria <strong>uma</strong> separação necessária entre criança e o<br />
Outro materno. Essa separação tem <strong>com</strong>o efeito a saída do sujeito do campo do Outro e,<br />
portanto, <strong>uma</strong> mudança <strong>de</strong> posição na qual o primeiro passa a ocupar o lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejante.<br />
Com a separação, o corte no laço criança–Outro que mantinha a ilusão <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>,<br />
ocorre <strong>uma</strong> expulsão do sujeito do <strong>de</strong>sejo do Outro materno, que está mobilizado por algo<br />
além <strong>de</strong>le. Essa operação produz um ser que agora é capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar.<br />
Alienação e separação: <strong>articulação</strong> da <strong>teoria</strong> <strong>com</strong> a clínica<br />
Preten<strong>de</strong>mos brevemente retomar os conceitos <strong>de</strong>senvolvidos nos capítulos prece<strong>de</strong>nte<br />
para, em seguida, articulá-los <strong>com</strong> a clínica. Começaremos <strong>com</strong> a contribuição <strong>de</strong> Eric<br />
Laurent, em seu artigo “Alienação e separação II” 82 , em que <strong>com</strong>enta o capítulo 16, “O sujeito<br />
e o Outro II, a afânise”, do Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.<br />
Gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar primeiro que, segundo o autor, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> alienação que<br />
Lacan elabora coloca o Outro <strong>com</strong>o “lugar em que se situa a ca<strong>de</strong>ia significante que <strong>com</strong>anda<br />
tudo que vai po<strong>de</strong>r presentificar-se do sujeito” 83 . Há um laço entre o sujeito e o Outro que se<br />
constitui por alienação, <strong>uma</strong> vez que o sujeito só po<strong>de</strong>rá ser conhecido no lugar do Outro.<br />
82 LAURENT, Eric, “Alienação e separação", in FELDSTEIN, Richard, FINK Bruce e JAANUS Maire<br />
(orgs), Para ler o Seminário 11 <strong>de</strong> Lacan, Os quatro conceitos da psicanálise, Jorge Zahar Editor 1997, pp. 42-<br />
51.<br />
83 LACAN, Jacques, op.cit., pp. 193-194.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: -<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: 2.3.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: Afânise
52<br />
Na operação <strong>de</strong> alienação, o infans <strong>com</strong>eça a ser a partir do assujeitamento a um<br />
significante que vem do campo do Outro da linguagem. Ele é recoberto por um significante,<br />
ganhando um lugar no simbólico, que tem a função <strong>de</strong> possibilitar seu advento <strong>com</strong>o sujeito.<br />
O ser é representado por um significante, portanto eclipsado por trás <strong>de</strong>ste ou “petrificado”<br />
por um significante.<br />
Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> operação paradoxal: por um lado, o sujeito ganha, ao passar do nada<br />
para um ser representado por um significante – ganha um lugar na or<strong>de</strong>m simbólica e, a partir<br />
daí, po<strong>de</strong> <strong>com</strong>eçar a viver e a ser; por outro lado, a ação do significante sobre ele,<br />
arranhando 84 <strong>uma</strong> parte do seu ser, que não po<strong>de</strong> ser totalmente representada pelo significante<br />
e que o eclipsa ou o faz <strong>de</strong>saparecer por trás do significante.<br />
Na alienação, há um tipo <strong>de</strong> escolha forçada por parte do sujeito, do tipo ou/ou, “ou a<br />
bolsa ou a vida”. Ao fazê-la, po<strong>de</strong> ganhar a vida, a condição <strong>de</strong> ser, mas fica eclipsado pelo<br />
significante, tornando-se assim furo. Temos um sujeito na condição <strong>de</strong> furo, <strong>de</strong> marcador<br />
simbólico.<br />
Na segunda operação, a separação, temos o recobrimento <strong>de</strong> duas faltas. Lacan dirá que<br />
a falta do sujeito recobre a falta do Outro, instaurando a dialética do <strong>de</strong>sejo que é “o sujeito<br />
traz a resposta da falta antece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu próprio <strong>de</strong>saparecimento, que ele vem aqui situar<br />
no ponto <strong>de</strong> falta percebida no Outro" 85 . Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> dialética, porque, a partir <strong>de</strong> sua<br />
falta, o sujeito busca <strong>uma</strong> resposta no Outro, produzindo <strong>uma</strong> falta entre o sujeito e o Outro.<br />
Aí temos o sujeito procurando saber sobre sua falta por meio da falta do Outro. Este percebe a<br />
falta no discurso do Outro e procura se alojar no ponto <strong>de</strong> falta percebido no Outro: “O<br />
primeiro objeto que ele propõe a esse <strong>de</strong>sejo parental cujo objeto é <strong>de</strong>sconhecido, é sua<br />
própria perda – po<strong>de</strong> ele me per<strong>de</strong>r?" 86<br />
O sujeito vai tentar correspon<strong>de</strong>r ao <strong>de</strong>sejo do Outro materno que, ao en<strong>de</strong>reçar seu<br />
próprio <strong>de</strong>sejo para além do sujeito, produz <strong>uma</strong> separação ao interditar que o sujeito seja o<br />
objeto do seu <strong>de</strong>sejo. Produz-se <strong>uma</strong> operação <strong>de</strong> castração na qual o sujeito é barrado,<br />
interditado nesse lugar, excluído do lugar <strong>de</strong> objeto. O <strong>de</strong>sejo do Outro passa a ser tomado<br />
<strong>com</strong>o causa, o sujeito i<strong>de</strong>ntificando-se à ação <strong>de</strong>sejante do Outro e po<strong>de</strong>ndo tornar-se<br />
<strong>de</strong>sejante. Nessa operação <strong>de</strong> separação, haverá um resto que cai, que é isso que falta no<br />
84 MILLER Jacques-Alain, Cours du 14 novembre 1984/ 1,2,3,4.<br />
85 LACAN, op.cit., p. 213.<br />
86 Ibid.<br />
Excluído: Jacques<br />
Excluído: o.c<br />
Excluído: ,
Outro, esse <strong>de</strong>sejo do Outro que é interditado ao sujeito e, por isso, diremos não simbolizável,<br />
que vamos chamar <strong>de</strong> objeto a.<br />
53<br />
Importa extrair <strong>de</strong>ssa teorização para nossa clínica o papel fundamental do Outro<br />
materno, ou quem está em seu lugar, no en<strong>de</strong>reçamento ao sujeito, ao infans, <strong>com</strong>o Outro<br />
<strong>de</strong>sejante. O que queremos <strong>de</strong>stacar, para pensar esse fragmento <strong>de</strong> caso clínico, é que é<br />
imprescindível que o sujeito encontre <strong>uma</strong> falta no Outro, falta essa que é efeito da operação<br />
da castração. É necessário, para que a operação da separação possa ocorrer, que o sujeito<br />
encontre <strong>uma</strong> falta no Outro, e, portanto, que venha a se <strong>de</strong>parar <strong>com</strong> o feito <strong>de</strong> que nem tudo<br />
po<strong>de</strong> ser dito, já que a estrutura do significante é in<strong>com</strong>pleta.<br />
Lacan:<br />
Nesse intervalo cortando os significantes, que faz parte da estrutura mesma do<br />
significante, está a morada do que, em outros registros do meu <strong>de</strong>senvolvimento, chamei <strong>de</strong><br />
metonímia. É lá que se inclina, e é lá que <strong>de</strong>sliza, é lá que foge <strong>com</strong>o o furão, o que chamamos<br />
<strong>de</strong>sejo 87 .<br />
É importante que, a partir do discurso do Outro, ou seja, do que está inscrito <strong>com</strong>o falta<br />
nesse discurso, essa experiência possa ser transmitida à criança, a qual po<strong>de</strong>rá, então,<br />
perguntar: po<strong>de</strong> o Outro me per<strong>de</strong>r?<br />
Na mesma perspectiva, ainda segundo Bruce Fink, Lacan propõe que, na estrutura<br />
edipiana, pai, mãe, filho, há que se levar em conta um elemento que, estruturalmente, falta em<br />
cada um, o falo. O falo é <strong>de</strong>finitivamente faltoso, cada um tendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir sua<br />
posição <strong>com</strong> referência ao falo.<br />
Pois um falo é um significante, um significante cuja função, na economia intra-subjetiva<br />
da análise, levanta, quem sabe, o véu daquela que ele mantinha envolta em mistérios 88 .<br />
Nos parece importante marcar aqui que, embora tragamos a importância <strong>de</strong> o Outro<br />
primordial, que geralmente é a mãe, en<strong>de</strong>reçar-se ao infans, <strong>com</strong>o Outro <strong>de</strong>sejante, a quem<br />
falta, não queremos dizer <strong>com</strong> isso que se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> relação <strong>de</strong> causa e efeito do discurso<br />
do Outro sobre o aparecimento do sujeito, ou do <strong>de</strong>sejo do Outro sobre o surgimento do<br />
87 Ibid.<br />
88 LACAN, Jacques. A significação do falo. In. Escritos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.697.<br />
Excluído:<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: trazemos<br />
Excluído: -se<br />
Excluído: a
sujeito. Em outros termos: o assujeitamento do sujeito não é diretamente causado pelo <strong>de</strong>sejo<br />
do Outro.<br />
54<br />
Sabemos também, a partir do ensino <strong>de</strong> Lacan, que diante do real, <strong>de</strong>sse ponto<br />
intransmissível, <strong>de</strong> falta que aparece quando o sujeito é <strong>de</strong>terminado pela primazia do<br />
significante, o sujeito tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir um ato que implica a sua assunção<br />
subjetiva. tanto a mãe <strong>com</strong>o a criança são <strong>de</strong>terminados pelo que estruturalmente não se<br />
inscreve, não e simbolizável e é diante <strong>de</strong>sse ponto cego, esse furo que se produz quando o<br />
sujeito se aliena à linguagem, que o sujeito vai ter a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta <strong>de</strong> se constituir<br />
<strong>com</strong>o sujeito.<br />
A hiância própria ao real, mais que <strong>uma</strong> armadilha para o sujeito, abre para ele o<br />
<strong>espaço</strong> <strong>de</strong> <strong>uma</strong> escolha possível, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> resposta em suas dimensões particulares, além<br />
<strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>terminismo 89 .<br />
Temos então que o que é transmitido pela mãe é <strong>uma</strong> estrutura significante e<br />
inconsciente, isso é importante para enten<strong>de</strong>r que o Outro materno não transmite significados<br />
a serem tomados pelo bebê e que produziriam a formação do sujeito. O que o Outro materno,<br />
o Outro primordial, transmite para o infans são significantes que, por sua estrutura, <strong>de</strong>ixam<br />
marcas materiais e simbólicas no corpo do bebê, “que suscitarão, no corpo do bebê, um ato <strong>de</strong><br />
resposta que se chama <strong>de</strong> sujeito”. Por isso o sujeito é <strong>uma</strong> resposta em ato.<br />
Caso I (S e E)<br />
Histórico e <strong>de</strong>scrição do atendimento<br />
S. é <strong>uma</strong> menina autista, que tem dois anos na ocasião em que se inicia o atendimento<br />
individual. Seu pai relata que ela <strong>com</strong>eçou a falar <strong>com</strong> um ano, sendo sua primeira palavra<br />
"vovó", mas <strong>de</strong>pois parou, mantendo-se assim até então. Não respon<strong>de</strong> ao pedido <strong>de</strong> um beijo,<br />
ignorando a solicitação, tendo sido sempre <strong>uma</strong> menina quieta, que gostava <strong>de</strong> brincar<br />
89 ANSERMET, François, Clínica da origem, a criança entre a medicina e a psicanálise, Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Contra Capa Livraria, 2003, p.30.<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: n<br />
Excluído: mais <strong>uma</strong> frase<br />
Excluído: mãe<br />
Excluído: or<br />
Excluído: enscreve<br />
Excluído: simbolisavel<br />
Excluído: è<br />
Excluído: a<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: .<br />
Excluído: “<br />
Excluído: ”<br />
Excluído: (ansermet livro, p.30)<br />
Excluído:<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: que é<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: 2.3.1.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: 2.3.1.1.<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Inserido:<br />
Excluído: que
sozinha. Quando chamada, raramente se aproxima, mas, caso aceite, o faz <strong>de</strong> costas.<br />
Apresenta movimentos repetitivos e bate a cabeça.<br />
55<br />
Em um primeiro momento, a presença da analista parece não contar, ela não se dirige a<br />
esta, não há troca <strong>de</strong> olhares. S. mostra-se agitada, jogando todos os brinquedos da sala no<br />
chão.<br />
Consi<strong>de</strong>rações e articulações do fragmento <strong>de</strong> caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong><br />
No início do a<strong>com</strong>panhamento <strong>de</strong> S., há dois elementos que merecem <strong>de</strong>staque.<br />
O primeiro é <strong>uma</strong> pergunta da mãe, assim colocada: nervosismo e tristeza na gravi<strong>de</strong>z<br />
po<strong>de</strong>riam ter passado para S.? São relatados, então, dois lutos não elaborados, um por ela e<br />
outro pelo marido. Ambos aparecem em <strong>uma</strong> posição infantil diante da morte <strong>de</strong> seus pais,<br />
avós paterno e materno <strong>de</strong> S. O segundo gran<strong>de</strong> elemento é a crença dos pais <strong>de</strong> que os<br />
médicos teriam mentido a respeito do nascimento <strong>de</strong> S., quando disseram que ela estava bem.<br />
O pai acredita que S. já nasceu <strong>com</strong> problemas.<br />
A analista aceita receber S., inicialmente a<strong>com</strong>panhada <strong>de</strong> seus pais, apostando na<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar o lugar da criança no laço parental. Sobre o luto não concluído, a<br />
analista convida a mãe a falar mais sobre a pergunta formulada em relação às conseqüências<br />
para S.<br />
A mãe <strong>de</strong> S. diz que ela própria nunca contou no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> seu pai e que este sempre<br />
preferira sua irmã. O nascimento <strong>de</strong> S. viria a confirmar isso, <strong>uma</strong> vez que seu pai não foi<br />
visitá-la na maternida<strong>de</strong>. Ao relatar, a mãe <strong>de</strong> S. chora muito e, após alguns atendimentos,<br />
sonha <strong>com</strong> o pai e diz: “ele estava triste”. Aí pensa: “ele não po<strong>de</strong> estar triste, porque está <strong>com</strong><br />
a mãe”. Mas ela mesma não acredita e sabe que ele está triste.<br />
No <strong>de</strong>correr dos atendimentos, fica mais claro o lugar que S. tem no <strong>de</strong>sejo da mãe. Esta<br />
se mostra “preocupada” <strong>com</strong> o outro filho, irmão <strong>de</strong> S. Pensa que este po<strong>de</strong> se sentir <strong>com</strong>o ela<br />
se sentia diante <strong>de</strong> seu pai, <strong>com</strong> ciúmes da irmã. Eis o lugar que a mãe oferece a S. no seu<br />
<strong>de</strong>sejo: está pré-ocupada <strong>com</strong> o filho mais velho. Procura não <strong>com</strong>eter <strong>com</strong> ele a mesma<br />
injustiça que seu pai <strong>com</strong>eteu <strong>com</strong> ela, que era a filha mais velha. O lugar que S. tomou no<br />
<strong>de</strong>sejo da mãe é também “<strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediente”, que é <strong>com</strong>o a mãe se consi<strong>de</strong>rava vista pelo pai.<br />
A mãe relata que, <strong>com</strong> a chegada <strong>de</strong> S., ficou preocupada <strong>com</strong> seu filho e, <strong>com</strong>o ela não pedia<br />
nada, ficava quieta no berço, dava mais atenção para o irmão <strong>de</strong> S., que estava <strong>com</strong> ciúmes.<br />
Excluído: <br />
<br />
Excluído: 2.3.1.2.<br />
Excluído: .<br />
Excluído:<br />
Excluído: .
56<br />
Po<strong>de</strong>mos fazer a suposição <strong>de</strong> que não havia um lugar vazio para S. na estrutura <strong>de</strong>ssa<br />
mãe. Não havia, em seu discurso, um intervalo, pois ela estava pré-ocupada <strong>com</strong> outra<br />
criança, que remete ao objeto que ela imaginava ser para seu pai. O pai, aqui, não funciona<br />
<strong>com</strong>o furo. Ou seja, é porque a mãe supõe um sujeito que este po<strong>de</strong> advir. Assim <strong>com</strong>o a<br />
estrutura <strong>com</strong>porta um furo, a mãe teria que <strong>com</strong>portar um lugar vazio, isto é, <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, para<br />
acolher S. em seu nascimento.<br />
Consi<strong>de</strong>rações e articulações da clínica <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong><br />
Destacaremos alguns pontos que nos pareceram cruciais para situar essa clínica em sua<br />
<strong>articulação</strong> <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong>. Em primeiro lugar, <strong>de</strong>vemos esclarecer que nomeamos esse trabalho<br />
clínico <strong>de</strong> “clínica do laço", entendida <strong>com</strong>o o que se tece a partir do campo do Outro e que<br />
possibilita que o infans se torne sujeito <strong>de</strong>sejante. Ou seja, para tornar-se <strong>de</strong>sejante o sujeito<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> totalmente dos cuidados <strong>de</strong>sse Outro, dos significantes do <strong>de</strong>sejo do Outro. Em<br />
segundo lugar, observamos que é imprescindível estar atento ao que vem da parte do infans, e<br />
ao fato <strong>de</strong> que o mesmo nos dá notícia <strong>de</strong> que algo vai mal, ele respon<strong>de</strong> em ato.<br />
Em terceiro lugar, ressaltamos que, a partir da escuta do discurso parental sobre o<br />
infans, é possível refletir sobre o lugar que ele ocupa no <strong>de</strong>sejo do Outro. Em quarto lugar,<br />
<strong>de</strong>vemos sublinhar que, na clínica <strong>com</strong> a criança pequena, a presença do Outro materno é<br />
fundamental, <strong>uma</strong> vez que é importante que este se en<strong>de</strong>rece ao infans. O que opera no<br />
en<strong>de</strong>reçamento ao laço remete ao lugar que o infans ocupa no <strong>de</strong>sejo do Outro. Há a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> operar um dizer que leva em conta a marca da estrutura da falta. Ou seja, não<br />
se trata <strong>de</strong> um dizer que é pedagógico, que visa a harmonizar, obter <strong>com</strong>plemntarida<strong>de</strong>, mas<br />
ao contrário, trata-se <strong>de</strong> um dizer que se enuncia à partir da falta.<br />
Nesse caso, supomos, a partir do dizer da mãe, que ela continua alienada no que ela<br />
supõe ser o <strong>de</strong>sejo do pai <strong>de</strong>la: proteger a filha mais velha da mais nova. A mãe não se<br />
separou <strong>de</strong>sse lugar <strong>de</strong> tentar correspon<strong>de</strong>r. Assim, ela continua, na geração seguinte,<br />
protegendo seu filho mais velho <strong>de</strong> sua filha. Desse modo, a mãe ocupa o lugar do pai e não<br />
se i<strong>de</strong>ntificou <strong>com</strong>o objeto caído, o objeto a da mãe, que é esse resto que não interessa ao<br />
<strong>de</strong>sejo do pai e que, por isso, possibilitaria a essa mãe se separar do seu pai (o <strong>de</strong>la). De fato,<br />
Lacan nos diz que, para <strong>uma</strong> criança se separar do <strong>de</strong>sejo do pai, é preciso que ela se<br />
Excluído: pensar<br />
Excluído: 2.3.1.3.<br />
Excluído: <br />
Excluído: e<br />
Excluído: este<br />
Excluído: o<br />
Excluído: lógico que traz<br />
Excluído: -se<br />
Excluído: do lugar da<br />
Excluído: para que a operação da<br />
alienação e separação possa<br />
ocorrer.<br />
Excluído: No que diz respeito a<br />
um <strong>de</strong>bate sobre a clínica <strong>com</strong><br />
crianças bem pequenas, importa<br />
consi<strong>de</strong>rar que os conceitos <strong>de</strong><br />
alienação e separação, elaborados<br />
por Lacan, são operações que se<br />
dão em um único movimento. Por<br />
um lado, a alienação mostra um<br />
<strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong> ou/ou, no qual fica<br />
evi<strong>de</strong>nte a necessida<strong>de</strong> do sujeito<br />
se assujeitar ao Outro da<br />
linguagem, se eclipsar, aceitando<br />
um tipo <strong>de</strong> “escolha forçada” –<br />
acatar que um significante vindo<br />
do Outro o represente. Por outro, é<br />
necessário que esse Outro seja<br />
<strong>de</strong>sejante, que <strong>de</strong>seje para além do<br />
sujeito e que promova a operação<br />
<strong>de</strong> separação. A lógica passa a ser<br />
nem/nem, nem sem o sujeito, nem<br />
sem o Outro estariam incluídos<br />
nesse tipo <strong>de</strong> laço. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
lógica na qual o sujeito e o Outro<br />
estão excluídos, o ser do sujeito<br />
<strong>de</strong>verá então vir <strong>de</strong> fora.<br />
Excluído: O que nos parece<br />
primordial para pensar essa clínica<br />
é que o ser do sujeito <strong>de</strong>verá advir<br />
<strong>de</strong> algo que não é nem do sujeito<br />
nem do Outro. No <strong>de</strong>correr dos<br />
atendimentos, surge o lugar que a<br />
mãe oferece a S. no seu <strong>de</strong>sejo:<br />
está pré-ocupada <strong>com</strong> o filho mais<br />
velho. Procura não <strong>com</strong>eter <strong>com</strong><br />
ele a mesma injustiça que seu pai<br />
<strong>com</strong>eteu <strong>com</strong> ela, que era a filha<br />
mais velha.<br />
O lugar que S. tomou no <strong>de</strong>sejo da<br />
mãe é também “<strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediente”,<br />
que é <strong>com</strong>o a mãe se consi<strong>de</strong>rava<br />
vista pelo pai. Como observamos,<br />
a mãe relata que, <strong>com</strong> a chegada <strong>de</strong><br />
S., ficou preocupada <strong>com</strong> seu filho<br />
e, <strong>com</strong>o ela não pedia nada, ficava<br />
quieta no berço, dava mais atenção<br />
para o irmão <strong>de</strong> S., que estava <strong>com</strong><br />
ciúmes. <br />
Excluído: , que é<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: e
i<strong>de</strong>ntifique <strong>com</strong> o objeto caído da mãe, que é aquilo pelo que o pai não se interessa, rechaça<br />
nessa mãe.<br />
57<br />
Chama-nos atenção o fato <strong>de</strong> a mãe <strong>de</strong> S. se sentir abandonada pelo pai, e <strong>com</strong> medo <strong>de</strong><br />
fazer um outro sofrer o abandono que ela viveu; ela visa proteger o irmão <strong>de</strong> S., e acaba<br />
abandonando S. Até agora, nos <strong>de</strong>tivemos sobre a posição subjetiva da mãe <strong>de</strong> S a partir da<br />
leitura que fizemos do material que ela trouxe. A partir do que vimos <strong>de</strong> <strong>teoria</strong>, po<strong>de</strong>ríamos<br />
nos arriscar a ler que, nesse primeiro momento, a mãe diz estar pré-ocupada <strong>com</strong> o irmão <strong>de</strong><br />
S. (ou seja, seu filho) e, por isso, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> se ocupar <strong>de</strong> S. por muito tempo. Tomamos, a<br />
partir disso, pré-ocupada <strong>com</strong>o o significante que prepara o lugar <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sobediente”, o qual<br />
enten<strong>de</strong>mos <strong>com</strong>o um lugar <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sobediência forçada”, porque é um lugar que não pe<strong>de</strong><br />
mais, não há questão no que diz respeito a S., ela é <strong>de</strong>sobediente e ponto.<br />
Enten<strong>de</strong>mos então <strong>de</strong>sobediente <strong>com</strong>o um significante que tem efeito <strong>de</strong> petrificação.<br />
Notamos aqui <strong>com</strong>o o significante pré-ocupada transmite algo que estruturalmente suscita<br />
<strong>uma</strong> resposta do sujeito que a mãe vai ler <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sobediente, mas que, <strong>com</strong>o veremos, não<br />
cola à fantasia materna.<br />
Para isso, vamos agora nos <strong>de</strong>ter ao movimento subjetivo <strong>de</strong> S., a suas respostas que a<br />
constituem <strong>com</strong>o sujeito.<br />
Dizemos que não havia, em seu discurso, um intervalo (pois ela estava pré-ocupada <strong>com</strong><br />
outra criança, o que remete ao objeto que ela imaginava ser para seu pai), e enten<strong>de</strong>mos que o<br />
pai, aqui, não funciona <strong>com</strong>o furo. Ou seja, é porque a mãe supõe um sujeito que este po<strong>de</strong><br />
advir. Assim <strong>com</strong>o a estrutura <strong>com</strong>porta um furo, a mãe teria que <strong>com</strong>portar um lugar vazio.<br />
No entanto, não queremos dizer <strong>com</strong> isso que o sujeito é diretamente <strong>de</strong>terminado pela<br />
fantasia prévia da mãe. O que é transmitido pela mãe tem a estrutura do significante e,<br />
portanto, <strong>com</strong>porta um furo, da or<strong>de</strong>m do inconsciente. Não temos <strong>com</strong>o saber <strong>de</strong> antemão<br />
<strong>com</strong>o o sujeito vai ser afetado por isso, só teremos notícia no après-coup, a partir da resposta<br />
que o sujeito vai dar no ato.<br />
Propomos agora <strong>de</strong> seguir o trabalho <strong>de</strong> S. no seus atendimentos. Constatamos, num<br />
primeiro momento, que S. está muito agitada, jogando todos os brinquedos da sala no chão.<br />
Nesse tempo, minha presença parece não contar. S. entra, abre o armário e passa a mão para<br />
<strong>de</strong>rrubar os brinquedos no chão, pega os brinquedos sem se <strong>de</strong>ter, <strong>com</strong>e se tivesse muito<br />
agitada, indo para um lado, paro o outro, sem parar.<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: Nos p<br />
Excluído: arece que a<br />
Excluído: .<br />
Excluído: "pre<br />
Excluído: "<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: constitui<br />
Excluído: Quando d<br />
Excluído: ).<br />
Excluído: Enten<strong>de</strong>mos<br />
Excluído: [54?]<br />
Excluído: diante mãe<br />
Excluído: o<br />
Excluído: <br />
Segundo momento: “queremos<br />
saber mais <strong>de</strong> S.” é um significante<br />
que abre, que já está aí enquanto<br />
S2, mas que a mãe não fazia valer.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> fazer<br />
valer o S2, fazendo, enquanto<br />
analista, par <strong>com</strong> S., sustentando<br />
<strong>com</strong> minha presença, do lado <strong>de</strong><br />
S., que “queremos saber mais”,<br />
temos algo a saber.
58<br />
Nesse <strong>com</strong>eço, ela faz cocô na fralda, e a mãe sente o cheiro, pega-a e a <strong>de</strong>ita n<strong>uma</strong><br />
mesa e troca a fralda.<br />
Teremos um segundo momento em que S. entra e pega minha mão para abrir o armário,<br />
segura a minha mão sem olhar para mim e, segurando-a, coloca na maçaneta do armário para<br />
abri-lo, pega um objeto no armário, senta-se no chão e se interessa por ele. E quando precisa<br />
ir ao banheiro, puxa sua mãe em direção ao banheiro.<br />
Destacamos alg<strong>uma</strong>s articulações possíveis.<br />
- Constatamos <strong>uma</strong> fantasia materna que <strong>de</strong>ixa S. no lugar amalgamado à morte.<br />
- Diante disso, constatamos um movimento <strong>de</strong> S. <strong>de</strong> extrema vivacida<strong>de</strong>.<br />
- O analista toma nota do movimento <strong>de</strong> S., se <strong>de</strong>ixa levar, <strong>de</strong>ixando um <strong>espaço</strong> vazio,<br />
<strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para o sujeito.<br />
- S. reage querendo saber dos objetos, "se <strong>de</strong>ixando levar ao banheiro", puxando sua<br />
mãe.<br />
- A mãe <strong>de</strong> S. po<strong>de</strong> fazer o luto, e acolher S., querendo saber mais sobre o que quer S., o<br />
que ela quis dizer; é diferente do saber sempre antecipado que era <strong>de</strong>sobediente, o <strong>de</strong><br />
trocar suas fraldas automaticamente quando fazia cocô.<br />
Nesse segundo momento, <strong>de</strong>stacamos que “queremos saber mais <strong>de</strong> S.” é um<br />
significante que abre, que já está aí enquanto S2, mas que a mãe não fazia valer. Trata-se <strong>de</strong><br />
um trabalho <strong>de</strong> fazer valer o S2, fazendo, enquanto analista, par <strong>com</strong> S, sustentando <strong>com</strong><br />
minha presença, do lado <strong>de</strong> S., o seu trabalho, que queremos saber mais, temos algo a saber,<br />
marcando um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para o trabalho <strong>de</strong> S., para sua produção, para seu<br />
movimento, sua resposta diante do discurso do Outro.<br />
Parece-nos que, nesse caso, não foi possível localizar o momento <strong>de</strong> separação do lado<br />
da criança. Sabemos que, para Lacan, para que houvesse separação seria necessário à criança<br />
querer parar <strong>de</strong> ser objeto do <strong>de</strong>sejo do pai, e se i<strong>de</strong>ntificar <strong>com</strong> o objeto caído da mãe <strong>com</strong>o<br />
resto, que não é o <strong>de</strong>sejo do pai. Parece que a mãe <strong>de</strong> S. ainda está muito i<strong>de</strong>ntificada <strong>com</strong> o<br />
que ela acredita ser o objeto do <strong>de</strong>sejo do pai, e não quer saber do objeto caído da mãe, que é<br />
o que lhe possibilitaria se separar <strong>de</strong>sse pai.<br />
No entanto, po<strong>de</strong>mos verificar um trabalho que mobilizou a mãe <strong>de</strong> S., pois o analista,<br />
fazendo par <strong>com</strong> S., sustenta o S2 : “queremos saber mais”, e a mãe <strong>de</strong> S. muda <strong>de</strong> posição,<br />
sua certeza está abalada, e pergunta sobre S.: “quer saber mais”. S., que se encontrava<br />
petrificada pelo significante “<strong>de</strong>sobediente”, passa a ganhar vida.<br />
Excluído: pega<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: <br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: :<br />
Excluído: <br />
Excluído: se<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: "<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: S2<br />
Excluído: S2<br />
Excluído: .<br />
Excluído: <br />
Excluído: M<br />
Excluído: a<br />
Excluído: Nesse caso, p
59<br />
O trabalho junto a S. e a seus pais caminhou na direção <strong>de</strong> possibilitar a estes a<br />
elaboração do luto que os capturava e impossibilitava o acolhimento <strong>de</strong> S. Ela tinha sido<br />
amalgamada ao lugar da morte. Torna-se possível, então, inaugurar outro momento e S.<br />
<strong>com</strong>eça a ser investida libidinalmente, <strong>com</strong>o objeto <strong>de</strong> amor. Cai o lugar <strong>de</strong> criança<br />
<strong>de</strong>sobediente, que precisa apanhar, dando a vez ao lugar <strong>de</strong> criança que interessa – "queremos<br />
saber mais <strong>de</strong> S", dizem os pais. É nesse momento que S. é indicada para o “<strong>espaço</strong> pais–<br />
bebês”, um <strong>espaço</strong> para além do atendimento individual. Trataremos <strong>de</strong>sse dispositivo no<br />
próximo capítulo, analisando sua proposta <strong>de</strong> trabalho.<br />
Constatamos que no <strong>de</strong>correr do trabalho do Cersami, nomeamos esse trabalho <strong>de</strong><br />
"clínica do laço". Talvez possamos, a partir do caso clínico e do que foi trabalhado até agora<br />
na dissertação, enten<strong>de</strong>r essa nomeação <strong>com</strong>o algo que tenta formalizar essa experiência<br />
clínica que se produz no campo do Outro e do infans.<br />
Essa clínica do laço <strong>de</strong>ve ser entendida <strong>com</strong>o o que se tece a partir do campo do Outro e<br />
que suscita no infans <strong>uma</strong> resposta que o constitui <strong>com</strong>o sujeito. Ou seja, para tornar-se<br />
<strong>de</strong>sejante, o sujeito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> totalmente dos cuidados <strong>de</strong>sse Outro, dos significantes do <strong>de</strong>sejo<br />
do Outro.<br />
De fato, vimos que, para Freud, o infans nasce totalmente <strong>de</strong>samparado, sendo<br />
necessária a ação específica, ou seja, a intervenção <strong>de</strong> um adulto próximo, Nebenmensch,<br />
para que ele possa viver. Com Lacan, vimos que essa ação específica consiste na função que é<br />
da or<strong>de</strong>m do simbólico, que é a ação do gran<strong>de</strong> Outro primordial. Teremos então o Outro<br />
primordial que vai transmitir para o infans significantes que vão suscitar nele <strong>uma</strong> resposta,<br />
um ato que o constitui sujeito.<br />
O que nos parece fundamental é que, embora o significante seja transmitido a partir do<br />
Outro, será necessário um trabalho <strong>de</strong> significação feito pelo sujeito. É por isso que <strong>de</strong>vemos<br />
aqui fazer mais <strong>uma</strong> torção. Embora o simbólico seja pre<strong>de</strong>terminado na h<strong>uma</strong>nida<strong>de</strong>, embora<br />
ele preexista ao sujeito, será só a partir do encontro que Outro e sujeito passam a se constituir.<br />
Assim nos <strong>de</strong>paramos <strong>com</strong> a noção <strong>de</strong> tempo, <strong>uma</strong> vez que temos um paradoxo: se po<strong>de</strong>mos<br />
afirmar <strong>com</strong> Lacan que é necessário que o simbólico, o Outro, antecedam o sujeito para que<br />
ele possa advir, e se sabemos que, a partir da linguagem, vários elementos encontram-se<br />
presentes antes do bebê nascer, então, o que se constitui nesse encontro vai produzir um<br />
passado que já existia antes, mas que só po<strong>de</strong> existir <strong>com</strong>o passado a partir do encontro.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um encontro que marca um tempo em que esses elementos presentes hoje serão<br />
Excluído: os<br />
Excluído: e<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: CERSAMI<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: <strong>de</strong>semparado<br />
Excluído: e que será<br />
Excluído: u<br />
Excluído: no infans<br />
Excluído: é<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: que e<br />
Excluído: -<br />
Excluído: -<br />
Excluído: e<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: si<br />
Excluído: . E<br />
Excluído: -se
passados quando esse momento futuro <strong>de</strong> encontro chegar: é o futuro anterior. "Assim, é só a<br />
partir do encontro momentâneo do bebê <strong>com</strong> o Outro materno que a incidência dos <strong>de</strong>sígnios<br />
que este Outro marcará, o bebê se projetará no passado <strong>com</strong>o pré-história do bebê. Tais<br />
<strong>de</strong>sígnios terão sido prévios ao bebê" 90 .<br />
60<br />
Voltamos para nossa clínica do laço, no que diz respeito a um <strong>de</strong>bate sobre a clínica<br />
<strong>com</strong> crianças bem pequenas. Importa consi<strong>de</strong>rar que os conceitos <strong>de</strong> alienação e separação,<br />
elaborados por Lacan, são operações que se dão em um único movimento. Por um lado, a<br />
alienação mostra um tipo <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> ou/ou (ou a bolsa ou a vida), na qual fica evi<strong>de</strong>nte a<br />
necessida<strong>de</strong> do sujeito se assujeitar ao Outro da linguagem, se eclipsar, aceitando um tipo <strong>de</strong><br />
“escolha forçada” – aceitar que um significante vindo do Outro o represente. Por outro, é<br />
necessário que esse Outro seja <strong>de</strong>sejante, que <strong>de</strong>seje para além do sujeito e que promova a<br />
operação <strong>de</strong> separação. Estamos diante <strong>de</strong> <strong>uma</strong> lógica da intercessão, na qual surge o<br />
recobrimento <strong>de</strong> duas faltas, a do Outro e a do sujeito. A lógica em jogo nesse tipo <strong>de</strong> laço é<br />
nem sem o sujeito, nem sem o Outro. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> lógica na qual o sujeito e o Outro estão<br />
excluídos, o ser do sujeito <strong>de</strong>verá então vir <strong>de</strong> fora.<br />
O que nos parece primordial para pensar essa clínica é que o ser do sujeito <strong>de</strong>verá advir<br />
<strong>de</strong> algo que não é nem do sujeito nem do Outro. Ou seja, do recobrimento da falta do Outro e<br />
do sujeito, não é da adição <strong>de</strong> duas entita<strong>de</strong>s prévias que se enlaçam e produzem o sujeito: há<br />
um encontro <strong>de</strong> duas faltas, e é <strong>de</strong>sse encontro que Outro e sujeito se constituem, e o ser do<br />
sujeito <strong>de</strong>verá vir <strong>de</strong> fora, num a posteriori <strong>com</strong>o ato, <strong>com</strong>o resposta possível do sujeito.<br />
Alienação / separação e o objeto a<br />
Até agora trabalhamos as operações <strong>de</strong> alienação e separação, e o objeto a na sua face<br />
<strong>de</strong> alienação, <strong>com</strong>o furo. Agora pretendo <strong>de</strong>senvolver o objeto a na sua face <strong>de</strong> separação,<br />
<strong>com</strong>o algo que surge na clínica e que tem consistência lógica, consistência do que <strong>de</strong>limita o<br />
furo. Vimos, a partir do estudo <strong>de</strong> Bruce Fink, que da operação <strong>de</strong> alienação e separação<br />
resulta um sujeito <strong>de</strong>sejante; vimos que, nessa operação, o objeto a consiste num resto, num<br />
gozo, num instrumento que o sujeito tomava <strong>com</strong>o apoio para construir sua fantasia e, assim,<br />
tentar manter a ilusão da unida<strong>de</strong> mãe–criança. O objeto a consistia então num resto, na ilusão<br />
90 ELIA, Luciano, O conceito <strong>de</strong> sujeito, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 44.<br />
Excluído: <br />
Excluído: momentoso<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: <strong>de</strong>signios<br />
Excluído: -se-<br />
Excluído: pre<br />
Excluído: <strong>de</strong>signios<br />
Excluído: , (p. 44 Luciano, livro<br />
sujeito).<br />
Excluído: sa<br />
Excluído: no<br />
Excluído: "<br />
Excluído: "<br />
Excluído: —<br />
Excluído: (?)<br />
Inserido: (?)<br />
Excluído: 2.4.<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído:<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a
<strong>de</strong> um pedaço do Outro materno que o sujeito, a criança, leva <strong>com</strong> ele na separação e que vai<br />
funcionar <strong>com</strong>o objeto causa do <strong>de</strong>sejo. O que nos parece interessante é que, enquanto resto,<br />
eles são resultados da operação da castração do que o Outro materno barrou. Retomando<br />
Bruce Fink, ou seja, enquanto resto da operação da castração, os objetos a eles se acordam ao<br />
sujeito significante <strong>com</strong> a condição <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r toda substancialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> serem centrados por<br />
um vazio, que é o vazio da castração.<br />
61<br />
Retomaremos agora mais <strong>uma</strong> vez o objeto a, na sua face <strong>de</strong> alienação <strong>com</strong>o furo, para<br />
<strong>de</strong>pois situar, o melhor possível, o que enten<strong>de</strong>mos por objeto a na sua face <strong>de</strong> separação.<br />
Vamos para isso nos remeter ao rigoroso estudo <strong>de</strong> Marco Antonio Coutinho Jorge, que nos<br />
<strong>de</strong>monstra <strong>com</strong> muita precisão a <strong>articulação</strong> do que viemos estudando ao longo <strong>de</strong>sta<br />
dissertação. Segundo ele, a lógica do significante evi<strong>de</strong>ncia que o objeto a é o que dá ao real<br />
seu verda<strong>de</strong>iro estatuto: o objeto a é o objeto faltoso por excelência e, por conseguinte, na<br />
medida em que o <strong>de</strong>sejo mantém <strong>uma</strong> relação estrita <strong>com</strong> a falta, o objeto a é o objeto causa<br />
do <strong>de</strong>sejo.<br />
Assim, Jorge <strong>de</strong>staca que Lacan, no seu ensino, caminhou no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar <strong>com</strong><br />
muita precisão a categoria <strong>de</strong> real, nos <strong>de</strong>monstrando que o inconsciente é o real, ou melhor,<br />
ele se situa “n<strong>uma</strong> região intersticial entre o simbólico e o real, articulado tanto por um quanto<br />
por outro" 91 . Isso nos parece fundamental para esse ponto em que chegamos, <strong>uma</strong> vez que o<br />
objeto a nos dá notícia na sua face <strong>de</strong> alienação <strong>de</strong>sse real <strong>com</strong>o furo, e na sua face <strong>de</strong><br />
separação nos mostra esse real, mas enquanto se separando do Outro, ele se apresenta na<br />
clínica sob a forma <strong>de</strong> <strong>uma</strong> certa consistência, que faz contorno a esse vazio, e que não<br />
pertence nem só ao real nem só ao simbólico. E que não é nem só do sujeito alienado ao<br />
Outro, nem só do sujeito separado do Outro, é um real que se <strong>de</strong>staca por haver um certo<br />
contorno simbólico, consistência que faz consistir esse furo. São restos que não são nem só do<br />
sujeito, nem só do Outro, que parecem estar ali jogados num <strong>espaço</strong> intersticial entre o sujeito<br />
e o Outro, sob apresentação.<br />
Como nos diz Lacan, restos que se apresentam, por exemplo, sob a forma <strong>de</strong> seio/fezes,<br />
<strong>com</strong>o <strong>de</strong>manda do Outro, ou sob a forma <strong>de</strong> voz /olhar <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejo do Outro 92 .<br />
91 JORGE, Marco Antonio Coutinho, Fundamentos da psicanálise <strong>de</strong> Freud a Lacan, vol. I, As bases<br />
conceituais, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar editor, 2000, p. 96.<br />
92 Acrescentamos a isso as secreções, a meleca, ….<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído:<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: dá<br />
Excluído: noticia<br />
Excluído: notícia d<br />
Inserido: notícia<br />
Excluído: dá<br />
Excluído: noticia<br />
Excluído: notícia<br />
Inserido: notíciase apresenta<br />
Excluído: se apresentando<br />
Excluído:<br />
Excluído: cocô<br />
Excluído: meleca,<br />
Excluído: <strong>de</strong><br />
Excluído: e, por fim, <strong>de</strong> voz
Fragmento do caso II (E. e L.)<br />
62<br />
Propomos, agora, relatar um fragmento clínico e extrair <strong>de</strong>le alg<strong>uma</strong>s consi<strong>de</strong>rações<br />
teóricas. Trata-se <strong>de</strong> um atendimento feito a um bebê <strong>de</strong> três meses e sua mãe. O que motivou<br />
a proposta <strong>de</strong> trabalho é que a menina não estava nada bem, estava sem dormir há várias<br />
noites, não estava se alimentando e chorava sem parar. Configurou-se para mim que havia no<br />
laço <strong>de</strong>sse infans, <strong>de</strong>ssa menina <strong>com</strong> o gran<strong>de</strong> Outro materno, algo que estava em gran<strong>de</strong><br />
sofrimento. Havia um bebê chorando sem parar, não dormindo, sem <strong>com</strong>er e <strong>uma</strong> mãe no<br />
lugar <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> Outro. O Outro materno estava em pleno surto psicótico quando da chegada<br />
<strong>de</strong>ssa menina.<br />
Decidimos atendê-las na presença <strong>uma</strong> da Outra, no <strong>com</strong>eço <strong>com</strong> a presença da tia da<br />
menina, <strong>uma</strong> vez que era ela quem estava próxima da mãe e tinha procurado ajuda <strong>com</strong> a<br />
aceitação da mãe.<br />
Essa <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> atendê-las na presença <strong>uma</strong> da Outra consiste na tentativa <strong>de</strong> trazer um<br />
dizer lógico, que dá notícia para o infans <strong>de</strong> que nos fazemos os supporters 93 do que ele<br />
produz, no sentido que o francês dá a essa palavra, a saber, que torcemos, apostamos <strong>com</strong>o<br />
torcedor <strong>de</strong> futebol, além do sentido <strong>de</strong> dar suporte, fazer-se <strong>de</strong> suporte. Ou seja, que<br />
apostamos que aí tem um suposto sujeito, e nosso trabalho consiste em <strong>uma</strong> operação lógica:<br />
fazer-se suporte <strong>de</strong> suas construções, construções que ele produz, para dizer do mal-estar<br />
diante do qual ele é falado, ou melhor, do lugar que ele ocupa no <strong>de</strong>sejo ou na fantasia <strong>de</strong> sua<br />
mãe ou <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> Outro primordial.<br />
Assim, trata-se do trabalho no qual o analista e a equipe po<strong>de</strong>riam fazer operar, <strong>com</strong> sua<br />
escuta e seu dizer, um <strong>espaço</strong> terceiro em que a palavra possa circular n<strong>uma</strong> direção <strong>de</strong><br />
trabalho <strong>de</strong> fazer-se suporte do que o sujeito traz. Nos en<strong>de</strong>reçamos ao sujeito e<br />
reen<strong>de</strong>reçamos a seu Outro as manifestações do sujeito.<br />
Tentamos criar um <strong>espaço</strong> no qual possa ser cavado um lugar <strong>de</strong> sujeito e um trabalho<br />
<strong>de</strong> aposta <strong>de</strong> que o infans possa diferenciar-se <strong>de</strong>sse discurso louco que vigora sobre ele e<br />
operar aí um trabalho <strong>de</strong> diferenciação <strong>de</strong>le <strong>com</strong> esse Outro, tentando construir um outro<br />
sentido, que se abra para as possíveis produções do sujeito.<br />
Nesse sentido, aten<strong>de</strong>r na presença da Outra é tratar do laço mãe–bebê.<br />
93<br />
Expressão criada por Virgínio Baio e citada por Pirard e Giourgas, op.cit., p. 107. ("supporter" ou<br />
"supporteur", igualmente admitidos em françês)<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: 2.4.1.<br />
Excluído: a<br />
Excluído: jovem menina<br />
Excluído: e<br />
Excluído: jovem<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: -no<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído:<br />
Excluído: mal<br />
Excluído: o<br />
Excluído: fantasma<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: -
Histórico e <strong>de</strong>scrição dos atendimentos<br />
Fragmento clínico<br />
63<br />
E. tem quatro meses quando chega ao Cersami, em julho <strong>de</strong> 2002; o encaminhamento é<br />
feito pela equipe <strong>de</strong> acolhimento <strong>de</strong> urgência do Betim Central, a qual, diante da recusa da<br />
mãe em tratar-se, está preocupada por ela estar <strong>de</strong>lirante, dormindo pouco e ouvindo vozes.<br />
Avaliam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> medicação específica (Haldol e Diazepam); estão também<br />
preocupados porque a mãe está amamentando. Naquela ocasião ainda era recente o nosso<br />
trabalho <strong>de</strong> atendimento do laço <strong>pais–bebês</strong> e consi<strong>de</strong>ramos esse caso <strong>com</strong>o a marca inaugural<br />
nos novos dispositivos <strong>de</strong> atendimento clínico dos bebês e seus pais.<br />
Nesse primeiro momento, trata-se <strong>de</strong> ouvir quem acolheu L., mãe <strong>de</strong> E., e analisar o que<br />
essa mãe está dizendo para ele, para sugerir o que po<strong>de</strong>ria ser dito a ela para que ela venha até<br />
o nosso serviço. É um trabalho <strong>de</strong>licado, <strong>de</strong> <strong>com</strong>o se po<strong>de</strong> lidar <strong>com</strong> <strong>uma</strong> mãe a fim <strong>de</strong> que se<br />
possa abrir <strong>uma</strong> <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> atendimento. Escuto que a mãe diz estar preocupada <strong>com</strong> sua<br />
filha, ela não quer <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> amamentá-la e, embora esteja resistente, se estiver a<strong>com</strong>panhada<br />
<strong>de</strong> sua irmã aceita ir até um atendimento. Sugiro, então, que a equipe <strong>de</strong> urgência do Betim<br />
Central nomeie alguém para a mãe, enten<strong>de</strong>ndo que ela está preocupada <strong>com</strong> a questão da<br />
amamentação e que po<strong>de</strong> ir conversar sobre isso <strong>com</strong> a equipe do Cersami num lugar que<br />
aten<strong>de</strong> o bebê <strong>com</strong> seus pais. E que seja a<strong>com</strong>panhada pela irmã.<br />
L. chega então a nosso serviço a<strong>com</strong>panhada <strong>de</strong> E. e <strong>de</strong> sua irmã. Ficamos sabendo que<br />
ela tem 31 anos, que está casada há oito, tem <strong>uma</strong> filha <strong>de</strong> sete anos e <strong>uma</strong> <strong>de</strong> seis anos, e<br />
estava na sua terceira gravi<strong>de</strong>z quando surtou pela primeira vez: conta que estava no banco e<br />
teve a visão <strong>de</strong> um menino e teve certeza <strong>de</strong> que o bebê que iria nascer seria menino.<br />
Quando do nascimento <strong>de</strong> E., <strong>uma</strong> terceira menina, L. se precipita num <strong>de</strong>lírio<br />
persecutório sistematizado, que a faz retomar sua primeira gravi<strong>de</strong>z e falar do seu lugar <strong>de</strong><br />
mulher, <strong>de</strong> mãe e do lugar do seu parceiro (marido) e da filiação. Diz então:<br />
“— Agora está tudo esclarecido!"<br />
Pergunto: “— O que está esclarecido?”<br />
Respon<strong>de</strong> que se casou “enganada", porque “na família do seu marido não se po<strong>de</strong> ter<br />
família", e que ela, L., está n<strong>uma</strong> igreja que prega prosperida<strong>de</strong>.<br />
Excluído: 2.4.1.1.<br />
Excluído: :<br />
Excluído:<br />
Excluído: pais-bebês<br />
Excluído: s;<br />
Excluído: tratar a resistência<br />
<strong>de</strong>ssa<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:
64<br />
Conta que orou <strong>com</strong> o pastor e que ele teria dito que o irmão <strong>de</strong>la colocou o seu marido<br />
na sua frente e que agora, por isso, o seu irmão lhe <strong>de</strong>ve <strong>uma</strong> ajuda financeira, caso contrário<br />
ela vai processá-lo. Diz que o marido é “<strong>uma</strong> navalhada na sua vida” e que ela é <strong>uma</strong> pessoa<br />
que estudou, e ele não, que ele é nada, e ela quer separar-se <strong>de</strong>le. Nesse primeiro momento, a<br />
mãe traz esse conteúdo em massa e o traz legitimado na palavra do pastor. Trata-se, então, <strong>de</strong><br />
um trabalho <strong>de</strong> acolher, possibilitar que a mãe nomeie, e <strong>de</strong> tentar colocar <strong>uma</strong> barra, cada vez<br />
que for possível, nesse pastor tão imperativo.<br />
O que me parece fundamental é que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, nos colocamos <strong>com</strong>o um lugar para<br />
aten<strong>de</strong>r E., um lugar que aten<strong>de</strong> as crianças que apresentam algum sofrimento psíquico. Exijo,<br />
então, que E. esteja presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras consultas. Faço isso porque escutei que L.<br />
está resistente a um atendimento para ela sozinha e porque ela diz não querer parar <strong>de</strong><br />
amamentar E. no peito, quando isso foi cogitado pela equipe <strong>de</strong> emergência do Betim Central.<br />
Ela traz, então, <strong>uma</strong> questão do laço mãe–bebê. Peço também que a irmã <strong>de</strong> L. esteja presente<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras consultas, porque ficou evi<strong>de</strong>nte (em <strong>uma</strong> conversa telefônica) que é ela<br />
quem está atenta a esse bebê e preocupada <strong>com</strong> ele.<br />
Meu trabalho consiste em convidar a irmã <strong>de</strong> L. a falar do que a preocupa em E. (isso na<br />
presença <strong>de</strong> L. e <strong>de</strong> E.) e a cada vez perguntar para L. o que pensa do que sua irmã está<br />
dizendo sobre E. Enten<strong>de</strong>mos logo, a partir do discurso da mãe (L.) e da manifestação (<strong>de</strong> E.)<br />
<strong>de</strong> sono inconstante, choro <strong>de</strong>masiado e má alimentação, que L. está tomada por seu <strong>de</strong>lírio e<br />
que não há lugar para E.<br />
Quando pergunto para L., a mãe <strong>de</strong> E. o que pensa, eu a instauro <strong>com</strong>o sujeito quando<br />
peço que me diga o que sabe a respeito <strong>de</strong> sua filha, porque é você que sabe. Para instaurar L.<br />
<strong>com</strong>o sujeito é necessário que me coloque <strong>com</strong>o sujeito barrado para não ser tornada sujeito<br />
suposto saber. Assim esse lugar dado à mãe <strong>com</strong>o sujeito, a sua enunciação, orienta e limita o<br />
meu trabalho, assegura <strong>uma</strong> falta que me possibilita trabalhar.<br />
A tia nos diz que E. está <strong>com</strong>endo pouco, apenas mamando <strong>de</strong> manhã e à noite:<br />
pergunto sobre as consultas <strong>de</strong> puericultura pediátrica, mas falta um mês para a próxima<br />
consulta. Diante <strong>de</strong>sse quadro, sugiro à mãe que converse, fale sobre a alimentação e o sono<br />
<strong>de</strong> E. Também <strong>com</strong> eles, e porque a mãe não está conseguindo se organizar para marcar <strong>uma</strong><br />
consulta, sugiro eu mesma ligar para a pediatra e agendar <strong>uma</strong> consulta. Isto é feito. Trata-se,<br />
então, <strong>de</strong> um trabalho em re<strong>de</strong>, em que se tecem laços do Cersami <strong>com</strong> a pediatra a partir da<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: -<br />
Excluído: , a partir do discurso<br />
da mãe (L.) e da manifestação (<strong>de</strong><br />
E.) <strong>de</strong> sono inconstante, choro<br />
<strong>de</strong>masiado e má alimentação.<br />
Excluído: Ao perguntar por<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: traz
singularida<strong>de</strong> da questão <strong>de</strong> L. e <strong>de</strong> E. É sempre atenta às manifestações <strong>de</strong> E. diante da fala<br />
<strong>de</strong> sua mãe que conduzo a consulta.<br />
65<br />
A primeira intervenção importante que faço é logo no início, quando E. está chorando<br />
muito e a mãe lhe dá o seio; é aí que E. olha para mãe e que ela não olha para a filha; E. fica<br />
então extremamente irritada e recusa, em seguida, o seio, chorando muito. Intervenho<br />
dizendo: olha só, mamãe, <strong>com</strong>o ela está olhando para você; e para E. digo: acho que ficou<br />
muito irritada porque você está procurando o olhar da mamãe e não está encontrando. Aí a<br />
mãe olha para E. e seu olhar se fixa; E. acaba se acalmando. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> intervenção que<br />
só é possível naquele momento, na presença da criança e da mãe e que tem um efeito <strong>de</strong> ato.<br />
Essa intervenção opera um efeito <strong>de</strong> sujeito, <strong>uma</strong> vez que reconheço e assim dou um<br />
lugar à resposta que E. dá ao gran<strong>de</strong> Outro.<br />
Uma segunda intervenção que me parece importante é quando a irmã <strong>de</strong> L. tenta<br />
convencer-lhe <strong>de</strong> que o pastor da igreja po<strong>de</strong> estar enganado, porque se enganou quando disse<br />
que ela iria ter um menino, e que L. não <strong>de</strong>ve cobrar esse dinheiro do seu irmão. L. se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong><br />
dizendo que está tudo bem <strong>com</strong> ela e que seu encontro é <strong>com</strong> Deus. Um pouco antes <strong>de</strong> L.<br />
dizer que estava tudo bem <strong>com</strong> ela, tinha contado sobre <strong>uma</strong> situação real para ela, <strong>uma</strong><br />
vivência auditiva alucinatória que consistia em sua cunhada se <strong>com</strong>unicar <strong>com</strong> ela por<br />
telepatia e que tinha ouvido dizer, quando estava lavando roupas no tanque, “filho estressa,<br />
né?". Nesse momento, E. estava chorando muito, e digo: “eu acredito em você quando você<br />
diz que está tudo bem agora, mas puxa!, <strong>de</strong>ve ter sido muito difícil esperar tanto por um<br />
menino e vir <strong>uma</strong> menina, e ainda mais que filho estressa muito, né?”<br />
E me virei para E. e disse: “será que você não está chorando toda essa tristeza que<br />
mamãe vive e passa para você, quando ela fica em casa <strong>de</strong>sanimada e estressada?"<br />
“L., talvez seja isso que você tenha passado para E."<br />
A terceira intervenção foi a <strong>de</strong> chamar o pai para escutar o que ele tinha a dizer sobre<br />
suas preocupações. Possibilitar que ele falasse sobre seu lugar <strong>de</strong> marido e <strong>de</strong> pai, e escutá-lo<br />
<strong>com</strong>o sujeito. O que escutamos é que se trata <strong>de</strong> um pai que não tem um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>cidido pela<br />
mãe enquanto mulher.<br />
Foi um trabalho <strong>de</strong> valorizar seu lugar <strong>com</strong>o pai <strong>de</strong> E.; para ele (pai) e para ela (mãe).<br />
Isso teve um efeito apaziguador. Algum tempo <strong>de</strong>pois que L. foi medicada seu <strong>de</strong>lírio sumiu.<br />
Foi então o <strong>com</strong>eço <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> convidar L. a falar da sua <strong>de</strong>cepção <strong>de</strong> não ter tido um<br />
Excluído:<br />
Excluído: No sentido que e<br />
Excluído: primordial<br />
Excluído:<br />
Excluído: tanto<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: escuta<br />
Excluído:
filho homem. De trabalhar <strong>com</strong> ela por que queria um menino; respon<strong>de</strong>u-me que queria<br />
“para ajudar a cuidar, a criar suas duas filhas”.<br />
66<br />
Mais <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong>pois E. continua vindo; é um bebê que se assusta <strong>de</strong> maneira<br />
exagerada, <strong>com</strong> pouco barulho ou movimento em torno <strong>de</strong>la; que se refugia perto da mãe e<br />
que não sai <strong>de</strong> perto <strong>de</strong>la. Mas que não procura o olhar da mãe, e sim das pessoas que estão ao<br />
seu redor. E. tem sido escutada no consultório <strong>com</strong> a mãe e no <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> pais e bebês.<br />
Articulações do fragmento do caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong><br />
O primeiro elemento que me parece importante <strong>de</strong>stacar é que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>ssa mãe<br />
parece estar ocupado por <strong>uma</strong> certeza, um <strong>de</strong>lírio. Diante da questão que essa gravi<strong>de</strong>z lhe<br />
colocou, e que é passível <strong>de</strong> ser lida a partir do seu <strong>de</strong>lírio. A mãe <strong>de</strong> E., quando soube que<br />
estava grávida, ouviu <strong>uma</strong> voz que lhe disse que era um menino que ela estava esperando.<br />
Bem mais adiante, a mãe po<strong>de</strong>rá dizer que queria que fosse menino para ajudar a tomar conta<br />
das meninas. Po<strong>de</strong>mos ler aí que, por não saber lidar <strong>com</strong> o que remete a ser menina ou ser<br />
mulher, a mãe precisa contar <strong>com</strong> o menino. Digamos que diante da falta mais fundamental, a<br />
qual remete ao ser mulher, o ser que falta, ela produz um <strong>de</strong>lírio, ela vai tentar dar<br />
consistência e preencher essa falta <strong>com</strong> o objeto menino.<br />
Nesse sentido, esse bebê não tem lugar no seu <strong>de</strong>sejo, ele não existe e representa, na sua<br />
condição <strong>de</strong> menina, <strong>uma</strong> ameaça, porque a falta que constitui a menina remete à sua própria<br />
falta <strong>com</strong>o mulher e ela parece não ter outro recurso senão a atuação, a construção <strong>de</strong> um<br />
objeto voz para sustentá-la minimamente. Parece, então, haver alg<strong>uma</strong> coisa da sua divisão,<br />
da sua condição <strong>de</strong> mulher que é marcada por <strong>uma</strong> falta fundamental, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o campo do<br />
Outro, que passa para seu campo revestido <strong>de</strong> <strong>uma</strong> voz <strong>de</strong> certeza, ou seja, na qual a falta<br />
some. Ela parece não suportar a marca da falta que o campo do Outro produz, transformando<br />
assim o objeto voz em <strong>uma</strong> certeza que vem preencher sua falta. Po<strong>de</strong>mos aqui localizar o<br />
Outro da mãe <strong>com</strong>o um Outro que se apresenta para ela <strong>com</strong>o voz e certeza.<br />
O <strong>de</strong>lírio <strong>com</strong> seu irmão parece ser da mesma or<strong>de</strong>m, é <strong>uma</strong> certeza que apaga a<br />
castração, a sua divisão, a sua falta. Uma vez que essa certeza – <strong>de</strong> que seu irmão colocou seu<br />
marido na sua frente e que agora, por isso, o seu irmão lhe <strong>de</strong>ve <strong>uma</strong> ajuda financeira, caso<br />
contrário vai processá-lo – coloca seu irmão num lugar incestuoso, por lhe cobrar <strong>uma</strong> dívida<br />
por ele trazer algo <strong>de</strong> fora e a dívida em si e a certeza em si apagam a castração. Temos então,<br />
Excluído:<br />
Excluído: 2.4.1.2.<br />
Excluído:<br />
Excluído: diante <strong>de</strong><br />
Excluído: .<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: que é<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: [saber explicar<br />
porque]
diante <strong>de</strong> um sujeito, a mãe que, diante da sua condição <strong>de</strong> sujeito dividido, tenta preencher<br />
sua falta recorrendo ao objeto voz. Em primeiro lugar, não há um en<strong>de</strong>reçamento no discurso<br />
que seja marcado por <strong>uma</strong> falta, um <strong>de</strong>sejo en<strong>de</strong>reçado a essa menina. Muito pelo contrário.<br />
Parece-me que é preciso fazer um trabalho muito <strong>de</strong>licado, que é, por um lado, que o analista<br />
possa servir para essa mãe, <strong>de</strong> função <strong>de</strong> tabelião, que toma nota do que po<strong>de</strong>ria estar entre ela<br />
(mãe) e essa menina, e que isso seja suportável. Ou seja, que ele possa servir tomando nota <strong>de</strong><br />
seu dizer que remete a essa falta, para que essa falta possa ter um contorno, que <strong>de</strong>limite um<br />
vazio e lhe dê <strong>uma</strong> outra consistência além da voz, já que essa voz está <strong>de</strong>ixando a mãe <strong>de</strong> E.<br />
muito ameaçada. Enten<strong>de</strong>mos que a voz é <strong>uma</strong> produção possível para essa mãe diante do<br />
insuportável do real, por isso não se trata <strong>de</strong> eliminar, mas talvez <strong>de</strong> trabalhar <strong>com</strong> essa mãe<br />
na direção <strong>de</strong> não <strong>de</strong>ixar passar e, sobretudo, marcar qualquer produção <strong>de</strong>la que seja para<br />
67<br />
tentar modular essa voz, aprivoiser (algo <strong>com</strong>o domesticar).<br />
Assim, quando essa mãe diz: “quando estava lavando roupa, ouvi a voz da minha<br />
cunhada que dizia: filho estressa, né?”, nos parece que nesse dizer tem algo que não é nem<br />
totalmente <strong>de</strong>ssa mãe <strong>de</strong> E. nem totalmente <strong>de</strong> E., é um dizer que tem função <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong><br />
entre a mãe <strong>de</strong> E. e E., e por isso tem função <strong>de</strong> terceiro termo. É um dizer que também separa<br />
a mãe do lugar do incesto, seja quando seu objeto <strong>de</strong> gozo é o menino que E., sua filha, não é,<br />
seja quando ela se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> gozar do irmão, quando esse tem que pagar<br />
porque lhe roubou.<br />
Parece-nos que, diante disso, <strong>de</strong>sse dizer que abre um <strong>espaço</strong>, temos que trabalhar<br />
marcando esse <strong>espaço</strong>. Tem um trabalho “<strong>de</strong> tomar nota” no sentido da expressão usada por<br />
Virginio Baio, executando um trabalho <strong>de</strong> tabelião. Parece que aí tem um trabalho <strong>de</strong> tomar<br />
nota <strong>de</strong> <strong>uma</strong> voz <strong>com</strong>o objeto a, que diz algo possível, <strong>uma</strong> vez que a voz não é ameaçada, ela<br />
vem <strong>de</strong> um lugar exterior à mãe <strong>de</strong> E. e não tão colado a E., por ser <strong>uma</strong> frase meio geral, do<br />
tipo “em geral filho estressa, né?”. Por isso enten<strong>de</strong>mos essa voz <strong>com</strong>o algo que não é nem da<br />
mãe, nem <strong>de</strong> E. Parece que assim se abre <strong>uma</strong> via <strong>de</strong> trabalho que <strong>com</strong>eça a abrir um <strong>espaço</strong><br />
para que E. possa advir <strong>com</strong>o sujeito.<br />
Penso que posso sustentar isso me referindo ao fato <strong>de</strong> ela não querer <strong>de</strong>ixar pra lá esse<br />
bebê, querer amamentá-lo e acolher a preocupação da sua irmã <strong>com</strong> sua filha – apontando<br />
assim um lugar em que gostaria <strong>de</strong> estar <strong>com</strong>o mãe <strong>com</strong> sua menina. Parece-me que é<br />
fundamental fazer esse trabalho <strong>de</strong> tabelião a partir do lugar <strong>de</strong> um Outro a quem falta.<br />
Excluído: menina dá trabalho<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: meninas dão trabalho
68<br />
Ao se dirigir <strong>de</strong>sse lugar <strong>de</strong> um outro a quem falta, tanto em direção à mãe quanto à<br />
filha, ou seja, tomando nota tanto para mãe <strong>com</strong>o para filha, abre-se um <strong>espaço</strong>, um vazio<br />
para que algo possa surgir aí <strong>com</strong>o algo que não seja nem da mãe, nem da filha, mas que as<br />
enlace a partir <strong>de</strong>sse contorno.<br />
Talvez seja isso que chamamos <strong>de</strong> clínica do laço.<br />
Parece-nos importante aqui, a partir <strong>de</strong>sse caso clínico, recorrer à <strong>teoria</strong> sobre o objeto a<br />
<strong>com</strong>o voz. Para isso seguiremos o estudo <strong>de</strong> Jacques-Alain Miller sobre o objeto a enquanto<br />
voz 94 .<br />
Segundo Miller, Lacan dirá que os objetos a têm <strong>uma</strong> função lógica, <strong>de</strong> contornar o<br />
vazio, e por isso encarnam <strong>de</strong> maneiras diversas esses restos. Enquanto objeto a, trata-se “<strong>de</strong><br />
pequenas coisas separáveis do corpo” 95 . É nessa perspectiva, nessa lógica <strong>de</strong> coisas separadas<br />
do corpo, <strong>de</strong> exteriorida<strong>de</strong> em relação ao sujeito, que Lacan acrescentou à lista dos objetos<br />
oral e anal, os objeto olhar e voz.<br />
Desenvolveremos aqui o objeto voz, a fim <strong>de</strong> articular a <strong>teoria</strong> <strong>com</strong> o caso clínico. A<br />
<strong>teoria</strong> da voz e do olhar <strong>com</strong>o objeto a vem da <strong>articulação</strong> que Lacan fez da sua experiência<br />
psiquiátrica <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> dos estágios <strong>de</strong> Freud e <strong>com</strong> o estruturalismo <strong>de</strong> F. <strong>de</strong> Saussure.<br />
Lacan vai formalizar o objeto escópico a partir do <strong>de</strong>lírio <strong>de</strong> vigia, no qual fica evi<strong>de</strong>nte<br />
a presença separada e <strong>de</strong> fora <strong>de</strong> um olhar sobre o qual o sujeito cai. Na mesma perspectiva,<br />
ele vai <strong>de</strong>stacar o objeto voz dos fenômenos do automatismo mental, elaborados por<br />
Clérambault. Lacan dirá que o objeto voz é a voz <strong>de</strong> que o sujeito não po<strong>de</strong> duvidar. E<br />
também, <strong>com</strong>o já vimos, que a função da palavra vai dar um sentido às funções do indivíduo.<br />
Essa palavra vai enodar o significado, o que precisa ser significado e o significante,<br />
produzindo assim um terceiro termo, que é a voz. Temos então a voz na condição <strong>de</strong> resto. O<br />
que me parece muito importante é que a voz, enquanto terceiro termo, faz parte da dimensão<br />
da ca<strong>de</strong>ia significante, enquanto ela dá um lugar ao sujeito.<br />
Segundo Miller, Lacan consi<strong>de</strong>ra que toda ca<strong>de</strong>ia significante 96 é <strong>de</strong> várias vozes, que<br />
ela não tem sentido unívoco. Ou seja, a instância da voz vai estar presente a cada vez que eu<br />
tiver que <strong>de</strong>limitar a minha posição em relação à ca<strong>de</strong>ia significante, já que essa ca<strong>de</strong>ia<br />
significante se situa em relação ao objeto indizível, a voz. Embora a gente fale, se sirva do<br />
94 MILLER, Jacques Alain, "Jacques Lacan et la voix. Concepts et mathèmes", Quarto, Revue <strong>de</strong> la<br />
Cause freudienne — ACF— en Belgique, "De la voix", juin 1994. Pp. 47-52.<br />
95 MILLER, a.c. p.48.<br />
96 MILLER, a.c.p.50.<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: . Ele dirá que, e<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: Lacan dirá
significante para interpelar o Outro, pedir resposta, esperamos do Outro que ele nos diga o<br />
que será do seu ser <strong>com</strong>o indivisível, e é isso que me enoda no Outro, é a voz no campo do<br />
Outro. Por isso, Lacan afirma que no automatismo mental a voz do Outro já está <strong>com</strong> o<br />
sujeito. Ele já lhe respon<strong>de</strong>u, trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> imposição. Vamos agora tentar tratar da voz<br />
<strong>com</strong>o imposição num fragmento <strong>de</strong> caso clínico.<br />
Fragmento do caso III (R. e F.)<br />
69<br />
Relato um último fragmento clínico para extrair <strong>de</strong>le alg<strong>uma</strong>s consi<strong>de</strong>rações em<br />
discussão <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> vista até agora. Trata-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mãe, R., <strong>de</strong> 16 anos, e seu bebê <strong>de</strong> três<br />
meses. Esse caso clínico teve muitos <strong>de</strong>sdobramentos e nos convidou a trabalhar a questão do<br />
laço infans e gran<strong>de</strong> Outro sob todas suas costuras. Trabalhamos <strong>com</strong> R., seu lugar <strong>com</strong>o mãe,<br />
mas também seu lugar <strong>com</strong>o filha, ao qual ela era remetida pela presença <strong>de</strong> seu bebê; o laço<br />
<strong>de</strong> R. <strong>com</strong> a sua mãe, o laço <strong>de</strong> R. <strong>com</strong> sua filha que mobilizava questões muito sofridas para<br />
R. e para a filha. O trabalho consistiu em possibilitar a construção <strong>de</strong> um lugar para R. e sua<br />
filha n<strong>uma</strong> or<strong>de</strong>m simbólica que lhe <strong>de</strong>sse um lugar a qual elas podiam estar referenciadas.<br />
A invasão do real ao qual R. era submetida, alucinação (quando ouviu xinga-la <strong>de</strong> mãe),<br />
<strong>de</strong>lírios <strong>de</strong> perseguição, estranheza, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>avam <strong>uma</strong> <strong>de</strong>sorganização total na sua vida.<br />
Daí se trabalhar no laço entre R. e sua filha <strong>uma</strong> distância possível entre as duas, do ponto <strong>de</strong><br />
vista da subjetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> R. Em alguns momentos isso se traduziu para R., na vida real, em<br />
possibilitar dispositivos <strong>de</strong> abrigo, <strong>de</strong> a<strong>com</strong>panhamento por <strong>uma</strong> vizinha, <strong>de</strong> minha ida <strong>com</strong><br />
ela ao Juizado <strong>de</strong> Menores, em busca diária para permanência-dia, em articulações <strong>de</strong><br />
a<strong>com</strong>panhamento a programas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s para jovens, em criar um dispositivo,<br />
a<strong>com</strong>panhamento pela equipe do Cersami nas suas visitas a sua filha, <strong>de</strong> criar um dispositivo<br />
<strong>de</strong> encontro <strong>com</strong> sua filha e a família <strong>de</strong> acolhimento no Cersami.<br />
Embora trataremos mais aqui do trabalho feito <strong>com</strong> o mãe, consi<strong>de</strong>ramos que houve um<br />
trabalho muito particular no sentido <strong>de</strong> que ela chegou trazendo <strong>de</strong> saída o insuportável para<br />
ela <strong>de</strong> ser mãe e ao mesmo tempo o insuportável <strong>de</strong> ficar longe <strong>de</strong> seu bebê. Por isso<br />
<strong>de</strong>cidimos trabalhar a questão do laço <strong>de</strong>ssa mãe <strong>com</strong> seu bebê, <strong>uma</strong> vez que foi <strong>uma</strong> questão<br />
que a mobilizou muito subjetivamente e que ela trouxe <strong>de</strong> entrada. Iremos <strong>de</strong>senvolver nesse<br />
fragmento o trabalho que <strong>de</strong>senvolvemos <strong>com</strong> seu bebê, atentos a suas manifestações<br />
Excluído: 2.4.2.<br />
Excluído: ,<br />
Excluído: na qual elas pu<strong>de</strong>ssem<br />
viver em algum<br />
Excluído: que <strong>de</strong>sse um<br />
contorno.<br />
Excluído: [Por isso nos<br />
propomos ]<br />
Excluído: vamos tratar<br />
Excluído:<br />
Excluído: bebe<br />
Excluído:<br />
Excluído: a<br />
Excluído: trosse<br />
Excluído:<br />
Excluído: n<br />
Excluído: ue<br />
Excluído:<br />
Excluído: n<br />
Excluído:<br />
Excluído: bebe<br />
Excluído:<br />
Excluído:
subjetivas, <strong>uma</strong> vez que ele nos dava notícia do seu adoecimento diante das rupturas radicais<br />
<strong>de</strong> sua mãe.<br />
Histórico e <strong>de</strong>scrição dos atendimentos<br />
Caso R e F<br />
70<br />
R. chega num plantão <strong>de</strong> urgência trazida pelo conselho tutelar. R. foi até eles pedir<br />
ajuda, porque estava muito angustiada por se sentir estranha, ela se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que algo<br />
estranho estava acontecendo. No plantão <strong>de</strong> urgência, diz que está se sentindo muito estranha<br />
e que, na rua, as pessoas estão “xingando ela <strong>de</strong> mãe”.<br />
Nesse primeiro momento, está muito confusa e preocupada, porque mentiu para o<br />
conselho tutelar a respeito <strong>de</strong> sua ida<strong>de</strong>, disse que tinha 16 anos e, na realida<strong>de</strong>, tem 15 anos;<br />
fez isso para po<strong>de</strong>r registrar a filha, que está <strong>com</strong> dois meses e precisa da certidão <strong>de</strong><br />
nascimento, estando hospitalizada na pediatria, entre a vida e a morte.<br />
História <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> R.<br />
R. vive em Betim (MG). Ela foi criada pela mãe, que tem história <strong>de</strong> alcoolismo e teve<br />
vários <strong>com</strong>panheiros. Segundo R., todos foram muito maus <strong>com</strong> ela e seus irmãos; eles<br />
passavam fome e eram maltratados; só um que foi bom, mas esse morreu assassinado.<br />
Família <strong>de</strong> R.<br />
R. tem <strong>uma</strong> irmã que <strong>de</strong>ve ter mais ou menos 30 anos; <strong>uma</strong> irmã <strong>de</strong> 20 anos e um irmão<br />
<strong>de</strong> 17 anos (psicótico); <strong>de</strong>pois, vários irmãozinhos pequenos <strong>de</strong> quem ela toma conta, e tem<br />
<strong>uma</strong> avó materna. Sua mãe é alcoólatra e trabalha <strong>com</strong>o artesã fazendo tapetes e cestas <strong>de</strong><br />
palha; sua irmã <strong>de</strong> 20 anos se prostitui e sua irmã mais velha também vive <strong>de</strong> artesanatos no<br />
município <strong>de</strong> origem da família, <strong>com</strong> o marido, seus filhos e sua avó materna. Sua mãe se<br />
mudou para Betim quando R. era pré-adolescente e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre R. fica na rua; tem histórico<br />
<strong>de</strong> alcoolismo e <strong>de</strong> prostituição. R. foi inscrita durante muito tempo num programa para<br />
crianças em situação <strong>de</strong> risco.<br />
Excluído:<br />
Excluído:<br />
Excluído: noticia<br />
Excluído:<br />
Excluído: 2.4.2.1.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: :<br />
Excluído: /<br />
Excluído: l<br />
Excluído: :<br />
Excluído: /MG
71<br />
Reconstrução dos acontecimentos e construção do caso<br />
R. conta que se escon<strong>de</strong>u na casa <strong>de</strong> <strong>uma</strong> amiga e que escon<strong>de</strong>u a gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> sua mãe,<br />
do pai da criança e <strong>de</strong> sua sogra; conta que tinha medo da raiva da sua mãe, sabia que sua mãe<br />
ficaria muito brava <strong>com</strong> ela. Foi essa amiga que a convenceu a contar. R. conta que não<br />
suportava ficar lavando roupa e cuidando dos seus irmãos e que, por isso, bebia muito; que<br />
não suportava as brigas <strong>com</strong> sua mãe e <strong>com</strong> sua sogra.<br />
Quando o bebê nasce, R. vai para sua cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem ficar <strong>com</strong> sua irmã e sua avó. R.<br />
fica bem, amamenta o bebê, mas após um mês diz que quer voltar para Betim para registrar o<br />
bebê junto <strong>com</strong> o pai <strong>de</strong> sua filha, e quando vai ocorre o surto. R. conta que estava <strong>com</strong> seu<br />
bebê <strong>de</strong> dois meses e que estava triste, não querendo levantar, diz que isso durou alguns dias e<br />
que, <strong>de</strong> repente, sua filha passou mal, ficou sem ar, aí ela correu para <strong>uma</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
urgência, a qual encaminhou sua filha para a pediatria.<br />
Na pediatria, ocorre um episódio <strong>de</strong>lirante, R. diz que não a <strong>de</strong>ixaram entrar e que<br />
mataram seu bebê. Ficamos sabendo <strong>de</strong>pois que R. ficou extremamente agitada, brigou <strong>com</strong><br />
os médicos e que seu bebê chegou quase morto, e que os médicos acharam que o bebê não iria<br />
sobreviver. Segue-se então um contato do serviço social do hospital <strong>com</strong> R. e o conselho<br />
tutelar, no sentido <strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar <strong>uma</strong> certidão <strong>de</strong> nascimento para a filha <strong>de</strong> R., para que o<br />
hospital possa dar a notificação <strong>de</strong> óbito, caso o bebê venha a morrer, que é o que todos<br />
achavam que iria acontecer. Nesse momento R. procura ajuda do conselho tutelar, porque está<br />
se sentindo estranha.<br />
Parece-nos relevante anotar aqui que por várias vezes os médicos tiveram quase a<br />
certeza <strong>de</strong> que esse bebê iria morrer, e sua resposta <strong>de</strong> vida surpreen<strong>de</strong>u todos.<br />
Tratamento <strong>de</strong> R. no Capsi Cersami/Betim<br />
R. chega muito angustiada, dizendo que está estranha e que na rua estão xingando ela <strong>de</strong><br />
mãe; quer ter notícias <strong>de</strong> sua filha e quer ficar <strong>com</strong> ela. R. é inscrita na permanência-dia em<br />
dois turnos, porque está muito mal, extremamente <strong>de</strong>sorganizada, angustiada e assustada.<br />
Encontra-se <strong>de</strong>lirante. Esse primeiro momento é um momento <strong>de</strong> reconstruir os<br />
acontecimentos; e <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r quais dispositivos po<strong>de</strong>m estar a serviço <strong>de</strong> R. para seu<br />
Excluído: :<br />
Excluído: m/MG<br />
Excluído: <strong>de</strong> R<br />
Excluído:<br />
Excluído: Nos p<br />
Excluído: importante<br />
Excluído: ’<br />
Excluído: :<br />
Excluído: ,
tratamento. R. está muito angustiada, por não estar <strong>com</strong> sua filha no hospital, pe<strong>de</strong> <strong>com</strong><br />
insistência para ir visitá-la; fazemos um contato <strong>com</strong> a assistente social da pediatria para<br />
organizar <strong>uma</strong> visita.<br />
72<br />
Destaca-se então o enorme sofrimento <strong>de</strong> R; sua dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontrar <strong>uma</strong> distância<br />
possível entre ela e sua filha. Quando fica próxima a sua filha, ao ir visitá-la, ela tem<br />
experiência persecutória, conta que tinha algo estranho no hospital, que iam matá-la; contou<br />
que na troca <strong>de</strong> plantão dos médicos, ela leu isso <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> agitação, e que iam matá-la. Sua<br />
filha fica hospitalizada por muito tempo. R. melhora muito, se organiza e pe<strong>de</strong> que a<br />
aju<strong>de</strong>mos a obter vale-transporte para ir visitar sua filha; diminui a sua permanência-dia para<br />
três vezes por semana. Isso é feito, mas R. não suporta; vai visitar sua filha e fica muito<br />
angustiada, diz que sua filha está muito sozinha. R. entra em crise novamente.<br />
R. continua pedindo para ver sua filha, que continua hospitalizada. Nesse momento,<br />
intensificamos o a<strong>com</strong>panhamento <strong>de</strong> R. em suas visitas à filha, em conjunto <strong>com</strong> a equipe do<br />
hospital da pediatria. R. suporta melhor e se organiza. É feito um trabalho <strong>com</strong> ela a respeito<br />
do que ela traz em suas questões em relação a sua filha; ela quer ajuda <strong>de</strong> alguém para cuidar,<br />
e diz que po<strong>de</strong>ria ser <strong>uma</strong> <strong>de</strong> suas irmãs. Começa então um longo trabalho nosso, do Cersami<br />
e do hospital, no sentido <strong>de</strong> investigar se existe essa possibilida<strong>de</strong>.<br />
Deparamos então <strong>com</strong> um <strong>de</strong>sencontro entre o discurso <strong>de</strong> R. e o discurso <strong>de</strong> sua mãe e<br />
das irmãs. R. sustenta que certamente qualquer <strong>uma</strong> <strong>de</strong>las teria condições e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ajudá-<br />
la. Na realida<strong>de</strong>, encontramos primeiro <strong>uma</strong> precarieda<strong>de</strong> simbólica, que se traduz por um<br />
caos enorme na vida <strong>de</strong> cada <strong>uma</strong>, a mãe alcoólatra bebe muitíssimo, vivendo num lugar<br />
imundo, ro<strong>de</strong>ada <strong>de</strong> bêbados, e não toma conta dos filhos pequenos, sustenta esporadicamente<br />
seu trabalho <strong>de</strong> colher palha e fazer tapetes... A irmã mais nova <strong>de</strong> R. se prostitui e não quer<br />
saber <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> criança; e sua irmã mais velha, que vive <strong>com</strong> a avó <strong>de</strong> R., o marido e os<br />
filhos, mora num lugar muito sujo e <strong>de</strong>sorganizado, <strong>com</strong> poucos recursos e não quer saber <strong>de</strong><br />
cuidar <strong>de</strong> R. e da sua filha.<br />
Partimos, então, para o estudo <strong>de</strong> algum dispositivo da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção à criança e ao<br />
adolescente que possa acolher R. e sua filha quando estiver <strong>de</strong> alta do hospital, e faça esse<br />
trabalho <strong>de</strong> apoio quanto aos cuidados <strong>com</strong> sua filha, no sentido dos cuidados básicos da<br />
organização <strong>de</strong> horários, alimentação, sono e dos cuidados médicos múltiplos que sua filha<br />
necessita, por ter nascido <strong>com</strong> várias seqüelas físicas; e ainda alguém que também possa fazer<br />
esse trabalho <strong>de</strong> modular a distância entre R. e sua filha.
73<br />
Após um intenso trabalho junto à re<strong>de</strong> e ao juizado da infância e do adolescente, nos<br />
<strong>de</strong>paramos <strong>com</strong> a impossibilida<strong>de</strong>, por não haver nenhum dispositivo que possa ou tope esse<br />
trabalho. O hospital investiga a família do pai e chega à conclusão <strong>de</strong> que ninguém gostaria<br />
nem teria estrutura para cuidar <strong>de</strong> R. e sua filha.<br />
A filha <strong>de</strong> R. precisa fazer <strong>uma</strong> cirurgia importante no coração; R. tenta a<strong>com</strong>panhar os<br />
exames pré-cirúrgicos, mas não suporta e entra em crise novamente, fica muito triste, chora<br />
sem parar, não quer falar por um tempo, <strong>de</strong>pois fala do medo <strong>de</strong> sua filha morrer. R. falta à<br />
permanência-dia; a equipe que vai buscá-la em casa, mas não a encontra. Sua filha é<br />
transferida para Belo Horizonte, para cirurgia, sozinha, sem que nenhum familiar a<strong>com</strong>panhe.<br />
A cirurgia é bem-sucedida e sua filha volta para o hospital, na pediatria on<strong>de</strong> estava. R.<br />
volta ao tratamento, conta muito angustiada que o juiz quer tomar sua filha e encaminhar para<br />
adoção. Nós sabemos que foi a mãe <strong>de</strong> R. que fez esse pedido para o juizado da infância e da<br />
adolescência.<br />
O pai da criança e R. são convocados pela equipe <strong>de</strong> assistência social do juizado da<br />
infância e da adolescência. O pai nega ser o pai da filha <strong>de</strong> R. e R. diz que ele é o pai; é feito<br />
então um pedido <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> DNA. Começa então um <strong>de</strong>morado período no qual o pai<br />
se furta a fazer o teste e R. fica na expectativa.<br />
A equipe do juizado da infância e do adolescente procura <strong>uma</strong> família <strong>de</strong> acolhimento<br />
para a filha <strong>de</strong> R. e é muito cuidadosa e atenta <strong>com</strong> R. O posicionamento é priorizar o bebê<br />
que, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>les, se encontra n<strong>uma</strong> situação mais precária e mais sem <strong>de</strong>fesa do<br />
que R., mas ao mesmo tempo eles se preocupam <strong>com</strong> o tratamento <strong>de</strong> R. e querem trabalhar<br />
levando em conta o processo <strong>de</strong> R.<br />
Véspera <strong>de</strong> Natal, R. está <strong>de</strong>sesperada, porque soube que sua filha vai passar o final <strong>de</strong><br />
semana <strong>de</strong> Natal <strong>com</strong> <strong>uma</strong> família <strong>de</strong> acolhimento e pe<strong>de</strong> ajuda nossa no Cersami, para<br />
conversar <strong>com</strong> o juizado e a família <strong>de</strong> acolhimento, o que coinci<strong>de</strong> <strong>com</strong> o trabalho do<br />
juizado, que quer conversar <strong>com</strong> R. e <strong>de</strong>pois apresentar a família <strong>de</strong> acolhimento.<br />
Acontece o famoso encontro no juizado da infância e adolescência: a psicóloga do<br />
juizado expõe para R. o que é <strong>uma</strong> família <strong>de</strong> acolhimento e escuta R.; R. pe<strong>de</strong> para conhecer<br />
a família. Vem a sua mãe e o pai <strong>de</strong> acolhimento. R. fala <strong>com</strong> eles e fala sobre suas<br />
preocupações <strong>com</strong> sua filha, dos cuidados para que ela não passe fome e tenha conforto, e que<br />
ela não quer que, quando for gran<strong>de</strong>, pense em por que sua mãe a abandonou; diz que quer<br />
pegar sua filha quando ela (R.) ficar boa.<br />
Excluído: vem
74<br />
A mãe e o pai <strong>de</strong> acolhimento são muito cuidadosos <strong>com</strong> R., no sentido <strong>de</strong> não tomar o<br />
lugar <strong>de</strong>la e <strong>de</strong> valorizar o que R. está dizendo. R. fala do seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> querer continuar<br />
vendo sua filha. Com a estabilida<strong>de</strong>, R. melhora e piora alternadamente, e diante <strong>de</strong> toda a<br />
questão <strong>de</strong> R. <strong>com</strong> a modulação da distância possível <strong>de</strong>la <strong>com</strong> sua filha, propomos que as<br />
visitas <strong>de</strong> R. a sua filha ocorram no Cersami. Segue-se então um longo período <strong>de</strong> tratamento<br />
no qual R. traz a questão da adoção; diz que não quer que sua filha, ao crescer, pense que ela a<br />
abandonou.R., mas ao mesmo tempo, quer saber o que ela (R.) tem e quando vai ficar boa.<br />
O dispositivo dos encontros no Cersami <strong>com</strong>eça a funcionar <strong>uma</strong> vez por semana,<br />
durante um tempo, só eu que modulo quem vai estar presente; <strong>de</strong>pois me dou conta <strong>de</strong> que<br />
estou ficando para R. num lugar que a faz querer distância, faltar aos atendimentos e não<br />
trazer outros assuntos da vida <strong>de</strong>la para além <strong>de</strong> R enquanto mãe. Propõe-se então que <strong>uma</strong><br />
assistente social a<strong>com</strong>panhe simplesmente, e eu aten<strong>de</strong>ndo R. após os encontros. Sua filha<br />
vem a<strong>com</strong>panhada da mãe <strong>de</strong> acolhimento e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>uma</strong> babá.<br />
O dispositivo está no Cersami. Diante <strong>de</strong>le R. vem e falta aos encontros. Nesse sentido<br />
o dispositivo marca o limite <strong>de</strong> R. Ela se zanga <strong>com</strong> o agente, dizendo que estamos em falta<br />
(que não organizamos o encontro) quando ela falta... e vamos trabalhando isso. Ao mesmo<br />
tempo R. ingressa no programa Agente Jovem e por um tempo fica bem.<br />
Após um tempo longo, no qual R. questiona o que tem e fala da discriminação que<br />
sente, ela sai do serviço e vai para a prostituição. R. se organiza e fica mais estabilizada, vindo<br />
apenas ao serviço para <strong>com</strong>er e dormir <strong>de</strong> vez em quando. No final, me conta que foi parar no<br />
juizado e que conversou <strong>com</strong> a psicóloga do juizado e que ela falou que existe o dispositivo<br />
da adoção e a guarda; que na adoção o nome da criança é um direito da mãe adotiva, e na<br />
guarda a criança ficaria <strong>com</strong> o nome da mãe biológica, R.<br />
Articulação do fragmento do caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong><br />
Produzir o lugar <strong>de</strong> mãe<br />
Logo no início do caso é surpreen<strong>de</strong>nte o lugar que R. dá a si mesma <strong>com</strong>o mãe. O<br />
lugar <strong>de</strong> mãe é nesse momento o que a mobiliza e <strong>de</strong>termina o que ela é e vai fazer. Ela marca<br />
esse lugar, ela nomeia sua filha. Ela precisa registrá-la, dar sua certidão <strong>de</strong> nascimento e para<br />
isso ela sai <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem para ir até Betim. Em seguida, segue-se o surto <strong>com</strong> as<br />
Excluído: 2.4.2.2.<br />
Excluído: :<br />
Excluído: se
alucinações auditivas, as vozes que a xingam <strong>de</strong> "mãe"; a voz vem porque é melhor do que<br />
um caos, um significante surge do real, para <strong>de</strong>limitar um lugar no Outro, que para R é o<br />
significante mãe.<br />
75<br />
Como filha ela estabilizou, porque pelo menos um pai foi bom. Esse pelo menos um era<br />
o que a assegurava, a organizava. Mas nem tanto, porque recorria à bebida e também não<br />
ficou nesse lugar, foi parar no lugar <strong>de</strong> mãe. Ela tenta achar um lugar entre mãe e filha, sua<br />
filha a remete a seu lugar, ao <strong>de</strong>la <strong>com</strong>o filha, às suas angústias, a seu lugar <strong>de</strong> filha<br />
maltratada, apavorada, fala <strong>de</strong> sua filha <strong>com</strong>o se não houvesse diferença entre ela (R.) e sua<br />
filha: é <strong>com</strong> sua angústia <strong>de</strong> ficar sozinha que fala da angústia da filha que está no hospital, é<br />
<strong>com</strong> sua angústia e horror do abandono que fala do abandono subjetivo, sua mãe não quer<br />
saber <strong>de</strong> R. e a <strong>de</strong>ixou à mercê dos homens, da fome, dos maus tratos. E nos parece que, se<br />
insiste muito no medo <strong>de</strong> que sua filha um dia lhe "jogue na cara" que ela a abandonou, não é<br />
sem relação <strong>com</strong> a raiva que sente por sua mãe, por tê-la abandonado.<br />
Estabilização – ser e ao mesmo tempo não ser<br />
Parece que o lugar <strong>de</strong> prostituta lhe possibilita <strong>uma</strong> certa estabilização; lá, sendo paga,<br />
não é objeto. Uma vez que é do Outro que vem o lugar do sujeito, entendo a estabilização, no<br />
sentido <strong>de</strong> manter <strong>uma</strong> certa distância, já que perto <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser, vira objeto, longe<br />
<strong>de</strong>mais é a morte, é nada. É assim que ela procura modular a distância <strong>com</strong> sua filha, seu lugar<br />
e o da filha, não a abandonando e querendo visitá-la; perto <strong>de</strong> sua filha alucina, dizendo que<br />
tentaram matá-la. Tenta manter <strong>uma</strong> distância, <strong>de</strong> ser e ao mesmo tempo não ser. Ser mãe e ao<br />
mesmo tempo não ser, perto <strong>de</strong>mais da filha <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser, vira um objeto criança ameaçada <strong>de</strong><br />
morte; longe <strong>de</strong>mais, quer vê-la, sofre no lugar <strong>de</strong> R. criança abandonada e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser.<br />
Assim, mais tar<strong>de</strong> ela se faz presente nos encontros <strong>com</strong> sua filha e se ausenta.<br />
É o perto <strong>de</strong>mais do analista, junto ao lugar <strong>de</strong> filha e mãe, que faz <strong>com</strong> que, após um<br />
tempo, a analista se retire fisicamente do a<strong>com</strong>panhamento <strong>de</strong>sse encontrar, para possibilitar<br />
um <strong>espaço</strong> possível para R., e que R. traga também outras questões para análise.<br />
Alienação e separação<br />
Excluído: seria<br />
Excluído: angustias<br />
Excluído: lhe<br />
Excluído: (?)<br />
Excluído: ter<br />
Excluído: -a<br />
Excluído: :<br />
Excluído: :
76<br />
Sabemos <strong>com</strong> Lacan que o movimento, o trabalho <strong>de</strong> alienação e separação é um só, é<br />
no mesmo movimento que o sujeito se aliena ao Outro, ou melhor, ao que cai do outro, ao<br />
objeto a e se separa.<br />
Todo o trabalho <strong>de</strong> R. para encontrar <strong>uma</strong> distância possível entre ela e seu bebê diz<br />
respeito ao trabalho <strong>de</strong> alienação e separação, ou seja, é um trabalho <strong>de</strong> busca incessante <strong>de</strong><br />
ruptura <strong>com</strong> esse Outro tão todo, tão ameaçador; por isso esse trabalho para ser filha ou mãe,<br />
mãe ou filha <strong>uma</strong> ruptura no Outro, na qual possa caber <strong>com</strong>o sujeito, n<strong>uma</strong> distância<br />
suportável num intervalo da alienação total a esse Outro, tornando-se objeto, ou na separação<br />
total, em que R. é nada.<br />
Não há diferença, para R., entre ela e sua filha abandonada, que não tem nome, é um<br />
objeto anônimo, que apenas tem um pouco <strong>de</strong> consistência; e a mãe é injúria, é marca da<br />
alienação total. Não há diferença entre ela, mãe, e seu bebê, sua filha; não há diferença no<br />
inconsciente, sua filha é ela bebê abandonada, que não tem nome, um objeto anônimo que<br />
apenas tem um pouco <strong>de</strong> consistência, graças a pelo menos um pai que era bom. Quanto à<br />
injúria, o significante “mãe”, estão me “xingando <strong>de</strong> mãe”, vem para tentar separar, para<br />
tentar achar um lugar entre a filha e a mãe. A voz vem para melhorar o que é um caos, é um<br />
significante que surge do real para cavar no Outro seu lugar <strong>de</strong> mãe. Mas isso não a estabiliza,<br />
não funciona muito bem.<br />
A perda da libido<br />
Retornamos ao estudo <strong>de</strong> Miller sobre a voz, seguiremos aqui elaborações. Para Lacan,<br />
o <strong>de</strong>lírio vem construir <strong>uma</strong> perda, ele tira alg<strong>uma</strong> coisa da libido na realida<strong>de</strong> para criar <strong>uma</strong><br />
distância. Po<strong>de</strong>mos ler em Lacan que voz tem o estatuto <strong>de</strong> objeto quando ela é a voz do<br />
Outro. O que nos parece fundamental é que ele <strong>de</strong>fine o conjunto formado pela injúria pela<br />
frase que inclui a injúria, <strong>com</strong>o a ca<strong>de</strong>ia significante que se encontrou rompida, ou seja, que<br />
produziu atribuição subjetiva <strong>de</strong>ssa frase ao Outro. Isto possibilita que o sujeito pense na<br />
injúria por ela ser consi<strong>de</strong>rada pertencendo ao Outro.<br />
Lacan <strong>de</strong>fine que a carga afetiva, ou melhor, libidinal <strong>de</strong>ssa injúria – por exemplo<br />
“mãe”, estão me “xingando <strong>de</strong> mãe” – vai operar <strong>uma</strong> ruptura <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> da ca<strong>de</strong>ia<br />
significante, e <strong>uma</strong> rejeição no real. De fato, é na medida em que essa carga libidinal não po<strong>de</strong><br />
ser assumida pelo sujeito, que ele passa para o real e ela é atribuída ao Outro. É nesse sentido<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: objeto a<br />
Excluído: :<br />
Excluído:
que a voz aparece na sua dimensão <strong>de</strong> objeto, é quando ela vem do Outro. É isso que a <strong>de</strong>fine<br />
<strong>com</strong>o objeto.<br />
77<br />
Estruturalmente, vimos que o significante é utilizado pelo sujeito para tentar fazer <strong>com</strong><br />
que o Outro responda a ele o que se espera <strong>de</strong>le; ou seja, o sujeito se serve do significante,<br />
espera a voz do Outro, para que o Outro lhe diga o do que seu ser é indizível. Constatamos<br />
ainda, a partir da leitura <strong>de</strong> Miller, que a voz é essa dimensão da ca<strong>de</strong>ia significante que diz<br />
do ser do sujeito, mas que não po<strong>de</strong> dizer e é o que me liga ao campo do Outro. Temos então<br />
a voz pelo fato do significante girar em torno do objeto indizível, o objeto do <strong>de</strong>sejo.<br />
Como vimos nesses dois casos <strong>de</strong> psicose, a voz, ou dimensão da ca<strong>de</strong>ia significante<br />
que me liga ao Outro, não está submetida ao efeito da castração que faz <strong>com</strong> que o objeto<br />
indizível ou objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo seja o objeto que me liga ao Outro e que produz <strong>uma</strong> falta, <strong>uma</strong><br />
hiância que dialeticamente me relança num movimento incessante <strong>de</strong> busca <strong>de</strong>sejante. Na<br />
psicose, muito diferentemente, a voz do Outro já está <strong>com</strong> o sujeito, <strong>uma</strong> vez que o sujeito<br />
atribuía ao Outro não <strong>uma</strong> pergunta sobre a falta, o <strong>de</strong>sejo, mas <strong>uma</strong> certeza <strong>de</strong> que traz <strong>com</strong><br />
ela a carga libidinal <strong>de</strong>sse indizível.<br />
Excluído: 16
78<br />
IV. Espaço pais-bebês
79<br />
Alg<strong>uma</strong>s consi<strong>de</strong>rações sobre os fragmentos clínicos e o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong><br />
Constatamos, a partir dos casos clínicos, que era a<strong>de</strong>quado aten<strong>de</strong>r o infans e seu Outro<br />
primordial 97 conjuntamente, tratando-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong> clínica que se propõe a aten<strong>de</strong>r também<br />
aquele que não fala. Po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>cidir aten<strong>de</strong>r apenas o Outro do bebê, no entanto<br />
<strong>de</strong>cidimos atendê-los um na presença do Outro, <strong>uma</strong> vez que o infans nos dava notícia <strong>de</strong> um<br />
sofrimento psíquico que remetia ao laço <strong>com</strong> o Outro. Para isso, nos <strong>de</strong>bruçamos sobre a<br />
<strong>teoria</strong> <strong>de</strong> alienação e separação para tentar formalizar questões que se colocaram a partir <strong>de</strong>ssa<br />
clínica.<br />
Vimos que, embora o significante seja transmitido a partir do Outro, será preciso um<br />
trabalho <strong>de</strong> significação feito pelo sujeito e se faz necessária <strong>uma</strong> torção a mais: embora o<br />
simbólico preceda o sujeito, será a partir do encontro que o sujeito e o Outro se constituem,<br />
ou seja, não há duas entida<strong>de</strong>s prévias que se enlaçam e produzem o sujeito, há um encontro<br />
no qual o Outro e o sujeito se constituem. Assim, o ser do sujeito <strong>de</strong>verá vir <strong>de</strong> fora a<br />
posteriori, <strong>com</strong>o ato, <strong>com</strong>o resposta. Partindo <strong>de</strong>ssa teorização, gostaríamos agora <strong>de</strong> dar mais<br />
um passo e pensar <strong>com</strong>o po<strong>de</strong>mos trabalhar <strong>com</strong> os pais ou o infans, a criança pequena.<br />
Apren<strong>de</strong>mos muito <strong>com</strong> a contribuição <strong>de</strong> Virgínio Baio, que propõe o trabalho <strong>com</strong> os<br />
pais. A clínica <strong>com</strong> crianças psicóticas nos coloca a importância <strong>de</strong> que os pais nos autorizem<br />
a tratar <strong>de</strong> seus filhos e que se dê suporte para o trabalho do sujeito. Virgínio Baio propõe que<br />
é importante dar um lugar aos pais <strong>com</strong>o sujeitos, isso num primeiro tempo lógico, e, num<br />
segundo tempo lógico, convidá-los a se situar <strong>com</strong>o parceiros <strong>de</strong> seu filho e trazê-los a situar-<br />
se <strong>com</strong>nosco, do lado do Outro em relação a seus filhos. O que nos pareceu interessante nesse<br />
primeiro tempo lógico é que, para instaurar os pais <strong>com</strong>o sujeito, temos que fazer valer a<br />
barra da castração sobre a equipe, e isso se faz na medida que a equipe não se coloca no lugar<br />
<strong>de</strong> sujeito suposto saber, ao contrário, se coloca num lugar que situa um certo saber do lado<br />
dos pais, que lhes diz que, sem o saber <strong>de</strong>les, a equipe se encontra num impasse. Vimos aqui a<br />
mesma ética que vigora na clínica psicanalítica em geral. Nela o saber não está do lado do<br />
analista mas do lado do analisante. Isso nos parece muito interessante para nossa pesquisa,<br />
<strong>uma</strong> vez que esse lugar dado à enunciação dos pais constitui <strong>uma</strong> hiância, um vazio que<br />
97 Vi<strong>de</strong> nota 1, p. 2.
orienta e limita a equipe e sem o qual eles consi<strong>de</strong>ram que não po<strong>de</strong>m operar. Vemos nisso<br />
<strong>uma</strong> indicação clínica importante para o trabalho não só <strong>com</strong> as crianças psicóticas, mas<br />
também <strong>com</strong> os pais e os bebês, no que estamos tentando formalizar <strong>com</strong>o sendo esse <strong>espaço</strong><br />
possível <strong>de</strong> subjetivação. O segundo tempo lógico nos permite dar um passo a mais n<strong>uma</strong><br />
direção <strong>de</strong> trabalho que possibilite a constituição <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong> vazio entre o sujeito e o Outro<br />
que permita um trabalho <strong>de</strong> subjetivação, <strong>uma</strong> vez que se trata <strong>de</strong> um trabalho em que a<br />
equipe e os pais tentam se fazer parceiros da criança agora <strong>com</strong>o sujeito, ou seja, parceiros do<br />
trabalho subjetivo da criança, em vez <strong>de</strong> encarnar para criança um Outro do saber pleno que<br />
se <strong>com</strong>pleta <strong>com</strong> seu objeto criança.<br />
80<br />
Tentamos verificar <strong>com</strong>o isso se daria nos casos clínicos e trabalhamos em algum<br />
momento <strong>com</strong> essa referência. Reconhecemos, ao longo dos casos clínicos, momentos em que<br />
trabalhamos <strong>com</strong> a mãe a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> proposta <strong>de</strong> trabalho que era <strong>de</strong> lhe dar um lugar <strong>de</strong><br />
sujeito, <strong>com</strong>o, por exemplo, para a mãe <strong>de</strong> S., quando a convidamos a falar <strong>de</strong> S., porque é ela<br />
que sabe sobre S. E nos interessamos também pelo trabalho do segundo momento lógico, que<br />
é <strong>de</strong> associá-los <strong>com</strong>o parceiros do trabalho <strong>de</strong> seus filhos, reconhecendo o lugar que o Outro<br />
ocupa para seu filho, e assim reconhecendo o trabalho <strong>de</strong> seu filho, sua resposta <strong>de</strong> sujeito<br />
diante do Outro. Pareceu-nos que po<strong>de</strong>ríamos ler algo <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m, no caso <strong>de</strong> S., quando<br />
tentamos sustentar um lugar para o trabalho <strong>de</strong> S. <strong>com</strong>: “queremos saber mais <strong>de</strong> S” – que<br />
vive, se agita, se interessa por objetos diante <strong>de</strong> um Outro que a <strong>de</strong>fine <strong>com</strong>o “<strong>de</strong>sobediente”.<br />
Assim, parece-nos que, quando instauramos os pais <strong>com</strong>o sujeitos e nos colocamos do lado do<br />
Outro possível para o infans, e quando nos fazemos parceiros do trabalho do infans ou da<br />
criança pequena, estamos nos orientando pela operação <strong>de</strong> alienação e separação, pela noção<br />
<strong>de</strong> objeto a, <strong>com</strong>o <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> para o sujeito, seja ele pai, mãe ou criança.<br />
Nessa perspectiva, vamos abrir esse último capítulo <strong>com</strong> <strong>uma</strong> reflexão a respeito do<br />
texto "Nota sobre a criança", <strong>de</strong> Jacques Lacan, a fim <strong>de</strong> avançar mais um pouco no estudo a<br />
respeito do objeto a a partir da clínica <strong>com</strong> crianças e seus pais. Lacan nos diz que a função<br />
<strong>de</strong> resíduo que sustenta a família conjugal, ao longo da evolução das socieda<strong>de</strong>s, faz <strong>de</strong>stacar<br />
um irredutível <strong>de</strong> transmissão, que é a constituição subjetiva que implica a relação a um<br />
<strong>de</strong>sejo que não seja anônimo.
81<br />
Assim a função da mãe e do pai se <strong>de</strong>fine a partir <strong>de</strong>ssa necessida<strong>de</strong>. A mãe, enquanto<br />
seus cuidados trazem a marca <strong>de</strong> um interesse particular, transmitindo sua própria falta. E o<br />
pai, enquanto o seu nome é o vetor <strong>de</strong> <strong>uma</strong> encarnação da lei no <strong>de</strong>sejo, ou seja, da castração.<br />
A partir disso, Lacan postula que o sintoma da criança se constitui para respon<strong>de</strong>r ao<br />
que tem <strong>de</strong> sintomático na estrutura da família. Teremos então, segundo Lacan, duas<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> resposta do sujeito: n<strong>uma</strong>, o sintoma representa a verda<strong>de</strong> do casal parental.<br />
Essa possibilida<strong>de</strong> é a mais <strong>com</strong>plexa, mas também a mais aberta à nossa intervenção. Na<br />
outra, o sintoma revela a subjetivida<strong>de</strong> da mãe; nesse caso, nossa intervenção encontra-se<br />
bastante reduzida, nessa situação a criança está diretamente interessada, enquanto correlativa<br />
<strong>de</strong> <strong>uma</strong> fantasia.<br />
Nesse caso, a distância entre a i<strong>de</strong>ntificação ao i<strong>de</strong>al do eu e o <strong>de</strong>sejo da mãe, sem<br />
mediação, que normalmente é assegurada pela função do pai, <strong>de</strong>ixa a criança vulnerável à<br />
fantasia materna, tornando-se assim "objeto" da mãe, e a função <strong>de</strong>sse objeto é <strong>de</strong> revelar a<br />
verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse objeto. Isso terá por conseqüência o fato <strong>de</strong> que a criança realiza a presença do<br />
objeto a na fantasia. Saturando assim a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falta na qual se especifica o <strong>de</strong>sejo da<br />
mãe, qualquer que seja sua estrutura.<br />
A criança aliena na mãe qualquer acesso possível a sua própria verda<strong>de</strong>, dando-lhe<br />
corpo e existência. Dessa maneira, nessa relação dual <strong>com</strong> a mãe, a criança lhe dá o que lhe<br />
falta, o falo, oferecendo-se assim <strong>com</strong>o objeto no real. Isso tem <strong>com</strong>o conseqüência que, na<br />
medida em que o objeto apresenta o real, ele está mais subordinado à fantasia materna. Parece<br />
então possível extrair aí que, quando a criança torna-se "objeto" da mãe, por não ter a<br />
mediação assegurada pela função do pai para modular a distância entre a i<strong>de</strong>ntificação i<strong>de</strong>al<br />
do eu e o <strong>de</strong>sejo da mãe, ela se realiza, oferecendo-se <strong>com</strong>o objeto no real. Isso significa que<br />
não operou a castração e que o objeto não se realiza <strong>com</strong>o resto, <strong>com</strong>o objeto a, <strong>com</strong>o aquilo<br />
que possibilitou <strong>uma</strong> certa separação, um <strong>espaço</strong> entre alienação e separação. Diferentemente<br />
do objeto a, o objeto no real é o objeto na psicose. Ou seja, o objeto da psicose não é o objeto<br />
a, porque o objeto a implica um <strong>espaço</strong> entre alienação e separação, e o objeto no real vem<br />
saturar a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falta que viabiliza a separação. Parece-nos igualmente importante<br />
<strong>de</strong>stacar aqui que a mediação assegurada pela função do pai não é <strong>uma</strong> mediação entre duas<br />
entida<strong>de</strong>s que buscam fazer <strong>uma</strong> média entre elas, tentando um entendimento entre o que cada<br />
<strong>uma</strong> reivindica. Muito pelo contrário, não se trata nada disso, a mediação aqui posta por<br />
Lacan é <strong>uma</strong> mediação paradoxal, que é virtual, que tem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>espaço</strong>, <strong>uma</strong> vez
que a função do pai garante a mediação através do recobrimento <strong>de</strong> duas faltas, a do sujeito e<br />
a do Outro, a partir da operação da castração, resultando num <strong>espaço</strong> vazio, que tem a<br />
consistência lógica do objeto a, um objeto que não é nem do sujeito nem do outro e que é o<br />
elo entre o sujeito e o Outro, e que, <strong>com</strong>o objeto, <strong>de</strong>saparece. Vemos ai <strong>uma</strong> direção <strong>de</strong><br />
trabalho para o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, não sendo um <strong>espaço</strong> para tentar harmonizar algo do<br />
Outro materno e o bebê, mas sim <strong>de</strong> fazer valer, a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> função <strong>de</strong> terceiro, um <strong>espaço</strong><br />
possível <strong>de</strong> subjetivação.<br />
82<br />
A partir <strong>de</strong>ssa reflexão, vamos nos propor a arriscar <strong>uma</strong> breve aproximação entre<br />
<strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> pensado a partir do objeto a lacaniano, ou seja, a partir das operações <strong>de</strong><br />
alienação e separação, e o objeto transicional <strong>de</strong> D. W. Winnicott, <strong>uma</strong> vez que este inspirou<br />
muito a noção <strong>de</strong> objeto a lacaniano.<br />
Farei primeiro <strong>uma</strong> breve <strong>articulação</strong> da <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Jacques Lacan, alienação e separação,<br />
<strong>com</strong> o conceito <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> potencial e o objeto transicional <strong>de</strong> Winnicott. Embora o aporte <strong>de</strong><br />
Winnicott seja muito importante, infelizmente não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>senvolvê-lo aqui<br />
extensivamente, mas tentaremos apresentar alg<strong>uma</strong>s articulações que nos parecem<br />
interessantes para nosso campo <strong>de</strong> pesquisa.<br />
Articulação da operação <strong>de</strong> alienação e separação <strong>com</strong> o <strong>espaço</strong> potencial e<br />
o objeto transicional<br />
Alienação/separação e o objeto a<br />
Lacan, no Seminário 10, A angústia, diz que <strong>de</strong>ve muito da sua formalização do objeto<br />
a a Winnicott.<br />
O que chamamos do objeto traduz-se, portanto, pelo aparecimento, na ca<strong>de</strong>ia da<br />
fabricação h<strong>uma</strong>na, <strong>de</strong> objetos cedíveis que po<strong>de</strong>m ser equivalentes aos objetos naturais. Se<br />
esta repetição não é <strong>de</strong>spropositada aqui é que, por meio <strong>de</strong>la, tenciono ligar diretamente a isso<br />
a função que tenho enfatizado há muito tempo – a do objeto transicional, para retomar o termo,
83<br />
apropriado ou não, mas já consagrado, <strong>com</strong> que o rotulou seu criador, aquele que o percebeu,<br />
ou seja, Winnicott 98 .<br />
O objeto a <strong>de</strong> Lacan se constitui na operação <strong>de</strong> alienação e separação. Como vimos, na<br />
operação <strong>de</strong> alienação, o Outro, ao tentar recobrir o sujeito <strong>com</strong> todo o sentido, faz aparecer o<br />
furo, o que não é possível fazer consistir <strong>com</strong>o sentido; <strong>uma</strong> vez que é impossível recobrir<br />
<strong>com</strong> todo o sentido, falta sentido, constitui-se então um furo no Outro, a falta, o <strong>de</strong>sejo no<br />
Outro. Na operação <strong>de</strong> separação, o sujeito, ao tentar preencher essa falta, tenta preencher o<br />
<strong>de</strong>sejo do Outro, mas é barrado, <strong>uma</strong> vez que esse Outro, ao en<strong>de</strong>reçar seu <strong>de</strong>sejo para além<br />
do sujeito, produz a castração <strong>de</strong>ste. Isso significa que ele é interditado na sua tentativa <strong>de</strong><br />
preencher o <strong>de</strong>sejo do 0utro. O sujeito será então expulso do <strong>de</strong>sejo do Outro, produzindo-se a<br />
divisão do sujeito. O resto <strong>de</strong>ssa operação é o objeto a.<br />
De acordo <strong>com</strong> Lacan, para que haja separação será necessário que o sujeito se<br />
i<strong>de</strong>ntifique <strong>com</strong> esse resto caído <strong>de</strong>sse Outro, o objeto a, que sobra da operação <strong>de</strong> castração:<br />
O a, aqui, é suplente do sujeito – e suplente na posição <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>nte. O sujeito mítico<br />
primitivo, postulado no início <strong>com</strong>o tendo <strong>de</strong> se constituir no confronto significante, nós nunca<br />
o apren<strong>de</strong>mos, por razões óbvias, porque o a o prece<strong>de</strong>u, e é <strong>com</strong>o marcado, ele próprio, por<br />
essa substituição primitiva que ele tem que reemergir secundariamente, para além <strong>de</strong> seu<br />
<strong>de</strong>saparecimento 99 .<br />
Assim, Lacan formula no Seminário 10 que, na operação <strong>de</strong> castração, <strong>de</strong> divisão do<br />
sujeito que se escreve $, tem no sentido da divisão um resto, um resíduo. Esse resto é a única<br />
prova, garantia da alterida<strong>de</strong> do Outro e, é o a. É por isso que os dois termos, $ e a, o sujeito<br />
marcado pela barra do significante e o pequeno a, resto, resíduo que é a condição <strong>de</strong><br />
existência do Outro, estão no mesmo lado da barra, do lado objetivo da barra. Ou seja, para<br />
Lacan, tanto o $ <strong>com</strong>o o a estão do lado do Outro, porque a fantasia, que é apoio do <strong>de</strong>sejo,<br />
está na sua totalida<strong>de</strong> do lado do Outro. O que está do lado do sujeito e que o constitui <strong>com</strong>o<br />
inconsciente é o Outro barrado, A que é inatingível por mim. Assim Lacan escreve o esquema<br />
que é o primeiro esquema da divisão:<br />
98 LACAN, Jacques (1962-1963), O Seminário. Livro 10: A angústia, Rio <strong>de</strong> janeiro: Jorge Zahar, 2005,<br />
p. 340.<br />
99 LACAN, Jacques, op.cit., p. 341.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: a<br />
Excluído: .<br />
Excluído: (1962-1963)<br />
Excluído: .<br />
Excluído: O Seminário. Livro10:<br />
Excluído: a<br />
Excluído: A angústia. Rio <strong>de</strong><br />
janeiro: Jorge Zahar, 200<br />
Inserido: A<br />
Excluído: 5
A S<br />
$ A<br />
a<br />
84<br />
É por isso que os dois termos $ e a, o sujeito marcado pela barra do significante e o<br />
objeto pequeno a, resíduo do condicionamento, se assim posso me exprimir, pelo Outro,<br />
encontra-se do mesmo lado, do lado objetivo da barra. Todos os dois estão do lado do Outro,<br />
porque a fantasia, esteio do meu <strong>de</strong>sejo, está inteiramente do lado do outro. O que está agora<br />
do meu lado é aquilo que me constitui <strong>com</strong>o inconsciente, ou seja, A, o Outro <strong>com</strong>o aquele<br />
que não atinjo 100 .<br />
Assim, o objeto a na condição <strong>de</strong> resto não pertence nem ao Outro nem ao sujeito,<br />
porque <strong>com</strong>o o objeto é do Outro, será necessário, para que se inscreva a falta no objeto, que<br />
algo seja perdido. Nos interessa aqui essa afirmação <strong>de</strong> Lacan, enquanto direção clínica, <strong>uma</strong><br />
vez que vamos ter que trabalhar na direção <strong>de</strong> causar o sujeito.<br />
Aporte <strong>de</strong> D. W. Winnicott sobre o conceito objetos transicionais e <strong>espaço</strong><br />
potencial 101<br />
Seguiremos agora, a fim <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r <strong>com</strong>o D. W. Winnicott formalizou esses conceitos,<br />
um capítulo nomeado “Objetos transicionais e fenômenos transicionais”. Ali Winnicott se<br />
propõe a estudar a riqueza do padrão <strong>de</strong> uso que os bebês fazem <strong>de</strong> sua primeira posse não-eu.<br />
Ele nos dá a seguinte <strong>de</strong>finição:<br />
Introduzi as expressões ”objeto transicional” e ”fenômeno transicional” para <strong>de</strong>signar a<br />
área intermediária da experiência, entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a<br />
verda<strong>de</strong>ira relação objetal, entre a ativida<strong>de</strong> da criativida<strong>de</strong> primária e a projeção do que já<br />
100 LACAN, Jacques , op.cit., p. 36.<br />
101 WINNICOTT, Donald W., “Objetos transicionais e fenômenos transicionais”, in: Da pediatria à<br />
psicanálise. Obras escolhidas, (1951), cap. XVIII, pp. 316 – 331.<br />
Excluído: (1962-1963).<br />
Excluído: O Seminário. Livro10:<br />
Excluído: a<br />
Excluído: A angústia. Rio <strong>de</strong><br />
janeiro: Jorge Zahar, 2005<br />
Inserido: A<br />
Excluído: Winnicott<br />
Excluído: I<br />
Excluído: .<br />
Excluído: (1951),<br />
Excluído: -
85<br />
teria sido introjetado, entre a não-consciência primária da dívida e o reconhecimento da<br />
dívida 102 .<br />
Desse modo, para ele, tanto o balbucio do bebê <strong>com</strong>o a maneira <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> criança mais<br />
velha repassa todo um repertório <strong>de</strong> canções enquanto se preparando para dormir, ocorrem<br />
nessa área intermediária, enquanto fenômenos transicionais. Nessa área ocorrerá também o<br />
uso <strong>de</strong> objetos que nem fazem parte do corpo do bebê, nem são reconhecidos <strong>com</strong>o sendo da<br />
realida<strong>de</strong> exterior.<br />
O que Winnicott está formalizando é que o indivíduo possui <strong>uma</strong> realida<strong>de</strong> interna que<br />
faz fronteira <strong>com</strong> <strong>uma</strong> realida<strong>de</strong> externa, mas que existe <strong>uma</strong> terceira parte da vida do<br />
indivíduo que é <strong>uma</strong> região intermediária da experimentação que tem a contribuição tanto da<br />
realida<strong>de</strong> interna <strong>com</strong>o da externa. Essa área é <strong>uma</strong> área intermediária, <strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso, porque<br />
não é questionada.<br />
Interessa-lhe estudar essa área intermediária entre o subjetivo e o objetivamente<br />
percebido, porque isso vai permitir-lhe estudar o progresso que leva à manipulação dos<br />
verda<strong>de</strong>iros objetos não-eu. Esse estudo vai conduzi-lo à formulação do objeto transicional<br />
que será a primeira posse não-eu 103 . Vejamos as características especiais no relacionamento<br />
do bebê <strong>com</strong> o objeto, que o torna um objeto transicional.<br />
No então, para que ocorram os fenômenos transicionais e objetos transicionais, será<br />
necessário que a mãe seja suficientemente boa. Isso significa que ela se adapte ativamente às<br />
necessida<strong>de</strong>s do seu bebê, <strong>uma</strong> adaptação que irá diminuir gradativamente <strong>de</strong> acordo <strong>com</strong> a<br />
capacida<strong>de</strong> que o bebê irá adquirir <strong>de</strong> suportar as falhas na adaptação e tolerar a vivência das<br />
frustrações. Assim, no início da vida do bebê, a mãe <strong>com</strong> sua ação adaptadora vai lhe dar a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter a ilusão <strong>de</strong> que seu seio é <strong>uma</strong> parte <strong>de</strong>le. O bebê tem <strong>uma</strong> vivência<br />
mágica <strong>de</strong> ter o controle sobre o seio.<br />
Recapitulando: para Winnicott, essa primeira posse relaciona-se retroativamente aos<br />
fenômenos auto-eróticos, ao costume <strong>de</strong> chupar o punho ou o polegar e, mais tar<strong>de</strong>, o<br />
paninho, o bichinho macio, a boneca, ou o brinquedo. Essa primeira posse, embora se<br />
relacione tanto aos objetos externos (seio materno) quanto internos (seio mágico), difere dos<br />
dois.<br />
102 I<strong>de</strong>m, p. 317.<br />
103 Para Winnicott, o padrão dos fenômenos transicionais <strong>com</strong>eça a tornar-se perceptível por volta <strong>de</strong> 4-6-<br />
8-12 meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Op.cit., p. 320.<br />
Excluído: P.
86<br />
Essa primeira posse constitui os objetos e fenômenos transicionais que pertencem ao<br />
campo da ilusão. Esse é o momento dos primórdios do <strong>de</strong>senvolvimento, que <strong>de</strong>ve sua<br />
existência à capacida<strong>de</strong> da mãe <strong>de</strong> adaptar-se ativamente às necessida<strong>de</strong>s do seu bebê, dando-<br />
lhe a ilusão <strong>de</strong> que o que ele cria realmente existe. Já houve a percepção <strong>de</strong> perda: “O bebê<br />
assume direitos sobre o objeto e nós concordamos <strong>com</strong> isto. Ainda assim, alg<strong>uma</strong> ab-rogação<br />
<strong>de</strong> onipotência está presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início” 104 . Vemos aí, a partir do ensino <strong>de</strong> Lacan, o<br />
reconhecimento da perda, ou seja, da castração necessária, <strong>de</strong> <strong>uma</strong> perda estrutural.<br />
O objeto transicional é importante porque ele é o que possibilita se separar do objeto.<br />
Assim, paraWinnicott, o uso típico do objeto transicional é <strong>de</strong> um tranqüilizador que permite<br />
que a criança use o objeto substituto para ampará-la diante da separação do objeto, da perda<br />
do objeto. Assim, ele diz: “Pouco <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>smame, aos cinco ou seis meses, ele adotou a<br />
ponta <strong>de</strong> um cobertor sobre um bebê, on<strong>de</strong> terminava a costura. Ficava contente quando um<br />
pouco <strong>de</strong> lã repuxava, fazendo <strong>com</strong> ela cócegas no nariz. Isto tornou-se muito cedo seu<br />
‘baa’” 105 .<br />
Winnicott observa que o bebê não se questiona sobre se essa área intermediária da<br />
experiência pertence à realida<strong>de</strong> interna ou externa. Ela é muito importante porque constitui a<br />
parte maior da experiência do bebê, e num período adulto é lugar <strong>de</strong> experiência no campo da<br />
arte, da religião e da imaginação, assim <strong>com</strong>o do trabalho científico criativo. "O objeto<br />
transicional <strong>de</strong> um bebê será gradativamente <strong>de</strong>scatexizado, especialmente na medida que se<br />
constituem os interesses culturais" 106 . Nesse sentido, o objeto transicional é o aspecto visível<br />
da travessia do bebê <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a subjetivida<strong>de</strong> até a objetivida<strong>de</strong>, ele seria um aspecto visível da<br />
travessia em direção ao simbolismo. De fato, quando o simbolismo é empregado, o bebê já<br />
tem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir entre fato e fantasia, entre objetos internos e externos.<br />
104 Op.cit., p. 320.<br />
105 Op.cit., p. 323.<br />
106 Op.cit. p. 406-407.<br />
Excluído: I<strong>de</strong>m<br />
Excluído: I<strong>de</strong>m
87<br />
Articulações do conceito <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> e objeto transicional <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong><br />
Lacan alienação/separação e o objeto a e o objeto e <strong>espaço</strong> transicional<br />
O objeto<br />
O objeto transicional é <strong>uma</strong> etapa rumo ao objeto a, <strong>uma</strong> vez que ele já implica a<br />
dimensão <strong>de</strong> falta, <strong>de</strong> perda, porque, <strong>com</strong>o nos diz Winnicott, o bebê se agarra ao objeto<br />
transicional pelo fato <strong>de</strong>le já viver a dimensão da falta, já houve para o bebê a inclusão da<br />
experiência da perda do objeto. Parece-nos fundamental a função do objeto transicional, <strong>uma</strong><br />
vez que, através <strong>de</strong>le, a criança <strong>com</strong>eça a se separar do objeto materno e aí vai se separando<br />
<strong>de</strong> todos os objetos. Essa distância é um <strong>espaço</strong> vazio que antece<strong>de</strong> qualquer troca, é a<br />
primazia do simbólico. Assim, se retomamos os conceitos <strong>de</strong> Lacan <strong>de</strong> real e imaginário,<br />
vemos <strong>com</strong>o a troca passa necessariamente pelo simbólico.<br />
Alienação e separação<br />
Iremos agora seguir o estudo <strong>de</strong> Masud R. Khan 107 e um texto <strong>de</strong> Winnicott: “A<br />
observação do bebê n<strong>uma</strong> situação padronizada” (1941) 108 , que articulamos <strong>com</strong> a operação<br />
<strong>de</strong> alienação e separação <strong>de</strong> Jacques Lacan. Um dos primeiros estudos <strong>de</strong> D. W. Winnicott,<br />
que antece<strong>de</strong> seus trabalhos sobre <strong>espaço</strong> e objeto transicional, encontra-se nesse trabalho<br />
sobre a observação <strong>de</strong> bebês 109 . Nesse trabalho ele <strong>de</strong>screve um certo padrão <strong>de</strong><br />
<strong>com</strong>portamento infantil em relação a <strong>uma</strong> espátula, no contexto <strong>de</strong> <strong>uma</strong> consulta solicitada<br />
pela mãe. Nessa experiência ele vai <strong>de</strong>stacar a hesitação do bebê <strong>com</strong>o um momento muito<br />
importante, eu diria fundamental nesse momento <strong>de</strong> constituição do bebê, nessa experiência<br />
padronizada por ele; momento fundamental, que vai da hesitação ao gesto criativo.<br />
107 KHAN, Masud R., "Introdução" a WINNICOTT Donald. W., Da pediatria à psicanálise. Obras<br />
escolhidas, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 2000, pp. 11-54.<br />
108 WINNICOTT. Donald, W., op.cit., cf. Capítulo IV, “A observação do bebê n<strong>uma</strong> situação<br />
padronizada” (1941), pp. 112-132.<br />
109 WINNICOTT, op.cit., p. 112.<br />
Excluído: .<br />
Excluído: (Introdução <strong>de</strong><br />
Massud R. Khan).<br />
Excluído: o.c<br />
Excluído: .<br />
Excluído: r<br />
Excluído: bebÊ
88<br />
O gesto criativo consi<strong>de</strong>rado por Winnicott, o rabisco, é o produto “do jogo do<br />
rabisco” 110 , que é um jogo que possibilitou a ele criar o <strong>espaço</strong> transicional. O <strong>espaço</strong><br />
transicional seria constituído <strong>de</strong> um período <strong>de</strong> hesitação que constitui esse momento, esse<br />
<strong>espaço</strong>, até o <strong>de</strong>sdobrar-se no gesto criativo, o rabisco. Parece-me importante, para enten<strong>de</strong>r<br />
em que consiste o <strong>espaço</strong> transicional, <strong>de</strong>screver esse movimento que vai da hesitação ao<br />
rabisco. Para isso vou agora <strong>de</strong>screver as observações <strong>de</strong> Winnicott sobre <strong>uma</strong> experiência<br />
feita <strong>com</strong> <strong>uma</strong> espátula em <strong>uma</strong> situação padronizada, em consultas solicitadas pela mãe.<br />
Nessa experiência tem a análise <strong>de</strong>sse movimento. Teremos três estágios:<br />
1) Primeiro estágio – o bebê esten<strong>de</strong> sua mão para a espátula, mas <strong>de</strong>scobre subitamente<br />
que precisa pensar um pouco mais sobre a situação. Ele se vê num dilema. Instaura-se então a<br />
hesitação.<br />
2) Segundo estágio – enquanto dura o “período <strong>de</strong> hesitação”, o bebê vai manter seu<br />
corpo na mesma posição, mas sem rigi<strong>de</strong>z.<br />
Winnicott assinala que, aos poucos, o bebê reúne coragem suficiente para <strong>de</strong>ixar que<br />
seus sentimentos aflorem, e aí a cena vai mudar rapidamente. O momento em que essa<br />
primeira fase é substituída pela segunda é facilmente reconhecível, diante da aceitação por<br />
parte da criança da realida<strong>de</strong> do seu <strong>de</strong>sejo pela espátula. Ocorre <strong>uma</strong> mudança no interior da<br />
boca da criança, esta se torna flácida, <strong>com</strong> a língua grossa e macia, cheia <strong>de</strong> saliva.<br />
O bebê dá a impressão <strong>de</strong> acreditar que a espátula está sob seu controle, talvez em seu<br />
po<strong>de</strong>r; parece acreditar que a espátula está aí disponível para, por meio <strong>de</strong>la, expressar o seu<br />
Eu. Nesse momento sua intenção é brincar, é representar.<br />
3) Terceiro estágio – o bebê, antes <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>ixa cair a espátula, fazendo <strong>com</strong>o se fosse<br />
por acaso. Quando a recebe <strong>de</strong> volta, fica feliz, brinca novamente <strong>com</strong> a espátula e a <strong>de</strong>ixa<br />
cair um pouco propositalmente, até <strong>de</strong>ixar propositalmente mesmo, adorando então o ato <strong>de</strong><br />
jogá-la <strong>de</strong> modo agressivo, tornando-se muito satisfeito quando a espátula faz barulho ao cair<br />
no chão.<br />
No final da terceira fase, o bebê pe<strong>de</strong> pra <strong>de</strong>scer ao chão <strong>com</strong> a espátula, para brincar e<br />
mordê-la ou para <strong>de</strong>ixá-la pra lá e alcançar outro objeto.<br />
Alg<strong>uma</strong>s aproximações entre a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> alienação e separação <strong>de</strong> Lacan<br />
110 Cf. a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Masud R. Kahn, op.cit., p. 19.
89<br />
Iremos agora trazer alg<strong>uma</strong>s reflexões que forma forjadas pelo grupo <strong>de</strong> orientação e<br />
pesquisa ministrado por Marco Antônio Coutinho Jorge.<br />
Parece-me importante essa experiência <strong>com</strong> o bebê, a espátula e a mãe. Winnicott, <strong>com</strong><br />
base na experiência padronizada, institui um <strong>espaço</strong> no qual po<strong>de</strong>ríamos situar o bebê<br />
constituindo-se <strong>com</strong>o $, a espátula que po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar <strong>com</strong>o o objeto a, e o Outro do<br />
bebê, a mãe. Isso nos possibilita instaurar <strong>uma</strong> analogia entre o “<strong>espaço</strong> potencial”,<br />
transicional, e a operação <strong>de</strong> alienação e separação que se dá num movimento só.<br />
O que me parece importante <strong>de</strong>stacar, tanto no <strong>espaço</strong> potencial, <strong>com</strong>o na operação <strong>de</strong><br />
alienação separação, é a falta, o buraco, <strong>com</strong>o condição <strong>de</strong> esse <strong>espaço</strong> se configurar <strong>com</strong>o<br />
operação. No caso do <strong>espaço</strong> potencial, temos o período <strong>de</strong> hesitação que é central e<br />
fundamental para ele configurar um período, um <strong>espaço</strong> e um tempo lógico no qual po<strong>de</strong><br />
escolher sim ou não. Por aí já se instaura a falta e um momento <strong>de</strong> suspensão, por não<br />
escolher. Po<strong>de</strong>ríamos dizer o recobrimento <strong>de</strong> duas faltas, do sujeito e do Outro, assim <strong>com</strong>o a<br />
operação <strong>de</strong> alienação e separação se dá, se fundamenta a partir do recobrimento <strong>de</strong>ssas duas<br />
faltas. Na suspensão, o bebê está às voltas <strong>com</strong> o <strong>de</strong>sejo do Outro; tentando <strong>de</strong>cifrá-lo e<br />
correspon<strong>de</strong>r ao <strong>de</strong>sejo do Outro; fazendo <strong>com</strong> que sua falta corresponda ao <strong>de</strong>sejo do Outro.<br />
Notamos também que o objeto a é o resto da operação <strong>de</strong> alienação e separação, o resto<br />
da operação <strong>de</strong> castração, o que se produz quando o Outro materno dirige-se mais além do<br />
sujeito, do $ que tenta respon<strong>de</strong>r, <strong>com</strong>pletar o <strong>de</strong>sejo do Outro materno, e que se vê barrado,<br />
interditado pelo Outro materno. A castração, a divisão do sujeito $ e o resto objeto a, o que<br />
fica <strong>de</strong> não simbolizável <strong>de</strong>ssa operação da castração, é o resto que o simbólico não po<strong>de</strong><br />
recobrir. Nesse sentido po<strong>de</strong>mos aproximar a experiência da espátula <strong>com</strong> o objetivo que é do<br />
sujeito, mas não só <strong>de</strong>le, também é do Outro, porque ele serve <strong>de</strong> instrumento <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira<br />
entre o sujeito e o Outro, ao <strong>de</strong>ixá-lo cair e ser apanhado. Mas, ao mesmo tempo, ele não fica<br />
nem <strong>com</strong> o sujeito nem <strong>com</strong> o Outro. E ele está abandonado no chão.<br />
Para Winnicott, o verda<strong>de</strong>iro Eu surge, se faz no gesto criativo do jogo do rabisco. O<br />
jogo do rabisco é um jogo que o terapeuta inicia <strong>com</strong> um risco e o paciente continua <strong>com</strong> seu<br />
risco. Sua essência é o modo <strong>com</strong>o Winnicott cria o <strong>espaço</strong> potencial, um <strong>espaço</strong> transicional<br />
no qual o período <strong>de</strong> hesitação está totalmente presente, <strong>uma</strong> vez que essa hesitação constitui<br />
esse <strong>espaço</strong>, já que ela suspen<strong>de</strong> algo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e, assim, cria um vazio. Po<strong>de</strong>mos pensar<br />
também que essa hesitação constitui esse <strong>espaço</strong>, já que ela suspen<strong>de</strong> algo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e, assim,<br />
cria um vazio. Po<strong>de</strong>mos pensar também que a hesitação é possível porque há um <strong>espaço</strong> vazio
que não é ocupado pelo terapeuta, nem pelo paciente, o bebê. Desta forma po<strong>de</strong>mos dizer que<br />
o <strong>espaço</strong>, que não é do terapeuta nem do bebê, é redobrado pela hesitação do bebê, ou seja,<br />
um puxa o outro.<br />
90<br />
Será do movimento do <strong>espaço</strong> potencial entre o terapeuta e o paciente, ou entre o bebê e<br />
o Outro, que nascerá o sujeito do inconsciente, o verda<strong>de</strong>iro eu, se constituindo a partir <strong>de</strong>sse<br />
<strong>espaço</strong> e <strong>de</strong>sse gesto criativo. Assim, <strong>com</strong>o é da operação <strong>de</strong> duas faltas num movimento só<br />
<strong>de</strong> alienação e separação que o sujeito <strong>de</strong> inconsciente <strong>de</strong> S passa a $.<br />
Espaço <strong>pais–bebês</strong><br />
Tentaremos agora, a partir do trabalho do <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> e as questões ali<br />
levantadas, articular os conceitos que estudamos ao longo da dissertação.<br />
<strong>pais–bebês</strong>.<br />
Apresentamos a seguir alguns fragmentos clínicos em sua <strong>articulação</strong> <strong>com</strong> o <strong>espaço</strong><br />
Primeiro fragmento clínico<br />
L. é <strong>uma</strong> menina autista <strong>de</strong> dois anos quando chega ao atendimento individual. Nesse<br />
primeiro momento, minha presença parece não contar, ela não se dirige ao outro, não há troca<br />
<strong>de</strong> olhar <strong>com</strong> o outro. Apresenta <strong>uma</strong> gran<strong>de</strong> agitação, jogando todos os brinquedos da sala no<br />
chão. Após um longo trabalho junto a L. <strong>com</strong> seus pais, no sentido <strong>de</strong> possibilitar à mãe e ao<br />
pai fazer o luto <strong>de</strong> <strong>uma</strong> morte que os capturava, impossibilitando que L. nascesse – ela tinha<br />
sido amalgamada ao lugar <strong>de</strong> morte – é possível então inaugurar um outro momento, em que<br />
L. passa a ser investida libidinalmente, <strong>com</strong>o objeto <strong>de</strong> amor. Cai, então, o lugar <strong>de</strong> criança<br />
<strong>de</strong>sobediente, que precisa apanhar, para dar a vez ao lugar <strong>de</strong> criança que interessa<br />
(“Queremos saber mais <strong>de</strong> L.”).<br />
É nesse momento que ela é indicada para o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, um <strong>espaço</strong> para além do<br />
<strong>espaço</strong> do atendimento individual, no qual o lúdico possa servir <strong>de</strong> suporte, <strong>espaço</strong> que<br />
possibilita à mãe libidinizar L. mais um pouco.<br />
Indicamos também <strong>com</strong>o <strong>espaço</strong> “regrado”, no qual o saber não vem por parte das<br />
técnicas, mas, sim, por parte da criança. Trata-se portanto <strong>de</strong> um <strong>espaço</strong> que é não-todo, que<br />
contém <strong>uma</strong> certa margem na qual L. possa experimentar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s,
encontrar novos objetos, outras crianças. L. constrói conhecimentos sobre si, sobre as relações<br />
<strong>com</strong> as outras crianças enquanto brinca.<br />
91<br />
Nas primeiras vezes L. cai em <strong>de</strong>sespero, grita, rola no chão, se <strong>de</strong>smancha toda,<br />
quando é confrontada <strong>com</strong> outra criança que lhe toma seu brinquedo.<br />
Introduzimos a dimensão da palavra, diferente do agir sempre antecipado da mãe <strong>com</strong><br />
L., que não lhe <strong>de</strong>ixa escolha, nem <strong>espaço</strong> para pedir ou respon<strong>de</strong>r. A mãe constrói<br />
conhecimento sobre as possibilida<strong>de</strong>s da filha, ao vê-la brincar e se relacionar <strong>com</strong> as outras<br />
crianças e ao refletir sobre sua postura frente à filha. Assim, aos poucos, a mãe se dirige a L.<br />
não mais <strong>com</strong> o saber fechado, mas <strong>de</strong>ixando-se surpreen<strong>de</strong>r por L. É por meio da palavra que<br />
introduzimos um certo tempo, tempo no qual L. po<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, mesmo que <strong>de</strong>ssa forma e<br />
que isso seja reconhecido. E tentando fazer <strong>uma</strong> certa suplência, fazendo-se suporte <strong>de</strong>sse ir-<br />
e-vir do objeto, buscando fazer um trabalho <strong>de</strong> escriba, que tentamos dar notícia <strong>de</strong> que ela<br />
continua lá inteira.<br />
Segundo fragmento clínico<br />
M. tem um ano e meio quando chega ao serviço. Nos primeiros atendimentos<br />
ambulatoriais vêm a mãe e a avó paterna, <strong>uma</strong> vez que moram juntas, e a mãe, grávida, diz<br />
estar precisando da ajuda da avó. Depois, <strong>de</strong>vido a questões <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, vêm o avô paterno e M.<br />
M. chega constantemente machucado, <strong>com</strong> galos na testa. O avô relata que M. é muito<br />
”nervozinho”, por isso bate a cabeça.<br />
No <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, constatamos que M. é calmo, procura interagir <strong>com</strong> outras<br />
crianças. Toda vez que M. convida o avô para brincar, ele não aceita e o manda ir brincar,<br />
<strong>de</strong>terminando <strong>com</strong>o M. <strong>de</strong>veria brincar; é <strong>de</strong>ssa forma que ele intervém também quando M.<br />
está brincando, impõe-lhe outra brinca<strong>de</strong>ira, indo até tirar o brinquedo <strong>de</strong> M., pegando <strong>de</strong>le<br />
num momento em que M. está muito interessado e atento ao seu brinquedo. Isso <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia<br />
<strong>uma</strong> explosão em M.: ele grita, chora e bate a sua cabeça na pare<strong>de</strong>.<br />
É preciso intervir, dar notícia a M. <strong>de</strong> que ouvimos que ele está muito interessado no<br />
seu brinquedo e tentar falar <strong>com</strong> o avô <strong>com</strong>o se fosse M. que estivesse se dirigindo a ele e,<br />
<strong>com</strong> isso, buscar cavar um enigma para ver se o avô consegue dirigir-se a M. <strong>de</strong> outro lugar.
92<br />
Tentativa <strong>de</strong> formalização do <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong><br />
Consi<strong>de</strong>ramos este <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> que se faz a partir <strong>de</strong> sua função. Propomos que ele<br />
funcione <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> vazio, que tem, no entanto, um contorno. Esse contorno é<br />
constituído por alguns princípios que o fazem clinicamente operacional, no sentido <strong>de</strong> que ele<br />
é oferecido aos pacientes <strong>com</strong>o um lugar on<strong>de</strong> se é convidado e por isso se po<strong>de</strong> recusar, ou<br />
seja, um <strong>espaço</strong> no qual as pessoas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>cidir ficar ou sair. Portanto, não é um grupo, é<br />
apenas um <strong>espaço</strong> on<strong>de</strong> é possível estar presente <strong>com</strong> a criança e po<strong>de</strong>r brincar, falar e ser<br />
escutado. O princípio fundamental, então, é que ele constitui um <strong>espaço</strong> <strong>com</strong>o instrumento, e<br />
não um grupo. Mas não é um <strong>espaço</strong> isento da clínica, é um lugar no qual um analista e um<br />
terapeuta ocupacional se fazem presentes <strong>com</strong> sua escuta. Com isso queremos dizer que<br />
fazemos valer um <strong>espaço</strong> vazio, não sabemos <strong>de</strong> antemão, o saber não está lá pronto, para<br />
repertoriar a fala.<br />
O saber está do lado do paciente, as pessoas falam o que já sabem, mas apostamos que,<br />
fazendo valer um <strong>espaço</strong> vazio <strong>de</strong> saber, po<strong>de</strong>mos possibilitar que se produza aí nesse <strong>espaço</strong><br />
algo novo, um saber do inconsciente que possa servir para aquela mãe ou aquela criança.<br />
É <strong>uma</strong> escuta que garante que a “palavra circule”, que seja respeitada a palavra <strong>de</strong> cada<br />
um, é nessa posição <strong>de</strong> não saber que se vai fazer valer ativamente, na ação, esse <strong>espaço</strong><br />
vazio. Muitas vezes, trata-se <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> scribe 111 , <strong>de</strong> tabelião, <strong>de</strong> quem toma nota<br />
durante o fazer da criança, ou até mesmo do seu dizer. Tomar nota significa para o sujeito que<br />
estamos a serviço do saber do sujeito, do que ele diz, mesmo quando são sujeitos que não<br />
sabem falar, <strong>uma</strong> vez que eles se constituem a partir do campo da linguagem. Como nos diz<br />
Luciano Elia:<br />
(...) <strong>com</strong>o os autistas ou alguns psicóticos esquizofrênicos em condições<br />
subjetivas cuja gravida<strong>de</strong> faça <strong>com</strong> que sua relação <strong>com</strong> a linguagem se caracterize<br />
pela mais <strong>com</strong>pleta fragmentação e <strong>de</strong>sconcatenação <strong>de</strong> sua fala – ainda assim estará<br />
no campo da linguagem, na medida em que é ser falante, que se constitui em um<br />
mundo <strong>de</strong> linguagem, o h<strong>uma</strong>no: não relincha, não late, e sua fala, quando há, não<br />
111 BAYO, Virgínio, “Une pratique à plusieurs généralisée”, in: Préliminaire. Publication du Champ<br />
Freudien en Belgique, outono 1999, p.143-154.<br />
Excluído: Virginio
93<br />
estaria <strong>de</strong> modo algum mais próxima das produções sonoras dos animais do que a<br />
nossa 112 .<br />
Então, por pertencer ao campo da linguagem, trata-se <strong>de</strong> um dizer referenciado ao saber<br />
do sujeito do inconsciente. Tomar nota <strong>de</strong>sse saber do sujeito do inconsciente é tentar<br />
inscrever, fixar alg<strong>uma</strong> coisa, para permitir que isso se repita e estabilize <strong>uma</strong> fala <strong>com</strong>o<br />
produção do sujeito. É assim que apostamos, <strong>com</strong> este trabalho, na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mobilizar<br />
cada um no campo do seu <strong>de</strong>sejo, tentando localizar o furo no discurso <strong>de</strong> cada um, localizar<br />
qual é o furo que se tece nesse discurso, convidando o sujeito a trabalhar aí. Enten<strong>de</strong>mos que<br />
é necessário intervir pontualmente, a partir do que ocorre naquele <strong>espaço</strong> e naquele momento<br />
<strong>com</strong> aquele sujeito.<br />
Avaliamos que talvez se trate <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> tradução no sentido <strong>de</strong> que nessas<br />
intervenções nos autorizamos a partir do campo do nosso <strong>de</strong>sejo, do que escolhemos a ser<br />
escutado, <strong>de</strong>stacado, transcrito ao Outro. Isso nos leva a pensar que talvez o <strong>espaço</strong> pais–<br />
bebês seja um <strong>espaço</strong> no qual um vazio faz valer um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> escrita para cada um, escrita<br />
do trabalho <strong>de</strong> alienação e separação <strong>de</strong> cada um e que nós somos tradutores 113 humil<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong>sse trabalho que se tece nesse laço ao Outro.<br />
Quando propomos que o <strong>espaço</strong> se <strong>de</strong>fine por um <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, é para que aí<br />
possa caber <strong>uma</strong> clínica do laço, que esse laço <strong>pais–bebês</strong>, infans–gran<strong>de</strong> Outro, possa se dar,<br />
possa se tecer, possa se fazer, <strong>de</strong>sfazer, se escrever, rasurar, reescrever. E que a leitura se faça<br />
por nós a partir <strong>de</strong>sse movimento <strong>de</strong> alienação e separação, fazendo valer que, nesse laço do<br />
infans ao Outro, nesse movimento do Outro ao infans, alienação e separação tecem um <strong>espaço</strong><br />
que não é nem do infans, nem do Outro.<br />
Esse <strong>espaço</strong> se constitui <strong>com</strong>o resto <strong>de</strong>ssa operação, ou seja, constitui-se <strong>com</strong>o objeto a.<br />
Po<strong>de</strong>mos assim pensar que o objeto a é esse <strong>espaço</strong> entre alienação e separação, que po<strong>de</strong>mos<br />
chamar <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> subjetivo. Vemos aí <strong>uma</strong> aproximação do objeto potencial <strong>de</strong> D. W.<br />
Winnicott <strong>com</strong>o sendo aquele objeto que se constitui pelo fato do infans já viver a dimensão<br />
da falta, já haver nele a inclusão da perda do objeto. Ele tem a função <strong>de</strong> possibilitar que o<br />
112 ELIA, Luciano, O conceito <strong>de</strong> sujeito, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar editor, 2004, pp. 21-22.<br />
113 Sabemos que há um estudo rigoroso sobre o trabalho <strong>de</strong> tradução. Não vamos <strong>de</strong>senvolver isso aqui.<br />
Nos referimos ao texto <strong>de</strong> Lacan, "Avis au lecteur japonais", in LACAN, Jacques, Autres écrits, Paris, Seuil,<br />
2001, p. 497.<br />
Excluído: a
infans se separe do objeto materno e <strong>de</strong>pois dos outros objetos, trazendo assim consigo a<br />
marca <strong>de</strong> um vazio, a primazia do simbólico, tendo um efeito subjetivante.<br />
94<br />
Tentaremos, para finalizar, dar mais um passo nessa reflexão acerca do que constituiria<br />
um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> sujeito, e que direção <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>veria ter,<br />
tentando retomar um pouco mais a partir <strong>de</strong> qual referência guiamos esse trabalho <strong>de</strong><br />
intervenção, e especificamente o que sustentaria teoricamente e eticamente um trabalho no<br />
campo da psicanálise <strong>com</strong> crianças tão pequenas, para o qual Lacan <strong>de</strong>u o estatuto <strong>de</strong> infans,<br />
<strong>de</strong> vir-a-ser. Para isso, vamos percorrer brevemente alguns pontos que lemos sobre a ética da<br />
psicanálise, a fim <strong>de</strong> tentar formalizar mais um pouco <strong>com</strong>o po<strong>de</strong>ríamos manter um rigor ético<br />
nesse trabalho que preten<strong>de</strong>mos fazer <strong>com</strong> crianças bem pequenas, e o que isso quer dizer.<br />
A psicanálise está presente em vários lugares: na universida<strong>de</strong>, nas instituições <strong>de</strong><br />
saú<strong>de</strong>, na saú<strong>de</strong> mental, em lugares on<strong>de</strong> há ambulatórios, permanência diurna, noturna,<br />
atendimento <strong>de</strong> urgência… Ou seja, extrapolamos os muros do "setting analítico": o divã e o<br />
analista.<br />
N<strong>uma</strong> revista francesa, o Magazine littéraire (n°428, fev. 2004), po<strong>de</strong>mos ler o título:<br />
"La psychanalyse – nouveaux enjeux, nouvelles pratiques". Esta revista tem as contribuições<br />
dos psicanalistas René Major, Julia Kristeva, Tobie Nathan, Boris Cyrulnik, Michel Schnei<strong>de</strong>r<br />
e … <strong>uma</strong> entrevista inédita <strong>com</strong> Lacan <strong>de</strong> 1974, que trata dos perigos do retorno da religião e<br />
do cientificismo, a psicanálise sendo para ele a única muralha concebível contra as angústias<br />
contemporâneas.<br />
Nesse sentido, para Lacan, a psicanálise é o melhor que se tem <strong>com</strong>o resposta à questão<br />
do sofrimento e do gozo presente nos sintomas <strong>de</strong> nossa cultura, <strong>uma</strong> vez que, <strong>com</strong>o nos diz<br />
Eduardo Vidal, "<strong>com</strong> a psicanálise a sexualida<strong>de</strong> entra em outra dimensão, pois passa a estar<br />
na causa, <strong>com</strong> o termo <strong>de</strong> pulsão, do acontecer psíquico (...) A satisfação da pulsão e o<br />
gozo” 114 . Ele escreve também: "mas o ser falante não está bem aparelhado para lidar <strong>com</strong> ele.<br />
As palavras faltam no que se refere ao gozo e o inconsciente é um saber in<strong>com</strong>pleto no que<br />
tange ao sexual. Entre o inconsciente e a pulsão, há <strong>uma</strong> fenda on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sejo tem a função <strong>de</strong><br />
fazer o nó. Que o <strong>de</strong>sejo possa surgir <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manter aberta a fenda,<br />
não preencher a falta" 115 .<br />
114 VIDAL Eduardo, "O sujeito consumido", in: O Estado <strong>de</strong> Minas do 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001, p. 3.<br />
115 VIDAL, art.citado.<br />
Excluído:<br />
Excluído: Ib
95<br />
Manter a fenda aberta e não preencher a falta é um recurso ético que a psicanálise<br />
propõe para tratar da questão do sofrimento e do gozo presente nos sintomas <strong>de</strong> nossa cultura.<br />
Os sintomas <strong>de</strong> nossa cultura, Lacan os pensa a partir da releitura que faz do texto Mal-estar<br />
na civilização, escrito por Freud em 1930. Nesse livro, ele mostra <strong>com</strong>o a tirania do i<strong>de</strong>al leva<br />
ao mal-estar na civilização. "El superyó <strong>de</strong> la cultura ha plasmado sus i<strong>de</strong>ales y plantea sus<br />
reclamos. Entre estos, los que atañen a los vínculos recíprocos entre los seres h<strong>uma</strong>nos se<br />
resumen bajo el nombre <strong>de</strong> ética. En todos les tiempos se atribuyó el máximo valor a esta<br />
ética, <strong>com</strong>o si se esperara justamente <strong>de</strong> ella unos logros <strong>de</strong> particular importancia. Y en<br />
efecto, la ética se dirije a aquel punto que facilmente se reconoce <strong>com</strong>o la <strong>de</strong>solladura <strong>de</strong> toda<br />
cultura 116 .” Freud nos diz assim que a ética <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> tentativa<br />
terapêutica: tratar-se-ia <strong>de</strong> um esforço que, através do supereu cultural, tentaria alcançar algo<br />
que nenh<strong>uma</strong> ativida<strong>de</strong> cultural conseguiu até hoje: <strong>uma</strong> tentativa <strong>de</strong> se livrar do maior<br />
problema da civilização, isto é, a agressivida<strong>de</strong> entre os seres h<strong>uma</strong>nos. Nada simples, <strong>uma</strong><br />
vez que a agressão é <strong>uma</strong> disposição pulsional original e auto-subsistente. É por isso que a<br />
civilização facilita i<strong>de</strong>ntificações fortes, <strong>uma</strong> vez que a libido inibida fortalece o vínculo.<br />
Freud escreve Mal-estar na civilização a partir da clínica e esta vai conduzi-lo a<br />
autorizar duas censuras contra o supereu. Trata-se, segundo ele, <strong>de</strong> se opor ao supereu, seja<br />
quando a sua severida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhece o eu – aí nós nos opomos para diminuir suas exigências<br />
–, seja quando há <strong>uma</strong> super-rigi<strong>de</strong>z na criação dos filhos. Segundo Leila Mariné, "a super-<br />
rigi<strong>de</strong>z na criação dos filhos é patogênica, porque a constituição <strong>de</strong>ssa agressivida<strong>de</strong><br />
en<strong>de</strong>reçada ao Outro e incorporada pelo sujeito inclui sempre um cálculo da agressão<br />
esperada" 117 . Para Freud, na cultura fazemos oposição a or<strong>de</strong>ns impossíveis <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer,<br />
porque nelas está implicada a suposição <strong>de</strong> que seria possível ao homem dominar isso, o que<br />
ele não po<strong>de</strong>.<br />
Lacan toma a psicanálise <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> ética, a ética do bem dizer a relação do sujeito <strong>com</strong><br />
o <strong>de</strong>sejo e o gozo. Segundo Eduardo Vidal, "o sujeito para a psicanálise é dividido entre o que<br />
116 FREUD, Sigmund (1930), O malestar na civilização, in: ESB, vol.XXI, AE, vol. XXI. "O supereu da<br />
cultura formou seus i<strong>de</strong>ias e exibiu suas exigências. Entre estas, aquelas que dizem respeito às relações dos<br />
homens entre si, se resumem sob o termo geral <strong>de</strong> ética. Em todos os tempos, o maior valor foi atribuído a essa<br />
ética, <strong>com</strong>o se se esperasse <strong>de</strong>la mesma benefícios <strong>de</strong> particular importância. E, <strong>de</strong> fato, a ética diz respeito<br />
àquilo que facilmente se reconhece <strong>com</strong>o o ponto mais fraco da cultura." (tradução nossa)<br />
117 GUIMARAES Leila Mariné da Cunha, "Do mal-estar", texto inédito, p. 3.<br />
Excluído: FREUD Sigmund, El<br />
malestar en la cultura (1930<br />
[1929]),<br />
Excluído:<br />
Excluído: in: Obras <strong>com</strong>pletas,<br />
vol. XXI<br />
Inserido:
acredita saber – suas convicções, i<strong>de</strong>ais… – e o que sabe em outro lugar, o inconsciente, que,<br />
<strong>com</strong>o a linguagem que fala, continua trabalhando ainda quando dorme" 118 .<br />
96<br />
Portanto, bem dizer a relação do sujeito <strong>com</strong> o <strong>de</strong>sejo e o gozo implica que a análise não<br />
tente suprimir o sintoma, eliminá-lo. Ela convida antes o sujeito a dizê-lo, <strong>de</strong> maneira que a<br />
posição do sujeito do sintoma mu<strong>de</strong> a ponto <strong>de</strong> mudar também a economia <strong>de</strong> gozo e as<br />
implicações do <strong>de</strong>sejo nesse sintoma.<br />
Lacan nos dirá, no Seminário VII, A ética da psicanálise, que o que se pe<strong>de</strong> ao analista é<br />
a felicida<strong>de</strong> 119 e que o que é importante <strong>de</strong> ser lembrado no momento em que o analista se<br />
encontra em posição <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a quem lhe pe<strong>de</strong> a felicida<strong>de</strong>, é que não só ele tem o bem<br />
soberano, a felicida<strong>de</strong>, mas sobretudo que ele sabe que não existe o bem soberano, a<br />
felicida<strong>de</strong>. Lacan dirá a esse respeito: "Eis o que convém relembrar no momento em que o<br />
analista se encontra em posição <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a quem lhe <strong>de</strong>manda a felicida<strong>de</strong> (…), mas ele,<br />
o analista, sabe que essa questão é <strong>uma</strong> questão fechada. Não somente o que se lhe <strong>de</strong>manda,<br />
o Bem supremo, é claro que ele não tem mas sabe que não existe" 120 .<br />
Lacan explica que levar <strong>uma</strong> análise a termo não é nada mais do que ter encontrado esse<br />
limite on<strong>de</strong> se apóia toda a problemática do <strong>de</strong>sejo. O que o analista tem para dar não é a<br />
felicida<strong>de</strong>; o que ele tem para dar é o que ele tem, que é somente seu <strong>de</strong>sejo, um <strong>de</strong>sejo<br />
advertido: "O que o analista tem a dar, contrariamente ao parceiro do amor, é o que a mais<br />
linda noiva do mundo não po<strong>de</strong> ultrapassar, ou seja, o que tem. E o que tem nada mais é que<br />
seu <strong>de</strong>sejo, <strong>com</strong>o o analisado, <strong>com</strong> diferença que é um <strong>de</strong>sejo prevenido" 121 .<br />
Serge Cottet, falando da "ética freudiana", abre o capítulo intitulado "A ética do <strong>de</strong>sejo"<br />
<strong>com</strong> <strong>uma</strong> citação <strong>de</strong> Lacan: "Está por ser formulada <strong>uma</strong> ética que integre as conquistas<br />
freudianas sobre o <strong>de</strong>sejo: para pôr em seu cume a questão do <strong>de</strong>sejo do analista" 122 . Para<br />
Cottet, a <strong>de</strong>scoberta freudiana do recalque e <strong>de</strong> seus efeitos no sintoma <strong>de</strong>termina <strong>uma</strong> direção<br />
da cura que não <strong>de</strong>ixa o psicanalista inteiramente neutro. No texto "A questão da análise leiga<br />
– conversação <strong>com</strong> <strong>uma</strong> pessoa imparcial", po<strong>de</strong>mos verificar a esse respeito que Freud<br />
insiste em que o fato <strong>de</strong>le abster-se, <strong>de</strong>le sublinhar a importância <strong>de</strong> que suas interpretações<br />
sejam in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> suas características pessoais não significa que o analista esteja<br />
118<br />
VIDAL, art.cit., p. 3.<br />
119<br />
LACAN Jacques, O Seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1959 - 1960), Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar,<br />
1998, p. 359.<br />
120<br />
O.c., p. 359.<br />
121<br />
O.c., p. 360.<br />
122<br />
COTTET Serge, Freud e o <strong>de</strong>sejo do psicanalista, Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1993,, p. 122.<br />
Excluído: L'éthique <strong>de</strong> la<br />
psychanalyse, in: Séminaire VII,<br />
Excluído: 338<br />
Excluído: 46<br />
Excluído: 47<br />
Excluído: parte 3 "A ética<br />
freudiana"
indiferente a essa parte do trabalho. Pelo contrário, Freud afirma que o analista <strong>de</strong>verá se<br />
submeter a <strong>uma</strong> análise própria para que possa estar atento ao material inconsciente e ouvi-lo<br />
sem preconceito. “No digo, escreve Freud, que para esta parte <strong>de</strong> la tarea resulte indiferente la<br />
personalidad <strong>de</strong>l analista. Cuenta cierta fineza <strong>de</strong> oído para lo reprimido inconsciente, que no<br />
todos poseen en igual medida. Y es esto, en especial, lo que impone al analista la obligación<br />
<strong>de</strong> someterse él mismo a un análisis en profundidad a fin <strong>de</strong> volverse idóneo para una<br />
recepción sin prejuicios <strong>de</strong>l material analítico 123 .”<br />
97<br />
Eis aí um engajamento do analista que se abstém por motivo ético, mas que não fica<br />
indiferente ao trabalho da análise.<br />
Serge Cottet nos mostra, <strong>com</strong> muita perspicácia, que abster-se <strong>de</strong> tomar partido, ou <strong>de</strong><br />
tomar o paciente para si, não significa em nenhum momento que haja <strong>uma</strong> certa indiferença<br />
por parte <strong>de</strong> Freud. Há nessa imposição <strong>de</strong> abster-se o que fundamenta um ato, <strong>uma</strong> ética que<br />
funda a psicanálise. Freud "quer dizer que o analista não tem que escolher entre duas<br />
instâncias que governam o inconsciente do sujeito, entre dois significantes que regem<br />
contraditoriamente o inconsciente" 124 . Para Serge Cottet, o <strong>de</strong>sejo do analista é a função que<br />
<strong>de</strong>saponta a i<strong>de</strong>ntificação do eu <strong>com</strong> o analista, <strong>uma</strong> vez que o eu tenta assimilá-lo. O <strong>de</strong>sejo<br />
do analista é então a função que <strong>de</strong>saponta essa i<strong>de</strong>ntificação em benefício da diferença<br />
absoluta 125 .<br />
Para finalizar essa reflexão, recorremos a um artigo <strong>de</strong> Colette Soler, intitulado "O<br />
<strong>de</strong>sejo do psicanalista – on<strong>de</strong> está a diferença", para pensar <strong>com</strong>o no contexto do trabalho<br />
clínico <strong>com</strong> os bebês e seus cuidadores po<strong>de</strong>mos articular a questão <strong>de</strong> <strong>com</strong>o se manter aí o<br />
rigor ético da psicanálise.<br />
Colette Soler <strong>com</strong>eça <strong>com</strong> <strong>uma</strong> reformulação da pergunta: qual é o lugar da criança no<br />
<strong>de</strong>sejo do analista? Dessa forma ela coloca a questão da psicanálise das crianças na sua<br />
diferença. E afirma que não se trata mais <strong>de</strong> se perguntar sobre a análise possível da criança.<br />
A questão já foi respondida em ato por Freud a propósito do seu trabalho <strong>com</strong> o pequeno<br />
123 FREUD, Sigmund, "¿Pue<strong>de</strong>n les legos ejercer el análisis? Dialogos con un juez imparcial" (1926), in:<br />
AE, vol. XX p. 205. " "Não digo que para esta parte da tarefa, a personalida<strong>de</strong> do analista é indiferente. Vale <strong>uma</strong><br />
certa fineza <strong>de</strong> escuta para o reprimido inconsciente, que não todos possuem a um memso grau. E é isso,<br />
precisamente, que impõe ao analista a obrigação <strong>de</strong> someter-se ele mesmo a <strong>uma</strong> análise em profundida<strong>de</strong> a fim<br />
<strong>de</strong> tornar-se capaz <strong>de</strong> <strong>uma</strong> recepção sem conceitos do material analítico" (tradução nossa)<br />
124 COTTET, op.cit., p. 124.<br />
125 COTTET, op.cit. p. 136.<br />
Excluído: FREUD,<br />
Excluído: o.c.,<br />
Excluído: o.c.<br />
Excluído: Cfr.<br />
Excluído: o.c.
Hans. No entanto, diz que permanecemos <strong>com</strong> a questão <strong>de</strong> que a criança não é um adulto, e<br />
ela vê aí a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ilustrar a diferença entre o sujeito e a pessoa. O que leva Colette<br />
Soler a pensar que o que difere não é que o analisante seja diferente, mas no que <strong>de</strong>ve ser aí<br />
analisado, <strong>uma</strong> vez que, segundo Lacan, diz Colette Soler, "analisam-se as relações do sujeito<br />
ao real, o real que se apresenta sob a espécie do sexo e do gozo" 126 . Ela pergunta então se o<br />
<strong>de</strong>sejo do analista po<strong>de</strong> operar sobre não importa que estado do ser: "O <strong>de</strong>sejo do analista,<br />
enquanto que é <strong>de</strong>finido <strong>com</strong>o um elemento <strong>de</strong> estrutura do discurso, isto é, <strong>com</strong>o o parceiro<br />
do sujeito analisante, não po<strong>de</strong>ria operar senão quando certas condições se encontram<br />
realizadas: sobretudo que o que Lacan <strong>de</strong>signou <strong>com</strong>o o lugar nítido do <strong>de</strong>sejo, esteja feito,<br />
esteja posto" 127 .<br />
98<br />
Colette Soler vai propor, então, que para falar <strong>de</strong> psicanálise <strong>de</strong> criança se questione,<br />
para cada criança, o estado <strong>de</strong> efetuação da estrutura. Ela acredita que há <strong>uma</strong> lógica que<br />
or<strong>de</strong>na o campo do que os psicanalistas fazem <strong>com</strong> crianças, e diz a esse respeito: ou bem a<br />
criança já é sujeito pela operação da significância, e o analista procura se alojar no lugar já<br />
cavado do <strong>de</strong>sejo, ou então se tem a ver <strong>com</strong> <strong>uma</strong> criança para a qual o sujeito não apareceu<br />
no real – criança objeto –, e neste caso o analista <strong>de</strong>verá se alojar em um lugar que não po<strong>de</strong><br />
ser outro senão do Outro primordial, <strong>com</strong> a questão que lhe é posta <strong>de</strong> saber <strong>com</strong>o po<strong>de</strong><br />
operar neste caso, mantendo-se no eixo da ética psicanalítica que faz a unida<strong>de</strong> da psicanálise,<br />
segundo a expressão que <strong>de</strong>vemos a Robert e Rosine Lefort.<br />
Teremos então, segundo Colette Soler, duas lógicas: a da criança objeto e a da criança<br />
que já é sujeito. No caso da criança objeto, o analista terá que ligar a operação do significante,<br />
ou seja, produzir o que não aconteceu: corte, separação, buraco… possibilitando um efeito <strong>de</strong><br />
sujeito ali on<strong>de</strong> faltava. Ela escreve: “po<strong>de</strong>ria chamar-se isto <strong>de</strong> psicanálise invertida... porque<br />
é <strong>uma</strong> operação que vai do real em direção ao simbólico... e que cria as condições <strong>de</strong> falta-a-<br />
ser”.<br />
A respeito da análise <strong>de</strong> criança sujeito, Colette Soler alerta para o cuidado que<br />
<strong>de</strong>vemos ter para <strong>de</strong>ixar o que é para vir em seu inacabamento e por isso temos que dar lugar<br />
a um certo laissez-faire, mesmo o analista tendo que causar o trabalho do simbólico, on<strong>de</strong> se<br />
cumpre o que a estrutura programa <strong>de</strong> castração. Partindo da teorização <strong>de</strong> Soler, achamos<br />
126 SOLER, Colette, "Le désir du psychanalyste. Où est la différence?", in: La Lettre Mensuelle, Paris,<br />
ACF, n°131, p. 10-12, juillet 1994 ("O <strong>de</strong>sejo do psicanalista — on<strong>de</strong> está a diferença?", trad. Sônia Campos<br />
Magalhães. Extrato <strong>de</strong> <strong>uma</strong> contribuição feita na jornada do Cereda sobre "A criança e o <strong>de</strong>sejo do psicanalista"),<br />
p. 2.<br />
127 Ibid.<br />
Excluído: SOLER Colette,<br />
Excluído: "O <strong>de</strong>sejo do<br />
psicanalista<br />
Excluído: —<br />
Excluído: –<br />
Inserido: –<br />
Excluído: On<strong>de</strong><br />
Excluído: on<strong>de</strong> está a diferença",<br />
Inserido: on<strong>de</strong>
perspicaz pensar o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> <strong>com</strong>o um instrumento interessante para intervir junto a<br />
crianças que estão no lugar <strong>de</strong> objeto no real, <strong>uma</strong> vez que o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> se propõe a<br />
trabalhar tendo <strong>com</strong> direção essas três noções – sujeito, Outro, objeto, no sentido <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeito, ou seja, <strong>de</strong> fazer consistir um vazio que permita um trabalho que vá<br />
tanto do real ao simbólico, no caso da criança que está no lugar <strong>de</strong> objeto no real, <strong>com</strong>o<br />
também possa ser útil para as crianças quando, por exemplo, seu trabalho <strong>de</strong> tentativa <strong>de</strong><br />
separação não está sendo reconhecido; penso por exemplo em crianças pequenas que não são<br />
autistas, mas recorrem à auto-agressivida<strong>de</strong>, diante <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mãe que sistematicamente não<br />
reconhece seus movimentos subjetivos enquanto filho <strong>de</strong>sejante. Dessa forma, o <strong>espaço</strong> pais–<br />
bebês po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado <strong>com</strong>o um lugar que se propõe a tentar guardar um lugar para o<br />
sujeito.<br />
99<br />
Finalizamos esse último capítulo percorrendo o percurso que fizemos em nossa<br />
dissertação. No início, partimos da constatação <strong>de</strong> que havia <strong>uma</strong> criança que nos dava notícia<br />
<strong>de</strong> que estava em sofrimento. Começamos então por questionar o terceiro, o Outro, enquanto<br />
Outro primordial, aquele que seria responsável pelas primeiras marcas constitutivas do<br />
sujeito; <strong>de</strong>mo-nos conta <strong>de</strong> que isso não seria possível sem situarmos a noção <strong>de</strong> sujeito,<br />
vimos então que a noção <strong>de</strong> sujeito era indissociável da noção <strong>de</strong> objeto. A partir disso foi<br />
possível pensar que a clínica do laço seria um exercício clínico para tentar guardar um lugar<br />
<strong>de</strong> sujeito. Dessa forma pensamos o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> que tentaria se<br />
constituir a partir da lógica da operação <strong>de</strong> alienação e separação, <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> entre o<br />
sujeito e o Outro que não é nem do sujeito nem do Outro, isto é, tendo a consistência lógica<br />
<strong>de</strong> objeto a, <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> virtual, que consiste n<strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subjetivação.
100<br />
V. Conclusão
101<br />
Este trabalho <strong>de</strong> dissertação foi feito <strong>com</strong> a intenção <strong>de</strong> formalizar <strong>uma</strong> prática que<br />
especifica o trabalho clínico que <strong>de</strong>senvolvemos <strong>com</strong> crianças bem pequenas e seu Outro<br />
primordial, Outro da linguagem ou Outro materno, na maioria das vezes a mãe, mas não<br />
sempre.<br />
Trata-se <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong>senvolvido tanto no <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, <strong>com</strong>o também no<br />
atendimento do bebê e seu Outro primordial, a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> proposta clínica elaborada no<br />
Cersami, Capsi <strong>de</strong> Betim.<br />
Por isso, iniciamos o trabalho contextualizando o percurso histórico e institucional no<br />
qual se inseriu essa clínica, <strong>uma</strong> vez que acreditamos que foi a partir do que o dispositivo<br />
institucional se propunha, a saber priorizar o atendimento <strong>de</strong> crianças <strong>com</strong> sofrimento<br />
psíquico grave que fomos conduzidos a voltar nossa atenção para essa clientela e as questões<br />
clínicas trazidas por ela. É <strong>de</strong> fundamental importância ressaltar também que tanto nosso<br />
olhar <strong>com</strong>o nossas intervenções clínicas e toda a pesquisa se <strong>de</strong>ram a partir do que a clínica ia<br />
nos apontando, ou seja, a partir do que cada caso vinha trazendo consigo. Parece-nos muito<br />
importante ressaltar isso, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar que tanto o dispositivo <strong>com</strong>o nossas intervenções<br />
distinguem-se <strong>de</strong> práticas educativas ou ortopédicas.<br />
Nesse sentido nos pareceu relevante mostrar ainda que nosso percurso inicia-se a partir<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>samparo trazido pelos familiares, diante da ausência <strong>de</strong> tratamento. Começamos<br />
então por nos perguntar: <strong>com</strong>o fazer para que os casos graves chegassem mais cedo?<br />
Consi<strong>de</strong>ramos esse momento importantíssimo, <strong>uma</strong> vez que abriu e constitui-se para nós um<br />
campo novo <strong>de</strong> intervenção tanto no manejo <strong>com</strong>o nas questões <strong>de</strong> trabalho analítico, a partir<br />
da ética psicanalítica lacaniana, levantando questões <strong>com</strong>o: Que tempo era esse? Como pensar<br />
essa questão do tempo a partir da ética da psicanálise? E o que significava intervir a tempo na<br />
procura <strong>de</strong>sses mães ou avós? Quem íamos aten<strong>de</strong>r? A mãe, a avó, o bebê? Ou o Outro do<br />
bebê sozinho, já que o infans não fala? Ou o bebê e seu Outro?<br />
No entanto, diante <strong>de</strong> tantas questões, foi difícil para nós encontrar um fio que<br />
orientasse a leitura das situações clínicas e a nossa pesquisa. Partimos do que nos tinha levado<br />
até esse campo, a saber, a constatação <strong>de</strong> que essas crianças pequenas nos davam notícia <strong>de</strong><br />
que estavam mal. Foi possível então extrair o significante "notícia", que ia nos remetendo<br />
justamente a <strong>uma</strong> hipótese <strong>de</strong> que os bebês nos mostram que algo vai mal no laço <strong>pais–bebês</strong>,
por meio <strong>de</strong> seu adoecimento, <strong>uma</strong> vez que o infans, o vir-a-ser, é um sujeito em fase <strong>de</strong><br />
constituição, segundo a psicanálise, o que aponta para algo que se passa no laço <strong>com</strong> o Outro<br />
primordial. O significante "clínica do laço" passou a partir disso a indicar, justamente, a<br />
direção <strong>de</strong>ssa clínica, que leva em conta a constituição do sujeito a partir do campo do Outro.<br />
Tratava-se <strong>de</strong> “intervir a tempo”, no tempo em que já havia sofrimento psíquico. Nosso<br />
trabalho não consistiu, então, em intervir precocemente, antes <strong>de</strong> <strong>uma</strong> cronologia, <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
102<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessivida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento, ou da manifestação <strong>de</strong> <strong>uma</strong> doença.<br />
Nesse ponto, parece-nos <strong>de</strong> fundamental relevância ressaltar que o exame <strong>de</strong><br />
qualificação foi importante para darmos mais um passo em direção à questão do tempo e do<br />
Outro em psicanálise. Vimos o quanto é <strong>de</strong>licado nos propormos a intervir a tempo da notícia<br />
do sofrimento psíquico, <strong>uma</strong> vez que sabemos que não é possível prevenir ou prever esse<br />
sofrimento, porque ele vem <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> produção individual subjetiva, no que é justamente<br />
inapreensível, por constituir-se <strong>com</strong>o resposta do sujeito do inconsciente. Ou seja, é <strong>de</strong><br />
fundamental importância, para manter o rigor ético da psicanálise, trabalharmos <strong>com</strong> a noção<br />
<strong>de</strong> tempo que não é a <strong>de</strong> um tempo prévio, mas que se faz do encontro do Outro e do sujeito,<br />
que também se constituem a partir <strong>de</strong>sse encontro, <strong>uma</strong> vez que será no tempo <strong>de</strong> só <strong>de</strong>pois<br />
que po<strong>de</strong>mos verificar a resposta do sujeito que se constitui em resposta ao significante que<br />
vem do Outro. Assim, nos <strong>de</strong>bruçando sobre a noção <strong>de</strong> tempo em psicanálise, chegamos a<br />
um ponto <strong>de</strong> <strong>articulação</strong> entre os três significantes – notícia, clínica do laço e intervenção a<br />
tempo.<br />
Buscamos então um elemento teórico que consi<strong>de</strong>rássemos fundamental para estudar<br />
essa clínica. Escolhemos <strong>de</strong>ssa forma estudar a operação <strong>de</strong> alienação e separação, conforme<br />
formulada por Lacan, para formalizar o <strong>espaço</strong> que está na origem da constituição do sujeito e<br />
que funda a possibilida<strong>de</strong> do laço <strong>com</strong> o Outro a partir da linguagem.<br />
Para isso, organizamos a dissertação <strong>com</strong> <strong>uma</strong> introdução, três partes e <strong>uma</strong> conclusão.<br />
Na primeira parte, "Desenvolvimento e estrutura", nos <strong>de</strong>dicamos a diferenciar a lógica do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da lógica da estrutura do sujeito, buscando <strong>de</strong>marcar a especificida<strong>de</strong> e a<br />
originalida<strong>de</strong> da contribuição da psicanálise nessa área. Nos referimos resumidamente a Jean<br />
Piaget e Henri Wallon para mostrar que, para eles, o <strong>de</strong>senvolvimento psíquico ocorre ao<br />
modo <strong>de</strong> <strong>uma</strong> construção progressiva, produzida pela interação entre o indivíduo e seu meio.<br />
Sublinhamos que o empenho <strong>de</strong> Lacan em um "retorno a Freud" foi imprescindível para
tornar possível a crítica contun<strong>de</strong>nte à assimilação da psicanálise a <strong>uma</strong> psicologia evolutiva<br />
genética. Para nossa pesquisa, nos interessou muito que Freud, ao falar da experiência <strong>de</strong><br />
satisfação, sublinha que ela é constituinte do aparelho psíquico. Vimos aí um corte essencial<br />
para orientar nossa leitura e nosso trabalho clínico a partir <strong>de</strong> <strong>uma</strong> perspectiva<br />
fundamentalmente estrutural e não <strong>de</strong>senvolvimentista. Enten<strong>de</strong>mos assim, a partir do estudo<br />
103<br />
<strong>de</strong> Jorge, <strong>com</strong>o <strong>de</strong>vemos a Lacan a restituição da psicanálise ao campo da linguagem.<br />
Nessa perspectiva, seguimos estudando mais <strong>de</strong>talhadamente em “Estrutura e sujeito” o<br />
conceito <strong>de</strong> estrutura no ensino lacaniano. Nossa discussão a<strong>com</strong>panha um percurso que vai<br />
do simbólico ao real, mostrando a importância do furo na estrutura, na medida em que este<br />
aponta para o sujeito. Assim, percorremos os conceitos <strong>de</strong> real, simbólico e imaginário e nos<br />
<strong>de</strong>tivemos sobre o conceito <strong>de</strong> real. Estudamos <strong>com</strong> Miller que Lacan vai paradoxalmente<br />
i<strong>de</strong>ntificar o real <strong>com</strong>o um elemento <strong>de</strong> presença que falta estruturalmente na or<strong>de</strong>m<br />
simbólica.<br />
Dessa forma, vimos que ele <strong>de</strong>fine o real <strong>com</strong>o resíduo, <strong>com</strong>o objeto a, objeto que dá<br />
notícia da essência do sujeito, mas que, ao mesmo tempo, faz furo <strong>com</strong> o resto, <strong>com</strong> o que não<br />
se encaixa, o que não é simbolizável. No <strong>com</strong>eço da dissertação, tratamos do real <strong>com</strong>o<br />
excluído, e só tratamos do real <strong>com</strong>o resíduo na terceira parte, a partir das questões que<br />
surgirão da clínica.<br />
Para nos foi imprescindível, para termos subsídios para pensar a clínica, nos<br />
interessarmos pela questão que Miller trata do sujeito da estrutura da linguagem e o ponto <strong>de</strong><br />
interação <strong>com</strong> o sujeito da palavra. Quando Miller marca que há <strong>uma</strong> diferença entre o sujeito<br />
na estrutura e o sujeito que toma a palavra, isso nos ajuda muito a enten<strong>de</strong>r melhor toda a<br />
sutileza da clínica – que é importante que <strong>uma</strong> pessoa fale, mas que, quando a pessoa fala, não<br />
está ali a estrutura e será preciso um trabalho nosso <strong>de</strong> leitura. Gostaríamos aqui <strong>de</strong> aproveitar<br />
a conclusão para observar a importância <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> leitura. No trabalho da dissertação,<br />
nos interessamos por dar lugar ao que a pessoa em lugar <strong>de</strong> Outro primordial tinha para dizer<br />
<strong>de</strong>la, do infans... Também nos interessamos em que a criança pequena falasse, e nos <strong>de</strong>mos<br />
conta, a partir da qualificação nesse sentido, que o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> é um dispositivo que<br />
propõe um trabalho nosso <strong>de</strong> leitura, precisamente no que ele tenta se constituir <strong>com</strong>o <strong>espaço</strong><br />
vazio <strong>de</strong> saber antecipado, que convida as pessoas a falarem, apostando assim num trabalho<br />
<strong>de</strong> subjetivação para os pacientes. E que, para que isso seja possível, necessita-se em gran<strong>de</strong><br />
parte <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> leitura feita por nós.
104<br />
Por fim, concluímos essa parte tentando articular alg<strong>uma</strong>s conseqüências das<br />
perspectivas teóricas do <strong>de</strong>senvolvimento e da estrutura para o que <strong>de</strong>termina o que seria<br />
consi<strong>de</strong>rado <strong>com</strong>o sinal <strong>de</strong> sofrimento psíquico, bem <strong>com</strong>o o que <strong>de</strong>termina o campo clínico,<br />
tanto no que o constitui, <strong>com</strong>o também nas propostas <strong>de</strong> intervenções que se <strong>de</strong>duzem a partir<br />
<strong>de</strong>le.<br />
Notemos que temos dois campos teóricos: um que se constitui pela observação <strong>de</strong><br />
distúrbios e <strong>com</strong>portamentos que estariam no campo do <strong>de</strong>senvolvimento psicoafetivo, e<br />
outro em que teríamos o trabalho <strong>de</strong> Marie Christine Laznik e do grupo nacional <strong>de</strong> pesquisa<br />
GNP, que formalizam, a partir dos conceitos psicanalíticos, quatro eixos que eles consi<strong>de</strong>ram<br />
balizadores da constituição da subjetivida<strong>de</strong>. A hipótese que fazem é que a ausência <strong>de</strong>stes<br />
aponta para problematização na estrutura da subjetivida<strong>de</strong> do bebê. Para eles, o sinal <strong>de</strong> risco<br />
é constituído na ausência <strong>de</strong> indicadores baseados nos quatro eixos. E eles propõem a<br />
verificação via observação direta.<br />
Do nosso ponto <strong>de</strong> vista, nos parece fundamental, para nossa pesquisa, <strong>de</strong>stacar que<br />
encontramos aí um equívoco, <strong>uma</strong> vez que se trata <strong>de</strong> um método que passa pela observação<br />
e, a partir da ética da psicanálise, nos parece que não é possível transformar presença,<br />
ausência, <strong>de</strong>manda, suposição <strong>de</strong> saber... (que são os eixos que eles propõem) em coisas<br />
observáveis, mensuráveis, apreensíveis. O método analítico seria outro, nele não existe <strong>uma</strong><br />
or<strong>de</strong>nação do normal e do patológico, do que seria observável <strong>com</strong>o normal ou patológico.<br />
Para Freud, o patológico é a via <strong>de</strong> acesso ao normal, e o avesso é aquilo que o normal<br />
escon<strong>de</strong>. O patológico é a dimensão possível da verda<strong>de</strong>, que estaria mascarada sob a<br />
normalida<strong>de</strong>. O que Freud traz <strong>de</strong> subversão é que as diversas formas <strong>de</strong> normalida<strong>de</strong> viriam<br />
para escon<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> modo que o patológico, a aberração, seria o único acesso possível à verda<strong>de</strong><br />
do sujeito.<br />
Consi<strong>de</strong>ramos também que só é possível saber caso a caso, na via <strong>de</strong> acesso <strong>de</strong> cada um.<br />
E, <strong>com</strong>o vimos ao longo da dissertação, é a partir do discurso, do encontro do Outro e do<br />
sujeito.<br />
Dessa maneira nos parece mais interessante dialogar <strong>com</strong> os médicos a partir do<br />
referencial <strong>de</strong>les, isto é, a partir da leitura que fazem dos transtornos e, caso a caso, manter um<br />
tensionamento entre o saber <strong>de</strong>les e nossa escuta analítica.
105<br />
A segunda parte, "Alienação e separação", está dividido em quatro títulos: 3.1<br />
Alienação; 3.2 Separação; 3.3 Alienação e separação: <strong>articulação</strong> da <strong>teoria</strong> <strong>com</strong> a clínica; 3.4<br />
Alienação, separação e o objeto a.<br />
Apresentamos dois fragmentos <strong>de</strong> casos clínicos, em torno dos quais nos propomos<br />
circunscrever o que consi<strong>de</strong>ramos <strong>com</strong>o o coração do trabalho <strong>de</strong>sta dissertação, que é a busca<br />
<strong>de</strong> formalização do <strong>espaço</strong> lógico na origem da constituição do sujeito. Procuramos tratar esse<br />
<strong>espaço</strong> subjetivo em constituição – que não é nem só do infans, nem só do Outro primordial –<br />
<strong>com</strong>o formulação que legitima nossa intervenção, por meio da operação <strong>de</strong> alienação e<br />
separação.<br />
Confirmamos <strong>com</strong>o é imprescindível que o Outro materno se en<strong>de</strong>rece ao infans <strong>com</strong><br />
seus significantes, em <strong>uma</strong> posição <strong>de</strong>sejante, isto é, faltante, por sua própria alienação à<br />
linguagem. Observamos também que, para o infans, a operação <strong>de</strong> ser barrado no seu <strong>de</strong>sejo,<br />
<strong>de</strong> ser objeto do Outro, terá um efeito <strong>de</strong> separação. Produzindo <strong>uma</strong> mudança <strong>de</strong> posição,<br />
torna o sujeito capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar, restando da operação <strong>de</strong> alienação e <strong>de</strong> separação o objeto a.<br />
Em "Alienação, separação e o objeto a", mais <strong>uma</strong> vez partindo <strong>de</strong> um fragmento <strong>de</strong><br />
caso clínico, damos continuida<strong>de</strong> à discussão relativa ao objeto, não mais na dimensão da<br />
alienação, que constitui o furo, mas na sua face <strong>de</strong> separação, <strong>com</strong>o <strong>uma</strong> possibilida<strong>de</strong> que<br />
surge no próprio trabalho clínico.<br />
Aqui nos parece importante <strong>de</strong>stacar que o aporte dos examinadores no exame <strong>de</strong><br />
qualificação foi muito precioso para afinar nossa elaboração <strong>de</strong>sse <strong>espaço</strong> constitutivo do<br />
sujeito. Ficou evi<strong>de</strong>nte que não é possível simplesmente consi<strong>de</strong>rar esse <strong>espaço</strong> subjetivo em<br />
constituição e <strong>de</strong>duzir que aí po<strong>de</strong>ríamos intervir diretamente na constituição do sujeito.<br />
Nosso trabalho nos conduziu na direção <strong>de</strong> tentar criar condições a partir <strong>de</strong> nossa intervenção<br />
para que pu<strong>de</strong>sse se constituir um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>, um <strong>espaço</strong> entre o Outro e o infans<br />
que apostasse que aí pu<strong>de</strong>sse advir <strong>uma</strong> resposta <strong>de</strong> sujeito. Vale a pena marcar que, embora<br />
tragamos a importância <strong>de</strong> o Outro primordial, que geralmente é a mãe, en<strong>de</strong>reçar-se ao infans<br />
<strong>com</strong>o Outro <strong>de</strong>sejante, a quem falta, não queremos dizer <strong>com</strong> isso que o discurso <strong>de</strong>sse Outro<br />
ou o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>sse Outro vai ter <strong>uma</strong> relação "<strong>de</strong> causa e efeito" sobre o infans, <strong>com</strong>o se no<br />
discurso do Outro fosse possível medir e apreen<strong>de</strong>r o que <strong>de</strong>terminaria o aparecimento do<br />
sujeito e aí fazer <strong>uma</strong> intervenção mensurável. Muito pelo contrário, sabemos, a partir do<br />
ensino <strong>de</strong> Lacan, que é diante do real <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> intransmissível, <strong>de</strong> falta, <strong>de</strong> primazia do
significante, que o sujeito tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir um ato que implica a sua assunção<br />
subjetiva.<br />
106<br />
Um outro <strong>de</strong>staque importante se refere ao significante "clínica do laço". Embora<br />
justifiquemos num primeiro momento que esse significante seria justamente entendido <strong>com</strong>o<br />
o que se tece a partir do campo do Outro, ou seja, a necessida<strong>de</strong> da ação específica para<br />
Freud, a função do gran<strong>de</strong> Outro simbólico para Lacan e a resposta do sujeito diante <strong>de</strong> seu<br />
discurso, foi para nós <strong>de</strong> fundamental importância enten<strong>de</strong>r que se fazia necessária aí mais<br />
<strong>uma</strong> torção, que consistiu em enten<strong>de</strong>r que, embora o simbólico preexista ao sujeito, será só a<br />
partir do encontro do sujeito e do Outro que eles passarão a se constituir. Assim, nos<br />
<strong>de</strong>paramos <strong>com</strong> a noção <strong>de</strong> tempo em psicanálise, em que paradoxalmente se afirma a partir<br />
<strong>de</strong> Lacan que é necessário o simbólico, o Outro, para que o sujeito, o vir-a-ser, possa advir.<br />
Trata-se paradoxalmente <strong>de</strong> um encontro entre o sujeito e o Outro que marca um tempo<br />
em que esses elementos presentes hoje só existirão quando forem passado, ou seja, quando<br />
esse momento futuro do encontro chegar. É o tempo do futuro anterior.<br />
Assim passamos a enten<strong>de</strong>r a clínica do laço, no que diz respeito a um <strong>de</strong>bate sobre a<br />
clínica <strong>com</strong> crianças bem pequenas, à luz da operação <strong>de</strong> alienação e separação, <strong>com</strong>o <strong>uma</strong><br />
clínica que põe em evidência que se, por um lado, é necessária a operação <strong>de</strong> alienação, o<br />
assujeitamento ao Outro da linguagem, que consiste em <strong>uma</strong> escolha forçada em acatar que<br />
um significante que vem do Outro o representa, por outro lado será necessário que esse Outro<br />
<strong>de</strong>seje para além do sujeito e assim promova a operação <strong>de</strong> separação. Passa-se assim para<br />
<strong>uma</strong> lógica na qual "nem sem o sujeito, nem sem o Outro", constitui assim um tipo <strong>de</strong> laço no<br />
qual o sujeito e o Outro estão excluídos, e o ser do sujeito <strong>de</strong>verá então advir <strong>de</strong> fora.<br />
Isso nos parece primordial para pensar essa clínica que nos aponta para <strong>uma</strong> direção <strong>de</strong><br />
trabalho que leve em conta que o ser do sujeito <strong>de</strong>verá advir <strong>de</strong> algo que não é nem do sujeito,<br />
nem do Outro, ou seja, <strong>de</strong>limitando assim que não há duas entida<strong>de</strong>s prévias que se enlaçam e<br />
produzem o sujeito: há um encontro e é <strong>de</strong>sse encontro que o Outro e o sujeito se constituem,<br />
e o ser do sujeito virá num a posteriori <strong>com</strong>o resposta possível, em ato.<br />
Vimos então que tal separação produz um resto, o objeto a, através do qual o sujeito irá<br />
se constituir <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejante. Lacan nos diz que o objeto a possibilita a constituição da<br />
fantasia, que sustenta a ilusão da totalida<strong>de</strong> na tentativa do sujeito <strong>de</strong> se livrar da divisão.<br />
Dessa operação <strong>de</strong> separação, surge a divisão do sujeito em eu e inconsciente, e a divisão do<br />
Outro em Outro faltante e objeto a.
107<br />
Parece-nos que nessa perspectiva, quando nos propomos a aten<strong>de</strong>r o infans na presença<br />
do Outro primordial, <strong>com</strong>o no caso aqui visto, guiamos nossa intervenção a partir <strong>de</strong>ssa<br />
noção, do objeto a, ou seja, a partir disso po<strong>de</strong>ríamos fazer a posteriori <strong>uma</strong> leitura do nosso<br />
trabalho, consistindo em <strong>uma</strong> operação lógica: fazer-se suporte das construções do infans,<br />
construções que ele produz, para dizer do mal-estar diante do qual ele é falado, ou melhor, o<br />
lugar que ele ocupa no <strong>de</strong>sejo, ou na fantasia <strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> Outro primordial. Assim, po<strong>de</strong>ria<br />
tratar-se <strong>de</strong> um trabalho no qual o analista e a equipe po<strong>de</strong>riam fazer operar <strong>com</strong> sua escuta<br />
um dizer lógico em posição <strong>de</strong> terceiro, em que a palavra possa circular n<strong>uma</strong> direção <strong>de</strong> fazer<br />
suporte ao que o sujeito traz, en<strong>de</strong>reçando ao sujeito e reen<strong>de</strong>reçando a seu gran<strong>de</strong> Outro as<br />
manifestações do sujeito, advertidos <strong>de</strong> que nessa operação <strong>de</strong> constituição do sujeito haverá<br />
sempre um resto, o objeto a, <strong>com</strong>o o que não é possível simbolizar, dizer, isto é, o que vai<br />
sempre produzir o mal-estar. Isso é importantíssimo porque trabalhamos <strong>com</strong> isso e operamos<br />
aí um corte <strong>com</strong> todas as práticas educativas e psicológicas, <strong>uma</strong> vez que não tentamos<br />
estabelecer <strong>uma</strong> relação entre o sujeito e o Outro <strong>de</strong> harmonia, <strong>de</strong> <strong>com</strong>pletu<strong>de</strong>.<br />
É também a partir <strong>de</strong>ssa dimensão do objeto a, <strong>com</strong>o resto da operação <strong>de</strong> alienação e<br />
separação, que pensamos o lugar que damos aos pais. E por isso nos interessamos muito pela<br />
idéia <strong>de</strong> Baio do lugar dos pais <strong>com</strong>o sujeito e <strong>com</strong>o Outro parceiro do trabalho <strong>de</strong> seus filhos.<br />
Por exemplo, quando tentamos dar à mãe <strong>de</strong> S. um lugar <strong>de</strong> sujeito e <strong>de</strong> Outro parceiro do<br />
trabalho <strong>de</strong> seu filho, isto possibilitou <strong>uma</strong> diferenciação entre a mãe e S. e um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong><br />
trabalho para S. Quando reconhecemos o trabalho, por exemplo, <strong>de</strong> S., reconhecemos o lugar<br />
possível que o Outro ocupa para S., e não impomos para S. um Outro i<strong>de</strong>al ou invasor. Assim<br />
convocamos os pais a serem parceiro do trabalho possível para seus filhos quando, por<br />
exemplo, dissemos querer saber mais <strong>de</strong> S. que vive, se agita, se interessa por objetos.,<br />
diferente do lugar antecipado da <strong>de</strong>sobediência imposta pela mãe <strong>de</strong> S.<br />
Na terceira parte, fizemos <strong>uma</strong> reflexão a partir do texto "Nota sobre a criança", <strong>de</strong><br />
Jacques Lacan, a fim <strong>de</strong> avançar um pouco mais nosso estudo a respeito do objeto a, a partir<br />
da clínica <strong>com</strong> crianças e seus pais.<br />
Pu<strong>de</strong>mos extrair do texto que a criança se torna "objeto" da mãe por não ter a mediação<br />
assegurada pela função do pai para modular a distância entre a i<strong>de</strong>ntificação ao i<strong>de</strong>al do eu e o<br />
<strong>de</strong>sejo da mãe; e se torna objeto da mãe, isto é, realiza-se se oferecendo-se <strong>com</strong>o objeto no<br />
real. Isso significa que não se operou a castração e que o objeto não se realiza <strong>com</strong>o resto,<br />
<strong>com</strong>o objeto a, <strong>com</strong>o aquilo que possibilita <strong>uma</strong> certa separação, um <strong>espaço</strong> entre alienação e
separação. O objeto no real é o objeto da psicose, <strong>uma</strong> vez que ele não implica <strong>uma</strong> certa<br />
separação: ao contrário, ele satura a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falta que viabiliza a separação. É<br />
fundamental <strong>de</strong>stacar que a mediação nos interessa não porque ela tenta conciliar duas<br />
entida<strong>de</strong>s, ou porque tenta fazer <strong>com</strong> que elas se entendam, não é por isso que a mediação nos<br />
interessa, <strong>uma</strong> vez que se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong> mediação paradoxal enquanto um <strong>espaço</strong> virtual,<br />
constituído não por duas entida<strong>de</strong>s, mas por duas faltas, a do sujeito e a do Outro. Então essa<br />
função <strong>de</strong> mediação assegurada pela função do pai nos é preciosa no que ela nos permite<br />
pensar que nossa intervenções no <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> po<strong>de</strong>riam tentar assegurar esse <strong>espaço</strong><br />
108<br />
terceiro entre o bebê e sua mãe, tendo assim a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efeito subjetivante.<br />
A partir disso, pu<strong>de</strong>mos tirar <strong>com</strong>o conclusão que a principal conseqüência clínica disso<br />
é que o objeto a é esse <strong>espaço</strong> entre alienação e separação, que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> <strong>espaço</strong><br />
subjetivo. Sugerimos então <strong>uma</strong> breve aproximação entre o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> pensado a<br />
partir do objeto lacaniano (ou seja, das operações <strong>de</strong> alienação e separação) e o objeto<br />
transicional <strong>de</strong> D. W. Winnicott. Consi<strong>de</strong>ramos que essa aproximação se dá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o<br />
objeto potencial <strong>de</strong> Winnicott constitui-se pelo fato do infans já viver a dimensão da falta,<br />
<strong>uma</strong> vez que já houve nele a dimensão da perda do objeto. O objeto potencial tem a função <strong>de</strong><br />
possibilitar ao infans se separar do objeto materno e <strong>de</strong>pois dos outros objetos, trazendo assim<br />
consigo a marca <strong>de</strong> um vazio, isto é, a primazia do simbólico, e tendo por isso a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um efeito subjetivante. Nessa perspectiva, pensamos que é <strong>com</strong>o função <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> subjetivação que apostamos no <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>: consi<strong>de</strong>ramos o <strong>espaço</strong> que se faz a<br />
partir <strong>de</strong> sua função. Propomos que ele funcione <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> vazio, <strong>com</strong> isso queremos<br />
dizer que fazemos valer um <strong>espaço</strong> vazio <strong>de</strong> saber, não sabemos <strong>de</strong> antemão, o saber não está<br />
repertoriado. O princípio fundamental é que ele se constitui em um <strong>espaço</strong> <strong>com</strong>o instrumento,<br />
para que a palavra possa circular.<br />
O saber está do lado do paciente, as pessoas falam o que já sabem, mas apostamos que,<br />
fazendo valer um <strong>espaço</strong> vazio <strong>de</strong> saber, possibilitamos que se produza aí nesse <strong>espaço</strong> algo<br />
novo, um saber do inconsciente que possa servir àquela mãe ou àquela criança. Dissemos ao<br />
longo da dissertação que apostamos no <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />
para que pu<strong>de</strong>sse haver resposta <strong>de</strong> sujeito; assim tentamos formalizar o melhor possível em<br />
que consistia esse trabalho <strong>de</strong> "intervenção a tempo", seja no atendimento só do bebê e <strong>de</strong> seu<br />
Outro, seja num dispositivo do "<strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> <strong>com</strong> outros pais e outros bebês",<br />
formalizar o conceito <strong>de</strong> tempo em psicanálise. Começamos por dizer que não se tratava <strong>de</strong>
um tempo mensurável, nem <strong>de</strong> um tempo cronológico, e mais adiante tentamos <strong>de</strong>finir que se<br />
tratava <strong>de</strong> um tempo que se constitui mesmo a partir do encontro do Outro do infans, que eles<br />
mesmos se constituem a partir <strong>de</strong>sse encontro e que por isso nos só po<strong>de</strong>ríamos ler no <strong>de</strong>pois,<br />
quando houvesse resposta do sujeito. No entanto, nos parece imprescindível marcar aqui que<br />
sabemos que estamos tratando <strong>de</strong> <strong>uma</strong> questão muito <strong>de</strong>licada que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>senvolver<br />
aqui, a saber, que tratamos aqui <strong>de</strong> <strong>uma</strong> clínica <strong>com</strong> crianças bem pequenas que não falam, e<br />
que colocam para nós a questão <strong>de</strong> saber se po<strong>de</strong>mos afirmar que já haveria sujeito<br />
constituído quando dizemos que trabalhamos no tempo do só <strong>de</strong>pois, a partir da resposta do<br />
sujeito, ou se seria necessário nos perguntarmos sobre o estado <strong>de</strong> efetuação da estrutura.<br />
Nesse sentido a elaboração <strong>de</strong> Colette Soler nos interessou muito, <strong>uma</strong> vez que ela nos ajuda a<br />
pensar que é possível afinar mais um pouco nossa leitura da resposta do sujeito, justamente<br />
<strong>com</strong>o víamos <strong>de</strong>scobrindo a partir <strong>de</strong> nossa pesquisa sobre o lugar da criança no seu laço ao<br />
objeto, ou seja, quando a criança cola ao objeto ela está no mesmo lugar que o objeto, por<br />
isso, <strong>com</strong>o nos diz Lacan, ela presentifica o objeto no real, e <strong>de</strong>ssa forma sutura o <strong>espaço</strong><br />
entra ela e o Outro, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subjetivação. A indicação <strong>de</strong> Colette Soler<br />
<strong>de</strong> que haveria nesse caso um trabalho a ser feito <strong>de</strong> extração do objeto no real interessou-nos<br />
justamente pelo fato <strong>de</strong> que, se po<strong>de</strong>ríamos pensar o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong> <strong>com</strong>o um <strong>espaço</strong> para<br />
109<br />
fazer valer essa função <strong>de</strong> terceiro, apostamos assim num <strong>espaço</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> subjetiva.<br />
Por outro lado, essa teorização a respeito do momento <strong>de</strong> efetuação da estrutura, embora<br />
nos pareça muito interessante para pensar a direção <strong>de</strong> intervenção, no caso da criança objeto<br />
que necessitaria <strong>de</strong> um trabalho do real em direção ao simbólico, nos faz pensar que tem algo<br />
<strong>de</strong> esquemático na maneira <strong>com</strong>o que ela pensa o sujeito, o Outro, e o objeto; dá um pouco a<br />
impressão <strong>de</strong> que a gente po<strong>de</strong>ria repertoriar o estado <strong>de</strong> efetuação <strong>de</strong> sujeito e intervir<br />
diretamente nele <strong>com</strong>o se fosse algo <strong>de</strong> apreensível. Achamos importante enfatizar que<br />
pensamos a operação <strong>de</strong> alienação e separação justamente <strong>com</strong>o noções que nos dão <strong>uma</strong><br />
direção <strong>de</strong> trabalho, por isso o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, a rigor, é um <strong>espaço</strong> que não é dado, do<br />
ponto <strong>de</strong> vista clínico, ele é tão virtual quanto o objeto a, <strong>uma</strong> vez que se constitui a cada vez<br />
que po<strong>de</strong>mos fazer valer um <strong>espaço</strong> vazio <strong>de</strong> saber. Portanto ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do posicionamento<br />
ético <strong>de</strong> quem convida a trabalhar.<br />
Concluímos consi<strong>de</strong>rando que a clínica do laço, o <strong>espaço</strong> <strong>pais–bebês</strong>, se propõe a<br />
resguardar um lugar <strong>de</strong> sujeito, no entanto nos parece importante lembrar que se trata <strong>de</strong> <strong>uma</strong>
clínica que se orienta pela noção <strong>de</strong> objeto, <strong>uma</strong> vez que sujeito e objeto não são totalmente<br />
110<br />
indissociáveis e que o objeto nos dá notícia da posição do sujeito.<br />
Nessa pesquisa, <strong>de</strong>senvolvemos sobretudo a relação do <strong>de</strong>sejo do Outro <strong>com</strong> o<br />
simbólico. Vimos alg<strong>uma</strong>s conseqüências disso no trabalho do <strong>espaço</strong> pais-bebês, <strong>com</strong><br />
relação à mãe e ao bebê. Enfatizamos a importância <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>sejo não fosse anônimo, que<br />
ele tivesse en<strong>de</strong>reço, e por isso enfatizamos sua localização significante. Ou seja, abordamos<br />
o <strong>de</strong>sejo do Outro, <strong>de</strong>stacando a relação do <strong>de</strong>sejo do Outro <strong>com</strong> o significante. De um certo<br />
modo, po<strong>de</strong>mos dizer que <strong>de</strong>stacamos o real <strong>com</strong>o <strong>de</strong>sejo do Outro. Interessar-nos-ia agora, se<br />
for possível, explorar a relação do <strong>de</strong>sejo <strong>com</strong> o real, não <strong>com</strong>o o que tem en<strong>de</strong>reço, mas sim<br />
<strong>com</strong>o o que não se inscreve, <strong>com</strong>o algo que faz furo, e rompe, insiste, o real <strong>com</strong>o presença.<br />
Nessa perspectiva, parece-nos que seria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância aprofundar o estudo da noção<br />
<strong>de</strong> objeto na sua relação <strong>com</strong> o real. Num outro plano, mais concreto, interessar-nos-ia muito<br />
que esse trabalho <strong>de</strong> pesquisa possa ser útil para a implantação <strong>de</strong> <strong>espaço</strong>s <strong>com</strong>o o <strong>espaço</strong><br />
pais-bebês e serviços e dispositivos do tipo CAPSI. E nesse sentido, gostariamos <strong>de</strong> retomar a<br />
praxis do <strong>espaço</strong> pais-bebês, no dispositivo <strong>de</strong> CAPSI, formando um grupo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um CAPSI e for a <strong>de</strong>le. Visando constituir <strong>uma</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> atenção a crianças bem pequenas a<br />
partir das questões clínicas em jogo em cada caso, contando <strong>com</strong> isso po<strong>de</strong>r aprofundar e<br />
relançar nossa pesquisa.
111<br />
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115<br />
.<br />
Excluído: <br />
Excluído: <br />
Quebra <strong>de</strong> página<br />
CAPÍTULO 3<br />
ESPAÇO PAIS-BEBÊS<br />
<br />
Alg<strong>uma</strong>s consi<strong>de</strong>rações sobre os<br />
fragmentos clínicos e o <strong>espaço</strong><br />
Pais-bebes-<br />
Constatamos a partir dos casos<br />
clínicos que aten<strong>de</strong>mos o infans e<br />
seu Outro primordial num mesmo<br />
atendimento, tratando-se <strong>de</strong> <strong>uma</strong><br />
clínica que se propõe a aten<strong>de</strong>r<br />
também aquele que não fala.<br />
Po<strong>de</strong>riamos <strong>de</strong>cidir aten<strong>de</strong>r apenas<br />
o Outro do bebê, no entanto<br />
<strong>de</strong>cidimos atendê-los um na<br />
presença do Outro ,<strong>uma</strong> vez que<br />
o infans nos dava noticia <strong>de</strong> um<br />
sofrimento psíquico que remetia<br />
ao laço <strong>com</strong> o Outro. Para isso ,<br />
nos <strong>de</strong>bruçamos sobre a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong><br />
alienação e separação para tentar<br />
formalizar questões que se<br />
colocaram a partir <strong>de</strong>ssa clínica.<br />
Vimos que embora o significante é<br />
transmitido a partir do Outro, será<br />
necessário um trabalho <strong>de</strong><br />
significação feito pelo sujeito e se<br />
faz necessário <strong>uma</strong> torção a mais,<br />
que é que embora o simbólico<br />
prece<strong>de</strong> ao sujeito, será a partir do<br />
encontro que o sujeito e o Outro se<br />
constituem ou seja não há duas<br />
entida<strong>de</strong>s prévias que se enlaçam<br />
e produzem o sujeito , há um<br />
encontro no qual o Outro e o<br />
sujeito se constituem. Assim, o ser<br />
do sujeito <strong>de</strong>verá vir <strong>de</strong> fora ... num [36] a<br />
Excluído: Assim, Lacan escreve<br />
no Seminário 10 que na operação<br />
<strong>de</strong> castração, <strong>de</strong> divisão do sujeito<br />
que se escreve $, tem no sentido da<br />
divisão um resto,um resíduo. Esse<br />
resto é a única prova, garantia da<br />
alterida<strong>de</strong> do outro e, é o a. É por<br />
isso,diz Lacan, que os dois termos<br />
$ e a, o sujeito marcado pela barra<br />
do significante e o pequeno a,resto,<br />
resíduo que é a condição <strong>de</strong> ... [37]<br />
Excluído: <br />
Excluído: A S<br />
$ A<br />
a <br />
<br />
<br />
Excluído: “É por isso que os dois<br />
termos $ e a, o sujeito marcado<br />
pela barra do significante e o<br />
objeto pequeno a, resíduo do<br />
condicionamento, se assim posso<br />
me exprimir,pelo Outro, encontrase<br />
do mesmo lado, do lado<br />
objetivo da barra. Todos os dois<br />
estão do lado do Outro, porque a<br />
fantasia, esteio do meu <strong>de</strong>sejo, está<br />
inteiramente do lado do outro. ... [38]<br />
O
Sumário<br />
Introdução 5<br />
1. Assunto e roteiro <strong>de</strong> trabalho 5<br />
1.2. campo <strong>de</strong> trabalho, percurso e mo<strong>de</strong>lo: saú<strong>de</strong> mental<br />
e pequena infância 8<br />
1.2.1. Saú<strong>de</strong> mental e pequena infância: nosso campo <strong>de</strong><br />
trabalho 8<br />
Capítulo I. Desenvolvimento e estrutura 12<br />
1.1. Situando os dois campos teóricos 12<br />
1.2. Estrutura e sujeito 20<br />
1.3. Conseqüências das perspectivas teóricas do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento e da estrutura para a <strong>de</strong>terminação do que<br />
sinaliza e constitui no campo clínico 28<br />
1.3.1. Saú<strong>de</strong> mental: intervenção a tempo X intervenção<br />
precoce 28<br />
1.3.1.1. Intervenção precoce 28<br />
1.3.1.2. Intervenção a tempo e a clínica <strong>de</strong> crianças<br />
menores <strong>de</strong> quatro anos na saú<strong>de</strong> mental infanto-juvenil<br />
<strong>de</strong> Betim 29<br />
Capítulo II – Alienação e separação 42<br />
2.1. A alienação 42<br />
2.2. A separação 44<br />
2.3. Alienação e separação: <strong>articulação</strong> da <strong>teoria</strong> <strong>com</strong> a<br />
clínica 48<br />
1
2.3.1. Caso I (S.) 51<br />
2.3.1.1. Histórico e <strong>de</strong>scrição do atendimento 51<br />
2.3.1.2. Consi<strong>de</strong>rações e articulações do fragmento <strong>de</strong><br />
caso clínico <strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> 51<br />
2.3.1.3. Consi<strong>de</strong>rações e articulações da clínica <strong>com</strong> a<br />
<strong>teoria</strong> 52<br />
2.4. Alienação / separação e o objeto a 55<br />
2.4.1. Fragmento do caso II (E. e L.) 56<br />
2.4.1.1. Histórico e <strong>de</strong>scrição dos atendimentos 57<br />
2.4.1.2. Articulações do fragmento do caso clínico <strong>com</strong> a<br />
<strong>teoria</strong> 59<br />
2.4.2. Fragmento do caso III (R.) 62<br />
2.4.2.1. Histórico e <strong>de</strong>scrição dos atendimentos 63<br />
2.4.2.2. Articulação do fragmento do caso clínico <strong>com</strong> a<br />
<strong>teoria</strong> 67<br />
Capítulo III – Espaço pais-bebês<strong>pais–bebês</strong> 71<br />
3.1. Articulação da operação <strong>de</strong> alienação-–separação <strong>com</strong> o<br />
<strong>espaço</strong> potencial e o objeto transicional. 71<br />
3.1.1. Alienação/separação e o objeto a 71<br />
3.2. Apport <strong>de</strong> D. W. Winnicott sobre o conceito objetos<br />
transicionais e <strong>espaço</strong> potencial..<br />
...................................................................................................<br />
.........................................73<br />
2
3.3. Articulações do conceito <strong>de</strong> <strong>espaço</strong> e objeto transicional<br />
<strong>com</strong> a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> Lacan alienação-–separação e o objeto a e o<br />
objeto e <strong>espaço</strong> transicional 75<br />
3.3.1.O objeto 75<br />
3.3.2. Alienação e separação 75<br />
3.4. Alg<strong>uma</strong>s aproximações entre a <strong>teoria</strong> <strong>de</strong> alienação e<br />
separação <strong>de</strong> Lacan 76<br />
3.5. Espaço pais-bebês<strong>pais–bebês</strong> 78<br />
3.6. Tentativa <strong>de</strong> Formalização do <strong>espaço</strong> pais-bebêspais–<br />
bebês 80<br />
Página VII: [3] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 23/11/2007 12:03<br />
Página VII: [4] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:27<br />
PARA ISSO, TRABALHAMOS NO<br />
Página VII: [5] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:28<br />
DESTACAMOS ASSIM QUE O<br />
Página VII: [6] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:30<br />
QUE É NECESSÁRIO QUE O SUJEITO SE ALIENE<br />
Página VII: [7] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:30<br />
, LACAN NOS DIZ QUE SE TRATA DE UMA ESCOLHA FORÇADA, NA QUAL<br />
O SUJEITO NÃO TEM ESCOLHA, SENÃO SE ALIENAR. DESCOBRIMOS QUE, AO<br />
SE ALIENAR, O SUJEITO<br />
3
Página VII: [8] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:32<br />
O OBJETO QUE VAI TAMPONAR ESSE FURO, OU MELHOR,<br />
Página VII: [9] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:33<br />
O OUTRO DESEJA PARA ALÉM DESSE SUJEITO E O BARRA,<br />
PRODUZINDO ASSIM A CASTRAÇÃO PELA QUAL O SUJEITO É EXPULSO DO<br />
DESEJO DESSE OUTRO, TORNANDO-SE<br />
Página VII: [10] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 4:36<br />
NO CURSO DA DISSERTAÇÃO<br />
Página 5: [11] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:41<br />
O<br />
Página 5: [11] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:41<br />
O<br />
Página 5: [11] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:41<br />
CAPÍTULO<br />
Página 5: [11] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:41<br />
NOS<br />
Página 5: [11] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:41<br />
S<br />
Página 5: [11] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
, COMO EM SEU TEXTO "A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL" (1923)1,<br />
QUE É UMA ELABORAÇÃO FEITA<br />
Página 5: [12] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:42<br />
DEPOIS DE TER ESCRITO OS TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA<br />
SEXUALIDADE<br />
Página 5: [12] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 10:22<br />
QUER<br />
Página 5: [13] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:56<br />
DIZER QUE A QUESTÃO DA SEXUALIDADE, NO SEU CONJUNTO, ESTÁ<br />
COLOCADA DESDE DO INÍCIO NO CAMPO DA SEXUALIDADE INFANTIL,<br />
ASSIM COMO TAMBÉM ESTÁ<br />
1 FREUD, SIGMUND. (1923), "A ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL: UMA<br />
INTERPOLAÇÃO NA TEORIA DA SEXUALIDADE INFANTIL", ESB, VOL. XIX; AE,<br />
VOL. XIX.(?)<br />
4
Página 5: [14] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
NELE A QUESTÃO DA GENITALIDADE E DAS ESCOLHAS AMOROSAS<br />
BASEADAS NO REGISTRO GENITAL. OU SEJA, NÃO SE TRATA DE ESPERAR A<br />
VIDA ADULTA PARA SE ALCANÇAR UMA GENITALIDADE DIFERENTE QUE<br />
Página 5: [15] Inserido Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
NELE A QUESTÃO DA GENITALIDADE E DAS ESCOLHAS AMOROSAS<br />
BASEADAS NO REGISTRO GENITAL. OU SEJA, NÃO SE TRATA DE ESPERAR A<br />
VIDA ADULTA PARA SE ALCANÇAR UMA GENITALIDADE DIFERENTE QUE<br />
Página 5: [16] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 10:24<br />
RESPEITO AO ÂMBITO DA SEXUALIDADE INFANTIL<br />
Página 5: [17] Inserido Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 10:24<br />
RESPEITO AO ÂMBITO DA SEXUALIDADE INFANTIL<br />
Página 5: [18] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
. É JUSTAMENTE POR TER LIGADO À SUA TEORIA DA SEXUALIDADE<br />
INFANTIL UMA ORGANIZAÇÃO GENITAL QUE<br />
Página 5: [19] Inserido Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
. É JUSTAMENTE POR TER LIGADO À SUA TEORIA DA SEXUALIDADE<br />
INFANTIL UMA ORGANIZAÇÃO GENITAL QUE<br />
Página 5: [20] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
FREUD CORTA A POSSIBILIDADE DE SUSTENTAR QUALQUER<br />
PENSAMENTO MATURACIONISTA "DE UMA POSTERIOR GENITALIZAÇÃO<br />
ADULTA, ISTO É, NÃO-INFANTIL, NÃO BASEADA NA TEORIA E NA ÉTICA DA<br />
PSICANÁLISE, QUE SE DIFERENCIA DE UMA TEORIA E DE UMA MORAL<br />
SEXUAL VIGENTES, NA QUAL HAVERIA COMPLEMENTARIDADE GENITAL<br />
(RELAÇÃO SEXUAL) NO PLANO INCONSCIENTE<br />
Página 5: [21] Inserido Michel Van <strong>de</strong>r kelen 27/2/2008 2:50<br />
FREUD CORTA A POSSIBILIDADE DE SUSTENTAR QUALQUER<br />
PENSAMENTO MATURACIONISTA "DE UMA POSTERIOR GENITALIZAÇÃO<br />
ADULTA, ISTO É, NÃO-INFANTIL, NÃO BASEADA NA TEORIA E NA ÉTICA DA<br />
PSICANÁLISE, QUE SE DIFERENCIA DE UMA TEORIA E DE UMA MORAL<br />
SEXUAL VIGENTES, NA QUAL HAVERIA COMPLEMENTARIDADE GENITAL<br />
(RELAÇÃO SEXUAL) NO PLANO INCONSCIENTE<br />
5
Página 5: [22] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:37<br />
COLOCAR REF CORPO E SEX<br />
Página 5: [23] Inserido Beto Arreguy 16/11/2007 10:37<br />
COLOCAR REF CORPO E SEX<br />
Página 5: [24] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 22/11/2007 5:41<br />
A<br />
Página 5: [24] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 7:45<br />
...<br />
Página 5: [25] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:07<br />
O SEGUNDO CAPÍTULO,<br />
Página 5: [25] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:07<br />
,<br />
Página 5: [25] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:07<br />
O<br />
Página 5: [25] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:07<br />
DIVIDIMOS<br />
Página 5: [25] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:08<br />
OIS SUBCAPÍTULO<br />
Página 5: [25] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 6:34<br />
OBJETO A<br />
Página 5: [26] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:08<br />
O SUBCAPÍTULO<br />
Página 5: [26] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 6:34<br />
OBJETO A<br />
Página 42: [27] Excluído Beto Arreguy 17/11/2007 4:28<br />
(COLOCAR REF,. EM PÉ DE PAGINA DO LIVRO DO LUCIANO) .<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:27<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:27<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
ALEM<br />
6
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:11<br />
I –<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
ALEM<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
BARRA<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:11<br />
CASTRAÇAO<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
SUJEITO<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
–<br />
Página 48: [28] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
È<br />
Página 48: [29] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:11<br />
È<br />
Página 48: [29] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:11<br />
Página 48: [29] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:28<br />
Página 48: [29] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:11<br />
SIMBOLISAVEL<br />
Página 48: [29] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:29<br />
È<br />
Página 48: [29] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:29<br />
OPERAÇÃO<br />
Página 48: [30] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:29<br />
7
,<br />
Página 48: [30] Excluído Beto Arreguy 16/11/2007 10:11<br />
RECUBRIMENTO<br />
Página 48: [31] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:29<br />
,<br />
Página 48: [31] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:29<br />
,<br />
Página 48: [32] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:30<br />
,<br />
Página 48: [32] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:30<br />
,<br />
Página 48: [33] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:30<br />
,<br />
Página 48: [33] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:30<br />
DESAPARECIMENTO<br />
Página 48: [34] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:53<br />
.<br />
Página 48: [34] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:53<br />
Página 48: [34] Excluído Michel Van <strong>de</strong>r kelen 26/2/2008 8:54<br />
O<br />
Página 48: [35] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:31<br />
,<br />
Página 48: [35] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:32<br />
SABER<br />
Página 115: [36] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 7:00<br />
CAPÍTULO 3<br />
ESPAÇO PAIS-BEBÊS<br />
Quebra <strong>de</strong> página<br />
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS FRAGMENTOS CLÍNICOS E O ESPAÇO<br />
PAIS-BEBES-<br />
CONSTATAMOS A PARTIR DOS CASOS CLÍNICOS QUE ATENDEMOS O INFANS<br />
E SEU OUTRO PRIMORDIAL NUM MESMO ATENDIMENTO, TRATANDO-SE DE<br />
UMA CLÍNICA QUE SE PROPÕE A ATENDER TAMBÉM AQUELE QUE NÃO<br />
8
FALA. PODERIAMOS DECIDIR ATENDER APENAS O OUTRO DO BEBÊ, NO<br />
ENTANTO DECIDIMOS ATENDÊ-LOS UM NA PRESENÇA DO OUTRO ,UMA VEZ<br />
QUE O INFANS NOS DAVA NOTICIA DE UM SOFRIMENTO PSÍQUICO QUE<br />
REMETIA AO LAÇO COM O OUTRO. PARA ISSO , NOS DEBRUÇAMOS SOBRE<br />
A TEORIA DE ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO PARA TENTAR FORMALIZAR<br />
QUESTÕES QUE SE COLOCARAM A PARTIR DESSA CLÍNICA.<br />
VIMOS QUE EMBORA O SIGNIFICANTE É TRANSMITIDO A PARTIR DO OUTRO,<br />
SERÁ NECESSÁRIO UM TRABALHO DE SIGNIFICAÇÃO FEITO PELO SUJEITO E<br />
SE FAZ NECESSÁRIO UMA TORÇÃO A MAIS, QUE É QUE EMBORA O<br />
SIMBÓLICO PRECEDE AO SUJEITO, SERÁ A PARTIR DO ENCONTRO QUE O<br />
SUJEITO E O OUTRO SE CONSTITUEM OU SEJA NÃO HÁ DUAS ENTIDADES<br />
PRÉVIAS QUE SE ENLAÇAM E PRODUZEM O SUJEITO , HÁ UM ENCONTRO NO<br />
QUAL O OUTRO E O SUJEITO SE CONSTITUEM. ASSIM, O SER DO SUJEITO<br />
DEVERÁ VIR DE FORA NUM A POSTERIORI, COMO ATO, COMO RESPOSTA.<br />
APRENDEMOS MUITO COM A CONTRIBUIÇÃO DE VIRGÍNIO BAIO QUE<br />
PROPÕE PARA O TRABALHO COM OS PAIS , QUE ARTICULAMOS ISSO A<br />
PARTIR DA ESPECIFICIDADE QUE ESSA CLÍNICA COM CRIANÇAS<br />
PSICÓTICAS NOS COLOCA , A SABER A IMPORTÂNCIA DE QUE OS PAIS NOS<br />
AUTORIZEM A TRATAR DE SEUS FILHOS E DE QUE SE DE SUPORTE PARA O<br />
TRABALHO DO SUJEITO . VIRGÍNIO BAIO PROPÕE QUE É IMPORTANTE DAR<br />
UM LUGAR AOS PAIS COMO SUJEITO, ISSO NUM PRIMEIRO TEMPO LÓGICO, E,<br />
NUM SEGUNDO TEMPO LÓGICO, DE CONVIDÁ-LOS A SE SITUAR COMO<br />
PARCEIROS DE SEU FILHO E DE TRAZE -LOS A SITUAR-SE COM AGENTE ,<br />
DO LADO DO OUTRO EM RELAÇÃO A SEUS FILHOS .O QUE NOS PARECEU<br />
INTEREÇANTE NESSE PRIMEIRO TEMPO LÓGICO É QUE PARA INSTAURAR OS<br />
PAIS COMO SUJEITO ,TEMOS QUE FAZER VALER A BARRA DA CASTRAÇÃO<br />
SOBRE A EQUIPE,E ISSO SE FAZ NA MEDIDA QUE A EQUIPE NÃO SE COLOCA<br />
NO LUGAR DE SUJEITO SUPOSTO SABER ,AO CONTRARIO, SE COLOCA NUM<br />
LUGAR QUE SITUA UM CERTO SABER DO LADO DOS PAIS , QUE LHE DIZ QUE<br />
SEM O SABER DELES , A EQUIPE SE ENCONTRA NUM IMPASSE .ISSO NOS<br />
PARECE MUITO INTERESSANTE PARA NOSSA PESQUISA UMA VEZ ,ESSE<br />
LUGAR DADO A ENUNCIAÇAO DOS PAIS ,CONSTITUE UMA HIANCIA ,UM<br />
VASIO QUI ORIENTA E LIMITA A EQUIPE E SEM O QUAL ELES CONSIDERAM<br />
QUE ELES NÃO PODEM OPERAR.VEMOS NISSO UMA INDICAÇÃO CLINICA<br />
IMPORTANTE PARA O TRABALHO COM OS PAIS E OS BEBES , NO QUE<br />
ESTAMOS TENTANDO FORMALIZAR COMO SENDO ESSE ESPAÇO POSSÍVEL<br />
DE SUBJETIVAÇÃO . O SEGUNDO TEMPO LÓGICO ,NOS PERMITE DAR UM<br />
PASSO HÁ MAIS NUM DIREÇÃO DE TRABALHO QUE POSSIBILITE A<br />
CONSTITUIÇÃO DE UM ESPAÇO VAZIO ENTRE O SUJEITO E O OUTRO QUE<br />
POSSIBILITE UM TRABALHO DE SUBJETIVAÇÃO UMA VEZ QUE TRATA-SE<br />
DE UM TRABALHO QUE CONSISTE EM QUE A EQUIPE E OS PAIS TENTAM SE<br />
FAZER PARCEIRO ,DESSA VEZ DA CRIANÇA COMO SUJEITO ,OU SEJA<br />
PARCEIRO DO TRABALHO SUBJETIVO DA CRIANÇA EM VEZ DE INCARNAR<br />
PARA CRIANÇA UM OUTRO DO SABER PLENO QUE COMPLETA-SE COM SEU<br />
OBJETO CRIANÇA.<br />
TENTAMOS VERIFICAR COMO ISSO SE DARIA NOS CASO CLÍNICOS E SE<br />
TRABALHAMOS EM ALGUM MOMENTO COM ESSA REFERENCIA<br />
9
.RENCONHEÇEMOS AO LONGO DOS CASOS CLÍNICOS , MOMENTOS EM QUE<br />
TRABALHAMOS COM A MÃE A PARTIR DE UMA UMA PROPOSTA DE<br />
TRABALHO QUE ERA DE DAR UM LUGAR DE SUJEITO, COMO POR EXEMPLO<br />
PARA A MÃE DE S .QUANDO A CONVIDAMOS A FALAR DE S. PORQUE É ELA<br />
QUE SABE SOBRE S. . E NOS INTEREÇAMOS TAMBÉM PELO TRABALHO , DO<br />
SEGUNDO MOMENTO LOGICO, QUE È DE ASSOCIÁ-LOS, COMO<br />
PARCEIROS DO TRABALHO DE SEUS FILHOS, RECONHECENDO O LUGAR QUE<br />
O OUTRO OCUPA PARA SEU FILHO, E ASSIM RECONHECENDO O TRABALHO<br />
DE SEU FILHO, SUA RESPOSTA DE SUJEITO DIANTE DO OUTRO. NOS<br />
PARECEU,QUE PODERÍAMOS LER ALGO DESSA ORDEM, NO CASO DE S.<br />
QUANDO TENTAMOS SUSTENTAR UM LUGAR PARA O TRABALHO DE S<br />
COM:´´ QUEREMOS SABER MAIS DE S`` , QUE VIVE, SE AGITA, SE INTERESSA<br />
POR OBJETOS DIANTE DE UM OUTRO QUE A DETERMINA DESOBEDIENTE.<br />
NESSE ÚLTIMO CAPÍTULO, IREMOS ABRÍ-LO COM UMA REFLEXÃO A<br />
RESPEITO DO TEXTO "NOTA SOBRE A CRIANÇA" DE JACQUES LACAN, A FIM<br />
DE AVANÇAR MAIS UM POUCO NO ESTUDO A RESPEITO DO OBJETO A A<br />
PARTIR DA CLÍNCIA COM CRIANÇAS E SEUS PAIS. NESSE TEXTO, LACAN NOS<br />
DIZ QUE A FUNÇÃO DE RESÍDUO QUE SUSTENTA A FAMÍLIA CONJUGAL, AO<br />
LONGO DA EVOLUÇÃO DAS SOCIEDADES, FAZ SE DESTACAR UM<br />
IRREDUTÍVEL DE UMA TRANSMISSÃO, QUE É A CONSTITUIÇÃO SUBJETIVA<br />
QUE IMPLICA A RELAÇÃO A UM DESEJO QUE NÃO SEJA ANÓNIMO .<br />
ASSIM A FUNÇÃO DA MÃE E DO PAI SE DEFINEM A PARTIR DESSA<br />
NECESSIDADE. A MÃE, ENQUANTO SEUS CUIDADOS TRAZEM A MARCA DE<br />
UM INTERESSE PARTICULAR, TRANSMITINDO SUA PRÓPRIA FALTA. E O PAI,<br />
ENQUANTO O SEU NOME É O VETOR DE UMA INCARNAÇÃO DA LEI NO<br />
DESEJO, O SEJA DA CASTRAÇÃO.<br />
A PARTIR DISSO, LACAN ELABORA QUE O SINTOMA DA CRIANÇA<br />
CONSTITUI-SE PARA RESPONDER AO QUE TEM DE SINTOMÁTICO NA<br />
ESTRUTURA DA FAMÍLIA. TEREMOS ENTÃO, SEGUNDO LACAN, DUAS<br />
POSSIBILIDADES DE RESPOSTA DO SUJEITO: NUMA, O SINTOMA<br />
REPRESENTA A VERDADE DO CASAL PARENTAL. ESSA POSSIBILIDADE É A<br />
MAIS COMPLEXA, MAS TAMBÉM A MAIS ABERTA À NOSSA INTERVENÇÃO.<br />
NA OUTRA, O SINTOMA REVELA A SUBJETIVIDADE DA MÃE; NESSE CASO,<br />
NOSSA INTERVENÇAO ENCONTRA-SE BASTANTE REDUZIDA ,NESSA<br />
SITUAÇÃO A CRIANÇA ESTA DIRETAMENTE INTERESSADA,ENQUANTO É<br />
CORELATIVA DE UMA FANTASIA.<br />
NESSE CASO, A DISTÂNCIA ENTRE A IDENTIFICAÇÃO AO IDEAL DO EU E O<br />
DESEJO DA MÃE, SEM MEDIAÇÃO, QUE NORMALMENTE É ASSEGURADA<br />
PELA FUNÇÃO DO PAI, DEIXA A CRIANÇA VULNERÁVEL À FANTASIA<br />
MATERNA, TORNANDO-SE ASSIM "OBJETO" DA MÃE, E A FUNÇÃO DESSE<br />
OBJETO É DE REVELAR A VERDADE DESSE OBJETO.<br />
ISSO TERA POR CONSEQÜÊNCIA QUE A CRIANÇA REALISA A PRESENÇA DO<br />
OBJETO A NA FANTASIA [NO FANTASMA]. SATURANDO ASSIM A<br />
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MODALIDADE DE FALTA NA QUAL SE ESPECIFICA O DESEJO DA MÃE,<br />
QUALQUER QUE SEJA SUA ESTRUTURA.<br />
A CRIANÇA ALIENA NELA (?) QUALQUER ACESSO POSSÍVEL DA MÃE A SUA<br />
PRÓPRIA VERDADE DANDO-LHE CORPO E EXISTÊNCIA. DESSA MANEIRA,<br />
NESSA RELAÇÃO DUAL COM A MÃE, A CRIANÇA DA-LHE O QUE FALTA AO<br />
SUJEITO MASCULINO, O FALO, OFERECENDO SE ASSIM COMO OBJETO NO<br />
REAL. ISSO TEM COMO CONSEQÜÊNCIA QUE, NA MEDIDA EM QUE O OBJETO<br />
APRESENTA O REAL, ELE ESTÁ MAIS SUBORDINADO A FANTASIA<br />
MATERNA. NOS PARECE ENTÃO POSSÍVEL EXTRAIR AÍ QUE, QUANDO A<br />
CRIANÇA TORNA-SE "OBJETO" DA MÃE, POR NÃO TER A MEDIAÇÃO<br />
ASSEGURADA PELA FUNÇÃO DO PAI PARA MODULAR A DISTÂNCIA ENTRE A<br />
IDENTIFICAÇÃO IDEAL DO EU E O DESEJO DA MÃE, ELA REALISA-SE SE<br />
OFERECENDO COMO OBJETO NO REAL. ISSO SIGNIFICA QUE NÃO OPEROU A<br />
CASTRAÇÃO E QUE O OBJETO NÃO REALISA-SE COMO RESTO, COMO<br />
OBJETO A, COMO AQUILO QUE POSSIBILITOU UMA CERTA SEPARAÇÃO, UM<br />
ESPAÇO ENTRE ALIENAÇÃO E SEPARAÇAO. DIFERENTEMENTE DO OBJETO A,<br />
O OBJETO NO REAL É O OBJETO NA PSICOSE. OU SEJA O OBJETO DA PSICOSE<br />
NÃO É O OBJETO A, PORQUE O OBJETO A IMPLICA NUM ESPAÇO ENTRE<br />
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO, E O OBJETO NO REAL VEM SATURAR A<br />
MODALIDADE DE FALTA QUE VIABILIZA A SEPARAÇÃO.NOS PARECE<br />
TAMBÉM IMPORTANTE DESTACAR AQUI, QUE A MEDIAÇÃO ASSEGURADA<br />
PELA FUNÇÃO DO PAI NÃO É UMA MEDIAÇÃO ENTRE DUAS ENTIDADES QUE<br />
TENTA FAZER UMA MEDIA ENTRE DUAS ENTIDAS ,TENTANDO UM<br />
ENTENDIMENTO ENTRE O QUE CADA UMA REVENDICA .MUITO PELO<br />
CONTRARIO NÃO SE TRATA NADA DISSO ,A MEDIAÇÃO AQUI POSTA POR<br />
LACAN ,É UMA MEDIAÇÃO PARADOXAL,QUI É VIRTUAL QUE TEM<br />
POSSIBILIDADE DE ESPAÇO,UMA VEZ QUE A FUNÇAO DO PAI GARANTE A<br />
MEDIAÇÃO ATRAVÉS DO RECUBRIMENTO DE DUAS FALTAS A DO SUJEITO E<br />
A DO OUTRO , APARTIR DA OPERAÇAO DA CASTRAÇÃO , RESULTANDO<br />
NUM ESPAÇO VAZIO ,QUE TEM A CONSISTENCIA LÓGICA DO OBJETO A , UM<br />
OBJETO QUE NÃO É NEM DO SUJEITO NEM DO OUTRO E QUE É O ELO ENTRE<br />
O SUJEITO E O OUTRO E , QUE COMO OBJETO DESAPARECE.VEMOS AI ,UMA<br />
DIREÇÃO DE TRABALHO PARA O ESPAÇO PAIS –BEBES ,NÃO SENDO UM<br />
ESPAÇO PARA TENTAR ARMONIZAR ALGO DO OUTRO MATRNO E O BEBE<br />
,MAS SIM DE FAZER VALER APARTIR DE UMA FUNÇÃO DE TERCEIRO , UM<br />
ESPAÇO POSSÍVEL DE SUBJETIVAÇÃO .<br />
A PARTIR DESSA REFLEXÃO, VAMOS NOS PROPOR A ARRISCAR UMA BREVE<br />
APROXIMAÇÃO ENTRE ESPAÇO PAIS-BEBÊS PENSADO A PARTIR DO OBJETO<br />
A LACANIANO, OU SEJA A PARTIR DAS OPERAÇÕES DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO, E O OBJETO TRANSICIONAL DE D.W. WINNICOTT.<br />
FAREI PRIMEIRO UMA BREVE ARTICULAÇÃO DA TEORIA DE JACQUES<br />
LACAN, ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO, COM O CONCEITO DE ESPAÇO<br />
POTENCIAL E O OBJETO TRANSICIONAL DE D. WINNICOTT. EMBORA O<br />
APORTE DE WINNICOTT SEJA MUITO IMPORTANTE, INFELIZMENTE NÃO<br />
PODEMOS DESENVOLVÊ-LO AQUI EXTENSIVAMENTE, MAS TENTAREMOS<br />
11
APRESENTAR ALGUMAS ARTICULAÇÕES QUE NOS PARECEM<br />
INTERESSANTES PARA NOSSO CAMPO DE PESQUISA.<br />
ARTICULAÇÃO DA OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO-SEPARAÇÃO COM O ESPAÇO<br />
POTENCIAL E O OBJETO TRANSICIONAL.<br />
3.1.1. ALIENAÇÃO/SEPARAÇÃO E O OBJETO A<br />
SABEMOS QUE LACAN, NO SEMINÁRIO 10: A ANGÚSTIA, DIZ QUE DEVE<br />
MUITO DA SUA FORMALIZAÇÃO DO OBJETO A À WINNICOTT.<br />
“O QUE CHAMAMOS DO OBJETO TRADUZ-SE, PORTANTO, PELO APARECIMENTO,NA<br />
CADEIA DA FABRICAÇÃO HUMANA, DE OBJETOS CEDÍVEIS QUE PODEM SER<br />
EQUIVALENTES AOS OBJETOS NATURAIS. SE ESTA REPETIÇÃO NÃO É<br />
DESPROPOSITADA AQUI É QUE, POR MEIO DELA, TENCIONO LIGAR DIRETAMENTE A<br />
ISSO A FUNÇÃO QUE TENHO ENFATIZADO HÁ MUITO TEMPO – A DO OBJETO<br />
TRANSICIONAL, PARA RETOMAR O TERMO, APROPRIADO OU NÃO, MASJÁ<br />
CONSAGRADO,COM QUE O ROTULOU SEU CRIADOR, AQUELE QUE O PERCEBEU, OU<br />
SEJA, WINNICOTT”2.<br />
O OBJETO A DE LACAN SE CONSTITUI NA OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO. COMO VIMOS, NA OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO, O OUTRO, AO<br />
TENTA RECOBRIR O SUJEITO COM TODO O SENTIDO , FAZ APARECER O<br />
FURO , O QUE NÃO E POSSÍVEL FAZER CONSISTIR COMO SENTIDO , UMA VEZ<br />
QUE É IMPOSSÍVEL RECOBRIR COM TODO O SENTIDO, FALTA SENTIDO,<br />
CONSTITUI-SE ENTÃO UM FURO NO OUTRO, A FALTA, O DESEJO NO OUTRO.<br />
NA OPERAÇÃO DE SEPARAÇÃO, O SUJEITO, AO TENTAR PREENCHER ESSA<br />
FALTA, TENTA PREENCHER O DESEJO DO OUTRO, MAS É BARRADO, UMA<br />
VEZ QUE ESSE OUTRO, AO ENDEREÇAR SEU DESEJO PARA ALÉM DO<br />
SUJEITO, PRODUZ A CASTRAÇÃO DO SUJEITO. ISSO SIGNIFICA QUE ELE É<br />
INTERDITADO NA SUA TENTATIVA DE PREENCHER O DESEJO DO OUTRO. O<br />
SUJEITO SERÁ ENTÃO EXPULSO DO DESEJO DO OUTRO, PRODUZINDO-SE A<br />
DIVISÃO DO SUJEITO. O RESTO DESSA OPERAÇÃO É O OBJETO A.<br />
LACAN NOS DIZ QUE PARA QUE HAJA SEPARAÇÃO, SERÁ NECESSÁRIO QUE<br />
O SUJEITO SE IDENTIFIQUE COM ESSE RESTO CAÍDO DESSE OUTRO, O<br />
OBJETO A, QUE SOBRA DA OPERAÇÃO DE CASTRAÇÃO.<br />
“O A, AQUI, É SUPLENTE DO SUJEITO – E SUPLENTE NA POSIÇÃO DE PRECEDENTE. O<br />
SUJEITO MÍTICO PRIMITIVO, POSTULADO NO INÍCIO COMO TENDO SE CONSTITUIR<br />
NO CONFRONTO SIGNIFICANTE, NÓS NUNCA O APRENDEMOS, POR RAZÕES ÓBVIAS,<br />
PORQUE O A O PRECEDEU, E É COMO MARCADO, ELE PRÓPRIO, POR ESSA<br />
SUBSTITUIÇÃO PRIMITIVA QUE ELE TEM QUE REEMERGIR SECUNDARIAMENTE,<br />
PARA ALÉM DE SEU DESAPARECIMENTO”3.<br />
Página 115: [37] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:09<br />
2 LACAN, Jacques (1962-1963). O Seminário. Livro10: a angústia. Rio <strong>de</strong> janeiro: Jorge<br />
Zahar, 2005, p. 340.<br />
3 LACAN, Jacques (1962-1963). O Seminário. Livro10: a angústia. Rio <strong>de</strong> janeiro: Jorge<br />
Zahar, 2005, p. 341.<br />
12
ASSIM, LACAN ESCREVE NO SEMINÁRIO 10 QUE NA OPERAÇÃO DE<br />
CASTRAÇÃO, DE DIVISÃO DO SUJEITO QUE SE ESCREVE $, TEM NO SENTIDO<br />
DA DIVISÃO UM RESTO,UM RESÍDUO. ESSE RESTO É A ÚNICA PROVA,<br />
GARANTIA DA ALTERIDADE DO OUTRO E, É O A. É POR ISSO,DIZ LACAN, QUE<br />
OS DOIS TERMOS $ E A, O SUJEITO MARCADO PELA BARRA DO SIGNIFICANTE<br />
E O PEQUENO A,RESTO, RESÍDUO QUE É A CONDIÇÃO DE EXISTÊNCIA DO<br />
OUTRO, ESTÃO NO MESMO LADO DA BARRA, DO LADO OBJETIVO DA<br />
BARRA. OU SEJA, PARA LACAN TANTO O $ COMO O A ESTÃO DO LADO DO<br />
OUTRO, PORQUE O FANTASMA, QUE É APOIO DO MEU DESEJO ESTÁ NA SUA<br />
TOTALIDADE DO LADO DO OUTRO. O QUE ESTÁ DO LADODO SUJEITO E QUE<br />
O CONSTITUI COMO INCONSCIENTE É O OUTRO BARRADO A QUE É<br />
INATINGÍVEL POR MIM. ASSIM LACAN ESCREVE O ESQUEMA QUE É O<br />
PRIMEIRO ESQUEMA DA DIVISÃO.<br />
Página 115: [38] Excluído Beto Arreguy 18/11/2007 4:09<br />
“É POR ISSO QUE OS DOIS TERMOS $ E A, O SUJEITO MARCADO PELA BARRA DO<br />
SIGNIFICANTE E O OBJETO PEQUENO A, RESÍDUO DO CONDICIONAMENTO, SE<br />
ASSIM POSSO ME EXPRIMIR,PELO OUTRO, ENCONTRA-SE DO MESMO LADO, DO<br />
LADO OBJETIVO DA BARRA. TODOS OS DOIS ESTÃO DO LADO DO OUTRO, PORQUE<br />
A FANTASIA, ESTEIO DO MEU DESEJO, ESTÁ INTEIRAMENTE DO LADO DO OUTRO. O<br />
QUE ESTÁ AGORA DO MEU LADO É AQUILO QUE ME CONSTITUI COMO<br />
INCONSCIENTE, OU SEJA, A, O OUTRO COMO AQUELE QUE NÃO ATINJO”4.<br />
ASSIM, O OBJETO A NA CONDIÇÃO DE RESTO NÃO PERTENCE NEM AO<br />
OUTRO NEM AO SUJEITO, PORQUE COMO O OBJETO É DO OUTRO, SERÁ<br />
NECESSÁRIO, PARA QUE SE INSCREVA A FALTA NO OBJETO QUE ALGO SEJA<br />
PERDIDO. NOS INTERESSA AQUI ESSA AFIRMAÇÃO DE LACAN, ENQUANTO<br />
DIREÇÃO CLÍNICA, UMA VEZ QUE VAMOS TER QUE TRABALHAR NA<br />
DIREÇÃO DE CAUSAR O SUJEITO.<br />
APPORT DE D. W. WINNICOTT SOBRE O CONCEITO OBJETOS TRANSICIONAIS<br />
E ESPAÇO POTENCIAL5.<br />
SEGUIREMOS AGORA, A FIM DE ENTENDER COMO D. W. WINNICOTT<br />
FORMALIZOU ESSES CONCEITOS UM CAPITULO DE WINICOTT NOMEADO:<br />
“OBJETOS TRANSICIONAIS E FENÔMENOS TRANSICIONAIS”. NESTE<br />
CAPÍTULO, WINNICOTT, SE PROPÕE A ESTUDAR A RIQUEZA DO PADRÃO DE<br />
USO QUE OS BEBÊS FAZEM DE SUA PRIMEIRA POSSE NÃO-EU. ELE NOS DÁ A<br />
SEGUINTE DEFINIÇÃO:<br />
“INTRODUZI AS EXPRESSÕES ‘OBJETOS TRANSICIONAL’ E ‘FENÔMENO<br />
TRANSICIONAL’ PARA DESIGNAR A ÁREA INTERMEDIÁRIA DA EXPERIÊNCIA,<br />
4 LACAN, Jacques (1962-1963). O Seminário. Livro10: a angústia. Rio <strong>de</strong> janeiro: Jorge<br />
Zahar, 2005, p. 36.<br />
5 Winnicott Donald W, “Objetos transicionais e fenômenos transicionais” In. Da pediatria<br />
à psicanálise. Obras escolhidas cap. XVIII, (1951), pp. 316 - 331<br />
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ENTRE O POLEGAR E O URSINHO, ENTRE O EROTISMO ORAL E A VERDADEIRA<br />
RELAÇÃO OBJETAL, ENTRE O EROTISMO ORAL E A VERDADEIRA RELAÇÃO<br />
OBJETAL, ENTRE A ATIVIDADE DA CRIATIVIDADE PRIMÁRIA E A PROJEÇÃO DO QUE<br />
JÁ TERIA SIDO INTROJETADO, ENTRE A NÃO CONSCIÊNCIA PRIMÁRIA DA DÍVIDA E<br />
O RECONHECIMENTODA DÍVIDA6”.<br />
DESSE MODO, PARA ELE, TANTO O BALBUCIO DO BEBÊ COMO A MANEIRA<br />
COMO UMA CRIANÇA MAIS VELHA REPASSA TODO UM REPERTÓRIO DE<br />
CANÇÕES ENQUANTO SE PREPARANDO PARA DORMIR, OCORREM NESSA<br />
ÁREA INTERMEDIÁRIA, ENQUANTO FENÔMENOS TRANSICIONAIS. NESSA<br />
ÁREA OCORRERÁ TAMBÉM O USO DE OBJETO QUE NEM FAZEM PARTE DO<br />
CORPO DO BEBÊ, NEM SÃO RECONHECIDOS COMO SENDO DA REALIDADE<br />
EXTERIOR.<br />
O QUE WINNICOTT ESTÁ FORMALIZANDO É QUE O INDIVÍDUO POSSUI UMA<br />
REALIDADE INTERNA QUE FAZ FRONTEIRA COM UMA REALIDADE EXTERNA<br />
MAS QUE, EXISTE UMA TERCEIRA PARTE DA VIDA DO INDIVÍDUO QUE É<br />
UMA REGIÃO INTERMEDIÁRIA DA EXPERIMENTAÇÃO QUE TEM A<br />
CONTRIBUIÇÃO TANTO DA REALIDADE INTERNA COMO EXTERNA. ESSA<br />
ÁREA É UMA ÁREA INTERMEDIÁRIA, DE DESCANSO PORQUE NÃO É<br />
QUESTIONADA.<br />
INTERESSA-LHE ESTUDAR ESSA ÁREA INTERMEDIÁRIA ENTRE O SUBJETIVO<br />
E O OBJETIVAMENTE PERCEBIDO, PORQUE ISSO VAI PERMITIR-LHE<br />
ESTUDAR O PROGRESSO QUE LEVA A MANIPULAÇÃO DOS VERDADEIROS<br />
OBJETOS NÃO EU. ESSE ESTUDO VAI CONDUZI-LO A FORMULAÇÃO DO<br />
OBJETO TRANSICIONAL QUE SERÁ A PRIMEIRA POSSE NÃO EU7. VEJAMOS<br />
AS CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS NO RELACIONAMENTO DO BEBÊ COM O<br />
OBJETO TRANSICIONAL, QUE O TORNA UM OBJETO TRANSICIONAL.<br />
NO ENTÃO, PARA QUE OCORRAM OS FENÔMENOS TRANSICIONAIS E<br />
OBJETOS TRANSICIONAIS, SERÁ NECESSÁRIO QUE A MÃE SEJA<br />
SUFUCIENTEMENTE BOA. ISSO SIGNIFICA QUE ELA SE ADAPTE ATIVAMENTE<br />
AS NECESSIDADES DO SEU BEBÊ, UMA ADAPTAÇÃO QUE IRÁ DIMINUIR<br />
GRADATIVAMENTE DE ACORDO COM A CAPACIDADE QUE O BEBÊ IRÁ<br />
ADQUIRIR DE SUPORTAR AS FALHAS NA ADAPTAÇÃO E TOLERARA<br />
VIVÊNCIA DAS FRUSTRAÇÕES. ASSIM, NO INÍCIO DA VIDA DO BEBÊ, A MÃE<br />
COM SUA AÇÃO ADAPTADORA VAI DAR AO BEBÊ A POSSIBILIDADE DE TER<br />
A ILUSÃO DE QUE SEU SEIO É UMA PARTE DELE. O BEBÊ TEM UMA<br />
VIVÊNCIA MÁGICA DE TER O CONTROLE SOBRE O SEIO.<br />
RECAPITULANDO, PARA WINNICOTT, ESSA PRIMEIRA POSSE RELACIONA-SE<br />
RETROATIVAMENTE AOS FENÔMENOS AUTO-ERÓTICOS, AO COSTUME DE<br />
CHUPAR O PUNHO OU O POLEGAR E, MAIS TARDE, O PANINHO, OU BICHINHO<br />
MACIO, OU BONECA, OU BRINQUEDO. ESSA PRIMEIRA POSSE, EMBORA<br />
RELACIONA-SE TANTO AOS OBJETOS EXTERNOS (SEIO MATERNO) QUANTO<br />
INTERNO (SEIO MÁGICO), DIFERE DOS DOIS.<br />
6 I<strong>de</strong>m, p. 317.<br />
7 Para Winnicott, o padrão dos fenômenos transicionais <strong>com</strong>eça a tornar-se perceptível por<br />
volta <strong>de</strong> 4-6-8-12 meses <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. P. 320.<br />
14
ESSA PRIMEIRA POSSE CONSTITUI OS OBJETOS E FENÔMENOS<br />
TRANSICIONAIS QUE PERTENCEM AO CAMPO DA ILUSÃO. ESSE É O<br />
MOMENTO DOS PRIMÓRDIOS DO DESENVOLVIMENTO QUE DEVE SUA<br />
EXISTÊNCIA À CAPACIDADE DA MÃE DE ADAPTAR-SE ATIVAMENTE ÀS<br />
NECESSIDADES DO SEU BEBÊ, DANDO-LHE A ILUSÃO DE QUE O QUE ELE<br />
CRIA, REALMENTE EXISTE. JÁ HOUVE A PERCEPÇÃO DE PERDA: “O BEBÊ<br />
ASSUME DIREITOS SOBRE O OBJETO E NÓS CONCORDAMOS COM ISTO.<br />
AINDA ASSIM, ALGUMA AB-ROGAÇÃO DE ONIPOTÊNCIA ESTÁ PRESENTE<br />
DESDE O INÍCIO”8. VEMOS AÍ, A PARTIR DO ENSINO DE LACAN, O<br />
RECONHECIMENTO DA PERDA, OU SEJA, DA CASTRAÇÃO NECESSÁRIA, DE<br />
UMA PERDA ESTRUTURAL.<br />
WINNICOTT NOS DIRIA QUE O OBJETO TRANSICIONAL É IMPORTANTE<br />
PORQUE ELE É O QUE POSSIBILITA SE SEPARAR DO OBJETO. ASSIM, PARA<br />
ELE, O USO TÍPICO DO OBJETO TRANSICIONAL É UM TRANQÜILIZADOR QUE<br />
PERMITE QUE A CRIANÇA USE O OBJETO SUBSTITUTO PARA AMPARÁ-LO<br />
DIANTE DA SEPARAÇÃO DO OBJETO, DA PERDA DO OBJETO. ASSIM, ELE DIZ:<br />
“ POUCO DEPOIS DO DESMAME, AOS CINCO OU SEIS MESES, ELE ADOTOU A<br />
PONTA DE UM COBERTOR, ONDE TERMINAVA A COSTURA. FICAVA<br />
CONTENTE QUANDO UM POUCO DE LÃ REJUXAVA, FAZENDO COM ELA<br />
CÓCEGAS NO NARIZ. ISTO TORNOU-SE MUITO CEDO SEU ‘BAA’”9.<br />
NÃO HÁ QUESTIONAMENTO PARA SABER SE ESSA ÁREA INTERMEDIÁRIA<br />
DA EXPERIÊNCIA PERTENCE À REALIDADE INTERNA OU EXTERNA. ELA É<br />
MUITO IMPORTANTE PORQUE CONSTITUI A PARTE MAIOR DA EXPERIÊNCIA<br />
DO BEBÊ, E NUM PERÍODO ADULTO, É LUGAR DE EXPERIÊNCIA NO CAMPO<br />
DA ARTE, DA RELIGIÃO E DA IMAGINAÇÃO, E DO TRABALHO CIENTÍFICO<br />
CRIATIVO. O OBJETO TRANSICIONAL DE UM BEBÊ SERÁ GRADATIVAMENTE<br />
DESCATEXIZADO, NA MEDIDA QUE SE CONSTITUEM OS INTERESSES<br />
CULTURAIS. NESSE SENTIDO, O OBJETO TRANSICIONAL É O ASPECTO<br />
VISÍVEL DA TRAVESSIA DO BEBÊ DESDE A SUBJETIVIDADE ATÉ A<br />
OBJETIVIDADE, ELE SERIA UM ASPECTO VISÍVEL DA TRAVESSIA EM<br />
DIREÇÃO AO SIMBOLISMO. DE FATO, QUANDO O SIMBOLISMO É<br />
EMPREGADO, O BEBÊ JÁ TEM A CAPACIDADE DE DISTINGUIR ENTRE FATO E<br />
FANTASIA, ENTRE OBJETOS INTERNOS E EXTERNOS.<br />
ARTICULAÇÕES DO CONCEITO DE ESPAÇO E OBJETO TRANSICIONAL COM A<br />
TEORIA DE LACAN ALIENAÇÃO-SEPARAÇÃO E O OBJETO A E O OBJETO E<br />
ESPAÇO TRANSICIONAL<br />
O OBJETO<br />
O OBJETO TRANSICIONAL É UM RUMO AO OBJETO A, UMA VEZ QUE ELE JÁ<br />
TEM UMA DIMENSÃO DE FALTA, DE PERDA, PORQUE COMO NOS DIZ<br />
WINNICOTT, O BEBÊ SE AGARRA AO OBJETO TRANSICIONAL PELO FATO<br />
DELE JÁ VIVER A DIMENSÃO DA FALTA,JÁ HOUVE PARA O BEBÊ A<br />
INCLUSÃO DA PERDA DO OBJETO. NOS PARECE FUNDAMENTAL A FUNÇÃO<br />
8 I<strong>de</strong>m, p. 320<br />
9 I<strong>de</strong>m, p. 323<br />
15
DO OBJETO TRANSICIONAL, UMA VEZ QUE, ATRAVÉS DELE A CRIANÇA<br />
COMEÇA A SE SEPARAR DO OBJETO MATERNO E AÍ VAI SE SEPARANDO DE<br />
TODOS OS OBJETOS. ESSA DISTÂNCIA É UM ESPAÇO VAZIO QUE ANTECEDE<br />
AQUALQUER TROCA, É A PRIMAZIA DO SIMBÓLICO. ASSIM, SE RETOMAMOS<br />
OS CONCEITOS DE LACAN DE REAL E IMAGINÁRIO, VEMOS COMO A TROCA<br />
PASSA NECESSARIAMENTE PELO SIMBÓLICO.<br />
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO<br />
IREMOS AGORA SEGUIR O ESTUDO DE MASSUD R. KHAN10 E UM TEXTO DE<br />
WINNICOTT: A OBSERVAÇÃO DE BEBÊS NUMA SITUAÇÃO PADRONIZADA<br />
(1941)11 QUE ARTICULAMOS COM A OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO DE JACQUES LACAN. UM DOS PRIMEIROS ESTUDOS DE D. W.<br />
WINNICOTT SOBRE ESPAÇO E OBJETO TRANSICIONAL ENCONTRA-SE EM SEU<br />
TRABALHO DE “OBSERVAÇÃO DE BEBÊS NUMA SITUAÇÃO<br />
PADRONIZADA”12. NESSE TRABALHO ELE DESCREVE UM CERTO PADRÃO DE<br />
COMPORTAMENTO INFANTIL EM RELAÇÃO A UMA ESPÁTULA, NO<br />
CONTEXTO DE UMA CONSULTA SOLICITADA PELA MÃE. NESSA<br />
EXPERIÊNCIA ELE VAI DESTACAR A HESITAÇÃO DO BEBÊ COMO UM<br />
MOMENTO MUITO IMPORTANTE, EU DIRIA FUNDAMENTAL NESSE<br />
MOMENTO DE CONSTITUIÇÃO DO BEBÊ, NESSA EXPERIÊNCIA<br />
PADRONIZADA POR ELE; MOMENTO FUNDAMENTAL POR CONSTITUIR UM<br />
MOVIMENTO CONSTITUTIVO DO BEBÊ, QUE VAI DA HESITAÇÃO AO GESTO<br />
CRIATIVO.<br />
O GESTO CRIATIVO CONSIDERADO POR WINNICOTT, O RABISCO, É O<br />
PRODUTO “DO JOGO DO RABISCO”13, QUE É UM JOGO QUE POSSIBILITOU A<br />
ELE CRIAR O ESPAÇO TRANSICIONAL. O ESPAÇO TRANSICIONAL SERIA<br />
CONSTITUÍDO DE UM PERÍODO DE HESITAÇÃO QUE CONSTITUI ESSE<br />
MOMENTO, ESSE ESPAÇO, ATÉ O DESDOBRAR-SE NO GESTO CRIATIVO, O<br />
RABISCO. PARECE-ME IMPORTANTE, PARA ENTENDER EM QUE CONSISTE O<br />
ESPAÇO TRANSICIONAL, DESCREVER ESSE MOVIMENTO QUE VAI DA<br />
HESITAÇÃO AO RABISCO. PARA ISSO VOU AGORA DESCREVER AS<br />
OBSERVAÇÕES DE WINNICOTT SOBRE UMA EXPERIÊNCIA FEITA COM UMA<br />
ESPÁTULA EM UMA SITUAÇÃO PADRONIZADA, EM CONSULTAS<br />
SOLICITADAS PELA MÃE. NESSA EXPERIÊNCIA TEM A ANÁLISE DESSE<br />
MOVIMENTO. TEREMOS TRÊS ESTÁGIOS:<br />
1) PRIMEIRO ESTÁGIO – O BEBÊ ESTENDE SUA MÃO PARA A ESPÁTULA, MAS<br />
DESCOBRE SUBITAMENTE QUE PRECISA PENSAR UM POUCO MAIS SOBRE A<br />
SITUAÇÃO. ELE SE VÊ NUM DILEMA. INSTAURA-SE ENTÃO A HESITAÇÃO.<br />
2) SEGUNDO ESTÁGIO – ENQUANTO DURA O “PERÍODO DE HESITAÇÃO”, O<br />
BEBÊ VAI MANTER SEU CORPO NA MESMA POSIÇÃO, MAS SEM RIGIDEZ.<br />
10 WINNICOTT. Donald. W. Da pediatria à psicanálise. Obras escolhidas (Introdução <strong>de</strong><br />
Massud R. Khan). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imago, 2000, pp. 11-54.<br />
11 WINNICOTT. Donald, W., o.c., cfr. Capítulo IV, “A observação do bebÊ n<strong>uma</strong> situação<br />
padronizada” (1941), pp. 112-132.<br />
12 WINNICOTT, o.c., p. 112.<br />
13 Cf. a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Masud R. Kahn, o.c., p. 19.<br />
16
WINNICOTT ASSINALA QUE, AOS POUCOS, O BEBÊ REÚNE CORAGEM<br />
SUFICIENTE PARA DEIXAR QUE SEUS SENTIMENTOS AFLOREM, E AÍ A CENA<br />
VAI MUDAR RAPIDAMENTE.ESSE MOMENTO EM QUE ESSA PRIMEIRA FASE É<br />
SUBSTITUÍDA PELA SEGUNDA, É FACILMENTE RECONHECÍVEL, DIANTE DA<br />
ACEITAÇÃO POR PARTE DA CRIANÇA DA REALIDADE DO SEU DESEJO PELA<br />
ESPÁTULA. OCORRE UMA MUDANÇA NO INTERIOR DA BOCA DA CRIANÇA,<br />
ESTA SE TORNA FLÁCIDA, COM A LÍNGUA GROSSA E MACIA, CHEIA DE<br />
SALIVA.<br />
O BEBÊ DÁ A IMPRESSÃO DE ACREDITAR QUE A ESPÁTULA ESTÁ SOB SEU<br />
CONTROLE, TALVEZ EM SEU PODER; PARECE ACREDITAR QUE A ESPÁTULA<br />
ESTÁ AÍ DISPONÍVEL PARA, POR MEIO DELA, ELE EXPRESSAR O SEU EU.<br />
NESSE MOMENTO SUA INTENÇÃO É BRINCAR, É REPRESENTAR.<br />
3) TERCEIRO ESTÁGIO – O BEBÊ, ANTES DE TUDO, DEIXA CAIR A ESPÁTULA,<br />
FAZENDO COMO SE FOSSE POR ACASO. QUANDO ELE A RECEBE DE VOLTA,<br />
FICA FELIZ, BRINCA NOVAMENTE COM A ESPÁTULA E A DEIXA CAIR UM<br />
POUCO PROPOSITALMENTE, ATÉ DEIXAR PROPOSITALMENTE MESMO,<br />
ADORANDO ENTÃO O ATO DE JOGÁ-LA DE MODO AGRESSIVO, TORNANDO-<br />
SE MUITO SATISFEITO QUANDO A ESPÁTULA FAZ BARULHO AO CAIR NO<br />
CHÃO.<br />
NO FINAL DA TERCEIRA FASE, O BEBÊ PEDE PRA DESCER AO CHÃO COM A<br />
ESPÁTULA, PARA BRINCAR E MORDÊ-LA OU PARA DEIXÁ-LA PRA LÁ E<br />
ALCANÇAR OUTRO OBJETO.<br />
3.4. ALGUMAS APROXIMAÇÕES ENTRE A TEORIA DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO DE LACAN<br />
PARECE-ME IMPORTANTE ESSA EXPERIÊNCIA COM O BEBÊ, A ESPÁTULA E A<br />
MÃE. WINNICOTT, COM BASE NA EXPERIÊNCIA PADRONIZADA, INSTITUI UM<br />
ESPAÇO NO QUAL PODERÍAMOS SITUAR O BEBÊ CONSTITUINDO-SE COMO $,<br />
A ESPÁTULA QUE PODERÍAMOS CONSIDERAR COMO O OBJETO A, E O OUTRO<br />
DO BEBÊ, A MÃE. ISSO NOS POSSIBILITA INSTAURAR UMA ANALOGIA ENTRE<br />
O “ESPAÇO POTENCIAL”, TRANSICIONAL, E A OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO QUE SE DÁ NUM MOVIMENTO SÓ.<br />
O QUE ME PARECE IMPORTANTE DESTACAR, TANTO NO ESPAÇO POTENCIAL,<br />
COMO NA OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO SEPARAÇÃO, É A FALTA, O BURACO,<br />
COMO CONDIÇÃO DE ESSE ESPAÇO SE CONFIGURAR COMO OPERAÇÃO. NO<br />
CASO DO ESPAÇO POTENCIAL, TEMOS O PERÍODO DE HESITAÇÃO QUE É<br />
CENTRAL E FUNDAMENTAL PARA ELE CONFIGURAR UM PERÍODO, UM<br />
ESPAÇO E UM TEMPO LÓGICO NO QUAL PODE ESCOLHER QUE SIM OU QUE<br />
NÃO. POR AÍ JÁ SE INSTAURA A FALTA E UM MOMENTO DE SUSPENSÃO, POR<br />
NÃO ESCOLHER. PODERÍAMOS DIZER O RECOBRIMENTO DE DUAS FALTAS<br />
DO SUJEITO E DO OUTRO, ASSIM COMO A OPERAÇÃO DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO SE DÁ, SE FUNDAMENTA A PARTIR DO RECOBRIMENTO DESSAS<br />
DUAS FALTAS. NA SUSPENSÃO O BEBÊ ESTÁ ÀS VOLTAS COM O DESEJO DO<br />
OUTRO; TENTANDO DECIFRA-LO E CORRESPONDER AO DESEJO DO OUTRO;<br />
FAZENDO COM QUE SUA FALTA CORRESPONDA AO DESEJO DO OUTRO.<br />
NOTAMOS TAMBÉM QUE O OBJETO A É O RESTO DA OPERAÇÃO DE<br />
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO, O RESTO DA OPERAÇÃO DE CASTRAÇÃO, O QUE<br />
17
SE PRODUZ QUANDO O OUTRO MATERNO DIRIGE-SE MAIS ALÉM DO<br />
SUJEITO, DO $ QUE TENTA RESPONDER, COMPLETAR O DESEJO DO OUTRO<br />
MATERNO, E QUE SE VÊ BARRADO, INTERDITADO PELO OUTRO MATERNO. A<br />
CASTRAÇÃO, A DIVISÃO DO SUJEITO $ E O RESTO OBJETO A, O QUE FICA DE<br />
NÃO SIMBOLIZÁVEL DESSA OPERAÇÃO DA CASTRAÇÃO. É O RESTO QUE O<br />
SIMBÓLICO NÃO PODE RECOBRIR. NESSE SENTIDO PODEMOS APROXIMAR A<br />
EXPERIÊNCIA DA ESPÁTULA COM O OBJETIVO QUE É DO SUJEITO, MAS NÃO<br />
SÓ DELE, TAMBÉM É DO OUTRO, PORQUE ELE SERVE DE INSTRUMENTO DE<br />
BRINCADEIRA ENTRE O SUJEITO E O OUTRO, AO DEIXÁ-LO CAIR E SER<br />
APANHADO. MAS AO MESMO TEMPO ELE NÃO FICA NEM COM O SUJEITO<br />
NEM COM O OUTRO. E ELE ESTÁ ABANDONADO NO CHÃO.<br />
PARA WINNICOTT, O VERDADEIRO EU SURGE, SE FAZ NO GESTO CRIATIVO<br />
DO JOGO DO RABISCO. O JOGO DO RABISCO É UM JOGO QUE O TERAPEUTA<br />
INICIA COM UM RISCO E O PACIENTE CONTINUA COM SEU RISCO, SUA<br />
ESSÊNCIA É O MODO COMO WINNICOTT CRIA O ESPAÇO POTENCIAL, UM<br />
ESPAÇO TRANSICIONAL NO QUAL O PERÍODO DE HESITAÇÃO ESTÁ<br />
TOTALMENTE PRESENTE, UMA VEZ QUE ESSA HESITAÇÃO CONSTITUI ESSE<br />
ESPAÇO, JÁ QUE ELA SUSPENDE ALGO DE DECISÃO E ASSIM CRIA UM VAZIO.<br />
PODEMOS PENSAR TAMBÉM QUE ESSA HESITAÇÃO CONSTITUI ESSE<br />
ESPAÇO, JÁ QUE ELA SUSPENDE ALGO DE DECISÃO E, ASSIM, CRIA UM<br />
VAZIO. PODEMOS PENSAR TAMBÉM QUE A HESITAÇÃO É POSSÍVEL PORQUE<br />
HÁ UM ESPAÇO VAZIO QUE NÃO É OCUPADO NEM PELO TERAPEUTA, NEM<br />
PELO PACIENTE, O BEBÊ. DESTA FORMA PODEMOS DIZER QUE O ESPAÇO,<br />
QUE NÃO É NEM DO TERAPEUTA NEM DO BEBÊ, É REDOBRADO PELA<br />
HESITAÇÃO DO BEBÊ, OU SEJA, UM PUXA O OUTRO.<br />
SERÁ DO MOVIMENTO DO ESPAÇO POTENCIAL ENTRE O TERAPEUTA E O<br />
PACIENTE, OU ENTRE O BEBÊ E O OUTRO, QUE NASCERÁ O SUJEITO DO<br />
INCONSCIENTE, O VERDADEIRO EU, SE CONSTITUINDO A PARTIR DESSE<br />
ESPAÇO E DESSE GESTO CRIATIVO. ASSIM COMO É DA OPERAÇÃO DE DUAS<br />
FALTAS NUM MOVIMENTO SÓ DE ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO QUE O SUJEITO<br />
DE INCONSCIENTE DE S PASSA A $.<br />
3.5. ESPAÇO PAIS-BEBÊS<br />
TENTAREMOS AGORA A PARTIR DO TRABALHO DO ESPAÇO PAIS-BEBÊS E AS<br />
QUESTÕES ALI LEVANTADAS ARTICULAR OS CONCEITOS QUE ESTUDAMOS<br />
AO LONGO DA DISSERTAÇÃO.<br />
APRESENTAMOS A SEGUIR ALGUNS FRAGMENTOS CLÍNICOS EM SUA<br />
ARTICULAÇÃO COM O ESPAÇO PAIS-BEBÊS:<br />
PRIMEIRO FRAGMENTO CLÍNICO:<br />
L. É UMA MENINA AUTISTA DE DOIS ANOS QUANDO CHEGA AO<br />
ATENDIMENTO INDIVIDUAL. NESSE PRIMEIRO MOMENTO, MINHA PRESENÇA<br />
PARECE NÃO CONTAR, ELA NÃO SE DIRIGE AO OUTRO, NÃO HÁ TROCA DE<br />
OLHAR COM O OUTRO. APRESENTA UMA GRANDE AGITAÇÃO, JOGANDO<br />
TODOS OS BRINQUEDOS DA SALA NO CHÃO. APÓS UM LONGO TRABALHO<br />
JUNTO A L. COM SEUS PAIS, NO SENTIDO DE POSSIBILITAR À MÃE E AO PAI<br />
FAZER O LUTO DE UMA MORTE QUE OS CAPTURAVA, IMPOSSIBILITADO QUE<br />
18
L. NASCESSE – ELA TINHA SIDO AMALGAMADA AO LUGAR DE MORTE – É<br />
POSSÍVEL ENTÃO INAUGURAR UM OUTRO MOMENTO, EM QUE L. PASSA A<br />
SER INVESTIDA LIBIDINALMENTE, COMO OBJETO DE AMOR. CAI, ENTÃO, O<br />
LUGAR DE CRIANÇA DESOBEDIENTE, QUE PRECISA APANHAR, PARA DAS A<br />
VEZ AO LUGAR DE CRIANÇA QUE INTERESSA (‘QUEREMOS SABER MAIS DE<br />
L.’).<br />
É NESSE MOMENTO QUE ELA É INDICADA PARA O ESPAÇO PAIS/BEBÊ, UM<br />
ESPAÇO PARA ALÉM DO ESPAÇO DO ATENDIMENTO INDIVIDUAL, NO QUAL<br />
O LÚDICO POSSA SERVIR DE SUPORTE, ESPAÇO QUE POSSIBILITA À MÃE<br />
LIBINIZAR L. MAIS UM POUCO.<br />
INDICAMOS TAMBÉM COMO ESPAÇO “REGRADO”, NO QUAL O SABER NÃO<br />
VEM POR PARTE DAS TÉCNICAS, MAS, SIM, POR PARTE DA CRIANÇA. TRATA-<br />
SE PORTANTO DE UM ESPAÇO QUE É NÃO-TODO, QUE CONTÉM UMA CERTA<br />
MARGEM NA QUAL L. POSSA EXPERIMENTAR, DENTRO DE SUAS<br />
POSSIBILIDADES, ENCONTRAR NOVOS OBJETOS, OUTRAS CRIANÇAS. L.<br />
CONSTRÓI CONHECIMENTOS SOBRE SI, SOBRE AS RELAÇÕESCOM AS<br />
OUTRAS CRIANÇAS ENQUANTOBRINCA.<br />
NAS PRIMEIRAS VEZES L. CAI EM DESESPERO,GRITA,ROLA NO CHÃO, SE<br />
DESMANCHA TODA, QUANDO É CONFRONTADA COM OUTRA CRIANÇA QUE<br />
LHE TOMA SEU BRINQUEDO.<br />
INTRODUZIMOS A DIMENSÃO DA PALAVRA, DIFERENTE DO AGIR SEMPRE<br />
ANTECIPADO DA MÃE COM L., QUE NÃO LHE DEIXA ESCOLHA,NE ESPAÇO<br />
PARA PEDIR OU RESPONDER. A MÃE CONSTRÓI CONHECIMENTO SOBRE AS<br />
POSSIBILIDADES DA FILHA, AO VÊ-LA BRINCAR E SE RELACIONAR COMAS<br />
OUTRAS CRIANÇAS E AO REFLETIR SOBRE SUA POSTURA FRENTE À FILHA.<br />
ASSIM, AOS POUCOS, A MÃE SE DIRIGE A L. NÃO MAIS COM O SABER<br />
FECHADO, MAS DEIXANDO SESURPREENDER POR L. É POR MEIO DA<br />
PALAVRA QUE INTRODUZIMOS UM CERTO TEMPO, TEMPO NO QUAL L. PODE<br />
RESPONDER, MESMO QUE DESSA FORMA E QUE ISSOSEJA RECONHECIDO. E<br />
TENTANDO FAZER UMA CERTA SUPLÊNCIA, FAZENDO-SE SUPORTE DESSE IR<br />
E VIR DO OBJETO, BUSCANDO FAZER UM TRABALHO DE ESCRIBA QUE<br />
TENTAMOS DAR NOTÍCIA DE QUE ELA CONTINUA LÁ INTEIRA.<br />
SEGUNDO FRAGMENTO CLÍNICO:<br />
M. TEM UM ANO E MEIO QUANDO CHEGA AO SERVIÇO. NOS PRIMEIROS<br />
ATENDIMENTOS AMBULATORIAIS VÊM A MÃE E A AVÓ PATERNA, UMA VEZ<br />
QUE MORAM JUNTAS, E A MÃE, GRÁVIDA,DIZ ESTAR PRECISANDO DA<br />
AJUDA DA AVÓ. DEPOIS, DEVIDO A QUESTÕES DE SAÚDE, VÊM O AVÔ<br />
PATERNO E M. M. CHEGA CONSTANTEMENTE MACHUCADO, COM GALOS NA<br />
TESTA. O AVÔ RELATA QUE M. É MUITO ‘NERVOZINHO’, POR ISSO BATE A<br />
CABEÇA.<br />
NO ESPAÇO PAIS/BEBÊS,CONSTATAMOS QUE M. É CALMO, PROCURA<br />
INTERAGIR COM OUTRAS CRIANÇAS. TODA VEZ QUE M. CONVIDA O AVÔ<br />
PARA BRINCAR, ELE NÃO ACEITA E O MANDA IR BRINCAR, DETERMINANDO<br />
COMO M. DEVERIA BRINCAR; É DESSA FORMA QUE ELE INTERVÉM TAMBÉM<br />
QUANDO M. ESTÁ BRINCANDO, IMPÕE-LHE OUTRA BRINCADEIRA, INDO ATÉ<br />
TIRAR O BRINQUEDO DE M., PEGANDO DELE NUM MOMENTO QUE QUE M.<br />
ESTÁ MUITO INTERESSADO E ATENTO AO SEU BRINQUEDO. ISSO<br />
19
DESENCADEIA UMA EXPLOSÃO EM M. : ELE GRITA, CHORA E BATEA SUA<br />
CABEÇA NA PAREDE.<br />
É PRECISO INTERVIR, DAR NOTÍCIA A M. DE QUE OUVIMOS QUE ELE ESTÁ<br />
MUITO INTERESSADO NO SEU BRINQUEDO E TENTAR FALAR COM O AVÔ<br />
COMO SE FOSSE M. QUE ESTIVESSE SE DIRIGINDO A ELE E, COM ISSO,<br />
BUSCAR CAVAR UM ENIGMA PARA VER SE O AVÔ CONSEGUE DIRIGIR-SE A<br />
M. DE OUTRO LUGAR.<br />
3.6. TENTATIVA DE FORMALIZAÇÃO DO ESPAÇO PAIS-BEBÊS<br />
CONSIDERAMOS O ESPAÇO COMO UM ESPAÇO QUE SE FAZ A PARTIR DE SUA<br />
FUNÇÃO. PROPOMOS QUE ELE FUNCIONE COMO UM ESPAÇO VAZIO, QUE<br />
TEM NO ENTANTO UM CONTORNO. ESSE CONTORNO É CONSTITUÍDO POR<br />
ALGUNS PRINCÍPIOS QUE O FAZEM CLINICAMENTE OPERACIONAL, NO<br />
SENTIDO DE QUE ELE É OFERECIDO AOS PACIENTES COMO UM LUGAR ONDE<br />
SE É CONVIDADO E POR ISSO SE PODE RECUSAR, OU SEJA, UM ESPAÇO NO<br />
QUAL AS PESSOAS PODEM DECIDIR FICAR OU SAIR. PORTANTO NÃO É UM<br />
GRUPO, É APENAS UM ESPAÇO ONDE É POSSÍVEL ESTAR PRESENTE COM A<br />
CRIANÇA E PODER BRINCAR, FALAR E SER ESCUTADO. O PRINCIPIO<br />
FUNDAMENTAL, ENTÃO, É QUE ELE SE CONSTITUI EM UM ESPAÇO COMO<br />
INSTRUMENTO, E NÃO EM UM GRUPO. MAS NÃO É UM ESPAÇO ISENTO DA<br />
CLÍNICA, É UM LUGAR NO QUAL UM ANALISTA E UM TERAPEUTA<br />
OCUPACIONAL SE FAZEM PRESENTES COM SUA ESCUTA. COM ISSO<br />
QUEREMOS DIZER QUE FAZEMOS VALER UM ESPAÇO VAZIO, NÃO SABEMOS<br />
DE ANTEMÃO, O SABER NÃO ESTÁ LÁ PRONTO, PARA REPERTORIAR A FALA.<br />
O SABER ESTÁ DO LADO DO PACIENTE, AS PESSOAS FALAM O QUE JÁ<br />
SABEM, MAS APOSTAMOS QUE FAZENDO VALER UM ESPAÇO VAZIO DE<br />
SABER, PODEMOS POSSIBILITAR QUE SE PRODUZA AÍ NESSE ESPAÇO, ALGO<br />
NOVO, UM SABER DO INCONSCIENTE QUE POSSA SERVIR PARA AQUELA<br />
MÃE OU AQUELA CRIANÇA.<br />
É UMA ESCUTA QUE GARANTE QUE A “PALAVRA CIRCULE”, QUE SEJA<br />
RESPEITADA A PALAVRA DE CADA UM, É NESSA POSIÇÃO DE NÃO SABER<br />
QUE VAI FAZER VALER ATIVAMENTE, NA AÇÃO ESSE ESPAÇO VAZIO.<br />
MUITAS VEZES, TRATA-SE DE UM TRABALHO DE “SCRIBE”14, DE TABELIÃO<br />
DE QUEM TOMA NOTA DO FAZER ENQUANTO DIZER DA CRIANÇA, OU ATÉ<br />
MESMO DO SEU DIZER. TOMAR NOTA SIGNIFICA PARA O SUJEITO QUE<br />
ESTAMOS A SERVIÇO DO SABER DO SUJEITO, DO QUE ELE DIZ, MESMO<br />
QUANDO SÃO SUJEITOS QUE NÃO SABEM FALAR, UMA VEZ QUE ELES SE<br />
CONSTITUEM A PARTIR DO CAMPO DA LINGUAGEM. COMO NOS DIZ<br />
LUCIANO ELIA:<br />
“(...) COMO OS AUTISTAS OU ALGUNS PSICÓTICOS ESQUIZOFRÊNICOS EM<br />
CONDIÇÕES SUBJETIVAS CUJA GRAVIDADE FAÇA COM QUE SUA RELAÇÃO<br />
COM A LINGUAGEM SE CARACTERIZE PELA MAIS COMPLETA<br />
14 BAYO, Virginio, “Une pratique à plusieurs généralisée”, in: Préliminaire. Publication<br />
du Champ Freudien en Belgique, outono 1999, p.143-154.<br />
20
FRAGMENTAÇÃO E DESCONCATENAÇÃO DE SUA FALA – AINDA ASSIM<br />
ESTARÁ NO CAMPO DA LINGUAGEM NA MEDIDA EM QUE É SER FALANTE,<br />
QUE SE CONSTITUI EM UM MUNDO DE LINGUAGEM, O HUMANO: NÃO<br />
RELINCHA, NÃO LATE, E SUA FALA, QUANDO HÁ, NÃO ESTARIA DE MODO<br />
ALGUM MAIS PRÓXIMA DAS PRODUÇÕES SONORAS DOS ANIMAIS DO QUE A<br />
NOSSA”15 .<br />
ENTÃO, POR PERTENCER AO CAMPO DA LINGUAGEM, TRATA-SE DE UM<br />
DIZER REFERENCIADO AO SABER DO SUJEITO DO INCONSCIENTE. TOMAR<br />
NOTA DESSE SABER DO SUJEITO DO INCONSCIENTE É TENTAR INSCREVER,<br />
FIXAR ALGUMA COISA, PARA PERMITIR QUE ISSO SE REPITA E ESTABILIZE<br />
UMA FALA COMO PRODUÇÃO DO SUJEITO. É ASSIM QUE APOSTAMOS, COM<br />
ESTE TRABALHO, NA POSSIBILIDADE DE MOBILIZAR CADA UM NO CAMPO<br />
DO SEU DESEJO, TENTANDO LOCALIZAR O FURO NO DISCURSO DE CADA<br />
UM, LOCALIZAR QUAL É O FURO QUE SE TECE NESSE DISCURSO,<br />
CONVIDANDO O SUJEITO A TRABALHAR AÍ. ENTENDEMOS QUE É<br />
NECESSÁRIO INTERVIR PONTUALMENTE, A PARTIR DO QUE OCORRE<br />
NAQUELE ESPAÇO E NAQUELE MOMENTO COM AQUELE SUJEITO.<br />
AVALIAMOS QUE TALVEZ SE TRATE DE UM TRABALHO DE TRADUÇÃO NO<br />
SENTIDO DE QUE NESSAS INTERVENÇÕES NOS AUTORIZAMOS A PARTIR DO<br />
CAMPO DO NOSSO DESEJO, DO QUE ESCOLHEMOS A SER ESCUTADO,<br />
DESTACADO, TRANSCRITO AO OUTRO. ISSO NOS LEVA A PENSAR QUE<br />
TALVEZ O ESPAÇO PAIS-BEBÊS SEJA UM ESPAÇO NO QUAL UM VAZIO FAZ<br />
VALER UM ESPAÇO DE ESCRITA PARA CADA UM, ESCRITA DO TRABALHO DE<br />
ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO DE CADA UM E QUE NÓS SOMOS TRADUTORES16<br />
HUMILDES DESSE TRABALHO QUE SE TECE NESSE LAÇO AO OUTRO.<br />
QUANDO PROPOMOS QUE O ESPAÇO SE DEFINE POR UM ESPAÇO PAIS-BEBÊS,<br />
É PARA QUE AÍ POSSA CABER UMA CLÍNICA DO LAÇO, QUE ESSE LAÇO PAIS-<br />
BEBÊS, INFANS-GRANDE OUTRO, POSSA SE DAR, POSSA SE TECER, POSSA SE<br />
FAZER, DESFAZER, SE ESCREVER, RASURAR, REESCREVER. E QUE A LEITURA<br />
SE FAÇA POR NÓS A PARTIR DESSE MOVIMENTO DE ALIENAÇÃO E<br />
SEPARAÇÃO, FAZENDO VALER QUE NESSE LAÇO DO INFANS AO OUTRO,<br />
NESSE MOVIMENTO DO OUTRO AO INFANS, ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO<br />
TECEM UM ESPAÇO QUE NÃO É NEM DO INFANS, NEM DO OUTRO.<br />
ESPAÇO ESSE QUE SE CONSTITUI COMO RESTO DESSA OPERAÇÃO, OU SEJA<br />
CONSTITUI-SE OBJETO A. PODEMOS ASSIM PENSAR QUE O OBJETO A É ESSE<br />
ESPAÇO ENTRE ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO, QUE PODEMOS CHAMAR DE<br />
ESPAÇO SUBJETIVO. VEMOS AÍ UMA APROXIMAÇÃO DO OBJETO POTENCIAL<br />
DE D.W. WINNICOTT COMO SENDO AQUELE OBJETO QUE SE CONSTITUI PELO<br />
FATO DO INFANS JÁ VIVER A DIMENSÃO DA FALTA, JÁ HAVER NELE A<br />
15 ELIA, Luciano, O conceito <strong>de</strong> sujeito, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Jorge Zahar editor, 2004, pp. 21-<br />
22.<br />
16 Sabemos que ha um estudo rigoroso sobre o trabalho <strong>de</strong> tradução. Não vamos<br />
<strong>de</strong>senvolver isso aqui. Nos referimos ao texto <strong>de</strong> Lacan, "Avis au lecteur japonais", in<br />
LACAN, Jacques, Autres écrits, Paris, Seuil, 2001, p. 497.<br />
21
INCLUSÃO DA PERDA DO OBJETO. ELE TEM A FUNÇÃO DE POSSIBILITAR O<br />
INFANS SE SEPARAR DO OBJETO MATERNO E DEPOIS DOS OUTROS OBJETOS,<br />
TRAZENDO ASSIM CONSIGO A MARCA DE UM VAZIO, A PRIMAZIA DO<br />
SIMBÓLICO TENDO UM EFEITO SUBJETIVANTE.<br />
TENTAREMOS, PARA FINALIZAR, DAR MAIS UM PASSO NESSA REFELXÃO A<br />
CERCA DO QUE CONSTITUIRIA UM ESPAÇO DE POSSIBILIDADE DE<br />
COSTITUIÇAO DE SUJEITO , E QUE DIREÇÃO DE TRABALHO DEVERIA TER ,<br />
TENTANDO RETOMAR UM POUCO MAIS A PARTIR DE QUAL REFERÊNCIA<br />
GUIAMOS ESSE TRABALHO DE INTERVENÇÃO, E ESPECIFICAMENTE O QUE<br />
SUSTENTARIA TEORICAMENTE E ETICAMENTE UM TRABALHO NO CAMPO<br />
DA PSICANÁLISE COM CRIANÇAS TÃO PEQUENAS , PARA QUAL LACAN DEU<br />
O ESTATUTO DE INFANS ,DE VIRA -A-SER. . PARA ISSO, VAMOS<br />
PERCORRER BRIEVEMENTE O QUE LEMOS SOBRE A ÉTICA DA PSYCANALISE<br />
, AFIM DE TENTAR FORMALIZAR MAIS UM POUCO COMO PODERIAMOS<br />
MANTER UM RIGOR ÉTICO NESSE TRABALHO QUE PRETENDEMOS FAZER<br />
COM CRIANÇAS BEM PEQUENAS, E O QUE ISSO QUER DIZER.<br />
A PSICANÁLISE ESTÁ PRESENTE EM VÁRIOS LUGARES: NA UNIVERSIDADE,<br />
NAS INSTITUIÇÕES DE SAÚDE, NA SAÚDE MENTAL … LUGARES ONDE HÁ<br />
AMBULATÓRIOS, PERMANÊNCIA DIURNA, NOTURNA, ATENDIMENTO DE<br />
URGÊNCIA…<br />
OU SEJA, EXTRAPOLAMOS OS MUROS DO "SITING ANALÍTICO": O DIVAN E O<br />
ANALISTA.<br />
NUMA REVISTA FRANCESA, O MAGAZINE LITTÉRAIRE (N°428, FÉVRIER 2004),<br />
PODEMOS LER O TÍTULO: "LA PSYCHANALYSE — NOUVEAUX ENJEUX,<br />
NOUVELLES PRATIQUES". ESTA REVISTA TEM AS CONTRIBUIÇÕES DOS<br />
PSICANALISTAS RENÉ MAJOR, JULIA KRISTEVA, TOBIE NATHAN, BORI S<br />
PERIGOS DO RETORNO DA RELIGIÃO E DO CIENTICISMO, A PSICANÁLISE<br />
SENDO PARA ELE A ÚNICA MURALHA AMPARO CONCEBÍVEL CONTRA AS<br />
ANGÚSTIAS CONTEMPORÂNEAS.<br />
NESSE SENTIDO, PARA LACAN, A PSICANÁLISE É O MELHOR QUE SE TEM<br />
COMO RESPOSTA À QUESTÃO DO SOFRIMENTO E DO GOZO PRESENTE NOS<br />
SINTOMAS DE NOSSA CULTURA, UMA VEZ QUE, COMO NOS DIZ EDUARDO<br />
VIDAL, EM SEU ARTIGO `` O SUJEITO CONSUMIDO `` ,"COM A<br />
PSICANÁLISE, A SEXUALIDADE ENTRA EM OUTRA DIMENSÃO, POIS PASSA A<br />
ESTAR NA CAUSA, COM O TERMO DE PULSÃO, DO ACONTECER PSÍQUICO (...)<br />
A SATISFAÇAO DA PULSÃO E OGOZO ``17 ELE ESCREVE TAMBÉM: " MAS O<br />
SER FALANTE NÃO ESTÁ BEM APARELHADO PARA LIDAR COM ELE. AS<br />
PALAVRAS FALTAM NO QUE SE REFERE AO GOZO E O INCONSCIENTE É UM<br />
SABER INCOMPLETO NO QUE TANGE AO SEXUAL. ENTRE O INCONSCIENTE E<br />
A PULSÃO, HÁ UMA FENDA ONDE O DESEJO TEM A FUNÇÃO DE FAZER O NÓ.<br />
QUE O DESEJO POSSA SURGIR DEPENDE DA POSSIBILIDADE DE SE MANTER<br />
ABERTA A FENDA, NÃO PREENCHER A FALTA."18<br />
17 VIDAL Eduardo, "O sujeito consumido", in: O Estado <strong>de</strong> Minas do 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />
2001, p. 3.<br />
18 Ib.<br />
22
MANTER A FENDA ABERTA E NÃO PREENCHER A FALTA É UM RECURSO<br />
ÉTICO QUE A PSICANÁLISE PROPÕE PARA TRATAR DA QUESTÃO DO<br />
SOFRIMENTO E DO GOZO PRESENTE NOS SINTOMAS DE NOSSA CULTURA. OS<br />
SINTOMAS DE NOSSA CULTURA, LACAN OS PENSA A PARTIR DA RELEITURA<br />
QUE FAZ DO TEXTO MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO, ESCRITO POR FREUD EM<br />
1930. NESSE LIVRO, FREUD MOSTRA COMO QUE A TIRANIA DO IDEAL LEVA<br />
AO MAL ESTAR NA CIVILIZAÇÃO. "EL SUPERYÓ DE LA CULTURA HA<br />
PLASMADO SUS IDEALES Y PLANTEA SUS RECLAMOS. ENTRE ESTOS, LOS<br />
QUE ATAÑEN A LOS VÍNCULOS RECÍPROCOS ENTRE LOS SERES HUMANOS<br />
SE RESUMEN BAJO EL NOMBRE DE ÉTICA. EN TODOS LES TIEMPOS SE<br />
ATRIBUYÓ EL MÁXIMO VALOR A ESTA ÉTICA, COMO SI SE ESPERARA<br />
JUSTAMENTE DE ELLA UNOS LOGROS DE PARTICULAR IMPORTANCIA. Y EN<br />
EFECTO, LA ÉTICA SE DIRIJE A AQUEL PUNTO QUE FACILMENTE SE<br />
RECONOCE COMO LA DESOLLADURA DE TODA CULTURA"19. FREUD NOS DIZ<br />
ASSIM QUE A ÉTICA DEVE SER CONSIDERADA COMO UMA TENTATIVA<br />
TERAPÊUTICA: TRATAR-SE-IA DE UM ESFORÇO QUE, ATRAVÉS DO SUPEREU<br />
CULTURAL, TENTARIA ALCANÇAR ALGO QUE NENHUMA ATIVIDADE<br />
CULTURAL CONSEGUIU ATÉ HOJE: UMA TENTATIVA SE SE LIVRAR DO<br />
MAIOR PROBLEMA DA CIVILIZAÇÃO, ISTO É, A AGRESSIVIDADE ENTRE OS<br />
SERES HUMANOS. NADA SIMPLES, UMA VEZ QUE A AGRESSÃO É UMA<br />
DISPOSIÇÃO PULSIONAL ORIGINAL E AUTO-SUBSISTENTE. É POR ISSO QUE A<br />
CIVILIZAÇÃO FACILITA IDENTIFICAÇÕES FORTES, UMA VEZ QUE A LIBIDO<br />
INIBIDA FORTALECE O VÍNCULO.<br />
FREUD ESCREVE MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO A PARTIR DA CLÍNICA E ESTA<br />
VAI CONDUZI-LO A AUTORIZAR DUAS CENSURAS CONTRA O SUPEREU.<br />
TRATA-SE, SEGUNDO ELE, DE SE OPOR AO SUPEREU, SEJA QUANDO A SUA<br />
SEVERIDADE DESCONHECE O EU — AÍ NÓS NOS OPOMOS PARA DIMINUIR<br />
SUAS EXIGÊNCIAS —, SEJA QUANDO HÁ UMA SUPER RIGIDEZ NA CRIAÇÃO<br />
DOS FILHOS. SEGUNDO LEILA MARINÉ, " A SUPER RIGIDEZ NA CRIAÇÃO DOS<br />
FILHOS É PATOGÊNICA, PORQUE A CONSITUIÇÃO DESSA AGRESSIVIDADE<br />
ENDEREÇADA AO OUTRO E INCORPORADA PELO SUJEITO INCLUI SEMPRE<br />
UM CÁLCULO DA AGRESSÃO ESPERADA"20. PARA FREUD, NA CULTURA<br />
FAZEMOS OPOSIÇÃO A ORDENS IMPOSSÍVEIS DE OBEDECER, PORQUE NELAS<br />
ESTÁ IMPLICADA A SUPOSIÇÃO DE QUE SERIA POSSÍVEL AO HOMEM<br />
DOMINAR ISSO, O QUE ELE NÃO PODE.<br />
LACAN TOMA A PSICANÁLISE COMO UMA ÉTICA, A ÉTICA DO BEM DIZER A<br />
RELAÇÃO DO SUJEITO COM O DESEJO E O GOZO. SEGUNDO EDUARDO<br />
VIDAL, "O SUJEITO PARA A PSICANÁLISE É DIVIDIDO ENTRE O QUE<br />
ACREDITA SABER — SUAS CONVICÇÕES, IDEAIS… — E O QUE SABE EM<br />
OUTRO LUGAR, O INCONSCIENTE, QUE, COMO A LINGUAGEM QUE FALA,<br />
CONTINUA TRABALHANDO AINDA QUANDO DORME"21<br />
19 FREUD Sigmund, El malestar en la cultura (1930 [1929]), in: Obras <strong>com</strong>pletas, vol.<br />
XXI.<br />
20 GUIMARAES Leila Mariné da Cunha, "Do mal-estar", texto inédito, p. 3.<br />
21 VIDAL, art.cit., p. 3.<br />
23
PORTANTO, BEM DIZER A RELAÇÃO DO SUJEITO COM O DESEJO E O GOZO<br />
IMPLICA QUE A ANÁLISE NÃO TENTE SUPRIMIR O SINTOMA, ELIMINÁ-LO.<br />
ELA CONVIDA ANTES O SUJEITO A DIZÊ-LO, DE MANEIRA QUE A POSIÇÃO<br />
DO SUJEITO DO SINTOMA MUDE A PONTO DE MUDAR TAMBÉM A ECONOMIA<br />
DE GOZO E AS IMPLICAÇÕES DO DESEJO NESSE SINTOMA.<br />
LACAN NOS DIRÁ NO SÉMINAIRE VII, L'ÉTHIQUE DE LA PSYCHANALYSE,<br />
QUE O QUE SE PEDE AO ANALISTA É A FELICIDADE22 E QUE O QUE É<br />
IMPORTANTE DE SER LEMBRADO NO MOMENTO QUE O ANALISTA SE<br />
ENCONTRA EM POSIÇÃO DE RESPONDER A QUEM LHE PEDE A FELICIDADE, É<br />
QUE NÃO SÓ ELE TEM O BEM SOBERANO, A FELICIDADE, MAS SOBRETUDO<br />
QUE ELE SABE QUE NÃO EXISTE O BEM SOBERANO, A FELICIDADE. LACAN<br />
DIRÁ A ESSE RESPEITO: "VOICI CE QU'IL CONVIENT DE RAPPELER AU<br />
MOMENT OÙ L'ANALYSTE SE TROUVE EN POSITION DE RÉPONSE À QUI LUI<br />
DEMANDE LE BONHEUR (…), MAIS LUI L'ANALYSTE SAIT QUE C'EST UNE<br />
QUESTION FERMÉE. NON SEULEMENT CE QU'ON LUI DEMANDE, LE<br />
SOUVERAIN BIEN, IL NE L'A PAS BIEN SÛR, MAIS IL SAIT QU'IL N'Y EN A<br />
PAS."23<br />
LACAN EXPLICA QUE LEVAR UMA ANÁLISE A TERMO, NÃO É NADA MAIS DO<br />
QUE TER ENCONTRADO ESSE LIMITE ONDE SE APOIA TODA A<br />
PROBLEMÁTICA DO DESEJO. O QUE O ANALISTA TEM PARA DAR, NÃO É A<br />
FELICIDADE; O QUE ELE TEM PARA DAR É O QUE ELE TEM, QUE É SOMENTE<br />
SEU DESEJO, UM DESEJO ADVERTIDO. "CE QUE L'ANALYSTE A